Auditoria e Sua Importancia

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O texto nos relata sobre o Sistema de Auditoria e sua Importância no ambiente hospitalar.

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  • ESTARO OS ADMINISTRADORES HOSPITALARES A PRESTAR A DEVIDA ATENO GESTO DA QUALIDADE? PROJETO DUQuE DEEPENING OUR UNDERSTANDING OF QUALITY IMPROVEMENT IN EUROPEMargarida Frana | Ana Escoval | Margarida Eirasris Leite | Ana Tito Lvio

    A IMPORTNCIA DA AUDITORIAINTERNA NA SADEAndreia Toga

    A OPINIO DE:VASCO REISANA ESCOVAL

    SERVIOS LOCAIS DE SADE MENTAL, QUE FUTURO?Teresa CabralMrcia MendesJoana Vales

    Entrevista a Jorge Simes

    E AINDA... IV Frum ERS 13. Congresso Nacional de Oncologia

    DEZEMBRO 2014 ASSOCIAO PORTUGUESA DE ADMINISTRADORES HOSPITALARES [APAH]DISTRIBUIO GRATUITA ISSN: 0871-0767

  • SUMRIO

    Esta revista foi escrita segundo as novas regras do Acordo Ortogrfico

    DIREO Margarida Frana | Emanuel Magalhes de BarrosREDAO Catherine Alves PereiraDESIGN GRFICO Furtacores Design e ComunicaoREVISO ngela Barroqueiro DISTRIBUIO Gratuita

    PROPRIEDADE APAH Associao Portuguesa de Administradores HospitalaresApartado 90223001-301 [email protected]

    PERIODICIDADE TrimestralDEPSITO LEGAL N. 16288/97ISSN N. 08710767TIRAGEM 4.000 exemplaresIMPRESSO Rainho & Neves, Lda. Santa Maria da Feira

    FOTO CAPA Fedra Santos

    EDITORIAL

    ESTARO OS ADMINISTRADORES HOSPITALARES A PRESTAR A DEVIDA ATENO GESTO DA QUALIDADE? PROJETO DUQuE DEEPENING OUR UNDERSTANDING OF QUALITY IMPROVEMENT IN EUROPE

    SERVIOS LOCAIS DE SADE MENTAL, QUE FUTURO?

    A REGULAO DAS RELAES ECONMICAS DA SADE NA EUROPA

    ENTREVISTA A JORGE SIMES

    CON[SENTIDO] OPINIO: ANA ESCOVAL

    PERGUNTAS [COM] RESPOSTA: VASCO REIS

    OS TIQUES DO NOVO-RIQUISMO PORTUGUS NA SADE

    A IMPORTNCIA DA AUDITORIA INTERNA NA SADE

    CARTA DA DIREO DA APAH CReSAP

    EVENTOS E MOMENTOS

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  • M

    ARGA

    RIDA

    FRA

    NA

    Modas, Eficincia ou Necessidade?

    Iniciei a minha atividade como administrador hospitalar no Centro Hospitalar Aveiro Sul, no dia 1 de agosto de 1985, onde permaneci at 26 de abril de 1987. A partir do dia 27 de abril de 1987 iniciei funes na Comisso Instaladora do Hospital Distrital de gueda.

    A referncia ao incio do meu percurso profissional justifica-se, apenas, para fundamentar o contedo deste editorial.

    Atravessvamos um importante momento da reforma hospitalar em decurso naquela al-tura e que se caracterizava, entre outros, pela extino dos Centros Hospitalares existentes e a criao de hospitais de pequena e mdia dimenso aos quais foram atribudos a respetiva autonomia administrativa, patrimonial e financeira.

    O momento gestionrio, carregado de influncias japonesas, era conhecido pelo conceito de small is beautifull. O mote era a ingovernabilidade das instituies de grande dimenso.

    Vrios Centros Hospitalares foram desmembrados dando lugar a hospitais autnomos, sen-do um dos exemplos o Centro Hospitalar Aveiro Sul que deu origem aos Hospitais Distritais de Aveiro e gueda.

    Em sentido contrrio e nos anos mais recentes, outra viso sobre a organizao hospitalar vai imperar e, atravs do Decreto-Lei n.30/2011 de 2 de maro, entramos num processo de fuso de instituies de sade com a criao de seis novos Centros Hospitalares oriundos de catorze hospitais.

    Processo idntico corria nos EUA, com a fuso de vrias instituies hospitalares. As mais va-riadas formas foram utilizadas para o efeito, desde as joint ventures (combinao de vrias ope-raes de duas ou mais instituies), affiliation (instituies independentes mas com influncia mtua), acquisition (aquisio de vrias instituies pela instituio me), consolidation (consoli-dao do processo entre instituies) e finalmente as merger (transao corporativa atravs da qual instituies similares se juntam permanentemente e passam a viver um processo nico) (David A. Ettingerand Stanford P. Benenbaum, BNAs Health Law and Business Series, Health Care Mergers na Acquisitions: The Antitrust Perspective; American Hospital Association (AHA), Glossary of Hospital na Health Care System Merger, Acqusition and Consolidation Terms.

    O nmero de fuses neste perodo foi de aproximadamente 1344 instituies. O debate so-bre a cobertura nacional dos cuidados de sade, promovidos pela First Lady Hillary Clinton, sustentou esta abordagem.

    O vasto movimento de fuses detetvel nos mais variados campos de atividade desig-nadamente na indstria, construo civil, transportes e outros na rea privada, bem como na educao, justia, sade e outros no sector pblico.

    Trata-se de um procedimento gestionrio/reorganizativo, transversal a todos os pases do globo, afinal a to referida globalizao.

    Os fundamentos para a fuso so basicamente de ordem financeira, de crescimento, de preservao da misso principal, de defesa de posio defensiva e de alternativa fuso/en-cerramento.

    O sucesso destes processos depende fortemente do ncleo organizativo para a fuso. Cons-titudo pelo rgo executivo ou constitudo por uma Task Force ou Steering Committee, espao alargado de promotores e executores.

    Ainda uma referncia para um ponto relevantssimo deste processo, a questo da cultura das instituies sujeitas a fuso. O resultado da concentrao s pode ser um mix das vrias culturas que daro origem a uma cultura prpria que vai caraterizar a nova organizao.

    Finalmente, o motivo que deve presidir a estes projectos s poder ser a reorganizao de meios com vista melhoria dos cuidados de sade, dos doentes, dos profissionais de sade e da reforma hospitalar.

    PEDRO LOPESAdministrador HospitalarPresidente do Conselho Fiscal e de Disciplina da APAH

    EDIT

    ORIA

    L

  • 4ESTARO OS ADMINISTRADORES HOSPITALARES A PRESTAR A DEVIDA ATENO GESTO DA QUALIDADE? PROJETO DUQuE DEEPENING OUR UNDERSTANDING OF QUALITY IMPROVEMENT IN EUROPE

    INTRODUO

    O projeto DUQuE (Deepening our understanding of quality improvemet in Europe), projeto de investi-gao europeu na rea da qualidade e segurana do doen-te, financiado no quadro do 7. Framework Programme da Unio Europeia, registou as suas publicaes finais no primeiro semestre do corrente ano.

    Constitui um dos mais proeminentes projetos de inves-tigao na rea da qualidade em sade dos ltimos anos, reunindo um largo conjunto de expectativas por parte da comunidade cientfica e stakeholders da sade, ao nvel nacional e internacional.

    O projeto foi iniciado em novembro de 2009 e desen-volveu-se pelo perodo de 4 anos, ou seja, at final de 2013, tendo contado com a participao de oito pases europeus, nomeadamente a Alemanha, Espanha, Frana, Polnia, Portugal, Reino Unido, Repblica Checa e Tur-quia, envolvendo a realizao de questionrios a mais de 9800 profissionais da sade e 6500 doentes, bem como a

    Margarida Frana

    SPQS e APAHana Escoval

    APDHris lEitE

    SPQSMargarida Eiras

    SPQS e APDHana tito lvio

    APDH

    reviso de mais de 9000 processos clnicos, no conjunto dos pases participantes.

    Tratou-se, pelo nmero de unidades envolvidas e amostras selecionadas, de um projeto de grande enverga-dura tendo, no caso de Portugal, mobilizado 31 unidades hospitalares.

    O DUQuE foi, de facto, pioneiro nos objetivos e na esca-la da amostra do estudo, constituindo o primeiro estudo quantitativo de larga escala sobre uma amostra de hospi-tais europeus.

    O conjunto de informao analisada pelo DUQuE assume grande dimenso tendo estudado dados de hospitais dos oito pases referidos questionrios aos profissionais, doen-tes, indicadores clnicos, dados dos processos clnicos e dados administrativos dos hospitais. A taxa de adeso foi conside-ravelmente alta e possibilitou, muito em especial, o desen-volvimento de novas medidas da qualidade e segurana na vasta e complexa rea da gesto da qualidade em sade.

  • 5A coordenao nacional do projeto foi realizada por uma parceria entre a Sociedade Portuguesa para a Qua-lidade na Sade (SPQS) e a Associao Portuguesa para o Desenvolvimento Hospitalar (APDH), tendo contado com o Alto Patrocnio da Direo-Geral da Sade (DGS).

    OBJETIVOS E METODOLOGIA DO DUQuE

    O grande objetivo deste projeto europeu de investi-gao centrou-se na procura do efeito ou impacte dos sistemas de gesto da qualidade nos resultados ao nvel do doente. De facto, e apesar da investigao reali-zada nas ltimas dcadas sobre qualidade na sade, ainda pouco se conhece sobre a efetividade das metodologias de melhoria e, muito em especial, sobre quais as ferramentas mais efetivas na melhoria dos resultados em sade.

    O esforo passa agora pela necessidade de obter evi-dncia cientfica que nos possa auxiliar na definio dos programas da qualidade da forma mais adequada, sens-vel e econmica.

    Neste contexto, os objetivos especficos do projeto DU-QuE foram definidos de forma a:

    1. desenvolver e validar um ndice para avaliao da implementao dos sistemas de gesto da qualidade (SGQ) nos hospitais Europeus;

    2. estudar as associaes entre a maturidade dos sis-temas de gesto da qualidade, medidas de cultura organi-zacional, envolvimento dos profissionais e empowerment dos doentes na gesto da qualidade, incluindo o envolvi-mento da administrao na qualidade e a sua associao com os sistemas de gesto da qualidade; a relao entre a cultura e estruturas organizacionais com os sistemas de gesto da qualidade e, ainda, o desenvolvimento e vali-dao de medidas para a avaliao da gesto clnica por parte dos mdicos e enfermeiros.

    3. estudar as associaes entre a maturidade dos sis-temas de gesto da qualidade e as medidas ao nvel do doente de efetividade clnica, segurana do doente e experincia do doente, incluindo as relaes entre os siste-mas de gesto da qualidade nvel do hospital e pathways a segurana do doente, a gesto baseada na evidncia e o envolvimento dos doentes na gesto da qualidade.

    4. identificar os fatores que influenciam as iniciativas da qualidade por parte dos hospitais, incluindo a presso externa exercida pela acreditao, certificao ou outros programas de avaliao externa, bem como a exequibili-dade do uso de dados comparativos do desempenho dos hospitais (1).

    A metodologia definida previa que fossem escolhidos aleatoriamente 30 hospitais gerais em cada um dos pa-ses, com uma lotao mnima de 130 camas e prestao de cuidados nos quatro diagnsticos objeto de estudo: aci-

    dente vascular cerebral (AVC), enfarte agudo do miocr-dio, partos e fratura do colo do fmur (1, 2).

    Em Portugal, foram apurados 31 hospitais elegveis para integrar o projeto DUQuE, de acordo com dados do ltimo trimestre de 2008 fornecidos pela DGS. Essa pr-seleo foi enviada coordenao internacional do DUQuE, mantendo-se a confidencialidade dos hospitais, tendo sido selecionada aleatoriamente a amostra que se identifica no Quadro 1.

    Destes 31 hospitais, foram ainda selecionados doze para integrar o estudo mais aprofundado do DUQuE ao nvel das quatro patologias que ditaram os critrios de in-cluso na amostra, sendo que apenas onze participaram nesta segunda fase da investigao.

    Em todos estes hospitais procedeu-se recolha de da-dos ao nvel do hospital e dos servios, recorrendo-se s bases de dados administrativos e aplicao de questio-nrios nos diferentes nveis da organizao: administra-o presidente do conselho de administrao e diretor clnico; chefia de topo de enfermagem; ao gestor da qualidade; chefias mdicas e de enfermagem e a 20 pro-fissionais.

    Procurou-se, desta forma, avaliar as vrias dimenses em anlise: presso externa; gesto/administrao do hospital; sistemas de gesto da qualidade; empowerment dos doentes na melhoria da qualidade; cultura organiza-cional e envolvimento dos profissionais.

    O grande objetivo deste projeto europeu de investigao centrou-se na procura do efeito ou impacte dos sistemas de gesto da qualidade nos resultados ao nvel do doente. De facto, e apesar da investigao realizada nas ltimas dcadas sobre qualidade na sade, ainda pouco se conhece sobre a efetividade das metodologias de melhoria e, muito em especial, sobre quais as ferramentas mais efetivas na melhoria dos resultados em sade.

  • 6Nos hospitais que integraram o estudo mais aprofun-dado do DUQuE, alm desta informao procedeu-se, ain-da, a uma recolha adicional de dados, para cada um dos quatro diagnsticos de alta em estudo, com o intuito de proceder a uma anlise mais detalhada ao nvel do per-curso do doente.

    Para avaliar o envolvimento do doente, em cada um dos quatro diagnsticos foram realizados questionrios a

    20 profissionais envolvidos na prestao de cuidados, ao gestor da qualidade e a 30 doentes no momento da alta, aps a obteno de consentimento informado.

    Para medir a eficcia clnica e a segurana do doente, foram realizadas auditorias aos registos clnicos de 30 processos por cada diagnstico e visitas externas para observao direta do percurso do doente, em cada uma das condies clnicas em anlise.

    FIGURA 1 Modelo conceptual do DUQuE.

    Para medir a eficcia clnica e a segurana do doente, foram realizadas auditorias aos registos clnicos

    de 30 processos por cada diagnstico e visitas externas para observao direta do percurso do doente,

    em cada uma das condies clnicas em anlise.

    Governao do Hospital

    HOS

    PITA

    LCA

    RE

    PATH

    WAY

    DOEN

    TE

    Presso Externa

    Sistema de melhoria da qualidade(inclui empowerment do doente)

    4

    Cultura organizacionalEnvolvimento dos profissionais

    1 2

    Cultura organizacional

    (C) Envolvimentodos profissionais

    (P)

    Estratgia demelhoria da

    Qualidade (Q)

    Acidente Vascular Cerebral (AVC)

    Efetividade clnicasegurana do doente

    Envolvimento do paciente

    3Q P

    C

    Fratura do Colo do Fmur

    Q PC

    Enfarte AgudoMiocrdio

    Q PC

    Partos

  • 7MODELO CONCETUAL

    Foi desenvolvido um modelo de anlise compreen-sivo capaz de incorporar os mltiplos nveis que influenciam o desempenho hospitalar e os resultados ao nvel do doente, nomeadamente ao nvel do hospital, do departamento/servio ou pathway do doente e dos fa-tores externos motivadores da deciso e ao na grande rea da Qualidade.

    As razes que fundamentaram a seleo das quatro condies clnicas (fratura do colo do fmur, AVC, enfarte agudo de miocrdio, partos) esto relacionadas com o fac-to de inclurem uma grande parcela de cuidados passveis de avaliao da conformidade face a padres baseados em evidncia cientfica e, por outro lado, por possurem inequvoca variabilidade nos processos da prestao de cuidados e nos resultados, abrindo a possibilidade de an-lise de associaes entre estes construtos.

    O modelo desenvolveu-se no quadro da definio de um conjunto de hipteses, tal como graficamente representa-do (Fig. 1), nomeadamente que os sistemas de gesto da qualidade existentes se encontram associados com as ati-vidades da qualidade ao nvel do hospital e dos pathways, bem como, com a cultura dos pathways, profissionalismo e envolvimento do doente na gesto da qualidade. Conside-rou ainda a capacidade de influncia de fatores externos nas iniciativas da Qualidade, designadamente a presso da liderana do hospital, a acreditao externa, a certificao externa e os programas de padres da qualidade com re-curso figura da auditoria e consequente feedback.

    Para cada construto foram, de igual modo, desenvolvi-dos mltiplos indicadores tendo o esforo final de simplifi-cao e sntese identificado 25 domnios de medio.

    O DUQuE usou tambm como instrumento uma varie-dade de medidas para avaliao da experincia do doente e um conjunto de indicadores clnicos, para cada uma das quatro condies em anlise (1,3).

    RECOMENDAES E CONCLUSES

    A segurana do doente assumiu na ltima dcada uma elevada relevncia, pelo que a avaliao dos seus requisitos e boas prticas constituem um imperativo dos sistemas de gesto da qualidade, qualquer que seja o nvel em que se encontram implementados nvel do ser-vio, departamento ou unidade hospitalar.

    O DUQuE demonstrou, contudo, que requisitos simples e bsicos de segurana do doente no so cumpridos, como o armazenamento controlado do cloreto de pots-sio ou a identificao dos doentes atravs de pulseiras, ou seja, apenas um em trs departamentos/servios tinham removido o cloreto de potssio do conjunto dos restantes medicamentos e apenas metade das enfermarias regista-ram a correta e total identificao dos doentes (4).

    O projeto procedeu ainda construo e validao de instrumentos para a avaliao da Gesto da Qualidade nos hospitais, partindo da definio concetual de Gesto da Qualidade como um processo sistemtico de identificao, avaliao e atuao para manter e melhorar a qualidade (estruturas, processos e resultados).

    Foram desenvolvidos trs ndices ao nvel do hospital e quatro escalas ao nvel da pathways (3), sendo assumido como pressuposto a necessidade de uma medio detalha-da atravs de perspetivas diferentes e nos diversos nveis da prestao dos cuidados. Com estas ferramentas torna-se possvel, a qualquer unidade hospitalar, avaliar a maturida-de das suas estratgias e sistema de gesto da qualidade, sem necessidade de recurso a um sistema de certificao ou acreditao, promovendo a reflexo interna e a melhoria contnua e, de uma forma simplificada, a autoavaliao.

    Acresce o desenvolvimento de uma checklist na rea da segurana do doente desenhada com o propsito de ser usada como ferramenta de apoio na realizao de walkrounds nos hospitais, ou seja, visitas realizadas aos servios ou unidades por elementos do hospital, da ad-ministrao, lderes seniores ou gestores do risco, com o objetivo de analisar e discutir questes e problemas de segurana associados prestao de cuidados. De facto, existe evidncia da variabilidade e diferenas entre servi-os e pathways dentro de uma mesma unidade hospitalar, pelo que esta lista de verificao pode contribuir para a sua melhor identificao, pelo recurso a uma ferramenta estandardizada que atribui ao prprio processo de ava-liao maior robustez e validade (4). Em simultneo foram desenvolvidas medidas para cada uma das condies cl-nicas em estudo a usar, de igual modo, para melhoria con-tnua, e que resultaram de um vasto trabalho de proces-so de mapeamento das recomendaes de segurana do doente do projeto WHO High 5s, das Metas de Segurana do Doente da Joint Comission International, do Conselho da

    O projeto procedeu ainda construo e validao de instrumentos para a avaliao da Gesto da Qualidade nos hospitais, partindo da definio concetual de Gesto da Qualidade como um processo sistemtico de identificao, avaliao e atuao para manter e melhorar a qualidade (estruturas, processos e resultados).

  • 8A ttulo de concluso podemos afirmar, agora com evidncia cientfica, que a Administrao

    pode fazer toda a diferena assumindo a Gesto da Qualidade de forma explcita e empenhada,

    constituindo, alis, um elemento essencial implementao e sustentabilidade

    da melhoria da qualidade nos hospitais.

    Unio Europeia e da World Alliance for Patient Safety da Organizao Mundial da Sade, entre outras entidades (3).

    Os resultados da aplicao no quadro do DUQuE destas medidas demonstraram uma elevada variao entre hos-pitais do mesmo pas o que nos alerta para a existncia de um distanciamento real da prtica, face ao conhecimento, muitas das vezes protocolado e apoiado em normas, sen-do inequvoco o valor da sua aplicao no terreno, apesar da aparente simplicidade de alguns dos critrios e de que bom exemplo o correto armazenamento nas enfermarias do cloreto de potssio.

    Foi ainda publicado em eBook subordinado ao ttulo Evidence for managers: Seven ways to improve quality and safety in hospitals (5), com o grande objetivo de con-tribuir para a melhoria da gesto da qualidade, atravs da facilitao de um quadro de referncia e evidncia para a avaliao e melhoria contnua.

    Uma das reas inovadoras do projeto consistiu no es-tudo da relao ou impacte do envolvimento do doente e seus representantes na gesto da qualidade, tema que tem estado sob escrutnio e elevada ateno no quadro das polticas da segurana do doente, nomeadamente como meio de contribuir e promover a centralizao dos cuidados no doente. O estudo demonstrou que o en-volvimento dos doentes genericamente baixo no conjunto dos hospitais estudados, no tendo sido identificada relao entre nveis de envol-vimento dos doentes nas funes de gesto da qualidade e a implementao de estratgias de centralizao no doente.

    Cumpre, por ltimo, descrever mais um dos aspetos da investigao, nomeadamente o papel da gesto de topo na gesto da qualidade, ou seja, se ou no relevante para os resultados no doente o empenhamento efetivo do nvel mais elevado da gesto.

    De uma forma geral, os administradores executivos consideraram que os sistemas internos de gesto da qua-lidade so moderadamente influenciados pelas presses externas, em favor das polticas governamentais e da le-gislao, que obtiveram uma avaliao homognea no to-tal dos oito pases como fatores mais influentes, ao nvel dos sistemas internos de gesto da qualidade.

    Em simultneo, foi avaliada a relevncia da frequncia do tema qualidade na agenda dos conselhos de adminis-trao ou conselhos executivos e se esta frequncia se encontra associada com a implementao dos sistemas de gesto da qualidade.

    Os resultados do DUQuE demonstram que esta asso-ciao faz relevar o papel da agenda-setting na governa-o do hospital e no estabelecimento de prioridades, bem como a importncia simblica da discusso da qualidade ao mais alto nvel, da sua monitorizao, reviso e conse-quente tomada de deciso.

    A ttulo de concluso podemos afirmar, agora com evidncia cientfica, que a Administrao pode fazer toda a diferena assumindo a Gesto da Qualida-de de forma explcita e empenhada, constituin-do, alis, um elemento essencial implementa-o e sustentabilidade da melhoria da qualidade nos hospitais (6).

  • 9Bibliografia

    1. GROENE, Oliver, et al. Investigating organizational quality improvement systems, patient empowerment, organizational culture, professional invol-

    vement and the quality of care in European hospitals: the DUQuE project, BMC Health Services Research 2010, 10:281.

    2. Secanell, M.; Groene, O.; Onyebuchi, A. Arah, A.; Lopez, M.A.; Kutryba, B.; Pfaff, H.; Klazinga, N.; Wagner, C.; Kristensen, S.; Bartels, P.D.; Garel, P.;

    Bruneau, C.; Escoval, A.; Frana, M; Mora, N.; Sunol, R. ., em nome do The DUQuE Project Consortium* - Deepening our understanding of quality

    improvement in Europe (DUQuE): overview of a study of hospital quality managemet in seven countries. International Journal of Quality in Health

    Care. (2014) doi: 10.1093/intqhc/mzu019. *The DUQuE Project Consortium compreende () Escoval, A. e Lvio, A. (APDH, Portugal); Eiras M, Franca

    M e Leite I (SPQS, Portugal), entre outros.

    3. Wagner, C.; Groene, O.; Thompson, C. A.; Dersarkissian, M.; Klazinga, N.S.; Arah, O. A.; Suol, R.; The DUQuE Project* - DUQuE quality management

    measures : associations between quality management at hospital and pathway levels. International Journal of Quality in Health Care. (2014) doi:

    10.1093/intqhc/mzu020. *The DUQuE Project Consortium comprises () Escoval, A. (APDH, Portugal) e Frana, M. (SPQS, Portugal), entre outros.

    4. Wagner, C., Thompson, C.A., Arah, O. A., Groene, O., Klazinga, N. S., Dersarkissian, M., Suol, R., em nome do The DUQuE Project Consortium* - A

    checklist for patient safety rounds at the care pathway level. International Journal of Quality in Health Care. (2014) doi: 10.1093/intqhc/mzu019.

    *The DUQuE Project Consortium compreende () Escoval, A. e Lvio, A. (APDH, Portugal); Eiras M, Franca M e Leite I (SPQS, Portugal), entre outros.

    5. GROENE, O; Kringos, D ; Sunol, R em nome do The DUQuE Project. Seven ways to improve quality and safety in hospitals. An evidence based guide.

    DUQuE Collaboration, 2014, www.duque.eu.

    6. Botje, D.; Klazinga, N.S.; Suol, R.; Groene, O.; Pfaff, H.; Mannion, R.: et al. em nome do The DUQuE Project Consortium* - Is having quality as an item

    on the executive board agenda associated with the implementation of quality management systems in European hospitals : a quantitative analysis.

    International Journal of Quality in Health Care. (2014) doi: 10.1093/intqhc/mzu017. *The DUQuE Project Consortium compreende () Escoval A. e

    Lvio A. (APDH, Portugal) e Eiras, M., Franca, M. e Leite, I. (SPQS, Portugal), entre outros.

    O estudo DUQuE foi financiado ao abrigo do 7. Quadro Comunitrio de Apoio, encontrando-se as respetivas publicaes disponveis nos domnios:

    www.duque.eu e http://intqhc.oxfordjournals.org/content/26/suppl_1.toc.

    Centro Hospitalar de Entre Douro e Vouga, EPE

    Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE

    Centro Hospitalar de Trs-os-Montes e Alto Douro, EPE

    Centro Hospitalar do Alto Ave, EPE

    Centro Hospitalar do Mdio Tejo, EPE

    Centro Hospitalar do Porto, EPE

    Centro Hospitalar So Joo, EPE - Porto

    Hospital de Faro, EPE

    Hospital Reynaldo dos Santos, Vila Franca de Xira

    Centro Hospitalar Leiria-Pombal, EPE

    Centro Hospitalar Barreiro-Montijo, EPE

    Unidade Local de Sade do Baixo Alentejo, EPE

    Centro Hospitalar de Lisboa Norte, EPE

    Centro Hospitalar de Setbal, EPE

    Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, EPE

    Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio, EPE

    Centro Hospitalar do Tmega e Sousa, EPE

    Centro Hospitalar Lisboa Ocidental, EPE

    Centro Hospitalar Tondela-Viseu, EPE

    Centro Hospitalar Universitrio de Coimbra, EPE

    Hospital Distrital de Santarm, EPE

    Hospital do Esprito Santo de vora, EPE

    Hospital Garcia de Orta, EPE

    Centro Hospitalar do Baixo Vouga, EPE

    Hospital Professor Doutor Fernando da Fonseca, EPE

    Unidade Local de Sade da Guarda, EPE

    Unidade Local de Sade de Castelo Branco, EPE

    Unidade Local de Sade de Matosinhos, EPE

    Unidade Local de Sade do Alto Minho, EPE

    Centro Hospitalar de Torres Vedras.

    QUADRO 1 Hospitais participantes no projeto DUQuE.

  • 10

    A Sade Mental em Portugal est doente. O ce-nrio torna-se preocupante quando os nmeros revelam que grande parte da populao portu-guesa tem ou ter ao longo da vida uma pertur-bao psiquitrica. A resposta urge e os Departa-mentos de Psiquiatria e Sade Mental so a nco-ra de quem procura ajuda.

    Em Portugal a mudana na Sade Mental surgiu no in-cio da dcada de 80, ainda que interrompida e baseada em princpios pouco avanados. Atualmente, a viso mudou e so muitos os passos a seguir num caminho necessrio e fulcral para a melhoria dos servios de sade mental. Por-tugal est hoje na linha da frente para desenvolver novas polticas e servios no sector, com a conquista de prota-gonismo nas mais importantes iniciativas da Organizao Mundial de Sade e a recente conquista da liderana na Joint Action on Mental Health and Well-being da Unio Europeia para 2013-2015.

    A tendncia aponta para o aumento das doenas e per-turbaes mentais em todos os pases do mundo. Como tal, os custos diretos e indiretos associados s perturba-es psiquitricas ou mentais, decorrentes das despesas assistenciais e da diminuio da produtividade tm tam-bm um enorme impacto econmico nos oramentos p-blicos, podendo atingir cerca de 20 por cento de todos os custos da sade. Este facto ilustra de forma evidente a re-levncia que as polticas de sade mental tm no contexto das polticas gerais de sade.

    Torna-se, portanto, emergente agir na preveno, na in-terveno precoce, no tratamento integrado e na reabilitao psicossocial, de forma a libertar as amarras do preconceito.

    SERVIOS LOCAIS DE SADE MENTAL, QUE FUTURO?

    tErEsa cabral

    Chefe de Servio de Psiquiatria e Diretora do Departamento de Psiquiatria e Sade Mental do Centro Hospitalar do Tmega e Sousa, EPE

    Mrcia MEndEs

    Psicloga Clnica e Coordenadora da Unidade de Psicologia do Departamento de Sade Mental do Centro Hospitalar do Tmega e Sousa, EPE

    Joana valEs

    Gestora do Departamento de Psiquiatria e Sade Mental do Centro Hospitalar do Tmega e Sousa, EPE

    UM OLHAR SOBRE A HISTRIA RECENTE

    A psiquiatria teve que contar na sua histria com constrangimentos de ordem poltica, filosfica, social e quando comparada com outras disciplinas da medicina e da cincia, retardou o seu processo de desen-volvimento tambm ao nvel de condies favorveis ao exerccio da prestao de servios. O direito ao acesso e incluso na psiquiatria e sade mental no podem, atualmente, deixar de reunir consensos. A prtica clnica mudou de paradigmas, fruto do reconhecimento da noso-logia psiquitrica, da evoluo cientfica, do aparecimento de frmacos que permitem tratamento ambulatrio, do foco na reabilitao psicossocial. O acesso mais precoce ao tratamento, a atitude mais atenta ao contexto sociofamiliar do doente faria prever a capacidade de diminuir evolues desfavorveis no curso das doenas. A possibilidade de implementao de equipamentos fora do meio hospitalar gerou mudanas na organizao de servios com aban-dono progressivo da vocao asilar da psiquiatria. Se nos reportarmos reestruturao da Sade Mental em Portu-gal posterior ao decreto-lei 127/92 de 3 de julho ficam a nu dificuldades de implantao no terreno e medidas em permanente compasso de espera, como o caso da rede de cuidados continuados de psiquiatria. Deixou de existir no intramuros da psiquiatria o estatuto de proteo que a doena mental conferia, e faltam peas importantes no puzzle dos atuais equipamentos e servios.

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    REESTRUTURAO DE SERVIOS FINALIDADES, OBJETIVOS, ORGANIzAO, FINANCIAMENTO

    A histria mais recente da organizao de servios de psiquiatria a da sua integrao na rede geral de cuidados de sade. A linha de horizonte situa-se na preveno, tratamento e reabilitao. Esta rea conta com variveis, equipamentos e estruturas muitas delas exte-riores aos servios da sade. Em 1995, com a finalidade de estudo e reflexo sobre reorganizao de servios, foi no-meada pela Direo-Geral de Sade (DGS) uma Comisso Para o Estudo da Sade Mental. O documento da resul-tante continua a ser referncia e serviu de base ao Plano Nacional de Sade Mental 2007-2016 (PNSM). Os prin-cpios organizacionais definidos neste estudo so todos eles valiosos: sectorizao; diversificao de dispositivos; continuidade de cuidados; coordenao comum por uma mesma entidade; articulao dos servios especializados de sade mental com outros servios de sade; desenvol-vimento de atividades na comunidade; reestruturao da hospitalizao; garantia de qualidade; envolvimento de pacientes, familiares e outras entidades da comunidade; reabilitao. Foram estudados ratios de equipamentos e recursos necessrios reestruturao. Foi prevista a comparticipao governamental na reabilitao psicosso-cial, nas vertentes ocupacional, residencial e de formao profissional atravs da articulao das estruturas oficiais da Sade, Segurana Social e Emprego (despacho conjun-to 407/98). Um dos princpios organizacionais reconheci-do como fator potenciador de eficincia e melhor utiliza-o de recursos foi o da definio de responsabilidade de cuidados por sector geodemogrfico, sendo a dimenso recomendada de 200.000 a 300.000 habitantes. Os ser-vios definidos como de proximidade ou Servios Locais. Pretende-se a sua aplicabilidade a Departamentos de Psi-quiatria e Sade Mental de Hospitais Gerais j criados e a

    criar. A operacionalizao do modelo organizacional, defi-nido como modelo comunitrio, dissonante da realidade da estrutura hospitalar onde esta rea de servios passou a estar includa. O reconhecimento de que o internamento de doentes agudos deveria ocorrer preferencialmente em hospitais gerais, abriu portas ligao entre a psiquiatria e as restantes reas da medicina. Nos locais onde foi im-plementada, foi esta, seguramente, a grande mais-valia.

    O DEPARTAMENTO DE PSIQUIATRIA E SADE MEN-TAL DO CHTS CARACTERIzAO FUNCIONAL

    Sendo a realidade dos Servios Locais de Sade Mental (SLSM) muito diversa centremo-nos numa breve caraterizao do Departamento de Psiquiatria e Sade Mental (DPSM) do Centro Hospitalar do Tme-ga e Sousa (CHTS). O Centro Hospitalar foi constitudo em 2007 e integrou administrativamente dois hospitais Amarante e Penafiel onde, em ambos os casos, existiam j desde 1992 SLSM com estruturao funcional de diver-sas unidades funcionais previstas para os DPSM. Existiam duas unidades de internamento em hospital geral com lotao de 44 (16+28) camas, uma unidade de hospital de dia, dois plos de consulta externa programada com valncias que incluam a pedopsiquiatria, a interveno psicolgica, psicoterapias de grupo, trabalho em equipas multidisciplinares, atendimento no programado a doen-tes em tratamento no servio, referenciao e articulao com os Cuidados Primrios (CP), articulao com equipa-mentos comunitrios, visita domiciliria a doentes em tra-tamento com neurolticos de ao prolongada, psiquiatria forense, atividade de ligao com os demais servios hos-pitalares, apoio aos servios de urgncia dos respetivos hospitais. Aps a criao do Centro Hospitalar, a rea geo-demogrfica de referenciao do DPSM, atualmente idn-

    A histria mais recente da organizao de servios de psiquiatria a da sua integrao

    na rede geral de cuidados de sade. A linha de horizonte situa-se na preveno, tratamento

    e reabilitao. Esta rea conta com variveis, equipamentos e estruturas muitas delas exteriores

    aos servios da sade.

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    tica s dos demais servios hospitalares do CHTS, passou a incluir uma populao de cerca de 520.000 habitantes, abrangida por CP dos concelhos de Amarante, Baio, Mar-co de Canavezes, Felgueiras, Celorico de Basto, Cinfes, Resende, Penafiel, Paredes, Paos de Ferreira, Lousada e Castelo de Paiva. Na reorganizao funcional do DPSM foram preservadas equipas e unidades funcionais previa-mente existentes, sobretudo ao nvel de cuidados ambu-latrios e articulao com estruturas comunitrias.

    A desproporcionalidade de recursos impossibilitou a constituio de equipas comunitrias, conforme o defini-do no PNSM. Contudo, no impediu o funcionamento de equipas multiprofissionais e trabalho de articulao co-munitria transversais a toda a atividade. Os modelos de gesto e financiamento aplicados falham em instrumentos que descriminem especificidades da Sade Mental, particularmente nas atividades de ambulatrio. A Consultoria em CP, por mais impacto que possa ter na acessibilidade, no tem previsto qualquer retorno financeiro para a instituio que preste este servi-o. O Internamento Parcial no tem forma de financiamen-to que o diferencie de sesses de hospital de dia por doen-te. So equipamentos difceis de criar, exigindo espaos e equipas prprias. No nosso caso, a candidatura a fundos visando projetos inovadores em sade mental foi a alter-nativa encontrada para abrir uma nova Unidade. Ao nvel da Gesto Hospitalar a psiquiatria est organizada em De-partamento, do qual fazem parte o Servio de Psiquiatria e as Unidades de Pedopsiquiatria e de Psicologia.

    A dimenso do DPSM posterior criao do Centro Hospitalar gerou aumento de capacidade formativa para Internos de MGF e estagirios de Psicologia. Permitiu tam-bm reunir condies de idoneidade formativa para Inter-nato Complementar de Psiquiatria e celebrar protocolos com Faculdades de Medicina para estgios acadmicos. O DPSM do CHTS tem estrutura fsica prpria manten-do atualmente dois plos funcionais em Amarante e em Penafiel, com internamento de agudos, internamento parcial, rea de dia e consulta externa. Desde 2010, por razes organizativas de mbito regional, os psiquiatras do servio passaram a integrar as equipas da Urgncia Psiquitrica Metropolitana do Porto. Foi tambm exigida maior responsabilizao por todos os doentes da rea in-ternados pela urgncia. Em detrimento da psiquiatria de ambulatrio, verificou-se um redirecionamento de recur-sos para fazer face a crescentes dificuldades com a gesto de servios de internamento e urgncia. Em 2014, aps ampliao das instalaes em Penafiel, foi possvel criar um servio de internamento nico [44 camas] e uma equi-pa dedicada ao internamento, libertando alguns recursos para o ambulatrio. A disperso geogrfica, a dimenso da populao a assistir e a proporcionalidade de recursos, no so facilitadores da constituio e deslocao fsica

    de equipas aos CP. A utilizao desse modelo no presente seria incompatvel com a manuteno das respostas exis-tentes na estrutura hospitalar. Uma maior interao com os CP tem-se revelado necessria e propomo-nos ampliar a atividade formativa e de consultoria em ACES.

    ABORDAGEM MULTIDISCIPLINAR EM HOSPITAL GERAL

    Hospital deriva do latim hospes, que significa hspede. Deu origem a hospitalise hospitium, que significavam o lugar onde se hospedavam na antigui-dade, alm de enfermos, viajantes e peregrinos. O hospital no deveria assim perder sua misso de ser hospitaleiro e hospedar pessoas doentes que necessitem de ajuda.

    A atividade de ligao responde a pedidos de colabo-rao de outros servios, sendo os psiquiatras chamados com frequncia aos diferentes internamentos mdicos e cirrgicos. Os pedidos internos para consulta so sobretu-do de reas mdicas. A Unidade de Psicologia do Departa-mento uma valncia que para l do papel complementar em meios de diagnstico tem um papel importante nas situaes psiquitricas de maior complexidade cujo trata-mento exige sinergismo de interveno.

    A Unidade de Psicologia atua nos distintos quadros de patologia mental e abrange todas as faixas etrias, ao longo do ciclo de vida. Na promoo da sade e preveno da doena mental, direciona interveno para mecanis-mos de copping com o diagnstico de doenas (ex.:cancro da mama, ostomizado, consulta da dor e cuidados palia-tivos). Promove a adeso ao tratamento e adoo de comportamentos protetores e promotores de resilincia

    A Unidade de Psicologia atua nos distintos quadrosde patologia mental e abrange todas as faixas etrias, ao longo do ciclo de vida. Na promoo da sade e preveno da doena mental, direciona interveno para mecanismos de copping com o diagnstico de doenas (ex.:cancro da mama, ostomizado, consulta da dor e cuidados paliativos).

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    (ex: obesidade, diabetes). A interveno de psiclogos em contexto hospitalar, alm de contribuir para a melhoria do bem-estar psicolgico e da qualidade de vida dos doentes, visa reduzir a necessidade de internamento hospitalar e diminuir o recurso prescrio (ex: utilizao de tcnicas de relaxamento em quadros de ansiedade, abordagens psicoteraputicas).

    Os profissionais da Unidade de Psicologia, pela integra-o das equipas nas diferentes valncias, por faixa etria e diferentes patologias foram desenvolvendo tambm um perfil de interveno em determinados quadros clnicos. A atuao do psiclogo por vezes circunscrita ao mo-mento da hospitalizao. Noutros casos, realizada in-terveno programada em ambulatrio em reas clnicas especficas, designadamente nas perturbaes do espe-tro de autismo, luto patolgico, perturbaes alimentares e diabetes, apoio maternidade e ps-parto, consulta de senologia. Com a situao econmico-social atual, aumen-tou tambm a necessidade de Interveno na Crise, com objetivo de atenuar o impacto e a gravidade dos quadros psico-patolgicos.

    No mbito da preveno da doena, prestado apoio famlia e/ou cuidadores, com o objetivo de ajudar na com-preenso da doena, potenciar a qualidade dos cuidados prestados e promover estratgias para atenuar a sobre-carga, sensibilizando para a importncia do autocuidado. A incluso dos familiares em todo o processo de interven-o fulcral, na medida em que estes fornecem informa-es e vises sobre o paciente e todo o meio em que este se encontra inserido.

    A representao mental que o paciente tem de si pr-prio, dos que o rodeiam e do mundo em geral, exige uma compreenso holstica, tendo o psiclogo um papel ativo no processo que permite ao doente integrar na sua vida mental life events de difcil aceitao. Neste sentido, a psi-cologia traz um novo aporte abordagem multidisciplinar em doentes em ambiente hospitalar.

    As especialidades mdicas lidam com o sofrimento do corpo fsico, focam-se em sintomas, visando o estabeleci-

    mento de um diagnstico e o tratamento clnico-medica-mentoso. neste sentido que a abordagem multidiscipli-nar possui o seu cerne, no processo de inter-relaes que produzido pelos profissionais que compem o DPSM, com vista humanizao da abordagem hospitalar.

    SERVIOS LOCAIS DE SADE MENTAL, QUE FU-TURO?

    Os problemas no Internamento e na Urgncia so o alerta vermelho do sistema. O processo de in-cluso da psiquiatria na rede geral de cuidados de sade trouxe um ganho substancial para a segurana e qualida-de de cuidados mdicos prestados em internamento hos-pitalar. As camas para doentes agudos de psiquiatria em hospitais gerais destinam-se a internamentos de curta durao para intervir em situaes de crise e/ou altera-es de comportamento incompatveis com o tratamento ambulatrio. Estas camas esto muitas vezes ocupadas por doentes dependentes, que necessitam de monitoriza-o de teraputicas e apoio em atividades de vida diria, e para os quais falta rede de suporte. A preparao de altas e o plano de tratamento ambulatrio frequentemente ineficaz mesmo que a consulta ps-alta esteja programa-da a curto prazo.

    Foi criado um perigoso vazio com a reduo de camas hospitalares de psiquiatria sem estarem salvaguardadas as solues alternativas para doentes a quem efetiva-mente falta suporte social, ocupacional e estruturas re-sidenciais adequadas ao grau de dependncia. A questo da articulao entre os vrios nveis de cuidados tem na sade mental atual uma linha de fratura. Os dados do qua-dro anexo reportam-se aos equipamentos que existem no presente comparativamente ao que est definido como desejvel para a rea de referenciao do DPSM do CHTS. Os nmeros falam por si e dispensam muito do que possa ser dito sobre o que vai mal na sade mental.

    Os problemas no Internamento e na Urgncia so o alerta vermelho do sistema. O processo de incluso da psiquiatria na rede geral de cuidados de sade trouxe

    um ganho substancial para a segurana e qualidade de cuidados mdicos prestados em internamento hospitalar.

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    Bibliografia

    Jara, Jos Manuel, Causas da Psiquiatria, Questes de Sade Mental, Editorial Caminho, maio de 2006. Direo-Geral de Sade, Conferncia sobre Sade Mental, Sade Mental Proposta para a Mudana, 1995.Direo-Geral de Sade, Portugal Sade Mental em Nmeros 2013, setembro 2013.Clnica de Psiquiatria e Sade Mental do Centro Hospitalar de So Joo, Sade Mental Modo de Usar, Cinquenta anos, outubro de 2013.

    A presente articulao entre os vrios nveis de cuida-dos tem na sade mental um parente pobre. conhecida a prevalncia das perturbaes mentais e os custos da in-capacidade/dependncia a que estas doenas conduzem com frequncia. Tambm sabemos que o trabalho em sade mental tem que contar obrigatoriamente com va-riveis, equipamentos e estruturas muitas delas exterio-res aos servios de sade. A esta complexidade teremos

    que acrescentar o impacto da crise econmica na sade mental. Pensar o futuro deveria passar obrigatoriamente por planear a interveno e investimento em reas identi-ficadas como crticas ao nvel local. Os Servios Locais de Sade Mental no esto dotados de poder de deciso nem de autonomia financeira. Nesta rea, as solues passam necessariamente pelo decisor poltico e pelo paradigma da gesto e financiamento em Sade Mental.

    A esta complexidade teremos que acrescentar o impacto da crise econmica na sade mental.

    Pensar o futuro deveria passar obrigatoriamente por planear a interveno e investimento

    em reas identificadas como crticas ao nvel local.

    Populao rea de Influncia do CHTS 527.869

    Departamento de Psiquiatria e Sade MentalCHTS

    Desejvel Existente

    Camas Agudos [1/10.000 hab.]

    Camas Residentes Vida Apoiada/Apoio Mximo [2/10.000hab]

    Camas Residentes Vida Protegida/Apoio Moderado [0,5/10.000 hab.]

    Camas Residentes Vida Autnoma/Treino de autonomia [0,5/10.000 hab.]

    Lugares Hospital de Dia [1/10.000 hab.]

    Lugares Unidades Scio-Ocupacionais [3/10.000 hab.]

    53

    106

    27

    27

    53

    159

    44

    28(23 SCMA + 5 CSSJ/Barc.)*

    0

    0

    22

    0

    *SCMA Santa Casa Misericrdia AmaranteCSSJ/BARC. Casa de Sade de S. Jos Barcelos (Ordem de So Joo de Deus)

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    A REGULAO DAS RELAES ECONMICAS DA SADE NA EUROPA

    csar carnEiro

    Diretor do Departamento de Estudos e Regulao Econmica da Entidade Reguladora da Sade,Membro da Direo da European Partnership for Supervisory Organizations in Health Services and Social Care,Doutorado em Economia

    ENQUADRAMENTO

    A regulao, enquanto forma de interveno pblica nas atividades econmicas atravs da imposio de regras que visam modificar o comportamento econ-mico de indivduos e empresas, est hoje presente num grande nmero de sectores de atividade.

    De um ponto de vista concetual, comum falar-se em regulao como compreendendo dois tipos de regulao: a regulao econmica e a regulao social. Esta distino no , no entanto, fcil de fazer, e por esse motivo no con-sensual (disso se faz em eco, por exemplo, em Viscusi et al., 2005, Crew e Parker, 2006 ou Taylor e Weerapana, 2011).

    Tendo surgido nos Estados Unidos da Amrica sen-sivelmente no final do sc. XIX, a regulao econmica concentrou-se inicialmente nos caminhos de ferro e nas public utilities, tais como a eletricidade e as telecomuni-caes. Nos anos 70 do sc. XX iniciou-se uma tendncia de desregulao destes sectores, e paralelamente, a mu-dana do foco da regulao para reas como a sade, a segurana dos consumidores e o ambiente (Viscusi et al., 2005). E nesta nova vaga de regulao, a interveno p-blica ocorre sobretudo ao nvel da imposio de standar-ds de segurana e qualidade dos produtos e servios dos sectores em causa, e de normas de conduta das empresas, como forma de corrigir falhas nos mercados e proteger os direitos dos consumidores.

    Esta forma de regulao, que muitas vezes designa-da por regulao social, no , no entanto, facilmente se-parvel do conceito clssico de regulao econmica. Com efeito, e como sintetizam Viscusi et al. (2005), a essncia

    da regulao econmica a limitao do comportamento das empresas ao nvel da determinao das variveis de mercado (e aqui se inclui no s o preo e a quantidade, mas tambm a qualidade) e da entrada e da sada dos mercados (o que abarca a imposio de standards mnimos de qualidade e segurana a cumprir pelas empresas que pretendam aceder aos mercados).

    No sendo, de todo, esta indefinio terminolgica o tema de interesse deste texto, no entanto importante clarificar-se desde j os termos aqui utilizados. Assim, este texto trata da interveno das organizaes reguladoras do sector da sade em pases da Europa, ao nvel de um conjunto particular de temas que se podem classificar tan-to de regulao econmica como de regulao social, mas que pelos motivos expostos se designa aqui alternativa-mente por regulao das relaes econmicas da sade.

    Assim, este texto trata da interveno das organizaes reguladoras do sector da sade em pases da Europa, ao nvel de um conjunto particular de temas que se podem classificar tanto de regulao econmica como de regulao social, mas que pelos motivos expostos se designa aqui alternativamente por regulao das relaes econmicas da sade.

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    REGULAO DA SADE NA EUROPA

    A regulao da sade surgiu associada ao reconhe-cimento de que este sector tem especificidades que o distinguem de outros mercados de bens e servios, tanto ao nvel do comportamento dos seus agentes como das relaes econmicas que entre eles se estabelecem. Partindo do trabalho pioneiro de Kenneth Arrow, em 1963, vrios autores vieram descrever falhas nos merca-dos da sade, tais como a assimetria de informao entre prestadores e utentes, o contexto de incerteza em que ocorre a prestao de cuidados de sade, ou as decises de consumo baseadas numa relao de agncia entre profissional de sade e utente, que implicam que o livre funcionamento dos mecanismos de mercado nem sempre garanta resultados satisfatrios.

    A regulao da sade visa, assim, compensar essas fa-lhas atravs do condicionamento da conduta dos agentes econmicos e de mecanismos de defesa dos direitos dos consumidores.

    Atualmente, esta forma de interveno pblica na sa-de est muito presente na Europa, embora com modelos organizativos dspares, tanto ao nvel do mbito da ativi-dade de regulao, como dos mecanismos de regulao e dos poderes exercidos.

    Com efeito, em alguns pases o regulador da sade tambm atua sobre o sector do servio social, enquanto que em outros existe uma separao na regulao destas duas reas. E mesmo no mbito exclusivo da sade, encon-tramos organizaes com jurisdies de diferente ampli-tude, havendo reguladores dedicados apenas prestao de cuidados de sade, e outros que regulam tambm os medicamentos e dispositivos mdicos (p.e., a Dinamarca). semelhana de Portugal, a conduta tica e deontolgica dos profissionais de sade, e o correspondente poder dis-ciplinar, est sob a alada de associaes profissionais de autorregulao na maioria dos pases, embora havendo casos em que a regulao profissional e a do sistema esto juntas na mesma organizao (p.e., na Sucia).

    Outra importante linha de distino entre os regula-dores europeus reside no grau de independncia face ao Governo, encontrando-se em claro equilbrio o grupo de pases onde o regulador uma entidade pblica indepen-dente (no qual se inserem, por exemplo, Portugal, Frana e Reino Unido) e o dos pases onde o regulador est inte-grado no Governo (casos da Dinamarca, Sucia e Holanda).

    De um modo geral, o mbito da atuao das institui-es com funes de regulao do sector da sade nos pases europeus compreende, com maior frequncia, a segurana e a qualidade dos cuidados de sade, a equida-de no acesso aos cuidados de sade pelas populaes e a eficincia na organizao e gesto dos sistemas de sa-de. Embora com menos frequncia, vemos reguladores

    dedicarem-se a questes ligadas s relaes econmicas entre os agentes do sistema de sade, tais como os preos dos servios, a transparncia e a legalidade nas relaes de consumo de cuidados de sade, e a concorrncia nos mercados da sade.

    Este segundo conjunto de questes inserem-se no que se descreveu na primeira seco deste texto como regula-o das relaes econmicas.

    Da experincia de 10 anos da Entidade Reguladora da Sade (ERS) na regulao e superviso do sistema de sa-de portugus, resulta uma delimitao de tais questes em trs grandes blocos: i) os mercados da prestao de cuida-dos de sade, abarcando desafios regulatrios relacionados com a determinao das variveis de mercado (mormente, preos e quantidades) e com a interao concorrencial en-tre prestadores, ii) as relaes contratuais, quer entre uten-tes e prestadores (relaes de consumo), quer entre tercei-ros pagadores e prestadores, e por ltimo iii) a eficincia na alocao e utilizao de recursos, o que implica analisar os custos e os resultados dos servios de sade.

    Tendo, assim, como referencial esta delimitao de regulao das relaes econmicas da sade, uma cons-tatao interessante que se retira da anlise comparada das organizaes com responsabilidades de regulao e superviso do sector da sade nos diferentes pases eu-ropeus que esta se trata de uma rea em que a atuao regulatria apresenta maior heterogeneidade.

    As realidades concretas vo desde o completo distan-ciamento dos reguladores relativamente a estas matrias (casos da Sucia e da Repblica da Irlanda), at ao outro extremo, onde podemos encontrar a portuguesa ERS, que tem um alargado leque de competncias cobrindo, ainda que no completamente, os trs blocos de temas descritos.

    Imagina-se que a razo de tal heterogeneidade resida, desde logo, no facto de as relaes econmicas que se es-tabelecem no sector da sade serem de natureza marca-

    De um modo geral, o mbito da atuao das instituies com funes de regulao do sector da sade nos pases europeus compreende, com maior frequncia, a segurana e a qualidade dos cuidados de sade, a equidade no acesso aos cuidados de sade pelas populaes e a eficincia na organizao e gesto dos sistemas de sade.

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    Mas para alm da distino primria entre sistemas de sade de base universal, com financiamento via impostos gerais,

    e sistemas assentes em esquemas de seguro social, possvel aventar uma multiplicidade de caractersticas

    em que os sistemas de sade se podem distinguir, e que ditem uma maior ou menor proeminncia dos desafios regulatrios de dimenso econmica, sendo exemplos o grau de abertura

    dos mercados da sade concorrncia, ou, dentro do subconjunto de pases com servio nacional de sade, o percurso de transio

    de modelos de prestao integrada para prestao contratada.

    damente diferente de uns pases para os outros, e que tal facto depender crucialmente dos modelos de organiza-o do financiamento e da prestao dos servios.

    Mas para alm da distino primria entre sistemas de sade de base universal, com financiamento via impostos gerais, e sistemas assentes em esquemas de seguro so-cial, possvel aventar uma multiplicidade de caracters-ticas em que os sistemas de sade se podem distinguir, e que ditem uma maior ou menor proeminncia dos de-safios regulatrios de dimenso econmica, sendo exem-plos o grau de abertura dos mercados da sade concor-rncia, ou, dentro do subconjunto de pases com servio nacional de sade, o percurso de transio de modelos de prestao integrada para prestao contratada.

    Acrescem ainda, com certeza com um grau de impor-tncia no negligencivel, fatores no exclusivos do sec-tor da sade, tais como a cultura de regulao econmica no pas, o grau de abertura da economia ao estrangeiro ou mesmo a conjuntura econmica e o nvel de desenvolvi-mento econmico no longo prazo.

    ESTUDO JUNTO DOS MEMBROS DA EPSO

    Neste contexto, e tendo presente que a interveno que a ERS tem nestas matrias contrasta com mui-tos dos reguladores europeus da sade, procurou-se avan-ar para alm da intuio e perceber a origem das diferen-as dos reguladores nesta rea particular da regulao.

    Assim, a ERS conduziu um estudo por inqurito junto dos seus parceiros da European Partnership for Super-visory Organizations in Health Services and Social Care (EPSO). Criada em 1996 pelas entidades responsveis pela inspeo dos cuidados de sade na Holanda e na No-ruega, a EPSO a mais importante plataforma que junta organizaes governamentais e no governamentais com responsabilidades de regulao e de superviso sobre os

    sectores da sade e do servio social em pases europeus. Presentemente esto representados 18 pases nesta pla-taforma, constituindo um grupo onde a j referida hetero-geneidade a vrios nveis est bastante patente.

    Assim, o survey realizado visou traar um retrato do pa-pel que os reguladores assumem na regulao e superviso dos mercados e da conduta dos agentes nas relaes eco-nmicas que entre si se estabelecem, procurando perceber--se em que aspetos existe maior e menor homogeneidade.

    O levantamento da informao foi realizado com base num questionrio constitudo por trs partes, cobrindo: i) a misso e as responsabilidades concretas que os regu-ladores tm relativamente aos assuntos econmicos dos servios de sade, ii) os problemas com raiz econmica que mais merecem a ateno dos reguladores e iii) os po-deres e as abordagens adotadas pelos reguladores no tra-tamento destes problemas.

    O questionrio foi respondido pelos responsveis de 10 membros da EPSO entre janeiro e maro de 2014, con-cretamente organizaes responsveis pela regulao do sector de sade na Estnia, Noruega, Repblica da Irlan-da, Holanda, Sucia, Litunia, Dinamarca, Portugal, Ingla-terra e Finlndia.

    Na primeira parte, sobre as misses e responsabilida-des, os entrevistados tinham de indicar as incumbncias estatutrias da sua organizao a partir de uma lista de 15 sugeridas, havendo aqui (como em todas as outras partes do questionrio), a possibilidade dos respondentes acres-centarem outras alternativas.

    Quanto aos resultados desta parte do questionrio, merecem destaque a constatao de que na generalidade dos pases participantes no estudo, a definio das princi-pais variveis de mercado (preos e quantidades) compe-te diretamente ao Governo, no caso dos cuidados de sade publicamente financiados, e resulta dos mecanismos de mercado, no caso dos cuidados financiados a ttulo pri-vado. A rea em que os reguladores tm um papel mais frequente a da proteo dos consumidores, em matrias

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    tais como a informao aos consumidores ou as prticas de faturao dos servios.

    No que toca concorrncia nos mercados da sade, o cenrio mais comum o de a atuao dos reguladores sec-toriais consistir no estudo e avaliao dos mercados, mas o exerccio dos poderes inspetivos e sancionatrios estar concentrado numa autoridade de poltica da concorrncia transversal a toda a economia.

    Tambm a avaliao de tecnologias da sade uma matria que, na generalidade dos pases, assegurada por instituies dedicadas tarefa.

    Na segunda parte, pedia-se aos entrevistados que classificassem, numa escala de um a cinco, nove possveis problemas patentes em cenrios descritos, de acordo com o grau de preocupao que levantam para a sociedade e para as autoridades. Os resultados apontam no sentido de os problemas de conduta dos prestadores de cuidados de sade ao nvel da faturao dos servios (p.e., faturao acima do valor previamente acordado ou anunciado) no serem uma causa de particular preocupao por parte da maioria dos pases. No entanto, no deixa de ser curioso que no outro extremo da escala encontram-se preocupa-es com a opacidade ou a falta de informao prestada aos consumidores ao nvel dessa mesma faturao.

    Todos os cenrios de problemas relacionados com os mecanismos de mercado e a conduta concorrencial dos operadores foram classificados com pontuaes sensivel-mente a meio da escala.

    Finalmente, na ltima parte do questionrio, os entre-vistados tinham que indicar os poderes e as abordagens que as suas organizaes adotam para cumprir as respon-sabilidades referidas na primeira parte do questionrio.

    E, neste particular, o que se pode concluir que as or-ganizaes que tm responsabilidades estatutrias de

    regulao das relaes econmicas do sector da sade possuem um conjunto alargado de poderes, embora a ca-pacidade de autonomamente conduzir investigaes ad-ministrativas e criminais seja um poder menos frequente.

    Num segundo momento de anlise da informao re-colhida no survey junto dos membros da EPSO, e no obs-tante as limitaes impostas pela escassa amostra, pro-cedeu-se a uma anlise exploratria de eventuais deter-minantes das constataes mais importantes do estudo. Para o efeito, foram consideradas diversas caractersticas dos sistemas de sade e indicadores macroeconmicos dos pases.

    De tal anlise exploratria merece destaque o cruza-mento entre o grau de preocupao reportado pelos regu-ladores com as relaes econmicas no sector da sade, e a percentagem de despesa em sade financiada por paga-mentos diretos (out-of-pocket) no seu pas.

    E tal anlise resultou numa interessante constatao. Tomando os 10 pases que participaram no survey, os dados no revelam associao entre os dois indicadores, sendo o correspondente coeficiente de correlao apenas 0,10. Todavia, num subgrupo desta j pequena amostra, em que apenas se consideram os pases com sistemas de sade de tipo beveridgiano, o coeficiente de correlao entre estas duas variveis de 0,89, sendo positivo o sentido da correlao, i.e., a preocupao dos reguladores com as relaes econmicas na sade maior nos pases onde indivduos e famlias tem uma participao direta nas despesas em sade tambm maior.

    A excluso dos pases com sistemas de sade assentes em financiamento por seguros sociais revela-se determi-nante, por estes pases apresentarem realidades bastante distintas da relao constatada em todos os outros: o caso da Holanda, pas com o mais alto score de preocupa-o mas a mais baixa percentagem de pagamentos out-of-pocket, na amostra; e o da Litunia, com a segunda mais alta percentagem de out-of-pocket e um score de preocupao abaixo da mdia. Por outro lado, a excluso destes pases permite efetuar uma anlise sobre um con-junto mais homogneo de sistemas de sade, e no qual se inclui Portugal.

    Em face da dimenso da amostra em anlise, a interpre-tao de tal observao nunca poder ser demasiado afir-mativa. No entanto, parece haver evidncia que sustenta o argumento de que a importncia dos reguladores para o sistema de sade cresce medida que a responsabilidade pelo financiamento dos cuidados de sade deslocada da esfera pblica para a esfera privada, e sobretudo quando nesta ltima as famlias assumem diretamente um papel crescente. E acresce que esta constatao se verifica ape-nas em pases onde, pela natureza do sistema de sade, se espera um elevado nvel de responsabilidade pblica no financiamento e na prestao de cuidados de sade.

    No que toca concorrncia nos mercados da sade, o cenrio mais comum o de a atuao dos reguladores sectoriais consistir no estudo e avaliao dos mercados, mas o exerccio dos poderes inspetivos e sancionatrios estar concentrado numa autoridade de poltica da concorrncia transversal a toda a economia.

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    No entanto, parece haver evidncia que sustenta o argumento de que a importncia dos reguladores para o sistema de sade

    cresce medida que a responsabilidade pelo financiamento dos cuidados de sade deslocado da esfera pblica

    para a esfera privada, e sobretudo quando nesta ltima as famlias assumem diretamente um papel crescente.

    acesso aos cuidados de sade parece resultar da reduo da responsabilidade pblica com os encargos financeiros dos cuidados de sade, fazendo crescer o encargo finan-ceiro com a sade que recai sobre as famlias portugue-sas, o qual era j excessivo para um sistema de sade geneticamente comprometido com a cobertura universal dos seus cidados.

    As opinies expressas neste texto so da exclusiva responsabili-dade do autor, no comprometendo as instituies a que pertence.

    Bibliografia

    Arrow, K.J., (1963), Uncertainty and the Welfare Economics of Medical Care, The American Economic Review, Vol. 53 (5): 941973.

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    Simes, J., Carneiro, C. (2013), A Crise e a Sade em Portugal, em A Austeridade Cura? A Austeridade Mata?, Instituto de Direito Econmico Financeiro

    e Fiscal, Lisboa.

    Taylor, J., Weerapana, A., (2011), Principles of Microeconomics, Cengage Learning.

    Viscusi, W.K., Harrington, J.E., Vernon, J.M., (2005), Economics of Regulation and Antitrust, MIT press.

    Nota: a reta apresentada resulta de uma regresso linear excluindo os pontos a vermelho, os quais dizem respeito a sistemas de sade com financiamento assente em seguros sociais.

    NOTA FINAL

    A questo do peso dos pagamentos diretos na des-pesa em sade em Portugal merece aqui uma ltima reflexo. Numa recente publicao sobre a crise e a sade em Portugal, Simes e Carneiro (2013) conclu-ram, com base na evoluo de indicadores agregados do desempenho do sistema de sade, que se verdade que o estado de sade das populaes e o acesso aos cuida-dos de sade no se tenham alterado significativamente desde 2009, por outro lado o equilbrio entre as medidas de austeridade e a manuteno do estado de sade e do

    FIGURA 1: Percentagem de despesa em sade financiada por pagamentos diretos e grau de preocupao dos reguladores com as relaes econmicas no sector da sade.

    Fonte: Dados recolhidos no survey junto dos membros da EPSO e da base OECD Health Data.

    10,0% 15,0% 20,0% 25,0%

    4,5

    4,0

    3,5

    3,0

    2,5

    2,0

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    1,0

    5,0% 30,0%

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    e de

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    Percentagem de despesa out-of-pocket (2012 ou mais recente)

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    Jorge Simes o Presidente da Entidade Reguladora da Sade

    (ERS) e o rosto que marca uma nova era desta Entidade.

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    ENTREVISTA A JORGE SIMES

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    JORGE MANUEL TRIGO DE ALMEIDA SIMES Nomeado a 30 de setembro de 2010, o Presidente da Entidade Reguladora da Sade (ERS) e o rosto que marca uma nova era desta Entidade. Doutorado em Cincias da Sade, Professor Catedrtico convidado, com agregao, na Universidade de Aveiro e no Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa.Durante os dois mandatos do Presidente da Repblica Jorge Sampaio, entre 1996 e 2006, exerceu as funes de seu Consultor para os Assuntos da Sade.Foi administrador hospitalar e da sua atividade profissional destaca-se, tambm, a sua funo de coordenador, em 2008,

    da Equipa de Anlise Estratgica sobre o processo de criao e desenvolvimento das parcerias pblico-privadas nos hospitais. Jorge Simes presidiu, ainda, em 2007, Comisso para a Sustentabilidade do Financiamento do SNS.J publicou cinco livros, coordenou a edio de seis outros, publi-cou vinte captulos em livros e dezenas de artigos em revistas. No passado ms de agosto, foram publicados em Dirio da Repblica os novos estatutos da ERS, com reforo das competncias desta Entidade, com uma dcada de existncia, nomeadamente em matria de tratamento de reclamaes dos utentes dos servios de sade e de licenciamento dos estabelecimentos prestadores de cuidados de sade.

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    Estou a falar do modelo e do processo de financiamento que podem incentivar a prtica de atos, ou a sua omisso,

    que no preservem as necessidades dos doentes, num ambiente de procura absoluta da eficincia. Ora, a busca da eficincia

    tem que ser acompanhada e temperada por idnticas preocupaes com a equidade e com a qualidade dos cuidados.

    GESTO HOSPITALAR: Em setembro de 2010, aquan-do da tomada de posse como Presidente da ERS, referiu que defenderia um sistema de sade por-tugus menos discriminatrio, mais justo e equi-tativo. Desde ento, at aos dias de hoje, vrias foram as reestruturaes dos servios de sade e as exigncias nacionais tornaram-se cada vez maiores. Sente que o seu mandato um constan-te desafio dentro de um contexto de constante transformao do SNS? Em que sentido?JORGE SIMES: O sistema de sade portugus, e no ape-nas o Servio Nacional de Sade, est de facto a atravessar uma fase de transformao, que uma resposta s fortes presses de natureza demogrfica, econmica e social.Somos hoje um Pas mais envelhecido, com uma baixs-sima taxa de natalidade, sofremos, crescentemente, de doenas crnicas e o sistema de sade tem que se adaptar a esta realidade. O SNS, pelo seu lado, tem um longo caminho de trans-formaes por fazer: ouvir mais os seus utilizadores e organizar-se de acordo com as suas preferncias; basear--se nos cuidados de sade primrios e nos cuidados con-tinuados, ou seja prevenir a doena, promover a sade, disponibilizar os meios para se evitar a hospitalizao e adaptar-se s necessidades de sade e de apoio social de uma populao mais dependente; dispor de um conjunto articulado de unidades de proximidade, com consultado-ria dos profissionais de centros diferenciados, utilizando de forma mais eficiente as tecnologias de informao e comunicao; concentrar a oferta hospitalar em unidades de elevada qualidade e diferenciao.Ora, se as mudanas so necessrias, as diversas exign-cias que se colocam ao sistema de sade, como um todo, acarretam, por vezes, riscos que podem afetar, direta ou indiretamente, os direitos dos utentes. E a probabilidade de concretizao desses riscos proporcional velocidade e intensidade da mudana.Existem mudanas no SNS que exigem uma especial ateno para que os direitos dos doentes fiquem salva-guardados, em especial o acesso e a resposta em tempo

    oportuno, bem como o nvel da qualidade dos cuidados que, em tempo de crise, pode ser posto em causa. A tudo isto se exige uma especial ateno. Ateno, tambm, s parcerias pblico-privadas, porque representam uma nova combinao entre estes dois sectores que necessita de um conhecimento profundo e uma anlise permanen-te. Depois, ao sector privado, que hoje tem uma capacida-de de resposta muito superior que tinha no passado. E, finalmente, ao sector social, que est h muito tempo no sistema de sade, embora com papis diferentes ao longo da sua histria.Ou seja, por diversas razes, as mutaes no sistema de sade exigem um acompanhamento constante, de forma a que princpios fundamentais constitucionais e legais sejam salvaguardados.

    GH: Ainda no incio do seu mandato advertiu para o risco de se estarem a discriminar doentes nos hospitais pblicos em funo dos critrios finan-ceiros. Atualmente qual o seu ponto de vista so-bre esta realidade? JS: Desde o incio do processo de empresarializao dos hospitais pblicos, em 1998, que esta uma preocupao e devemos ter presente que a utilizao de mecanismos de tipo mercado em ambiente pblico pode gerar situa-es adversas. Estou a falar do modelo e do processo de financiamento que podem incentivar a prtica de atos, ou a sua omisso, que no preservem as necessidades dos doentes, num ambiente de procura absoluta da eficin-cia. Ora, a busca da eficincia tem que ser acompanhada e temperada por idnticas preocupaes com a equidade e com a qualidade dos cuidados.A ERS, como entidade que exerce superviso sobre a con-duta dos prestadores, tem sempre que ter bem presente todos os riscos de condutas desviantes e lesivas dos di-reitos dos utentes. A capacidade de antever reas de ris-co um requisito fundamental para evitar os fenmenos adversos.

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    GH: Sabemos que sempre defendeu a autossus-tentabilidade da ADSE. A partir de junho passa-do os funcionrios pblicos e aposentados viram a sua contribuio ser aumentada. Como v esta alterao ao diploma que aumenta de 2,5% para 3,5% no quadro do sacrifcio que tem sido exigi-do a estes dois grupos?Entende que a ADSE pode ser um sistema autos-sustentvel?JS: Se pode ser ou no, vai depender dos decisores polti-cos, dos gestores da ADSE, dos prestadores convenciona-dos com o subsistema e, muito importante, dos prprios beneficirios. Numa perspetiva simplista, podemos pen-sar que bastaria aumentar a contribuio dos benefici-rios. Mas se estes decidirem abandonar a ADSE devido a esse aumento, naturalmente a ADSE no sobrevive. O mesmo acontece do lado dos prestadores: reduzir os va-lores unitrios pagos rede convencionada pode levar ao xodo de prestadores. Por princpio, qualquer sistema de financiamento e prestao de cuidados de sade deve ser autossustentvel, porque, se assim no , os recursos tm necessariamente que estar a escoar-se de outras reas da economia. E isso, sendo uma deciso poltica legti-ma, tem implicaes srias de justia social e geracional. Agora, diferente passar-se de um modelo, no passado recente, que exigia forte financiamento do Oramento de Estado para um outro modelo que, ele prprio, financia o Oramento do Estado. Discordo de ambos e possvel e desejvel uma soluo de autossustentabilidade com par-ticipao dos trabalhadores, porque se trata de um seguro social que visa exclusivamente prestar cuidados de sade a um grupo social.

    GH: Na Anlise da Sustentatabilidade Financeira do SNS, publicado pela ERS, em 2011, referia--se que Se as taxas moderadoras forem vistas enquanto funo disciplinadora do consumo ex-cessivo de cuidados de sade, a diferenciao de taxas moderadoras parece ser o meio mais apto a produzir os efeitos pretendidos. A cobrana de uma taxa fixa a todos cidados, sem atender aos rendimentos auferidos nem sua condio social, poder no estar a cumprir satisfatoriamente a sua funo de moderao de consumos excessivos de cuidados de sade.Qual o balano que faz relativamente aplicao desta medida no SNS?JS: A minha principal preocupao, expressa j no Relat-rio sobre a Sustentabilidade Financeira do SNS de 2007, que o modelo de taxas moderadoras no exclua do acesso a cuidados de sade grupos da populao especialmen-te vulnerveis. Por esse motivo, a definio da iseno a

    conceder dever ter em conta a capacidade de pagamento. Por outro lado, o pagamento de taxa moderadora em caso de necessidades continuadas de cuidados de sade no contribui para a racionalizao do consumo de recursos e impe custos desproporcionados a quem tem essas condi-es clnicas, pelo que, tambm, no dever ter lugar.Quanto diferenciao das taxas, ela deve assentar, so-bretudo, no tipo de cuidados de sade. Depois de tanta literatura e discusso sobre este tema, desnecessrio explicar porque que muito diferente, por exemplo, a capacidade de uma taxa moderadora evitar o consumo excessivo de consultas de cuidados primrios ou de meios de diagnstico pedidos pelo mdico numa urgncia hospi-talar. A ERS estudou o novo regime das taxas moderado-ras, num relatrio que publicou em 2013, e concluiu que a alterao das taxas ocorreu de forma diferenciada em diferentes tipos de cuidados, estando implcita a tentativa de, por exemplo, diminuir o recurso a urgncias em favor do recurso a consultas nos cuidados de sade primrios. S que os dados analisados no permitem ter uma noo clara dos resultados, porque o contexto econmico destes anos junta alteraes de muitas variveis de forma simul-tnea, o que reduz a capacidade de observao dos impac-tos de uma medida de poltica de sade.

    GH: No ano passado, durante a Reunio Nacional de Comisses de tica, em maro de 2013, afir-mou que as famlias portuguesas pagavam um valor excessivo pelos servios de sade. Alis, os nmeros indicavam que, em 2011, as famlias tinham gasto com os cuidados de sade cerca de 4.835 milhes de euros, o que representava 28,9% do financiamento do privado. Est a ser pedido s famlias um esforo financeiro maior do que seria razovel, disse.Quais so os principais fatores para que esta si-tuao se verifique? JS: Os pagamentos diretos representam um valor financei-ro e traduzem-se numa percentagem da despesa total em sade cerca de 28% que eu considero muito preocupan-te para um sistema de sade com natureza de universal, geral e tendencialmente gratuito. Esta situao deve ser, portanto, acompanhada de perto pelos decisores polticos.Quando os cidados e as famlias pagam cuidados de sade sem beneficiar de qualquer cobertura de terceiros, incluindo a do SNS, isso pode dever-se, genericamente, a dois motivos: ou os utentes tm preferncia por recorrer a prestadores privados, e em condies de prestao que no conseguem no SNS; ou o SNS no est a ter capacida-de de satisfazer as necessidades dos utentes. Sabemos que as duas principais fatias dos pagamentos diretos se destinam a consultas e meios complementares

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    realizados em ambiente privado e compra de produtos nas farmcias. Se o preo dos medicamentos registou uma reduo importante nos ltimos anos, quer para o SNS quer para as famlias, o crescimento da utilizao do sector privado faz-se por seu mrito, sem dvida, mas provavelmente tambm pela deteriorao da qualidade da resposta pblica.

    GH: Sabemos que a ERS tem contribudo com inmeras iniciativas para a melhoria da Quali-dade do Sistema de Sade, nomeadamente com o Projeto SINAS, estudos de monitorizao e tratamento de reclamao dos utentes, estudos especficos como o do Impacto da Diretiva Euro-peia sobre Cuidados Transfronteirios e outras anlises importantes como a rede de urgncias e internamento. Assim sendo, entende que a cres-

    cente complexidade do sector exige, por parte do agente regulador, uma ao mais alargada e interventiva? JS: Neste momento a ERS j estudou praticamente todos os grandes temas do sistema de sade e a sua interven-o ampla e constante. No entanto, alm do reforo das competncias ao nvel das reclamaes, licenciamento e mediao de conflitos, decorrente dos novos estatutos, a ERS tem estabelecido anualmente prioridades focadas em aspetos especficos do sistema de sade que entendemos merecerem especial ateno. Em 2015, a ERS dever focar a sua interveno prioritria em duas reas: as unidades prestadoras de cuidados continuados e as unidades que no tm sido objeto de interveno regulatria da ERS, como por exemplo, as chamadas medicinas no conven-cionais. E porqu? No primeiro caso, porque a Rede de Cui-dados Continuados Integrados ainda recente, envolve unidades dos sectores pblico, privado e social, combina

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    sade e apoio social e destina-se a cidados com conhe-cimento limitado dos seus direitos e do seu exerccio. No segundo caso, trata-se de sectores que, por omisso le-gislativa, no tm sido objeto de interveno regulatria, mas que so utilizados por milhares de pessoas, cuja pro-teo diminuta face exercida nas reas tradicionais de prestao de cuidados de sade.

    GH: Foi publicado no passado ms de agosto, em Dirio da Repblica, o Decreto-Lei n. 126/2014 que procede reviso dos Estatutos da Entidade Reguladora da Sade (ERS). Estes novos Estatu-tos da ERS resultam num reforo das suas compe-tncias, sendo ainda mais interventiva em mat-ria de monitorizao de reclamaes dos utentes dos servios de sade e de licenciamento dos es-tabelecimentos prestadores de cuidados de sa-de. Que anlise faz desta alterao dos estatutos da ERS? JS: Os novos estatutos da ERS surgem num contexto mais lato de renovao do ciclo da regulao independente em Portugal. Em agosto do ano passado foi publicada a nova Lei-Quadro que, pela primeira vez, estabeleceu um mo-delo de regulao independente sujeitando todas as re-guladoras a um mesmo quadro normativo e a um mesmo conjunto de princpios e deveres.O processo de reviso dos estatutos da ERS, que se iniciou de seguida e a que obrigou a Lei-quadro, foi demorado, mas a delonga, de aproximadamente um ano, serviu tam-bm para que o resultado fosse mais ponderado.Os novos estatutos da ERS geraram um alargamento das competncias e poderes da ERS em trs reas: o licencia-mento, o tratamento das reclamaes e a gesto de conflitos.No primeiro caso, a ERS assumir a responsabilidade de gerir todo o processo de licenciamento de prestadores de cuidados de sade de natureza privada e social. Ao nvel das reclamaes, a ERS passar a apreciar e monitorizar as reclamaes dos utentes de todo o sistema de sade. E finalmente, a ERS recebeu ainda a incumbncia de dispo-

    nibilizar um sistema de mediao de conflitos entre uten-tes e prestadores.So matrias complexas e importantes, mas a ERS est preparada para dar execuo misso consagrada nos seus Estatutos.No momento em que falamos, a ERS est a realizar em todo o pas sesses com o objetivo de esclarecer todos os inte-ressados quanto s principais inovaes introduzidas pelos novos estatutos, designadamente em termos de registo, reclamaes e licenciamento. Dar a conhecer as atribuies da ERS contribui, tambm, para que os cidados, consumi-dores ou prestadores de cuidados de sade, sejam mais exi-gentes levando-nos a melhorar o nosso desempenho.

    GH: Sabemos que a ERS tem de aprovar, num pra-zo mximo de 90 dias, uma portaria que define critrios de fixao de taxas e contribuies, bem como validar um regulamento que define estas mesmas taxas e contribuies, nomeadamente sobre quem incidem as mesmas (valores, for-mas e prazos de liquidao e cobrana). Quais as maiores dificuldades sentidas na definio dos objetivos/critrios e respetiva regulamentao?JS: Na mesma semana em que os novos estatutos da ERS foram publicados, tnhamos praticamente pronta toda a regulamentao necessria, devendo notar, apesar disso, que a aprovao da Portaria referida no depende da ERS mas sim do Ministrio da Sade. Apenas foram feitos pe-quenos ajustes para acomodar um ou outra questo que no era previsvel. Da parte da ERS esto reunidas, portanto, as condies para se cumprir o calendrio previsto na lei, apesar da autonomia e independncia funcional, afirmada pela Lei--quadro dos reguladores, ser alterada pelos Oramentos de Estado e Leis de execuo oramental, e at por inter-pretaes do Ministrio das Finanas, que fazem tbua--rasa do determinado pelo legislador parlamentar e pem em causa a efetiva independncia do exerccio de funes da ERS.

    Os novos estatutos da ERS geraram um alargamento das competncias e poderes da ERS em trs reas:

    o licenciamento, o tratamento das reclamaes e a gesto de conflitos. No primeiro caso, a ERS assumir a responsabilidade de gerir

    todo o processo de licenciamento de prestadores de cuidados de sade de natureza privada e social. Ao nvel das reclamaes, a ERS passar

    a apreciar e monitorizar as reclamaes dos utentes de todo o sistema de sade. E finalmente, a ERS recebeu ainda a incumbncia

    de disponibilizar um sistema de mediao de conflitos entre utentes e prestadores.

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    Sendo certo que no h, nesta matria, propriamente novidades, julgamos que esta clarificao contribui para a transparncia ao nvel da interveno da ERS, e sobretudo, para a previsibilidade, por parte dos prestadores, da atuao de superviso. Uma regra basilar para um bom sistema de regulao a possibilidade de os prestadores conhecerem antecipadamente as reas de atuao e os poderes do regulador.

    GH: Os novos estatutos da ERS reforaram e in-troduziram novas atribuies, nomeadamente o poder de auditar e fiscalizar, que inclui aceder a todas as instalaes, terrenos e meios de trans-porte dos fiscalizados; inspecionar livros e regis-tos, qualquer que sejam os seus suportes; obter cpias ou extratos de documentos; inquirir; iden-tificar pessoas; reclamar auxlio de autoridades policiais e administrativas. Na sua opinio qual o potencial alcance destas competncias? JS: A explicitao destas formas de atuao ao nvel dos poderes de autoridade e procedimentos de fiscalizao re-sulta numa clarificao que era desejada pela ERS. Sendo certo que no h, nesta matria, propriamente novidades, julgamos que esta clarificao contribui para a transpa-rncia ao nvel da interveno da ERS, e sobretudo, para a previsibilidade, por parte dos prestadores, da atuao de superviso. Uma regra basilar para um bom sistema

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    de regulao a possibilidade de os prestadores conhece-rem antecipadamente as reas de atuao e os poderes do regulador. No se trata s de transparncia, mas tambm de antes de adotar uma conduta ilegtima um agente ter pleno conhecimento das consequncias.

    GH: O papel das Ordens Profissionais tambm foi valorizado nesta alterao dos Estatutos da ERS. Pelo que nos apercebido estas tero de coope-rar com a ERS no mbito das respetivas compe-tncias e atribuies. Entende que esta cooperao ser uma mais-va-lia para um trabalho em equipa com ganhos na identificao de melhorias do sistema de sade?JS: Claro que sim. Sempre entendemos que a ERS e as Ordens Profissionais tm o seu mbito de atuao cla-ramente definido e delimitado. Mas inegvel que h complementaridade entre a regulao, de mbito global e independente, da prestao de servios de sade, exerci-da pela ERS, e a autorregulao da prtica e deontologia profissional da competncia das Ordens. Do entendimen-to e respeito por essa complementaridade resultar um ambiente regulatrio estvel e propcio ao bom funciona-mento do sistema de sade.Nos ltimos anos a ERS tem estreitado as relaes com as diversas Ordens Profissionais, em diversos domnios, e pretendemos manter e, se possvel, reforar essa coo-perao, que tambm existe com outras entidades, desde rgos do Ministrio da Sade a Universidades.

    GH: Por outro lado, sabemos que existem obriga-es e deveres dirigidos aos profissionais com designao explcita na lei, assim como uma maior responsabilizao a diferentes nveis. De facto, os responsveis pelos estabelecimentos prestadores de cuidados de sade, bem como ou-tros agentes da rea da sade, tero de prestar ERS toda a cooperao que esta lhes solicite para desempenho positivo das suas funes. Este rigor acrescido e obrigatoriedade de maior cooperao poder suscitar novas prticas, nor-mas e procedimentos, bem como o prprio refor-o da profissionalizao da gesto?JS: A ERS tem uma experincia positiva no que toca coo-perao e colaborao prestada quer pelos responsveis dos estabelecimentos prestadores de cuidados de sade, quer pelas instituies do sector. E mais positivo cons-tatar que essa colaborao tem melhorado ao longo dos anos, e que a necessidade de responder s solicitaes do regulador, em alguns casos, tem sido uma alavanca para a melhoria de processos internos de gesto. Conhecemos exemplos disso relacionados com a participao dos pres-

    tadores no SINAS: vrios responsveis transmitem-nos que a simples necessidade de responder aos requisitos de informao e dados para os prestadores se submeterem avaliao do SINAS deu origem reviso e alterao de processos de registo e reporte de informao sobre a sua atividade. O que deve estar na base da interveno de uns e de outros o profissionalismo no se faz regula-o ou gesto de unidades de sade se no se conhecer a fundo como funciona o sistema de sade e o contexto financeiro, jurdico, social em que ele se move e a presta-o de contas; no se faz regulao ou gesto de unidades de sade sem um permanente escrutnio da atividade e dos processos, por quem tutela essas entidades e pela so-ciedade que tem o direito de conhecer o destino dos seus dinheiros.

    GH: notrio que sempre lutou para uma maior autonomia e aperfeioamento das funes da ERS no sistema nacional de sade. Existem ainda objetivos que gostaria de ver cumpridos? Quan-do terminar o mandato que memria gostaria de deixar enquanto Presidente da ERS?JS: Os principais objetivos a que me propus quando assumi a responsabilidade de presidir ERS foram o de aperfei--oar a interveno da ERS de forma a contribuir para a melhoria do funcionamento do sistema de sade, fomen-tar o conhecimento e o reconhecimento da ERS pela so-ciedade e, sobretudo, promover a confiana dos utentes na interveno da ERS, para que as pessoas olhem para a ERS como uma entidade que contribui para a salvaguarda dos seus direitos.Fico satisfeito se, no final do meu mandato, tiver atingido estes objetivos. Mas no me cabe a mim fazer essa ava-liao.

    Os principais objetivos a que me propus quando assumi a responsabilidade de presidir ERS foram o de aperfeioar a interveno da ERS de forma a contribuir para a melhoria do funcionamento do sistema de sade, fomentar o conhecimento e o reconhecimento da ERS pela sociedade e, sobretudo, promover a confiana dos utentes na interveno da ERS, para que as pessoas olhem para a ERS como uma entidade que contribui para a salvaguarda dos seus direitos.

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    Hoje no nosso SNS e principalmente nos nossos hospitais deparamo-nos com um conjunto de normativos, aes e medidas de poltica de sade que evidenciam uma descontinuidade, ou at um recuo, no processo de autonomia nos servios de sade pblicos. Este retrocesso, esta descontinuao, representam um elevado risco no desempenho e na sustentabilidade do SNS.

    HOSPITAL PBLICO PORTUGUS

    ANA ESCOVAL

    CON[SENTIDO] OPINIO

    Administradora Hospitalar do CHLN, Professora Convidada na ENSP/UNL e Presidente da Direo da APDH

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    AUTONOMIA E SUSTENTABILIDADE. FICO OU REALIDADE?

    A Lei n. 56/79, de 15 de setembro, criou o Servio Nacional de Sade (SNS), no mbito do Ministrio dos Assuntos Sociais, onde se estabelecia que o mesmo gozava de autonomia administrativa e financeira e estruturava-se numa organizao descentralizada e des-concentrada, compreendendo rgos centrais, regionais e locais, e dispondo de servios prestadores de cuidados de sade primrios (centros comunitrios de sade) e de ser-vios prestadores de cuidados diferenciados (hospitais gerais, hospitais especializados e outras institui-es especializadas).

    No Expresso de 19 de maio de 1979, Vasco Pulido Va-lente escrevia sobre o SNS num artigo, includo em O Pas das Maravilhas (). No princpio de 77, Paulo Mendo, ento Secretrio de Estado do Governo PS, apresentou ao Con-selho de Ministros um projeto de aproveitamento integral das capacidades mdicas instaladas, que previa aumentos de pessoal, regionalizao dos servios e incentivos para a deslocalizao para o interior. Previa-se um aumento da despesa de 4 milhes de contos e o Primeiro-Ministro vetou liminarmente a ideia, alegando que no havia dinheiro para estes excessos socialistas. Paulo Mendo demitiu-se. () Para comear, o SNS de Arnaut () com vrios hospitais centrais, 42 hospitais distritais e 206 concelhios, ele necessrio e suficientemente vas-to. Mas precisa de ser reformado, racionalizado e tornado eficaz. No precisa, com certeza, de ser expandido. ()

    Trinta e cinco anos depois o SNS (1) integra todo o tipo de cuidados de sade, desde a promoo e vigilncia pre-veno da doena, diagnstico, tratamento e reabilitao mdica e social e, olhando os dados publicados, datados de 2012, tem ainda uma rede hospitalar que integra 212 hospitais (91 privados); 363 centros de sade organizados em 52 Agrupamentos de Centros de Sade (ACES); 342 Unidades de Sade Familiar e 186 Unidades de Cuidados na Comunidade (2).

    Devemos atender a que desde 1976, com a aprova-o da Constituio da Repblica Portuguesa (CRP) a 1990, com a aprovao da Lei de Bases da Sade (Lei n. 48/90, de 24 de agosto) e do Estatuto do SNS (Decreto--Lei n. 11/93, de 15 de Janeiro) e, at ao final da primeira dcada deste sculo, se continuou a verificar a descen-tralizao do SNS, assente na autonomia anunciada nos diferentes diplomas, embora nem sempre inteiramente concretizada.

    Ao longo deste pero