7801 Educacao Inclusiva Analise de Trajetorias e Praticas Pedagogicas

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  • JUCLIA LINHARES GRANEMANN

    EDUCAO INCLUSIVA: ANLISE DE TRAJETRIAS E

    PRTICAS PEDAGGICAS

    UNIVERSIDADE CATLICA DOM BOSCO

    Campo Grande - MS 2005

    JUCLIA LINHARES GRANEMANN

  • EDUCAO INCLUSIVA: ANLISE DE TRAJETRIAS E PRTICAS

    PEDAGGICAS

    Dissertao apresentada ao Mestrado em Educao da Universidade Catlica Dom Bosco, como exigncia final para obteno do ttulo de Mestre, elaborada sob orientao da Prof Dr Josefa Aparecida Gonalves Grigoli.

    UNIVERSIDADE CATLICA DOM BOSCO Campo Grande - MS

    2005

  • Dissertao intitulada: EDUCAO INCLUSIVA: ANLISE DE TRAJETRIAS E

    PRTICAS PEDAGGICAS apresentada por JUCLIA LINHARES GRANEMANN,

    como exigncia parcial para obteno do grau de Mestre em Educao a banca examinadora

    da UNIVERSIDADE CATLICA DOM BOSCO, Campo Grande MS.

    BANCA EXAMINADORA

    _________________________

    Prof Dr Alexandra Ayach Anache

    UFMS - Campo Grande, MS

    __________________________

    Prof Dr Maria Amlia Almeida

    UFSCar - So Carlos, SP

    _________________________

    Prof Dr Josefa Aparecida Gonalves Grigoli (Orientadora)

    UCDB - Campo Grande, MS

    Campo Grande/MS, maio de 2005.

  • AGRADECIMENTOS

    professora Dr Josefa Aparecida Gonalves Grigoli, minha orientadora, pelo carinho, pelo auxlio, pelo direcionamento, pelo empenho e pelo estmulo dado no decorrer do trabalho. Suas sugestes foram extremamente valiosas e imprescindveis ao andamento da pesquisa.

    professora Dr Maria Amlia Almeida, pelo carinho, pela ateno e pelo aceite em participar da banca, contribuindo com seu conhecimento e sua competncia na rea, para a melhoria e o desenvolvimento do trabalho.

    professora Dr Alexandra Ayach Anache, pelo carinho e pelo apoio em todas as situaes necessrias. Suas orientaes e informaes aprofundadas e atuais possibilitaram o bom direcionamento do trabalho.

    professora Maria Cristina Marquezine, minha orientadora da Especializao em Educao Especial da Universidade Estadual de Londrina (UEL), pelo carinho, pela ateno, pela disponibilidade e pelo conhecimento que muito me proporcionou e ainda continua a oferecer-me.

    s professoras Dr Helena Faria de Barros e Dr Leny Rodrigues Martins Teixeira, bem como aos demais professores do Mestrado em Educao da Universidade Catlica Dom Bosco, pelos ensinamentos, pelo apoio e pelo carinho dispensados.

    Aos meus familiares, pelo auxlio e pela compreenso nesta trajetria.

    Aos participantes da pesquisa que solicitamente colaboraram com o desenvolvimento e os resultados deste trabalho. A ateno e a vontade de me prestarem ajuda estiveram sempre presentes nessa fase.

    s colegas de trabalho, especialmente Coordenadora da Educao Especial da Secretaria de Estado de Educao, Vilma Judite Vitoratto, pelo apoio ao prosseguimento desta pesquisa.

    Aos secretrios do Programa de Mestrado em Educao, Maycon e Snia, pela ateno e pelo auxlio sempre fornecidos.

    A todos, muito obrigada...

  • ... Sonhar no construir um mundo para os diferentes e sim construir um mundo em que cada um possa viver as suas diferenas.

    (Moacir Alves Carneiro)

  • GRANEMANN, Juclia L. Educao Inclusiva: anlise de trajetrias e prticas pedaggicas. 2005. Dissertao (Mestrado em Educao) - Programa de Ps-graduao em Educao, Universidade Catlica Dom Bosco, Campo Grande-MS

    RESUMO

    Nesta investigao, que se insere na linha de pesquisa Prticas pedaggicas e suas relaes com a formao docente, so analisados depoimentos de profissionais de cinco escolas estaduais de Campo Grande, MS, consideradas bem-sucedidas no processo de promover a incluso de alunos com deficincias e/ou com necessidades educacionais especiais no ensino regular. As fontes tericas do estudo foram buscadas em autores da rea: Bueno (1993; 1999), Silva (2003), Carvalho (1991; 2004), Ferreira (1993; 1995; 1998), Almeida, Marquezine e Tanaka (2003); Anache (2003), entre outros. Os dados foram coletados em 2004, mediante anlise de documentos, observaes do ambiente escolar em seus vrios espaos e entrevistas com quarenta profissionais (diretores, coordenadores pedaggicos, professores do ensino regular e especial das escolas, alm dos coordenadores e tcnicos da rea) e dez pais. As questes norteadoras do estudo focalizaram as concepes dos entrevistados sobre educao inclusiva, os fatores que favorecem (e os que dificultam) a sua implementao, as necessidades de formao que esto sendo ou no contempladas nos programas de formao de professores na perspectiva da educao inclusiva; as adaptaes, recursos e apoios necessrios melhoria da escola inclusiva. As entrevistas foram transcritas na ntegra e analisadas, visando a descrever como vem se dando o processo de implementao da educao inclusiva nas escolas e os fatores que contribuem para que elas se destaquem como bem-sucedidas. Em linhas gerais, nessas escolas cultiva-se a convico de que para efetivamente, se procure implantar tal processo, deve-se investir na qualidade e na realizao de programas que trabalhem com a formao, prtica pedaggica e com a melhoria e/ou com o oferecimento de servios de apoio especializados da rea. A utilizao de recursos, materiais, metodologias, relaes interpessoais (professor/aluno/colegas), bem como a participao interligada com as famlias, tambm foram muito citadas e aspiradas neste estudo.

  • GRANEMANN, Juclia L. Inclusive education: analyzis of ways and pedagogical practices. 2005. Dissertation (Master in Education). Program of Post-Graduation Education, Universidade Catlica Dom Bosco, Campo Grande-MS

    ABSTRACT The present investigation is within the research Pedagogical practices and their relations with teacher formation. Statements of professionals of five state schools of Campo Grande City, MS considered successful in the process of promoting the inclusion of students with disability and / or special educational needs in the regular teaching were analyzed. The theoretical sources of the study were obtained from authors of the area: Bueno (1993; 1994; 1999), Silva (2003), Carvalho (1991; 2004), Ferreira (1993; 1995; 1998), Almeida, Marquezine e Tanaka (2003); Anache (2003) among others. The data were collected in 2004 by analyzing documents, observing the school environment in its many spaces and interviews with forty professionals (directors, pedagogical coordinators, teachers of regular and special teaching of the schools, as well as coordinators and technicians of the area) and ten parents. The questions which guided the study focused the conceptions of the people who were interviewed about inclusive education, the factors which are favourable to its implementation (and the ones which make it more difficult), the needs of formation which have been fulfilled or not in the programs of formation of teachers in the perspective of inclusive education; the necessary adaptations, resources and support to the improvement of inclusive school. The interviews were entirely transcribed and analyzed aiming to describe how the process of inclusive education implementation has been occurring in such schools and the factors which contribute for them to be considered successful. Generally, in these schools it is cultivated the certainty that effectively, it looks for, to implant such process, must be invested in the quality and the accomplishment of programs that works with the formation, pedagogical practice and with the improvement and/or offering specialized services on the area. The use of resources, materials, methodologies, interpersonal rela tions (educator/student/colleagues), as well as the linked participation with the families, had been also cited and inhaled in this study.

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 Alunos includos no ensino regular com apoio pedaggico especializado - rede

    estadual/MS-2004...............................................................................................96

    Quadro 2 Alunos includos no ensino regular sem atendimento e/ou apoio pedaggico

    especializado- rede estadual/2004.......................................................................97

    Quadro 3 Quadro geral das entrevistas realizadas............................................................119

    Quadro 4 Caracterizao geral apresentada pelos professores do ensino regular

    entrevistados.....................................................................................................130

    Quadro 5 Caracterizao geral apresentada pelos professores dos servios de apoio da

    educao especial entrevistados........................................................................131

    Quadro 6 Caracterizao geral apresentada pelos coordenadores - Unidade de Incluso e

    Secretaria de Estado de Educao de MS entrevistados...................................132

    Quadro 7 Caracterizao geral apresentada pelos tcnicos da Unidade de Incluso

    entrevistados.....................................................................................................133

    Quadro 8 Caracterizao geral apresentada pelos diretores entrevistados.......................134

    Quadro 9 Caracterizao geral apresentada pelos coordenadores pedaggicos

    entrevistados.....................................................................................................134

    Quadro 10 Caracterizao geral apresentada pelos pais entrevistados...............................135

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 Compreenso expressa pelos diferentes profissionais entrevistados sobre o

    conceito de incluso dos alunos com deficincias e/ou com necessidades

    educacionais especiais......................................................................................136

    Tabela 2 Posies dos entrevistados sobre a importncia e a viabilidade da escola

    inclusiva............................................................................................................142

    Tabela 3 Fatores que favorecem a prtica da educao inclusiva dos alunos com

    deficincias e/ou com necessidades educacionais especiais, segundo os

    professores entrevistados..................................................................................148

    Tabela 4 Fatores que dificultam a prtica da educao inclusiva dos alunos com

    deficincias e/ou com necessidades educacionais especiais, segundo os

    professores entrevistados..................................................................................153

    Tabela 5 Fatores que favorecem a prtica da educao inclusiva de alunos com

    deficincias e/ou com necessidades educacionais especiais, segundo pais e/ou

    responsveis......................................................................................................161

    Tabela 6 Fatores que dificultam a prtica da educao inclusiva de alunos com

    deficincias e/ou com necessidades educacionais especiais, segundo pais e/ou

    responsveis......................................................................................................173

    Tabela 7 Fatores que favorecem a prtica da educao inclusiva de alunos com

    deficincias e/ou com necessidades educacionais especiais, segundo diretores,

    coordenadores pedaggicos, tcnicos da educao especial - Unidade de

    Incluso e Secretaria de Estado de Educao (SED)........................................181

    Tabela 8 Fatores que dificultam a prtica da educao inclusiva de alunos com

    deficincias e/ou com necessidades educacionais especiais, segundo diretores,

    coordenadores pedaggicos, tcnicos da educao especial - Unidade de

    Incluso e Secretaria de Estado de Educao (SED)........................................193

  • SUMRIO

    INTRODUO.......................................................................................................................12

    1 EVOLUES E PERSPECTIVAS ACERCA DO ATENDIMENTO E DA

    ESCOLARIZAO DAS PESSOAS COM DEFICINCIAS E/OU COM

    NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS ..........................................................18

    1.1 Criao e implementao de servios, atendimentos e estudos relacionados educao

    especial .................................................................................................................................25

    1.2 Repercusso dessas mudanas e evoluo da educao especial no Brasil....................27

    1.3 A contribuio do movimento dos direitos das pessoas portadoras de deficincia ....34

    1.4 A educao especial na escola regular: um avano da legislao ..................................36

    1.5 Da integrao incluso: um longo caminho a percorrer ............................................451

    1.6 Movimento inclusivo: uma nova proposta em ascenso ................................................49

    1.7 Integrao e incluso: ambigidades, controvrsias e convergncias ............................54

    2 O LUGAR DO ESPECIAL NA EDUCAO..............................................................58

    2.1 Situando a educao especial nesse contexto .................................................................65

    2.2 Os desafios da educao inclusiva e a ousadia de tentar ................................................68

    2.3 A formao de professores para fazer face ao desafio da educao inclusiva ...............73

    3 COMO EST SENDO CONSTRUDA ESSA NOVA ESCOLA: NO BRASIL E EM

    MATO GROSSO DO SUL ....................................................................................................82

    3.1 A implementao da escola inclusiva em Mato Grosso do Sul......................................83

    3.2. A educao especial em Mato Grosso do Sul: caminhos trilhados rumo incluso.....85

    3.3 Criao do Centro Sul-Matogrossense de Educao Especial (CEDESP) .....................87

    3.4 Unidades Interdisciplinares de Apoio Psicopedaggico (UIAPs) ..................................88

    3.5 Centro Integrado de Educao Especial (CIEEsp) .........................................................91

    3.6. Unidade de Apoio Incluso do Portador de Necessidades Especiais .........................92

    3.7. E hoje, como funciona? .................................................................................................94

    3.8 Outros rgos Colaboradores: .......................................................................................95

    4 UM ESTUDO EXPLORATRIO SOBRE EXPERINCIAS BEM -SUCEDIDAS NA

    EDUCAO INCLUSIVA DE ALUNOS COM DEFICINCIAS E/OU

  • NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS EM CAMPO GRANDE: O

    CAMINHO DA PESQUISA ................................................................................................100

    4.1 A escolha das unidades escolares e dos participantes a serem entrevistados ...............102

    4.1.1 Escola 1..................................................................................................................104

    4.1.2 Escola 2..................................................................................................................105

    4.1.3 Escola 3..................................................................................................................106

    4.1.4 Escola 4..................................................................................................................107

    4.1.5 Escola 5..................................................................................................................108

    4.2 A construo do instrumento e a realizao das entrevistas .........................................109

    5 UM RETRATO SEM RETOQUES DAS ESCOLAS BEM -SUCEDIDAS NA

    INCLUSO DE ALUNOS COM DEFICINCIAS E/OU COM NECESSIDADES

    EDUCACIONAIS ESPECIAIS ...........................................................................................113

    5.1 Os profissionais que trabalham com a educao inclusiva nas escolas estudadas .......113

    5.2 A compreenso expressa pelos diferentes profissionais sobre o conceito de incluso e a

    posio por eles assumida em relao escola inclusiva ...................................................119

    5.3 Fatores que favorecem e que dificultam a prtica da educao inclusiva ....................128

    CONSIDERAES FINAIS ...............................................................................................176

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS................................................................................214 ANEXOS................................................................................................................................225

  • INTRODUO

    A incluso de alunos com deficincias e/ou com necessidades educacionais

    especiais no ensino regular uma proposta em ascenso ainda no totalmente consolidada,

    sendo defendida e apoiada por muitos, mas criticada por outros tantos que a vem com poucas

    chances de concretizao. Para tentar viabilizar a utopia da educao inclusiva, a instituio

    escolar desafiada a mudar, adequando-se a essa nova realidade, mediante transformaes de

    ordem fsica, relacional e pedaggica na sua estrutura e no seu funcionamento. O acesso e a

    permanncia de tal alunado na rede regular de ensino alteraram e diversificaram todas as

    dinmicas e relaes existentes na escola, cobrando mudanas significativas na formao e na

    prtica do professor em sala, bem como de todos os demais agentes educativos envolvidos no

    processo.

    Esse movimento representa o desdobramento, ao nvel das instituies escolares,

    de um processo mais amplo, de abrangncia mundial e que, na dcada de 90 do sculo

    passado, alcanou o Brasil, por influncia de movimentos de defesa das pessoas com

    deficincias e/ou com necessidades educacionais especiais. Trata-se de um outro modo de

    sociedade e a escola se posicionarem em relao a esses alunos, entendendo que a incluso

    no significa somente seu acesso e sua permanncia no ensino regular, mas tambm a

    igualdade de direito participao, bem como ao desenvolvimento das potencialidades de

    cada um, respeitados seus limites e condies.

    Incluir significa que esse aluno deve conviver, estudar e ser atendido em suas

    necessidades especiais, sem distines em relao aos demais na escola. O trabalho coletivo,

    juntamente com os alunos ditos normais, sempre prioritrio e indispensvel nessa

    proposta. Ele vantajoso para todos, uma vez que proporciona a renovao e o

    enriquecimento do sistema escolar e das pessoas envolvidas, mediante a experincia de

    contactar e trabalhar com a diversidade, contribuindo para a formao educacional, social e

    poltica do coletivo da escola.

    A proposta de incluso trouxe, ento, rea educacional muitas discusses,

    controvrsias e estudos, pois implica uma nova forma de ensinar e de se relacionar frente

    realidades e/ou dificuldades existentes. o cumprimento integral do preceito do direito

  • existncia de diferenas, mediante modificaes e/ou criao de estruturas auxiliares,

    necessrias melhoria da qualidade de vida e educao desses alunos. Garante-se, assim, o

    ingresso, nas vrias etapas e sries escolares, de uma clientela heterognea e diferenciada que,

    at ento, vivia margem desse processo devido ao desconhecimento de suas potencialidades

    e s baixas expectativas em relao s suas possibilidades de evoluo.

    Cabe destacar que tais educandos, a princpio, foram excludos do ambiente

    escolar e relegados a um atendimento domiciliar e/ou institucional especializado. O descrdito

    em relao s suas capacidades e habilidades, associado ao no- investimento num ensino que,

    supostamente, pouco retorno d ao sistema, alimentaram, ao longo dos tempos, as vises

    preconceituosas e discriminatrias que, ainda hoje, continuam a emperrar a implementao e

    a consolidao plena da proposta.

    preciso, portanto, superar todas as representaes, historicamente, estabelecidas

    de que os alunos com deficincias e/ou com necessidades educacionais especiais so

    incapazes e improdutivos por estarem fora dos padres de normalidade ditados pela

    sociedade. fundamental que a deficincia deixe de ser vista de forma impeditiva e

    incapacitante, inspirando atos de caridade, proteo e filantropia.

    Essa postura, porm, vem mudando progressivamente, nos ltimos anos, como

    resultado de um aumento expressivo de estudos e pesquisas na rea e da aprovao de uma

    legislao que visa a assegurar direitos e disciplinar o atendimento a essa clientela. Em

    conseqncia disso, o aluno com deficincias e/ou com necessidades educacionais especiais

    est sendo mais facilmente aceito nas escolas e comea a ser concebido como pessoa que

    apresenta ritmos, caractersticas, aprendizagens e emoes, s vezes, diferenciadas,

    requerendo do professor novas posturas, recursos apropriados e aes mais atentas e eficazes.

    Se, hoje, os resultados das pesquisas evidenciam que esses alunos podem produzir

    satisfatoriamente, quando devidamente atendidos e encaminhados, fica evidente, tambm, a

    premncia de um empenho continuado no sentido de promover ajustes e adequaes

    metodolgicas, instrucionais e atitudinais, respeitando as limitaes. Atender s necessidades

    especiais desses alunos implica mudar o olhar da escola, preconizando no a adaptao do

    aluno a ela, mas a adaptao do contexto escolar a este. Isso significa, tornar o meio escolar

    um ambiente mltiplo, rico em experincias, parcerias, trocas e possibilidades, aberto a uma

    convivncia variada, sem barreiras humanas e arquitetnicas, conferindo novos sentidos

    aprendizagem e ao relacionamento humano.

  • A incluso, segundo esse entendimento, dever partir de aes planejadas e

    coordenadas, atravs de um trabalho interdisciplinar e coletivo, envolvendo todos os membros

    da escola. Esses devero, tambm, esclarecer e informar a sociedade acerca da importncia da

    educao inclusiva para que ela tambm possa colaborar, como parceira.

    J a educao especial deve deixar de ser encarada como uma espcie de contorno para onde so

    encaminhados os educandos que, na viso da escola regular, so ineptos ou pouco capazes de aprender, passando

    a ser marginalizados pela sociedade. A Educao Especial precisa, sim, ser um meio de possibilitar que o aluno

    com deficincias e/ou com necessidades educacionais especiais alcance patamares de desenvolvimento que

    justifiquem a sua incluso na escola, mais especificamente no ensino regular, lugar onde todos os educandos

    devem estar, quando garantidos os meios e os recursos para isso.

    A escola inclusiva assentar-se-, portanto, no pressuposto de que o direito de estar

    junto com os demais membros da sociedade e de participar ativamente do processo de

    construo e de reflexo sobre o conhecimento condio necessria para que o sujeito se

    perceba como pessoa, membro da sociedade e construtor da sua histria, cidado capaz e

    auto-suficiente em suas aes, em benefcio prprio e da sua comunidade. Assim, impulsiona-

    se o desenvolvimento da cidadania, o reconhecimento de sujeitos de direito, pois suas

    especificidades no so fatores geradores de desigualdades, discriminaes ou excluses, mas

    de aes norteadoras de polticas e de contextos sociais mais inclusivos. Nesse sentido, as

    relaes entre os indivduos caracterizam-se por atitudes de respeito mtuo, pela valorizao

    da pessoa em sua singularidade, ou seja, pelas caractersticas que a constituem.

    Cabe ressaltar que essa proposta, apesar das condies adversas e/ou

    posicionamentos contrrios, vem sendo desenvolvida em algumas instituies escolares nas

    esferas municipal, estadual, federal e, em nmero reduzido, em instituies particulares.

    Profissionais da rea tm conhecimento de que algumas escolas, pelo compromisso social e

    educacional que as orienta e pelo trabalho pedaggico diferenciado, entre outros fatores

    facilitadores, vm realizando um trabalho que, de certa forma, pode ser considerado bem-

    sucedido no campo da educao inclusiva de alunos com deficincias e/ou com necessidades

    educacionais especiais.

    Algumas experincias, nesse sentido, so desenvolvidas por escolas, tidas como

    exemplo, que esto buscando ser inclusivas, acessveis e respeitadoras de todos,

    independentemente das suas limitaes, dificuldades e/ou deficincias apresentadas. Nessas

    experincias, tambm, se valoriza a escola como espao privilegiado de formao de

    professores, de construo dos saberes docentes e das competncias que possibilitam a

    organizao do ensino a partir das reais possibilidades de aprendizagem do aluno, que o

  • centro do processo. Trata-se de experincias ainda incipientes, no consolidadas, que

    enfrentam dificuldades e vivem conflitos e contradies diante das mudanas que precisam

    ser operadas.

    No so raras, as prticas causadoras de experincias traumticas e mal-sucedidas

    de incluso, que acabam deixando o aluno entregue prpria sorte no ambiente escolar,

    gerando efeitos seletivos e excludentes, opostos ao que se pretendia. Diante de tal fato,

    necessrio verificar as condies e as formas de encaminhamento desses educandos ao ensino

    regular. Por outro lado, preciso que experincias bem-sucedidas, surgidas da persis tncia do

    aluno e/ou da famlia, aliadas ao profissionalismo e dedicao dos agentes educativos, sejam

    registradas, a fim de nortear e de estimular novas prticas inclusivas.

    Novas caractersticas, necessidades, turmas e ritmos diferenciados impem-se aos

    que trabalham com alunos que apresentam deficincias e/ou necessidades educacionais

    especiais na perspectiva da incluso. A disposio para rever as prticas, inventar novas

    formas de relacionamentos, buscar sadas, modificar os espaos e reinventar direcionamentos

    metodolgicos na escola, cuidar da formao dos agentes educativos um fator essencial

    nesse processo de implementao da proposta inclusiva. So esses caminhos que, em meio a

    avanos e recuos, vm sendo percorridos por algumas escolas que esto enfrentando, com

    algum sucesso, o desafio de mudar.

    Nesta pesquisa, pretendo caracterizar as trajetrias e as prticas escolares

    consideradas relativamente bem-sucedidas com vistas incluso de alunos com deficincias

    e/ou com necessidades educacionais especiais em cinco unidades escolares da rede estadual

    de Campo Grande/MS, indicadas pelo rgo responsvel pelo andamento da Educao

    Especial no municpio. Busco, tambm, identificar, a partir da anlise dessas trajetrias, de

    relatos sobre formaes e prticas, os elementos que esto na base dessas experincias tidas

    como bem-sucedidas no campo da educao inclusiva.

    Em linhas gerais, o estudo foi orientado pelas seguintes questes: O que se

    entende por Educao Inclusiva de qualidade? Que fatores favorecem (e quais dificultam) o

    desenvolvimento de experincias de educao inclusiva? Quais so as convices que os

    professores e demais profissionais envolvidos com experincias bem-sucedidas de educao

    inclusiva expressam em relao ao tema? Que necessidades de formao esto sendo

    contempladas (e quais no esto) nos programas voltados para a formao de professores na

    perspectiva da educao inclusiva? Que adaptaes, recursos e apoios so necessrios para

    melhorar a qualidade das aes da escola inclusiva?

  • De modo geral, houve interesse e empenho das equipes das escolas em

    disponibilizar documentos e relatar com detalhes as suas experincias, o que foi tambm

    facilitado pela minha experincia como professora e, atualmente, como tcnica da rea, na

    Secretaria de Estado de Educao. Nessa condio, trabalho com a rede de ensino,

    desenvolvendo projetos, capacitando e acompanhando as Unidades de Incluso, visando a

    implementar a educao inclusiva nas escolas estaduais do estado de Mato Grosso do Sul, e

    convivo, diariamente, com as angstias, acertos e dvidas dos professores e dos demais

    agentes escolares sobre a questo.

    Tais indagaes acerca das razes que levam uma ou outra escola a ser

    considerada como bem-sucedida na referida temtica foi pano de fundo desta pesquisa, que se

    baseou em anlise documental e entrevistas com os diferentes membros das escolas e demais

    profissionais de apoio que atuam nessa rea. As entrevistas realizadas foram ancoradas em

    seis roteiros, construdos com o propsito de levantar, por meio das falas dos profissionais e

    pais selecionados para o estudo, dados e informaes acerca do andamento, concepes,

    sucessos e entraves existentes nesse processo.

    A produo de um retrato autntico das trajetrias e dos aspectos que direcionam

    tais escolas rumo a uma educao inclusiva de qualidade foi permanentemente seguida, visto

    que a compreenso desses fatores contribui para novas experincias e prticas favorecedoras

    dessa proposta que, por ser ainda muito recente (e tambm levando em considerao sua

    amplitude), suscita questionamentos de diferentes ordens.

    No decorrer deste estudo, alm da descrio mais aprofundada do contexto das

    escolas selecionadas para o estudo, foram examinadas as dificuldades e as facilidades com

    que se deparam todos os envolvidos, os avanos, os retrocessos e os impasses frente

    proposta, bem como os resultados dessas experincias consideradas bem-sucedidas em

    relao educao inclusiva.

    A dissertao est organizada em cinco captulos.

    O Captulo I - Evolues e perspectivas acerca do atendimento e da escolarizao das pessoas

    com deficincias e/ou com necessidades educacionais especiais - trata das conceituaes, do histrico, das

    trajetrias, dos movimentos e das legislaes formuladas, alm das atribuies dessa modalidade de educao

    com base na contribuio de diferentes autores da rea.

    O Capitulo II - O lugar do especial na educao - trata das caractersticas, dos objetivos, das

    metas, das dificuldades e dos avanos tericos e prticos registrados no campo da educao inclusiva. Tambm

    so examinadas as questes relacionadas formao e prtica dos professores, os recursos utilizados e as

  • formas avaliativas encontradas por eles e pelos demais componentes da escola, com vistas a um atendimento

    educacional, o mais inclusivo possvel a essa clientela.

    O Captulo III Como est sendo construda essa escola no Brasil e em Mato Grosso do Sul

    apresenta um breve percurso, retratando os processos e caminhos vividos at hoje, pela rea da educao

    especial no pas e no estado.

    O Captulo IV - Um estudo exploratrio sobre experincias bem-sucedidas na

    educao inclusiva de alunos com deficincias e/ou com necessidades educacionais especiais,

    em Campo Grande: o caminho da pesquisa - trata da pesquisa propriamente dita, com

    demonstrativos quantitativos e anlises qualitativas das falas obtidas nas entrevistas,

    mapeando o processo inclusivo ocorrido dentro das escolas tidas como mais bem-sucedidas e

    encaminhadas (e/ou que buscam implantar) no processo inclusivo.

    O Captulo V - Um retrato sem retoques das escolas bem-sucedidas na incluso

    de alunos com deficincias e/ou com necessidades educacionais especiais - faz a anlise de

    falas, relatrios e observaes das prticas dos envolvidos no processo de incluso. Nas

    Consideraes Finais, comenta-se os resultados da pesquisa, destacando tanto as facilidades

    como as dificuldades enfrentadas pelas escolas analisadas rumo ao processo inclusivo,

    formulando apontamentos e sugestes que podero ajudar na formao dos profissionais

    envolvidos, bem como na sua prtica que visa a atingir (efetivar), a incluso.

  • 1 EVOLUES E PERSPECTIVAS ACERCA DO ATENDIMENTO E

    DA ESCOLARIZAO DAS PESSOAS COM DEFICINCIAS E/OU

    COM NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS

    Desde os primrdios da humanidade at os dias atuais, as pessoas que apresentam

    quaisquer deficincias e/ou necessidades educacionais especiais sempre foram percebidas

    como sendo diferentes e sujeitas a vrios estigmas ou rtulos. Tais representaes

    socialmente construdas so estabelecidas e alteradas medida que as sociedades evoluem,

    sofrendo modificaes decorrentes principalmente do progresso cientfico e tecnolgico

    (MARTINS, 1996, p. 27). Influenciadas por essa dinmica, atitudes, atendimentos e

    expectativas frente a esses indivduos tambm so modificados. Ao longo da histria, podem

    ser identificados, em vrias pocas e por diferentes povos, procedimentos e aes bem

    diversificadas que vo do extermnio ou marginalizao, passando pelo assistencialismo

    piedoso e, mais recentemente, at a educao e a reabilitao voltadas para a incluso social

    e/ou educacional de tal clientela.

    Esse percurso da educao voltado para tal clientela amplamente retratado na

    literatura da rea, em que se destacam autores como Amiralian (1986), Fonseca (1987), Silva

    (1987), Carmo (1991), Carvalho (1991), Jannuzzi (1992), Bueno (1994), Pessotti (1994),

    Aranha (1994), Lancilotti (2000), Anache (2003), Mendes (2003), Gaio; Meneghetti (2004).

    Esses autores acompanham, registram e analisam essa trajetria, com uma produo bastante

    significativa para se entender o quadro atual do atendimento educacional e escolar dessas

    pessoas.

    A primeira fase, segundo tais pesquisadores, pode ser caracterizada como sendo

    de ausncia de qualquer atendimento sistemtico a esses indivduos, que eram totalmente

    marginalizados por serem julgados inteis e improdutivos ou, ainda, como manifestaes do

    mal. Tais concepes, de acordo com Amiralian (1986), compem-se de noes pr-

    cientficas, nas quais prevalecem valores culturais e ticos, sem uma explicao comprovada,

    estudada e/ou testada acerca dos fatos. A trepanao (abertura de orifcio no crnio), praticada

    pelo homem na Antigidade, principalmente pelos egpcios, um dos exemplos dessa

  • mentalidade mencionados pela autora. Por meio dessa tcnica, buscava-se retirar os espritos

    malignos do corpo da pessoa, procurando uma soluo ou explicao para o problema.

    Ainda dentro dessa concepo, consta da literatura que os espartanos, um povo

    guerreiro que necessitava de homens fortes e saudveis, eliminava os malformados e

    deficientes, pois estes no poderiam exercer suas funes na sociedade. J em Atenas, eram

    abandonados em ambientes agrestes e perigosos e, entregues prpria sorte, morriam por

    inanio ou por ataque de animais selvagens. Entre os romanos, um povo mais tolerante, os

    deficientes eram exibidos em festividades e comemoraes numa forma de infantilizao e de

    diminuio de seu valor histrico e humano.

    Foi, no entanto, com o advento da Idade Mdia que a crena e as tentativas de

    explicar a deficincia mediante o sobrenatural se intensificaram. A prtica da magia e as

    relaes com o demnio fortaleceram-se como dogmas, e o homem passou a ser considerado

    um ser submetido a poderes invisveis, tanto para o bem como para o mal. Em conseqncia

    disso, havia interpretaes diferentes para os indivduos considerados anormais,

    dependendo do tipo de deficincia apresentada. Os psicticos e epilpticos eram considerados

    possudos pelo demnio, alguns estados de transe eram aceitos como possesso divina e os

    cegos eram reverenciados como videntes, profetas e adivinhos (ibid. p.2).

    Nesse mesmo perodo, alguns eram segregados, exorcizados, esconjurados,

    apedrejados e mortos nas fogueiras da Inquisio por conta de tais concepes. Entretanto,

    com o estabelecimento do Cristianismo, os deficientes comearam a ser vistos como

    possuidores de alma e, portanto, filhos de Deus, no devendo mais, por isso serem

    exterminados. O direito vida lhes foi preservado e o descumprimento desse preceito era

    considerado um grande pecado.

    Assim, essas pessoas no eram mais abandonadas, mas acolhidas por instituies

    de caridade, ou seja, comearam a ser tiradas do isolamento total para serem alojadas em

    asilos e em instituies especia lizadas. Passaram a ser assistidas, mas continuavam segregadas

    em termos fsicos, sociais e educacionais; passaram a ter direito vida, numa atitude de

    proteo, de filantropia, no sendo mais exterminadas. Ao mesmo tempo em que vigorava

    esse ideal cristo, contraditoriamente, deficientes tambm eram considerados produtos da

    unio entre a mulher e o demnio, o que justificava a queima de ambos, me e criana

    (SCHWARTZMANN, 1999).

  • Durante a Idade Mdia, segundo registros encontrados, no havia obrigaes nem

    moral nem social para com as crianas anormais, que eram tratadas com indiferena e a

    morte de um elevado nmero de crianas, inclusive das ditas normais, era encarada com

    naturalidade. Os deficientes eram alvo de diferentes e por vezes brutais formas de tratamento

    discriminatrio e, seja na infncia ou na vida adulta, sobreviviam, perambulando pelos

    campos e pelas cidades em busca de alimentos e de abrigo, mesmo que temporrio. Com o

    passar do tempo, o assassinato, antes praticado, foi substitudo pela segregao. Os deficientes

    passaram a ser confinados em casas, pores ou vales e, at mesmo, embarcados em pores de

    navios (GAIO; MENEGHETTI, 2004, p. 152-3).

    Apesar de ser encontrado, com a propagao e a consolidao do cristianismo, um

    outro posicionamento em relao ao ser humano, mais justo e mais atencioso, no qual os

    valores da caridade, da fraternidade, da compaixo e do amor ao prximo elevaram a vida ao

    posto de direito adquirido de todo ser humano, normal ou anormal, dando final aos tempos de

    infanticdios e extermnio de deficientes, no se pode afirmar que houve uma mudana radical

    e efetiva no conjunto da sociedade. O que predominou verdadeiramente, ao longo de todos

    esses anos, foi o desprezo, a negligncia ou, quando muito, atitudes de tolerncia aos

    deficientes (ibid. p. 154). Nos evangelhos, os deficientes so fortemente relacionados a

    castigos ou a penitncias para expiao de faltas ou pecados. Havia a crena arraigada no

    povo de que esses males eram conseqncias da interferncia de maus espritos ou de castigo

    por pecados antigos.

    Alm disso, prticas, como punies, torturas e diversos tipos de maus-tratos,

    eram usadas no lidar com essas pessoas (ARANHA, 1994). No contexto da Reforma, quando

    se passou a questionar e rejeitar os dogmas, as aes e o predomnio da igreja catlica, pde-

    se observar que seus representantes Lutero e Calvino tambm se referiam a essas pessoas

    como tendo possesses demonacas, sem qualquer merecimento de ateno e de apoio.

    Cabe ressaltar que tais crenas e as prticas delas derivadas eram aceitas nessa

    poca, pois carecia-se de um conhecimento cientfico que explicasse o diferente. Enfim, at os

    sculos XVI e XVII, a mitologia, o espiritismo e a bruxaria dominaram e afetaram a viso que

    se tinha da deficincia e do deficiente, dando origem a julgamentos morais, perseguies,

    encarceramentos, bem como informaes distorcidas acerca da questo.

    Em todo esse primeiro perodo, quando as atitudes em relao aos deficientes

    eram de discriminao, rejeio, neglignc ia ou, na melhor das hipteses, tolerncia, nem

    sequer se cogitava a idia de que eles pudessem ser ensinados.

  • Conforme Silva (1987, p. 221), essa longa e obscura etapa comeou a ser

    superada com o Renascimento, poca do aparecimento das primeiras reivindicaes dos

    direitos dos homens postos margem da sociedade, dos passos decisivos da Medicina na rea

    da cirurgia ortopdica, do estabelecimento de uma filosofia humanista mais voltada para o

    homem e, tambm, da consolidao de uma abordagem mais cientfica das questes

    relacionadas com o ser humano em geral. Alm disso, a partir dessa fase, com a evoluo e o

    advento da cincia, iniciaram-se estudos, em graus e intensidades variadas, nos diferentes

    ramos do saber, em todas as partes do mundo. No Renascimento, tentou-se entender o

    diferente atravs da pesquisa e, por isso, a cincia foi legitimada como via de explicao

    desses fenmenos que, at ento, eram geralmente entendidos como manifestao do

    sobrenatural.

    Em meados do sculo XVII, houve um novo perodo em que as atitudes

    filosficas e antropolgicas se conjugaram promovendo uma perspectiva mais humanista da

    deficincia (FONSECA, 1987). Gaio; Meneghetti (2004) assinalam que, a partir de ento, o

    conceito de deficiente e/ou diferente foi sendo construdo lentamente na perspectiva de se

    atender aos interesses daqueles que eram apresentados como eficientes.

    Com o desenvolvimento da Medicina, comeou-se a levantar objees aos maus-tratos de que

    eram vtimas os possessos, que passaram a ser considerados doentes. A deficincia passou a ser vista como

    uma doena e suas manifestaes fsicas e comportamentos constituam seus sintomas, levando a um

    diagnstico, em que o tratamento mdico era o nico procedimento a ser realizado. Tal ponto de vista prevaleceu

    por muito tempo e, at hoje, ainda percebem algumas heranas dessa cultura, quando o deficiente encarado

    como um doente e o mdico, o elemento principal da equipe que o atende (AMILARIAN, op. cit., p. 3).

    Nesse perodo, j se pde identificar o embrio da educao especial, dado o surgimento de

    algumas teorias e pesquisas, mais especificamente, as relativas sade e educao. Os trabalhos de Rousseau

    (1712-1778) foram fundamentais para a mudana de paradigma no campo da educao, em geral, mas tambm

    para se poder encaminhar estudos sobre a educao especial, ao enfatizar a necessidade de se compreender a

    criana em suas especificidades (ANACHE, 2003).

    Bueno (apud LANCILOTTI, 2000) assinala que a educao especial, nas sociedades industriais no

    sculo XVIII, emergiu como parte pouco significativa de um conjunto de reivindicaes de acesso riqueza

    produzida (material e cultural) e que desembocou na construo da democracia republicana representativa, cujo

    modelo expressivo foi implantado na Frana, pela revoluo de 1789:

    [...] o acesso escolarizao dos deficientes foi sendo conquistado ao mesmo tempo em que se conquistava este mesmo acesso para as crianas em geral. Em outras palavras, a histria nos mostra que a educao especial no nasceu para dar oportunidade a crianas que, por anormalidades especficas, apresentavam dificuldades na escola regular. educao especial nasceu voltada para a

  • oferta de escolarizao de crianas cujas anormalidades foram aprioristicamente determinadas como prejudicais ou impeditivas para sua insero em processos regulares de ensino. E esta no uma mera diferena de nfase na anlise do percurso histrico da educao especial, mas uma diferena de fundo, demonstrativa do carter de segregao do indivduo anormal e dos processos exigidos pelas novas formas de organizao social (id., 1994, p.37).

    , porm, no sculo IX, que se expandem os estudos cientficos da deficincia,

    principalmente, a mental. Neste perodo, deve-se destacar, pelo seu interesse global, os

    trabalhos de Esquirol, Sguin, Itard, Wundt, Ireland, Ducan e Millard, Morel, Lombroso,

    Down, Galton, Tuke, Rush e Dix, entre outros (FONSECA, 1987, p. 10). Os estudos

    cientficos permitiram que, no plano prtico, mecanismos passassem a ser amplamente

    utilizados para triar quem deveria ou no se beneficiar da escolaridade regular (MENDES,

    2003, p. 26).

    O trabalho educativo com tal clientela exige a mudana das atitudes para,

    posteriormente, mudarem-se as aes. Nesse sentido, os trabalhos de Binet e Simon (a criao

    do conceito de idade mental), por um lado, e de Freud (o nascimento da psicanlise como

    tcnica teraputica), por outro, possibilitaram dar uma nova viso problemtica com aportes

    importantes para a compreenso e a educao da criana deficiente. Os perodos de ps-

    guerra (Primeira e Segunda Grandes Guerras) lanaram luz sobre o problema das deficincias,

    a partir do desenvolvimento de estudos da neurologia e da patologia do crebro (FONSECA,

    op.cit., p. 10).

    Com a evoluo das reas do conhecimento que estudam o homem, como a

    Educao, a Sociologia, a Psicologia e a Antropologia, uma nova viso comeou a surgir, isto

    , comeou-se de fato a estudar e analisar o comportamento das pessoas consideradas

    deficientes, os princpios que regem a aquisio de seus comportamentos e as influncias

    sociais nessas aquisies. Conseqentemente, surgiram programas, tcnicas e formas de

    relacionamento capazes de promover o desenvolvimento dessas pessoas.

    No sculo XX, apareceram escolas especializadas, sobretudo em pases

    industrializados e, depois, nos demais. A existncia de pessoas com deficincias e/ou com

    necessidades educacionais especiais exigiu a melhoria da ao educativa, o que levou

    elaborao de programas, de mtodos e de servios diferenciados para cada especificidade de

    alunado, e com isso, criao de um sistema educativo paralelo. Paulatinamente, dentro da

    instituio especializada, as classificaes ou as avaliaes vo ocorrendo em torno do dficit

    de cada aluno. Ao longo do sculo XX, as cincias contriburam para uma nova compreenso

    da ao humana, do corpo, do trabalho, do lazer e do processo de aprendizagem. Buscou-se,

  • tambm, o entendimento do ser humano considerado como deficiente na perspectiva da

    superao do estigma da deficincia e da sua reconceituao (GAIO; MENEGHETTI, 2004).

    Quanto s propostas pedaggicas destinadas a essa clientela, verifica-se que no

    estavam desvinculadas da educao geral, at o sculo XX, quando Decroly apresentou sua

    proposta, considerada inovadora para a poca, pois baseou-se nos princpios da Gestalt,

    propondo o mtodo de globalizao que introduziu a idia dos centros de interesse

    (ANACHE, 2003). A partir de ento, foi formulada uma nova maneira de conduzir o ensino,

    levando o professor a considerar os ritmos e interesses diferenciados dos seus alunos.

    Esse breve recorte da evoluo histrica ajuda no entendimento dos fatores que

    favorecem e dos que dificultam a implementao da proposta inclusiva na escola e que

    constituem o objeto desta pesquisa.

    At a dcada de 60 do sculo passado, os mtodos educacionais utilizados para

    atender aos alunos com deficincias e/ou necessidades educacionais especiais eram voltados

    para crianas e jovens impedidos de acessar a escola comum do ensino regular ou para

    aqueles retirados das classes comuns por no avanarem no processo educacional. Essa

    segregao era realizada sob o argumento de que tais alunos seriam melhor atendidos se

    fossem encaminhados para classes ou escolas especiais. A educao especial foi, ento, se

    constituindo num sistema paralelo ao geral, at que, por motivos morais, lgicos, cientficos,

    polticos, econmicos e legais, surgiram as bases para reivindicar e fundamentar as prticas de

    integrao na escola regular (MENDES, op.cit., p. 26).

    O contexto histrico da dcada de 60 apontava para um avano cientfico

    representado tanto pela comprovao das potencialidades educacionais dos educandos com

    deficincias e/ou com necessidades educacionais especiais, quanto pelo criticismo

    direcionado aos servios educacionais segregados existentes. Paralelamente, ocorria a

    exploso da demanda pelo ensino especial, ocasionada pela incorporao da clientela que,

    cada vez mais, era excluda do ensino regular, ocasionando a consolidao da rea e, tambm,

    promovendo a organizao de grupos polticos (de pais, de profissionais e de pessoas com

    deficincia) que passaram a exigir mudanas (ibid. p. 27).

    Esses interesses foram atendidos em diferentes pases com o estabelecimento de

    bases legais que instituram, gradualmente, a obrigatoriedade do poder pblico quanto oferta

    de oportunidades educacionais a tais indivduos, mediante a instituio da matrcula

  • compulsria nas escolas regulares e de diretrizes para a colocao desses alunos em servios

    educacionais com o mnimo possvel de segregao.

    Dessa forma, estavam estabelecidas as bases para o surgimento da filosofia da

    normalizao e da integrao escolar, que se tornou ideologia dominante para a prestao de

    servios educacionais, basicamente, a partir da dcada de 70. Escolas comuns passaram,

    ento, a aceitar crianas ou adolescentes deficientes em classes comuns, ou, pelo menos, em

    classes especiais ou de recursos. A integrao escolar era concebida como um processo com

    vrios nveis, atravs do qual o sistema educacional proveria os meios mais adequados para

    atender s necessidades dos alunos. O nvel mais apropriado seria aquele que melhor

    favorecesse o desenvolvimento de determinado aluno, em determinado contexto e momento

    (ibid., p. 27).

    As polticas oficiais de integrao escolar resultaram, na maioria das vezes, em

    prticas quase que permanentes de segregao total ou parcial, o que acabou gerando reaes

    mais intensas no sentido de buscar novas formas de assegurar a presena e a participao na

    comunidade, a promoo de habilidades, da imagem social, da autonomia e da

    autodeterminao das pessoas com deficincias e/ou necessidades educacionais especiais

    (ibid., p. 28).

    Na dcada de 90 do sculo passado, percebe-se uma intensificao do debate

    acerca da integrao, com novos questionamentos sobre o papel da escola frente diferena,

    dando nfase necessidade de fuso dos sistemas especiais e regulares. Foi, assim, substituda

    a idia de educao visando homogeneidade para a de educao voltada diversidade, e no

    ensino especial, houve a mudana no foco da educao como categorial para a nfase no

    conjunto de recursos/apoios/suportes a serem oferecidos aos alunos com deficincias e/ou

    com necessidades educacionais especiais.

    Para Gaio e Meneghetti (2004), a idia de eficiente, no final do sculo XX e

    incio do XXI, est muito mais vinculada resposta que os seres humanos inteiros ou

    comprometidos do s solicitaes da vida, aos conflitos e aos problemas sociais do que aos

    padres corporais estabelecidos externamente pelos interesses subjacentes s instituies

    sociais. O conceito de deficincia deve, no incio deste sculo, instalar um novo modo de

    entend- lo, mais ampliado e mais abrangente na perspectiva de considerar o ser humano

    algum capaz, e, dentro de suas possibilidades, atuar, organizar-se e, nesse movimento,

    organizar os espaos sociais ao seu redor.

  • 1.1 CRIAO E IMPLEMENTAO DE SERVIOS, ATENDIMENTOS E

    ESTUDOS RELACIONADOS EDUCAO ESPECIAL

    Estruturas e atendimentos foram criados e implementados no campo da educao especial, com

    diversos tipos de modalidades e de sistemas que se tornaram essenciais e vitais para o aprimoramento e o

    desenvolvimento da rea. Observou-se o surgimento dos primeiros trabalhos na Europa, mais precisamente na

    Frana, no ano de 16201

    No final do sculo XVII, surgiu, na Alemanha, um mtodo revolucionrio que

    pretendia facilitar a aprendizagem de surdos-mudos, buscando ensinar-lhes a ler e a

    escrever. Na cidade de Paris, em 1770, foi criado o primeiro Instituto Especializado para

    Educao de Surdos-Mudos e o primeiro Instituto Nacional dos Jovens Cegos (CADERNOS

    CEDES, 1985).

    Em Londres (Liverpool), foi implementada, em 1799, uma escola com um

    trabalho especificamente voltado para o ensino de pessoas com qualquer tipo de deficincia.

    J em 1832, surge a primeira obra destinada ao atendimento de deficientes fsicos, que, na

    poca, eram designados coxos, manetas ou paralticos. Na primeira metade do sculo XIX,

    surgiu o 1 Internato Pblico para retardados mentais, por iniciativa do Dr. Jean Marc Itard

    e levado frente pelos seus seguidores. Nessa instituio, buscava-se ensinar, mediante

    materiais didticos especiais, aproveitamento de cores, formas, espaos e msica para motivar

    e alegrar as crianas.

    Alm de Comnio, que em sua obra, a Didtica Magna (1657) dedicou uma

    parte educao de indivduos considerados idiotas, outros educadores tambm se

    propuseram a realizar estudos sobre a educao especial, como Pestalozzi (1746-1827) e

    Froebel (1782-1852). Deu-se um enfoque especial ao jogo como recurso didtico empregado

    para educar os sentidos dos estudantes. Alm desses, foi Charles-Michel de l'Epe (1712-

    1789) quem criou a primeira escola pblica de Paris e introduziu o Mtodo Oral (ANACHE,

    2003). 1 Em 1620, Pablo Bonet publicou o livro Reeducao de letras e artes para ensinar a falar os surdos (ANACHE, 2003 - transparncias apresentadas no mini-curso Quem o sujeito da Educao Especial na 26 Reunio da ANPED, Poos de Caldas, 2003.

  • Nos Estados Unidos, escolas para cegos, surdos e retardados mentais

    comearam a proliferar entre 1817 e 1850. Os programas para crianas com defeitos fsicos

    surgiram posteriormente. Entre 1850 e 1870 houve um efetivo crescimento de escolas

    residenciais, nesse pas, sob influncia do modelo europeu. Essas escolas comearam a ser

    concebidas como instituies tutelares para crianas e adultos sem esperana de vida

    independente e sem possibilidade educacional. A partir da, os programas de externato foram

    iniciados. A primeira classe especial diria para retardados mentais, em perodo integral foi

    aberta em 1896, em Previdence, Rhode Island. A primeira classe para cegos e a primeira para

    crianas aleijadas, em uma escola pblica, foram abertas em Chicago, em 1900, quando

    houve grande incremento de classes especiais para crianas com deficincia fsica, sensorial e

    mental em todos os continentes.

    Em 1819, na Frana, Charles Barbier, oficial do exrcito desse pas, criou um

    sistema baseado no processo de escrita codificada e expressa por pontos salientes,

    representando os 36 sons bsicos da lngua francesa utilizada para a transmisso noturna de

    mensagens nos campos de batalha. Em 1829, o jovem cego Louis Braille adaptou o cdigo

    militar s necessidades dos cegos, transformando-o no conhecido sistema que recebeu seu

    nome (ESCOLA PLURAL, 2000).

    Edmund Seguin (1812-1880) desenvolveu, na Frana e, mais tarde, nos Estados

    Unidos, o mtodo fisiolgico de tratamento e o treino sensrio-motor que se tornaram

    mtodos clssicos de interveno em muitas escolas e instituies de deficientes mentais, s

    continuados, posteriormente, no sculo XX, pela escola sensorial de Montessori (FONSECA,

    1987, p. 69).

    Em 1940, nos Estados Unidos, surgiu a primeira associao organizada por pais de crianas com

    paralisia cerebral, visando a angariar fundos para centros de tratamento, pesquisas e treinamento profissional.

    Em 1950, os pais das crianas com deficincia mental organizaram-se em defesa dos interesses e das

    necessidades de seus filhos, criando a National Association For Retarded Children (NARC), que exerceu grande

    influncia em vrios pases, inclusive no Brasil, onde inspirou a criao da Associao de Pais e Amigos dos

    Excepcionais (APAE).

    Os deficientes, vistos como no desejados e nada atraentes fisicamente,

    viveram encerrados, durante quase todo o sculo XIX, em instituies como priso,

    autnticos guetos, depsitos e reservas de segregados. De 1900 dcada de 70, o

    movimento da escola pblica criou as denominadas classes de anormais, fase que se iniciou

    com a categorizao e a classificao dos deficientes mentais mediante a aplicao da famosa

    Escala Mtrica de Inteligncia, criada por Binet e Simon em 1905 (ibid. p. 69). Nessa fase,

  • expandiram-se alternativas pedaggicas que objetivavam reduzir a segregao, tais como o

    atendimento em classes denominadas especiais dentro de escolas do sistema regular de ensino

    (PESSOTTI, 1994; JANNUZZI, 1992; CARVALHO, 1991).

    A fase atual caracteriza-se por modificaes profundas, expressas nas polticas

    que regem o atendimento s pessoas com deficincias e/ou com necessidades educacionais

    especiais, no sentido de superar as noes preconcebidas e estigmas existentes, bem como de

    intensificar a participao delas na escola e na sociedade em geral. Segundo essa nova

    perspectiva, incluir no significa tornar o indivduo normal, concepo que persistiu durante

    algum tempo, mas consiste em proporcionar a tais pessoas as condies de vida similares s

    das outras e possibilidades de uma vida to normal quanto possvel, assegurando- lhes o

    acesso aos bens sociais (educao, sade, trabalho, lazer), polticos, culturais e econmicos.

    Com o passar dos anos, a sociedade de modo geral tomou conscincia do papel

    das pessoas com deficincias e/ou com necessidades educacionais especiais, de suas

    condies de acesso a todo e qualquer lugar, de sua representao consciente e cidad,

    possuidoras de direitos e deveres, como indivduos pertencentes a uma sociedade democrtica

    (BRASIL, 2002, p. 31).

    Cabe, no entanto, ressaltar que tais atitudes, prticas e concepes acerca de tal

    clientela foram gradativamente sendo construdas. Apresenta-se, hoje como pode-se observar

    alguns resqucios e influncias desses modelos e/ou perspectivas. Por isso, no rara a

    existncia de posturas, informaes e denominaes contraditrias e pouco claras frente

    temtica e a tal clientela, dada a toda essa ambivalncia e confuso histrica. Essa a razo

    do tratamento da questo nesta parte da pesquisa, pois, ainda, observam-se concepes e

    atendimentos equivocados em escolas e em instituies especializadas que trabalham com os

    referidos alunos. Mais adiante, tais situaes sero melhor explicitadas, atravs de relatos e

    dados coletados no decorrer deste trabalho.

    1.2 REPERCUSSO DESSAS MUDANAS E EVOLUO DA

    EDUCAO ESPECIAL NO BRASIL

  • O Brasil um pas em franco desenvolvimento que apresenta, na maioria das

    vezes, trajetrias educacionais similares s vividas e/ou produzidas em outras localidades e/ou

    em determinadas civilizaes. Estudando-se mais detalhadamente, pode-se apurar que alguns

    dos estgios, das concepes, das atitudes e das influncias que marcaram a educao especial

    em outros pases influenciaram e ainda determinam sua evoluo no Brasil. H, no entanto,

    algumas dificuldades e/ou diferenciaes especficas, tendo em vista nossa realidade scio-

    econmica e cultural.

    Segundo Carmo (1991, p. 27), no incio da colonizao, entre os ndios no existia

    nenhuma preocupao e/ou tratamento com relao s deficincias. Era rarssimo encontrar,

    entre eles, indivduos deficientes. As poucas anomalias verificadas eram mais de causa fsica,

    no de caracterstica congnita ou como conseqncia de doenas incapacitantes. Em casos

    congnitos, as crianas eram sacrificadas pelos pais, aps o nascimento. As doenas mais

    comuns, responsveis por deficincias, relacionavam-se cegueira noturna, o raquitismo,

    beribri e outras. Alm disso, o significativo contingente de escravos invlidos, registrados

    no perodo da escravatura era constitudo de vtimas de maus tratos, de castigos fsicos ou de

    acidentes de trabalho nos engenhos ou nas lavouras de caf.

    Gaio e Meneghetti (2004, p. 21) verificam que, mais frente na histria brasileira,

    a primeira Constituio Federal, promulgada em 1824, registrou o compromisso com a

    gratuidade da instruo primria a todos os cidados e com a criao dos colgios e das

    universidades onde seriam ensinados os elementos das cincias, belas-artes e artes. No

    entanto, a expresso todos os cidados no se referia massa de trabalhadores que, em sua

    maioria, era composta de escravos, nem s pessoas com deficincias e/ou necessidades

    educacionais especiais.

    A precariedade ou inexistncia de estudos e a forma de se encarar a deficincia, na

    poca, resultaram na ausncia de atendimento ou estrutura que proporcionasse a essas pessoas

    alguma forma de melhoria e desenvolvimento. No campo da assistncia ou da reabilitao das

    pessoas com deficincias e/ou com necessidades educacionais especiais no se encontra

    registro de nenhuma obra ou ao do Estado, at por volta de 1850.

    Somente em 1854 D. Pedro II ordenou a criao do Real Instituto para Educao

    dos Meninos Cegos no Brasil, hoje denominado Instituto Benjamim Constant (IBC) e do

    Instituto Nacional dos Meninos Surdos, hoje, Instituto Nacional de Surdos (INES), ambos

    localizados no Rio de Janeiro (KRYNKI, 1983; JANNUZZI, 1992; MAZZOTTA, 1993;

    1986). O primeiro, foi criado pela influncia do cego Jos lvares de Azevedo, que havia

  • estudado no Instituto de Paris e que, atravs de sua amizade com o mdico do Pao, Dr.

    Xavier Sigaud, que possua uma filha cega, conseguiu convencer o imperador a cri- lo, o que

    foi feito pelo Decreto Imperial n 1.428, de 12 de setembro de 1854.

    O segundo, instalado em 26 de setembro de 1857, pertencia ao professor Eduard

    Huet, recomendado pelo Ministro da Instruo Pblica da Frana Corte Imperial Brasileira,

    atravs da intermediao do Marques de Abrantes que foi nomeado pelo Imperador,

    Presidente da Comisso Organizadora desse Instituto.

    Quanto ao atendimento especial para os deficientes mentais, h registros de

    atendimento pedaggico ou mdico-pedaggico (1874) no Hospital Juliano Moreira, em

    Salvador (BA) e na Escola Mxico, no Rio de Janeiro, mediante uma classe especial

    (JANNUZZI, 1992; MAZZOTTA, 1995).

    Posteriormente foram criados o Pavilho Bournville, anexo ao Hospcio de

    Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, e o pavilho para crianas junto ao Hospital do

    Juqueri, em So Paulo, onde eram atendidas crianas muito comprometidas e que viviam

    segregadas como os loucos. Esses pavilhes, anexos aos hospitais psiquitricos, criados com

    preocupao mdico-pedaggica j demonstravam a percepo da Medicina em relao

    importncia da educao no tratamento das crianas com deficincia mental (JANNUZZI,

    1992, p. 34).

    Esse vnculo da educao com o campo mdico passou a aparecer, tambm, na

    produo terica, j que os primeiros trabalhos cientficos foram produzidos por mdicos,

    como, por exemplo, o trabalho Da Educao e Tratamento Mdico-Pedaggico dos Idiotas,

    de autoria do Dr. Carlos Eiras, apresentado no 4 Congresso Brasileiro de Medicina e

    Cirurgia, realizado no Rio de Janeiro, em 1909 (JANNUZZI, 1992; MAZZOTTA, 1995).

    Um produto dessa ligao mdico-pedaggica foi o Servio de Higiene e Sade

    Pblica que, no estado de So Paulo, deu origem Inspeo Mdico-Escolar e, em 1911, foi

    responsvel pela criao de classes especiais e formao de pessoal para trabalhar com essa

    clientela (JANNUZZI, 1992).

    Assim, segundo Azevedo (1958), a Liga Brasileira de Higiene Mental foi quem

    disseminou as idias que relacionavam a deficincia mental aos problemas de Profilaxia,

    contando, para isso, com o apoio do Dr. Juliano Moreira. Em 1925, em Minas Gerais, no

    municpio de Belo Horizonte, destaca-se a criao da Escola Estadual So Rafael,

    especializada na educao de alunos com deficincia visual.

  • Diante das poucas aes estatais em relao educao especial, inicia-se a

    implantao de instituies privadas, especializadas no atendimento s pessoas com

    deficincias. Registros do Ministrio da Educao apontam o Instituto Pestalozzi, criado em

    1926, no Rio Grande do Sul, como a primeira instituio particular especializada brasileira.

    (GAIO; MENEGHETTI, 2004, p. 22). Segundo Mazzotta (1996, p. 42), essa instituio

    introduziu no Brasil a concepo de ortopedia das escolas auxiliares europias. Tal conceito

    decorre da incorporao dos conhecimentos das cincias naturais pelas cincias humanas e da

    viso estritamente organicista da deficincia mental.

    A outra vertente ligada educao do deficiente mental, que se desenvolveu, entre

    1920 e 1935, a psicopedaggica que no independente do ramo mdico, mas d mais

    nfase aos princpios psicolgicos que marcaram a educao dessa poca, mediante estudos

    em laboratrios de Psicologia Experimental, nas escolas de aperfeioamento de professores

    primrios. Foi o perodo em que os testes de Quociente de Inteligncia (QI) comearam a

    ganhar espao no Brasil, impulsionados pelos trabalhos desenvolvidos nos laboratrios de

    Psicologia Experimental da Escola de Aperfeioamento de Minas Gerais, dirigido por

    Helena Antipoff. Nessa poca, somente essa instituio se preocupava com a educao de

    deficientes mentais, j que, em outros estados, a educao dessa clientela estava ligada ao

    servio de Higiene Escolar (JANNUZZI, 1992).

    A grande preocupao da vertente psicopedaggica era o diagnstico, a

    classificao da deficincia mental e o estabelecimento da ao do professor, munido dos

    referenciais fornecidos pela Psicologia. No entanto, a determinao do diagnstico continuou

    recebendo apoio da rea mdica e, provavelmente, em 1929, Ulisses Pernambuco organizou a

    primeira Equipe Multidisciplinar do Brasil para trabalhar com crianas com deficincia

    mental, envolvendo psiquiatras, pedagogos e psiclogos (ESCOLA PLURAL, 2000).

    Da mesma forma, Souza Pinto, por volta de 1935, tambm defendeu que o

    diagnstico da deficincia mental deveria ser feito pelo trabalho desses trs profissionais.

    Nesse perodo, j havia, no Brasil, vinte e duas instituies que se dedicavam ao atendimento

    do deficiente mental em classes comuns de ensino, em classes especiais na rede regular e em

    instituies pblicas e privadas (JANNUZZI, 1992).

    A preocupao de Helena Antipoff com as crianas institucionalizadas,

    desamparadas e com deficincia, levou-a a criar, em 1932, a Sociedade Pestalozzi de Minas

    Gerais e, em 1935, o Instituto Pestalozzi de Belo Horizonte. O princpio geral que norteava tal

    empreendimento era o de assistir a criana e o adolescente classificados acima ou abaixo da

  • norma de seu grupo, visto serem portadores de caractersticas mentais, fsicas ou sociais que

    faziam de sua educao um problema especial. Interessada em proporcionar a essas crianas

    algum tipo de treinamento profissional e, ao mesmo tempo, adequar os mtodos de tratamento

    a um ambiente propcio, a Sociedade Pestalozzi adquiriu, em 1939, uma rea rural, onde se

    instalou a Fazenda do Rosrio, uma unidade de reeducao de menores carentes com

    deficincias.

    O projeto pedaggico da fazenda-escola seguiu os princpios da Escola Ativa,

    partindo principalmente das orientaes dos pesquisadores de Genebra, entre eles, Piaget e

    incluindo sugestes de trabalho de equipe. Criou-se, tambm, na fazenda, o Laboratrio de

    Psicologia Edouard Claparde. E, em 1948, instalou-se a Escola Normal Rural Oficial, onde

    se realizavam os cursos de aperfeioamento para professores, preparando-os para seu

    exerccio profissional dirio na escola e para a melhoria de seu entendimento acerca de

    questes escolares e de aprendizagem de seus educandos (VASCONCELLOS, 1996, p. 95).

    Aps esse perodo, essas instituies iam sendo introduzidas pelo pas afora, e, em 197, elas

    se uniram formando a Federao Nacional das Sociedades Pestalozzi do Brasil (BUENO,

    1999, p. 94).

    A Sociedade Pestalozzi do Brasil, no Rio de Janeiro, foi fundada em 1945, e em

    Niteri, em 1948. Alm dessas, foram criadas a Fundao Dona Paulina de Souza Queiroz

    (So Paulo), em 1936, a Escola Especial Ulisses Pernambuco (Recife), em 1941, a Escola

    Alfredo Freire (Recife), em 1942, a Instituio Beneficente Nosso Lar (So Paulo), em 1946,

    a Escolinha de Arte do Brasil (Rio de Janeiro), em 1948 e a Escola Professor Alfredo Duarte

    (Pelotas), em 1949. Na rea de deficincia visual, foram criados os Institutos de Cegos do

    Recife , em 1935, e da Bahia, em 1936, So Rafael (Taubat/SP), em 1940, Santa Luzia

    (Porto Alegre/RS), em 1941, do Cear (Fortaleza), em 1943, da Paraba (Joo Pessoa), em

    1944, do Paran (Curitiba), em 1944, do Brasil Central (Uberaba/MG), em 1948 e de Lins/SP,

    em 1948. Alm desses institutos, surgiram a Associao Pr-Biblioteca e Alfabetizao dos

    Cegos (So Paulo), em 1942 e a Unio Auxiliadora dos Cegos do Brasil (Rio de Janeiro), em

    1943 (ibid., p. 90).

    Na rea da deficincia auditiva, foi criado o Instituto Santa Ins (Belo Horizonte),

    em 1947, enquanto que apareceram entidades voltadas para o deficiente fsico, com a criao

    do Pavilho Fernandinho Simonsen, na Santa Casa de Misericrdia (So Paulo), em 1931, do

    Lar Escola So Francisco (So Paulo), em 1943 e da Escola Nossa Senhora de Lourdes

    (Santos), em 1949.

  • Em 1930, nessa atmosfera, foram criadas as Classes Especiais pblicas pautadas

    na necessidade cientfica da separao dos alunos normais e dos anormais e na

    pretenso da organizao de salas de aulas homogneas sob a superviso de organismos de

    inspeo sanitria (GAIO; MENEGHETTI, 2004, p. 22).

    Em 1940, um grupo de pais criou uma Associao de apoio a Portadores de Paralisia Cerebral. Em

    1950, outro grupo de pais criou a Associao para Crianas Retardadas Mentais, que foi semente para a criao,

    em 1954, da Associao de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), no Rio de Janeiro. Tal iniciativa foi

    liderada pela senhora Beatrice Be mis, membro do corpo diplomtico americano e me de uma criana com

    sndrome de Down, juntamente com outras famlias que viviam o drama de no encontrarem escolas para

    colocarem seus filhos. Em 1955, no Rio de Janeiro, com apoio da Sociedade Pestalozzi do Brasil, comeou a

    funcionar a primeira escola da APAE para crianas com deficincia (APAE, 2001, p. 19).

    A partir de 1950, o nmero de estabelecimentos de ensino regular mantidos pelo

    poder pblico (um federal e os outros estaduais), que prestavam algum tipo de atendimento

    escolar aos deficientes mentais, aumentou. Alunos com outras deficincias eram atendidos em

    quatorze estabelecimentos de ensino regular (um federal, nove estaduais e quatro

    particulares). Nesse mesmo perodo, j havia onze instituies especializadas no atendimento

    exclusivo a deficientes, sendo quatro delas para deficientes mentais e sete para outros tipos de

    deficincia (MAZZOTTA, 1995).

    Assim, a Educao Especial no Brasil desenvolveu-se, a princpio, segundo um

    modelo mdico-patolgico no qual o aluno era classificado de acordo com o grau de

    deficincia e percebido como tendo limitaes que o faziam necessitar de ajuda especial, em

    separado dos demais. De acordo com essa viso, a educao especial era considerada um

    servio parte, isolado do sistema educacional geral e destinado s pessoas que, por

    possurem peculiaridades ou limitaes especficas, no conseguiam se beneficiar das

    situaes comuns de ensino (MARTINS, 1996, p. 27).

    Novas entidades de atendimento ao deficiente fsico, de cunho filantrpico, foram

    criadas, inicialmente voltadas para crianas com seqelas de poliomielite e que, pouco a

    pouco, com a reduo desses quadros em virtude da vacinao, foram se especializando no

    atendimento de crianas com distrbios neuromotores, como a Associao de Assistncia

    Criana Defeituosa (AACD), em So Paulo, fundada em 1950 e a Associao Brasileira

    Beneficente de Reabilitao (ABBR), no Rio de Janeiro, em 1954. Na rea de deficincia

    auditiva surgiram novas entidades, como a Escola Epheta (Curitiba), em 1950, o Instituto

    Domingos Svio (Recife), em 1952, a Escola Santa Ceclia (Rio de Janeiro), em 1957, o

    Instituto Educacional So Paulo (So Paulo), em 1958, o Instituto Nossa Senhora de Lourdes

  • (Rio de Janeiro), em 1959, o Instituto Dona Conceio (So Paulo), em 1960, o Instituto

    Cearense de Educao de Surdos (Fortaleza), em 1968 e a Escola Santa Maria (Salvador), em

    1970 (BUENO, 1994, p. 95).

    Mas, foi aps a Segunda Guerra Mundial que a educao especial no Brasil se

    expandiu, quer pela criao de um grande nmero de entidades privadas, quer pelo

    surgimento dos primeiros servios de educao especial, nas Secretarias Estaduais de

    Educao e das campanhas nacionais de educao de deficientes, ligadas ao Ministrio da

    Educao e Cultura.

    Na dcada de 70 do sculo passado, o crescimento da rede privada de ensino

    especial foi acompanhado pelas redes pblicas, com a criao de classes e escolas especiais

    em todo o territrio nacional. At meados dessa mesma dcada, a questo da deficincia no

    Brasil sempre foi encaminhada pelos tcnicos ou responsveis, considerados especialistas na

    rea. A tnica central de todas as reivindicaes em torno do tema era o paternalismo, o

    assistencialismo e a tutela, defendendo a institucionalizao (BRASIL, 1990, p. 40). De certa

    forma, a ampliao do conceito de excepcionalidade, incorporando novas categorias de

    anormais, ao lado dos altos ndices de evaso e de repetncia nas redes pblicas,

    contriburam significativamente para essa expanso, uma vez que alunos com dificuldades de

    aprendizagem e histrico de repetncias passavam a ser encaminhados indiscriminadamente

    para as salas especiais.

    Em nvel poltico e administrativo, ainda em 1971, o Ministrio da Educao e

    Cultura (MEC) criou um grupo- tarefa, atravs da Portaria n 86, de 17 de junho, para realizar

    uma completa avaliao da educao especial no Brasil. Esse grupo-tarefa apresentou um

    relatrio, em dezembro do mesmo ano, com sugestes, diretrizes e propostas para a criao de

    um rgo especia lizado, destinado a lidar exclusivamente com a Educao Especial. Esta

    centralizao foi justificada, porque, at ento, as decises em torno da Educao Especial,

    alm de assistemticas, permaneciam apenas no mbito dos conselhos estaduais de educao.

    A inteno de estabelecer e garantir o atendimento integral e pedaggico na

    Educao Especial materializou-se em 1972, quando, por ocasio da formulao do I Plano

    Setorial de Educao, o Governo elegeu a educao especial como rea prioritria. Em

    decorrnc ia desse plano, foi criado o Centro Nacional de Educao Especial (CENESP). Esse

    fato reveste-se da maior importncia, em qualquer anlise histrica que se faa a respeito, por

    marcar o incio das aes sistematizadas, visando expanso e melhoria do atendimento

    educacional prestado no Brasil na rea da educao especial (PADIAL, 1996, p. 15).

  • 1.3 A CONTRIBUIO DO MOVIMENTO DOS DIREITOS DAS

    PESSOAS PORTADORAS DE DEFICINCIA

    No Brasil, um dos movimentos pioneiros voltados para o atendimento dos direitos

    das pessoas com deficincias e o respeito s condies e s possibilidades desse alunado foi,

    inicialmente, denominado integrao. Essa corrente teve atuao bem marcante entre os

    anos de 1970 e 1980, contribuindo para o estabelecimento de normas expressas em termos,

    como: sempre que possvel, desde que capazes de se integrar e assim por diante. Essa

    postura, de certa forma restritiva e limitadora, no atende amplamente aos direitos bsicos de

    ir e vir, de sade, de trabalho, de educao, de lazer, da forma como so postos hoje, pois,

    para que tais direitos sejam respeitados, a sociedade precisa mudar para acolher a todas as

    pessoas.

    No que diz respeito escola, so integrados somente os indivduos que

    apresentam as condies e requisitos para adaptao em sala regular, classe especial ou

    instituies especializadas. A integrao escolar , portanto, um processo educativo-escolar,

    realizado no mesmo grupo de educandos, com e sem deficincias e/ou com necessidades

    educacionais especiais, durante parte ou totalidade do tempo de sua permanncia na escola.

    Cabe lembrar que, no sistema integrativo, tais educandos estudam junto aos demais, mas no

    realizam as mesmas atividades e continuam sendo segregados, caso no acompanhem os

    demais.

    importante destacar que todas essas mudanas refletem o incio de um processo

    de conscientizao social, conseqncia clara da atuao do Movimento de Defesa dos

    Direitos das Pessoas Portadoras de Deficincia, que ganhou impulso nos anos 80, a partir do

    Ano Internacional das Pessoas Deficientes (AIPD), incentivado pela Organizao das Naes

    Unidas (ONU) (BRASIL, 1990, p. 33). Portanto, a busca pela consolidao do processo

    inclusivo das pessoas com deficincias e/ou com necessidades educacionais especiais na

  • escola e na sociedade em geral no uma proposta surgida aleatoriamente. fruto de muitas

    discusses, estudos e da militncia por membros de organizaes e simpatizantes da causa.

    No mbito dos governos estaduais e municipais, criaram-se rgos de apoio s

    pessoas com deficincia, com a participao ativa dos representantes do movimento.

    Paralelamente, durante os anos 80, tambm se deu a expanso do movimento em nvel

    internacional, passando a Organizao Nacional de Entidades de Deficientes Fsicos

    (ONEDEF), fundada em 1984, a representar o Brasil junto Disabled People Internacional,

    por meio de seu Conselho Latino Americano. Os cegos filiaram-se Unio Mundial de

    Cegos (UMC) e Unio Latino Americana de Cegos (ULAC), e os surdos, Federao

    Nacional de Educao e Integrao de Surdos (FENEIS), esto ligados ao World Federation

    of Deaf (ibid. p. 32).

    Assim, o ano de 1984 foi decisivo do ponto de vista da estruturao do

    Movimento dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficincia, pois foram fundadas a

    Federao Brasileira de Entidades de Cegos (FEBEC), a ONEDEF, a FENEIS e o

    Movimento de Reintegrao dos Hansenianos (MORHAN). Em dezembro desse mesmo

    ano, essas quatro entidades passaram a integrar o Conselho Brasileiro de Entidades de

    Pessoas Deficientes.

    Em 1987, foi criada, por decreto, a Coordenadoria Nacional para a Integrao

    das Pessoas Portadoras de Deficincias (CORDE) que, em outubro de 1989, foi sancionada

    pelo Congresso, atravs da Lei n 7853 (id.). A partir dessa data, a Presidncia da Repblica

    passou a designar rgos e/ou pessoas para coordenar os assuntos interministeriais que dizem

    respeito aos deficientes por meio da CORDE. Essa lei no s incumbe o Ministrio Pblico da

    Defesa dos interesses do deficiente, como define como crime sua discriminao.

    O trabalho dessas lideranas foi decisivo para uma das principais etapas dessa luta

    pela mudana de postura em relao pessoas com deficincia. O paternalismo teria que dar

    lugar equiparao de oportunidades e a tutela plena cidadania. esse o esprito da nova

    Constituio Brasileira, promulgada em outubro de 1988. Uma das mais avanadas do mundo,

    nessa rea, a atual Constituio traz, em todos os captulos que tratam dos direitos do cidado

    e dos deveres do estado, artigos especficos em relao aos deficientes. No aspecto

    educacional, destaca-se a igualdade de condies de acesso e de permanncia na escola. Passa

    a ser dever do Estado garantir o atendimento educacional especializado ao deficiente, de

    preferncia na rede regular de ensino, o que representa uma conquista fundamental para o

  • desenvolvimento educacional, psquico e social dessa clientela e para a afirmao da sua

    cidadania.

    Logo aps a promulgao da Constituio Federal, iniciou-se um processo

    semelhante nos estados e, em seguida, nos municpios, de forma que, atualmente, essas novas

    posturas em relao deficincia e ao deficiente esto expressas em todos os rgos e em

    todos os nveis da administrao, por todo o territrio nacional. Leis e decretos foram

    aprovados, rgos e servios foram criados, programas em diferentes nveis foram elaborados

    e implementados, buscando viabilizar, especialmente na rea da educao escolar, as

    propostas defendidas pelo movimento.

    1.4 A EDUCAO ESPECIAL NA ESCOLA REGULAR: UM AVANO DA

    LEGISLAO

    Inmeras leis e decretos foram formulados e aprovados no Brasil e, assim,

    gradativamente, as questes mais especficas relacionadas educao especial passaram a ser

    mais contempladas. Nas Leis n 4.024/61 e n 5692/71, por exemplo, no se dava muita

    importncia a essa modalidade educacional (FERREIRA, 1998). Apenas um ou dois artigos

    conceituavam-na como tratamento especial, demonstrando, mesmo de modo inicial sua

    previso na estrutura educacional. Sua existncia no conseguiu desconsiderar, algumas

    brechas que permitiam certos esvaziamentos e/ou poucos direcionamentos rea.

    Essa lei, ao mesmo tempo que propunha o atendimento integrado na rede

    regular de ensino, delegava s instituies sob administrao particular a responsabilidade de

    parte do atendimento atravs da garantia de apoio financeiro. Dessa forma, a distribuio dos

    servios que j ocorria anteriormente dcada de 1960, com a criao da Sociedade

    Pestalozzi e das Apaes, que se responsabilizavam pelo atendimento clientela mais

    comprometida, foi normatizada em 1961. A educao especial, ento, no era assumida

    diretamente pelo Estado, ou seja, ela no era oferecida, em sua maioria na escola pblica, mas

    em instituies especializadas de carter assistencial. Reforava-se assim, a existncia dos

    atendimentos segregados da rea.

  • At essa data, eram organizadas campanhas, como: Campanha para Educao do Surdo Brasileiro

    (CESB), em 1957; Campanha Nacional de Educao e Reabilitao dos Deficientes Visuais (NERDV), em 1958

    e a Campanha Nacional do Deficiente Mental (CADEME), em 1960. Elas estavam diretamente subordinadas ao

    Ministrio da Educao e Cultura (MEC) e tinham como funes a promoo, em todo o territrio nacional, de

    treinamento, reabilitao e assistncia educacional s pessoas com deficincia, a cooperao tcnica e financeira

    com entidades pblicas e privadas e o incentivo para organizao de cursos e entidades nessa rea.

    Em 1961, quando, a legislao brasileira explicitou o compromisso com a Educao Especial, na

    Lei n 4.024/61, j existia no pas uma organizao considervel no atendimento, tanto em instituies

    particulares de carter assistencial quanto em algumas classes especiais pblicas. Um aumento significativo das

    classes especiais, principalmente para deficientes mentais, ocorreu somente a partir da dcada de 70 (GAIO;

    MENEGHETTI, 2004, p. 28). Tais movimentos sinalizam toda uma caracterstica segregativa, que a educao

    especial apresentava nessa poca, preponderando o atendimento ao deficiente mental sob forma de reabilitao.

    Na Lei n 5692/71, pode-se notar um cuidado na caracterizao da clientela da

    educao especial que estabelecida como: alunos que apresentam deficincias fsicas ou

    mentais, os que se encontrem em atraso considervel quanto idade regular de matrcula e os

    superdotados. Nesse momento, v-se a identificao da educao especial com os problemas

    de aprendizagem, evidenciados com a expanso da rede pblica nos anos 60. Esse

    atendimento foi respaldado pelo discurso das potencialidades inatas, pela implementao e

    pela utilizao de tcnicas especializadas. Nesse perodo, segundo Jannuzzi (1996), havia a

    convivncia ambgua dos setores pblicos e privados, caracterizando uma parcial simbiose

    que permitia ao setor privado exercer influncia na determinao das polticas pblicas.

    Como exemplo, o autor menciona a criao do Centro Nacional de Educao

    Especial (CENESP), em 1973, que se deu por influncia das entidades privadas da educao

    especial, indicando a preocupao do Brasil com o atendimento desse alunado na rede, seja na

    escola e/ou na instituio. Esse ltimo atendimento era muito valorizado nesse perodo, pois

    era visto como o meio e/ou recurso mais adequado e vivel a todos que apresentassem

    deficincias e/ou necessidades educacionais especiais. Sentindo as conseqncias desse

    sistema, bem como a influncia de movimentos que comeavam lentamente a despontar em

    nvel internacional, o Brasil passou a repensar sua forma de atuao e de concepes em

    relao educao especial.

    Os anos 90 do sculo passado foram marcados por profundas mudanas nas

    questes pertinentes educao especial, no Brasil. Nunca se falou tanto em pessoas com

    necessidades especiais, educao especial, integrao, incluso e direitos dos

    deficientes como nos ltimos anos.

  • A Conferncia Mundial de Educao para Todos (1990)2, um dos fatos

    importantes ocorridos nessa dcada, reconhece o direito de toda pessoa educao, direito

    esse estabelecido h exatamente 50 anos na Declarao Universal dos Direitos Humanos. Em

    1994, no Brasil, foi elaborada a Poltica Nacional de Educao Especial, cujo objetivo

    fundamentar e orientar o processo de educao das pessoas com deficincias, condutas tpicas

    e altas habilidades.

    No mesmo ano, a Declarao de Salamanca3, inspirada no princpio de integrao

    e na necessidade de aes para que a escola para todos torne-se de fato a instituio que

    inclua a todos, d orientaes para o reconhecimento das diferenas, para a promoo da

    aprendizagem e para o atendimento das necessidades de cada estudante. Tal evento ocorreu

    num momento em que os lderes mundiais e o sistema das Naes Unidas, como um todo,

    estavam procurando tornar realidade a universalizao da educao.

    Uma iniciativa anterior fora concretizada como Projeto Principal de Educao,

    elaborado a pedido dos Ministros de Educao, do Planejamento e da Economia dos pases da

    Amrica Latina e Caribe, reunidos no Mxico, em 1979 e aprovado na 21 reunio da

    Conferncia Geral da Unesco, em 1981. O Projeto Principal de Educao foi resultado do

    consenso quanto necessidade de realizar esforos intensos e sustentveis para serem

    atendidas as carncias e as necessidades educacionais de inmeros alunos privados do direito

    de acesso, ingresso e permanncia com sucesso na escola bsica. As idias e ideais do Projeto

    Principal de Educao foram retomadas em dimenso mundial e ratificadas, em 1990, em

    Jomtien-Tailndia.

    O encontro em Salamanca ocorreu para alertar e para assegurar que os aprendizes

    com necessidades educacionais especiais fossem includos nos planos locais e nacionais de

    educao, assegurando- lhes a abertura de todas as escolas, que deveram se transformar em

    centros prazerosos de ensino-aprendizagem. Assim, na Conferncia de Salamanca, foi

    2 A Conferncia Mundial de Educao para Todos foi elaborada em 1990, em Jomtien, Tailndia. Reuniram-se cerca de 1500 participantes de 155 pases, incluindo autoridades nacionais, especialistas em educao, representando aproximadamente 20 organismos intergovernamentais e 150 organizaes no-governamentais. Tanto a Declarao como o Plano de Ao para Satisfazer as Necessidades Bsicas de Aprendizagem so o resultado desse longo processo iniciado em outubro de 1990. Tal Declarao tem, como imperativo maior, a erradicao do analfabetismo, incluindo a preocupao com a integrao escola de crianas e jovens com deficincia e, quando necessrio, o apoio iniciativa de atendimento especializado. 3 Foi elaborada em Salamanca, na Espanha, em 1994. Na ocasio, reuniram-se mais de 300 representantes de 92 governos e 25 organizaes internacionais com o objetivo de promover a educao para todos, analisando as necessrias e fundamentais mudanas de polticas para favorecer a educao inclusiva. Segundo esse documento, as escolas devem se preparar p