ABSTRACT RESUMO

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ABSTRACT This article takes as a point of departure Gombrich’s approach to decorum. What gardening treatises had said about this matter and how was applied in Portuguese baroque gardens was the main aim of this research. By analysing literary and graphic sources of gods related to nature such as Venus, Diana, Ceres, Flora, Pomona, Pan, and Neptune, or personifications such as rivers and seasons located in gardens of palaces and ville in the seventeenth and eighteenth century in Portugal, we concluded that there was artistic license employed when drawing on the sources of Antiquity RESUMO Este artigo toma como ponto de partida a abordagem de Gombrich ao princípio de decorum. O que os tratados sobre a arte dos jardins disseram sobre o assunto e como ele foi aplicado nos jardins portugueses barrocos foram os principais objectivos desta investigação. Analisando fontes literárias e gráficas das representações divinas relacionadas com a natureza, como Vénus, Diana, Ceres, Flora, Pomona, Pan e Neptuno, ou personificações, como Rios e Estações localizados em jardins de palácios e quintas dos séculos XVII e XVIII em Portugal, concluímos pela liberdade dos artistas ao trabalharem sobre as fontes da Antiguidade e as mitografias.

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ABSTRACT

This article takes as a point ofdeparture Gombrich’s approach to

decorum.What gardening treatiseshad said about this matter and howwas applied in Portuguese baroquegardens was the main aim of thisresearch. By analysing literary andgraphic sources of gods related to

nature such as Venus, Diana, Ceres,Flora, Pomona, Pan, and Neptune, or

personifications such as rivers andseasons located in gardens of palaces

and ville in the seventeenth andeighteenth century in Portugal, weconcluded that there was artistic

license employed when drawing on thesources of Antiquity

RESUMO

Este artigo toma como ponto departida a abordagem de Gombrichao princípio de decorum. O que ostratados sobre a arte dos jardinsdisseram sobre o assunto e comoele foi aplicado nos jardinsportugueses barrocos foram osprincipais objectivos destainvestigação. Analisando fontesliterárias e gráficas dasrepresentações divinas relacionadascom a natureza, como Vénus, Diana,Ceres, Flora, Pomona, Pan e Neptuno,ou personificações, como Rios eEstações localizados em jardins depalácios e quintas dos séculos XVII eXVIII em Portugal, concluímos pelaliberdade dos artistas aotrabalharem sobre as fontes daAntiguidade e as mitografias.

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O facto de ter pedido emprestado o título De rerum natura ao livro deLucretius2 (c. 94 a. C. – 49 a. C.) para evocar o conjunto de deuses de algumaforma relacionados com o ciclo da natureza presentes nos jardins das quintase palácios dos séculos XVII e XVIII em Portugal não significa mais do que issomesmo: utilizar a mesma expressão para definir uma nova realidade, sem queisso implique relação com a fonte utilizada para o efeito.

Neste artigo propomo-nos a reavaliar a existência, ou não, de umprograma iconográfico nos jardins das quintas e palácios dos séculos XVII eXVIII em Portugal e a analisá-los sob o olhar de um novo inquérito. A Históriada Arte deslumbrada com a erudição das intricadas explicações iconológicas,tendeu a sobre-ver interpretações e significados nas obras de arte em geral. Osjardins barrocos em contexto particular, enquanto cenário privilegiado paraacolher representações de deuses da Mitologia Clássica e personificações,criadas à sua imagem e semelhança, encontram-se entre as maiores vítimasdestas construções historiográficas efabuladas. Concordamos que a obra de

1 Mestre em História da Arte e membro do IHA / FCSH / UNL. Doutoranda em História da Arteda Idade Moderna na FCSH / UNL, com o apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia(POCTI, do Quadro Comunitário de apoio III 2000-2006, com fundos comunitários FSE enacionais) para apoio à dissertação de Doutoramento sobre Escultura de Jardim das quintas epalácios dos séculos XVII e XVIII em Portugal a defender na FCSH / UNL. Este artigo foi escritodurante um trimestre enquanto Ph.D occasional student no Warburg Institute. Neste sentido,cumpre-me salientar a importância das aulas do Professor Charles Hope e da Professor ElizabethMcGrath sobre Iconografia para a redacção do mesmo, assim como o apoio do Doutor RembrandtDuits no trabalho realizado na Photographic Collection. Este texto apresenta a investigação reali-zada até agora sobre iconografia relacionada com o ciclo da natureza nos jardins das quintas epalácios dos séculos XVII e XVIII em Portugal. Desejamos ainda justificar que nem todas as obrasmencionadas no texto serão reproduzidas na revista por limitações editoriais quanto ao númerode imagens.

2 Cf. LUCRETIUS, De rerum natura. Florentiae: sumptibus P. Juntae, 1512. Vide a tradução portuguesaA natureza das cousas: poema de Tito Lucrecio Cato; trad. Por António José de Lima Leitão. Lisboa:Typ.Jorge Ferreira de Matos:Typ. A. J. F. Lopes, 1851-1853.

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Ana Duarte Rodrigues1

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arte é aberta, e portanto, terreno livre para aí lermos o que entendermos, mas,então, impõe-se destrinçar que tipo de interpretação estamos a realizar.

Neste trabalho preliminar sobre a iconografia dos jardins das quintas epalácios dos séculos XVII e XVIII em Portugal – concentrando-nos na que serelaciona com o ciclo da natureza – inquirimos o que significavam aquelasesculturas para os encomendantes; o que os levara a comprá-las; porque asqueriam nos seus jardins e o que esperavam obter com isso. Pois só assim, sepode esperar descobrir que tipos de interpretação podem ser apropriada-mente aplicados a estas esculturas.

Por outro lado, uma vez que se tratavam de jardins privados e que aspessoas que os visitavam eram, para além das pessoas da casa, os convidados,seus pares e na mesma hierarquia social, geralmente com o mesmo nível sócio--cultural, visitámos igualmente os textos que alguns destes visitantes nos deixaram.

Nas variadas descrições de jardins portugueses realizadas por nacionaise estrangeiros sente-se uma constante admiração pelos dispositivos com água,casas de fresco, e pelas qualidades odoríferas e cromáticas das laranjeiras elimoeiros e, ao invés, revelam pouco interesse pela identificação das esculturas.

O estrangeiro Alexis Collotes de Jantillet, que visita os jardins do PalácioFronteira em finais do século XVII, enumera os sete planetas e Marsias e Apolo3

da Galeria das Artes; a escultura fontenária de Vénus4; e a estátua de Mercúriosobre as torres que ladeiam a Galeria dos Reis5. O autor refere-se muitobrevemente aos bustos dos reis portugueses6 e descreve o conjunto deesculturas de chumbo espalhadas pelos canteiros do jardim de buxo como

3 Cf.“compreendem sete figuras de alabastro de planetas referentes a deuses entre os quais Apolo; próxi-mo estão estátuas excelentes de Marsyas, este despojado da pele que arrancou ao adversário”, in AlexisCollotes de JANTILLET – Alexii Collotis de Jantillet Horae subsecivae, Ulyssipone: ex typographia Joannisa Costa, 1697. Transcrito em Hélder CARITA e Homem CARDOSO – Tratado da Grandeza dosJardins em Portugal ou da originalidade e desaires desta arte. Lisboa: Círculo de Leitores, 1990, p. 110.

4 Cf.“uma fonte chamada de Vénus ocupa o espaço entre os canteiros, porque a deusa, feita de mármorepolidíssimo, apertando a base do seio, espreme água numa concha redonda que lhe fica inferior ;sustentam esta três delfins, reunindo as caudas num nó, com as cabeças colocadas sobre três tartarugas,as quais derramam água em um taça amplíssima”, in Alexis Collotes de JANTILLET, ob. cit.Transcritoem Hélder CARITA e Homem CARDOSO, ob. cit., p. 111.

5 Cf. “Mercúrio provido de chapéu, asas talares e caduceu, apoia-se na ponta do pé esquerdo e estendeo outro como que prestes a voar”, in Alexis Collotes de JANTILLET, ob. cit. Transcrito em HélderCARITA e Homem CARDOSO, ob. cit., p. 110.

6 Cf. “bustos dos reis lusitanos construídos de ónix”, in Alexis Collotes de JANTILLET, ob. cit.Transcritoem Hélder CARITA e Homem CARDOSO, ob. cit., p. 110.

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“estátuas de homens e mulheres, de pé, colocadas em pedestais”7, não dandoqualquer indicação sobre o que representam.Tal como acontece com o maistarde apelidado “Ninfeu de Mignard” por Teresa Leonor do Vale8.

A identificação das esculturas dos jardins do Palácio Fronteira tambémnão despertou a atenção de Corsini, que contabiliza as fontes do jardim debuxo e refere-se de passagem à existência de estátuas e baixos-relevos dequalidade mediana9.

Da mesma maneira, o padre António Carvalho da Costa descreve asdoze estátuas de tamanho natural dos jardins do Conde de Castelo Melhorcomo “estátuas do tamanho natural, feytas em Itália, e as distâncias, que concor-rem de nicho a nicho, estão azulejos de brutesco”10 e a fonte de Neptuno queestava no Palácio da Anunciada dos condes da Ericeira, e actualmente seencontra nos jardins do Palácio de Queluz, como “huma fonte feyta por Berino,que se tem pela melhor de Espanha”11, destacando o escultor, Bernini, de reputa-ção internacional, mas sem mencionar o tema da escultura (fig. 1).

A incompreensão face ao que se encontrava representado está patentenas palavras de Giuseppe Gorani, que visita os jardins do Palácio de Belém nadécada de sessenta do século XVIII: “Os jardins deste Palácio, de singular apenaspossuíam dois grupos que vieram de Roma. Um representava uma rapariga ama-mentando o pai e o segundo uma mulher que desmaia nos braços de outra”12. Por

7 In Alexis Collotes de JANTILLET, ob. cit.Transcrito em Hélder CARITA e Homem CARDOSO, ob.cit., p. 110.

8 Cf. “Nos quatro cantos do lago outras tantas estátuas apoiam-se em balaústres de mármore e lançampara o ar com grande ímpeto água que cai no lago com estrépito não desagradável. Marginam este,dum lado e doutro lado, grades de mármore sobre as quais vasos cheios de flores e figuras de ninfasestão colocados em intervalos iguais”, in Alexis Collotes de JANTILLET, ob. cit.Transcrito em HélderCARITA e Homem CARDOSO, ob. cit., p. 110. Vide Teresa Leonor do VALE,“O Ninfeu de Mignard.Um conjunto escultórico francês nos jardins”, in Monumentos, nº 7, Setembro 1997, pp. 24-29.

9 Cf. “statue e bassirilievi, ma assai ordinari, ci sono cinque fontane grandi, et altre piccole in varie altezzedistribuite per l’inegualianza del sitio”, in Lorenzo MAGALOTTI – Viaje de Cosme de Medicis porEspana y Portugal: (1668-1669) / edicion y notas por Angel Sanchez Rivero y Ângela Mariutti deSánchez Rivero, Madrid: Sucesores de Rivadeneyra, [1933]. In Hélder CARITA e HomemCARDOSO, ob. cit., p. 83.

10 Cf. António Carvalho da COSTA – Corografia Portugueza e descripçam topográfica do famoso reynode Portugal…, Lisboa: na Off. De Valentim da Costa Deslandes, 1706-1712, p. 306.

11 Id., ibidem. In Hélder CARITA e Homem CARDOSO, ob. cit., p. 77.

12 Cf. Giuseppe GORANI – Portugal, A Corte e o País nos anos de 1765 a 1767, Lisboa: Círculo deLeitores, 1992, p. 140.

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aqui percebemos que o autornão fazia a mínima ideia que es-tava perante representações daCaridade Romana (1737) e deCleópatra e a Aia (1717).

“Belas estátuas de porfiro”13

foi a expressão utilizada por JoãoBaptista de Castro para descre-ver as esculturas dos jardins doPaço Episcopal de Castelo Bran-co, ressaltando a sua beleza e omaterial em que foram realizadas,mas mais uma vez desprezandoa identificação das mesmas. Factoque no presente caso nem cons-tituía nenhum desafio, uma vezque apresentam inscrições14.Descortinar o que estava repre-sentado não era o objectivo dasesculturas de jardim que não sedestinavam a ser mistérios paraos que as usufruíam, uma vezque, geralmente, se encontravamrepresentados num jardim, possí-

veis dum reportório relacionado com o próprio cenário e familiar daquelesque o frequentavam.

Mais tarde, Júlio de Castilho transcreve uma descrição sobre os jardinsde Alcântara que apenas nos informa sobre o número de esculturas, “setenichos com figuras de Relevo”, e mais à frente “oito figuras de Relevo”15.

13 Cf. João Baptista de CASTRO – Mappa de Portugal antigo e moderno. 2ª ed. Lisboa: na OfficinaPatriarcal de Francisco Luiz Ameno, 1762-1763, p. 452.

14 O princípio de que cada escultura devia ter uma inscrição data do século XIV, mas reportava-sesobretudo a iconografia religiosa, conhecido como o do Sínodo de Trier (1310).

15 Cf. Júlio de CASTILHO – Ribeira de Lisboa: descrição histórica da margem do Tejo desde a Madre deDeus até Santos-o-Velho, 3ª ed., vol. III, Lisboa: Câmara Municipal, 1948 –. In Hélder CARITA eHomem CARDOSO, ob. cit., p. 96 e 99.

Fig. 1 – Fonte do Neptuno. Lorenzo Bernini e Ercole Ferrrata;estátua de pedra; tamanho maior do que o natural; Queluz;Palácio Nacional de Queluz; parque. © IPPAR

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Em documentos oficiais, a situação não melhora, sendo, muitas vezes,quase impossível compreender a que esculturas efectivamente se referem,facilitando a perda patrimonial que se tem verificado. Através da Carta Padrãoda venda do Palácio de Belém16, consegue-se identificar o grupo escultórico deHércules dominando a Hidra de sete cabeças, mas uma série de referências afontes com figuras de jaspe, ou de mármore, revela a pouca importância doaspecto iconográfico das mesmas.

No tombo de 1673 dos bens dos Marqueses de Fronteira acontece omesmo. Os sete planetas e Apolo e Mársias da Galeria das Artes são simples-mente enumerados como “nove feguras de jaspe”17; as fontes do jardim debuxo são descritas como “sinco fontes de pedraria de estremos toda laureadaCom quatro figuras de meninos Com tronbetas na boca doiradas tem mais dozefiguras de negros Com as Cabesas doiradas”; a gruta no muro contra o tanquecom Apolo, as Musas e o cavalo Pégaso é identificada com o Monte Parnaso18

e só a escultura fontenária de Vénus se encontra claramente identificada19.Curiosamente, a referência ao material encontra-se sempre presente.

Mesmo nas cartas diplomáticas trocadas para concretizar a compra das está-tuas realizadas por John Cheere para os jardins do Palácio de Queluz são asexpressões “figuras de chumbo” ou “oitenta e nove figuras”20 as utilizadas para asnomear.

Face ao exposto, não podemos saber se os frequentadores destes jar-dins barrocos se encontravam habilitados21, ou não, a identificar as esculturas,mas com certeza não era com isso que estariam mais preocupados. O jogo ea surpresa que as esculturas iam criando à medida que o espectador descobria

16 Carta Padrão de Venda do Palácio de Belém, realizada pelo 3º conde de Aveiras D. João de SilvaTello a El-Rei D. João V em 1726. Arquivo Histórico da Cidade de Lisboa. Parcialmente transcritopor Hélder CARITA e Homem CARDOSO, ob. cit., p. 96 e 99.

17 In Hélder CARITA e Homem CARDOSO, ob. cit., p. 88.

18 Cf. “e no Arco do mejo hum Monte pamaso / Com figuras de jaspe que são noue / de quatro palmoscada huma e hum / Caualo en sima de jaspe”. In Hélder CARITA e Homem CARDOSO, ob. cit.,p. 108.

19 Cf. “…e no mesmo jardim huma fonte octavada Com a fegura de Vénus e sua pia tudo de jaspe”. InHélder CARITA e Homem CARDOSO, ob. cit., p. 108.

20 In Caldeira PIRES – História do Palácio de Queluz, vol. I, Coimbra: Imprensa da Universidade, 1925,p. 49.

21 A verdade é que mesmo com uma educação cuidada o acesso ao conhecimento detalhado damitologia clássica encontrava-se muito condicionado. Vide Malcolm BULL – The Mirror of the Gods –Classical Mythology in Renaissance Art, Londres: Penguin Books, 2006, p. 33.

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os vários espaços do jardim era o que o encomendante desejava obter com acompra destas esculturas – cujo custo geralmente ascendia a uma grandequantia, contribuindo também por isso para a representação de um certostatus –, e fazer do seu jardim um locus amoenus onde podia descansar ereflectir mas sobretudo divertir-se e entreter-se.

Por outro lado, a própria construção dos jardins problematiza a exis-tência de um programa iconográfico pré-definido e intencional. Desde logo, ofacto dos jardins serem muitas vezes projectados por arquitectos, interessadossobretudo em espaços e vistas, que seleccionavam as esculturas por “catálogo”,escolhidas entre um número de modelos disponíveis que os escultoresrealizavam, como no caso da encomenda de estátuas de chumbo ao atelier deJohn Cheere22 em Hyde Park Corner para os jardins do Palácio de Queluz.

Para além disso, torna-se difícil aceitar que esculturas compradas emdatas muito díspares fizessem parte do mesmo programa. Quando deparamoscom estes casos, poderíamos justificar falta de orçamento para completar aencomenda, mas na realidade o que acontecia quando o orçamento acabava,ou o encomendante falecia, é que terminava a encomenda, que por vezes ficavaincompleta, como no caso dos jardins do Paço Episcopal de Castelo Branco23.

A título de exemplo, recordemos a Cascata dos Poetas nos jardins dopalácio do marquês de Pombal em Oeiras24. Quando os bustos dos poetasforam encomendados a Joaquim Machado de Castro (1731-1822) já existia acascata onde se encontra o rio Nilo. É difícil aceitar a existência de um programaiconográfico global quando a escolha do rio Nilo para colocar na gruta não temnada a ver com a encomenda posterior dos bustos dos poetas (1776)(fig. 2).

Efectivamente, a presença de representações escultóricas das divindadesVénus, Diana, Ceres, Flora, Pomona, ninfas, Pan, Príapo, Fauno, Baco, Neptuno ou daspersonificações das Quatro Estações e dos Rios no contexto do universo suprareferido, limita-se, na maioria das vezes, a observar o princípio de decorum. A

22 Cf. Documento nº 4,“Liste de Figures faites par le Sr. Jean Cheere a Londres”, in Maria João BaptistaNETO e Fernando GRILO, “O restauro dos jardins do Palácio de Queluz”. In Artis – Revista doInstituto de História da Arte da Faculdade de Letras de Lisboa, nº 4, Lisboa, 2005, p. 482-483. Esta listaevidencia o que o mercado artístico tinha para oferecer: figuras e não histórias.

23 Cf. João RIBEIRO e Leonel AZEVEDO – Os Jardins do Paço Episcopal de Castelo Branco. CasteloBranco: Edição da Câmara Municipal de Castelo Branco, 2001, p. 119.

24 Vide Ana Duarte RODRIGUES – A escultura de vulto figurativa do Laboratorio de Joaquim Machadode Castro (1771-1822): produção, morfologia, iconografia, fontes e significado, dissertação de Mestradoapresentada à FCSH / UNL, Lisboa, 2004, pp. 209-210.

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teoria de que a cada contexto correspondem certas temáticas apropriadas,iconografias convenientes, já foi explorada por Erwin Gombrich25, denominandode princípio de intersecção a selecção de determinados temas adequados àspropriedades do local a preencher. Remontando ao tratado De Architectura daautoria de Vitrúvio26 (séc. I a. C.), o decorum apresentado como um dos princí-pios da Arquitectura prevê a utilização de um diferente tipo de ordem arqui-tectónica consoante a divindade a que o templo era dedicado; a obediência aocostume do acordo entre as entradas e os interiores do mesmo edifício; assim,como estabelece a necessidade de conseguir essa conveniência de modo natural,ou seja, atendendo ao local e à orientação da luz própria para determinado fim.

Retomado no Renascimento por Alberti (1406–1472), no livro II do DePictura27, o autor ensina a expressar o apropriado de acordo com a função,aspecto e dignidade. Contudo, mais interessante para este estudo revela-se oenunciado em De re aedificatoria, no qual Alberti distingue claramente entre ostemas convenientes para um palácio urbano ou para uma villa rústica – local

Fig. 2 – Rio Nilo. Estátua de pedra; c. 1760; tamanho maior do que o natural;Oeiras; Palácio do marquês de Pombal; Cascata dos Poetas. © Fotografia de José Viriato

25 Vide Erwin GOMBRICH – Gombrich on the Renaissance – Symbolic Images, vol. II, Londres: PhaidonPress Limited, 2000, 3ª ed., pp. 7-11.

26 Cf. Vitrúvio – Tratado de Arquitectura, tradução do latim, introdução e notas por M. Justino MACIEL,Lisboa: IST Press, [2006], pp. 38-39.

27 Cf. Leon Battista ALBERTI – De la pintura y otros escritos sobre arte, trad., introdução e notas porRócio de la VILLA. Madrid: Editorial Tecnos, S. A., 1999, pp. 100-101.

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onde os temas mais lúdicos e licenciosos são permitidos e adequados –, talcomo entre as representações lícitas para um edifício público e um rústico,neste incluídos jardins e casas de prazer. Encontramos estes preceitos maisdetalhadamente explicados no Trattato dell’Arte della Pittura, scultura ed archite-ttura28 da autoria de Gian Paolo Lomazzo (1538-1600), publicado em Milão noano de 1584. Neste tratado, Gombrich29 destaca o facto de Lomazzo esta-belecer uma correspondência entre histórias dos amores dos deuses emcenários bucólicos onde abundam árvores e água e o contexto de fontes ejardins.

Dois anos após a primeira edição do tratado de Lomazzo, no livro III doDe Veri Precetti della Pittura30 da autoria de Armenini (1533-1609), sobre “Delladistintione, & convenienza delle pitture, secondo i luoghi, & le qualità delle per one:com che ragione elle si sanno fra se diverse, & com quali avertimenti, & giudicio sideve governare il Pittore intorno ad esse” encontramos referências às temáticasmitológicas adequadas aos jardins. Após mencionar com que temas se devemornamentar as bibliotecas, os refeitórios, as celas dos religiosos e dos monges,apresenta-nos o que convém aos palácios de pessoas importantes31,desenvolvendo o apropriado às diferentes divisões32, até chegar ao capítulosobre as pinturas oportunas para os jardins e casas das ville, no qual exploraquais as melhores matérias para os diversos locais33. A primeira chamada deatenção destina-se à qualidade do lugar – que deve, neste caso, sobrepor-se àda pessoa a quem se destina a obra –; destacando-se de seguida as históriaspoéticas onde abundassem representações de belas mulheres, jovens, putti,camponeses e animais34. Para as áreas mais espaçosas, como o muro em volta dojardim, os portais, as loggie, as fontes, com tribunas e estátuas à volta, Armenini

28 Cf. LOMAZZO – Trattato dell’Arte della Pittura, scultura ed architettura, liv. 6, cap. 23. Roma: PressoS. Del-Monte, 1844 (1ª ed. Milão, 1584).

29 Cf. GOMBRICH, ob. cit., pp. 7-10.

30 Cf. G. B. ARMENINI – De’ veri precetti della pittura. Ravenna: Appresso Francesco Tebaldini, 1587, p.148 e ss. Apesar deste livro e do tratado de Lomazzo terem traduzido ideias que circulavam entreos encomendadores e os artistas do século XVI em diante, sendo assaz conhecidos, até à presentedata não encontrámos nenhuns exemplares nos fundos das nossas bibliotecas.

31 Id., ibidem, p. 167 e ss.

32 Nas salas, por exemplo, refere a representação de personalidades importantes da história de Roma,de Rómulo a Numa Pompilio. Cf. ARMENINI, ob. cit., p. 178.

33 Cf. ARMENINI, ob. cit., pp. 197-201.

34 Cf. ARMENINI, ob. cit., pp. 197-198.

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evidencia a necessidade de coisas alegres e divertidas, como jogos de pastores,ninfas, faunos, sátiros, silvanos, centauros, monstros marinhos, com outros elemen-tos aquáticos e selvagens, sem qualquer alusão melancólica ou fatídica queofereça confusão35. O autor ressalta ainda alguns exemplos de jardins, entre osquais um com estátuas antigas e modernas em torno do muro contando umahistória com bacantes, sátiros e faunos, que aludiam às memórias da Antiguidade36.

Desde o século XVI que, mesmo em tratados generalistas sobre pin-tura37, se encontrava estabelecido que os jardins das ville constituíam o cenárioideal para acolher os deuses da mitologia clássica, sobretudo os que habitavamna Arcádia. A despeito de todo o fascínio que o mundo pagão da Antiguidadedespoletou nos homens do Renascimento, a grande maioria das encomendasartísticas permaneceram sobre iconografia religiosa. Curiosamente os jardinssurgem como a casa ideal para receber os deuses da Antiguidade, primeiroporque as esculturas de grande porte reveladas pelas escavações arqueológicasaí foram colocadas e, segundo, porque estes retiros privados dos senhoresdestinados ao ócio e prazer pareciam o habitat natural destas divindades.

Nos tratados sobre a arte dos jardins ou jardinagem do século XVIIIconstata-se a propagação do princípio do decorum e a sua aplicação aos maisespecíficos detalhes desta arte. Para caracterizar a paisagem que as rodeia e asconstruções perto das quais se encontram, despertarem os sentidos e inspira-rem o espectador, as esculturas de jardim devem ser claras obedecendo aosprincípios de conveniência e simplicidade; contribuírem para o efeito das cenasnaturais; e relacionarem-se com o carácter de um jardim.

Le Blond após sublinhar a necessidade de escolher divindades e perso-nagens da Antiguidade que se adequassem aos jardins, quando avança comexemplos esquece as personalidades da Antiguidade e frisa que se devem colo-car as divindades relacionadas com a água, como naíades, rios, tritões, no meiode fontes e lagos, e as divindades dos bosques, como silvanos, faunos, dríades,nas zonas verdes38.

35 Cf. ARMENINI, ob. cit., p. 198.

36 Cf. ARMENINI, ob. cit., p. 200.

37 O que não faz diferença para o caso, pois à falta de tratados sobre Escultura, e uma vez quealgumas das questões abordadas são problemas comuns às duas artes, os escultores tambémconheciam e utilizavam os tratados de Pintura.

38 Cf. Alexandre Le BLOND – La Theorie et la pratique du Jardinage ou l’on traite a fond des beaux jardins appelés communément les jardins de plaisance et de properté contenant plusieurs plans et

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Hirschfeld critica a presença das estátuas de Júpiter, de Neptuno, deMarte, de Hércules, de Juno, de Minerva, e de muitas outras divindades nestecontexto, porque as rebuscadas histórias da mitologia encontram-se muitodistantes da natureza e do propósito dos jardins39. O autor faz consideraçõessobre as divindades iconograficamente adequadas aos jardins e sobre a res-pectiva distribuição topográfica das mesmas. Assim, aceita como adequadasuma Flora num canteiro de flores, uma Pomona num pomar, uma Diana numpequeno bosque, ou uma Vénus acompanhada de ninfas a banharem-se numlocal com água – como um lago ou uma cascata –, e das figuras mitológicasmasculinas destaca como convenientes um Baco para colocar sob uma latadaou um Fauno dançante para um bosque rústico40. Hirschfeld aponta aindacomo resultado de interpretação desvirtuada do significado destas divindadescolocar um Neptuno numa alameda e Vulcano numa fonte41.

Escrito posteriormente, mas seguindo a mesma linha de pensamento, oguia prático de Siebeck42, sublinha a importância da localização das esculturasnum jardim, enumerando como adequadas para bosques as Três Graças, umaninfa perto de uma fonte ou uma Flora ao meio de um canteiro de flores.

No princípio do decorum reside a razão pela qual as representações daVénus no lago do jardim do Palácio Palhavã; da Flora, Pomona, Ceres e Príaposobre a balaustrada que contorna o jardim Pênsil do Palácio Queluz; da FloraFarnesio e da Ceres numa alameda do jardim de buxo da Quinta Real de Caxias,só para mencionar alguns exemplos, aí se encontram ou encontraram (no casodas estátuas referidas da Quinta Real de Caxias).A mesma leitura aplica-se aos

dispositions générales de Jardins ; nouveaux Desseins de Parterres, de Bosquets, de Boulingrins,Labyrinthes, salles, galeries, portiques & cabinets de Treillages, Terrasses, Escaliers, & autres ornementsservant à la Décoration & à l’Embélissement. Avec la maniere de dresser un terrain, d’inventer desdesseins selon le lieu, & de les tracer & éxécuter, suivant les Principes de la Géométrie ; la Méthoded’élever en peu de temns tous les Plants qui conviennent aux beaux Jardins ; avec un Traité plus amplesur les Fleurs, les Orangers, les Figuiers, &. Comme aussi des moiens pour trouver les Eaux, pour lesconduire, pour construire des Bassins, des Fontaines, des Cascades, des Horloges, des Flageolets, & desOrgues d’eau ; enfin, pour faire chanter des Oiseaux, & mouvoir diverses Figures par le moien de l’eau &de l’air, Nouvelle Editions. 3ª ed., Paris : Chez Jean Martin Husson, 1739, p. 95.

39 Cf. HIRSCHFELD – Théorie de l´Art des Jardins, (tradução francesa), vol. I. Leipzig: [s. n.], 1779, pp.145-146.

40 Cf. HIRSCHFELD, ob. cit., vol. I, p. 148.

41 Id., ibidem, p. 146.

42 Cf. SIEBECK, R. – Guide Pratique du Jardinier-Paysagiste ou l’art du jardinier paysagiste, Paris: J.Rothschild, Éditeur, Libraire de la société botanique de France 43, rue Saint- André-des-Arts, 43,1870, p. 34.

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Neptunos actualmente no Jardim Pênsil e no parque do Palácio de Queluz; aorio Nilo na cascata dos poetas na quinta do marquês de Pombal em Oeiras; eao Fauno e Rio nas grutas no jardim e na tapada do Palácio das Necessidades.

Para pressupor a existência de programa iconográfico que traduzisseobras literárias há que conhecer o teor das mesmas e averiguar se a compo-sição de cada escultura e a sua relação com as que a rodeiam alude à história.Impõe-se, igualmente, avaliar o grau de intelectualidade do encomendante e doartista em causa, em que línguas existiam edições disponíveis em Portugal e emque línguas os envolvidos no processo liam.

Apesar de termos encontrado a justificação da presença das esculturasrelacionadas com o ciclo da natureza nos nossos jardins na tratadística darespectiva disciplina, não deixámos de explorar com Homero (c. 850 a. C.),Vírgilio (70 –19 a. C.), Horácio (65 – 8 a. C.) e Ovídio (43 a. C. – 17 ou 18 d. C.)os montes da Arcádia, por entre bosques sombrios e grutas húmidas, einterrogar os deuses tutelares da natureza que aí viviam. Navegámos por rios emares azuis onde reina Neptuno e levados num voo audacioso pelo Olimpoprocurámos incessantemente momentos, episódios, narrativas das vidas dessasdivindades.

Contudo, as estátuas de Ceres do Palácio de Queluz e da Quinta Realde Caxias, com os seus molhos de espigas de trigo não parecem ensinar oshomens a transformar a terra com o ferro43, nem evocarem o episódio queenvolve Ceres com a sua filha Proserpina44, tão apropriado ao ciclo da naturezacom a transformação operada pela mudança das estações. A partir de umaestátua de Ceres isolada situada ao longo de uma alameda ou sobre umabalaustrada não se pode inferir qualquer relação com estas narrativas.

Sabemos que não traduzem fábulas, que não participam de nenhumprograma complexo, que a sua presença neste contexto se deve ao princípiodo decorum, mas, então, qual é a fonte para a sua iconografia? A Ceres Pacificasobre a balaustrada Oeste do Jardim Pênsil e voltada para o mesmo, apresentao tronco desnudo e segura ao alto, sobre o lado esquerdo do corpo, um molhode espigas de trigo com os dois braços enquanto a Ceres da Quinta Real deCaxias apresenta o molho de espigas de trigo no braço direito. Não reconhe-

43 Cf. VIRGÍLIO – Eclogues Georgics Aeneid I-VI, with an english translation by H. Rushton Fairclough,vol. I. London:William Heinemann New York: G. P. Putnam’s sons, 1940, p. 91.

44 Cf. OVÍDIO – Metamorphoses, Ovid’s metamorphoses Englished /trad. George Sandys, liv.V (325-388).Nova Iorque; Londres: Garland, 1976.

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cemos qualquer destas composições no livro Icones de Francini45, nem na Ceresque segura uma foice ao alto de Agostino Veneziano46, nem na de J. Bink47 quesegura igualmente uma foice com a mão direita, mas virada para baixo, e comespigas na cabeça, cujo desenho inspira a Ceres nos jardins do Quirinal emRoma. O atributo utilizado nas variadas estátuas de Ceres que se encontramnos nossos jardins é o mais comum para o tipo iconográfico e divulgado pelosprincipais livros de mitografia, por isso o artista pode ter seguido essas referên-cias e realizado adaptações sobre as suas memórias visuais e plásticas da escul-tura da Antiguidade, e não só, que lhe chegassem ao conhecimento através dedesenhos, gravuras ou gessos48.

Muito venerada entre os romanos, a atraente e jovem Flora, deusaromana das flores e da Primavera, que nunca encontrámos nos bosques daArcádia gregos – apesar de Ovídio a identificar com a ninfa Cloris49 – pareceuma deusa sem histórias na literatura grega, mas largamente descrita, tal comoo seu festival – a Floralia –, por Ovídio nos Fasti50.A sua beleza garantiu-lhe umlugar de destaque nas Belas Artes e, desde o Renascimento, que a sua figuraisolada se encontra representada com frequência na pintura e na escultura dejardim. Mas, também vamos encontrá-la protagonista de composições com-plexas da autoria de Poussin nos quadros Triunfo de Flora de c.1627, conservadono Louvre, e O Reino de Flora de 1631. Não obstante, mesmo nestes casosThomas Worthen51 provou que as fontes do pintor eram visuais e não literá-rias, contrariamente a toda a teoria Ut Pictura Poesis.

45 Cf. Girolamo FRANCINI – Templa de Romae dicata, et sanctis eius/ Hieronymi Franzini. Roma: H.Franzini, 1596. Cópia do Warburg Institute.

46 In Bartsch, XIV, 399-577.

47 In Bartsch,VIII, 274.39.

48 Vide Salomon REINACH – Répertoire de la statuaire grecque et romaine. Paris: E. Leroux, 1920-1930,6 vols.; Francis HASKELL e Nicholas PENNY – El gusto y el arte de la Antiguedad, El atractivo de laescultura clásica (1500-1900). [s. l.]Alianza Editorial, 1993; Phyllis Pray BOBER & Ruth RUBINSTEIN– Renaissance Artists & Antiqúe Sculpture – A handbook of sources. London: Harvey Miller Publishers,1986. Vide igualmente o catálogo da Galleria degli Uffizi; Le sculture/ [catalogo di] Guido A. Mansuelli.Roma: Istituto poligrafico dello Stato, Libreria dello Stato, 1958, onde se encontram a maioria destasesculturas da Antiguidade.

49 Não aparece nem no Libellus nem nas Metamorfoses, apesar de Ovidio a identificar com a ninfagrega Chloris no Fasti.

50 Cf. OVÍDIO – Ovid’s Fasti, with na English translation by Sir James George Frazer. Londres: W.Heinemann, Ltd; Nova Iorque: G. P. Putnam’s Sons, 1931.

51 Cf.Thomas WORTHEN,“Poussin’s Paintings of Flora”. In Art Bulletin, vol. 61, nº 4 (Dezembro, 1979),pp. 575-588.

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A presença de Flora nos jardins é muito frequente porque esta constituíaum tema estabelecido para jardins e, neste sentido, não é mais do que pareceser, uma representação da antiga deusa das flores em contexto adequado aoseu significado. Entre as Floras com mais sucesso encontra-se a Flora Farnesio daAntiguidade, conservada no Palazzo Farnese e reproduzida em diversoscadernos de artistas e antologias52.

Fig. 3 – Flora Farnesio,in Girolamo Franzini,Icones, 1599, B8. © Warburg Institute

Fig. 4 – Flora Farnesio, in Rossi-Maffei,Raccolta di statue antiche e moderne,1704, tav. LI. © Warburg Institute

52 Encontramos diferentes versões de Flora reproduzidas em FRANCINI, ob. cit., B8; CAVALIERII, I-II,pl. 32; ROSSI-MAFFEI, Raccolta di statue antiche e moderne, 1704, tav. LI.

Fig. 5 – Flora Farnesio. Laboratorio de Joaquim Machado de Castro;estátua de pedra; tamanho maior que o natural; Lisboa; Jardim do MNAA. © IPM

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Nos jardins barrocos portugueses encontramos duas cópias da FloraFarnesio, que ostenta o atributo mais comum de Flora – a coroa de flores –,uma no jardim da Quinta Real de Caxias, outra, actualmente no jardim doMuseu Nacional de Arte Antiga53.

Diferentes versões de Flora são igualmente divulgadas através doscadernos de artistas de Cavalieri54 e de Charles Le Brun55 e da Raccolta di statueantiche e moderne de Rossi-Maffei56, contudo em nenhum deles se encontramas fontes para as restantes Floras dos jardins barrocos portugueses.

Em Queluz existem várias Floras, uma denominada Flora Lupa – com ocesto de frutos contra a anca –, assemelha-se a uma Pomona. Outra Floraencontra-se, tal como a anterior, sobre a balaustrada que fecha o Jardim Pênsil.Ou seja, acontece termos o mesmo tema iconográfico repetido numa deter-minada área do jardim, separadas entre elas por vários habitantes da Arcádia,como Baco, Erecina, Ciques, Pastor,Vesta, Bible. O que nos leva a questionar se oprincípio do decorum foi justamente aplicado nos jardins do Palácio de Queluz.Como vimos anteriormente, este não se baseava na escolha de determinadastemáticas para o contexto dos jardins, no qual Flora se incluía, mas também emcolocá-la em local apropriado – neste caso, um canteiro de flores, por exemplo.Não obstante, deparamo-nos com a existência de duas Floras num mesmoespaço e colocadas sobre a balaustrada.

As estátuas isoladas de Pomona, deusa dos frutos e dos jardins – como,por exemplo, a da autoria de Pietro Francavilla, anteriormente na Villa Bracci eactualmente no castelo de Windsor57 – podem ser inspiradas na estátua daAntiguidade, conservada na Galeria Uffizi em Florença, que foi desenhada porvários artistas, como Cavalieri58, e divulgada através dos seus cadernos deesboços. Mas a Pomona que encontramos nos jardins de Queluz apresenta oatributo próprio, mas em termos compositivos não é fiel a esta escultura pois

53 Vide Ana Duarte RODRIGUES, ob. cit., p. 227.

54 Cf. CAVALIERII, I-II, pl. 33.

55 Cf. Paris, Bibliothèque Nationale, Ms, Fr. 17.217, f. 21. Cópia do Warburg Institute.

56 Cf. ROSSI-MAFFEI, ob. cit., tav. CXXXIII.

57 Vide A. H. Scott-Elliot, “The statues by Francavilla in the Royal Collection”. In Burlington Magazine,nº 636, vol. XCVIII, Março, 1956.

58 Cf. Antiquarum Statuarum Urbis Romae, Primus et Secundus Liber, Ludovico Madrucio SRE – Card.Amplíssimo DIC Io Baptista de Cavalleriis Authore, 1585, III-IV, fig. 54, conservado na British Library.Cópia do Warburg Institute.

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apresenta um cesto de frutos sustentado pelo braço esquerdo, em vez de noregaço sustentados pela própria túnica.

A redobrada atenção obriga-nos Pomona, quando acompanhada deVertumno, deus das Estações e seu par amoroso. Nas edições ilustradas das

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Fig. 6 – Vertumno e Pomona, in Ovídio, P. Ouidij Nasonis… Metamorphosis, Das is von der wunderbarlicher Verenderung derGestalten der Menschen, Thier, und anderer Creaturen: Etwan durch den Wolgelerten M. Alberechten von Halberstat inn Reimeweiss verteutscht, Jetz erstlich gebessert und mit Figuren der Fabeln gezirt, durch Georg Wickram ... Epimythium, Das ist Derlüstigen Fabeln .. Auszlegung, jederman kürtzweilig, vornemlich aber allen liebhabern der Edeln Poesi stadtlich zu lesenGerhardi Lorichij. Mainz: Juo Schoeffer, 1545, fig. 45. © Warburg Institute

Fig. 7 – Vertumno e Pomona, in Ovídio, Pub. Ovidii NasonisMetamorphoseon libri XV / ex postrema Iacobi Micyliirecognitione ; et recensione nova Gregorii Bersmani, cumeiusdem notationibus ; et singularum fabularum argumentis,partime veteribus, partime recentibus. Leipzig: ImprimebatIoannes Steinman, 1582, p. 573. © Warburg Institute

Fig. 8 – Pomona e Vertumno. John Cheere; grupoescultórico de chumbo; tamanho natural; Queluz; Palácio Nacional de Queluz. © IPPAR

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Metamorfoses de Ovídio59 encontramos, sistematicamente, representadas numjardim uma velha (Vertumno assim se disfarçava para se aproximar de Pomona)e uma jovem a conversarem60, gravuras estas que serviram de modelo parainúmeras pinturas e tapeçarias. No entanto, nas representações escultóricas,sobretudo as destinadas a jardins, optou-se por um grupo escultórico de umpar de jovens, no qual a máscara na mão do jovem sintetiza toda a história dodisfarce de Vertumno, como o bronze de Robert Le Lorrain (1666-1743),conservado no Hermitage; ou como o de Laurent Delvaux (1696-1778), con-servado no Victoria & Albert Museum; ou como o da autoria de Jean BaptisteLemoyne (1704-1778) de 1760, que apresenta Louis XV e Mdme de Pompa-dour como Vertumno e Pomona. Nestes casos, a primeira vez que um artistadecidiu representar um episódio de maneira diferente das anteriores memóriasplásticas sobre o mesmo, podemos deduzir que terá sido uma interpretaçãopessoal da história, estabelecendo um novo tipo para a mesma iconografia queentretanto é seguida por outros. Curiosamente John Cheere, tal como LaurentDelvaux trabalhavam no mesmo círculo londrino na feitura de escultura dejardim em bronze e em estuque, apresentando as suas composições váriospontos comuns, como a posição pedestre do jovem Vertumno despido; Pomonasedente com um panejamento a envolver-lhe as pernas acompanhada por umputto, que em Delvaux ainda se encontra sentado, mas em John Cheere, numaposição mais ousada, voa ligando-se ao grupo só pelo seu lado esquerdo.Infelizmente, o estado actual da investigação ainda não nos permite identificarde forma segura a fonte para estas composições.

Por outro lado, nos jardins do Palácio de Queluz, não há inconformidadeem apresentar o grupo escultórico de Vertumno e Pomona ao lado do de Melea-

59 Para uma abordagem geral sobre as edições ilustradas de Ovídio vide George DUPLEISS, Essaibibliographique sur les différentes éditions des œuvres d’Ovide : ornées de planches publiées aux XVeet XVIe siècles. Paris: Vve L. Techener, 1889.

60 Cf. OVÍDIO – P. Ouidij Nasonis… Metamorphosis, Das is von der wunderbarlicher Verenderung derGestalten der Menschen,Thier, und anderer Creaturen: Etwan durch den Wolgelerten M.Alberechten vonHalberstat inn Reime weiss verteutscht, Jetz erstlich gebessert und mit Figuren der Fabeln gezirt, durchGeorg Wickram ... Epimythium, Das ist Der lüstigen Fabeln .. Auszlegung, jederman kürtzweilig,vornemlich aber allen liebhabern der Edeln Poesi stadtlich zu lesen Gerhardi Lorichij. Meinz: JuoSchoeffer, 1545, das quais algumas ilustrações foram reproduzidas em Evamarie BLATTNER,Holzchnittfolgen zu den Metamorphosen des Ovid: Venedig 1497 und Mainz 1545, Munchen: Scaneg,1998; Pub. Ovidii Nasonis Metamorphoseon libri XV / ex postrema Iacobi Micylii recognitione; etrecensione nova Gregorii Bersmani, cum eiusdem notationibus; et singularum fabularum argumentis,partime veteribus, partime recentibus. Lipsiae: Imprimebat Ioannes Steinman, 1582, p. 573.

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gro, Atalanta e Cupido, que nada têm a ver com a sua história, porque nunca hou-ve intenção de que fossem lidas como fazendo parte do mesmo ciclo de histórias.

Vénus, a deusa do amor e par de distintas divindades masculinas, prota-gonista de inúmeros episódios amorosos da mitologia clássica e senhora de umjardim descrito por Giovanni Boccaccio61 (1313-1375), parece reunir todas ascondições para presidir nos jardins de prazer. Contudo, a rara presença deVénus nos jardins barrocos portugueses não traduz nenhuma narrativa literária,e por vezes alude ao seu significado mais antigo de deusa da fertilidade62, comoa Vénus do Palácio Fronteira – de cujos seios brotava água –, em vez de evocaro amor, como quando é representada com algum dos seus pares – a título deexemplo, Vénus, Adónis e Cupido nos jardins do Palácio Queluz –, ou a beleza,como o fazem melhor as sensuais Vénus Capiglia e Vénus a banhar-se.

Duas esculturas de Diana do Laboratorio de Joaquim Machado de Castronos jardins portugueses, uma sobre a balaustrada do jardim de buxo do Paláciode Belém e a outra no sopé da cascata da Quinta Real de Caxias, patenteiamde forma exemplar duas situações que entendemos diferenciar neste texto.Diana, deusa da caça, é, tal como Vénus, uma das deusas do Olimpo com maissucesso na literatura. Encontramos Diana ao lado do seu irmão a vingar aofensa feita por Níobe à sua mãe; Diana a surpreender Calisto que se deixaraseduzir por Júpiter63; Diana a banhar-se com o seu séquito de ninfas e Diana acastigar Actéon, por este a ter expiado durante o banho, transformando-o nocervo que seria devorado pelos seus próprios cães64; Diana a caçar65, etc.

A Diana dos jardins do Palácio de Belém, apesar de se encontrar ao ladodo seu irmão Apolo, não traduz a vingança encetada pelos dois irmãos contraNíobe, nem nenhum outro episódio narrado na literatura. Constitui, simples-mente, uma adaptação da escultura de Diana da Antiguidade.

61 Cf. BOCCACCIO – Genealogia deorum gentilium, Consultada a versão francesa: La généalogie desdieux païens = Genealogia deorum gentilium. Livres XIV et XV: un manifeste pour la poésie / GiovanniBoccacio; traduit, présenté et annoté par Yves Delègue. Strasbourg: Presses universitaires deStrasbourg, 2001.

62 Desde a Antiguidade que estátuas de Vénus se encontram no seio da natureza, mas com umafunção religiosa, enquanto divindades tutelares de um tholos. Vide Georgina MASSON – Italiangardens, Londres:Thames and Hudson, 1966, p. 12 e ss.

63 Cf. OVÍDIO, ob. cit., Livro II (553-625).

64 Cf. OVÍDIO, ob. cit., Livro III.

65 Cf. Diana’s Hunt, Caccia di Diana, Boccaccio’s First Fiction, CASSEL, Anthony K. e KIRKHAM,Victoria,(ed. e trad.) Filadélfia: University of Pennsylvania Press, 1991.

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A Diana no sopé da cascata da Quinta Real de Caxias constitui um casomuito mais complexo. Neste caso, olhar para a narrativa de Ovídio é umaforma de perceber a autonomia do escultor, mesmo num período onde osescultores eram cada vez mais encorajados a seguir os poetas.

Machado de Castro possuía na sua biblioteca várias mitografias66 emedições vernaculares e ilustradas, como várias edições da Iconologia de CesareRipa67, não tão interessantes para esta análise uma vez que se tratam de deuses

Fig. 9 – Diana e as duas ninfasJoaquim Machado de Castro; 1782-1796;modelo de barro cozido; Lisboa; MNAA, inv. 97 Esc. © IPM

66 Vide Jean SEZNEC – The Survival of the pagan gods, Princeton: Princeton University Press, 1972.

67 Uma de 1669, já muito conhecida e utilizada, pois encontra-se conservada na Biblioteca Nacionale está assinada pelo próprio, também inclusa no inventário, como se pode ler :“Iconologia di CesareRipa Venetia mil e Seis Centos e Sesenta e nove / duzentos e quarenta Reis Com que Sesahe $240/ 1 Tombo”, in INA / TT, Inventário Orfanológico, Fl. 75v. A outra é a de 1603, primeira edição ilus-trada de Cesare RIPA, Iconologia, overo Descrittione di diverse imagini cauate dall’antichità, & di propriainuentione/trouate, & dichiarate da Cesare Ripa…; Di nuouo reuista, Roma: Appresso Lépido Facij.,1603, que consultámos na biblioteca do Warburg Institute. Cf. “Iconologia o Discrittioni de/ dediverse Imagine Loccatte (sic) dall Antichitta Roma mil e seis Centos e tres “duzentos e quarentaReis Com que Sesahe $240/1 Tombo”, in INA / TT, Inventário Orfanológico, fl. 70 e 70v.

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e não personificações; mas também a edição das Metamorfoses de Ovídio,traduzida para francês por Pierre Du Ryer (1605-1658) publicada em Paris noano de 166068; o livro de Cartari69 de 1674; a mitografia de Giovanni MárioVendizzotti70; a Emblemeta de Alciato71; e ainda um “Livro de Reprezentaçam dosDeoses e antiguidades todos de Estampas com alguma danificasam / Seis CentosReys Com que Sesahe $600 / 1 Tombo”72 (fig. 10).

Interessa-nos para analisar o conjunto da Quinta Real de Caxias asMetamorfoses de Ovídio na posse de Joaquim Machado de Castro, tendo emconta que as ilustrações diferem bastante de umas edições para outras.

O momento em que Diana se encontra no banho rodeada de ninfas eé surpreendida por Actéon é traduzido nas edições ilustradas das Metamorfosesde Ovídio com três figuras femininas despidas dentro de um tanque quadradodas quais se aproxima um ser com corpo de homem e cabeça de cervo73.

68 Cf. “Obras de Ovide Paris mil e seis centos e sesenta, quinhentos Reis Com que Sesahe $500 / 1Tombo”, in IAN/TT, Inventário Orfanológico, fl. 85v. A edição de 1660 existe na BibliothèqueNationale de France, mas dado que não nos foi possível consultá-la até à presente data, e nãoexiste na British Library, nem na biblioteca do Warburg Institute, recorremos à edição existenteneste último: Les Metamorphoses d’Ovide, traduites en François, par Mr. Du Ryer, De l’ AcademieFrançoise avec de Nouvelles Explications à la fin de chaque Fable. Enrichies de Figures en taille douce,A la Haye: Chez P. Gosse & J. Neaulme, 1728.

69 Cf. “Imagine delli Ley de Gl’Antichi de Vicenzo Cartari Rigiano /Riggiano Veniza mil e Seis Centos eSetenta e quatro. Duzentos Reys Com que Sesahe $200/1 Tombo”, in IAN/TT, Inventário Orfanoló-gico, fl. 70v. e 71. Consultámos a exacta edição biblioteca do Warburg Institute:Vincenzo CARTARI– Imagini delli dei de gl’antichi di Vicenzo Cartari Reggiano: Ridotte da capo à piedi alle loro reali, & nonpiù per l adietro osseruate simiglianze. Cauate da’marmi, bronzi, medaglie, gioie, & altre memorieantiche...da Lorenzo Pignoria Padoano / Aggionteui le annotationi del medesimo sopra tutta l opera, &vn Discorso intorno le deità dell Indie orientali, & occidentali...Con le allegorie sopra le imagini di CesareMalfatti Padoano, migliorate, & accresciute nouamente. Et vn Catalogo di cento più famosi dei dellagentilità. Con l’aggiunta d’vn’altro Catalogo de’gl’autori antichi, & moderni, che hanno trattato questamateria, ordinato, & raccolto dal medesimo Pignoria, che hà accresciute le annotationi, & aggiunte molteimagini. Venetia: Appresso Nicolò Pezzana, 1674.

70 Cf.“Conta Ravola e Morali de Antichi Grici e Latini por Medizati /Vedizote Venezia mil e quinhentose Setenta e sinco.Trezentos Reis Com que Sesahe $300/1 Tombo”, in IAN/TT, Inventário Orfanoló-gico, fl. 75 e 75v.Trata-se deste livro: Giovanni Mário Vendizzotti, Cento favole morali de i piu illustriantichi, & moderni autori greci, & latini /scielte, & trattate in varie maniere di versi volgari da Gio. MárioVerdizotti. Nellequali, oltra l’ornamento di varie e belle figure, si contengono molti precetti pertinenti allaprudenza della vita virtuosa & civile: com la tavola di ciascuna favola, Venetia: Appresso GiordanoZiletti, 1577.

71 Cf. “Emblemas e Alciato Nigera mil e Seis Centos e quinze. Duzentos e quarenta Reis Com queSesahe $200/1 Tombo”, in IAN/TT, Inventário Orfanológico, fl. 75v. Edição, até à data, não encontrada.

72 Cf. IAN/TT, Inventário Orfanológico, fl. 76.

73 Como nesta edição em italiano destinada ao uso de artistas, OVÍDIO – Del MetamorphoseoAbbreviato, con la Rinovatione, d’alcune stanze, libro Decimoquinto, con figurato, Lione, 1559, p. 54, fig. 42.

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172 Revista de História da Arte

O segundo momento da história, quando Actéon, já transformado emcervo, é atacado pelos seus próprios cães é o mais comum nas ediçõesilustradas de Ovídio74 – e em Alciato é utilizada como o emblema 52 “Contraos que protegem assassinos”75 –, não obstante o momento da metamorfose –quando Diana despida no banho com as ninfas acusa Actéon e neste, ainda comforma humana, já se vêm hastes de cervo – também se encontrar represen-tado76.

Fig. 10 – Diana, in Cartari, Imagini dei de Gl’ Antichi di VincenzoCartari Reggiano. Veneza: Appresso NicoloPezzana,1674, p. 53. © Warburg Institute

74 Cf. Pub. Ovidii Nasonis Metamorphoseon libri XV /…, ob. cit., 1582, p. 127; e o livro só com imagense legendas, destinado ao uso de artistas de Antonio TEMPESTA, Metamorphoseon sive Transforma-tionum Ovidianarum libri quindecim, aeneis formis ab Antonio Tempesta Florentino incisi, et in pictorum,antiquitatisque studiosorum gratiam nunc primum exquisitissimis sumptibus a Petro de Iode Antverpianoin lucem editi, liv. III. [Antuérpia]: Petrus de lode excudit, 1606, fl. 25.

75 In Andrea ALCIATI – Emblematum Liber, nº 52.

76 Cf. Antonio TEMPESTA, ob. cit., fl. 198.

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O conjunto escultórico da cascata da Quinta Real de Caxias inclui estasduas cenas, mas de forma alguma se pode afirmar que Joaquim Machado deCastro se terá inspirado nas composições apresentadas nestes livros. Mesmoda edição utilizada por Machado de Castro, que inclui imagens completamentediferentes, só reconhecemos Actéon agachado nuns montes com corpo de ho-mem e cabeça de cervo, como o modelo para o da Quinta Real de Caxias.

Fig. 11 – Actéon transformado em cervo porDiana, in Ovídio, Metamorphoses. Lyon,1559, p. 54. © Warburg Institute

Fig. 12 – Diana e Actéon, in Ovídio, Metamorphoses d’Ovide en rondeaux/ imprimez et enrichis de figures par ordre de Sa Majesté et dediez àmonseigneur le dauphin. Amsterdam : Chez Abraham Wolfgang, 1679,p. 62. © Warburg Institute

Fig. 13 – Actéon, in Ovídio, Les Metamorphoses d’Ovide, traduites enFrançois, par Mr. Du Ryer, De l’AcademieFrançoise. Avec de Nouvelles explications à lafin de chaque fable, tomo I. Haye: Chez P.Gosse & J. Neaulme, 1728, fig. 33. © Warburg Institute

Fig. 14 – Actéon, Laboratorio de JoaquimMachado de Castro; 1782-1796;

estátua de barro cozido policromado; tamanho maior que o natural;

Caxias; Quinta Real de Caxias. © DGEMN

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174 Revista de História da Arte

Fig. 15 – Fonte de Diana e Actéon. Tommaso Solari, Paolo Persico, Pietro Solari e Angelo Brunelli e Andrea Violani; 1785-1789; grupo escultórico de pedra; tamanho maior do que o natural; Caserta; Reggia di Caserta. © Fotografia do autor

Fig. 16 – Diana e as ninfas. Tommaso Solari, Paolo Persico, Pietro Solari e Angelo Brunelli e Andrea Violani; 1785-1789; grupo escultórico de pedra; tamanho maior do que o natural; Caserta; Reggia di Caserta. © Fotografia do autor

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Nem copiará tão pouco o conjunto escultórico do Palazzo Reale diCaserta, como já foi apontado, porque ainda que se trate da mesma temáticarepresentada na base de uma cascata e estejamos, em ambos os casos, perantetalking statues, a composição de Machado de Castro difere completamente daque se encontra na Reggia di Caserta, não sendo de descartar que Machadode Castro tenha desta tido conhecimento através de algum viajante ou livro deviagens. Em Caxias, as esculturas adaptam-se perfeitamente ao local a que sedestinavam, o que constituía de facto o principal desafio para o artista: encontrarsoluções compositivas e plásticas.

Visitámos jardins, dos quais uma suave fragrância de flores de açafrão sedesprendia, guardados por Príapo, que trazia tomilho e louro selvagem das altasmontanhas para plantar as suas sementes em torno das suas casas77. O exem-plar da estátua de Príapo visível sobre a balaustrada que contorna o jardimPênsil do Palácio de Queluz também não traduz esta narrativa. A presença deestátuas de Príapo na natureza data da Antiga Grécia quando ainda detinha umafunção religiosa e os montes do Peloponeso eram locais privilegiados paraacolher divindades tutelares da fertilidade e da caça. A sua presença na natu-reza, ainda que artificial, continua acesa nos jardins italianos e franceses, mas nãoem Portugal.

Pan também não é muito frequente nos nossos jardins e os exemplaresque temos, sejam considerados Pans ou faunos, como em Caxias, têm sempreuma expressão menos agressiva do que a das esculturas de Pan e Olimpo daAntiguidade que lhe serviram de exemplo e divulgadas através de ilustrações78.As composições mais comuns de Pan são aquelas em que este se faz acom-panhar por Olimpo, como já referimos, por Cupido79, por Apolo, por Syrinx ou

77 Cf.VIRGÍLIO – Georgics, liv. IV, pp. 203 e 205 e 207.

78 Pan e Olimpo in António LAFRERI – Speculum Romanae magnificentiae, 1573-1577. Cópia doWarburg Institute realizada a partir da edição fac-simile da Chicago University; CAVALIERII, ob. cit.,I-II, p. 22; FRANCINI, ob. cit., pl. AA4; e ROSSI-MAFFEI, ob. cit., tav. LXIV.

79 Apesar de apresentarem composições todas diferentes entre si, o tipo iconográfico de váriasedições de Cartari é sempre o mesmo: Pan e Cupido. Cf.Vincenzo CARTARI – Le imagini de i dei degli antichi : nelle quali si contengono gl’idoli, riti, ceremonie, & altre cose appartenenti alla religione de gliantichi / racolte dal sig.Vincenzo Cartari, con la loro espositione, & con bellissime & accommodate figurenouamente ristampate : et con esservi citati i luoghi de gli auttori stessi, di donde molte cose sono statecavate, con molta diligentia riviste, & corrette. Lione : Bartholomeo Honorati, 1581; Le vere e noveimagini de gli dei delli antichi di Vicenzo Cartari Reggiano : Ridotte da capo a piedi in questa nouissimaimpressione alle loro reali, & non piu per l’adietro ossuerate simiglianze. Cauate da’ marmi, bronzi,medaglie, gioie, & altre memorie antiche; con esquisito studio, & particolare diligenza da Lorenzo Pignoria

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outras ninfas, ou por Pitys80, ao contrário dos poucos exemplares existentesnos jardins portugueses, em que surge isolado. A sua imagem é, propriamente,utilizada por Alciato81 para o emblema 98 que representa a Natureza.

Entre as divindades relacionadas com o universo aquático da mãenatureza, Neptuno, deus do mar, ocupa um lugar proeminente. Filho de Saturno,e irmão de Plutão e Júpiter – com quem dividia o governo do mundo, ficandoos Céus para Júpiter e o submundo para Plutão –, o deus dos mares e o seucasamento com Anfitrite e os filhos por eles gerados – Tritões e bestas – nuncaganhou a atenção na literatura reclamada por Júpiter, com os seus romances combelas donzelas e descendência de heróis. Contudo, fora um dos deuses maisvenerados durante a Antiguidade clássica, com vários templos nas proximidadesdo mar, como o do istmo de Corinto, no qual a sua estátua se encontrava pertoda de Anfitrite.

Se na pintura, Júpiter ofuscou qualquer dos seus outros irmãos, na escul-tura decorativa de fontes e lagos nenhuma outra divindade teve tanto sucessoquanto Neptuno.Desde a fonte pública com o Neptuno da autoria de BartolomeoAmmannati (1511-1592) na Piazza della Signoria em Florença, realizada entre1563 e 1565, que evocava o poder da República de Florença sobre os mares,que a associação da figura de Neptuno a uma fonte ficou estabelecida – de quesão exemplos a Fonte do Neptuno (1576), segundo desenho de Giacomo dellaPorta, na Piazza Navona em Roma e a de Joaquim Machado de Castro (1771)para o Largo do Loreto, hoje, no Largo da Estefânia –, tendo invadido depoisdomínios privados – como, por exemplo, a Fonte do Neptuno nos jardinsBoboli, em Florença.

Nos jardins das quintas e palácios dos séculos XVII e XVIII em Portugal,encontramos desde simples fontes com espaldar a que se faz alusão a Neptunoatravés de uma inscrição, como no caso da fonte (1612) nos jardins da Casado Arrabalde, perto de Ponte de Lima, até fontes monumentais com uma

Padovano... Con le allegorie sopra le imagini di Cesare Malfatti Padouano, migliorate, & accresciutenouamente. Et un catalogo del medesimo di cento piu famosi dei della gentilità. Il tutto ridotto a sommaprefettione, come si può facilmente vedere nella prefatione al lettore. Padoua: P. P.Tozzi, 1615, p. 458; eCARTARI, ob. cit., 1674, 250.

80 In Achille BOCCHI, Achillis Bocchii Bonon. Symbolicarum quaestionum, de universo genere, quasserioLudebat, libri quinque, Bononiae: Apud Societatem Typographiaae Bononiensis, 1574.

81 Cf. Andrea ALCIATI, Emblematum Liber, nº 98.

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Fig. 17 – Neptuno. Stoldo Lorenzi; 1565-1568; estátua de bronze;tamanho maior do que o natural; Florença; JardinsBoboli; por trás do Palazzo Pitti. © Fotografia do autor

Fig. 18 – NeptunoModelo de Joaquim Machado de Castro; 1771; executada emItália; estátua de pedra; tamanho maior do que o natural;Lisboa; Praça do Saldanha. © Fotografia do autor

Fig. 19 – NeptunoStoldo Lorenzi; 1565-1568; estátua de bronze;tamanho maior do que o natural; Florença; JardinsBoboli; por trás do Palazzo Pitti. © Fotografia do autor

Fig. 20 – NeptunoJohn Cheere; grupo escultórico de chumbo; tamanho natural;Queluz; Palácio Nacional de Queluz; Jardim Pênsil.© IPPAR

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estátua de vulto perfeito de Neptuno da autoria de Lorenzo Bernini e ErcoleFerrata82, actualmente nos jardins do Palácio de Queluz. De Norte a Sul donosso país encontramos representações de maior ou menor qualidade emfontes e lagos dos jardins das quintas e palácios dos séculos XVII e XVIII, comoo Neptuno ao centro do lago na Quinta do Carmo em Estremoz ou o Neptunoao centro sobre o espaldar de um tanque da Quinta do Assade em Braga.

Ainda mais abundante é a presença de Tritões e pequenos Tritõesenquanto figuras principais ou secundárias da composição de fontes, lagos eespaldares de tanques. Muitas vezes esculturas fontenárias, concorrem comgolfinhos ou cães de água – mais invulgarmente, como no Lago dos SS nosjardins do Palácio Fronteira –, na função de bica destas estruturas. Apesar doputto sobre golfinho ser um tipo iconográfico bastante comum, que já apareceem moedas de prata do século V a.C. e em mosaicos de Delos, e portanto,familiar das memórias visuais de qualquer artista, o putto sobre um golfinho dosjardins do palácio Fronteira pode vir do livro de Cartari83, apesar de apresentaruma torção diferente.

As imagens dos próprios deuses, entre outras, são também utilizadaspara traduzir conceitos.Através das imprese84 – relação entre imagem e palavra– Flora passa a representar a Primavera e Ceres o Verão, por exemplo. Procu-rámos em várias edições ilustradas de Ripa85,Alciato86, fontes para as personifi-cações relacionadas com o ciclo da natureza encontradas nos nossos jardinsbarrocos, como o rio Nilo reclinado numa gruta na Quinta do marquês emOeiras, ou como, por exemplo, o rio de pé na gruta na Tapada das Necessi-dades, sem sucesso. Desde que Bramante colocou no centro do Belvedere doisenormes homens de mármore, duas muito antigas fontes, que rios passaram aser encomendados para outras ville que se queriam émulas do jardim do papa.

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82 Vide Angela DELAFORCE, Jennifer MONTAGU, Paulo Varela GOMES e Miguel SOROMENHO,“Uma fonte de Gianlorenzo Bernini e Ercole Ferrata em Portugal”. In Revista Património – Estudos,nº5, Lisboa: IPPAR, 2003.

83 Cf.Vincenzo CARTARI, ob. cit., 1615, p. 534.

84 Vide Mario PRAZ – Studies in seventeenth-century imagery, Londres:The Warburg Institute, 1939-1947.

85 Cf. Cesare RIPA – Iconologia, Roma: Appresso Lépido Faeij, 1603; Iconologie, ou explication nouvellede plusieures images, emblemes, et autres figures…Moralisées par Baudoin, Paris: Chez MathieuGuillemt, 1644.

86 Cf. ALCIATO – Emblemata, Lyons, 1550.Trad. Por Betty I. Knott, intr. De John Manning.

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Os deuses rios ganharam, assim, uma nova vida, como partes elegantes da com-posição escultórica dos jardins, actuando como símbolos de rios locais mais doque como os grandes rios do mito e da história, ainda que muitas vezes o rioNilo e o Tibre sejam os mais comuns. E passamos a encontrar deuses rios emFontainebleau, em França, no palácio de Greenwich, em Inglaterra, no qual afigura do rio se associa a uma gruta, tal como no Palácio do marquês de Pombalem Oeiras. Pela segunda metade do século XVII, os deuses rios tornaram-seum cliché dos jardins barrocos. Geralmente localizam-se perto da água porquesurgem como a fonte da mesma. Diferentemente das esculturas de Neptuno,de pleno vulto e observadas por todos os lados, as estátuas de rios encontram-se geralmente inseridas em grutas. A distinção principal entre as divindadesrepresentadas nos locais centrais, não é um problema de função, mas decomposição e de iconografia. Um cenário de água num espaço aberto obrigavaa uma composição de maior dimensão e que se pudesse ver de todos lados,que fosse interessante ver de todos os lados, por isso os grupos com Neptunoadequam-se melhor, até porque geralmente os rios são representados emposição reclinada, enquanto Neptuno de pé com o seu tridente, parece do-minar o cenário.

As Quatro Estações encontram-se várias vezes representadas nos nossosjardins – na quinta do marquês de Pombal em Oeiras, na Quinta Real deCaxias, no Palácio de Queluz, no Paço Episcopal de Castelo Branco, só paramencionar alguns exemplos –, exigindo diferentes tipos de leitura iconográfica.Por vezes, encontram-se representadas apenas duas das estações – como oVerão e a Primavera colocadas em nichos no pátio do Palácio das Laranjeiras –ou só uma das estações isolada, como a Fonte da Primavera da Quinta deCanas.

As Quatro Estações relacionam-se obviamente com o ciclo da naturezae, na maioria dos casos, a sua presença nos jardins barrocos justifica-se com aaplicação do princípio do decorum. Mas, o caso dos jardins do Paço Episcopalde Castelo Branco, quando a leitura se cruza com os quatro elementos e asquatro partes do mundo87, a probabilidade para ter existido um programaiconográfico aumenta.

87 Vide Maria João Lynce Costa Pais de FREITAS – Iconografia da memória na azulejaria do século XVIII:quatro estações, quatro elementos, quatro partes do mundo, dissertação de Mestrado em História daArte apresentada à FCSH/UNL, Lisboa, 1994.

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As acções e actitudes com que as esculturas de jardim eram representa-das e os atributos, geralmente retirados das mitografias, qualquer destes facto-res essenciais para a sua futura identificação, encontrava-se totalmente a cargodos artistas. A encomenda de modelos de John Cheere é bastante elucidativaa este respeito, pois só foram escolhidas as temáticas mediante uma lista depossíveis modelos, desprovida de quaisquer instruções quanto à composição,aos atributos, aos gestos e aos detalhes decorativos.

Conclui-se que havia um grande grau de liberdade para os artistasabordarem temas mitológicos. A questão coloca-se de forma diferente doque antes se supusera: não há programa no sentido de que o encomendanteou o artista andaram com a Eneida88 ou A Ilíada de Homero na mão e oquiseram ver traduzido nos seus jardins, mas existe uma espécie de temáticaspróprias para colocar no jardim explanadas em vários tratados desde oséculo XVI e na posse, ou conhecidos, de artistas, encomendantes e públicocultivado.

Inquirir vários episódios biográficos destas divindades é um exercícioque, não obstante ser muito interessante, não é o local próprio para procurara fonte para a iconografia destes deuses no contexto dos jardins das quintas epalácios dos séculos XVII e XVIII em Portugal, e poderia adiantar que no restoda Europa, com raríssimas excepções. Não há provas de que os encomen-dantes quando compravam estátuas de deuses relacionados com o ciclo danatureza para os seus jardins quisessem traduzir textos da Antiguidade Clássica.Não se encontram aqui porque o encomendante previu dar um significadoparticular ao seu jardim, nem porque fazem parte de um programa queincluísse estas personificações e estas representações de deuses, mas tout court,porque são as temáticas adequadas ao local, obedecem ao princípio dodecorum. O encomendante desejava que as esculturas divertissem, embelezas-sem e enriquecessem o local a que se destinavam. O que era melhor conse-guido com belas imagens de homens e mulheres do que com imagens comsubtis alusões literárias. E a tida como melhor fonte de inspiração para a criação

88 A título de exemplo, Malcolm Kelsall desmonta a interpretação dos jardins de Stourhead comotradução da Eneida. Vide Malcolm KELSALL, “The Iconography of Stourhead”. In Journal of theWarburg and Courtauld Institutes,Volume 46, 1983, pp. 133-143.

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de belas estátuas mitológicas era, para além das edições ilustradas das mito-grafias, a memória da Antiguidade, divulgada por desenhos, gravuras, cópias emgesso das esculturas da Antiguidade.