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    NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCAÇÃO E SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA NESTA EDIÇÃO

    Contemporânea: a volta de uma quase revista

    É com muita satisfação que a Contemporânea: uma quase revista volta a ser publicada.Depois de três bonitos números em 2012 e 2013, parecia que ela teria o destino demuitas pequenas publicações, o da vida efêmera. Mas, ei-la de volta, desta vez,esperamos, para não mais perecer. O time está reforçado. Michelle CarreirãoGonçalves, Raumar Rodríguez Giménez e Wagner Xavier Camargo compõem umpequeno e vibrante conselho editorial. Lisandra Invernizzi segue na editoria técnica,eu reassumo a direção geral.

    O intuito permanece o mesmo: externar palavras e ideias, formas e intervenções, demaneira livre e desimpedida. Escrever. E ler. Sociedade, cultura, arte, educação,esporte, são temas que nos têm interessado, entre tantos que podem ser abordados.

    Este quarto número abre com três textos sobre experiências de estar nas cidades.Michelle Carreirão Gonçalves, Laís Elena Vieira e Beatriz Staimbach Albino abordam otema sob diferentes perspectivas, cada uma em relação a uma cidade – e uma maneirade vive-la. Eduardo Galak e Emiliano Gambarotta ocupam-se de temas da política. Oprimeiro retoma uma polêmica que tem origem na outorga doPrêmio Adorno a JudithButler (Contemporânea n. 3), em 2012, mas que avança para questões de fundo emrelação aos conflitos no Oriente Médio. O segundo se ocupa de alguns aspectos dacomplexa cultura política argentina – e não só dela – materializados na última corridaeleitoral do país vizinho. A revista prossegue com uma mirada crítica de Hugo Lovisolosobre a campanha de saúde e de mídia do Novembro Azul, e com um texto sobre osimpasses da experiência de comer e narrar no contemporâneo, de Thiago Perez Jorge.Já fechando, uma resenha do livro Para-Heróis, de Joanna de Assis, escrita por WagnerXavier Camargo, em que são problematizados vários dos lugares-comuns a respeitoda deficiência no Brasil. A quase revista arremata com um breve texto meu emhomenagem a Paco de Lucía, cuja morte acaba de completar dois anos.

    Leiam, escrevam, desfrutem.

    Berlim (mas também Rio de Janeiro, Florianópolis, Campinas), março de 2016.

    Alexandre Fernandez Vaz

    (e Michelle Carreirão Gonçalves, Raumar Rodríguez Giménez, Wagner XavierCamargo).

    HABITAR A CIDADE

    Eisbären Berlin: Hóquei e MemóriaMichelle Carreirão Gonçalves

    Aforismos Soltos: Memórias e W

    BenjaminLaís Elena Vieira

    La vie à StrasbourgBeatriz Staimbach Albino

    POLÍTICA CONTEMPORÂNE

    Judith Butler e o (uso do) antisemitismkitsch Eduardo Galak

    Un lenguaje (a)político a la PresidenciaEmiliano Gambarotta

    CORPO E CULTURA

    A pequena próstata e seus grandesdesafios: sobre o ToqueHugo R. Lovisolo

    Sobre a experiência do comer nocontemporâneoThiago Perez Jorge

    Esporte, Pessoa com Deficiência, Dramreceita de sucesso!Wagner Xavier de Camargo

    ARTE E SOCIEDADE

    Quando o Flamenco se calou: Paco deLucíaAlexandre Fernandez Vaz

    4 EdiçãoMarço de 2016

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    milimetricamente aumentadas pela objetiva que deixa osacontecimentos tão próximos e tão exacerbados. É claro quehá muito contato físico neste esporte, o que gera acidentesinclusive gravesiv, bem como uma atmosfera um tanto quantoagressiva, o que pode resultar em brigas, como aconteceu aofinal da partida naquele dia – o que, aliás, tampouco é incomumem outras modalidades. Mas assistir ao vivo sempre (ou quase

    sempre) muda nossa sensibilidade, a forma de ver o evento,transforma a maneira de nos relacionarmos com o objetoapreciado.

    Somado às coisas que vi, há também as que ouvi. Além do nomedos jogadores, e das musiquinhas que compõem o vocabuláriodos fãs do Eisbären, no decorrer da partida escutei duasexpressões que me chamaram atenção. A primeira foiOst, asegunda Dynamo. Ambas se referem ao passado do time,fundado em 1954, com o nome de SC Dynamo Berlinv, na extintaDDR (Deutsche Demokratische Republik)vi, a AlemanhaOriental. Entretanto, os gritos vindos das arquibancadasmostram que esse passado ainda se faz muito presente,principalmente em Berlim, que no início dos anos 1960 foicindida, transformando-se em não apenas duas cidades, masdois países. Quem passeia por Berlim, vê as marcas da história,não apenas por conta do muro e dos memoriais, mas tambémda arquitetura dos prédios, das opções de transporte públicovii,das moradias coletivasviii, enfim, de um movimento que tentapreservar de alguma forma, a memória de um país que já nãomais existe, bem como de um projeto de sociedade que pareceter fracassadoix (ao menos nos moldes em que se materializou).

    Assim, quando a torcida repete Ostx

    , mostra o desejo derememorar uma parte importante da história recente alemã,um lugar que segue apenas na lembrança de quem viveu na e aDDR. OEisbären traz consigo a saudade de casa: seja da DDR,para seus fãs, seja de Berlim, para mim.

    iVencedor da Deutsche Eishockey Liga (Liga Alemã de Hóquei no Gelvezes (2005, 2006, 2008, 2009, 2011, 2012 e 2013), bem como da Copa AHóquei no Gelo em 2007, e o Troféu Europeu em 2010. Na atual temp(2015-2016) tem ocupado a segunda colocação na competição nacionalconta com quatorze concorrentes no total.iiEnquanto escrevia esse texto no ano de 2013, acompanhava a triste notícremoção de mais de 1km do muro por parte de uma empreiteira, paedificação, em seu lugar, de prédios de luxo.iiiAtividades que envolviam por vezes crianças, outras adultos, podendocorridas de patins ou de carrinho, no caso dos primeiros, ou disputa

    lançamento do disco, com o bastão de hóquei, no caso dos segundos.ivComo no caso de um jogador suíço que bateu com a cabeça contra uma pdurante um jogo, e ficou paraplégico, no início do mês de março de 2013.vComo Dynamo, antes da reunificação alemã, a equipe conquistou 15 títnacionais.viiA própria arena em que ocorrem os jogos se localiza na parte orientacidade.viiBerlim tem várias opções de transporte público, como metrô, tremsuperfície, ônibus e bonde. Entretanto, a malha férrea de Berlim Ocidendistinta da de Berlim Oriental, região que tem mais linhas de bonde, transpmais comum na época da DDR.viiiHá espalhados pela parte oriental da cidade alguns prédios ocupadconstruções antigas em que os moradores vivem de forma, muitas vecomunitária. Estas pessoas são contra a reforma das edificações, tentapreservar a memória nos respectivos espaços.ixNa fachada de um desses prédios ocupados é possível ler a seguinteinscrição, em letras grandes: Kapitalismus normiert, zerstört, tötet(Capitalismo normatiza, destrói, mata).xOst refere-se à Ost-Berlin, ou seja, Berlim Oriental, sendo uma declinaçtermo Osten, que significa leste, oriente.

    SOBRE A AUTORA

    Michelle Carreirão Gonçalves é licenciada em Educação Física/UFSBacharel em Filosofia/UFSC; Mestre e Doutora em Educação/UFProfessora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do RioJaneiro, junto ao departamento de Didática. Membro da equipe editorida Revista Brasileira de Ciências do Esporte, trabalhando especialmen

    nos Cadernos de Formação RBCE; Membro do Núcleo de EstudoPesquisas Educação e Sociedade Contemporânea (UFSC) e Laboratório de Pesquisa em Educação do Corpo/LABEC (UFRJ).

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    Nos encontros e reencontros com os textos de Walter Benjaminmuitas vezes flagrei-me perdida em pensamentos soltos. Suaescrita sempre teve este poder de me intrigar, levando-me afazer nexos dos mais mirabolantes, permitindo evocar

    memórias remotas para relaciona-las com suas ideias e asquestões do presente. Pensei que talvez esses devaneios nãofossem de se jogar fora, e registrei-os aqui em forma depequenos aforismos, abusando do estilo benjaminiano.Ressalto que o presente escrito não tem pretenção analíticasobre os conceitos de Benjamin, mas a de narrar algunscaminhos sinuosos de um raciocínio pouco linear, de umainterpretação livre.

    De Benjamin a Asimov: Esperando a revolução das máquinas

    Podemos ver sutilmente nos escritos de Benjamin em a “Obra

    de arte na era de sua reprodutibilidade técnica” certaesperança de que o domínio da técnica possa, de alguma forma,servir como poder para o povo. Comecei a devanear sobrecomo essa ideia está presente no imaginário moderno.Imediatamente, lembrei-me de tantas obras literárias própriasdo século XX em que isso se coloca quase como uma profecia.O porviroscópio em O Presidente Negro, de Monteiro Lobato,era uma máquina que fazia previsões dos acontecimentos paraque as pessoas pudessem manipular o curso da história. Em2001: Uma odisséia no Espaço, de Arthur C. Clarke, livro queinspirou o filme de Stanley Kubrick com o mesmo nome, ahumanidade supostamente apresenta condições de dar umgrande salto evolutivo a partir do momento em que temtecnologia para explorar o Universo. Mas o que realmente fezeu me perder em pensamentos foi lembrar de uma entrevistaque vi, numa dessas viagens sem rumo pela internet, em queIsaac Asimov fala sobre uma possível revolução educacionalpara a humanidade caso as pessoas compreendessem aspotencialidades da Internet. Asimov, que se consagrou por suasficções científicas, especificamente sobre o domínio do homem

    sobre a máquina (e vice-versa), profetizava uma educaindependente, quase que anarquista, em que cada indivídpoderia desenvolver seus próprios interesses e potencialidadpor meio de todo conhecimento e informação que a repoderia vir a disponibilizar. Azimov faleceu em 19provavelmente antes de saber que boa parte do conteúdo dinternet já era pornografia.

    Encontrar-se é fácil. Difícil é perder-se.

    Dias desses precisei encontrar um endereço no centro cidade de Florianópolis para resolver alguma coisa da qunão me recordo. Olhei na internet pelo celular o nome da que eu não conhecia, mas mostrava ali no mapa uma traveperto da Catedral. Ainda não tinha me familiarizado coadvento do GPS e suas maravilhas. Fui o caminho todo de

    do ônibus sem olhar pela janela, apenas concentrada pequeno pontinho azul que andava pela tela, já quanchegasse perto o suficiente, era só dar o sinal para descParou bem em frente. Entrei numa porta de um prédio aapertei o botão do elevador. Entrei no escritório, deixei documentos, desci e esperei o ônibus de volta. A otimizaçãotempo compensa o vazio da experiência? Não há tempo ppensarmos nisso.

    Walter Holmes

    Num dos devaneios mais estranhos, imaginei Walter Benjacomo Sherlock Holmes, vestido a caráter, com um cachinuma mão e uma lupa na outra, rondando pelas ruas de Berou de Moscou, ou de Paris... olhando os cantos escuroprocurando coisas que ninguém presta atenção. Um brinqueum livro, uma criança, um velho, uma prostituta, os esqueciPelas suas lentes ele enxerga bem mais do que qualquer umé capaz de narrar histórias que sem aquela lupa ningupoderia.

    Aforismos Soltos: Memórias eWalter Benjamin

    por Laís Elena Vieira

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    Documentos de barbárie

    Não há documento de cultura que não seja ao mesmo tempoum documento de barbárie. O avanço da tecnologia nos dárecursos de registro cada vez maiores. Hoje não há nada queaconteça que fuja das câmeras dos celulares. A brilhanteinvenção dosmartphone permitiu que instantaneamente todospossamos assistir ao homem que há poucos minutos eraaçoitado amarrado a um poste, a mulher desesperada queameaça suicídio no quinto andar de um prédio, o assalto à mãoarmada no supermercado, o desespero de uma mãe que perdeuseu filho no tiroteio. Todas essas imagens pulam na suatimelinesem que você peça, sem que você queira. Todos somostestemunhas da barbárie de hoje, mas poucas vezesentendemos o que temos a ver com tudo isso.

    Multidão de carros

    As cidades modernas foram pensadas para as multidões: as

    passagens, o cinema, as grandes avenidas, as vitrines e suasmercadorias-espetáculo. As cidades hoje são pensadas para oscarros: As vias expressas, os túneis, as rotatórias, osestacionamentos, os drive thru, os drive in. Se eu não tiver umcarro talvez eu não possa experienciar por completo a essênciade meu tempo.

    Da produção de brinquedos

    A expectativa das crianças é diferente da expectativa dosadultos em relação aos brinquedos. Benjamin faz forte crítica àprodução de materiais para crianças, argumentando que,raramente, nós adultos conseguimos captar seus reaisinteresses. As crianças dão valor às coisas mais simples. Dessaforma, não precisamos fazer invenções mirabolantes parasatisfazê-las. O que fica claro é que as próprias crianças seriamperfeitas conselheiras na fabricação desses materiais, poisapenas elas e mais ninguém podem ser responsáveis pelas maisengenhosas criações. Espero que os fabricantes de brinquedos,capitalistas perversos, nunca cheguem a essa conclusão.

    A criança não é nenhum Robinson

    Mas talvez fosse mais divertido estar perdida em uma ilhaperigosa do que enclausurada na escola, no apartamento, nocondomínio...

    SOBRE A AUTORA

    Laís Elena Vieira é Mestranda no Programa de PósGraduação em Educação da Universidade Federal de SantaCatarina (UFSC), na linha Sociologia e História da Educação.Graduada em Pedagogia pela mesma universidade (2015),realiza sua pesquisa no Núcleo de Estudos e PesquisasEducação e Sociedade Contemporânea (UFSC/CNPq).

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    Experimentei outra vez momentos de muita alegria e prazer aoretomar este pequeno relato, escrito no início do ano de 2013,quando então chegava à Strasbourg, na França, para a realizaçãode meu estágio de doutoramento no exterior. Aproveito aoportunidade para agradecer à Capes pela bolsa concedida, aoPrograma Interdisciplinar em Ciências Humanas, e ao Núcleo deEstudos Educação e Sociedade Contemporânea, que tornarampossível essa experiência não só acadêmica, mas também pessoal- como se vê nas linhas que escrevi naqueles diasencantadoramente frios de um fevereiro do qual não me esqueço.

    Maravilha, Santa Catarina, janeiro de 2016.

    Três semanas noutro lado do Atlântico e a sensação que tenhoé que estou aqui há três meses. Os dias preenchidos com ummisto de medo diante do novo e de prazer por aquilo quedescubro. Nesse jogo, ganha corpo outra vez a criança curiosae intrépida que fui-sou. Como é bom caminhar entre prédiosmajestosos que parecem debruçar-se sobre as calçadas! Estesficam ainda mais fascinantes na composição com os trens desuperfície: juntos formam um cenário fabuloso em que, comopor magia, períodos distantes se misturam. A impressão de quesonho, vez ou outra, me toca, e então me dou um sorriso.

    Deliciosas surpresas encontro principalmente caminhando naPetite France , que não sei por que tem este nome, já que é tãoalemã. Cheia de restaurantes e pequenos cafés em que osturistas, e também os franceses, ficam por horas. Cada vez queentro em um tenho a impressão de que o café é um simplespretexto para sentar e ler ou conversar ao abrigo do frio. Oinverno convida ao aconchego e a um ritmo moroso que ali seencontra.

    Fora dos cafés a vida pulsa nessa pequenaville. As bicicletas sãoum charme à parte. Estão por todo lugar. Dezenas, centenas...arrisco dizer milhares. São o meio de transporte mais comumnesta cidade que “ama seus estudantes”. No coração docontinente, como a publicidade destaca, Strasbourg, acapitaleeuropéenne , acolhe muitos estrangeiros em torno daUniversité.Difícil me acostumar a tantos idiomas ouvidos ao caminharpelas ruas ou andando de tramway . Quando estou de bicicleta,porém, não escuto quase nada. Pedalando de dia, ou de noite,sempre no frio, meu sentimento é que sou uma desbravadora.A velocidade é o ritmo que convém.

    Percebi que adoro olhar atentamente os franceses. São comoáguias. Observadores. Perante a eficiência das coisas, asatisfação é evidente em suas faces. Asmadames “escaneiam”umas as outras, não sendo estranho vê-las “virando opescoço”. Apreciam o bom gosto nas roupas, talvez tantoquanto na comida... não, é exagero meu... acho que nada se

    compara ao amor que osfranceses têm pela culinária. Ficoparalisada diante das prateleirasdos supermercados, frente à imensa quantidade de queijvinhos, biscoitos, bolos, pães, tortas e especiarias, do muninteiro, que estão à disposição. Nunca havia visto qualqcoisa parecida.

    Outros hábitos franceses que conheci não me foram, porétão agradáveis. Osdossiers (que parecem) intermináveis levquase ao desespero. Tomada a devida distância, entendi qtamanha burocracia diz muito sobre o modo de ser deDiferente do Brasil, em que o ideário do malan

    perversamente exige (para não passar como ingênuo) que caum seja mais esperto que o próprio malandro, aqudesconfiança causa espanto. Vale o contrato. Não t“jeitinho”, mas também não tem “sacanagem”.

    A “espera” também causou estranhamento. Aguardarentrega de cartas marcando um rendez-vous, ou a simpconfirmação de um cadastro em site na internet, forexperiências totalmente avessas à minha sensibilidade treinpara a ação/resolução imediata. Ao longo dos dias entendi e“espera” como resquício de um modo de ser que nãoassolado por um tempo que corre implacável, mas que resi(ou tenta resistir) a ele.

    Para entrar no clima francês decidi fazer um curso de culinTudo bem, não é exatamente de culinária francesa, mas programa destinado aos estudantes, com o objetivo qaprendam a se alimentar bem e sem grande investimenfinanceiro. Nele descubro algo sobre as combinações “texturas” agradáveis ao paladar e que, além de temperadacomida pode ser também “perfumada”. A nutricionista qacompanha o grupo e que tenta transformar tudo ecarboidratos, proteínas e gordura quase eclipsou meu fascídiante do chef cortando com maestria os legumes, e diante qual era impossível não sorrir de admiração. Felizmente, apda avalanche de “dicas” sobre uma alimentação saudávechef usou muuuuuuuuita manteiga! Sinal de que, apesartudo, o sabor segue tendo a primazia.Bravo!

    SOBRE A AUTORA

    Beatriz Staimbach Albinoé Licenciada e Mestre em Educação Física peUniversidade Federal de Santa Catarina, e Doutora em Ciências Humanpela mesma instituição. Membro do Núcleo de Estudos e PesquisEducação e Sociedade Contemporânea.

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    La vie à Strasbourg por Beatriz Staimbach Albino

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    Na última edição doContemporânea , a de número três da(quase) revista, de janeiro de 2013, Filipi Campello e DetlevClaussen apresentaram pontos de vista distintos sobre apolêmica premiação de Judith Butler com oTheodor-W.- Adorno-Preis, em setembro de 2012. Neste comentário minhaintenção é dialogar sobre o conceito do “antissemitismo” queeles empregam e que, de forma geral, está em voga.

    Sem querer aqui fazer exegese, lembro que a crença maisantiga do antigo judaísmo – isto é, antes de haver judaísmo,antes de Abraão, o pai das religiões monoteístas – entendia queo mundo (que era composto exclusivamente pelo OrienteMédio, Europa e África mediterrânea) estava dividido em trêsmundos. Este é o mito do “Arca de Noé”, mais conhecido porversões cinematográficas e pela fantasia de um barcointerminável capaz de transportar a natureza para salva-la de simesma. Ele simboliza a ordenação social anterior à Roma:depois do dilúvio universal, só Noé e seus três filhos (Iafet, Jame Shem) povoam a Terra. Eles constituíam os três mundos do

    mundo. Iafet, que em hebraico significa “belo” ou “beleza”,simboliza segundo a crença bíblica, o destaque estético,encarnado pelos gregos e sua busca por perfeição, germe dacivilizaçãoilustrada ocidental. Jam, que significa “calor” (umeufemismo da cor da escravidão), simboliza o ardor da paixão,o instinto humano mais animalesco, a energia selvagem doimpulso não domesticado: a raça negra. Mas é o filho Shem omais importante desta história: “Shem” em hebraico significa“nome” ou “palavra”, mas também um tipo de alma ou sentidoespiritual superior (“a-shem” é a maneira preferida dos judeuspara referir-se a Deus). O que o judaísmo atualmente é vem

    desse legado, dessa herança, da linhagem de Shem. Emerge daío reconhecimento dos judeus como “povo do livro” ou “dapalavra”. Vem também daí o conceito de “semita”, que serefere a todos os povos monoteístas do Oriente Médio e queinclui, portanto, não só os judeus, mas também os árabes.

    Por tudo isso, é um erro etimológico dizer que o Hamas ouHezbollah podem ser antissemitas, bem como identificar aButler desta forma, caso ela os apoiasse. É um erro, também,caracterizar esses grupos sob a rubrica de “esquerda global” ou

    chamá-los de “terroristas”, pois as lutas, crenças e históriasHamas e do Hezbollah são completamente diferentes entre

    Mas é um erro ainda maior, intelectual e político, pensar sem diálogo com estes grupos se pode construir alguma políttransformadora. Este é o principal problema em que incorrcríticos e apoiadores da premiação a Butler. Os primepensam que se pode lutar contra a violência silenciandovozes dos outros – neste caso, povos inteiros, oprimidos pviolência de Estado, no que concordo com Butler –, quancomo explica Hannah Arendt, o mecanismo é inverso, popasso próximo do silêncio é sempre a violência. Os segunincluindo a própria Butler, por pensar, como diz Campelloexiste a possibilidade de uma postura crítica e de oudescritiva que sejam distintas: não é possível ap“parcialmente” – como afirma a própria premiadaii – umovimento como Boycotts, Divestment and Sanctions (BDporquanto uma organização radical como esta, cujos sentidestão pouco definidos e os limites da violência

    (inevitavelmente) exerce são porosos, vende, por meio da propaganda, suas ações como vitórias universais universalizáveis. Sempalavras , sem umdiálogo entre as partejudeus e árabes, judeus e judeus, entre uma postura crítiracional e outra descritiva-emotiva, é impossível pensaroutro ordenamento das coisas.

    Algo mais, que parece surpreender aos autores mencionadoa critica internacional em geral: no interior do judaísmo há frase muitas vezes repetida, que reza que onde há três judeuquatro são as opiniões. Não entendo por que surpreendeexistência de diversidade de pensamento no interior judaísmo. É ele, por acaso, uma religião monolítica? Ealguma que seja? O medo das diferenças só condudiferenciação como limite discriminador, e não à potencialiddas condições diferentes das que hoje temos.

    Se para provar isso é necessário um exemplo, basta mencioque há algum um tempo um jornal argentino de alcanacional – Página12 – publicou na capa uma notícia sobrproibição outorgada por judeus ortodoxos de enterrar judenão conservadores das tradições no cemitério da “Asociaci

    Judith Butler e o (uso do)antisemitismo kitschi

    por Eduardo Galak

    POLÍTICA CONTEMPORÂNEA

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    Mutual Israelita Argentina” – cujo acrônimo AMIA é tristementeconhecido pelo atentado terrorista do 1994, nunca esclarecido,mas cuja suspeita recai, precisamente, sobre o Hezbollah.

    Finalmente, se como afirmou Adorno, cuja memória não estaem jogo, não é possível fazer poesia depois do Auschwitz – ou

    simplesmente, de forma mais crua, não é possível falarpoeticamente –, tampouco se pode falar de antissemitismo tãovagamente, pelo menos nos termos que a discussão pareceusar.

    Uma reflexão final: nunca é demais repudiar a violência, mesmosabendo que a força com que esta bandeira é sustentadaimplica uma possível leitura violenta. Embora certoprogressismo da moda pareça fazer-nos acreditar que os finsjustificam os meios – mesmo quando alguns querem evitar adiscussão defendendo-se com clichês de “paz e amor” –, euainda milito para um Oriente Médio unido que aceite asdiferenças, por um Estado único que incluía israelenses epalestinos, governado a partir das diferenças, por uma GrandePátria Semita.

    La Plata, República Argentina, 13 de dezembro de 2015, 16 dejaneiro de 2013

    SOBRE O AUTOR

    Eduardo Galaké Professor de Educação Física pela Universidad NacionaLa Plata (2006), Mestre em Educação Corporal (2010) e Doutor em CiênSociais (2012) pela mesma instituição. Pós-Doutor pela Faculdade Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG, BraAtualmente é diretor do projeto de pesquisa "Prácticas corporal

    institucionalizadas en el área metropolitana sur de la Provincia de BuenAires", na Universidad Nacional de Avellaneda (UNDAVCyT2Pesquisador no Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técn(CONICET, Argentina) como Investigador Asistente, vinculinstitucionalmente com o Instituto de Investigaciones en Historia y CiencSociales (IdIHCS, UNLP/CONICET). Membro do Núcleo de Pesquisas a Educação dos Sentidos e das Sensibilidades (NUPES, UFMG) e do Núde Estudos e Pesquisa Educação e Sociedade Contemporâne(UFSC/CNPq). Professor Adjunto do Departamento de Atividades FísicEsportivas da Universidad Nacional de Avellaneda (UNDAV) e professorProgramas de Pós-graduação em Educação Corporal e Ayudante dDepartamento de Educação Física da Universidad Nacional de La Pl(UNLP).

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    En la Argentina, el Frente para la Victoria (FpV) fueelectoralmente derrotado por un partido explícitamente dederecha, el cual desde el 10 de diciembre de 2015 ha asumido laPresidencia de la Nación. El proceso que culminó con estedesenlace es de aquellos que no cabe simplificar en unaexplicación única y mágica que, como las viejas panaceas,resuelva todo a partir de un único elemento. Sin dudas huboproblemas económicos que afectaron el tramo final delgobierno de la ahora ex presidenta Cristina Fernández deKirchner (CFK). Sin embargo, aquí vamos a destacar algunosfactores propios de la “cultura política” –es decir, de la manerade dotar de sentido al ordenamiento y desordenamiento de losocial por parte de grupos sociales que está, a su vez,condicionada por ese (des)ordenamiento–, de laconstelación que ellos configuran y el modo de visión y división de lo políticoque generan.

    Si por “clase media” entendemos una categoría de auto-identificación cultural, en la Argentina, un porcentajemayoritario de la población se define como perteneciente a ella

    (alrededor del 75% de la población dice ser de clase mediacuando es interrogada al respecto). Aún cuando sea obvio queesta auto-identificación no puede ser más que errada enrelación con la posición objetivamente ocupada, dice mucho dela identidad que construyen esos agentes y, más en general, dela cultura que ponen en juego. Para decirlo con categorías hoyanacrónicas, del punto de vista pequeño burgués quepredomina en la cultura política departe de esa enorme clasemedia. Esta di-visión de lo político tiene un rasgo clave en elindividualismo a través del cual percibe al mundo. Para ella“hablar de política” es, por tanto, hablar y juzgar el

    comportamiento de individuos: no se juzga una política públicasino el interés individual que el político, como individuo,supuestamente tiene en llevarla adelante.

    De allí que todos los temas de la discusión política puedanreducirse a uno: lacorrupción . Término que funciona como unsignificante relativamente vacío en el que pueden inscribirse lasmás variadas actividades políticas, pues todas ellas sonpercibidas como movidas únicamente por el interés de unindividuo (o un grupo de individuos). Así, en una suerte deinversión del marxismo que señala el proceso social detrás de

    lo individual, el punto de vista pequeño burgués –propioparte de la clase media argentina– señala siempre a lo individetrás de toda política. La construcción de una ruta es sólo pantalla para el enriquecimiento del funcionario a cargocontratación de recursos humanos que fortalece udependencia estatal es sólo una vía para contratar amigquienes a su vez cobran sin trabajar, los famosos “ñoquisEstado”i. Pero también la implementación de una política clave como la que implica la Ley de Servicios de ComunicAudiovisual es reducida a una pelea de CFK con el Grupo haciendo del enfrentamiento entre individuos la sustanciauna política de Estado.

    Para este punto de vista el FpV (o cualquier partido que estel gobierno) es únicamente un grupo de corruptos, en múltiples acepciones que se le da al término. Sin embargoPRO –partido líder de la actual coalición de gobierno–conseguido hasta ahora mantener una imagen mucho menafectada por este tipo de acusaciones, y no porque famaterial para ello. Mi hipótesis es que esto se debe al pro

    lenguaje apolítico que marca los discursos públicos deintegrantes de este partido. Un lenguaje que sólo se refierindividualidades y (casi) nunca a la propia política y su tomdecisiones, elemento con el que se busca invisibilizacarácter de políticos profesionales. Apuestan a configurar estética en la que ellos son vistos como “gente común qtienen ganas de participar” antes que como parte de un grupolítico. Y en esto juega un papel para nada despreciabllugar que le dan a la visibilización tanto de su vida familiar del contacto cara-a-cara con los “vecinos”. Son más escazas las fotos de Mauricio Macri hablando desde una tar

    en un acto, a militantes con sus banderas –escenario habitde las fotos de un acto kirchnerista–, mientras que abundaquellas en las que aparece jugando con la menor de sus h(de unos 5 años de edad) o abrazado a su mujer en alguna idsituación familiar.

    Esto nos lleva al que considero uno de los rasgos más relevade esta constelación: en la Argentina se ha hablado muchocómo los últimos años “repolitizaron” la sociedad, pasandolo que se conoció como el “voto bronca” (altas tasas abstención y votos anulados como una forma de prote

    Un lenguaje (a)político a laPresidenciapor Emiliano Gambarotta

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    contra la “clase” política), a una masiva presencia en actospúblicos y, sobre todo, al resurgimiento de la militancia en elFpV, pero también en el conjunto de los partidos políticos (cadauno según su envergadura). La evidencia de tal proceso, ¿nonos habrá hecho perder de vista a una parte de la sociedad (consu modo pequeño burgués de di-visión de lo político) querechaza toda forma de politización (en el sentido más

    restringido de “político-partidaria”) como intrusión de una cosaajena en la propia vida? Una parte justamente “menos visible”,al no manifestarse explícitamente en actos, o hacerlo sólo demanera en extremo inorgánica pero no necesariamente poconumerosa. En efecto, ¿por qué si la sociedad se ha repolitizadoel margen de votantes indecisos permanece alto hasta casi elmismo día de las elecciones?, quizás allí haya un síntoma de estalógica.

    Este rechazo es el de aquél queno quiere que la política se metaen su vida cotidiana . Y el kirchnerismo se ha caracterizado,justamente, por el rasgo contrario, por buscar (y conseguir)tornar visible que la política y el Estado están allí, en lacotidianeidad de cada individuo. Tal política de visibilización dela política no puede más que chocar con la cultura de (e inclusoirritar a) esta parte de la clase media argentina. Quizás elsintagma en que esto cristaliza sean las cadenas nacionales deCFK y la suerte de “hartazgo” (azuzado por los medios decomunicación) que generaron en parte de la población. Pues setrata de la política metiéndose en esa privadísima y sagradarelación que se da entre el sillón y el televisor, que tu novela dela noche sea interrumpida por la Presidenta de la Nación

    hablándote de política, de números, de decisiones tomadas.¿No habrá una parte de la ciudadanía a la que no sólo no leinteresa sino que simplemente le harta saber cuánto invirtió elEstado en los satélites ARSAT, o cuánto se desendeudó a esemismo Estado? Frente a esto, lo propio del PRO es llevar ellenguaje de lo doméstico (llamarse por apócopes de losnombres, las ya mencionadas fotos familiares de Macri) y de lovecinal (las protestas sociales son sólo una fuente de problemasde tránsito, junto con una campaña basada en políticos queante cualquier pregunta contestan indefectiblemente “hablécon Juan Nadie de Lanús y me decía…”) al centro de su lenguaje

    político. En definitiva, el PRO sintoniza con una estética para lacual el lenguaje político (de valores-fines como la igualdad o lajusticia social) no ha de habitar nuestra lengua cotidiana, y paraello hace que sea el lenguaje pre-político de la cotidianeidad(que se auto-percibe como ajena a lo político) el que habite a lapolítica.i En Argentina es tradición comer ñoquis los días 29 de cada mes, por eso se lesdice “ñoquis” a aquellos que sólo aparecen por la oficina el día 29, a retirar sucheque de pago, sin volver a pisarla el resto del mes.

    SOBRE O AUTOR

    Emiliano Gambarottaes Doutor em Ciências Sociais (UBA), Mestre Sociologia da Cultura e Análise Cultural (IDAES-UNSaM) e LicenciaSociologia (UNLP). Na atualidade ministra aulas na área de Teoria Sona carreira de Sociologia da Universidad Nacional de La Plata ePesquisador do Consejo Nacional de Investigaciones CientíficasTécnicas (CONICET).Sus investigaciones se centran en el estudio de posibilidad de una crítica cultural de lo político, temática sobre la queescrito diversos artículos, el libroHacia una teoría crítica reflexiva. MaxHorkheimer, Theodor W. Adorno y Pierre Bourdieu (Prometeo, 2014), coeditado Estética, política, dialéctica: el debate contemporáneo (Prometeo2015), y también co-editóCuerpo, educación, política (Biblos, 2015).

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    Na segunda feira, 2 de novembro, Dias dos Mortos, o GloboNews em Pauta me meteu de cheio noNovembro Azul, chamarizda campanha mundial para estimular o diagnóstico preventivodo câncer de próstata. Os prédios públicos ficaram bonitosiluminados de azul, e nem falemos do Estádio do Corinthians.

    Como é costume, os participantes daquele programacomeçaram a criticar o “preconceito” dos brasileiros que nãorealizam o exame de Toque (merece maiúscula) paradiagnosticar o estado da próstata. Qualquer ação ou opiniãoque não agrade aos jornalistas é explicada, por eles, pelaexistência de um suposto preconceito. De fato, estamos emuma campanha para desenvolver o preconceito contra opreconceito. As pessoas correm o risco de se tornarem líquidasou de perderem a capacidade de ter opiniões divergentes.

    Dois dias depois, o médico de plantão do Jornal da Globoafirmava que os exames são complementares, em especial PSAe Toque. Destacava que apenas 50% dos brasileiros, maiores de45 anos, realizou o Exame de Toque alguma vez na sua vida,mas, nada diz sobre como chegou a essa estimativa.

    Não tive oportunidade de conhecer outros sistemas de saúdealém do brasileiro. De fato, se estou em Nova York ou em Parisnão me ocorre aproveitar para fazer algum exame preventivo.Pertenço à enorme massa que, estando no estrangeiro, apenasvai ao serviço médico se estiver “passando mal”. Talvez sejaeste um grande erro no cuidado de minha saúde. Ou será um

    preconceito?Contudo, lembro que fiz um exame de Toque há mais de 30anos, quando estava me tratando de uma danada hemorroidaque, por sorte, curou-se totalmente após seu “enforcamento”.O especialista incitou-me dizendo que era bom aproveitar aoportunidade, afirmando também que não seria fácil marcarhora especialmente para o exame de Toque. O resultado foinegativo. Meu médico de cabeceira, cardiologista, uma vez porano requisita o teste de PSA. Diante do resultado negativo me

    indica não ser necessário fazer o famoso Toque. Pela opidos jornalistas, deve ser um sujeito preconceituoso.

    Sacolejado pelo Novembro Azul decido entrar na internet pme informar sobre as doenças da próstata, seu tratamento eespecialidade a cargo do assunto. Tal como na televisãoinsiste para consultar o urologista, especialidade que parecea imagem no espelho do ginecologista. O câncer de mama para o câncer de próstata como o ginecologista paraurologista.

    A Demografia Médica, edição 2011, do Conselho de Medprimeira parte, informa que no Brasil temos aproximadame3300 urologistas. Poderíamos agregar menos de 1000 dos o censo denomina de “cologastrologista”, ou coisa pareciDigamos que temos 4000 médicos, supostamente treinadpara realizar o exame de Toque. Com dedos de comprimensensibilidade adequada para realizar o exame. Ninguém expentretanto, qual é o treinamento para desenvolver competência no diagnóstico pelo Toque. Em qual disciplinmomento se desenvolve a capacidade de diagnostimediante o Toque? Suponho que seja em cursos especialização e ou residência em Urologia, não? E algo disciplina de Urologia na graduação.

    Eu lembro que minha tia, que nos ensinou a aplicar injeçfazia inicialmente um treino com laranjas de casca resisteUma vez adquirida a habilidade de colocar a agulha com

    golpe seco em um círculo marcado na laranja passávamorealidade do extremo superior direito do glúteo. O treino ecomo todo treino, repetitivo. Muitos vizinhos e vizinhas sabaplicar injeções. Os realizadores do Toque deveriam estar btreinados, pois, além da próstata ser pequena e situada elugar protegido por outros órgãos, o Toque tem como princifunção detectar seu grau de consistência. A dureza é indicade câncer (não encontrei diferença sobre o grau de dureza, pexemplo, dura como uma noz ou como uma uva de mesa?)

    A pequena próstata e seugrandes desafios: sobre o Toqu

    por Hugo R. Lovi

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    O tamanho acrescido não indica necessariamente câncer,podendo ser apenas uma hiperplasia benigna de próstata(HBP). O PSA detectaria o aumento da próstata, mas nãodiscriminaria entre câncer e uma doença benigna; os ciclistas,por exemplo, tendem a ter resultados altos no PSA quedesaparecem depois um tempo com a bicicleta já guardada.Não sei que ocorre com os ciclistas amadores ou profissionais.

    Por isso a complementaridade, em primeira instância, do PSA edo Toque.

    Os jornalistas para diminuir, o preconceito dos homens,poderiam pesquisar as formas de treinamento, para o Toque,usadas nos cursos de especialização, se é lá que é feito otreinamento do Toque. Os “Toqueteados” têm o direito desaber sobre o treinamento. Se for tão simples como aplicar umainjeção, muitos voluntários não médicos, e de qualquer gênero,poderiam ser treinados. Creio que hoje a aplicação injeçõesdeve estar regulamentada beneficiando a algum tipo dediplomado.

    Contudo o toque parece ter menos risco que a injeção (luva elubrificante estéreis) . Seria muito útil, como veremos adiante,os examinados poderem, em caso de ser do seu interesse,escolher o “Toqueteador” pelo gênero declarado. Assim, sepoderia escolher um urologista homoerótico, por exemplo.Talvez os preconceitos diminuíssem em número e intensidade.

    Depois do Toque com resultado positivo, ou seja, indicandopossibilidade de câncer, viriam os estudos de imagens.

    Não creio que existam estudos sobre “falso positivo e falso

    negativo” no caso do Toque. É sabido que este é um problemano campo, experimentado há quase 50 anos na imagem damamografia. Claro, sempre é possível fazer um exame do tecidoprostático, uma biópsia. Estamos diante de um fantásticomecanismo médico que gera exames para gerar mais exames.No extremo, os que contam com um histórico familiar denso decâncer de próstata poderiam passar por uma cirurgia deextirpação preventiva, enfrentando os efeitos não desejados,como foi publicitado no caso da possibilidade do câncer demamas. De fato, não seria necessária uma prótese da próstata,como no caso das mamas. Os pesquisadores em Urologia

    poderiam estudar se há um gene associado ao câncer depróstata, como é o caso no câncer de mama. Se há uma taxa demortalidade entre os dois tipos de câncer semelhante, comoparecem indicar algumas estimativas, qual a razão para oprivilégio concedido ao exame genético do câncer feminino demamas? No campo da saúde as mulheres são sempreprivilegiadas?

    Os especialistas e os organismos de saúde recomendamvigorosamente realizar um Exame de Toque, se possível uma

    vez por ano, a partir dos 45 anos de idade. No exame de ganham os laboratórios, não os urologistas. Assim, nuncdescarta o Toque, pois, tudo indica, poderia abrir um lacaminho de exames e, sempre, de retornos monetários.

    Vamos agora à direção do que importa: o irrealismo. TemoBrasil aproximadamente 25.000.000 de homens com mais danos. Isto significa que a relação com os urologistas é de 16000, portanto cada especialista deveria realizar trinta toqupor dia. Para se atingir a demanda induzida, deveriam formados muitos mais médicos na especialidade ou voluntánão médicos que acima sugeri. Assim, eu recomendarformação de técnicos em Toque. Pessoas de dedos largofinos com grande sensibilidade; talvez as mulheres sejam maptas para a profissão de “técnico ou técnica de Toque”. Muihomens se sentiriam melhor com mulheres, se o fantasmahomossexualidade os acossa. Antes, na espera, assistiriamfilmeO último tango em Paris , uma crítica já velinha do supo

    “preconceito”. O exame de Toque, feito pelas técnicas, podeser realizado em salinhas anexas aos centros de beleza ou shoppings centers.

    Repitamos. Se os urologistas se dedicassem a fazer diagnósvia Toque deveriam realizar mais de 6.000 por ano cada Algum número próximo a 30 exames por dia, além consultas para o resto da população, homens menores de anos e todas as mulheres, como base de intervenção paratratamento de doenças urológicas. Já tive a oportunidade ouvir a recomendação de que toda pessoa a partir dos deferia realizar uma colonoscopia. O palestrante se recusoestimar os recursos de tempo e humanos para tal objetivo. fato, devia estar pensando naqueles que pagam por um sistemprivado de saúde. Na esfera pública quanto tempo haveria esperar?

    As cifras indicam que médicos e organizações recomendamfaçamos exames quase impossíveis de realização sob o pode vista numérico. Se lembrarmos de que quase 60%população depende da saúde pública, imaginemos o qsignificará marcar e conseguir, em termos de esforço e temrealizar o exame. Assim, se o PSA nada indica, o melhor é

    a vida plenamente e esquecer o Toque. Se o PSA indproblemas com a próstata podemos ir para o exame de Toq

    Além do tempo do Toque, o urologista ou seus assistendevem levantar a história familiar do testado e a existênciasintomatologia. Os sintomas do câncer prostático confundem sistematicamente com os da hiperplasia benignapróstata, da qual não morre ninguém, por isso o refoargumental para realizar o Toque. Uma boa parte do cânprostático é descoberta post mortem, quando se realiautopsia em (ex) pacientes que morreram de qualquer ou

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    coisa. O câncer prostático apresenta ritmos variados dedesenvolvimento na próstata e de migração para outrosórgãos. Existem cânceres de próstata para os quais o melhor énão fazer nada e parece que o axioma segundo o qual quantomaior idade, menor intervenção, é regra no câncer de próstata.

    Diante do panorama apresentado, a campanha, além dedifundir o medo, leva na direção da frustração e da culpa. Ouseja, no caso do Brasil, a campanha difunde, finalmente, o medoe a culpa.

    A reação dos homens, em fazer o exame de Toque, quando oPSA for negativo, e nada mais fazer, parece ser a resposta maissaudável de autocuidado nas condições vigentes. Osurologistas não necessitam de mais mercado e os jornalistasdeveriam ser tão críticos com as campanhas de saúde quanto osão em relação aos políticos.

    SOBRE O AUTOR Hugo R. Lovisolopossui graduação em Sociologia - Universidad de BuenosAires (1969), mestrado em Antropologia Social pela Universidade Federaldo Rio de Janeiro (1982) e doutorado em Antropologia Social pelaUniversidade Federal do Rio de Janeiro (1987). Pós-doutorado em Ciênciasdos Esportes pela Universidade do Porto.

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    Aquelas velhas caixas, paixões como alegria e tristeza, quesurgiam nos contos de cada um, me fazem perguntar se taisnarrativas revelam certa falta. De que? Talvez, de que hojeparece não se ter “tempo” e “espaço” para outras receitas defamília. E aqui família precisa se ampliar: filhos, sobrinhos emesmo os grupos sociais, de amigos ou de trabalho, queimplicam certo estado afetado numa relação alimentar.

    A modernidade, com pessoas, ritmos e lugares acelerados, e emmeio a tantos signos materiais e simbólicos que reforçaram suaconstrução, também chegou até o simples preparar de umarefeição. Espécie de rolo compressor que esmagapossibilidades de compor, entre o velho e o novo, outros afetospassíveis de serem rememorados comohistória alimentar denosso tempo. Penso se nossa capacidade de contar o quecomemos foi, de certa forma, reduzida ou até esquecida.

    Se a transmissão de receitas de família revelava umacapacidade de apresentá-las numa série de práticas e prosas,

    situando paixões e identidades (étnicas, sociais, de gênero egeracional), então, neste tempo em que se pesquisa receitasem “Google” e afins, come-se fora pelas exigências da vidamoderna, adquire-se produtos alimentares “prontos paraconsumo”, ou, mesmo quando se come em casa, mas, agora napresença de uma televisão, de um smartphone, penso que hámuito pouco para se contar sobre o que se come.

    Quer dizer, hoje, no momento mesmo em que nosalimentamos, talvez não tenhamos muito mais que dizer emrelação ao que mata nossa fome biológica e nosso desejo quejá não estejam presentes na série de afetos ligados aos signoscontemporâneos: “comer saudável”, “corpo perfeito”,“economia de tempo e de dinheiro”, “refeição mensurada porcalorias e outros nutrientes”, ou “mediados pela categoria derisco ou de proteção à saúde”.

    Um conjunto de símbolos tomado pelos domínios da indústriade alimentos, de restaurantes (e não apenas os chamados fastfoods) que servem comidas prontas, à La carte ou a Buffet. Etambém expresso na tecnologia e na ciência, que parecemcompor todos eles, contribuindo para certo empobrecimentogustativo ligado a experiências mais tradicionais de outras

    culturas alimentares.Afinal de contas, se entendemos que com as revoluçõesindustrial e burguesa produziu-se uma impossibilidade deconciliação entre trabalho e brincadeira, então aquela velhacaixa de brinquedos chamada memória alimentar pode estarmais distante do que se imagina. Assim, se será difícilrememorá-la, que dizer de atualizá-la?

    E você, caro leitor, consegue contar acerca do comer da últimaou próxima refeição sem que o tema esteja apenas mensurado

    por categorias como saúde, corpo, contagem de caloriasoutros nutrientes, ou emoldurado pelos fatores de risco ou proteção à saúde?

    Então, na experiência do comer contemporâneo, em parte,esquecimento exatamente pela falta do que rememorar .

    E o desejo de brincar, negado, permanece latent

    Esquecimento produzido. O que se tem para rememorar?

    SOBRE O AUTOR

    Thiago Perez Jorge é Nutricionista (2010) e mestre em educação (201Atualmente é doutorando no Programa de Pós-Graduação em História peUniversidade Federal de Santa Catarina. Integra o Núcleo de EstudosPesquisas Educação e Sociedade Contemporânea (CED/UFSC) NúcleoEstudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea (UFSC/CNP

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    Este texto pretende fazer uma apreciação crítica do livroPara-Heróis, de Joanna de Assis, publicado em 2014 pela editora BelasLetras, de Caxias do Sul, Rio Grande do Sul. A autora é jornalistado canal Sport-TV, com experiências em vários jornais e portaisde notícias. O livro reúne histórias de dez atletas comdeficiência, os quais se tornaram o que ela chama de “para-heróis”, ou seja, casos bem-sucedidos dentro do esporteparalímpico. É ilustrado com fotos em branco-e-preto e tem

    aproximadamente 200 páginas.A obra é despretensiosa, e sua produção teria sido incentivadapor um grupo de parentes e amigos determinados a registrarcasos esportivos particulares (ela própria explicita isso nosagradecimentos). Diria que é bem-intencionado (como muitasdas ações de pessoas não deficientes em relação ao universo dadeficiência), e inédito no atual cenário da literatura esportiva,além de lançar, no mercado editorial, algo novo, inusitado, istoé, histórias de pessoas não comuns que lutaram para ser o quesão e chegar ao lugar em que chegaram no esporte.

    Dessincronizado cronologicamente, pois não apresenta osparatletas por geração, o livro registra a história de quatrocegos (dois que nasceram com a deficiência e dois que aadquiriram a cegueira por acidentes), um caso de degeneraçãoneurológica, dois deficientes físicos por trauma (todos oriundosde acidentes) e três casos de má formação fetal e, portanto,com consequências físicas irreversíveis. Um mérito do livro éexpor tais deficiências de modo contextual para um públicoleigo, sem partir para explicações biomédicas detalhistas, comofrequentemente ocorre quando se trata de deficiências.

    Joanna de Assis narra as sagas de Alan Fonteles, corredorbiamputado de membros inferiores que derrotou OscarPistorius na última Paralimpíada; Rosinha, a da arremessadoracarinhosa que faz “milagres” sem uma das pernas; a deTerezinha, a cega corredora extravagante; as de Clodoaldo eDaniel, nadadores com má formação congênita, multi-medalhistas, que podem quase ser considerados “mestre” e“discípulo”; a de Dirceu, paratleta de bocha com distrofiamuscular progressiva; a de Ádria dos Santos, uma das maiorescorredoras cegas de todos os tempos; a de Tenório, o brilhantejudoca que vence “até” gente que enxerga; a de Jovane, oesgrimista que ficou paraplégico devido a um tiro; a de Mizael,cego futebolista, advogado e administrador esportivo.

    Na tentativa de capturar os leitores, a autora trabalha coclichês a todo instante: em geral, as histórias seguem a fórm“origem humilde – dificuldades – deficiência – superaçesporte – sucesso”. Frases como “o deficiente se aceita, outros é que são o inferno” (p. 48), “deficientes querem exemplos de desempenho, da excelência que possuem esporte” (p. 87), “[ele] é um campeão nas águas da vida” 93), “e como os cegos odeiam as bengalas” (p.120),

    paralímpicos são muito mais competitivos do que os atlditos normais [...]” (p. 162) recheiam o livro e constrequívocos sobre tais sujeitos que são, igualmente, paradoxcontraditórios, lenientes, mentirosos, esforçados, vitoriosofracassados como qualquer um de nós. Não querem exemplos de nada; só aceitam esse “discurso” pnecessidade de ter um pouco de dignidade perante umsociedade “hábil”/ “capaz” que os exclui, e permanecemimobilismo do assimilacionismo!i As afirmações de Assis sassim, ingênuas, superficiais, típicas de alguém que enxergpessoas com deficiência no esporte como “heróis”. Strajetórias são tão ou mais dramáticas, tão ou mais injustastão ou mais espetaculares que as de quaisquer um de nós.

    Além disso, a autora teima em “falar” pelos atletas. Naparecem depoimentos do que tenha significado umcolocação no pódio, uma convocação, a conquista de umedalha, ou ainda como foi entrar para o paradesporto. Tupassa, irremediavelmente, por sua narração em primepessoa. Ela incorre em um erro bastante comum, ao se proa “falar” pelos que não têm voz, possibilitar “uma chance” pque tais pessoas sejam “ouvidas”. Porém, o que se “ouve” se lê, no caso) são histórias romantizadas e adornadas pelo vinterpretativo de uma jornalista que se coloca como beintencionada.

    Mas o olhar sobre a deficiência tem dessas coisas: inprovoca comoção, sensibilização, mudanças de atitude entr“antes” e “depois” da exposição à anomalia, ao acidenteamputação, à própria deficiência. Portanto, isso não é falhaJoanna de Assis, mas de uma sociedade que teima “resgatar” a deficiência do ostracismo social só para minima culpa de não enxergá-la. A visibilidade dada a ela, então, uma forma de recompensa para o apaziguamento consciências pesadas.

    Há pontos positivos (e de certo modo inéditos) no livroquais merecem ser comentados: o caso do guia-corred

    Esporte, Pessoa com Deficiência,Dramas: receita de sucesso!

    por Wagner Xavier de Camargo

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    explicado em vários momentos (principalmente nas trajetóriasde Terezinha e Ádria), figura fundamental na relaçãoatleta/acompanhante no caso de cegueira total, que devoluntário passou por um processo de profissionalização aolongo dos anos; o modo como as próprias pessoas comdeficiência tratam umas às outras, chamando-se de “ceguetas”,“chumbados” etc., surpreendendo-nos e desfazendo nossosenso comum, “politicamente correto”, em relação a isso; odesprezo dos videntes (pessoas que enxergam) para com oscegos, principalmente quando desviam dessas pessoas na ruaou quando procuram ajudá-las, mais por constrangimentomoral do que por comprometimento com o próximo; ou aindaa falta de reconhecimento em relação ao paratleta, que pormais medalhas que tenha obtido em competições ou vitórias nocurrículo, é infinitamente menos valorizado do que atletas semdeficiência.

    Por conhecer praticamente todos os paratletas tratados nolivro e ter acompanhado momentos importantes de suastrajetórias no esporte, aponto ainda que a narrativareconstruída por Assis traz dois fatos que não poderiam ter sido

    deixados de lado: a) a carreira de corredora de Ádria durantemuito tempo foi balizada pela disputa com a espanhola PuriSantamarta, as duas protagonizavam uma rivalidade digna denota, com imposições corporais, agressões verbais eestratégias distintas de corrida nas pistas, e, além disso, b)antes da Confederação Brasileira de Desportos para Cegosexistir, como aparece na história de Mizael (p. 194), havia aAssociação Brasileira de Desportos para Cegos, fundada em1984, responsável pela estruturação do esporte de pessoascom cegueira ou visão subnormal no Brasilii. Mizael foi um“filho” desse processo de institucionalização, dada aconvivência bastante próxima, durante anos, com os principaispresidentes das entidades, o que contribuiu para sua formaçãona gestão do paradesporto.

    Se Joanna diz ter “chorado várias vezes em frente aocomputador” (p. 12) escrevendo tais histórias, eu não choreivez alguma ao ler o livro. E não se trata de falta de sensibilidade.Em parte, porque conheci a realidade das pessoas comdeficiência durante muitos anos e sempre mantive uma posturade que eram pessoas como outras quaisquer,independentemente de suas particularidades/necessidades(afinal, todos temos as nossas). E também porque tomeicontato com histórias tão ou mais trágicas que as narradas porAssis.

    Eliane Brum, em sua obra A vida que ninguém vê, traz casospróximos a nós (mendigos na calçada, faxineiras, funcionáriosde carga, entre outros), ao lado dos quais passamos no dia-a-dia e nem notamos. Talvez Joanna tenha chorado pelaconsciência que tomou de que poderia fazer mais do que faz e

    reclamar menos da vida ou do lugar que ocupa no social. Mdo que uma “comoção” para com os deficientes, essa pareser somente uma “crise de consciência”. Por isso minha crmáxima ao livro, que mesmo para leigos, repete o mantrauma sociedade “hábil/capaz” nos momentos em que reafirtextualmente clichês como “deficientes fazem a diferenç“da combinação de talento e valentia”, ou que são pessoas q“também podem” e que têm igualmente uma vida “normaSubliminarmente a autora, assim como a maioria de nósimpressiona com o exótico, com o outro diferenhipervalorizando suas habilidades conquistadas como formaminimizar muitos dos preconceitos que nos cercam e produzidos por nós mesmos.

    Em tempo: nunca saberei se Assis leu o livro de Brum, commenção anteriormente, mas há uma referência às “vidas qninguém vê” (p. 22) que me faz pensar que sim. Entretasinto muito em dizer que se essa minha assunção é verdadetalvez ela não tenha entendido a mensagem daquela autoque diz que “as vidas que ninguém vê” estão em todos lugares, todos os dias.

    ASSIS, Joanna de.Para-Heróis. Caxias do Sul: Belas-Letras, 2014. 202 p.

    i Tendo vivido e convivido entre atletas com deficiência há cerca de quinzenão me constrange fazer tal afirmação. O “assimilacionismo”, ou o mostrartambém se é “capaz” por modos e modelos instituídos, traz à superfície considerações um lugar desejado no social, seja porque creem que deve hnum “ajuste de contas” da sociedade para com os deficientes, seja porqueparatletas também anseiam por um reconhecimento mediante suas conquis

    ii Explicando de modo simplificado, as pessoas com deficiência visual pod“cegas totais” (ou seja, não enxergam nada ou têm pequenas percepçõesluminosidade) ou têm “visão subnormal”, o que implica nas várias deficiêvisuais que apresentam déficits de campo e/ou acuidade visuais. No esportrês classificações que mesclam esses fatores e alocam os sujeitos entre o c

    total e os com resquícios visuais.

    SOBRE O AUTOR

    Wagner Xavier de Camargo é cientista social, com mestrado em EducaçãFísica. Atualmente bolsista FAPESP, desenvolve pós-doutoramento eAntropologia das práticas esportivas pela UFSCar (Universidade FederaSão Carlos). É doutor em Ciências Humanas pela Universidade FederalSanta Catarina (UFSC) e foi bolsista da Deutscher Akademischer AustausDienst (DAAD) em estágio internacional na Freie Universität Berlin Berlin), Alemanha. Insere-se no campo dos estudos antropológicos dpráticas esportivas e dedica-se, com especial destaque, à investigação darelações de gênero, corporalidades e sexualidades na arena esportiva.

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  • 8/19/2019 Contemporanea 4

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    CONTEMPORÂNEA | Edição Nº 4 –MARÇODE 2016

    Há dois anos, em 25 de fevereiro de 2014, morria o guitarristaPaco de Lucía. O fato não apenas pegou de surpresa seusadmiradores, como pôs fim a um ciclo em que o flamenco, emmúsica e dança, se impôs como expressão cultural quedesafinou com a indústria do entretenimento, mesmo queestivesse por dentro dela. Paco era todo coração, mesmo emsua timidez e em seu estilo contido no palco, e não deixa de serirônico que um infarto lhe tenha roubado a vida. Ironia que setorna ainda maior ao ter morrido em Playa del Carmen, nocaribe mexicano, ele que atuou dramatizando a si mesmo emum filme singular, também chamado Carmen, em 1983,premiado em Cannes e no Oscar.

    Carmen foi dirigido por Carlos Saura e compõe uma trilogia dodiretor sobre o flamenco, junto comEl amor bruxo (1986) eBodas de Sangre (1981). No enredo, uma companhia de dança seprepara para interpretar a obra-prima de Georges Bizet,baseada na novela de Prosper Mérimée. A peça que tanto

    impactou Friedrich Nietzsche, a ponto de fazê-lo romper comRichard Wagner, é dança cigana, tragédia em ato. Não apenaso grande violonista, mas todos atuam representando a simesmos, com exceção da belíssima Laura del Sol, a Carmen.Trata-se nada menos do que da companhia de dança de AntonioGades, o maior bailarino da história do flamenco. Paco brilhanesse drama de paixão, ciúmes, liberdade, disputas e mortes,em que se mesclam realidade e ficção. Seu esplendor, noentanto, é discreto, e seu talento se deixa ver nem tanto naforma em que a tradição flamenca ressoa em compassosrítmicos inovadores, chegados ao jazz, como nos tempos do

    trio com Al DiMeola e John McLaughlin, mas a serviço da força eda beleza da indomável Carmen.

    Há alguns anos morreu Antonio Gades, vítima de câncer aoscinquenta e sete anos, depois de foi Paco, aos sessenta e seis.Resta o maestro Carlos Saura, aposentado. Acabou-se umtempo. A música cigana já não resiste tanto aos ardisreificadores da indústria cultural, os bailarinos agora sãoatléticos e andróginos. Que o flamenco viva então nos registrosfugidios da memória, nas imagens, na recordação de ter estado

    em um espetáculo inesquecível. Experiência estética transforma aquele momento insuperável, e que nunca repetirá, em documento onírico, como certa vez. Feliz daquque viu, em 1988, Antonio Gades dançando com Cristina Hno Teatro do Centro Integrado de Cultura, em Florianópolisum canto do palco, soberana, a guitarra flamenca de PacoLucía.

    SOBRE O AUTOR

    Alexandre Fernandez Vazé Professor da Universidade Federal de SanCatarina, onde leciona e orienta no Programa de Pós-graduação emEducação e no Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em CiêncHumanas, e coordena o Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação Sociedade Contemporânea. Doutor em Ciências Humanas e Sociapela Gottfried WilhelmLeibniz Universität Hannover, Alemanha, onde atu

    como Pesquisador Convidado no Instituto de Sociologia (2015-201Pesquisador 1D Conselho Nacional de Desenvolvimento CientíficoTecnológico (CNPq), bolsista de pós-doutorado do mesmo órgão (212016).

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    Quando o Flamenco se calou:Paco de Lucía

    por Alexandre Fernandez Vaz

    ARTE E SOCIEDADE

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