Julianne Maclean - Herdeiras Americanas 06 - Virtuosa Lady

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VIRTUOSA LADY Surrender to a Scoundrel

Julianne MacLean

Inglaterra, 1881 Impossível resistir!

Para Martin Langdon, a arte de seduzir é um passatempo dos mais gratificantes. Por isso, ao saber da existência de uma mulher particularmente linda, que homem nenhum consegue conquistar, ele fica determinado a provar que nem mesmo a comportada Evelyn Wheaton é capaz de resistir a seu charme... Evelyn conhece a reputação de Langdon, e tudo o que quer é manter distância daquele cavalheiro. Seus sonhos de se casar novamente não incluem pretendentes dessa laia. No entanto, o modo como Martin olha para ela a faz vibrar de desejo e a deixa tentada a jogar a cautela ao vento e entregar-se à paixão... Mas será que Evelyn tem coragem suficiente para arriscar seu frágil coração?

Digitalização: Crysty Revisão: Ana Ribeiro

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Querida leitora, Você vai se deliciar com esta história de um homem notoriamente leviano e conquistador, mas que está determinado a conquistar a mais cobiçada de todas as recompensas: o amor de uma dama que é um exemplo de virtude...

Leonice Pomponio Editora

Copyright © 2007 by Julianne MacLean

Originalmente publicado em 2007 pela HarperCollins Publishers

PUBLICADO SOB ACORDO COM HARPERCOLLINS PUBLISHERS NY, NY - USA Todos os direitos reservados.

Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas

ou mortas terá sido mera coincidência.

Proibida a reprodução, total ou parcial, desta publicação, seja qual for o meio, eletrônico ou mecânico, sem a permissão expressa da Editora Nova Cultural Ltda.

TÍTULO ORIGINAL: Surrender to a Scoundrel

EDITORA Leonice Pomponio

ASSISTENTES EDITORIAIS

Patrícia Chaves Silvia Moreira

EDIÇÃO/TEXTO

Tradução: Elsa Joanna Frezza Revisão: Miriam R. A. R. Terayama

ARTE Mônica Maldonado ILUSTRAÇÃO Hankins + Tegenborg, Ltd.

MARKETING/COMERCIAL Andréa Riccelli PRODUÇÃO GRÁFICA Sônia Sassi

PAGINAÇÃO Dany Editora Ltda.

© 2008 Editora Nova Cultural Ltda. Rua Paes Leme, 524 -10 andar - CEP 05424-010 - São Paulo - SP

www.novacultural.com.br Prèmedia, impressão e acabamento: RR Donnelley

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CAPÍTULO I

Abril de 1881 Pela primeira vez, em seus comportados dezesseis anos de vida, Evelyn Foster

estava a ponto de meter-se numa situação não só reprovável, mas que poderia lhe trazer problemas no futuro. Ao contrário do que pudessem imaginar, não estava nem um pouco entusiasmada com a perspectiva de viver um momento pecaminoso. Na verdade, sentia-se desconfortável. Mais do que isso: irritada. Por que deixara que Penélope a metesse nessa trama?

Entrar furtivamente no dormitório dos rapazes, em Eton, enquanto todos estivessem jantando... Só podia ser idéia de maluca! De novo se perguntou por que havia se deixado convencer. No fundo sabia o motivo, embora tivesse vergonha de confessar até para si mesma. Era por causa dele.

Martin Langdon, o irmão caçula do duque de Wentworth, o indecoroso adolescente que estava sempre se expondo a riscos ou quebrando convenções. Como ao enviar, Tâmisa abaixo, uma balsa cheia de fogos de artifício, para que explodissem sob uma das janelas do castelo de Windsor, estando a rainha presente!

Evelyn tinha conhecimento de tal fato, no entanto, mergulhara na empreitada de corpo e alma. Por quê?, perguntou-se mais uma vez. Por que se já sabia tudo sobre ele?

Tudo? E agora... agora estava ali, lamentando a situação delicada em que se encontrava. Estava ali, aquela noite, porque sua linda e loira amiga acreditava-se apaixonada pelo patife. E isso era algo que não podia admitir. Como poderia, se ela própria estava também sob o fascínio dele?

Martin era incrivelmente belo e Penélope tinha razão: na presença dele, todos os outros sentimentos se dissipavam para dar lugar apenas a uma profunda ternura.

— Mais depressa, Evelyn! — sussurrou a amiga, enquanto seguiam pelas ruas escuras, vestindo as roupas masculinas fornecidas pelo irmão caçula de Penélope. — Não temos muito tempo e não quero correr o risco de sermos apanhadas na volta.

— Estou indo. Falta muito? — Não. Logo chegaremos lá. De repente, Penélope pôs-se a correr. Evelyn a seguiu, ajustando o capuz da capa,

com o coração apertado, cheia de dúvidas. Parou, a cabeça baixa, diante do portão de ferro da capela, e quase deu um pulo quando ele se abriu com um rangido das velhas dobradiças.

— Não trouxe a latinha de óleo? — perguntou, tensa. — Já entramos, não entramos? Então não se preocupe e siga-me. Estavam atravessando o pequeno cemitério que havia atrás da capela, quando um

cachorro latiu e uma coruja pôs-se a piar à frente delas. — Oh, Senhor! O que mais vai acontecer? — Evelyn suspirou, agarrando-se ao

braço de Penélope. — Acho melhor voltarmos daqui. Vamos ser pegas. E se meu pai souber...

— Não voltaremos! Falta pouco e quero ver onde ele dorme — falou Penélope, decidida.

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— Que os céus nos protejam! Você está louca. — Nesse ponto, concordo. Estou louca, sim. Louca de amor! — exclamou

Penélope e sua risada ecoou no silêncio da noite. Evelyn sentiu uma ponta de irritação. Ou seria de ciúme?...

Não, não. Isso não! Não podia se deixar levar por tamanha insensatez. E advertiu: — Conhece as histórias que correm sobre Martin Langdon. Não se ofereça demais,

ele não merece o seu amor. Ouça a voz da razão. Tinham atravessado o pequeno cemitério e estavam agora diante de um gradil.

Além, erguia-se a massa escura e imponente do colégio. Penélope voltou-se para a amiga em silêncio. Depois de alguns instantes,

murmurou: — Esse é o seu problema, Evelyn. É sempre lógica! Tem sempre uma explicação

razoável para tudo. Desafie a razão se puder. Deixe seu coração falar! Pela primeira vez, Evelyn pareceu perturbada. — Achei que devia lhe dizer o que penso sobre essa loucura. — Pois bem, já disse. Agora, mãos à obra! — incitou-a Penélope, introduzindo-se

entre duas barras do gradil. — Venha! Enquanto prosseguiam, Evelyn pensava no que a amiga dissera. Desafiar a

razão!... Para quê? Para ter o coração partido, como havia acontecido com a mãe, que preferira fechar os olhos para a realidade de seu casamento? .

Penélope pareceu ler os pensamentos de Evelyn, pois acrescentou: — Não compreendo por que não pode vê-lo como realmente é, uma pessoa

maravilhosa. Veja o que Martin fez por você: salvou-a da morte certa. Como pode pensar mal dele?

— Éramos crianças naquela ocasião — lembrou-a Evelyn com um arrepio. — Claro que Martin foi o meu herói durante algum tempo! Mas, agora, não é mais o menino de outrora. Cresceu na malandragem, todo mundo sabe disso. Não o vejo mais com olhos sonhadores, como você. Além disso, ele parece não se lembrar mais de mim.

— E discreto, só isso. Se você não tomar a iniciativa, Martin jamais se manifestará. — Pode ser. Mas não vejo razão de me arriscar. Penélope ficou subitamente

irritada. — Ele não é nenhum patife e eu gostaria que você parasse de espalhar isso por aí.

E tem mais: não precisa me acompanhar se não quiser. Espere aqui. Até prefiro. Farei tudo mais depressa se for sozinha.

Evelyn estacou, considerando a questão. Por que se opunha tanto às tentativas de Penélope de aproximar-se de Martin? A verdade era que se achava desajeitada, sem atrativos. Não era feia, mas não se comparava à bela, loira e elegante Penélope. Esse era o problema. Jamais poderia competir com ela.

— Vem ou não? — A voz de Penélope, dura e estridente, tirou-a da concentração. — Está com medo?

Embora a contragosto, Evelyn reconheceu que não podia ficar ali, sozinha. — Não, não estou com medo. Trouxe o bilhete que pretende deixar para ele? — Claro! — Penélope bateu no bolso da capa. — Está aqui. Evelyn o havia lido. E

tinha ficado impressionada com a linguagem pomposa, cheia de floreios românticos. Uma profusão de frases de amor a que Martin certamente não prestaria a menor atenção. Tentara avisá-la; que outra coisa poderia ter feito? Mas a amiga não tinha lhe dado ouvidos.

Ia fazer uma última tentativa nesse sentido quando, subitamente, a viu materializada no alto do portão e, logo a seguir, do outro lado.

— Salte, Evelyn! Evelyn demorou a reunir coragem, mas terminou por galgar o portão e saltar. Logo,

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viu-se marchando depressa, ao lado de Penélope, pela trilha ensaibrada que atravessava o pátio. Minutos depois, alcançavam a janela do primo de Penélope.

— E aqui. Ajude-me a subir, Evelyn. — Acha mesmo que vai dar certo? Eu... — Ainda duvida? Junte as mãos que vou subir. Apenas um instante e Penélope sussurrava, do peitoril: — Não há ninguém no quarto. Dê as mãos que a ajudo subir. O quarto era despojado como uma cela de monge. Duas camas de solteiro, um

armário e só. — É a primeira vez que entro num quarto de rapazes — disse Evelyn. Penélope, que tinha quatro irmãos, encolheu os ombros. — São mais simples do que os nossos, naturalmente. Mas não vamos perder

tempo com isso. O quarto de Martin fica três portas adiante. Evelyn suspirou. O momento que mais temia havia chegado. — Tem certeza de que vai dar certo? —- De novo? — Impacientou-se Penélope. — Não vamos mais falar nisso. — Não

vejo motivo para nos arriscarmos tanto. Penélope olhou-a, suspeitosa. — É contra por quê? Algum motivo especial? — Como, contra, se venho dando força o tempo todo? — Não parece — resmungou Penélope, mal-humorada. — Só acho que está armando uma grande confusão. — Não fuja do assunto, Evelyn. Parece não querer que eu vá ao quarto de Martin.

Por quê? — insistiu Penélope. — Não há nenhum porquê. Faça o que quiser, mas seja rápida. O tempo urge! Abriram a porta do quarto sem fazer ruído e deram uma espiada no corredor. Tudo

quieto. —- Podemos ir — sussurrou Penélope, puxando-a pelo braço. Caminharam na ponta dos pés até a porta do quarto de Martin. — Muito bem — Evelyn murmurou, quase eufórica. — Chegamos. — Vamos tentar abri-la — redargüiu Penélope, com ar maroto. — Só para darmos

uma espiadinha. Evelyn concordou com um gesto de cabeça e foi dominada por uma mistura de

emoções contraditórias: raiva, curiosidade, emoção. A cama de Martin Langdon!... Tinha de admitir que gostaria de ver onde ele dormia,

o travesseiro em que apoiava a cabeça de cabelos escuros. Em silêncio, giraram a maçaneta e a porta se abriu. Deram alguns passos

cautelosos e entraram no quarto, fechando a porta de novo. De súbito, uma luz acendeu-se no corredor e um pouco de claridade penetrou o aposento escuro. Houve um movimento à esquerda, o de uma mão tateante à procura de algo, e um feixe de luz iluminou tudo.

As cobertas da cama foram arremessadas para um lado, o colchão rangeu, então Evelyn e Penélope viram-se olhando para o peito nu de Martin.

— O que está acontecendo aqui? — ele exclamou, erguendo a mão para proteger os olhos da claridade excessiva.

Nenhuma das duas garotas conseguiu abrir a boca. Estavam embevecidas na contemplação daquele peito largo e bronzeado, descoberto até a cintura.

Como é bonito..., pensou Evelyn, retendo a respiração. — O que significa isto? — Martin insistiu. Penélope gaguejou algo incompreensível e Evelyn saiu do transe repentinamente,

quando outra cabeça emergiu do emaranhado de lençóis: a de uma jovem de cabelos vermelhos. Fuzilando com o olhar, ela gritou no mais puro jargão londrino:

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— Saiam já daqui, suas idiotas! Ninguém lhes ensinou a bater, antes de abrir a porta?

Penélope ia dizer alguma coisa, quando a outra lhe arremessou um travesseiro, fazendo-lhe o capuz voar para trás. Os cabelos se soltaram e caíram, em ondas, costas abaixo.

— Eu... eu... — Penélope balbuciou, tentando recolhê-los. Bem, de pouco adianta, pensou. Não tinha uma explicação conveniente. Agora era agüentar as conseqüências. Martin endireitou-se na cama.

— São garotas!... — Ele olhou Penélope com curiosidade. — Conheço você, mas não sei de onde. Como é mesmo o seu nome?

Aquilo foi demais para Penélope, que se virou e saiu do quarto soluçando. Evelyn não perdeu tempo em conjecturas. Seguiu-a, entrando com a amiga no

quarto do primo aos tropeços. — Vamos saltar, antes que alguém nos surpreenda. Ouvi passos no corredor. Sem perder tempo, as duas pularam do peitoril para o pátio e puseram-se a correr.

As nuvens haviam escondido a lua e a escuridão se adensara. Tudo era vago e indistinto, as sombras confundiam-se com formas que tanto podiam ser de árvores... como de pessoas à espreita.

Minutos depois, avistaram as primeiras casas e puderam ocultar-se entre elas. Evelyn olhou para trás e viu luzes iluminando as janelas de alguns dormitórios. Parecia haver uma atividade fora do normal no edifício. Com certeza, Martin tinha sido surpreendido por mais alguém com a garota na cama dele. Devia estar furioso e, talvez, não quisesse mais saber de Penélope. Pelo menos não num futuro próximo. Evelyn, de certa maneira, saíra ganhando... Mas acabou descartando a idéia. Não queria nem pensar nisso.

— Vamos sair daqui, Penélope. Depressa! — incitou-a, sentindo uma ansiedade repentina.

Instantes depois, estavam caminhando, rápidas, ao longo do rio. Evelyn relembrando, nervosa, a vergonha que sentira quando Martin a havia fitado brevemente, mas um pouco admirado.

— Espero que ninguém saiba que fomos nós que invadimos o quarto de Martin — Evelyn disse.

Penélope estacou e caiu de joelhos sobre a grama. — Oh, Evelyn! Você viu? Ele não me reconheceu. Não sabia nem sequer o meu

nome! No entanto, esteve em minha casa inúmeras vezes... — Talvez não o tenha dito porque estava em companhia da garota. Penélope gemeu. — Aquela mulher de baixa categoria! Como Martin pôde? Evelyn engoliu em seco. Seria a garota aquilo que aparentava ser? Tinha chegado

a esse ponto a irresponsabilidade dele? Ajoelhou-se diante da amiga e alisou-lhe os cabelos, num gesto de carinho.

— Sinto muito, Penny. Somos mulheres, temos mais escrúpulos do que os homens.

Penélope continuou a chorar desconsoladamente, enquanto Evelyn lutava contra a própria decepção. Não queria se deixar dominar pela idéia de que estava magoada, ou melhor, ferida. O que havia acontecido naquele quarto não fora uma surpresa. Sabia que tipo de rapaz era Martin e tinha avisado Penélope a esse respeito.

Colocou uma mão confortadora sobre o ombro da amiga. — Não se aborreça mais com isso. — Você tentou me avisar — Penélope disse com voz trêmula e tornou a cair no

choro. — Eu não quis ouvi-la, mas tinha razão. Martin é um patife.

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— Coragem! Vai superar isso. — Será? De que modo? Eu o amava, Evelyn. Eu o amava! Ele era o homem da

minha vida. Para mim, não havia outro. Agora vou ficar de coração partido para sempre. Não quero viver assim, melhor morrer! Vou me jogar no rio. Talvez ele se arrependa do mal que me fez.

— Não vai fazer nada disso. Homem nenhum merece esse sacrifício. — Não tem idéia do que é estar loucamente apaixonada, Evelyn! Nem imagina

como me sinto. Evelyn suspirou com discrição. Ah! Se Penélope soubesse... Prometeu a si mesma

ser mais prudente do que fora até então em relação aos homens. Não queria acabar como a amiga, chorando de amor por alguém que não merecia suas lágrimas nem seu afeto.

— Pensei que ele sentisse alguma coisa por mim — acrescentou Penélope, chorosa. — Vivia dizendo que eu era a garota mais linda de Windsor. Então era mentira?

— Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Continua sendo a garota mais linda de Windsor. Mas, oficialmente, ele não é nada seu. Pode ter as mulheres que quiser.

Penélope ergueu os olhos úmidos de lágrimas. — E me diz isso assim, com essa frieza? — E a realidade, Penny. Também pode ter os namorados que quiser. E logo

encontrará alguém que a fará sorrir de novo. — Nunca amarei mais ninguém. Vou entrar para um convento. Evelyn ergueu-se e ajudou-a a se levantar. — Vamos para casa. Vai se sentir melhor depois de uma boa noite de sono. — Nunca vou superar essa desmoralização. Minha vida acabou! Evelyn olhou-a com ar de dúvida. Conhecia Penny muito bem. Ela não só superaria

a decepção como se apaixonaria por outro em breve. Durante a semana que se seguiu, Evelyn e Penélope passaram várias noites

maldormidas, tentando superar a angústia e a ansiedade que as dominavam. Estavam sempre à espera de que um estridente apito de guarda soprasse em sua direção ou que algum representante oficial do colégio aparecesse em suas casas, pedindo uma entrevista com os respectivos pais.

Mas nenhum apito soou, nem elas ouviram uma só palavra sobre o escândalo ocorrido num dos dormitórios do colégio. Bastante natural, considerando-se que o envolvido era irmão de um duque.

Conseqüentemente, passaram a semana levando a vida de sempre. Ambas tinham os mesmos gostos, cediam juntas às mesmas fantasias. Partilhavam os caprichos que as conduziam uma ao lado da outra. Passear ao longo do rio, pelo cais de pedra e pelas margens relvosas, era uma grande alegria. Ou então pelos campos que circundavam a cidade, pelas ruas sombreadas por acácias, pelos pequenos bosques.

As lágrimas de Penélope gotejavam cada vez menos, à medida que o tempo passava. Logo ela falava de lorde Martin Langdon como se fosse o rapaz mais desprezível de Windsor, o mais devasso, o mais indigno.

— Quem ele pensa que é, sempre fazendo o possível para ser simpático, sorrindo, como se fosse o mais sedutor do mundo?

Evelyn sabia muito bem que o sorriso de Martin era irresistível, desarmava qualquer mulher. Mas não discutiu com Penélope. Ao contrário, assegurou-lhe que estava coberta de razão. Afinal, para que discutir, já que a amiga começava a se recuperar da grande decepção sofrida?

No fim da semana, no entanto, quando Evelyn e a mãe se preparavam para voltar para casa de trem, a jovem, de repente, viu-se frente a frente com Martin Langdon na plataforma banhada de sol.

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— O trem está atrasado, como de hábito — disse a mãe, aproximando-se do leito ferroviário. — Nem sinal dele. Devíamos ter pedido a seu pai que nos mandasse a carruagem.

Evelyn não conseguia dizer palavra alguma. Estava nervosa demais com a presença de Martin e ficou sem saber para onde olhar. Desviou a vista, mas não se conteve e voltou-se outra vez. Ele a reconhecera? Supôs que sim, porque continuava a fitá-la. Deu um sorrisinho breve e baixou os olhos para as botas, o rosto ardendo e o coração batendo freneticamente no peito.

Que bobagem, não tinha certeza se Martin a estava observando. Lançou-lhe um olhar furtivo e, para seu horror, viu que ele a estava encarando. E parecia irritado, os olhos cheios do mais puro desprezo.

— Essa espera está se prolongando demais — disse a mãe a um certo momento, enquanto andava de um lado para o outro da plataforma. — Fique com as maletas, querida. Vou à estação perguntar ao guarda quanto tempo mais teremos de aguardar.

Evelyn umedeceu os lábios secos. Não havia desculpas, teria de enfrentá-lo. Ia abrir a boca para explicar-se, quando o inesperado aconteceu.

— Muito bem. Enfim nos encontramos, srta. Evelyn Foster. Ela o observou com os olhos apertados. Não imaginava que Martin se lembrasse de seu nome, pois nunca se dirigia a ela nem demonstrava ter conhecimento de sua existência.

— Pensou que eu não a tivesse reconhecido naquela noite? Tem alguma idéia da confusão que causou?— ele prosseguiu, sério.

Evelyn lutou para evitar o constrangimento e, de certo modo, conseguiu sustentar-lhe o olhar frio.

— Confusão que causei? Desculpe-me, mas não concordo — afirmou, categórica. — Não me sinto nem um pouco responsável pela sua imprudência. O senhor deveria ter pensado antes nas conseqüências de seus atos.

— Então a senhorita acha que não fez nada! — Martin aumentou o tom da voz. — Introduz-se sorrateiramente em meu quarto e acha que isso não é nada? Pois foi por sua causa que fui surpreendido, srta. Foster.

De repente, a ansiedade que ela estava sentindo se transformou em revolta. Não fora idéia de Evelyn entrar de modo furtivo no dormitório dos rapazes! De certa forma, havia sido por culpa dele próprio, que flertava com Penélope Steeves, fazendo-a a acreditar que estava apaixonado por ela.

— Peço-lhe desculpas, senhor, mas, quando um homem de sua estirpe comporta-se de modo inapropriado, levando uma jovem lady a acreditar que nutre afeição sincera por ela, esse homem deve arcar com as conseqüências de seus atos.

Martin fitou-a por longo tempo, então aparentou achar graça, mas não muita, porque havia um tom de amargura em sua voz, quando falou:

— Desculpe-me, srta. Foster, mas a sua amiga deve ter uma cabeça que funciona bem, não tem? E devia saber, tanto quanto a senhorita, que o acesso ao dormitório dos rapazes é vedado às mulheres.

Os olhos de Evelyn se arregalaram em estupefação. — E a mulher que estava em sua cama? Ele esboçou um sorriso. Evelyn encarou-o, incerta. Não sabia exatamente o que ele quisera dizer com o

gesto, mas intuiu que devia ser algo escandaloso. De qualquer forma, não tinha importância. Ergueu o queixo e aparentou uma calma que estava longe de sentir.

Viu-o cerrar os maxilares por poucos segundos, enquanto ela remoía, um tanto envergonhada, o que havia acabado de dizer. Mas que direito tinha Martin de culpá-la pelo próprio deslize? Estava com uma mulher no quarto enquanto os demais internos jantavam, não estava? Pois então tinha que pagar por seu erro!

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Olhou, ansiosa, para o interior da estação. O que estaria retendo a mãe? E por que o trem não chegava nunca? De repente, viu-se perguntando:

— A que confusão o senhor se referiu, depois que foi surpreendido? Ele a olhou um instante, como se a estivesse avaliando. — Tive que dar explicações ao diretor do colégio, e a senhorita deve imaginar o

que aconteceu após essa conversa nada amigável. — Imagino que tenha sido suspenso? O rapaz confirmou, com voz entristecida: — A partir de hoje. — Está indo para a casa de seu irmão, o duque? — Meu irmão prefere que outra pessoa me ponha no bom caminho — Martin

explicou, com ironia. — Vou para a casa de campo de minha tia, em Exeter. E uma mulher sozinha, sem a menor paciência. Serei uma carga muito pesada para ela, irei lhe causar muitas preocupações, tenho certeza. — Soltou um longo suspiro. — Estarei contando os dias para que me admitam novamente em Eton. Isso se me receberem de volta!

Evelyn sentiu uma ponta de piedade. Era uma perspectiva um tanto sombria. Então se lembrou de que ele se metera sozinho naquela confusão e falou irrefletidamente:

— Talvez uma temporada no campo lhe faça bem. Martin olhou-a com profunda ironia.

— A senhorita deve achar-se irrepreensível, muito além de qualquer crítica, não é? Evelyn recordou-se de todos os detalhes daquela fatídica noite e mais uma vez

sentiu-se envergonhada. Como pudera seguir os passos de Penélope? — O senhor foi muito rude ao me lembrar disso — respondeu, ressentida. Ele a olhou com surpresa, como se ela tivesse enlouquecido. — Essa é uma argumentação delirante. Evelyn apertou a bolsa contra o peito. Martin não teria falado daquela maneira se

ela fosse Penélope, linda como uma manhã de primavera. Mas era desajeitada, sem atrativos, o que mais poderia esperar dele, a não ser uma cortês condescendência?

Endireitou-se e deu um basta àquelas divagações. Martin era apenas um homem, não mais o herói da infância de Evelyn. Superficial, frívolo e sensual como os outros. Não podia compreender por que a intimidava, logo ela, tão pouco suscetível às influências masculinas.

Ele deu outra interpretação ao silêncio que se seguiu, ao afirmar: — Não se preocupe, srta. Foster. Não a denunciarei nem à sua amiga. Evelyn apertou de novo a bolsa com mãos nervosas. — Suponho que eu deva lhe agradecer por isso. Afinal, tivemos nossa parte de

culpa. — Não é preciso — Martin respondeu, seco, desarmando-a. Nenhum dos dois

notou que a plataforma começava a ficar lotada de pessoas. Tanto que a mãe de Evelyn teve que lhe pôr a mão no ombro para que sua aproximação fosse percebida.

— O trem está para chegar — a mulher informou, apontando para os trilhos, enquanto retomava a maleta.

Evelyn apanhou a sua e dispôs-se a acompanhá-la. Martin também pegou a sua bagagem e tomou outra direção. Minutos depois, as duas embarcavam num vagão de primeira classe. As portinholas fechavam-se, quando a mãe se inclinou para ela.

— Aquele rapaz na plataforma não era Martin Langdon, o irmão do duque de Wentworth?

Evelyn virou a cabeça para responder e viu-o acomodado no assento de trás. — Será? Não notei. — Não notou, Evelyn? — replicou a mãe, levemente irritada. — Ele salvou sua vida

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certa vez, querida! Evelyn suspeitava de que a mãe enxergava longe, através daquela máscara de

pseudo-indiferença. Mas não desmentiu. — Bem, se era ele, não me reconheceu. Isso foi há muito tempo. Duvido que ele se

lembre do fato agora. — Sinceramente, Evelyn! Como alguém pode esquecer que salvou a vida de uma

garota que caiu nas águas de um lago gelado? É coisa que fica na memória! Evelyn respondeu sem virar a cabeça: — Certamente ele não me reconheceu. — Sentia uma angústia insuportável. Martin encostou a cabeça no assento almofadado pensando se a queda no lago

gelado, anos trás, não era o motivo de a srta. Foster ter gelo nas veias, em vez de sangue. Era rígida e fria demais. Agia sempre como se não o conhecesse, quando deveria se lembrar, com gratidão, de que ele fora o seu salvador. Como podia ter se esquecido de um fato tão marcante? Talvez fosse por maluquice ou algo semelhante.

Bem, de qualquer forma, isso não vinha ao caso. O que o incomodava realmente era que, graças a ela e à amiga — qual era mesmo o nome dela? Penélope qualquer coisa —, teria que amargar um longo período em Exeter, na casa de uma tia que não cessaria de lhe repetir, dia após dia, que estava destinado a uma vida de fracassos.

CAPÍTULO II

Julho de 1891 De pé no convés, a vento lhe jogando os cabelos contra o rosto, Martin Langdon

manobrava com perícia o novo iate que prosseguia velozmente, as velas desfraldadas como bandeiras.

— Que bela manhã, não acha? — perguntou o lorde Spencer Fleming, seu primeiro ajudante e amigo mais íntimo, sentindo na alma um novo estímulo.

O dia estava maravilhoso, apesar do sol forte. O mar se mostrava calmo, sem uma única onda, sem uma prega, e a claridade produzia reflexos na água azul. Com um leve silvo, o Orfeus cortava aquele plano úmido e luminoso, deixando para trás um rastro branco de espuma, logo apagado pelo vento.

Martin sentiu a incomparável sensação do leme movendo-se em suas mãos. Uma euforia intensa, um sentimento de confiança e liberdade dominou-o.

— Prontos para mudar de rumo? — gritou a seus homens, enquanto a proa mergulhava para a frente, com um bramido.

Os tripulantes, quatro dos melhores iatistas da Inglaterra, tomaram seus postos, e Martin fez o leme girar.

— Mudando de rumo... Soltem a bujarrona! — ordenou. Depois ergueu a cabeça para verificar a disposição das velas na nova direção. — Ótimo! Mas não comemorem antes do tempo. O grande desafio, navegar com segurança através de um insondável mar de rolhas de champanhe, que se apresentará diante de nós ao cair da noite, ainda está

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por vir. Os homens riram e empurraram-se uns aos outros. Embora não compartilhasse

das risadas, Martin alegrou-se. O barco estava habilitado para enfrentar as situações mais difíceis. O casco moderno e o conjunto de velas, todas de uma insólita cor bege-escura, eram fortes o suficiente para afrontar qualquer perigo.

Por tudo isso, Martin, que havia dado sua contribuição ao projetista, era considerado o mais talentoso iatista de toda a Bretanha. Um campeão. Tinha conquistado dois títulos e, aquela semana, estava determinado a ganhar o terceiro.

— Aí está o Britannia! — Spencer gritou de súbito, enquanto deslizavam pelas águas agora encapeladas, rumo a Cowes, na ilha de Wight.

Martin começara cedo a estudar os ventos a as correntes da região e_ possuía conhecimentos precisos para conduzir sua embarcação. Aparentemente, o príncipe de Gales também não havia perdido tempo. Seu cutter impressionava pela beleza e velocidade.

— É um barco muito bonito — Martin concluiu. Spencer pulou a coberta de barlavento e pôs-se ao lado dele, apontando para a mansão real, instalada no alto da colina.

— Vamos apostar que, neste exato momento, Sua Majestade, a rainha, está sentada no terraço da Mansão Osborne, espiando, por meio de um telescópio, as atraentes ladies que passeiam pelo convés do barco de seu filho?

Martin olhou para a mansão. — Eu apostaria que ela também está nos observando. — Você gosta de passar sal na ferida — queixou-se Spencer. — O que você quer dizer com isso? — espantou-se Martin. Spencer respirou

fundo. — Tão logo você puser os pés no desembarcadouro, todas as jovens de Cowes

correrão ao seu encontro, enquanto ficarei sozinho, vendo tudo de longe. Martin esboçou um sorriso e esperou que assim fosse, pois sentia necessidade de

desfazer a tensão dos últimos dias com distrações que somente em Cowes poderia obter. Precisava esquecer de certas lembranças desagradáveis de sua vida.

— E as estarei esperando de braços abertos — afirmou, virando levemente a cabeça para sentir a mudança do vento.

A distância que os separava do cais era pequena. Começou a diminuir a velocidade. Uma onda de euforia dominou-o, ao pensar nos divertimentos que o aguardavam, além do agradável sentimento de dever cumprido.

— Meu amigo, peça aos homens que recolham a vela de proa. — Neste mesmo instante! Spencer transmitiu a ordem à equipagem, enquanto Martin mantinha o barco no

rumo, inabalável como um herói de romance. Entravam já nas águas mais calmas da orla, repleta de iates não só de competição, mas também de passeio, nos quais festas e bailes se sucederiam, e o champanhe correria com mais abundância do que água.

Para Cowes, essa era uma das ocasiões sociais mais elegantes do ano e ele estava mais do que pronto para usufruí-la.

Momentos antes de o Orfeus mudar de rumo, ultrapassando o Britannia, Evelyn

Wheaton encontrava-se na parada pública, exatamente abaixo do Iate Clube Esquadrão, olhando para o mar e deliciando-se com a salgada fragrância. Suas saias enfunavam-se ao vento forte, que soprava em rajadas, ameaçando arrancar-lhe o chapéu, mas ela permanecia imóvel, revelando a força oculta sob a aparência frágil.

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Ao lado dela, estava lorde Radley, um barão que fora o mentor social de seu pai e era agora um dos mais antigos membros do exclusivo Iate Clube.

— Acredito que seja o Orfeus a caminho — ele falou, levando aos olhos uma antiga luneta para espiar o mar.

Evelyn observou ao longe e avistou o barco do campeão, a proa envolta em espuma aproximava-se do Britannia com alarmante velocidade. Mas não ficou surpresa, conhecia a identidade do piloto. Quem não sabia? Era o mais celebrado velejador do país. Charmoso em público, um herói para as crianças, respeitado pelos navegantes mais experimentados do mundo.

Os mexeriqueiros de Londres contavam as histórias que corriam sobre Martin. Sua vida parecia se suceder numa confusão de perigos e audácias. Amava navegar, mas havia algo que ele apreciava mais: as mulheres que se deixavam cair em sua rede de sedução. Mas como resistir às maneiras encantadoras de um homem que, além da graça viril, da elegância discreta e do hábito de agradar, possuía a vantagem de pertencer a uma família de nobre estirpe e de grande fortuna?

Evelyn, porém, que o conhecia melhor do que ninguém, sabia que Martin não era sempre o sorridente feiticeiro que demonstrava ser! Ela caiu em si. Fazia muito tempo que não o via. Não estava em condições de julgá-lo, de saber como ele era agora na intimidade. Talvez tivesse conhecimento em breve. Até lá, podia apenas supor.

Ele se lembraria dela? Sentiu uma ansiedade repentina ao pensar nisso. Provavelmente não. Mas, de qualquer modo, iria vê-lo. Saberia então o que dizer? Sentia-se ainda desajeitada e tola e não entendia por que alimentava aquela estranha fascinação.

— Lorde Martin não se preocupa com o fato de que pode causar um desastre? — perguntou, aflita. — Há centenas de barcos em seu caminho.

Radley abaixou a luneta e voltou-se para ela. — Não acredito que esse jovem irresponsável se preocupe com alguma coisa. Mas

deveria. Afinal, não é nenhum novato. Esta será sua terceira competição. — O que aconteceu nas outras duas?—perguntou Evelyn, os olhos fixos no

Orfeus, que, numa manobra arriscada, quase se chocou com outro barco. Ah, ele não mudara. Nem um pouco! Radley tornou a erguer a luneta, antes de responder: — Lorde Martin foi o vencedor de ambas. E encalhou nas duas, ao embicar rumo à

marina. Foi realmente uma pena. Eram barcos magníficos, talvez lentos demais para o gosto dele.

Evelyn mordeu o lábio inferior, sem fazer comentários. — Alguns dizem que seu rico irmão o mima demais — acrescentou Radley. — O

fato é que os barcos foram substituídos logo após o encalhe. Num piscar de olhos. —Deveria ter mais cuidado, agora que é campeão — atentou Evelyn. — É o que sempre digo — afirmou Radley, oferecendo-lhe o braço. — Não quer

me acompanhar até o clube? Poderemos tomar chá no terraço. — Ora, mas será um prazer! Acima deles, a fachada vermelha do clube se destacava em meio a flores e árvores

centenárias. Caminharam seguindo uma vereda sombreada por hibiscos até o terraço, vislumbrado entre folhagens.

— Vamos ver se meu sobrinho já chegou — Radley disse de repente. Era a segunda vez naquela tarde que sua escolta mencionava o sobrinho George,

que acabara de herdar o título de conde de Breckinridge, e Evelyn suspeitou se não haveria ali uma coincidência planejada.

— Meu sobrinho veio inscrever seu iate na competição — explicou Radley. — Terei muito prazer em apresentá-lo. Acredito que ele a interessará.

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Evelyn respondeu cortesmente um "será um prazer", mas suspeitava de que Radley nutria um desejo secreto de vê-la casada com o sobrinho. O velho lorde se considerava o guardião dela e tinha agido como tal, desde que o pai de Evelyn morrera, havia um ano, seis depois do passamento da esposa.

Evelyn sentia-se sozinha desde a morte da mãe. Assim como havia se sentido solitária durante o breve casamento com um pastor da igreja rural. Principalmente porque não houvera afinidade entre ambos. Tinha se casado apenas para ver-se livre do pai, para quem representava uma permanente decepção. Lembrava-se ainda do dia em que o pastor a pedira em casamento.

— Deveria aceitá-lo — o pai havia dito, com voz fria e dura, sem erguer os olhos dos papéis que examinava. — Quem mais haverá de querê-la? Com toda essa beleza — ironizara. — Agora, retire-se. Estou muito ocupado.

Na ocasião, essa afronta a tinha ferido. Mas agora, Evelyn a via como um insulto despeitado e doentio de um homem que se julgava superior, quando na verdade não passava de uma pessoa frustrada e mesquinha. Recordou-se do dia da morte dele. Não sentira nada, a não ser indiferença.

Claro que, em se tratando de lorde Radley e de seu sobrinho, a proposta de uma aliança tinha pouco a ver com a beleza de Evelyn. Ou a falta dela. Estava em jogo algo mais importante: a herança, o que a tornava um prêmio atraente para qualquer homem. Não estava cega para o fato de que Radley teria um grande prazer em ver o prêmio ir para as mãos do sobrinho.

Contudo, não se sentia ofendida com isso. Muito pelo contrário, estava agradecida porque, aos vinte e seis anos e sem um rosto bonito, era difícil competir com outras jovens em idade de casar. Tinha plena consciência desse fato, pois o pai a fustigara com palavras ofensivas inúmeras vezes.

Respirou fundo e optou por deixar de lado essas e outras lembranças, tudo, enfim, que lhe trouxesse a lembrança de um passado que a humilhava.

Havia perfumes na brisa que vinha do mar e uma sugestão de sonhos sem fim. Queria vivê-los, deixar que a imaginação a lançasse numa deliciosa expectativa, composta de desejos e medos. Decerto valeria a pena.

Começaria por usufruir aquela semana em Cowés. Faria um esforço e seria amável com seus pretendentes porque, entre eles, poderia estar o homem que lhe convinha para marido. Queria, sim, casar-se novamente, pois desejava ter uma vida que só tinha conhecido em sonhos. Com crianças e um marido, que, se não a amasse, pelo menos a estimasse.

Evelyn não sentiria certamente a embriaguez sonhada. Mas existiria esse estado de êxtase?

Após deitar âncora e fundear ao lado de quase uma centena de barcos, graças à perícia do segundo piloto e do proeiro, Martin e Spencer desceram à cabine para trocar a roupa de trabalho pelo, assim dito, uniforme do Iate Clube Esquadrão: jaqueta azul e calça branca. Já prontos, juntaram seus pertences, pois iriam se hospedar no Hotel Real Marine.

Uma multidão de curiosos lotava a parada pública e, assim que Martin apareceu no alto da plataforma de desembarque, protegendo os olhos da excessiva claridade com a mão em pala, congratulações e aplausos explodiram no ar morno.

Martin deteve-se e então, para o delírio de todos, esboçou um sorriso largo e fez uma reverência. Alguém assobiou, entusiasmado, e as jovens damas ergueram as sombrinhas, fazendo-as girar ao sol.

— Boa tarde! — ele gritou, ao agitar os braços. — Vieram ouvir a salva dos canhões?

As ladies puseram-se a rir, enquanto a multidão o ovacionava, entusiasmada com

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a perspectiva de uma regata memorável. — E agora? — perguntou-lhe Spencer em voz baixa. — Conseguiremos sair daqui

sem que nos arranquem as roupas? — Calma, meu amigo — respondeu Martin, com um sorriso distraído, ainda sob a

sensação de triunfo. — Logo a multidão irá se dispersar. Já passa do meio-dia. E assim foi. Aos poucos, os grupos foram se desfazendo, desviando-se para

diversos pontos, e as jovens damas, depois de um último adeus, puseram-se a subir a rampa, em direção a Cowes.

Com as respectivas bagagens já enviadas ao hotel, os dois transpuseram o portão gradeado que protegia a entrada do clube. Entraram na sede pela porta principal e, a caminho do restaurante, foram cumprimentados com efusão pelos sócios.

— E impressionante como todos parecem gostar de você — comentou Spencer. Martin deu uma olhada nervosa para o pequeno aglomerado de pessoas. — Não exagere — disse ele, enquanto se sentavam a uma mesa, junto a uma

grande janela lateral. — Ah, sinta o aroma... Não há nada no mundo que se compare à caldeirada do Esquadrão.

— Nem perfume francês? — gracejou Spencer. — Infelizmente, não encontraremos nenhuma mulher aqui. É uma pena essa

exigência do clube. — Poderemos encontrá-las no jardim posterior, no alpendre ao lado do roseiral —

lembrou-o Spencer. Então, sir Lyndon Wadsworth, o comodoro do clube, apareceu para cumprimentar

os sócios com um sorriso e acenos. — Eis o nosso campeão! Martin, é um prazer tê-lo aqui — ele falou, avançando

com a mão estendida. Martin levantou-se para apertá-la. — O prazer é meu em revê-Io, sir Lyndon. Muito trabalho com a preparação da

regata? — De fato. É uma tarefa da mais alta responsabilidade. — O comodoro suspirou. Trocaram outras amabilidades, em seguida Martin o convidou para almoçar. Ao

terminarem, Lyndon inclinou-se para trás e lançou um olhar atento a Martin. — Estou surpreso de que não tenha dito sequer uma palavra sobre o Endeavor. Martin fitou-o com igual atenção. — Não é o novo barco de lorde Breckinridge? — Exatamente — afirmou Lyndon, baixando a voz. — Correm rumores de que ele

esvaziou os cofres da família para equipá-lo. Parece que o Endeavor é realmente um barco extraordinário.

— Em que sentido? Depois de considerar a pergunta por alguns momentos, Lyndon falou: — Não sei dizer o porquê, mas o vejo como a elegante embarcação de um pirata

dos sete mares. Gente que entende do assunto garante que será o Endeavor a ganhar o troféu deste ano.

Martin endireitou-se. Por que não ouvira nenhum comentário a esse respeito? Logo ele que se orgulhava de saber tudo o que acontecia nesse campo!

— O conde já chegou? — Sim, esta manhã, e parece disposto a ganhar não apenas um, mas dois troféus. — Há um segundo troféu? — perguntou Martin, interessado, pois raramente

resistia a um desafio. — O segundo na forma de uma rica viúva que está hospedada no Real Marine.

Chegou ontem, em companhia do tio de Breckinridge. — Quem é ela?

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— Evelyn Wheaton — informou Lyndon. — Uma mulher virtuosa, moralista e, segundo dizem, avessa a flertes.

— Quem era o marido dela? — Um devotado pastor do interior. O infeliz morreu de enfarte durante um sermão,

após somente três meses de casado. Martin expressou as comiserações de praxe e depois dirigiu seus pensamentos ao

Endeavor. Qual seria sua área de velas e o que... — Ela é bonita? — perguntou Spencer ao comodoro, arrancando-o de seus

pensamentos. Martin voltou-se para o amigo. — Está se referindo à viúva? — Sim, à viúva. A quem mais? — A sra. Wheaton não chama a atenção ao primeiro olhar. De fato, ela não tem o

brilho de uma mulher encantadora. Mas se torna atraente quando começa a falar ou quando se fica sabendo a quanto monta sua conta bancária. Muitos de seus pretendentes revestem-na então de uma aura de brilhantismo — respondeu Lyndon.

— Posso imaginar! — exclamou Spencer com uma risadinha. Martin entrou na conversa: — Quero ver por mim mesmo essa maravilha. Com sua licença, é claro. Lyndon olhou-o, compreensivo. — Deixe-me ver... Você vai dar uma espiada no Endeavor? — O barco está ancorado nas vizinhanças? — Sim, bem perto daqui. Poderá vê-lo claramente da esplanada. O casco ostenta

uma caveira negra. Martin levantou-se e cumprimentou-o com polidez. — Por favor, fiquem e deleitem-se com a sobremesa. — Vou com você — anunciou Spencer, erguendo-se. — Algo me diz que vai

examinar o Endeavor da praia. Spencer previra corretamente. Vinte minutos depois, Martin passeava sem camisa

pela praia, determinado a analisar a caveira que enfeitava o barco de seu rival. — Estou estranhando muito! Por que não ouvimos nada a respeito desse barco

encantado? — indagou Martin, levemente irritado. — Estávamos ao mar. Como poderíamos saber? — Sim, mas os jornais não fizeram nenhum comentário... — argumentou Martin,

enquanto entravam no Hotel Fountain para tomarem uma caneca de cerveja. — E difícil fazer com que alguma coisa seja publicada nos jornais. Sabe disso por

experiência própria. — É um barco magnífico — continuou Martin, referindo-se ainda ao Endeavor — e,

quando o vento enfunar aquelas velas, passará direto por nós. — Talvez sim, talvez não. Quem pode saber? — Reparou no talha-mar? — Sim. — E na quilha arredondada? — Também. O barman encheu duas canecas de espumosa cerveja e colocou-as diante deles.

Apanharam-nas ao mesmo tempo e retiraram-se para um canto discreto do salão, onde poderiam conversar à vontade.

Martin passou a mão pelo queixo. — Breckinridge vai ganhar o troféu. — Não facilmente — disse Spencer. — Nós daremos muito trabalho para ele. — Não quero dar apenas trabalho. Desejo ver meu nome inscrito na taça!

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Spencer apontou-lhe o dedo. — É o homem mais competitivo que conheço. Martin suspirou. — Faz parte de minha natureza. Spencer olhou-o com malícia. — Lembro-me de um tempo, em Eton, em que você parecia se contentar com

pouco. Como a bonita prostituta de taverna que levou para a cama. Você não era tão exigente naquela época.

O sorriso morreu nos lábios de Martin. Não gostava de que lhe recordassem esse período de sua vida.

— Eram outros tempos. As pessoas mudam e as coisas se modificam de um dia para o outro.

— Sim, a vida transforma as pessoas. Nem sempre para melhor. — Spencer ergueu a caneca. — A nossa!

Martin sentiu-se tenso e resolveu acabar com aquela conversa, antes que lhe estragasse o dia. Queria divertir-se, relaxar. Precisava realmente disso. Andara muito pensativo naquela semana, recordando o passado. E já sabia de antemão aonde tais pensamentos poderiam levá-lo.

Fechou os punhos com força, mordeu os lábios e mudou de assunto. — Não iremos perder a taça, Spencer. Iremos vencer Breckinridge usando de

habilidade e ousadia. Spencer não resistiu ao apelo. Compreendeu a necessidade do amigo de receber

um sopro de esperança e confiança. — É um gênio das águas, Martin. Martin tomou o restante da bebida e foi logo respondendo: — Antes de festejarmos nosso triunfo, talvez seja bom darmos uma olhada

também naquele outro troféu. Vamos ver, com nossos próprios olhos, se não é exagero todo esse espalhafato em torno dele.

— Que outro troféu? — espantou-se Spencer. — A rica viúva, meu amigo — lembrou-o. — Mas pensei que fosse seu lema manter-se distante das mulheres que estão à

procura de marido. Sir Lyndon deu a entender que a rica viúva quer se casar. Enquanto esperava que Spencer terminasse de beber a cerveja, Martin considerou

a questão. Era verdade. Não pretendia se casar, era a última coisa que faria na vida. E todos sabiam disso, inclusive, quem sabe, a tal viúva. .

— Não vou me casar, quero apenas flertar com ela. Provarei a todos que ela irá corresponder. Sir Lyndon informou que a mulher é virtuosa e recatada. Desejo pô-la à prova. Nada é impossível para mim.

Spencer levantou-se, sorrindo. — Bem, você poderá se certificar disso daqui a pouco. A viúva irá entregar os

pontos assim que puser os olhos em você. Podemos ir agora? — Sem dúvida! — Não vai tirar a camisa, como fez para examinar o casco do barco de seu rival,

vai? Martin riu. — Não, meu amigo, ainda não — respondeu, enquanto se encaminhavam para a

porta. Martin não demorou muito para perceber que, na semana da competição, o jardim

do Iate Clube Esquadrão tornara-se o coração e a alma de Cowes. Nas cadeiras de vime do recanto das rosas, sentava-se a elite da sociedade: príncipes, embaixadores, duques e duquesas, além das mais belas mulheres de ambos os lados do Atlântico, que aproveitavam a temperatura amena para falar com delicadeza e urbanidade sobre os últimos acontecimentos do dia.

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Não podia negar que, no passado, havia se divertido muito com as conversas na varanda circundada de folhagens e toda florida, e entendia que, presentemente, não seria diferente. Falaria sobre suas peripécias no mar e encantaria a viúva com o seu charme. Duas coisas que sabia fazer muito bem.

Ele e Spencer saíram para o sol e puseram-se a vagar entre a multidão, atraindo a atenção geral. Receberam apertos de mãos e votos de confiança, o que não era novidade. Mas, pela primeira vez, atentos aos rumores que circulavam, aos cochichos nervosos ciciados ao pé do ouvido de cabeças inclinadas, puderam escutar repetidas vezes o nome Endeavor e alguém dizer abertamente que o Orfeus perderia a competição.

— Parece que há opiniões divergentes sobre quem vencerá o troféu. Porém, é bom saber que temos ainda alguns defensores — disse Spencer.

— De fato — concordou Martin, sem nenhum entusiasmo. — Nosso rival está aqui? — Sim, conversa com amigos à sombra daquela árvore. — Spencer fez um gesto, mostrando o outro lado do gramado. Martin parou para

estudar o comandante do Endeavor. Um homem alto, forte e espadaúdo, sua atitude traía uma espécie de displicente

altivez. Vestia uma impecável calça branca e a jaqueta azul do clube, parecendo em tudo um vencedor.

Mau sinal, pensou Martin. Ele sabe o que quer. Estava segurando uma xícara de chá pelo pires, o que sugeria que passara longo tempo ao mar, recentemente.

Havia outras três pessoas com ele: um velho casal e uma mulher jovem, talvez a famosa viúva. Ela estava de costas para Martin. Apresentava-se bem-vestida, mas, pelo pouco que lhe era possível ver, com uma severidade um tanto fora de moda.

— Spencer, apresente-me a Breckinridge. Se o conhecer, claro. — Conheço-o apenas socialmente. — Já é suficiente. Spencer conduziu-o até o pequeno grupo. — É um prazer revê-lo, Breckinridge — disse, ao aproximar-se. O conde esboçou um súbito e leve sorriso. — Também sinto alegria em vê-lo de novo. — Permita que lhe apresente meu amigo, lorde Martin. — Lorde Martin! Que prazer! Como é possível que nossos caminhos não tenham

se cruzado até agora? A despeito das palavras amáveis, o tom da voz era de condescendência, para dizer

o mínimo. Como se Breckinridge não estivesse julgando Martin um adversário à altura e fosse apenas mais um na lista dos joões-ninguém.

Recusando-se a aceitar a derrota por antecipação, Martin apertou-lhe a mão com calor,

— É na verdade uma surpresa agradável. Ouvi falar coisas incríveis de seu barco, senhor.

— Acho que não é mais necessário que eu continue a fazer as apresentações — interveio Spencer, com um sorriso.

— Não, de fato — concordou Breckinridge. — A reputação de lorde Martin o precede.

Martin detectou uma ponta de sarcasmo na voz do conde. Estaria se referindo à reputação que ele ganhara freqüentando os salões das damas mais requisitadas de Londres?

— Porém, acredito que outras apresentações se fazem necessárias — continuou Breckinridge, voltando a atenção aos demais membros do grupo.— Lorde e lady Radley, permitam que lhes apresente lorde Martin Langdon e lorde Spencer Fleming.

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Lady Radley, uma senhora de seus sessenta anos, fitou Martin com bondade. — Lorde Langdon, é um grande prazer conhecê-lo. Ouvi falar muito a seu respeito. — Por quem, milady? Amigo ou inimigo? — perguntou Martin, com um sorriso. Lady Radley rompeu numa risada. — Amiga, amiga! A sra. Tennant, para ser mais exata. Ela o conheceu num baile,

em Londres. E uma de suas grandes admiradoras. Como nós, aliás. Martin sorriu. — Lady Radley, é muito bondosa. Eu me lembro de sua amiga, a sra. Tennant. É

uma mulher fantástica. Diga-lhe que gostei imensamente da conversa que tivemos — afirmou Martin com um sorriso, sem ter a menor idéia de quem estavam falando.

Breckinridge fez a última apresentação: — Meus senhores, apresento-lhes a sra. Wheaton. Martin se inclinou de leve e ao

erguer os olhos encontrou outros dois, profundos e verdes, fixos nele através de um par de óculos de aro de ouro. Experimentou, nesse instante, uma sensação de familiaridade e não soube o porquê. Quem era ela? Uma antiga conquista descartada? Não, não podia ser. Então se lembrou e fez-lhe uma leve inclinação de cabeça que exprimia o reconhecimento. Sim, era ela, a srta. Evelyn Foster de seus velhos tempos em Eton!

A mesma garota que tinha invadido seu dormitório, o que lhe valera um mês de suspensão. Nunca havia se esquecido daquele dia, nem de como ela o tratara dias depois, de nariz empinado e olhar reprovador. Tinha sido a única garota de Windsor que o olhara daquele modo, levando-o à exasperação, considerando-se o fato de que havia sido ele a salvar-lhe a vida certa vez.

Não a esquecera, como não tinha esquecido aquele mês infernal que tivera de passar em Exeter, ao lado da velha tia. E tudo por causa dela: a virtuosa, a moralista, a impossível srta. Foster.

Que fosse para o inferno! Mas, quando o momento de incontida raiva desvaneceu-se, lembrou-se de que ela representava o tão cobiçado troféu.

Recuperou-se rapidamente e esboçou um sorriso sedutor. — Sra. Wheaton — disse, empregando todo o seu charme. — Que prazer! Mais do

que isso, é uma verdadeira honra. Ela deu a impressão de que não o reconhecera e inclinou levemente a cabeça,

num cumprimento formal, como se o visse pela primeira vez. Depois desviou os olhos e Martin sorriu intimamente: ela o havia reconhecido, tinha certeza! Agora, iria encantá-la com seu charme. O resto viria por si. De qualquer modo, decidiu pô-la à prova.

— Tenho a impressão de que já fomos apresentados, sra. Wheaton. Pela primeira vez, ela pareceu perturbada porque pestanejou, mordendo o lábio

inferior. — Não me lembro. — Tem certeza? Sua fisionomia parece-me familiar. Ela acabou erguendo os olhos,

brilhantes e inteligentes. De repente, Martin se lembrou de que ela possuía uma aptidão natural para

ciências quando garota, o que era considerado então, impróprio para uma jovem lady. Ele também achara o fato intrigante e tinha compartilhado da opinião geral.

De qualquer modo, tal habilidade indicava que Evelyn tinha cérebro. Parecia saber exatamente o que ele pretendia e, a seu modo, avisava-o para que não fosse adiante com o flerte.

Martin logo percebeu. Ela possuía presença de espírito, o que lhe dava prazer. E tornara-se também bonita, de uma forma altiva e um tanto desdenhosa, que condizia bem com o seu caráter. Essa mulher promete muito, disse a si mesmo em pensamento, sentindo-se rejuvenescido, vivo, ardente!

— Talvez tenhamos nos conhecido no passado — Evelyn disse de súbito. — Mas

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não me lembro. Martin, que já navegara em águas muito mais traiçoeiras do que essas, sentiu uma

espécie de agradável lufada de vento. Mais descontraído, apanhou um copo de limonada de uma bandeja que veio em sua direção e tomou um gole.

— É o tipo de coisa que nos deixa acordados à noite, lutando para combinar as recordações que se encontram embaralhadas para formar um todo. Como num quebra-cabeças.

— Compreendo o que quer dizer — anuiu lady Radley, tomando o braço de Evelyn. — Talvez ambos tenham se conhecido num baile.

— Faz tempo que não vou a bailes — informou Evelyn. — O senhor gostaria mesmo de saber? — questionou lady Radley. — Sim, seria de enorme interesse para mim... Ah, mas um instante! — exclamou

Martin, como se apenas naquele momento se desse conta de quem Evelyn se tratava. — Acho que me lembro. Foi há muito tempo, em Eton.

Os olhos da sra. Wheaton o fuzilaram, como se quisesse vê-lo morto. Martin não tinha a intenção de embaraçá-la em público, porém não podia resistir à tentação de provocar aquela mulher orgulhosa, cujo espírito ninguém parecia conhecer.

— Mas em que circunstâncias? — perguntou-se Martin, continuando a farsa.. — Dancei com a senhora alguma vez num piquenique?

— Tenho certeza de que não — Evelyn respondeu, sentindo-se pouco à vontade. — Tem razão, eu... Já sei! — disse ele subitamente, e todos esperaram que, por

fim, houvesse se recordado. Então, fingindo-se de aborrecido, confessou: — Não, não é isso. Mas não se preocupem. Irei me lembrar.

Evelyn não disse palavra alguma e Martin calou-se. A precipitação poderia resultar em fracasso. A investida devia ser gradual. A conversa girou então sobre a regata, e Breckinridge pediu informações a Martin sobre a velocidade do vento nos últimos dias e se o bom tempo continuaria.

— Agora que a competição vai começar, poderia nos revelar o nome do projetista do Endeavor? — Martin indagou. — Tenho a impressão de tratar-se de um americano.

O conde sorriu, astutamente, como se a conversa fizesse parte de algum estratagema.

— Fiz segredo disso até agora, mas, como o senhor já viu o que está escondido debaixo da água, acho que não há mais razão para esconder o nome de quem projetou minha embarcação. O senhor está certo. O projetista é um americano de nome Joshua Benjamin.

Então era Joshua Benjamin... Martin o conhecia. O homem estava ganhando notoriedade por idealizar barcos, levando em conta apenas a velocidade.

— Ah, sim, Joshua Benjamin. Conheço-o de nome. Com quem ele trabalha? Levou em conta suas sugestões?

Lady Radley passou o braço pela cintura de Evelyn, ao dizer: — O sr. Joshua é um homem muito bonito. Até a nossa Evelyn concorda comigo.

Ele a cortejou em Londres. Martin ficou intrigado. — Cortejou-a? Evelyn apertou os lábios, como se não tivesse gostado da intromissão em sua vida

pessoal. — Ah, sim. Mas o despachei, naturalmente — ela disse, com certa displicência. Martin detectou uma nota de superioridade naquele naturalmente e interpelou-a: — Por que o naturalmente? Tem alguma coisa contra os marinheiros, sra.

Wheaton? Ou talvez contra os americanos? — Não, lorde Martin. De fato, cheguei a considerar o pedido de casamento do sr.

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Benjamin por dois ou três segundos. Até eu me lembrar de que ele já era casado. — O silêncio foi geral.

— Decerto — continuou Evelyn, depois de tomar um gole de chá —, a sra. Benjamin não sabia nada sobre a pretensão do marido de inscrever seu barco em duas regatas ao mesmo tempo.

Martin olhou-a com admiração e depois pôs-se a rir em alto e bom som. — Acho tal atitude vergonhosa — opinou lady Radley. — Ai de mim — murmurou Evelyn. — Não vivemos numa época delicada. Percebendo que a conversa rumava para terrenos perigoso, mais do que depressa,

Breckinridge voltou-se para Spencer e o interpelou: — Bom, vamos falar de coisas mais agradáveis. Como estão seus pais? Martin, mais do que feliz de ver Spencer engajar-se em outra conversa, pois isso

lhe dava oportunidade de observar melhor a sra. Wheaton, sorriu amplamente. Estava por demais interessado em saber que espécie de mulher havia embaixo daquelas roupas antiquadas.

Permitiu-se admirar as curvas do corpo que ela desenvolvera com o passar dos anos, curvas generosas que seriam ressaltadas se ela estivesse usando um vestido justo, decotado. Trajada como naquele momento, Evelyn parecia-lhe um veleiro com as velas esticadas demais, o que o tornava incapaz de colher o vento e navegar na velocidade para a qual fora construído.

Pensou em como essa distante e jovem viúva corresponderia com um pouco de vento em suas velas e um capitão hábil como ele ao leme... Seria ágil o suficiente para extrair o máximo dela, como fazia com o Orfeus?

Sim, pensou com absoluta confiança. Traria à tona o brilho que Evelyn mantinha escondido do mundo, pondo abaixo o muro de reserva que ela tanto impunha aos outros quanto a si mesma. Era preciso que ela se mostrasse, que se entregasse por inteiro.

Nesse instante, o conde fez uma observação divertida sobre as correntes marinhas e Martin riu com os outros, ciente de que era um riso artificial, pois estava distraído com o excitante desafio que representava a jovem mulher que estava à sua frente.

— Sra. Wheaton — começou o conde —, irá ao baile do Ulisses esta noite? O Ulisses era o vapor de um rico armador americano que inscrevera um de seus

iates à vela na regata, mas que preferia tomar o champanhe de Cowes a velejar. — Sim. Estou aguardando com ansiedade esse momento. Radley pousou a mão

sobre o ombro do sobrinho. — Não gostaria de colocar seu nome no cartão de baile da sra. Wheaton?

Aconselho-o a que o faça sem demora, caso contrário perderá a vez. — Naturalmente, meu tio — respondeu Breckinridge. — Sra. Wheaton, quer ter a

bondade de me conceder uma dança durante o baile? — Será um prazer, lorde Breckinridge. — Estarei lá também — anunciou Martin. — E gostaria de fazer uma reserva em

ambos os cartões. No da sra. Wheaton e no de lady Radley. Lady Radley corou. — Ficarei encantada, milorde. — E minha tia reservaria uma dança também para mim? — questionou

Breckinridge, não se dando por vencido. Tarde demais, pensou Martin, satisfeito, sabendo que levara vantagem naquela

esplêndida competição. — Sim, querido — assentiu lady Radley, irradiando felicidade. Martin enviou-lhe seu famoso sorriso. — Estarei à espera de nossa dança, madame. — Então, voltando-se para Evelyn,

acrescentou:.— E da nossa.

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Fitando-o, Evelyn respondeu com estudada frieza: — Eu também.

CAPÍTULO III Ainda em estado de estupor, Evelyn encostou-se na balaustrada do jardim das

rosas e procurou na distância as colinas de Cowes, quase tão fluidas como o céu. Mas não pôde admirá-las. Estava distraída, quase desfalecente. Ainda não acabara de voltar a si da conversa que tivera com lorde Langdon.

Martin debochara dela, tinha brincado com seus sentimentos, apesar de seus melhores esforços para lembrá-lo de que não era mais a ingênua mocinha embevecida pelo rapaz charmoso que ele fora um dia. Havia respondido ao acaso, fora acanhada e incoerente. Ele tinha percebido e mostrara-se satisfeito com a vantagem que estava obtendo. Tanto assim que, depois de lhe lançar um último olhar, altivo e enérgico, havia ido embora.

Mas não tinha como negar: fora um jogo tão eletrizante que o coração dela reagira batendo fortemente no peito. Lembrara-se do outro Martin, o herói dos sonhos de infância, o garoto de cabelos escuros e olhos azuis que a tinha salvado das águas geladas do lago onde caíra, incitando-a a nadar para salvar-se e voltar para junto da mãe.

Não havia conseguido dizer nada no momento, nem mesmo gritar por socorro. Mas ele falara, ou melhor, tinha lhe ordenado que batesse as pernas com energia. Jamais se esqueceria da força daquele comando que a havia compelido a obedecê-lo, embora naquela distante ocasião isso lhe parecesse impossível.

Também agora esse dilema terrível se apresentava diante dela. Por que sentia a

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mesma urgente vontade de escapar daquele oportunista mercado de casamentos, em que o objetivo primordial era encontrar um marido? Por que tinha de ser um problema também? Por que não podia enfrentá-lo como algo normal, já que essas coisas aconteciam o tempo todo e eram encaradas com naturalidade?

De qualquer maneira, com a chegada de Martin, tudo mudara. Não sabia se para melhor ou para pior. Ao vê-lo, o que havia sentido por ele no passado ressuscitara, abalando suas convicções. Mas de uma coisa tinha certeza: não capitularia diante das emoções que ele lhe despertava, entregando-se levianamente. Não queria um mero prazer, passageiro e febril. Queria um sentimento profundo e duradouro, e isso era algo que Martin não seria capaz de lhe oferecer.

Breckinridge pôs-se a falar com o tio em voz baixa e Evelyn deixou seus devaneios de lado.

— Lorde Martin está preocupado. Pôde perceber? — Sim — respondeu Radley, discreto. — E como não poderia estar? O Endeavor é

uma força invencível. Sinto que o reinado de Langdon como campeão de Cowes está encerrado.

Evelyn ouvia a conversa, sorvendo seu chá. Não queria se intrometer naquela discussão, porque tinha receio de revelar sua preocupação. Além do quê, não havia nada a fazer, a não ser esperar.

Mas lady Radley deu sua opinião: — Sabe que o adoro, George — ainda se encontrava um tanto entusiasmada —, e

é por isso que o aconselho a não confiar demais, embora seu barco seja o mais veloz do mundo. Lorde Martin é, reconhecidamente, um grande velejador.

Os dois homens sorriram diante da observação. — Ele é de fato um grande velejador — anuiu Breckinridge. —Mas é também um

grande irresponsável. Meu companheiro de vela, o sr. Sheldon Hatfield, foi colega de classe de lorde Martin, em Eton, e o conhece bem. Langdon teve sorte nas competições anteriores, porque não havia um adversário à sua altura.

Evelyn sentiu logo que ali havia despeito e uma boa dose de receio. Concordava com lady Radley. Era difícil imaginar alguém melhor do que Martin ao leme de um barco. Ele era poderoso, um adversário a ser temido. Sentia isso com toda a força de seu insensato coração, porque a chama não morrera. Estava ali, latente, e poderia explodir em fagulhas a qualquer momento, apesar de todos os esforços em contrário.

Aquela noite, Evelyn começou a se preparar cedo. Escolheu um vestido amarelo e penteou-se, pondo ousadamente a descoberto a linha da nuca, que era fina e delicada. Mirou-se no espelho pela última vez e saiu para o corredor, deixando para calçar as luvas pelo caminho.

Não gostava de bailes e o daquela noite a aterrorizava, porque iria dançar com Martin. Se ele a tomasse nos braços, ela se renderia, em submissão ao próprio desejo. Mas, de repente, deu-se conta de que não corria perigo. No passado, Martin costumava esquecê-la. E não seria dessa vez que iria se lembrar, embora tivesse escrito o nome no seu cartão de danças.

Por um breve instante, viu-se nos braços dele, rodopiando num salão iluminado, onde só havia os dois, as mãos unidas, olhos nos olhos...

Num instinto de defesa, retraiu-se. — Não! — Não o quê? — perguntou Martin, que acabava de fechar a porta do próprio

quarto do hotel. — Oh... nada — respondeu Evelyn, voltando-se para ele, surpresa. Martin sorriu e falou com naturalidade: — Costuma falar sozinha, sra. Wheaton?

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— Não! Eu... — ela se interrompeu e corou. Depois continuou, procurando manter uma aparência calma: — Que coincidência, lorde Langdon! Pensei que já estivesse no Ulisses.

— Deliciosa coincidência na verdade — ele falou, galanteador. — E tão incrível que me pergunto se não está me seguindo. Está, sra. Wheaton?

Ela o olhou com frieza. — Ia lhe fazer a mesma pergunta, depois de o repreender pelo constrangimento

que me fez passar hoje à tarde. Martin deu uma risadinha e seus olhos azuis cintilaram. — A senhora tem esse direito. Eu mereço, comportei-me como um patife. Fitaram-se por um momento, antes que Martin se aproximasse devagar, forçando-a

a apoiar-se na parede oposta. Ele se inclinou para a frente, enquanto Evelyn lutava para se controlar. Não estava

acostumada com aquelas aproximações comprometedoras. Os homens que conhecia eram mais discretos. Não ousariam se comportar daquela maneira. Contudo, ele era Martin Langdon.

— Admito que, por um instante, durante a conversa no jardim, pensei que a senhora tivesse se esquecido de mim. Depois, percebi que estava enganado. A senhora se lembra, não é verdade?

— Sim — ela disse, soando um pouco autoritária. — Como poderia ter me esquecido? O senhor flertou com a minha melhor amiga, levando-a a acreditar que estava apaixonado por ela. Depois a ignorou, deixando-a de coração partido.

— Pode ser. Tudo pode ser. — E não foi só. Quando nos encontramos na estação, teve a audácia de culpar-me

por ter sido suspenso do colégio! Martin sorriu e os olhos dela se fixaram nos lábios cheios, na linha do queixo e na

sombra azulada da barba feita. Evelyn sentiu um calor estranho invadir-lhe o corpo, enquanto Martin continuava a observá-la. Queria que ele parasse com aquele jogo de sedução. Fazia-a sentir-se... fraca e vulnerável. Subitamente amedrontada, desviou os olhos.

— Depois de todos esses anos, o senhor ainda não se sente responsável pela conseqüência de seu ato? — Teimou, sem poder se conter.

— Nem a senhora, parece-me. E pensar que o mundo acredita em sua sólida virtude! Ah, se soubessem a verdade sobre a famosa viúva do pastor...

Evelyn fitou-o, espantada. Os olhos que vira pouco tempo atrás, tão carregados de doces brilhos, estavam agora endurecidos sob as pálpebras semicerradas.

— Desculpe-me, senhor. Mas acho que não o entendi bem. Martin sorriu de novo e Evelyn pensou para onde teria ido o amargo jovem de outrora. Ele não era mais como tinha se apresentado na estação anos antes. Naquele momento, esbanjava mais charme do que o permitido a um homem. Mas esse era o Martin por quem Penélope se apaixonara. Pelo qual toda a Inglaterra havia se apaixonado. O farrista despreocupado. O campeão. O sedutor.

Mas, por quê, de súbito, ele se dispusera a encantá-la? Logo ele que sempre a ignorou, que passava direto por ela parecendo não vê-la... Decerto era por causa de sua herança. Acabava de deixar o luto que tinha guardado pela morte do marido e estava levando dinheiro novo ao mercado casamenteiro. Essa era a verdade, a razão pela qual Martin agora a cortejava.

Porém, pouco lhe importava quais fossem os motivos. Charme era charme, sedução era sedução e teve que umedecer os lábios, porque a boca ficara seca.

— Parece que ambos somos famosos, embora por motivos diferentes — ele comentou, fazendo-a voltar a si. — De certa forma, somos semelhantes.

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— É um gracejo? — Evelyn perguntou, curiosa. — Não. A senhora é famosa por ser uma dama virtuosa. E eu... sou famoso pelo

motivo oposto. Evelyn ficou um instante sem compreender. — Pensei que o senhor fosse famoso pelos troféus que conquistou!... Que

insensatez a minha! Ele sorriu de novo. — A senhora, insensata? Não acredito. Entretanto, Evelyn se sentia muito tola naquele momento, dominada pelo

magnetismo daqueles olhos azuis. Era como se estivesse presa, contra a vontade, a um fio invisível, incapaz de enxergar outra coisa, a não ser os olhos feiticeiros.

Martin esperou que ela lhe esboçasse um leve sorriso, como as mulheres sempre o faziam. Porém, aquela era diferente. Não tentava atraí-lo; seu olhar límpido e inocente sustentou o dele sem artifícios. Até que ela o baixou. Podia ser um movimento natural. Mas algo lhe disse que Evelyn contrariava o próprio interesse e o castigava por tê-la feito esperar tanto tempo.

Então, ela o empurrou de leve, dizendo: — O senhor tem razão num ponto, lorde Martin. Jamais me comportei com

insensatez. É bom que se lembre disso. Ele continuou a observá-la. Havia agora nos olhos de Evelyn um ar de desafio que

o surpreendeu. Ela fora implacavelmente objetiva e coerente com sua maneira de ser. Martin sorriu de novo. — O que está querendo dizer, sra. Wheaton?—perguntou, fingindo inocência. Evelyn encolheu os ombros, com a indiferença de uma mulher habituada às

homenagens masculinas. — Pretendo adverti-lo de que é cansativo ouvir sempre as mesmas palavras, as

mesmas promessas. Sei por que está flertando comigo. — Por quê? — Como o senhor deve ter conhecimento, não sou conhecida apenas por ser uma

mulher avessa às frivolidades. Mas também por ser a mais rica viúva de toda a Inglaterra. Não foi o único a fazer-me a corte — finalizou, sem, entretanto, lhe revelar que havia sido o único a insinuar-se de forma tão ousada.

A maioria dos cavalheiros do círculo social de Evelyn sabia que ela era intransigente em suas opiniões, inflexível na maneira de encarar a vida e que seria sempre assim: altiva e pertinaz. Todos a respeitavam por isso.

Martin ergueu o dedo indicador e olhou-a como se estivesse lhe concedendo um ponto de vantagem.

— A senhora pretende desafiar-me? Um desafio? Então era isso..., pensou ela. — E bom saber "o que o senhor pensa de mim — disse-lhe friamente e empurrou-o

com mais força, dirigindo-se então para as escadas. Ele a seguiu até o topo. — Não tive a intenção de insultá-la, agindo como um pretendente apaixonado,

porque sei que é inteligente demais para cair nesse tipo de jogo. Evelyn se pôs a calçar as luvas, sem deixar de andar e sem encará-lo. — Isso não tem nada a ver com inteligência ou esperteza, lorde Martin. Conheço-o

bem demais, e é esse o motivo de minha desconfiança. No entanto, não era verdade. Não o conhecia tão bem assim. Haviam conversado

apenas três vezes. Observara-o de longe durante muitos anos. Apenas isso. — E a senhora sabe que sou um namorador incorrigível. — Agrada-me ouvir que o senhor reconhece tal atitude.

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— Seria inútil negar o que todos têm conhecimento. — E verdade — Evelyn concordou, começando a descer as escadas. Dessa vez, Martin não a seguiu. Permaneceu no topo, fitando-a. Ela o percebeu,

porque sentiu a nuca queimar com a força daquele olhar. Ao chegar ao pé da escada, virou-se e o encarou. Não soube o que a tinha compelido a isso e censurou-se. Devia ter seguido adiante.

— O senhor ainda quer que eu lhe reserve uma dança? — perguntou, com a garganta apertada.

Devia estar delirando, porque nunca agira assim em toda a sua vida. Martin se inclinou para a frente e sorriu. — Sim, muito. E, se me permitir livre escolha, gostaria de que me concedesse a

última. — A última? — Surpreendeu-se ela. — Posso ficar cansada e retirar-me cedo do

baile. — Confio em que ficará até o fim — Martin finalizou com um sorriso. Evelyn sentiu um doce calor tomar-lhe o peito, mas ainda assim argumentou: — Não esteja tão certo disso. — Por quê? Tenho certeza de que irá se divertir. Mais do que pensa. A alegria é

uma emoção contagiante e a senhora terá um raro momento de prazer. Ele a olhava com pretensiosa segurança, como se conhecesse o tipo de vida que

Evelyn levara até aquele momento. Uma presunção tola e absurda, que a aborrecia. Mas verdadeira. Havia experimentado poucas alegrias em sua vida solitária e complicada, porque presenciara o que tinha acontecido com mulheres que haviam se casado com homens encantadores. Vira o coração de sua mãe partir-se diante dos desatinos que o pai cometia por causa de outras mulheres e tinha acompanhado o sofrimento de Penélope por causa de Martin.

Acima de tudo, sabia o que significava a rejeição, convivera com isso durante quase toda a vida. Primeiro havia sido o pai, que não suportava nem sua presença nem as explosões do entusiasmo juvenil. Fora a mais dolorosa. Depois, o marido, que não a amava, mas exigia dela o cumprimento das obrigações conjugais.

Sabia, portanto, como esse sentimento doía e tinha aprendido a evitá-lo, não lhe dando atenção. Tornara-se deliberadamente inacessível. O desdém era a sua máscara e a sua concha. E agora ali estava Martin, o primeiro homem a ter a coragem, ou a intuição, de arrancá-la.

— Por que faz tanta questão de dançar comigo? Não sou um prêmio a conquistar — disse-lhe com propositada indiferença; não queria acabar como Penélope e a legião de mulheres das quais ele se apoderara do coração e da alma. — Poderemos dançar se desejar, mas isso não o levará a nada. Não perca o seu tempo. Ele a fitou.

— Não acredita que seja possível dançar sem nenhuma razão oculta, apenas pelo prazer do momento? — perguntou, sereno.

Evelyn sentiu-se desconfortável. — Não — murmurou, virando-se. — Pois deveria — Martin disse —, porque a vida é isso! Uma seqüência de

momentos, nada mais. Temos que nos empenhar para aproveitar cada um deles e esquecer o passado e o futuro. Nem um nem outro têm lugar no presente.

Evelyn não respondeu. A vida era mais do que uma série de momentos, porque todos tinham conseqüências, que, às vezes, traziam sofrimento. E como esquecê-lo? Talvez Martin conseguisse, pois jamais se importava com coisa alguma, a não ser tirar da vida o máximo que ela pudesse lhe oferecer.

Ele falou uma última coisa, antes que Evelyn alcançasse a porta: — Achei que a senhora, acima de todos, entenderia o significado de minhas

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palavras. Evelyn sentiu uma estranha opressão no peito e estacou. — Por quê? — Porque, lembro-me muito bem, passou um momento angustiante. Daqueles que

nunca são esquecidos! Recorda-se? Estupefata, Evelyn entreabriu os lábios. Seria possível? Ele realmente se

lembrava? — A que está se referindo? — Ao dia invernal de muitos anos atrás, num lago gelado. Recorda-se de como o

gelo era fino? Ela o fitou por alguns segundos, atônita. — Não imaginei que ainda se lembrasse disso. Faz tanto tempo... — respondeu

afinal, apertando a bolsinha de noite de encontro ao peito. Algo nos olhos de Martin mudou. — Mas me lembro de tudo. Houve um instante de profundo silêncio, antes que Evelyn perguntasse: — O senhor sempre soube quem eu era? — Sim, mas tinha a impressão de que a senhora não fazia idéia de quem eu era,

porque nunca me agradeceu. Era verdade? Não lhe agradecera? Mas a mãe dela o havia feito e os amigos também. Evelyn ficara muito

traumatizada naquele dia. E, nos anos seguintes, envergonhada demais para abordá-lo. No entanto, ele jamais tinha esquecido e ficara ofendido. Por tantos anos?

Lembrou-se então de como o havia tratado naquele dia, na estação férrea, como se fosse o mais vil de todos os homens e corou de vergonha.

Engolindo em seco, Evelyn procurava, entre lembranças e sentimentos antigos, o que dizer. Mas tudo lhe parecia tão remoto que custou a falar:

— Sou-lhe muito grata pela ajuda que me prestou naquele dia. Devo-lhe a vida. Muito obrigada.

Martin assentiu com um aceno de cabeça. — Já estava mais do que na hora de eu ouvir tal demonstração de agradecimento. — Preciso ir—murmurou Evelyn, pondo fim a um silêncio sepulcral. — Lorde e lady

Radley estão à minha espera. Até mais. — Até mais tarde. Evelyn seguiu adiante, como se estivesse caminhando nas nuvens. Nunca poderia

supor que, depois de tantos anos, ele ainda esperasse seu agradecimento, parecendo mesmo implorá-lo... De qualquer maneira, o gelo fora finalmente quebrado.

Lamentava agora aquela reserva absurda que a havia tornado, com o passar dos anos, a réplica da pessoa a quem sempre censurara. O pai, um homem frio e insensível, que em várias ocasiões a tinha exposto ao ridículo, fazendo com que se sentisse a última das criaturas. Lastimava-se por nunca ter se oposto às injustiças, nem ter se defendido contra acusações absurdas.

Sabia que deveria mudar, que queria mudar. Não imaginava como essa transformação se daria, mas estava certa de que se tornaria outra mulher.

O Ulisses era o auge, o supra-sumo da opulência e do bom gosto.

Esplendidamente pintado de preto para ressaltar o convés branco, a sala de estar tinha candelabros cintilantes © estofados de veludo, tudo no mais puro estilo renascentista.

No ar pairava ainda um leve cheiro de verniz, sobrepujado pelas fragrâncias

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adocicadas de perfume francês e champanhe de boa safra. No convés, as brasas dos charutos furavam a noite profunda e as longas cadeiras de vime sustentavam convidados silenciosos.

Evelyn entrou no salão de baile no exato momento em que a orquestra começava a executar uma valsa vienense. Em meio ao puro nervosismo do momento, teve a estranha sensação de que todos a olhavam e sentiu-se um tanto amedrontada. Mas logo se refez e deslizou por entre os convidados, distribuindo palavras sussurrantes aos conhecidos. Em seguida, foi postar-se ao lado de lorde e lady Radley, cumprimentando-os efusivamente.

— Está encantadora, minha querida — disse-lhe lady Radley, com o entusiasmo de sempre.

— Bondade sua, madame. — Venha sentar-se ao meu lado. Parado sob um retângulo de sombra, Martin examinava Evelyn. Viu o rosto oval, a

linha graciosa do queixo, a expressão meiga e tímida. Tratava-se de uma beleza velada, retraída, que não excitaria um homem mais exigente... não fossem seus milhões.

Talvez por essa razão, uma longa fila de jovens e não tão jovens cavalheiros ansiosos formou-se diante dela, cada qual disputando a vez de tomá-la nos braços e sussurrar-lhe bobagens ao ouvido. Não soube por quê, mas isso o irritou.

Quanto a Evelyn, estava plenamente consciente do interesse alheio. No passado, rejeitara-os todos. Mas, naquela noite, resolveu aceitar as homenagens. Havia magoado muitos, desprezando-os, talvez mais do que imaginara no momento. Tivera prova disso naquela mesma noite, ao falar com Martin, e não queria que essa infelicidade voltasse a acontecer. Estava decidida a tornar-se uma nova mulher.

Aceitou o primeiro pretendente da fila e saiu com ele a valsar. Assim foi com todos. Ao cabo de algumas horas, estava exausta. Arfante, foi sentar-se ao lado de lady Radley, que a acolheu com um sorriso.

— Minha querida, dançou além da conta esta noite. Solícito, Breckinridge trouxe-lhe uma taça de champanhe.

— Para refrescar-se, madame — ele lhe disse, com um sorriso. Evelyn aceitou-a também sorrindo e deixou que seus olhos vagassem pelo salão.

Os pares aconchegavam-se e havia risos por palavras segredadas. Quanto a Martin, estava no seu elemento. Encantador como sempre, distribuía sorrisos sedutores e beijava mãos sem conta.

Por que devo importar-me com isso?, pensou, despeitada, e pôs-se a ouvir o que Breckinridge dizia sobre o Ulisses:

— Falei pessoalmente com Jack Seaforth, o proprietário do navio. A senhora sabe que esta embarcação tem uma potência de 4.500 cavalos-vapor e pode desenvolver 18 nós por hora, o que lhe permite atravessar o Atlântico em apenas sete dias?

— Não, eu não sabia — respondeu Evelyn, surpresa. — Está dançando num navio de 2.400 toneladas, que é puro luxo. O sonho de

todos os homens que gostam de navegar — ele finalizou, erguendo sua taça. Enquanto isso, lady Radley passeava os olhos ansiosos pelo salão. — Já dançou esta noite? — perguntou-lhe Evelyn. — Ainda não. Estava admirando os jovens pares que estão deslizando na pista

neste momento. Evelyn voltou seu olhar para os dançarinos e viu Martin com uma loira. Então era

isso. Lady Radley estava à espera de sua vez. Evelyn também, pensou, com um leve sorriso, sentindo-se estranhamente sonhadora, ao admirar o par que girava pelo salão, conversando e sorrindo um para o outro, entregues ao prazer da dança.

Não havia dúvida, Martin era um sedutor, além de bonito, sociável e carismático. Tudo o que ela não era. Ele gostava de mulheres e divertia-se fazendo-as sentirem-se

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sensuais e desejáveis. Em contrapartida, Evelyn intimidava os homens, como se o interesse que manifestavam por ela fosse uma ofensa ao seu orgulho e à sua dignidade. Em matéria de sedução, tinha muito que aprender com Martin.

Tomou outro gole do champanhe e continuou a olhá-lo sobre a borda da taça. Então, ele e seu par aproximaram-se, valsando. A moça riu de alguma coisa e Martin lhe retribuiu o gesto, como se ambos fossem companheiros de algum esquema secreto.

Lady Radley inclinou-se para Evelyn. — Viu aquele sorriso? Era destinado a você, minha querida. Notou? Ah,

certamente que sim! O que eu não teria dado... — Suspirou. Evelyn riu. —- É um modo gentil de ver a questão. Será que foi mesmo para mim? — Oh, sim, foi destinado unicamente a você. — A senhora o acha bonito? —Indiscutivelmente, é o homem mais belo que já conheci. Mas há algo atrás

daquela aparência. Lembra-se das histórias que corriam sobre o irmão dele, o duque, antes que se casasse com uma rica herdeira americana?

— Que histórias? — Oh, você é jovem demais para saber. — Lady Radley olhou em torno e baixou a

voz. — As pessoas diziam que ele lutava com dificuldades porque o castelo da família, em Yorkshire, estava em ruínas. Também seus vastos domínios, outrora cobertos de ricos bosques, terras de semeadura e férteis pastagens, apresentavam um aspecto desolador. Parece que o que levara à ruína, a outrora nobre moradia, havia sido a negligência do pai de Martin, indolente e inábil em conservar o seu tesouro. Bebera até morrer. O avô tinha sido também um homem violento. — Suspirou. — Formavam uma família bastante infeliz.

— Ouvi dizer que o castelo era um lugar sombrio, mas nunca havia escutado essas histórias que acaba de me contar.

Lady Radley continuou a sussurrar: — Anos atrás, falava-se também de lorde Martin. Ninguém sabia onde ele se

encontrava. De repente, ele apareceu, conquistando troféus e glória. Muitos acharam que estava voltando do exterior, onde tinha ido trabalhar. Outros, que se lembravam da história familiar, disseram que ele estava saindo do asilo de loucos, onde o encerraram por algum tempo. Estou convencida de que não foi nem uma coisa nem outra. Mesmo porque, de repente, os boatos silenciaram. Atualmente, o duque é um cavalheiro carismático e, pelo que ouvi dizer, tem um lar feliz, uma mulher linda e filhos adoráveis. Os fantasmas, com certeza, desapareceram.

Evelyn não fez nenhum comentário. A atenção estava voltada a Martin e seu par. — Toda aquela infelicidade permaneceu no passado — prosseguiu lady Radley. —

Lorde Martin tem um coração de ouro. Não concorda comigo? Ele faz qualquer mulher sentir-se linda. Até mesmo alguém de minha idade!

Muito do que a dama tinha dito era verdade. Pelo breve instante no corredor do hotel, também Evelyn se sentira linda, embora não fisicamente. Havia se tornado consciente de uma vitalidade que ignorava possuir. Queria de novo reconhecer-se assim, unia nova mulher.

— Dançaremos a próxima valsa, assim espero. — Lady Radley tomou um gole de champanhe e sorriu. — Ficar tão ansiosa na minha idade!... Acha isso possível?

Evelyn sorriu. Achava não apenas possível, mas perfeitamente compreensível. Martin era mesmo um homem capaz desses impulsos românticos e nobres.

A orquestra terminou de executar a valsa, e um murmúrio de vozes dominou o salão.

Lady Radley ergueu o braço. — Aí vem ele — falou.

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Martin aproximou-se e curvou-se diante dela. — Peço-lhe que me dê a honra desta dança, milady. Lady Radley fitou-o,

sorridente. — Eu ficaria encantada. Antes de conduzi-la para o centro do salão, Martin fez uma significativa inclinação

de cabeça a Evelyn, como se quisesse lembrá-la de que a próxima dança seria a deles. Ela deixou escapar um suspiro e baixou os cílios, em sinal de assentimento.

Por um breve instante, observou o par pronto para valsar. Martin sorria docemente e lady Radley, com o rosto erguido para ele, resplandecia.

Ah, o poder da sedução..., pensou, seguindo-os com os olhos. A música logo chegou ao fim e lady Radley retornou pelo braço de Martin. Depois

de entregá-la ao marido, Langdon fez uma reverência diante de Evelyn com expressão solene.

— Sra. Wheaton... pode conceder-me o privilégio da próxima dança? — indagou e sorriu, como se de fato não desejasse outra coisa. Em seguida, acrescentou: — A menos, é claro, que esteja cansada demais.

Os lábios de Evelyn separaram-se num "oh" de surpresa. Ele estava lhe dando a oportunidade de recusá-lo? Preparava-se para responder, quando Breckinridge se adiantou:

— Acredito que a sra. Wheaton precisa recuperar o fôlego. Faz calor aqui, tenho certeza de que o senhor também notou.

Martin olhou-o com frieza. — Está de fato insuportavelmente quente. Sra. Wheaton, posso escoltá-la até o

convés, se preferir. Lá poderá respirar um pouco da brisa do mar. Os dois homens encararam-se por alguns segundos e Evelyn ofendeu-se. Não

permitiria que outros decidissem por ela. — É muita consideração de sua parte, lorde Martin. Eu gostaria muito de tomar um

pouco de ar fresco, como o senhor sugeriu. No mesmo instante, Martin ofereceu-lhe o braço. — Subiremos ao convés principal. De lá, teremos uma vista magnífica do céu e do

mar. Após alguns minutos, transpuseram a escotilha e encontraram-se diante de uma

visão de sonho: a lua estava ainda muito baixa no céu noturno, cheio de estrelas, refletindo sua luz no mar escuro.

Debruçada sobre a amurada, Evelyn saboreava aquele momento mágico. Sentia-se tranqüila. A nova vida tinha seus atrativos e não havia razão para que não os desfrutasse. Era um prazer, sem dúvida, contemplar Martin, belo em sua sobrecasaca preta, de corte impecável, cuja calça lhe aderia como luvas às pernas longas e musculosas.

Sentia a força que dele emanava. De repente, teve a percepção da virilidade que lhe perturbava os sentidos, despertando sensações nunca antes imaginadas. E, se o via sorrir, mesmo fugazmente, enquanto fazia comentários sobre a regata, sentia-se tão leve que tinha a impressão de flutuar.

Que delícia! — exclamou Evelyn, ao sentir a brisa fresca em seu rosto. — Estava quente lá embaixo, não estava?

Apoiando o cotovelo na amurada, Martin respondeu com um sorriso: — Sentia-me como numa estufa. — Espero que tenha se referido à qualidade do ar, lorde Martin, e não à

companhia. — Uma recatada viúva fazendo comentários tão deselegantes... — ele gracejou. Evelyn procurou manter-se séria. Martin a estava provocando de novo, como fizera

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no corredor do hotel. Era como se, de algum modo, soubesse que ela desejava sair da concha a estimulava a fazê-lo. Evelyn não tinha idéia se isso lhe agradava ou não.

— Sabe que não fiz um comentário inapropriado. Foi o senhor que o insinuou — ela replicou, com insolente zombaria, enquanto o fitava.

Martin sorriu. — Eu apenas disse que o salão estava abafado. E a senhora logo deu a entender

que seus companheiros eram aborrecidos. Evelyn teve vontade de rir, pois sabia que ele estava brincando. Além do mais, se

não havia sido como Martin dissera, tinha sido quase assim. A verdade era que ele não se parecia COm. nenhum dos cavalheiros que ela conhecia. Fazia-a sorrir, algo que bem poucos homens tinham conseguido até aquele momento. E rir era do que ela precisava.

Após um breve silêncio, Martin falou ao observar o mar: — Estamos bem no alto. Perigosamente no alto. — Pois é. Não estamos num navio qualquer. Segundo lorde Breckinridge,

usufruímos dos confortos de uma embarcação de 2.400 toneladas que é puro luxo. Martin arqueou as sobrancelhas e depois bateu o pé na madeira da escotilha. — Sólida como uma rocha. — Breckinridge disse que um navio como este é o sonho de qualquer homem. — Não concordo. Eu, por exemplo, tenho outros sonhos. Ei quando estou

navegando, prefiro a força do vento a qualquer luxo. — Por quê? — Sinto-me em paz. — E quando ele sopra, tempestuoso? — Sinto-me arrebatado num turbilhão. As grandes lanchas oscilam presas às

âncoras, as proas erguem-se e se abaixam, numa nuvem de espuma. O ar fica cheio de água volante, os pequenos barcos se esbarram à margem, envoltos pela bruma densa. E um espetáculo único!

— Pode ser uma cena encantadora, mas não única — ela opinou. — Por certo há algo que o seduz tanto ou mais do que isso. Dizem que o senhor gosta de velocidade, perigo e excitação. Além de ganhar troféus. Essa é, de fato, a sua mais relevante motivação?

Ele se voltou e olhou-a como se achasse o ponto de vista de Evelyn surpreendente.

— A senhora nunca velejou antes? — Minhas experiências marítimas resumem-se às viagens que faço em velozes e

seguros navios a vapor — ela respondeu, sentindo-se um tanto ingênua. — Não é a mesma coisa. Navegar num barco a vela é como estar perto do céu. Evelyn nunca ouvira ninguém falar assim, com tamanha paixão. Mas quis dar a sua

opinião sobre o assunto: — Sinto muito, mas não consigo sentir atração por um barco que se inclina tanto

que suas velas quase tocam a água e os tripulantes têm que correr para o lado oposto, a fim de evitar que ele vire. Essa não é minha idéia de paz.

Martin riu. — Não, minha querida. Um bom velejador sabe manter tudo sob controle. — Então

ele ficou em silêncio por um instante e, assim que tornou a falar, havia uma ponta de melancolia na voz: — O simples ato de içar as velas me deixa em estado de ansiedade. E, quando sinto o vento me golpear o rosto ou quando estou atento às ondas e me preocupo em endireitar as velas, esqueço meus problemas, esqueço tudo. Às vezes, chego até a esquecer quem sou.

Evelyn pensou por que o mais celebrado esportista da Inglaterra, invejado pelos homens e adorado pelas mulheres, parecia tão desejoso de esquecer quem era.

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Lembrou-se então do que se dizia sobre os homens da família de Martin e perguntou-se se não residia ali a raiz de sua inquietação.

— E controlar o leme... — ele continuava, sem imaginar por onde andavam os pensamentos dela. —Não há nada que se iguale a esses momentos, quando o inferno é esquecido, o que conta é apenas o presente, o glorioso instante em que, Confiantes, conseguimos levar o barco a um porto seguro.

Evelyn sentiu um aperto no peito. Por que Martin se arriscava tanto? Ninguém podia controlar a fúria do mar. Ninguém podia se sentir sempre dominado por essa confiança sem limites. E se o mar um dia explodisse em furiosa cólera? Ou estaria ele sonhando com isso, com alguma ação valorosa? Seria essa a sua verdade secreta? Evelyn arrepiou-se de medo, Langdon não podia ser louco a tal ponto. O que ganharia com isso? Uma glória ainda maior do que a que já conquistara? Ele deveria estar satisfeito agora. Inteiramente satisfeito.

De modo inesperado, sentiu a apreensão sufocá-la. Por quê? Seu queixo tremeu e lágrimas marejaram-lhe os olhos. o que estava lhe acontecendo afinal? Qual era o motivo daquele pranto repentino?

— Prometa que irá velejar em meu barco — ele disse, surpreendendo-a. — Estamos em Cowes, o centro das regatas, seria uma pena que voltasse para casa sem experimentar a sensação ímpar de ter o mundo invadido por uma paz maravilhosa.

— Oh, não! Eu não poderia... — Por que não? — Vim apenas para assistir à competição. Martin fitou-a dos pés à cabeça, como se estivesse gostando do que via.

Lisonjeada mas nervosa porque homem nenhum a olhara assim antes, Evelyn ficou pensativa um momento.

— Não sei se é uma boa idéia. Ele se inclinou e disse-lhe ao ouvido, como se fosse um segredo: — Não pode passar a vida encerrada em sua concha. Nunca teve vontade de

experimentar coisas novas? De explorar, sentir-se verdadeiramente viva? Os olhos de ambos se encontraram quase em desafio. E, por um instante, Evelyn

permitiu-se saborear o encantamento daquela estranha intimidade que se estabelecia entre eles. Queria decifrar-lhe os pensamentos. Seria verdade o que Martin dissera? Sentiu um arrepio, um misto de medo e excitação. Sensações desconhecidas inflamavam seu corpo. A tentação era muito forte, mas durou apenas alguns segundos. Lutando ainda para se dominar, recuou e murmurou:

— O senhor disse coisas que não devia. — Apenas lhe falei que precisa aprender a viver. Entregar-se ao momento

presente, feliz, de olhos fechados. Ele tinha razão, sem dúvida. Expunha o que pensava da vida. O que poderia lhe

responder? Deveria mostrar-se aborrecida com Martin? Não valeria a pena. Era o mesmo homem de sempre. Ela é que não era mais a mesma mulher. Então os sonhos da adolescência voltaram a envolvê-la. Devaneios de uma jovem sofrida que conhecera bem pouco da vida e que sempre havia imaginado que o amor fosse apenas uma curta embriaguez... E se, no entanto, ela não soubesse tudo, se existissem realmente amores duradouros...

Mas o que esperar de um homem como aquele, que sabia seduzir qualquer mulher e que o fazia com uma freqüência espantosa?

— Eu poderia tomá-la nos braços agora mesmo — ele disse, em voz baixa e sedosa, surpreendendo-a mais uma vez.

Era como se Martin estivesse insinuando todos os tipos de atividade amorosa que poderiam acontecer a bordo de um veleiro que tinha acabado de deitar âncora num

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recesso abrigado. Não havia por que fingir que não compreendia o que ele estava lhe propondo:

liberdade, divertimento, galanteios, prazeres. Então, o que fazer? Sorrir e repeli-lo docemente, antes de tornar a encerrar-se em sua concha:

— Não estou à procura desse tipo de excitação. Martin afastou-se um pouco. — Esqueci de que estava falando com uma dama virtuosa. Queira me desculpar. Evelyn não pôde conter o riso e ele exclamou: — Meu Deus!... É a primeira vez que a ouço rir. — Tem razão. Não costumo rir. Martin fitou-a com uma espécie de piedade. — Gostaria muito de que aprendesse a rir comigo. Vamos velejar juntos que a

ensinarei. — Ergueu a mão, como num juramento. — Prometo que me comportarei bem. Nada de flertes nem de conversas inconvenientes. Quero ensiná-la a manejar o leme. Apenas isso.

Evelyn lembrou-se de que ele lhe dissera anteriormente que a vida era feita apenas de momentos e, embora não concordasse totalmente com isso, pensou na possibilidade de haver aí alguma verdade. Será mesmo que as pessoas tinham que aproveitar as oportunidades que se apresentassem, porque não era possível saber se apareceriam de novo?

Estava ainda imersa em pensamentos, quando um grupo de convidados emergiu do convés inferior, tendo à frente Breckinridge, lorde e lady Radley.

Evelyn afastou-se de Martin e voltou-se para eles. — A festa acabou? — Neste momento — disse Breckinridge, olhando para Langdon com

desconfiança. — Mas nosso grupo quer terminar a noite com uma caminhada até a esplanada. Gostaria de vir conosco, sra. Wheaton? — perguntou, já lhe oferecendo o braço. — Podemos ir até o Guarda-Chuva Verde.

O Guarda-Chuva Verde era um grande clarão à margem de um canal, onde, aos domingos, reuniam-se as moças e os rapazes de Cowes. Durante a semana, dormia na sua paz rústica, o silêncio interrompido apenas pelos gritos dos remadores e dos vendedores de quitutes. Era também o lugar preferido dos namorados que iam ali à noite para trocar juras de amor. Haveria uma segunda intenção no convite de Breckinridge?

De qualquer modo, seu tempo com Martin já estava terminado. Haviam permanecido ali, olhando para o mar e as estrelas tempo demais. Era chegada a hora de sair com seu grupo.

— Um passeio noturno seria ótimo, lorde Breckinridge — respondeu, aceitando o braço que ele lhe oferecia. — Boa noite, lorde Martin.

Ele lhe fez uma leve reverência. — Boa noite, sra. Wheaton — retribuiu o cumprimento, sem, entretanto, renovar o

convite para o passeio de barco. Evelyn deixou escapar um suspiro de alívio, não só porque não queria que os

outros soubessem, mas também porque não desejava recusá-lo. — Gosta de jogar críquete, sra. Wheaton? — quis saber Breckinridge, enquanto a

escoltava rumo à esplanada. Lorde e lady Radley caminhavam à frente, ao passo que Martin caminhava ao lado

de Spencer e algumas jovens ladies, a certa distância deles. — Sim, gosto, mas ocasionalmente — esclareceu Evelyn, esforçando-se para

demonstrar algum entusiasmo. — Poderemos jogar algumas partidas. Tenho um conjunto de bolas muito bom. — Verdade? — Oh, sim! Presente da rainha — ele falou, corando.

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Evelyn deixou escapar uma risadinha e Breckinridge estacou prontamente, olhando-a como se ela tivesse enlouquecido.

— Sra. Wheaton, quer que eu a leve de volta ao hotel? A senhora não me parece bem esta noite. Não foi o champanhe?

— Não — ela murmurou, sorrindo. — Não se preocupe. Estou bem. — Mas rir à toa não era normal em Evelyn, sempre reservada.

Ele a advertiu, a voz traduzindo aborrecimento: — Acho que irá me agradecer amanhã por evitar que se exponha sem motivo. Ela lhe fitou o rosto encolerizado e suspirou. Breckinridge tinha ficado muito

magoado, não havia dúvida. E decepcionado, bastante decepcionado. Como Evelyn pudera se comportar assim? Mas não havia jeito de fugir de si mesma.

— Se não se importa, eu gostaria de continuar a caminhada — disse, calma e controlada. — A noite está maravilhosa e quero aproveitá-la até o fim.

Em seguida, ela olhou para Martin e Spencer, rodeados de belas ladies, como quem faz uma avaliação. Sim, gostaria de estar com eles.

Breckinridge reconheceu que não conseguiria convencê-la, caso se mantivesse irredutível e cedeu.

— Como quiser, sra. Wheaton. Continuaremos a nossa caminhada. Evelyn também se esforçou para se mostrar cortês e aceitou o braço que ele lhe

oferecia outra vez. Retomaram a caminhada, passando em frente ao Iate Clube Esquadrão até chegarem ao Guarda-Chuva Verde e sentaram-se num banco de frente para o mar.

Breckinridge olhou para o céu cheio de estrelas. — Noites assim são raras. — É realmente um espetáculo admirável — concordou Evelyn. Ele estava falando com amabilidade e não havia motivo para destratá-lo, mesmo

porque isso não era do feitio dela. Porém, a presença do conde a deixava perturbada. Continuaram ali, em constrangido silêncio, olhando o constante fluxo de ladies e cavalheiros que passeavam ao longo da esplanada, conversando e rindo.

Evelyn juntou as mãos, resignada, reconhecendo que aquele pesado desconforto não era uma sensação nova. Sentira-se assim com o falecido marido, especialmente antes de Se casarem. Durante o breve noivado, costumavam fazer silenciosos passeios pelos arredores, assim como fizera ao lado de Breckinridge, durante os quais tinham pouco a dizer. Lá também havia o mar. Felizmente. No cimo de uma colina, a pequena igreja tinha o tom cinzento de um rochedo a musgoso. Erguia-se ali havia séculos e, por entre a folhagem de árvores centenárias, via os grandes navios que partiam, as grandes chatas sempre em movimento e as pequenas barcas que flutuavam lá embaixo.

Sentia então um assomo de liberdade, uma vontade enorme de caminhar descalça, solitária, pelas rochas descobertas, em busca de mariscos ou da oportunidade de banhar-se, seminua, por suas verdes águas. Algo impossível para a mulher de um pastor, que mantinha o seu temente rebanho sob um controle severo.

Olhou de novo para o grupo de Martin e Spencer que brincava à beira-mar, rindo e se divertindo, e desejou, de todo o coração, estar com eles, em vez de permanecer ali, sentada embaixo de um chorão, aborrecida e presa àquela teia de obrigações sociais.

— Que absurdo! — exclamou Breckinridge, mostrando Martin, que entrava na água vestindo seu formal traje de noite.

— Um absurdo total! — Evelyn fingiu concordar. Breckinridge levantou-se no mesmo instante e ofereceu-lhe o braço com galanteria.

— Permita que eu a acompanhe de volta ao hotel. Isso a poupará de assistir a uma cena tão deprimente quanto esta.

Despediram-se de lorde e lady Radley e, vagarosamente, atravessaram o gramado

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que margeava a calçada. Mas Evelyn não estava convencida da necessidade de afastar-se. E perguntou-se quanto tempo levaria para não se sentir mais uma estranha em meio àquele alegre divertimento. Quanto tempo levaria para aceitar as atenções de Martin? Não seria feliz se não as aceitasse. Essa idéia causou-lhe uma sensação de medo e alegria ao mesmo tempo.

Pouco depois, Martin aparecia, gotejante, no corredor do hotel, lutando para encontrar a chave que guardara no bolso do colete. Havia deixado os amigos na praia, ao ver Evelyn afastar-se de braço dado com Breckinridge, e agora estava j ali, procurando entrar em seu quarto para mudar de roupa.

Sabê-la ao lado do conde, quando ele próprio queria outra Oportunidade para falar e flertar com ela, tirara-lhe toda a alegria da noite.

De repente, ouviu um som vindo do quarto de Evelyn. Era eIa? Ou estava ainda com Breckinridge? Só essa idéia era-lhe insuportável. Então a porta se abriu e Martin deu um suspiro de alívio. Esperou alguns segundos e girou nos calcanhares.

Ela estava no limiar com os braços cruzados sobre o peito e o olhava com severidade. Ali estava a mulher que nunca deixaria de desafiá-lo.

— A senhora aquece meu coração — disse-lhe, um tanto dramático. Evelyn sorriu. Era impossível ficar séria diante de tamanho bom humor. . — Veja em que estado estou. — Ele abriu os braços. — Caí numa poça d'água. — Ah, não! Eu o estava observando de longe. O tempo todo. De modo descontraído, ele atravessou com dois passos a distância que os

separava e colocou-se diante dela. — Estava mesmo? O tempo todo? Martin tirou a gravata e espremeu-a diante de Evelyn. Ela o olhou, perplexa, e

depois para o chão molhado. Ergueu o rosto e ia repreendê-lo, quando percebeu que aquilo estava se tornando um jogo entre ambos.

— A senhora não vai me denunciar por isso, vai? — Eu deveria—ela respondeu. — Neste mesmo momento. Martin ajoelhou-se

diante de Evelyn e disse: — Oh, não! Não faça isso, por favor. Ela suspirou, resignada. — O senhor leva tudo na brincadeira. Mas essa poça vai deixar marcas no

assoalho. É de água salgada. Ele baixou a voz. — Vamos nos ajoelhar e limpá-la juntos. — Não o faria nem morta! Imagine, enxugar o chão que o senhor alagou

propositadamente! Martin teve vontade de rir e de aplaudi-la, mas se conteve. O momento pedia

prudência. — O que iremos fazer então? Talvez haja um modo de convencê-la a não me

denunciar. Com outra mulher qualquer, ele teria tido um comportamento mais ousado. Mas ela

não era uma mulher qualquer. Evelyn mostrava-se indiferente aos flertes, dissera Lyndon. E, depois da conversa que havia tido com ela aquela noite, estava começando a ver a inutilidade de outras coisas também. Ela não tinha, por exemplo, a frieza de um peixe. Estava assustada com a possibilidade de ver-se obrigada a reprimir as ousadias de algum pretendente ansioso e correndo grande risco de explodir de vez.

— Talvez haja uma solução — Evelyn falou, tomando-o de surpresa. — Qual? — Estive pensando sobre a conversa que tivemos no convés do Ulisses e mudei

de idéia. Quero velejar. Leve-me para velejar e ficarei calada. Eu gostaria de saber por que se faz tanto barulho por isso.

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Martin procurou esconder o entusiasmo. — Diga-me se compreendi bem. A senhora quer que eu a leve a velejar? Evelyn clareou a garganta e deixou cair os braços ao longo do corpo, numa atitude

de impotência, como se tivesse vergonha de dizer sim. Num primeiro momento, ele quis impacientá-la, brincar com seus sentimentos. Depois teve receio de que ela se fechasse em seu quarto se o fizesse. Ou pior, pedisse a Breckinridge que a levasse velejar. Então esperou calmamente uma resposta.

Por fim, ela assentiu com a cabeça. — Bom... já que nos entendemos... — Posso confiar que o senhor me trará de volta sã e salva? Martin experimentou

um instante de dúvida. Não podia responder afirmativamente, conhecendo os caprichos do mar. Mas guardou essa dúvida para si mesmo e falou com firmeza:

— Pode confiar no veleiro e na habilidade de seu piloto. Evelyn mordeu os lábios, ainda insegura.

— Não quero comprometer minha reputação. — Fique tranqüila. — Outra coisa. Pensei que o senhor pudesse convidar outras pessoas para nos

fazer companhia. Lorde e lady Radley, por exemplo. Não seria mais apropriado? Ele passou a mão no queixo, considerando a questão. — Deixe-me ver. Convidar outras pessoas na sua primeira viagem num veleiro.

Hum... não. — Não? Espera que eu vá sozinha com o senhor? — Confesso que sim. — Apenas nós dois num veleiro? O senhor perdeu o juízo! — Dito isso, ela lhe deu

com a porta na cara. Martin fez força para não rir porque sabia que Evelyn voltaria atrás. E assim foi. Um minuto depois, ela abriu a porta e espiou o corredor. Quando o viu

ali, ainda no mesmo lugar, espantou-se. — O que está fazendo aí, à porta de meu quarto? — E a senhora, o que está fazendo? Espiando-me? Ficaram se olhando durante

algum tempo, findo o qual Martin passou os dedos por entre os cabelos molhados. — Pensei que tivesse ido embora — ela se defendeu com timidez. — Come vê, ainda estou aqui. Ensopado, correndo o risco de resfriar-me. Vou tirar

essas roupas molhadas. — Ato contínuo, ele tirou a sobrecasaca e o colete exatamente ali, diante de Evelyn.

Viu-a corar e gostou de chocá-la pela extravagância do gesto. Afinal, já era tempo de que alguém colhesse as maçãs daquela árvore.

— Então, fica combinado que iremos velejar amanhã — Martin disse, sem mais preâmbulos.

— Amanhã? — repetiu, ainda incerta. — Amanhã, às sete horas em ponto. — Ele se virou e caminhou até a porta de seu

quarto. De lá, acrescentou: — Estarei à sua espera no Green. Vista uma roupa quente e não se atreva a faltar ao encontro — concluiu.

— Ainda não disse se vou — ela o desafiou. — Não disse, mas quer ir. Isso posso falar pela senhora. Até amanhã. Sem um segundo de hesitação, fechou a porta e ficou à espera. Evelyn, por certo,

imaginava que Martin a abriria de novo. Porém, ele não ia ser tão tolo a ponto de lhe dar outra oportunidade de recusar o

convite, coisa que não desejava. Continuou ali, de ouvidos atentos até escutá-la fechar a porta a chave. Então sorriu e tocou a campainha para pedir ao camareiro que lhe

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providenciasse um banho quente.

CAPÍTULO IV

As sete horas em ponto, vestindo roupas pesadas, como Martin lhe recomendara,

os cabelos presos sob uma boina de lã, Evelyn deixou o hotel. Uma neblina fria e úmida cobria tudo. O passeio molhado refletia os bicos de gás e

a garoa invisível que caía do céu a enregelava até os ossos. De repente, sentiu-se sozinha, abandonada, e sua mente disse-lhe para voltar. Por

que aquilo tinha que acontecer? Por que havia cedido? Mas logo se arrependeu. Não ousar, continuar a viver a insípida tristeza de sua vida? Nunca mais!

Apertou o passo e prosseguiu, queria aventurar-se. Pela primeira vez na vida, desejava ser livre como Martin na noite anterior. Queria aprender a ser como aquelas mulheres, cuja companhia ele apreciava, queria rir alto, sem carregar outros pensamentos como, por exemplo, preocupar-se com Breckinridge e seu puritanismo.

Estava cansada de ser uma recatada e séria viúva. Havia ficado sozinha durante muito tempo, levando uma vida austera, como convinha à viúva de um pastor. Mas tinha as próprias necessidades que homem nenhum, até aquele momento, fora capaz de satisfazer. Devia haver um fim para aquilo. Do contrário, mergulharia na loucura de aceitar o primeiro pretendente que se apresentasse, sem estar preparada para tal. Já o experimentara antes, mas tinha fracassado por completo.

Ao chegar ao pavilhão, diminuiu os passos. Martin já estava lá, como prometera, usando um agasalho de lã aberto e uma faca na cintura. Não parecia, nem de longe, o irmão de um duque. Assemelhava-se mais a um bandido de algum daqueles livretos americanos de bangue-bangue.

Então ele sorriu e avançou para cumprimentá-la, tornando-se o charmoso aristocrata de sempre. Evelyn desceu do passeio e pôs-se a caminhar sobre os seixos para encontrá-lo no meio do caminho.

— Eu sabia que viria. — Martin ainda sorria. — Mas não vá mudar de idéia agora! — O que o faz pensar assim? Ele simplesmente ergueu uma sobrancelha e lançou-lhe um olhar experiente, como

se tivesse conhecimento de cada palavra do debate interior que ela travara a caminho da praia.

Evelyn emitiu um suspiro resignado e Martin deu-lhe a mão. — Vamos. O bote que nos levará até o veleiro já está à nossa espera. Ao chegarem à embocadura da enseada, um sol fraco, tímido, começava a

aparecer, rompendo as nuvens acinzentadas e afastando o vento frio do norte para além das verdes ilhotas do sul.

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Ele a ajudou a subir na embarcação e Evelyn foi se sentar num banco junto à popa. Martin empurrou o bote por cima dos seixos e esperou um segundo até vê-lo

flutuar. A embarcação balançou perigosamente por alguns segundos até encontrar o equilíbrio. Só então ele entrou e sentou-se ao lado dela.

— O iate não está longe daqui — explicou, apanhando os remos. Para Evelyn tudo aquilo era um sonho. Ainda não conhecia o iate por dentro, mas

devia ser o retrato de Martin, o espelho de um homem exigente, requintado, que o planejara com idêntico cuidado com que se projeta uma casa: conforto, gosto pessoal e necessidades particulares.

—- Aqui estamos — disse ele, erguendo os remos e levando 0 bote junto à popa do grande veleiro que, de perto, parecia tão lindo quanto visto a distância.

— E desafiador. — Sim. Foi feito para vencer. — Tomou-a pela mão. — Subirei antes e lhe direi o

que deve fazer. Evelyn batia os dentes. O vento golpeava-lhe as faces, ameaçando arrancar-lhe a

boina e enfunar suas saias. Martin se içou a bordo e voltou pouco depois com uma escada de cordas. — Vou jogá-la e a senhora não irá encontrar problemas em usá-la. Segure-se bem

nas cordas laterais e suba as transversais devagar, um passo após o outro. Evelyn levantou-se, e o bote balançou um pouco. Então ela se agachou. Depois,

devagar, foi seguindo as instruções dele. Quando chegou ao alto, Martin a agarrou pela cintura.

— Não foi tão difícil, concorda comigo? — Os profundos olhos azuis cintilavam. Intimidada por aquela inesperada proximidade, ela murmurou, de olhos baixos: — Foi mais fácil do que eu imaginava. Martin fez um gesto amplo, mostrando o

convés. — Vou lhe explicar o que há à sua volta. Aqui onde está o leme é o lugar do piloto

e, acima, situa-se a coberta de proa. Evelyn olhou em torno. Tudo estava impecavelmente limpo e brilhante com uma

camada de verniz novo. O alto mastro era também de madeira envernizada e brilhava, assim como as balaustradas e a cabine, o brilho intensificado pela primeira claridade de luz matinal. A proa era pintada de vermelho-mogno e o acabamento de cromo polido incluía o painel de comando.

— E um barco soberbo. Martin sorriu de modo contagiante, que a fez se derreter. — Obrigado. Venha conhecer a cabine — convidou-a, abrindo a porta dupla da

escotilha. De braços cruzados, encostado junto à entrada, ele lhe fez notar a admirável

proporção da cabine, engenhosamente dividida pela escada. A parte maior era reservada para a cozinha, a mesa de refeições e o beliche. A menor para o sofá, o armário e o toalete.

— É espetacular! — exclamou Evelyn. — Bem de acordo com a sua personalidade. — Alegro-me que pense assim. É como deve ser. Um barco, especialmente a

cabine, tem de oferecer o mesmo aconchego do lar. Precisa ser planejado com idêntico cuidado com que se projeta uma casa: conforto, gosto pessoal e necessidades particulares.

Martin deu um passo na direção dela. Evelyn recuou, fazendo-o sorrir. — Não se preocupe, pode confiar em mim. Não vou tomá-la à força. A menos,

claro, que a senhora queira. Evelyn corou. Ele não devia ter feito uma observação tão ousada. Mas, para a

própria surpresa, não se aborreceu com essa impropriedade. Desceu e foi fazer-lhe

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companhia. — E aqui que vamos preparar nossos lanches e comê-los. — Ele fez uma pausa

seguida de um sorriso, antes de continuar: — Além dessas, há também as acomodações do chefe. Quero que as conheça.

— O chefe tem privilégios? — perguntou Evelyn, impressionada e curiosa. — Venha ver. Martin conduziu-a para um espaço fechado na ponta da proa, onde havia uma

cama ampla suficiente para acomodar duas pessoas. Ela pensou como seria agradável compartilhá-la com alguém na intimidade proporcionada por um veleiro... Velejar por mares revoltos, ancorar sob um céu estrelado, longe das pressões... Pescar, compartilhar das conversas e do silêncio, depois se retirar para a intimidade de uma cabine e fazer amor...

— Parece muito confortável — murmurou, voltando a si. — Sim, de fato. E também muito tranqüilo, especialmente a noite, quando está ancorado. — Martin pegou-a pela mão. — Vamos tomar uma xícara de café.

— Não deveríamos velejar? — Há muita neblina no momento e nenhum vento. Acho que o tempo só irá

melhorar dentro de uma hora. Incomoda-se de esperar? — Os olhos azuis eram amigáveis e, lentamente, Evelyn conseguiu dominar sua reserva.

— Nesse caso, um café será bem-vindo. — Muito bem. Então, mãos à obra! Na cozinha, enquanto esperava que a água fervesse, Evelyn pensou em dar uma

olhada em volta. Numa das paredes, havia a fotografia de Martin no meio de um grupo, erguendo a Taça Cowes. A sua equipe de navegação, deduziu.

— Foi tirada no ano passado? — Sim. A primeira, dei a meu irmão, que financiou o veleiro. Agora preciso

urgentemente de outra que faça companhia a essa. — Nesse caso, terá que vencer a regata do fim de semana. — É a minha meta. Mas já deve ter ouvido falar do Endeavor, de lorde

Breckinridge. — Sei que é muito rápido. Martin sentou-se à mesa e fez um sinal para que ela se acomodasse ao lado dele. —Venha tomar o café antes que esfrie. Quanto ao Endeavor, confesso que fui vê-

lo. Examinei-o com cuidado. E um barco vencedor. —- Está preocupado com. isso? O senhor, um campeão? Ele a olhou com ar de dúvida. — Está se divertindo à minha custa, sra. Wheaton?

Vou lhe dizer algo que talvez não saiba: velejar é coisa séria, Talvez mude de opinião no final do dia, depois de ter passado por tal experiência.

— Pode ser. Ele pareceu gostar da resposta porque se inclinou para trás e alongou o braço

sobre o espaldar acolchoado do banco, mais à vontade. — Agora me diga o que andou fazendo desde aquele dia, há dez anos, quando, ao

me ver na estação, insinuou que eu deveria mudar de vida? Evelyn ficou surpresa. Martin não só se lembrava daquele famoso dia como,

também, da conversa que tiveram. — Eu me casei e enviuvei logo depois. Como o senhor deve saber. — Ouvi dizer que ficou casada por pouco tempo. — Três meses. — Deve ter sido doloroso perder o marido logo após a lua-de-mel. Evelyn baixou os olhos. — Não tivemos lua-de-mel.

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— Mesmo assim. Os primeiros meses de casamento, suponho, são sempre... como posso dizer... os mais excitantes. É uma vida diferente, afinal, a cada dia uma nova descoberta.

Evelyn mexeu-se, desconfortável, no banco, pensando se ele estava se referindo a algo mais específico do que a nova vida que o casamento representava. Suspeitava que sim e sentiu um calor incômodo subir-lhe ao rosto. Não esperava abordar um assunto tão íntimo e delicado, algo de que não gostava de lembrar.

— Foi diferente, não há dúvida — disse-lhe sumariamente. — Mas também tão breve que, às vezes, penso que não aconteceu. De qualquer modo, sou agora outra pessoa. Tenho que seguir em frente. Ao menos tentar.

Ele baixou os olhos e, quando os ergueu de novo, não eram mais dois pontos brilhantes, e sim dois poços sombrios.

Evelyn perguntou-se por quê. E então se lembrou do que lady Radley havia lhe contado a respeito de Martin e sua família na noite anterior. Acabou de tomar o café e perguntou-lhe de chofre:

— Quando aprendeu a velejar? — Depois que voltei da América do Norte, sob o estímulo de meu irmão. — O senhor esteve na América? Ele não respondeu logo. Ficou imóvel e em silêncio por alguns instantes. Enfim,

falou: — Passei quatro anos na América e, após retornar, meu irmão quis que eu fizesse

alguma coisa que ocupasse o tempo. Ele encomendou meu primeiro veleiro. — E então? — perguntou Evelyn tranqüilamente. — Não há mais nada para dizer que todos já não saibam. — Martin tornou a sorrir.

— Não está sentindo? — O quê? — O movimento. Há brisa finalmente! Evelyn sentiu também a suave ondulação. — E suficiente para velejarmos? — Vamos dar uma espiada. Franquearam a escotilha e ele, que estava na frente, foi logo anunciando: — A neblina está se dissipando. Podemos pelo menos tentar. Espere aqui se

quiser. Mas prefiro que me ajude. — Como? — Preciso que segure o leme com firmeza quando eu lhe disser. — Claro que o farei! — Ótimo! Há um banco ao lado do leme. Sente-se e fique de vigia — pediu e então

concentrou a atenção no veleiro, içando as velas mestras e uma das bujarronas. Sentada próxima ao leme, o vento jogando seus cabelos contra o rosto, Evelyn o

observava manobrar com perícia o barco que ia rápido, as velas desfraldadas como bandeiras. Olhou-o com atenção. O perfil do rosto másculo e belo dotava-o de grande virilidade. O pescoço forte, de músculos rígidos, revelava toda a força que ela já pressentira.

A contragosto, desviou a vista. Aquela proximidade quase íntima a perturbava. Confusa, cerrou os punhos com força para resistir à tentação de acariciá-lo. Não entendia aquela necessidade e ficou irritada consigo mesma. Por quê?

— Preciso que tome o leme agora — ele disse de repente, arrancando-a de seus pensamentos. — Apenas por um minuto, enquanto iço a outra bujarrona — finalizou, deslizando-lhe a mão pela cintura e guiando-a para que ficasse diante dele.

— O que devo fazer? — Nada, além de segurar o leme bem firme. — As grandes mãos cálidas

fecharam-se em torno das dela e Evelyn pôde lhe sentir o peito rijo de encontro às suas

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costas. Esse contato a surpreendeu. Por um momento, pensou que ia ser beijada e um

leve tremor de ansiedade percorreu-lhe o corpo. Mas Martin a soltou e afastou-se rapidamente, repetindo as instruções: — Vai sentir o leme resistir, porém não o deixe girar. Mantenha-o na posição. É só

um minuto. Logo estarei de volta. Embora não se sentindo inteiramente confiante, Evelyn concordou e observou-o

movimentar-se com habilidade, enquanto lutava com as cordas. Minutos depois, ele estava de volta. Posicionou-se ao lado dela e retomou o leme.

— Muito bem — disse-lhe então. O veleiro tomou velocidade e Evelyn sentiu o vento frio do mar vir ao seu encontro,

atravessar a roupa, golpear-lhe as faces. — O vento está bastante forte — falou. Martin ergueu os olhos para as velas

mestras. — Nem tanto. Parece forte porque estamos velejando contra ele. Não se preocupe. Evelyn tentou, mas hão conseguia relaxar. De repente, pela primeira vez depois de

muitos anos, desejou que assim fosse. Seria agradável dividir confidencias com alguém especial na intimidade proporcionada por um veleiro, navegar por mares revoltos e chegar ao refúgio de uma angra isolada... Ancorar sob um céu estrelado, longe da multidão e até dos amigos, livre das pressões e de todos os problemas, não tendo nada a fazer, senão estender-se nas brancas areias de uma praia e sonhar...

No entanto, para esse tipo de intimidade, seria necessária a pessoa certa. Ainda com a cabeça nas nuvens, tornou a olhar o mar.

Martin, que a observava, disse: — Parece tensa. — Tensa... eu? Ele esboçou um leve sorriso, antes de falar: — Relaxe. Foi para isso que viemos para cá, não foi? Evelyn ergueu o queixo. — Viemos porque nunca velejei e quis experimentar. — Acho que há muitas coisas que hão fez antes e deseja experimentar agora. — Não tenho idéia do que está pretendendo dizer, lorde Martin. — Ah, acho que tem, sim — ele murmurou, ainda rindo. Mais do que

desconfortável, Evelyn se sentiu arrancada à força de sua reserva. Era uma sensação insólita e desagradável.

— O senhor é atrevido. Por isso lhe peço para não tocar mais em assuntos inconvenientes.

Martin permaneceu em silêncio por alguns segundos. — A senhora tem que entender que concordou em velejar com um notório

conquistador. Podia ter escolhido lorde Breckinridge, que teria não só assentido prazerosamente, como levado também os tios. Tudo muito digno e respeitável.

Evelyn não soube o que dizer diante de tão escandalosa alegação, porque era tudo verdade.

— Mas não precisa se preocupar com respeitabilidade e outras bobagens desse tipo — ele prosseguiu. — Não aqui, em alto-mar, onde todas as convenções desaparecem e a única coisa com a qual vale a pena se preocupar é com o vento.

Essas são as regras seguidas no meu barco, madame. Aqui não há passado e o futuro ainda não chegou. Pelo menos não para nós. Então, vamos nos concentrar apenas no presente. E tem permissão para agir com toda a liberdade.

Evelyn pensou em todas as mulheres que Martin devia ter trazido a bordo. — Não preciso de sua permissão para me sentir livre — disse com frieza, embora

na defensiva.

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— Ótimo! Agora, por favor, retorne ao leme. Martin esperou até que ela se ajeitasse atrás do dispositivo e então saltou para a

coberta de bordo, seguindo para o ovem de barlavento. Algumas horas depois, velejavam em águas bastante profundas. O céu continuava

revestido de uma bruma meio baça, através da qual passava o sol ainda fraco. Mas, à medida que a neblina desaparecia para o norte, as gaivotas começavam a mergulhar para apanhar peixe.

Evelyn deixou-se envolver por aquela serenidade, pela paz entre o céu e o mar. Um langor delicioso dominava todo o seu corpo, preenchendo-a com uma infinita confiança em si própria, fazendo-a sentir que não haveria obstáculos que não ousasse enfrentar.

— Gostaria de tomar o leme de novo? — indagou Martin de repente. Evelyn voltou à realidade com um sobressalto. — O que disse? — Perguntei se gostaria de retomar o leme. — Precisa de mim agora? — Não, apenas pretendo lhe ensinar algumas coisas sobre navegação. — Ele a

olhou fixamente. Evelyn permaneceu um instante imóvel. Ainda estava aprendendo a se equilibrar

no barco em movimento. Deu dois passos hesitantes e, quando alcançou Martin, ele se afastou para lhe entregar o leme. Mais uma vez, permaneceu atrás dela e lhe cobriu as mãos com as dele.

— Vamos virar devagarzinho e ver o que acontece com as velas — ele anunciou, quando os panos estalaram e enrugaram-se de leve.

— Tudo em ordem? — perguntou Evelyn. — Na mais perfeita ordem — afirmou e então, de repente, com um giro total do

leme, Martin fez o barco mudar de direção. A seguir, soltou rapidamente as velas mestras de um lado e suspendeu-as com o

sarilho do outro. Elas deram meia-volta no convés, vibraram ruidosamente e tornaram a encher-se com o vento.

— Estamos retornando a terra firme? — Evelyn perguntou, um vago sentimento de insatisfação crescendo em seu íntimo.

— Ainda não. Durante a hora que se seguiu, Martin lhe falou sobre a ciência da navegação e,

embora deixasse o leme aos cuidados dela, quando tinha que ajustar as linhas, coisa que fazia com extrema rapidez e habilidade, não a perdia de vista um só instante.

— O senhor sabe o que faz — Evelyn disse em certo momento, quando o barco tornou a inclinar-se.

— Gosto de ser bom no que faço. Evelyn lembrou-se do que Breckinridge falara sobre Martin no dia anterior. — Acho que algumas pessoas subestimam seu trabalho. Lorde Breckinridge é uma

delas. Os olhos de Martin brilharam de interesse, como se a informação que ela lhe daria

pudesse ajudá-lo a vencer ou a perder a competição. — O que foi que ele disse? — Bem... — começou Evelyn com relutância. —O primeiro ajudante do Endeavor

estudou com o senhor em Eton e recorda-se de que, naquela época, a reputação do senhor não era das melhores. Julgam-no ainda o jovem selvagem e audacioso de outrora e acham que tomará decisões precipitadas, no que diz respeito à regata.

— Quem é esse primeiro ajudante? — Sheldon Hatfield.

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— Compreendo... Ele decerto me considera o negligente do passado... entre outras coisas.

Evelyn teve a estranha sensação de que havia algo escandaloso por trás daquela história. Se houvesse, não seria novidade.

— Certa vez, durante um passeio no campo, dei a uma jovem do grupo dele um cavalo indócil para montar. Ela gritou o tempo todo.

Evelyn olhou-o com frieza. — E o senhor achou isso engraçado? — Claro! Então a moça teve que ser resgatada e me encarreguei disso. Foi um

resgate e tanto, para dizer o mínimo. Hatfield não gostou da brincadeira porque estava interessado na jovem em questão.

— E, para provocá-lo ainda mais, o senhor acabou por seduzi-la — deduziu Evelyn.

— Houve apenas um clima de encantamento mútuo — disse Martin, com ar nostálgico. — Finda a magia, veio o tédio. Passei a semana seguinte evitando-a.

Evelyn inspirou fundo o ar que vinha do mar. — Tenho certeza de que o senhor sempre teve que evitar jovens ladies. Lembro-

me de uma que chegou a desesperar-se por sua causa. Ele assentiu com a cabeça e sorriu meio sem graça. — Está se referindo à sua amiga... Qual era mesmo o nome dela? — Penélope Steeves, Como pôde lhe esquecer até o nome? — Lembro-me de que ela era muito bonita. Cabelos loiros? — Não são todas lindas e loiras? — perguntou Evelyn com ironia. Martin deu de ombros. — A srta. Steeves ainda é sua amiga? — Ainda é a minha melhor amiga. — Por que, então, ela não veio com a senhora a Cowes? — Porque está de luto. Morreu alguém da família. Martin ergueu o rosto e

permaneceu um longo tempo olhando para o mar. — Apesar do que Hatfield pensa de mim — murmurou, fazendo Evelyn sentir uma

espécie de palpitação —, asseguro-lhe que, se fosse negligente, não estaria no comando de um barco. E por um motivo muito simples: a ninguém é concedida a faculdade de enfrentar com negligência o poder do mar. Mesmo fundeado, um barco é sempre sensível à força das ondas e das correntes.

— Está querendo dizer que nunca nos sentiremos completamente seguros a bordo?

Ele não a olhou ao responder; — É isso. —Então, o senhor estava confiante quando atolou aqueles dois barcos! Um ar de surpresa passou pelo rosto de Martin. — A senhora sabe o que aconteceu? — Muitos sabem. Lorde Radley me contou a respeito. Martin falou num tom

totalmente destituído de emoção: — Resta saber o que essas pessoas pretendem, passando isso adiante. Difamar-

me? Não é com difamações que se vence uma competição. — Desculpe-me — pediu Evelyn, ao perceber que fora a causa daquela radical

mudança de humor, e foi sentar-se na parte mais alta do barco. Não havia percebido que certas feridas permaneciam abertas mesmo com o

passar dos anos. Descuidadamente, sem escolher as palavras com habilidade, fizera com que a dele sangrasse de novo.

Angustiada, voltou os olhos para o mar, revestido agora de um azul quase

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metálico. Porque, quando somos infelizes, ferimos os outros?, pensou. — Estamos chegando! — gritou Martin de repente, arrancando-a de suas cismas. — Aonde? — quis saber Evelyn, deixando-se escorregar até o passadiço. — Veja. A vista era de tirar o fôlego. Altos e brancos, um grupo de penhascos erguia-se no

meio de uma guirlanda de ilhotas. — Parecem icebergs! — ela exclamou, extasiada, enquanto o barco prosseguia

sua rota, fendendo as águas, sob a serenidade do céu. Evelyn suspirou, quando deixaram para trás aquele vislumbre de encantamento. — O que iremos fazer agora? Voltar?—perguntou Martin. Evelyn sentiu um

desapontamento repentino. Não queria que o passeio terminasse tão depressa. Parte dela desejava velejar ao lado de Martin para sempre. Ele lhe tornaria a vida diferente, colorida, nova, a cada dia. Porém, podia prever as dificuldades. Ela não era bonita e Martin era adorado pelas mais lindas mulheres de seu meio social. Viver o presente, inquieta e de olhos fechados? Jamais!

— Está com fome? — Martin indagou, arrancando-a de seus devaneios. — Um pouco — confessou, ajeitando os óculos de sol. Ele a fitou, parecendo

quase cativado pelos olhos de Evelyn, que julgou estar sonhando. Não podia ser, não por ela.

— Segure o leme — ele pediu. Evelyn tomou-o e esperou. Martin aproximou-se lentamente. Iria ser beijada? Seria

possível que ele a desejasse? Um arrepio, misto de medo e excitação, percorreu-lhe a espinha.

— Esses óculos... Francamente! — O que há com eles? Martin retirou-os com delicadeza. -— Veja, estão incrustados de sal! Resultado dos constantes borrifos de água do

mar. Vou limpá-los. Ela corou. — Eu... sou muito... distraída. — Não sei como estava conseguindo enxergar com eles. Evelyn engoliu em seco. Então era isso! Que loucura imaginar que fosse ser

beijada! Mesmo tensa, continuou conversando, enquanto Martin limpava as lentes com cuidadosos movimentos circulares, embora tivesse vergonha de encará-lo.

Tudo pronto, Martin lhe colocou as hastes dos óculos atrás das orelhas, sorrindo, satisfeito, com o resultado de seu trabalho.

— Está melhor? Ela procurou sorrir. — Muito melhor. Agora o vejo com mais clareza — disse, ousada. Sentiu que uma nova confiança a dominava. Ele era um homem bonito, excitante,

que gostava de mulheres atraentes, coisa que ela não era. Mas que importava? Martin tornou a acomodar-se junto ao leme e franziu os olhos em direção a um

ponto vago na costa. — Lá é um bom lugar para fundearmos. Se não estiver cansada, poderemos

caminhar até a praia e comermos os sanduíches que trouxemos. Evelyn pensou em lhe dizer que não estava com fome e que preferia voltar ao hotel

porque não se sentia com forças nem para passear nem para comer. Mas acabou não falando nada. Tinha saído com ele com a intenção de viver uma aventura e queria ser divertida e agradável como as mulheres que sempre invejara.

— E uma ótima idéia — respondeu afinal, determinada a não ser mais a mulher introvertida e puritana que todos conheciam.

Tinha que dar um jeito qualquer em sua vida, tinha que ser outra pessoa!

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Sheldon Hatfield saltou para o cais de pedra com elegância e subiu os dois lances de escada do desembarcadouro do Iate Clube Esquadrão. Otimista, parou um momento para descalçar as luvas de couro e respirar o deleitável perfume da vitória que acreditava ser digno de conquistar no final da semana. Preparava-se para galgar a ladeira, quando avistou Breckinridge esperando por ele com o cenho franzido. Começou a subir com um sorriso estampado no rosto.

— Por que se atrasou? Deveria ter chegado ontem — o conde foi logo indagando com a aproximação de seu imediato.

— Qual é a razão desse mau humor? Aconteceu alguma coisa com o seu barco? Breckinridge bufou, impaciente. — O Endeavor ainda está flutuando. É o de lorde Martin que deve ser posto a

pique! Os lábios finos de Hatfield apertaram-se num trejeito indignado. — O que foi que ele fez? — Mostrou-se interessado pela viúva. Hoje, por exemplo, os dois desapareceram

de vista. Hatfield virou-se para o cais, à procura do Orfeus. — Isso não quer dizer nada. Podem ter saído cada um para o seu lado. Deve estar

enganado. — Nunca me engano. Hatfield fitou-o com ar de dúvida. Depois falou com voz cordial e despreocupada: — Ele não precisa de dinheiro. O irmão é mais rico do que Creso e a viúva por

certo não faz o tipo de Martin. — Tem razão. Evelyn é uma mulher sem graça. Portanto, a única conclusão que

posso tirar disso tudo é que ele saiu com ela para desafiar-me. Martin sabe que a quero. Sou eu o grande desafio dele. O homem é um competidor radical e isso é coisa que não posso tolerar. — Breckinridge fez uma pausa. — E um sentimento parecido com o que me provoca meu irmão.

Hatfield tinha conhecimento da birra que o conde nutria pelo irmão caçula. William era o mais bonito, o mais inteligente e o mais charmoso da família. E os pais não escondiam de ninguém que preferiam que fosse ele o primogênito.

— Com os diabos, Hatfield! Gastei até o último tostão para aparelhar meu barco. Estou endividado até o pescoço! Minha mãe está furiosa e quer chamar William, que está estudando na Europa, de volta para casa.

— Oh!. — Não podemos permitir que Martin conquiste a viúva. Preciso do dinheiro dela

para calar a boca de minha mãe. — Há muitas americanas endinheiradas por aqui nesta época do ano — lembrou-o

Hatfield. — E algo que descarto com veemência! Não quero, em absoluto, casar-me com

uma americana. Seria uma decepção para a família. Quero me casar com uma inglesa tradicional. Seria o ideal para um homem de minhas condições. Alguém que não faça dramas se eu necessitar de sua assinatura para obter dinheiro para as minhas empresas.

— Alguém com o perfil da sra. Wheaton. — Exatamente! — Não se preocupe, Breckinridge, tudo irá mudar. Irei ajudá-lo no que for preciso

para eliminar seu concorrente, antes mesmo que a competição tenha início. — Isso soa como música aos meus ouvidos — suspirou o conde. — Ótimo, porque tenho algumas idéias muito boas. — Hatfield tomou-o pelo braço.

— Vamos tomar um drinque. O sol brilhou forte durante toda a viagem. Estou sedento.

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Depois de fundear o Orfeus num ancoradouro particular, Martin desceu para

prendê-lo com cordas ao poste de amarração. A seguir, voltou para o barco e abaixou as velas.

— Pode deixar seu casaco aqui, Evelyn — aconselhou. — Faz calor lá fora e não há vento.

— E o que vou fazer. Obrigada pelo aviso. Evelyn o olhou, o coração aos saltos. Era a primeira vez que ele a chamava pelo

primeiro nome. Não se sentiu ofendida, pelo contrário, pois Martin parecia realmente contente de estar ali com ela.

Ele a fitava como se nunca a tivesse visto. Jamais Evelyn se mostrara tão feliz, tão amável, tão descontraída. Reviu-a na proa, segurando-se na amurada e recebendo com um prazer quase sensual a brisa marítima no rosto corado. Sentiu naquele momento algo que havia experimentado apenas uma vez em sua vida americana, quando tudo era tão diferente...

Voltou a si com um suspiro e apanhou a pequena cesta onde arrumara os lanches. — Vamos? — disse, oferecendo-lhe o braço. Evelyn o aceitou, sorridente, e logo estavam se dirigindo para as docas e

aventurando-se ao longo de um declive ensaibrado até alcançarem uma pequena angra, onde as ondas chegavam rolando gentilmente até a orla. Enquanto esperava que Martin estendesse sobre a areia a toalha que trouxera na cesta, ela percorreu a paisagem com o olhar, deparando-se com um cenário de extraordinária beleza. Morros cobertos de flores rodeavam a pequena praia de águas tão cristalinas que se podiam ver os pequenos peixes vermelhos movendo-se sinuosamente e o fundo repleto de conchas de todas as cores.

— Que beleza! — murmurou, extasiada. — Eu sabia que iria gostar. Você é como eu, sensível às belezas naturais. Agora,

venha comer. Como pode notar, está tudo pronto — disse Martin, acabando de colocar uma garrafa de vinho junto ao prato de sanduíches.

De súbito, Evelyn percebeu que ele passou a tratá-la informalmente, como se também manifestasse o desejo de que houvesse uma intimidade maior entre ambos.

— Obrigada por tudo — agradeceu Evelyn com recato. — O prazer é meu — ele respondeu, passando-lhe a garrafa já aberta. Evelyn hesitou, antes de apanhá-la. — Quer que eu experimente o vinho? Martin manteve a garrafa suspensa no ar. — Gostaria, mas me esqueci dos copos. — Então, como iremos tomá-lo? — Na própria garrafa. Não há outro jeito. — Jamais! Ele se inclinou para a frente e olhou-a com doçura. — Evelyn, não estamos em Cowes, e sim numa praia deserta. Aqui não existem

regras. Nunca bebeu na garrafa? — Claro que não! A voz dele se suavizou ainda mais: — Mas não há outra maneira de tomarmos o vinho, a não ser essa. Evelyn procurou resistir, mas sem tirar os olhos dele. Dessa vez não os baixaria. — Não sei se conseguirei. — Por que não? Não há ninguém por perto. — A não ser o senhor — disse e, desajeitadamente, levou a garrafa à boca.

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Martin observava-a, deliciado. Os lábios sensuais estavam pousados no gargalo de um jeito impossível de descrever. Depois do primeiro gole, Evelyn passou sobre eles a ponta da língua umedecida e a vontade de Martin foi de cobrir-lhe a boca com um beijo profundo.

— Muito bem. Essa é a minha garota! — exclamou, sorrindo. — E por favor, vamos deixar de formalidades e me chame de você.

Evelyn riu, um tanto sem jeito. — Está certo, então. Aliás, devo dizer que o se... que você é uma péssima

influência! — Ainda faremos surgir o marinheiro bêbado que está escondido em seu íntimo. — Que homem impossível! — Mais do que isso, abominável! — ele concordou, oferecendo-lhe um sanduíche. Comeram em silêncio por alguns minutos e tomaram alguns goles de vinho, antes

que Martin começasse: — E verdade que veio a Cowes à procura de marido? Ela o fitou nos olhos. — Sim. Quero constituir família e ter filhos. Não faço segredo disso. — Admiro sua franqueza e também sua praticidade. — Você admira, mas nunca ousou ser prático também. Evelyn falava em tom de brincadeira, deixando-o satisfeito. As mesmas palavras,

ditas de outro modo, poderiam ter tirado o prazer do passeio. — Na verdade, você me apanhou desprevenido. Não tenho intenção de me casar.

Estou bem com a vida que levo. — E com todas as mulheres que conquista — ela acrescentou calmamente,

surpreendendo-o de novo. Um delicado tom de rosa subia ao rosto feminino e os olhos, verdes como as

águas da pequena angra, riam. Martin envolveu-a num olhar que lhe beijava o busto elegante, os quadris fartos e a curva da cintura fina. Em sua bela forma de ânfora, agradou a ele por completo.

— Tem razão — assentiu. — Mas, neste momento, há apenas uma que me interessa.

Evelyn encarou-o com um ar de leve reprovação. — Não espera que eu acredite nisso! Não sou ingênua a esse ponto, lorde Martin.

Conheço minhas limitações e não me iludo tão fácil assim. — O que a faz pensar que estou tentando iludi-la? — Sei que não sou bonita. Mas não me aborreço por isso. — Então, por que... — Aceitei seu convite? Para conhecê-lo melhor, não para fazer parte de sua lista

de conquistas. Portanto, pode esbanjar o charme que quiser porque, comigo, não irá adiantar.

— Pelo amor de Deus! Não sabe receber um elogio sem pensar em segundas intenções?

— Talvez não — ela replicou, mas Martin detectou uma nota de indecisão na resposta. E isso era tudo de que precisava para convencê-la do contrário.

— Nesse caso, prepare-se, pois pretendo inundá-la com uma chuva de palavras elogiosas.

Evelyn ficou apreensiva. Ninguém jamais demonstrara a menor vontade de elogiá-la. Tinha que ficar em guarda porque, se entrasse nesse jogo, estaria perdida.

— Não preciso de seus elogios, milorde. — Ah! Acho que sim. E não só de elogios, mas também de beijos. Precisa ser

beijada de verdade! Evelyn assustou-se. Afinal conter sua paixão era uma coisa bem diferente do que

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resistir a tais arroubos. — Pois lhe asseguro, isso não me faz falta alguma, ainda mais quando oferecido

por um libertino como você. — E essa a impressão que tem a meu respeito? Estreitando a distância entre eles,

Martin segurou-a pelo queixo delicado. O calor daquelas mãos grandes derreteu qualquer imponência que Evelyn imaginava possuir. Ainda assim, restavam-lhe forças para proteger o coração por trás das pesadas muralhas da rejeição, antes de ser atacada pela mesma arma.

No instante em que os lábios se tocaram, Evelyn percebeu a língua atrevida que se insinuava por entre seus lábios sem qualquer convite. Nunca antes havia sido beijada com tamanha volúpia, tampouco sentira-se tão dominada pelo desejo, a ponto de não conter o próprio corpo, que respondia com arrepios e pequenos espasmos a cada toque mais íntimo. Naquele momento, não lhe restava nada além de fechar os olhos e entregar-se àquele toque pleno. De repente sentiu-se perdida no vácuo entre o sonho e a realidade.

Será mesmo Martin que está me beijando? Não acredito que estou permitindo tamanha ousadia!

Não demorou muito para que fosse tragada por uma espiral de novas sensações. Esquecendo-se das incertezas, munindo-se de coragem, Evelyn passou os braços pelo pescoço de Martin, acarinhando a pele, puxando-lhe os cabelos ternamente. Embora fossem reações naturais diante de tamanha entrega, foi com espanto que percebeu uma estranha umidade brotando entre suas pernas, originadas pela onda caótica de vibrações que assolava seu corpo todo.

Desvencilhando-se, em parte, do emaranhando pelo qual se deixou envolver, Evelyn encarou aqueles olhos que a fitavam com o brilho do desejo:

— Isso foi mesmo necessário? — perguntou, embora acreditasse ser em vão sua tentativa de demonstrar um último laivo de resistência.

— Tenho certeza de que sim — foi a resposta dada entre uma seqüência avassaladora de beijos.

E por mais uma vez, deu-se aquele ritmo alucinado, em que dançavam as línguas sedentas.

Talvez fosse a antecipação do momento que a fizera tomar a acertada decisão de ir velejar naquele dia. No entanto, não poderia jamais imaginar o que Martin estava disposto a ensinar.

— Que delícia poder saborear seus infinitos sabores — sussurrou ele, tocando com á ponta da língua o lóbulo da orelha de Evelyn, a pele umedecida do pescoço. Entremeando os carinhos, Martin continuou fazendo poesia, arrebatando-a de vez: — Como não ter certeza deste fogo que nos consome internamente, num misto de cobiça e desejo?

Mas ao entregar-se a mais um beijo, Evelyn sabia que o misto de sensações, a que ele se referia, estava estampado em sua boca, refletindo sua imagem por meio dos lábios trêmulos.

Depois de se certificar de que estavam mesmo sozinhos, Martin entendeu a resposta silenciosa e começou a explorar o corpo curvilíneo. Ansioso para lhe dar prazer, ele a tocou em pontos sensíveis, despertando em Evelyn desejos e deleites que até então haviam sido ignorados. Ousou, estendendo as carícias pelas pernas bem torneadas, levantando o vestido de Evelyn, esquivando-se das combinações, insinuando os dedos pelo ventre liso até alcançar os pêlos macios entre as coxas. Então, com o cuidado de um homem experiente, abriu-lhe a blusa e curvou-se para sugar os seios rosados e delicados. Traçando uma linha de fogo com a língua, atingiu a doce umidade do sexo, fazendo Evelyn chegar quase à beira do êxtase.

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— Quero você, Martin... — ela suspirou. — E assim vai ser, querida. Apesar de ainda separados pelas roupas, a fantasia transcendia, dando a

impressão de que estavam totalmente nus. Perdida entre as sensações de plenitude, confundidas com medos, Evelyn

assombrou-se por não conseguir mais distingui-las e afastou-se. Sabia aonde isso a levaria, mas não tinha conhecimento exato de poder controlar suas emoções. Abriu os olhos e fitou-o.

— Martin. — O que há? — perguntou, inclinando-se para ela. — Acho que não deveríamos ter ido tão longe. — Você não gostou? — Adorei cada instante. Só não quero me tornar um joguete em suas mãos. Não

pretendo sair machucada. — Não estou brincando com você. — Está, sim. Comportou-se o tempo todo como se tudo não passasse de um jogo

de sedução. Mas não sou como suas outras mulheres. — Minhas outras mulheres? O que sabe a respeito delas? — Sei que sou diferente. — Tem razão, você é diferente. E asseguro-lhe que é um elogio. — O que não entendo é por que me trouxe até aqui, quando sabe que vim a

Cowes à procura de marido. Se não pretende se casar, significa que não está interessado em minha herança. A menos que esteja tentando me enganar ao fazer-me acreditar que não quer minha fortuna.

— Isso é ridículo, Evelyn! Não estou atrás de seu dinheiro. Posso até jurar, se quiser.

— Então deve ser porque lorde Breckinridge me faz a corte. Ele é seu rival e você quer derrotá-lo. De uma maneira ou de outra.

— Bem... quero vencê-lo na regata. Faço disso uma questão de honra. Mas não tem nada a ver conosco. Posso lhe afirmar que não estava pensando em vencer nem provocar Breckinridge, quando a beijei.

Evelyn o fitava e sentiu que ele falava a verdade. — Então por que me beijou? Porque achou que eu queria muito ser beijada? Pois

lhe digo que não preciso nem de sua caridade nem de sua piedade. Não quero ser mais uma na lista de suas conquistas. Quero que um homem me deseje pelo que sou. Simplesmente! Agora, irá dizer por aí como seduziu a virtuosa viúva e receberá os cumprimentos de todos.

— Bravo! E isso que pensa que quero? O que sabe a meu respeito para fazer uma afirmação dessas?

— Bem... Acho que não há motivo para que conte vantagem, porque ainda não fui conquistada!

— Não? — Martin riu. — Acredito que esteja enganada! Pega de surpresa, Evelyn retraiu-se.

— É realmente o que pensa? — Sem sombra de dúvida! — Martin reafirmou com um sorriso. — Talvez haja alguma vantagem em ser o troféu de dois homens competitivos —

ela murmurou, pensativa. — Vantagem terá o cavalheiro que se casar com você. — Como ousa fazer pouco de mim? — Não estou fazendo pouco caso de você, Evelyn. Acho-a uma mulher desejável,

perspicaz. — Ele a fitou com sincera admiração. — Vou lhe contar um segredo. Sempre

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gostei de mulheres que se movem com graça, assim como você. Evelyn acabou por sorrir. — É muito esperto, sr. Langdon. — E você uma mulher provocante. Parece que formamos um belo par! — Martin a

observava, como se quisesse perguntar algo que não devia. Por fim, decidiu-se: — Seu marido lhe dava prazer na cama?

— Oh, não! — Então era louco. Ou cego. Evelyn procurou explicar: — Foi um casamento de conveniência; assim nosso noivado, foi muito curto. Não

tivemos tempo de nos conhecer melhor. Ele foi visitar meu pai e pediu-me em casamento. Meu pai, que queria se ver livre de mim, naturalmente concordou. — Por que naturalmente? — Porque não éramos ricos. Eu tinha apenas um dote modesto para oferecer ao

meu futuro marido. Quem haveria de me querer? Minha mãe já tinha morrido e eu estava mais do que desejosa de deixar a casa de meu pai.

A expressão de Martin suavizou-se. — Seu pai devia ser um estranho tipo de homem. Evelyn baixou os olhos e se pôs

a falar de um passado amargo. Fatos quase esquecidos, cada um lembrado por uma ferida especial.

— Pobre Evelyn!... — ele exclamou, sem poder se conter. — Não sinta pena de mim, sinta pena de meu pai. Ele era um pobre coitado.

Compreendi isso depois. Não foi bondoso comigo porque se casou contra a vontade. Foi obrigado a isso, devida à minha chegada acidental em suas vidas. Pelo menos, teve a decência de corrigir seu erro, casando-se com minha mãe. Jamais compreendi porque ela o amava com tal devoção. Ele não merecia. Era mulherengo e vulgar. Não a respeitava. Quantas vezes a ouvi chorar...

Martin pousou a mão sobre a dela. — De repente, compreendo tudo sobre você. — Não lhe contei tais fatos para que me entendesse. Ou para merecer sua

piedade. Apenas lhe disse como eram as coisas então. — Eu também tive problemas com meu pai. — Evelyn o olhou com curioso

ceticismo e ele continuou: — E verdade! Com certeza, deve ter ouvido histórias a respeito do castelo, que era assombrado, e que todos nós estávamos destinados a perder a razão.

— Ah, sim. Mas não lhes dei a mínima importância. — Fez bem. A maioria do que ouviu não passava de um amontoado de tolices.

Exceto as histórias que se referiam a meu pai e meu avô. Infelizmente, meu irmão teve que suportar as infâmias dos dois durante anos. Eu estava em Eton e, quando voltei para casa, ambos já tinham morrido, o que não deixou de ser um alívio.

— Sinto muito. Martin deu de ombros. — Tudo isso é passado. Penso raramente a respeito. De repente, ouviram o som pesado de cascos de cavalo numa estrada próxima.

Viraram-se. Evelyn rapidamente começou a arrumar suas saias e abotoar a blusa. — É uma família a passeio. Já saltaram da carruagem — anunciou Martin

levantando-se. — Vieram ver o mar. Martin tornou a sentar-se. Crianças chegaram ao topo do grupo de rochedos, um garotinho de seus três anos

e uma menina um pouco mais velha. Atrás deles vieram os pais, caminhando com cuidado; nas mãos, traziam uma cesta de piquenique.

Martin observou as crianças por um longo tempo e um ar de tristeza estampou-se em seu rosto. Quando o garotinho correu de uma onda mais espraiada, indo se refugiar

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nos braços do pai, Martin esboçou um sorriso que não era mais do que uma contração de lábios. Seus olhos continuavam tristes.

— Alguma coisa o aborreceu? — perguntou Evelyn, inquieta. — Quer ir embora? Ele a fitou e levantou-se, exibindo de novo um sorriso charmoso. —Não sei o que há comigo. Trouxe-a para esta linda praia e ainda não a mostrei a

você. Venha, vamos dar um passeio. Quem sabe veremos as andorinhas. Chega a parecer um milagre, quando fendem velozmente o céu e se evaporam em alguma nuvem passageira, num grupo compacto. Depois a levarei de volta a Cowes. Faremos a viagem à luz do luar e aí lhe mostrarei o que é velejar de verdade.

Após a conversa séria que haviam tido, Evelyn ficou feliz de vê-lo sorrir abertamente e mais feliz ainda por retardarem a volta.

Decidida, tomou a mão que ele lhe estendia e ergueu-se. Algumas horas depois, já estavam navegando, a viagem se prenunciando tão bela

quanto Martin disse que seria. A lua resplandecia muito baixa no horizonte. Evelyn, reclinada no banco junto ao leme, olhava o céu, a lua e as estrelas,

suspirando de contentamento, e também de pena por ter que deixar, em breve, aquela serenidade que tanto estimulava os seus pensamentos.

Não esperava se sentir assim, tão satisfeita e à vontade. Olhou para Martin, que continuava, calmo, a manejar o leme, erguendo de vez em quando a cabeça para observar a lua. Também ele parecia encantado com a noite.

Evelyn levantou-se e foi ao encontro dele, esperando que dissesse alguma coisa. Mas Martin se manteve em silêncio, apenas sorriu. Ficaram lado a lado, respirando o fresco e fragrante ar noturno e vendo a lua refletir-se no mar. Subitamente, ele falou:

— E verdade que seu marido nunca a fez se sentir desejada? Evelyn não estava habituada a ouvir esse tipo de pergunta, mas tudo parecia

diferente naquele dia. Ela também estava diferente. — Sim, é verdade. Martin voltou-se para ela, mostrando o rosto, belo como o de um deus grego. — Como foi, então, a consumação do casamento? — Às pressas. E isso aconteceu apenas duas vezes. Martin inclinou-se para ela,

achando que não ouvira bem. — Duas vezes? — Sim, apenas duas. — Por favor, diga-me se ele ao menos a beijou. — Não, nunca. Era algo desconfortável para ele. Depois de ter me tomado, ele

chorou. Ouvi-o chorar no quarto ao lado, como se houvesse cometido um grande pecado. — Chorou? — Sim — afirmou Evelyn, sentindo um estranho pudor de falar sobre o assunto. —

Imagino que ele acreditava estar no caminho da perdição. — Não deveria ter sido assim. Evelyn respirou fundo e então, pela primeira vez em sua vida, revelou: — Foi decepcionante porque eu queria ter filhos. Martin guardou silêncio durante

alguns segundos, antes de dizer: — Sexo no casamento não é apenas para gerar filhos. Sabe disso, não sabe? — Imagino apenas — assentiu Evelyn, relembrando com nitidez os momentos

inconfessáveis, como se tudo tivesse ocorrido no dia anterior. — E você, como sabe disso?

— Porque já fui casado. Oh, não! Pensava que já conhecia o tipo de homem que ele era, mas se enganara.

Martin havia se casado com alguém, pronunciara os votos perante Deus... — Quando esteve na América do Norte?

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— Sim. Casei-me com uma criatura adorável que me deu um filho. Evelyn teve a sensação de levar um choque. — O que aconteceu com eles? Os olhos de Martin refletiram o mais negro sofrimento. — Houve um incêndio. Nossa casa ardeu até o chão com ambos dentro. E ele tinha ficado só, completamente só, pensou Evelyn. E desesperado. Tivera

que recomeçar a viver a duras penas, obrigando-se, dia a dia, a esquecer o passado para não enlouquecer.

E ela, sem saber o que se passava no íntimo de Martin, o havia julgado mal. Tratara-o com desdém em várias ocasiões, ao presumir que fosse um homem descuidado e superficial. Tinha imaginado que ele nunca conhecera o sofrimento ou um desgosto profundo. Mas Martin havia conhecido. E o pior de todos.

—Você me perguntou algo sobre os barcos que atolei após as competições, não foi?

— Sim — Evelyn respondeu com humildade. — Quando cheguei da América, mergulhei em estado de estupor alcoólico. Meu

irmão, temendo os precedentes familiares, obrigou-me a fazer alguma coisa em que me destacasse. Foi então que comecei a velejar. Sobressaí-me nesse campo, como sabe, apesar de raramente estar sóbrio. Não pretendia atolar os barcos, mas naqueles momentos de glória pensei em Charlotte e em meu filho Owen, então aconteceu o que aconteceu...

— E agora? — Estou sóbrio, como pode ver. Não quero mais arrebentar barcos. Evelyn teve certeza disso. Ele encontrara forças para resistir à tentação da bebida

e havia escolhido uma nova vida, voltada para o presente e não para o passado. Naquela noite, velejando ao luar, Evelyn sentiu o coração lamentar por Martin.

CAPÍTULO V Martin, estou estranhando você — disse Spencer, mal-humorado, quando entraram

no Hotel Fountain tarde da noite. — Onde foi que se meteu? Pensei que fôssemos velejar juntos em torno da ilha, como tínhamos combinado!

Martin fez um sinal ao barman e pediu cerveja. Só então se virou para o amigo. — Tive que providenciar algumas coisas. — E por isso sumiu sem dizer nada. Senti-me como um idiota perguntando a todos

onde você estava. Mas ninguém sabia de seu paradeiro. O barman colocou duas canecas de cerveja bem gelada sobre o balcão e Martin

tomou um gole antes de responder: — Tudo bem, Spencer. Não vamos brigar por causa disso. Spencer inclinou-se

para o amigo e falou em voz baixa:

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— Estava com a viúva, não estava? Ela também não foi vista por aí. Fora um dia exaustivo e Martin sentia-se emocionalmente esgotado, após a viagem

de volta, quando confessara coisas que nunca havia pretendido revelar. E não viera ali para ser cobrado. Queria apenas tomar uma cerveja.

— Não consigo compreendê-lo — insistiu Spencer. — Eu poderia perdoá-lo por ter faltado ao encontro, se soubesse que tinha ido velejar com uma dessas deliciosas loirinhas que passeiam por aí, fazendo girar suas sombrinhas. Mas com a mulher de Breckinridge? Francamente, não sei o que pensar!

— Pense o que quiser — Martin murmurou, tranqüilo. — Todos vão dizer que você quer roubá-la dele, para deixá-lo irritado a ponto de

perder a corrida. Martin sentiu-se, de repente, prestes a explodir. — Em primeiro lugar, ela não é a mulher de Breckinridge! Em segundo, não estou

com medo de perder a corrida porque isso não vai acontecer. — Como sabe? Esqueceu-se de que o barco dele está bem mais equipado do que

o seu? Martin tomou outro gole de cerveja, antes de responder: — Não esqueci. Iremos batê-lo, isso é tudo o que posso dizer. — Acha tão simples assim? Vai batê-lo só porque quer? Se não tivesse ido com a

viúva para não sei onde, teríamos levado o Orfeus para um giro em torno da ilha e a tripulação teria tido a oportunidade de praticar. E vital que estudemos os ventos.

— Já os estudei. Spencer levantou os braços para o céu. — Você, sempre você] Você é tudo de que necessitamos! Você pode fazer tudo e

ver tudo. De cada ângulo! Não sei por que precisamos da equipagem se você sozinho poderia ser o campeão de Cowes!

Martin olhou-o, chocado com tal veemência. — Qual é seu problema? Spencer tomou um longo gole de cerveja e levantou-se. — É o velho Martin de sempre! — exclamou, antes de se dirigir para a porta. Martin seguiu-o. — Spencer! O amigo não se voltou. Martin agarrou-o pelo braço. — Pare! Aonde pensa que vai? Não tem o direito de me censurar só porque resolvi

sair por minha conta! Antes me criticavam pela minha obsessão em vencer. Agora porque resolvi dar um passeio. Que mal pode haver em relaxar durante algumas horas?

Spencer finalmente encarou-o. — Belíssima notícia! Você resolveu relaxar, levando a viúva para um passeio de

barco. Mostrou-lhe que sabe velejar como ninguém e depois a levou para a sua acolhedora cabine, onde fizeram amor. Após seduzi-la, sentiu-se vitorioso?

Martin estava estupefato. — Não foi nada disso! — Acho difícil acreditar — disse Spencer, retomando a caminhada. Martin não teve outro remédio senão segui-lo. — Não foi assim. Ela é diferente das outras. — Isso todos nós sabemos. Mas até quando? Martin agarrou-o pelo braço. — Diga isso de novo e acabo com você! Spencer se desvencilhou da mão de Martin e lançou-lhe um olhar de advertência. — Será que não enxerga? O que quer de verdade é distrair-se, esquecer o fato

que realmente o atormenta, arrancar da memória a falha que cometeu com as duas pessoas que mais amava no mundo. E isso explica sua obsessão em tornar-se um

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vencedor: acima de tudo e de todos. Você não mudou. Não sente pudor em usar essa pobre mulher para sentir-se um herói, mesmo que para isso tenha que lhe arrebentar o coração! — Feito o desabafo, Spencer voltou-se e continuou a caminhar.

Dessa vez, Martin não o seguiu. Teve a impressão de ter sido golpeado no peito. Na manhã seguinte, Evelyn acordou com a desconfortável sensação de que todas

as suas crenças haviam ruído. Martin, o homem que ela sempre julgara incapaz de amar com devoção, não só tinha amado profundamente uma mulher como jurara, perante Deus, ser-lhe fiel pelo resto da vida.

Ele, o sedutor inveterado, que certa vez a arrancara das águas escuras de um lago gelado, desta feita a tinha tirado das águas escuras da solidão, mostrando-lhe o que era viver. Ainda podia sentir as mãos ávidas tocando sua intimidade e congratulava-se. Mudara, não era a mesma.

Saltou da cama, pediu o café da manhã e foi banhar-se. Já pronta, de café tomado, foi bater à porta de lady Radley.

Quase instantaneamente, a porta foi aberta e a velha senhora apareceu. — Minha querida! Ia procurá-la, não a vimos ontem e todos nos perguntamos onde

poderia estar. Entre, por favor. Evelyn parou no meio do quarto e sorriu. —Deixei um bilhete na recepção, dizendo

que ia a Newport, visitar o museu — mentiu, sentindo-se corar. — Fiquei um tanto desapontada, mas você se divertiu, não foi? — Como assim, lady Radley, fui apenas visitar o museu! Lady Radley sorriu com

malícia, então se sentou no sofá e convidou Evelyn a se acomodar ao lado dela. — Não tenha segredos para mim, querida. Acho que sei onde esteve. Pode confiar,

serei discreta. — Ainda não sei a que a senhora está se referindo. Lady Radley se divertia. — Será o nosso segredo. Tudo o que quero saber são os detalhes. Como foi?

Como ele é? Evelyn levou uns instantes para pôr os pensamentos em ordem. Fora tão óbvio a

todos que ela havia saído com Martin? — Como sabe? — perguntou por fim. — Como poderia não saber? Ficou claro para mim que Martin a cortejou na noite

do baile... E é por isso que quero saber o que aconteceu ontem. Diga tudo, não esqueça nenhum pormenor.

A antiga Evelyn ficaria angustiada diante de tais perguntas, mas a nova se importou mais em divertir-se. Queria rir de novo como o fizera com Martin. Queria revelar a alguém sua escandalosa aventura.

— Tudo bem. Vou-lhe contar, mas prometa guardar segredo. A senhora deve afirmar a todos que estive em Newport, visitando o museu.

— Fique descansada, meu bem. Dou-lhe a minha palavra. — Pois bem. Ontem, lorde Martin levou-me para velejar. — Foram apenas os dois? Evelyn concordou e lady Radley tocou-lhe o rosto. — Mulher de sorte! Como ele se portou ao leme? Eu o imaginei inúmeras vezes,

com os cabelos esvoaçantes, tão jovem e viril!... Evelyn mordeu o lábio e nada disse. — Passaram o dia inteiro juntos? — continuou lady Radley, sonhadora. — Ele lhe

deu a mão quando você entrou e saiu do barco? Evelyn sorriu. — Lorde Martin fez mais do que isso. Levou-me a uma praia deserta. — Não diga! — Extasiou-se a velha senhora. — Navegaram o tempo todo ou

deram um passeio pela ilha?

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Evelyn descreveu o lanche e o passeio. Naturalmente, não mencionou o que havia ocorrido entre uma coisa e outra. Aqueles haviam sido momentos íntimos e preciosos que guardaria para sempre só para si. Fechou os olhos por um instante, enquanto lady Radley ia até o espelho para colocar os brincos, e saboreou sua alegria furtiva.

Lady Radley olhou-a, suspirando. — Disse coisas que me fizeram sonhar, Evelyn. Obrigada. — A senhora pensou em seu marido? Lady Radley ficou em silêncio um instante, antes de responder: — Houve um tempo, nos primeiros anos de nosso casamento, em que eu não

precisava sonhar. Estávamos apaixonados. Mas depois... Nunca mais foi a mesma coisa. — Lady Radley balançou a cabeça, triste. — E eu que pensava que o nosso belo amor nunca acabaria...

— A senhora sente falta desse amor? Lady Radley fez que sim com a cabeça, a tristeza substituída por melancolia. — Sim, minha querida, Sinto falta do amor que vivemos juntos. Evelyn não soube o que dizer e a dama continuou: — Mas agora não e hora para falar sobre isso. Para você, hoje, a vida é bela

porque teve uma aventura e conquistou o coração de um grande herói. — Duvido que durará muito tempo. — Como sabe? Talvez ele esteja disposto a competir com os outros para

conquistar a sua mão. — Lorde Martin não quer se casar com ninguém. — Tem certeza? — Sim. Ele me disse. Lady Radley fitou-a, ainda em dúvida. — Espero que não vá dispensá-lo por causa disso. Pode atrair a atenção de lorde

Martin, mesmo que ele não esteja à procura de uma noiva, e sim de... de algo diferente. Evelyn encarou-a, chocada. — A senhora está sugerindo que eu me torne... amante dele? — Sim, por que não? Já foi casada antes. Não há nada que a impeça de se divertir

por algum tempo. A vida é curta demais, minha querida. Dentro de seis meses, poderá se tornar a mulher de um homem bom e honesto, a quem será fiel por toda a vida, mesmo que não o ame. Não foi você mesma que disse que seu objetivo é ter filhos? Então! Aproveite a vida agora, Evelyn. Enquanto você puder. Assim não terá do que se arrepender depois.

— Eu iria me considerar uma derrotada, lady Radley. — Tem de ser realista, ver as coisas como são, e não como gostaria de que

fossem. Evelyn ficou em silêncio. — Vou pensar — disse por fim. Após uma breve caminhada pela praia, Evelyn e lady Radley passaram o restante

da tarde no jardim das rosas, ao lado das outras senhoras, acomodadas em cadeiras de vime, admirando o pôr-do-sol e os barcos a vela que se movimentavam pela costa. Falava-se muito sobre a competição e todas se perguntavam quem ganharia o troféu. A maioria parecia acreditar que o Endeavor seria o vencedor daquele ano porque era, sem dúvida, um barco magnífico, bem equipado e de design revolucionário.

Evelyn vira Breckinridge e sua tripulação ocupá-lo, içar as velas e depois partirem rumo a oeste.

O Orfeus, por outro lado, havia partido antes que ela chegasse ao clube, o que a deixara desapontada. Após a interessante conversa com lady Radley, queria muito envolver-se num flerte com Martin. Havia prometido a si mesma que não deixaria de

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tentar nenhum recurso, por mais remota que fosse a chance de dar certo. Não iria recuar, mas estava apreensiva. Não via a hora de encontrá-lo a sós e abrir o jogo.

Será que ela chegaria a tanto? Poderia Evelyn Wheaton, uma viúva séria, seguir, a despeito de toda a sua cautela, o conselho da romântica amiga, jogando-se de cabeça num escandaloso affair com o famoso e sedutor campeão de Cowes?

Sentiu um súbito calor subir-lhe às faces e abriu o leque, pondo-se a abaná-lo com gestos bruscos.

Oh, não. Isso não! Viera a Cowes em busca de marido. Marido! Não um amante. Não podia fantasiar sobre práticas imorais numa cabine de veleiro ou num quarto de hotel. Tinha que parar de pensar no prazer que havia sentido naquele breve instante de paixão, em que ambos perderam a cabeça!

— Aí vem o Orfeus! — gritou alguém e Evelyn sobressaltou-se. Porém, ela se recuperou rápido e voltou os olhos para oeste. A vela de fortuna

estava empurrando o iate para a frente na abordagem final. Os espectadores bateram palmas, mas sem muito entusiasmo. Afinal, aquilo não era uma competição, apenas um ensaio.

— Podemos ir cumprimentar a equipagem na plataforma de desembarque — propôs uma linda e jovem mulher, bastante animada.

— Quer ir? — perguntou lady Radley, em tom conspiratório. — Acho que não — respondeu Evelyn. — Por que não? Todos irão cumprimentá-los. — É por isso que não quero ir. Lady Radley suspirou, frustrada, enquanto as outras damas corriam como loucas

até o portão de trás. — Ah, compreendo! — a velha senhora disse de súbito. — A que a senhora está se referindo, lady Radley? — Percebo o que está querendo fazer. Evelyn estudou-a por um momento. — E o quê, exatamente, estou querendo fazer? — Pretende fazer-se desejada. Quer que ele perceba a sua ausência. Evelyn olhou para o mar. Não fora essa a sua intenção. Na verdade, o orgulho a

tinha impedido de correr atrás daquelas jovens afoitas. Ou talvez não fora o orgulho, e sim a antiga mania de recusar-se a competir com as que julgava mais bonitas do que ela.

Não obstante, a observação de lady Radley tinha um fundo de verdade. Evelyn queria desafiá-lo. Martin amava desafios. Pois bem, ao chegar, encontraria um desafio pela frente.

— A senhora sabe que ele gosta de competir — respondeu para lady Radley, meiga.

A companheira ficou calada por um momento, observando o Orfeus. Depois disse: — Significa que você pretende ter uma experiência arriscada esta semana? Evelyn não estava certa da resposta. Poderia mesmo? Não sabia se teria coragem

de arriscar seu coração. Resolveu mudar de assunto: — Haverá uma assembléia para os competidores esta noite? — Sim. E promete ser uma fantástica! Evelyn continuou a olhar o mar e os barcos que balançavam morosamente. — Estou pensando no que devo usar. Lady Radley sorriu. — Pois eu sei. Use algo que ressalte seu brilho interior e a sua inteligência. Quando Martin pisou o desembarcadouro do Esquadrão, foi logo rodeado por um

bando de jovens risonhas, todas querendo cumprimentá-lo ao mesmo tempo. Nenhuma teria mais do que vinte anos.

Spencer parou ao lado dele e revirou os olhos, conformado. — Aí vamos nós! — Depois, enquanto prosseguia ao lado do amigo pela subida

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pavimentada de seixos, falou: — Tenho de reconhecer que você tem um jeito especial de tratar as damas. Possui uma reputação e tanto junto ao belo sexo. Ao passo que eu...

— Você exagera, como sempre. Spencer fez que não o ouviu. — Veja Mary Lucas, por exemplo. Todos sabem que ela foi sua amante por mais

de um ano. Agora, todos estão igualmente cientes de que... — Descartei-me dela? — concluiu Martin. — Sim. No entanto, ela é toda sorrisos quando o vê. E nisso consiste a diferença

entre mim e você. — Questão de sorte. Spencer sacudiu a cabeça em negativa. — Quando termina com uma mulher, porta-se sempre como um cavalheiro. Martin deu-lhe uma batidinha nas costas. — Anime-se. Hoje todas estarão aos nossos pés. O Orfeus navegou com a leveza

de um pássaro. Nesse instante, outro grupo de lindas jovens chegou correndo, dispostas a rodeá-

los. Porém, Martin foi logo avisando: — Senhoritas, estamos nos dirigindo ao Esquadrão para tomar uma limonada

gelada. Querem nos acompanhar? — Oh, sim, sim! Ele sorriu e liderou a subida até o portão. Ao alcançarem o jardim, Martin avistou

as mães à espera das filhas. Educadamente, separou-se da companhia das jovens ladies e pediu a um criado que trouxesse limonada para todos. Então, foi ao encontro de Lyndon, que o esperava no terraço, acompanhado dos sócios mais antigos do clube.

— Martin, assistimos à sua chegada — disse Lyndon. — Muito boa, meu rapaz. Muito boa.

— Obrigado, senhor — agradeceu e virou-se, olhando através da janela. Procurava uma pessoa em particular.

Então a viu. Evelyn estava sentada no jardim, com a sombrinha aberta para protegê-la do sol. Parecia descansada, à vontade, num leve vestido de seda e rendas que combinava com os cabelos castanho-avermelhados presos no alto e ouvia, pacientemente, o que dizia lady Radley.

Nesse instante, os olhos de Evelyn encontraram os dele. Ela inclinou a cabeça num cumprimento e sorriu. Não foi um sorriso aberto, mas de cumplicidade e levemente brincalhão, como se ela considerasse o espetáculo das risonhas jovens algo um tanto ridículo e exagerado ao mesmo tempo.

Por uma fração de segundo, Martin ficou imóvel, tomado por um misto de incredulidade e adoração. Evelyn não era a mesma mulher de outro dia, quando pela primeira vez a vira ao lado de Radley. Havia se mantido distante e desdenhosa então, mas naquele momento o fitava nos olhos, com aberta e maliciosa compostura. Ela estava radiante, sobressaindo-se entre todas as mulheres que se encontravam ali.

De repente, sentiu uma onda de emoção vir-lhe do íntimo, como se estivesse admirando uma flor que acabara de abrir-se ao sol. Fitou-a por mais um momento, esquecendo-se da competição e de tudo o mais, nem sequer ouvia o que Lyndon dizia. Tinha que sair dali para fugir desse encantamento.

Mas então sentiu uma ansiedade incontrolável, um nó no estômago, o mesmo que experimentara quando havia discutido com Spencer na noite anterior. Perturbado, voltou-se para os homens que ali estavam.

— Qual foi o seu tempo? — perguntava-lhe Lyndon, os olhos brilhando de expectativa.

Martin tomou alguns goles da limonada que o garçom acabara de trazer, antes de responder com bom humor:

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— O senhor, melhor do que ninguém, sabe que somente eu e minha equipagem podemos ter conhecimento de certas informações.

Lyndon não conseguiu esconder o desapontamento. — Não pode me censurar por tentar. Martin mal o ouviu. Sentia-se estranho. Olhou rapidamente por cima do ombro e

viu um grupo de jovens à sombra de um olmo, ainda olhando-o, observando cada um de seus movimentos, falando baixinho umas com as outras e rindo furtivamente. Isso o aborreceu. Quando poderia ter um pouco de privacidade? Depois caiu em si. Fora ele mesmo que havia incentivado esse tipo de comportamento, retribuindo com igual intensidade a admiração que despertava e dirigindo-lhes galanteios.

Tomou de um só gole o restante da limonada, esperou uma pausa na conversa, então anunciou:

— Preciso ir. — Mas acabou de chegar... — falou Lyndon. — Peço-lhes desculpas, tenho alguns assuntos para resolver. — Despediu-se com

um aceno e saiu, apressado. Sabia que, ao anoitecer, estaria novamente pronto para divertimentos fúteis. Era

muito mais fácil suportar a frivolidade do que a ânsia e o peso que sentia no coração naquele momento.

Passava das dez, quando Martin e Spencer chegaram à mansão Northwood, uma enorme propriedade georgiana, construída no meio de quarenta acres de relvado.

Os anfitriões receberam-nos num salão carmesim, resplandecente de luzes, e minutos depois, com taças de champanhe nas mãos, os dois riam e confraternizavam com os outros competidores do certame náutico.

Martin olhava o bufê com ar faminto. Dormira toda a tarde e havia almoçado. Não via a hora de sentar-se à mesa. Do outro lado, junto ao aparador de doces, estava Evelyn, maravilhosa num diáfano vestido verde-água, que parecia flutuar em torno de seu corpo ao sopro de uma inexistente brisa. Pérolas cruzavam-se em torno do busto adorável e nos cabelos entrançados no alto.

Experimentou uma forte sensação, igual à do jardim das rosas, quando seus olhos se encontraram. Só então entendeu o porquê. Ao vê-la, seu coração começava a bater de forma estranha; sentia uma emoção que vinha do mais profundo de seu ser. Algo que não acontecia com seus habituais flertes e que não queria que ocorresse.

Era um fato. Podia até admitir que seus sentimentos por Evelyn iam além de um mero divertimento e isso lhe pareceu inoportuno e ridículo, algo que não o deixava feliz. Não queria se apaixonar. Não naquele momento.

Sua única preocupação deveria ser a prova náutica. Fora por esse motivo que tinha vindo a Cowes. Não pretendia entrar de cabeça num romance absurdo, que só lhe traria a derrota e nenhum conforto. Era assim que sempre agia. Reprimia suas emoções e voltava-se para os hábitos confortáveis, rotineiros.

Com isso em mente, conversou e riu, flertou com belas mulheres e tomou parte de conversas interessantes à mesa do bufê. Na sua indiferença, esqueceu-se até de que Evelyn estava ali, observando-o e esperando, talvez, que ele a cortejasse.

Subitamente, alguém lhe bateu às costas. Voltou-se. — Lorde Martin! Há quanto tempo... Era Sheldon Hatfield, o imediato de Breckinridge, o homem que o desprezara em

Eton. Havia perdido a maior parte dos cabelos e engordara muito. Também estava visivelmente embriagado.

Martin fez-lhe um leve cumprimento com a cabeça. — Hatfield, como vai? O homem cambaleou, fazendo com que seu conhaque ondulasse na taça.

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— Juro que, se não fosse pela taça que estou segurando, acreditaria que o oceano estivesse ainda se movendo sob meus pés. Mas não vou incomodá-lo com isso. Soube que está aqui para defender seu título de campeão.

— Nem mesmo cavalos selvagens poderiam manter-me fora dessa competição — disse Martin com ironia, numa alusão ao passado.

Hatfield apontou-lhe o dedo. — Mas já teve melhor braço, meu amigo. Hoje, fez uma boa corrida e obteve

alguns recordes. Vamos ficar de olho no senhor. — Depois de uma pausa, acrescentou: — Viu o Endeavor?

— Sim. É um barco impressionante. — Muito impressionante. Ajudei a desenhá-lo. Pedi a Benjamin que o pintasse de

preto. Martin ergueu as sobrancelhas, divertido. — Boa idéia, Hatfield. Isso lhe deu um brilho todo especial. — Não é? — indagou o outro, enchendo-se de orgulho. A seguir, mudou de

assunto:—Presumo que também o senhor esteja usando 0 chicote com sua equipagem. Não os deixe descansar! Tem de mostrar-lhes quem é o patrão. Precisa fazê-los trabalhar duro para ganhar o jantar. De outro modo, eles lhe farão mais mal do que bem. — Hatfield tomou outro gole de conhaque e murmurou entre os dentes: — Bastardos preguiçosos! — Em seguida, virou-se para falar com alguém.

Martin aproveitou a momentânea trégua e olhou por cima do ombro dele. Viu Breckinridge aproximar-se de Evelyn e foi engolfado por um sentimento inquietante, a tal ponto que estremeceu. Quase automaticamente, respondeu à arenga de Hatfield com um displicente:

— Vou me lembrar disso. — Faz bem, embora ache que já conquistou glória suficiente como campeão de

Cowes — prosseguiu Hatfield. — Ouvi dizer que o senhor conquistou outro troféu esta semana, embora eu não a considere exatamente um troféu. Ela não faz o meu tipo e, pelo que sei, nem o seu.

Martin virou-se para encará-lo. Fitou-lhe o rosto rechonchudo, onde imperava um bulboso nariz vermelho.

— O que está querendo dizer, Hatfield? O outro fez um gesto circular com a mão, mostrando Evelyn ao lado de

Breckinridge. — O senhor sabe... a famosa viúva. Mais rica do que o Tesouro Nacional, segundo

dizem. Talvez ela possa ser o seu prêmio de consolação, quando perder a regata. Mas minha suposição é de que se cansará dela assim que cruzar a linha final, não sei se me entende...

— Hatfield... — O senhor fará um grande favor à pobre mulher, se a deixar para Breckinridge.

Ele, ao menos, porá uma aliança no dedo da jovem e ela lhe ficará grata pelo resto da vida... Martin não lhe deu tempo para continuar. Arrancou-lhe a taça da mão e disse friamente:

— Já bebeu demais, Hatfield. Sugiro que dê a noite por encerrada. Hatfield fitou-o com incredulidade e depois com indignação. — Quer que eu me retire porque sabe que vou superá-lo na corrida. Só essa idéia

o deixa fora de si, tira-lhe toda a vontade de divertir-se! Martin o fitou atentamente. O corpo volumoso do outro tremia da cabeça aos pés.

Era embrutecimento ou desafio? Decidido a evitar um vexame que o desmoralizaria, Martin afastou-se e deixou-o falando sozinho. O que não entendia era por que Breckinridge, tão cuidadoso com a sua tripulação, escolhera um bêbado, para seu

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imediato. A lua resplandecia no céu, esplendorosa. — Que lindo cenário! — exclamou Evelyn do limiar da porta francesa. Breckinridge fez um gesto em direção ao jardim. — Vamos tomar um pouco de ar? Ela hesitou. Depois aceitou o convite. Um pouco de oxigênio para desanuviar-lhe o

cérebro e tornar a conversa mais interessante seria bem-vindo. Aventuraram-se para fora da varanda, e Evelyn não pôde deixar de comparar a lua

com a da noite anterior, mais clara e mais brilhante, rodeada de estrelas. Nessa noite não havia estrelas. Apenas nuvens passageiras fluíam pelo céu azul-escuro.

— É uma linda noite — murmurou, apesar de tudo. — Não há nada tão agradável quanto uma brisa fresca. Permaneceram lado a

lado, olhando para o jardim, mas estava escuro demais. Somente as portas francesas, iluminadas, lançavam luz de encontro à negra e suave madrugada.

Subitamente, uma mulher começou a cantar no salão, a voz elevando-se, doce, cada modulação transmitindo à noite um pouquinho de seu cálido e mágico calor humano.

— Que bonito — murmurou Evelyn, emocionada, enquanto uma lufada de vento agitava-lhe o vestido.

Ambos ficaram imersos nos próprios pensamentos, sem se olhar. — Acho que o jardim é mais bonito à luz do dia — disse Evelyn, tentando romper o

estranho silêncio que se instalara. — Sim, concordo — respondeu Breckinridge, lacônico. — É uma noite encantadora. — De fato — Evelyn respondeu, morrendo de tédio. Permaneceram assim por mais

dois ou três aborrecidos minutos, até que, ao olhar casualmente por cima do ombro, Evelyn viu Martin parado junto a uma das portas. Seus olhos se encontraram e ele sorriu, compreensivo. Depois ergueu os ombros como se dissesse "que se há de fazer?" e ela fez força para não rir.

— Podemos entrar? — perguntou Breckinridge. Evelyn clareou a garganta. — Lorde Breckinridge, eu gostaria de ficar aqui sozinha mais alguns minutos, se

não se importa. Ele a reverenciou. — Claro. Fique quanto quiser e aproveite a noite. Mas permita que eu a leve de

volta ao hotel. Meus tios já se foram e confiaram-na aos meus cuidados. Os Radley tinham se retirado sem ao menos avisá-la? Como podiam ter agido

dessa forma, especialmente lady Radley, sempre tão delicada? Havia apenas uma explicação: talvez fosse uma tática de lorde Radley para deixá-la a sós com o sobrinho.

— Obrigada — ela respondeu a contragosto. — Eu ficaria muito grata. Breckinridge reverenciou-a de novo e deixou-a sozinha. Evelyn voltou o olhar para

o jardim e para o céu. Menos de um minuto depois, ouviu o som de passos e então uma voz masculina soou com doçura:

— Está pensando, como eu, por que todas as estrelas desapareceram? Evelyn arrepiou-se. Não era assim que começava o assédio masculino? Belas

palavras, uma voz suave, uma ternura calculada? — Não desapareceram. Apenas se esconderam atrás das nuvens. Martin aproximou-se mais e olhou para o céu. — A lua escondeu-se também. Veja,

agora apareceu! Oh... desapareceu de novo. Evelyn sorriu. — São nuvens errantes, que gostam de passear. Ele não sorriu. Estava sério e

contemplativo. — Preciso desculpar-me com você. Comportei-me como um urso esta noite. Evelyn estava na verdade desapontada. Martin havia flertado com todas as

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mulheres que se encontravam presentes. Com todas, exceto ela. — Teve todas as damas a seus pés. — Mas que importância tem isso, se nenhuma delas é tão encantadora quanto

você? Palavras doces... Evelyn fechou os olhos e deixou que tombassem sobre si como

uma chuva consoladora. Depois o encarou e falou com voz clara, mas sem raiva: — Diz isso porque me evitou durante toda a noite. Não havia necessidade, você

sabe. Não sou igual a essas jovens encantadoras que o admiram tanto que chegam a agarrar-se às abas de sua casaca!

Ele carregou as feições, como se não tivesse gostado da resposta. — Não é assim que a vejo. Evelyn umedeceu os lábios e suspirou. — Tive a impressão de que fosse assim. Houve silêncio. Evelyn ergueu os olhos para Martin. Ele a fitava como se nunca a tivesse visto. — Eu a evitei esta noite — disse finalmente —, porque me tornei perito em escapar

do que julgo um perigo em potencial. — Não sei se o entendi bem. — É diferente das outras mulheres e ontem lhe contei coisas... particulares que

nunca disse a ninguém. Coisas que não deveria ter revelado. — Está se referindo ao período em que morou na América do Norte? Ele fez que sim. — Talvez tenha chegado a um ponto de sua vida em que precisasse desabafar. — Não, não foi por isso. Foi por sua causa. Só pode ser. Evelyn sentiu um misto de

excitação e apreensão. — O que está querendo dizer? Por que veio até aqui? Martin levou um instante

para ordenar os pensamentos. — Porque meu lugar é aqui, ao seu lado. Porque a quero. Nunca desejei ninguém

como a desejo. E estou assombrado. Evelyn sentiu o coração bater mais rápido no peito. —Também estou assustada. Diverti-me muito ontem, talvez até demais, coisa que

eu não esperava. De repente, sem perceber, ela se encontrou presa nos braços de Martin, sentindo o

mesmo ímpeto de paixão do dia anterior. Sabia tão pouco sobre o amor, sobre os desejos e os anseios do corpo...

Sentiu as faces em fogo e pensou se ele estava enxergando essa mesma paixão em seus olhos. Achou que sim, pois Martin a puxou para si, apertando-a de encontro ao peito.

— Como a faço sentir-se, Evelyn? — Fraca, trêmula... Neste instante, ouviram o som de passos e ambos se afastaram, antes de se

virarem ao mesmo tempo. —Lorde Martin!... Não o vi sair da sala — disse Breckinridge, com desagrado. — Ah, mas veja que céu, que lua... Esta é uma noite como nenhuma outra! Saí

para admirá-la e quem foi que encontrei no jardim? A mais encantadora das mulheres: a sra. Wheaton!

Martin estava exibindo seu lendário charme. Breckinridge corou e cerrou os maxilares. Não obstante, mesmo a contragosto, assentiu:

— Tem razão. Encantadora. Sra. Wheaton, minha carruagem está à nossa espera. Foi um impressionante esforço de cortesia, ao qual Evelyn não pôde se furtar. — Obrigada, milorde. Estou à sua disposição. — Depois, voltando-se para Martin,

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fez-lhe uma leve inclinação de cabeça. — Lorde Martin... foi bom vê-lo novamente. Ele a reverenciou. — Sra. Wheaton... Sendo a coisa mais apropriada a fazer, Evelyn tomou o braço que Breckinridge lhe

oferecia. Tinha de permitir que ele a escoltasse ao hotel. No silêncio da madrugada, Martin a desejaria mais e a chamaria... Talvez... Sheldon Hatfield apoiou-se à parede da sala e observou Breckinridge sair com a

viúva, deixando Martin sozinho no jardim. Ergueu a taça e tomou o conhaque com sofreguidão. Bebera além da conta, mas ainda estava em condições de reconhecer que odiava Martin por ser o que ele não era: nobre, rico, bem-apessoado.

Talvez o que mais o irritasse fosse o fato de ela nunca ter lhe dado atenção. Nem mesmo anos atrás, em Windsor. A rejeição, naquela época, quando o pai de Evelyn ainda era um pobretão, e ela a menos atraente das garotas da cidade, tinha representado um grande insulto.

Agora Breckinridge a desejava, e ela teria o que merecia. Breckinridge pretendia levá-la a Londres e gastar todo o dinheiro de Evelyn com as prostitutas dos pubs.

Melhor do que deixar que Martin a desfrutasse. Langdon já dispunha de muitas iguarias em seu prato. Era hora de alguém lhe arrancar o prato das mãos e o jogar ao chão, fazendo-o em mil pedaços. Sim, Martin precisava passar fome por algum tempo.

Martin tirou a casaca e jogou-a sobre a poltrona, depois afrouxou a gravata e foi servir-se de uma taça de vinho. Enquanto tomava um gole da preciosa bebida, olhou para a cama vazia. Não devia ter voltado tão cedo da reunião. Podia ter-se entretido com uma das belas mulheres presentes e terminado a noite em Northwood. Mas, após a partida de Evelyn, todo o brilho da festa desaparecera, embaçado pela invisível sombra de sua ausência.

Culpava Breckinridge por aquela absurda interrupção. Se não fosse por ele, teria tido a oportunidade de, naquele exato momento, estar passeando com ela na praia. Haveria perfumes na brisa do mar e uma oferta de sonhos sem fim. Queria exatamente isso. Sonhar. Mesmo sabendo até onde aquele caso os levaria. Evelyn não era o tipo de mulher com quem pudesse brincar, deixara isso bem claro. Por sua vez, ele não tinha intenção de enganá-la.

Olhou para o teto e lembrou-se de como ela estava bonita no traje verde-água que parecia ondular, como se tivesse acabado de pousar no corpo curvilíneo, após um breve vôo. Sentiu nesse instante um misto de frustração e desejo. Queria estar com ela e nada parecia ser mais importante do que isso. Desejava tê-la perto de si, mesmo considerando que essa ligação poderia complicar sua vida.

Afastando qualquer hesitação, apanhou a garrafa de vinho, duas taças e saiu em direção ao quarto dela. Segundos depois de bater à porta, Evelyn apareceu à sua frente. Já devia estar na cama, pois vestia uma camisola branca e estava sem óculos. Os imensos olhos verdes pareciam ainda maiores e brilhavam tanto que teve vontade de apertá-la nos braços e cobrir-lhe as pálpebras de beijos.

Nunca a vira de cabelos soltos. Foi uma surpresa que aumentou o seu desejo. Olhou-a de cima a baixo, até os pés nus, e em seguida de baixo para cima.

Será que ela tem consciência da visão encantadora que proporciona? — Eu a acordei — disse sem se desculpar. — Martin — Evelyn murmurou, espiando o corredor para ver se não havia ninguém

por perto. — Por que veio bater à minha porta? — Eu gostaria de continuar nossa conversa. Fomos tão rudemente separados em

Northwood — ele explicou — que eu achei que pudéssemos continuar a conversa aqui. — A esta hora? — Que importa a hora?

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Evelyn hesitou um momento. Depois recuou um passo e o deixou entrar. — Mal posso acreditar... — murmurou. — Qual é a sua intenção? Comprometer-

me? Martin transpôs o limiar e, no mesmo instante, seus olhos se fixaram na cama

desfeita. — Não, ainda não. Evelyn lançou-lhe um breve olhar de advertência e depois atravessou o quarto para

esticar as cobertas. Ao endireitar-se, tinha as faces coradas. — Ainda considero sua chegada uma surpresa — disse, esforçando-se para

parecer natural. Martin achou a atitude dela adorável. Afinal, era uma mulher virtuosa. Jamais teria

admitido um homem em seus aposentos particulares. — Achei que pudesse estar com sede. — Martin ergueu a garrafa e as taças. —

Uma dose de vinho irá refrescá-la. — É muita gentileza de sua parte. Ele se aproximou da pequena mesa onde era servido o café da manhã, encheu as

taças de vinho e ofereceu uma a Evelyn. Em seguida, ergueu a dele, num brinde. — A uma boa noite de sono. — Ou a algo tão bom quanto isso — ela acrescentou, deixando-o atônito. Já estaria à espera dele? Martin observou-a por um breve momento, ao tomar um gole de vinho, e notou a

provocante curva dos seios através do tecido fino da camisola. Deu um passo para a frente e murmurou com voz amistosa:

— Seu quarto é diferente do meu. E mais bonito e muito bem decorado. Evelyn apontou para um quadro. — De um artista local. — Muito bom, por sinal. Permaneceram alguns segundos em silêncio, olhando-se, enquanto bebericavam o

vinho e pensavam no que viria a seguir. Apesar da calma que demonstrava, Evelyn tentava desesperadamente conter o

nervosismo. Mal podia compreender por que um homem bonito, vigoroso e excitante como Martin viera a seu quarto no meio da noite. E por que havia lhe dito as mais lindas palavras que uma mulher poderia ouvir no jardim de Northwood? Nunca teria imaginado que fosse ouvir coisas tão belas, tantos anos depois do incidente em Eton.

Martin então se aproximou. — Pretende se casar com Breckinridge? — Ele ainda não me pediu em casamento. — Mas irá pedir. — Como sabe? — Estou apostando nisso! Evelyn pôs-se a brincar com a taça de vinho, girando-a entre os dedos esguios,

sensíveis, e a observar a refração da luz, através do líquido vermelho. Depois tomou um gole e encaminhou-se para a janela, onde Martin havia se apoiado pouco antes. Decidiu que não ia responder àquela questão. Não queria facilitar as coisas para ele.

— Deixe-me fazer outra pergunta — Martin pediu, ao vê-la calada. — Se veio a Cowes à procura de marido e tem conhecimento de que não quero me casar, por que me deixou entrar em seu quarto?

Evelyn suspirou, ao perceber que também ele não tinha a intenção de expor-se. — Você vai direto ao assunto, não há dúvida! — E você evita responder às minhas perguntas. — Ele sorriu e ergueu a taça, num

brinde silencioso, antes de saborear o vinho.

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Martin se divertia! Evelyn pousou a taça sobre a mesinha e aproximou-se dele. Os seios tocaram a mão com que ele segurava a taça e ela sentiu a respiração acelerar-se.

— Deixei-o entrar porque me sinto atraída por você. Sempre fui, não posso negar. A declaração espontânea surpreendeu Martin e, mais ainda, tomou-o sem aviso,

deixando-o estacado no lugar. Mas, ao observar aqueles olhos brilhantes sobre os cílios escuros, Martin soube que poderia acariciá-la. Seguiu então tocando-a no seios perfazendo pequenos círculos ao redor dos mamilos.

— Quero aprender o prazer de ter um homem como você — Evelyn sussurrou, passando a ponta da língua na boca, umedecendo sensualmente os lábios ressecados.

— Presumo que essa lição não esteja em nenhum livro de navegação — ele respondeu, com um sorriso maroto.

— Bem... Já entendi como virar o barco e deixá-lo seguir seu curso sozinho — ela o provocou.

— Então vou ajustar nosso porto, bem onde o mar encontra o céu. Enquanto isso vamos nos perder na imensidão dos nossos desejos.

Evelyn fechou os olhos, entreabrindo os lábios à espera de um beijo que lhe. sorveria a alma lasciva, despertada por aquele perfume másculo que lhe preenchia os poros.

Ao colocar o copo numa banqueta, Martin excedeu os limites dos braços fortes, enlaçando-a, deixando-os deslizar suavemente por aquela pele úmida.

Agora estavam dispostos a fazer qualquer coisa em nome do forte desejo que os dominava. Os receios foram deixados de lado, as inseguranças sobrepostas pelo firme propósito de saciar a fome do prazer.

— Decidi que já fiquei tempo demais me privando de alegria e espontaneidade. Foi em seu barco que percebi tudo o que estava perdendo. Não quero mais pensar nas conseqüências. Cansei desta falsa segurança.

— Não quero que sofra, Evelyn. Sabe minha opinião sobre casamento e filhos — Martin abraçou-a com firmeza, sem deixar de acariciar as curvas das costas e das nádegas fartas.

— Sei me proteger. — Será? Pretendo revogar a lei do seu juízo. Sabendo que palavras não explicariam o que queria demonstrar, Evelyn apoiou a

cabeça naquele peito largo, e insinuou as mãos hábeis até o abdômen masculino, roçando levemente o membro intumescido.

Em um ímpeto inesperado, Martin a ergueu nos braços, levando-a para cama. Enquanto a repousava lânguida sobre a colcha, deixou-se observar atentamente ao desabotoar a camisa, revelando o torso de músculos definidos. Contrastando com a calça clara, a pele bronzeada funcionou como a última pincelada em uma obra de arte.

Será que estou sonhando? Oh, Deus, se assim for, não permita que eu acorde jamais, pensou Evelyn.

Atendendo às súplicas silenciosas, não demorou muito para que as bocas sedentas se entregassem a um beijo sôfrego.

A cada minuto o desejo aumentava, torturado pela roupa que ainda os separava. Habilmente Martin desceu os lábios quentes até o colo perfumado, desabotoando os botões da camisola com os dentes. Movida por uma loucura insana, Evelyn arqueou o quadril, oferecendo-se inteira, sem pudores.

Ao vê-lo livrar-se das calças, percebeu-o ansioso por possuí-la. Queria permitir que ele desbravasse cada curva, cada reentrância, saboreando a imensidão de cada detalhe de seu corpo.

Jamais se imaginara em um delírio daqueles, onde suplicaria por ser possuída com brevidade. Mas faltavam ainda os mais reclusos recantos para serem preenchidos, ora

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com a língua, ora com os dedos. A ansiedade só foi contida quando Martin afastou-lhe as pernas para finalmente deslizar o membro rígido para dentro da pele úmida pronta para recebê-lo. Deu-se início ao ciclo vicioso do prazer, com o ritmo marcado pelo movimento preciso dos quadris em sintonia. De repente, aquela euforia de gritos e prazeres resumiu-se em um êxtase em conjunto.

Continuaram abraçados, depois de passada a febre do desejo, exaustos, mas conscientes de que tiveram momentos únicos, raros, ultrapassando em muito o que haviam imaginado.

Martin a fitou, procurando entender o que acontecera. — Você me levou à loucura, Evelyn. Senti como se tivesse tocando o céu com as

pontas dos dedos. Jamais pensei que pudesse ser assim. — Dito isso, Martin puxou-a para si e inalou o ar fresco que entrava pelas janelas, cheirando a maresia. — Foi algo absolutamente fora de controle. — Martin fez uma pausa para respirar e continuou: — Mas eu não devia agir assim.

Evelyn ergueu-se um pouco, intrigada. — O que está querendo dizer? — Eu não devia ter vindo dentro de você, para evitar uma possível gravidez. Mas

me deixei arrastar pela paixão. Simplesmente não consegui parar. Evelyn ouvia-o, boquiaberta. Então eram essas as preocupações dele? — Não se preocupe, estou esperando minhas regras para breve. — Prometo que serei mais cuidadoso da próxima vez. E, se eu der mostras de

repetir o meu erro, tem toda a liberdade de chamar minha atenção. — Significa que haverá uma próxima vez? — Evelyn perguntou, provocante, e

achegou-se para acariciar-lhe o abdômen, descendo a mão sôfrega até encontrá-lo já pronto.

CAPÍTULO VI

O dia seguinte trouxe o brilho do sol e uma brisa cálida, quase tropical, que chegava do oeste, o que animou os vários competidores a se dirigirem ao mar, para testar não só as próprias habilidades como também a potência de seus barcos.

Evelyn, que almoçara com lorde e lady Radley, passeava naquele momento ao longo da esplanada, em companhia do casal. Todos os três especulando sobre quem superaria o próprio tempo em relação ao ano anterior. Ao chegarem ao pavilhão da extremidade sul, encontraram Breckinridge em companhia de seu imediato, Hatfield.

— Os senhores por aqui? — perguntou lorde Radley, admirado. — Pensei que estivessem ao largo, com os outros, experimentando táticas e novas manobras para o dia da competição.

Breckinridge cumprimentou as duas damas, antes de responder:

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— Não pretendemos nos exercitar. Pelo menos não diante de nossos adversários. Lorde Radley concordou com um gesto de cabeça. — Homem esperto! Quer apanhá-los de improviso, quando menos esperarem. — Iremos surpreendê-los de qualquer maneira — gabou-se Hatfield. — Ninguém

terá a chance de vencer o Endeavor, nem o campeão de Cowes, com seu barco obsoleto! Ele falava com tanto calor e convencimento que Evelyn julgou necessário

contrapor: — Talvez seja mais prudente não subestimar o adversário. Pelo que ouvi dizer,

lorde Martin é um marinheiro experiente. Um silêncio total instalou-se a seguir, deixando-a um pouco desconfortável.

Felizmente, lady Radley veio em seu socorro: — Tem razão, querida. Certa vez, ouvi lorde Martin relembrar, com detalhes, cada

uma das competições de que participou e todos os erros que seus adversários haviam cometido. Ele guarda tudo na cabeça, como um tático de primeira linha.

Os lábios de Hatfield afrouxaram-se num sorriso de desdém. — Tudo isso não passa de especulação, madame. Ele foi meu colega de classe

em Eton, e o conheço melhor do que ninguém. Posso lhe assegurar que em matérias essenciais, como Ciências e Matemática, Martin era o pior de todos.

— Talvez tais matérias o aborrecessem. Apenas isso — defendeu-o Evelyn. Os olhos de Hatfield e Breckinridge voltaram-se imediatamente para ela. — Acho que está na hora de mostrarmos a todos o que sabemos fazer — opinou o

imediato. Breckinridge, porém, não respondeu logo. Estava ainda com os olhos fixos em

Evelyn. Passados alguns segundos, voltou-se para o amigo e fez que sim. — Podemos sair para um passeio. Alguém quer nos acompanhar? — Breckinridge

fez a pergunta olhando para Evelyn. — É um convite tentador — ela disse calmamente —, mas estou um pouco

indisposta hoje. Talvez em outro dia, quando o vento não estiver tão forte — concluiu, pensando em Martin, com quem tinha marcado um encontro para o chá das cinco.

Ele lhe fez uma polida inclinação de cabeça. — Como quiser, madame. Mas espero que cumpra a sua promessa — disse,

lançando-lhe um olhar terno. — Então vamos — incitou-o Hatfield, já se preparando para voltar ao clube. —

Mostraremos a essa gente todo o nosso potencial. — Oh, se pudesse ver-se no espelho! — exclamou Spencer, aproximando-se do

leme que Martin pilotava. — E a imagem da mais pura alegria! Martin deu de ombros, embora estivesse particularmente contente naquele dia. O

assobio das ondas batendo no costado do Orfeus era música para os seus ouvidos. Sentia-se eufórico e otimista, pronto para conquistar o mundo. E não podia negar que devia agradecer a uma certa viuvinha por isso.

— Tive uma boa noite de sono — abreviou, pois não queria revelar a ninguém, nem mesmo a Spencer, a razão daquela euforia.

Fatos da vida particular de Martin deveriam ficar longe de ouvidos alheios. Não queria que ninguém, absolutamente ninguém, fizesse suposições ou emitisse opiniões a respeito. Também não queria supervalorizar o inesperado, caso no qual entrara de cabeça e, tampouco, interromper o prazer de velejar.

— Dentro de exatos noventa segundos, vou levar o barco de volta ao ancoradouro. É necessário que a vela de fortuna seja erguida a estibordo.

— Tão depressa? — estranhou Spencer. — Acho que já alcançamos nossos objetivos. Não era só por isso. Não pretendia chegar atrasado ao encontro com Evelyn.

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Spencer adiantou-se para receber as ordens e o resto da equipagem colocou-se em linha reta junto ao parapeito.

— Pronto para voltar! — gritou Martin. Spencer ergueu a mão. — Preparem-se para soltar a bujarrona! Todos no convés entraram em atividade. Cada marinheiro tomou sua posição e

Martin fez girar o leme com firmeza, mão após mão, cada músculo de seus braços distendendo-se, enquanto efetuava a volta.

Pela meia hora seguinte, velejaram sem avistar nada. De súbito, um veleiro apresentou-se a distância, também se preparando para voltar a Cowes.

— Não é o Endeavor? — perguntou Spencer, juntando-se a Martin no leme. — Parece-me que sim. — Parece que não conseguiram nenhum recorde — considerou Spencer. — Decerto que não! Temos o direito de passagem. Marque nossa direção no diário

de bordo se quiser. Spencer compreendeu e obedeceu rapidamente. Um minuto depois, estava de

volta. — O que eles estão pretendendo afinal? Que os alcancemos? Mas devem saber

que são obrigados a nos dar passagem! Martin segurou o leme com firmeza, olhou para as velas e depois para as ondas de

crista espumosa. Por fim, ergueu a mão esquerda para sentir a força do vento. —Estamos fazendo dezoito nós horários. Marque também isso no diário. —A que velocidade vão eles? Parecem estar prosseguindo mais devagar. — Eu diria dezesseis, talvez dezessete nós. — Com os diabos, Martin! Se não nos derem passagem, vamos colidir! Martin continuava a segurar o leme, firme, consciente de que a tripulação o olhava

ansiosa por uma ordem qualquer, como ajustar uma vela, arriar a vela de fortuna, enfim qualquer coisa que fizesse diminuir a velocidade do veleiro ou d obrigasse a mudar de direção.

— Eles têm que nos dar passagem! — insistiu, notando que a distância entre os dois barcos diminuía cada vez mais...

Spencer lançou-lhe um olhar duro. — Temos que mudar a rota, Martin. — Não. Quem tem que mudá-la são eles! — Está querendo morrer? — explodiu Spencer, após um instante de pesado

silêncio. Talvez Martin desejasse, inconscientemente, encontrar uma desculpa persuasiva

para considerar a questão sob outro ângulo. Olhou para Spencer durante algum tempo, enquanto os barcos prosseguiam em rota rumo à colisão, para finalmente gritar:

— Desçam a vela de fortuna! Estamos passando de estibordo para barlavento. Soltem a bujarrona e as velas mestras e agarrem-se ao que puderem!

Um segundo antes que colidissem com o Endeavor, Martin girou o leme. O Orfeus oscilou e as pontas dos mastros de ambas as embarcações ficaram apenas a alguns centímetros de distância uma da outra.

— Bastardo! — gritou Spencer para Hatfield, que estava no tombadilho, exibindo um sorriso de mofa, quando o Endeavor os ultrapassou.

— Fez a coisa certa — afirmou Spencer a Martin, enquanto marchavam a passos rápidos rumo ao clube. — De outra forma, estaríamos todos no fundo do mar.

Martin sacudiu a cabeça, ainda furioso. Breckinridge quebrara uma das mais críticas regras de comportamento do navegador ao mar, pondo em risco a vida de todos. Inconcebível!

— Não tenho certeza se agi corretamente ou não. Devia ter-lhe dado uma boa

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lição, e, agora, ele não estaria se vangloriando disso, divertindo-se à minha custa, testando-me para ver até onde vai minha paciência. O que ele fez foi forçar-me a abrir-lhe caminho!

— Se você não lhe desse a vantagem, teríamos posto em risco não só o veleiro como a vida da tripulação!

Galgaram o aclive ensaibrado, franquearam o portão e encontraram Breckinridge e Hatfield no jardim das rosas, já com seus drinques nas mãos.

— Parece que chegamos em primeiro lugar — anunciou o conde orgulhoso, diante de seus ouvintes embasbacados.

Houve um silêncio geral, enquanto todos fitavam Martin. Eu não devia ter lhe dado passagem, pensou Martin, olhando à sua volta. Mas

como não havia meio de mudar o que já ocorrera, prosseguiu, com Spencer ao seu lado, até onde Breckinridge se encontrava.

— Vou pedir que seja desclassificado! — exclamou, para que todos o ouvissem. Breckinridge franziu o cenho, em fingida surpresa. — Vai pedir que me desclassifiquem? É um golpe baixo, mesmo partindo do

senhor! Martin fez que não o ouviu. — Sabe tão bem quanto eu que um barco em curso a estibordo tem direito à

precedência sobre um barco a bombordo. — Certo. Mas estávamos a estibordo. Spencer adiantou-se, apontando-lhe o

indicador. — Mentiroso! Nós é que estávamos a estibordo, não o senhor! Breckinridge ficou em silêncio por alguns minutos. —- Sempre ouvi dizer que é um irresponsável, lorde Martin. Mas o que acabou de

fazer, atribuindo-me a autoria de uma manobra contrária às leis marítimas, é uma infâmia! Martin sentiu os músculos de seus maxilares contraírem-se. — O que está sugerindo? — Embora já soubesse o que Breckinridge tentava fazer,

queria ouvi-lo de sua boca. — Estou afirmando, não sugerindo, que o senhor está tentando me tirar da

competição porque sabe que não poderá me vencer! No jardim, o silêncio foi total. Até os criados pararam de se movimentar. — Talvez seja o senhor que esteja querendo me tirar da disputa. Mas por um

motivo bem diferente! — exclamou Martin, pensando em Evelyn. Breckinridge compreendeu a indireta e corou. No entanto, insistiu, ainda em voz

alta: — Sou um cavalheiro, lorde Martin, e jamais arriscaria um barco ou a vida de seus

tripulantes, como o senhor fez. Parece que tem várias histórias a contar a esse respeito! Martin cerrou o punho direito, enquanto Spencer dava um passo à frente, ficando

quase cara a cara com Hatfield. Neste momento, Lyndon chegou, apressado, separou os rivais e fitou-os com olhar

duro. — Vamos resolver a situação de modo civilizado, cavalheiros. Sem tirar os olhos de Breckinridge, Martin afirmou: — Se um navegador não sabe qual é o seu rumo, o que faz então ao leme de um

veleiro? Hatfield contraiu os lábios. — Estou falando como amigo, Martin, vá embora enquanto é tempo. Antes de ver-

se desclassificado. — Ora, o senhor jamais foi meu amigo! Spencer deu um passo na direção de Hatfield e ergueu os punhos. Mas o outro

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permaneceu com os braços pendidos ao longo do corpo, o suor a escorrer-lhe pelo rosto, então Martin colocou a mão sobre o ombro de Spencer.

— Deixe estar, não vale a pena. Vamos embora. — Viraram-se ao mesmo tempo e dirigiram-se para o portão.

— Gostaria de ter dado um soco naquele nariz medonho de Hatfield. Talvez achatado ficasse mais suportável — confessou Spencer, enquanto desciam a colina. — Se não fosse pelas damas presentes...

— Eu gostaria de ter feito o mesmo com o nariz de Breckinridge, aquele asno pomposo!

Spencer parou no meio do caminho. — Que atitude vamos tomar agora? — Gostaria muito de dar-lhes o troco, mas não podemos transgredir as leis

marítimas. Na minha opinião, temos que tomar parte da competição e agir como cavalheiros. Vamos deixar que Breckinridge e Hatfield se enforquem com a própria corda. Se houver alguma justiça neste mundo, e peço a Deus que haja, a verdade virá à tona.

O que terá acontecido?, perguntou-se Evelyn pela centésima vez. Tocou a jarra de chá e finalmente se convenceu de que tinha de devolvê-la à camareira. Estava fria. Passava das seis, Martin não viria.

Sentou-se na beira da cama, censurando-se por ter acreditado que ele viria para o chá. Martin deixara claro, em mais de uma ocasião, que não queria se envolver em nenhuma relação significativa ou duradoura. O encontro que haviam tido na noite anterior fora realmente maravilhoso. Mas nenhuma promessa havia sido feita e não seria na última hora que ele iria mudar de idéia.

Uma batida à porta interrompeu-lhe os pensamentos. Respirou fundo e atravessou o quarto. Abriu a porta... e ali estava ele, correndo os dedos pelos cabelos despenteados, que tentava em vão alisar.

— Sinto muito — começou com impaciência, não parecendo o charmoso e afável sedutor que Evelyn estava esperando. — Não pretendia fazê-la esperar — acrescentou, fitando-a de modo tão sincero e franco que a impressionou.

— Desculpas aceitas. Mas porque chegou tão tarde? Aconteceu alguma coisa? Martin se voltou para examinar o corredor. Estava deserto. — Posso entrar? — perguntou, ainda impaciente. — Oh, sim! Entre, por favor. Porém, o chá está frio. Ia devolvê-lo à camareira. Ele fez um gesto com a mão que não importava e foi sentar-se na beirada da

cama. — Fui acusado de usar táticas contrárias às leis marítimas. — Quem o fez? — Seu amigo, Breckinridge. — Ele não é meu amigo — afirmou Evelyn. — Mas, afinal, o que aconteceu de tão

grave? O que ele lhe disse? — Pior do que o conde disse foi o que fez. O homem é um mentiroso e um

trapaceiro. Peço a Deus que não permita que você se case com ele! Surpresa, Evelyn tornou a pedir: — Conte-me o que aconteceu. — Ele se recusou a dar-me passagem quando eu tinha direito. Quase colidimos. — Que horror! Alguém se machucou? — Não. Felizmente, estão todos bem. Mas só porque, no último minuto, manobrei

para evitar o pior. Ao chegarmos a terra, ele teve a petulância de dizer a todos os que estavam no Esquadrão que fui eu que quase o abalroei. Mentiu. Ele e Hatfield mentiram. E assim foi minha palavra contra a dele.

— Todos sabem que você é um grande navegador.

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— Sabem também que atolei dois barcos no passado, fatos que lamento até hoje. Foram atos propositais, não um erro de navegação.

Evelyn não o censurava por não ter conseguido se dominar. Compreendia muito bem o que Martin sentia e o amava ainda mais. Amava-o por sua preocupação, por seu espírito bondoso e, sobretudo, pela coragem de reconhecer seus erros.

— O que fez naquela ocasião é compreensível. Estava devastado pela dor. — E uma criatura amável, sempre disposta a perdoar. No entanto, os outros não

são assim. Há muita gente aqui que me julga um esportista temperamental, que reage tão-só aos impulsos do temperamento. Gente que gostaria de me ver fracassar. — Ele a olhou quase suplicante. — Mas você acredita em mim, em minhas palavras, não acredita?

— Por certo! Está claro como água que Breckinridge quer prejudicá-lo. Evelyn sabia, sem sombra de dúvida, que Martin era um marinheiro zeloso de suas

obrigações. Por outro lado, em se tratando de Hatfield e Breckinridge, não tinha tanta certeza.

— Por isso teve que esperar uma hora por mim — Martin concluiu, mais calmo. Evelyn tentou sorrir. — Apresentou-me uma ótima desculpa. — Eu quase não vinha. Spencer tentou me convencer de voltar ao mar. Só o mar

me traz calma. Evelyn tomou-lhe a mão e acariciou-a. — Se o acalma tanto, por que não vai? — Porque prometi a você prazeres que nunca sentiu, minha querida. E nunca

esqueço as promessas que faço a uma dama. — Então, por que não vamos juntos? Prometo que o livrarei de qualquer obrigação

sexual. Ele sorriu. — Tudo bem. Vamos, mas a quero ao meu lado no comando. Ninguém mais, a não

ser você. — Por que eu? Martin respondeu sem hesitar: — Porque, como o mar, você me acalma. Faz-me esquecer daqueles infames que

se autodenominam navegadores. Logo após o pôr-do-sol, Martin pilotou o Orfeus até uma enseada tranqüila e deitou

âncora. A lua já aparecia baixa no céu, e uma leve brisa cantava. Com o barco seguro, ele aproximou-se de Evelyn, que estava no tombadilho, junto

ao leme. — Gostaria de uma taça de vinho? — O rosto forte e bonito irradiava alegria. Ele parecia realmente contente de estar ali com Evelyn, que esboçou um grande

sorriso e assentiu: — Gostaria muito. Seguiu-o com os olhos, enquanto ele descia até a cozinha. Minutos depois, voltava

com uma garrafa e dois copos. — Não tomaremos vinho no gargalo desta vez? — Faremos o que você quiser — Martin respondeu, com um novo brilho no olhar. — Mas não é o comandante que dá as ordens? — Nem sempre. De qualquer maneira, abdico de meu posto e passo o bastão de

comandante a você. Tenho certeza de que faço a coisa certa. Acomodando os dois copos numa das mãos, com a outra ele ergueu a garrafa e os

encheu com o mais fino vinho da adega de bordo. Evelyn aceitou, prazerosa, a taça que ele lhe ofereceu. — A que vamos brindar?

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— Ao amor — Martin respondeu sem hesitar. — E à sua beleza, minha querida. Ela também ergueu o copo. — E ao seu grande sucesso na competição — disse enfática, deslizando para

perto dele. — Sente-se melhor? Estava muito agitado quando bateu à minha porta. — Tem razão. Atormentei-a com os meus problemas. Não devia. — Ora, mas para que serve o amor, se não para suavizar as aflições da vida? — Não é isso o que a maioria das pessoas espera desse sentimento. — Pois deveriam. Quem não tem, mesmo casualmente, aflições? Você pode

amenizar as suas, abrindo-se comigo. Martin sentiu uma ansiedade repentina ao ouvi-la, quase uma euforia. — E uma mulher maravilhosa, Evelyn. Foi, hoje, o meu porto seguro. Fez eu

perceber que competir não é tudo, coisa que esqueço com freqüência. Sou muito grato pela força que está me dando.

Evelyn sorriu, entreabrindo os lábios, e Martin os beijou, enquanto a tomava nos braços à luz do luar. Ela suspirou e aninhou-se no peito largo como uma gatinha querendo mais carinho. Isso o estimulou a erguê-la nos braços.

— Deixe-me fazer amor com você — sussurrou-lhe ao ouvido. Evelyn abaixou as pálpebras, assentindo. Era o que esperava que ele dissesse. — Olhe para mim, querida. Ela o fitou. Em seus olhos havia uma expressão de desejo, puro desejo. — Martin... Ele a carregou, como uma bela presa, para o diva almofadado de sua cabine

particular. E o que aconteceu a seguir foi um ato de paixão desvairada, de revelações fantásticas. Algo que a fez perguntar-se por que temera tanto esse lado primitivo do amor.

Martin mantinha-a, firme, junto de si e a beijava tão sofregamente que Evelyn não teve outra idéia senão a de entregar-se num arroubo de volúpia.

Mordiscou-lhe os lábios, o queixo, enquanto as mãos ávidas desciam até as virilhas, fazendo com que Martin soubesse quanto o desejava.

Seguro de si, ele a despiu devagar, com gestos muito sensuais. Quando Evelyn ficou completamente nua, Martin admirou-lhe o rosto adorável, o belo busto e o sexo, disposto a lhe oferecer todo o seu carinho e atenção. Então, ele próprio e livrou das roupas e segundos depois estava deslizando os lábios sobre o corpo delicado e ardente.

Evelyn estremeceu e contorceu-se de prazer, enquanto ele agora lhe beijava e massageava a intimidade entre as coxas.

Em seguida, suas bocas se encontraram num beijo selvagem, urgente. Martin se posicionou sobre Evelyn de modo a apreciar e sugar os seios túrgidos com avidez.

Ela, por sua vez, gemia e arqueava os quadris, fazendo com que Martin não pudesse esperar mais para possuí-la.

— Teremos a noite toda — Martin lhe sussurrou ao ouvindo, desculpando-se por sua urgência e prometendo mostrar tudo que era capaz de fazer para enlouquecer uma mulher de prazer. — Mas agora preciso de você, Evelyn.

— Eu também o quero. Não posso mais esperar... Dito isto, Martin lhe separou as pernas e dobrou seus joelhos até os seios. — Abra-se para mim, minha querida — sussurrou. A seguir, ele a penetrou, observando o rosto delicado, estudando as respostas dela

e esperando lhe proporcionar todo o prazer de que fosse capaz. Evelyn era um anjo, a pureza em forma de gente, e merecia tudo de maravilhoso que ele pudesse lhe dar.

Logo ela envolveu os quadris de Martin com as pernas, acompanhando os movimentos intensos e sentindo a poderosa ereção do membro viril dentro dela. Quando os gritos de Evelyn irromperam o silêncio da noite, ambos se entregaram à explosão de prazer que os dominou por completo, levando-os ao clímax.

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Nos dias seguintes, Evelyn e Martin saíam para velejar juntos sempre que podiam,

às escondidas. Passavam horas sem conta enfrentando o vento e as ondas do lado oeste da ilha e, quando não estavam a bordo do Orfeus, velejando em águas calmas, navegavam além de seus limites, alcançando velocidades espantosas e testando-se com manobras arriscadas.

A noite, se não estivessem no barco, faziam amor no quarto dela, no hotel. Então, falavam sobre tudo e todos. Mas nunca mencionavam um futuro além do fim de semana.

No entanto, Martin, também tinha que se preparar para a competição. Assim, enquanto ele e sua equipe embarcavam no Orfeus, Evelyn o esperava em companhia de lady Radley. Freqüentavam lojas ou socializavam-se com outras senhoras no jardim das rosas. Plena de felicidade, alegrava-se cada manhã com a novidade do tempo. Parecia-lhe que era para Martin que o vento soprava, que o sol aparecia, que a chuva molhava as ruas, que cada dia nascia para ela mais bonito. Ele me ama, creio que me ama como nunca amou ninguém, ela pensava. Mas escondia essa certeza no fundo de seu coração. Nem mesmo lady Radley sabia o que se passava em seu íntimo.

Os dias e as noites na companhia de Martin haviam sido os mais excitantes e adoráveis de sua vida, antes tão monótona. Tinha certeza de que estava irremediável e irreversivelmente apaixonada por ele. Aprendera a conhecê-lo bem e compreendia tanto as alegrias como também as tristezas dele. E desejava que fosse feliz.

Nessa noite, quando o viu no baile a bordo do navio Dartmouth, a vontade de Evelyn foi de correr para os braços fortes dele. Porém, teve que se contentar apenas em vê-lo do outro lado do salão, bebericando seu champanhe, enquanto antecipava o prazer do instante em que Martin viria tirá-la para dançar.

Logo ele se aproximou, belo e sedutor como sempre, em seu formal traje preto e camisa branca, atraindo todos os olhares femininos e encantando todos com quem trocava duas ou três palavras. Evelyn sentiu o sangue ferver nas veias.

Enquanto a música flutuava no ar, olharam um para o outro. Martin sorria, fazendo o coração dela disparar, quando ele escreveu em seu cartão de baile e também no de lady Radley.

A velha senhora abanou-se com o leque, quando ele se afastou. — Que homem sedutor! Evelyn apenas sorriu, entretanto seu coração batia desordenadamente, enquanto

esperava sua vez de estar de novo nos braços de Martin. Não teve que aguardar muito. De repente, sem saber como, ele estendeu-lhe a mão e levou-a para o meio do salão.

— Mais tarde, estarei batendo à sua porta — ele murmurou ao final da música. — E eu estarei esperando — ela respondeu num sussurro, os lábios mal se

movendo. — Ótimo — Martin murmurou, enquanto a levava para a companhia de lady

Radley. Nesse momento, algo a levou a erguer os olhos. De longe, Breckinridge a

observava com a testa enrugada. Assim que seus olhos se encontraram, no entanto, ele sorriu.

Martin virou-se na cama e ergueu-se para contemplá-la. Observou com admiração os ombros, os cabelos espalhados em ondas, o dorso, a linha elegante da coluna, terminando em sombras longas e macias. Enquanto a fitava, Evelyn suspirou profundamente e acordou.

Tomou-a nos braços, cálida e suave ao tato e sentiu um imenso bem-estar. Permaneceu quieto, ouvindo a respiração compassada, embalando-se na suave carícia

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daquele contato puro e ao mesmo tempo tão sensual. Tudo parecia correto e limpo quando a tinha nos braços. Tomou-lhe o rosto entre as mãos e beijou-a na boca de leve.

— Evelyn, minha querida... Lânguida de desejo, ela devolveu as carícias, beijando-o no pescoço, onde uma

veia pulsava selvagemente. — Faça-me sua novamente, meu amor... Martin suspirou. Que Deus o ajudasse a comandar o Orfeus porque sua mente,

seu corpo queriam apenas uma coisa: fazer amor com Evelyn. Sabia que era loucura, mas não podia se esquecer do anjo que tinha nos braços. Queria amá-la sempre e cada vez com mais intensidade.

Então, sem pensar mais, tomou-a com tal ímpeto que a fez gritar. E o que aconteceu a seguir foi um suceder-se de beijos, gemidos e carícias ousadas. Um amor selvagem que terminou com uma alucinante explosão de prazer. Assim que Evelyn atingiu o orgasmo, ele interrompeu as próprias investidas no último instante, e o clímax foi tão intenso que o fez gritar, com o corpo ainda se contorcendo em sucessivas ondas de deleite.

— Por pouco a força de seu prazer não gerou um filho em meu ventre — murmurou Evelyn, sorrindo.

Ela estava brincando, Martin sabia, mas não conseguiu rir. Aquelas palavras deixaram-no preocupado, fazendo-o lembrar-se das inúmeras vezes em que haviam estado juntos aquela semana, sempre supondo que Evelyn estivesse em seu período seguro. Fora descuidado e pensou se não estava perdendo totalmente o controle de suas emoções.

Daquela vez havia se retirado a tempo, embora não tivesse sido fácil. Virou-se de lado e ficou imóvel, inerte como uma árvore caída. Cobriu os olhos com o dorso da mão e procurou dar um tom leve à voz, embora estivesse ainda abalado:

— Pensei que fosse me desintegrar. Evelyn tomou-lhe a mão entre as suas. — Mas não se desintegrou, está aqui. Felizmente, porque é apenas meia-noite e

não estou nem um pouco cansada. Ele se virou na cama e fitou o perfil encantador. Sentiu-se de repente

estranhamente confuso. Haviam-se divertido muito aquela semana e desejava que isso continuasse. O que não pretendia era que ela tomasse o fato como uma promessa de continuidade, porque iria sofrer.

Tal pensamento o deixou atormentado. Otimista em seus projetos, viu uma sombra encobrir a felicidade que sentira até então.

No dia seguinte, Evelyn foi convidada, como também os Radley, para participar do chá das cinco nos fabulosos jardins do Green, cuja proprietária era a sra. Cunnighan, famosa tanto por receber seus hóspedes com a gentileza de uma grande dama, quanto por seus ricos manjares.

— A paisagem que se vê do alto é incomparável — disse lady Radley na carruagem aberta que o marido conduzia. — Tem a beleza de uma pintura preciosa. Por certo, irá se encantar, Evelyn.

Lady Radley não exagerara, percebeu Evelyn ao chegarem, enquanto aguardavam a sra. Cunnighan que vinha, afobada, cumprimentá-los.

— É um prazer conhecê-la — disse a anfitriã, sorrindo para Evelyn. — Especialmente depois de ouvir de lorde Breckinridge, durante o jantar de ontem, louvores à sua beleza. A senhora é de fato uma criatura encantadora!

Evelyn esforçou-se para esconder a surpresa. Não estava acostumada a ser o objeto de conversas nem de ouvir elogios à sua beleza, embora os escutasse de Martin a todo o momento.

— Obrigada, sra. Cunnighan. O prazer é meu — Evelyn agradeceu e foi reunir-se

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aos outros convidados. Embora tivesse planejado descansar um pouco à tarde, estava feliz de ter

comparecido ao chá, pois havia sol, o céu estava azul e a reunião animada. — Parece-me que já provou os famosos bolinhos da sra. Cunnighan — disse uma

voz masculina atrás dela. — Não são deliciosos? Evelyn voltou-se e viu-se diante de Breckinridge. — Tem razão. Realmente são incomparáveis. Ele fez sinal ao garçom, que se aproximou com uma travessa cheia da iguaria. — Sirva-se, por favor. Estes acabaram de chegar da cozinha. — Ah, sim, obrigada. Para a sorte de Evelyn, lorde e lady Radley aproximaram-se. A conversa tratou de

vários assuntos, tais como a comida, o tempo e as muitas reuniões a que haviam comparecido desde que chegaram a Cowes.

— Infelizmente, a semana está terminando — disse Breckinridge. — A competição acontecerá dentro de dois dias, o que significa que devo cobrar agora a promessa que a sra. Wheaton me fez.

— Que promessa? — quis saber lady Radley, ainda mastigando um pedaço de torta de cereja.

Evelyn se serviu de uma xícara de chá e a levou aos lábios, tomando um gole do líquido fumegante, antes de indagar:

— Promessa? — Não se lembra? — replicou Breckinridge, desapontado. — A de sairmos para um passeio em meu barco. Ela se recordou, aborrecida, da promessa quase forçada que lhe fizera. — Ah, sim. Mas o senhor não tem que se poupar para a competição? Não quero

me impor. Não é o momento apropriado. — Não se trata de imposição — ele explicou. — E não pretendo cansar meus

homens à véspera da competição. Iremos simplesmente desfrutar de um cruzeiro. — Breckinridge olhou para os Radley. — Os senhores estão também convidados. Será um prazer tê-los conosco.

Evelyn pensou em apresentar uma desculpa qualquer, mas lorde Radley falou antes que ela tivesse essa chance:

— Acho que o passeio lhe fará bem. Permanece tempo demais recolhida ao seu quarto de hotel. Deve fazer-se ao largo e experimentar o fascínio do mar.

Lady Radley guardou silêncio, mas Breckinridge quase implorou: — Peço a oportunidade de mostrar-lhe a ilha Wight. Nela há uma magnífica

formação rochosa chamada de "As Agulhas". A senhora não pode visitar a ilha sem antes vê-la do mar em todo o seu esplendor.

Evelyn ia abrir a boca para responder, mas Breckinridge não lhe deu tempo. — A senhora não tem nenhum outro compromisso, tem? — Olhou-a como se estivesse a par de tudo o que ela havia feito nos últimos dias. — Não, claro que não! — Evelyn exclamou com um sorriso forçado. — Ótimo! Irei informar meu imediato sobre nossos planos. Eu os esperarei na

esplanada amanhã ao meio-dia. — Estaremos lá. — Tranqüilizou-o lorde Radley e o sobrinho afastou-se com

expressão satisfeita, Lady Radley apoiou-o. — Passaremos uma tarde maravilhosa, Evelyn. Breckinridge é um competente

homem do mar e um anfitrião impecável. Qualquer mulher gostaria de estar em seu lugar. Muitas a invejarão por ter sido a escolhida.

— Tenho certeza de que nos divertiremos — Evelyn disse, sem nenhum

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entusiasmo. A noite, enquanto se preparava para jantar em companhia de lorde e lady Radley,

Evelyn percebeu que estava menstruada. Rompeu em lágrimas inesperadas. Um momento de fraqueza talvez? O fato era que ficou completamente atônita: deveria estar satisfeita, e não chorosa. Tentou se acalmar. Já sabia que um dia Martin e ela iriam se separar. Não seria um filho que o reteria. Além do mais, imaginou o escândalo que seria se tivesse engravidado!

Martin, certamente, ficaria aliviado de saber que não seria pai. Não se veria obrigado a propor-lhe casamento, coisa que não estava nos planos dele. Deixara isso bem claro desde o início do relacionamento e ela havia concordado.

Naquela mesma noite, contaria a ele que menstruara, decidiu, enquanto terminava de se vestir. Mas não lhe diria que havia chorado. Ela própria não sabia exatamente o porquê, não tinha feito amor com Martin com o propósito de engravidar, e sim porque o amava com irresistível paixão. Ele a enfeitiçara e ela havia se entregado, rendendo-se aos próprios desejos.

Já pronta, foi à janela para admirar a paisagem. Nuvens se inflamavam no céu. Suspirou, desanimada.

Ah, louco coração! Pobre mente que havia acolhido aqueles momentos de sonho como se fossem verdadeiros... Se ao menos Martin pudesse perceber quanto o amava... Mas um dia ela reuniria toda a sua coragem e lhe diria.

Naquela noite, porém, apenas o faria saber que não tinha engravidado e que no início da próxima semana voltaria a Londres.

Então, a bela história de amor estaria terminada. E, daquela semana de sonhos e encantamentos, não restariam senão lembranças.

Era quase meia-noite, quando bateram à porta de Evelyn. Ela jogou um robe sobre a camisola e foi atender. Era Martin, como esperava. Parecia à vontade, apoiado ao batente. Havia um sorriso sedutor nos lábios e um brilho em seus olhos, um apelo que lhe foi direto ao fundo do coração.

— Entre. — Desculpe o atraso. O jantar demorou para ser servido. — Não havia motivo para pressa. Afinal, não precisa ficar esta noite — ela disse,

com a mão ainda na maçaneta. Subitamente, Evelyn caiu em si. Falara com certa hostilidade, o que não era justo,

pois ele não tinha feito nada reprovável. Estava apenas se desculpando por ter chegado tarde. Quanto a ela, sentia-se irritada por causa da menstruação e porque agora, cheia de dúvidas, via seu breve romance chegar ao fim.

— O que há, Evelyn? — ele quis saber, endireitando-se. Ela hesitou, percebendo que não poderia explicar ali, junto à porta aberta com Martin no corredor. Afastou-se para o lado e fez sinal para que ele entrasse.

— As novidades são boas — disse, escondendo não só a decepção, como o sofrimento que a acompanhava. — Estou menstruada.

Ele a fitou por um momento e deixou escapar um suspiro. Foi sentar-se na beirada da cama e ali ficou, observando-a, sem dizer nada. Afinal, acabou murmurando:

— É uma ótima notícia. Evelyn engoliu em seco. — Sim. Estou muito aliviada — disse, forçando-se a encará-lo. — Você não precisa

ficar esta noite, se não quiser. — Bem... Eu ficaria, se isso lhe desse prazer. — Ficaria com que propósito? — Para desfrutarmos a companhia um do outro. — Como Evelyn nada comentou,

ele continuou: — Você me disse que não ficaria magoada quando nosso caso terminasse.

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Falamos sobre isso, lembra-se? Os nervos de Evelyn se retesaram, mas conseguiu dizer, numa tentativa de salvar

seu orgulho: — Não estou magoada. — No entanto, parece zangada comigo. Ela ficou sem palavras. Sim, estava zangada, mesmo sabendo que não tinha

direito. Sabia quais eram as regras quando assumira aquele caso e não podia culpá-lo só porque seus sentimentos haviam mudado. Martin nunca mentira a esse respeito nem tinha feito falsas promessas.

Apesar disso, seu orgulho falou mais alto. — Não estou zangada — tornou a dizer com firmeza. — Não acredito. Ela se virou e foi sentar-se numa cadeira. — Está bem. Se quer mesmo saber, estou um pouco desapontada. Martin guardou silêncio por um minuto, antes de perguntar: — Porque não vamos fazer amor esta noite ou porque não engravidou? — Por ambos os motivos. Martin levantou-se num ímpeto. — Não quero me casar de novo, Evelyn! Você sabia disso. Sempre soube. Ela não ficou surpresa, mas continuou frustrada. — Como pode falar assim após os dias que passamos juntos? Foi maravilhoso,

reconheça. Não compreendo como pode deixar que nossa relação acabe desse jeito, como um caso banal — acrescentou, sentindo-se envergonhada ao se expor daquela maneira.

— Foi maravilhoso, concordo e não pretendo pôr um fim em nosso relacionamento. O que não quero é me casar de novo. E tampouco ter um filho.

— Está dizendo que deseja fazer amor comigo, mas sem compromisso de espécie alguma.

— Sim, é exatamente isso! — Sinto muito, Martin. Mas não está sendo suficiente para mim. Quero mais. — Mas, já foi suficiente — ele argumentou, aborrecido. — No começo, achei possível. Agora percebo que não posso amar apenas com o

corpo. E os meus sentimentos, não os leva em conta? Não posso proceder de outra maneira, a não Ser defendendo meu direito à felicidade. Como poderia viver sabendo que um dia, eventualmente, me abandonaria por outra?

Ele a encarou. — Então, Evelyn, é melhor que eu me vá. 0 desespero tomou conta de Evelyn. Era assim que ele resolvia as coisas? E

pensar que um dia quisera ser igual às outras... Agora era uma delas. Mais um nome na longa lista das conquistas de Martin.

— Faça como quiser — respondeu com voz trêmula, quase começando a chorar. Martin se ergueu e alcançou a porta. Chegou a pôr a mão na maçaneta, mas

parou. — Voltaremos a falar sobre isso amanhã. Vou levar o Orfeus para mar alto, onde

faremos os últimos testes antes da prova. Mas estarei de volta à tarde. Evelyn ergueu o queixo. — Não estarei aqui. Vou velejar. — Com quem? — Lorde Breckinridge. Não sentiu prazer algum ao anunciar o passeio marcado. Mas o lorde não fazia

segredo de seu interesse por ela. Pelo contrário. Espalhava aos quatro ventos que queria levá-la ao altar.

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Martin cerrou os maxilares. — Tem certeza de que é prudente? Espero que não vá sozinha com ele. — Lorde e lady Radley irão também. Martin ficou um instante a fitá-la. Estaria preocupado ou frustrado? Evelyn não

soube o que pensar. — Não vá, Evelyn. Breckinridge é um canalha. Quer apenas o seu dinheiro. — Como sabe? — E o que dizem por aí. Evelyn deu de ombros. — Não acredito. — Por favor, Evelyn. Não vá! — Ele também pode me achar interessante. Ou acredita que não tenho futuro?

Breckinridge pode não ser perfeito. Talvez seja até um navegador incompetente. Mas que importância tem isso? Ele está me oferecendo o compromisso de uma vida a dois, um lar, filhos. E por que você se importa a respeito, se não quer nada disso?

— Não gostaria que você recebesse menos do que merece. — E o que mereço? — Um marido que a ame de verdade. Essas palavras atingiram-na em cheio. Era o que mais desejava na vida. No

entanto, queria também que o marido fosse Martin, o único homem que amara. E que amaria para sempre.

— E o que também quero, nunca fiz segredo disso. Um marido que me ame por toda a vida.

Martin nada disse, apenas a fitava; os olhos escurecidos e o cenho franzido, demonstrando tensão.

Evelyn sentiu que suas palavras o atingiram em cheio. Quis jogar-se em seus braços e ouvi-lo dizer que sentia muito, que havia se enganado, que a amava e queria ficar com ela até o fim da vida. Gostaria que Martin a proibisse de sair com Breckinridge porque ela lhe pertencia e a mais ninguém.

— Não posso assumir esse compromisso, Evelyn — escutou-o dizer com voz inexpressiva. — Tenho antes que pensar na competição. A tripulação depende de mim para aprimorar-se. Negligenciei-os durante boa parte da semana e...

— Você não tem de me explicar nada — ínterrompeu-o, invocando sua dignidade, embora o coração estivesse partido. — Tivemos um caso temporário, que foi bom enquanto durou. Não vamos estragar com palavras as lembranças boas que ficaram.

Martin parecia surpreso. — Nada jamais poderá estragar a lembrança do que sentimos um pelo outro! Evelyn olhou-o, muda, indignada. Martin jamais a amaria do modo como o amava! — Boa noite, Evelyn. — Boa noite. — Ela ainda teve força para responder.

CAPÍTULO VII

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Que dia glorioso para velejar! — gritou Breckinridge do leme do Endeavor, para

que todos o ouvissem. — De fato — concordou lady Radley. — Não podia ter escolhido melhor dia para

nos levar a um passeio. — Vou tomar o caminho do canal. E mais romântico — ele anunciou, olhando para

Evelyn. Pouco depois, o veleiro entrava num estreito canal lateral, deslizando entre as

margens de sebes de lilases, que perfumavam o ar com o seu aroma. Ao chegarem à embocadura, o sol batia em cheio sobre a superfície do mar.

— Alguém gostaria de tomar uma taça de champanhe? — perguntou Breckinridge. — Sim, seria bem-vinda — concordou lorde Radley. Os olhos de Hatfield brilharam,

gulosos, ao dizer: — Vou até a adega apanhar a nossa melhor garrafa. Breckinridge aprovou: — Muito bem dito, meu rapaz! Evelyn censurou Breckinridge mentalmente. Para ele e Hatfield, tudo se resumia a

champanhe, fama e poder. Suspirou, frustrada, e virou-se para a direção oposta. Nesse instante, Hatfield

reapareceu, o rosto irradiando prazer enquanto mostrava as duas garrafas de champanhe que trouxera junto com as taças. Serviu a todos e propôs um brinde:

— Aos novos campeões de Cowes! — Aqui estão os vencedores de amanhã! — exclamou Breckinridge, segurando o

leme com uma das mãos e a taça com a outra. Martin estava ao leme do Orfeus, navegando na direção da baía repleta de barcos

do Iate Clube Esquadrão. Não haviam tido muita sorte com o vento, morno e fraco, naquele dia de sol. Teriam feito melhor se tivessem ficado no hotel, descansando, preparando-se psicologicamente para a prova do dia seguinte.

Spencer, que se encontrava debruçado à balaustrada, voltou-se, anunciando: — O Endeavor está se aproximando. Martin ergueu os olhos, pois sabia que Evelyn estava a bordo. Passariam um rente

ao outro. Spencer deixou seu posto de observação e foi colocar-se ao lado de Martin. — Hoje não haverá perigo de colisão. Há convidados a bordo. Veja. Quando o Endeavor passou, o coração de Martin acelerou. Evelyn, postada ao

lado de Breckinridge, olhava firme para a frente e não se virou. Os outros acenaram. — Olá! — gritou lady Radley. — Olá — respondeu Spencer, com reserva. Martin não disse nada. Não podia. Sentiu-se paralisado. Ali vai ela, pensou,

referindo-se à mulher que o fizera esquecer tudo o que o torturava. Havia sentido alegria, alegria verdadeira. Agora, seu único sentimento era pesar

pela discussão que haviam tido, além da necessidade de ouvi-la dizer que não se casaria com Breckinridge nem com outro qualquer.

Engoliu com dificuldade o nó que se formara na garganta e virou-se para observar o Endeavor, que seguia direto para o mar, deixando para trás um rastro de espuma. Estava tão embebido nessa contemplação que mal percebeu que não mais segurava o leme. Quando se deu conta, Spencer já o havia tomado entre as mãos ágeis.

— Não se preocupe com o leme, amigo. — Martin continuava a fitá-lo, sem dizer palavra. — Está pálido. E melhor que se sente ou faça o Orfeus retornar para segui-la.

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— Seguir quem? Spencer deu de ombros ao responder: — Evelyn. Martin rugiu: — Com mil demônios! Quando percebeu que havia alguma coisa entre nós? Mãos no leme, olhos erguidos para o velame, Spencer falou com displicência: — Há dez anos. — Só pode estar brincando! — exaltou-se Martin. Spencer continuou, impassível: — Ela era a única jovem em Windsor que o fazia perder a paciência e adotar essa

cara de quem está com a cabeça nas nuvens: Ah, eu poderia tê-la se quisesse... Martin ameaçou-o com os olhos. — Foi você a desencorajar-me, a me dizer para deixá-la em paz! — Não. Eu disse apenas que não brincasse com ela. Foi diferente. — Mas por que desistiu de me repreender? Deixou que eu fosse em frente sem se

manifestar de novo! — Evelyn é mulher feita. Sabe o que quer da vida. — E o que ela quer? — Você! — Não posso perdê-la de jeito nenhum. — Não, não pode. Então, o que vai fazer? Voltar para o clube ou para ela? Martin nada disse por um momento. Então reclamou seu lugar ao leme. — Vamos voltar para o clube — informou, segurando o dispositivo com

determinação. Spencer franziu o cenho. — Covarde! — Calma. Não me deixou terminar! — protestou Martin. — Vou levar você e a

tripulação para terra firme e voltar sozinho, porque, quando eu a trouxer a bordo do Orfeus, não irei precisar de vocês.

Spencer riu alto e deu-lhe um tapinha nas costas. — Assim é que se fala, capitão! Evelyn logo percebeu que o Endeavor era um barco extremamente rápido. Martin

teria essa noção no dia seguinte, quando os canhões do Esquadrão anunciassem o início da prova.

— Que vista esplêndida! — disse lady Radley, ao se aproximar, segurando o chapéu de abas largas. — O que acha, Evelyn? Não é a coisa mais extraordinária que já viu?

Ela também teve que segurar o chapéu, pois o vento soprava com mais força. Foi obrigada a gritar:

— E magnífica! Porém, na verdade, não estava nem um pouco impressionada com a paisagem.

Comparada à que vira dias atrás, ao lado de Martin, era algo quase banal. Olhou para o conde, que falava com lorde Radley, enquanto Hatfield se encontrava

ao leme, ainda tomando champanhe. Jamais poderia se casar com Breckinridge. Tinha certeza disso agora. Nem por questão de segurança nem de respeitabilidade. Decerto ele queria apenas o seu dinheiro. E ela desejava e merecia devoção e compromisso, paixão e amor. Aprendera isso com Martin. Atormentava-a saber que não seria dele para sempre. E pensou se não havia errado ao pedir mais do que ele poderia dar. Se tivesse concordado em continuar o caso sem exigir nenhum compromisso, talvez Martin acabasse se apaixonando por ela... Reclamara cedo demais.

De súbito, uma lufada mais forte de vento arrancou-lhe o chapéu, que girou no ar e foi flutuar sobre as cristas espumosas das ondas.

— Evelyn, seu chapéu! — gritou lady Radley, apontando para baixo, enquanto o

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barco prosseguia sua rota. Evelyn ergueu o braço esquerdo sobre a cabeça para segurar o coque. Tarde

demais. Os grampos haviam se desprendido, o penteado se desmanchava e os cabelos tombaram-lhe de repente sobre os ombros, em cachos soltos.

Deu de ombros. O que lhe importava o chapéu naquele momento? A única coisa que queria era voltar a Cowes, para fazer só Deus sabia o quê.

Martin prendeu o leme e atravessou o convés para ajustar as cordas das velas mestras. Tinha que reconhecer que o Endeavor era rápido. Não conseguiria alcançá-lo, o que não era um bom presságio, levando-se em conta que a competição seria no dia seguinte.

Mas essa era a menor de suas preocupações. Breckinridge que conquistasse o título e o troféu, porque Martin queria vencer outra competição, cujo troféu era o coração de Evelyn. Não importava o tempo que fosse demorar, mas iria tê-la de novo em seus braços. Gritaria bem alto que não podia viver sem ela e pediria a Breckinridge que desistisse de seu intento. Não sabia se ela o perdoaria ou o que o futuro estava preparando para ambos. Mas tinha que tentar, queria tornar-se um homem melhor. Por ela. Queria tê-la de novo em seu barco, no lugar, que era dela e de nenhuma outra.

Sentiu um jorro de água salgada bater-lhe no rosto e apressou-se em ajeitar a vela. O vento, que soprava agora com mais força, poderia ajudá-lo a ganhar velocidade. Voltou para o lugar do piloto e ergueu o binóculo, a fim de esquadrinhar o mar. Pôde ver o Endeavor a distância. E como ia rápido!

O mar agitava-se sob o casco, as cordas rangiam, os jorros de água salgada continuavam a bater-lhe no rosto, mas ele permanecia ao leme, inabalável, perseguindo seu sonho.

Levada por um inesperado impulso interior, Evelyn deixou a balaustrada e desceu para ajeitar os cabelos na cabine de hóspedes. Acabava de enfiar o último grampo, quando uma sombra se desenhou na escotilha. Era Breckinridge que vinha ao seu encontro.

— Sinto muito por seu chapéu — disse, ao entrar. — Permita que lhe providencie outro novo.

— Obrigada, lorde Breckinridge, mas não é necessário. Foi um acidente causado por minha própria inabilidade. Deveria tê-lo prendido melhor.

Ele ficou a olhá-la por um momento, criando aquele estranho silêncio que se tornara tão previsível entre ambos e que a fazia perder a paciência. Era outra mudança no comportamento dela porque, no passado, teria achado o fato normal. Agora, não era mais o caso. Sabia que nada tinham em comum, nem mesmo a intimidade que deveria existir entre duas pessoas que se estimam. Essa havia sido outra lição que aprendera com Martin.

— Veio à minha procura? — perguntou-lhe, com fingida naturalidade. O conde aproximou-se e ofereceu-lhe um lenço que tirou do bolso. — Permita que lhe diga: seus óculos estão embaçados. Ela o fitou em silêncio por

um momento. Estavam mesmo sujos. Aceitou o lenço e limpou-os. Mas, enquanto o fazia, um movimento mais brusco do barco jogou-os de encontro à mesa. Evelyn sentiu uma forte dor no cotovelo e uma pontada no ombro. Rapidamente, ele lhe estendeu a mão e ajudou-a endireitar-se.

— Está bem, sra. Wheaton? — Sim, obrigada — respondeu, erguendo os óculos. Ia colocá-los quando, inesperadamente, ele a agarrou pelos ombros e a beijou. Foi

um beijo duro, atrevido, que a deixou sem ação por um breve instante. Canalha, covarde, ganhando confiança para depois se aproveitar da situação!... Outro balanço, dessa vez mais forte, jogou-os contra a parede. Ele ia repetir o

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gesto, mas Evelyn, prevenida, empurrou-o para o lado. — Milorde!. — gritou, perdendo a paciência. Mas tinha de ficar calma, tinha de controlar-se e fazer uma avaliação fria. Um

escândalo não seria nada recomendável. Havia os outros... Ofegante, ele deu dois passos na direção dela. Evelyn respirou fundo. Tudo

acontecera tão de repente... O que tinha dado nele? Por que se comportava de modo tão grosseiro? Ajeitou-se, limpou a boca com o dorso da mão numa tentativa de eliminar o gosto detestável daquele beijo e encarou-o.

— Deve convir que não está se comportando como um cavalheiro. Logo o senhor, tão cuidadoso com sua reputação... Como teve coragem?

Ele fez que não entendeu. — Sra. Wheaton, chegou a hora de discutirmos o que aconteceu conosco há

alguns instantes. — E o que aconteceu, posso saber? — ela perguntou, sarcástica. — A urgência da união marital entre nós, é claro. Deve ter entendido que temos

muito o que oferecer um ao outro. A senhora tem uma grande fortuna. Eu tenho um título e, ao contrário de muitos por aí, faço-me respeitar.

Evelyn ficou muda de surpresa. — Desculpe, milorde, mas não estou procurando nem uma coisa nem outra. Quero

apenas amor. — Ah, amor! Pode ser muito romântica, sra. Wheaton, mas me sinto no dever de

informá-la de que está enganada a esse respeito. Comigo a seu lado ganhará respeitabilidade, coisa que não acontecerá se aceitar a corte de outros. — Fez uma pausa e fitou-a. — É uma mulher inteligente. Com certeza, sabe a quem estou me referindo. Evelyn sentiu o sangue ferver.

— Não, senhor, não sei. Explique-se melhor, por favor. — Pois bem. Quero proteger sua reputação, sra. Wheaton. Desejo resgatá-la de

uma vida solitária, de um futuro desolado. Os olhos dela fuzilaram. — Meu futuro não será solitário! — A minha opinião é a de que será... quando os boatos se espalharem. — Que boatos? — ela perguntou, perplexa. — Os de sempre. Fala-se muito sobre sua ativa semana em Cowes, por exemplo. Evelyn corou. — Está me chantageando para que me case com o senhor? Devo lhe assegurar,

isso não está em meus planos! — Não estou tentando chantageá-la — o conde afirmou, parecendo surpreso. —

Estou querendo salvá-la. — Salvar-me de quê, se não estou em perigo? — Aconselho-a a pensar cuidadosamente em minha proposta antes de recusá-la,

sra. Wheaton. Terei um grande prazer em ser seu defensor. — Breckinridge estudou-a por um momento. — Prometa-me ao menos que irá refletir sobre a questão durante a viagem de volta.

Na verdade, ela iria pensar na maneira de dizer-lhe algumas verdades! O conde se recompôs, com o cenho franzido, como se tivesse compreendido o

propósito de Evelyn. — Vou dar ordens ao imediato para voltarmos daqui. O tempo está mudando —

informou. — Talvez amanhã, quando eu receber a taça de campeão, a senhora me dê permissão de anunciar as boas novas.

— Boas novas? O que o senhor que dizer com isso? — ' Evelyn perguntou, mesmo sabendo do que se tratava.

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Então, houve um estrondo no convés, como o de um tiro de canhão. — O que é isso? — gritou Breckinridge, precipitando-se escadas acima. Evelyn seguiu-o e olhou para o mastro que se inclinava e se rompia, numa

confusão de velas e cordas. — Meu Deus! — gritou, enquanto lorde e lady Radley iam se abrigar na cabine de

escotilha. — Hatfield, seu doido varrido! — tornou Breckinridge, esbofeteando o imediato

primeiro numa face depois na outra. — Arrebentou meu barco! — Não foi culpa minha! — defendeu-se Hatfield. — Acho que nos chocamos com

um destroço flutuante. Ou com um tubarão. Evelyn correu para um lado da amurada. Mastro e velas haviam escorregado do

convés para o mar e boiavam agora com o cordame frouxo, já que ninguém estava ao leme. O vento soprava tempestuosamente e o veleiro estremecia de ponta a ponta, a proa erguia e abaixava-se, numa nuvem de espuma. O ar estava cheio de água volante.

Ela correu para junto de Breckinridge. — O que posso fazer para ajudá-lo? — Não sei, não sei! A única coisa de que tenho certeza é que não poderemos mais

competir. — Esqueça isso! Estamos ainda conectados aos escombros do mastro! Um golpe mais forte de vento jogou-os para um lado e mais detritos escorregaram

pelo convés. A frágil concha pareceu ondular, ergueu-se de um extremo a outro, para depois voltar à sua rigidez.

— Precisamos cortar as cordas — informou Breckinridge, num momento de lucidez.

Hatfield correu para dar-lhe uma faca, mas o conde a recusou, enraivecido. — Fora com isso! Preciso de um machado. O imediato se apressou para providenciá-lo, enquanto Breckinridge revirava os

bolsos, à procura da própria faca, desperdiçando minutos preciosos. — Mais rápido! — gritou Evelyn, ao ouvir os frêmitos e os gemidos do barco. — Se

não tomar logo uma atitude, a embarcação irá afundar! Nesse momento, uma onda gigantesca elevou-se do mar e varreu o convés,

jogando Breckinridge para fora do veleiro. Soltou uma imprecação ao cair e seu grito foi seguido pelo de Evelyn, que se viu levada de repente para as profundezas escuras do oceano.

Não, não posso morrer aqui, pensou, relembrando-se de uma situação vivida muitos anos atrás. As pernas, tenho que batê-las. Pôs-se a nadar com desespero e, de repente, sentiu-se impelida para cima. Tossindo e lutando contra o pânico, emergiu de um amontoado de cordas e velame. Uma Onda atingiu-a no rosto com força e ela ofegou em busca de ar, os braços agitando-se em todas as direções.

Tudo era apenas um borrão, enquanto tentava focalizar o barco e procurar as águas à procura dos outros. Lorde e lady Radley, Hatfield, Breckinridge... Não viu ninguém, apenas espuma, águas encrespadas e o Endeavor voltado para baixo, mergulhando no mar.

O vento estalava em rajadas coléricas como salva de canhão sobre o mar, quando Martin se aproximava do Endeavor, que afundava. Agiu rapidamente. Amarrou uma corda à cintura e deu início a uma corrida contra o vento, exigindo o máximo do Orfeus. Ao atingir os destroços, prendeu a outra ponta da corda à balaustrada e saltou.

— Evelyn! — gritou a plenos pulmões, nadando em círculos em torno do veleiro naufragado e vasculhando desesperadamente as águas revoltas. Onde estaria ela? Não podia ter se afogado. Devia estar se segurando em algo flutuante.

Tinha que estar. Não suportaria se...

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— Martin! Ouviu o apelo que se sobrepunha ao rugido das ondas e então a viu. Estava a

poucos metros dela. Pôs-se a nadar com vigor e alcançou-a. Prendeu-a à cintura e, usando cada músculo, carregou-a a nado até o costado do Orfeus. Em seguida, foi se içando devagar, mão por mão. A única coisa que queria era deixá-la no convés, para de novo mergulhar à procura dos outros. Quando conseguiu, gritou:

— Fique aqui! — E os outros? — Vou encontrá-los. Uma nova rajada de vento, e o mar pareceu varrer tudo. De joelhos, Evelyn

arrastou-se pelo convés encharcado e desapareceu na escuridão da escotilha. Martin seguiu-a e fechou a comporta. Na seqüência, pôs-se ao leme para levar o barco a navegar em círculos. Avistou os Radley agarrados a um pedaço de mastro, ambos engolindo água. Lutando para não perdê-los de vista, gritou-lhes:

— Não tentem nadar! Irei até aí! Quando chegou bem perto, amarrou outra vez a ponta da corda à balaustrada e, a

seguir, abaixou a bujarrona e afrouxou as velas mestras para interromper a marcha do veleiro. Rebocou o casal para bordo, um de cada vez. Quando terminou a exaustiva operação, estava quase sem forças.

Lorde Radley pegou a esposa pelos ombros e apertou-a contra o peito. — Está bem, minha querida? Ah, meu amor... Se a tivesse perdido, não sei o que

faria! A essa altura, o Endeavor estava completamente submerso, engolido que fora

pelas águas do mar. Tudo o que restava como comprovação de sua existência eram alguns destroços flutuando aqui e ali.

— Viram os outros? — perguntou Martin. — Vi Hatfield — respondeu o lorde. — De Breckinridge, não sei nada. — Por favor, leve sua esposa para baixo. Ela mal pode manter-se de pé. Depois

volte para me ajudar. Martin debruçou-se sobre a amurada e pôs-se a gritar: — Hatfield! Breckinridge! Andou de um lado para o outro da balaustrada e, de súbito, ouviu uma voz. Voltou

ao leme e pôs a movimentar o barco em círculos de novo. — Ajude-me a galgar o costado! — gritou Hatfield de baixo. Radley apareceu

nesse momento, ainda pingando água e Martin nunca ficou tão aliviado em poder dispor de alguma ajuda.

Trabalharam juntos para içá-lo a bordo mas, a um certo momento, a corda escapou como uma cobra das mãos de Hatfield, que se precipitou novamente nas águas turbulentas. Em questão de segundos, Martin tornou a amarrar a corda à cintura e deu a outra ponta para Radley.

— Amarre-a à sua própria cintura. Vou descer pelo costado. Depois leve de novo o barco a mover-se em círculos. Mas, pelo amor de Deus, não nos perca de vista!

Na cabine de baixo, Evelyn enfim conseguiu parar de tremer. Livrou-se da saia molhada e, só de saiote e corpete, dirigiu-se para o andar superior. Talvez sua ajuda fosse necessária.

— Onde está Martin? — perguntou, ao ver lorde Radley sozinho no convés. — Mergulhou para resgatar Hatfield. O terror fluiu-lhe pelas veias. Debruçou-se na amurada implorando: Oh, meu Deus! Faça com que voltem sãos e salvos! Não conseguia vê-los.

Esquadrinhou o mar e então os avistou. — Lá! Estão lá!

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Martin nadava, puxando Hatfield, que estava apenas com cabeça para fora da água.

— Aqui vamos nós! — gritou. — Podem rebocar-nos. Martin havia prendido Hatfield ao próprio corpo com a ponta da corda que levava amarrada à cintura.

— Ajude-me! — berrou Evelyn a lorde Radley. — Sozinha não consigo. Trabalharam rapidamente. Minutos depois, Martin e Hatfield já estavam ao lado do

barco. — Ergam primeiro Hatfield — disse Martin, livrando-se da corda que também lhe

prendia. Enquanto Radley tratava de salvar Hatfield, Evelyn cuidava de Martin, Atirou-lhe

outra corda e a amarrou à balaustrada. Com os dois já a bordo, deitaram-se todos de costas no convés molhado, exaustos

e ofegantes. —Você está bem? — perguntou Evelyn a Martin, enquanto ajeitava a cabeça de

Hatfield, que parecia desmaiado em seu colo. — Sim, estou — respondeu Martin, rolando sobre os joelhos para levantar-se. — E

ele? — Está vivo. Mas temos de mantê-lo aquecido ou morrerá de frio. Então, as velas mestras começaram a bater selvagemente e o barco estremeceu

de ponta a ponta. Martin ergueu-se. — Tome conta de Hatfield. — E lorde Breckinridge? — perguntou Radley. — Continue a esquadrinhar o mar e a chamá-lo. Vou tratar de afrouxar as velas

mestras. Ninguém falou muito durante a difícil jornada de volta a Cowes. As duas mulheres

permaneceram na cabine, cuidando de Hatfield, que havia voltado a si, mas estava ainda muito fraco para levantar-se.

Envolta num cobertor de lã, Evelyn aproximou-se dele e perguntou se podia ajudá-lo.

— Quer que eu lhe traga alguma coisa? Não sente fome? Ele estava virado de lado e não se voltou para olhá-la.

— Não. Ela compreendeu que Hatfield devia estar muito fraco e não queria conversar.

Assim disse simplesmente: — Se mudar de idéia, avise-me. Ele nada falou e Evelyn voltou à mesa. — E um milagre o fato de estarmos vivos — lady Radley comentou. Evelyn estremeceu e ajeitou-se melhor no cobertor. — Houve um momento em que pensei que morreríamos todos. O veleiro ondulou, ao transpor uma onda gigantesca e ambas agarraram-se à

mesa. Lady Radley empalideceu. — Que Deus nos ajude! — Não se preocupe — acalmou-a Evelyn. — Lorde Martin sabe o que está

fazendo. — Disso não tenho dúvida. Permaneceram em prolongado silêncio, relembrando os terríveis momentos que

viveram. — Tivemos sorte com a chegada de Martin — disse lady Radley. — Mas o que

estava fazendo, sozinho, sem imediato nem equipagem, ao mar? Talvez ele estivesse nos seguindo por algum motivo.

Evelyn sentia-se estranhamente entorpecida.

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— Talvez soubesse que iríamos enfrentar uma tempestade e tenha voltado para nos avisar. O que não compreendo é por que voltou sem a tripulação e o amigo Spencer.

— Quem sabe, o intuito fosse testar a própria capacidade de enfrentar o Endeavor. — Lady Radley refletia em voz alta. — Se não foi por isso, foi por você.

Evelyn fitou-a nos olhos. Seria essa a intenção de Martin? Não queria pensar nisso naquele momento. Quase haviam morrido no mar. Breckinridge desaparecera e Hatfield estava em péssimas condições. E ainda tinham pela frente a viagem de volta a Cowes.

Não podia pensar em sua relação com Martin sem sentir uma dor profunda no peito. A vida podia ser bem cruel às vezes; não queria alimentar esperanças que a fariam passar novamente por tanto sofrimento.

— Tenho certeza de que não é esse o caso — disse por fim, enquanto o veleiro enfrentava o mar zangado, de ondas selvagens.

Escurecia e ainda chovia, quando Martin levou o Orfeus para o ancoradouro do Esquadrão. Spencer chegou correndo do clube.

— Graças a Deus, estão de volta! — exclamou, enquanto estendia a mão para ajudar Evelyn.

Ela recusou a oferta, dizendo: — Estou bem, lorde Spencer. Ajude o sr. Hatfield que precisa muito ser amparado.

Ele permaneceu na água por mais tempo do que nós. — O que houve com o Endeavor! — indagou Spencer, enquanto sustentava

Hatfield. — O mar o tragou — respondeu lady Radley, que já se dirigia para o clube,

amparada pelo marido. Evelyn não os acompanhou. Permaneceu na doca, observando Martin que se

preparava para desancorar o Orfeus. — Poderia desatar o nó dessa corda e jogá-la a bordo? — ele pediu sem olhá-la,

enquanto testava o cordame do veleiro. — Por quê? Para onde está indo? — ela perguntou, tensa. — Tenho que levar o Orfeus de volta ao seu ancoradouro. Evelyn reconheceu o

desinteresse que permeava a voz dele e estremeceu. — Por que tanta pressa? Não pode deixar isso para amanhã? — perguntou,

enquanto a chuva aumentava de intensidade. — Poderia jogar a corda? — Martin insistiu, sem demonstrar impaciência. O coração de Evelyn apertou-se de angústia. Ele estava evitando qualquer tipo de

intimidade. Tratava-a com a mesma frieza que dispensaria a uma desconhecida. Mas por quê? Porque tinha saído para velejar com Breckinridge?

Lembrou-se de repente de que haviam passado por uma grande provação. Não era o momento certo para pressioná-lo. Resignada, apanhou a corda e jogou-a no convés.

— Sabe onde me encontrar, se quiser falar comigo. Ele mal a olhou, quando assentiu.

CAPÍTULO VIII

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Martin acordou de repente e sentou-se na cama. Alguma coisa batera no costado

do barco. Ficou atento e ouviu o ruído de passos cautelosos ao longo do convés. Pouco depois, a luz de uma lanterna filtrava-se por uma das clarabóias. Mas não se mexeu. A coisa mais sábia a fazer era ficar ali, no escuro, e esperar.

A porta da cabine escancarou-se e Martin recebeu um jato de luz nos olhos que o cegou momentaneamente.

— Que diabos!... — Então você não morreu — perguntou uma voz, a de Spencer. — Ainda não, mas poderia ter morrido. De susto! — Trouxe-lhe um sanduíche — respondeu o amigo, sem se abalar. — E uísque? — Também. Mas, pelo visto... — Spencer apontou para as roupas espalhadas pelo

chão — não devia ter trazido. Tenho vontade de jogá-lo fora. Martin ergueu-se, apoiando-se no cotovelo. — Por quê? Tem medo de que eu me embriague? — Sei que irá pelo menos tentar. — Spencer sentou-se à mesa. — Quanto já

bebeu antes de vir para cá? — Pouco. Estou lúcido, como pode ver. — Hum... Spencer acendeu a luz para ver melhor. — É, parece que está — disse, remexendo a bolsa a tiracolo, de onde retirou um

sanduíche, que jogou ao amigo. — Ótimo! Estava mesmo com fome! — exclamou Martin, desembrulhando o lanche

e dando uma mordida. Spencer esticou as longas pernas e cruzou as mãos sob a nuca. — Irão cancelar a competição, não há dúvida. — Presumo que sim. Como estão os Radley? E Hatfield? — E de Evelyn, não quer saber? — Não se irrite, Spencer. Não perguntei porque sei que ela está bem. — Como pode ter tanta certeza? Martin correu os dedos pelos cabelos. — Apenas sei e ponto final! Spencer inclinou-se para ele. — O que aconteceu, afinal? Foi atrás dela e a arrebatou do barco que afundava? — Ela já estava fora do veleiro. Flutuava no meio dos destroços. —Você chegou a lhe dizer por que estava lá naquele exato momento? — Claro que não! — respondeu Martin. — Não depois de tudo o que aconteceu. — Mas falou com ela? Disse-lhe ao menos que estava feliz por encontrá-la viva? Martin ficou em silêncio. Não queria tratar desse assunto. Spencer adotou um tom

resignado. — Não posso acreditar... — Não era o momento certo — defendeu-se Martin. — Tenho um vago pressentimento de que não haverá o momento certo. Não

depois do que aconteceu. Você não vai deixá-la, não é? Não vai empacotar suas coisas e voltar para casa?

Martin perdeu subitamente o apetite. — Pelo amor de Deus, Spencer! Passei momentos terríveis, aquilo foi uma descida

ao inferno! Uma pessoa está desaparecida e, por alguns terríveis momentos, pensei que todos tivessem morrido, inclusive Evelyn. Conhece a minha história, não pode parar de me pressionar? Pelo menos desta vez?

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Spencer abaixou a cabeça e guardou um longo minuto de silêncio. Finalmente murmurou:

— Tem razão. Sinto muito e peço desculpas. Ficaram calados até Spencer remexer de novo a bolsa e tirar uma garrafa de uísque.

— Não disse que ia jogá-la fora? — questionou Martin, quando o amigo lhe passou um copo com uma dose da bebida.

— Mudei de idéia. Diante dos fatos, o que se deve fazer senão abrir uma garrafa de uísque?

Martin ergueu o copo e sorveu um gole do forte e fragrante líquido. — Foi um dia terrível, Spencer. Obrigado pelo uísque e por ter me compreendido.

Saúde! Na manhã seguinte, os canhões troaram. Mas não para anunciar a competição. Os

tiros eram em homenagem a lorde Breckinridge, dado como morto após várias buscas, e ao trágico fim do Endeavor.

Depois disso, houve uma reunião no Iate Clube Esquadrão e, daquela vez, as damas tiveram permissão para entrar. Evelyn chegou em companhia de lady Radley e ambas, conjuntamente, agradeceram aos que lhes desejaram simpatia e compreensão. Tiveram que repetir, com detalhes, os fatos que antecederam os acontecimentos, e o fizeram com cortês paciência.

Depois das explicações, Evelyn deu uma volta pelo salão lotado, à procura de Martin. Estava preocupada, ele não voltara ao seu quarto de hotel desde o acidente. Havia passado a noite no Orfeus, tinham lhe dito.

Ele também deve estar sofrendo..., pensou. O que a impacientava era ver-se presa a compromissos. Livre, iria procurá-lo.

Pouco depois, encontrou-se com Hatfield, que tinha melhorado, mas estava ainda pálido e fraco.

— Isso não devia ter acontecido — ele disse. — Tem toda a razão. Foi uma tragédia e duvido que um de nós envolvidos irá um

dia esquecê-la. — Lorde Breckinridge não podia ter se perdido. Reconhecendo pesar na voz de

Hatfield, Evelyn tocou-lhe 0 braço e respondeu com grande cuidado: — Fizemos tudo o que estava ao nosso

alcance paia resgatá-lo do mar. Ele a olhou com ceticismo. — Pensa realmente assim? Confesso que não tenho tanta Certeza disso. Por um momento, Evelyn não soube o que dizer. Por fim, explodiu: — Claro que fizemos! Ele adotou um inesperado ar de zombaria e Evelyn fitou-o Com um misto de raiva

e perplexidade. —Diga claramente o que está apenas insinuando, senhor! — Acho que a senhora sabe muito bem o que estou querendo dizer. Evelyn esquadrinhou-o de alto a baixo e a voz endureceu-se: — Não sei! O senhor terá que fazê-lo e o aconselho a ter muito cuidado com o que

vai dizer! Ele se aproximou mais. — Não acha uma coincidência estranha que Martin tenha deixado Breckinridge por

último? Um dia antes da competição? Quando milorde proporia casamento à senhora? Evelyn mal podia acreditar no que ouvia. Hatfield estava mesmo sugerindo que

Martin deixara Breckinridge para trás de propósito?

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— Lorde Martin fez tudo o que era possível naquelas circunstâncias e estou chocada com essas insinuações descabidas!

Hatfield deu de ombros e Evelyn sentiu o sangue subir-lhe à cabeça. Um frouxo, um bêbado, insinuando tais coisas de um homem de bem!

— Não se lembra de que ele arriscou a própria vida para salvar a sua? — Apenas porque não queria salvar a do conde. E não acha suspeito o fato de o

mastro ter se quebrado ao meio? Quem sabe não foi sabotado! O último resquício de compaixão que Evelyn ainda sentia pelo estado dele

esvaneceu-se, sendo substituído por uma raiva fustigante. — É a coisa mais ridícula que já ouvi! Algo que afeta a honra, a reputação e a

dignidade de um homem de bem. Não passe isso adiante ou direi a todos que o mastro se quebrou porque o senhor bebeu sem parar, enquanto estava ao leme! Se há algum culpado pela morte do conde, é o senhor!

Surpreso, Hatfield deu um passo para trás. —A senhora tenta proteger lorde Martin porque ele é seu amante!

Evelyn sentiu na boca um gosto amargo. — E o senhor está tentando arruiná-lo porque inveja o sucesso dele e tem medo de

ser acusado de incompetente! Nada mais tenho a lhe dizer. Bom dia! Perturbada e trêmula, abriu caminho entre as pessoas que lotavam o recinto para ir

ao encontro de Lyndon Wadsworth. — Sir Lyndon, poderíamos ter uma conversa? Ele percebeu a agitação de Evelyn e desculpou-se com os outros. Depois, tomou-a

pelo braço e levou-a a um recanto tranqüilo. — O sr. Hatfield acabou de fazer uma acusação espantosa. Disse, entre outras

coisas, que lorde Martin, além de sabotar o mastro do Endeavor, deixou lorde Breckinridge para ser salvo por último intencionalmente. Eu lhe asseguro que lorde Breckinridge não estava à vista, quando o Orfeus chegou para nos resgatar, e foi procurado, inutilmente, durante muito tempo. Não foi abandonado, como insinuou Hatfield, Lorde Radley, que se achava presente, poderá confirmar o fato.

Lyndon, que ouvia com atenção cada palavra que ela dizia, endireitou-se e clareou a garganta.

— Já estou a par disso, sra. Wheaton. Outras pessoas já me informaram também das incertezas sobre o que aconteceu. Haverá uma investigação.

— Uma investigação! — exclamou Evelyn, chocada. — Então o senhor acredita naquele miserável?

— Não se trata disso. A questão é que não posso ignorar o pedido dos outros sócios. Haverá uma investigação, mas lhe prometo que será uma investigação justa.

— Mas... — A senhora sabe que admiro lorde Martin. Considero-o um grande homem do

mar e também um cavalheiro. Porém, não pode pairar nenhuma dúvida sobre o que de fato aconteceu, já que dois dos envolvidos são rivais.

Evelyn ficou atônita. — Lorde Martin merece uma medalha de honra ao mérito! Nesse instante, Martin e

Spencer chegaram, causando uma comoção geral. Um murmúrio dominou a sala e Evelyn soube que Hatfield já atirara algumas palavras mentirosas na mente de algumas pessoas. A cobra venenosa tinha completado seu trabalho.

Lyndon desculpou-se e, com passadas rápidas, foi ao encontro dos recém-chegados. De longe, Evelyn observou o comodoro do clube colocá-los a par do ocorrido. Os dois pareceram achar natural, pois continuaram a conversar animadamente. Outros cavalheiros também se aproximaram do grupo e houve uma troca de cumprimentos, o que a deixou aliviada. Seus pares não os rejeitavam.

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Evelyn não tinha outra idéia na cabeça salvo não perder Martin. Mas, naquele momento, era como se não tivessem nunca conhecido alguma intimidade juntos. Sentiu uma forte pressão no peito.

Pouco depois, ele abriu caminho até onde ela estava sentada com um grupo de mulheres.

— Sra. Wheaton — disse formalmente—, espero que já tenha se recuperado do acidente.

— Sim, graças ao senhor. Obrigada. Foi tudo muito próprio e sóbrio e as outras senhoras logo entraram na conversa,

demonstrando gratidão e apreço. — Fiz o que qualquer homem teria feito em meu lugar — ele respondeu, modesto.

— Tive a sorte de encontrar os náufragos enquanto era tempo. — Sorte e competência — falou uma das mulheres. — E fique tranqüilo. Não

acreditamos numa só das palavras ditas por aquele detestável Hatfield. Ele não tinha por que semear tais mentiras na mente das pessoas de boa-fé!

Evelyn teve que lutar contra as lágrimas que ameaçavam lhe inundar os olhos. Martin não merecia ter que enfrentar outra batalha, esta contra um homem de poucos escrúpulos. Era um herói, merecia ser condecorado. Tornou a fitá-lo. Martin fez uma leve inclinação de cabeça e voltou-se para sair.

Evelyn quis correr atrás dele e dizer diante de todos que o amava, porém não teve coragem. Mas teria coragem para incentivá-lo a lutar por sua honra, dignidade, reputação. Não permitiria que abaixasse a cabeça como um derrotado, se era ele o vencedor!

Sentada em seu quarto do Hotel Real Marine, Evelyn lia um livro, indiferente,

distraída, enquanto esperava. Ao ouvir o som de uma chave sendo introduzida na fechadura da porta de um quarto próximo ao seu, decidiu que era chegado o momento de enfrentar Martin. Assim, fechou o livro e levantou-se.

Ele não podia deixar Cowes sem antes falar com ela sobre o naufrágio. Queria assegurá-lo de que teria todo o seu apoio, apesar de tudo que acontecera entre ambos.

Sem fazer ruído, abriu a porta e espreitou o corredor. Depois, foi bater à porta de Martin.

— Preciso falar com você — disse, assim que ele a abriu. Langdon ficou imóvel por um momento, parecendo não só cansado, mas titubeante ao vê-la. Enfim, acabou dando um passo atrás, convidando-a a entrar.

Evelyn adiantou-se e notou o baú aberto no meio do quarto. — Vai partir? — perguntou, com o coração apertado. — Logo, junto com a maioria dos hóspedes. As férias em Cowes acabaram.

Definitivamente — ele respondeu, deixando-se cair sentado na cadeira. Evelyn sentou-se na cama. — Recuperou-se do cansaço de ontem? Ele fez um gesto, como se dissesse que ninguém poderia jamais se recuperar de

uma experiência como aquela. — É a segunda vez que salva minha vida — ela o lembrou. Na verdade, era a terceira, levando-se em conta a monotonia que seria a

existência de Evelyn, se não tivesse passado aquela semana na companhia de Martin. Poderia, num momento de desespero, ter-se casado com um homem que dela só queria a fortuna. E teria sido um desastre.

Ele suspirou fundo. — Não sei o que dizer. Foi uma provação que acabou em tragédia. Não gostaria

que houvesse acontecido, mas não tive como evitar.

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— Poderia ter sido muito pior. Portou-se como um herói e espero que tenha consciência disso. Espero também que não tenha dado importância às palavras mesquinhas de Hatfield. Ele é um verme nojento e a maioria das pessoas tem conhecimento do mau caráter dele.

— Acredite, eu também sei que ele é um verme. — Tem algo a dizer sobre a acusação que ele lhe fez, de ter sabotado o Endeavor?

Isso não o preocupa? É uma denúncia grave! Martin fez que não com a cabeça. — O Endeavor foi construído para ser rápido e nada mais. Não podia ter

enfrentado um temporal como aquele. O mastro era oco e feito de aço fino, por esse motivo, tão leve. Qualquer iatista em Cowes sabe disso, o que torna óbvio que não o sabotei e muito menos provoquei aquela tempestade. Hatfield transformou a tragédia num circo de sangue. — Martin fez uma breve pausa, antes de continuar: — De qualquer modo, mesmo se o mastro tivesse sido construído em sólido carvalho inglês, Hatfield não saberia conduzir o Endeavor em meio àqueles ventos tempestuosos. Faltava-lhe experiência, não tinha conhecimento para afrouxar a tensão nas velas.

Evelyn deixou escapar um suspiro de alívio. — Explicou tudo a sir Lyndon? — Sim, claro! — Então, não terá problemas — ela disse, sentindo, porém, um nó na boca do

estômago. Martin evitava olhá-la. Apenas observava a todo instante o relógio de parede, como

se tivesse pressa. — Parece-me que há ainda algo que o incomoda. O que é? Ela teve que esperar

um longo tempo, antes que ele falasse: — Não sou o causador do rompimento do mastro. Sei disso e não aceito nenhuma

responsabilidade. Mas o fato é que perdemos lorde Breckinridge. E fico sempre pensando se não houve alguma coisa que eu poderia ter feito para salvá-lo e não a fiz.

— Claro que não! Você fez de tudo — ela disse rapidamente. — Não é culpado pela morte dele. Se há algum culpado nessa história, essa pessoa sou eu!

Martin a encarou por alguns segundos. — Você? Por quê? — Quando a tempestade desabou, eu estava na cabine, ajeitando os cabelos que

o vento havia desmanchado. Tinha acabado de perder o meu chapéu. Foi para ir ao meu encontro que lorde Breckinridge deixou o comando do leme ao incompetente Hatfield. A tragédia iniciou-se a partir daí. Talvez se o conde não tivesse descido...

— O que ele queria, Evelyn? — Desculpar-se pela perda de meu chapéu. Ao menos, foi o que declarou. Martin franziu o cenho. — Diga-me o que aconteceu então. — Ele me surpreendeu. Não o esperava, pois não o havia convidado a descer. De

repente, aproveitando-se de um balanço do barco, ele me agarrou e me beijou. — Tentou algo mais? — Não, porque o empurrei. — Ainda bem! — murmurou Martin, parecendo mais aliviado. — Mas ficou furioso — ela continuou, hesitante. — Fez insinuações sobre você e

os passeios que demos juntos durante a semana. Finalizou dizendo que queria salvar minha reputação, fazendo de mim a esposa dele.

Martin ergueu-se de repente. — Ele atingiu sua honra e depois a pressionou para que o aceitasse por marido!

Enquanto isso, a tempestade desabava com vidência e o barco prosseguia solto, perdido,

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porque ao leme havia um louco embriagado. Não pensou na segurança da embarcação nem das pessoas que se encontravam a bordo. Com efeito, Evelyn! Você poderia ter morrido e os outros também!

— Eu sei — ela disse num suspiro. — Não se culpe pela morte dele. Eu a proíbo, está bem? Breckinridge morreu

porque foi negligente com ele próprio e, principalmente, com os demais! Evelyn fitou-o. — É estranho que estejamos aqui nos questionando, confessando segredos,

tentando nos inocentar de culpas, em vez de aceitarmos com simplicidade tudo o que aconteceu de ruim. Alguém morreu e nada mudará esse fato. Não podemos seguir a vida questionando o papel que o destino nos reservou. Haverá apenas dor e sofrimento se continuarmos assim. A voz dele tornou-se sombria ao murmurar:

— Há dores e sofrimentos que não podem ser evitados. — O que está querendo dizer, Martin? — perguntou, já sabendo a resposta. Ele caminhou devagar até a janela, de onde ficou olhando o mar. — Conheço bem a culpa e a censura — respondeu em voz baixa. — Tomaram

conta de minha vida e, após os acontecimentos de ontem, começo a pensar se não estou destinado a ser continuamente testado até o fim de meus dias.

— Testado... como? — Há uma coisa que não lhe contei, Evelyn. Algo relativo à morte de minha esposa

e de meu filho. Acho que é tempo de você saber. Talvez, então, compreenda por que não posso dar o que deseja.

Evelyn sentiu o sangue correr mais depressa em suas veias. — Disse-me que eles morreram num incêndio... — Foi o que aconteceu. — Martin fez uma pausa, antes de acrescentar:—

Tínhamos dado folga aos empregados. Era o dia de meu aniversário e queríamos ficar apenas em família. Owen exagerou no bolo e Charlotte levou-o para cima com a idéia de cuidar dele. Fui até a estrebaria para verificar o estado de alguns animais e descuidei-me. Fiz algo que jamais vou esquecer!

— O quê, Martin? — Deixei uma vela acesa na sala de visitas. A mesa estava perto da janela e uma

lufada mais forte de vento atingiu as cortinas, que esvoaçaram e... — Ele enxugou o suor do rosto, antes de concluir: — O resto você pode imaginar.

— Meu Deus! — O que torna o fato mais grave é que senti cheiro de queimado e não dei

importância. Presumi que fosse da chaminé sobre o fogão da cozinha ou da lareira do quarto de dormir. Então, num estalo, lembrei-me da vela. Tarde demais. Voltei correndo, mas a casa já estava em chamas. Tentei entrar e só consegui chegar aos pés da escada. Depois disso, tentei de tudo, Evelyn. Tudo! Porém tive que me limitar a ver a casa queimar e depois ruir diante de meus olhos, com os corpos de meu filho e minha mulher presos em armadilha.

Evelyn foi assaltada por uma dor tão terrível que mal pôde dizer: — Sinto muito, Martin. Ele a fitou demoradamente. — Às vezes, sonho com meu filho em meio àquele maldito fogo e acordo

soluçando. Evelyn levantou-se e foi pôr-lhe a mão no ombro. — Não pode se culpar para sempre. Foi um acidente. — Eu sei e, a cada dia, tento me convencer disso. Também Spencer tenta me

ajudar, mas tais esforços não tornam as coisas mais fáceis. Sempre penso que podia tê-los salvo se houvesse feito algo diferente. Foi o que pensei também ontem, em relação a lorde Breckinridge.

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— Ontem agimos com competência e empenho. Quanto aos seus entes queridos, se você tivesse entrado na casa em chamas, teria morrido junto com eles.

— Talvez fosse o que eu deveria ter feito. — E não estaria aqui para nos salvar. Livrou quatro pessoas da morte. Estaríamos

todos mortos se você não tivesse aparecido. Martin concordou com a cabeça, melancólico, e Evelyn percebeu que não o havia

convencido. Nada, jamais, poderia levar aquela dor para longe. Ele a carregaria até o túmulo.

— Martin... Não houve resposta. Evelyn percebeu que ele queria ficar sozinho para arrumar as

roupas e os objetos pessoais para a viagem de volta. Mas como podia afastar-se dele e dizer-lhe adeus? Deixá-lo partir assim, quando o veneno antigo, lentamente acumulado nele, queimava-o por dentro?

— Não vá ainda, Martin. Fique mais um dia. Fique comigo. — As palavras eram límpidas como o olhar dela.

— Não, não posso; — Por quê? — Quando a vi velejando com Breckinridge, algo aconteceu comigo. Não me

importei com a competição nem com o troféu. A única coisa que eu queria era arrancá-la do Endeavor e do conde.

— Por quê? — Evelyn perguntou, com um fio de esperança na voz. — Eu a queria só para mim. Evelyn sentiu um doce calor fluir por seu corpo. Martin fora atrás dela porque não

desejava que ela fosse de outro. E sim só dele. — Então... qual é o motivo dessa decisão súbita de partir? Não sente mais por mim

o que sentia ontem? — Não. Hoje sou outro homem. — Não compreendo — mentiu Evelyn, pois já imaginava o motivo daquela

reviravolta. — Quero ficar só. Como durante todos esses anos. — Mas, ontem, você... — Senti um ímpeto romântico e Spencer me incentivou a cultivá-lo. Porém, não

posso... não depois do que aconteceu... Tenho que ficar só. Que Deus o ajudasse, pediu Evelyn em pensamento. Aquele golpe o atingira na

chaga sangrenta. Apesar de tudo, ela não podia perder a coragem. Havia se prometido que o deixaria partir quando chegasse a hora. E pretendia manter a promessa.

— Sinto muito, Evelyn. Não quero mais formar uma família. — Eu não sofreria tanto, se não tivesse me contado a verdade. Por que não me

disse que estava apenas querendo alcançar o Endeavor para testar a força do Orfeus? Agora tenho de aceitar o fato de que você se importa comigo, mas prefere ficar com a sua dor. Quer ser infeliz e não há nada nem ninguém que possa fazê-lo mudar de idéia.

— Por favor, entenda! — ele suplicou. Evelyn não entendia. Como poderia, se o amava? —Passei a seu lado a melhor semana de minha vida. Amo você e desejo a chance

de fazê-lo um homem feliz e realizado. Quero ajudá-lo a esquecer essa dor. Quero ter um filho seu.

Martin empalideceu. — Não! — Então, tudo o que posso fazer é vê-lo partir? — Ela ergueu os olhos e só então

percebeu o que estava fazendo. Implorava o amor de um homem que pretendia ficar só. Não, pensou. Isso não. Decidira anos atrás jamais pedir ou implorar amor a um

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homem. Endureceu o coração e concordou: — Também sinto muito. Na sala de visitas de Evelyn, grandes ramos de flores emergiam das jarras

chinesas. Sobre a mesa de chá, já posta, castiçais de bronze sustentavam as velas. Era quarta-feira e, nesse dia, ela costumava abrir os salões de sua casa para receber a nata da sociedade londrina.

Desde que chegara a Londres, mantinha a mente ocupada, a fim de esquecer, ainda que por alguns instantes, a dor da separação. Não esperava uma carta de Martin porque sabia que não chegaria. Mas era um desafio e, a cada vez que o criado se aproximava com a salva de prata da correspondência, o coração dela se punha a bater descompassadamente, ameaçando lhe saltar do peito.

Nunca havia uma carta dele, claro. Como naquele último dia em Cowes, Martin cortara todos os vínculos que os tinha unido e partira com seu barco, sem ao menos se despedir dela. Não ficou surpresa, já esperava coisa semelhante, e resolveu tirá-lo da mente e do coração.

Mudou seu modo de ver o futuro, aceitava convites para bailes e reuniões e, determinada a não usar luto, comprou vestidos e chapéus novos, e começou a usar as jóias da mãe, coisa que nunca havia tido coragem de fazer. Adotou a imagem da mulher em que se transformara em Cowes e pôs-se a freqüentar a sociedade com um sorriso nos lábios, enquanto por dentro seu coração chorava.

Na semana seguinte à sua chegada, fizera saber que receberia visitas para o chá das cinco todas as quartas-feiras e começou a acolher um sem-número de damas da sociedade, todas desejosas de travar conhecimento com a rica viúva que tinha causado comoção em Cowes. Recebia-as regiamente, dando o melhor de si. Aos poucos, suas recepções tornaram-se famosas. A condessa de Alderleigh chegara mesmo a dizer:

— A senhora não é, em absoluto, a pessoa que eu esperava conhecer. — Espero que seja um elogio — havia respondido Evelyn, com uma nota de humor

na voz. — Oh, sim, minha querida! Os cavalheiros de Londres ficarão agradavelmente

surpresos ao vê-la. E prevejo que a senhora será o assunto de conversas muito interessantes — concluíra a condessa, estendendo-lhe seu cartão de visitas.

Evelyn o havia aceitado e posto na longa mesa da sala, junto com os outros. Estava ainda pensando nisso, quando o mordomo chegou para anunciar:

— A duquesa de Wentworth, sra. Wheaton. Evelyn arregalou os olhos, surpresa. — Oh!... Por favor, faça-a entrar. Em seguida, examinou as poltronas reunidas diante da lareira, a mesa de chá, que

brilhava à sombra, os vasos floridos, esperando que o conjunto agradasse à nova visita. Ainda não estava preparada para conhecer a famosa duquesa americana pessoalmente, a cunhada de Martin. O que viera fazer em sua casa? E ele, já sabia que ela estava prestes a receber a esposa do irmão?

Alisou a saia, respirou fundo e sentou-se, à espera da visita. Afinal, a porta abriu-se e uma linda mulher, usando um vaporoso traje de seda carmesim e um chapéu de abas da mesma cor, entrou.

— Boa tarde, sra. Wheaton — cumprimentou, sorridente. Evelyn foi logo atraída pelos brilhantes olhos azuis e o sorriso aberto. Era estonteantemente linda, decerto a mulher mais linda que já conhecera.

Levantou-se e avançou para cumprimentá-la. — Vossa Graça... É um prazer. — O prazer é todo meu — disse a duquesa, ainda parada nó limiar.

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Evelyn fez um gesto, apontando para a poltrona ao lado daquela onde estivera sentada.

— Posso lhe oferecer um chá? — Um chá será bem-vindo, obrigada. — Depois, contemplando a mesa coberta de

vasos e estatuetas, as tapeçarias, os esmaltes, exclamou: — Quanta coisa bonita tem aqui!

— Meu pai era um grande colecionador de obras de arte — explicou Evelyn, alcançando o bule de porcelana.

Sentaram-se e, nos poucos minutos seguintes, empenharam-se numa animada conversa, falando do tempo, que estava esplêndido, e da nova ópera em cartaz no Teatro de Sua Majestade. Então, a duquesa colocou a xícara sobre a mesa e voltou-se.

— Confesso, sra. Wheaton, que não vim aqui apenas para conhecê-la, mas também para discutir alguns fatos relacionados ao meu cunhado. Desculpe-me a franqueza, porém esse é um traço típico dos americanos. Espero que não fique ofendida.

— Claro que não! Os olhos da duquesa enevoaram-se. — Eu gostaria de ouvir sua versão dos fatos ocorridos em Cowes. Estou

preocupada com lorde Martin. — O que a preocupa? A jovem duquesa apertou as mãos com força. Falou lentamente, mas com

acentuada firmeza: — Houve maledicências... — De que tipo? — Pelo que deduzi, algumas pessoas acreditam que Martin pretendia eliminar

lorde Breckinridge da competição por temer perdê-la, diante de um adversário tão bem preparado. Mais especificamente, disseram que ele quase colidiu com o Endeavor para conseguir a eliminação do conde da disputa. Outros vão ainda mais longe. Afirmam que lorde Martin sabotou o mastro do Endeavor e, intencionalmente, deixou o pobre homem morrer nas águas revoltas da ilha de Wight. Presumo, já que estava a bordo daquela embarcação, que a senhora saiba como tudo aconteceu.

— De fato, eu soube que houve especulações a esse respeito. Mas posso lhe assegurar que seu cunhado agiu de forma honrada. Em todos os sentidos. Chegou para resgatar os náufragos do Endeavor quando o veleiro emborcou, arriscando a própria vida. E não sabotou o mastro do iate do conde, que era fraco e inconsistente, como atestaram os laudos. O projetista do Endeavor certamente sabe disso. Seu nome é Joshua Benjamin e pode ser encontrado aqui mesmo, em Londres. Quanto à quase-colisão, não foi também culpa de Martin. Foram o sr. Hatfield e lorde Breckinridge que provocaram tal situação, quebrando as leis marítimas e mentindo a esse propósito depois. Foram eles a querer eliminar o adversário, no caso, lorde Martin.

A duquesa estava séria ao perguntar: — A senhora estava por perto quando a colisão quase aconteceu? — Não — respondeu Evelyn com franqueza. — Então como sabe que não foi falta de Martin? — Porque ele me disse, olhando-me nos olhos, e acreditei. A modéstia da observação emocionou a duquesa. — Estou aliviada em ouvi-la dizer isso, sra. Wheaton. Eu tinha certeza da inocência

de meu cunhado, mas queria saber o que a senhora pensava a esse respeito. Martin é um homem bom. Já teve que lidar com muitas tragédias antes, não merece ter de enfrentar outras.

— Concordo plenamente. Fitaram-se por um momento e então continuaram a bebericar o chá.

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Ao terminar o seu, a duquesa ainda indagou: — Posso lhe fazer mais uma pergunta? — Claro. Fique à vontade. — Alguns também disseram que a senhora se comprometeu em segredo com

lorde Breckinridge, o que contrariou Martin, pretendente à sua mão. Gostaria muito de saber o que há de verdade nisso.

Evelyn sentiu-se desconcertada e pensou bem, antes de responder: — Eu não estava comprometida com lorde Breckinridge, embora ele me tivesse

proposto casamento momentos antes que a tragédia ocorresse. Eu o recusei. Quanto a seu cunhado... ele jamais pediu minha mão.

— Perdoe-me insistir. A senhora e ele... não estavam ligados um ao outro? O que, exatamente, ela sabe?, questionou-se Evelyn, antes de falar: — Compartilhamos de alguns momentos especiais durante aquela semana em

Cowes. — Compreendo... — murmurou a duquesa. Compreenderia mesmo? Ou presumiria o pior? De qualquer modo, como a

duquesa poderia saber que Evelyn o amava tanto, que Martin era a sua vida, a sua razão de ser?

A bela mulher preparou-se para partir. — Vou deixá-la livre para receber suas visitas. — Espere, por favor! — pediu Evelyn com ânsia. — Antes preciso saber... como

Martin está? A duquesa voltou a sentar-se. — Não é mais o mesmo desde que voltou de Cowes. Evelyn ouviu a resposta com

um misto de pesar e preocupação. — É natural, tudo terminou em tragédia. Só espero que isso não tenha deixado

marcas profundas nele. — Causou-lhe um grande pesar, lamento dizer. Mas não é homem de mostrar seu

sofrimento. Fechou-se em solidão desde que voltou a Londres. E é por isso que ficamos tão preocupados! Fazia tempo que Martin não se mostrava assim, tão esquivo e reticente.

As batidas do coração de Evelyn aceleraram-se. Pobre querido... — Permita-me acrescentar: sei da culpa que seu cunhado carrega com ele pela

morte da mulher e do filho. E é por isso que essa terrível injustiça tem que ser desfeita. Dei minha opinião a respeito ao comodoro Lyndon Wadsworth. Seu marido poderá falar com lorde Radley a esse mesmo respeito. Ele era tio de Breckinridge, mas defenderá Martin, sei que o fará, e também falarei publicamente se for necessário. Martin tem muitos amigos e essa confusão, causada pelo sr. Hatfield...

— Está sendo resolvida por meu marido. Portanto, não se preocupe, sra. Wheaton. Estamos fazendo por Martin todo o possível. A felicidade dele significa muito para nós.

Evelyn exalou, lentamente, um suspiro de alívio. — Ele sabe que a senhora está aqui? — Não. — A duquesa sorriu. — Confesso que vim mais por curiosidade do que por

necessidade. Assim que a vi, senti que ele deve ter passado dias felizes em sua companhia. E que, apesar de tudo, a semana em Cowes não foi perdida.

Evelyn assentiu. — Tivemos momentos maravilhosos. — Tenho certeza disso. A senhora o defende com tanto ardor... Levantaram-se ao mesmo tempo e a duquesa apresentou seu cartão a Evelyn. — Espero que me convide mais vezes, sra. Wheaton. Costumo ficar em casa, às

terças e quartas-feiras e teria um grande prazer em revê-la. — Obrigada. A senhora é muito gentil.

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Depois que a duquesa se foi, Evelyn olhou para o cartão e imaginou-se visitando-a. Martin compareceria ao salão se soubesse que ela estava lá?

Com um tremor de ansiedade, enfiou o cartão no bolso do vestido e foi assistir, da janela, à partida da duquesa.

Martin irrompeu no escritório feito uma fera. — Já disse que é problema meu! Não tinha o direito de pedir a Hatfield que se

retratasse! James Langdon, duque de Wentworth, naquele momento confortavelmente

sentado à mesa de trabalho, voltou-se devagar. — Está certo, mas não vejo razão para que fique nesse estado. Afinal, a retratação

só irá beneficiá-lo. — Sei cuidar de meus próprios interesses—insistiu Martin, ainda mal-humorado. —

Não quero que me dê cobertura, como se eu fosse culpado e precisasse de sua intervenção!

O irmão olhou-o de viés. — Então, você não é culpado. — Claro que não! E sabe disso tão bem quanto eu. James levantou-se, foi até o

armário de bebidas e encheu dois copos de conhaque. — Nunca duvidei disso — falou, oferecendo uma delas a Martin. — Nem por um

minuto. Só não compreendo por que está deixando que esse absurdo se prolongue. Não é de seu feitio.

Martin aceitou o conhaque com um suspiro. — Hatfield é um asno. Todos sabem disso. — Talvez saibam, mas mesmo assim não é prudente deixar o asno saber que terá

de puxar a carroça. É preciso antes negociar com ele, dando-lhe feno, ou não arredará pé.

— Isso cabe a mim, não a você. — Então por que não tomou nenhuma atitude até agora? Martin não respondeu. Mergulhado em pensamentos, dirigiu-se para a lareira e,

curvado para a frente, ficou a ouvir as chamas crepitarem e as achas estalarem, ruídos familiares que o apaziguavam.

— Não me importo com o que as pessoas dizem. Já estou acostumado com os falatórios.

— Mexericos, amenidades, ainda passam. Mas mentiras e falsas acusações envolvendo a morte de um homem são assuntos sérios a serem resolvidos.

Martin sentou-se diante da lareira. — Então me conte: o que foi que disse àquele crápula? — Pedi-lhe provas de que foi você a sabotar o barco. Ele ficou branco e pôs-se a

tremer como um coelho assustado. Acabou confessando que não tinha prova alguma. —Foi tudo assim tão simples? Você não usou de métodos... persuasivos? Não o

deixou, por exemplo, com o olho roxo? Nem teve que ameaçá-lo com uma pistola? James sorriu. — Não. Apenas lhe fiz algumas perguntas e ele jurou, de pés juntos, que não disse

nada que o comprometesse. Alegou não saber das conversas que correm por aí. Como eu disse, parecia um coelho assustado.

— Foi bobagem pressioná-lo. É um crápula. Irá se enforcar com a própria corda. — E algo que poderá acontecer antes do que ele imagina. — O que está querendo dizer? — Hatfield não desistiu de acabar com você. Na verdade, continua espalhando que

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o Endeavor teria levado vantagem sobre o Orfeus se tivesse tido oportunidade. E quer provar o que diz.

— De que modo? — Ele comprou um veleiro que batizou com o nome de Endeavor II. E está

sugerindo outra competição para daqui a seis semanas. Martin explodiu: — Pelo sangue de Cristo! Seu grande amigo morreu não faz uma semana e ele já

fala numa nova disputa? James olhou-o com surpresa. — Está me surpreendendo, Martin. Esse é o tipo de coisa que, no passado, o teria

entusiasmado. O que foi que mudou? — Como assim? — Não é mais o mesmo desde que voltou de Cowes. E sinto que não é apenas

pelo acidente. Há algo mais. Não quer dizer do que se trata? Martin ergueu a cabeça e olhou-o atentamente. — O que você sabe? — Não muito. Apenas que ela é rica e encantadora. — Quem disse isso? — Minha encantadora esposa. Martin ficou em silêncio por um momento. — Ela é realmente encantadora. E mudou minha vida. — Em que sentido? — Não sinto mais a excitação temporária dos casos insignificantes nem o triunfo

passageiro de cruzar a linha de chegada. Tudo o que era usado para a minha salvação, mas que agora perdeu o seu apelo. Desperdicei muito tempo lutando contra o patético anseio de encontrar uma mulher que me compreenda e a tudo o que me atormenta.

— Talvez seja a hora de parar de lutar contra isso — disse James em voz baixa. Martin ergueu os olhos, irritado. — Quer que eu vá procurá-la e lhe declare o meu amor? Se eu colocar um anel no

dedo dela tudo será uma maravilha depois da lua-de-mel? — Não, não quero nada disso. Acho que se você se casar com ela agora cometerá

um erro monumental. — Obrigado pelo voto de confiança. — Deixe-me perguntar: o que fez há quatro anos, depois de enterrar sua mulher e

seu filho? —Voltei para casa. Não havia mais nada que me retivesse na América do Norte.

Não tinha mais nada de meu. Tudo fora consumido pelo fogo. — Então embarcou num trem que o levou a uma cidade portuária e logo no dia

seguinte estava atravessando o Atlântico. — Correto — disse Martin. — E foi aí que você comprou meu primeiro iate. — Que você prontamente arrebentou. Talvez o presente tenha sido um erro. — Por quê? Tirou-me da depressão! — Sim. Razão pela qual deve fazer agora o que fez antes. — E que seria precisamente o quê? — Prantear seu filho e sua mulher.

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CAPÍTULO IX Era uma tarde ensolarada de verão e Evelyn caminhava pelo Hyde Park, quando

encontrou a duquesa de Wentworth, que também passeava com uma amiga. — Sra. Wheaton — ela cumprimentou, risonha, quando Evelyn se aproximou. —

Que surpresa agradável! — Milady — respondeu Evelyn, abaixando a sombrinha. — É um prazer revê-la. Não via a duquesa desde que a recebera em casa numa de suas famosas quartas-

feiras, embora tivesse a intenção de visitá-la. Dez dias haviam se passado desde então. A duquesa fez um gesto na direção de sua companheira de passeio, uma beldade

de olhos castanhos e cabelos cor de fogo. — Clara, a sra. Wheaton de quem lhe falei na semana passada. Sra. Wheaton,

apresento-lhe minha irmã, marquesa de Rawdon. Uma das duas irmãs da duquesa, lembrou-se Evelyn, a que se casara com um dos

mais notórios farristas de Londres, um boa-vida, que, depois do casamento, transformara-se num homem doméstico e responsável.

— É uma honra conhecê-la — disse-lhe com simpatia. O sorriso da marquesa foi cordial, a mão suave mas firme ao cumprimentá-la. — A satisfação é minha, sra. Wheaton. — Não quer nos acompanhar no passeio? — Convidou a duquesa.. — Vamos dar

uma volta até o lago. — Ficaria encantada. As três ergueram as sombrinhas e puseram-se a caminhar por uma das alamedas

que levavam ao Serpentine, para ver os cisnes deslizarem sobre a superfície luzidia do lago. Falaram do tempo, de política, dos eventos sociais da semana seguinte e sobre o que era considerado de bom-tom num passeio pelo parque.

Entravam num trecho arborizado da alameda, quando Evelyn se atreveu a perguntar:

— Pode me dar informações sobre o seu cunhado? A duquesa abaixou a sombrinha e virou-se para ela.

— Não ouviu o que se espalhou recentemente? — Não, não ouvi. A duquesa ficou estranhamente silenciosa e Evelyn perguntou-se o que ela

saberia. — No dia em que fui visitá-la, meu marido teve um encontro com o sr. Sheldon

Hatfield. Ele retirou as acusações que fez contra Martin. Ou melhor, negou ter dito qualquer coisa a esse respeito.

— É uma ótima notícia! — alegrou-se Evelyn. Em seguida, acrescentou: — Presumo que haja outra má. Não é sempre assim que acontece?

— Acertou. Não sei se podemos chamá-la exatamente de má. Talvez preocupante, porque vem da mesma fonte, o sr. Hatfield. Ele adquiriu uma réplica exata do Endeavor e está desafiando Martin para uma competição de velocidade, tão logo isso possa ser combinado.

— Bom Deus! E Martin aceitou o desafio? — Diante das circunstâncias, era o mínimo que podia fazer. A competição terá

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lugar no Iate Clube Esquadrão dentro de seis semanas. Evelyn fixou os olhos no lago e ponderou o fato. Martin iria voltar a Cowes para

competir com um homem que não respeitava ninguém. O que o levara a aceitar o desafio? Talvez o receio de que, se recusasse, todos pensassem que estava com medo de perder, o que não era verdade!

— Esse é mais um dos ardis do sr. Hatfield — opinou. — E um verme astucioso. Espero que Martin o faça perder o prumo. Só então ele admitirá a superioridade de seu adversário.

Assim dizendo, retomaram a caminhada de bom humor. Ao chegarem à beira do Serpentine, a marquesa tornou a falar:

— Posso ajudá-la de alguma forma? Aconselhá-la talvez? — Por que não? Sinto-me tão perdida... não sei mais o que fazer. Lady Rawdon hesitou um momento, como se não tivesse completa certeza de

como se expressar. Depois começou: — Quando conheci meu marido, ele estava também sofrendo pela mulher que

perdera anos antes. O mal era profundo, parecia impossível que ele fosse se apaixonar outra vez. Mas não desisti. Minha irmã também não quando, depois de casados, o marido mostrou-se inclinado a manter um distanciamento emocional entre ambos.

— A senhora está se referindo, indiretamente, a meu relacionamento com lorde Martin? — indagou Evelyn, apenas para ser clara.

— Reunimos alguns fatos relacionados... à sua amizade por ele e chegamos à conclusão de que a senhora se sentia perdida. É por isso que lhe digo para não desistir também, não, sem antes lutar.

Evelyn torceu as mãos. — Mas o que posso fazer? Ajoelhar-me aos pés dele e implorar que me ame? Meu

orgulho não permitiria isso. Já fui desprezada antes, primeiro por um pai que me rejeitava, depois por um marido que nunca me quis de verdade. E agora Martin... Não quero me expor mais nem sofrer. E uma questão de nervos e de sangue. Já padeci o bastante.

— Há uma distância enorme entre implorar pelo que se quer e lutar inteligentemente por isso. Há maneiras e maneiras de conseguir um intento.

— Não tenho idéia do que fazer, a não ser bater à porta dele e declarar meu amor. A verdade é que não posso exigir muita coisa. Além do mais, eu já disse tudo naquele último dia em Cowes. Revelei-me. Mas nada consegui. Ele partiu do mesmo jeito.

As duas mulheres entreolharam-se. — A questão é a seguinte — começou a duquesa. — Não poderíamos falar com

Martin, mesmo se quiséssemos, porque ele não está na Inglaterra. Evelyn sentiu seu mundo desmoronar. — Viajou? Para onde? Quando? — Deixou Londres há dois dias. Voltou para a América do Norte. — Para a América... — repetiu Evelyn automaticamente, sentindo que o

distanciamento entre ela e Martin se ampliava. — Vai voltar? Sim, claro, para a corrida de barcos!

— Sim, ele voltará para a competição — afirmou a duquesa. — Estava sofrendo tanto assim? — Contrariamente ao que os outros pensam — disse a duquesa. — Martin não é

um irresponsável, um despreocupado, mas o oposto. E um homem passional, não sabe amar pela metade. Sofreu muito nesses últimos quatro anos.

Evelyn sabia disso. Experimentara sua ardente paixão e reconhecia que ele ainda sofria pela perda de seus entes queridos. Quanto a isso, não havia outro remédio senão esperar, esperar... Seguiu o vôo livre de um pássaro branco e lembrou-se da noite em que tinham velejado ao luar. Ele não parecia infeliz então. Nem durante os dias e as

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noites que se seguiram, quando aproveitavam qualquer oportunidade para ficar juntos. — Por que ele partiu? O que espera fazer na América do Norte? ... — Pretende visitar o lugar onde morou com a esposa e o filho, rever os

amigos... Meu marido o encorajou a ir. Sentiu que era absolutamente necessário que ele se afastasse daqui, mesmo que por poucas semanas.

Evelyn relembrou as queixas abafadas de Martin, as bruscas tristezas e concordou em pensamento. Era na América que ele tinha de recomeçar tudo.

— Houve um breve momento, em Cowes, em que pensei que pudesse fazê-lo esquecer o passado, que eu pudesse ser a cura para os males dele...

— Mas a senhora foi a cura de meu cunhado — afirmou a duquesa, aproximando-se. — Tirou-o da falsa vida que levava. Martin voltou à América do Norte para encarar o passado, antes de deixá-lo repousar para sempre. Não poderia consegui-lo se não fosse pela senhora. Estamos todos muito gratos. Obrigada.

Evelyn sentiu uma estranha satisfação. Não sei fazer outra coisa senão amá-lo, pensou. Olharam-se e sorriram uma para a outra. A seguir, a duquesa tomou-a pelo braço e

levou-a de volta para a alameda. Lady Rawdon seguiu-as. — De agora em diante, está intimada a me chamar pelo nome. Sofia, apenas Sofia. — E eu sou apenas Clara — acrescentou a marquesa. — Porém, antes de mais nada, temos que voltar à nossa conversa anterior, quando

lhe dissemos que não deve ter medo de arriscar suas emoções. Por meu cunhado, vale a pena. Mas não ajoelhada, de pé e muito linda, avançando e manejando a espada com toda a sua glória feminina.

Evelyn sentiu-se de repente aliviada e esperançosa. Sofia tinha razão. Não era mais a mulher que fora antes daquela semana em Cowes. Havia tido um caso com Martin e sobrevivera. Tinha ido longe demais para desistir agora. Além disso, amava-o.

— É o que farei, Sofia. Acredito que tenha razão e lhe agradeço por ter me alertado. Parece que chegou a hora de tomar conta da situação e colocar-me finalmente ao leme de minha vida. Por Martin, vale a pena. Não tenho dúvida.

— E o que queríamos ouvir — disse Clara, satisfeita. — Mas vou precisar da ajuda das duas. — Naturalmente — apoiou-a Sofia. Terá toda a ajuda que quiser. O que podemos

fazer? — Ir às compras comigo. Quero munir-me de uma grande porção de armas. E

começarei pelos sapatos. Seis semanas depois — Por favor, Evelyn, apenas desta vez! Preciso de você. Tem que vir comigo! Evelyn, que se encontrava no hall do Hotel Real Marine, na ilha de Wight, havia

apenas algumas horas, não pôde deixar de sorrir. Não era a primeira vez que lhe pediam para fazer algo completa e indiscutivelmente impróprio. De fato, tal atitude lhe soava muito familiar.

Porém, não era a mesma pessoa de antes. E não pelo aspecto físico nem pelo modo de vestir-se, agora de muito bom gosto e elegante. Como o traje que usava naquele momento, um fino conjunto verde-esmeralda, composto de uma saia godê e um casaquinho de mangas bufantes.

Sentia-se diferente também por dentro. Sabia o que queria e merecia, e tinha conhecimento também de como obtê-lo. Correndo atrás, ousando, não medindo as conseqüências.

— Não, Penélope — respondeu, franca, continuando a andar. — Não quero ir com

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você. A amiga seguiu-a, os olhos e as mãos suplicantes. — Por quê? — Não somos mais crianças. Deseja meter-me em mais confusões. Penélope continuou a segui-la. Estavam saindo do hotel e atravessando a rua em

direção ao Iate Clube Esquadrão. — É fácil para você dizer isso. Está satisfeita com a sua vida, tem a seus pés todos

os homens solteiros da Inglaterra, vejam só! Não se lembra mais de como era antes, quando veio aqui pela primeira vez em busca de marido. Agora pretendo encontrar alguém, Evelyn. Estou só há mais de um ano e preciso de um pouco de emoção. Preciso amar! Não posso continuar assim, na mais negra solidão! Estou morrendo um pouco a cada dia. Evelyn estacou e encarou-a.

— Parece-me ansiosa demais, tenha calma! Não está só. Tem três lindos filhos que a amam e, portanto, companhia. Além do mais, a solidão não é novidade alguma. Acontece com todos nós mais cedo ou mais tarde. Os amigos morrem, assim como os membros de nossa família. Amantes e maridos também. Um pouco de solidão vai lhe fazer bem.

— E um pouco de companhia mais ainda. O mundo é mais divertido assim. Evelyn retomou a caminhada sem olhá-la. — Não para mim. De qualquer modo, por que não pensa num jeito melhor de

conhecer cavalheiros educados do que aquele que está me propondo? — Porque, do meu modo, o resultado seria mais rápido e eficiente. Claro, se você

aceitasse colaborar! — E mais complicado também. — Complicado, se a única coisa que temos a fazer é dar um passeio de barco? — E no meio da travessia deixar cair o remo. Que absurdo! — Absurdo por quê? Atingiríamos nosso objetivo, que é o de chamar a atenção

dos cavalheiros desacompanhados. Ao alcançarem o portão de entrada, Evelyn afirmou: — Não vou me prestar a esse jogo, Penélope. E ridículo! Aja honestamente, seja

você mesma. Não precisa de planos e esquemas para obter o que quer. — Transpôs o portão de ferro que se abria para o jardim das rosas.

Parou no meio do gramado, presa de um novo entusiasmo. Tinha a impressão de ter estado ali no dia anterior, no entanto, muita coisa havia acontecido nesse Ínterim. Sentia-se mais senhora de si, sabia que, agora, tinha mais coisas para oferecer além de sua fortuna. Para o homem certo, claro! Martin, o desejo secreto de seu coração? Respirou fundo e avançou para o terraço, seguida de Penélope. Olhou em volta. Os pormenores lhe vinham à mente com uma vivacidade e uma nitidez perfeitas. Teria podido...

— Evelyn! Era lady Radley, que acenava do outro lado do jardim. Estava em companhia do

marido e parecia feliz. Cheia de alegria, Evelyn foi ao encontro deles. — Evelyn, minha querida — começou lady Radley, enquanto lorde Radley

levantava-se e cumprimentava as recém-chegadas. — É tão bom vê-la! E essa bela senhora deve ser sua amiga, de quem já ouvi falar muito.

— Permite que a apresente? Penélope Richardson. Penélope, estes são lady e lorde Radley.

Apertaram-se as mãos e, quase em seguida, puseram-se a falar sobre a competição.

— Será muito interessante — opinou lorde Radley. — O que acha, Evelyn? Está torcendo pelo Orfeus?

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Evelyn sentiu um assomo de alegria. — E como poderia não torcer? Lorde Martin é o senhor das águas! Nós todos

sabemos disso. — Concordo com você — apoiou-a lady Radley e o marido sorriu-lhe, afetuoso. —

Testemunhamos a habilidade dele no mar. Lorde Radley propôs: — Vamos ver os lindos barcos fundeados na baía? Formam um magnífico

espetáculo. ímpar, eu diria. Ainda há pouco um cutter passou por aqui tão rápido que pensei que fosse se chocar contra um dos nossos. Lembra-se daquela vez, Evelyn? Quando pensamos que Martin fosse colidir com o Britannia, de Sua Alteza?

Ela sorriu, ao lembrar-se do episódio. — Apenas por um instante. Ele estava no mais completo controle de sua

embarcação. — Controle absoluto — acrescentou lorde Radley. Penélope abriu o leque de

marfim e pôs-se a abaná-lo. — Então, quase colidiram? — Foi exatamente o que aconteceu — respondeu lorde Radley. Os olhos de Penélope cintilaram. — Vamos descer até a esplanada e esperar a chegada dos concorrentes? — Pretendo ficar aqui — informou Evelyn. Lady Radley inclinou-se para ela e disse-lhe ao ouvido: — Quer fazer-se de novo desejada? Evelyn sentiu-se corar. — Pensando bem, vou descer. Quero cumprimentar os campeões. Eles ainda não

perderam o título. Merecem ser bem-recebidos. — Concordo plenamente — apoiou-a lorde Radley, virando-se a seguir para a

mulher. — Vamos descer, minha querida? De braços dados, deixaram o jardim. Nesse instante, Evelyn avistou Sofia e James

parados junto à cerca e atravessou o gramado para ir cumprimentá-los. Martin pisou na plataforma de desembarque do Esquadrão e ergueu os olhos para

a multidão apinhada na escadaria da esplanada. — Veja só quem vem aí. — Cutucou-o Spencer. — Olá, lorde Radley! — Olá, filho. Fizeram boa viagem? — Ótima! Martin bateu nas costas de Spencer para apressá-lo e depois olhou para aquele

mar de rostos sorridentes e acenou. Uma onda de aplausos envolveu-os. Parou no balcão do topo e de novo acenou. Houve uma nova onda de aplausos que parecia não ter fim.

— Já chega! — disse, pensando se Cowes iria um dia mudar. — Nossos cumprimentos ao Orfeus — disse lorde Radley, apertando a mão de

Martin. — É bom revê-lo. — Igualmente, senhor. Está com um ótimo aspecto. — Ouvi dizer que esteve fora do país. Para tomar parte de alguma competição ou

em busca de novidades para o seu barco? — Nenhuma das duas coisas. Minha viagem foi curta. Não tive tempo para nada. Lorde Radley voltou-se para Spencer. — E o senhor? O que andou fazendo? — Não fiz outra coisa senão esperar por este dia. Quero ter a chance de ganhar o

troféu mais uma vez. Não consigo ficar muito tempo em terra firme. Nesse momento, uma bela mulher aproximou-se e lorde Radley apressou-se em

apresentá-la. — Lorde Martin, lorde Spencer, apresento-lhes a sra. Penélope Richardson. Acho

que os senhores já se encontraram no passado. Quando estudaram em Eton. Os pais da

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sra. Richardson residem ainda na região campestre de Windsor. Martin pousou os olhos na bela mulher que estava à sua frente. Era, na verdade,

linda, banhada pela claridade de Cowes, que lhe acariciava as belas formas. Seus olhos, de um cinza-azulado, riam e, quando ela falava, um leve tom de rosa subia-lhe ao rosto bem contornado.

— Sra. Richardson... — murmurou, lembrando-se da cena do dormitório. Ela lhe estendeu a mão enluvada. — É um prazer vê-lo, lorde Martin. Lorde Radley adiantou-se para os recém-chegados. — Meus senhores, posso convidá-los para o almoço? O cardápio é caldeirada. Não

estão sentindo o cheiro? Delicioso, não acham? — Virou-se para as damas. — As senhoras se importam?

— De modo algum, meu querido — disse lady Radley. — Evelyn deve estar à nossa espera no jardim das rosas.

Martin virou-se para a velha senhora. — A sra. Wheaton está aqui? — Chegou esta manhã. Mas não tinha vindo cumprimentá-los, como haviam feito os outros... Não podia

censurá-la. Não depois daquela cena final em que a deixara de coração despedaçado. Em seguida, partira sem ao menos despedir-se. Devia-lhe desculpas.

— Ela não quer perder a disputa de amanhã — acrescentou lady Radley. — Está torcendo pelo Orfeus, não está? — Naturalmente. Evelyn sente uma profunda afeição pelo barco que nos acudiu.

Ademais, não iríamos torcer por Hatfield, depois da ingratidão que demonstrou em relação ao senhor, lorde Martin.

Lorde Radley assentiu e colocou a mão sobre o ombro de Martin. — Vamos, vamos! Deixemos esse assunto de lado. Durante o almoço, os senhores

me contarão suas aventuras e lhes direi tudo o que se comenta sobre a competição de amanhã.

— Um plano perfeito! — aprovou Spencer. Minutos depois, separaram-se. Enquanto as mulheres dirigiam-se para o jardim

das rosas, os homens encaminhavam-se para o restaurante. O café já estava sendo servido, quando Lyndon apareceu no limiar do salão, onde ficou esquadrinhando a sala. Ao ver os três homens, acenou e aproximou-se da mesa.

— Senhores, estou feliz com sua volta ao Esquadrão. Posso sentar-me? — Claro! Por favor, acomode-se — respondeu Martin. — Ouvi dizer que esteve na América. — Cheguei há quatro dias. — Espero que tenha descansado da longa viagem de volta. Terá de estar em

forma amanhã. — Competir contra o Endeavor lI será fácil. Especialmente com Hatfield ao leme.

Ele está sempre embriagado... Lyndon olhou-os, pouco à vontade. — Então não sabem da novidade? — O quê? — perguntou Martin. — Hatfield reconhece que não tem competência para pilotar e, assim, contratou

alguém que é um gênio ao mar. Ficaram todos silenciosos. Exceto Martin, que foi o primeiro a falar: — Quem é ele? Já competimos antes? — Seu nome é William Leopold, o irmão mais moço do falecido George. E, agora,

o sexto conde de Breckinridge.

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— Está aqui? — Sim, no jardim de trás, vangloriando-se de que seu veleiro é mais rápido e

melhor do que o original. Acaba de fazer um discurso muito sentimental a esse respeito, quando afirmou estar competindo em honra ao falecido irmão.

Spencer ergueu os olhos para o alto. — E eu achando que poderíamos dormir sossegados esta noite! — Não seja tão rápido em desesperar-se — falou Martin. — Quando William

começou a velejar? — Há alguns anos, mora na região mediterrânea, um lugar propício a esse tipo de

esporte. Voltou recentemente só para enterrar simbolicamente o irmão e herdar o título. Martin apoiou-se ao espaldar da cadeira, atônito com o que acabava de ouvir. Não

tinha idéia de que o irmão mais moço de Breckinridge fosse também um homem do mar. Mais do que isso, um marinheiro brilhante. Aquelas novidades não eram nada boas.

— Naturalmente, Hatfield e William guardaram seu segredo a sete chaves. — Martin manteve-se em silêncio por um momento. — Tenho certeza de que ainda há gente que acredita que deixei Breckinridge morrer para me tornar o campeão do torneio. E o jovem conde pode querer vingança.

— Fez o que pôde — afirmou lorde Radley. — Eu estava lá e sei que fez o possível e o impossível para salvá-lo!

Spencer ergueu a xícara de café. — Iremos vencer o torneio de amanhã e provar ao mundo que não é homem de

usar táticas ilícitas. E um campeão nato, Martin. E ninguém pode contestar. O baile, mais uma vez a bordo do Ulisses, foi o sucesso de sempre. Bufê farto,

champanhe correndo como água, mulheres bonitas e bem-vestidas, homens elegantes em seus trajes formais. Homenageou-se Breckinridge, falando de seus feitos e relembrando a breve história de homem do mar e da sociedade.

A noite desenrolava-se solene às vezes, alegre em outras, e a música acompanhava o humor geral. As conversas giravam em torno da disputa do dia seguinte, como era natural, mas as opiniões estavam divididas. Martin não era mais o consenso.

Evelyn ainda não o vira. E o que mais queria era fitá-lo nos olhos e dizer-lhe que estava feliz por ele, finalmente, ter feito o que era preciso. E de coração e espírito abertos. Queria revelar-lhe também que estava feliz por si mesma. E que fora por intermédio de Martin que havia descoberto a alegria de viver e a arte de não se levar muito a sério. Fizera novas amizades e não se sentia mais tão só no mundo. Pela primeira vez, o futuro se apresentava magnífico. As inquietações haviam desaparecido.

Alimentava, era claro, outras esperanças em relação a ele, que iria revelar no momento oportuno. Porém, enquanto a festa prosseguia, não teve nenhuma oportunidade para isso. Martin não havia comparecido ao baile. Pelo menos não até aquele momento. Preocupava-se, porque ele dera mostras de não querer falar com ninguém. Com James, havia se mostrado circunspecto em relação à viagem e também sobre os planos para o futuro.

Inquieta e frustrada, resolveu subir ao convés superior, de onde poderia admirar a noite e refletir. Recolheu as saias com uma das mãos e, com a outra, agarrou o corrimão da escada da escotilha. No convés, soprava uma brisa leve, agradável, que fazia tremular as águas planas. Aspirou-a profundamente e debruçou-se sobre a amurada.

— Evelyn! Ela reconheceu a voz no mesmo instante. Ele viera! Evelyn fechou os olhos por um

breve momento, em busca de calma, e depois se voltou devagar. Lá estava ele, o seu herói, tão belo como sempre em seu traje formal. Belo apenas, não. Impressionantemente

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belo. E ela ainda o amava como louca. — Olá — disse, com um sorriso cálido. Ele se aproximou, com as mãos nos bolsos, enquanto a fitava da cabeça aos pés,

admirando-a no vestido de gala de cetim pêssego. — Olá — respondeu. — Está muito bonita. — Estou? Ele continuou a olhá-la ainda por alguns segundos e então deixou escapar um

assobio. Era justamente a resposta que ela esperava e isso a fez sorrir. — Obrigada. E bom vê-lo aqui. Pensei que não viesse. — Não perderia este baile por nada do mundo. — Tem alguma novidade para me contar? Martin encolheu os ombros. — Participarei da corrida de amanhã. Mas não é novidade. — Tenho certeza de que irá vencer — murmurou Evelyn, lutando para parecer

natural e descontraída quando, na verdade, estava muito ansiosa. — Conquistará a taça sem problemas.

Ele se apoiou à amurada, de onde ficou a encará-la. — Não acha que o Endeavor II irá acabar com o meu reinado? Evelyn procurou não se perder na luminosidade dos olhos dele. Martin era um

campeão em todos os sentidos. Também no charme. — Sei que esse tipo de competição exige uma perícia extrema. E com Hatfield ao

leme... Bem, você sabe. — Sim, infelizmente eu sei. Mas já deve ter ouvido falar que o imediato de Hatfield

é um homem de valor. Dizem que já conquistou a simpatia de todos porque seu objetivo maior, ao participar da corrida, é homenagear o irmão.

— Confesso que ouvi comentários a respeito. Mas minhas esperanças estão depositadas em você.

Ele assentiu com a cabeça e pôs-se a olhar o céu. — Veja a lua — disse a Evelyn. — Não parece um navio de prata antigo? — Ah, se pudéssemos navegá-lo... — Ela suspirou. Martin riu. — Bem melhor do que este lindo iate de 2.400 toneladas de puro luxo! — É verdade. — Ele riu de novo. — Fico aliviado por estar falando comigo. Não

tinha certeza se você o faria. — Por que não? — Por causa da maneira como nos separamos, em nosso último encontro. Fui

muito egoísta, tratei-a mal, você não merecia. Evelyn foi pega de surpresa. Não esperava que Martin trouxesse à baila o

exasperante passado. Não naquele momento, pelo menos. — Não foi tão ruim assim. — Foi. Eu devia ter assumido meu caso com você. Desapontei-a, fui cruel. Sinto

muito. Evelyn não sabia o que pensar. Ele estava dizendo que lamentava... Talvez, se

pudesse voltar atrás, jamais teria feito amor com ela. — Não estou tão aborrecida assim. Pretendo encontrar a felicidade. Passei aqui os

dias mais felizes de minha vida e lhe sou grata por isso. Eu, sozinha, não teria mudado nada.

— Também estou em dívida com você. Presumo que saiba que estive fora do país. — Sim, ouvi dizer que foi à América do Norte, de onde chegou há apenas quatro

dias. — É verdade. Mas acredito que não tenha conhecimento do motivo que me levou

até lá.

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Evelyn ouvira a versão de Sofia. Agora, queria escutar também a dele. — Diga-me. — Eu queria revisitar minha antiga vida — ele disse e fez uma pausa. — Continue — ela o estimulou. — Tinha que fazê-lo, Evelyn. Passamos uma semana juntos e quase a perdi para o

mar. Não queria mais sentir esse sofrimento. Nada significa tanto para mim quanto você nesse momento de minha vida.

Evelyn sentiu que ele falava a verdade. — Durante esse tempo, refleti muito. Não há nada como a dor para alargar o

espírito. Compreendi que, se a havia perdido, era por minha culpa. Vendo-o tão simples e tão verdadeiro nos seus pesares, ela se emocionou. — Não tenho nenhuma queixa contra você. Martin continuou. — Tudo o que lhe disse é verdade. Compreendi isso na solidão de minha visita ao

túmulo de meus caros familiares, na solidão do mar alto durante a viagem de volta. Não posso mais ignorar o passado. Estou convivendo com ele agora e a vida me parece bem mais real. — Fez uma breve pausa. — Não seria assim se não tivesse feito aquela peregrinação. E certamente não seria assim se eu não tivesse passado aquela semana fazendo amor com você.

Evelyn apertou-lhe a mão. — Não se atormente mais. Tem uma vida inteira à sua frente. Subitamente, o ruído inconfundível de saltos femininos os interrompeu. — Aí está o senhor — disse Penélope ao alcançar o topo da escada. — Estava à

sua procura, lorde Martin. Será meu par na próxima valsa. Está inscrito no meu cartão de baile.

Evelyn e Martin trocaram um olhar de divertimento. Ah, Penélope, precisa tomar uma aula de etiqueta, Evelyn pensou. Vir reclamar sua dança... onde já se viu?

— Sra. Wheaton, peço-lhe que me desculpe. — Martin inclinou-se diante dela.—Tenho um compromisso a atender.

— Claro, lorde Martin, vá. Irei em seguida. Tenho também um compromisso. — Evelyn aspirou fundo o ar noturno.

Sentia-se renovada de corpo e alma. A conversa que haviam tido fora reveladora. Tinha fé de que haveria outros momentos assim, porque a luta estava apenas começando.

— Vamos? — insistiu Penélope. — Às suas ordens, sra. Richardson — respondeu Martin, oferecendo-lhe o braço.

— Vamos dançar. Evelyn permaneceu no convés por ainda alguns minutos, pensando o que a retinha

ali. Precisava descer para cumprir sua obrigação social. Estava curiosa porque a última dança pertencia a Breckinridge, o rival de Martin.

Martin e Spencer entraram juntos no salão de refeições do hotel. Tomariam o café

da manhã com James, que por sinal já os esperava com o jornal aberto diante de uma xícara fumegante de café.

— Senhores — disse, quando ambos se aproximaram. — Dormiram bem? Não quero ouvir mais tarde que bocejaram durante o torneio.

— Quanto a isso, não haverá problemas — respondeu Spencer, sorrindo. — Eu trouxe seu irmão para o hotel antes mesmo que o rival dele terminasse de valsar.

— E ainda assim estão com a aparência de quem não dormiu o suficiente — opinou James, levando a xícara aos lábios. — Sentem-se, por favor.

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— A verdade é que não preguei os olhos a noite toda — Martin comentou, com um suspiro.

— Por quê? Estava pensando naquela tentação vestida de cetim pêssego? — Conhece-me bem demais, James. Foi exatamente por isso. — Então, por que não faz alguma coisa nesse sentido? — Não posso. Pelo menos por ora. Tenho que pensar na competição. — Sabe que não precisa do troféu para provar que é um grande navegador.

Podemos dizer a Hatfield que vá exibir seu precioso Endeavor II em outra praia — manifestou-se Spencer com calma.

— Assim também não! E a minha honra que está em jogo. Vencer ou perder não importa muito. Porém, não posso desistir. Tenho que provar que não tenho medo de enfrentar o Endeavor II.

Estavam ainda falando sobre a regata, quando Breckinridge e Hatfield entraram na sala. Ao avistar Martin, o jovem conde adiantou-se de mão estendida.

— Boa sorte, lorde Martin. — Boa sorte também para você — desejou Martin, enquanto se apertavam as

mãos. Depois de cumprimentar James, o conde encaminhou-se para outra mesa, onde

Hatfield já o esperava sorrindo com arrogância. Spencer inclinou-se sobre a mesa, murmurando: — O que significa isso? Estão tentando nos intimidar? Que absurdo! — Não se deixe impressionar — respondeu Martin. — Acho que tenho de contar — disse James, inclinando-se também para a frente.

— Depois que deixou o baile, Martin, o conde dançou sem parar com a sua encantadora viúva.

Martin pousou a xícara sobre a mesa com força. — O quê? — Ele dançou com a sra. Wheaton. Sem parar — repetiu James. — Espero que não tenha perdido a cabeça por ela! — Quem sabe? — replicou James. — Eu não ficaria surpreso. Ela é um prêmio,

com todo aquele dinheiro e o sorriso encantador! O conde, por sua vez, é um jovem em busca de um herdeiro, ou dois ou três. Por que não deveria cortejá-la?

— Droga, James! — Não vou me desculpar pelo que eu disse porque é verdade. Você está

esnobando a sua outra metade, seu par perfeito. Ao menor sinal dela, William entrará na disputa sem hesitar. Cuidado, portanto.

— Voltei à Inglaterra há apenas quatro dias — disse Martin. — Dê-me apenas a chance de me situar!

James terminou o café de um gole, antes de responder: — E melhor que se apresse. O sinal de largada já foi dado e parece que não se

deu conta disso. Ao meio-dia, a multidão apinhava-se no Green e uma excitação quase tangível

permeava o ar. Sentados no gramado protegido por uma toalha, Evelyn, Penélope e os Radley observavam os iates moverem-se ao largo, à espera de que o comitê desse o sinal de largada.

As embarcações ziguezagueavam num esforço para conseguir a melhor posição no momento certo. Quando finalmente o canhão abriu fogo, todas entraram em linha.

Com a sombrinha na mão, Evelyn levantou-se. Martin movia-se habilmente à frente

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dos outros veleiros. Graças a Deus, pensou e fez uma prece silenciosa para que ele permanecesse

nessa posição. O triunfo seria certo. Martin estudara os concorrentes uma hora antes da corrida. Tinha observado

também as mudanças do vento e sua velocidade, além de praticar algumas manobras com a equipagem. Quando, finalmente, o sinal de partida foi dado, a única coisa que lhe vinha à cabeça era a lembrança do que James lhe dissera no hotel. Estava ficando para trás no que dizia respeito a Evelyn.

Decidiu, naquele momento, que não iria perder o dia. Venceria tanto o troféu de Cowes quanto o coração de Evelyn. E não era apenas sua natureza competitiva lutando por uma nova conquista porque James o havia desafiado. Depois de vê-la na noite anterior, teve a certeza de que a queria por esposa. Amava-a. E, com a ajuda de Deus, iria tê-la.

Tudo se apresentava fácil diante de seus olhos. Principalmente em relação à regata. Não ia ficar para trás. Sua equipe estava descansada e motivada. Spencer dava-lhe informações constantes sobre a condição das ondas e a distância que devia manter entre o Orfeus e os outros barcos. Para finalizar, havia um sol brilhando com intensidade num céu sem nuvens. Fechou os olhos e aspirou o ar fresco. Sentiu o empuxão do leme em suas mãos e gritou:

— Virar de bordo! A tripulação, que se encontrava em posição de espera, colocou-se em alerta assim

que ouviu o comando. — Posição de bordo! A equipagem soltou rapidamente as bujarronas e as velas mestras e voltou a

ajoelhar-se em fila, à espera de uma nova ordem. — Perfeito! Martin olhou em volta e percebeu que os outros barcos, inclusive o Endeavor II,

estavam a quilômetros de distância do Orfeus. Observou Spencer, que estava na proa e fez, satisfeito, um sinal de vitória.

Uma hora depois, o Orfeus continuava em posição de liderança. Faltava pouco para que atingisse a marca de retorno. A partir daí, seria a volta para atingir a linha de chegada, a gloriosa volta para a conquista do tão cobiçado troféu. Naquele momento, estavam em posição vantajosa, tinham direito de escolher o rumo mais conveniente. E esperava, embora Hatfield estivesse no comando, que seus adversários respeitassem as regras.

Olhou para Spencer e viu que ele também estudava o Endeavor II com preocupação.

— Trinta segundos! — gritou. Aproximavam-se da baliza de retorno. Teriam que contorná-la para, então,

tomarem o percurso final. O rumo para a vitória? O Endeavor II estava atrás deles agora. Iria alcançá-los antes que chegassem à baliza, aproveitando a situação vantajosa para ocupar a liderança?

— Aprontem-se, cavalheiros — berrou Martin e olhou por cima do ombro. O outro barco estava se aproximando cada vez mais rápido... — Pronto! — gritou, enquanto atingiam a baliza. — Pronto para virar! O Orfeus rodeou-a com perfeição, enquanto a equipagem ajustava as velas para

uma nova direção. Nesse instante, gritos irromperam do Endeavor lI. Martin e Spencer olharam para

trás. O adversário estava também alcançando a marca, cortando caminho por uma zona de não-navegação.

— Maldição! — exclamou Spencer. —: Hatfield quebrou de novo as regras. Veja!

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Os dois homens estão discutindo. Martin voltou-se. Hatfield e Breckinridge enfrentavam-se como dois adversários,

enquanto a equipagem lutava com as velas oscilantes. De súbito, o conde começou a comandar a tripulação em altos brados, enquanto Hatfield rogava pragas. Furioso, Breckinridge o empurrou, tomou-lhe o leme das mãos e pôs-se a manejá-lo com perícia.

Essa foi a última coisa que Martin viu. Tinha que cuidar do Orfeus, não podia se distrair. Daí em diante, manteve a atenção presa ao vento e às ondas, enquanto os olhos permaneciam fixos na linha de chegada.

Assim que o Orfeus pôde ser avistado, Evelyn, Penélope e os Radley deixaram o jardim das rosas e correram para a praia. Queriam seguir de perto os minutos finais da corrida.

Martin liderava a prova, mas o Endeavor II seguia-o de perto. As bujarronas estavam cheias de vento e os dois barcos navegavam em ritmo acelerado.

— O Endeavor II vai ganhar — disse Lorde Radley, erguendo o binóculo para ver melhor.

Aflita, Evelyn caminhou até a beira do mar. Mal tinha noção de que os sapatos tocavam a água.

Oh, Martin, pensou. Se ao menos pudesse correr para ele e consolá-lo... Ergueu os olhos para os dois iates, ambos velejando com a velocidade de um clíper em direção à linha final. O Endeavor II avançava, as duas embarcações estavam quase lado a lado...

CAPÍTULO X Martin apertou o leme com mais força no instante em que o canhão troou. Não

podia acreditar. Não havia conseguido, embora tivesse chegado bem perto disso. Não era mais o campeão de Cowes...

Spencer caiu de joelhos e enterrou o rosto nas mãos. O resto da equipagem permaneceu em silêncio. A multidão que lotava a praia aplaudia o vencedor. Mas as palmas, os assobios e os gritos chegavam abafados aos ouvidos dos tripulantes do Orfeus, sobrepujados pelo ruído do vento no vela-me, do rangido do cordame e até mesmo pelo chapinhar da água nos costados dos pequenos barcos que lotavam a baía.

Estava acabado. Tinham perdido. Enquanto isso, a equipagem do Endeavor II dançava no convés e Hatfield abria

uma garrafa de champanhe. — Recolham a vela de fortuna e arriem a bujarrona — ordenou Martin. A tripulação obedeceu em silêncio e Spencer aproximou-se. — Ainda não acredito. Como puderam nos ultrapassar depois daquela confusão

em que se meteram? — O Endeavor II é um barco muito rápido.

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— Mas Hatfield é um asno! — Ele pouco fez. Foi Breckinridge quem tomou todas as decisões a partir do

incidente na baliza. Ele merece o troféu por ter vencido, apesar das trapalhadas de Hatfield. Comportou-se como um cavalheiro.

Martin voltou-se para o barco adversário e viu o jovem conde junto à amurada. Tirou o boné, acenou para o seu oponente e depois fez-lhe uma reverência.

Breckinridge respondeu com igual cortesia e em seguida foi tomar uma taça de champanhe com seus companheiros de jornada.

Martin voltou-se para Spencer. — Ele fez um jogo limpo. E o barco é um milagre da rapidez. Spencer esboçou um meio-sorriso. — Acho que o milagre maior é você não estar batendo a cabeça na amurada. Nem

se lamentando. Martin olhou para os homens que arriavam a bujarrona. — Estou desapontado por eles. Trabalharam duro e mereciam o prêmio. — Não está desapontado por você mesmo? — Também. Mas não preciso do troféu. Não como antes. Agora, meu objetivo é

conquistar um prêmio diferente. — Estou contente de ouvir isso, embora não esteja satisfeito comigo mesmo. Devia

ter ajudado mais, incentivado mais. Sinto muito. Acho que não fui bom amigo. — Foi perfeito. Não havia mais nada a fazer diante de um adversário superior. Spencer balançou tristemente a cabeça para reunir a equipagem. — Preparem-se para arriar as velas mestras! Martin fechou os olhos e encheu os pulmões com o ar fresco do mar. No fundo,

sentia-se aliviado. Aliás, estava satisfeito por não ter ganhado o troféu, pois aquilo não passava, em suma, de uma proeza menor. A maior, que era se render ao amor de Evelyn, estava ainda por começar.

Assim que o portão do jardim foi aberto, Martin avistou Lyndon no meio do gramado, conversando com um grupo de sócios. Ao vê-lo, o comodoro desculpou-se com os demais e desceu ao seu encontro de mão estendida.

— Meu caro Martin... Velejou como um mestre. Estou feliz e orgulhoso do senhor. — Obrigado. — Estou igualmente satisfeito por informá-lo de que o sr. Hatfield foi banido para

sempre do Iate Clube Esquadrão. Expulso por suas práticas ilegais ao navegar e por espalhar falsas acusações no que diz respeito à morte de lorde Breckinridge. Nesse sentido, recebi o apoio do jovem conde de Breckinridge, que o denunciou publicamente como trapaceiro e patife assim que a prova terminou.

Spencer olhou para Martin com orgulho. — Lorde Breckinridge também sugeriu que o Endeavor II seja desclassificado por

práticas ilegais e que o troféu lhe seja concedido. Martin ergueu a mão. — Não é necessário, Lyndon. O conde o mereceu. Lutou com bravura, superou

grandes obstáculos para cruzar a linha final e deve ficar com o troféu. Lyndon suspirou. — Eu já imaginava que o senhor dissesse isso. Sendo assim, será feita uma

declaração pública em seu benefício, no que diz respeito à morte do conde, ao fim da qual será condecorado com uma medalha de honra ao mérito.

Martin inclinou a cabeça. — Obrigado, senhor. — Desejo-lhe o melhor. — Igualmente.

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Apertaram-se as mãos, então Lyndon deu-lhes adeus e voltou a reunir-se com seu grupo.

— O comodoro é uma ótima pessoa — Spencer comentou. — De fato. É um cavalheiro. Desceram a ladeira que os levaria à praia, daí tomaram o rumo do pavilhão situado

na outra extremidade do Green. Pararam junto a um lampião a gás e posicionaram-se em frente ao novo campeão,

o jovem lorde Breckinridge, que estava rodeado por uma multidão de damas. — É a vez dele — murmurou Spencer. — Seu lugar foi ocupado, Martin. Martin ficou observando o conde beijar a mão de uma linda jovem, que riu,

delicada. — Gostaria de estar no lugar dele, Spencer? — Talvez. Breckinridge avistou-os na calçada e despediu-se das jovens. — Boa tarde, cavalheiros. — Boa tarde, campeão — saldou-o Spencer, enquanto Martin fazia um aceno de

cabeça. O conde clareou a garganta. — Foi uma honra ter o senhor como adversário. Nunca me esquecerei deste dia. — A honra foi toda minha, Breckinridge. Seu barco é maravilhoso e o senhor o

pilotou com maestria. Parabéns. — Obrigado. Quero exprimir minha gratidão por tudo que fez por meu irmão

naquele dia trágico. O senhor foi de uma coragem e de uma tenacidade únicas. Obrigado pela tentativa de salvá-lo. Minha família está em dívida para com o senhor.

O rosto de Martin tornou-se sombrio. — Lamento não ter chegado a tempo. Um pouco antes e ele teria sido resgatado.

Sinto muito. Os olhos de Breckinridge estavam rasos d'água quando disse: — O senhor fez o que ninguém mais faria em seu lugar. Arriscou a própria vida

para salvar a dele. O senhor é um herói. — Estendeu a mão. — Foi um prazer, mas agora tenho que dar atenção às minhas fãs.

Martin deu um sorriso. — E uma grande responsabilidade ser campeão. Boa sorte. — Obrigado. — Lorde Martin! A voz chegou até ele vinda de trás. Soube imediatamente de quem se tratava.

Voltou-se e viu-a, com a sombrinha aberta, no seu vestido verde água. Imaginou vê-la pela primeira vez, tanta suavidade descobria em seu rosto.

— Sra. Wheaton — falou, mas a voz tremeu. Ela não era mais a jovem reservada que havia sido um dia, nem a viúva recatada

dos últimos meses. Mostrava-se calma, senhora de si, deslumbrante. Subjugaria qualquer homem com sua beleza.

— Como está? — ela perguntou, estendendo-lhe a mão enluvada, sobre a qual ele se inclinou.

Spencer cumprimentou-a também, o que surpreendeu Martin porque se esquecera de que o amigo estava ao seu lado.

— Congratulo ambos. Portaram-se como cavalheiros na competição de hoje — Evelyn disse.

— Não fomos tão bem quanto gostaríamos — respondeu Spencer —, mas sobreviveremos. Não é, capitão?

— Talvez — murmurou Martin com reserva.

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Os três sorriram, mas um estranho silêncio instalou-se depois. Spencer apontou para longe. — Estou vendo um velho amigo. Permitam que vá cumprimentá-lo. — Naturalmente — responderam os outros dois em uníssono. Martin voltou-se para Evelyn. — Gostaria de dar uma volta? Ela ficou em silêncio. — Seria muito bom — disse afinal, fazendo-o suspirar. Deixaram o pavilhão e

subiram a rua, agora quase vazia. Caminharam, quietos, por um minuto ou dois, antes que Evelyn se apoiasse no

braço dele. — Importa-se? Estou sentindo o friozinho do anoitecer. Ele cobriu com a sua a mão enluvada, procurando aquecê-la. — Claro que não me importo. Melhor agora? Ela fez que sim e continuaram a

caminhar. — Sinto muito orgulho de você — Evelyn falou então. — Embora não tenha

vencido o troféu, mostrou-se o campeão de princípios que é e sempre será. Martin umedeceu os lábios e de súbito lamentou já não ter lhe dito nem feito o que

ela merecia havia muito tempo. Esperava que Evelyn ainda o quisesse. — Está desapontado por não ter vencido? — ela perguntou com aquela voz doce

que era quase uma carícia. Ele sorriu. — Não. Estou feliz com a vitória de Breckinridge. Ele merece o título não só pela

impressionante habilidade, como, principalmente, pela integridade. Impediu Hatfield de fazer manobras irregulares e de continuar guiando o Endeavor II, quase o jogando para fora do barco. Você soube do que aconteceu?

— Sim. Hatfield já foi embora. Expulsaram-no daqui para sempre. Martin respirou fundo. — Estou aliviado. Ele recebeu a devida punição. — Um crápula como Hatfield não deve circular entre pessoas de bem. Por outro

lado, o jovem Breckinridge é um homem de fibra. Foi digno de ser campeão. Martin fitou-a em silêncio por um instante. — Eu soube que dançou com ele ontem à noite. — Fará suposições ou vai me aconselhar? — Nem uma coisa nem outra. Você tem capacidade para tomar as próprias

decisões. Evelyn olhou-o com curiosidade, mas nada disse. Ele respirou fundo, enquanto ela

o fitava. Finalmente, criou coragem: — Tenho que confessar, Evelyn. Eu queria muito cruzar a linha de chegada em

primeiro lugar. — E quase conseguiu. — Não, não estou me referindo ao troféu, nem aos aplausos, nem ao título que

ostentaria até o próximo ano. Eu queria voltar depressa para você. Evelyn entreabriu os lábios num "oh"... — Sei que me tornei um poço de indiferença desde que terminamos nosso caso —

ele continuou —, e que, em vista disso, você poderia escolher quem bem quisesse. Os melhores partidos.

— Deve estar se referindo a lorde Breckinridge. Nós dançamos, sim. E isso foi tudo.

Martin fez uma pausa para respirar. — Vou dizer agora o que estava ensaiando desde que cheguei a Cowes. Eu amo

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você, Evelyn. Salvou minha vida. Fez-me viver de novo, rir de novo. Toda vez que ficávamos longe, eu contava os minutos para voltar para você. Quando nos separávamos, não via outra coisa senão o seu sorriso, seus olhos. Não via a hora de tê-la em minha cama. Quero me casar com você, Evelyn, se me der a honra.

Ela nada disse por um momento. Ficou apenas a encará-lo. Então respirou fundo e umedeceu os lábios.

— Tive várias propostas de casamento nesta semana. — Presumi que receberia inúmeras. — Por causa de minha fortuna? — Não. Por causa de sua beleza, de sua inteligência. — Quando você partiu, não imaginou que eu poderia aceitar uma delas? — Sim. E me preocupei. — Não podia ter me mandado notícias? — Não, não estava pronto. Tinha antes que resolver um assunto. Evelyn colocou a mão sobre o braço dele. — Vale a pena lutar por mim, sabia? Seus olhares se cruzaram. — Sim, eu sei. Ela sorriu e afastou-se um pouco. — É bom ouvir isso. Mas acho que vai ter que esperar mais um pouco. — Esperar? — ele murmurou, frustrado. — Ainda não estou pronta para o casamento. Preciso antes ter a certeza de que

serei feliz. — O que a fará ter essa certeza? Evelyn sorriu. — Ainda não sei. — Podemos... — Martin começou, porém ela o interrompeu. — Acho que devemos voltar à praia. James, seu irmão, quer vê-lo. E também sua

cunhada. Conheci-a recentemente em Londres. — Sofia mencionou esse fato. — Ela é encantadora, Martin. E um homem de sorte. Tem uma família maravilhosa. — Poderá fazer parte dela se quiser. Evelyn mudou de assunto: — Vamos voltar daqui. Logo começarão a soltar os fogos de artifício. Naquele exato momento, o céu tingiu-se de azul e vermelho, iluminando o rosto de

ambos. A multidão na praia gritou e aplaudiu. Mas os dois não viam, nem ouviam nada. Caminharam em silêncio, cada um mergulhado nos próprios pensamentos.

Martin acordou cedo na manhã seguinte, mas não se levantou. Ficou na cama com

o braço sob a nuca, olhando o teto. Dormira mal. De novo. Não poderia voltar a pegar no sono mesmo que quisesse,

estava ansioso para enfrentar as dificuldades que se apresentariam. E que seriam muitas. A começar por Evelyn. Havia feito um esforço enorme para não ir bater à porta do quarto dela. Queria lutar por seu amor apropriadamente, como um cavalheiro. Iria cortejá-la, tratando-a com o respeito que merecia. Começaria convidando-a para um passeio à beira-mar e depois veria o que aconteceria a seguir.

Estava ainda pensando nisso, quando um leve ruído na porta o fez virar a cabeça. Um cartão estava sendo introduzido por baixo dela. Sentou-se na cama de chofre. De quem seria? De Evelyn talvez?

De pés nus, foi até a porta, apanhou-o e leu: Lorde Martin,

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Venho, respeitosamente, solicitar sua presença na rampa de lançamento em frente ao hotel às 11 horas desta manhã. Use seu traje náutico e, por favor, não se atrase.

Lyndon Wadsworth Martin consultou o relógio. Passava das dez. Tinha que se apressar; mas o que

significava aquilo afinal? Banhou-se, vestiu-se e saiu. Atravessou o saguão apinhado de gente e depois a rua. Lyndon, que já o esperava no alto da rampa de lançamento, foi ao seu encontro de mão estendida.

— Bom dia, Sir. O que aconteceu? Trata-se de algo importante? — Suponho que sim. Alguém deseja sua opinião de perito sobre um barco que

pretende comprar. Está pronto para testar um veleiro? — Testar? Não é o Endeavor II, é? — Não, é um iate recém-projetado. Trouxeram-no a Cowes está manhã. Foi

fabricado e montado na Irlanda. Martin, sempre interessado em barcos arrojados, esquadrinhou a baía em forma de

ferradura, aquela hora ainda lotada de embarcações. — Qual é? Lyndon apontou para um iate ancorado no final da plataforma de lançamento. — A proprietária em potencial o acompanhará no teste. Martin sentiu o coração bater mais forte porque, ao lado da pilastra onde o barco

estava preso, encontrava-se também Evelyn. — É a sra. Wheaton — disse, sem se mover, apesar da manifesta vontade de Sir

Lyndon de conduzi-lo até ela. — Sim. É uma mulher muito independente. Cuidou de tudo sem dizer nada a

ninguém. Informou-me a respeito somente esta manhã, quando me pediu que o avisasse. Fiquei tão surpreso quanto o senhor deve estar agora, a julgar pela expressão de seu rosto.

Martin procurou recuperar a compostura. — Ela precisa de mim para quê? — Quer seus conselhos. Gostaria de ter certeza de que o iate foi bem construído. — Compreendo. E o senhor? Vem comigo? — Não posso, estou muito ocupado. Além do mais, não entendo nada de desenhos

de barcos. Que bom! pensou Martin. — Vá — estimulou-o Sir Lyndon. — Ela está muito ansiosa. Também Martin sentia-se da mesma forma. E foi com o coração aos saltos que

desceu a rampa de lançamento. Uma sensação desconhecida invadia-o. Um misto de esperança e temor, logo desfeito pelo sorriso com o qual Evelyn o recebeu.

— Bom dia — disse, alegre, quando ele se aproximou. — Bom dia — respondeu Martin, com uma ponta de divertimento. E também de

admiração pela ousadia dela. — Está comprando um iate? — Ainda não decidi. Mas acho que não vou resistir. É uma beleza. Espere até vê-lo

— afirmou Evelyn, começando a retirar a capa que o protegia. — Por favor, deixe-me ajudá-la! — Apresento-lhe o Fênix — ela disse, orgulhosa, quando a capa foi completamente

retirada. — O que acha? Martin examinou o mastro alto e os contornos arredondados; viu logo que não era

tão veloz quanto o Endeavor e o Orfeus. — Um quarenta e seis pés? — ele o estimou. — Exatamente. Quer subir a bordo? — É o que eu mais quero! Martin ajudou Evelyn a subir. No convés, as balaustradas e a cabine eram de

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carvalho bem envernizado, o brilho intensificado pelo fulgor da luz matinal. Prendeu a respiração quando viu o leme encravado na ampla escotilha ovalada. Os raios eram de latão polido e cintilavam como ouro.

— É um barco maravilhoso! — exclamou, sentindo a necessidade de manifestar em voz alta o seu entusiasmo. — E bastante grande. Pode levá-lo para mar alto sem medo, tem uma ótima estrutura e está apto a enfrentar qualquer agitação marinha.

— E o que espero que faça. Isto é, se quiser — ela falou, tímida. — Confesso que é uma idéia tentadora — respondeu Martin com cautela. — Por

enquanto, vamos testá-lo nos arredores. Puseram-se a trabalhar com afinco, desenrolando velas e cordas. Momentos

depois, já estavam hasteando as velas mestras. Tudo pronto, desamarraram o barco e, minutos depois, faziam-se ao largo, com Evelyn ao leme.

Ela sorria, feliz. Voltara a sentir a emoção de velejar que havia julgado esquecida. Quando alcançaram o canal Rainha Vitória, as velas foram ajeitadas até o Fênix inclinar-se ligeiramente. Pouco depois, contornavam os recifes circulares e penetravam nas águas claras de um atol. O mar era tão cristalino que podiam ver os pequenos peixes vermelhos se movendo junto à proa e o fundo repleto de conchas de todas as cores.

— O barco está se comportando bem? — perguntou Martin, a um certo momento. — Venha experimentá-lo. — Posso? — Claro! Evelyn pôs-se de lado e deixou-o tomar o leme. Martin colocou ambas as mãos

sobre os raios de cobre e sentiu o tremendo poder do casco aberto e das enormes velas. — E um barco muito estável. Sólido como uma rocha! Os olhos dela brilharam de

excitação. — Então gostou? — Muito! Fará uma ótima compra! Ela sorriu, como se estivesse dizendo obrigada e foi apoiar-se à amurada. Martin lançou-lhe um olhar rápido e então perguntou: — Pensou na conversa que tivemos ontem à noite? — Falamos de muitas coisas. Os lábios dele se comprimiram por um momento e depois se afrouxaram num

suspiro. Sabia que seria assim. Ela não ia facilitar as coisas. Após um breve silêncio, foi Evelyn a dizer: — Depois do acidente, não voltei a pôr os pés num barco. Martin ajustou o leme ao

vento, antes de perguntar: — Estava com medo? — Sim. Então cheguei à conclusão de que o medo faz parte da vida. Sentir

apreensão é normal, mas nem por isso temos de desistir do que queremos. Só assim poderemos realizar grandes coisas. Tive medo durante tanto tempo!. Agora é tão fácil...

Ele lhe fitou o perfil encantador e pensou como era possível que uma mulher tivesse o poder de fazê-lo tão feliz e inspirado e, ao mesmo tempo, deixá-lo tão zangado.

— Concordo — disse, esforçando-se por não deixar o assunto morrer. — A vida tem que ser encarada com coragem e firmeza.

De repente, desejou que ela se aproximasse e ficasse diante dele. Antes que tivesse a oportunidade de chamá-la, Evelyn aproximou-se devagar para tomar o leme.

— Sinto-me apreensiva... Algo como uma corrente elétrica percorreu o corpo de Martin. Procurou-lhe os

olhos, querendo saber o que ela estava pensando ou sentindo. — Por quê? — Convidei-o para velejar comigo sem saber o que estava fazendo.

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— O que está querendo dizer, Evelyn? — Antes que ela pudesse responder, deixou o leme e tomou-lhe ambas as mãos. — Não precisa me dizer nada. A única coisa que importa é o que lhe declarei ontem à noite. Eu te amo. E não quero passar nem mais um dia sem você. Seja o que for que eu deva fazer para conseguir o seu amor, eu o farei. Lutarei por você sem descanso até o dia em que me disser sim. Deixe-me ser seu marido e pai de seu filho. Caso contrário, morrerei.

Ela o fitava, emocionada. Martin pensou que, se Evelyn não dissesse logo alguma coisa, ele se desintegraria, viraria pó.

Finalmente, depois de uma longa pausa, ela falou: — Eu também morreria se não tivesse dito que me ama. Não quero perdê-lo. Vou

me casar com você. Sou sua. Para sempre. Martin fechou os olhos e tentou se acalmar. Não pôde. Abaixou então a cabeça e

agradeceu a Deus por tê-la trazido de volta à sua vida. O leme girava sozinho e o barco estava com a proa voltada para o vento, mas

nenhum dós dois parecia se importar. — Sempre te amei, Martin. Amei desde o instante em que me resgatou daquele

lago. E, quando fizemos amor pela primeira vez, tive medo. Medo de que não fosse durar para sempre. Tudo o que mais quero é estar com você. Quase morri quando pensei que o tivesse perdido de vez. Mas decidi lutar pelo seu amor e foi então que planejei de que modo iria reconquistar a sua devoção.

— Não precisava ter feito nada. Nunca me perdeu, Evelyn. Sempre a levei no meu coração. Obrigado por ter me esperado.

Ele a puxou para si e beijou-a, enquanto as velas batiam selvagemente ao vento. Naquele momento, queria apenas uma coisa: fazer amor com ela. Era um desejo tão pungente, tão forte que mal conseguia contê-lo. Beijava-a nos lábios, no rosto, no pescoço.

— Estou tão feliz que me sinto flutuar — ela murmurou, sem fôlego, com a cabeça inclinada para trás.

— Estamos flutuando, querida. Sem rumo. Só Deus sabe para onde a correnteza está nos levando.

Rindo, ela o olhou nos olhos. — E o que importa para onde vamos, desde que estejamos juntos? — Então, o que virá a seguir? — Martin perguntou, puxando-a para si. — Quando

iremos nos casar? O que faremos em nossa lua-de-mel? Uma viagem ao redor do mundo?

— Eu o seguirei para onde quer que vá, meu capitão. — Mas este é o seu barco — ele a lembrou com uma risada. — Sou eu que devo

segui-la para onde quer que vá. Evelyn riu. — Este será o nosso barco. Mas tome cuidado. Acho que estamos velejando

contra o vento. Observaram as velas, que batiam, frouxas. — Vou dar um jeito nisso. Tome o leme. Minutos depois, com as velas cheias como balão, o barco navegava sereno, sob

um céu sem nuvens. — Vamos voltar — ele anunciou. — Estou com pressa. Quero fazer amor com

você. — Às suas ordens, capitão! — ela disse enquanto, com um giro total do leme, fazia

o barco retornar. — Amanhã velejaremos por mares revoltos até chegarmos ao refúgio de uma

angra isolada... Ancoraremos sob um céu de um azul intenso, longe das multidões, das

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pressões e de todos os problemas, não tendo nada para fazer senão nos estender nas brancas areias, pescarmos, compartilharmos das conversas e dos silêncios. Depois de nos retirar para a suave intimidade da cabine, faremos amor...

— Sim, Martin. É isso o que vamos fazer. Gentilmente, ele a puxou para si e aninhou-a contra o peito. —- Evelyn, meu amor. Que bom tê-la de novo em meus braços. Para sempre,

desta vez! FIM