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SECRETARIA DE ESTADO DE SADE DO GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL HOSPITAL REGIONAL DA ASA SUL PROGRAMA DE RESIDNCIA MDICA EM PEDIATRIA

JULIANNA MOURA CASTRO DA SILVEIRA

SARCOIDOSE PULMONAR: RELATO DE CASO E REVISO DA LITERATURA

Braslia, DF 2008

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Julianna Moura Castro da Silveira

SARCOIDOSE PULMONAR: RELATO DE CASO E REVISO DA LITERATURA

Monografia apresentada ao Supervisor do Programa de Residncia em Pediatria da Secretaria de Estado de Sade do Distrito Federal, como requisito parcial para obteno do ttulo de especialista em Pediatria sob orientao do preceptor Dr. Bruno Vaz da Costa.

Braslia, DF 2008

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Aos meus pais. Sempre incentivando, sempre ajudando com carinho e dedicao. Sem o apoio de vocs, a caminhada seria mais rdua.

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AGRADECIMENTOS

Ao meu pai, Vianeck Silveira Castro, pelo seu apoio e confiana incondicionais.

minha me, Anna Anglica de Moura Castro, exemplo de fora e determinao, pelo seu imenso amor, base da minha vida. Ao Dr. Bruno Vaz da Costa, pelo respeito e ensinamentos compartilhados com todo o corpo de residentes. todos os mdicos e mdicas pediatras do HRAS, pela pacincia e ateno, responsveis por tudo que aprendi nestes dois anos de residncia. Dra. Regina Maria de Arajo Froz e toda equipe da Unidade de Anatomia Patolgica e Citologia do HRAS pelo carinho e interesse com que disponibilizaram as fotografias do histopatolgico para ilustrao deste trabalho. Sobretudo s nossas crianas, razo de nosso esforo e motivao para sempre melhorar...

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RESUMO

Introduo: A primeira descrio da sarcoidose, creditada a Hutchinson, data de 1869 ou 1877. O primeiro caso de sarcoidose cutnea foi descrito por Besnier, em 1889. A histria moderna da sarcoidose remonta ao ano de 1899 quando o dermatologista noruegus Caesar Boeck definiu focos de clulas epiteliides com grande ncleo plido e tambm algumas clulas gigantes. Em 1914, Schaumann relatou acometimento sistmico pela doena. Objetivo: Relatar um caso de sarcoidose pulmonar diagnosticado em um paciente peditrico no Hospital Regional da Asa Sul Braslia em 2007 e fazer uma reviso literria da patologia em questo. Metodologia: reviso de pronturio e pesquisa bibliogrfica nas bases de dados MEDLINE, LILACS, SciELO e MD Consult. Resultado: A sarcoidose uma doena multissistmica, de etiologia indefinida, que se caracteriza pela presena de processo inflamatrio crnico. Seu principal achado a presena de granulomas epiteliides nocaseosos e alterao da arquitetura tecidual normal do rgo afetado. A doena ocorre mundialmente, relativamente comum e afeta pessoas de todas as idades, raas e tanto homens quanto mulheres. A causa da sarcoidose permanece obscura devido a vrias razes, incluindo a heterogeneidade das manifestaes da doena, a ausncia de uma definio precisa da mesma, sobreposio clnica com outras desordens e testes diagnsticos insensveis e no-especficos. A associao entre a sarcoidose e numerosos agentes potencialmente causadores da doena tem sido investigada. A teoria mais aceita a de que agentes ambientais infecciosos ou noinfecciosos desencadeiem uma cascata de eventos imunolgicos e inflamatrios em pessoas geneticamente suscetveis. A sarcoidose pode atingir todas as partes do corpo, porm o pulmo o rgo mais freqentemente afetado. Outros rgos tambm acometidos so os linfonodos, a pele, os olhos e o fgado. A sintomatologia da sarcoidose na populao peditrica depende da idade. A evoluo e a severidade da doena so altamente variveis. Pode-se chegar ao diagnstico da sarcoidose com razovel segurana baseando-se em achados clnicos e radiolgicos compatveis, suportados pela evidncia histolgica de granulomas epiteliides no-caseosos na ausncia de outras causas de doena granulomatosa. A heterogeneidade das manifestaes da sarcoidose, seu curso clnico incerto e os potenciais efeitos colaterais do tratamento compem os desafios do manejo clnico. A sarcoidose pode ter resoluo espontnea tornando controversa a questo de quando se deve tratar o paciente. Os glicocorticides so considerados a primeira opo de tratamento e seu uso objetiva o alvio dos sintomas, o aumento da qualidade de vida, modulao da atividade da doena para prevenir grave morbidade e mortalidade relacionada ao envolvimento de rgos vitais. Consideraes Finais: H certa demora at se chegar ao seu diagnstico, pois alm da sintomatologia inespecfica existe uma tendncia a se pensar em outras doenas como tuberculose e infeces pulmonares fngicas, especialmente nos pases onde estas so mais prevalentes. Desta forma, diante de um paciente para o qual se pensou e iniciou a teraputica para tuberculose e que no respondeu ao tratamento, seria interessante abrir o leque de hipteses diagnsticas abrangendo entre elas a sarcoidose pulmonar. Palavras-chave: Sarcoidose. Crianas. Granulomas No-Caseosos.

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ABSTRACT

Introduction: The first description of sarcoidosis, credited to Hutchinson, date of 1869 or 1877. The first case of sarcoidosis skin was described by Besnier, in 1889. The modern history of sarcoidosis back to the year of 1899 when the Norwegian dermatologist Caesar Boeck defined foci of "epithelioid cells with great pale nucleus and also some giant cells." In 1914, Schaumann reported involvement by systemic disease. Objective: To report a case of pulmonary sarcoidosis diagnosed in a pediatric patient in the Hospital Regional da Asa Sul - Braslia - in 2007 and make a literary review of condition in question. Methodology: review of records and literature search in databases MEDLINE, LILACS, SciELO and MD Consult. Result: Sarcoidosis is a multisystem disease, of unknown etiology, which is characterized by the presence of chronic inflammatory process. The main finding is the formation of noncaseating epithelioid-cell granulomas and changes in normal tissue architecture of the organ affected. The disease occurs worldwide, is relatively common and affects people of all ages, races and both men and women. The cause of sarcoidosis remains unclear due to various reasons, including the heterogeneity of the manifestations of the disease, the absence of a precise definition of it, overlap with other disorders and insensitive and non-specific diagnostic tests. The association between sarcoidosis and numerous agents potentially causing the disease has been investigated. The most accepted theory is that infectious or non-infectious environmental agents trigger a cascade of immunological and inflammatory events in genetically susceptible people. Sarcoidosis can reach all parts of the body, but the lung is the organ most frequently affected. Other affected organs are lymph nodes, skin, eyes and liver. The symptoms of sarcoidosis in the paediatric population depends on age. The evolution and severity of the disease are highly variable. You can reach the diagnosis of sarcoidosis with reasonable security based on clinical and radiological compatible findings, supported by histological evidence of the noncaseating epithelioid granulomas in the absence of other causes of granulomatous disease. The heterogeneity of the manifestations of sarcoidosis, its uncertain clinical course and potential side effects of treatment comprises the challenges of clinical management. Sarcoidosis can have spontaneous resolution making the controversial question of when should treat the patient. The glucocorticoids are considered the first option of treatment and its use objective the relief of symptoms, increased quality of life, modulating the activity of the disease to prevent serious morbidity and mortality related to the involvement of vital organs. Final considerations: There is some delay until the diagnosis of sarcoidosis, because in addition to the nonspecific symptoms there is a tendency to think in other diseases such as tuberculosis and pulmonary fungal infections, especially in countries where they are most prevalent. Thus, before a patient for which thought and began therapy for tuberculosis and that has not responded to treatment, it would be interesting to open the range of diagnostic assumptions covering including pulmonary sarcoidosis. Keywords: Sarcoidosis. Children. Noncaseating Granulomas.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACCESS BAAR BCG BK CHCM CVF DM DNA EAS EBV ECA EUA GM-CSF HAS H. capsulatum HCM HE HIV HLA HRAS IFN- IgM IL Kg LBA LDH MCP-1 MHC mg M. tuberculosis M. bovis PCR

A Case Controlled Etiologic Study of Sarcoidosis Bacilo lcool cido Resistente Bacilo Calmette Gurin Bacilo de Koch Concentrao de Hemoglobina Corpuscular Mdia Capacidade Vital Forada Diabetes Mellitus cido Desoxirribonuclico Elementos Anormais e Sedimento ou Exame Sumrio de Urina Epstein-Barr Vrus Enzima Conversora de Angiotensina Estados Unidos da Amrica Fator Estimulador de Colnias para Granulcitos Hipertenso Arterial Sistmica Histoplasma capsulatum Hemoglobina Corpuscular Mdia Hematoxilina-Eosina Vrus da Imunodeficincia Humana Antgenos Leucocitrios Humanos Hospital Regional da Asa Sul Interferon-gama Imunoglobulina M Interleucina Kilograma Lavado Broncoalveolar Desidrogenase Ltica Protena-1 Quimiottica para Macrfagos Complexo Principal de Histocompatibilidade miligramas Mycobacterium tuberculosis Mycobacterium bovis Protena C Reativa

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P. brasilienses P. jirovesi PPD RIP TB TC TGO TGP Th1 Th2 TNF- VCM VEF1 VHS -GT

Paracoccidioides brasilienses Pneumocystis jirovesi Derivado Purificado da Protena do Bacilo da Tuberculose Rifampicina + Isoniazida + Pirazinamida Tuberculose Tomografia Computadorizada Transaminase Glutmica Oxalactica Transaminase Glutmica Pirvica T helper 1 T helper 2 Fator de Necrose Tumoral-alfa Volume Corpuscular Mdio Volume Expiratrio Forado no 1 Segundo Velocidade de Hemossedimentao Gama Glutamil Transferase

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LISTA DE QUADROS E TABELAS

Tabela 1. Classificao radiolgica da sarcoidose, segundo Wurn e Scadding ............... 33 Tabela 2. Avaliaes clnicas recomendadas na suspeita de sarcoidose .......................... 46 Tabela 3. Seguimento clnico na sarcoidose .................................................................... 63 Quadro 1. Hemograma, eletrlitos, bioqumica, funo renal, funo heptica, provas de atividade inflamatria .................................................................................................. 71 Quadro 2. Exame Sumrio de Urina ............................................................................... 71

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Representao esquemtica dos eventos iniciais na sarcoidose (imunopatogenia) ......................................................................................................... 27 Figura 2. Radiografia de trax pstero-anterior demonstrando adenopatia hilar bilateral (tipo I) ............................................................................................................ 33 Figura 3. Radiografia de trax pstero-anterior ilustrando infiltrado pulmonar difuso (tipo III) ............................................................................................................. 34 Figura 4. TC de trax mostrando infiltrao retculo-nodular, incluindo reas de confluncia ................................................................................................................... 35 Figura 5. Placa eritmato-acastanhada, descamativa na regio lombossacra ............. 37 Figura 6. reas nodulares na conjuntiva que podem indicar envolvimento da mesma .......................................................................................................................... 39 Figura 7. Consideraes para incio do tratamento da sarcoidose .............................. 57 Figura 8. Radiografia de trax em PA do paciente mostrando opacidades nodulares difusas com adenopatias hilares ................................................................................... 72 Figura 9. Radiografia de trax em perfil com os mesmos achados da figura anterior 73 Figura 10. Radiografia de trax em PA do paciente mostrando hiperinsuflao pulmonar associados a mltiplos microndulos difusos em ambos os pulmes ......... 74 Figura 11. Radiografia em perfil correspondente figura anterior ............................ 74 Figura 12. Cortes histolgicos de bipsia pulmonar mostrando granulomas no caseosos ....................................................................................................................... 75

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SUMRIO

RESUMO ............................................................................................................................ iv ABSTRACT ........................................................................................................................ v LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ........................................................................ vi LISTA DE QUADROS E TABELAS ................................................................................ viii LISTA DE FIGURAS ......................................................................................................... ix 1 INTRODUO .............................................................................................................. 12 2 OBJETIVO ..................................................................................................................... 14 3 METODOLOGIA .......................................................................................................... 15 3.1 LOCAL DO ESTUDO ................................................................................................. 15 3.2 MTODO ..................................................................................................................... 15 3.2.1 Reviso de Pronturio ................................................................................................ 15 3.2.2 Pesquisa Bibliogrfica ............................................................................................... 15 3.2.3 Critrios de Incluso e Excluso ................................................................................ 16 3.3 ASPECTOS TICOS ................................................................................................... 16 3.4 NORMAS ADOTADAS .............................................................................................. 16 4 REVISO DA LITERATURA ..................................................................................... 17 4.1 DEFINIO ................................................................................................................. 17 4.2 HISTRICO ................................................................................................................. 17 4.3 EPIDEMIOLOGIA ....................................................................................................... 18 4.4 ETIOLOGIA ................................................................................................................. 20 4.4.1 Agentes Infecciosos ................................................................................................... 21 4.4.2 Exposio Ambiental e Ocupacional ......................................................................... 22 4.4.3 Predisposio Gentica, Doena Auto-Imune (Hiptese Auto-Imune) ..................... 23 4.5 FISIOPATOLOGIA E IMUNOPATOGENIA ............................................................. 25 4.6 QUADRO CLNICO .................................................................................................... 29 4.6.1 Sintomas Constitucionais ........................................................................................... 31 4.6.2 Pulmo e Pleura ......................................................................................................... 31 4.6.3 Linfonodos ................................................................................................................. 36 4.6.4 Pele ............................................................................................................................ 37 4.6.5 Olhos .......................................................................................................................... 39 4.6.6 Corao ...................................................................................................................... 40 4.6.7 Sistema Nervoso e Eixo Hipotlamo-Hipfise .......................................................... 40

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4.6.8 Fgado e Pncreas ...................................................................................................... 42 4.6.9 Medula ssea e Bao ................................................................................................. 43 4.6.10 Rins e Metabolismo do Clcio ................................................................................. 43 4.6.11 Sistema Msculo-Esqueltico e Manifestaes Reumatolgicas ............................ 44 4.7 DIAGNSTICO ........................................................................................................... 45 4.7.1 Radiografia de Trax e TC de Trax ......................................................................... 47 4.7.2 Broncoscopia e Lavado Broncoalveolar .................................................................... 50 4.7.3 Achados Laboratoriais ............................................................................................... 50 4.7.4 Bipsia Tecidual e Anatomopatolgico ..................................................................... 52 4.8 DIAGNSTICO DIFERENCIAL ................................................................................ 53 4.9 OPES TERAPUTICAS ........................................................................................ 56 4.9.1 Indicaes de Tratamento .......................................................................................... 56 4.9.2 Teraputica Utilizada ................................................................................................. 58 4.10 PROGNSTICO E SEGUIMENTO .......................................................................... 60 4.10.1 Histria Natural e Prognstico ................................................................................. 60 4.10.2 Seguimento Clnico .................................................................................................. 62 5 RELATO DE CASO ...................................................................................................... 65 6 DISCUSSO SOBRE O CASO .................................................................................... 78 7 CONSIDERAES FINAIS ........................................................................................ 82 REFERNCIAS .................................................................................................................. 83

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1 INTRODUO

A sarcoidose uma desordem sistmica de etiologia desconhecida caracterizada por inflamao granulomatosa no-caseosa que pode afetar virtualmente todos os rgos.1,2 Porm, os pulmes e os linfonodos hilares e mediastinais so os locais mais comuns de envolvimento.2 A palavra sarcoidose deriva do grego sarco, que significa carne; eidos, que significa como, igual a e osis, significando condio. Em 1877, o Dr. Jonathan Hutchinson descreveu o primeiro caso de sarcoidose no Kings College Hospital em Londres.1 De sua imunopatognese parecem participar fatores genticos, imunolgicos, ambientais e infecciosos.3 O granuloma epiteliide no-caseoso a marca histolgica da sarcoidose, sendo formado por meio de uma srie de eventos.1 Sua causa ainda desconhecida, entretanto vrios estudos tm relatado associaes com alguns agentes infecciosos e fatores de risco como exposio ambiental e ocupacional.1 uma doena cuja incidncia varia conforme a idade, sexo, raa e origem geogrfica.4 A doena afeta principalmente adultos jovens e de meia idade. Crianas de ambos os sexos podem desenvolver a doena e normalmente tm resoluo espontnea da mesma, mas algumas podem sofrer complicaes residuais.1 Como vrios rgos podem ser afetados, o espectro de manifestaes clnicas muito amplo, podendo variar de uma radiografia torcica anormal em um indivduo assintomtico at ao envolvimento severo de mltiplos rgos levando a uma doena progressiva com falncia orgnica e eventualmente, morte.1,2,3 Evidncias clnicas indicam que a apresentao e severidade da sarcoidose variam conforme a raa e a etnia.1 Sarcoidose um diagnstico clnico-patolgico e de excluso. Como no h testes especficos para a doena, o diagnstico estabelecido quando achados clnicos e radiolgicos bem documentados so respaldados pela evidncia histolgica de granulomas epiteliides em mais de um rgo.1 Deve ser ressalto que a identificao de granulomas epiteliides no-caseosos em uma bipsia a chave para o diagnstico da enfermidade, mas estes mesmos granulomas podem ser vistos em muitos outros transtornos. Somente aps o descarte de outras etiologias por uma avaliao rigorosa, o clnico pode seguramente fazer o diagnstico da doena.5

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Vrias outras doenas podem resultar em padro clnico e histopatolgico semelhante sarcoidose. A tuberculose, a histoplasmose, a paracoccidioidomicose, beriliose crnica, granulomatose de Wegener entre outras devem ser investigadas previamente ao diagnstico definitivo de sarcoidose.1 Como a causa da doena desconhecida, a terapia emprica.1 Embora nem sempre necessrio, o principal tratamento para a sarcoidose a corticoterapia sistmica. Os corticides impedem a formao dos granulomas e, como resultado, so em grande parte eficientes contra as manifestaes clnicas da doena ativa.4 Uma variedade de outras medicaes tm sido testadas para reduzir a dependncia aos esterides orais e em pacientes que no respondem ou tm efeitos colaterais intolerveis.1 A histria natural da doena no tratada difcil de prever em um nico indivduo. A maioria dos pacientes (60%) mostra remisso espontnea, com um adicional de 10 a 20% que respondem terapia com corticide. Entretanto, em 10 a 30% o curso crnico.1 A mortalidade atribuda sarcoidose estimada entre 0,5 e 5% e resulta da doena pulmonar, cardaca e neurolgica, principalmente.4 A sarcoidose menos comum nas crianas do que nos adultos. Nas crianas mais velhas a apresentao clnica similar a dos adultos, enquanto que nas crianas mais jovens ocorrem predominantemente leses cutneas, uvete, artrite e estdio I na radiografia torcica. Um quadro clnico assim deve ser diferenciado, por exemplo, da sndrome de Blau, uma doena rara autossmica dominante, que se mostra como uma artrite granulomatosa envolvendo olhos e pele. Entretanto, nesta sndrome os pulmes no so afetados.1,6 Diante disso, prope-se neste trabalho relatar um caso de sarcoidose pulmonar diagnosticada em um paciente peditrico no HRAS e fazer uma reviso bibliogrfica desta patologia.

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2 OBJETIVO

O objetivo deste trabalho relatar um caso de sarcoidose pulmonar diagnosticado em um paciente peditrico no Hospital Regional da Asa Sul (HRAS) Braslia em 2007 e fazer uma reviso literria da patologia em questo.

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3 METODOLOGIA

3.1 LOCAL DO ESTUDO

O presente estudo foi desenvolvido no Hospital Regional da Asa Sul (HRAS) localizado na avenida L2 Sul Quadra 608, Braslia DF.

3.2 MTODO

3.2.1 Reviso de Pronturio

Em um primeiro momento, foi feita uma reviso de pronturio do paciente para relato de caso. O pronturio foi resgatado no Servio de Arquivos Mdicos do Hospital Regional da Asa Sul (HRAS) onde o paciente permaneceu internado at o seu diagnstico final.

3.2.2 Pesquisa Bibliogrfica

Em seguida, iniciou-se uma pesquisa bibliogrfica da literatura nacional e internacional, abrangendo relatos de caso, estudo de casos, artigos de reviso, artigos originais e metanlise publicados nos ltimos catorze anos (de 1994 a 2007) e escritos nas lnguas inglesa, portuguesa e espanhola. A pesquisa foi realizada entre os meses de maro e julho de 2008, nos stios da BIREME/OPAS/OMS - Centro Latino-Americano e do Caribe de Informao em Cincias da Sade (http://www.bireme.br), do PUBMED (http://www.ncbi.nlm.nih.gov), MD CONSULT (http://mdconsult.com) e BIBLIOTECA COCHRANE (www.thecochranelibrary.com). Os artigos foram obtidos nas bases de dados: SciELO - Scientific Electronic Library Online (http://www.scielo.org), LILACS Literatura Latino-Americana e do Caribe em Cincias da Sade e MEDLINE - Literatura Internacional em Cincias da Sade. Os descritores utilizados foram: Sarcoidosis, Pulmonary Sarcoidosis, Children, Sarcoidose, Sarcoidose Pulmonar e Crianas.

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3.2.3 Critrios de Incluso e Excluso

Foram selecionados tendo como critrios sua relevncia, atualidade, publicao em revistas conhecidas e confiveis. Foram descartados aps a leitura os artigos que no apresentavam metodologia adequada ou no abordavam a rea de interesse.

3.3 ASPECTOS TICOS

O Comit de tica em Pesquisa da Secretaria de Sade do Distrito Federal foi consultado a respeito da necessidade de aprovao ou de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para relato de caso e a instituio referiu que no eram necessrios.

3.4 NORMAS ADOTADAS

Este trabalho foi realizado segundo as normas do International Committee of Medical Journal Editors (Normas de Vancouver) para apresentao de manuscritos.

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4 REVISO DA LITERATURA

4.1 DEFINIO

A sarcoidose uma doena multissistmica, de etiologia indefinida, que se caracteriza pela presena de processo inflamatrio crnico. Seu principal achado, mas no especfico, um acmulo de linfcitos T e fagcitos mononucleares em rgos acometidos, com granulomas epiteliides no-caseosos e alteraes da arquitetura tecidual normal. Embora em geral ocorram anergia cutnea e depresso dos processos celulares imunes no sangue, a sarcoidose caracteriza-se, no local da doena, por exacerbao dos processos imunes dos linfcitos T auxiliares 1 (Th1).2,4,7,8,9,10,11 Enquanto a sarcoidose pode atingir virtualmente todas as partes do corpo, o pulmo o rgo mais freqentemente afetado (mais de 90% dos pacientes10,12). Outros rgos tambm acometidos so os linfonodos, a pele, os olhos e o fgado. A evoluo e a severidade da doena so altamente variveis. Com freqncia aguda ou subaguda e auto-limitada em mais da metade dos pacientes; mas em muitos indivduos ela crnica, com perodos de remisso e recorrncia no decorrer dos anos.2,4,7,9,10,11

4.2 HISTRICO

A primeira descrio da sarcoidose, creditada a Jonathan Hutchinson, segundo alguns autores data de 1869 ou 1877 (conforme a fonte bibliogrfica3,9). Hutchinson relatou o caso de um paciente europeu com mltiplas leses cutneas, elevadas e purpricas.9 Mas a ausncia de estudo histopatolgico torna este diagnstico duvidoso. O primeiro caso de sarcoidose cutnea foi descrito por Besnier, em 1889.3 A histria moderna da sarcoidose remonta ao ano de 1899 quando o dermatologista noruegus Caesar Boeck definiu focos de clulas epiteliides com grande ncleo plido e tambm algumas clulas gigantes. Pensando que este achado parecia-se com sarcoma, ele chamou esta condio de mltiplos sarcides benignos de pele.3,6 Em 1914, Schaumann relatou acometimento sistmico pela doena. Desta forma, a sarcoidose tambm denominada doena de Besnier-Boeck-Schaumann em homenagem a estes autores.3

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4.3 EPIDEMIOLOGIA

A sarcoidose, doena de ocorrncia mundial, relativamente comum e afeta pessoas de todas as idades, raas e tanto homens quanto mulheres.7,10,11 Algumas variveis tm sido investigadas em muitos levantamentos epidemiolgicos desde 1950.13 As mais

freqentemente estudadas so: idade, sexo, etnia, grupos familiares, estilo de vida, exposio ambiental e ocupacional, regio geogrfica, sazonalidade e migrao.3,4,6,8,13 A maioria das estatsticas encontradas na literatura so americana, europia e, em menos citaes, japonesa (locais onde h uma prevalncia maior da doena). A sarcoidose menos relatada na Espanha, Portugal, ndia, Arbia Saudita ou Amrica Latina devido ausncia de programas de screening da populao e por serem locais onde outras doenas granulomatosas como a tuberculose, infeces fngicas ou a hansenase so mais reconhecidas.10 A sarcoidose, consistentemente, mostra uma predileo por adultos abaixo de 40 anos, principalmente entre 20 e 29 anos, mas tambm pode ocorrer em crianas e idosos.9,11,13 A incidncia da sarcoidose notadamente baixa antes dos 15 anos (1/100.000 casos) e excepcionalmente antes dos quatro anos (0,06/100.000 casos).4 Nos Estados Unidos da Amrica (EUA), a freqncia estimada da doena em crianas de 1/20 da encontrada em adultos (3-5% dos casos). Entretanto, em pases onde estudos radiolgicos em massa da populao so realizados, como a Hungria e o Japo, a prevalncia em crianas parece ser a mesma que nos adultos. Embora a incidncia da sarcoidose em crianas seja difcil de avaliar, em termos gerais acredita-se ser mais baixa que nos adultos.6,14 A sarcoidose, na populao peditrica, mais freqentemente diagnosticada em adolescentes do que em crianas menores (normalmente, maiores de 10 anos com pico entre 13 e 15 anos).14,15 A incidncia global estimada em torno de 16,5 casos/100.000 entre os homens e 19 casos/100.000 entre as mulheres.4 As mulheres parecem ser ligeiramente mais suscetveis do que os homens.3,4,6,7,13 Na Escandinvia, a incidncia no sexo feminino parece ser bimodal com um segundo pico ocorrendo na faixa etria de 45 a 65 anos (ou 65 a 69 anos, conforme a referncia).3,4,6 Entre as crianas no parece haver uma diferena na prevalncia entre os sexos.16 Casos de sarcoidose foram descritos em todas as raas, entretanto h uma diferena marcante da incidncia entre certos grupos tnicos e raciais.7,9,11 Nos EUA a incidncia maior entre os negros, enquanto na Europa a doena tem afetado principalmente os caucasianos.6,7,10,13 A incidncia entre os negros americanos aproximadamente trs vezes maior que entre os brancos (35,5 casos/100.000 contra 10,9 casos/100.000 habitantes).2,6,9,11

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Talvez, mais importante que variaes na incidncia so as diferenas no padro de envolvimento orgnico e a severidade da doena de acordo com a raa e etnia. Estudos indicam que a sarcoidose afeta negros mais agudamente e mais severamente que pessoas de outras raas. Brancos tendem a apresentar-se com doena assintomtica e crnica. As taxas de mortalidade so similares entre as raas.6,8,9,11 A diferena racial geralmente interpretada por fatores genticos.13 A doena normalmente espordica, mas agregao familiar foi observada em aproximadamente 1,7 a 17% dos casos.4 A sarcoidose familiar tem sido registrada desde 1920 e a doena foi mais observada em gmeos monozigticos do que em dizigticos. Possivelmente pode estar relacionada a casamentos restritos a uma pequena rea geogrfica. Alguns estudos mostraram um aumento na incidncia em parentes de afetados17 e teorizam que um determinante compartilhado (que pode ser tanto gentico quanto ambiental) est operando na sarcoidose familiar e sugere que este determinante similar para todos os grupos tnicos.4,7,11,13 Associaes de sarcoidose com estilo de vida foram investigadas por meio de vrios estudos caso-controle, mas nenhuma relao significativa tem sido encontrada. Uma exceo foi quanto ao hbito de fumar que um estudo mostrou uma baixa taxa de fumantes entre os casos de sarcoidose.13 O status scio-econmico no afeta o risco de se ter a doena, mas baixo rendimento e outras dificuldades financeiras que dificultem os cuidados com a sade parecem estar relacionados a um quadro mais grave poca de apresentao da doena; 6,9 segundo outros autores11 esta relao no foi observada. Nos EUA, estudos tm mostrado um aumento na incidncia da doena entre marinheiros e bombeiros e, entre eles, de negros sobre brancos. H relato de aumento na incidncia entre os profissionais de sade; porm um possvel vis nesta informao deve ser considerado, pois estes profissionais tm mais acesso aos servios de sade (favorecendo o diagnstico).11,13,18 A incidncia da sarcoidose varia muito por todo o mundo, provavelmente por diferenas na exposio ambiental, metodologia utilizada na vigilncia epidemiolgica, alelos HLA predisponentes e outros fatores genticos.6 A variao geogrfica mostra uma tendncia geral quanto mais longe do equador, mais pacientes. Na Europa, os pases nrdicos (anualmente cerca de 5 a 40 casos/100.000 pessoas) tm mostrado maiores taxas de incidncia do que em outros pases europeus.6,13 A Sucia detm a maior incidncia mundial (64 casos/100.000 habitantes).3 No Japo, a incidncia anual varia de 1 a 2 casos/100.000 habitantes e o pico

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ocorre na terceira dcada de vida. No Brasil, estimou-se a incidncia em torno de 10 casos/100.000 habitantes em 1985.3 A sarcoidose tem uma preferncia pelo final dos meses mais frios do ano, quando h uma tendncia a elevao das temperaturas. De forma semelhante, a tuberculose tem mostrado uma predileo pelo inverno e primavera, segundo alguns relatos.19 A migrao uma importante varivel em epidemiologia, principalmente no que se refere a um novo ambiente e estilo de vida. Um estudo londrino mostrou uma maior prevalncia da doena em mulheres imigrantes (irlandesas, caribenhas) do que em cidads daquela cidade. Este trabalho sugere efeitos da migrao sobre a incidncia, assim como suscetibilidade tnica.13 No sul do Brasil, um estudo realizado por da Silva et al.20 props traar um perfil epidemiolgico da doena naquela regio e os resultados mostraram que as caractersticas dos pacientes deste estudo no diferem significativamente das encontradas na literatura. A doena foi mais prevalente entre as mulheres, porm homens e mulheres no diferiram significativamente quanto idade. A doena foi mais prevalente entre os pacientes de origem caucasiana e a maioria deles no eram fumantes. As manifestaes clnicas apresentadas pelos pacientes foram manifestaes torcicas, extratorcicas e sistmicas.20

4.4 ETIOLOGIA

A causa da sarcoidose permanece obscura devido a vrias razes, incluindo a heterogeneidade das manifestaes da doena, a ausncia de uma definio precisa da mesma, sobreposio clnica com outras desordens e testes diagnsticos insensveis e noespecficos.9,11 Curiosamente, quando casos de sarcoidose so investigados, os mdicos s vezes encontram uma causa conhecida de inflamao granulomatosa, como a doena crnica pelo berlio, pneumonite por hipersensibilidade, infeco micobacteriana ou fngica ou eles detectam grupos de sarcoidose relacionados no tempo e espao que merecem mais investigao.11 A associao entre a sarcoidose e numerosos agentes potencialmente causadores da doena tem sido investigada, incluindo microorganismos, metais, poeira orgnica e inorgnica e auto-antgenos.9 Atualmente a teoria mais aceita a de que agentes ambientais infecciosos ou noinfecciosos desencadeiem uma cascata de eventos imunolgicos e inflamatrios, que

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caracterizam a doena, em pessoas geneticamente suscetveis.2,18 A natureza heterognea da doena levou alguns pesquisadores a acreditar que a sarcoidose no causada por um nico agente, mas sim por mltiplos agentes que podem resultar em padres diferentes da doena. Um enfoque interessante na etiologia da sarcoidose o que correlaciona a exposio ambiental a marcadores genticos. Estes estudos sustentam a idia de que a predisposio gentica o fator chave no desenvolvimento da doena.3,7,11,21,22 A seguir, algumas hipteses levantadas na literatura, mas nenhuma ainda confirmada.

4.4.1 Agentes Infecciosos

Uma causa infecciosa para sarcoidose tem sido especulada desde a primeira descrio da doena devido a similaridades clnica e histolgica com doenas provocadas por micobactrias e fungos. Esta ligao com agentes infecciosos tem sido sustentada pelo aumento da freqncia de anticorpos sricos contra muitos patgenos e semelhanas entre o padro de citocinas induzidas por microorganismos e o padro de citocinas na sarcoidose.21 Entre os antgenos infecciosos mais investigados est o Mycobacterium tuberculosis. Antigas descries da sarcoidose propunham a micobactria como origem da doena. Hoje esta ligao controversa. Alguns estudos recentes demonstraram a presena de protena de micobactria (Mycobacterium tuberculosis catalase-peroxidase) nos granulomas de alguns pacientes com sarcoidose. Esta protena muito resistente degradao e pode representar o antgeno persistente na sarcoidose.3,4,6,7,21 Porm outras pesquisas tm procurado pela presena de DNA de micobactria, por meio da Reao em Cadeia da Polimerase (PCR), em tecidos sarcoidticos com resultados muito divergentes. O DNA de micobactria foi detectado em 0 a 80% destes tecidos. A inabilidade em detectar a presena do DNA de micobactria nas amostras de tecidos no a exclui como causa da sarcoidose, pois o limite para deteco do microorganismo determinado pelo nmero de genomas por massa de tecido.11,19,21 Moller et al.21 encontraram evidncias de peptdeos de micobactria em tecidos de bipsia analisados.21 Em estudos preliminares, eles tambm encontraram evidncias de resposta imune a antgenos de micobactria. Estes achados os levaram a propor que protenas insolveis derivadas de micobactrias (ou outro microorganismo) induzem uma resposta imunolgica Th1 associada a uma resposta humoral patognica na sarcoidose.21 A propionibactria tem surgido como um agente suspeito em uma srie de pesquisas japonesas. Alguns estudos tm mostrado uma alta incidncia de Propionibacter acnes (ou Propionibacter granulosum) nos tecidos e linfonodos de pacientes com sarcoidose

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comparados aos controles. Estes investigadores tambm relataram uma resposta humoral e linfocitria a uma protena da propionibactria nos pacientes com sarcoidose. Um modelo animal mostrou que Propionibacter acnes pode induzir uma resposta inflamatria granulomatosa em ratos e regular para cima a expresso da MCP-1, uma citocina que tem uma importante funo na formao de granulomas na tuberculose, sarcoidose e outras doenas granulomatosas.4,6,19,21 Semelhantemente a controvrsia da micobactria, a proporo de casos de sarcoidose que podem ser ligados a propionibactria incerta. Estes organismos so comumente encontrados na pele, intestinos, linfonodos e tecido pulmonar de pacientes controles saudveis.21 Outros antgenos infecciosos que foram relacionados sarcoidose so: Rhodococcus equi, espcies de Nocardia, Corynebacterium, de espiroquetas, espcies fngicas, o Tropheryma whipplei e linhagens de vrus.3,9,21 Epstein-Barr vrus (EBV) e outros vrus linfotrficos herpes-like so associados a sarcoidose e anticorpos contra estes vrus tendem a ser elevados nestes pacientes se comparados com a populao controle.9,21

4.4.2 Exposio Ambiental e Ocupacional

Alguns estudos epidemiolgicos sugerem que determinadas exposies ambientais ou ocupacionais podem estar associadas sarcoidose e, dependendo do tipo de exposio, determinados rgos podem ser afetados ou no.11,18 A hiptese de que agentes ambientais provoquem a doena foi baseada na variao sazonal da doena e por sua ocorrncia em grupos fechados de profissionais ou grupos isolados geograficamente.3,6 Como a sarcoidose comumente envolve os pulmes, olhos e pele, a pesquisa por causas ambientais concentrou-se em poeiras orgnicas e inorgnicas (pinho, plen, talco, por exemplo). Alguns estudos mais antigos sobre a sarcoidose relataram a associao com exposio a irritantes encontrados em stios rurais, assim como emisses de fogo-a-lenha e plen de plantas. Mais recentemente a exposio a uma variedade de agentes ambientais orgnicos e inorgnicos (por exemplo, mofo, solo de barro, p de pinheiro, talco e fibra mineral) e inseticidas tm sido investigados como possveis agentes etiolgicos da sarcoidose porque eles podem causar granulomas localizados.3,6,9,21 Sabe-se que o berlio, o zircnio e o alumnio produzem granulomas idnticos aos da sarcoidose.3

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Entre novembro de 1996 e junho de 1999 um estudo caso-controle, multicntrico, chamado A Case Controlled Etiologic Study of Sarcoidosis (ACCESS)23 foi conduzido nos EUA por 10 centros mdicos e um centro coordenador. Este estudo explorou as caractersticas clnicas da doena em sua populao, as possibilidades etiolgicas e comparou casos e controles em relao a diversas exposies.10,18 Entre os apontamentos deste estudo podemos citar, em relao etiologia, que os pacientes com doena pulmonar estavam expostos poeira orgnica agrcola ou, por exemplo, a madeira queimando. As ocupaes mais associadas doena foram o trabalho rural, trabalho em indstrias de material agrcola, criao de pssaros, marinheiros, bombeiros e professores.9,18 Agentes que foram positivamente relacionados a sarcoidose: inseticidas e pesticidas, mofo ou aerossol de mofo.18 O estudo ACCESS encontrou algumas interessantes associaes negativas com a doena. Por exemplo, a forte associao negativa com o cigarro (ativo ou passivo).18 Esta observao confirma os achados de outros estudos prvios. Um importante resultado deste estudo foi a ausncia de associao de agentes que anteriormente eram ligados a doena tais como p inorgnico ou de madeira, metais, slica, p de pinheiros ou argila. Outros achados negativos foram com gatos, poeira orgnica (de animais) e penas.18 Todos estes agentes tm em comum o fato de estarem associados com doenas alrgicas (resposta Th2 dominante). Estes achados levantam a possibilidade de que alergenos que desencadeiem uma resposta Th2 podem reduzir o risco de desenvolver sarcoidose. O cigarro est associado a uma reduo da resposta imune das clulas-T nos pulmes, reduzindo a resposta antgeno-especfica, e promovendo a resposta Th2.6,18,21 Deve-se levar em considerao que este estudo no prova que estes fatores ambientais causem a doena e que, freqentemente, os casos de sarcoidose estavam tambm expostos a fatores associados a outras doenas pulmonares granulomatosas.18 Para alguns autores, a falta de evidncia da presena de um agente dominante ou o pequeno nmero de agentes ambientais que significativamente aumentem o risco de desenvolver sarcoidose sugere que esta patologia no uma desordem ambiental.6,21,22

4.4.3 Predisposio Gentica, Doena Auto-Imune (Hiptese Auto-Imune)

Mecanismos genticos parecem exercer um papel a parte na patognese da sarcoidose. Entretanto, improvvel que qualquer gene isolado seja responsvel. Conceitualmente, provvel que grupos geneticamente predispostos sejam expostos a antgenos (ou auto-

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antgenos) que servem de gatilho para uma resposta imune celular exagerada e a formao de granulomas. As diferenas genticas que promovem susceptibilidade podem residir em loci gnicos que influenciam a regulao imune, a funo das clulas T, ou a apresentao e reconhecimento antignico.4,7,9,11 A gentica pode ser importante no somente na definio de riscos para a doena, mas tambm em determinar o padro da doena, sua severidade e prognstico. A relao entre genes da classe HLA e apresentao clnica da doena, juntamente com a presena de imunocomplexos circulantes, hiperatividade de clulas B e diferenas raciais suportam esta hiptese.9,11 A predisposio gentica doena, para muitos estudos o fator chave no seu desenvolvimento, sugerida pelos casos familiares de sarcoidose e pela alta prevalncia e incidncia entre indivduos de grupos tnicos e raciais diferentes.3 Sarcoidose familiar foi pela primeira vez registrada, no ano de 1923, em duas irms afetadas. Nenhum estudo formal com gmeos foi relatado, mas a concordncia parece ser maior em gmeos monozigticos do que em dizigticos.6,11 Outros estudos levam em conta a possibilidade de uma doena crnica auto-imune. O suporte para esta hiptese vem do fato de, entre os achados da sarcoidose, estarem includos eritema nodoso, uvete, presena de auto-anticorpos e resposta a corticides e agentes imunossupressores.21 Caractersticas imunolgicas consistentes com auto-imunidade incluem evidncias de associao entre o Complexo Principal de Histocompatibilidade (MHC), distribuio alterada de receptores para clulas T, poucos clones de clulas T nos stios de inflamao granulomatosa e evidncias de desregulao de citocinas na doena.21 A etiologia auto-imune pode estar ligada a uma causa infecciosa quando antgenos microbiolgicos mimetizam antgenos endgenos levando a uma resposta imune cruzada que induz a autoimunidade patolgica.21 Na pesquisa por genes que possam conferir susceptibilidade para a sarcoidose, mltiplos estudos sorolgicos identificaram associaes com alelos classe I HLA-A1, HLAB8 e HLA-B27, e classe II HLA-DR3 em indivduos brancos. Posteriormente os alelos HLADRB1 e HLA-DQB1 da classe II foram consistentemente relacionados sarcoidose.6,9 Alguns registros sugerem que gentipos HLA especficos conferem uma predisposio a um determinado fentipo da doena em vez de susceptibilidade. Por exemplo, HLADQB1*0201 e HLA-DRB1*0301 so fortemente associados com doena aguda e um bom prognstico.6,9 HLA-B27 mais freqentemente encontrado nos pacientes com eritema nodoso; o HLA-DRB1*0401 da classe II est relacionado a doena ocular e o HLA-

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DPB1*0101 a hipercalcemia.9 Alguns alelos HLA so considerados protetores (HLA-DR1, DR4).3,11 A heterogeneidade da associao sarcoidose-polimorfismo HLA reflete a

heterogeneidade da doena em relao raa, etnia, sexo, curso da doena e padro de envolvimento extratorcico.11 Os resultados de estudos com genes no-HLA tm sido inconsistentes. Genes que codificam fator de necrose tumoral- (TNF-), interferon- (IFN-) so candidatos lgicos devido a sua funo bsica, mas a associao com a doena no est confirmada.6 At este momento, dois amplos mapeamentos genticos a procura de loci associados sarcoidose foram divulgados: um em alemes brancos que mostrou fortes sinais ligados aos cromossomos 3p e 6p, e outro em americanos negros que, por sua vez, mostrou fortes indcios nos cromossomos 5p e 5q. Entretanto os resultados dos mapeamentos genticos so sabidamente influenciados pelas populaes estudadas.6 Partindo do pressuposto que a predisposio a sarcoidose depende da gentica e da exposio ambiental, a identificao das interaes entre loci especficos de suscetibilidade a sarcoidose e modificadores ambientais provavelmente sero importantes no delineamento da causa (ou das causas) da doena. Atualmente, semelhante interao tem sido identificada: uma associao entre o locus de suscetibilidade a sarcoidose HLA-DQB1 e a exposio gua poluda e alta umidade no local de trabalho.6 Nenhuma causa para sarcoidose foi ainda confirmada, a despeito de muitas pesquisas usando ferramentas diagnsticas modernas. Vrias razes podem explicar a dificuldade de determinar uma etiologia em tal contexto. Primeiro, a sarcoidose pode no ser uma doena com uma causa nica. Segundo, o agente causal pode ser um microorganismo ainda no identificado. E finalmente, o mecanismo por trs da doena pode resultar no somente de um nico organismo ou antgeno, mas tambm estar relacionado presena de fatores adjuvantes.4,9

4.5 FISIOPATOLOGIA E IMUNOPATOGENIA

As evidncias disponveis sugerem que a sarcoidose ativa deriva de uma resposta celular imune exagerada a vrios antgenos, ou auto-antgenos. uma desordem imunolgica mediada, primariamente, por linfcitos T-helper CD4+ e clulas derivadas de fagcitos mononucleares, embora outras clulas inflamatrias como clulas epiteliais e endoteliais

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possam contribuir para uma resposta inflamatria no-especfica levando a um aumento da permeabilidade tecidual e migrao celular.3,6,7,24 Embora ainda no esteja claro porque a formao dos granulomas persistente, tem sido proposto que o estmulo de algum antgeno, inadequadamente degradado, apresentado por macrfagos e clulas dendrticas, obtm uma resposta T CD4+ que subseqentemente induz a uma estimulao crnica dos macrfagos e produo persistente de citocinas inflamatrias.9 Os moncitos so recrutados do sangue para os tecidos tornando-se macrfagos residentes (histicitos) com a funo de degradar o antgeno da sarcoidose, ainda no estabelecido. Estas clulas exercem a funo de clulas apresentadoras de antgenos e produzem citocinas pr-inflamatrias como interleucina 12 (IL-12) e interleucina 15 (IL-15). Acredita-se que o antgeno da sarcoidose seja de degradao lenta. A substncia antignica responsvel pelo recrutamento dos macrfagos internalizada, processada e apresentada aos linfcitos T CD4+ juntamente com o Complexo Maior de Histocompatibilidade II. A IL-12 induz a diferenciao dos linfcitos T CD4+, residentes, em linfcitos T helper 1 (Th1) e promove a liberao de interferon- (IFN-).3,6,7,24 Os linfcitos Th1 secretam predominantemente interleucina 2 (IL-2) e IFN-. Estas citocinas inflamatrias, alm de estimular a diferenciao de mais linfcitos Th1 e a liberao de mais IL-2 e IFN-, recrutam moncitos circulantes para o rgo afetado onde eles diferenciam-se em macrfagos que produzem fator de necrose tumoral- (TNF-) e interleucina 1 (IL-1), ambos com capacidade de promover a formao de granulomas. A IL-1 estimula os macrfagos a produzirem interleucina 8 (IL-8) e fator estimulador de colnias para granulcitos (GM-CSF). O GM-CSF tambm estimula a diferenciao de moncitos em macrfagos (Figura 1).3,6,7,24

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Fonte: Iannuzzi MC, Rybicki BA, Teirstein AS. Sarcoidosis. The New England Journal of Medicine. 2007 Nov 22; 357 (21): 2153-2165.

Figura 1. Representao esquemtica dos eventos iniciais na sarcoidose (imunopatogenia).

O desenvolvimento e o acmulo de granulomas no-caseosos constitui a anormalidade fundamental na sarcoidose. Em princpio, os granulomas so formados para confinar um agente agressor, promover uma inflamao restrita e proteger o tecido adjacente. O granuloma sarcide tpico uma estrutura compacta, composta centralmente de macrfagos e sua prognie, circundados por uma borda de linfcitos T CD4+ e, em uma extenso bem menor, por linfcitos B. A estrutura total relativamente distinta e entremeada por finas fibras colgenas, presumivelmente remanescentes da matriz do tecido conjuntivo subjacente. As clulas gigantes no interior do granuloma podem ser das variedades de Langhans e de corpo estranho e, freqentemente, contm incluses como os corpsculos de Schaumann (estruturas

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semelhantes a caramujos), corpsculos asterides (estruturas estelares) e corpsculos residuais (incluses contendo clcio refringentes).3,5,6,7,24 Macrfagos, diante de uma estimulao crnica por citocinas, diferenciam-se em clulas epiteliides com capacidade bactericida e secretora, porm perde algumas capacidades fagocitrias e se fundem para formar clulas gigantes multinucleadas. As clulas gigantes multinucleadas do tipo de Langhans so resultantes da fuso de clulas mononucleares epiteliides. A necrose caseosa, caracterstica dos granulomas tuberculides, no observada nos granulomas sarcodeos.3,5,6,7,24 A maioria dos granulomas sarcodeos no necrtica, mas um pequeno foco de necrose central no incomum. A necrose fibrinide, granular ou eosinoflica e quando presente deve alertar para a possibilidade de infeco.5 Em casos tpicos, os granulomas so perivasculares, peribrnquicos e peribronquiolar, subpleural e interlobular.5 Embora os granulomas possam resolver com poucas conseqncias, fibrose pulmonar pode ocorrer em 20 a 25% dos pacientes com sarcoidose (Figura 1). A patognese da fibrose nesta doena permanece incerta. Uma mudana do padro de citocinas Th1 (principalmente IL-2 e IFN-) para o perfil de citocinas dos linfcitos T helper 2 (Th2), principalmente interleucinas 4 (IL-4), 10 (IL-10) e 13 (IL-13), parece ser o evento central no desenvolvimento da fibrose. Existem algumas evidncias de que a proliferao fibroblstica dirigida pelos macrfagos teciduais que espontaneamente liberam sinais de crescimento para os fibroblastos, incluindo o fator de crescimento derivado das plaquetas, a fibronectina e o fator de crescimento semelhante insulina 1.3,6,7,24 Os granulomas ocupam espao e suas dimenses modificam a arquitetura local em todos os estgios, exceto nos tardios, porm no h evidncias de que as clulas mononucleares dispersas nos tecidos ou no granuloma provoquem leso no rgo acometido pela liberao de mediadores que lesem as clulas parenquimatosas normais ou a matriz extracelular. Ao contrrio, a disfuno dos rgos na sarcoidose resulta principalmente do acmulo de clulas inflamatrias distorcendo a arquitetura do tecido acometido; se um nmero suficiente de estruturas vitais para o funcionamento dos tecidos estiver comprometido. A doena s se manifesta clinicamente em rgos cuja funo ela afeta, como os pulmes e os olhos, ou em rgos onde ela observada facilmente (pele ou os linfonodos hilares, nas radiografias).7 A sarcoidose um exemplo marcante de compartimentalizao do sistema imune e ilustra por que a atividade mrbida da sarcoidose no pode ser estimada por avaliao do

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sistema imune apenas no sangue. Enquanto as clulas Th1 nos rgos acometidos esto liberando IL-2 e proliferando a uma maior velocidade, as clulas T em outros locais, como o sangue, so quiescentes. Enquanto ocorre um aumento marcante do nmero de clulas Th1 nos locais da doena, a quantidade de clulas Th1 no sangue normal ou discretamente reduzida. Nos rgos afetados, a razo de clulas T CD4+ para CD8+ pode ser to elevada quanto 10:1, em comparao com a razo de 2:1 observada nos tecidos normais ou no sangue dos indivduos acometidos.7 Isto ilustra um paradoxo imune: embora haja no local da doena uma intensa resposta inflamatria, anergia cutnea pode se desenvolver, como indicada pela supresso da resposta imune a tuberculina. A expanso de clulas T CD25, um subgrupo de linfcitos T CD4+, na sarcoidose ativa, pode responder por esta anergia por meio da supresso da produo de IL-2 e inibindo fortemente a proliferao de clulas T.3,6,7,24 Alm de processos imunes celulares exagerados, a sarcoidose ativa tambm se caracteriza por hiperglobulinemia. Includos entre as imunoglobulinas esto anticorpos contra uma variedade de agentes infecciosos, bem como anticorpos IgM anticlulas T. Contudo, no h evidncias de que quaisquer desses anticorpos desempenhem um papel na patogenia da doena, e supe-se que eles resultem da estimulao policlonal de clulas B por clulas T ativadas no local da doena.7

4.6 QUADRO CLNICO

A sarcoidose raramente diagnosticada em crianas e devido escassez de bibliografia referente sarcoidose peditrica o relato que se segue baseado, principalmente, nos achados clnicos em adultos, supondo-se que os sinais e sintomas so semelhantes em adultos e crianas (principalmente as maiores). uma doena sistmica e assim suas manifestaes clnicas podem ser generalizadas ou podem ser localizadas em um ou mais rgos. Contudo, devido ao fato de que os pulmes quase sempre so acometidos, a maior parte dos pacientes apresenta sintomas referidos ao sistema respiratrio.7,11 Independentemente da localizao, as manifestaes clnicas da doena esto diretamente relacionadas presena fsica dos granulomas nos tecidos, com o prprio processo inflamatrio granulomatoso, de exagerada ao de linfcitos Th1-fagcitos mononucleares, ou com as seqelas resultantes de leses permanentes causadas por esse processo.7

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A doena pode apresentar-se de forma assintomtica, aguda ou subaguda e insidiosamente. Os pacientes assintomticos normalmente so diagnosticados por meio de exames de rotina, como a radiografia torcica.3,4,7,11 No se sabe ao certo qual a freqncia desta apresentao, estima-se de 10 a 20% de casos assintomticos em pases onde a radiografia de trax feita de rotina.7 A forma aguda ou subaguda desenvolve-se de maneira abrupta, em um perodo de poucas semanas, e representa cerca de 20 a 40% do total de casos. Podem ocorrer sintomas inespecficos, como febre, emagrecimento, sudorese noturna e fadiga. Esses sintomas costumam ser leves, mas em alguns casos estas queixas constitucionais so intensas. Muitos pacientes apresentam sintomas respiratrios, incluindo tosse, dispnia, desconforto retroesternal vago e/ou articulares como poliartrite.3,4,7 Alguns quadros especficos foram identificados neste grupo. A sndrome de Lfgren, freqente em mulheres escandinavas, irlandesas e porto-riquenhas, mostra a trade de eritema nodoso, achados radiogrficos de adenopatia hilar bilateral, freqentemente acompanhados de sintomas articulares, incluindo artrites dos tornozelos, dos joelhos, dos pulsos ou dos cotovelos. Esta uma forma benigna da doena que pode ser vista em 20 a 50% de todos os casos de doena aguda.3,4,6,7,9,11 A sndrome de Heerfordt-Waldenstrm compreende indivduos com febre, aumento das partidas, uvete anterior e paralisia do nervo facial e a sndrome de Mikulicz, na qual as glndulas partidas, a submandibular, a sublingual e as lacrimais so acometidas.3,7 A forma insidiosa da sarcoidose desenvolve-se por meses e em geral associa-se a queixas respiratrias sem sintomas constitucionais. Os indivduos que se apresentam com formas insidiosas da doena so os que mais freqentemente desenvolvem a sarcoidose crnica, com surgimento de leses permanentes nos pulmes e em outros rgos.7,11 Embora seja uma doena sistmica e apesar do fato de que alguma evidncia de inflamao poder ser detectada em vrios rgos na maioria dos pacientes, a sarcoidose clinicamente importante por causa das anormalidades pulmonares e, em menor extenso, do envolvimento dos linfonodos, da pele, do fgado e dos olhos. Em crianas, os rgos mais freqentemente acometidos so os pulmes, linfonodos, olhos, pele, fgado e bao.7,15 A sintomatologia da sarcoidose na populao peditrica depende da idade. Desta forma podem-se dividir as crianas em grupos de acordo com faixa etria: crianas at quatro anos, crianas de quatro a oito anos e crianas maiores do que oito anos de idade. Em crianas menores que quatro anos, o comprometimento pulmonar menos freqente (20%) e predomina o comprometimento cutneo (76-100%), ocular (58-100%), sseo (