Materialismo Dialético e as Políticas Educacionais

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    J ULIANO M ARCELINO D EITOS

    [email protected]

    J ANAINA S ILVANA S OBZINSKI

    [email protected]

    Resumo O presente artigo busca evidenciar algumas das contri-buições do materialismo histórico e dialético para a discussãodesta concepção teórica no campo da ciência, para a construçãodo conhecimento e análise das políticas educacionais. Procurou--se apreender algumas questões centrais desta concepção combase em autores como Marx, Kosik, Kopnin, Cheptulin, Chasin,

    Lukács, Tonet, Tello e outros. Buscou-se apresentar as categoriasque auxiliam a captar as políticas numa perspectiva de totalidade,estabelecer mediações e contradições entre elas. Com isso, bus-camos demonstrar a importância desta concepção para o estudono campo das políticas educacionais e para a opção crítica e polí-tica de transformação do real.Palavras-chave: , -

    , .

    Abstract The present article seeks to put in evidence some ofthe dialectic historical materialism contributions, in order to dis-cuss its conception in the science eld, to build knowledge andanalysis of educational politics. Thereby, we attempt to unders -tand some of the central issues of this conception based on manyauthors like, Marx, Kosik, Kopnin, Cheptulin, Chasin, Lukács, To-net, Tello, and others. It also pursued to present the categorieswhich assist to assimilate the politics upon a whole perspective,to establish mediations and contradictions between them. Thus,we aimed to demonstrate the importance of this conception forthe studies in educational politics’ eld, and also for the criticaland political possibility of changing the real.Keywords: , ,

    .

    Introdução

    Apreocupação em relação à validade do estudo cientí co naconstrução do conhecimento, bem como a delineação deuma pesquisa, em especial no campo de análise das políti-cas educacionais exige a de nição de um corpo teórico.

    De nir a concepção epistemológica não signi ca a certeza deuma pesquisa de sucesso, mas essa de nição é importante paraque o pesquisador desenvolva de forma coerente a atividade a

    O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO:CONTRIBUIÇÕES PARA A ANÁLISE DE POLÍTICAS EDUCACIONAISThe dialetical historic materlialism: contributions foranalysis in educational policies

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    102 Impulso, Piracicaba • 25(63), 101-118, maio-ago. 2015 • ISSN Impresso: 0103-7676 • ISSN Eletrônico: 2236-9767DOI: http://dx.doi.org/10.15600/2236-9767/impulso.v25n63p101-118

    qual se propõe. Gamboa destaca a importânciaque estudos de caráter epistemológico exer-cem sobre as tendências metodológicas napesquisa educativa. Além disso, o autor atentapara a realização de um levantamento 1 sobre aprodução existente, “uma leitura diferenciada(leitura epistemológica) de outras pesquisas”2,para que o pesquisador se familiarize com aprodução existente e aprofunde-se sobre osproblemas e questões que norteiam o objetoa ser estudado e o conhecimento sobre o mes-mo. Assim, baseado no referencial teórico, nametodologia e nas técnicas escolhidas pode--se examinar com profundidade seu objeto deestudo e elaborar suas análises e desenvolversuas contribuições.

    Nesse sentido, salientamos a importân-cia da apreensão detalhada sobre a perspec-tiva teórica escolhida pelo autor, o que nãoé uma questão meramente contemporânea,remonta, também, à época de Marx e Engels.Na Carta de Engels a Bloch do ano de 1890, oautor adverte que muitos intelectuais pen-sam/pensavam que ao se “[...] ter compre-endido totalmente uma nova teoria e quese possa manejá-la, sem mais nem menos,pelo simples fato de haver-se assimilado – enem sempre de maneira exata – suas tesesfundamentais”3. Tal carta já apontava a neces-sidade de um estudo sério e aprofundado doreferencial teórico que subsidie a análise doobjeto de pesquisa.

    A produção do conhecimento cientí conão é um propósito desinteressado, longe dis-so, está conectado à determinada concepçãode mundo e de sociedade. O método cientí -co também se remete geralmente ao proces-

    so de formação do pesquisador. No presente estudo abordaremos al-gumas das contribuições do materialismo his-tórico e dialético para a discussão no campo1 Dadas as limitações deste texto, foi possível apenas

    elaborar, a partir de contribuições dos autores, olevantamento das produções existentes no campoda pesquisa em política educacional, de 1990 a2010 e, identi car o referencial teórico utilizadonas dissertações e teses sem aprofundamento doconteúdo das mesmas.

    2 [GAMBOA, 2008, p. 60-61].3

    [ENGELS, s.d., 284-286].

    da ciência e na construção do conhecimento,tal abordagem fornece contributos para o de-senvolvimento da pesquisa no campo de aná-lise das políticas educacionais.

    O Materialismo Histórico e Dialéti -co como “método”

    Todo trabalho de pesquisa necessita deidentidade e profundidade teórica, ou seja,de orientação e signi cação em seu projeto. Nesse sentido, é necessário que aquele quese propõe a pesquisar utilize-se de forma co -erente o corpo teórico e metodológico de de-terminada concepção.

    No caso do materialismo histórico edialético

    [...] o método está vinculado a umaconcepção de realidade, de mundoe de vida no seu conjunto. A questãoda postura, neste sentido, antecedeao método. Este constitui-se numaespécie de mediação no processo deapreender, revelar e expor a estru-turação, o desenvolvimento e trans-formação dos fenômenos sociais.4

    Portanto, o “método” materialista his-tórico e dialético está intimamente vinculadoa uma postura, uma concepção de mundo,um modo de ser e agir. Isso pressupõe quetal concepção não pode ser tratada, comoocorre muitas vezes, apenas como “método”ao longo de uma trajetória de pesquisa, [...]“que é o exato oposto daquele proposto porMarx”5 e, ora tampouco servir como funda-mento para uma concepção que pretenda ser

    neutra. Desta forma, enfatizamos a importân -cia de se considerar as proposições que fun-damentam a teoria, uma vez que ela não estádesvinculada da realidade e automediadaabstratamente. Por isso advertimos que “[...]toda teoria do conhecimento se apoia, implíci-ta ou explicitamente, sobre uma determinadateoria da realidade e pressupõe uma determi-nada concepção da realidade mesma”6.4 [FRIGOTTO, 2001, p. 77].5 [TONET, 2013, p. 72].6

    [KOSIK, 2011, p. 33].

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    Marx não elaborou nenhuma obra espe-cí ca para tratar do “método” de pesquisa,porque sua intenção era entender a realidadesocial e buscar captar as contradições e os an-tagonismos fundamentais da sociedade, evi-denciar a gênese e o desenvolvimento docapi-talismo, tão rati cado na sua obra “O capital”.

    Desse modo, a referência em relação aométodo aparece de maneira especial: a) nosManuscritos econômico- losó cos ; b) n’ A Sa- grada Família ; c) naMiséria da Filoso a; d) n’ Aideologia alemã ; e) emO capital ; f) no Posfácioà 2ª. edição alemã deO Capital; f) nas passa-gem sobre O método da economia política en-contradas tanto nos Grundrisse , bem como naIntrodução geral à crítica da economia política .7

    Tal concepção procura apreender arealidade com o intuito de cooperar para apotencial transformação da sociedade, fun-damentada numa concepção ontológica. Ascontribuições da concepção teórica desen-volvida por Marx e Engels podem ser situa-das pelo fato de que esta elaboração foi re-alizada num período em que predominava oidealismo hegeliano. Frigotto comenta que“[...] é impossível pensar em Marx8 e suaobra sem a imensa contribuição de Hegel,

    do qual é discípulo e, posteriormente, se-vero crítico”.9 O próprio desenvolvimentode uma concepção materialista se tornoude grande relevância a partir da mudançade concepção, interpretação da realidadee contribuição para o campo da produçãodo conhecimento. Se para o idealismo as

    7 [TONET, 2013, p. 70, grifos do autor].8 É importante salientar que Marx começa a assumir

    uma concepção materialista quando passa a serdiretor do jornal Gazeta Renana e com isso a termaior envolvimento com problemas sociais alemães.Apesar de Marx ser bastante próximo do pensamentohegeliano ele se distancia gradativamente dessaconcepção ao trabalhar como jornalista na Gazeta-Renana (jornal diário publicado em Colônia, de janeirode 1842 a março de 1843) e pela preocupação comproblemas que exigiam uma compreensão maisaprofundada das relações materiais existentes,especialmente ao se envolver na polêmica do roubode madeira no vale do rio Reno. Nesse contexto, tema oportunidade de questionar o modelo idealistahegeliano a partir da percepção dos problemasconcretos da realidade na qual estava inserido.

    9

    [FRIGOTTO, 2001, p. 72].

    relações, os atos, e a própria realidade sãopautados pela consciência, no materialismo oque ocorre é completamente o inverso, já queMarx discorda de que as mudanças no campoda consciência seriam determinantes para asignificação e apreensão da realidade.

    Em obra elaborada para a compreensãoda construção do conhecimento marxiano,Tonet10 argumenta que combater o pensa-mento Idealista não signi ca abandonar oudar maior atenção ao papel da consciência“como se isto fosse uma decisão subjetivacom o m de valorizá-la. [...] trata-se de apre -ender o ser como ele é, na sua efetividade,para além de qualquer decisão subjetiva emfavor do materialismo ou do idealismo”. E ain-

    da continua sobre a opção de Marx:Parece que muitos marxistas nãoperceberam que o procedimento deMarx, decidindo-se pelo materialis-mo –mas histórico-social e não meca -nicista – não foi uma decisão aprio-rística, tomada por motivos éticosou políticos. Pelo contrário, foi umaconsequência da decisão de respei-tar a integralidade do ser, de subme-ter a subjetividade à objetividade.11

    Desta forma, a objetividade já existe,enquanto que a consciência é formada pelascondições em que o ser social se autoconstrói.O próprio Marx contribui para essa análise noPósfácio à segunda edição alemã do volume Id’O Capital, ao comentar sobre a diferencia-ção de sua elaboração teórica com a de Hegel,

    Meu método dialético, em seus fun-damentos, não é apenas diferentedo método hegeliano, mas exata-mente seu oposto. Para Hegel, oprocesso de pensamento, que ele,sob o nome de Ideia, chega mesmoa transformar num sujeito autôno-mo, é o demiurgo do processo efe-tivo, o qual constitui apenas a mani-festação externa do primeiro. Para

    10 [TONET, 2013, p. 85].11

    [Ibid, p. 85, grifos nossos].

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    mim, ao contrário, o ideal não émais do que o material, transpostoe traduzido na cabeça do homem. 12

    Em outras palavras, “[...] não é a cons-ciência que determina seu ser, mas ao con-trário, é o seu ser social que determina a suaconsciência”13. Portanto, na medida em queo ser social constrói-se, se constitui em doispolos, subjetivo e objetivo, que determinamsuas ações, ou seja, ora é sujeito, ora é objetoda história.

    Marx14, no Prefácio à Contribuição àCrítica da Economia Política, destaca que oshomens estabelecem relações sociais a mde produzir a sua existência e que indepen -

    dem da sua vontade. Assim, considera que oconjunto dessas relações de produção é a es-trutura econômica da sociedade, enquanto asuperestrutura (formas jurídicas, políticas, re-ligiosas, artísticas, losó cas) se eleva a partirdessas relações e representa as formas ideo-lógicas pelas quais os homens tomam consci-ência sobre o conjunto da sociedade. Nessesentido, Marx comenta sobre o o condutorde seus estudos resumidamente:

    [...] na produção social da sua exis-tência, os homens estabelecem re-lações determinadas, necessárias,independentes de sua vontade,relações de produção que corres-pondem a um determinado grau dedesenvolvimento das forças produti-vas materiais. O conjunto destas re-lações de produção constitui a estru-tura econômica da sociedade, a baseconcreta sobre a qual se eleva umasuperestrutura jurídica e política eà qual correspondem determinadasformas de consciência social.15

    12 [MARX, 2013, p. 90].13 [Idem, 2003a, p. 5].14 [MARX, 2003a].15

    [Ibid, 2003a, p. 5].

    Lukács16 interpreta e comenta sobreesta questão, também pelo fato da obra mar-xiana sofrer críticas em relação a uma espéciede determinismo unívoco, advindo da esferaeconômica, que a absolutiza e coloca em se -gundo plano os outros complexos da vida so-cial. Sobre isso o autor a rma que:

    A base econômica permanece sem-pre como o momento preponde-rante; no entanto, isso não eliminaa relativa autonomia das superes-truturas, fato que se expressa demaneira de nitiva na dialética demútua reciprocidade determinativaexistente entre estas e a esfera da

    economia. As esferas superestrutu-rais da sociedade não são simplesepifenômenos da estrutura eco-nômica. Longe de constituírem umre exo passivo, elas podem agir(ou retroagir) sobre a base materialem maior ou menor grau, sempre,entretanto, no interior das “condi-ções, possibilidades ou impedimen-tos” que esta lhes determina.17

    Engels, na carta escrita a Bloch, defendea importância da relação dialética entre estru-tura e superestrutura, enfatizando que todosos fatores que constituem esta última, tam-bém exercem in uência sobre a luta travadana base da sociedade:

    Segundo a concepção materialistada história, o fator que, em últimainstância, determina a história é aprodução e a reprodução da vidareal. Nem Marx nem eu a rmamos,uma vez se quer, algo mais do queisso. Se alguém o modi ca, a rman -do que o fator econômico é o únicofato determinante, converte aquelatese numa frase vazia, abstrata eabsurda. A situação econômica é abase, mas os diferentes fatores dasuperestrutura que se levanta sobre

    16 [LUKÁCS, 2010, p. 23].17

    [Ibid, p. 23].

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    ela – as formas políticas da luta declasses e seus resultados, as consti-tuições que, uma vez vencida umabatalha, a classe triunfante redige,etc, as formas jurídicas, e inclusiveos re exos de todas essas lutas re -ais no cérebro dos que nelas parti-cipam, as teorias políticas, jurídicas,

    losó cas, as ideias religiosas e o de -senvolvimento ulterior que as leva aconverter-se num sistema de dog-mas – também exercem sua in uên -cia sobre o curso das lutas históricase, em muitos casos, determinamsua forma como fator predominan-te. Trata-se de um jogo recíproco deações e reações entre todos essesfatores, no qual, através de todauma in nita multidão de acasos(isto é, de coisas e acontecimentoscuja conexão interna é tão remo-ta ou tão difícil de demonstrar quepodemos considerá-la inexistenteou subestimá-la), acaba sempre porimpor-se, como necessidade, o mo-vimento econômico. Se não fosseassim, a aplicação da teoria a uma

    época histórica qualquer seria maisfácil que resolver uma simples equa-ção de primeiro grau.18

    Desta forma, esta concepção parte dopressuposto de que há uma interdependênciada esfera superestrutural em relação à baseeconômica, é o que garante a materialidadesocial, mas não deve ser apreendida de modosimplista, como um organismo que atua auto-maticamente. As mudanças no interior de uma

    instituição superestrutural não podem ser en-tendidas como advindas apenas da esfera in-fraestrutural, pois na própria esfera superes-trutural ocorrem entre si múltiplas in uênciasque nem sempre são de cunho econômico,estas são movidas também por questões edu-cacionais, religiosas, culturais e outras.

    Marx e Engels estabeleceram uma pers-pectiva teórica que se ampara na concretici-dade do real, a partir da ordem material das18

    [ENGELS, s/d, p. 284-286].

    coisas, não se restringindo aos aspectos feno-mênicos. Frigotto destaca que a concepçãomarxiana é “[...] um método que permite aapreensão radical (que vai à raiz) da realidadee, enquanto práxis, isto é, unidade de teoria eprática na busca da transformação e de novassínteses no plano do conhecimento e no pla-no da realidade histórica”19.

    A partir disso, a rmamos que na epis -temologia materialista histórica e dialéticaexiste o comprometimento com a produçãodo conhecimento na análise da materialidadesocial, o qual está intimamente ligada ao de-senvolvimento e interatividade social ao lon-go das transformações históricas.

    É importante salientar, também, que no

    materialismo histórico e dialético “[...] nãoexiste um divisão racional entre as leis do sere as leis do pensamento; une-as racionalmen-te, leva-as à identidade”20. A pesquisa, nessaforma de pensar, precisa começar pelo sen-sorial-concreto, ou seja, por uma apreensãomais genérica do real. Esta, só se realiza aoalcançar, pelo pensamento, um conjunto derelações, características e aspectos, que sãoentendidos numa totalidade.

    Nesse sentido, analisar totalidade, a par-tir da concepção materialista histórica e dialé-tica, requer a apreensão da realidade em suascontradições e antagonismos, ou seja, anali-sar o conjunto de fatos estruturados, o todo àunidade complexa não cognoscível imediata-mente. Sobre isso, Kosik comenta que,

    O todo não é imediatamente cog-noscível para o homem, embora lheseja dado imediatamente em forma

    sensível, isto é, na representação,na opinião e na experiência. [...]para que possa conhecer e com-preender este todo, possa torná-loclaro e explicá-lo, o homem temque fazer um detóur : o concreto setorna compreensível através da me-diação do abstrato, o todo atravésda mediação da parte.21

    19 [FRIGOTTO, 2001, p. 73].20 [KOPNIN, 1978, p. 61].21

    [KOSIK, 2011, p. 36].

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    A produção do conhecimento tem senti-do enquanto sua função for de revelar a reali-dade na sua contradição, no contraponto e daseparação da aparência e da essência, do queé secundário e do que é essencial, já que so-mente por meio deste processo se pode mos-trar a sua coerência interna, e com isso o cará-ter especí co. “Neste processo, o secundárionão é deixado de lado como irreal ou menosreal, mas revela seu caráter fenomênico ousecundário mediante a demonstração de suaverdade na essência da coisa”22.

    As categorias não são e não devem serapreendidas de forma mecanicista, pois é opróprio processo de análise do real que iráexprimir sua centralidade, ou seja, é “[...] a

    realidade cienti camente analisada é que éadequadamente expressa na “articulaçãodialética”, conduzida e realizável em uma de -terminada estrutura lógicacorrespondente ”23.Lukács destaca que “[...] as categorias comodeterminações do ser podem se tornar ope-rantes no ser, muito antes de serem reconheci-das teoricamente, sobretudo na práxis social,trazendo à tona, na prática, nas relações quede outro modo nos seriam desconhecidas”24.Em outra passagem, o autor enfatiza que “omodelo do pôr teleológico modi cador darealidade torna-se, assim, fundamento onto-lógico de toda práxis social, isto é, humana”25.22 [Ibid, p. 18].23 [Ibid, p. 180].24 [LUKÁCS, 2010, p. 215].25 [Ibid, p. 45].

    Portanto, as categorias advêm da pró-pria realidade social, são, assim, determina-ções da existência e não apenas, como de neChasin “gnosioepistêmicos”26. Nesse sentido,para desvelarmos a sociedade capitalista, tidacomo contraditória, antagônica e, em cons-tante movimento, se faz necessária a utiliza -ção de uma concepção que apreenda tal mo-vimento, do concreto-abstrato-concreto’.

    Esse movimento é caracterizado a par -tir de um amplo conjunto de relações apre-endido numa totalidade, numa análise maisdetalhada na qual o objeto não está isolado,mas parte da realidade objetiva, do concreto.Através de um exame mais preciso busca-sechegar a conceitos cada vez mais delicados.

    Sobre isso comenta Marx, “partindo daqui, énecessário caminhar em sentido contrário atéchegar nalmente de novo ao real, que nãoé mais a representação caótica de um todo,mas uma rica totalidade de determinações ede relações numerosas”27.

    O desenvolvimento da análise sobre umobjeto, pelo qual se propõe o conhecimentocientí co realiza um detóur, se eleva de abs-trações simples para abstrações cada vezmais complexas, uma superação da compre-ensão do fenômeno para chegar-se à essên-cia, um caminho multifacetado que não se dáde forma mecânica e linear.

    Algumas considerações sobre as dife-rentes denominações que compreendem aoreferido movimento podem ser evidenciadasno quadro que segue:

    26 [CHASIN, 2009].

    27 [MARX,2003a, p. 247].

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    Quadro 1- Movimento Concreto- Abstrato- Concreto’ em Marx, Kosik, Kopnin, Cheptulin

    AUTOR CONCRETO ABSTRATO CONCRETO’

    M

    A

    R

    X

    Real;

    Visão caótica do todo;

    Concreto gurado;

    Abstração;

    Representação como deter-minação abstrata.

    Determinação mais precisa;

    Análise;

    Abstrações mais delicadas.

    Rica totalidade de determinações e derelações;

    Síntese de múltiplas determinações;

    Unidade da diversidade;

    Reprodução do concreto pela via dopensamento.

    K

    O

    SI

    K

    Pseudoconcreticidade;

    Claro-escuro de verdade eengano;

    Fenômeno;

    Aparência;

    Impressão sensível.

    Détour ;

    Decompor o todo para reproduzirespiritualmente a sua estrutura a

    m de compreendê-la;

    Coerência interna da coisa.

    Essência;

    Concreticidade;

    Reprodução do concreto pela vida dopensamento;

    Conceito.

    K

    O

    P

    N

    I

    N

    Conhecimento sensorial-concreto;

    Contemplação da realidade.

    Conhecimento experimen-tal;

    Abstração elementar;

    Parte do simples.

    Representação do movimentopelo pensamento;

    Abstração autêntica que desco-bre novos aspectos do objeto;

    Leis do movimento dos fenôme-

    nos.

    Conhecimento concreto;

    Conhecimento mais profundo e subs-tancial dos fenômenos da realidade;

    Categorias;

    Chega ao complexo.

    C

    H

    E

    P

    T

    U

    L

    I

    N

    Prática;

    Fenômeno: manifestaçãoexterior da essência.

    Captar o aspecto interior da coi-sa: a causa, a necessidade, a lei, aessência.

    Categorias: re etem ligações e aspec -tos universais do mundo exterior;

    Essência: conjunto de ligações e aspec-tos internos;

    Prática.

    Fonte: os autores.

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    108 Impulso, Piracicaba • 25(63), 101-118, maio-ago. 2015 • ISSN Impresso: 0103-7676 • ISSN Eletrônico: 2236-9767DOI: http://dx.doi.org/10.15600/2236-9767/impulso.v25n63p101-118

    Evidencia-se que na percepção dos au-tores, o caminho epistemológico percorridorealiza o mesmo movimento: partir de uma re -alidade que ao mesmo tempo em que revela,oculta o real, e que, ao realizarem-se análisese abstrações cada vez mais complexas chega --se ao real novamente, o qual desta vez apre -senta-se como concreto pensado, síntese demúltiplas determinações.

    Para realizar tal movimento é necessárioque ocorra a relação dialética entre a)singular e b) universal , mediados pelo c)particular. So-bre estas categorias, pode-se aferir que: a) osingular- constitui-se como objeto de análise;b) o universal- constitui-se nas determinaçõesmais gerais; c) o particular- é o momento in-

    termediário que estabelece relações entre sin-gular e universal, é a categoria historicizante.É importante salientar que esse movi-

    mento auxiliado pelas categorias do referen-cial dará suporte para o desvelamento doobjeto nas suas mais variadas dimensões,contribuindo para a superação da visão feno-mênica, imediatista e super cial.

    As categorias do referencial teórico ofe-recem, portanto, como destaca Kuenzer 28, osuporte necessário para o desenvolvimentoda pesquisa, tais como: apráxis , a totalidade ,a contradição e a mediação .

    As quatro categorias se constituemcomo uma base auxiliadora de análise e com-preensão da realidade e não são dadas porprincípios lógicos, mas são desenvolvidas aolongo das relações que os seres humanos es-tabelecem.

    No materialismo histórico e dialético, oconhecimento deve partir da análise da obje-

    tividade social, daquilo que existe na realida-de, que é concreta; desta forma, para Lukács“o método do conhecimento é, pois, determi-nado pela constituição objetiva (ontológica,categorial) de seu objeto”29.

    A práxis busca a partir do movimento:teoria – prática; abstrato – concreto, media-dos pelo empírico, a compreensão da con-creticidade do real, ou seja, a superação daanálise fenomênica e, ainda, a transformação28 [KUENZER, 1998, p. 64].29

    [LUKÁCS, 2010, p. 327].

    subjetiva e objetiva, criativa e livre da tota-lidade. Para Kuenzer, possibilita uma “[...]concepção de realidade enquanto um todoem processo dinâmico de estruturação e deautocriação, onde os fatos podem ser racio-nalmente compreendidos a partir do lugarque ocupam na totalidade do próprio real edas relações que estabelecem com os outrosfatos e com o todo [...]”30.

    Kosik destaca que “a totalidade con-creta não é um método para captar e exaurirtodos os aspectos, caracteres, propriedades,relações e processos da realidade; é a teoriada realidade como totalidade concreta”31. Acategoria de totalidade signi ca, a partir dasmáximas relações possíveis, a apreensão do

    objeto de pesquisa e veri cação do motivopelo qual ele constitui-se de determinada for-ma; também é importante salientarmos quea totalidade não pode ser entendida comoprocesso independente do movimento histó-rico, ou seja, como algo novo e sem ligaçõescom o passado, pois ela é “um processo deprodução e reprodução, de reavivamento erejuvenescimento”32. de relações passadasque são integradas no presente mediante apráxis.

    Neste sentido, Cury33 ressalta que a rea-lidade nos aparece a partir de fenômenos queao mesmo tempo revelam e ocultam o real,mas a partir da totalidade que é concreta, eque está ligada ao seu movimento, e nessesentido, é possível explicar os dados empíri-cos no conjunto das suas mediações e deter-minações contraditórias. Em Lukács, a totali-dade é um “complexo de complexos”34.

    A contradição auxilia no entendimento

    das relações contrárias, e também dos pro-cessos resultantes desse movimento. Estacategoria promove a análise sobre a transfor-mação e movimento dos fenômenos sociais,além de contribuir no desenvolvimento quali-tativo de um estado para outro. Desta forma,procura “[...] não explicações lineares que30 [KUENZER, 1998, p. 64].31 [KOSIK, 2011, p. 44].32 [Ibid, p. 151].33 [CURY, 1992, p. 36-37].34

    [LUKÁCS, 2010].

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    109Impulso, Piracicaba • 25(63), 101-118, maio-ago. 2015 • ISSN Impresso: 0103-7676 • ISSN Eletrônico: 2236-9767DOI: http://dx.doi.org/10.15600/2236-9767/impulso.v25n63p101-118

    e materiais dessa aproximação são, por suavez, determinados pelas possibilidades obje -tivas da respectiva sociabilidade”38.

    Além das categorias do método constru-ído por Marx, há também uma característicaque lhe de ne, a ontolog ia:

    [...] o método na dialética de Marxestá rigorosamente colado na on-tologia. Não existe método semontologia. Lukács dizia que qual -quer questão séria de metodolo-gia desemboca em ontologia. (...)O que há de sério no método estána sua essencialidade ontológica.Resultado: o método dialético dá

    um conjunto de equipamentos ope-racionais que são os instantes deabstratividade ontológica que nor-teiam os passos de modo decisivo.Primeiro equipamento é um conjun-to crescente, nunca estabilizado, deparâmetros ontológicos que, pelasua abstratividade, con gura itine -rários metodológicos.39

    Desta forma, na construção do conhe-cimento na perspectiva materialista históricae dialética, a loso a e ciência constituem-secomo dois momentos intrinsecamente rela-cionados40. Com isso, a epistemologia estáconectada à busca do desenvolvimento doser social e não há rompimento entre méto-do e conteúdo.

    A contribuição do Materialismo His -tórico e Dialético para as pesquisas

    em políticas educacionaisEnfatizamos no início deste artigo que apreocupação com a análise das políticas educa-cionais, permeada por uma perspectiva mate-rialista histórica e dialética, parte da relação en-tre os aspectos causais da materialidade sociale busca a apreensão crítica da realidade comocontributo para a sua transformação radical.

    38 [LUKÁCS, 2010, p. 360].39 [CHASIN s/d, apud TONET, 2013, p. 76].40

    [TONET, 2013, p. 76].

    “resolvam” as tensões entre os contrários,mas captando a riqueza do movimento e dacomplexidade do real, com suas múltiplas de-terminações e manifestações”35. É importan-te conceber que a categoria da contradiçãopossibilita avistar que na existência de outrasociedade, haverá superação das desigualda-des sociais e incorporação do que há de maisdesenvolvido em termos de tecnologia e de-senvolvimento cientí co.

    Amediaçã o contribui para articular e es-tudar as mais simples determinações do obje-to de pesquisa, pois é importante que se de-componha o todo em partes, para que estassejam analisadas minuciosamente, a partir desuas relações e conexões com os mais varia-

    dos aspectos da totalidade. Assim, é possívelanalisar a relação que existe entre singular euniversal através da mediação do particular.No entanto, Kuenzer 36 adverte que esta sepa-ração do todo em partes é apenas um recursopara ns de delimitação e análise do campode investigação, pois, no contexto da mate-rialidade social, nada é isolado, por isso, en-cerrar os fatos em partes signi ca privá-los desentido e explicação, ou seja, permite estabe-lecer conexões entre múltiplos aspectos quecaracterizam a realidade.

    Nesse sentido, a busca e a elaboraçãode um conhecimento, bem como a apreensãoda própria realidade com o auxílio das catego-rias, torna possível que se estabeleçam condi-ções necessárias à sua transformação. Chep-tulin37 advoga em relação à necessidade deque uma possibilidade só se transformar emrealidade quando existirem condições deter-minadas, ou seja, quando se conhece determi-

    nadas possibilidades a partir da apreensão doreal é que se pode interferir no curso objetivodos acontecimentos e, desta forma, criar arti-

    cialmente condições para acelerar ou refrearsua transformação em realidade. Também, énecessário evidenciar que nesta concepção, aapreensão do real, e o conhecimento produ-zido “[...] é apenas uma aproximação mais oumenos ampla do objeto. E os meios espirituais35 [KUENZER, 1998, p. 65].36 [Ibid, p. 65].37

    [CHEPTULIN, 1982, p. 340].

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    110 Impulso, Piracicaba • 25(63), 101-118, maio-ago. 2015 • ISSN Impresso: 0103-7676 • ISSN Eletrônico: 2236-9767DOI: http://dx.doi.org/10.15600/2236-9767/impulso.v25n63p101-118

    Através da investigação de algumascontradições e antagonismos entre capital etrabalho, pode-se perceber as mediações doEstado, a sua natureza e seu papel perantea sociedade capitalista. Para se entender ascontradições advindas da própria ordem docapital e que insurgem em outras esferas dasociedade, é necessário para a análise de umapolítica educacional, desvelar algumas ques-tões que fundamentam o processo de orga-nização da sociedade capitalista, o antagonis -mo entre classes e as relações entre trabalho,capital, Estado e políticas educacionais.

    Comecemos, então, pelo trabalho, queé o ato fundante da existência humana, é apartir do trabalho que surgem outras ativida-

    des que colaboram para a organização da so -ciedade, pois é responsável pela produção dariqueza material, cuja nalidade é a satisfaçãodas suas necessidades, sejam do estômago àfantasia. O seu conceito está ligado à ontolo-gia do ser social41 ou seja, o ser enquanto ser na sua essência. Ele é responsável pela pro-dução da existência humana, na medida emque é condição necessária para determinadaforma de reprodução social.

    Marx se refere ao trabalho na conhecidapassagem do capítulo V deO Capital, no qualaponta aspectos genéricos que contribuempara a apreensão desta atividade exclusiva-mente humana. A partir disso, destaca:

    [...] um processo de que participamo homem e a natureza, processoem que o ser humano, com suaprópria ação, impulsiona, regula econtrola seu intercâmbio materialcom a natureza. Defronta-se coma natureza como uma de suas for -ças. Põe em movimento as forçasnaturais de seu corpo – braços epernas, cabeça e mãos –, a m deapropriar-se dos recursos da natu-reza, imprimindo-lhes forma útil àvida humana. Atuando assim sobrea natureza externa e modi cando --a, ao mesmo tempo modi ca suaprópria natureza 42.

    41 [LUKÁCS, 2010].42

    [MARX, 2003, p. 211].

    O trabalho, então, se constitui como

    “protoforma” do agir humano, “categoria pri-meira”. No entanto, não se resume meramen-te à uma atividade mecanicista, pressupõe,entre outros aspectos, os quais não podere-mos ressaltar, dadas as limitações deste tex-to, momentos decisivos para seu desenvolvi-mento enquanto atividade: a) prévia-ideação;b) objetivação e; c) exteriorização 43.

    Por isso, ele é fundamento no que dizrespeito ao desenvolvimento do mundo doshomens e, somente pode vir a ser e se desen-volver tendo por mediação dois complexossociais fundamentais, asociabilidade e a lin- guagem 44. Portanto, a análise desta categoria,

    pressupõe a apreensão da forma de organiza -ção da sociedade em determinado momentohistórico.

    Ao longo do desenvolvimento do capi-talismo desde a sua gênese, o homem nãonecessita apenas produzir para satisfazer assuas necessidades, precisa vender a sua pró-pria força de trabalho. Assim, Marx introduzo conceito de Trabalho abstrato , o qual se fun-damenta não somente no valor de uso45, masfundamentalmente no valor de troca. O tra-balho é realizado pela classe trabalhadora e oresultado disto, a produção da riqueza, o usodas tecnologias, é para a reprodução constan-te do capital.

    Para Marx, o conceito decapital está re-lacionado à “relação-social”, a qual colaborapara as condições reais de dominação do ca-pital sobre o trabalho.

    43 Sobre isso, as leituras de Lukács (2010), Lessa (2006a;2006b; 2012) e, Lessa e Tonet (2011) são pertinentes.

    44 Lessa (1996) em “A centralidade ontológica dotrabalho em Lukács” aborda esta questão.

    45 Segundo Marx (2003), a utilidade de uma coisa fazdela um valor-de-uso, porém, isso não é algo aéreo.Determinada pelas propriedades materialmenteinerentes à mercadoria, só existe através dela. Istoé, a própria mercadoria (o que é antes de maisnada, um objeto externo, uma coisa que por suaspropriedades, satisfaz as necessidades humanas,seja qual for a natureza, a origem delas, provenhamdo estômago ou da fantasia), como ferro, trigo,diamante, etc., é por isso, um valor-de-uso, um bem.Nesse sentido, o valor-de-uso só se realiza com a

    utilização ou com o consumo.

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    111Impulso, Piracicaba • 25(63), 101-118, maio-ago. 2015 • ISSN Impresso: 0103-7676 • ISSN Eletrônico: 2236-9767DOI: http://dx.doi.org/10.15600/2236-9767/impulso.v25n63p101-118

    A produção capitalista não é apenas aprodução de mercadorias, ela essen-cialmente a produção de mais-valia. Otrabalhador não produz para si, maspara o capital. Por isso, não é maissu ciente que ele produza. Ele temde produzir mais-valia. Só é produtivoo trabalhador que produz mais-valiapara o capitalista, servindo assim aauto-expansão do capital.46

    Constituiu-se, portanto, esse processocomo resposta ao desenvolvimento histó-rico instituído, no qual prevaleceu a divisãohierarquizada de submissão do trabalho aocapital, a partir da contradição entre duas

    classes fundamentais: burguesia e proletaria-do. Nesse contexto, as políticas educacionaissão constituídas a partir de uma correlaçãode forças em determinado período histórico,que ganham legitimação e sustentação nessaforma de sociabilidade. Por isso, o Estado apa-rece como um instrumento, em determinadosmomentos, legitimador que tem a função dedefender os interesses da classe burguesa.

    Nesta forma de organização, o Estadoexerce função fundamental para a perpetua-ção do status quo , sendo assim, capital e Esta-do estão juntos, numa relação de interdepen-dência, que subordina o trabalho à lógica dasociabilidade capitalista.

    Para Mészáros seria equivocado descre -ver o Estado como uma superestrutura, e sim,como “estrutura de comando político do ca-pital”, pois para ele o Estado tem sua própriasuperestrutura. A partir disso, destaca que:

    Na qualidade de estrutura totaliza -dora de comando político do capital(o que é absolutamente indispensá-vel para a sustentabilidade materialde todo o sistema), o Estado nãopode ser reduzido ao status de su -perestrutura. [...] Como estruturade comando político abrangentedo sistema do capital, o Estado nãopode ser autônomo, em nenhumsentido, em relação ao sistema do

    46

    [MARX, 2003, p. 578].

    capital, pois ambos são um só e in-separáveis. Ao mesmo tempo, o Es-tado está muito longe de ser redutí-vel às determinações que emanamdiretamente das funções econômi-cas do capital.47

    Mészáros a rma que o capital não so -breviveria um só dia sem a ação do Estado. Oautor entende que

    [...] o Estado – em razão de seupapel constitutivo e permanente-mente sustentador – deve ser en-tendido com parte integrante daprópria base material do capital.

    Ele contribui de modo signi cativonão apenas para a formação e aconsolidação de todas as grandesestruturas da sociedade, mas tam-bém para seu funcionamento inin-terrupto. No entanto, este inter--relacionamento íntimo tambémse mantém quando visto de outrolado, pois o Estado moderno em sié totalmente inconcebível sem ocapital como função sociometabó-lica. Isto dá às estruturas materiaisreprodutivas do sistema do capitala condição necessária, não apenaspara a constituição original, maspara a sobrevivência continuada (epara as transformações históricasadequadas) do Estado moderno emtodas as suas dimensões.48

    O Estado exerce essencial função na

    elaboração das políticas educacionais, no en-tanto, de ne-as a partir do seu caráter contra -ditório: na medida em que procura atender àsdemandas sociais por meio de políticas com-pensatórias, “colabora” para a expansão docapital nas suas várias expressões.

    Há inúmeros organismos internacionaisque exercem papel de “direção” na de niçãodas políticas educacionais. Segundo Blasco49 47 [MÉSZÁROS, 2011, p. 119].48 [Ibid, p. 125].49

    [BLASCO, 2002, p. 4].

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    112 Impulso, Piracicaba • 25(63), 101-118, maio-ago. 2015 • ISSN Impresso: 0103-7676 • ISSN Eletrônico: 2236-9767DOI: http://dx.doi.org/10.15600/2236-9767/impulso.v25n63p101-118

    durante a década de 1980, a Organização dasNações Unidas para a Educação, a Ciênciae a Cultura (UNESCO50), foi o organismo in-ternacional de maior in uência nas políticaseducacionais no mundo. Na década de 1990,foi o Banco Mundial quem exerceu um papelmuito importante no nanciamento e imple -mentação de políticas educacionais. Mas apartir de 1990, o Banco Internacional paraReconstrução e Desenvolvimento (BIRD) temimplementado políticas similares às do BancoMundial na América Latina além de nanciarvários projetos, pois seu objetivo baseia-se naredução da pobreza, para isso concede em -préstimos e presta assistência às economiasmenos desenvolvidas.

    No Brasil, é possível perceber claramen-te o delineamento realizado por organismosinternacionais na elaboração das políticaseducacionais, nesse sentido, a apreensão dosdocumentos do Banco Mundial nos permiteanalisar a forma que as políticas são encami-nhadas em nosso país, na medida em que se-guem as deliberações dos organismos inter-nacionais no que remete à educação em suatotalidade.

    De fato tais políticas educacionais são

    evidentemente elaboradas por organismosvoltados aos interesses econômicos e queafastam dessa forma a demanda da sociedade.Nos últimos anos, o Estado assumiu um caráter“mais democrático”, mas isso ocorre apenascom o objetivo de ajustarem-se os defeitos eos problemas que surgem num determinadomomento. Percebe-se que na de nição daspolíticas educacionais ocorrem embates quemarcam diferentes interesses, mas geralmen-te os interesses ligados aos anseios da classedominante tendem a serem atendidos.A partir disso, considera-se importantena pesquisa sobre políticas educacionais acontribuição do materialismo histórico e dialé-tico com o intuito de desvelar a política educa-

    50 A UNESCO têm 190 Estados membros que se reúnema cada dois anos, em sua Conferência Geral, paradiscutir sobre áreas que merecem atenção como aeducação, a saúde e o transporte etc. Os governosdirigentes também realizam estudos, re exões ereuniões que integram este órgão, com o objetivo de

    buscar estratégias de ação.

    cional em sua essência, considerar o embatede forças pelo qual é de nida e implementadauma política educacional. Por isso, com basenos estudos de Masson e Mainardes51, desta-camos as contribuições para a compreensãode uma política educacional a partir do mate-rialismo histórico e dialético:

    a) contribui para apreender o signi ca -do da política a partir da compreensão da ló-gica capitalista;

    b) não separação entre método e teoria,importância da epistemologia marxista comorelação entre as categorias da dialética mate-rialista e da obra marxista;

    c) proposição de análise da política apartir de uma totalidade social;

    d) busca da apreensão da realidade, apartir da perspectiva de totalidade, das me-diações presentes nas partes especí cas, a

    m de se perceber as contradições presentes;e) captar as políticas numa perspectiva

    de totalidade que requer estabelecer media-ções entre partes especí cas com o intuitode perceber as determinações recíprocas e ascontradições entre elas;

    f) busca desvelar a política em sua es-sência, o que pressupõe considerá-la como

    expressão da correlação de forças presentesno processo de de nição e implementação;g) procura articular a singularidade, a

    particularidade e a universalidades, pois umapolítica educacional é sempre um recorte,uma singularidade que ganha signi cado naparticularidade de um momento histórico e éconcebida nas determinações mais universaisque advém do sistema orgânico do capital, apartir de suas contradições nos campos cien-tí co, tecnológico, econômico, cultural, ético --político e educacional;h) que busca compreender a essênciadas determinações sócio-ontológicas paradelimitar os limites e possibilidades sociais (eeducacionais) para a superação da autorre-produção do capital.

    As análises das políticas educacionaispautam-se na (não) ação do Estado, porém,devem levar em consideração os elementosda materialidade social na qual se constituem,51

    [MASSON; MAINARDES, 2013, p. 332-333].

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    113Impulso, Piracicaba • 25(63), 101-118, maio-ago. 2015 • ISSN Impresso: 0103-7676 • ISSN Eletrônico: 2236-9767DOI: http://dx.doi.org/10.15600/2236-9767/impulso.v25n63p101-118

    a m de superar apologias ou análises que re -forcem os repetidos discursos políticos.

    A partir disso, percebemos que a con-cepção materialista histórico e dialética buscasuperar e construir, a partir da análise dos con-dicionantes materiais, um aparato conceitualque procura romper com a repetição cotidia-na, da mera apropriação de conceitos, e paraisso, fundamenta-se em aspectos ontológicos.

    Nesse sentido, a terceira das Teses so-bre Feuerbach, escritas por Marx em 1845,reforça também as contribuições metodo-lógicas dadas por essa teoria, na medida emque propõe que na teoria materialista, os ho-mens são produtos das conjunturas sociais,dentre elas a educação, e desse modo, a pró-

    pria política educacional deve ser considera-da nessa perspectiva.Atualmente apresenta-se muito visível

    na elaboração das políticas educacionais, adefesa de uma educação que colabore paraa garantia dos direitos de todos os cidadãos,que colabore para o pleno exercício da cidada-nia, para a formação se sujeitos críticos, sem,no entanto, requerer a formação de sujeitoslivres, sem superar de fato a ordem estabele-cida pelo capital. O que se percebe com isso,é que as situações são mascaradas, resolvidasno momento em que acontecem; são sanadosos efeitos, as consequências, mas sem ir atésuas causas essenciais. A contribuição do Ma-terialismo histórico e dialético apresenta-seassim, como posição crítica e analítica frenteà elaboração das políticas para a educação e àforma de estruturação social.

    O Materialismo Histórico e Dialé -

    tico nas pesquisas sobre políticaseducacionais brasileiras: 1990-2010.Os estudos na área de políticas educa-

    cionais no Brasil têm apresentado crescimen-to a partir da década de 1990, momento emque as legislações passaram por mudanças,fatos advindos do contexto de reestrutura-ção produtiva e das necessárias atualizaçõesdas políticas educacionais à demanda da or-ganização do cenário mundial. A partir dissoatentamos para a importância deste campo

    de estudo. Sobre isso, Mainardes destacaque “[...] o campo de pesquisas em políticaseducacionais no Brasil é relativamente novo eainda não consolidado em termos de referen-ciais analíticos consistentes”52.

    Tello53 ao analisar epistemologias utiliza -das nas pesquisas de políticas educacionais,bem como, o posicionamento no processode desenvolvimento das mesmas, evidenciaduas principais di culdades no que diz res -peito à elaboração teórica nesse campo doconhecimento, assim:

    La primera, la producción del cono-cimiento del campo en muchos ca-sos se desarrolla sin hacer explícito

    el posicionamiento del investigador(Cfr. Relevamiento realizado porTELLO; MAINARDES, 2012), así lainvestigación se lleva a cabo comoindependiente de la realidad socialy cultural.54

    Embora, para o autor, o problema nãoconsista na não explicitação epistemológicaisso poderá acarretar num posicionamentopseudo-neutral ou positivista, e em termosgerais “atenta contra la solidez y coherenciadel processo de investigación”55. O segundoproblema, e talvez de maior relevância, é ofato de que:

    [...] en muchas investigaciones enpolítica educativa hemos observa-do que se siguen metodologías deautores referenciales sin desarrollarel sustento epistemológico. Mix-

    turando técnicas metodológicas,categorías analíticas de autores yperspectivas epistemológicas quepoco tiene que ver entre sí, gene-rando inconsistencia epistemológi-ca en el proceso de investigación.56

    52 [MAINARDES, 2006, p. 48].53 [TELLO, 2012].54 [Ibid, p. 55].55 [Ibid, p. 55].56

    [Ibid, p. 55].

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    114 Impulso, Piracicaba • 25(63), 101-118, maio-ago. 2015 • ISSN Impresso: 0103-7676 • ISSN Eletrônico: 2236-9767DOI: http://dx.doi.org/10.15600/2236-9767/impulso.v25n63p101-118

    A explicação dada por Tello baseia-se nofato de que, tais pesquisas estão permeadaspor uma tendência eclética. Deve-se, porém,chamar a atenção para a consolidação e for-talecimento do campo de estudo em políticaseducacionais no que diz respeito à uma nãoneutralidade nessa área de estudo. Nestesentido, concordamos com Tello57 que isso secristaliza no enfoque das epistemologias dasPolíticas Educacionais - EEPE.

    A partir disso, três categorias são fun-damentais no que concerne o estudo de umapolítica educacional:

    a) uma perspectiva epistemológica- nametodologia da pesquisa se designa a epis-temologia, teoria do conhecimento, “o pes-

    quisador assume uma cosmovisão para guiara pesquisa ”. As pesquisas epistemológicaspodem ser: marxismo, estruturalismo, positi-vismo, pluralismo dentre outros;

    b) um posicionamento epistemológico:se desprende da perspectiva epistemológica,sem de fato perder sua essencialidade, decaráter político e ideológico. Podem ser con-siderados: pós-moderno, neoliberal, crítico,funcionalista, crítico-radical, crítico analítico,humanista e outros. “Esses posicionamentosepistemológicos são adjetivação das perspecti -vas epistemológicas ”;

    c) um enfoque epistemetodológico:onde o pesquisador opta por uma ou outrametodologia, escolhe seus instrumentos deanálise. “Neste sentido, a metodologia é umcomponente lógico que não pode ser concebi -da de forma isolada porque constitui a episte-mologia da pesquisa ”58.

    Em pesquisa realizada por Masson 59 que

    contou com a colaboração de Janaína SilvanaSobzinski, examinou-se o número existentede teses e dissertações que abordam sobre otema “Políticas Educacionais”. A pesquisa co-letou um total de 1171 dissertações e 389 tesesdisponíveis pela CAPES (Coordenação de Aper-feiçoamento de Pessoal de Nível Superior), so-bre o referido tema, produzidas nas décadas57 [TELLO, 2013].58 [Ibid, p. 13-15].59 [MASSON, 2012, p. 10].

    de 1990 e 2010. Além disso, foram consultadosquantos desses trabalhos estavam utilizandocomo concepção teórica para sua pesquisa omaterialismo histórico. O resultado pode serobservado no quadro na página seguinte.

    Os grá cos a seguir apresentam os da -dos em forma de porcentagem, ou seja, dototal de dissertações sobre políticas educacio-nais produzidas, 7% delas utilizam o referen -cial teórico materialista histórico e dialético e,do total de teses produzidas 8% utilizam essereferencial para as suas análises.

    Grá co 1- Porcentagem de teses e dissertaçõessobre políticas educacionais que utilizam o ma -terialismo histórico e dialético – 1990-2010.

    Fonte: os autores.

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    115 Impulso, Piracicaba • 25(63), 101-118, maio-ago. 2015 • ISSN Impresso: 0103-7676 • ISSN Eletrônico: 2236-9767DOI: http://dx.doi.org/10.15600/2236-9767/impulso.v25n63p101-118

    Quadro 2- Dissertações e teses produzidas nas décadas de 1990-2010 sobre políticas educacionais.(continua)

    ANO TOTAL DE TESESSELECIONADAS

    UTILIZAM O MATE-RIALISMO HISTÓRICO-

    DIALÉTICO

    TOTAL DE DISSERTAÇÕESSELECIONADAS

    UTILIZAM O MATERIALIS-MO HISTÓRICO-DIALÉTICO

    1990 7 1 14 11991 3 0 21 0

    1992 3 0 10 0

    1993 3 0 15 1

    1994 6 0 21 4

    1995 8 0 18 0

    1996 15 0 27 1

    1997 13 0 24 0

    1998 9 0 39 11999 13 0 44 2

    2000 18 0 64 32001 19 3 49 22002 22 2 76 22003 23 2 67 4

    2004 23 1 63 4

    2005 28 3 66 72006 31 2 73 8

    2007 39 2 91 52008 26 2 106 11

    2009 38 7 157 112010 42 7 126 15

    TOTAL 389 32 1171 82

    Fonte: [MASSON, 2012, p. 10]*.

    * Tal levantamento foi realizado por Masson [2012, p. 10] e contou com a colaboração de Janaína Silvana Sobzinski.

    Tais dados revelam uma quantidade pe-quena de pesquisas que utilizam o referencial

    marxista, mas isso pode ter algumas explica-ções importantes, como o fato já destacadono início deste artigo, de que para a utilizaçãodeste referencial deve-se ter uma postura,uma preocupação com a realidade social ecom a questão da transformação da mesma.

    Ainda foi possível perceber que a maio-ria das produções sobre políticas educacio-nais que se utilizam do referencial materialis -

    ta histórico e dialético ressaltam, sobretudo,o contexto de reestruturação produtiva que

    implicou na reforma educacional da décadade 1990. No entanto, ainda não foi possível,dadas as limitações deste texto, analisar deta-lhadamente cada produção ou a relação entrecategorias.

    Além disso, a maioria dos autores queexplicitam seu método de pesquisa são os quedeclaram utilizar o referencial teórico materia -lista histórico dialético, pois inúmeras teses e

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    116 Impulso, Piracicaba • 25(63), 101-118, maio-ago. 2015 • ISSN Impresso: 0103-7676 • ISSN Eletrônico: 2236-9767DOI: http://dx.doi.org/10.15600/2236-9767/impulso.v25n63p101-118

    dissertações não apresentaram um referencialclaro, estas, utilizam-se de vários autores, in -clusive de perspectivas teóricas diferentes.

    Com isso, pretende-se superar algo queocorre atualmente, a insurgência de referen-ciais pós-modernos, revestidos pelos ideais dofenômeno da globalização, da crítica à razão,com ênfase nas metanarrativas, en m, nassuas mais variadas expressões, as quais “con-tribuem” para o que se podem denominar demisturas teóricas, ou seja, ecléticas. Sobreisso, Gamboa60 destaca que essa postura epis-temológica pressupõe, além da imparcialida-de do pesquisador, a neutralidade cientí ca.Fato cada vez mais recorrente no âmbito daprodução cientí ca em políticas educacionais,

    no entanto, é importante evidenciar que opesquisador necessita de nir sua concepçãoteórica, uma vez que ela está necessariamen -te condicionada a uma perspectiva ideológicae visão de mundo.

    Portanto, enfatizamos a importânciada de nição de um referencial teórico quese aproxime da explicação e da relação como objeto de estudo de nido para a pesquisa,principalmente na área de pesquisas em polí-ticas educacionais, pois assim, o pesquisador

    revela sua concepção epistemológica e assu-me determinada postura.

    ConclusãoEste estudo procurou evidenciar algumas

    das contribuições do materialismo histórico edialético para a discussão desta concepção te-órica no campo da ciência, para a construçãodo conhecimento e análise das políticas edu-cacionais. A atenção e o estudo teórico são degrande importância para o desenvolvimentode determinada pesquisa, embora devamosressaltar que a concepção teórico-metodoló-gica não é garantia do êxito na conclusão dapesquisa. E, no caso da concepção materialis-ta histórica e dialética, se levarmos em contaa forma de operar com tal método elaboradopor Marx, essa a rmativa ganha ainda maiorrelevância, uma vez que foram poucas as ve -zes em que ele destinou atenção ao tratamen -to especí co à questão epistemológica, o que

    60 [GAMBOA, 1987, p. 77].

    não foi algo espontâneo, porém, construídoatravés da análise do real e pautado a um dire-cionamento ontológico.

    Desse modo, se considerarmos o ma-terialismo histórico e dialético, deve-se tertoda vigilância necessária para que não ocor-ram apropriações mecanicistas e, desta for-ma, um estreitamento dogmático entre oreferencial teórico e o objeto de pesquisa. Aescolha de determinada concepção eviden-cia o viés de análise do pesquisador e tam-bém apresenta seu posicionamento peranteuma visão de sociedade.

    A concepção teórico-metodológica éum dos elementos da pesquisa e deve ser uminstrumento importante para seu desenvolvi-

    mento. No entanto, ela não pode substituiro processo de elaboração do conhecimentoque o pesquisador busca empreender na aná-lise do real, deve ser construído com estudo,com aprofundamento, na busca de desvelar aessência do objeto a ser conhecido. Além dis-so, para que a pesquisa obtenha resultadosmais relevantes, ou seja, para que se tenha,de certa forma, um resultado “sério” essesdois pontos são de extrema importância.

    Esta epistemologia colabora para a aná-lise das políticas educacionais por explicitarum referencial comprometido com a realidadesocial; por analisar as políticas a partir da pers-pectiva de totalidade, elucidando suas lógicase contradições; por visualizar de forma críticaa opção política de transformação do real. Suacontribuição também se dá na medida em querelaciona constantemente a política educacio-nal, seu objeto de estudo (o singular), com arealidade social mais ampla (o universal), me-

    diados e relacionados constantemente pelasas políticas de governo, políticas de Estado queconstituem o contexto particular.

    Contudo, é importante lembrar que aanálise de um objeto sempre parte do real, eque este está em constante em movimento/transformação. Desta forma, para os que seutilizam do referencial marxiano, as catego -rias não podem ser empregadas à realidadede forma mecanizada, com prede nições,esta deve ser analisada e estudada com tena-

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    117 Impulso, Piracicaba • 25(63), 101-118, maio-ago. 2015 • ISSN Impresso: 0103-7676 • ISSN Eletrônico: 2236-9767DOI: http://dx.doi.org/10.15600/2236-9767/impulso.v25n63p101-118

    cidade. Pois, no sentido desta epistemologianada está de nido aprioristicamente.

    Portanto, é justamente a partir da apre-ensão das contradições inerentes da realida-de social que se dá a aproximação intelectual

    contínua com a realidade, com os postuladosteórico, práticos, sociais, losó cos, culturaise artísticos de uma política educacional, com-batendo-se a facticidade fenomênica, super -cial, imediata e rei cada da compreensão dasrelações sociais.

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    118 Impulso, Piracicaba • 25(63), 101-118, maio-ago. 2015 • ISSN Impresso: 0103-7676 • ISSN Eletrônico: 2236-9767DOI: http://dx.doi.org/10.15600/2236-9767/impulso.v25n63p101-118

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    Submetido em: 25-3-2014

    Aceito em: 9-2-2015