ANÁLISE SOBRE A CARACTERIZAÇÃO UTILIZADA NO EXERCÍCIO … Carolina Aras… · RP-HPLC...
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE CIÊNCIAS FARMACÊUTICAS
Curso de Graduação em Farmácia-Bioquímica
ANÁLISE SOBRE A CARACTERIZAÇÃO UTILIZADA NO EXERCÍCIO DE
COMPARABILIDADE DE UM MEDICAMENTO BIOSSIMILAR
Carolina Sayuri Arashiro
Trabalho de Conclusão do Curso de
Farmácia-Bioquímica da Faculdade de
Ciências Farmacêuticas da Universidade
de São Paulo.
Orientador(a):
Prof. Dr. Ricardo Pinheiro de Souza
Oliveira
São Paulo
2018
3
SUMÁRIO
Pág.
Lista de Abreviaturas .......................................................................... 4
RESUMO .......................................................................................... 7
1. INTRODUÇÃO 8
2. OBJETIVOS 11
3. MATERIAIS E MÉTODOS 11
4. RESULTADOS 12
5. DISCUSSÃO 18
6. CONCLUSÃO 30
7. BIBLIOGRAFIA 31
4
LISTA DE ABREVIATURAS
ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária
AUC Ultracentrifugação analítica
CCDA Citotoxicidade celular dependente de anticorpo
CD Dicroísmo circular
CDC Citotoxicidade dependente de complemento
CDR Regiões determinantes de complementaridade
CE-SDS Eletroforese capilar acoplada a SDS
CEX-HPLC Cromatografila líquida de alta performance com troca catiônica
cIEF Focalização isoelétrica capilar
DSC Calorimetria de varredura diferencial
DTT Ditiotreitol
EGA European Generic Agency
ELISA Ensaio de imunoabsorção enzimática
EMA European Medicines Agency
ESI Ionização eletrospray
FCDA Fagocitose celular dependente de anticorpo
FcγR Receptor Fc gama
FDA Food and Drug Administration
FTIR Espectrometria infravermelha transformada Fourier
HC Cadeia pesada
HDX Troca Hidrogênio/Deutério
5
HPLAEC-PAD Cromatografia de troca iônica de alta performance com detecção de pulso amperométrico
HPLC Cromatografia líquida de alta performance
HR Alta resolução
ICH International Conference on Harmonisation
IEC-HPLC Cromatorafia líquida de alta performance com troca iônica
IEF Focalização isoelétrica
IgG Imunoglobulina G
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
LC Cadeia leve
m/z massa/carga
mAb Anticorpo monoclonal
MALDI-TOF Ionização e dessorção a laser assistida por matriz
MS Espectrometria de massas
NMR Ressonância magnética nuclear
PB Produto biológico
PBC Produto biológico comparador
pI Ponto isoelétrico
qToF Analise de massas por tempo de vôo
RDC Resolução da Diretoria Colegiada
RP-HPLC Cromatografia líquida de alta performance com fase reversa
SEC-MALLS Cromatografia de exclusao molecular acoplada ao espalhamento de luz em múltiplos ânguloa
SH Grupo tiol
6
SPR Ressonância de superfície plasmônica
SV Velocidade de sedimentação
Tm temperatura de fusão média
TNF-α Fator de necrose tumoral alfa
VEGF Fator de crescimento vascular endotelial
WHO/OMS Organização Mundial da Saúde
7
RESUMO
ARASHIRO,C.S. Análise sobre aspectos de qualidade utilizados no exercício de comparabilidade de um medicamento biossimilar. 2018. Trabalho de Conclusão de Curso de Farmácia-Bioquímica – Faculdade de Ciências Farmacêuticas – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018. Palavras-chave: Biológico; Biossimilar; Caracterização; Comparabilidade; Estrutura; INTRODUÇÃO: O biossimilar é um produto semelhante a um produto biológico já registrado e comercializado. Para que seja registrado no Brasil, é necessário demonstrar a similaridade ao produto referência no país em termos de qualidade, segurança e eficácia. Para tanto, é feito o exercício de comparabilidade. Nele, são demonstradas a qualidade, a estabilidade, o processo de fabricação, entre outros. No quesito qualidade, é necessário demonstrar a similaridade nas propriedades físico-químicas, na atividade biológica e especificações. Este trabalho visa analisar as técnicas utilizadas no exercício de comparabilidade para caracterização do produto. OBJETIVO: Análise crítica das técnicas e metodologias utilizadas na caracterização de biossimilares disponíveis na bibliografia. MATERIAL E MÉTODOS: A literatura abordada abrangerá a legislação brasileira vigente, farmacopeias, guias, artigos científicos e outros materiais contendo técnicas dos exercícios de comparabilidade relativas à estrutura funcional, propriedades físico-químicas e biológicas de biossimilares. Na busca de referências foram utilizadas as seguintes bases de dados: PubMed, Web of Science, Science Direct e Scielo. Serão acessados sites de referências como Anvisa, EMA, FDA e WHO. As seguintes palavras-chave foram Biossimilar; Biotecnologia; Caracterização; Comparabilidade; Desenvolvimento; Estrutural; Funcional; Intercambialidade; Imunogenicidade; Inovador; Qualidade; Regulatório. RESULTADOS: As técnicas analíticas se mostraram sensíveis e robustas para caracterização dos biossimilares e dos produtos referência. Foi possível demonstrar as semelhanças e diferenças com o produto comparador. As diferenças encontradas foram investigadas e avaliadas. CONCLUSÃO: Muitas caracterizações utilizam os mesmos tipos de técnicas e mesma estratégia de caracterização, demonstrando convergência das mesmas. Entretanto, as diferenças entre os produtos não podem ser avaliadas apenas pela qualidade, mas também pela eficácia e imunogenicidade, sendo necessários os ensaios pré-clínicos e clínicos.
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1. INTRODUÇÃO
O surgimento dos medicamentos biológicos possibilitou à sociedade novas
formas de tratamento para diversas doenças que até então eram tratadas apenas
com medicamentos sintéticos ou não possuíam tratamento. Diferentemente dos
medicamentos sintéticos, cuja síntese é química e molécula pequena, os
biológicos são produzidos através de organismos vivos ou tecidos e possuem
moléculas muito maiores e mais complexas. Exemplos de medicamentos
biológicos são: vacinas, enzimas, insulina, hormônio de crescimento, heparinas, e
anticorpos monoclonais (VITOLO et al., 2015).
Os medicamentos biológicos são produzidos através da expansão de
células contendo gene de interesse e posterior expressão da proteína. Depois,
isola-se e purifica-se a proteína para envase e comercialização (AL-SABBAGH et
al., 2016). Todas estas etapas devem ser controladas e implementadas, haja vista
a qualidade, eficácia e segurança do produto final.
Os anticorpos monoclonais são uma classe de medicamentos biológicos, os
quais são utilizados em tratamentos oncológicos, em doenças autoimunes e
outras indicações. Com a entrada dessa classe de medicamentos houve um
avanço na terapia oncológica, que antes era realizada através de quimioterapia e
radioterapia, as quais são muito agressivas ao sistema imune do paciente.
Diferentemente delas, os efeitos colaterais da imunoterapia são bem menores
devido à alta especificidade do tratamento, o que contribui também para a
aderência do paciente no tratamento com anticorpos monoclonais (PINHO, 2004).
A queda da patente dos medicamentos biológicos possibilitou à indústria
farmacêutica criar versões semelhantes a um produto biológico (PB), denominado
biossimilar, também chamado produto biológico comparador (PBC). Mais uma vez,
comparando-se biológicos a sintéticos, é errôneo dizer que os biossimilares são as
versões “genéricas” dos biológicos, pois são medicamentos muito mais complexos
e não necessariamente idênticos, como no caso dos genéricos. Disto deriva seu
nome biossimilar, visto que não é uma cópia idêntica do medicamento
referência/comparador, e sim um medicamento altamente similar (ANVISA, 2017).
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Apesar dos biossimilares não serem idênticos ao medicamento biológico
comparador, em 2017 a ANVISA emitiu uma nota sobre os biossimilares serem
novas alternativas ao paciente dependendo da especificidade e estágio do
tratamento, resposta imunológica do paciente, dentre outros fatores. Isto não
apenas é benéfico ao paciente, como também gera impactos na economia, pois
pode ser uma alternativa mais acessível ao tratamento contra o medicamento
referência (EGA, 2008).
O advento da entrada dos genéricos no Brasil possibilitou à população
brasileira maior acesso a medicamentos, e também gerou impactos financeiros ao
Estado através de novos medicamentos ao mercado e competitividade. Em
pesquisa feita por Vieira F.S. (2018), analisou-se que o gasto do SUS em 2016
apenas em medicamentos foi de 18,6 bilhões de reais. Além disso, nesta mesma
pesquisa, mostrou-se que entre 2010 e 2016, houve aumento das despesas com
imunobiológicos e hemoderivados (64,7% e 151,9%, respectivamente), somando
2,8 bilhões de reais nestas duas categorias. Os medicamentos biosimilares podem
ser uma alternativa a parte destes custos, haja vista o seu menor custo de
produção comparado ao PBC, o qual utilizou muitos recursos em Pesquisa e
Desenvolvimento. Isto gera ao Sistema de Saúde uma oportunidade de redução
de custos e melhor aproveitamento dos gastos públicos. Para tanto, fez-se
necessário que a Agência Regulatória regulasse a entrada dos medicamentos
biossimilares para que apenas os medicamentos qualificados sejam registrados e
comercializados.
A ANVISA iniciou a regulamentação de biossimilares em 2010, enquanto
FDA e EMA criaram regulamentações em 2009 e 2005, respectivamente
(DALLER, 2015). Até o momento, foram registrados os medicamentos pena
ANVISA os medicamentos da Tabela 1. Apesar da Agência Brasileira
regulamentar os biossimilares posteriormente, a legislação brasileira destes
medicamentos foi baseada fortemente nas regulamentações internacionais, o que
contribui para os critérios de regulamentação deste medicamento. Isto mostra que
há tendências de aceitação e regulamentação harmonizada destes medicamentos
mundialmente.
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O PB não é produzido com as mesmas linhagens de células, nas mesmas
condições de produção e equipamentos necessariamente iguais a do PBC.
Entretanto, o produto final deve ser altamente similar ao PBC. O medicamento
biossimilar deve demonstrar sua comparabilidade através da qualidade, eficácia e
segurança para que seja registrado em algum país. Para tanto, é descrito um
Exercício de Comparabilidade. Nele, serão discutidas as características do
produto, sua comparabilidade não-clínica e clínica. Desta forma, será possível
verificar a comparação do PB com o PBC nos parâmetros de qualidade, eficácia e
segurança (ANVISA; FDA; EMA). Além disso, dentro do dossiê, deve haver um
plano de avaliação de riscos feito através da farmacovigilância, assim como um
medicamento biológico comparador, a fim de verificar os efeitos pós-
comercialização deste produto.
Todas estas informações visam verificar a similaridade do medicamento
biossimilar ao medicamento comparador e demonstrar que o medicamento possui
resultados não-inferiores ao medicamento referência que não foram sinalizados
antes de obtenção do registro. Este trabalho irá focar nas técnicas de análise da
caracterização utilizada no exercício de comparabilidade de um medicamento
biossimilar, principalmente na classe dos anticorpos monoclonais.
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Tabela 1. Biossimilares aprovados no Brasil até Setembro de 2018.
Nome comercial
Ativo
Fabricante Data de aprovação
na ANVISA
Admelog
insulina lis/pro
Sanofi-Aventis Farmacêutica Ltda Set/2018
Basaglar
insulina/glargina
Eli Lilly do Brasil Ltda Jun/2016
Fiprima
Filgrastim
Eurofarma Laboratórios S.A
Jan/2016
Glargilin
insulina/glargina
BIOMM S. A. Jul/2018
Remsima
Infliximabe
Cellltrion HealthCare Distribuição de
Produtos Farmacêuticos do Brasil Ltda
Mai/2015
Renflexis
Infliximabe
Zedora
Trastuzumab
Samsumg Bioepis BR
Biopharmaceutical Ltda
Libbs Farmacêutica Ltda
Jul/2018
Dez/2018
Fonte: Anvisa (2018)
2. OBJETIVO
O objetivo deste trabalho foi analisar criticamente as técnicas utilizadas na
caracterização de um produto biossimilar dentro de um Exercício de
Comparabilidade para fins de registro na ANVISA.
3. MATERIAIS E MÉTODOS
Neste trabalho avaliou-se a literatura científica acerca de biossimilares e sua
caracterização. As referências utilizadas foram as seguintes bases de dados:
PubMed e Scielo. Além disso, foram referenciadas as seguintes agências e/ou
organizações: ANVISA, EMA, FDA, WHO, HEALTH CANADA e ICH. Foram
utilizadas as seguintes palavras-chave: Biossimilar; Biotecnologia; Caracterização;
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Comparabilidade; Desenvolvimento; Estrutural; Funcional; Intercambialidade;
Imunogenicidade; Inovador; Qualidade; Regulatório.
3.1. Estratégias de pesquisa
3.2. Critérios de inclusão: foram incluídos as referências que contém:
caracterização; produtos biológicos; elucidação de estrutura; ensaios analíticos;
exercício de comparabilidade; guias de Regulamentação de Biossimilares;
3.3. Critérios de exclusão
Não foram consideradas as referências anteriores a 1990 e em idiomas que
não sejam inglês ou português.
4. RESULTADOS
4.1. Produtos biológicos:
Os medicamentos biológicos são usualmente proteínas de alto peso molecular.
Para identificá-las é necessário entender sobre a sua estrutura. Proteínas são uma
estrutura de polímeros de aminoácidos nas quais as ligações pépticas são rígidas
e planas. As proteínas têm quatro padrões estruturais:
Estrutura primária: é a estrutura mais simples, constituída da sequência de
aminoácidos e das ligações de sulfeto (caso existam);
Estrutura secundária: arranjo espacial dos radicais de aminoácidos
próximos, contendo padrões em α-hélice e folha pregueada β, por exemplo.
Estrutura terciária: arranjo espacial de aminoácidos distantes, que
interagem por forças químicas fracas como Força de Van Der Waals, força
hidrofóbica, força eletrostática e força induzida dipolo-dipolo.
Estrutura quaternária: arranjo espacial dos contatos das cadeias
polipeptídicas.
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Figura 1: Ilustração das estruturas de uma proteína. Imagem retirada de
University of Tokyo CSLS
Modificações pós traducionais:
Algumas modificações ocorrem após a síntese de proteínas, como por
exemplo, a glicosilação. Esta modificação é comum em proteínas extracelulares e
esta relacionada com a meia-vida da proteína e sua solubilidade, melhorando-as.
A Tabela 2 demonstra alguns tipos de modificações pós-traducionais.
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Tabela 2. Tipos de modificações pós-traducionais.
Modificação Exemplo
Processamento proteolítico Várias proteínas se tornam biologicamente ativas
somente após a clivagem (p. ex.: fatores do
sangue)
Glicosilação Pode aumentar a solubilidade, o transporte
intracelular, a meia-vida e as atividades biológicas
Amidação Influencia a atividade e a estabilidade biológica de
peptídeos
Hidroxilação Importante para estrutura de algumas proteínas
Sulfatação ou sulfação Influencia a atividade biológica de alguns
neuropeptídios e o processamento proteolítico de
polipeptideos
Tabela 2. Adaptada de VITOLO et al., 2015.
Estrutura do anticorpo monoclonal
Os anticorpos são moléculas produzidas e secretadas por um linfócito B, o
qual faz parte do sistema imune. Os anticorpos são responsáveis pela
neutralização de micro-organismos, ativação do sistema complemento,
opsonização de patógenos, citotoxicidade mediada por células dependente de
anticorpos, entre outras (ABBAS et al., 2011). Em um anticorpo típico, como o IgG,
por exemplo, são verificados quatro cadeias: duas leves e duas pesadas. As
cadeias leves se ligam às pesadas através de interações não-covalentes e por
pontes dissulfeto.
As cadeias leves e pesadas são constituídas por cerca de 110 resíduos de
aminoácidos os quais se dobram em uma forma globular denominada domínio Ig.
Este domínio possui duas camadas de lâminas β -pregueadas contento de três a
cinco fitas de cadeias polipeptídicas antiparalelas. As lâminas β-pregueadas são
conectadas por pontes disulfeto e as fitas por alças curtas. Cada uma destas
cadeias tem uma região amino-terminal V variável a qual contribui para o
conhecimento do antígeno e uma região carboxi-terminal constante C, a qual
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medeia as funções efetoras das moléculas de anticorpo (ABBAS et al., 2011).
Ambos os tipos de cadeia possuem regiões hipervariáveis, as quais possuem
sequências complementares à estrutura tridimensional do antígeno, chamadas
CDR (regiões determinantes de complementaridade). Nas regiões Vh e Vi são
determinadas a CDR1, CDR2, E CDR3, nas quais os resíduos de aminoácidos se
ligam ao antígeno. As figuras 2A e 2B demonstram a estrutura do anticorpo IgG.
Figura 2A. Diagrama esquemático da molécula secretada por IgG. O sítio de ligação ao antígeno é formado pela justaposição dos domínios Vl e Vh. As regiões de cadeia pesada terminam nas caudas. As localizações dos sítios de ligação de proteínas do sistema complemento e do receptor de Fc nas regiões constantes de cadeia pesada são aproximações. Figura 2B. Ligação de um antígeno à molécula de anticorpo mostra que o sítio de ligação ao antígeno acomoda macromoléculas solúveis na sua conformação natural. As cadeias pesadas estão em vermelho, as cadeias leves em amarelo e os antígenos são azuis (ABBAS et al., 2011).
4.2 Exercício de Comparabilidade
A RDC 55 de 16 de Novembro de 2010 denomina comparabilidade como
“comparação científica, no que diz respeito a parâmetros não-clínicos e clínicos
em termos de qualidade, eficácia e segurança, de um produto biológico com um
produto biológico comparador, com o objetivo de estabelecer que não existam
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diferenças detectáveis em termos de qualidade, eficácia e segurança entre os
produtos”. Ou seja, as diferenças entre o PB e o PBC devem ser mínimas e não
podem interferir na qualidade, eficácia e segurança. Os itens abaixo são os
requerimentos da ANVISA relativos à qualidade que são utilizados no Exercício de
Comparabilidade e que estão disponíveis no Guia para Realização do Exercício de
Comparabilidade para Registro de Produtos biológicos (ANVISA, 2011).
4.2.1. Aspectos de Qualidade
O produto biológico deve demonstrar dados de caracterização e processo
de fabricação similares ao PBC. Quanto maior a semelhança entre o PB e o PBC,
há maior segurança clínica e não-clinica. Além disso, todas as diferenças no
produto e processo de fabricação devem ser justificadas e seus impactos
avaliados. Para demonstrar a comparabilidade entre os dois medicamentos PB e
PBC, é necessário fazer a caracterização de ambos.
4.2.1.1. Técnicas de análise
Segundo a ANVISA, devem ser utilizadas técnicas do estado-da-arte e
cobrir toda a caracterização das proteínas do produto, ou seja, devem demonstrar
“a estrutura, a função, a pureza e a heterogeneidade” dos produtos. Além disso,
deve-se avaliar as limitações analíticas de cada método. Todas essas técnicas
devem cobrir integralmente as características do produto a fim de minimizar os
efeitos na parte clínica. Todos os métodos devem ser validados para utilização na
caracterização e liberação do produto.
4.2.1.2. Caracterização
A ANVISA exige que a caracterização deva ser feita relativo à: (1) princípio
ativo (estrutural): identificação da estrutura primária (deve ser idêntica); (2)
atividade biológica; (3) pureza; (4) impurezas; (5) substâncias (variantes)
relacionadas com o produto; (6) propriedades imunoquímicas (quando aplicável);
(7) investigação das diferenças encontradas entre o PB e o PBC: p.ex: justificativa
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do perfil da glicosilação, a atividade biológica que sabe-se estar relacionada com
atividade clínica e a atividade de ligação do receptor.
4.2.1.3. Propriedades físico-químicas
A ANVISA exige que sejam demonstrados: (1) o grau de heterogeneidade
da molécula; (2) estruturas de ordem superior (secundária terciária e quaternária,
se for o caso); (3) Ensaio de atividade biológica caso não seja possível obter os
dados necessários relativos às estruturas de ordem superior ; (4) Investigação das
mistura das formas modificadas pós-traducionalmente, caracterização e avaliação
do impacto.
4.2.1.4. Atividade biológica
A atividade biológica está altamente relacionada com o efeito biológico.
Espera-se que a atividade biológica in vitro e in vivo. Além disso, podem-se
estimar as atividades dos variantes da proteína, os quais dependendo serão
substâncias relacionadas ao produto ou impurezas. Os testes biológicos podem
ser utilizados também para substituir a caracterização da estrutura quartenária, ou
também pode-se usar evidências clínicas e não-clinicas para tal. Todos os testes
devem ser feitos em relação à indicação do medicamento, ou seja, deve-se
verificar a atividade de todos os sítios de ação. A atividade biológica in vitro e in
vivo pode ser determinada de várias formas, uma dela é a potência. O
mecanismo de ação de diversos mAbs é através da inibição da ligação ao receptor
alvo de antígeno/anticorpo. A atividade pode ser dividida em dois tipos:
Atividade biológica relacionada à porção Fab;
o Atividade de ligação à célula-alvo
o Atividade de apoptose;
Atividade biológica relacionada à porção Fc (MORAIS et al., 2013):
o Citotoxicidade dependente de complemento (CDC): ligação da
proteína C1q ao complexo antígeno-anticorpo que desencadeia o
sistema complemento.
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o Citotoxicidade celular dependente de anticorpo (CCDA): células
efetoras (macrófagos, neutrófilos e células NK) ligadas ao complexo
antígeno-anticorpo pelo receptor Fc (FcR), liberam gramzinas,
granulisina, e perforinas.
o Fagocitose celular dependente de anticorpo (FCDA): fagócitos e
neutrófilos com receptor FcR e receptores complemento (CR)
ativando a fagocitose.
5. DISCUSSÃO
5.1. Caracterização do princípio ativo:
5.1.1. Mapeamento peptídico
A sequência de aminoácido deve ser idêntica a do produto referência,
entretanto, durante a tradução das proteínas, pode haver erros. Caso ocorram,
deve-se justificar as mesmas e avaliar os impactos em segurança, farmacocinética
e farmacodinâmica (BECK et al., 2013). Para a análise da estrutura primária, é
muito utilizada a análise de baixo para cima, “bottom-up”, na qual é feita a
digestão proteica através de enzimas como papaína, pepsina, IdeS, hidrólise
química para frações LC, HC, Fab, Fc, Fab, entre outros (ABBAS et al., 2011).
Depois, as frações proteicas são separadas por um HPLC e analisada por MS
(Figura 3). Com isso, é possível investigar a sequência de aminoácidos, pontes
dissulfeto, e modificações pós-traducionais. É necessário também verificar
possíveis modificações N-terminal e C-terminal, como por exemplo: acetilação,
amidação e heteregeneidades (p. ex.: processamento C-terminal, piroglutamação
N-terminal, oxidação, isomerização, mismatch de pontes dissulfeto, glicação,
agregação) (WHO, 2009). As pontes dissulfeto e grupos sufidrila devem ser
analisados também e comparados ao referência (Tabela 3). Estas mudanças nas
modificações pós traducionais podem alteram a farmacocinética e devem ser
investigadas durante a produção (PARR et al., 2016).
Por ter alta resolução se tornou padrão ouro utilizar o RPLC. Além disso, é
possível acoplá-lo ao MS. O mapeamento peptídico é um parâmetro crítico ao
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produto, visto que qualquer modificação na sua sequência pode levar a formação
de outro produto que não o desejado, e assim, não obter o resultado esperado.
Em todos os artigos estudados, os PB possuíam a mesma sequência peptídica do
PBC, apenas alguns possuíam variações na terminação C-lys (infliximabe, em
estudo de JUNG et al., 2014).
Figura 3. Cromatograma espelhado de mapeamento peptídico obtido por RP-HPLC do produto teste HS628 e da referência tocilizumabe. Obtida de MIAO et al. (2017). Nota-se que perfil de picos entre os dois produtos são altamente similares.
Tabela 3. Caracterização por LC-ESIMS/MS em condições não redutoras do PB SB2 e PBC imfliximabe. (HONG et al., 2017). P:Cadeia pesada. L: cadeia leve. Região Tipo Peptideos ligados
à ponte dissulfeto
Nº pontes
dissulfeto
m/z esperada m/z
experimental
SB2
m/z
experimental
referência
P Intra-
cadeia
P:Cys22-H:Cys98 (H:T3-
H:T12)
P:Cys147-H:Cys203 (H:T15-P:T16) P:Cys264-H:Cys324 (H:T23-P:T29) P:Cys370-H:Cys428 (H:T37-P:T42)
1
1
1
1
886.90 (4)
1132.00 (7)
777.04 (3)
769.97 (5)
886.90
1131.99
777.04
769.97
886.90
1131.99
777.04
769.97
L L:Cys23-L:Cys88 (L:T2-L:T7)
L:Cys134-L:Cys194 (L:T10-
L:T17)
1
1
1141.71 (5)
712.16 (5)
1141.72
712.16
1141.72
712.16
P e L Inter-
cadeia
H:Cys223-L:Cys214 (H:T20-
L:T19)
1 757.25 (1) 757.25
757.25
Região
hinge
H:Cys229-Cys229DH:Cys232-
Cys232
H:Cys229-Cys229DH:Cys232-
Cys232
2 780.26 (7) 780.27 780.27
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5.1.2. Grupos tiois livres
O ensaio mais utilizado foi o Teste de Ellman. Por utilizar uma solução que
reage especificamente com os tióis e libera um grupo cromóforo (ácido 5-
mercapto-2-nitrobenzoico) que absorve luz, é possível verificar a presença dos
tiois livres no produto. Entretanto, o range de aceitação foi variável entre produtos,
por exemplo 0.11 – 0.12 ( mols de SH livres/ mols de IgG) em infliximabe e 0,4
mols em tocilizumabe (JUNG et al., 2014; MIAO et al., 2017).
5.1.3. Estrutura secundária e terciária
A estrutura do produto está diretamente relacionada com o seu mecanismo de
ação, porém, diversos fatores podem afetar a estrutura, como por exemplo:
temperatura, pH e reagentes. Devido ao alto peso molecular desses produtos,
técnicas usuais como cristalografia raio X e NMR não são capazes de caracterizar
totalmente uma proteína (KWON et al., 2017). Assim, para verificar as estruturas
secundária e terciária são necessárias várias técnicas ortogonais para demonstrar
a estrutura. Dentre elas:
Espectroscopia de dicroísmo circular (CD): através de diferenças na
absorção entre a luz polarizada à esquerda e direita, demonstra o estado
de enovelamento das proteínas. É possível verificar as estruturas α-Hélice,
folha-β e outros enovelamentos devido ao formato característico e
magnitude do espectro CD e influência dos anéis aromáticos dos
aminoácidos e das pontes dissulfeto. A Figura 4 demonstra um exemplo de
espectrograma de com regiões perto (near-UV) e longe do UV (far-UV).
Espectroscopia infravermelha com transformada de Fourier (FTIR): a
radiação infravermelha é absorvida em diferentes comprimentos de onda
pela amostra. O espectro final é característico da amostra, sendo a sua
“digital”
Calorimetria de varredura diferencial (DSC): demonstra as temperaturas de
fusão de uma proteína (Tm). O termograma irá demonstrar a temperatura
de desnaturação das proteínas e assim, verificar os picos e os domínios
que estão sendo desnaturados. Apresentam Tm e desvio padrão.
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Espectroscopia de massas com troca Hidrogênio-Deutério (HDX-MS):
Outras como cross-linking e espectroscopia de massas com mobilidade
iônica. (IMS).
A WHO indica que para essas técnicas, deve-se atentar a capacidade e
limitações desses métodos, como por exemplo, o impacto da concentração
proteica (WHO, 2009).
Figura 4. Comparação do espectro CD do PB HS628 e do originador tocilizumabe.
(a) Espectro Far-UV e (b) Espectro Near-UV (MIAO et al., 2016)
5.2. Massa molar e tamanho
5.2.1. Massa molar
Para quantificar a massa do PB é feita a separação do composto de outras
impurezas e separação do princípio ativo em partes que possam ser detectadas e
caracterizadas em relação ao seu peso (ex: RP-HPLC-MS, LC-ESI-qToF-MS).
Neste caso, são utilizadas enzimas e agentes redutores para secção das porções
do anticorpo, p. ex.:
Digestão com protease com agente redutor (ex.: DTT): geração de um
fragmento F(ab’)2 , Fc, ou também de cadeias leves e pesadas.
Digestão com protease sem adição de agente redutor: separação do
monômero dos fragmentos e variantes de alto peso molecular.
22
Para descobrir se a massa molecular corresponde ao produto, é feita uma
comparação da massa teórica dos resíduos de aminoácidos com massa obtida
através da proporção m/z (massa/carga) dos resultados. Com isso, é possível
verificar se as clivagens estão ocorrendo nos sítios corretos e se cada cadeia é
constituída de fato por aqueles resíduos. Além disso, a CE-SDC não-redutora
consegue demonstrar presença de pontes dissulfeto e sua posição, o que está
diretamente relacionado com a estrutura da proteína (LIU et al., 2016). Logo, os
espectros gerados devem ser comparáveis e superpostos entre o PB e o PBC.
5.2.2. Agregados e fragmentações
Os agregados são estruturas que podem se formar durante a fabricação do
produto, a partir de pequenos dímeros ou fragmentos. Com o tempo, se tornam
estruturas maiores visíveis ou não caso a transição seja termodinamicamente
favorável (VÁZQUEZ-REY et al., 2011). A técnica de escolha de muitos estudos
foi o AUC (ultracentrifugação analítica) ou SV-AUC (ultracentrifugação analítica de
velocidade de sedimentação), um método ortogonal ao SEC. A partir da
ultracentrifugação, as moléculas se dividem pelo peso respectivo e são analisadas
por detectores UV, por exemplo. Para caracterização de fragmentos de mAbs,
utiliza-se também o CE-SDS, na qual detecção pode ser UV também.
5.3. Glicosilação
A glicosilação é uma modificação pós-traducional que pode ser influenciada
pela cultura celular e pelo sistema de expressão utilizado (NAM et al., 2008), e
está diretamente o efeito terapêutico, como por exemplo, a eficácia, meia-vida,
estabilidade e segurança. (PLANINC et al., 2016). A maior parte dos produs
biológicos possui N-glicanos, os quais são oligossacarídeos ligados a um resíduo
de asparaginina através de um atómo de nitrogênio. Um desse tipo de N-glicano é
a oligomanose, a qual pode ser imunogênicos, então deve ser controlada na
Qualidade. Outros exemplos de alteração do perfil de glicosilação são rituximab e
trastuzumabe, cujas atividades ADCC aumentaram em até 100 vezes após
remoção da fucose (IIDA et al., 2006; MORI et al., 2007).
Para um PB, o perfil de glicosilação deve ser altamente similar ao PBC, pois pode
afetar a farmacocinética, a atividade biológica e a depuração deste produto. Em
23
especial, a EMA sugere atentar-se aos graus de manosilação, galactosilação,
fucosilação, e sialização e determinar a distribuição das estruturas glicanos (EMA,
2014. A Figura 5 mostra um exemplo de perfil de glicosilação do PB e PBC.
Parr et al. (2016) sugere quatro tipos de análise glicoproteicas :
1. Análise glicoproteica intacta: utilização de MALDI-TOF-MS ou para análise
da massa exata de glicoproteinas com massa até 40 kDa e ESI–MS para
diferenciar diferentes tipos de massas na análise de mAbs;
2. Análise de glicopeptídeos pelo sítio de glicosilação: análise bottom-up de
glicoproteínas através da quebra enzimática, separação por LC e
fragmentação por MS/MS. Verificação do sítio correto de glicosilação;
3. Análise dos glicanos liberados através do padrão de oligos-sacarídeos:
redução da glicoproteína através da PNGase (peptídeo-N4-(N-acetil-beta-
glicosaminil)asparagina amidase), que cliva a ligação do oligossacarídeo à
Asp. Análise por HPLC-FLD com fluorescência ou LC-MS. A análise de
glicanos por cromatografia de troca iônica acoplada a detecção
amperométrica pulsada (HPAEC-PAD). Consegue identificar o tipo de
glicano da composição;
4. Análise da composição de monossacarídeos, identificando e quantificando
a concentração de açúcares neutros, amino açúcares e ácido sialico.
PLANINC et al. (2016) desenvolveram uma comparação das técnicas separadas
pelo tipo de análise (Tabela 4).
24
Tabela 4. Resumo dos métodos analíticos de caracterização de glicosilação.
Caracterização
do glicano
Técnica de
separação/detecção
Vantagens Desvantagens
Análise direta CE-HR-MS
LC-HR-MS
-Perfil de massa intacto
-Detecção de MPT
-Detecção de diferentes
isoformas
-Método rápido
Mapeamento
dos glicanos
CE/LC-
fluorescência/MS
MALDI-TOF
-Composição detalhada
dos glicanos
-Separações de alta
resolução
-Qualidade consistente e
performance robusta
- Técnica demorada
Determinação
de N-glicanos
LC-MSMS (CID, ETD)
LC-HRMS
LC-fluorescência
-Determinação de
diferentes sítios de
ocupação
-Técnica demorada
-Requer expertise
Analises da
composição de
monossacaríde
os
AEC-PAD
GC-MS
CE-UVVIS/MS
-Determinação de
complexos de glicanos
-Alta sensitividade
-Separação da linha de
base
-Sem derivação de
açúcares
-Requer expertise
25
Figura 5. Perfil de glicosilação do SB2 e PBC infliximabe. (A) Perfil de glicosilação. (B) %Total glicanosafucosilados (C)%glicanos galactosilados (D) %glicanos com carga. Linha preta: linha de similaridade. (HONG et al., 2017).
5.4. Carga e variantes
5.4.1. Carga
Um dos métodos mais utilizados entre os artigos citados foi a focalização
isoelétrica capilar (CIEF). O método consiste em separar a amostra de acordo com
a carga através de um capilar de carga neutra por eletroforese capilar e utilizar um
método de detecção, como por exemplo, UV. Outro método muito utilizado foi a
focalização isoelétrica (IEF), na qual é feito uma eletroforese em gel em diversos
pHs e marcadores de pI. O resultado deve ser um perfil de cargas comparáveis,
com picos e área sob a curva semelhantes. Caso houvesse variantes não
esperados, o variante era caracterizado. Por exemplo, TOROSANTUCCI et al.
(2013) verificaram que a oxidação de interferon beta-1a formava agregados
imunogênicos.
26
5.4.2. Variantes ácidos e básicos
LIU et al. (2016) utilizaram como método o CEX-HPLC ou IEC-HPLC para
detectar as cargas e variantes ácidos e básicos do PB ABP501. Usando uma
coluna analítica WCX-10 4.0 9 250 mm (Dionex Corp., Sunnyvale, CA, USA) e
detecção UV, os variantes e o PB foram comparáveis ao adalimumab (PBCs da
Europa e dos Estados Unidos). Também foi possível calcular a pureza do produto
a partir do cromatograma obtido. No caso do PB CT-P13 (biossimilar do
infliximab), a análise por IEC-HPLC, houve variantes básicos com terminal C-lys
com proporções diferentes do PBC (Figura 6). Os variantes foram posteriormente
caracterizados e demonstrou-se que in vitro e in vivo são rapidamente clivados,
não tendo efeitos no potencial biológico (JUNG et al., 2014; HARRIS et al., 1995).
Um estudo feito por Miranda-Hernández et al. (2015) demonstrou que
variantes básicos de trastuzumabe ( também devido a presença de terminações
C-lys ) são removidas por carboxipeptidases na corrente sanguínea após duas
horas de administração, não alterando a farmacocinética do produto.
Figura 6. Perfis de carga: comparação entre ABP501 (linha vermelha) adalimumabe (US)(linha preta)e adalimumabe (EU) (linha azul) para perfils de cromatografia líquida de alta performance com troca de cátions tratada com carboxipeptidades B. (a) e perfis de focalização isoelétrica (b). Adalimumabe (EU):
27
registrada na União Europeia. Adalimumabe (US): registrada nos Estados Unidos. AU (unidades de absorbância). pI: ponto isoelétrico. mAU (miliunidades de absorbância) Liu et al. (2016).
5.5. Atividade biológica e propriedades imunoquímicas
Os ensaios a serem feitos dependem do tipo de molécula. Por exemplo,
para bevacizumabe não é necessário os ensaios CDC e CCDA ,pois o VEGF é
um alvo solúvel (EBBERS et al., 2013). Portanto, os ensaios são muito variáveis
de acordo com o produto biológico. Entretanto pode-se verificar que os ensaios
são sempre relacionados à afinidade de ligação com o anticorpo e se há algum
resultado mediado por esta ligação (vide Tabela 5).
Os métodos utilizados em geral se relacionam com:
Medição da potência da ligação ao receptor: através de métodos
fluorimétricos, verifica-se a morte celular liberando compostos
fluorescentes. Ex.: CDC, CCDA. Visser et al. (2013) demonstraram indução
da citotoxicidade (CCDA) pelo PB e PBC de rituximabe. Utilizando método
farmacopeico, eles incubaram células Raji B fluorescentes CD20+ com
concentrações diferentes do PB e PBC e excesso de células NK. Houve a
liberação de fluoróforos das células mortas e pôde-se então medir a
atividade dos produtos.
Método ELISA, o qual detecta a presença de ligação do anticorpo a ao
complemento e adição de enzimas colorimétricas que reagem ao anticorpo-
C1q. Ex.: CDC.
Métodos de ressonância plasmônica de superfície (SPR): através da
imobilização do IgG a uma superfície com biossensor, adiciona-se a
proteína ligante. Depois, verifica-se se houve uma mudança no sinal devido
a acúmulo de massas e, assim calcula-se a constante de dissociação .
Ex.: ligação dos receptores FcγRII/III ao anticorpo adalimumabe
(KRONTHALER et al., 2018).
28
Tabela 5. Resumo dos ensaios funcionais de ABP 501 adalimumabe (US), e adalimumabe (EU). Adalimumabe (EU) registrado na União Europeia. Bioensaio ABP 501
[variação, % (n)]
Adalimumabe (US)
[variação, % (n)]
Adalimumabe (EU)
[variação, % (n)]
Inibição da
apoptose mediada
por TNF
98-110 (10) 95-11 (21) 91-122(18)
CCDA 53-103(10) 41-127(17) 61-114(15)
CDC 94-105(10) 84-105(17) 82-104(15)
Ligação a TNFalfa 96-121(10) 99-128(10) 103-122(10)
Ligaçao a FcRn 86-101(10) 91-114(15) 81-11(14)
Adalimumabe (US) registrado nos Estados Unidos. CCDA: citotoxicidade célula mediada dependente de anticorpo. CDC: citotoxicidade mediada por complemento. FcRn Fc: receptor neonatal, n: número de lotes. TNF: fator de necrose tumoral, TNF-α: fator de necrose tumoral –α, Liu et al. (2016). Resumo de ensaios para APB 501, adalimumabe (US), e adalimumabe (EU).
5.6. Pureza e impurezas
Para caracterizar a pureza do produto e verificar a presença de impurezas
(isoformas, produtos de degradação, da célula hospedeira), é possível utilizar PCR
(reação em cadeia polimerase) (SHAKAR et al., 2008; ZHANG et al., 2014), SEC e
SEC-SDS. O perfil de pureza de SB4 (etanercept) foi maior que o do PBC (CHO et
al., 2016), semelhante entre EP2006 e filgrastim (SÖRGEL et al., 2015), também
entre Hospira filgrastim e Amgem filgrastim (SKRLIN et al., 2010), adalimumabe e
AB 501 (LIU et al., 2016). Caso houvesse diferenças, no guia de avaliação de
produtos bioterapêuticos similares, a WHO explica que as diferenças no grau e
pureza e impurezas devem ser avaliadas pelo potencial impacto clínico e na
eficácia do produto e justificação via resultados ou literatura para tais diferenças.
Diferenças que não se sabe da relevância clínica devem ser avaliadas em outros
estudos ou pós-comercialização
.
29
5.7. Resumo das técnicas analisadas As técnicas utilizadas nos artigos estudados estão descritas na Tabela 6. Tabela 6. Técnicas utilizadas nos artigos estudados para caracterização de anticorpos monoclonais e impacto das modificações do PB. CARACTERIZAÇÃO OBJETIVO METODOLOGIA IMPACTO
BIOLÓGICO/CLÍNICO
Princípio ativo Identificar a sequência de aminoácidos do PB e PBC.
Mapeamento peptídico LC-UV LC-ESI-MS/MS
RP-UPLC-MS reduzido
Pode influenciar potência Pode influenciar farmacocinética
Identificar os padrões de pontes dissulfeto
Mapeamento peptídico não reduzido LC-MS
Pode influenciar potência
Tióis livres Ensaio de Ellman .
Estrutura secundária
Espectroscopia de CD (Far UV, NearUV)
Pode influenciar potência, ligação ao antígeno ou receptor Estrutura
terciária e quartenária
FT-IR DSC H NMR H/DX-MS Cristalografia raio X ITF
Peso e tamanho molecular
Peso molecular
ESI-qToF-MS SEC MALLS MALDI LC-ESI-MS Espectroscopia de CD Far- and near-UV ITF HDX-MS DSC
Pode influenciar potência Pode influenciar farmacocinética.
Dimeros AUC Podem induzir imunogenicidade Pode manter atividade biológica
Fragmentos de anticorpos
SEC
Glicosilação/Glicação e outras modificações postraducionais
Mapeamento de glicanos LC-ESI-MS/MS
Mapeamento peptídico
reduzido RP-UPLC-MS
- Pode influenciar função Fc - Pode induzir imunigenicidade - Pode afetar depuração in vivo - Pode afetar CCDA
Carga Variantes ácidos e básicos:
CEX-HPLC cIEF
- Pode influenciar atividade biológica in vitro
30
pI iCE - Pode influenciar depuração - Pode formar agregados imunigênicos
Atividade biológica
Binding assay Target; Off-target FCy binding; Potência CCDA Potência CDC Inibição da apoptose
SPR ELISA BioensaioCDC Bioensaio CCDA SPR
- Pode afetar o mecanismo de ação - Pode influenciar CCDA, CDC - Pode influenciar na depuração e farmacocinética
Pureza Impurezas
SEC SEC-SDS não reduzido
- Pode levar a imunogenicidade
6. CONCLUSÃO
Os biossimilares são medicamentos que cada vez mais estarão presentes
na indústria farmacêutica e, por serem medicamentos com princípio ativo
complexo e não-idêntico ao produto comparador. É importante que a Agência
Regulatória tenha uma regulamentação cientificamente fundada. As diferenças
entre o PB e o PBC não possuem um critério de aceitação farmacopeico ou
especificação única, sendo o fabricante do PBC responsável por demonstrar que
as diferenças notadas na caracterização não impactarão o produto final nas
etapas clínicas.
Este trabalho demonstrou diversas técnicas do estado-da-arte utilizadas na
caracterização de biossimilares. Os pesquisadores dos artigos estudados
demonstraram a caracterização tanto do PB quanto do PBC e conseguiram
detectar diferenças e semelhanças dos produtos. Ademais, foram investigadas as
diferenças para que não houvesse impacto clínico. Entretanto, apenas a
caracterização não é o suficiente, pois ainda que altamente similar, as diferentes
impurezas, os excipientes ou as características podem causar imunogenicidade
nos ensaios clínicos, o que pode não ser prevista na caracterização. Devido à
extrema complexidade da natureza das proteínas, estas diferenças podem ser
muito singulares e variadas lote-a-lote sendo necessário ter um controle de
31
qualidade com especificações do produto, ainda que diferente do produto
comparador.
A estrutura complexa dos anticorpos monoclonais exige uma caracterização
com métodos robustos e técnicas de estado-da-arte para demonstração dos
dados. Quanto mais se conhece a respeito das características do produto e dos
seus dados clínicos, maior será o desenvolvimento de novos medicamentos
biossimilares.
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Data e assinatura do aluno(a) Data e assinatura do orientador(a)
24/09/2017 25/09/2018