Monografia Rhuan Lopes

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS FACULDADE DE HISTÓRIA RHUAN CARLOS DOS SANTOS LOPES NOVAS VILAS, ANTIGAS ALDEIAS: O SENTIDO DA URBANIZAÇÃO NA AMAZÔNIA COLONIAL (1751-1759) BELÉM 2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

FACULDADE DE HISTÓRIA

RHUAN CARLOS DOS SANTOS LOPES

NOVAS VILAS, ANTIGAS ALDEIAS:

O SENTIDO DA URBANIZAÇÃO NA AMAZÔNIA COLONIAL (1751-1759)

BELÉM

2009

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RHUAN CARLOS DOS SANTOS LOPES

05036001501

NOVAS VILAS, ANTIGAS ALDEIAS:

O SENTIDO DA URBANIZAÇÃO NA AMAZÔNIA COLONIAL (1751-1759)

Monografia de conclusão de curso apresentada à

Faculdade de História da Universidade Federal do

Pará como requisito para obtenção do grau de

Bacharel e Licenciado em História.

Orientador: Prof. Dr. Décio de Alencar Guzmán.

BELÉM

2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

FACULDADE DE HISTÓRIA

RHUAN CARLOS DOS SANTOS LOPES

NOVAS VILAS, ANTIGAS ALDEIAS:

O SENTIDO DA URBANIZAÇÃO NA AMAZÔNIA COLONIAL (1751-1759)

Esta monografia foi julgada adequada para a obtenção dos títulos de Bacharel e Licenciado

em História, e aprovada na sua forma final pela Universidade Federal do Pará.

Data: ___/___/_____

Conceito: __________

_________________________________________

Professor Dr. Décio Guzmán (Orientador - UFPA)

_____________________________ Professor Dr. Mauro Cezar Coelho (Avaliador – UFPA)

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Para Bernarda Lopes, única maravilha do meu mundo.

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AGRADECIMENTOS

A conclusão deste trabalho referenda um “rito de passagem” em que muitos

contribuíram. Devo meus agradecimentos a todos, colaboradores na família, na Universidade,

no campo profissional, na vida social, nas amizades etc. Sem dúvida são múltiplas as

participações, todas integradas em um auxílio – mesmo que involuntário –, conformadoras do

que sou hoje enquanto sujeito.

Sou grato aos amigos da Faculdade, tanto os da turma de 2005 como os que conheci

ao longo do curso. Nossas conversas, acadêmicas ou não, tornaram mais agradáveis a rotina

universitária, propiciando momentos de alegria também fora da UFPA: Elisangêla Pereira,

Lorena (a Morte), Victor Daniel, Letícia, Luciana Moura, Geraldo Magella, Ana Ruth

Estumano, Wagner Benjamim, Carlos Martins, José Luis Franco, Igor Cruz, Raimundo Neto,

Fernanda, Edson Costa. Muito contribuiu para esta monografia os debates com Alik Araújo, a

despeito de sua perspectiva distorcida da frase cristã “é dando que se recebe”, reinterpretada

sob o prisma da microfísica do interesse. À Joelma Queiroz referendo meu apreço e alegria

pela amizade um tanto repentina. Faço um agradecimento particular para Altenise Formigosa,

minha intrépida amiga, sempre se lançando de forma heróica à abissal tarefa de me aturar!

Ao longo do curso tive oportunidade de estagiar em algumas instituições que foram

importantes na minha formação. A primeira foi o Arquivo Público do Pará, lugar também de

minhas pesquisas: sou grato aos seus funcionários sempre prestativos. No Sistema Integrado

de Museus (SIM) pude exercer outra dimensão do ofício de historiador, singular para

ampliação dos horizontes intelectuais. Agradeço aos colegas de trabalho, em especial aos do

Museu do Forte do Presépio: Patrícia, Reginaldo, Fabrício, Carol, Saint-Clair, Rogério,

Sandra, Silvia, Almir, Gina, Milton, Samuel. Meu obrigado a Deusarina Vasconcelos pelos

convites para atuar nos museus do SIM.

Agradeço ao professor Décio Guzmán tanto pelas orientações desse trabalho, sempre

pertinentes, quanto pelo convite para participar de suas pesquisas no Instituto do Patrimônio

Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) ligadas à temática desta monografia. Da mesma

forma, sou grato à Francisca Nescylene, Karl Arenz e Ítala Bianca.

Sou grato também às orientações do professor Rafael Chambouleyron que foram além

da disciplina Metodologia da História II; ao Padre Ilário Govoni agradeço as contribuições

intelectuais. Impossível esquecer o constante apoio da equipe da “Xérox do bloco B”, nas

figuras do Gley e do Evandro. Obrigado pelos fiados e pelos “papos” descontraídos.

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Por fim e mais importante agradeço à minha família. Aos meus irmãos Tamires,

Francisco e Deidianne, com quem aprendo a arte da convivência nem sempre pacífica; ao meu

pai, José Carlos. Dedico um agradecimento especial a minha mãe, Bernarda Lopes, por ter

assumido sem restrições a maternal responsabilidade de educar seus filhos; chego a este ponto

de minha vida graças ao seu esforço. Obrigado.

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“... quando disposições grandes e novas

são necessárias, devem sempre ser apresentadas

por nomes antigos em roupagem antiga.”

Conde Silva-Tarouca a Pombal (1750)

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RESUMO

Este trabalho tem por objeto de estudo a urbanização do Vale Amazônico entre 1751 e

1759. Pretende-se analisar a apropriação das aldeias e fazendas Jesuítas efetuada pelo

governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado em seu discurso urbanístico. Neste

sentido, propomos que esses espaços missionários possuíam uma estrutura de tipo urbano

capaz de garantir o que a historiografia denomina de “surto” de criação de vilas e lugares.

Assim, buscamos perscrutar a organização destes núcleos missionários antes de 1750, para

que haja subsídios ao entendimento do processo de conversão na administração de Furtado.

Para isso utilizamos de crônicas produzidas por observadores da realidade da região, bem

como da documentação administrativa do citado governo.

Palavras chaves: Vale Amazônico, Missões religiosas, Urbanização.

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ABREVIATURAS

APEP - Arquivo Público do Estado do Pará

AAPEP - Annaes do Archivo Publico do Estado do Pará

MCM-AEP - MENDONÇA, Marcos Carneiro de. A Amazônia na Era Pombalina:

correspondência do Governador e Capitão-General do Estado do Grão-Pará e

Maranhão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado: 1751-1759. 2. ed. Brasília:

Senado Federal, Conselho editorial, 2005[1963]. 3 t.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 11

CAPÍTULO 1

AS FRONTEIRAS DA CIVILIDADE

1.1- Missões religiosas e a colonização ................................................................................ 15

1.2- A Missão do Maranhão: Jesuítas na construção do território missionário no Vale

Amazônico........................................................................................................................... 18

1.3- A aldeia enquanto estrutura urbana: organização espacial e social ................................. 21

CAPÍTULO 2

O TRATADO DE MADRI E A INFLEXÃO NA ADMINISTRAÇÃO COLONIAL

2.1- O Tratado de 1750 ........................................................................................................ 39

2.2- O governo de Francisco Xavier de Mendonça Furtado .................................................. 42

CAPÍTULO 3

NOVOS DITAMES DE RACIONALIDADE

3.1- O Diretório dos Índios e a elevação das aldeias ............................................................. 53

3.2- Novas vilas, antigas aldeias: o sentido da urbanização na Amazônia colonial ............... 58

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 74

FONTES ............................................................................................................................. 75

BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................. 78

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INTRODUÇÃO

A presente monografia tem por objetivo analisar o processo de urbanização do Vale

Amazônico, especificamente nas antigas capitanias do Grão-Pará e Rio Negro, no período de

1751 a 1759. Neste recorte temporal ocorreram mudanças singulares na administração

colonial, todas inseridas em um conjunto de políticas que intentaram reconfigurar aspectos da

Colônia, no sentindo de ampliar a soberania de Portugal e melhor explorar as suas

potencialidades econômicas.

A história urbana da região está vinculada a esse contexto, pois ocorre a fundação de

“cerca de 60 vilas e lugares” como afirma Renata Malcher de Araujo.1 Segundo esta mesma

autora, esse “surto” possuiu direcionamento, ou seja, não foi aleatório, com incisiva presença

do então governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado.2 O número elevado de

povoações criadas pelo Estado em curto período – efetivamente entre 1755 e 1759 – foi

pautado em sua maioria na conversão de parte das aldeias missionárias distribuídas pelo Vale.

Esta é uma observação significativa quando se pensa esse processo, já que não pode ter sido

casual tal “escolha”. Assim, relaciona-se a urbanização à perspectiva da Metrópole quanto ao

território, a tentativa de controle das populações indígenas, a política econômica etc.

A historiografia associa de forma pertinente o controle sobre o indígena com as

estratégias de domínio do Estado lusitano, onde se inclui a conformação territorial. O

missionário participa desse processo como o principal agente de “apaziguamento” do nativo,

de forma a inseri-lo nas demandas coloniais. Os aldeamentos distribuídos pelo território

tomam um caráter geopolítico, não apenas pela sua localização espacial, mas pelo

relacionamento com os habitantes originais do Vale Amazônico. Esse esquema de cooptação

se estende do século XVII até o terceiro quartel do século XVIII, quando os religiosos são

retirados de sua função de colonizadores. No entanto, a estrutura montada por eles é

ressignificada administrativamente, sem perder, necessariamente, sua intenção. Ressalta-se

que a figura do religioso é retirada desse processo por questões políticas que não estavam

relacionadas com sua “habilidade” no trato com o índio.

Tendo isto em vista, a finalidade desta monografia é entender, primeiro, as táticas

utilizadas pelos missionários na conformação de seus aldeamentos para conseguir aglutinar

um número elevado de índios, de etnias variadas, de forma a inseri-los nas dinâmicas

coloniais, em acordo com as políticas do Estado português. Essa percepção é importante para

1 ARAUJO, Renata Malcher de. As cidades da Amazônia no século XVIII: Belém, Macapá e Mazagão. Porto: FAUP Publicações, 1998. p. 17. 2 Idem. Ibidem. p. 17.

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alcançar o objetivo central desta pesquisa: analisar a inflexão ocorrida no projeto colonial

lusitano para o Vale Amazônico, entre 1751 e 1759, no que diz respeito ao uso das missões na

formação de uma rede urbana híbrida, em função do Tratado de Madri.

As condições reais encontradas por Mendonça Furtado farão com que ocorram

“adaptações” nos projetos iniciais pensados em Lisboa, mas também pautados na realidade da

Colônia. Se levarmos em consideração a publicação do Directorio3 - tendo em vista os

motivos que induziram a sua criação4 - e o surto urbanizador desse período, temos uma clara

indicação de eventos relacionados dentro de uma política maior.5 A supressão do poder dos

religiosos e a sua expulsão dos domínios coloniais portugueses é fruto das injunções que

levam Mendonça Furtado a tomar medidas que favoreçam de alguma forma as projeções da

metrópole sobre o Vale Amazônico, especificamente o intento de efetivar o domínio na área

limítrofe da América portuguesa.6 A despeito disso, os aldeamentos são mantidos em sua

estrutura física, mas agora são adaptados às novas condições coloniais.

O Directorio intentava estabelecer outro relacionamento entre colonos e índios. Sua

inserção ao mundo colonial se daria de forma a introduzi-lo à civilidade européia, sem o

vínculo do poder religioso: casamento interétnico; a obrigatoriedade da língua portuguesa

(forma de afirmação da política lusitana); o trabalho agrícola (maneira de criar uma

mentalidade ansiosa por acúmulos pecuniários, semelhante à portuguesa); além de estimular a

razão, dentro dos preceitos iluministas.

Mestiçagem e urbanização, portanto, são pretensões existentes no Directorio. As

novas vilas deveriam ser agora o lugar onde a civilização do indígena se dava, em grande

medida, pelo convívio com os portugueses. Elementos humanos diferenciados, mas unidos

espacialmente por uma política que pretendia a afirmação do poder e do controle monárquico

de caráter iluminista.

Aqui reside o interesse da presente pesquisa. Essas inflexões nas diretrizes

metropolitanas criam um sistema urbano único no Vale Amazônico, o que nos permite pensar

3 Directorio que se deve observar nas povoaçoens dos índios no Pará, e Maranhão enquanto Sua Magestade não mandar o contrario. Lisboa: Officina de Miguel Rodrigues, 1758. Disponível em: <http://books.google.com/books?id=hdYTAAAAYAAJ&pg=PP7&dq=Directorio,+que+se+deve+observar+nas+povoa%C3%A7oens+dos+indios+do+Par%C3%A1,+e+Maranha%C3%B5+Em+quanto+Sua+Magestade+n%C3%A3o+mandar+o+contrario.+Lisboa:+Officina+de+Miguell+Rodrigues,+1758.&lr=&hl=pt-BR#v=onepage&q=&f=false> Acesso em: 10 jun. 2009. 4 COELHO, Mauro Cezar. Do sertão para o mar. Um estudo sobre a experiência portuguesa na América, a partir da Colônia: o caso do Diretório dos Índios (1751-1798). 2005. Tese (Doutorado em História) – Universidade de São Paulo, São Paulo. pp. 88-131. 5 GUZMÁN, Décio. A primeira urbanização: mamelucos, índios e europeus nas ciudades Pombalinas da Amazônia, 1751-1757. REVISTA DE CULTURA DO PARÁ. v. 18, n. 1 (jan./jul. 2008), pp. 75-94. 6 COELHO, Mauro Cezar. Op. cit. pp. 36-37.

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em uma política de mestiçagem caracterizadora de uma urbanidade híbrida. Propõe-se que as

missões, antes do Directorio, atendiam aos interesses de Portugal justamente por aglutinar de

forma eficaz parte significativa das diversas etnias indígenas do Vale Amazônico. Não se

pode negar que, apesar das peculiaridades do tratamento religioso, o índio era submetido a um

processo de desestruturação de sua condição cultural, de sua organização social, o que não

desconsidera, obviamente, a possibilidade de resistências e as concessões dos padres. A

“política pombalina” continua a incidir nesses lugares que catalisam o “processo civilizatório”

– expressão comum na historiografia clássica -, mas agora com uma nova perspectiva

imputada pelas peculiaridades da colônia. Assim, torna-se pertinente lançar o olhar sobre o

governo de Mendonça Furtado (1751-1759), em virtude de ser nesse momento que se inicia

essa mudança de perspectiva quanto à forma e o agente que deveria “civilizar” o nativo.

A monografia contém três capítulos. O primeiro, intitulado As fronteiras da

civilidade, trata do contexto do século XVII e primeira metade do XVIII; ele está dividido em

três tópicos: no inicial (“Missões religiosas e a colonização”) debatemos a participação das

missões no projeto colonial; no segundo (“A Missão do Maranhão: Jesuítas na construção do

território missionário no Vale Amazônico”), enfatizamos a atuação dos Jesuítas na

conformação das aldeias missionárias ao longo dos rios do Vale Amazônico, bem como sua

influência no amoldamento do território da parte norte da América Portuguesa; o terceiro

tópico (“A aldeia enquanto estrutura urbana: organização espacial e social”) é dedicado a

nossa proposição que evidencia as missões – nomeadamente as jesuíticas – como parte do

aparato urbano da região.

No segundo capítulo, denominado O Tratado de Madri e a inflexão na

administração colonial, intentamos mostrar as mudanças políticas ocorridas na Colônia em

decorrência do Tratado de 1750. Além disso, enfatizamos em um tópico específico (“O

governo de Francisco Xavier de Mendonça Furtado“) a atuação do governador e capitão-

general, também responsável pelos serviços dermacatórios; analisamos o quanto as

considerações deste administrador influenciaram na consubstanciação da política para o Vale

Amazônico.

O terceiro capítulo, Novos ditames de racionalidade, trata da conformação do que

entendemos com urbanismo híbrido da Amazônia colonial. Sendo o Diretório dos Índios um

elemento essencial nesta perspectiva, dedicamos o primeiro tópico (“O Diretório dos Índios e

a elevação das aldeias”) à análise das proposições desta lei quanto à conversão das aldeias e a

urbanização. Na segunda parte (“Novas vilas antigas aldeias: o sentido da urbanização na

Amazônia colonial”), nos debruçamos em perscrutar o processo de conversão das aldeias e

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fazendas em vilas e lugares. Nesta parte dissertamos sobre os embates com os Jesuítas, bem

como na demonstração da capacidade estrutural das antigas missões nessa seqüência de

elevações.

A pesquisa desse trabalho pautou-se tanto na historiografia pertinente ao assunto como

nas fontes atinentes ao recorte temporal. Para a contextualização da parte relativa às missões

antes de 1750 nos utilizamos dos textos de sujeitos que tiveram contato direto com a realidade

da região: os padres Jesuítas Luis Figueira7 e João Felipe Bettendorff;8 Bernardo Pereira de

Berredo, governador do Maranhão e Grão-Pará na primeira metade do século XVIII;9 Charles

de La Condamine, cientista francês que viajou pelo Vale;10 tomamos uso ainda de

documentos presentes no Livro Grosso do Maranhão,11 bem como o Regimento das Missões12

e a Visita do Padre Antonio Vieira.13 Quanto ao período focal de exame (1751-1759) foi

empregada a leitura das obras de João Daniel14 e José de Morais;15 e, em grande medida, a

correspondência do governo de Mendonça Furtado com a Metrópole; por fim, a série

Correspondência de Diversos com o Governo, do Arquivo Público do Estado do Pará. 16 Nas

citações diretas desses documentos mantivemos a grafia original.

Dessa forma, com esse trabalho esperamos lançar um olhar mais amplo sobre a

questão urbana do Vale Amazônico, tendo em vista sua peculiaridade também nesse aspecto.

7 “RELAÇAÕ DA MISSÃO DO MARANHÃO (1609?)”. In: LEITE, Serafim. Luiz Figueira. A sua vida heróica e a sua obra literária, pp. 107-152. Citação pp. 107-106. 8 BETTENDORFF, João Felipe. Crônica dos padres da Companhia de Jesus no estado do Maranhão. 2.ed. Belém: Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves; Secretaria de Estado de Cultura, 1990. (Série Lendo o Pará, 5). 9 BERREDO, Bernardo Pereira de. Annaes historicos. 2 ed. Florença: Typografia Barbêra, 1905. 2t.(Historiadores da Amazônia, II). 10 LA CONDAMINE, Charles M. de. Viagem na América Meridional Descendo o Rio das Amazonas. [1745] Brasília: Senado Federal, 2000. 11 “Livro Grosso do Maranhão”. In: Anais da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro: [s.e], 1948. vol. 66. 12 “REGIMENTO DAS MISSOENS DO ESTADO DO MARANHAN, & PARÁ”. In: LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. t.IV. pp. 369-375. 13 “VISITA DO P. ANTÓNIO VIEIRA”. In: Idem. Ibidem, pp. 106-124. 14 DANIEL, João (Pe.). Tesouro Descoberto no Máximo Rio Amazonas. V.II. Rio de Janeiro: Contraponto, 2004. 15 MORAIS, José de (Pe.). História da Companhia de Jesus na extinta Província do Maranhão e Pará. Rio de Janeiro: Editorial Alhambra, 1987[1759]. 16 MENDONÇA, Marcos Carneiro de [MCM]. A Amazônia na Era Pombalina [AEP]: correspondência do Governador e Capitão-General do Estado do Grão-Pará e Maranhão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado: 1751-1759. 2. ed. Brasília: Senado Federal, Conselho editorial, 2005[1963]. 3 t; Annais do Archivo Publico do Estado do Pará [AAPEP]. t.4. Belém: [s.l], 1905.

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CAPÍTULO 1 – AS FRONTEIRAS DA CIVILIDADE

1.1- As missões religiosas e a colonização

A historiografia vincula a colonização do Vale Amazônico às preocupações do Estado

com a ocupação do território. Arthur Cezar Ferreira Reis foi um dos principais expoentes

desta perspectiva. Reis aborda a expansão luso-brasileira no território firmada nas ações de

missionários, sertanistas e militares,17 agentes elementares de uma política direcionada pelo

Estado. Antes deste autor, havia ênfase nos aspectos empreendedores de particulares,

notadamente os sertanistas, detentores de ampla autonomia.18. Reis, porém, enfatiza a atuação

do missionário nesse desdobramento expansionista, creditando-lhes a função de defensores da

fronteira mais longínquas do Vale, sem, contudo, desconsiderar a presença antecipada do

militar nesses espaços.19 Este aspecto bélico tornava-se imprescindível na medida em que esta

expansão deu-se em um contexto de “expulsão” de nações não-ibéricas da região. Todavia, é

o religioso que ampliará de forma mais segura o território, já que sua presença era fixa em

função de seu trato com o índio.20 Assim, a experiência missionária ainda na Serra de

Ibiapaba proporcionou uma expectativa quanto às possibilidades do Maranhão.

A presença da Igreja junto ao Estado, todavia, foi bem mais complexa, não estando

pautada apenas na relação com as etnias indígenas variadas que habitavam o antigo estado do

Maranhão e Grão-Pará. Alírio Carvalho Cardoso afirma que a conquista desta região teve

ampla participação de religiosos ainda no momento de “convencimento” das coroas ibéricas

quanto à importância da área.21 Enfatizamos aqui a atuação dos padres da Companhia de Jesus

nesse processo. A escolha se dá em virtude de sua ligação com os desdobramentos deste

contexto; não se trata, claro, de minimizar a presença das outras ordens religiosas, mas

17 REIS, Arthur Cezar Ferreira. Limites e demarcações na Amazônia brasileira. A fronteira com as colônias espanholas. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1948. Tomo II. pp. 12-24. 18 Sobre este aspecto cf. CALMON, Pedro. História da civilização brasileira. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2002, pp. 79-92; VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História geral do Brasil: antes da sua separação e independência da Portugal. 7 ed. São Paulo: Melhoramentos, 1962; RAMOS, Duílio. História da civilização brasileira. 3. ed. São Paulo: Edição Saraiva, 1961, pp. 87-121; ABREU, Capistrano de. Caminhos antigos e povoamento do Brasil. 2 ed. Rio de Janeiro: Brinqueio, 1960. 19 REIS, Arthur Cezar Ferreira. Op. cit, pp. 12-24. 20 Idem. Ibidem, p. 13; ______. A conquista espiritual da Amazônia. 2 ed. Manaus: Editora da Universidade do Amazonas/ Governo do Estado do Amazonas, 1997. 21 CARDOSO, Alírio Carvalho. Insubordinados, mas sempre devotos: poder local, acordos e conflitos no antigo Estado do Maranhão (1607-1653). 2002. Dissertação (mestrado em história) – Universidade Estadual de Campinas. Campinas. pp. 29-44.

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entendemos que a ação jesuíta estava impregnada de um projeto político-religioso peculiar,

perspectiva esta já explorada na historiografia.22

Segundo Alírio Cardoso, a expansão ibérica no Maranhão foi grandemente

influenciada por escritos do padre Luis Figueira, inaciano interessado nessa fronteira aberta à

expansão do catolicismo.23 Nesses textos, Figueira se debruçava não apenas sobre as

vantagens espirituais da conquista, mas também na potencialidade econômica que viabilizaria

o investimento do Estado.24 Figueira se arma de uma argumentação capaz de tal

convencimento, onde entraram referências à presença de outras nações européias, do

comércio feito por estas com as populações nativas, bem como a patente possibilidade de

perda do território para esses “estrangeiros”. Sobre a importância desses relatos, Cardoso

afirma:

“A historiografia sempre enfatizou ser a conquista portuguesa da Amazônia uma reação automática das Coroas ibéricas às incursões estrangeiras. Pouco se fala, porém, acerca desses primeiros relatos, os principais responsáveis por romper o desinteresse em relação à região, e infundir na Coroa o temor da perda. Os primeiros relatos missionários fortaleciam – com argumentos verossímeis de quem supostamente esteve lá – a idéia de que existia um risco de perda de uma zona estratégica do comércio inter-regional, no limite das duas partes do Império luso-espanhol.” 25

Vê-se, dessa forma, que a produção historiográfica já atenta para a participação direta

dos missionários Jesuítas na colonização amazônica. Essa relação se perpetuará ao longo

desse período tomando nuances variadas.

Em Provisão de 23 de março de 1688, o rei ordenava ao governador do estado do

Maranhão, Arthur de Sá e Meneses, a prestação de “auxilio e proteção” aos missionários

Jesuítas “para que possão cuidar das suas Missões e do bem das Aldeias, como é conveniente

ao bem das almas, e serviço de Deos, e meu”, ao lado disso recomendava também o

cumprimento das ordens já dadas a respeito.26 Essa passagem evidencia o discurso recorrente

na documentação sobre a relação entre os religiosos missionários e a Coroa ao longo da

colonização na América portuguesa. Apesar da referência direta aos inacianos, esse tipo de

atenção era recomendada às outras ordens atuantes no Vale Amazônico. Trata-se de uma

22 Cf. CARDOSO, Alírio Carvalho. Op. cit.; CASTELNAU-L´ESTOILE, Charlotte de. Operários de uma vinha estéril : os Jesuítas e a conversão dos índios no Brasil, 1580-1620. Bauru : Edusc, 2006. 23 CARDOSO, Alírio Carvalho. Op. cit, pp. 30-44. 24 Idem.Ibidem. Grande parte desses escritos foi publicada por Serafim Leite, em 1940, e serão utilizados neste trabalho. Cf. LEITE, Serafim. Luiz Figueira. A sua vida heróica e a sua obra literária. [Lisboa]: Divisão de publicações e Biblioteca Agência Geral das Colónias [sic], 1940. 25 CARDOSO, Alírio Carvalho. Op. cit. p.35. 26 REI [Ordem, em 23/03/1688] – “Livro Grosso do Maranhão”. In: Op. cit. pp. 93-94.

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relação permeada de interesses, por vezes conflitantes, mas inserida na dinâmica da sociedade

cristã de então. Como afirma Benedito Nunes, não havia dissociação entre “os benefícios da

salvação e a vassalagem ao rei de Portugal.” 27 Neste sentido, Alírio Cardoso diz que “os

espíritos da época” estavam permeados por duas preocupações, quais sejam a “fé e a

Fazenda”.28

Segundo Luiz Felipe Baêta Neves, esse processo tem duas frentes de incorporação: a

territorial e a espiritual.29 Logo, Império e Fé associavam-se, com interdependência, na

conquista de povos na Idade Moderna, já que não havia distinção entre as esferas civil e

religiosa.30 Salienta-se que, no caso luso, o monarca também detinha o poder de chefe

religioso nas áreas conquistadas, graças ao acordo entre o governo português e a Igreja

católica. O Padroado Régio permitia aos reis a organização eclesiástica nas colônias, com a

arrecadação de dízimos e pagamento de côngruas aos padres.31

Dessa forma, o poder do rei se fortalece, mas com o apoio da Igreja; ambas as

instâncias de poder se legitimavam. Em carta de 4 de janeiro de 1687, “El-Rey” ordena a

Gomes Freire de Andrade que se aumente as côngruas dadas aos Jesuítas “Tendo

consideração as utilidades que resultão ao serviço de Deos e meu”.32 Para esse serviço, o rei

requer o maior número de missionários possíveis, mantendo contato direto com os

missionários. Em 1684, por exemplo, envia carta ao provincial da Companhia de Jesus

pedindo a elevação na quantidade de religiosos no estado do Maranhão.33 Nesta mesma, data

o governador recebe ordem para não pagar as côngruas caso não haja solução na quantia de

padres.34 Pelo aumento no pagamento dos missionários mencionados acima, vê-se que os

problemas podem ter sido sanados.

Nesse sentido, os missionários atuantes no Vale Amazônico buscavam o apoio do

governo português e a ele devia satisfações quanto a sua atuação. Sabiam eles que a ação

missionária estava vinculada ao aumento e conservação do estado, bem como no acréscimo de

27 NUNES, Benedito. Os Tristes, Brutos Índios de Vieira, ou um Missionário Aturdido. Asas da Palavra. Palavra – Revista de Letras, Belém, v. 10, n. 23, pp. 131-137, dez. 2007. (publicação semestral). Citação da p. 134. 28 CARDOSO, Alírio Carvalho. Op. cit., p. 29. 29 NEVES, Luiz Felipe Baêta. O Combate dos Soldados de Cristo na Terra dos Papagaios. Colonialismo e repressão cultural. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1978. p. 28. 30 Diz Baêta Neves, “A sociedade colonial não conhece a distinção entre sociedade civil e sociedade religiosa; são uma única e solidária organização”. Idem. Ibidem. p. 77. 31 BOTELHO, Angela Vianna; REIS, Liana Maria. Dicionário Histórico Brasil: Colônia Império. 5 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. p. 146. 32 REI [Carta, em 04/01/1687] - “Livro Grosso do Maranhão”. In: Op. cit. p. 77-78; Annaes da Bibliotheca e Archivo Publico do Pará. t.II. Belém, 1968, p.90, doc. 41. [Reedição de 1902] 33 REI [Carta, em 2/09/1684] - “Livro Grosso do Maranhão”. In: Op. cit. p. 64. 34 REI [Carta, em 2/09/1684] – “Livro Grosso do Maranhão”. In: Op. cit. p. 66-67.

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“vassalos nestas conquistas”.35 A vassalagem dos índios era imperativa no sentido da

conformação do domínio sobre a vasta região da colônia.36

1.2- A Missão do Maranhão: Jesuítas na construção do território missionário no Vale

Amazônico

O Vale Amazônico, à chegada dos europeus, possuía vasto número de etnias indígenas

localizadas tanto ao longo dos rios quanto nas áreas de terra firme. Esses grupos nativos

possuíam redes de contatos significativas que ligavam, de alguma forma, a grande extensão

hoje conhecida como Amazônia.37 Segundo Antônio Porro, as diferenças geográficas

amazônicas se dividem em duas, quais sejam a várzea e a terra firme, o que diferencia a forma

de ocupação indígena em cada uma destas.38 As proximidades dos rios (região de várzea, em

sua maioria) propiciava o desenvolvimento da agricultura, assim como os assentamentos

humanos destes locais possuíam maior facilidade de locomoção de seus habitantes em virtude

da fluvialidade característica da rede hidrográfica.39 Esta fluvialidade foi componente

condicionante também do processo de conquista da região.

É ao longo dos rios e os tendo como vetor de condução pelo Vale que os colonos

estabelecem os elementos necessários à sua ocupação. As capitanias, cidades, vilas,

fortificações e aldeias missionárias estavam estritamente vinculadas ao regime dos rios, ou

seja, ao complexo conjunto de águas amazônico. Assim, as relações entre esses marcos

35 “Informação do Maranhão, Pará e Amazonas, para El-Rei do P. Visitador Manuel de Seixas [Em 13/06/1718]”. In: LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Op. cit. t.IV, pp. 388-397. 36 Este é um ponto assente na historiografia. Sobre isso cf. PURPURA, Christian. Formas de existência em áreas de fronteira. A política portuguesa do espaço e os espaços de poder no oeste amazônico (séculos XVII e XVIII). 2006. Tese (Doutorado em História) – Universidade de São Paulo. São Paulo; AZEVEDO, João Lucio d’. Os Jesuítas no Grão-Pará: suas missões e a colonização. Belém: SECULT, 1999; FARAGE, Nádia. As muralhas do sertão: os povos indígenas no rio Branco e a colonização. Rio de Janeiro: Paz e Terra; ANPOCS, 1991; DOMINGUES, Ângela. Quando os índios eram vassalos: colonização e relações de poder no Norte do Brasil na segunda metade do século XVIII. Lisboa: Comissão Nacional para as comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2000; COELHO, Mauro Cezar. Op. cit.; REIS, Arthur Cezar Ferreira. Limites e demarcações na Amazônia brasileira; RESENDE, Tadeu Valdir de Freitas. A conquista e a ocupação da Amazônia brasileira no período colonial: a definição das fronteiras. 2006. Tese (Doutorado em História) – Universidade de São Paulo, São Paulo; ARAUJO, Renata Malcher de. Op. cit. 37 PORRO, Antônio. O povo das águas: ensaios de etno-história amazônica. Rio de Janeiro: Vozes, 1996. pp. 13-36. 38 Idem. Ibidem. Porro afirma que na terra firme há influencia apenas da chuva, o que torna o solo pouco fértil se comparado às áreas de várzea, banhadas pelo regime pluvial e fluvial, deixando o terreno propício ao cultivo e assentamentos humanos por longos períodos, bem como a complexidade social. Sobre a potencialidade da área de várzea para o desenvolvimento de sociedades complexas, vale ressaltar o caso dos Marajoara. Cf. SCHAAN, Denise Pahl. A linguagem iconográfica da cerâmica marajoara. 1996. Dissertação (Mestrado em História – área de concentração Arqueologia) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. 39 PORRO, Antônio. Op. cit. p. 13.

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coloniais se davam após o conhecimento e domínio do que se conforma como território luso a

partir do século XVII.

Salienta-se que a noção de território não é algo natural, quer dizer, não é um fenômeno

intrínseco, auto-conceituado. Ele é, sim, algo construído e, portanto, localizado

historicamente. A presença européia no Vale Amazônico pode ser vista por esse prisma, tanto

se pensarmos as fundações essencialmente laicas, quanto as missões religiosas.

Denise Maldi afirma que o território é uma representação coletiva criada para que o

meio social se reconheça identitariamente; logo, se a territorialidade está ligada ao eu, a

fronteira é o limite que diferencia o outro, ou seja, ela é a “representação coletiva fundamental

para o estabelecimento da diferença”.40 Neste sentido, destaca-se que a presença Jesuíta com

suas missões está amplamente vinculada à ampliação da fronteira e a fixação de marcos da

civilidade, entendida como a forma européia de sociedade.41

Nesta perspectiva, a construção do território do estado do Maranhão liga-se à

incorporação das sociedades nativas às demandas portuguesas; a fronteira é, essencialmente, o

estranhamento diante das nações ainda desconhecidas e do seu locus, o sertão; assim têm-se

sociedades outras e um espaço que deviam ser conquistados.42 O padre Luis Figueira, ainda

em sua Relação da Missão do Maranhão (1609?), afirmava que o “sertão é mui grãde e tem

infinidade de gentio” e sua missão é “pregar o evangelho aaquela desemperada gentilidade”.43

A alteridade do Jesuíta limita-se a designar de forma genérica o gentio, mesmo em sua

infinidade,e caracterizá-lo como desamparado por não conhecer a fé católica.

40 MALDI, Denise. “De confederados a bárbaros: a representação da territorialidade e da fronteira indígenas nos séculos XVIII e XIX”. Revista de Antropologia, vol. 40, nº 2 (1997), pp.183-221. Citação p. 187. 41 Esse é um ponto há muito enfatizado pela historiografia, inclusive com algumas nuances teleológicas que defendem os Jesuítas como formadores do território e da nação brasileira. Cf. MORAES, Alexandre José de Mello. Corographia histórica, chronographica, genealógica, nobiliaria e politica do Imperio do Brasil. Rio de Janeiro: Typographia Americana de José Soares de Pinto, 1858; CABRAL, Luiz Gonzaga, S.J. Jesuitas no Brasil (século XVI). São Paulo: Companhia Melhoramentos de São Paulo, 1925. v.3. (Coleção “Inéditos e Dispersos”); CALMON, Pedro. Historia do Brasil. São Paulo; Rio de Janeiro; Recife; Porto Alegre: Typographia Americana de José Soares de Pinto, 1941. v.2.( Série 5ª da Biblioteca Pedagógica Brasileira – Brasiliana); LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Lisboa/Rio de Janeiro: Portugália; Imprensa Nacional, 1943. t.I. p.XVII; AZEVEDO, João Lucio d’.Op. cit.; REIS, Arthur Cezar Ferreira. Op. cit. Sobre uma análise quanto a essa vertente historiográfica cf. BARRA, Sérgio. Serafim Leite: A Companhia de Jesus, a Ocupação do Território e a Formação da Nacionalidade. In: CHUVA, Márcia (Org.). Assentamentos jesuíticos: territórios e significados. Rio de Janeiro: IPHAN/Copedoc, 2008. (Cadernos de Pesquisa e Documentação do IPHAN, 1). pp. 37-45; RODRIGUES, José Honório. Serafim Leite e a Monumenta Brasiliae. In: ____. História e historiografia. Petrópolis: Editora Vozes, 2008. pp. 213-216; GUZMÁN, Décio de Alencar. Os Jesuítas de Ignacio de Moura e a Independência do Brasil. Revista Estudos Amazônicos. vol.II, nº1, Jul/Dez, pp. 75-79. 42 Sobre a idéia de sertão enquanto fronteira cf. MELO, Vanice Siqueira de. “Aleivosias, mortes e roubos”. Guerras entre índios e portugueses na Amazônia colonial (1680-1706). 2008. Monografia (Graduação em História) – Universidade Federal do Pará, Belém. 43 “RELAÇAÕ DA MISSÃO DO MARANHÃO (1609?)”. In: LEITE, Serafim. Luiz Figueira. Op. cit. pp. 107-106.

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Aqui já se percebe um ponto de vista inicial sobre os índios, bem como a respeito do

espaço a ser missionado. Porém, um adendo deve ser feito: se o sertão é grande, é a

quantidade de gentio que mais chama a atenção do missionário, já que este é o seu objeto

central de interesse. Logo, as palavras de Luis Figueira buscavam um convencimento através

das dimensões e potencialidades da região, seja no campo geográfico, seja no aspecto

humano.

É com esse objetivo focal que a Companhia de Jesus adentra no Vale Amazônico.

Efetivamente, a fixação Jesuíta no Grão-Pará se inicia no ano de 1653 e se estende a 1759.

Seu primeiro assentamento na capitania foi em sua capital, Belém. Após uma estada

provisória com os mercedários, os inacianos conseguem terreno em meio ao núcleo inicial da

cidade, ao lado da fortaleza.44 Neste local constroem, tempos depois, a Igreja de São

Francisco Xavier e o colégio de Santo Alexandre. Sua atuação, todavia, se estendeu por uma

grande zona de missionamento ao longo dos rios, principalmente às margens do rio Amazonas

e na desembocadura de seus grandes afluentes.

Nos anos iniciais, os Jesuítas detinham a grande área missionária do Vale.45 Sob a

influência do padre Antonio Vieira, a Companhia de Jesus conseguiu uma real exclusividade

na catequização dos indígenas. Ainda em 1680 é emitida Provisão que define os inacianos

como ordem religiosa privilegiada neste intento, “por ser conveniente que o ministerio da

converssão se faça por hua só Religião pellos graves incovenientes quetem mostrado a

esperiencia haver em se faserem por diversas”. 46 Até então o poder dos padres restringia aos

aspectos religiosos, deixando o temporal em outras mãos, o que, segundo a argumentação

Jesuíta, dificultava a ação de conversão dos índios.

Em 1686, porém, é promulgado o Regimento das Missões, documento jurídico que

norteará a legislação indigenista por longo período. Essa normativa é grandemente

influenciada pela argüição dos padres inacianos Antonio Vieira e João Felipe Bettendorff.47 O

documento relegava o poder espiritual e temporal aos missionários, tanto inacianos, quanto os

das outras ordens religiosas que se fixam no estado.48 Esse instrumento jurídico intenciona

regular o estabelecimento missionário, dando “fôrma conveniente à redução do gentio do

44 LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Op. cit. t. III. pp. 209-210. 45 Cf. Mapa das Missões da Companhia de Jesus do Grão-Pará e Maranhão [adaptado do Mapa de Évora - 1753]. In: GUZMÁN, Décio de Alencar; FONTENELE, Francisca Nescylene; LOPES, Rhuan Carlos. Relatório Final de Pesquisa “Patrimônio Jesuíta no Pará e Amapá (1653-1759)”. Belém: IPHAN, 2009. p. 238. 46 PRINCIPE REGENTE (D. Pedro) [Provisão, em 01/04/1680] - “Livro Grosso do Maranhão”. In: Anais da Biblioteca Nacional. Op. cit. pp. 57-59. 47 LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Op. cit. t.IV. pp. 87-94. 48 Idem. Ibidem; AZEVEDO, João Lucio d’. Op. cit. p. 156.

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Estado do Maranhão” 49 e racionalizando a mão-de-obra indígena para o serviço dos colonos

ao mesmo tempo em que o pensava enquanto agente do aumento e manutenção do estado.

Outro documento regulatório foi publicado apenas em 1693, agora dividindo os

campos de atuação para cada uma das ordens missionárias do estado do Grão-Pará e

Maranhão. A divisão, segundo Bettendorff, também possui influência Jesuíta, inclusive na

aceitação de sua pouca capacidade numérica de padres se comparada com as dimensões da

região, tanto humana quanto geográficas.50 Este Jesuíta menciona sua participação nessa

decisão real: “tinha feito saber a Sua Magestade que os não podiam sós [os Jesuítas] com

tantas missões”.51 Todavia, os interesses em questão não eram apenas os dos inacianos, sendo

certo que a reordenação intentou equilibrar os poderes dos religiosos regulares, assim como

de retirar dos padres da Companhia de Jesus as áreas próximas à América espanhola.52

Dessa forma, “Aos Padres da Companhia assinala por distrito tudo o que fica para o

Sul do Rio das Amazonas, terminando pela margem do mesmo Rio, e sem limitação para o

interior dos Sertões [...]”. 53 Ao lado norte do mesmo rio situou-se os padres de Santo

Antonio; no Gurupá passam a residir os religiosos da província da Piedade; os mercedários

pelos rios Urubu e Negro.54

Cria-se, assim, territórios específicos na consolidação do poder colonial no Vale

Amazônico. Aos Jesuítas cabe “a banda sul”, onde se localizavam importantes missões e

grande número de índios. A missão do Xingú, por exemplo, é tratada por Bettendorff como

uma “das melhores [...] dos missionários da Companhia de Jesus”.55

1.3- A aldeia enquanto estrutura urbana: organização espacial e social

A discussão estabelecida neste trabalho intenta evidenciar a capacidade da estrutura

das aldeias missionárias da Amazônia colonial no desenvolvimento urbano da região. Não se

afirma que as aldeias eram cidades ou vilas, mas sim que a relação estabelecida entre elas,

bem como as práticas civilizacionais nelas desenvolvidas, as dotam de características urbanas.

Neste sentido, pensamos que o conceito de urbano para o período colonial no Vale

49 “REGIMENTO DAS MISSOENS DO ESTADO DO MARANHAM, & PARÁ.” In: LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Op. cit. t. IV. p. 369. 50 LEITE, Serafim. Op. cit. t.IV. pp. 133-137. 51 BETTENDORFF, João Felipe. Op. cit. p. 495. 52 GUZMÁN, Décio de Alencar; FONTENELE, Francisca Nescylene; LOPES, Rhuan Carlos. Relatório Final de Pesquisa “Patrimônio Jesuíta no Pará e Amapá (1653-1759)”. Op. cit. p. 25. 53 Bibl. De Évora, Cód. CXV/2-18, f.178(bis). In: LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. t. IV, p. 134. 54 Idem. Ibidem. pp. 134-136. 55 BETTENDORFF, João Felipe. Op. cit. p. 544.

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22

Amazônico deve ser entendido em aspectos mais complexos que o de mera criação de núcleos

populacionais enquadrados em definições legais, mesmo para o período aqui estudado.

Assim, acreditamos que o sentido da urbanidade colonial no Vale Amazônico possui

sua especificidade se pensado enquanto processo de longa duração.56 Quantitativamente, as

aldeias formavam a maior rede de assentamentos com presença européia, isso se as

compararmos com os outros pontos desse gênero.57 Todas essas localidades, porém,

mantinham alguma forma de relação, mesmo que não fosse direta. Lembremos que elas

estavam inseridas no mundo colonial e firmavam-se em um agente deveras importante nesse

contexto: o indígena. A despeito da independência de cada aldeia em relação umas às outras e

às povoações, elas não se mantinham isoladas. Logo, a tessitura da urbanização é composta

por cidades, vilas, fortificações e, salienta-se, pelas missões religiosas. Nesta última,

dimensões como a espacialidade da aldeia, o idioma nelas falado, a rede de abastecimento que

as ligavam entre si e com os outros núcleos no Vale e mesmo no mundo, o controle da mão-

de-obra indígena, bem como as questões suscitadas no âmbito missionário, enfim, a

participação na construção do território da Amazônia portuguesa; todos esses são aspectos

que dotam os aldeamentos e mesmo as fazendas jesuíticas dos elementos caracterizadores de

um processo de urbanização.

Não pretendemos com a perspectiva apontada neste trabalho negar outras dimensões

da dinâmica urbanizadora apontada pela historiografia.58 Ao contrário, queremos evidenciar a

complexidade da temática em um contexto específico. Escolhemos nesta monografia as

fundações Jesuítas enquanto recorte, já que são estes os principais responsáveis por grande

parte das missões, assim como pelo modelo de missionamento, seguida pelas outras ordens

religiosas, que também sofreram mudanças em seus estabelecimentos no período pombalino.

Trataremos neste capítulo, então, da posição dos aldeamentos inacianos dentro do quadro 56 A peculiaridade da Amazônia colonial é enfatizada pela historiografia em grande medida pela organização administrativa da América portuguesa, separada em dois estados: o do Brasil e o do Maranhão e Grão-Pará. Essa separação cria realidades históricas especificas, também em decorrência da dificuldade de acesso entre as duas partes da colônia. Cf. SAMPAIO, Patrícia Melo. “Administração colonial e legislação indigenista na Amazônia portuguesa”. In: DEL PRIORE, Mary & GOMES, Flávio dos Santos (orgs.). Os senhores dos rios. Amazônia, margens e histórias. Rio de Janeiro: Campus, 2003. pp. 123-139. 57 As aldeias variaram, entre o século XVII e XVIII, de 70 a 63. Se pensarmos toda a capitania do Grão-Pará, temos uma cidade (Belém), quatro vilas (Caeté, Cametá, Gurupá e Vigia) e oito fortificações (Forte do Presépio, Forte de São Pedro Nolasco e Fortaleza da Barra, todos em Belém; Forte do Gurupá, Forte do Desterro, Fortaleza de Araguari, Forte de São José do Rio Negro e Fortaleza do Pauxis. Cf. ARAUJO, Renata Malcher de. Op. cit. p. 95; GUZMÁN, Décio de Alencar. A primeira urbanização: mamelucos, índios e europeus nas ciudades Pombalinas da Amazônia, 1751-1757. Op. Cit. p. 78. 58 ARAUJO, Renata Malcher de. Op. cit.; SANTOS, Paulo. Formação de cidades no Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2001; HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. pp. 95-126; DELSON, Roberta M. Planners and Reformers: Urban Architects of Late Eighteenth-Century Brazil. Eighteenth-Century Studies, vol. 10, n. 1. (Autumn, 1976), pp. 40-51.

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urbano dos séculos XVII e primeira metade do XVIII, para que haja subsídios ao

entendimento da apropriação laica no surto urbanizador do governo de Francisco Xavier

Mendonça Furtado (1751-59).

Décio Guzmán já apontou a característica híbrida da urbanização amazônica, pautada,

também, nas missões religiosas. Assim, é imperativo perceber o papel desenvolvido por esse

tipo de povoamento para se entender as estratégias do urbanismo pombalino, já que para este

autor elas (as missões) precedem o projeto urbano de Carvalho e Melo.59 Segundo Guzmán, a

política pombalina, ao retirar o poder e depois a presença do religioso da aldeia, estabelece

uma rede urbana aproveitando-se da estrutura missionária, isso de acordo com um plano de

mestiçagem que modifica a fisionomia urbana do Vale.60 O Diretório dos Índios,61 publicado

em 1757, indica essa política de mestiçagem que, conforme Guzmán, não pode estar

dissociada das estratégias de urbanização pombalina. Assim,

“Com os avanços da ocupação portuguesa na Amazônia, produz-se a anexação das sociedades indígenas reduzidas nas aldeias missionárias aos núcleos urbanos. A morfologia híbrida dos núcleos resultantes é a característica específica destas composições urbanas portuguesas.62

Adotamos neste momento da monografia uma narrativa baseada em alguns textos

singulares para o entendimento da proposta por nós defendida. A Crônica do padre Jesuíta

João Felipe Bettendorff; a Visita do padre Antonio Vieira; e o Regimento das Missões, são

explorados ao lado dos Anais Históricos do Maranhão de Bernardo Pereira de Berredo63 e da

Viagem na América Meridional Descendo o Rio das Amazonas de Charles de La

Condamine.64 Não se pretende uma narração cronológica e rigorosa dos eventos, e por isso as

fontes serão usadas de maneira a relacioná-las entre si na busca de evidenciar o processo

urbanizatório das missões. De qualquer forma, é sabido que a legislação sobre as aldeias é

59 GUZMÁN, Décio de Alencar. A primeira urbanização: mamelucos, índios e europeus nas cidades Pombalinas da Amazônia, 1751-1757. Op. cit. p. 76. Este mesmo autor aponta ainda para algumas características de uma urbanização indígena anterior ao contato com os europeus. Para isso, fundamenta-se em pesquisas arqueológicas e antropológicas que afirmam tanto a densidade humana no Vale Amazônico deste período, quanto a sua ação na transformação do ecossistema da região. Sobre isto cf. GUZMÁN, Décio de Alencar; FONTENELE, Francisca Nescylene; LOPES, Rhuan Carlos. Op. cit. pp. 10-13. 60 GUZMÁN, Décio de Alencar. A primeira urbanização: mamelucos, índios e europeus nas cidades Pombalinas da Amazônia, 1751-1757. Op. cit. pp. 82-84. 61 Directorio, que se deve observar nas povoaçoens dos indios do Pará, e Maranhaõ Em quanto Sua Magestade não mandar o contrario. Op. cit. 62 GUZMÁN, Décio de Alencar. A primeira urbanização: mamelucos, índios e europeus nas cidades Pombalinas da Amazônia, 1751-1757. Op. cit. p. 82. 63 BERREDO, Bernardo Pereira de. Op. cit. 64 LA CONDAMINE, Charles M. de. Op. cit.

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extremamente influenciada pela experiência jesuítica no Vale Amazônico, o que justifica uma

leitura sincrônica dos escritos inacianos com as leis metropolitanas.

Sabe-se que havia uma lógica na administração das aldeias que – dentro da perspectiva

adotada neste trabalho de monografia sobre a relação entre Estado e Igreja –, atendiam às

dimensões do processo de colonização e conformavam o aspecto urbano da Amazônia

portuguesa. No aparato missionário havia distinção entre os tipos de aldeias. De acordo com

Serafim Leite, elas eram de três tipos: as de serviço do colégio, as de serviço real e as de

repartição, se incluído posteriormente as aldeias que entendemos como missão religiosa,

localizadas no sertão e destinadas à catequese;65 uma diferença a mais diz respeito às aldeias

de visita, que consistiam em ambientes onde não habitava um padre, recebendo apenas a sua

visita e inseridas no entorno de uma missão mais destacada (com Residência).66 Ainda no

estabelecimento inaciano na região, Antonio Vieira intencionava criar quatro zonas de

missionamento (Ceará, Maranhão, Pará e Rio Amazonas), autônomas e “subordinadas às suas

respectivas residências, mas dependentes (...) do Superior da Missão”. 67

Esta idéia não vigorou, em virtude do levante dos colonos de 1661.68 Todavia, a noção

de distritos missionários não é abandonada, já que mesmo no Regimento das Missões (1686)

é referendado este tipo e divisão.69 Além disso, a lei de 1693 cria, como já mencionamos,

territórios específicos para cada ordem religiosa, estabelecendo assim alguns limites de

autoridade entre estas. Se havia distinção entre as “possessões” missionárias, nestes domínios

não era limitada a presença de fortificações ou mesmo de vilas, propiciando a complexidade

das relações sociais na fronteira do Vale Amazônico e, da mesma forma, a condicionando.70

As missões religiosas possuíam uma “função” específica no processo de colonização:

a catequização dos indígenas e sua inserção nas demandas européias, sejam as religiosas ou as

temporais. Na aldeia se estabelecia o contato direto e de forma prolongada entre os agentes

principais deste contexto: padres e índios; diga-se que parte significativa da conquista se deu

65 LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Op. cit. t.IV. p. 97. 66 A Visita do padre Vieira, no §10, referenda que nestas aldeias “tenham os Padres casa próprias, separada da dos Índios junto à Igreja quanto fôr possível, e na mesma casa tenham cerca fechada (...)”. In: “VISITA DO P. ANTÓNIO VIEIRA”. Idem. Ibidem. p. 110. 67 Idem. Ibidem. p. 101. 68 Idem. p. 102. 69 No § 22, por exemplo, o Regimento menciona a necessidade de separação de índios de tribos diferentes, e que por ventura poderiam ser inimigos, “dividindo-os em freguesias dentro do destricto em que estiverem as residências, para que por este modo sejaõ assistidos dos ditos Padres com a doctrina, & seguros com as minhas Leys, & conservados sem o, temor da sua repugnacia.” Cf. “REGIMENTO DAS MISSOENS DO ESTADO DO MARANHAN, & PARÁ”. In: LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Op. cit. t.IV. pp.369-375. Citação da p. 374-75. 70 Sobre a noção de fronteira conformada pelas relações sociais cf. PURPURA, Christian. Op. cit.

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nesses ambientes, onde havia a organização de uma estrutura eficiente no sentido de cooptar o

nativo à vassalagem real e à fé católica. Pode-se pensar as missões, bem como as fortificações

– como afirma Christian Purpura – enquanto zonas de concentração populacional, mas

também de irradiação do contato com os indígenas.71

Para além disso, aldeamento agregava funções sociais, culturais, econômicas e

políticas. Tudo isso se valia do pressuposto fundamental, qual seja o de inserir o índio no

mundo europeu, através da catequese, e de toda uma reestruturação de suas práticas sociais e

culturais.72

O “Regulamento das Aldeias” ou “Visita do Padre Antonio Vieira” evidencia esse tipo

de perspectiva ao elencar em seus parágrafos o modo de organização das aldeias, a catequese

do índio, os meios de subsistência etc. Todos esses aspectos são fruto da experiência

missionária no estado do Maranhão.73 Quanto à espacialidade da aldeia, diz o regulamento o

seguinte:

“Em tôdas as Aldeias das residências teremos casa nossa junto com a Igreja, na disposição da qual se terá particular conta o recolhimento e decência, e por esta causa nenhum Padre, dos que residem nas Aldeias, escolherá sítio, nem fará casa sem que a traça seja aprovada pelo Superior da Colónia, o qual a consultará primeiro com os demais Padres e, quanto assim der lugar, será bem que as nossas casa e igrejas sejam conformes” 74

Bettendorff descreve uma das aldeias Jesuítas, destinadas aos Tupinambás, no rio

“Guajará junto á ilha do Sol”. 75 Segundo o cronista, a “valente aldeâ” possuía uma grande

igreja e “bellas casas de taipa de mão para residencia”; esses prédios eram organizados de

forma a garantir o controle dos padres sobre toda a movimentação do lugar, já que “era a

aldêa disposta de sorte que estando o Missionario á porta podia sem difficuldade alcançar com

a vista tudo quanto se fazia por toda ella".76 Essa aldeia é erigida antes da promulgação da

Visita, porém, vê-se com isso, que os missionários procuravam respeitar “modelo” exigido

pela Ordem.

71 Idem. Ibidem. p. 10. 72 Idem. p. 101. 73 LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Op. cit. t.IV. p. 105. 74 “VISITA DO P. ANTÓNIO VIEIRA”. (§6) In: LEITE, Serafim. Op. cit. t. IV. p. 108. 75 A aldeia é encabeçada pelo padre Francisco Veloso, no ano de 1658, com 1200 tupinambás. Cf. BETTENDORFF, João Felipe. Op. cit. p. 111. 76 Idem. Ibidem. p. 111-112.

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Nessa espacialidade os padres desenvolviam o processo catequético. Cabe ressaltar

que a noção de aldeia surge com a presença da Companhia de Jesus na América Portuguesa.77

Serafim Leite afirma que a formação do aldeamento se deu em virtude da necessidade dos

padres estarem próximos aos índios; elas eram essenciais para aglutinar os nativos, que se

organizavam no território de forma dispersa.78 Dessa forma, os padres tinham mais facilidade

para mudar os costumes íncolas, evitando que eles mantivessem contato com os não-

catequizados.79

Enquanto mudança no plano catequético, a aldeia é estabelecida em acordo com

interesses e perspectivas favoráveis ao missionário, 80 ou em uma abordagem mais ampla, em

favor da colonização. Agora a pregação, antes feita em uma visita do missionário ao locus

original do nativo, é transformada em uma prática processual em um ambiente criado pelo

próprio religioso.81 Com número grande de índios de etnias variadas, havia preocupação de

não colocar no mesmo espaço grupos rivais; porém, a missão criava uma homogeneidade,

orquestrada pelo missionário.82

Sendo assim, a organização espacial da aldeia era apenas uma das dimensões, não

menos importante, desse processo de catequização. A partir daí os religiosos começavam a

introduzir novos hábitos, como o das vestimentas ao modo europeu, a sistematização do

trabalho produtivo. O missionário dividia o cotidiano nas aldeias em três tipos de

manifestações: piedade, trabalho e folguedo.83 Este último, no entanto, também estava

racionalizado em acordo com a perspectiva catequética, para que não houvesse excesso.

Assim como havia as horas para as doutrinas e para o trabalho, eram concedidos os bailes aos

índios, com limitação de tempo.

“Para que os índios fiquem capazes de assistir aos ofícios divinos, e fazer conceito de doutrina, como convém, se lhes consetirão os seus bailes nas vésperas dos domingos e dias Santos, até às 10 horas ou onze da noite sòmente, e para que acabem os tais bailes, se tocará o sino, e se recolherão às suas casas.”84

Os casos de infração das regras por parte dos índios eram passíveis de punição

pública. Serviam não apenas para corrigir o infrator, mas para ser tido como exemplo pelos

77 NEVES, Luiz Felipe Baêta. Op. cit. p. 113. 78 LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Op. cit. t. II. p. 5. 79 Idem. Ibidem. p. 8. 80 NEVES, Luiz Felipe Baêta. Op. cit. 81 Idem. Ibidem. pp. 115-122. 82 Idem. 83 “VISITA DO P. ANTÓNIO VIEIRA”. In: LEITE, Serafim. Op. cit. t. IV. p. 113. 84 Idem.

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demais integrantes da missão.85 Note-se que antigos costumes indígenas eram tidos como

transgressões, tal qual a antropofagia, a poligamia; o excesso de bebidas alcoólicas também é

objeto de punição.86

A punição torna-se um aspecto tido como importante pelos Jesuítas no processo de

conversão dos índios, não apenas na sua feição pedagógica, mas também na incitação do

medo sobre o gentio. Segundo Peter Eisenberg, a experiência missionária jesuítica na América

portuguesa propicia um debate intenso sobre a conversão dos nativos, que este autor

denomina de “teória política”. 87 O medo, neste sentido, era elemento recorrente na

argumentação inaciana quando se defendia uma “forma de preparar as almas dos índios para

receber a fé cristã, e não como instrumento direto de conversão”.88 Mesmo sendo a obra de

Eisenberg um estudo sobre os padres da Companhia de Jesus da região que compreendia o

estado do Brasil, podemos entender que esses debates influenciaram na conformação das

aldeias missionárias do Maranhão e Grão-Pará. Célia Tavares afirma que essa experiência do

ciclo litorâneo é elementar na ação ao norte da colônia;89 consideramos que com o caráter

pragmático da Ordem de Cristo houve não apenas a incorporação desse conhecimento

anterior, mas também a adequação à realidade amazônica do período.

A Visita do padre Antonio Vieira é um documento imprescindível ao entendimento

dos meios desenvolvidos pelos padres Jesuítas no trato com o índio. Sendo um documento

“interno” desta ordem podemos associá-lo à outra normativa, esta de cunho “estatal”, o

Regimento das Missões do estado do Maranhão e Pará, publicado em 1º de dezembro de

1686.90 Criado em um momento de tensão entre religiosos e colonos, que segundo Serafim

Leite foi o “ponto crítico” da missão do Maranhão,91 esse dispositivo regulava, entre outros

assuntos, a repartição dos índios, a criação de aldeias, a presença de colonos nesses espaços, o

85 Idem. p.119. Luis Felipe Baêta Neves destaca o “valor pedagógico” do exemplo no âmbito da postura dos padres diante da catequese dos índios, mas afirma que o este exemplo não possui apenas uma direção, podendo referendar a imposição dos religiosos das normas e regras “que afastem as populações do Demônio e a aproximem de cristo.” Neste sentido, o castigo era para o corpo, mas objetivava a alma. Cf. NEVES, Luiz Felipe Baêta. Op. cit. p. 58 e 122. 86 LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Op. cit. t. II. p. 79. 87EISENBERG, José. As missões jesuíticas e o pensamento político moderno: encontros culturais, aventuras teóricas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000, pp. 89-123. Importante mencionar a perspectiva deste autor quanto a aldeia jesuítica como instituição política. Cf. p. 127. 88 Idem. Ibidem. p. 108. Itálico do autor. 89 TAVARES, Celia Cristina da Silva. Entre a cruz e a espada: Jesuítas e a América Portuguesa. 1995. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói. p. 52. 90 “REGIMENTO DAS MISSOENS DO ESTADO DO MARANHAN, & PARÁ”. In: LEITE, Serafim. Op. cit. t.IV. pp. 369-375. 91 LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Op. cit. t. IV. p. 88.

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casamento entre índios aldeados e escravos, o registro da população indígena nas missões, e

dotava os padres do tão almejado poder temporal para o melhor serviço catequético.92

O trabalho era um dos aspectos fundamentais na conversão do índio, segundo a

concepção do Estado e mesmo dos religiosos. Baêta Neves argumenta que a ideologia

inaciana buscava de todas as maneiras ocupar o tempo para não permitir vazios, e no caso do

trabalho pensava-o enquanto instrumento de aperfeiçoamento pessoal.93 No Regimento é

indicado aos padres que persuadam os índios “á razaõ da vida honesta de seu trabalho, para

que naõ vivam occiosos”.94 Mesmo a Visita de Vieira prevê o desenvolvimento de

“indústrias” nas aldeias, sendo estas justificadas pelas necessidades materiais do lugar.95 Este

último documento argumenta ainda que os produtos oriundos destas ocupações deveriam ser

comercializados na cidade por pessoa de confiança, já que os índios não possuíam habilidades

neste sentido.96

Serafim Leite, trata a regularidade do trabalho como “uma conquista da civilização”. 97

De fato, este era um instrumento de transformação dos costumes indígenas e que garantia,

mais que a sua civilização, uma produção capaz de interligar a missão a outros núcleos

produtivos da colônia. A agricultura foi um elemento ímpar neste sentido. É a partir dos

núcleos de missionamento que se estabelece um “novo sistema agrário”, segundo Maria de

Nazaré Angelo-Menezes;98 a coivara – método de derrubamento, queimada e plantio – era o

principal modo de plantação nas missões, grandemente as inacianas, iniciadoras na

apropriação destes meios de origem nativa: apenas na derrubada e plantio era necessário sete

meses de trabalho.99 Essa mesma autora afirma ser este tempo de cultivo um dos diferenciais

92 O § 1º do Regimento afirma: “Os Padres da Companhia terão o governo, não só espiritual, que antes tinhão, mas o político, & temporal das aldeas de sua administração, & o mesmo terão os Padres de Santo Antonio , nas que lhes pertence administrar; com declaração, que neste governo observaraõ as minhas Leys, & Ordens, que se não acharem por esta & por outras reformadas, tanto em os fazerem servir no que ellas dispõem, como em os ter promptos para acodirem á deffensa do Estado, & justa guerra dos Certoens, quando para Ella sejão necessarios.” Cf. “REGIMENTO DAS MISSOENS DO ESTADO DO MARANHAN, & PARÁ”. In: LEITE, Serafim. Op. cit. t. IV. p. 367. 93 NEVES, Luiz Felipe Baêta. Op. cit. pp. 86-88. 94 §9. p. 371. Idem. Ibidem. Em outros parágrafos é recorrente a menção à necessidade do trabalho, inclusive com pagamento de salários. Cf. §§10º e 20º. 95 “VISITA DO P. ANTÓNIO VIEIRA”. In: LEITE, Serafim. Op. cit. t. IV. (§11) p. 110. 96 Idem. Ibidem. (§11) p.110. 97 LEITE, Serafim. Op. cit. t.II. p. 93. Essa perspectiva do historiador Jesuíta Serafim Leite compreende uma leitura do trabalho típica dos inacianos, como já afirmamos em alusão à perspectiva de Baêta Neves. 98 ANGELO-MENEZES, Maria de Nazaré. O sistema agrário do Vale do Tocantins colonial: agricultura para consumo e para exportação. Projeto História, vol. 18 (maio de 1999), pp.237-59. Citação da p. 239. 99 Idem. Ibidem. p. 241. O papel da agricultura vem sendo mais bem observado no quadro econômico da Amazônia colonial, falando-se em uma das suas dimensões para além da ação de sertanistas, missionários e militares. As capitanias doadas pela coroa a particulares eram de grande importância para as prerrogativas metropolitanas de ocupação, necessariamente baseada na criação de uma vila e no desenvolvimento da agricultura, possuindo essas capitanias uma lógica própria de funcionamento, levando-nos a crer que o perído

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quanto às populações nativas que ainda viviam fora das missões. Maria Celestino de Almeida

compartilha dessa concepção por acreditar que tanto o trabalho, como a regularização do

tempo e espacialidade das aldeias constrói e reconfiguram identidades indígenas, tornando-os

de fato índios aldeados.100

O trabalho regulado propiciou também um sistema missionário que, segundo Nírvea

Ravena, possuía ampla organização da base produtiva, com trocas internas entre as missões e

autonomia diante do Estado.101 De acordo com esta historiadora, as “primeiras unidades

produtivas” com sistema de abastecimento auto-suficiente no estado do Maranhão e Grão-

Pará foram as aldeias, que produziam tanto para subsistência quanto para a exportação. Isso

dava-se em função da sazonalidade, por exemplo, das drogas do sertão: os índios aldeados

trabalhavam em períodos específicos na colheita das drogas e em outros momentos

desenvolviam a agricultura.102 Dentre essas atividades estavam a coleta do bálsamo, a captura

de tartarugas, a produção de manteiga etc. Nesse quadro, cria-se especificações econômicas

internas no Vale Amazônico: o Marajó foi o principal núcleo produtor de carne; no Tocantins

destacou-se a farinha; no rio Negro, as captura de tartarugas.103

Bettendorff é pródigo ao mencionar as trocas que garantiam a subsistência das

missões. Em 1697 o padre Antonio Vaz se desloca do Xingú para “comprar farinhas” em

Mortigura.104 Esse contexto narrado por Bettendorff é marcado pela epidemia de bexigas,

extremamente perniciosa às atividades da colônia. Diz o Jesuíta luxemburguês que “naquelle

tempo das bexigas era tanta, por falta de roças, que os padres compravam farinhas á custa de

suas residencias para sustentar os indios”.105 Assim, os padres precisavam de meios para

garantir o abastecimento das missões, já que além dos índios aldeados por longo tempo, havia

os recém-descidos.

pombalino não foi – ao contrário do que afirma Maria de Nazaré Angêlo-Menezes – o “precursor” das práticas agrárias na região do Vale Amazônico. Cf. CHAMBOULEYRON, Rafael. Plantações, sesmarias e vilas. Uma reflexão sobre a ocupação da Amazônia seiscentista. Nuevo Mundo Mundos Nuevos. n. 6. 2006. Disponível em: <HTTP://nuevomundo.revues.org/document2260.html.> Acesso em: 07 jan. 2008; LOPES, Rhuan Carlos. Capitanias e sesmarias no Grão-Pará seiscentista. In: Anais do I Encontro Paraense dos Estudantes de História. Belém, 2008. pp. 50-60. 100 ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Metamorfoses indígenas: identidades e cultura nas aldeias coloniais do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo nacional, 2003. p. 129. 101 RAVENA, Nírvea. O abastecimento no século XVIII no Grão-Pará: Macapá e vilas circunvizinhas. In: MARIN, Rosa Elizabeth Acevedo. A escrita da história Paraense. Belém: NAEA/UFPA, 1998. pp. 29-52. Citação da p. 30. A autora não trata somente das missões jesuíticas, mas as entende como primeiros núcleos produtivos. 102 Idem. Ibidem. p. 35. 103 Idem. p. 36. 104 Nessa viagem o padre Antonio Vaz passa por Belém e recebe a companhia do Padre Superior Miguel Antunes até Mortigura. Cf. BETTENDORFF, João Felipe. Op. cit. p. 629 105 Idem. Ibidem. p. 629.

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“(...) e isto tanto assim que o Padre Antonio da Silva, missionario dos Ingaybas, onde é a Mãe das farinhas, mandou buscar cem alqueires, o alqueiro a cruzado, para sustentar quatro aldeãs dos Teyrós, que ia descendo para Araparipucu, e o Padre Miguel Antunes tambem a comprava para acudir aos pobres índios de sua aldêa, em outros tempos abundante em farinhas (...)”106

A despeito das duas aldeias citadas estarem em declínio da produção de farinha, fica

patente que elas se destacavam enquanto unidades produtivas de uma mercadoria essencial no

Vale Amazônico, a farinha de mandioca. Com a falta do produto “em todas as partes”, o preço

eleva-se: um alqueire chega a custar “dez varas de panno e ainda mal se achava”.107 Fica

evidente, dessa forma, que as aldeias se articulavam no sentido de seu auto-sustento, sendo

sabido aos padres as particularidades produtivas de cada missão; constitui-se com isso mais

uma das dimensões da urbanização iniciada pelas missões religiosas, qual seja, a rede de

abastecimento necessária à subsistência de um número grande de índios descidos, o que era

imprescindível na manutenção do descimento. Assim, constata-se a prática de uma das

expectativas de Antonio Vieira, a da auto-sustentabilidade da aldeia.108

Na escolha do sítio da missão eram observadas as suas potencialidades ao sustento dos

futuros moradores. As menções a isso são outra constante no cronista inaciano que

referendamos. A aldeia de Cametá é descrita como possuidora de boas terras e bons ares; as

águas do rio são fartas em peixes, assim como suas matas são possuidoras de caça e de

castanhas; a referência às tartarugas é mais enfatizada quando Bettendorff diz que “se faz

cada anno a viração de uma grande multidão” delas, ao ponto de garantir o sustendo por até

um ano.109 Ao referendar a missão do Tapajós novamente é enaltecido os aspectos essenciais

ao estabelecimento da aldeia. O rio é descrito em suas “ricas minas de prata, com mui bellas

terras e mantimentos assim de mandioca, milho, como caça, passaros, peixe, até peixe boi e

tartarugas”.110

As menções aos “frutos” disponíveis nas áreas das missões não se limitam a esses

casos. Eles, porém, dão conta de evidenciar as preocupações dos religiosos com uma

produção material, amplamente fundamentada na mão-de-obra indígena. Logo, para além do

aspecto catequético, a aldeia torna-se uma unidade produtiva, racionalmente organizada neste

sentido. Dessa forma, ao lado das capitanias e sesmarias, as áreas administradas pelos

106 Idem. p. 629. Itálico nosso. 107 Idem. p. 629. 108 TAVARES, Celia Cristina da Silva. Op. cit. p. 66. 109 BETTENDORFF, João Felipe. Op. cit.. p. 27. 110 Idem. Ibidem. p. 59.

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religiosos compunham o que Renata Araujo denomina de “estrutura fundiária” da Amazônia

colonial até a primeira metade do século XVIII.111 Para nós, todavia, esse aspecto fundiário

dominado pelas missões é uma característica, também, da estrutura urbana do vale.

Se a aldeia era um espaço construído em acordo com as prerrogativas dos

missionários, eram os índios o seu grande corpo demográfico. João Lúcio de Azevedo afirma

que em meados da segunda metade do século XVIII as 63 missões situadas no Grão-Pará

comportavam um total de 50 mil índios.112 As missões jesuíticas comportavam parte

significativa deste número de nativos, de etnias várias. De acordo com os cálculos de Serafim

Leite, em 1696 havia 11.000 índios; em 1701, eram 15.450; já em 1730, segundo consta em

um censo geral das Aldeias e Fazendas Jesuítas, somava-se 21.031.113 Citando a aldeia de

Piraguari, no Xingú, Leite mostra o número de 1.078 pessoas que em 1756 reduziram-se para

921.114 Como esse próprio historiador afirma, não se pode confiar inteiramente em alguns

desses números, pois sua mensuração estava sujeita às vicissitudes da produção dos

documentos da época. Porém, o domínio dos religiosos de Santo Inácio sobre os descimentos

e repartimento dos índios, bem como o número de missões, nos leva a crer que, senão exatas,

essas estatísticas se aproximam da realidade.

Assim, é com esse cabedal de almas – e braços – que os padres inacianos

desenvolveram seu projeto missionário, ao passo que criaram uma trama produtiva,

interligada através do comércio e constituidora do tão propalado patrimônio Jesuíta.

Pensamos que essa quantidade de povos sob o controle inaciano – onde não se exclui as

resistências indígenas, bem como as negociações entre estes e os religiosos – dimensiona

sobremaneira a característica urbanizadora das missões. Os métodos de controle e inserção

dos nativos no mundo colonial, como estamos mostrando, são exponenciados nesses

ambientes, não estando circunscritos aos aspectos religiosos, mas a uma dinâmica bem mais

complexa, em acordo com a mentalidade européia na Amazônia Portuguesa.

O Regimento proibia a entrada de pessoas não autorizadas nas aldeias, seja de forma

prolongada ou para “tirar Índios para o seu serviço” sendo possível a residência apenas dos

índios e dos padres, imputando penas aos contraventores.115 As missões, no entanto, são

pensadas nessa lei como o principal meio de descimento dos índios, que através do 111 ARAUJO, Renata Malcher de. Op. cit. p. 98-99. Esta autora é partidária da noção de missão religiosa enquanto núcleos auto-suficientes e autônomos. 112 AZEVEDO, João Lucio de. Op. cit. p. 190. 113 LEITE, Serafim. Op. cit. t.IV. p. 138. 114 Idem. Ibidem. p. 139. 115 Cf. §§ 4º, 5º, 6º e 7º. REGIMENTO DAS MISSOENS DO ESTADO DO MARANHAN, & PARÁ. In: LEITE, Serafim. Op. cit. t. IV. p. 370-371.

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repartimento serviriam “tanto para a segurança do Estado, & deffensas das Cidades, como

para o trato, & serviço dos moradores, & entradas dos Certoens”, e para isso foi recomendado

“o mayor cuydado”. 116 A posição diante do sertão, e consequentemente do grupos indígenas,

é enfatizada:

“O mesmo cuydado terão os Padres Missionarios de comunicarem, & decerem novas aldeas do Certaõ, & de as situarem em partes acomodadas para a sua vida, & trato dos moradores das Cidades, Villas, & lugares, fazendo-se comunicaveis no cõmercio, & persuadindo-os a razaõ da vida honesta de seu trabalho, para que não vivaõ occiosos, & para que huns & outros se possaõ igualmente ajudar com recíproco commercio de seus interesses.” 117

Estes excertos do Regimento evidenciam três dos elementos essenciais do

posicionamento adotado nesta monografia. A relação entre o espaço da missão, o sertão e o

descimento dos índios para esses espaços. Assim, têm a aldeia como incorporadora do

território, tanto em sua dimensão temporal quanto na espiritual. Como afirmamos

anteriormente, como base no trabalho de Denise Maldi, o sertão comporta uma fronteira,

lugar de estranhamento face ao outro (índio) e onde é imperativa a transformação de espaço

em território.118

O Regimento prevê ainda uma relação de comunicabilidade entre as aldeias e

proximidade com núcleos, como vilas, cidades e lugares. Tornam-se as missões, então,

pontos de referência no interior da Amazônia portuguesa; no conjunto urbano, elas se ligam

na dinâmica do mundo colonial. Diz este regulamento que “a cõveniencia pede que as aldeas

se dilatem pelos Certoens, para que deste modo se possaõ penetrar mais facilmente, & se tire

a utilidade, que delles se pretende”.119 João Fellipe Bettendorff descreve os contatos

existentes entre as missões Jesuítas no que concerne, por exemplo, à entrega de

correspondência, ou aos principais “centros” missionários ao longo dos rios, espécies de focos

usados na comunicação entre os padres.120

Isto é patente quando Bettendorff menciona a visitação do superior Pero Luiz. A aldeia

do Xingú é exemplar neste sentido. Após a partida do Cabo do Norte, o padre superior segue

sua visita pelo rio Amazonas, chegando à aldeia de Jogoaquara; não estando Bettendorff na

dita aldeia, pois estava em Gurupatiba; assim, marca-se o encontro no Xingú:

116 Cf. § 8 . Idem. Ibidem. p. 371. 117 § 9. Idem. Ibidem. p. 371. 118 Cf. MALDI, Denise. p. 87. 119 Cf. REGIMENTO DAS MISSOENS DO ESTADO DO MARANHAN, & PARÁ. In: LEITE, Serafim. Op. cit. t.IV. p. 375. 120 BETTENDORFF, João Felipe. Op. cit. pp. 345-348.

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“(...) partiu [o padre visitador] com seu companheiro, o Padre Aluizio Conrado para Xingú, escrevendo-me que folgaria de encontrar-se commigo antes de se partir para o Pará. Estava eu com o Padre Antonio da Silva para partir aos Tapajoz, quando chegano-me ás mãos o escripto do Padre Superior, logo me fui com meu companheiro para Jogoaquara, e de lá, depois da missa, para a aldeia do Xingú, não passando mais que dois dias e meio em toda a viagem. Pasmou o Padre Superior de ver-nos tão depressa no Xingú (...)” 121

Em 1661, segundo Bettendorff, efetuaram-se duas entradas no sertão por meio de

tropas de resgates, uma partiu do Maranhão e outra do Pará.122 Esta última se utiliza das

missões como lugares de apoio:

“Continuou a tropa do Pará sua viagem, e tendo tomado seu cabo Faustino Mendes sobre o rio Xingú, onde estava de morada, foi passando pelos Tapajós e Tupimanbaranas, até chegar aos Abacaxizes, onde se deteve tempo considerável, resgatando os escravos que por ahi achava, e mandando suas bandeiras pelos rios e terras circumvisinhas, pelo mesmo fim. A razão de sua detença era a falta de remeiros necessarios para as canoas.” 123

Essa rede de apoio às viagens pelo sertão não integrava apenas as missões religiosas,

ao contrário, vemos que elas estão inseridas nessa dinâmica, constituindo uma das dimensões

do processo de urbanização: o das relações existentes entre os núcleos e a conformação do

território. Bernardo Pereira Berredo, governador do estado entre 1718 e 1721, menciona como

a disposição geográfica entre alguns centros de referência nas incursões pelo Vale Amazônico

ao afirmar que “Era a Povoação do Gurupy a principal escala da viagem do Maranhão para o

Pará, como hoje he a do Cayté, que com pouca differença fica no meio della (...)”.124

Ao observarmos a localização dessas missões através de um mapa (figura 1), podemos

vislumbrar como essa geografia jesuítica associava os pontos estratégicos na cooptação dos

índios, com áreas de referência fluvial na hidrografia do Vale Amazônico. O Mapa de Évora –

assim denominado pela historiografia – é elucidador neste sentido quando o confrontamos

com outras fontes.125 Regiões como o Xingú e Tapajós formavam os grandes núcleos de

121 Idem. p. 345. Da mesma forma, Bettendorff cita a aldeia de Parijó como “a principal da capitania de Cametá” (p.449). 122 Idem. p. 522. 123 Idem. p. 523. Itálico nosso. 124 BERREDO, Bernardo Pereira de. Op. cit.. t. I. p. 131. No capitania do Caité havia também uma aldeia jesuítica. 125 Em trabalho de pesquisa realizado no âmbito do projeto “Patrimônio Jesuíta no Pará e Amapá”, subsidiado pelo Instituo do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), se elaborou com base no Mapa de Évora e em outros documentos um levantamento de todas as missões jesuíticas do antigo estado do Maranhão e Grão-Pará, incluindo as fundadas pelos inacianos e depois repassadas às outras ordens com a divisão de 1693. Cf. GUZMÁN, Décio de Alencar; FONTENELE, Francisca Nescylene; LOPES, Rhuan Carlos. Op. cit. p. 238.

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missionamento adentrando o sertão, principalmente por receberem grande número de índios

descidos.

Figura 1: Localização das missões religiosas do Grão-Pará, adaptado do “Mapa de Évora”. In: GUZMÁN, Décio de Alencar; FONTENELE, Francisca Nescylene; LOPES, Rhuan Carlos. Relatório Final de Pesquisa “Patrimônio Jesuíta no Pará e Amapá (1653-1759)”. Belém: IPHAN, 2009. p. 238.

Neste sentido, as aldeias podiam variar, ao longo dos anos, de localização, em

decorrência de questões de conveniências que iam dos recursos naturais disponíveis à

exploração e manutenção do lugar, como em busca de ambientes onde sabia-se haver densa

população nativa. Quando narra a volta dos Jesuítas à missão do Maranhão (1663),

Bettendorff menciona as mudanças de sítio da aldeia onde se catequizava os Tupinambás, até

a formação de Mamayacú,126 sendo seu novo missionário o padre Pedro da Silva. Afirma o

cronista que o dito padre encontrou a casa sem grandes “cabedais”, mas também sem dívidas,

o que é vantajoso;

126 Mamaiacu era fazenda a serviço do colégio de Santo Alexandre.

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“e teve além disso o bem que alguns índios Tupinambás que estavam morando em Guajará onde o Padre Manoel Moniz, algum dia, lhes tinha assistido, se mudaram com seu principal, Tucano, para ajudar a quem os tinha trazido de seu sertão para a roça dos Padres, que no principio se situou no Tapará, de um engenho de assucar chamado ..... e se mudou depois mais para baixo para, Mamayacu, onde está até o presente.”127

São muitos os exemplos desse tipo de mudança e mesmo Bettendorff os cita com

explicações sobre as motivações para tal. O caso de uma aldeia situada na ilha do Sol,

também com índios Tupinambás – a qual mencionamos anteriormente –, é significativo. Em

sua visita pelas aldeias, o superior luxemburguês diz que as residências da missão estavam

bem governadas; a mudança de sítio da missão da ilha do Sol, todavia, a prejudica. A primeira

mudança se deu após a construção de engenho de anil próximo ao curral “que serviam ás

obras da mesma aldeia”, por ordem do governador Pero Cesar de Menezes; os índios então se

mudam para um igarapé no interior da região e mesmo tendo Bettendorff convencido o

governador da ineficácia do anilero – por ser mal localizado – os Tupinambás se recusam a

voltar para o antigo lugar já que acharam o atual sítio melhor localizado, principalmente em

virtude da melhor navegabilidade pelo igarapé; dessa forma, os padres acabam por aceitar

essa nova localização: “esta foi a razão porque se fez egreja nova com casas em o sitio novo

(...)”.128 Mesmo assim, há outra modificação, em 1678, para próximo ao mar, agora “em

razão do marisco” 129 e por ordem do principal do grupo (Jacinto), o que desagrada os

missionários que reclamam ao governador.

Aqui, vê-se os diversos interesses e motivações que levam à variação geográfica de

uma aldeia. Primeiro o incomodo dos índios diante da construção de um engenho de anil, o

que podia significar mais requisição de mão-de-obra para as obras do governo; a desistência

da continuação das obras do engenho não traz os índios de volta, já que ele entendem que o

novo lugar é mais vantajoso e melhor localizado, algo aceito pelos religiosos, talvez por

concordância quanto a essas vantagens; mudança “aceita”, ocorre outra modificação, agora

porque os Tupinambás buscam a extração dos mariscos, não sendo conveniente aos padres

por, segundo Bettendorff, prejudicar os sacramentos aos domingos.

Neste circuito de contatos entre povoações e viagens pelo sertão a cooptação dos

índios era fundamental e sabia-se da quantidade de nações ainda perdidas na “escuridão das

matas”, bem como do espaço no interior ainda desconhecido. Os grupos nativos já aldeados

participavam destes mecanismos de convencimento dos íncolas ainda não descidos, 127 BETTENDORFF, João Felipe. Op. cit. p. 224. 128 Idem. Ibidem. p. 296. 129 Idem. pp. 296-97.

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estabelecendo assim uma relação de trocas, de circularidade entre o sertão e o “mundo

civilizado” das aldeias, vilas e cidades. É Berredo quem afirma, na primeira metade do século

XVIII, que o Vale, a despeito das incursões já efetuadas, “não está ainda de todo descoberto,

principalmente pela banda do Amazonas, e só sim sabe, que por differentes rios, seus

collateraes, se navegou já mais de dous mezes com viagem sucessiva, que deixando de se

continuar com menos efficacia dos descobridores, ou por justo receyo da sua innumeravel

gentilidade, nos conservamos hoje nas mesmas incertezas”. 130

Logo, os mesmos índios tornam-se necessários ao desbravamento do sertão. Esse é o

caso dos Tupinambás, aldeados pelos padres Jesuítas Francisco Veloso e Manuel Nunes, e

que segundo Berredo são importantes na conquista de outras tribos, pois são “os melhores

Companheiros, que tem essa conquista, para dominar com elles outras nações pela fama de

valerosos, que tem entre ellles”.131 La Condamine ratifica essa fama dos Tupinambás,

afirmando, já em meados de 1745, que dos “restos do aldeamento de Tupinambara, situado

outrora numa grande ilha, na foz do rio da Madeira, formou-se o de Tapajós, e seus habitantes

são quase que tudo o que resta da valente nação dos tupinambás, dominante há dois séculos

no Brasil, onde deixaram a língua”.132

Provavelmente o viajante francês estivesse se referindo à generalização do idioma de

origem tupi pela região do Vale Amazônico, grandemente apreendido nas missões religiosas.

Esse é um elemento que deve ser observado quando defendemos um processo urbanizador

pautado nas aldeias, pois a denominada língua geral ligava de forma veemente os núcleos

populacionais da Amazônia portuguesa, constituindo de alguma maneira um aspecto na

constituição do território, ou seja, a representação social deste período. De qualquer maneira,

o nheengatu não dever ser visto como homogêneo, já que forma-se não apenas do tupi, mas

de outros idiomas nativos, o que constituiu uma especificidade para cada uma das partes da

América portuguesa (o estado do Brasil e o do Maranhão e Grão-Pará); assim têm-se uma

“língua geral Amazônica”.133

A criação desta língua, de acordo com Peter Eisenberg, aproxima os universos

culturais dos missionários e dos índios, permitindo assim o processo de catequização.134 Mas

130 BERREDO, Bernardo Pereira de. t. I. p. 9. Itálico nosso. 131 Idem. t. I. p. 135. 132LA CONDAMINE, Charles M. de. Op. cit. p. 97. 133 GUZMÁN, Décio de Alencar; FONTENELE, Francisca Nescylene; LOPES, Rhuan Carlos. Op. cit. Itálico dos autores. p. 18. 134 EISENBERG, José. Op. cit. p. 73. Sobre isto cf. COELHO, Geraldo Mártires. Choques Culturais na Amazônia Seiscentista: colonos, padres, índios e... Antonio Vieira. Asas da Palavra, op. cit., pp. 139-151; TUPIASSÚ, Amarílis. A palavra divina na surdez do rio Babel. Asas da Palavra – revista de Letras, op. cit., p.

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do que isto, era com esse idioma que se comunicavam a maior parte dos moradores da região:

indígenas, missionários, colonos.135 La Condamine menciona sua passagem por algumas

aldeias e o uso do nheengatu, sem o qual não consegue se comunicar.

“Em São Paulo e em Tefé tivemos intérpretes portugueses que falavam a língua do Brasil, semelhantemente introduzida em todas as missões portuguesas; mas não podendo achá-los em Coari, aonde não pudemos chegar, malgrado todo nosso esforço, senão após a partida do missionário para o Pará, vimo-nos no meio dos índios sem que pudéssemos conversar a não ser por sinais, ou com a ajuda dum curto vocabulário que eu tinha feito de perguntas escritas em sua língua, e que infelizmente não continha as respostas.”136

Ressalta-se que as missões citadas pelo autor não são administradas pelos Jesuítas, o

que não exclui a possibilidade aqui apontada, apenas mostra que a língua geral possuía ampla

aceitação no Amazônia colonial, como referenda o cientista.

Ao abordamos as missões religiosas enquanto propulsoras da urbanização no Vale

Amazônico estamos propondo uma visão na longa duração do processo de ocupação colonial

da região. Como evidenciamos neste texto, as aldeias missionárias estavam inseridas de

maneira ampla na dinâmica da Amazônia colonial, não apenas no que tange na importante –

para os imperativos coloniais – catequização dos grupos indígenas, elemento essencial na

transformação de identidades pelo esforço em reordenar o antigo sistema social destes, através

de uma nova mentalidade, incluindo-se uma espacialidade e outras relações de trabalho, de

convívio, tudo dentro de uma noção de civilidade; inserem-se as missões no mundo colonial

pelo seu domínio sobre o indígena em amplos aspectos; nas contendas com os colonos e nas

práticas mercantilistas nelas desenvolvidas.

Esses aspectos são de ampla relevância por caracterizarem uma rede urbana que não se

limitava às vilas e as cidades, como já afirmamos. Salienta-se que o urbano da Amazônia

colonial possui sua especificidade e não pode ser entendido com conceitualizações

extemporâneas, justamente por ser essa realidade deveras complexa para ser restrita a criação

de núcleos legalmente aceitos como urbano. Afirmamos, neste sentido, que o conceito de

urbanização usado até então pela historiografia é um de seus modelos explicativos, ou seja, é

algo criado pelos estudiosos do assunto. Assim, se neste trabalho lemos as missões enquanto

germe da urbanização isso não significa necessariamente que elas eram pensadas de tal forma

77-104; FREIRE, Jose Ribamar Bessa. Rio Babel: a história das línguas na Amazônia. Rio de Janeiro: Atlântica/EDUERJ, 2004. 135 LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Op. cit. t. IV. pp. 311-312. 136 LA CONDAMINE, Charles M. de. Op. cit. p. 87. Itálico nosso.

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38

durante sua existência, mas esta é uma possibilidade a ser perscrutada. De qualquer forma,

não podemos crer que a transformação das aldeias em vilas durante o governo de Francisco

Xavier de Mendonça Furtado (1751-59) tenha sido feita sem que o administrador lusitano

tenha percebido o potencial desses núcleos do ponto de vista geopolítico e econômico. Essa

mudança, ao que nos parece, tem um aspecto notadamente administrativo, sem que a estrutura

das missões sofra grandes mudanças, o que ratifica nossa proposta explicativa, qual seja o da

urbanização enquanto processo e não em um surto como já apontou a historiografia.

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39

CAPÍTULO 2 – O TRATADO DE MADRI E A INFLEXÃO NA ADMINISTRAÇÃO

COLONIAL

2.1- O Tratado de 1750

A presença Portuguesa no Vale Amazônico se inicia de maneira efetiva no

início do século XVII, com a fundação do Forte do Presépio (1616) em uma das principais

entradas fluviais da região. No contexto da União Ibérica (1580-1640), os portugueses foram

os principais agentes da efetivação de posse desses espaços, alongando sua presença para

além do que determinava o Tratado de Tordesilhas (1494).137 Múltiplas foram as estratégias

objetivando a “legalidade” do poder sobre o Vale, tendo em vista o interesse e a presença de

outras nações. As ações militares e econômicas se somaram as dos missionários, sempre no

intuito de se fazer presente o poder real e, conseqüentemente, garantir algum benefício à

coroa. As ordens religiosas desenvolveram um papel singular nesse processo colonial: através

dos aldeamentos indígenas em áreas esparsas, mas estrategicamente posicionadas, os

missionários tiveram uma ação central nas táticas de conquistas, qual seja a da cooptação da

população nativa. Não se pode desconsiderar que havia interesses típicos de um movimento

religioso, no bojo da Contra Reforma Protestante; porém o Estado possuía uma

intencionalidade própria ao permitir essa presença em seus domínios.

Restabelecida a autonomia administrativa de Portugal (1640), os lusos continuam a

exploração da região, em despeito do acordo diplomático de 1494, firmando-se, nesse sentido,

como seu virtual detentor.138 Apenas no decorrer do segundo quartel do século XVIII é que se

reiniciam debates em torno de outro diploma para a definição dos limites territoriais entre as

posses portuguesas e espanholas na parte sul do continente americano.139 Em 1750 firma-se o

Tratado de Madri.140 Neste documento é decidido que

“pertencerá a Portugal tudo o que tem ocupado pelo rio das Amazonas, ou Marañon, acima e o terreno de ambas as margens desse rio até as paragens que abaixo se dirão; como também tudo o que ocupado no distrito de Mato Grosso, e dele para parte do

137 Esse movimento inicial de expansão portuguesa possuiu o aval espanhol, já que a coroa de Castela temia a presença estrangeira (holandeses, ingleses e franceses) nas proximidades das minas de metais preciosos do Vale Andino. Cf. RESENDE, Tadeu Valdir de Freitas. Op. cit.. pp. 59-130. 138 Idem. Ibidem. 139 As negociações territoriais na América meridional não se restringiram aos países ibéricos. Em 1713, Portugal e França assinam o Tratado de Utrecht, definindo a fronteira entre a Guiana Francesa e a América Portuguesa; ainda em 1715, é assinado o segundo Tratado de Utrecht, agora com a Espanha, firmando a Colônia de Sacramento como posse portuguesa. Cf. RESENDE, Tadeu Valdir de Freitas. Op. cit; REIS, Arthur Cezar Ferreira. Limites e demarcações na Amazônia brasileira. Op. cit, pp. 41-42. 140 De acordo com o artigo 1º do Tratado de Madri, além da América se demarcaria também a Ásia. Cf. “Tratado de Madri”. In: RESENDE, Tadeu Valdir de Freitas. Op. cit. p. 325.

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oriente, e Brasil, sem embargo de qualquer pretensão que possa alegar, por parte da coroa de Espanha, com o motivo que se determinou no Tratado de Tordesilhas” 141

Assim se constitui o uti possidetis, instrumento jurídico ímpar na amoldamento da

América Portuguesa no século XVIII. Para conformá-lo, os diplomatas portugueses alegaram

a antigüidade de sua presença no Vale Amazônico, sendo as missões religiosas utilizadas

nessa argumentação, fato ocorrido também do lado espanhol. Arthur Cezar Ferreira Reis

afirma que a expansão dos “luso-brasileiros” para o oeste do Vale forçou o afastamento dos

religiosos castelhanos “para os rios que levam águas ao Marañon (sic)”,142 tornando essa área

o ponto de fixação mais perene desses aldeamentos, garantindo sua posse à coroa espanhola.

Dessa forma, as fronteiras se estabeleciam pela presença de representantes de ambas as

coroas.143

O Tratado de 1750 impõe um redimensionamento da política estabelecida na América

portuguesa, especialmente no que diz respeito a sua zona setentrional. Assim, a percepção

metropolitana quanto ao índio como sujeito na ratificação de posse espacial sofre

fortalecimento nesse contexto. 144 No entanto, algumas modificações ocorrem: o índio tem

modificada sua condição política, passando agora a súdito do rei; embora a proposta inicial do

governo não pretenda retirar os religiosos regulares da região, as injunções da colônia

imprimem a necessidade de expulsão destes e a transformação de suas aldeias em vilas ou

lugares, onde os índios seriam inseridos no mundo colonial de acordo com as projeções da

metrópole.145 Quanto a essa última medida, pode-se dizer que até então não se excluía ou

negligenciava a experiência religiosa no trato com o indígena, tanto que se indicava sua

presença nas aldeias mais distantes e estratégicas do ponto de vista geopolítico, assim como

sua participação em instituições de ensino.146

Sendo os aldeamentos utilizados como balizas demarcatórias e como núcleos

de aglutinação das nações indígenas, é evidente que nestes lugares se desenvolvessem

eficazes práticas que, mais que inseri-los na fé católica, proporcionavam ao nativo uma

percepção outra de organização e convívio social, como mostramos no capítulo anterior.

Mesmo com a retirada da figura do missionário, esta estrutura permanece, agora sob os

auspícios do Estado. A expressão “reformas pombalinas” é recorrente nos debates sobre o

141 Tratado de Madri. In: RESENDE, Tadeu Valdir de Freitas. Op. Cit. p. 326. 142 REIS, Arthur Cezar Ferreira. Limites e demarcações na Amazônia brasileira. Op. cit. p. 13. 143 Idem. Ibidem. 144 FARAGE, Nádia. Op. cit. pp. 145-164; COELHO, Mauro Cezar. Op. cit. pp. 88-131. 145COELHO, Mauro Cezar. Op. cit. 146 Idem. Ibidem. pp.108-109.

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período em questão, sendo enfatizadas as mudanças ocorridas no âmbito do reinado de D.

José I (1750-1777), sabidamente influenciada pelo seu ministro Sebastião José de Carvalho e

Melo.

A historiografia que aborda o terceiro quartel do século XVIII, o associa de imediato à

figura de Carvalho e Melo. Kenneth Maxwell,147 em obra que atesta o estilo paradoxal de

atuação de Carvalho e Melo, aponta para a política mais imediata do início do gabinete deste

ministro: o Tratado de Madri e suas implicações. As percepções deste autor incidem no

caráter iluminista deste principado, que desenvolveu meios para a ampliação do poder real

sobre os seus domínios, tendo em vista a sua centralização.148 A demarcação territorial na

América portuguesa está permeada desta perspectiva e é com esse intuito que, de acordo com

Maxwell, o indígena recebe o título de “cidadão”, para que dessa forma houvesse um

interesse por parte deles em “defender” o território, ampliando a soberania portuguesa nesses

locais.149

Essas mudanças ocorridas no projeto colonizador português com o Tratado de

demarcações são objetos de reflexão de Mauro Cezar Coelho em sua tese de doutorado Do

sertão para o mar.150 O autor discute a formulação do Diretório dos Índios durante o governo

de Francisco Xavier de Mendonça Furtado no estado do Grão-Pará e Maranhão. Para Mauro

Coelho, essa normativa possui uma formulação estritamente influenciada pelas injunções da

colônia, lugar onde as projeções metropolitanas entraram em choque com as dos colonos e as

dos missionários.151 Nesta tese há uma ênfase à presença missionária e aos índios enquanto

agentes históricos, ambos atuantes no processo de colonização. Dentro dessas injunções está a

necessidade da Coroa em efetivar seu poder sobre o território, tornando o índio vassalo do rei

português e, portanto, redirecionando seu papel no processo de colonização. Aqui a

preocupação com a demarcação dos limites é analisada de forma sistemática. Para esse

historiador, o Tratado de Madri impõe a necessidade de um redimensionamento das ações

coloniais ao norte da América portuguesa, onde o índio tem um papel de ampla relevância,

não apenas pela afirmação territorial, mas também pelos fatores econômicos, onde a

exploração do território ligava-se, em grande medida, ao conhecimento que ele detinha sobre

o espaço, e à sua amplitude populacional, o que aumentava a possibilidade exploração da

147 MAXWELL, Kenneth K. Marquês de Pombal: paradoxo do Iluminismo. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. 148 Idem. Ibidem. pp. 01-35. 149 Idem. pp.51-68. 150 COELHO, Mauro Cezar. Op. cit. 151 Idem. Ibidem. pp.36-37 e 88-131.

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mão-de-obra. Os conflitos com os religiosos regulares e a mudança na condição política das

aldeias e fazendas missionárias fazem parte das injunções coloniais, também ligadas ao

Tratado de 1750.152

A nova política do Estado português para os indígenas é estudada detidamente por

Nádia Farage.153 Esta autora, para além de tratar a atenção portuguesa para com o índio,

evidencia que este último estabelece múltiplas relações de interesse, tanto para com os

colonizadores, como entre os próprios grupos nativos. Farage afirma que a boa relação do

colonizador com os povos indígenas era fundamental para a conformação da fronteira. Sendo

assim, as prerrogativas metropolitanas também necessitavam de negociações com os índios,

no sentido de criar o que Farage chama de “muralhas do sertão”. Neste sentido, o Diretório

dos Índios é tratado por Nádia Farage como um elemento conformador de relações sociais

singulares, favoráveis à nova posição social do índio no projeto colonial.154

Os autores que se dedicam a essa temática direcionam seus estudos no sentido do

fortalecimento do Estado português, implicando em um maior controle das atividades do

império através dos funcionários reais. Os missionários religiosos já começavam a ser vistos

sob essa ótica de controle incisivo, com diminuição de sua grande autonomia, como vimos no

capítulo anterior.

2.2- O governo de Francisco Xavier de Mendonça Furtado

Aos 26 de julho de 1751 chega ao estado do Maranhão Francisco Xavier de Mendonça

Furtado, imbuído dos cargos de capitão-general e governador, 155 bem como de

plenipotenciário do tratado de demarcações firmado entre Espanha e Portugal, a partir de

1753.156 A presença de Mendonça Furtado na região é amplamente associada pela

historiografia com a importância do Vale Amazônico para as demandas da metrópole: sendo

irmão de Sebastião de Carvalho e Melo, ministro de notória importância em Portugal, coube a

Furtado a confiança da tarefa de empreender as “reformas” na colônia potencialmente

vantajosa, o Grão-Pará e Maranhão.157

152 Idem. pp. 88-131. 153FARAGE, Nádia. Op. cit. pp. 145-164. 154 Idem. pp.156-160. 155 AZEVEDO, João Lucio d’. Op. cit. pp. 233-239; “Carta patente de governador e capitão-general do estado do Maranhão a Francisco Xavier de Mendonça Furtado”. In: MCM-AEP. t.I. pp.81-83. 156 Sebastião José de Carvalho e Melo [Carta, em 30/04/1753] – MCM-AEP. t.I. p.455-464. 157 Até 1751 o território ao norte da América portuguesa era denominado e pensado administrativamente enquanto estado do Maranhão e Grão-Pará; a mudança ocorre também em função do Tratado de Madri. Essa reformulação referenda as variações ocorridas na política portuguesa para o Vale Amazônico. Cf. “Instruções

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Mendonça Furtado tentou conduzir essa postura, buscando todos dos meios de melhor

administrar o estado em acordo com as prerrogativas advindas da Coroa, ao passo que se

confrontava com os interesses dos súditos de D. José I em terras amazônicas.158 Com sua

longa experiência militar, o décimo governador do Grão-Pará e Maranhão “adentra em um

novo patamar de sua carreira”. 159 Mendonça Furtado observou o contexto da Amazônia

colonial, estabelecendo um discurso capaz de modificar, ou ao menos redirecionar, as

prerrogativas às quais estava orientado a seguir (solidificação da soberania do Estado

português, atenção à liberdade dos índios, exploração econômica etc.).

Entre 1751 e 1759 os rumos do estado passaram por modificações deveras

significativas. A já citada mudança administrativa do antigo estado do Maranhão e Grão-Pará,

transformado em Grão-Pará e Maranhão (1751); a Lei de Liberdades (1755); a criação da

Companhia de Comércio (1755); o Diretório dos Índios (1758); expulsão dos Jesuítas (1759).

Essas medidas são singulares para o entendimento do processo aqui estudado. Como

afirma Décio Guzmán, elas constituem uma articulação dentro do projeto iluminista de

reformas políticas.160 Ao lado disso, concordamos com a perspectiva historiográfica que

afirma o valor da experiência de governo de Mendonça Furtado na constituição dessas

decisões, pois não podemos vê-las apenas como determinações metropolitanas “de gabinete”,

desconectadas de um discurso sobre a realidade colonial.161

Os anos iniciais da administração de Francisco Xavier serão de constantes observações

acerca do contexto da região; esse momento primeiro foi de suma importância para a

definição das políticas coloniais, já que além das determinações trazidas pelo governador da

metrópole, a ele cabia a responsabilidade de analisar as necessidades do Grão-Pará e

Maranhão, informando-as à Coroa. Mendonça Furtado enfatizava nesses escritos a pobreza e

decadência do estado, afirmando que à medida que ia o conhecendo, compreendia “também a

sua ruína”,

Régias, públicas e secretas para Francisco Xavier de Mendonça Furtado, capitão-general do estado do Grão-Pará e Maranhão”. In: MCM-AEP. t.1. pp. 67-80. 158 COELHO, Mauro Cezar. Op. cit.. Sobre a atuação de Mendonça Furtado cf. TAVARES, Célia Cristina da Silva. Op. cit. pp. 81-149; ARAÚJO, Alik Nascimento de. “Entre o Terço e o Pelourinho”: Malagrida e Mendonça Furtado - as disputas de poder no Estado do Grão Pará e Maranhão (1751-1761). 2008. Monografia (Graduação em História) – Universidade Federal do Pará, Belém. Esta autora discute as posturas políticas de Mendonça Furtado e do padre Jesuíta Gabriel Malagrida no que ela define como “quadro político” do Vale Amazônico, onde cada um desses agentes defendia um posicionamento quanto ao sentido do Estado, desenvolvendo discursos autônomos e em função de suas experiências na região; importante esse debate, pois se localiza em meio ao conflito entre os Jesuítas e o governo, culminando com a expulsão dos primeiros. 159 ARAÚJO, Alik Nascimento de. p.31. 160 GUZMÁN, Décio de Alencar. Revista de Cultura do Pará. Op. cit. pp. 75-76. 161 COELHO, Mauro Cezar. Op. cit. pp. 36-37.

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“Eu Senhor excelentíssimo não o considero só morto [o estado], mas meio sepultado, e a bom trabalhar tudo quanto se pode fazer por ora, é não deitar mais terra na sepultura e ir depois, pouco a pouco, tirando a que nela se acha, e descoberto que seja o cadáver, pedirmos então a Deus que nos ajude com a sua Onipotência, para fazermos o milagre de o ressuscitar. E para essa grande obra é preciso largo tempo, grande trabalho, e igual vigilância e não menos despesa e permita a bondade divina que pode tudo isto para se chegar ao fim que desejamos. ”162

Os recursos discursivos de Furtado são escolhidos de forma a dar ênfase ao que ele

entende como “ruína”, esta tamanha ao ponto de estar o Grão-Pará “meio sepultado”, sendo

tanto o trabalho de recuperá-lo que o governador recorre a Deus, único capaz de efetuar o

milagre da ressurreição do estado; de toda forma, cabe o serviço humano de retirar a terra do

“cadáver”. Esse serviço é o de Mendonça Furtado e toda essa argumentação, um tanto

metafórica de sua parte, buscou criar mecanismos indispensáveis para a efetivação dos

imperativos metropolitanos. Associa-se aqui a imagem do governador que desenterra o estado

com o poder divino, ligando a imagem do reformador com a do salvador.163

É provável que esse texto do capitão-general indique as dificuldades de fazer cumprir

suas Instruções164 ao “pé-da-letra”, daí sua alegação de sepultamento do estado. Resulta isto

do enfrentamento efetuado por missionários e colonos, ambos com interesses diversos aos

trazidos por Furtado. Mauro Coelho afirma que as colocações do governador são “um indício

de que as forças que se opunham às transformações exigiam reformulações no projeto

original, especialmente no que tange à política indigenista”.165

Tendo em vista os objetivos desta monografia, enfatizaremos o conflito existente entre

o poder temporal de Mendonça Furtado e os religiosos, notadamente os Jesuítas. Claro é que

os interesses dos colonos devem ser levados em consideração, pois não estão dissociados das

injunções coloniais, mas entendemos que o embate entre os outros dois agentes (em meio as

suas nuances) possui uma dimensão própria, qual seja a de disputa política e de

reconhecimento por parte do Estado da legitimidade das partes envolvidas, como afirma Alik

Nascimento Araújo.166

Neste sentido, ao analisarmos as Instruções do capitão general vemos às constantes

menções aos aldeamentos religiosos e principalmente à necessidade de ter os índios sob o 162 Francisco Xavier de Mendonça Furtado [Ofício, em 21/11/1752] – MCM-AEP. t.I. p.399. 163 ARAUJO, Renata Malcher de. Op. cit. p.108. 164 “Instruções Régias, Públicas e Secretas para Francisco Xavier de Mendonça Furtado, Capitão general do Estado do Grão-Pará e Maranhão”. In: MCM-AEP. t.I. pp.67-80. 165 COELHO, Mauro Cezar. Op. cit. p. 113. 166 ARAÚJO, Alik Nascimento. Op. cit. pp.32-60.

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domínio português. Diz o parágrafo segundo deste documento: “O interesse público e as

conveniências do estado que ides governar, estão indispensavelmente unidos aos negócios

pertencentes à conquista e liberdade dos índios, e juntamente às missões [...]”.167 O recurso às

missões religiosas, conformadoras do território, não é dispensado, sendo ainda reconhecidas

suas habilidades em catequizar os índios aldeados.168 Os Jesuítas são citados como os “que

tratam os índios com mais caridade e os que melhor sabem formar e conservar as aldeias”. 169

Assim, é imperativo ocupar os domínios do Vale Amazônico e moldar suas fronteiras,

aspectos estes grandemente pensados pela ótica da ocupação indígena.

“Recomendo-vos muito que procureis atentamente os meios de segurar o Estado, como também os de fazer florescer o comércio, para se conseguir o primeiro fim, além do que fica dito a respeito de se aldearem os índios, especialmente nos limites das Capitanias e tereis o cuidado quanto for possível, que se povoem todas as terras possíveis, introduzindo-se novos povoadores.” 170

A despeito do reconhecimento das vantagens em ter os missionários enquanto agentes

de cooptação dos índios no ambiente das aldeias, as Instruções já prevêem um

redimensionamento da influência destes. Ao longo do século XVII e primeira metade do

XVIII são as ordens religiosas detentoras do grande poder de arregimentação indígena, como

vimos no capítulo anterior; compõem, desse modo, uma estrutura bem articulada em torno de

uma produção com extensa mão-de-obra; poder temporal e espiritual imbricam-se na

consolidação deste complexo missionário. Todavia, as implicações do Tratado de Madri,

inseridas no contexto de reorganização do Estado português, fazem emergir outras práticas na

política metropolitana. No corpo das Instruções pode-se vislumbrar a mudança de perspectiva

da Metrópole em relação à forma de atuação do missionário; neste momento o interesse por

parte do Estado em uma intervenção mais incisiva nas aldeias administradas pelos religiosos

torna-se claro.

“Como à minha real notícia tem chegado o excessivo poder que têm nesse Estado os Eclesiásticos, principalmente no domínio temporal nas suas aldeias, tomareis as informações necessárias, aconselhando-vos com o Bispo do Pará [D. Miguel de Bulhões], que vos instrua com a verdade a qual dele confio, por ter boa opinião da sua prudência e letras pela prática que já tem do país, para informardes se será mais conveniente ficarem os Eclesiásticos somente com o domínio espiritual, dando-se côngruas por conta da minha Real fazenda, para cujo fim deve-se considerar o haver

167 “Instruções Régias, Públicas e Secretas para Francisco Xavier de Mendonça Furtado, Capitão general do Estado do Grão-Pará e Maranhão”. In: MCM-AEP. t.I. p.68. 168 Idem. (§§ 16-23) pp.72-75. 169 Idem. (§22) p. 75. 170 Idem. (§27) p. 77. Itálico nosso.

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quem cultive as mesmas terras, do que fareis todo o exame para me informardes, averiguando também a verdade do fato a respeito do mesmo poder excessivo e grandes cabedais dos Regulares [...]” 171

A atuação missionária tinha de ser restrita, segundo essa projeção metropolitana, ao

intento de civilizar os índios e torná-los “capazes de servirem ao público”;172 as missões

tinham a função de cuidar do “bem espiritual” da colônia e, da mesma forma, por meio delas

deveria haver a povoação e ampliação dos “vastíssimos países do Pará e Maranhão”.173

Recomenda-se, ao lado destas determinações, a fundação de missões Jesuítas nos rios

Solimões e no Japurá – extremo oeste do estado e próximas aos domínios espanhóis – assim

como no Cabo do Norte. A extensão do poder religioso, como vimos, é o ponto de ressalva

constante: “cuidareis no principio destes estabelecimentos em evitar o poder temporal dos

missionários sobre os mesmos índios, restringindo-os quando parecer conveniente”.174

João Lúcio de Azevedo entende que as Instruções demonstram a grande preocupação

com as demarcações de limites e a não existência de uma “opinião formada contra os

Jesuítas”, no sentido de já projetar a expulsão desta Ordem.175 Em perspectiva semelhante,

Renata Malcher de Araujo afirma que “não eram más” as relações iniciais entre governo e

padres inacianos; apenas a percepção de Mendonça Furtado quanto ao poderio destes é que

modifica essa situação.176 Entendemos, porém, que as ressalvas feitas em relação aos

“eclesiásticos” cuidam em ter maior controle sobre suas atuações dentro dos aldeamentos.

Concordamos com o posicionamento de Mauro Coelho quanto à importância dada nas

Instruções aos índios no intuito de consolidar o poder português na região.177 Como afirma

este historiador, esse documento buscou atingir tanto os colonos quanto os missionários,

ambos agentes interessados e em constante conflito pelo domínio dos grupos nativos; assim,

“Aos primeiros, a Metrópole acena com a introdução de escravos [negros]. Aos segundos, a Metrópole garante, com modificações decisivas, sua permanência no processo de ocupação e desenvolvimento da Colônia [...] A ambos os concorrentes, todavia, as Instruções impedem o acesso direto aos ameríndios. Pois, segundo elas, foram os abusos envolvendo a administração e a exploração do trabalho indígena que levaram a Colônia ao estado de ruína em que se encontrava.” 178

171 Idem. (§14) p.72. Ítalico nosso. 172 Idem. (§16) p. 73. 173 Idem. (§17) p.73. 174 Idem. (§§ 21 e 22) pp.75-76. 175 AZEVEDO, João Lucio d’. Op. cit. pp.237-38. 176 ARAUJO, Renata Malcher de. Op. cit. p.104. 177 COELHO, Mauro Cezar. Op. cit. pp.109-110. 178 Idem. Ibidem. p.110.

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Mendonça Furtado recebe a responsabilidade de tornar os indígenas livres para assim

garantir a posse do território através do uti possidetis. Os interesses de colonos e missionários

(e os Jesuítas são a grande voz de oposição nesse momento), todavia, choca-se com essa

prerrogativa, pois a perda de controle sobre essa potencial mão-de-obra significava do mesmo

modo o prejuízo ao poder que essa posse garantia. O governador teve que lhe dar com essa

situação, ocasionando uma das readequações no projeto inicial.179

As reflexões de Furtado nos anos iniciais do governo incidiam também nas atuações

das Ordens Religiosas, sendo constantes as acusações de poder desmedido e despótico por

parte dos missionários; essas considerações são pertinentes para o entendimento da postura do

governador ao longo de sua atuação, incluindo-se os embates mais diretos, notadamente com

os Jesuítas. As observações de Furtado quanto aos religiosos não demoraram a chegar à

Metrópole. Já em carta enviada em 21 de novembro de 1751, elabora uma resenha da situação

dos religiosos no estado do Grão-Pará. O governador rememora a chegada dos Jesuítas e a

criação do Regimento das Missões creditando a este último a “soberania e o despotismo” das

“Religiões” com seu “alto poder”.180 Furtado acusa os religiosos de se interessarem somente

pelos rendimentos propiciados pela exploração dos índios, estes por sua vez vivem sob

constante opressão no “mais rigoroso cativeiro que se pode imaginar”,181 longe da liberdade

necessária aos intentos firmados em suas Instruções. A ausência do idioma luso é mencionado

como extremamente pernicioso e excludente, pois dá aos religiosos todo o poder de controle

sobre estes índios. Estes somam 12.000 sob o controle dos padres, isso incluso todas as

“Religiões”. Ainda segundo o governador, o comércio na região é dominado pelos religiosos;

em sua inicial estada no Grão-Pará, Mendonça Furtado despachou ao sertão 28 canoas dos

Jesuítas, 24 dos Carmelitas, “além das dos Capuchos”, enquanto os colonos requisitaram

apenas 3 despachos de canoas.182

É recorrente nos textos de Mendonça Furtado a acusação aos religiosos quanto

à ruína do estado; até este momento não há ênfase aos Jesuítas, mas eles são citados como uns

dos mais ricos com as práticas “soberbas” de comércio.183 Neste período o governador já

pensa ser impossível estabelecer mudanças na situação do estado sem que se retire ou diminua

o poder dos religiosos:

179 Idem. p. 139. 180 Francisco Xavier de Mendonça Furtado [Carta para Sebastião de Carvalho e Melo, em 21/11/ 1751] – MCM-AEP. t.I. p.112. 181 Idem p.113 e 115. 182 Idem. p.121, 183 Francisco Xavier de Mendonça Furtado [Carta, em 29/12/ 1751] – MCM-AEP. t.I. p.204.

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“Por todo o referido, me persuado a que, nem Governador nem Ministro vêm cá fazer coisa alguma nas circunstâncias presentes, porque nenhum desses padres se lhes dá deles para nada, nem lhes têm respeito algum, porque crêem, e estão persuadidos, que todos lhe são inferiores, e que todos depedem deles para o seu despacho, e que aquele que falou contra eles foi homem perdido, de que nunca mais ninguém fez caso; assim o imaginam, e assim o fazem crer a todos [...]” 184

Por esses motivos recomenda Xavier que seja revisto o regimento das Missões, pois

este é o causador de tamanha desordem no estado.185 Mesmo assim, entende Furtado que

apesar da urgência em se retirar tamanho poder dos religiosos, não se pode fazê-lo de forma

breve, já que “a [sua] aceleração pode produzir também efeitos violentos, e contrários ao fim

que desejamos.”186

Nos tramites para a fundação da aldeia no rio Javari, Francisco Xavier pensa em

mudanças quanto a administração dessa nova missão, pautadas na sua percepção quanto ao

poder demasiado e prejudicial dos religiosos. Neste sentido, faz algumas “reservas” ao Vice-

Provincial da Companhia de Jesus, como a de que o atual governo (“Sua Majestade”) tem um

“diverso sistema” para com os religiosos, diferente dos reinados anteriores.187 Recomenda

ainda a presença de “algum Ministro de justiça” para controlar o comércio existente com os

Castelhanos, do qual os Jesuítas poderiam se associar.188

Em resposta, o Vice-Provincial demonstra insatisfação com as ressalvas do

governador, se recusando a fundar a dita aldeia sem a “expressa ordem” do rei, pois não sendo

assim haveria a infração e prejuízo ao Regimento das Missões.189 Mendonça Furtado replica

que a soberania do rei era maior que o Regimento.190 Após trocas de cartas que, segundo o

governador são cheias de “liberdades” por parte do padre, fica convencido da necessidade de

retirar o poder temporal dos missionários a começar por estas novas fundações.191 A nova

condição administrativa, sem o poder temporal aos missionários, desagrada-os.192

Francisco Xavier, insistindo em associar a “ruína” do estado ao “prejudicialíssimo

poder dos Regulares”, afirma que a origem dessa força vem da posse das aldeias e fazendas.

184 Idem. p.207. 185 Idem. p.208. 186 Idem. p.207 187 Francisco Xavier de Mendonça Furtado [Carta, em 20/01/ 1752] – MCM-AEP. t.I. p.259. 188 Idem. p.259. 189 Idem. p.260. 190 Idem. p.261. 191 Idem. pp.261-262; Francisco Xavier de Mendonça Furtado [Carta, em 20/01/1752] – MCM-AEP. t.I. p.263. 192 Francisco Xavier de Mendonça Furtado [Carta, em 29/01/1752] – MCM-AEP. t.I, p.297.

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193 Como único remédio para esse mal, recomenda que sejam tiradas dos religiosos suas

fazendas e as aldeias. As primeiras seriam substituídas por côngruas dadas aos padres; há

indicação para a transformação destas fazendas em povoações “que se farão popularíssimas,

declarando por livres todos os escravos que nelas existem e mandando distribuir por eles as

terras de que se compõe (sic) as tais fazendas”.194 Da mesma forma, manter o poder secular

das Ordens nas aldeias seria, segundo Furtado, permitir a manutenção das explorações dos

índios, bem como o domínio sobre as drogas do sertão.195 Aqui nesta carta já há menção a

retirada dos padres “capuchos da província da Piedade para o Reino”, pois eles não possuíam

convento e não estarem em acordo com os votos de pobreza dos franciscanos.196 Aos outros

religiosos caberia o recolhimento aos seus respectivos conventos; a intenção de Francisco

Xavier era fazer os religiosos retornarem ao seu intuito original na colônia: civilizar os índios

apenas “como clérigos nas aldeias”, sendo o governo temporal e espiritual nelas igual ao das

outras povoações.197

A Lei de Liberdades de 1755 reafirmou os aspectos já defendidos nas Instruções

quanto à necessidade de garantir aos índios o status de vassalos do rei português sem a

ingerência religiosa; e neste mesmo ano é retirado o poder temporal dos padres sobre as

aldeias.198 Essas leis consubstanciam o que Maria Celestino de Almeida entende como as

“três questões básicas e articuladas” da política desenvolvida para o Vale Amazônico no

reinado de D. José I, quais sejam “o combate a hegemonia dos religiosos, a ocupação e

garantia do território e o desenvolvimento do comércio e da produção agrícola”.199 Neste

sentido, essas normativas compreenderam um ato crucial no desmantelamento do poder

missionário da região, seguido pela expulsão dos Jesuítas e modificação na condição

administrativa das aldeias, pois as missões tornar-se-iam vilas e lugares.200

193 Francisco Xavier de Mendonça Furtado [Carta, em 18/02/1754] – MCM-AEP. t.II. pp.112-113. 194 Idem. p.117. 195 Idem. p.117-117. 196 Idem. p. 118. 197 Idem. p.120. 198 Idem. p.133; Sebastião de Carvalho e Melo [Carta a Francisco Xavier de Mendonça Furtado, em 04/08/1755] – MCM-AEP. t.II. pp.464-469; idem [Carta a Francisco Xavier de Mendonça Furtado, em 04/08/1755] – MCM-AEP. t.II. pp.470-472; idem [Carta a Francisco Xavier de Mendonça Furtado, em 04/08/1755] – MCM-AEP. t.II. pp.473-477; idem [Carta a Francisco Xavier de Mendonça Furtado, em 04/08/1755] – MCM-AEP. t.II. pp. 478-479; Francisco Xavier de Mendonça Furtado [Carta, em 12/11/1755] – MCM-AEP. t.II. pp.506-521; AZEVEDO, João Lucio d’. Op. cit. pp.256-257. 199 ALMEIDA, Maria Celestino de. Os vassalos d’el Rey nos confins da Amazônia: a colonização da Amazônia Ocidental (1750-1798). 1990. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói. p.119. 200 AZEVEDO, João Lucio d’. Op. cit. p. 284.

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Vincula-se a essa política a criação da Companhia de Comércio, mencionada pela

historiografia como um meio de conter o poderio religioso. Essa estratégia monopolista,

porém, está relacionada com as práticas mercantis características de então, relacionada

também com outros interesses. Segundo Kenneth Maxwell, Sebastião José de Carvalho e

Melo cria duas Companhias de Comércio – a do Grão-Pará e Maranhão e a do Douro, em

Portugal – com objetivos camuflados de favorecer o capital privado português sem ferir os

tratados internacionais. Dessa forma, o Estado luso buscou o seu fortalecimento através do

capital privado, criando capacidade competitiva diante dos mercados estrangeiros; o

monopólio estatal intencionava arrefecer a influência externa tanto na metrópole quanto nas

colônias.201

Não há dúvida quanto ao prejuízo causado à Companhia de Jesus no âmbito dessas

“reformas”. Como afirma Maxwell, os inacianos se sentiram lesados economicamente por

perderem alguns benefícios tributários e, principalmente, o domínio da mão-de-obra indígena.

Segundo este historiador, a posição incomoda dos Jesuítas, com seus constantes protestos,

levou Carvalho e Melo a pedir a expulsão dessa Ordem das fronteiras, utilizando-se de

qualquer pretexto para isso.202 Essas observações de Maxwell são pertinentes na medida em

que analisam a conjuntura portuguesa no período em questão, especialmente no que tange ao

embate com os Soldados de Cristo. Concordamos, todavia, com a vertente historiográfica que

entende as conformações internas do Vale Amazônico como deveras importante para os

percursos escolhidos pela política na região.

Tendo isto em vista pensamos, em acordo com Mauro Coelho, que o Diretório dos

Índios relaciona as “demandas metropolitanas e coloniais”,203 após os constantes conflitos

engendrados nas disputas entre missionários e colonos, e entre estes e o governo. Não sendo

pensada ao início do governo de Mendonça Furtado, essa lei possui um caráter colonial,

justamente por ser criada em meios as injunções desse ambiente.204

Os grupos indígenas, como a historiografia vem mostrando, passam a sofrer uma

atenção mais imediata do Estado, ou seja, a política torna-se mais clara, o que diminui o poder

dos missionários paulatinamente. De acordo com Ângela Domingues, o Diretório propiciou,

além do que já mencionamos, o redimensionamento das relações de poder na colônia.205 A

transformação “estatutária” do índio em vassalo, lhe permite outras formas de movimento na

201 MAXWELL, Kenneth K. Op. cit. pp.67-69. 202 Idem. Ibidem. p. 72. 203 COELHO, Mauro Cezar. Op. cit. p.171. 204 Idem. p.176. 205 DOMINGUES, Ângela. Op. cit. pp. 135-198.

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sociedade colonial, incluindo as formas de resistência. Resistir significa, entre outras

possibilidades, se impor contra a legislação, e não apenas utilizá-la em seu proveito.206 O

trabalho de Domingues é fundamental para se entender uma possibilidade de análise em que o

índio é tratado de forma mais participativa dos desdobramentos históricos do período, o que

permite um horizonte maior para os objetivos deste projeto de monografia.

Adotamos essa postura para a análise do processo de substituição das aldeias por vilas

e lugares dentro dessa política “ilustrada”, especificamente entre 1751 e 1759, ou seja,

durante o governo de Mendonça Furtado. O Diretório conforma parte substancial dessa

mudança, legitimando a mestiçagem e criando o que entendemos como um urbanismo híbrido

do Vale Amazônico. Essa dinâmica urbana ensejada pelo Diretório será o objeto de discussão

do próximo capítulo.

As demarcações do Tratado de Madri constituem elemento base da atuação de

Mendonça Furtado no Grão-Pará. A percepção quanto ao território foi sendo modificada pela

necessidade de conhecê-lo efetivamente, afinal ter seu domínio era imprescindível na política

do uti possidetis. O acordo previa um local para as reuniões demarcatórias entre os

representantes de Espanha e Portugal: a aldeia carmelita de Mariuá no rio Negro. Em 1753 a

equipe composta pelos profissionais designados para esse serviço cegou da Metrópole,207

embarcando para Mariuá em 1754. Lá permaneceu Mendonça Furtado por volta de quatro

anos, sem que os espanhóis cumprissem com o acordado, enquanto o governo do estado ficou

sob a responsabilidade de D. Frei Miguel de Bulhões.

Segundo Renata Araujo, a despeito da não efetivação das demarcações entre as duas

coroas ibéricas, os profissionais arregimentados em vários países da Europa foram

sistematicamente aproveitados no estudo do território. “A tarefa que Mendonça Furtado

pretendia ver feita por tais técnicos no espaço da Amazónia (sic) era a da conquista do seu

conhecimento e não apenas dos seus limites.”208 Ainda no sentido de reafirmação e controle

sobre o território pode-se entender a mudança de capital de São Luis para Belém (1751) e a

criação da capitania do Rio Negro (1755).209 Essas ações conformam o que esta pesquisadora

206 Idem. pp. 249-295. 207 Compunha a equipe responsável por observações astronômicas e demarcações: o astrônomo Pe. Ignácio Szentmartony; o matemático João Angelo Brunelli; o sargento-mor engenheiro Sebastião José da Silva; o capitão-engenheiro João André Schewebel; os capitães engenheiros Gaspar João Geraldo Gronsfeld e Gregório Rebello Ribeiro Camacho; os ajudantes de engenheiro Henrique Antonio Galuzzi, Adam Leopold de Breuning e Phileppe Sturm; o tenente Manuel Gotz; e o desenhador José Antonio Landi. Cf. ARAUJO, Renata Malcher de. Op. cit. p.109; FONTANA, Ricardo. As obras dos engenheiros militares Galluzzi e Sambuceti e do arquiteto Antonio Landi no Brasil colonial do séc. XVIII. Brasília: Senado Federal, 2005. 208 ARAUJO, Renata Malcher de. Op. cit. p.110. 209 Idem. Ibidem. p. 113.

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denomina de uma nova perspectiva quanto ao território no período pombalino, qual seja a de

uma ocupação efetiva e não apenas simbólica.210

A perspectiva de Renata Araujo sobre o domínio territorial está relacionada, claro,

com a noção de urbanização apresentada pela autora ao longo de seu livro. Há no As Cidades

da Amazônia a idéia de que as intervenções diretas do Estado são as principais conformadoras

do território, bem como da urbanização, ambas acentuadas no período pombalino. Já

afirmamos anteriormente nossa postura quanto à noção de inflexão e redimensionamento da

política portuguesa para o Vale Amazônico a partir do de 1751; concordamos que nesse

recorte temporal houve modificações, pautadas em grande medida nas especificidades da

região; da mesma forma cremos que as intervenções estatais estiveram interessadas na

ocupação da região. Todavia, adotamos um ponto de vista onde as mudanças não podem ser

vistas desconectadas de um processo de longa duração. As “novidades” da reforma pombalina

estão em larga medida pautadas na organização da sociedade colonial amazônica; as rupturas

quando houve, não estavam em todo desconexas da realidade erigida ao longo dos séculos

XVII e XVIII.

Assim, não podemos desconsiderar que nesse período já havia interesse em conhecer o

território por diversos agentes: colonos, padres e mesmo o governo. Ainda na administração

de Bernardo Pereira de Berredo vê-se a tentativa deste administrador em conhecer o espaço

que governava através dos Anais Históricos, claramente um estudo sobre a expansão

portuguesa com ênfase nas áreas de fronteira em litígio.211 O que falar das crônicas e mapas

produzidos por Jesuítas que tentam descrever pormenores do espaço e das populações do

Vale? Claro que a idéia de grandiosidade de um território ainda obscuro foi recorrente, assim

como o interesse em conhecê-lo, e não foram poucas as tentativas de fazê-lo. A tarefa

colonizadora de Mendonça Furtado estava, sem dúvida, ligada ao maior conhecimento do

território e de suas potencialidades; não obstante, não podemos entender seu governo como

um grande celeiro de novidades opostas ao processo histórico vivido até então. O “surto”

urbanizador propalado pela historiografia se enquadra nesta perspectiva, como veremos no

capítulo seguinte. 210 Idem. p. 114. Renata Araujo afirma que a fundação de Belém (1616) e as poucas vilas na região até meados da primeira metade do século XVII tornam o domínio sobre o território estritamente simbólico; afirma esta autora que a capital da capitania do Grão-Pará assume a condição de “cidade-território”, diante da imensidão dos domínios luso no que ela chama de Amazônia: “A cidade aparece, assim, como uma espécie de cabeça, coroada com seus baluartes, do território conquistado. E este, por sua vez, apresenta-se como o largo corpo demonstrativo da grandeza do domínio da cidade, ou seja, do colonizador.” (p.89-92). 211 PEDRO, Juliana de Castro. Embates pela memória: narrativas de descoberta nos escritos coloniais da Amazônia Ibérica. 2006. Dissertação (Mestrado em História Social) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. pp.60-61.

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CAPÍTULO 3 – NOVOS DITAMES DE RACIONALIDADE

3.1- O Diretório dos Índios e a elevação das aldeias

Como podemos ver no capítulo anterior, a criação do Diretório dos Índios está

estritamente vinculado à conjuntura do Vale Amazônico, podendo ser entendido como uma

“lei colonial”. Dentro da política portuguesa, essa lei intencionou criar condições para o

desenvolvimento das prerrogativas da metrópole; racionalizando o uso da mão-de-obra

indígena, o Diretório pensava esse agente como consolidador do território; aos colonos,

sinalizava com a possibilidade do uso destes últimos nas atividades produtivas, o que

diminuía a sua resistência aos imperativos da Coroa.212 O fim do domínio dos missionários

foi, sem dúvida, a decisão primeira para se almejar a efetivação das projeções impressas nesta

normativa.

A expulsão dos Jesuítas e a retirada do poder temporal religioso das aldeias por muito

foi recomendada por Mendonça Furtado, sempre associando os “Eclesiásticos” com a “ruína

do Estado”. Ao lado disso, o governador já indicava a possibilidade de criação de vilas nas

possessões missionárias, concretizando de forma mais incisiva a ação do Estado nesses locais,

sem a intermediação de outro agente.

Em fevereiro de 1754, Mendonça Furtado estabelece algumas reflexões sobre o

poderio dos religiosos no estado e já recomenda a transformação das fazendas destes em

povoações laicas. O governador afirma que além das terras dos donatários que haviam de ser

apropriadas pela Coroa, o rei devia considerar a incorporação das ditas fazendas “que podem

vir a ser umas grandes povoações”. 213 Essa observação é pautada na idéia de que estas

localidades possuíam um número grande de moradores, bem como produziam grandes

riquezas; assim, dentre as vantagens apontadas, o aumento da arrecadação dos dízimos é a

principal.214 Essa proposta de Furtado pode ter sido uma adequação à sugestão de Sebastião

José de Carvalho e Melo em 1753 quanto à criação de vilas a partir de “fazendas grandes e

populosas dos nobres deste Estado”; nesta carta, referenda-se a possibilidade de atração dos

índios moradores nas aldeias para as vilas criadas em acordo com a indicação do ministro. 215

O governador percebe logo que os únicos proprietários de grande monta na região são os

212 COELHO, Mauro Cezar. Op. cit. pp.36-38. 213 Francisco Xavier de Mendonça Furtado [Carta, em 18/02/1754] - MCM-AEP, t.II, p.116. 214 Idem. Ibidem. p.114-117. 215 Sebastião José de Carvalho e Melo [Carta, em 15/05/1753] APUD ARAUJO, Renata Malcher de. Op. cit. p. 115.

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religiosos, sobretudo os inacianos,216 por isso sua ênfase na potencialidade das suas fazendas

para a “urbanização”.

Em 14 de março de 1755 a decisão de “reduzir as aldeias e fazendas a vilas e

povoações civis” já havia sido tomada pela metrópole; essa data consta em carta de resposta

de Carvalho e Melo ao administrador do Grão-Pará e Maranhão. Mesmo assim, a decisão é

posta em segredo.217

A viagem realizada por Furtado para os serviços de demarcação o permite visualizar in

loco das povoações adentro do sertão, sejam elas engenhos, fortificações, fazendas ou

aldeias.218 Destacamos aqui as possessões dos religiosos, em relevo as dos Jesuítas, por

constarem na futura modificação proposta por Furtado; importante a análise deste documento

pelas suas referências à estrutura das missões, pois sua organização e densidade populacional

são as bases da posterior categorização dentro do discurso urbanístico (vilas e lugares) do

período por nós estudado. Arthur Cezar Ferreira Reis propõe que os aldeamentos mais

prósperos foram convertidos em vilas, enquanto os “de menores recursos e possibilidades” em

povoados.219 Neste momento do texto, porém, trataremos apenas das observações diretas

contidas no Diário de Viagem da expedição, deixando a análise comparativa entre aldeias e

vilas/lugares para o próximo tópico deste capítulo.

A aldeia jesuítica de Guaricuru o governador menciona sua ser “das mais populosas do

sertão”.220 No rio Tapajós, onde existia tanto uma aldeia inaciana quanto uma fortaleza, havia

a missão de mesmo nome, também densamente povoada e bem localizada; às suas

216 ARAUJO, Renata Malcher de. Op. cit. p. 117. 217 Sebastião José de Carvalho e Melo [Carta , em 14/03/1755] – MCM-AEP. t.II, pp.319-325. 218 “Diário da viagem que o Ilmº e Exmº Sr Francisco Xavier de Mendonça Furtado, governador e capitão-general do Estado do Maranhão, fez para o rio Negro. A expedição das demarcações dos reais domínios de sua majestade” [de 2 de outubro a 28 de dezembro de 1754] – Idem, t.II, pp.256-288. Essa viagem de Mendonça Furtado está inserida nos serviços dermacatórios; foi composta por 23 canoas com 1.025 pessoas, entre índios e os funcionários reais envolvidos diretamente com o Tratado de Madri; ressalta-se que as passagens pelas missões tinham o objetivo de recolher mantimentos, bem como índios para a condução das canoas. O governador permaneceu por quatro anos em Mariuá a espera da comissão espanhola. Durante sua estada, coordenou os serviços dos técnicos vindos da Europa em 1753 no estudo aprofundado do território, com a confecção de mapas por exemplo. Mesmo ao longo desta viagem houve a produção de diversos prospectos das localidades visitadas. Destacamos que a forma como é escrita o Diário nos leva a crer que ele não foi escrito por Francisco Xavier, pois os pronomes utilizados não se referem à primeira pessoa, o que não exclui a possibilidade de controle do texto por parte do governador. De qualquer forma, o Diário compõe a correspondência entre Furtado e a Metrópole. Serafim Leite afirma que o fracasso dos serviços demarcatórios foi a principal motivação para a “perseguição” aos Jesuítas no Grão-Pará, pois as acusações a estes padres objetivavam “despistar” as causas da “inútil” viagem. Cf. LEITE, Serafim. Op. cit. t.VII. p.342. 219 REIS, Arthur Cezar Ferreira. A política de Portugal no Vale Amazônico. Belém: Secretaria de Estado da Cultura, 1993. pp.32-33. 220 “Diário da viagem que o Ilmº e Exmº Sr Francisco Xavier de Mendonça Furtado, governador e capitão-general do Estado do Maranhão, fez para o rio Negro. A expedição das demarcações dos reais domínios de sua majestade” [de 2 de outubro a 28 de dezembro de 1754] – Op. cit. p.262.

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proximidades Borari compunha um importante aldeamento.221 Ao longo desta viagem vários

índios aldeados são incorporados como remadores, da mesma forma que muitos deles

abandonam a expedição; no Diário é recorrente a associação destas deserções aos indígenas

moradores das missões inacianas, assim como é mencionado a recepção pouco amistosa

destes padres, inclusive com o afastamento dos índios para as roças.222

Quanto às aldeias dos padres capuchos da Piedade, são mencionadas: Arapijó que é

descrita como pequena e pobre; da mesma forma é apresentada Caviana. 223 Maturu, no rio

Xingu, “é maior que as duas antecedentes” e localizada “em sítio bastante agradável” apesar

de estar “muito danificada”.224

No Rio Negro Francisco Xavier passa por Jaú, aldeia carmelita “quase deserta”, mas

bem localizada.225 Aracari, Pedreira e Cumaru são outras missões que o governador conhece,

mas sem grandes comentários no Diário.226 A composição de Mariuá não é descrita, porém

sabe-se que por esta ser a sede das demarcações ela estava “preparada” para receber esses

serviços.227

Mendonça Furtado tinha amplo conhecimento da forma de organização das aldeias e

fazendas religiosas, ao ponto de recorrer a estas como pontos nodais na sua “reforma urbana”.

Com a Lei de Liberdades de 1755 e o Diretório dos Índios de 1757 houve a efetiva retirada

dos padres das missões e o início do “surto urbanizador” desse período. A criação de vilas e

lugares criou a necessidade de readequação na administração das antigas aldeias e fazendas, o

que é amplamente regulado pelo Diretório.

O Diretório dos Índios é formado por 95 artigos que buscavam reger as relações

existentes entre colonos e indígenas, bem como as novas diretrizes da administração

portuguesa no Vale Amazônico. Nele observamos desde aspectos econômicos até a

organização espacial das antigas aldeias missionárias transformadas em povoações laicas.

Essa normativa é singular na reorganização do espaço urbano na região, na medida em que

221 Idem. Ibidem. pp.274-275. 222 Idem. pp.262-263 e 268. 223 Idem. p.267. 224 Idem. p.268. 225 Idem. p.281. 226 Idem. p. 282. 227 “Instrução passada a Francisco Xavier de Mendonça Furtado para agir como 1º Comissário régio das Demarcações do Tratado de Limites de 1750” [em 30/04/1753] – Idem. t.I. pp.455-463; Francisco Xavier de Mendonça Furtado [Carta, em 20/07/1755] – Idem. t.II. pp.457-459.

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tenta estabelecer outra dinâmica entre os núcleos populacionais, sem, contudo, descartar a

estrutura precedente.228

A dimensão temporal antes exercida pelos missionários passou a ser ocupada pelo

“Director”, nomeado pelo governador, “o qual deve ser dotado de bons costumes, zelo,

prudência, verdade, sciencia da língua [...]”. 229 Aos diretores era proibido o exercício da

“jurisdição coativa”, sendo restrita sua atuação à administração ao intuito de cristianizar e

civilizar os índios, alcançáveis, segundo esta lei, por meio da cultura e do comércio.230 Cabia

a este, entre outras obrigações, a introdução definitiva do idioma luso nas vilas e lugares; a

educação através de escolas; o estabelecimento de honrarias aos Principais, descartando o uso

da palavra “negro” nas referências aos índios;231 condução das construções de casas não mais

coletivas, mas para as respectivas famílias; o estimulo à agricultura, com distribuição de terras

equilibrada; a fiscalização adequada para a arrecadação dos dízimos; a “introdução” do

comércio, entre índios e brancos, bem como entre as povoações; a distribuição dos nativos

como mão-de-obra remunerada; o crescimento populacional por meio dos descimentos. Esses

são apenas alguns exemplos das responsabilidades do condutor das povoações dos índios. O

Diretório buscou alcançar as múltiplas dimensões de uma povoação indígena, havendo grande

atenção às formas de relação preexistentes nesses lugares; observa-se que em quase todos os

parágrafos há menção à situação “atual”, com vistas às mudanças necessárias à efetivação do

“projeto” consubstanciado na lei.

A questão da liberdade dos índios é a tônica do Diretório e como afirma Mauro

Coelho, esta normativa “compreende um conjunto de regras que pretendeu regular a liberdade

concedida aos índios em junho de 1755”.232 A Lei de Liberdades (1755) não apenas era

composta pelo tema da abolição da escravidão indígena, mas referendava também a retirada

do poder temporal que os religiosos possuíam nas aldeias, ato imprescindível na política

defendida por Mendonça Furtado, como já referendamos no capítulo anterior. Também nesta

última lei determinava-se que as aldeias fossem transformadas em vilas ou lugares, com as

228 ARAUJO, Renata Malcher de. Op. cit. pp.294-295; GUZMÁN, Décio. Op. cit. p.77; COELHO, Mauro Cezar. Op. cit. pp.196-207. 229 “Directorio, que se deve observar nas povoaçoens dos indios do Pará, e Maranhaõ Em quanto Sua Magestade não mandar o contrario”. Op. cit. (§1) p.1. 230 Idem. Ibidem. (§§ 2 e 3) p. 2-3. 231 Nádia Farage observa a importância dada aos Principais a partir do Diretório, modificando a forma de legitimidade destes, não mais pautada no “reconhecimento do grupo”, mas respaldado em algo exterior, ou seja, uma lei portuguesa/colonial. A principal função desses agentes era facilitar o contato com os grupos indígenas não descidos. Os interesses dessas lideranças indígenas, todavia, não estiveram sempre em acordo com os dos agentes metropolitanos. Cf. FARAGE, Nadia. Op. cit. pp.156-162. P.238. 232 COELHO, Mauro Cezar. Op. cit. p.36.

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prerrogativas administrativas pertinentes: juízes, vereadores, oficiais de justiça, devendo esse

corpo burocrático ser composto por alguns moradores indígenas.233

O Diretório retoma o ponto da “urbanização” em seus artigos, o que nos leva a crer em

seu caráter regulatório também nesse sentido, ou seja, organizar a vida urbana no Vale

Amazônico, na medida em que tentou eliminar algumas das características de “aldeia” das

povoações de índios; segundo Renata Araujo, é este documento “a peça legal de sustentação

do programa urbanizador” de Mendonça Furtado.234 Segundo essa lei de 1757, as povoações

dos índios estavam em ruína e era responsabilidade o diretor restabelecê-las em conformidade

com a sua nova condição. Para isso recomendava que fossem construídas “casa de Camera, e

Cadêas publicas, cuidando muito em que estas sejaõ erigidas com toda a segurança, e aquellas

com a possivel grandeza”; ao lado disso, cada família deveria possuir uma casa com divisão

em cômodos, criando assim um ambiente de honestidade. Por fim, o bom traçado desses

prédios garantiria o aumento das povoações.235

A dimensão populacional era normatizada através da recorrência aos descimentos dos

índios do sertão, sendo possível a alocação de “nações” diferentes no mesmo ambiente desde

que houvesse acordo entre estas.236 Além das populações nativas, recomendava-se a

introdução de brancos nas povoações, pois “a odiosa separaçaõ entre huns, e outros [brancos e

índios], em que até agora se conservavaõ, tem sido a origem da incivilidade, a que se achaõ

reduzidos”.237 Junto a isso, o casamento foi tido como recurso para por fim a essa

separação.238

Um aspecto importante na leitura do Diretório enquanto reorganizador da vida urbana

da região é perceber a dinâmica que essa lei tenta estabelecer através da interconexão entre

esses povoados (vilas e lugares). Por meio do comércio deveria haver esse contato, onde a

circulação de mercadorias garantiria a riqueza aos moradores e ao Estado. Há, inclusive, uma

definição de comércio: “Consiste essencialmente o Commercio na venda, ou cõmutação dos

generos, e na comunicação com as gentes; e desta resulta a civilidade, daquella o interesse, e a

riqueza”.239 Dessa forma, as povoações poderiam se auto-sustentar e estabelecer trocas entre

si, já que algumas delas deveriam possuir especificidades de produção de gêneros, em acordo 233 AZEVEDO, João Lucio de. Op. cit. p.284. 234 ARAUJO, Renata Malcher de. Op. cit. p.123. 235 “Directorio, que se deve observar nas povoaçoens dos indios do Pará, e Maranhaõ Em quanto Sua Magestade não mandar o contrario”. Op. cit. (§74) p.32. Nesse parágrafo diz o Diretório: “sendo evidentemente certo, que para o augmento das Povoações, concorre muito a nobreza dos Edificios”. 236 Idem. Ibidem. (§§76-79) pp. 31-33. 237 Idem. (§80) p.34. 238 Idem. (§88) p.37. 239 Idem. (§36) p.16.

Page 59: Monografia Rhuan Lopes

58

com a sua localização no Vale Amazônico.240 Algumas culturas agrícolas form destacadas

como o algodão, o tabaco e a mandioca para a produção de farinha.241

Junto a essas mudanças, havia a previsão de um controle efetivo das atividades

desenvolvidas nas vilas e lugares por meio da burocracia estatal que nelas se instalou. Assim,

devia ser registrado o número de índios de cada povoação, bem como os possíveis desertores

(§75); a quantidade de brancos (§81); as práticas comerciais (§§30-33 e 38); os gêneros

produzidos (§26); a divisão da mão-de-obra indígena (§§64-66).

O conjunto dos parágrafos do Diretório nos permite visualizar, de fato, a gama de

transformações pelas quais o estado estava passando, sendo a criação de vilas e lugares a

dimensão síntese desse processo por ser esta imprescindível para a efetivação das

prerrogativas estatais para a região. Concordamos que o discurso urbano impresso nessa lei,

assim como o efetivado na prática, possui uma vertente estética e uma ética: a primeira por ter

como importante a “arquitetura e o desenho urbano”; a segunda por intencionar um

“mecanismo de persuasão” através da conversão das aldeias e fazendas.242 Logo, entendemos

que não apenas os aspectos físicos, mas também os administrativos e mesmo os econômicos

vinculam-se na ampla questão da vida urbana no Vale Amazônico. Todavia, como veremos a

seguir, comércio, conexão entre os núcleos populacionais, idioma, organização física e

abastecimento das aldeias, sua localização ao longo dos rios, todos esses são elementos de

atenção dos desencadeadores do “urbano” na Amazônia colonial antes do “surto” do governo

de Furtado. Agora chegou o momento de vermos como ocorreu explosão urbana, os embates

causados, e quanto de novidade ele possui.

3.2- Novas vilas, antigas aldeias: o sentido da urbanização na Amazônia colonial

Ao tratarmos de urbanização no espaço da Amazônia colonial nos deparamos com

algumas ressalvas. Qual o real sentido desta palavra? Quanto de contemporâneo está impresso

nesta categorização do passado? O que define o mundo urbano do Vale Amazônico do

setecentos? A historiografia tem conceituado a urbanização enquanto criação de núcleos

populacionais definidos pela legislação colonial enquanto cidades, vilas, lugares e aldeias.243

Estas últimas não costumam serem elencadas dentro das práticas oficiais do urbano (cidades,

vilas e lugares, no que tange à América Portuguesa).

240 Idem. (§47 e 48) pp. 20-21. 241 Idem. (§§22-25) pp. 10-11. 242 ARAUJO, Renata Malcher de. Op. cit. p.124. 243 GUZMÁN, Décio de Alencar; FONTENELE, Francisca Nescylene; LOPES, Rhuan Carlos. Op. cit. p. 31.

Page 60: Monografia Rhuan Lopes

59

Uma das principais referências para esse período da região amazônica é a pesquisa de

Renata Malcher de Araújo, As cidades da Amazônia no século XVIII.244 Araújo defende um

“surto” urbanizador ocorrido inicialmente, e em grande medida, entre 1755 e 1759, quando

“fundaram-se na Amazônia cerca de 60 vilas e lugares”.245 Apesar de a autora perceber que o

surgimento desse quadro urbano tem uma consolidação também nas aldeias missionárias, seu

foco de atenção é a constituição de uma civilidade na região através da urbanização. Sua

percepção é de que o projeto civilizatório de Pombal se encarnará na reforma urbana, tanto no

sentido de criação de vilas e lugares como nas mudanças urbanísticas em Belém e Macapá,

além da construção de Mazagão.246 Há menção à questão da demarcação dos limites, onde

essas vilas seriam o ponto de conformação da soberania portuguesa sobre o Vale Amazônico.

Araújo salienta a presença religiosa como agente da colonização e afirma a necessidade da

Coroa em manter uma situação pacífica com os índios a fim de favorecer a posse sobre o

território.247 Todavia, esses são elementos usados para favorecer o núcleo de interesse da

arquiteta Renata Malcher, qual seja o de perceber na conformação da urbis (três

especificamente) o projeto pombalino para o que ela chama de Amazônia.

Essa perspectiva da arquitetura, fundamentada na história, associa as estratégias de

ocupação efetiva dos domínios coloniais com a fundação de cidades ou vilas que, articuladas

entre si, formam os principais núcleos de emanação do poder real. Com esse ponto de vista,

Paulo Santos248 classifica as cidades do Brasil em três categorias: as de afirmação e defesa; de

conquista do interior; e de rumo às fronteiras oeste e sul. No Vale Amazônico, o urbanismo se

inicia com cidades que se enquadram na primeira categoria elencada por Santos –

considerando a fundação de São Luis e Belém –, sendo que o Tratado de Madri faz com que a

metrópole crie um sistema urbano que se caracteriza pela terceira classificação249 deste

arquiteto.

Na pesquisa efetuada para esta monografia entendemos que a urbanização é um

conceito europeu250 para definição da criação de núcleos populacionais, relacionados entre si

e com uma estrutura capaz de garantir sua sobrevivência. A idéia de urbanismo híbrido para o

Vale Amazônico se configura, ao nosso ver, pela presença maciça das missões religiosas no

processo urbano desde o século XVII. Não esqueçamos que as aldeias eram introduzidas na 244 ARAÚJO, Renata Malcher de. Op. cit. 245 Idem. Ibidem. p.17. 246 Idem. 247 Idem. 248 SANTOS, Paulo. Op. cit. 249 Idem. Ibidem. 250 GUZMÁN, Décio de Alencar; FONTENELE, Francisca Nescylene; LOPES, Rhuan Carlos. Op. cit. p. 30-31

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hierarquia urbanizatória. O Mapa de Évora (1753) trás em sua Explicatio Notarum, 251

informações sobre a categorização das povoações da Vice-Província da Companhia de Jesus,

em outros termos o estado do Grão-Pará e Maranhão. Apesar das diferenciações de

nomenclatura para a região (“Vice-Província” ao invés de “estado”), neste documento

visualiza-se uma tipologia urbana: Urbes, Opida, Fortalitia e Pagi; respectivamente

entendidas como Cidade252 (noção ligada também à civilidade em outras declinações da

palavra); pequena cidade253 (vila, nesse contexto); Fortaleza;254 e aldeia ou povoação255 (esta

referenda apenas as missões e fazendas religiosas).

De acordo com o Dicionário de Bluteau,256 a cidade é a “cabeça de hum Reyno, ou de

huma Provincia”, e composta por homens que vivem em sociedade, 257 ou seja, a localidade

que é o centro nefrálgico de uma região; a vila é definida como algo maior que aldeia,

possuindo um aparato burocrático, com casa de câmara, pelourinho, juiz;258 aldeia é o menor

tipo de aglomeração humana, onde os “rusticos" trabalham a terra.259 Salienta-se que no caso

da Amazônia portuguesa, as fortalezas compunham o quadro urbano.260 A reorganização

empregada por Mendonça Furtado reitera outra palavra do vocabulário urbanístico, a do

lugar, definidor das aldeias que não podiam ser vilas em função da população, por exemplo.

Bluteau diz que lugar é menor que vila e maior que aldeia,261 estas últimas extintas por

Furtado, ao menos em termos nominativos.

O Diretório dos Índios oficializa outra dimensão importante para o hibridismo da

região, a mestiçagem étnica levada a cabo nas “novas” vilas e lugares.262 A adoção das aldeias

e fazendas religiosas – amplamente habitadas por índios, estes mesmos já miscigenados entre

si – pelo discurso urbano de Francisco Xavier de Mendonça Furtado, ao lado do imperativo de 251 Mapa das Missões da Companhia de Jesus do Grão-Pará e Maranhão [adaptado do Mapa de Évora - 1753]. In: Idem. Ibidem. Em tradução livre entendemos como “Notas Explicativas” (Explicatio Notarum). Cf. DICIONÁRIO Latim-Português/Português-Latim. Porto: Porto Editora, 2008. (Dicionários Académicos). pp.176 e 320. Segundo Marcos Carneiro de Mendonça, este mapa não menciona todas as fazendas Jesuítas. Cf. MCM – AEP. t.II. p.98, nota 45. 252 DICIONÁRIO Latim-Português/Português-Latim. Op. cit. p.519. 253 Idem. Ibidem. p.340. 254 Idem .p.195. 255 Idem. p.346. 256 BLUTEAU, Rafael APUD GUZMÁN, Décio de Alencar. A primeira urbanização: mamelucos, índios e europeus nas cidades Pombalinas da Amazônia, 1751-1757. Op. cit. p.79-82. 257 Idem .p.80. 258 Idem. p.80. 259 Idem. p.80. 260 A fortificação do território é pensada de forma sistemática na política colonial portuguesa, inclusive com cidade surgidas de fortificações, como é o caso de Belém em 1616. Cf. ARAUJO, Renata Malcher de. Op. cit. pp.25-60. 261 BLUTEAU, Rafael APUD GUZMÁN, Décio de Alencar. A primeira urbanização: mamelucos, índios e europeus nas cidades Pombalinas da Amazônia, 1751-1757. Op. cit. p.80. 262 GUZMÁN, Décio de Alencar. Idem. pp.75-76.

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mestiçar a população caracteriza a especificidade e define o sentido da urbanização da

Amazônia colonial.

Gilberto Freyre, em 1933, definia como uma das características da colonização

portuguesa do Brasil o hibridismo de sua sociedade (além desta ser agrária e escravocrata),

predisposição trazida da Europa pelo colonizador com um passado étnico localizado entre a

África e o Velho Continente.263 Para Freyre, a mobilidade e miscibilidade lusa foi

imprescindível para a superação do baixo contingente humano e de capital da Península

Ibérica;

“dominando espaços enormes e onde quer que pousassem, na África ou na América, emprenhando mulheres e fazendo filhos, em uma atividade genésica que tanto tinha de violentamente instintiva da parte do indivíduo quanto de política, de calculada, de estimada por evidentes razões econômicas e políticas da parte do Estado.”264

Evidente que o Diretório foi uma tentativa de legitimar a miscigenação, ampliando o

número de vassalos, assim como os próprios domínios territoriais de Portugal.265 Ao passo

disso, cria também o hibridismo das cidades e vilas amazônicas. Todavia, não podemos

pensar o “emprenhamento” de mulheres apenas sob a ótica do Estado, pois os casamentos

inter-étnicos obedeciam na prática também aos interesses dos índios, dentro das suas relações

inter-grupais e com a sociedade colonial em que estavam inseridos.

O Tratado de Madri, em seu artigo terceiro, definia que o pertencimento territorial

estava relacionado à ocupação;266 nos artigos seguintes os elementos do uti possidetis são, em

grande medida, as aldeias missionárias sempre citadas como balizas na fronteira.267 Para a

área norte da América do Sul, o Tratado havia estabelecido como um dos pontos para a linha

divisória o rio Javari, 268 região onde se indica a fundação de aldeamentos na Instrução de

Mendonça Furtado e que são efetivamente fundadas.269A postura da Coroa quanto a função

das missões religiosas dentro do quadro colonial era semelhante ao período anterior ao acordo

263 FREYRE, Gilberto. Casa-grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. 49 ed. São Paulo: Global, 2004. pp.64-155. 264 Idem. Ibidem. p.70. 265 Francisco Xavier de Mendonça Furtado [Carta, em 29 de julho de 1757] – APEP. Cód. 64, doc. 13. 266 Tratado de Madri. In: RESENDE, Tadeu Valdir de Freitas. Op. Cit. p. 326. 267 Idem. Ibidem. 322-332. 268 Idem. (§8) p.327. 269 Essa fundação, aliás, foi determinada ainda em 1748. Cf. “Instruções Régias, Públicas e Secretas para Francisco Xavier de Mendonça Furtado, Capitão general do Estado do Grão-Pará e Maranhão”. Op. cit. (§21) p.74; Francisco Xavier de Mendonça Furtado [Carta a Diogo de Mendonça, em 20/01/1752] – Idem. p.257.

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diplomático de 1750, mesmo havendo ressalvas quanto ao excessivo poder dos religiosos.270

Ao longo do governo de Francisco Xavier começa-se a constituir uma outra perspectiva, não

sobre as aldeias mas sobre os religiosos regulares. Em outras palavras, a necessidade de

cooptação dos diversos grupos indígenas do Vale através de núcleos populacionais continuava

válida, mas mudam os seus termos e seus agentes. Como afirma Francisca Nescylene

Fontenele, na segunda metade do século XVIII a integração dos índios à sociedade colonial se

“traduziam em termos políticos e não propriamente religiosos”.271

É sob esta perspectiva que entendemos a conversão das aldeias missionárias em vilas e

lugares. Sua densidade populacional, a localização estratégica no sertão – próximo às nações

indígenas, das dogras-do-sertão, diante das principais vias fluviais, enfim, conformando a

fronteira –, a sua estrutura organizacional (prédios, arruamentos, portos; a regulação do

trabalho e mesmo do tempo), bem como a maior “facilidade” em tratar com nativos aldeados

que viviam há anos, e talvez por gerações, nas missões; todas essas características propiciam a

efetivação do urbanismo híbrido. Claro que a perspectiva de Mendonça Furtado quanto à

necessidade de criar estabelecimentos civis para efetivar objetivos – casamento inter-étnico, a

ampliação do uso da língua portuguesa e do trabalho agrícola –272 foi preponderante na

decisão de conversão das missões, mas o governador tinha conhecimento do potencial desses

núcleos para “urbanização”. Caso contrário, porque transformar uma “aldeia” (a base da

hierarquia urbana) em uma “vila” (o núcleo mais importante depois da cidade)?

Ressalvamos que a “reforma urbana”, nos termos de Renata Araujo,273 na

administração de Francisco Xavier não se restringiu à conversão das aldeias. Como afirma

esta pesquisadora, a instauração da dita reforma se dá com a povoação de Macapá; 274

Bragança e Ourém compõe essa seqüência em 1753;275 a partir de 1755 se inicia de fato as

conversões das aldeias e fazendas: a primeira, Maracanã passou a ser chamada de Cintra

(vila); no ano seguinte é a vez de Trocano ser “refundada” como Borba (vila); ambas eram de

origem Jesuíta. Em 1757 ocorrem outras modificações: as possessões inacianas de Coaby,

Curuçá, Mamayacú, São Caetano, são transformadas respectivamente em Colares (lugar),

Vila Nova Del Rei (vila), Porto Salvo (lugar), Odivelas (freguesia); os frades de Santo

270 Cf. “Instruções Régias, Públicas e Secretas para Francisco Xavier de Mendonça Furtado, Capitão general do Estado do Grão-Pará e Maranhão”. Op. cit. (§14) p.72. 271 FONTENELE, Francisca Nescylene. Grão-Pará pombalina: trabalho, desigualdade e relações de poder. 2008. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. p. 123. 272 COELHO, Mauro Cezar. Op. cit. p.199. 273 ARAUJO, Renata Malcher de. Op. cit. pp.115-144. 274 Idem. Ibidem. pp.117 e 145-198. 275 Idem. p. 124; Francisco Xavier de Mendonça Furtado [Carta, em 10/09/1754] – AAPEP. p.161, doc. 139.

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Antonio tiveram as aldeias de Joanes, Menino Jesus, Piye (Caviana-?), São José elevadas à

Vila Monforte (vila), Soure (vila), Rebordelo (lugar), Mondim (lugar); a aldeia de Nossa

Senhora da Conceição, dos capuchinos, tornou-se Salvaterra (vila).

A maior parte das fundações, todavia, ocorreram em 1758; em 1759 também houve

várias elevações, como consta na tabela abaixo. Todas estas foram feitas em conjunto, em

viagens tanto de Mendonça Furtado e do ouvidor Pascoal de Abranches Madeira quanto do

governador posterior Manuel Bernardo de Melo e Castro.276

ANO MISSÃO VILA/LUGAR

1755 Maracanã Vila de Cintra

1756 Trocano Vila de Borba

Coaby Lugar de Colares

Curuçá Vila Nova Del Rei

Joanes Vila Monforte

Mamayaçú Lugar de Porto Salvo

Menino Jesus Vila de Soure

Nossa Senhora da Conceição Vila de Salvaterra

Piye [Caviana-?] Lugar de Rebordelo

São Caetano Freguesia de Odivelas

1757

São José Lugar de Mondim

Bararoá Vila de Tomar

Boary (Borari) Vila de Alter do Chão

Caia Vila de Monsaraz

Camará Lugar de Moreira

Comarú/ Arapiuns Vila Franca

Cumarú Lugar de Poiares

Dari Lugar de Lamalonga

Guarimocú Vila de Arraiolos

Goianases Lugar do Vilar

1758

Guaracuru Vila de Melgaço

276 ARAUJO, Renata Malcher. Op. cit. p.126-134.

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Gurupatuba Monte Alegre

Itacurusá Vila de Veiros

Jaú Lugar de Airão

Mariuá Vila de Barcelos

Paru Vila de Almerim

Pauxis Vila de Óbidos

Pedreira Vila de Moura

Piragury Vila de Pombal

São José Vila de Pinhel

Santo Inácio Villa Boim

Tapajós Vila de Santarém

Tubará Vila de Esposende

Sumaúma Vila de Beja

Surubiú Vila de Alenquer

Urubuquara Lugar de Outeiro

Coary Lugar de Alvelos

Maturá Lugar de Castro

São Pedro Vila de Olivença

Tefé Vila de Ega

Tracotuba Lugar de Fonte Boa

1759

Urauá Lugar de Alvarens (1759)

FONTES: Cf. ARAÚJO, Renata Malcher de. As cidades da Amazônia no século XVIII: Belém, Macapá e Mazagão. Porto: FAUP Publicações, 1998. pp. 324-332; “Tabela das Aldeias fundadas pelos Jesuíta da Missão do Maranhão (1615-1759)”. In: GUZMÁN, Décio de Alencar; FONTENELE, Francisca Nescylene; LOPES, Rhuan Carlos. Relatório Final de Pesquisa “Patrimônio Jesuíta no Pará e Amapá (1653-1759)”. Belém: IPHAN, 2009. pp.239-246.

O último ano da administração de Francisco Xavier consta das fundações capitais, já

com a retirada dos religiosos das aldeias, grandemente os Jesuítas. Esta ordem, aliás, por

contar com o maior número de estabelecimentos foi a que mais “contribuiu” para o “surto”

urbanizador; não sem motivos foram os inacianos que se opuseram de maneira veemente às

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ações de Furtado.277 Vejamos então como ocorreram alguns casos dessa resistência, assim

como a relação existente entre estrutura missionária e elevação à vila ou lugar.

Como afirmamos anteriormente, é direta a relação entre a densidade populacional das

possessões religiosas e a sua condição no quadro urbano enquanto vila ou lugar.278

Lembramos que ainda em 1754, o governador do Grão-Pará e Maranhão observara o

potencial das fazendas Jesuítas para a transformação em povoações;279 para ele, o tamanho

destes lugares e o número de seus moradores as tornariam “popularíssimas”.280 Neste mesmo

ano, meses antes, Furtado faz uma descrição pormenorizada da fazenda de “Cruçá” (Curuçá),

nas proximidades de Vigia.281 Segundo consta em sua carta, esta possessão Jesuíta “na

verdade é uma povoação” do rei, e mais ainda “é uma populosíssima vila”; essa afirmativa é

baseada, além do número de habitantes, nas atividades nela desenvolvida: produção de

farinha, algodão, tabaco, arroz “e mais legumes”, salga de peixes “que lhes rende muito

dinheiro”, e, por fim, gado criado em um terreno no rio Mocajuba, pertencente à fazenda.282

Em novembro de 1755 a decisão de transformar Curuçá em povoação civil estava tomada.283

Francisco Xavier, mesmo com o processo de modificações das aldeias em curso,

salienta a necessidade de todas as povoações do estado ficarem sob a nova ordem,284 talvez

por acreditar na experiência das refundações já ocorridas. Em 1757 as fazendas jesuíticas de

Mamaiacu e Curuçá são elevadas a categoria de lugar de Porto Salvo e Vila Nova Del Rei.

Com o avançar dos conflitos com os Jesuítas estes são os últimos núcleos com a presença

missionária, o que pode explicar sua modificação administrativa antes de 1758,285 com o

grande conjunto de elevações.

Para os padres, no entanto, essa seria uma mudança arbitrária, pois Curuçá e

Mamaiacu não eram aldeias e sim fazendas.286 Ao que parece este é o último argumento dos

Jesuítas, já que a esta altura suas aldeias já estavam secularizadas; logo, argumentar quanto à

tipologia das fazendas era a tentativa de resguardar parte de seu “patrimônio”, considerando-

277 Francisco Xavier de Mendonça Furtado [Carta, em 27/05/1757] – AAPEP. t. IV. p.201, doc. 160; Idem [Carta, em 2/05/1757] – AAPEP. t. IV. p. 209, doc. 161; Idem [Carta, em 20/10/1757] – AAPEP. t. V, p. 249, doc. 181; Thomé Joaquim da Costa Corte [Carta, em 01/03/1758] - APEP. Cód. 92, doc. 33. 278 REIS, Arthur Cezar Ferreira. A política de Portugal no Vale Amazônico. Op. cit. pp.32-33; AZEVEDO, João Lucio de. Op. cit. pp.286-287; LEITE, Serafim. Op. cit. t.VII. p.319. 279 Francisco Xavier de Mendonça Furtado [Carta, em 18/02/1754] – MCM, op. cit., t.II, p.117. 280 Idem. Ibidem; Idem [Carta, em 12/11/1755] – MCM-AEP. t.II. pp.506-521. 281 Francisco Xavier de Mendonça Furtado [Carta, em 08/02/1754] – Idem. pp.97-102. 282 Idem. Ibidem . pp.97-98. 283 Francisco Xavier de Mendonça Furtado [Carta, em 12/11/1755] – Idem. pp.506-512. 284 Francisco Xavier de Mendonça Furtado [Carta, em27/05/1757] – AAPEP. t.5. p.211, doc.167. 285 Francisco Xavier de Mendonça Furtado [Carta, em 23/10/1757] – Idem. Ibidem. p.254, doc.182. 286 Francisco Xavier de Mendonça Furtado [Carta, em 20/10/1757] – Idem. p.256, doc.183.

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se para isto que eram estes lugares o subsídio de grande parte da economia dos religiosos. No

dia 20 de outubro, Furtado escreve carta em que propõe uma Junta para expor as motivações

das elevações e explicar como elas ocorreram.287 Três dias depois é requisitada a saída dos

religiosos – entre eles José de Morais – de seus postos nas ditas fazendas, sem a retirada de

nenhum bem pertencente a essa povoação.288 Por fim, Mendonça Furtado afirma que

Mamaiacu e Curuçá eram sim aldeias “como todas as outras, sem mais diferença do que

haverem-na feito privativas aquelles religiosos por autoridade própria”.289 As recomendações

de Carvalho e Melo, de 1753, sobre o erguimento de vilas em fazendas dos nobres do estado –

mencionada anteriormente – apenas foram possíveis nestas duas propriedades da Companhia

de Jesus.290

Voltemos então às aldeias. Como citamos acima, Trocano integrou as primeiras

conversões, de forma definitiva em 1756. Vamos utilizar esse caso como modelar para as

posteriores elevações,291 pois a partir desse momento Mendonça Furtado define que os padres

não podem ficar em nenhuma hipótese nas novas vilas. A dita missão foi fundada em 1725,

segundo consta na História do padre José de Morais.292 Ficava Trocano,

“[...] junto às primeiras cachoeiras na boca de um rio chamado Jamari, sobre o madeira[Rio Madeira], e por isso se chamou a aldeia das cachoeiras ou Jamari, depois se mudou para o Trocano por causa dos bravos índios muras que infestaram hostilmente a dita aldeia, e por se livrarem de inquietações por já lhes não poderem resistir aos seus assaltos se desceu para o Trocano no ano de 1742.”293

Em 1753, em meio aos preparativos para recepção de Mendonça Furtado durante a

viagem à Mariuá, Trocano sofre um incêndio.294 No entanto, além das intrigas entre os

religiosos e o governador em decorrência da elevação da aldeia, a existência de peças de

artilharia causam suspeitas sobre uma possível sublevação inaciana com o apoio dos índios

287 Francisco Xavier de Mendonça Furtado [Carta, em 20/10/1757] – Idem. p.249, doc.181. 288 Francisco Xavier de Mendonça Furtado [Carta, em 23/10/1757] – Idem. p.254, doc.182. 289 Francisco Xavier de Mendonça Furtado [Carta, em 20/10/1757] APUD ARAUJO, Renata Malcher de. Op. cit. p.143. 290 ARAUJO, Renata Malcher de. Op. cit. pp.115-117; Thomé Joaquim da Costa Corte-Real [Carta, em 01/08/1758] – MCM-AEP. t.III. pp.399-400. 291 AZEVEDO.João Lucio de. Op. cit. pp.266-269. 292 MORAIS, José de (Pe.). Op. cit. p.361. Português, José de Morais entrou para a Companhia de Jesus em 1727, chegando ao Maranhão no ano seguinte. Escreve sua História em meio aos conflitos gerados na administração de Mendonça Furtado, iniciando sua História após a retirada de Curuçá (entre 1757 e 1759). Sai do Pará em 1759 com o primeiro volume de sua obra, sendo o segundo apreendido; fica preso em Portugal até 1777. Cf. LEITE, Serafim. Op. cit. t. IV. pp.320-325. 293 Idem. Ibidem. p.361. 294 Pe. Antonio José [Carta, em 30 de junho de 1753] – APEP. Cód. 68, doc.6.

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aldeados.295 Segundo o padre José de Morais, o armamento era para a proteção contra os

Mura, etnia hostil ao missionamento e causadores das mudanças de sítio da missão.296 Este

Jesuíta afirma também que seria “conveniente à coroa de Portugal, que não só se

conservassem no dito lugar, mas ainda se fundassem outras (e com segurança) acima das

cachoeiras para a conservação dos nossos domínios”.297 Ao que podemos entender, o padre

defendia a manutenção da missão e ampliação da atividade dos religiosos.

Ainda em 31 de dezembro de 1755 Furtado, instalado na aldeia, envia carta ao padre

responsável por Trocano, o Jesuíta Anselmo Eckart, comunicando a decisão de “S.Maj. [Sua

Majestade]” em “erigir em Vila esta Povoação”; pede também o governador a relação dos

moradores da missão e dos bens pertencentes a ela; não é deixado de mencionar a retirada do

poder temporal do citado padre.298 Segundo Furtado, o padre responde que não há bem algum

na aldeia.299

Em 2 de janeiro de 1756, Francisco Xavier eleva a aldeia à vila de Borba, ao que

parece sem a presença de Eckart.300 A posição geográfica de Borba é observada como singular

para a navegação pelos rios e comunicação com “as Minas de Mato Grosso”, sendo assim um

ponto de penetração no território.301 São lançados os elementos essenciais na cerimônia de

conversão: “Em observância das ditas Reais Ordens, levantei ontem Pelourinho, e fiz a

eleição aos moradores da dita Vila, assim no civil, como no político”.302 João Lúcio de

Azevedo escreve que a solenidade não era longa, havendo a substituição do nome, a menção a

categoria da povoação, eram eleitos os vereadores, magistrados e o diretor, o livro da câmara

era aberto;

295 AZEVEDO.João Lucio de. Op. cit. pp.268-269; Diogo de Mendonça Corte Real [Carta, em 26/03/1756]. Cód. 83, doc.11; Francisco Xavier de Mendonça Furtado [Carta, em 12/10/1756] – MCM, AEP. t.III. pp.119-123. 296 MORAIS, José de (Pe.). Op. cit. pp.361-362. 297 Idem. Ibidem. p.362. 298 Francisco Xavier de Mendonça Furtado [Carta, em 20/10/1757] – MCM. AEP. t.III. Op. cit. pp.64-65. 299 Francisco Xavier de Mendonça Furtado [Carta, em 01/01/1756] – Idem. Ibidem. p. 65. Interessante fazer um adendo quanto a essa correspondência inicial. O governador pergunta na primeira carta se “o comum tem alguns bens” que “hajam de passar à nova administração”, ao que Eckart responde que não. Difícil crer que a missão não possuía bens, mas a capacidade argumentativa do padre talvez o tenha levado a interpretar a comunicação de Furtado em outro sentido: logo, é provável que a resposta do Jesuíta possa ser lida como “não temos bens para passar à nova administração”. 300 Francisco Xavier de Mendonça Furtado [Carta, em 02/01/1756] – Idem. p.65-67. 301 “Instrução passada ao tenente Diogo Antonio de Castro para estabelecer a vila de Borba, a nova, antiga aldeia de Trocano” [em 6/01/1756] – Idem. pp.70-75. Mendonça Furtado volta a enfatizar a necessidade de povoação no rio Madeira que facilite o contato com as minas. Cf. Francisco Xavier de Mendonça Furtado [Carta, em 17/06/1757] – AAPEP. t.V, p.242, doc.176. 302 Francisco Xavier de Mendonça Furtado [Carta, em 02/01/1756] – Op. cit. p.66

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“Em breve discurso, que os indios, na sua maior parte ignorando o portuguez, não comprehendiam, expunha o caráter da transformação, e os beneficio decorrentes do novo systema político. Ruidosos vivas e descargas de fusilaria celebravam o final da oração; e as danças e bebedices usuaes nos folguedos indígenas terminavam o acto. No dia seguinte, começava a vida nova; para os indios subsistia a mesma, se não peor sujeição [..]” 303

No caso de Borba, Furtado não define vigário responsável pelo espiritual da vila,

esperando posição do padre visitador da Companhia de Jesus, Francisco Toledo.304 Os

acontecimentos narrados pelo governador após a fundação em vila da dita aldeia, porém, farão

com ele decida que a presença de um regular seria perniciosa. Segundo Francisco Xavier, o

padre Anselmo Eckart cria várias situações de conflito, ao ponto de entrar em conluio com o

vigário deixado em Borba e depois com um religioso carmelita, mesmo após sua saída por

ordem do seu superior.305 Afirma, diante dos acontecimentos, que “de sorte nenhuma convém

Regulares nas novas vilas e lugares”.306 O padre Anselmo acaba por ser expulso do estado em

função desses embates e supostas maquinações contra o andamento das determinações da

Coroa .307

Essas mudanças no quadro urbano da região deviam propiciar novos hábitos para os

moradores das antigas aldeias.308 Insistiu Mendonça Furtado na necessidade de criar

condições favoráveis ao efetivo domínio do Estado sobre a região;309 os costumes renovados,

ditados no Diretório, como o uso do idioma luso, a ampliação da agricultura, a retirada dos

regulares, a mudança no governo das aldeias, são os elementos fundamentais ao bom governo.

O uso irrestrito da língua portuguesa foi uma das determinações do Diretório para

propiciar nos seus súditos “o affecto, a veneração, e a obediencia ao [...] Príncipe”. 310

Tratava-se de reafirmar o poder e a soberania de Portugal sobre sua colônia, sendo o idioma

303 AZEVEDO, João Lucio de. Op. cit. p.287. 304 Francisco Xavier de Mendonça Furtado [Carta, em 02/01/1756] – MCM. Op. cit. p.66. 305 Francisco Xavier de Mendonça Furtado [Carta, em 09/04/1757] – Op. cit. p. 220-223; Idem [Carta, em 9/04/1757] – AAPEP. Op. cit. t.IV, p.222, doc.164. 306 Idem. Ibidem. p.223. 307 Francisco Xavier de Mendonça Furtado [Ordem de expulsão, em 10/10/1757] – Arquivo Público do Estado do Pará [APEP]. Códice 88, doc. 35. Junto a Anselmo Eckart vão outros religiosos como Antonio Meisterbourg, Antonio Moreira, David Fay, Simão de Vila Viçosa, Francisco de [ilegível], José de Borba e Joaquim de Évora. Cf. Francisco Xavier de Mendonça Furtado [Ordem de expulsão, em 13/10/1757] – APEP. Códice 88, doc. 40; Idem [Ordem de expulsão, em 14/10/1757] – APEP. Códice 88, doc. 41; Idem [Ordem de expulsão, em 18/09/1757] – APEP. Códice 88, doc. 48 308 Francisco Xavier de Mendonça Furtado [Carta, em maio de 1757] – AAPEP. t.V, p.193, doc.165. 309 Francisco Xavier de Mendonça Furtado [Carta, em 11/06/1757] – Idem. Ibidem. p.224, doc.170. 310 “Directorio, que se deve observar nas povoaçoens dos indios do Pará, e Maranhaõ Em quanto Sua Magestade não mandar o contrario”. Op. cit. (§6) p.03.

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um recurso à civilidade dos índios.311 Mais ainda, tenta criar outro veículo de comunicação

entre os núcleos populacionais. Intenciona-se com isso substituir a língua geral, este sim

amplamente utilizado no Vale Amazônico. Gramatizado pelos padres o nheengatu permitiu

um meio de conversão e modelamento das consciências nativas.312

O Jesuíta João Daniel referenda o grande uso da língua geral pelos habitantes da

região, afirmando, porém que este é um idioma muito corrompido pelas várias modificações

ocorridas ao longo dos anos, estando bem distante de suas origens com os religiosos.313

Segundo este padre, é imprescindível a utilização de uma língua comum para a civilização dos

índios amazônicos, tendo em vista a diversidade de dialetos; estando o nheegatu

empobrecido, acredita João Daniel na viabilidade do ensino do português principalmente aos

indígenas recém-descidos do sertão, concordando dessa forma com as determinações de

Mendonça Furtado.314 No entanto, as motivações para essas conclusões não são as mesmas

que a do governador, pois que os aspectos religiosos (catequéticos) são os que interessam aos

inacianos.315 O importante, para esta monografia, nessas afirmativas de Daniel é a

comprovação do alcance do nheegatu no Vale Amazônico ainda na segunda metade do século

XVIII; entendemos que essa abrangência se constrói com a expansão das missões nos anos

anteriores, bem como na participação irrestrita dos índios na vida colonial, onde também os

“brancos” usavam este idioma. A língua geral, portanto, é um dos elementos conformadores

da dinâmica urbana da Amazônia colonial, levando-nos a crer que o obrigatoriedade do

português implementada pelo Diretório foi uma tentativa de dar outro nuance em acordo com

as novos ditames urbanizatórios.

Tendo a agricultura como principal meio de estabelecimento de civilidade, o Diretório

tentou reordenar o sistema agrário do Vale Amazônico, no sentido de intensificar a produção

que atendesse ao mercado interno, mas também ao externo, dentro das práticas mercantilistas

de então, onde a Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão exerceria a função de

mediadora com os portos estrangeiros.316 Segundo Maria de Nazaré Angelo-Menezes, as

bases do sistema produtivo agrário pombalino estavam nas missões religiosas,317 o que para

311 FONTENELE, Francisca Nescylene. Grão-Pará pombalina: trabalho, desigualdade e relações de poder. Op. cit. pp. 39-41. 312 Idem. Ibidem. p. 40; EISENBERG, José. Op. cit. p.73. Estabelecemos esse debate no primeiro capítulo desta monografia. 313 DANIEL, João (Pe.). Op. cit. pp. 333-336. 314 Idem. Ibidem. pp.335-336. 315 Idem. pp. 334-335. 316 ANGELO-MENEZES, Maria de Nazaré. Op. cit. pp.237-59. 317 Idem. Ibidem. p.239.

Page 71: Monografia Rhuan Lopes

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nós é um exemplo singular para o entendimento aqui proposto para a urbanização da

Amazônia colonial.

Esta agrônoma-historiadora 318 estuda “o sistema agrário do Vale do Tocantins” no

período pombalino, 319 área onde se encontravam muitas missões convertidas por Furtado.

Afirma Menezes a derrocada na economia e produção de alimentos após a implementação do

diretório. De fato, as vilas e lugares deveriam constituir a base sócio-econômica da colônia,320

havendo a partir disto a conexão entre as unidades produtivas a fim de subsidiá-las com os

gêneros necessários. Assim, têm-se a especialização das regiões e mesmo das “novas”

povoações: Abaetetuba produzia arroz; Igarapé-Mirim cana-de-açúcar; do Acará provinha a

farinha, assim como Cametá, esta com grande produção, ao lado do cacau; no Tocantins a

viração de tartarugas era extremamente lucrativa aos intentos do Diretório.321

As produções agrícolas e extrativas citadas acima foram englobadas pelos

desdobramentos do Diretório, mas já eram evidentes há tempos anteriores. Referendamos

novamente a descrição de João Felipe Bettendorff da área de Cametá quanto, especificamente,

à viração de tartarugas capaz de garantir o sustento por um ano deste produto.322

A região do Tapajós era um das áreas mais importantes no deslocamento pelo sertão,

assinalada constantemente por Francisco Xavier. Dizia o governador que os Jesuítas possuíam

“na boca daquele rio cinco ou seis aldeias, e algumas delas mui populosas”. 323 Esta carta

referenda o pedido do padre Jesuíta Gabriel Malagrida para a ampliação da “conquista” do

dito rio; ressalva Furtado que os inacianos podiam estar se aproveitando dos índios de suas

missões para a exploração de metais preciosos existentes nessa região, além de intentarem

controlar a navegação.324 José de Morais afirma que, de fato, o Tapajós foi uma das maiores

missões da Companhia de Jesus;325 o Jesuíta menciona a descoberta de ouro nessa área por

João de Souza, o mesmo referendado por Francisco Xavier.326 Pela descrição de Morais,

318 Assim se define Angelo-Menezes em função de sua dupla formação. Cf. Idem. p.238. 319 Idem. p. 244. 320 COELHO, Mauro Cezar. Op. cit. p.35; Francisco Xavier de Mendonça Furtado [Carta, em 23/05/1757] – AAPEP. t.IV. p.212, doc.162. 321 ANGELO-MENEZES, Maria de Nazaré. Op. cit. pp. 245-247. 322 BETTENDORFF, João Felipe. Op. cit. p.27. Cf. também o capítulo I desta monografia. 323 Francisco Xavier de Mendonça Furtado [Carta, em 26/11/1753] – MCM. Op. cit. t.II. pp.60-61. Eram as adeias dos Tapajós (Vila de Santarém, em 1758), Borari (Vila de Alter do Chão, em 1758), Arapiuns/Comaru(Vila Franca, em 1758), Santo Inácio (Vila Boim, em 1758), São José de Maiapus (Vila Pinhel, em 1758); Serafim Leite afirma que Pinhel não foi vila e sim lugar, pois não havia número de habitantes suficiente para enquadrá-la na primeira categoria. Cf. LEITE, Serafim. Op. cit. t.III. p.365. 324 Francisco Xavier de Mendonça Furtado [Carta, em 26/11/1753] – MCM-AEP. t.II. pp.60-61; Diogo de Mendonça Corte Real [Carta, em 25/03/1756] - APEP. Cód.83, doc.10. 325 MORAIS, José de (Pe.). Op. cit. pp.356-358. 326 Idem. pp.357-358.

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percebe-se a posição privilegiada das aldeias do Tapajós, ponto nodal na hidrografia do

sertão, com ligações para Cuiabá.327

A proximidade à desemborcadura dos rios era fator elementar na fundação das missões

e mesmo das vilas e cidades. A capital do Grão-Pará foi erigida em um ponto onde se

acreditava estratégico, em confluência hidrográfica. As missões do Tapajós não fogem à

regra; de frente para as vias fluviais se garantia algum controle das navegações possíveis

incursões estrangeiras. Porém, a criação de povoações no interior do sertão era deveras útil;

Mendonça Furtado, como vimos, não era alheio a esta perspectiva. De forma semelhante

encontramos esse tipo de ressalva em João Daniel, sendo o interessante nessas ereções a

comunicação com minas de metais preciosos.328 Assim, uma das dimensões da dinâmica

urbanizatória de então era a ocupação do território em seus diversos pontos geográficos,

atendendo dessa forma a movimentação dos colonos e a melhor exploração da colônia. Fica

claro que o Francisco Xavier não inaugura essa concepção e aproveita-se das missões por

estarem elas já instaladas em acordo com essas prerrogativas, mesmo atendendo somente aos

interesses dos padres, como muito afirmou o governador.

Importante mencionar a nova toponímia das povoações. As referências às vilas

portuguesas inserem-se “como uma das peças do discurso político assumido pelo

investimento urbano”, 329 no sentido de evidenciar o “novo sistema” de administração das

antigas aldeias e redimensionando o poder do Estado (Metrópole) na colônia. Claro que não

apenas as missões receberam denominações nesse sentido, mas o caso delas possui a

especificidade de se retirar “os bárbaros nomes que tinham”.330 As palavras de Mendonça

Furtado são esclarecedoras:

“Para a denominação das novas Vilas segui o sistema de primeiramente extrair os nomes das vilas da Real Casa de Bragança, que me lembraram; logo algumas da Coroa, e imediatamente as das terras da Rainha Nossa Senhora (de Espanha), algumas do Infantado e, ultimamente, as da Ordem de Cristo, de quem são os Dízimos de todas estas Conquistas. Os Lugares todos são os do Termo de algumas Vilas da mesma Real Casa de Bragança [...]” 331

Mauro Coelho salienta outras dimensões nessas denominações: o estreitamento da

relação entre Colônia e Metrópole; afirmação da antiguidade da presença portuguesa na

327 Idem. 358. 328 DANIEL, João (Pe.). Op. cit. p. 403. 329 ARAUJO, Renata Malcher de. Op. cit. p.122. 330 Francisco Xavier de Mendonça Furtado [Carta, em 13/06/1757] – MCM-AEP. t.III, p.302. 331 Idem. Ibidem. p. 302-303.

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região, em virtude das prerrogativas do Tratado de Madri (uti possidetis); extermínio dos

nomes toponímia indígena e conseqüente desmantelamento de suas culturas. 332

Acrescentamos a isso outro aspecto. Como afirmamos anteriormente, as missões já haviam

sido utilizadas como “provas” da ocupação lusa no Vale em meio aos debates sobre o diploma

de 1750; o conflito entre Furtado e o clero regular (podemos enfatizar os Jesuítas) deve ter

influenciado nas novas designações das vilas e lugares, pois com isso afastava também uma

das alusões ao “sistema” anterior. Concretiza-se assim, o método político característico das

“reformas” pombalinas, o de efetivar-se pela roupagem de instituições antigas, garantindo

alguma legitimidade.333 Antigas eram as denominações em Portugal (Santarém, Porto Salvo,

Borba etc.); mas antigas eram as missões. Propomos que, neste caso, a novidade não está

necessariamente na urbanização (criação de vilas), mas na laicização das aldeias e fazendas,

dado a completa incorporação de suas estruturas.

Vejamos a questão da organização espacial das vilas. Segundo o Diretório, as vilas

deviam atender aos meios de civilidade também pelo tipo de casas e pelos prédios nelas

construídos;334 uma das preocupações quanto a modo de organização das povoações era o

arruamento,335 no sentido de planejar a sua conformação física. Assim, as vilas deviam

possuir aspectos condizentes com sua condição na hierarquia urbana.336 Porém, essa

perspectiva era atendida na organização das missões desde o século XVII, com podemos

observar na Visita do Padre Antonio Vieira337 Lembremos que as aldeias buscavam uma

espacialidade que reconfigurava de alguma maneira as identidades indígenas.338 Com isso

queremos mostrar quão as práticas missioneiras adiantaram as propaladas “reformas” de

Mendonça Furtado evidenciadas em documentos como o Diretório. Em linhas gerais, as vilas

regidas por esta lei de 1757/1758339 substituem as aldeias geridas pelo Regimento das

Missões.

332 COELHO, Mauro Cezar. Op. cit. p. 201. 333 GUZMÁN, Décio de Alencar. Ciência e Censura: a Inquisição e os engenheiros-matemáticos no Grão-Pará (séc. XVIII). In: Landi e o século XVII na Amazônia. Disponível em: <http://www.forumlandi.com.br/biblioteca/Arqcienciaecensura.pdf> Acesso: 04 nov. 2009. p. 08. 334 “Directorio, que se deve observar nas povoaçoens dos indios do Pará, e Maranhaõ Em quanto Sua Magestade não mandar o contrario”. Op. cit. (§74) p.32. 335 “Carta Régia da Capitania do Rio Negro” [em 03/03/1755] - MCM-AEP. t.II. pp. 311-315; Francisco Xavier de Mendonça Furtado [Carta, em 25/10/1757] – AAPEP. t. V. p. 308, doc. 200; “Instrução para a diligência de se erigirem em vilas as aldeias de índios” [em 28/09/1758] – Idem. Ibidem. t.III. pp.411-415. 336 Francisco Xavier de Mendonça Furtado [Carta, em 14/02/1759] – AAEP. t. VII. p.29, doc.282. 337 “VISITA DO P. ANTÓNIO VIEIRA”. (§6) In: LEITE, Serafim. Op. cit. t.IV. p. 108. Cf. capítulo I desta monografia. 338 ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Op. cit. 129. 339 DOMINGUES, Ângela. Op. cit. p. 80.

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Essa mudança administrativa (aldeia/vila) era a única opção válida para um processo

de urbanização conduzido pelo Estado? Segundo o citado padre João Daniel, não. Neste

momento deste texto é apropriado fazer uma breve reflexão sob a concepção urbana contida

na obra O Tesouro Descoberto, pois ela pode ser representativa da postura Jesuíta nesse

sentido. Partindo de sua experiência missionária no Vale Amazônico, onde se inclui a

expulsão dos inacianos e as elevações das aldeias, João Daniel dedica um dos tratados de seu

livro para mostrar o “especial método de aumentar o estado do Amazonas”.340 O aumento dar-

se-ia com o erguimento de “várias povoações no rio Amazonas” para além das missões, sendo

então “povoações dos brancos, e europeus”.341 Utilizar os índios das missões para erigi-las,

sob a orientação dos próprios missionários, era uma possibilidade viável, tendo vista

conhecimento que estes possuíam necessário para esse intento, quase sempre levado a cabo

sem “cabedais, nem mais adjutório que os seus índios tem fundado quase todas as missões

daquele rio”.342

Permitir “aos particulares” fundação de povoados é outra possibilidade, a exemplo do

que ocorre em “várias vilas do Brasil”, tendo em vista o interesse de pessoas de bons recursos

em investir em algo “ que podem deixar às suas famílias por herança”.343 Outro meio é através

da bandeiras formadas por aventureiros interessados nas riquezas ao longo do Amazonas,

sendo possível, segundo João Daniel, a vinda de muitos europeus ávidos por tais fortunas

naturais e clima agradável.344 O importante nessas fundações seria a observância do sítio

apropriado, com víveres diversos, peixes, bons ares e localização geográfica atendente a

defesa do estado. Percebe-se no texto de João Daniel que as povoações são o melhor meio de

efetivar a ocupação do território, perspectiva, ao que parece, em acordo com a percepção de

colonização do período em questão. Logo, podemos inferir o quanto esse conjunto de

elementos pensados na estruturação urbana faziam parte de uma concepção não restrita ao

Estado ou aos Jesuítas; este é um ponto a ser analisado de forma mais acurada em estudos

posteriores, o que permitiria a ampliação do entendimento da temática urbanizatória, sem

dúvida peculiar quanto se pensa a época colonial.

340 DANIEL, João (Pe.). Op. cit. pp. 387-410. 341 Idem. Ibidem. p.390. 342 Idem. p. 393. 343 Idem. p.395. 344 Idem. pp.396-397.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A relação entre urbanização e colonização é estreita. De fato, a transferência de uma

estrutura burocrática necessitava de um ambiente urbano, seja vila ou cidade, que pudesse

sediar algumas referências da vida administrativa na Colônia. O Vale Amazônico, no entanto,

possui sua especificidade também nesse sentido. A “função” oficial das missões, prescritas

nas leis e na prática – com sua localização no sertão, às margens das principais vias fluviais,

com meios próprios de cooptação dos índios – ao lado de sua organização espacial e

administrativa – economia, trocas para subsistência, idioma, horários regulados, densidade

populacional etc. – as dotam de características essencialmente urbanas.

As elevações estatutárias nas aldeias e fazendas religiosas durante o governo de

Mendonça Furtado são pautadas na potencialidade dessa estrutura precedente. Logo, não se

pode considerar que os estabelecimentos missionários estavam alheios da dinâmica urbana até

1755 (ano inicial das conversões), mesmo se considerarmos as peculiaridades desses locais.

Assim, o “surto urbanizador” de Furtado nos parece, acima de tudo, uma tentativa de ampliar

a ingerência do Estado nas povoações indígenas, aproveitando-se da organização e das

práticas “civilizacionais” já existentes. Tudo , no entanto, foi repensado em acordo com as

prerrogativas do período, mas não houve rupturas completas.

O que tentamos evidenciar nesta monografia é a complexidade temática da história

urbana, especialmente para a Amazônia. Como afirmamos, as missões estão ao lado das

fortificações, vilas e cidades no quadro da expansão colonial. Contudo, a pesquisa

desenvolvida até este momento deve ser vista como basilar, carecendo ainda de

aprofundamentos, principalmente no que tange às fontes documentais, para melhor

averiguação das nossas proposições.

Neste sentido, pontos como o cotidiano interno das missões, as práticas de catequese e

organização do trabalho, as etnias indígenas presentes nas aldeias etc., são imprescindíveis em

uma análise mais detida, essencial para a compreensão da participação dessas “fronteiras da

civilidade” na urbanização do Vale. Se o nosso foco neste trabalho foi o governo de

Mendonça Furtado, é necessário ampliar o debate para o período anterior, no intuito de

efetivar uma investigação da longa duração das urbes coloniais. Contudo, nos parece claro

que as elevações de 1755 a 1759 conformam uma readequação ao redimensionamento político

vivido neste momento; legitima-se com isso o hibridismo étnico e urbano (Diretório dos

Índios).

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75

FONTES

I- Fontes impressas

BERREDO, Bernardo Pereira de. Annaes historicos. 2 ed. Florença: Typografia Barbêra,

1905. 2t.(Historiadores da Amazônia, II).

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Maranhão. 2.ed. Belém: Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves; Secretaria de Estado de

Cultura, 1990. (Série Lendo o Pará, 5).

Bibl. De Évora, Cód. CXV/2-18, f.178(bis). In: LEITE, Serafim. Op. cit. t.IV. p.134.

DANIEL, João (Pe.). Tesouro Descoberto no Máximo Rio Amazonas. v. II. Rio de Janeiro:

Contraponto, 2004.

DIRECTORIO, que se deve observar nas povoaçoens dos indios do Pará, e Maranhaõ Em

quanto Sua Magestade não mandar o contrario. Lisboa: Officina de Miguell Rodrigues, 1758.

Disponível em:

<http://books.google.com/books?id=hdYTAAAAYAAJ&pg=PP7&dq=Directorio,+que+se+d

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iguell+Rodrigues,+1758.&lr=&hl=pt-BR#v=onepage&q=&f=false> Acesso em: 10 jun.

2009.

DOCUMENTO 41. Annaes da Bibliotheca e Archivo Público do Pará. t. I. Belém, 1968. p.

90.

DOCUMENTO 139. Annaes da Bibliotheca e Archivo Público do Pará. t. IV. Belém, 1906. p.

161.

DOCUMENTO 160. Annaes da Bibliotheca e Archivo Público do Pará. t. IV. Belém, 1968. p.

209.

DOCUMENTO 161. Annaes da Bibliotheca e Archivo Público do Pará. t. IV. Belém, 1968. p.

209.

DOCUMENTO 164. Annaes da Bibliotheca e Archivo Público do Pará. t. IV. Belém, 1906. p.

222.

DOCUMENTO 165. Annaes da Bibliotheca e Archivo Público do Pará. t. V. Belém, 1906. p.

193.

DOCUMENTO 170. Annaes da Bibliotheca e Archivo Público do Pará. t. V. Belém, 1906. p.

224.

DOCUMENTO 181. Annaes da Bibliotheca e Archivo Público do Pará. t. V. Belém, 1968. p.

249.

Page 77: Monografia Rhuan Lopes

76

DOCUMENTO 167. Annaes da Bibliotheca e Archivo Público do Pará. t. V. Belém, 1906. p.

211.

DOCUMENTO 176. Annaes da Bibliotheca e Archivo Público do Pará. t. V. Belém, 1906. p.

242.

DOCUMENTO 200. Annaes da Bibliotheca e Archivo Público do Pará. t. V. Belém, 1906. p.

308.

DOCUMENTO 282. Annaes da Bibliotheca e Archivo Público do Pará. t. VII. Belém, 1906.

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Mendonça Furtado: 1751-1759. 2. ed. Brasília: Senado Federal, Conselho editorial,

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