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CAPíTULO 11

o TRABALHO ACADÊMICO:ORIENTAtÕES GERAISPARA O ESTUDONA UNIVERSIDADE

23° EDiÇÃOREVISTAE ATUAliZADA

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~c.oRTEZ~EDITORA

':Nó. ensinoSUperiqr,:()~!!"iibCn{';esúltii~~5~doensino' é .da'.apre~di-z"agém;vão depender'ern'/;í"uitódo ~mpenhopessoaldo aluno no

;~:f/l;;.::z,Z~,.~{~1~1lrtlf!i~tdSa:;:i:::;::':s;7:pe~.......dÚponibilidadea~':f~ê~;;só~<pyd.àg6gico~fonieâdos pela instituição'

deen~ino'Pfra tántÓ,:_~-'!h~t.fpih:portqntequeo aluno adquira há-.'bitos. apropria!dosé-efic¥z,es'e'ha'.'conduçfz()..de 'suavida acadêmica .

.,,~s,~~,q~tiítuOZ()_de~t.~ê~t~!~B~~e,R0~?~:f~(erentesàs principais modà- _:;'c-?i~á4és4e-estudo,' fzitz?9w:~niflis'Pârâ:-F#os, ..ósmàniento~de _sua.

J~fi!J~i~ll'l~i~I;~~i;ri;i~i~~,

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2.1. A ORGANIZAC:ÃO DA VIDA UNIVERSITÁRIA

Ao iniciar essa nova etapa de sua formação escolar, a etapa do en-sino superior, o estudante dar-se-á conta de que se encontra diantede exigências específicas para a continuidade de sua vida de estudos.Novas posturas diante de novas tarefas ser-Ihe-ão logo solicitadas.Daí a necessidade de assumir prontamente essa nova situação e detomar medidas apropriadas para enfrentá-la. É claro que o processopedagógico-didático continua, assim como a aprendizagem que dele de-corre. No conjunto, porém, as suas posturas de estudo devem mudarradicalmente, embora explorando tudo o que de correto aprendeu emseus estudos anteriores.

Em prirrw.j.rol~gar, é preciso que o es-tudante se conscientize de que doravante oresultado do processo depende fundamen-talmente dele mesmo. Seja pelo seu própriodesenvolvimento psíquico e intelectual, sejapela própria natureza do processo educa-cional desse nível, as condições de aprendizagem transformam-se nosentido de exigir do estudante maior autonomia na efetivação da apren-dizagem, maior independência em relação aos subsídios da estrutura doensino e dos recursos institucionais que ainda continuam sendo ofere-cidos. O aprofundamento da vida científica passa a exigir do estudanteuma postura de auto-atividade didática que precisa ser crítica e rigo-rosa. Todo o conjunto de recursos que está na base do ensino superiornão pode ir além de sua função de fornecer instrumentos para umaatividade criadora.

Em segundo lugar, convencido da especificidade dessa situação,deve o estudante empenhar-se num projeto de trabalho altamente in-dividualizado, apoiado no domínio e no manejo de uma série de ins-trumentos. que devem estar contínua e permanentemente ao alcance

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?e suas mãos. É com o auxílio desses instrumentos que o estudantese organiza na sua vida de estudo e disciplina sua vida científica. Es-te material didático e científico serve de base para o estudo pessoal epara a complementação dos elementos adquiridos no decurso do pro-cesso coletivo de aprendizagem em sala de aula. Dado o novo estilode trabalho a ser inaugurado pela vida universitária, a assimilação deconteúdos já não pode mais ser feita de maneira passiva e meCânicacomo costuma ocorrer, muitas vezes, nos ciclos anteriores. Já não bas-ta a presença física às aulas e o cumprimento forçado de tarefas me-cânicas: é preciso dispor de um material de trabalho específico de suaárea e explorá-lo adequadamente.

2.1.1. Os instrumentos de trabalho

A f _: I. .,.ormaçao umversltana acarreta quasesempre atividades práticas, de laboratórioou de campo, culminando no fornecimentode algumas habilidades profissionais pró-prias de cada área. Naturalmente, as váriasáreas exigem, umas mais, outras menos, es-sa prática profissional. Contudo, antes de aí chegar, faz-se necessárioum embasamento teórico pelo qual responde, fundamentalmente, o en-sino superior.

A assimilação desses elementos é feita através do ensino em classepropriamente dito, nas aulas, mas é garantida pelo estudo pessoal de ca-da estudante. E é por isso que precisa ele dispor dos devidos instrumentosde trabalho que, em nosso meio, são fundamentalmente bibliográficos.

Ao dar início a sua vida universitária, o estudante precisa começar aformar sua biblioteca pessoal, adquirindo paulatinamente, mas de malneira bem sistemática, os livros fundamentais para o desenvolvimentode seu estudo. Essa biblioteca deve ser especializada e qualificada. As

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obras de referência geral, os textos clássicosesgotados, são encontra40s nas bibliotecasdas universidades, das várias faculdades oude outras instituições.

E, no momentO'oportuno, essas bibliote-cas devem ser devidamente exploradas peloestudante. O estudante precisa munir-se detextos básicos para o estudo de sua área es-pecífica, tais como um dicionário, um textointrodutório, um texto de história, algum possível tratado mais amplo, al-gumas revistas especializadas, todas obras específicasà sua área de estudoe a áreas afins. Posteriormente, à medida que o curso for avançando, deveadquirir os textos monográficos e especializados referentes à matéria.

Esses textos básicos aqui assinalados têmpor finalidade única criar um contexto, umquadro teórico geral a partir do qual se po-de desenvolver a aprendizagem, assim comoa maturação do próprio pensamento. Essestextos exercem, portanto, papel meramentepropedêutico, situando-se numa etapa provisória de iniciação. Não se tra-ta de maneira alguma de restringir o estudo aos manuais ou, pior ainda,às apostilas. Eles se fazem necessários, contudo, nesse momento de ini-ciação, sobretudo para complementar as exposições dos professores emclasse, para servir de base de comparação com algum texto porventurautilizado pelos professores, enfim, para fornecer o primeiro instrumentalde trabalho nas várias áreas, o vocabulário básico, os elementos do códigodas várias disciplinas. Esses textos desempenham, pois, o papel de fontesde consultas das primeiras categorias a partir das quais se desenvolverãoos vários discursos científicos. Naturalmente, à medida do avanço e doaprofundamento do estudo, serão progressivamente substituídos pelostextos especializados, pelos estudos monográficos resultantes das pesqui-

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sas elaboradas pelos vários especialistas com os quais o estudante deveráconviver por muito tempo. Numa fase mais avançada de seus estudos, esobretudo durante sua vida profissional, esses textos formarão a bibliote-ca do estudante, lançando as linhas mestras do seu pensamento científicoorg_anic~~entelestruturad~. Nesse ~omento, os textos introdutóri.os sóserao utillzados para cobnr eventuaiS lacunas do processo seqüencial deaprendizagem. Frise-se, porém, que, na universidade, não se pode passaro tempo todo estudando apenas textos genéricos, comentários e introdu-ções, embora, pelo menos nas atuais condições, iniciar o curso superiorúnica e exclusivamente com textos especializados, sem nenhuma prope-dêutica teórica, seja um empreendimento de resultados pouco convincen-tes. Embora essa concepção de muitos professores universitários decorrado esforço para criar maior rigor científico, tal prática não se recomendacomo norma geral. Seus resultados históricos são, em alguns casos, bri-lhantes, mas foram obtidos com sacrifício de muitas potencialidades quese perderam neste salve-se-quem-puder que acaba agravando a situaçãode discriminação e de seleção de nosso ensino superior. O universitáriodeve poder passar por um encaminhamento lógico que o inicie ao pensar,por mais que o professor não goste de executar essa tarefa. Aoprofes-sor não basta ser um grande especialista: é preciso dar-se conta de que!étambém um professor e mestre, conseqüentemente, um educador inseridonuma situação histórico-cultural de um país que não pode desconhecer.Isto não quer dizer que o professor sabe tudo: mas que deve saber, pelomenos, conduzir os alunos a descobrirem as vias de aprendizagem. O usointeligente desses textos auxiliares não prejudicará, em hipótese alguma,a qualificação do ensino.

A esta altura das considerações sobre os instrumentos de trabalhode que o estudante universitário deve munir-se, é preciso dar ênfase àsrevistas, as grandes ausentes do dia-a-dia do trabalho acadêmico emnosso meio universitário. A assinatura de periódicos especializados é há-bito elementar para qualquer estudante exigente. Tais revistas mantêm

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atualizada a informação sobre as pesquisasque se realizam nas várias áreas do saber,assim como sobre a bibliografia referente àsmesmas. Em algumas áreas, acompanhamessas revistas repertórios bibliográficos, ou-tro indispensável instrumento do trabalhocientífico. A função da revista enquadra-se na vida intelectual do es-tudante enquanto lhe permite acompanhar o desenvolvimento de suaciência e das ciências afins.

Com efeito, ao fazer o curso superior, o estudante é levado a tomarconhecimento de todas as aquisições da ciência de sua especialidade, ob-tidas durante toda sua formação. Esse acervo cultural acumulado, porém,continua desenvolvendo-se dinamicamente. Por isso, além de assimilaressas aquisições, deve passar a seguir sua solução, que estaria a cargodessas publicações periódicas. O mínimo que uma revista fornece sãoinformações bibliográficas preciosas, além de resenhas e de outros dadossobre a vida científica e cultural. Deve ser igualmente estimulada entre osuniversitários, de maneira incisiva, a participação em acontecimentos ex-tra-escolares, tais como simpósios, congressos, encontros, semanas etc.

Graças ~s informações trazidas pelo curso, às indicações dos profes-sores ao in~ercâmbio acadêmico e aos programas de busca na Internet,- ,os estudantes poderão conhecer os periódicos, nacionais e estrangeiros,representativos de sua área de estudo. É de todo recomendável a assi-natura de algum periódico específico de seu campo de conhecimento eformação.

Quando se fala aqui desses instrumentos teóricos especializados,livros ou revistas, considerados como base para o estudo e pesquisados fatos e categorias fundamentais do saber atual, não se quer fazerapologia da hiperespecialização, hermética e isolada ..Pelo contrário" finterdisciplinaridade é um pressuposto básico de toda formação teórica.As disciplinas não se isolam no contexto teórico: se o curso do aluno

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define o núcleo central de sua especializa-ção, é de se notar que sua formação exigi-rá igualmente abertura de complementaçãopara áreas afins com o objetivo de ampliaro referencial teórico. Por isso é importan-te familiarizar-se com o material relativo aessas disciplinas afins. Assim, não só tex-tos básicos, mas também revistas de áreascomplementares à da sua especialização, devem, paulatina e sistemati-camente, ser adquiridos, na medida do possível.

Dentre os instrumentos para o trabalho científico disponíveis at~-almente, cabe dar especial destaque aos recursos eletrônicos geradospela tecnologia informacional. De modo especial, cabe referir à redemundial de computadores, a Internet, e aos muitos recursos comunica-cionais da multimídia, como os disquetes e CD-ROMs. Também sobreo uso desses recursos se falará adiante, subsidiando o estudante parautilizá-los adequadamente. (p. 136-142)

2.1.2. O aproveitamento das aulas

Esse material didático científico deve ser considerado e tratado peloestudante como base para seu estudo pessoal, que complementará osdados adquiridos através das atividades de classe. Uma vez documen-tada a matéria abordada em aula, devem ser igualmente documenta-dos os elementos complementares a essa matéria e que são levantadosmediante a pesquisa feita sobre este material de base. É que mui-tos esclarecimentos só se encontram através desses estudos pessoaisextraclasse. As técnicas e a prática da documentação são expostas napróxima seção.!

1 cf. p. 66.74.

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A documentação como prática do trabalho científico é a maneiramais adequada e sistemática de "tomar apontamentos". As informa-ções colhidas nas aulas expositivas, nos debates em grupo, nos seminá-rios e conferências são assinaladas, num primeiro momento, de maneiraprecária e provisória, nos cadernos de anotações. Ao retomar, em casa,as anotações, o estudante submetê-Ias-á a um processo de correção, decomplementação e de triagem após o qual serão transcritas nas fichasde documentação.2 Com efeito, ao tomar notas durante uma exposi-ção, muitas idéias acabam ficando truncadas: é preciso reconstruí-las.O contexto ajudará tanto mais que o que importa reter não é o texto daexposição do professor, mas as idéias principais.

Cabe lembrar que para tomar notas deuma aula, de uma palestra, de um deba-te, não é preciso gravar a exposição nemtaquigrafar o discurso feito, palavra porpalavra. Não há, nesses casos, necessidadede registrar o texto integral da fala, pois tal tarefa, além de difícil tec-nicamente, atrapalha a concentração do ouvinte para pensar no queestá sendo dito.

O que melhor se faz é ir registrando palavras ou expressões quetraduzam conteúdos conceituais, geralmente categorias substantivas ou

: Iverbais. Portanto, vai-se registrando uma seqüência de categorias, sema estruturação lógico-redacional explícita da frase. Não é preciso preo-cupar-se com a falta do texto completo nem com a ausência de muitosdos detalhes da exposição do professor ou do palestrante. É preferívele mais eficiente concentrar-se nas idéias fundamentais, procurando ex-pressá-las mediante algumas categorias básicas e investir na compreen-são, na apreensão das idéias do orador.

2 Cf. p. 75-77.

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Ao ir registrando essas categorias, deve-se separá-las por barratransversal/o Ao retomar, em momento posterior, esses apontamentos,o ouvinte que esteve atento conseguirá recompor a síntese relevante d9discurso, bem em cima do eixo essencial da reflexão.

Tratando-se de dados objetivos ou de conceitos precisos que fi-caram incompletos, é hora de recorrer aos instrumentos pessoais depesquisa, às obras básicas de referência. Procura-se assim recompor otexto, complementando-o com esclarecimentos pertinentes que vão aju-dar a compreender melhor as informações prestadas. Recuperadas asinformações, os elementos fundamentais, aqueles que merecem ser as-similados, são passados para as fichas de documentação, sintetizadospessoalmente pelo aluno.

Observe-se que ao proceder assim o aluno está trabalhando de manei-ra inteligente e racional, realizando simultaneamente todas as dimensõesda aprendizagem. Em nenhum momento está preocupando-se com o "de-corar", com o "memorizar" ... Está tão-somente pensando nas idéias queestá manipulando. Está pensando à medida que se esforça para construiro sentido dos conceitos ou das idéias em jogo. Está ainda pesquisando,comparando, informando-se. Através desse conjunto de atividades queenvolve com o pensamento, facilitando as tarefas físicas e psíquicas doestudo, o aluno adquire maior familiaridade com o assunto por mais di-fícil e estranho que possa parecer à primeira vista. Ademais não é precisoesperar que domine já dessa feita todo o conteúdo e seus desdobramentos.O próprio desenvolvimento do curso e esse sistema de documentação irãolhe proporcionar outras oportunidades para a retomada desses temas que,nas sucessivas apresentações, já estarão cada vez mais familiares.

A orientação para a revisão da matéria vista em aula pode ser adap-tada às outras situações criadas para o estudante no caso da participa-

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ção do trabalho em grupo,3 da preparação do seminári04 e da elabora-ção do trabalho de pesquisa.5 Nessas situações, o procedimento básicode estudo é o mesmo, apesar das diferenças de objetivo. O estudanteanalisa o material proposto fazendo as devidas anotações sob forma dedocumentação.6

2.1.3. A disciplina do estudo

Apesar da aparente rigidez desta proposta de metodologia de estudo,ela é, sem dúvida, a mais eficiente. Pressupõe um mínimo de organiza,'ção da vida de estudos, mas, em compensação, torna-se sempre mai~produtiva. Em virtude de os universitários brasileiros, na sua grandemaioria, disporem de pouco tempo para seus cursos e exercerem fun-ções profissionais concomitantes ao curso superior, exige-se deles orga-nização sistemática do pouco tempo disponível para o estudo em casa,indispensável para um aproveitamento mais inteligente do seu curso degraduação, com um mínimo de capacitação qualitativa para as etapasposteriores tanto numa eventual seqüência de seus estudos, como Jilacontinuidade de suas atividades profissionais definidas e oficializad~spelo seu curso.

Não se trata de estabelecer uma minuciosa divisão do horário deestudo: o essencial é aproveitar sistematicamente o tempo disponível,com uma ordenação de prioridades. Também não vem ao caso discu-tir as condições de ordem física e psíquica que sejam melhores para. Io estudo, muito dependentes das características pessoais de cáda um,sendo difícil estabelecer normas gerais que acabam caindo numa tipo-logia artificial.

3 cf. p. 48-49.4 Cf. p. 96-97.5 Cf. p. 13355.6 Cf. p. 66-67. Figura 1. Fluxograma da vida de estudo.

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Feito o levantamento do tempo dispo-nível, predetermina-se um horário para oestudo em casa. E uma vez estabelecido ohorário, é necessário começar sem muitosrodeios e cumpri-lo rigorosamente, man-tendo um ritmo de estudo. Vencida a fa-se de aquecimento e seguindo as diretrizesapresentadas para a exploração do materialneste e nos próximos capítulos, a produção do trabalho torna-se efi-

ciente, fluente e até mesmo agradável.Tais diretrizes são aplicáveis igualmente ao estudo em grupo. Uma

vez reunidos no horário combinado, os elementos do grupo devem de-sencadear o trabalho sem maiores rodeios, definindo-se as várias tarefas,as várias etapas a serem vencidas e as várias formas de procedimento.

Quando o período de estudo ultrapassar duas horas, faz-se regrageral um intervalo de meia hora para alteração do ritmo de trabalho.

Esse intervalo também precisa ser seguido à risca.Recomenda-se distribuir um tempo de estudo para os vários dias

da semana, com objetivo de revisar a matéria ou preparar aulas dasvárias disciplinas nos períodos imediatamente mais próximos às suasaulas. Caso haja necessidade de um período maior de concentração, adistribuição do tempo para as várias matérias levará em conta a cargade trabalho de cada uma e o grau de dificuldade das mesmas.

CONCLUSÃO Para acompanhar o desenvolvimento do seu curso, o alunodeve preparar e rever aulas. O cronograma de estudo possibilita ao alu-no maior proveito da aula, seja ela expositiva, um debate ou um semi-nário. Tratando-se de aula expositiva, até a tomada de apontamentostorna-se mais fácil, dada a familiaridade com a matéria que está sendoexposta; conseqüentemente, há melhores condições de selecionar o queé essencial e que deve ser anotado, evitando-se a sensação de "estar per-

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dido" no meio de informações aparentemente dispersas. Tratando-se deseminários ou debates, mais necessária se faz ainda a preparação préviado que se falará ulteriormente.?

A revisão da aula situa-se como a primeira etapa de personalizaçãoda matéria estudada. É o momento em que se retomam os apontamen-tos feitos apressadamente durante a aula e se dá acabamento aos infor-mes, recorrendo-se aos instrumentos complementares de pesquisa, apósuma triagem dos elementos que passarão definitivamente para as fichasde documentação. Não há necessidade de decorar os apontamentos:basta transcrevê-los, pensando detidamente sobre as idéias em causa ebuscando uma compreensão exata dos conteúdos anotados. Rever es-sas fichas como preparação da aula seguinte é medida inteligente parao paulatino domínio de seu conteúdo.

2.2. LEITURA E DOCUMENTAÇÃO

2.2.1. Diretrizes para a leitura, análise e interpretaçãode textos

Os maiores obstácttlosdo estudo eda aprendizagem, em ciência eem filosofia, estão diretamente relacionados com acorresponden-te dificuldade que o estudante encontra na exata compreensão dos.textos teóricos ..Habituados à abordagem de textos literários, os es-tudarztes,ao se defr0"ftarem com textos científicos ou filosóficos, en-contram dificuldad~slogojulgadas insuperáveis e que reforçam umaatitude dedesâni11Jo ede dese.ncanto,geralmente acompanhada de.um juízo de val~f depre2iativoem relaÇãoao pensamento teórico.

7 Cf. p. 89-98.

50 ANT6NI0 JOAQUIM SEVERINO

Em verdade, os textos de ciência e de filosofia apresentam obstáculosespecíficos,mas nem por isso insuperáveis. É claro que não se pode contarcom os mesmos recursos disponíveis no estudo de textos literários, cuja

I Ileitura revela uma seqüência de raciocínios e o enredo é apresentado den~tro de quadros referenciais fornecidos pela imaginação, onde se compre-ende o desenvolvimento da ação descrita e percebe-se logo o encadeamen-to da história. Por isso, a leitura está sempre situada, tornando-se possívelentender, sem maiores problemas, a mensagem transmitida pelo autor.

No caso de textos de pesquisa positiva, acompanha-se o raciocíniojá mais rigoroso seguindo a apresentação dos dados objetivos sobreos quais tais textos estão fundados. Os dados e fatos levantados pelapesquisa e organizados conforme técnicas específicas às várias ciênciaspermitem ao leitor, devidamente iniciado, acompanhar o encadeamentológico destes fatos.

Diante de exposições teóricas, como em geral são as encontradasem textos filosóficos e em textos científicos relativos a pesquisas teó-ricas, em que o raciocínio é quase sempre dedutivo, a imaginação e aexperiência objetiva não são de muita valia. Nestes casos, contk-se tão-somente com as possibilidades da razão reflexiva, o que exige muita dis-ciplina intelectual para que a mensagem possa ser compreendida com odevido proveito e para que a leitura se torne menos insípida.

Na realidade, mesmo tratando-se de assuntos abstratos, para o lei-tor em condições de "seguir o fio da meada" a leitura torna-se fácil,agradável e, sobretudo, proveitosa. Por isso é preciso criar condiçõesde abordagem e de inteligibilidade do texto, aplicando alguns recursosque, apesar de não substituírem a capacidade de intuição do leitor naapreensão da forma lógica dos raciocínios em jogo, ajudam muito naanálise e interpretação dos textos.

Antes d~boroar as diretrizes para a leitura e análise de textos,recomenda-se atentar para a função dos mes~os em termos de uma

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teoria geral da comunicação, estabelecen-do-se assim algumas justificativas psicoló-gicas e epistemológicas fundamentais paraa adoção destas normas metodológicas etécnicas, tanto para a leitura como para aredação de textos.

Embora sem aprofundar a questão do significado e função do textoneste nível, que ultrapassaria os objetivos deste trabalho, serão apresen-tadas aqui algumas considerações para encaminhar a compreensão dosvários momentos do trabalho científico.8

Pode-se partir da consideração de que a comunicação se dá quandoda transmissão de uma mensagem entre um emissor e um receptor. Oemissor transmite uma mensagem que é captada pelo receptor. Este é oesquema geral apresentado pela teoria da comunicação.9

Para fins didáticos, pode-se desdobrar este esquema, o que fornecer~mais elementos para a compreensão da origem e finalidade de um texto.

Com efeito, considera-se o emissor como uma consciência que trans-mite uma mensagem para outra consciência que é o receptor. Portanto,a mensagem será elaborada por uma consciência e será igualmente as-similada por outra consciência. Deve ser, antes de mais nada, pensada edepois transmitida. Para ser transmitida, porém, deve ser antes media-tizada, já que a comunicação entre as consciências não pode ser feitadiretamente; ela pressupõe sempre a mediatização de sinais simbólicos.Tal é, com efeito, a função da linguagem.

Assim sendo, o texto-linguagem significa, antes de tudo, o meio in-termediário pelo qual duas consciências se comunicam. Ele é o códigoque cifra a mensagem.

8 Essas considerações são válidas também para a elaboração da monografia científica, entendida como um trabalhode codificação de uma lOensagem. Cf. especialmente Capo IV. .9 Cf. DANCE, F. E. (otg.). Teoria da comunicação humana. São Paulo: Cultrix, 1973.

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As diretrizes metodológicas que são apresentadas a seguir têm ape-nas objetivos práticos. Esta seção visa fornecer elementos para umamelhor abordagem de textos de natureza teórica, possibilitando umaleitura mais rica e mais proveitosa. Frise-se ainda que tais recursos me-todológicos não podem prescindir de certa preparação geral relativa àárea em que o texto se situa e ao domínio da língua em que é escrito.

Ao escrever um texto, portanto, o autor (o emissor) codifica suamensagem que, por sua vez, já tinha sido pensada, concebida 10 e o lei-tor (o rece.ptor), ao ler um texto, decodifica a mensagem do autor, paraentão pensá-la, assimilá-la e personalizá-la, compreendendo-a: assim secompleta a comunicação.

Em todas as fases desse processo, o. homem, dada sua condiçãoexistencial de empiricidade e liberdade, sofre uma série de interferênciaspessoais e culturais que põem em risco a objetividade da comunicação.É por isso que se fazem necessárias certas precauções que garantammaior grau de objetividade na interpretação dessa comunicação.

Tal a justificação fundamental para a formulação de diretrizes parao trabalho científico em geral e para a leitura e composição de textosem particular.

O processo de realização do trabalho científico pode ser visualizadono fluxograma ao lado.

1.a. Delimitação da unidade de leituraA primeira medida a ser tomada pelo leitor é o estabelecimento deuma unidade de leitura. Unidade é um setor do texto que forma umatotalidade de sentido. Assim, pode-se considerar um capítulo, umaseção ou qualquer outra subdivisão. Toma-se uma parte que forme

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Figura 2. Esquema geral da comunicação humana. 10 o pensamento é um processo de ordem epistemológica muito complexo. Outros pormenores são apresentados naseção 2.3.

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54 ANTÔNIO JOAQUIM SEVERINO

certa unidade de sentido para que se possa trabalhar sobre ela. Dessamaneira determinam-se os limites no interior dos quais se processará,a disciplina do trabalho de leitura e estudo em busca da compreensãoda mensagem. .

De acordo com esta orientação, a leitura de um texto, quanao feitapara fins de estudo, deve ser feita por etapas, ou seja, apenas termina-da a análise de uma unidade é que se passará à seguinte. Terminado oprocesso, o leitor se verá em condições de refazer o raciocínio global dolivro, reduzindo a uma forma sintética.

A extensão da unidade será determinada proporcionalmente à aces-sibilidade do texto, a ser definida por sua natureza, assim como pelafamiliaridade do leitor com o assunto tratado.a estudo da unidade deve ser feito de maneira contínua, evitando-

se intervalos de tempo muito grandes entre as várias etapas da análise.

1.b. A análise textualA análise textüãl: p2imeira abordagem do texto com vistas à preparaçãoda leitura. I

Determinada a unidade de leitura, o estudante-leitor deve procedera uma série de atividades ainda preparatórias para a análise aprofun-dada do texto.

Procede-se inicialmente a uma leitura seguida e completa da uni-dade do texto em estudo. Trata-se de uma leitura atenta mas aindacorrida, sem buscar esgotar toda a compreensão do texto. A finalidadeda primeira leitura é uma tomada de contato com toda a unidade, bus-cando-se uma visão panorâmica, uma visão de conjunto do raciocíniodo autor. Além disso, o contato geral permite ao leitor sentir o estilo emétodo do texto.

Durante o primeiro contato deverá ainda o leitor fazer o levanta-mento de todos aqueles elementos básicos para a devida compreensãodo texto. Isso quer dizer que é preciso assinalar todos os pontos passí-

METODOLOGIA DO TRABALHO CIENTIFICO 55

veis de dúvida e que exijam esclarecimentos que condicionam a comPfe-ensão da mensagem do autor.a primeiro esclarecimento a ser buscado são os dados a respeito do

autor do texto. Uma pesquisa atenta sobre a vida, a obra e o pensamen-to do autor da unidade fornecerá elementos úteis para uma elucidaçãodas idéias expostas na unidade. Observe-se, porém, que esses esclare-cimentos devem ser assumidos com certa reserva, a fim de que as in-terpretações dos comentadores não venham prejudicar a compreensãoobjetiva das idéias expostas na unidade estudada.

Deve-se assinalar, a seguir, o vocabulário: trata-se de fazer um le-vantamento dos conceitos e dos termos que sejam fundamentais para acompreensão do texto ou que sejam desconhecidos do leitor. Em todaunidade de leitura há sempre alguns conceitos básicos que dão sentidoà mensagem e, muitas vezes, seu significado não é muito claro ao leitornuma primeira abordagem. É preciso eliminar todas as ambigüidadesdesses conceitos para que se possa entender univocamente o que se estálendo. I

Por outro lado, o texto pode fazer referências a fatos históricos, aoutros autores e especialmente a outras doutrinas, cujo sentido no textoé pressuposto pelo autor mas nem sempre conhecido do leitor.

Todos esses elementos devem ser, durante a primeira abordagem,transcritos para uma folha à parte. Percorrida a unidade e levantadostodos os elementos carentes de maiores esclarecimentos, interrompe-sea leitura do texto e procede-se a uma pesquisa prévia no sentido de sebuscar esses informes. ,

Esses esclarecimentos são encontrados em: dicionários, textos dehistória, manuais didáticos ou monografias especializadas, enfim, emobras de referência das várias especialidades. Pode-se também recorrera outros estudiosos e especialistas da área.

Note-se que a busca de esclarecimentos tem tríplice vantagem: emprimeiro lugar, diversificando as atividades no estudo, torna-o menos

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monótono e cansativo; em segundo lugar, propicia uma série de infor-mações' e conhecimentos que passariam despercebidos numa leitura as-sistemática; em terceiro lugar, tornando o texto mais claro, sua leituraficará mais agradável e muito mais enriquecedora.

A análise textual pode ser encerrada com uma esquematização dotexto cuja finalidade é apresentar uma visão de conjunto da unidade. Oesquema organiza a estrutura r~dacional do texto que serve de suportematerial ao raciocínio.

Muitos confundem essa esquematização com o resumo do texto. Defato, a apre~taç~o das idéias mais relevantes do texto não deixa deser uma síntese material da unidade, mas ainda rão realiza todas as exi-gências para' um resumo lógico do pensamento expresso no texto, que éatingido pela análise temática, como se verá no item seguinte.

A utilidade do esquema está no fato de permitir uma visualizaçãoglobal do texto. A melhor maneira de se proceder é dividir inicialmentea unidade nos três momentos redacionais: introdução, desenvolvimentoe conclusão. Toda unidade completa comporta necessariamente essestrês momentos. Depois são feitas as divisões exigidas pela própria reda-ção, no interior de cada uma dessas etapas.

Tratando-se de unidades maiores, retiradas de livros ou revistas, ca-da subdivisão é referida ao número da página em que se situa; tratando-se de textos não paginados, deve-se numerar previamente os parágrafospara que se possa fazer as devidas referências.

1.c. A análise temáticaDe posse dos instrumentos de expressão usados pelo autor, do sen-

tido unívoco de todos os conceitos e conhecedor de todas as referênciase alusões utilizadas por ele, o leitor passará, numa segunda abordagem,à etapa da compreensão da mensagem global veiculada na unidade.

A análise temática procura ouvir o autor, apreender, sem intervirnele, o conteúdo de sua mensagem. Praticamente, trata-se de fazer ao

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texto uma série de perguntas cujas respostas fornecem o conteúdo damensagem.

Em primeiro lugar busca-se saber do que fala o texto. A respostaa esta questão revela o tema ou assunto da unidade. Embora aparen-temente simples de ser resolvida, essa questão ilude muitas vezes. Nemsempre o título da unidade dá uma idéia fiel do tema. Às vezes apenaso insinua por associação ou analogia; outras vezes não tem nada quever com o tema. Em geral, o tema tem determinada estrutura: o autorestá falando não de um objeto, de um fato determinado, mas de rela-ções variadas entre vários elementos; além dessa possível estruturação,é preciso cap~ar a perspectiva de abordagem do autor: tal perspectivadefine o âmbito dentro do qual o tema é tratado, restringindo-o a limi-tes determinados.

Avançando um pouco mais na tentativa da apreensão da mensagemdo autor, capta-se a problematização do tema, porque não se pode falarcoisa alguma a respeito de um tema se ele não se apresentar como umproblema para aquele que discorre sobre ,ele.A apreensão da problemá-tica, que por assim dizer "provocou" o autor, é condição básica parase entender devidamente um texto, sobretudo em se tratando de textosfilosóficos.

Pergunta-se, pois, ao texto em estudo: como o assunto está proble-matizado? Qual dificuldade deve ser resolvida? Qual o problema a sersolucionado? A formulação do problema nem sempre é clara e precisano texto, em geral é implícita, cabendo ao leitor explicitá-la.

Captada a problem~tica, a terceira questão surge espontaneamente:loque o autor fala sobre o tema, ou seja, como responde à dificuldade, aoproblema levantado? Que posição assume, que idéia defende, o que querdemonstrar? A resposta a esta questão revela a idéia central, proposiçãofundamental ou tese: trata-se sempre da idéia mestra, da idéia principaldefendida pelo autor naquela unidade. Em geral, nos textos logicamenteestruturados, cada unidade tem sempre uma única idéia central, todas as

58 ANTONlO JOAQUIM SEVERINO

demais idéias estão vinculadas a ela ou são apenas paralelas ou comple-mentares. Daí a percepção de que ela representa o núcleo essencial damensagem do autor e a sua apreensão torna o texto inteligível. Normal-mente, a tese..e.ever~ater formulação expressa na introdução da unida-de, mas isto não ocorre sempre, estando, às veres, difusa no corpo da

unidade.Na explicitação da tese sempre deve ser usada uma proposição,

uma oração, um juízo completo e nunca apenas uma expressão, comoocorre no caso do tema.

A idéia central pode ser considerada inicialmente como uma hipó-tese geral da unidade, pois que é justamente essa idéia que cabe à uni-dade demonstrar mediante o raciocínio. Por isso, a quarta questão ase responder é: como o autor demonstra sua tese, como comprova suaposição básica? Qual foi o seu raciocínio, a sua argumentação?

É através do raciocínio que o autor expõe, passo a passo, seu pen-samento e transmite sua mensagem. O raciocínio, a argumentação, é oconjunto de idéias e proposições logicamente encadeadas, mediante asquais o autor demonstra sua posição ou tese. Estabelecer o raciocíniode uma unidade de leitura é o mesmo que reconstituir o processo lógico,segundo o qual o texto deve ter sido estruturado: com efeito, o raciocí-nio é a estrutura lógica do texto.

A esta altura, o que o autor quis dizer de essencial já foi apreendi-do. Ocorre, contudo, que os autores geralmente tocam em outros temasparalelos ao tema central, assumindo outras posições secundárias nodecorrer da unidade. Essas idéias são como que intercaladas e não sãoindispensáveis ao raciocínio, tanto que poderiam ser até eliminadas semtruncar a seqüência lógica do texto. Associadas às idéias secundárias,de conteúdo próprio e independente, complementam o pensamento doautor: são subtemas e subteses.

Para levantar tais idéias, basta ler o texto perguntando se a unidadeainda é questão de outros assuntos.

METODOLOGIA DO TRABALHO CIENTíFICO 59

Note-se que é esta análise temática que serve de base para o resumoou síntese de um texto. Quando se pede o resumo de um texto, o que setem em vista é a síntese das idéias do raciocínio e não a mera reduçãodos parágrafos. Daí poder o resumo ser escrito com outras palavras,desd~ que as ~déias sejam as mesmas do texto.

E também esta análise que fornece as condições para se construirtecnicamente um roteiro de leitura como, por exemplo, o resumo orien-tador para seminários e estudo dirigido.

Finalmente, é com base na análise temática que se pode construir oorganograma lógico de uma unidade: a representação geometrizada deum raciocínio.

1.d. A análise interpretativaA análise interpretativa é a terceira abordagem do texto com vistas àsua interpretação, mediante a situação das idéias do autor.

A partir da compreensão objetiva da mensagem comunicada pelotexto, o que se tem em vista é a síntese das idéias do raciocínio e a com-preensão profunda do texto não traria grandes benefícios. Interpretar,em sentido restrito, é tomar uma posição própria a respeito das idéfasenunciadas, é superar a estrita mensagem do texto, é ler nas entrelinhas,é forçar o autor a um diálogo, é explorar toda a fecundidade das idéiasexpostas, é cotejá-las com outras, enfim, é dialogar com o autor. Bemse vê que esta última etapa da leitura analítica é a mais difícil e delica-da, uma vez que os riscos de interferência da subjetividade do leitor sãomaiores, além de pres:supor outros instrumentos culturais e formaçãoespecífica.

A primeira etapa de interpretação consiste em situar o pensamentodesenvolvido na unidade na esfera mais ampla do pensamento geral doautor, e em verificar como as idéias expostas na unidade se relacionamcom as posições gerais do pensamento teórico do autor, tal como é co-nhecido por outras fontes.

60 ANTÔNIO JOAQUI~VERl~O

A seguir, o pensamento apresentado na unidade permite situar o au-tor no contexto mais amplo da cultura filosófica em geral, situá-lo porsuas posições aí assumidas, nas várias orientações filosóficas existentes,mostrando-se o sentido de sua própria perspectiva e destacando-se tan-to os pontos comuns como os originais.

Nas duas primeiras etapas, busca-se ao mesmo tempo o relaciona-mento lógico-estático das idéias do autor no conjunto da cultura daque-la área, assim como o relacionamento lógico-dinâmico de suas idéiascom as posições de outros autores que eventualmente o influenciaramou que foram por ele influenciados. Em ambos os casos, trata-se de umaabordagem genérica.

Depois disso, já de um ponto de vista estrutural, busca-se uma com-preensão interpretativa do pensamento exposto e explicitam-se os pres-supostos que o texto implica. Tais pressupostos são idéias nem sempreclaramente expressas no texto, são princípios que justificam, muitasvezes, a posição assumida pelo autor, tornando-a mais coerente dentrode uma estrutura rigorosa.

Em outro momento, estabelece-se uma aproximação e uma asso-ciação das idéias expostas no texto com outras idéias semelhantes queeventualmente tenham recebido outra abordagem, independentementede qualquer tipo de influência. Faz-se uma comparação com idéias te-máticas afins, sugeridas pelos vários enfoques e colocações do autor.Uma leitura é tanto mais fecunda quanto mais sugere temas para a re-flexão do leitor.

O próximo passo da interpretação é a crítica. Não se trata aqui dotrabalho metodológico da crítica externa e interna, adotado na pes-quisa científica. O que se visa, durante a leitura analítica, é a formu-lação de um juízo crítico, de uma tomada de posição, enfim, de umaavaliação cujos critérios devem ser delimitados pela própria naturezado texto lido.

METODOLOGIA DO TRABALHO CIENTIFICO 61

Tal avaliação tem duas perspectivas: de um lado, o texto pode serjulgado levando-se em conta sua coerência interna; de outro lado, podeser julgado levando-se em conta sua originalidade, alcance, validade e acontribuição que dá à discussão do problema.

Do primeiro ponto de vista, busca-se determinar até que ponto oautor conseguiu atingir, de modo lógico, os objetivos que se propuseraalcançar; pergunta-se até que ponto o raciocínio foi eficaz na demons-tração da tese proposta e até que ponto a conclusão a que chegou estárealmente fundada numa argumentação sólida e sem falhas, coerentecom as suas premissas e com várias etapas percorridas.

A partir do segundo ponto de vista, formula-se um juízo crítico so-bre o raciocínio em questão: até que ponto o autor consegue uma colo-cação original, própria, pessoal, superando a pura retomada de texto~de outros autores, até que ponto o tratamento dispensado por ele aotema é profundo e não superficial e meramente erudito; trata-se de sesaber ainda qual o alcance, ou seja, a relevância e a contribuição espe-cífica do texto para o estudo do tema abordado.

Resta aludir aqui a uma possível crítica pessoal às posições defen-didas no texto. Porque exige maturidade intelectual, essa é a fase maisdelicada da interpretação de um texto; é viável desde o momento emque a vivência pessoal do problema tenha alcançado níveis que per-mitam o debate da questão tratada. Observa-se ainda que o objetivoúltimo da formação filosófica é o amadurecimento da reflexão pessoalpara o tratamento autônomo dessas questões. A atividade filosóficacomeça no momento em que se explica a própria experiência. Paraalcançar tal objetivo esbarra-se na abordagem dos textos deixadospelos autores. É por isso que a leitura analítica metodologicamenterealizada é instrumento adequado e eficaz para o amadurecimentointelectual do estudante.

62 ANTÔNIO JOAQUIM SEVERINO

1.e. A problematização

A problematização é a quarta abordagem da unidade com vistas ao le-vantamento dos problemas para a discussão, sobretudo quando o estu-do é feito em grupo. Retoma-se todo o texto, tendo em vista o levanta-mento de problemas relevantes para a reflexão pessoal e principalmentepara a discussão em grupo.

Os problemas podem situar-se no nível das três abordagens ante-riores; desde problemas textuais, os mais objetivos e concretos, até osmais difíceis problemas de interpretação, todos constituem elementosválidos para a reflexão individual ou em grupo. O debate e a reflexãosão essenciais à própria atividade filosófica e científica.

Cumpre observar a distinção a sex feita entre a tarefa de determi-nação do problema da unidade, segunda etapa da análise temática, e aproblematização geral do texto, última etapa da análise de textos cien-tíficos. No primeiro caso, o que se pede é o desvelamento da situaçãode conflito que provocou o autor para a busca de umá solução. Nopresente momento, problematização é tomada em sentido amplo e visalevantar, para a discussão e a reflexão, as questões explícitas ou implí-citas no texto.

1.f. A síntese pessoal

A discussão da problemática levantada pelo texto, bem como a reflexãoa que ele conduz, devem levar o leitor a uma fase de elaboração pessoalou de síntese. Trata-se de uma etapa ligada antes à .coristrução lógicade uma redação do que à leitura como tal. De qualquer modo, a leiturabem-feita deve possibilitar ao estudioso progredir no desenvolvimento. I

das idéias do autor, bem como daqueles elementos relacionados comelas. Ademais, o trabalho de síntese pessoal é sempre exigido no con-texto das atividades didáticas, quer como tarefa específica, quer comoparte de relatórios ou de roteiros de seminários. Significa também va-lioso exercício de raciocínio - garantia de amadurecimento intelectual.

METODOLOGIA DO TRABALHO CIENTIFICO 63

Como a problematização, esta etapa se apóia na retomada de pontosabordados em todas as etapas anteriores.

CONCLUSÃO A leitura analítica desenvolve no estudante-leitor uma sériede posturas lógicas que constituem a via mais adequada para sua pró-pria formação, tanto na sua área específica de estudo quanto na suaformação filosófica em geral.

Com o objetivo de fornecer uma representação global da leituralanalítica, assim como permitir uma recapitulação de todo o processo,são apresentados a seguir um esquema pormenorizado com suas váriasatividades e um fluxograma com suas principais etapas.

ESQUEMA Recapitulando: a leitura analítica é um método de estudo quetem como objetivos:1. favorecer a compreensão global do significado do texto;2. treinar para a compreensão e interpretação crítica dos textos;3. auxiliar no desenvolvimento do raciocínio lógico;4. fornecer instrumentos para o trabalho intelectual desenvolvido nos

seminários, no estudo dirigido, no estudo pessoal e em grupos, naconfecção de resumos, resenhas, relatórios etc.

Seus processos básicos são os seguintes:1. Análise textual: preparação do texto;

trabalhar sobre unidades delimitadas (um capítulo, uma seção,uma parte etc., sempre um trecho com um pensamento comple-to); fazer uma leitura rápida e atenta da unidade para se adquiriruma visão de conjunto da mesma; levantar esclarecimentos rela-tivos ao autor, ao vocabulário específico, aos fatos, doutrinas eautores citados, que sejam importantes para a compreensão damensagem; esquematizar o texto, evidenciando sua estrutura re-dacional.

levantamento e discussõesPROBLEMATIZAÇÃO -- ..••. de problemasrelacionados;

com a mensagem do aUtor. '- - -~. ,-.

• 64

ANÁLISE TEXTUAL

ANÁLISETEMÁTICA

ANÁLISEINTERPRETATIVA

SíNTESE

Preparação do textoVisão de conjuntoBusca de esclarec;imento

.VocabulárioDoutrinasFatosAutores

. Esquematização dotextc;»

Compreensão da mensagem do autorTema .ProblemaTeseRaciocínioIdéias secundárias

Interpretação da mensagem çto aUtorSituação filosófica e influências

--~. PressupOstos ..Associação de idéiasCriticas . ...

___ .Reelaboração da m~nsagerncom baSe na reflexcio pessoal

METODOLOGIA DO TRABALHO CIENTIFICO 65

2. Análise temática: compreensão do texto;determinar o tema-problema, a idéia central e as idéias secundáriafda unidade;refazer a linha de raciocínio do autor, ou seja, reconstruir o proces-so lógico do pensamento do autor;evidenciar a estrutura lógica do texto, esquematizando a seqüênciadas idéias.

3. Análise interpretativa: interpretação do texto;situar o texto no contexto da vida e da obra do autor, assim comono contexto da cultura de sua especialidade, tanto do ponto de vistahistórico como do ponto de vista teórico;explicitar os pressupostos filosóficos do autor que justifiquem suasposturas teóricas;aproximar e associar idéias do autor expressas na unidade com ou-tras idéias relacionadas à mesma temática;exercer uma atitude crítica diante das posições do autor em termos de:a) coerência interna da argumentação;b) validade dos argumentos empregados;c) originalidade do tratamento dado ao problema;d) profundidade de análise ao tema;e) alcance de suas conclusões e conseqüências;f) apreciação e juízo pessoal das idéias defendidas.

4. Problematização: discussão do texto;levantar e debater questões explícitas ou implicitadas no texto; de-bater questões afinssugeridas pelo leitor.H

5. Síntese pessoal: reelaboração pessoal da mensagem;desenvolver a mensagem mediante retomada pessoal do texto e ra-ciocínio personalizado;

Figura 3. Esquema de leitura analítica.11 A leitura analítica é também fonte essencial da documentação, conforme será visto às p. 145 ss. Cada uma das etapasfornece elementos que, de acordo com as necessidades de cada um, podem ser transcritos para a ficha de documentaçjio.

•66 ANTÔNIO JOAQUIM SEVERINO

elaborar um novo texto, com redação própria, com discussão e re-flexão pessoais.

2.2.2. A documentação como método de estudo pessoal

.0 estudo e a aprendizagem,émoquq.lquer~áreCl do conhecimento,o são plenamente eficazes somentequ~~docriam ~condições. parauma ~ontínuae progressivaassi1f1ila.ç4opes~oaldos úmteúdoses-tudados. 'A assimilação, 'por s~dl!ei':1J~e,~i~a,serqualitativaeinte;-'ligehtementeseletiva,dadad(;QhtPlé~idd4~e fi enorme diversidad~

o das várias áreasdosaberatudl. ' o •• " o

Daí a grande dificuldade encontrada pelos estudantes, cada diamais confrontados com uma cultura que não cessa de complexificar-see se utilizar de acanhados métodos de estudo que não acompanham, nomesmo ritmo, a evolução global da cultura e da ciência. Alguns acre-ditam que é possível encontrar na própria tecnologia os recursos quepossibilitem superar tais dificuldades da aprendizagem. Os recursos mi-lagrosos da tecnologia, no entanto, estão ainda para ser criados e tes-tados; os métodos acadêmicos tradicionais, baseados na assimilação,passiva, já não fornecem nenhum resultado eficaz.

O estudante tem de se convencer de que sua aprendizagem é umatarefa eminentemente pessoal; tem de se transformar num estudioso queencontra no ensino escolar não um ponto de chegada, mas um limiar apartir do qual constitui toda uma atividade de estudo e de pesquisa, quelhe proporciona instrumentos de trabalho criativo em sua área. É inútilretorquir que isto já é óbvio para qualquer estudante. De fato, nuncase agregou tanto como hoje a importância da criatividade nos váriosmomentos da vida escolar. Mas o fato é que os hábitos correspondentesnão foram instaurados e, na prática de ensino, os resultados continuaminsatisfatórios.

METODOLOGIA DO TRABALHO CIENTIFICO 67

2.a. A prática da documentaçãoAs considerações que seguem visam tão-so-mente sugerir formas concretas para o es-tudo pessoal, sem se preocupar em delinearuma teoria e uma técnica muito sofisticadade documentação. Ressaltar a importânciada técnica da documentação como formade estudo (talvez já conhecida e praticadapor muitos, mas nem sempre com a devidacorreção) é o único objetivo aqui visado.

O saber constitui-se pela capacidade de reflexão no interior de de-terminada área do conhecimento. A reflexão, no entanto, exige o do-mínio de uma série de informações. O ato de filosofar, por exemplo,reclama um pensar por conta própria que é atingido mediante o pensa-mento de outras pessoas. A formação filosófica pressupõe, dialética enão mecanicamente, a informação filosófica. Do mesmo modo alguémse torna grande poeta ou escritor e, como tal, altera com seu gênio sualíngua e sua cultura. Antes, porém, de aí chegar será influenciado poressa cultura e se comunicará através da língua que aprendeu submissa-mente. Afinal, o homem é um ser culturalmente situado.

Assim sendo, a posse de informação completa de sua área de es-pecialização é razoável nas áreas afins, assim como certa cultura geralé uma exigência para qualquer estudante universitário cujos objetivossignifiquem algo mais que um diploma.

Essa informação s6 se pode adquirir através da documentação rea-lizada criteriosamente. O didatismo tem criado uma série de vícios quese arraigara-m na vida escolar dos estudantes desde a escola primária,esterilizando os resultados do ensino.

Não traz resultados positivos para o estudo ouvir aulas, por maisbrilhantes que sejam, nem adianta ler livros clássicos e célebres. Isso sótem algum valor à medida que se traduzir em documentação pessoal,

68 ANTÓNIO JOAQUIM SEVERINO

ou seja, à medida que esses elementos puderem estar à disposição doestudante, a qualquer momento de sua vida intelectual.

A prática da documentação pessoal deve, pois, tornar-se uma cons-tante na vida do estudante: é preciso convencer-se de sua necessidade eutilidade, colocá-la como integrante do processo de estudo e criar umconjunto de técnicas para organizá-laY

A documentação de tudo o que for jul-gado importante e útil em função dos estu-dos e do trabalho profissional deve ser feitaem fichas. Tomar notas em cadernos é umhábito desaconselhável devido à sua poucafuncionalidade.

2.b. A documentação temáticaA documentação temática visa coletar elementos relevantes para o estu-do em geral ou para a realização de um trabalho em particular, sempredentro de determinada área. Na documentação temática, esses elemen-tos são determinados em função da própria estrutura do conteúdo daárea estudada ou do trabalho em realização.

Tal documentação é feita, portanto, se-guindo-se um plano sistemático, constituí-do pelos temas e subtemas da área ou dotrabalho em questão. A esses temas e sub-temas correspondem os títulos e subtítulosque encabeçam as fichas, e formam um con-junto geral de fichas ou fichário.

Os elementos a serem transcritos nasfichas de documentação temática não sãotirados apenas das leituras particulares, mas também das aulas, das

12 Delcio V. SALOMON, Como fazer uma monografia. p. 107.

METODOLOGIA DO TRABALHO CIENTIFICO 69

conferências e dos seminários. As idéias pessoais importantes para qual-quer projeto futuro também devem ser transcritas nas fichas, para nãose perderem com o passar do tempo.

Quando se transcreve na ficha uma citação literal, essa citação viráentre aspas, terminando com a indicação abreviada da fonte; quando atranscrição contiver apenas uma síntese das idéias da passagem citada,dispensam-se as aspas, mantendo-se a indicação da fonte; quando sãotranscritas idéias pessoais, não é necessário usar nem aspas nem indica-ções de fonte, nem sinais indicativos, pois a ausência de qualquer refe-rência revela que são idéias elaboradas pelo próprio autor.

O fichário é constituído primeiramente pelas Fichas de Documen-tação Temática. Baseia-se nos conceitos fundamentais que estruturamdeterminada área de saber. Cada estudante pode formar seu fichário dedocumentação temática relacionado ao curso que está seguindo, a par-tir da estrutura curricular do mesmo. Nesse caso, cada disciplina corres-ponderia a um setor do fichário e suas partes essenciais determinariamos títulos das fichas, enquanto os conceitos e elementos fundamentaisdessas partes corresponderiam aos subtítulos das fichas.13

Concretamente, no que diz respeito àsaulas, os estudantes, ao reverem seus apon-tamentos de classe, nos cadernos de rascu-nho, passariam os tópicos mais importan-tes para as fichas, sistematizando as idéias aserem retidas. Também assim deveriam serestudadas as "apostilas:" - enquanto dura-rem: far-se-ia uma documentação temática dos principais conceitos damatéria em pauta. Mesmo procedimento a ser adotado em relação aoslivros cujo conteúdo tem interesse direto ou complementar para o cur-

13 Delcio V. SALOMON, Como fazer uma monografia, p. '116-121, apresenta alguns modelos de fichários de docu-mentação. .

•70 ANTÔNIO JOAQUIM SEVERINO IIso. Igualmente, todas as leituras complementares devem traduzir-se emdocumentação, assim como todas as demais atividades escolares.14

2.c. A documentação bibliográficaÉ por isso que a documentação temática secompleta pela documentação bibliográfica:as Fichas de Documentação Bibliográficaorganizam-se de acordo com um critério denatureza temática. Assim, o livro é fichadotendo em vista a área geral e específica den-tro da qual se situa.

O fichário de documentação bibliográfi-ca constitui um acervo de informações sobre livros, artigos e demais tra-balhos que existem sobre determinados assuntos, dentro de u~a área dosaber. Sistematicamente feito, proporciona ao estudante rica informaçãopara seus estudos.

A documentação bibliográfica deve ser realizada paulatinamente, àmedida que o estudante toma contato com os livros ou com os informessobre os mesmos. Assim, todo livro que cair em suas mãos será ime-diatamente fichado. Igualmente, todos os informes sobre algum livropertinente à sua área possibilitam a abertura de uma ficha. Os informessobre os livros são encontrados principalmente nas revistas especializa-das, nas resenhas, nos catálogos etc.

As informações transcritas na Ficha de Documentação Bibliográficasão compostas em níveis cada vez mais aprofundados. Primeiramente,apresenta-seumâl visão de conjunto, um apanhado amplo, o que podeser feito após um primeiro e superficial conthto com o livro, lendo-seapenas o sumário, as orelhas, o prefácio e a introdução. Depois, me-

14 Modelo de ficha de documentação temática à p. 75.

METODOLOGIA DO TRABALHO CIENTÍFICO 71

diante leituras mais aprofundadas, são feitos apontamentos mais rigo-rosos. A melhor informação para esse tipo de ficha seria aquela quesintetizasse a própria análise temática do texto.IS

Observe-se que os diversos níveis não precisam ser feitos de uma sóvez. À medida que os contatos com os textos forem repetindo-se e apro-fundando-se, em cada oportunidade serão lançados novos elementos.

Tal documentação pode ser feita também a respeito de ai-tigos, rese-nhas, capítulos isolados etc. As várias informações devem ser seguidaspela indicação, entre parênteses, das páginas a que se referem. ,

Do ponto de vista técnico, colocar-se-á no alto, à esquerda, a citia-ção bibliográfical6 completa do texto fichado; no alto, à direita, ficarko

Io título e os eventuais subtítulos. I?

Não há um tamanho padronizado para essas fichas de documenta-ção, ficando a critério de cada um o seu formato. Tanto mais que agoraelas podem ser digitadas em micro, formando documentos/arquivos,diretórios e pastas. Quando precisar de cópia, o estudante as imprimeem folhas comuns tamanho A4 ou Letter.

2.d. A documentação geralA documentação geral é aquela que organiza e guarda documentos úteisretirados de fontes perecíveis. Trata-se de passar para pastas, sistema-ticamente organizadas, documentos cuja conservação seja julgada im-portante. Assim, recortes de jornais, xerox de revistas, apostilas etc. sãofontes que nem sempre são encontradas disponíveis fora da época desua publicação.

Tais documentos são arquivados sob títulos classificatórios de seuconteúdo, fo~mando um conjunto de textos relacionados com a área deinteresse do estudante.

15 Cf. p. 56-59.16 Esta citação deve set feita de acordo com a técnica bibliográfica, como é apresentado às p. 181-196 deste livro.17 Modelo de Ficha de Documentação Bibliográfica à p. 76.

72 ANTÔNIO JOAQUIM SEVERINO

III

Quando, eventualmente, vierem a serestudados em função de algum trabalho,esses documentos podem servir de base pa-ra a documentação temática ou mesmo bi-bliográfica, em se tratando de um texto demaior valor científico.

É sob a forma de documentação geralque os estudantes deveriam guardar, de ma-neira sistemática e organizada, as apostilas, os textos-roteiros dos semi-nários, os trabalhos didáticos, os textos de conferências etc.

Para esse tipo de documentação são utilizadas as folhas tamanhoofício, sobre as quais são colados os recortes, deixando-se margens sufi-cientes para os títulos e demais referências bibliográficas, como o nomedo jornal ou revista de onde foram tirados, a data e a página. i

2.e. Documentação em folhas de diversos tamanhosEmbora a documentação temática e bibliográfica utilize as fichas decartolina acima citadas, podem ser usadas igualmente as folhas comunsde papel sulfite, de diversos tamanhos, ou ainda as folhas pautadas, fei-tas para classificadores escolares ("monobloco").

Embora dificulte a manipulação, a grande vantagem desse tipo deficha é permitir a substituição do fichário tipo caixa por pastas-arquivos,classificadores, que facilitam o transporte. Há ainda a vantagem de facili-tar o trabalho de datilografia, quando se.prefere fazer a documentação à

imáquina. A opção entre os vários tipos de fichas fica a.critério do aluno,que levará em conta sua maior adaptação a essesvários modelos...,.,. ~ ..

Adotanao-se as folhas, deve-se proceder ~e acordo com o mesmoesquema: no alto, à direita, uma chamada gJral, com um título maisamplo que indique o tema principal, seguido, logo abaixo, por umachamada secundária, com um título mais específico que indique o sub-tema abordado, a perspectiva, o enfoque sob o qual o tema é tratado ouo critério sob o qual o assunto está sendo documentado.

METODOLOGIA DO TRABALHO CIENTíFICO 73

o universitário pode seguir como estrutura geral de seu fichário aprópria estrutura curricular de seu curso. Para cada disciplina, abriráuma pasta, um classificador. Cada seção será determinada pelos váriostópicos principais da referida disciplina e cada ficha trará, sistematica-mente, o tema e o subtema das várias unidades que estão sendo anotadose documentados e que devem ser estudados. O procedimento técnico deanotação é o mesmo utilizado para o outro tipo de ficha. Ressalve-se,contudo, que neste caso o verso da folha não deve ser utilizado.

Igualmente é possível fazer O mesmo tipo de fichário bibliográfico.A classificação dos livros pode acompanhar também a estruturação cur-ricular do seu curso. I

Todo este trabalho de documentação deve ser feito à medida que oestudante desenvolve seus estudos. Como se viu no segundo capítulo,ao fazer a revisão da aula anterior, os elementos selecionados entre omaterial visto em classe são transcritos para as fichas. O mesmo seráfeito com eventuais elementos colhidos de pesquisas complementaresou paralelas referentes aos temas estudados. Proceder-se-á igualmentecom os livros: começando com os indicados pelo próprio curso e comaqueles assinalados como bibliografia complementar. Para os demaislivros de interesse para seus estudos, inclusive informações colhidas deinformes de revistas, repertórios, catálogos, ele abrirá uma Ficha deDocumentação Bibliográfica, que não só fornecerá informação sobre aexistência de textos interessantes, como também aguardará a oportu-nidade de um estudo mais aprofundado do mesmo, ocasião em que osresultados do estudo serão progressivamente transcritos numa ficha .

Tratando-se de autores cujo pensamento é relevante para o estu-do da área d~ especialização, deve-se abrir igualmente uma Ficha deDocumentação Biográfica só para o autor.18 Nessa ficha são anotados

18 Cf. modelo à p. 77.

74 ANTÔNIO jOAQUlM SEVERINO

progressivamente, à medida que se tornarem disponíveis, os dados bio-bibliográficos do autor, bem como os pontos mais importantes de seupensamento.

2.f. Vocabulário técnico-lingüísticoNo contexto da documentação temática, recomenda-se que os estudan-tes elaborem igualmente um glossário dos principais conceitos e catego-rias que devem necessariamente dominar para levar avante seu~ estudosem geral, assim como suas pesquisas em particular. Assim, o seu fichá-rio de documentação temática conteria um vocabulário técnico-lingüís-tico, com um conjunto personalizado de termos cuja compreensão énecessária tanto para a leitura como para a redação. Nestas fichas, essestermos são sistematicamente transcritos e explicitados.

Este fichário poderia incluir também a Ficha de Documentação Bio-gráfica, armazenando dados e informações biográficas sobre pensado-res que constituem referências diretas para os campos de formação dosestudantes. Estes informes precisam ser periodicamente atualizados.

2.3. A ESTIW1U~ LÓGICA DO TEXTO

ITodo trabalho científico, a ser escrito ou a ser lido e estudado, tem aforma de um discurso textual, ou seja, trata-se de um texto que é por-tador de uma mensagem codificada pelo seu autor e a ser decodificadapelo seu leitor.

Mas. tanto a codificação como a decodificação da mensagem inte-grante do conteúdo desse discurso, além das regras lingüísticas e &rama-ticais, pressupõem outras tantas regras lógicas. Elas expressam algunspré-requisitos lógicos de toda atividade intelectual.

O trabalho científico em geral, do ponto de vista lógico, é um dis-curso completo. Tal discurso, em suas grandes linhas, pode ser narrati-

EPISTEMOLOGIACONCE/TUAÇAO

Segundo Lalande, trata-se de uma filosofia das ciências, mas de modoespecial, enquanto "é essencialmente o estudo crítico dos princípios, dashipóteses e dos resultados das diversas ciências, destinado a determinarsua origem lógica (não psicológica), seu valor e seu alcance objetivo".Para Lalande, ela se distingue, portanto, da teoria do conhecimento, daqual serve, contudo, como introdução e auxiliar indispensável.LALANDE, Voc. Tecn., 293

"Por Epistemologia, no sentido bem amplo do termo, podemos con-siderar o estudo metódico e reflexivo do saber, de sua organização, desua formação, de seu desenvolvimento, de seu funcionamento e de seusprodutos intelectuais."]APIASSU, Intr., 16

]apiassu distingue três tipos de Epistemologia:1. a Epistemologia global ou geral que trata do saber globalmenteconsiderado, com a virtualidade e os problemas do conjunto de suaorganizaç~o, quer sejam especulativos, quer científicos;

2. a Epistemblogia particular que trata de levar em consideração umcampo particular do saber, quer seja especulativo, quer científico;

3. a Epistemologia específica que trata de levar em conta uma disciplinaintelectualmente constituída em unidade bem definida do saber e deestudá-la de modo Pfóximo, detalhado e técnico, mostrando sua or-ganização, seu funcibnamento e as possíveis relações que ela mantémcom as demais disciplinas.

,Figura 4. Ficha de documentação temática.

75

2\

76

jAPIASSU, Hilton F. EPISTEMOLOGIAO mito da neutralidade científicaRio de janeiro, Imago, 1975 (Série Logoteca), 188 p.Resenhas: Reflexão I (2): 163-168. abro 1976.Revista Brasileira de Filosofia 26 (102): 252-253. jun. 1976.

o texto visa fornecer alguns elementos e instrumentos introdutóriosa uma reflexão aprofundada e crítica sobre certos problemas epistemo-lógicos (p. 15) e trata da questão da objetividade científica, dos pres-supostos ideológicos da ciência, do caráter praxiológico das ciênciashumanas, dos fundamentos epistemológicos do cientificismo, da ética doconhecim~o o~jetivo, do problema da cientificidade da epistemologiae do papel do educador da inteligência. I

Embora se trate de capítulos autônomos, todos se inscrevem dentrode uma problemática fundamental: a das relações entre a ciência objeti-va e alguns de seus pressupostos.O primeiro capítulo, "Objetividade científica e pressupostos axiológi-

cos" (p. 17-47), coloca o problema da objetividade da ciência e levantaos principais pressupostos axiológicos que subj~zem ao processo deconstituição e de desenvolvimento das ciências hu~anas.No segundo capítulo, "Ciências humanas e praxiologia" (p. 49-70),

é abordado o caráter intervencionista destas ciências: elas, nas suascondições concretas de realização, apresentam-se como técnicas de inter-venção na realidade, participando ao mesmo tempo do descritivo e do .normativo.

No terceiro capítulo, "Fundamentos epistemológicos do cientificis-mo" (p. 71-96), o autor busca elucidar os fundamentos epistemoló-gicos responsáveis pela atitude cientificista e mostra como o métodoexperimental, racional e objetivo, apresentando-se como o único ins-trumento particular da razão, assumiu um papel imperialista, a pontode identificar-se com a própria razão.

Figura 5. Ficha de documentação bibliográfica.

77

JAPIASSUHilton Ferreira Japiassu

1934-

Licenciou-se em Filosofia pela PUC do Rio de janeiro, em 1969; for-mou-se em Teologia, pelo Studium Generale Santo Tomás de Aquino, deSão Paulo. Fez o mestrado em Filosofia, na área de Epistemologia, naUniversité des Sciences Sociales, de Grenoble, na França, em 1970; nessamesma Universidade, doutorou-se em Filosofia, em 1973. Fez pós-dou-torado em Strasbourg, no período 84/85, também na área de Epistemo-logia.Atualmente é docente de Epistemologia e de História das Ciências e de

Filosofia da ICiência, nos cursos de pós-graduação em Filosofia, da Uni-versidade Federal do Rio de janeiro.

Desenvolve suas pesquisas nas áreas de epistemologia, investigando asrelações entre ciência e sociedade, o sentido da interdisciplinaridade e oestatuto epistemológico das Ciências Humanas em geral, e da Psicologiaem particular.Além da tradução de vários textos filosóficos e da publicação de muitos

artigos, }apiassu já lançou os seguintes livros: Introdução ao pensamentoepistemológico, 1975; O mito da neutralidade científica, 1975; Interdis-ciplinaridade e patologia do saber, 1976; Para ler Bachelard, 1976; Nas-cimento e morte das ciências humanas, 1978; Introdução à epistemologiada Psicologia, 1978; A Psicologia dos psicólogos, 1979; Questões episte-mológicas, 1981; A pedagogia da incerteza, 1983; A revolução científicamoderna, 1985; As paixões da ciência, 1991; Francis Bacon: o profeta daciência moderna, 1995.

Figura 6. Ficha de documentação biográfica.

22

•78 ANTÔNIO JOAQUIM SEVERINO

vo, descritivo ou dissertativo. No sentido em que é tratado neste texto,

o trabalho científico assume a forma dissertativa, pois seu objetivo é de- .monstrar, mediante argumentos, uma tese, que é uma solução propostapara um problema, relativo a determinado tema.

A demonstração baseia-se num processo de reflexão por argumen-

tação, ou sej'll')"ba~ia-se na articulação de idéias e fatos, portadores derazões que comprovem aquilo que se quer dempnstrar. Essa articulação

é conseguida mediante a apresentação de argumentos. Esses argumen-tos fundam-se nas conclusões dos raciocínios e nas conclusões dos pro-

cessos de levantamento e caracterização dos fatos.

O raciocínio é um processo de pensamento pelo qual conhecimen-tos são logicamente encadeados de maneira a produzirem novos conhe-

cimentos. Tal processo lógico pode ser dedutivo ou indutivo. Dedução

e indução são, pois, processos lógicos de raciocínio.

O levantamento e a caracterização de fatos são realizados mediante

o processo de pesquisa, sobretudo da pesquisa experimental, de acordocom técnicas específicas.19

2.3.1. A demonstra~ão

Uma monografia científica deye, pois, assumir a forma lógica de de-

monstração de uma tese proposta hipoteticamente para solucionar um

problema.

O problema é formulado sob a forma de uma enunciação de de-

terminado tema, proposta de maneira interrogativa, pressupondo, por-

tanto, pelo menos uma alternativa como resposta: é assim ou de outra

maneira?; ou seja, pressupõe sempre a ruptura de harmonia existente

19 Cabe à metodologia da pesquisa científica estabelecer os procedimentos técnicos a serein utilizados para tal inves-tigação. Ademais, cada ciência delimita a aplicação das normas gerais do método cienófico ao objeto específico de suapesquisa. Cf. L. UARD, LÓgiC4, p. 104-174.

METODOLOGIA DO TRABALHO CIENTlACO 79

numa afirmação assertiva. O problema, como já se viu/O levanta uma dú-vida, coloca um obstáculo que precisa ser superado; opta-se, então, poruma das alternativas, na busca de uma evidência que está faltando.21

Para se colocar o problema, é preciso que seja formulado de manei-ra clara em seus termos; definida e delimitada. É preciso esclarecer ostermos, definindo-os devidamente. Daí a importância da definição.22 Os

. limites da problematização devem ser determinados, pois não se podeI

tratar de tudo ao mesmo tempo esob os mais diversos aspectos.A demonstração da tese é realizada mediante uma seqüência de ar-

gumentos, cada um provando uma etapa do discurso. A demonstração,de modo geral, utiliza-se mais do processo dedutivo.

Na demonstração de uma tese, pode-se proceder de maneira direta,q.uando se argumenta no sentido de provar que uma proposta de so-lução é verdadeira, sendo as demais falsas. E isto por decorrência daspremissas. Nesse caso, trata-se de encontrar as premissas verdadeiras,objetivamente verdadeiras, e depois aplicar-lhes os procedimentos lógi-cos do raciocínio.

A demonstração, porém, podepro,ceder de maneira indireta quan-do se demonstra ser falsa a alternativa que se opõe contraditoriamenteà tese proposta. Assim acontece quando se demonstra que da falsidadede uma tese decorrem conseqüências falsas; sendo o conseqüente falsq,

o antecedente também é falso.23

Também se demonstra a falsidade de um enunciado quando se mos-tra que ele se opõe diretamente ao princípio de não-contradição ou aoutro princípio evidentf.É o caso da redução ao absurdo.24

Contudo, o sentido desses termos, no presente capítulo, é mais res-trito. Dissertação é a forma geral do discurso e quer dizer que o discurso

20 Cf. p. 130.21 Paolo CAROS!, Curso de filosofia, I, p. 383.22 Cf. p. 87, ainda L. UARD, LógiC4, p. 24; Othon M. GARCIA, Comunicação em prosa moderna, p. 304.23 Paolo CAROSI, Curso de Filosofia, I, p. 387. I .

24 [bit!., p. 387-9.

METODOLOGIA DO TRABALHO CIENTiFICO 81•

- "I80 ANTÔNIO JOAQUIM SEVERINO

está pretendendo demonstrar uma tese me-diante argumentos; demonstração é, pois, oconjunto seqüenciado de operações lógicasque de conclusão em conclusão chega a umaconclusão final procurada; argumentação éentendida como uma operação, uma ati-vidade executada durante a demonstraçãopelo uso dos argumentos; já raciocínio é umprocesso lógico de conhecimento, operaçãomental específica que pode servir inclusivede argumento para a demonstração.

A argumentação, ou seja, a operação com argumentos, apresentadoscom objetivo de comprovar uma tese, funda-se na evidência racional e naevidência dos fatos. A evidência racional, por sua vez, justifica-se pelosprincípios da lógica. Não se pode buscar fundamentos mais primitivos.A evidência é a certeza manifesta imposta pela força dos modos de atua-ção da própria razão. Surge veiculada pelos princípios epistemológicos elógicos do conhecimento humano, tanto por ocasião do desdobramentodo raciocínio, como por ocasião da presentificação dos fatos.

A apresentação dos fatos é a principal fonte dos argumentos cien-tíficos. Daí o papel das estatísticas e do levantamento experimental dosfatos; no campo ou no laboratório, a caracterização dos fatos é etapaimprescindível da dissertação científica.

A argumentação formal que se desenvolve no discurso filosóficoou científico pressupõe devidamente analisadas as suas proposições emtodos os elementos, devendo se ter sempre proposições afirmativas bemdefinidas e devidamente limitadas. De fato, é com as proposições que seformam os argumentos.

Argumentar consiste, pois, em apresentar uma tese,i caracterizá-ladevidamente, apresentar provas ou razões que estão a seu favor e con-cluir, se for o caso, pela sua validade. Para evitar que fiquem abertas

I1I

jI

margens para dúvidas, devem ser examinadas eventualmente as razõescontrárias, tentando-se refutar a tese e prevenindo-se de objeções.

Esse processo é continuamente retomado e repetido no interior dodiscurso dissertativo que se compõe, com efeito, de etapas de levanta-mento de fatos, de caracterização de idéias e de fatos, mediante proces-sos de análise ou de síntese, de apresentação de argumentos lógicos outatuais, de configuração de conclusões.

O trabalho científico, do ponto de vista de seus aspectos lógicos,pode ser representado, esquematicamente, da seguinte forma:

~~~~íWMlff~lil~~~"~;~'~i';----;t!!!I~1i

RacioCíniOS' ::Raci~ci~los". Radodnios"'I~éiéis.<' .' .Idéias Idéias:'~s.',' .;Fatós... Fatos

2.3.2. O raciocínio

o raciocínio é, pois, um dos elementos mais importantes da argumenta-ção, porque suas conclusões fornecem bases sólidas para os argumentos.

Trata-se de um processo lógico de pensamento pelo qual de conhe-cimentos adquiridos se pode chegar a novos conhecimentos com o mes-mo coeficiente de validade dos primeiros.

Quanto à sua estrutura, o raciocínio é um todo complexo, formadoque é por um encadeamento de vários juízos, que são, igualmente, con-

juntos formados por vários conceitos.De maneira geral, como já se viu,25 uma monografia científica pode

ser considerada como um complexo de raciocínios que se desdobram

25 Cf. p. 78.82.

82 ANTONIO JOAQUIM SEVERINO

num discurso lógico, do qual o texto redigido é simplesmente uma ex-pressão lingüística.

Neste sentido, a redação do texto mediante signos lingüísticos é umsimples instrumento para a transmissão do pensamento elaborado soba forma de raciocínios, juízos e conceitos. A composição do texto é umprocesso de codificação da mensagem. O texto-linguagem é o códigoque cifra a mensagem pensada pelo autor. '

Decorre daí a prioridade lógica do raciocínio sobre a redação. Poroutro lado, porém, o leitor não pode ter acesso ao raciocínio a não seratravés dos textos. Por isso, na composição do texto, no trabalho decodificação dàmensagem pensada, todo o empenho deve ser posto nosentido de se garantir a melhor adequação possível entre a mensagem eo texto-código que servirá de intermédio entre o pensamento do autore o pensamento do leitor.26

Em função da importância do raciocínio, é necessário tratar de, alguns pontos básicos referentes à natureza dos processos lógicos dopensamento e do conhecimento, subjacentes à expressão lingüística dostextos. Os aspectos gramaticais escapam aos limites deste trabalho.27

2.3.3. Processos lógicos de estudo

O trabalho científico implica ainda outros processos lógicos para a re-alização de suas várias etapas. Assim, para abordar determinado tema. ,objeto de suas pesquisas, reflexão e conhecimento, o autor pode utili; I

zar-se de processos analíticos ou sintéticos. i

A análise é um processo de tratamento do objeto - seja ele um ob-jeto material, um conceito, uma idéia, um texto etc. - pelo qual esteobjeto é decomposto em suas partes constitutivas, tornando-se simples

26 Voltar ao fluxograma da p. 52.27 Para os aspectos tratados pelas gramáticas, recomenda-se o texto de Othon M. GARCIA, Comunicação em prosamoderna.

METODOLOGIA DO TRABALHO CIENTIFICO 83

aquilo que era composto e complexo. Trata-se, portanto, de dividir, iso-lar, discriminar.

A sín~eseé um processo lógico de tratamento do objeto pelo qual esteobjeto decomposto pela análise é recomposto reconstituindo-se a sua to-talidade. A síntese permite a visão de conjunto, a unidade das partes atéentão separadas num todo que então adquire sentido uno e global. I

A análise é pré~requisito para uma classificação. Esta se bàseia emcaracteres que definem critérios para a distribuição das partes em deter-minadas ordens. Não é outra coisa que se manifesta quando um texto éesquematizado, estruturado: as divisões seguem determinados critériosque não podem ser mudados arbitrariamente. Para se descobrir tais ca-racteres procede-se analiticamente.

Análise e síntese, embora se oponham, não se excluem. Pelo contrá-rio, complementam-se. A compreensão das coisas pela inteligência hu-mana parece passar necessariamente por três momentos, ou seja, parase chegar a compreender intencionalmente um objeto, é preciso ir alémde uma visão meramente indiferenciada de sua unidade inicial, tal comoa temos na experiência comum, uma consciência do todo sem a cons-ciência das partes; é preciso dividir, pela análise, o todo em suas partesconstitutivas para que, então, num terceiro momento, se tenha consciên-cia do todo, tendo-se plena consciência das partes que o constituem: éa síntese. E o que .afirma Saviani ao declarar que a análise é a mediaçãoentre a síncrese e a síntese.28

3.a. A formação dos conceitosi

O raciocínio é o mOIVentoamadurecido do pensamento; raciocinar é enca-dear juízos e formular juízos é encadear conceitos. Por isso, pode-se dizerque o conhecimento humano inicia-se com a formação dos conceitos.29

28 Dermeval SAVIANI, Educação brasileira: estrutura e sistemas, p. 28-9.29 O estudo aprofundado desta questão é objeto da teoria do conhecimento, gnoseologia ou epistemologia, disciplinafilosófica que aborda os processos do cónhecimento humano.

2S

•84 ANTÔNIO JOAQUIM SEVERINO

o conceito é a imagem mental por meio da qual se representa umobjeto, sinal imediato do objeto representado. O conceito garante umareferência direta ao objeto real. Esta referência é dita intencional nosentido de que o conceito adquirido por processos especiais de apreen-são das coisas pelo intelecto, que não vêm a propósito aqui, se refere acoisas, a objetos, a seres, a idéias, de maneira representativa e substi-tutiva. Este objeto passa então a existir para a inteligência, passa a serpensado. Portanto, o conceito representa e "substitui" a coisa no nívelda inteligência.

O conceito, por sua vez, é simbolizado pelo termo ou palavra, 'nonível da expressão lingüística. Os termos ou palavras são os sinais dosconceitos, suas imagens acústicas ou orais. Por extensão, tudo o que sedisser dos conceitos, no plano da lógica, pode ser dito também dos ter-mos ou palavras.

COMPREENSÃO E EXTENSÃO DOS CONCEITOSAssim, conceitos e termos podemser logicamente considerados tanto do ponto de vista da compreensão~como do ponto de vista da extensão. A compreensão do conceito é oconjunto das propriedades características que são específicas do objetopensado. São os aspectos, as dimensões, as notas que constituem um serou um objeto, um fato ou um acontecimento, que fazem deste ser ouobjeto, deste fato ou acontecimento que ele seja o que é e se distinga dosdemais; já a extensão é o .conjunto dos seres e dos objetos que realizamdeterminada compreensão, ou seja, a classe dos indivíduos portadoresde um conjunto de propriedades características. Observe-se que quantomais limitada for a compreensão de um conceito, tanto mais ampla seráa sua extensão e vice-versa. Assim, considerando-se os conceitos "bra-sileiro" e "paulista", a extensão do conceito "brasileiro" é mais amplado que a do conceito "paulista", isto porque a compreensão. de "brasi-leiro" é mais limitada, mais pobre do que a compreensão de "paulista",ou seja, para ser paulista, um indivíduo, além de possuir todas ,ascarac-

I

METODOLOGIA DO TRABALHO CIENTIFICO ~5

terística~ exigidas para ser brasileiro, tem ou possui outra característicaespecífica para se definir como paulista.30

Essas considerações não são bizantinas, levando-se em conta que éa compreensão do conceito que permite a elaboração da definição e aextensão que permite elaborar a divisão ou a classificação.

DEFINiÇÃO E DIVISÃO A definição é um termo complexo e, como tal, des-tina-se a desdobrar todas as notas que compõem a compreensão doconceito.31 A divisão cabe expressar a extensão dos conceitos, classifi-cando-os, organizando-os em suas classes, de acordo com critérios de-terminados pela natureza dos objetos. A definição, embora tomandoquase sempre a forma de uma proposição, de um juízo, é apenas umtermo complexo, plenamente equivalente ao conceito definido. Para sercorreta, não deve ser maior nem menor que o termo que pretende defi-nir, não deve ser negativa. Deve ser uma equação.J2

A relevância da definição para o trabalho científico em geral está nofato de ela permitir exata formulaçãO das questões a serem debatidas.Discussões sem clara definição dos temas discutidos não levam a nada.Aprender a bem definir as coisas de que se trata no trabalho é uma exi-gência fundamental.

VOCABULARIO COMUM, TÉCNICO E ESPECrFICO Observa-se que nosso vocabulá-rio - conjunto de termos ou palavras que designam as coisas ou objetosatravés dos conceitos - pode encontrar-se em vários níveis: o primeiro éo nível do vocabulário icorrente,comum, que é O usado para nossa co-municação social. Assiinilado pela experiência pessoal da cultura, essevocabulário, embora o mais usado, não é adaptado à vida científica. J:;:>efato, o conhecimento científico exige um vocabulário de segundo nívfl,

30 Paolo CAROS!, Curso de filosofia, I, p. 257.9.31 Ibid., p. 269; Olhon M. GARCIA, Comunicação em prosa moderna, p. 304; L. LIARD, Lógica, p. 24.32 Sean BELANGER, Teoria e prática do debate, p. 87.

86 ANTÔNIO JOAQUIM SEVERINO

ou seja, um vocabulário técnico. Para o pensamento teórico da ciênciaou da filosofia, não bastam os significados imediatos da linguagem co-mum. Conceitos e termos adquirem significado unívoco,; preciso e deli-mitado. Às vezes são mantidos os mesmos termos, mas as significaçõessão alteradas, com uma compreensão bem definida. Em certo sentido,estudar, aprender uma ciência é, de modo geral, aceder a? vocabulátiotécnico, familiarizando-se com ele, habilitando-se a manipulá-lo e supe-rando assim o vocabulário comum.

O vocabulário pode ainda atingir um terceiro nível: é o caso de con-ceitos que adquirem um sentido específico no pensamento de determi-nado autor ou sistema de idéias. Isto é muito comum nos trabalhos dospensadores teóricos, na ciência e na filosofia.

Um trabalho científico de alta qualidade exige, portanto, o uso ade-quado de um vocabulário técnico e, eventualmente, de um vocabulárioespecífico. A percepção de tais significações diferenciadas é também con-dição essencial para a leitura científica e para o estudo aprofundado.33

Na composição de um trabalho científico, o vocabulário técnico e o vo-cabulário específico ocupam os pontos nevrálgicos da estrutura lógica dodiscurso, ao passo que o vocabulário comum serve para as ligações dasvárias partes. De fato, mesmo para expor idéias teóricas de níjVeltécnicoou específ~co,é preciso servir-se das idéias mais simples, do nível corren-te, traduzindo as idéias de nível técnico de maneira acessível e gradativa.

O conceito é, pois, o resultado das apreensões dos dados e das re-lações de nossa experiência global, é o conteúdo pensado pela mente, oobjeto do pensamento. É simples resultado dessa apreensão, não con-tendo ainda nenhuma afirmação. Elencando uma série de notas corres-pondentes à sua compreensão, o conceito e o termo se exprimem peladefinição.34

: 33 Cf. diretrizes para a )eirura analítica, especialmente a análise textual, p. 54.56.34 Jacques MARITAIN, Lógica menor, p. 20-25.- ,

METODOLOGIA DO TRABALHO clENI1FIco 87

3.b. A formação dos juízosPara pensar e conhecer não é suficiente "conceber conceituando". O co-nhecimento só se completa quando se formula um juízo que é "o ato damente pelo qual ela afirma ou nega alguma coisa, unindo ou separandodois conceitos por intermédio de um verbo". 35

O juízo é enunciado verbalmente através da proposição, sinal dojuízo mental. A proposição é, pois, a vinculação entre um sujeito e umpredicado através de um verbo, que são os termos da proposição.

Algumas proposições derivam da experiência, enunciam fatos da-dos na experiência externa ou interna, que elas expressam diretamente;outras são formadas pela análise do conceito-sujeito e o predicado édescoberto enquanto é uma nota da compreensão desse conceito.

Nos períodos compostos, encontram-se várias proposições; essesperíodos são formados por coordenação ou por subordinação. Na co-ordenação, as proposições estão em condições de igualdade, ao passoque na subordinação uma oração está em relação de dependência paracom outras. . . I

Essas várias relações têm importância à medida que fornecem maté-ria para o desenvolvimento da argumentação. A análise das proposiçõesé tarefa prévia da argumentação formal.

O raciocínio que constitui o trabalho é uma seqüência de juízos e deproposições que precisam ser bem elaborados, tanto do ponto de vistasintático-gramatical,36 como do ponto de vista lógico,37

3.c. A elaboração dosl raciocínios!

O discurso científico é fundamentalmente raciocínio, ou seja, um enca-deamento de juízos feito de acordo com certas leis lógicas que presidem.a toda atividade do pensamento humano.

35 IbM., p. 38.36 Othon M. GARClA, Comunicação em prosa moderna, p. 132.37 Pao)o CAROS!, Curso de filosofia, I, p. 287-324.

• I I

88 ANTÔNIO JOAQUIM SEVERINO

Também no raciocínio pode-se distinguir a operação mental, o re-sultado desta operação e o sinal externo desta operação, embora se useo mesmo termo para designar essas três dimensões: raciocínio.

Como último ato de conhecimento da inteligência, o raciocínio éprecedido pela apreensão, que dera lugar aos conceitos, e pelo juízo,que dera lugar às proposições. O raciocínio é, portanto, a ~rdenação dejuízos e de conceitos.38

O raciocínio consiste em obter um novo conhecimento a partir deum antigo, é a passagem de um conhecimento para outro. Portanto,mostra a fecundidade do pensamento humano. Comporta sempre duasfases: a primeira, em que se tem algum conhecimento, e uma segunda,em que se adquire outro conhecimento. i

Os lógicos chamam essas duas fases, respectivamente, antecedente econseqüente: entre elas deve existir um nexo lógico cognoscitivo neces-sário.39 O antecedente é uma razão lógica que leva ao conhecimento doconseqüente, como uma decorrência daquela razão.

O antecedente compõe-se de uma ou várias premissas e o conse-qüente constitui-se de uma conclusão. A afirmação da conclusão é feita.à medida que decorre ou depende das premiss(ls. A relação lógica deconhecimentos prévios a conhecimentos até então não afirmados é umarelação de conseqüência .

. RACiocíNIO DEDUTIVO E INDUTIVO O raciocínio divide-se, basicamente, emduas grandes formas: a dedução e a indução. O raciocínio dedutivo é umraciocínio cwj,oantecedente é constituído de princípios universais, plena-mente inteligíveis; através dele se chega a um cpnseqüente menos univer-sal. As afirmações do antecedente são universais e já previamente aceitas:edelas decorrerá, de maneira lógica, necessária, a conclusão, a afirmaçãodo conseqüente. Deduzindo-se, passa-se das premissas à conclusão.

38 IbM., p. 325.39 Ibid., p. 326.

METODOLOGIA DO TRABALHO CIENTIFICO 89

São exemplos clássicos do raciocínio dedutivo os silogismos da ló-gica formal clássica,40assim como as formas de explicação científica deestrutura tipo explans-explanandum, da lógica simbólica moderna.41

A indução ou o raciocínio indutivo é uma forma de raciocínio emque o antecedente são dados e fatos particulares e o conseqüente umaafirmação mais universal. Na realidade, há na indução uma série deprocessos que não se esquematizam facilmente. Enquanto a deduçãofica num plano meramente inteligível, a indução faz intervir também aexperiência sensível e concreta, o que elimina a simplicidade lógica q/ue. h - d d. . Itm a a operaçao e utlva. .

Da indução pode aproximar-se o raciocínio por analogia: trata-se,então, de passar de um ou de alguns fatos a outros fatos semelhantes.No caso da indução de alguns fatos julgados característicos e represen-tativos, generaliza-se para a totalidade dos fatos daquela espécie, atin-gindo-se toda a sua extensão.

O resultado desse processo de observação e análise dos fatos con-cretos é uma norma, uma regra, uma lei, um princípio universal, queconstitui sempre uma generalização. A indução parte, pois, de fatosparticulares conhecidos para chegar a conclusões gerais até então des-conhecidas.

2.4. DIRETRIZES PARA A REALIZAÇÃO DE UM SEMINÁRIO

2.4.1. ObjetivosI

O objetivo último de um seminário é levar todos os participantes a umareflexão aprofundada de determinado problema, a partir de textos e em

40 IbM., p. 338ss.41 Brittan LAMBERT, Introdução à filosofta da ciência. São Paulo: Cultrix; Karl HEMPEL, Filosofia da ciência na-tural. Rio de Janeiro: Zahar.

90 ANTONIO JOAQUIM SEVERlNO

equipe. O seminário é considerado aqui como um método de estudo eatividade didática específica de cursos universitários.42

Para alcançar esse objetivo último, o seminário deve levar todos ospartici pantes:

A um contato Íntimo com o texto básico, criando condições parauma análise rigorosa e radical do mesmo.

A compreensão da mensagem central do texto; de seu conteúdotemático.

A interpretação desse conteúdo, ou seja, a uma compreensão da men-sagem de uma perspectiva de situação de julgamento e de crítica damensagem.

À discussão da problemática presente explícita ou implicitamenteno texto ...

Essas etapas devem ser preparadas e realizadas de acordo .com asdiretrizes da leitura analítica,43sendo que a análise textual, pelo menosem cursos a¥ança~os, deve ser realizada previamente por todos os par-ticipantes. I 'I .

2.4.2. Otexto-roteiro didático

Para facilitar a particIpação de todos, o coordenador do seminário,através de preparação prolongada e pesquisa sistemática, fornece comomaterial de trabalho, antes do dia da reunião do seminário, um texto-roteiro, apostilado. Desse roteiro'constam:

a.1. Material a ser apresentado previamente pelo coordenadorTrata-se do texto-roteiro .para o seminário com O seguinte conteúdo:apresentação da temática do seminário, breve visão de conjunto da uni-dade e esquema geral do texto.

42 Outros sentidos do "seminário" são encontrados em Imídeo G. NERIQ, Metodologia do emino superior, p. 166-73.Cf. também, neste livro, p. 241. . .43 Cf. neste capítulo, p. 49-66.

METODOLOGIA DO TRABALHO clEN11FIco 91

. II

Quanto à apresentação temática do seminário, é de se observar quenão se trata da análise temática como um todo, mas, para apresentar otema do seminário, tal qual é determinado pelo texto, o responsável, emgeral, recorre à primeira etapa dessa análise.44

A visão de conjunto é elaborada como foi estipulado quando daanálise textua1.45Assinalam-se,em grandes linhas, as várias etapas dotexto estudado. Não se apresenta um resumo, uma síntese lógica do ra-ciocínio, mas simplesmente são enunciados os vários assuntos aborda-dos na unidade. Indica-se, entre parênteses, o número das páginas cujoconteúdo remete ao texto básico.

O esquema geral de que se trata aqui é a estrutura redacional pelotexto, o seu plano arquitetônico. Toma a forma de um Índice dos váriostópicos abordados. Para realizar esse esquema, divide-se o texto comose intitulassem os vários temas tratados.

Tais elementos constam do texto-roteiro como guia de visualizaçãoI

da estrutura redacional do texto, o que facilitará aos demais partiCipan-tes sua posição diante do mesmo quando da preparação da leiturà.

Situação da unidade estudada no texto de onde é tirada, na obrado autor, assim como no pensamento geral do autor e no contexto his-tórico cultural em que o autor estudado se encontrava. O responsávelpelo seminário recorre à análise textual46 e à análise interptetativaY Acompreensão do pensamento geral do autor favorece a compreensão dotexto estudado.

Elaboração dos principais conceitos, idéias e doutrinas que tenhamrelevância no texto. Tiata-se de uma tarefa de documentação feitaquando da análise textual48 e realizada de acordo com a técnica da do-

44 Cf. p. 56 55.45 Cf. p. 54-56.46 Cf. p. 54-56.47 Cf. p. 59-60.48 Cf. p.54-56.

•92 ANTÔNIO JOAQUIM SEVERINO

cumentação,49 Note-se que a pesquisa é feita sobre outras fontes quenão o texto básico e o texto complementar do seminário, uma vez queesses esclarecimentos visam tornar a compreensão do texto acessível. Seo conceito já se encontra suficientemente esclarecido no texto, é desne-cessário redefini~lo, exceto se isto representa maior explicitação.

Roteiro de leitura com síntese dos momentos lógicos essenciais do- ti! •

texto. Essa etapa é feita de acordo com a an4lise tematicaSO e compõe-se fundamentalmente da exposição sintetizada do raciocínio do autor.Note-se que a exposição será resumida, mais indicativa do que expli-citativa: não. substitui a leitura do texto. básico, mas, antes, exige-a. Afinalidade do roteiro e permitir a comparação das várias compreensõespelos diferentes participantes.

A problematização que levanta questões importantes para a discus-são das idéias veiculadas pelo texto. Observe-se que não é suficiente for-mular perguntas lacônicas: é preciso criar contextos problematizadoresque provoquem o raciocínio argumentativo dos,participantes.s1

Orientação bibliográfica: o texto-roteiro fornece finalmente umabibliografia especializada sobre o assunto. Não indica apenas uma lis-ta de livros relacionados com o tema; acresce~ia informações sobre oconteúdo dos mesmos, sobretudo aquelas passagens relacionadas como tema da unidade. Na bibliografia comentada não aparecem o textobásico e o texto complementar eventualmente definidos para o seminá-rio e que sejam de leitura obrigatória. Assinalam-se textos específicosconsultados pelo responsável durante sua pesquisa para a preparaçãodo seminário. Também não constam dessa bibliografia as obras de refe-rência geral, como enciclopédias, dicionários, tratados etc., nem mesmoaquelas obras de referência da área"dentro da qual se situa o texto. Essa

49 Cf. p. 146-148.50 Cf. p. 56-59.51 Sobre a noção de problema, cf. p. 57 e 130.

METODOLOGIA DO TRABALHO CIENTlFICO 93

bibliografia visa dar orientação aos demais participantes, caso lhes in-teresse aprofundar o estudo do tema.

a.2. Material a ser apresentado no dia da realização do seminárioO coordenador apresenta ao grupo um texto com suas reflexões pesso-ais sobre o tema que estudou de maneira aprofundada. Tais reflexõesver~~m sobre fS princi~ais problemas sentido~ ~elo co~rdenador e co~-sequentemente se relaCIOnamcom a problematIca preVIamente encamI-nhada ao grupo.

2.4.3. O texto-roteiro interpretativo

Para grupos adiantados existe outra forma de texto-roteiro para umseminário. A forma anterior permite a execução de todas as etapas deabordagem e tratamento de um texto, para uma exploração exaustiva.Contudo, tal forma exige a realização de muitas tarefas técnicas de pes-quisa e de elaboração que podem despender muito tempo que poderiaser destinado à reflexão. Devido a esse seu caráter abrangente, tal formade roteiro é recomendada para os estudantes que se iniciam na análisede textos, desde que sejam exigidas as várias etapas numa seqüênciacrescente.

Na realidade, qualquer que seja a forma do texto-roteiro adotada,os objetivos do seminário continuam os mesmos e, por isso, as etapasdo roteiro didático porventura não mais utilizadas ficam pressupostas,devendo ser cumprida~ num trabalho prévio de preparação, caso aindase façam necessárias.

Pode-se elaborar igualmente o que se chama aqui texto~roteiro in-terpretativo, como forma alternativa para condução do seminário.

Basicamente, o responsável pelo seminário elabora outro texto, re-ferente à temática do texto básico ?u a determinada problemática pre-fixada, no qual os momentos da análise textual, da análise temática, da

94 ANTÔNIO JOAQUIM SEVERINO

análise interpretativa e da. problematização se fundem num novo dis-curso personalizado. O autor do novo texto expõe, globalmente, no de-senvolvimento de seu raciocínio, sua compreensão da mensagem, pre-cisando os conceitos, apresentando sua interpretação, levantando suascríticas, formulando os problemas que encontrou na sua leitura básicae nas suas pesquisas complementares. De maneira explícita, o responsá-vel pelo seminário dedica-se à elaboração de um texto-roteiro no qualdesenvolveu intencionalmente uma reflexão que, quanto mais pessoalfor, maior contribuição dará ao grupo.

Quando não se parte de um texto básico, mas de determinado te,ma,sem especificação de bibliografia,. o responsável constrói seu discursocompondo um texto portador dos problemas que quer ver discutidospelo grupo que participará do seminário.

Este tipo de texto-roteiro tem potencialidade para alimentar umseminário, mas o seminário para ser fecundo exige preparação dos par-ticipantes para o encontro de classe. Daí a necessidade, nos quadros dodesenvolvimento de um curso, de que os demais participantes tambémleiam, analisem e aprofundem o texto básico ou os escritos que compo-nham a bibliografia para a abordagem da problemática do seminário.Não havendo tal preparação, o encontro corre o risco de ser transfor-mado em aula expositiva e perder muito de suas virtualidades geradorasde discussões. Os participantes devem vir literalmente municiados decompreensão e interpretação do texto básico ou de posições definidasacerca do problema para que possam confrontar-se com o expositor doseminário, que será, então, questionado pelo grupo.

O seminário assim conduzido acarreta .limitações também na suadefinição: reserva-se um tempo determinado para que o responsável'apresente sua reflexão, para que exponha sua comunicação, passando-se em seguida aos debates.

Mesmo que se entregue com antecedência esse texto-roteiro, a ex-posição sintética de introdução é prevista. A exposição dos pontos d~ I

METODOLOGIA DO TRABALHO CIENTIFICO 95

vista do coordenador não será uma leitura lacônica, mas a apresentaçãode um raciocínio demonstrativo é acompanhada pelos demais partici-pantes que estão, a esta altura, em condições de intervir numa discussãoaprofundada de todas as posições que surgirem. Teoricamente, todosos participantes já fizeram leituras e pesquisas referentes ao tema comopreparação para o seminário.

Geralmente nos simpósios que adotam este esquema de seminário,mas partem tão-somente de problemas e não de textos, ocorre umavariação nesta questão de distribuição de roteiro. São escalados pre-viamente alguns debatedores que recebem o texto com antecedência esão .chamados a se pronunciar formalmente a respeito dos problemas.Embora isso não seja necessário em turmas pequenas com certa homo-Igeneidade de formação, este esquema pode ser aplicado mesmo parafins didáticos.

Dessa forma se desenvolve durante o seminário o debate. Além dadiscussão dos problemas propriamente ditos, das questões levantadas ouimplicadas pelo texto, referentes ao conteúdo, os participantes comen-tam o roteiro e a exposição do coordenador quanto a sua capacidade emapreender a idéia central, em explicitar os aspectos essenciais, quanto àcapacidade de síntese, de raciocínio lógico, de clareza, quanto à capaci-dade de distanciamento do texto, de fornecer exemplos, de levantar pro-blemas, de assumir posições pessoais, de aprofundar as questões.

2.4.4. O texto-roteiro de questões

Há ainda outro tipo de roteiro, de grandes possibilidades, para se con-duzir o seminário. Trata-se de um desdobramento do roteiro didático.Neste caso, pressupõem-se determinação e leitura de um texto básicocomum pata todos os participantes. Cabe então ao responsável entre-gar aos demais, com certa antecedên<;:ia,um conjunto de questões, deproblemas devidamente. formulados. Não se trata de uma relação de

~l

~I 96 ANfONlO JOAQUIM SEVERINO

perguntas lacônicas, mas da criação de questões formadas num contex-to de problematização em que é posta uma dificuldade que exigirá pes-quisa e reflexão para que as mesmas sejam corretamente respondidas edebatidas.

Para fins didáticos, o responsável pelo seminário exige que os par-ticipantes tragam por escrito suas abordagens e tratamentos das ques-tões, devendo todos ter a oportunidade, dentro da dinâmica do seminá-rio, de expor seus pontos de vista. Essa dinâmica tem igualmente váriasformas de encaminhamento enquanto trabalho em grupo, em classe..

2.4.5. Orientação para a preparação do seminário

o texto-roteiro possibilita a participação no seminário. Com efeito, co-mo o seminário é um trabalho essencialmente coletivo, de equipe, pres-supõe empenho de todos e não apenas do coordenador responsável peloencaminhamento dos trabalhos no dia do seminário. Assim sendo, todosos participantes fazem um estudo do texto para poder exercer efetivaparticipação nos debates do seminário. Cabeilos participantes compararsua compreensão e interpretação do texto com a compreensão e inter-pretação do coordenador; levantar problemas temáticos e interpretati-vos para a discussão geral; exigir esclarecimentos e explicações do coor-denador e dos demais participantes a respeito das respectivas tom~~asde posição. O seminário não se redúz a uma aula expositiva apresentadapor um colega e comentada pelo professor: é um círculo de debates parao qual todos devem estar suficientemente equipados. Por isso, exige-seque todos os participantes estudem o texto com O rigor devido.

A preparação é feita da seguinte maneira: em primeiro lugar faz-seleitura da documentação do texto básico e do texto complementar; emseguida, faz-se leitura analítica do texto básico; depois faz-se leitura dedocumentação do texto-roteiro do seminário. Essas três abordagens sãofeitas de modo que se complementem mutuamente.

METODOLOGIA DO TRABALHO CIENTlFIco 97

Do~ textos complementares eventualmente usados para a prepa-ração, textos escolhidos livremente pelos participantes, faz-se docu-mentação temática ou bibliográfica.5z Igualmente, abrem-se fichas dedocumentação bibliográfica das obras comentadas na bibliografia dotexto-roteiro. Das conclusões elaboradas pelo grupo durante as discus-sões, faz-se documentação temática, com anotações pessoais.53

2.4.6. Esquema geral de desenvolvimento do seminário

6.1. Introdução pelo professor.6.2. Apresentação pelo coordenador:

6.2.1. das tarefas a serem cumpridas no dia, das orientações parao procedimento a ser adotado pelos participantes durante arealização do seminário e do cronograma das atividades emclasse;

6.2.2. de uma breve introdução para localização do tema do semi-.nário no desenvolvimento da temática geral dos semináriosanteriores;

6.2.3. de esclarecimentos relacionados com o texto-roteiro, even-tualmente reclamados pelos participantes. Nesse momento,faz-se igualmente uma revisão de leitura para que não hajamuitas dúvidas. quanto à compreensão do texto.

6.3. Execução coordenada pelo responsável das várias atividades exe-cutadas pelos participantes, conforme dinâmica definida pelo mo-delo de seminário, escolhido pelo coordenador.

6.4. Apresentação intiodutória à discussão geral da reflexão pessoal,pelo coordenador.

6.5. Síntese final de responsabilidade do professor.

S2 Cf. p. 66-67.S3 Cf. p. 66-67.

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98 ANTÓNlOJOAQUlMSEVERlNO

CONCLUSÃO Tais diretrizes referem-se a seminários realizados com finsdidáticos dentro da programação de um curso. Nesse caso, abordam-setemas com encadeamento lógico. Em tais seminários, o professor atuaapenas como supervisor e observador dos trabalhos; no cronogramadeve ser previsto um intervalo, desde que o período do seminário ul-trapasse duas horas; cabe ainda ao coordenador entregar ao professorobservações de avaliação da participação dos vários ele~entos compo-nentes do grupo.

Quanto ao modo prático de realização do seminário, adota-se qual-quer das técnicas do trabalho em grupo, sendo mais comuns as seguintes:a) exposição introdutória, discussão em pequenos g~upos; discussão

em pequenos grupos, discussão em plenário, síntese de conclusão;b) exposição introdutória, discussão em pequenos grupos, discu~~ão

do grupo coordenador observada pelo grupo observador dos parti-cipantes, síntese de conclusão;

c) exposição introdutória, discussão em grupos formados horizontal-mente, discussão em grupos formados vérticalmente, síntese de con-clusão;

d) exposição introdutória, revisão de leitura em plenário, discussão daproblemática também em plenário, síntese de conclusão.

Finalmente, cumpre acrescentar uma observação. Embora se tenhafeito constante referência, ao se f~lar do seminário, à leitura de trecho;,de passagens de unidade, das obras dos autores, é necessário que o es-tudante se empenhe na leitura da obra dos autores em sua totalidade.Leitura que pode ser feita por etapas, como sugere este capítulo, masque deve desdobrar-se sempre mais no conjunto da obra dos autoresestudados. Por outro lado, frise-se a exigência de se ler o p~óprio autorna fonte original ou em tradução confiável.

11.EDITORA ATLAS S.A.Rua Conselheiro Nébias, 1384 (Campos Elísios)Tel.: (011)~1-~144 (PABX)01203-904 SÃO'PAULO (SP)

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PEDRO DEMO

INTRODUCÃO À- I

METODOLOGIADA CIÊNCIA

SÃO PAULOEDITORA tTLAS S.A. - 1995

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2A CONSTRUCÃO CIENTíFICA,

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2.1. OBSERVAÇÕES INICIAIS

Trataremos de alguns momentos importantes da construção cien-tífica, particularmente da demarcação científica, através da qual bus-camos alguma forma de definir o que é ciência; do objeto construido,que constitui propriamente o resultado da construção científica; dotrabalho científico como tal, em cima de hipóteses capazes dé con-duzir seu desdobramento, e assim por diante. São inúmeras e inevi-táveis as divergências nesta párte. São inúmeras, porque as ideologiaspor definição são diversificadas, múltiplas; são inevitáveis, porqueas ciências sociais possuem ideologia no seu íntimo.

Não se pode, pois, emitir um conceito tranqüilo de ciência, con:1Ose fosse possível partir de algo evidente .e inquestionável e chegara algo também evidente e inquestionável. O que podemos fazer éapresentar uma proposta de definição da ciência, na consciência deque é uma entre outras.'Apenas, devemos evitar dois extremos: de um'lado o extremo do dogmatismo, que admite coisas indiscutíveis; deoutro, o r~lativismo, que subjetiviza tudo ao nível de veleidadesparticulare~. .

Sendo a ciência também um fenômeno histórico, é propriamenteum processo. O conceito de processo traduz a característica de umarealidade sempre volúvel, mutável, contraditória, nunca acabada, emvir-a~ser. Não há estação final onde este trem poderia parar; nãohá porto seguro onde este navio ancoraria em definitivo; não háponto de chegada onde não tivéssemos que partir. Em ciência estamossempre co'meçando de novo.., . .

É preciso igualmente conceder que o conceito de ciência depende, da nossa concepção de realidade. Sequer nos colocaríamos a questãode captare de tratar a realidade, se não tivéssemos já alguma noçãocomo é. Assim, por exemplo, captar dialeticamente a realidade supõe

29

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1. P. Demo. Metod%giaCientífica em Ciências Sociais (Atlas. 1980); G. Bachelard, O Novo EspíritoCientífico (Tempo Brasileiro, 1968); Idem. fI Compromisso Racionalista [Sialo 21. 1972); G. Cangui.Ihem, 'Sobre uma Epistemologia Concordatária', in: Tempo Brasileíro, 28 [Epistemologia].

2. J. Bronowski, O Senso Comum da Ciência (EDUSP, 1S77).

que a vemos dialeticamente. Por .outra é impossível mostrarmos diale.ticamente que a realidade é dialética, porque uma supõe ia outra.Isto não precisa coibir o espírito crítico, que percebe a vigêncianatural deste círculo vicioso, riem nos condena ao solipsismo, comose cada visão não pudesse ver além de si mesma. Embora toda visãotenda a centrar-se em si mesma, isto não é necessário. Fazer ciênciasocial é em parte aprender a compreender outras visões e admitira própria como preferencial, não porque não tenha defeitos, masporque imaginamos menos defeituosa.

Assim, está por trás de nossas conceituações de ciência umarespectiva visão de mundo que vai ficando visível nas entrelinhasdeste trabalho. Pode ser isto um exercício metodológico fundamental:acertar a visão de mundo subjacente às propostas aqui elaboradas.'

Entendemos por. demarcação científica o esforço de separar oqueé e o que não é científico. As demarcações científicas são relativas

. às conce~es "de realidade e não podem reclamar exclusividade.Além domais, nunca encerram a discussão, coro mostraremos adiante.

Talvez seja mais fácil começar por aquilo que imaginamos nãoser científico. Não é ciência o que chamamos de senso comum, a formacomum de conhecermos a realidade, sobretudo através da experiênciaimediata. Temos uma noção das coisas que nos cercam, bem comodaquilo que nos constitui. Existe uma maneira de tratar doenças queé típica do senso com!!m. A dona-de-casa também percebe o problemada inflação, porque _nota que os preços sobem contínua e aparente-mente sem razão. Ao tentar explicar as razões do aumento de preços,pode aventar coisas inteligentes, ao lado de outras,imediatistas.

2

O que marca o senso comum é ele ser um conhecimento acrítico,imediatista, crédulo. Não possui sofisticação. Não problematiza arelação sujeit%bjeto. Acredita no que vê. Não distingue entre fenô-meno e essência, entre o que aparece na superfície e o que existepor baixo. Ao mesmo tempo, assume informações de terceiros semas criticar.

É preciso ver que o senso comum nos cerca por toda a parte.Também o cientista pratica senso comum, porque não é especializadoem tudo. Temos da vida em geral uma noção de senso comum eacreditamos normalmente nas informações vindas de outras fontes.Podemos acreditÇlr, por exemplo, que é perigoso viajar de avião, por-quanto é algo surpreendente voare se cair, dificilmente alguém se

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salva. É um~ informação comum, transmitida sem maiores cuidados.~m engenheiro pode acha:_qu~ este tipo de conhecimento é totalmentelIladequado, .porque o aVia0 ~ o me~o mais seguro de transporte efunda,m~nta Isto tanto na qu~lldad~ tec~ica, dos aparelhos quanto nasestatls~lcas. Do ponto de vista ,ditO. cientifico, talvez o engenheironos qUlse~se convencer de que e mais seguro viajar de avião do queandar a pe pelas ruas.

. Existe a expressão bom senso que traduz uma faceta muito po!>i-tlvad.? senso comum. Usa-se para designar a capacidade de encontrars~luç~es adequadas em ~?mentos. inesp~rados e sobretudo quando~ao dispomos ~a nec~s~ana especlalllaçao ou informação. É a habi-119ade de conviver cnatlvamente com as situações da vida mesmonao, s~ndo .9ie~tista. Assim, o que se espera de um presidente darepubllca n.ao e tanto conhecimento especializado de política (neste~aso devena ser um doutor em política!), mas a necessária sensibi-IJd~de pa.ra ~onduzir um fenômeno tão complexo como é um país.MUltos_ cle,ntlstas sabem tratar de forma especializada a r€alidade,mas nao tem bom senso, porque não sabem conviver criativamentecom os p:~blemas, "qu~bram os pratos" com muita faci Iidade. exacer-bam as dlflcyldades e IIlventam outras, e assim por diante.

Nest~ sentido, o senso COmum é a dose comum de conhecimentosda. qual ,dISPO~OS para nossas nece~sidades rotineiras. Por mais Cju~seja credulo, e componente essencIal das condições de existência.

~ducan~os nossos. filhos sem sermos pedagogos profissionais.E m.als que IS~O:nem sempre os pedagogos são melhores educadoresassim como filhos de psicólogos não-são necessariamente mais equili~brad?s. que os filhos comuns. Andamos de automóvel sem sermosmecanlco.s, bem como moramos numa casa sem entendermos deengenhana de construções .

.O senso c0t:,Jum é forma ~álida de conhecimento também. Hojeacentuamos frequentemente o .saber popular", baseado fundamenta!-mente no s~nso comum. O povo também tem cultura, no sentido deq~e sabe .dlzer o que p~ra ele é belo, importante, simbólico etc.Nao pOSSUIa cul!ura da elite, por definição sofisticada e muitas vezesre?uscada atravesde conhec~mento científico. Há música popular,feita por pessoa que n~nca VIU em sua vida teoria musical. Existea:te no artesanato, n~ literatura deçordel. na culinária, e assim pordiante. Pelo fato de nao ser sofisticada, não é menos importante.

Isto não deve encobrir as formas crédulas de conhecimento dosenso com.um, q~~ normalmente são mais ressaltadas. Há crendices,'~xtre~a~ IIlgenUl.aades .. superstições sóltas. No limite, trata-se de .I~norancla; Todavia, o senso comum, menos que ser falta de conhe-Cimento, e uma forma própria dele. '

'Por outr?, n.ã? é _ciência a ideologia. entendida aqui preferente-mente como Justlflcaçao de posições sociais. Dizíamos que a ideologia

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II

(2.2. A DEMARCAÇÃO -CIENTíFICA

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aninha-se intrinsecam~nte na ciência social, o que já supõe nãofazermos uma ~epa,r~çao estanque entre ciência e ideologia. No quechamamos de cientifico deve predominar a ciência, mas jamais existeum tratament? exclusiva.mente c.ientífico do objeto. Mais que argu-mMtar, t()u seJa" des.c.obn~ a rea,ll.dade assim como ela é, a ideOI~giavolta-se par,a .a Justlflcaçao polltlca de. posições sociais, corres on-dendo ao debito social da ciência. I .

. "... A. ideologia, ao contrário do senso comum, pode ser muito:,oflstlcada; por isto, é geralmente produzida por pessoas versadasIntelectualme.nt~, qu: podem investir na elaboração de uma ideologiae~trem~ erudlçao teonca e informação factuaL Por exemplo, a ideolo-g~a nazista, que prega a superioridade da raça ariana sobre outras,nao s~ .apresenta com a ingenuidade de uma afirmação singela: Pelocontrano, buscou enfeitar-se de todos os elementos da erudicãoacadêmica, até mesmo para conseguir com isto maior credibilidade,

O caráter possivelmente sofisticado da ideologia é buscado ge~al-mente no uso que. faz. da ciência para seus fins. É muito comumrevestir a ideologia com teorias pretenciOsas, com dados fartos combases co.mputacionais, com vistas a aumentar a credibilidade, já quea comunidade propende a acreditar naquilo que aparece com a facecientífica. Assim é que uma besteira econômica, montada dentro deum q~~dro econo~étrico sofisticado e usando uma linguagem bemhermetlca, tem mUita chance de ser aceita comO posição incontestável.

.Pertence à sagacidade clássica da ideologia esconder-se' atrásda linguagem ?ientífica, precisa'mente porque tal linguagem alcançouem nossa sociedade o valor de um mito indiscutível. A ciência nãoprod~z tanta certeza. É por definição um fenômeno questionável. Mas -IStO e precisa~ente ideologia, a saber, produzir a aura de inquestioná-vel, p.ara,re~!lza.r a justificação mais convincente possível. InteressademaiS a ClenCla obter dos que se dizem cientistas e também dopovo. em geral a confiança relativa a uma atividade que não sedevena colocar em questão, dada a pretensa integridade de seusc?ns~rutores. N!~to. já se ~ê.'o quanto a ideologia pervade o corpoCientifico em ClenClas SOCiaiS. porque na verdade é doloroso reco-nhecer-se falível e criticável. Por mais que ° cientista social aceiteisto ~~ci~na~mente e até com modéstia, a propensão natural de quemfaz clencla e desejar.? auditório cativo, que acredile e aplauda. A ~ti-tude mais natural nao será a de oferecer-se à crítica, dentro dadiscussão mais aberta possível, mas de evitá-la ou de provocá-Ia emseu favor.

O fenômeno id.eológico prec~sa ser entendido à sombra da questãod? poder e da deSigualdade social. Se admitimos que as ciências so-c~als possuem.u~ débito social, ao lado de serem também uma dimen-sao eplstemologlca, isto significa mais precisamente que se constroemno contexto do poder e da' desigualdade. O fenômenp do poder

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distingue-se, entre outras coisas, pela característica de fugir à contes-tação, a fim de legitimar-se sem oposição. É essencial ao poder cons-truir a crença em sua legitimidade, como situação normal e desejável.para que não surja movimento contrário, interessado em mudar asregras de jogo. O papel da ideologia é fundamentalmente de encobrira tendênci~ opressora' do poder, vendendo-a como situação normal edesejável. Neste sentido, a ideologia é o disfarce inteligente do poder,que usa de todas as justificações possíveis, já conhecidas na história .Justificar a situação vigente, os privilégios obtidos, a obtenção deoutros, os valores dominantes. tudo isto é função primordial e maistípica da ideologia, Não é somente representação mental, porque istonão a distingue de um mito, de um símbolo, de uma idéia. É represen-tação mental com vistas à justificação de posições vantajosas.

As ciências sociais são construídas de modo geral não pelosdesiguais, mas por pessoas beneficiárias do sistema, até mesmoporque cortseguiram alcançar a formação superior. Muito natural.mente os Cientistas sociais - que não são anjos. mas gente interes-seira como qualquer cristão - propendem a embutir no conhecimentocientífico sua própria justificação. É fácil demais mostrar que auniversidade corresponde muito mais aos interesses dos beneficiáriosdo sistema do que aos marginalizados. Extremando as coisas, produ-zem-se todas as ideologias encomendadas à troca dos respectivosprivilégios.

A ciência não pode ser entendida apenas como combate à ideo-logia, na busca de sua eliminação. Aliás, tal isenção ideológica seriaapenas a próxima ideologia, sob a forma de uma estratégia de cqn-vencimento. O que a ciência pode pretender é a convivência críticacom a ideologia, seu controle relativo, seu enfrentamento sem-disfarces. Assim tomada, a ideologia pode até ser uma bela inspiraçãoou pelo menos atraente motivação.

Ademais, a ideologia igualmente contém senso comum, de talforma que não podemos postular regiões estanques. O que postulamosé a predominância de certo conteúdo em certa região. A ciência contémsenso comum, bem como ideologia, e esta contém aquele e vive-versa.No fundo, trata-se de algo típico de qualquer conceito social; temosrazoável certeza de seu miolo, mas não sabemos bem onde começae onde acaba.

Enfim, se conseguimos alguma delimitação daquilo que ronda aciência, mas não é ciência, poderíamos fazer o esforço por cercaraquilo que poderíamos qualificar de científico. Para começarmoséstadiscussão interminável por definição. poderíamos vislumbrar oqüese faz na universidade, ou o que faz um professor, ou mais propr'ia"mente um cientista, para que acreditemos que sua ação se qualifiquecomo científica. De um lado, aparece uma atividade cercada de certosrigores' de comportamento. O cientista procura tratar seu objeto

33

dentro de certos rituais reconhecidos como importantes, de modogeral: evita a credulidade, assume atitude distanciada, cita autores,usa uma linguagem estereotipada, quase um dialeto, busca definiros termos da forma mais precisa possível, emprega técnicas complexasde quantificação, confia apenas em testes rigorosos, e assim por diante.Pratica-se uma forma de treinamento voltada para conseguir dos alu-.nos uma visão crítica da realidade, uma atitude mais objetiva, umdomínio de autores e teorias, lima produção argumentativa insistente,e assim por diante. Há, assim, um rol de cuidados específicos, que,uma vez seguidos, parecem produzir O resultado imaginado, a saber,a ciência.

Tais cuidados poderiam ser categorizados em critérios internos eexternos de cientificidade. Os primeiros decorrem da própria obracientífica, na qualidade de cartecteristica intrínseca. Os segundosdecorrem da opinião sobre ela, na qualidade de característica extrín-seca, ou atribuída de fora.

Entre os critérios internos, distinguimos dois principais, mais li-gados à forma, e outros dois, mais ligados ao conteúdo. O critérioformal mais amplamente reconhecido é o da coeri3ncia. Não podehaver obra científica que seja incoerente, entendendo-se a coerênciacomo critério propriamente lógico forma!.' .

A lógica é uma parte centrai da teoria do conhecimento e refere-se à característica de uma montagem teórica sem contradições. Lógicoé aquilo desdobrado sem tropeços, com começo, meio e fim, ordenado,construído dentro de um planejamento racional, onde as partes estãoem seu devido lugar, deduzido de tal.sorte que a conclusão não contra-diz o ponto de partida, e assim por diante. .

A expressão mais limpida da lógica é a matemática, que assimpode ser, porque é estritamente forma!. É pura forma. Uma reta nãotem conteúdo e por isto é exata. Em ciências sociais não temos fenô-menos deste tipo, mas a lógica é aplicável como dedução teóricasem contradições. Uma teoria pode ser definida como um conjuntológico de enunciados, articulado, concatenado, ordenado, amarrado,sistematizado. Não se aceita como científica a teoria. onde podemosencontrar enunciados contraditórios, desordem interna de idéias econcepções. conceitos mal definidos e usados em sentidos diferentesno mesmo texto, ou até mesmo em sentido contraditório, conclusõesnão dedutíveis do corp_o anterior.

~, por exemp~o, contraditório o positivismo de Comte, 8qrquepropoe a superaçao da fase religiosa da humanidade, mas terminaproduzindo nova forma de religião. É contraditória uma crítica semautocritica, porque não aplica asi o que imagina dever aplicar nos

3. K. Lamber! e G. G. Brittan, Introdução a Filosofia da Ciência (Cultrix. 1972); R. M. Chrishoim.Teoria.'do Conhecimento (lahar, 1974); J. Hessen. Teoria do Conhecimento (América Amado, 196BJ:H. Relchenbach. La Filosof,a Cientl/ica (Fondo de Cultura Económica, 1967). ..

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outros. É contraditório defender para o filho liberdade sexual. enquantopara a filha se defende o contrário. já q~e para a prátic~ da libe~d~~esexual masculina é mister a filha que a Isto se preste. E contradltorloum político construir a imagem de paladino da justiça social, enquantoem sua fazenda mantém trabalhadores sem terra em regime de semi--escravidão.

Trata-se de um critério formal. porque, por exemplci, uma ideologiatambém pode ser lógica. Dado o ponto de partida, n~o discutido, épossível desdobrar logicamente todos os outros enunCiados, obtendo.se uma conclusão não contraditória. A .teoria do racismo pode serlógica. Será rejeitada por razões, de conteúdo, do 'p0nt? ?e parti?a.da ideologia, mas pode ser inatacavel do ponto .de vista loglco. A~s~m.ser uma teoria lógica não é tudo, embora constitua uma caracterlstl1aimportante. .

Ao mesmo tempo, refere-se ao traço desejável de ordenamentointerno das partes, ou seja, de sistematização. Um objeto qualquér.para ser captado, precisa num primeiro moment~ ser siste~atiz~d~.Ele apresenta-se, de modo geral, complex?, per~ldoem meIO a. m~-meras facetas destacáveis, com contornos ImpreGISOS~Um dos primei-ros atos do cientista é colocar alguma ordem nas idéias, formularcategorias descritivas que circundem o objeto,_ dividir efl.l partes. Épreciso definir, distinguir, classificar: opor etc. Sao todas ~tlvldades dalógica, fundamentais para que o objeto apareça com hOrizonte claro.

Assim, são tarefas básicas para se construir ciência:a) definir os termos com precisão,para.nãodeixar margemà ambigüidade;

cadaconceitodeve ter um conteúdeespecífice e delimitado; nãopodevariar durantea análise; emborauma.dose de imprecisãoseja normal,e ideal é reduzi-laao mínimo possível,-produzindoe fenômenodese-jável da élarezade exposição; -

b) descrevere explicar com transparência,nãe incerrendo em complica-ções. ou seja. em linguagemhermética, dura. ininteligível; para bemexplicar é mister simplificar, mas é precise também buscar e meio--termo entre excessivasimplificaçãee excessivacemplicaçãe;

c) distinguir cem rigor facetas diversas, não emaranhar term?s. clare~rsuperposiçõespossiveis, fugir à mistura de planes da realidade; naocair em confusão,ne sentide de cenfundir uma coisa com outra,de.obscurecerregiõesdistintas ne mesme.objete,de trecar termes desta-cáveis;

d) precurar classificaçõesnítidas, bem sistemáticas,de tal serte que a.objeteapareçarecortadesem perâermui~ode sua riqueza;

e) imper certa .ordemno tratamentede tema, de tal medo que seJac1aree cemeçecu e pente de partida,a censtituiçãede carpo de trabalhe,ea seqüênciaincensútil das cenclusões.

A coerência aplica-se também à prática. Será incoerente o pro.fessor que constrói em sala de aula uinapostura revolucionária, masnão a pratica no dia-é1-dia.Écoêrente o pai que acredita dever evitartoda forma de imposição na educação e jamais bate no filho. É coerente

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a pessoa que, imaginando não poder viver sem neurose, racionalizaa preferência por alguma que lhe seja inspiradora. 00 o

O segundo critério formal interno é a consistência. Na verdadeé menos formal que o primeiro, mas predomina nele ainda o aspectoformal. De certa maneira, podemos defini-Ia como capacidade de re-sistir a contra-argumentos. É consistente aquilo que não rui, oque écompacto, que é oresistente.

oDas obras ditas científicas produzidas em determinado espaço etempo, a grande maioria vai empoeirar-senas prateleiras~ Embora istopossa acontecer por outras razões também, podemos admitir que ge-ralmente acontece porque a maioria das obras não possui a necessáriaconsistência, não resistindo à crítica. Assim, se lemos ainda hojeAristóteles, Platão, Maquiavel, é porque vemos em suas obras algoque conseguiu sobrepor-se à erosão do tempo. Não são mais atuais.Reconhecemos até mesmo erros. Mas continuam importantes. Tal im-

( portância nem sempre está ligada a critérios formais; por vezes estáligada a critérios sociais. Mas não podemos negar exceloência cientí~fica baseada também em critérios de ordem formal., o

A imporgnciaatribuída a uma obra ou aum autor pode estar'ba-seada em raz,Ses sociais, por exemplo, de coincidircoín a ideologiado grupo, de ser promovida pelos dominantes, de fazer parte de certodogmatismo vigente no momento, e assiin por diante. Muitas obrasimportantes foram assim reconhecidas somente odepois, como foi bcaso de Galileu, de Maquiaveletc. oJ; 000 o, 'o o

Todavia, isto não desmerece o fáto comum de que a grande maio-ria das obras acaba na poeira das 'estantes e não volta a ser percehida,pelo menos de forma relevante. A consistência pode, assim, re,: "rira característica de profundidade que toda obra científica deve t8r. Emcontrapartida, é superficial aquela obra que não se escuda em argu-mentos sólidos, que não apresenta umat,e?situra firme, que não desceà intimidade do fenômeno, que não demonstra suficiente conhecimentode causa, que iÇJnora as teorias já existentes, que desconsidera asdiscussões havidas e atuais. Conhecer bem um tema significa dominarcom a necessária profundidade as explicações existentes sobre ele,no passado e no presente, e sobretudo saber explicá-lo com meios pró-prios, melhor que outras explicaçõe's. Tal conhecimento é condiçãobásica de aprofundamento no tema, distiguindo facilmente o autor deanálises simp!ific::das, de vôos rápidos e dispersos, de discussõesgerais e soltas, daquele que ataca os problemas com seriedade, portodos os ângulos possíveis, disseca oos termos e penetra no âmagoda questão.

O primeiro critério não formal interno é a originalidade. Pode cer-tamente haver originalidade na forma, mas a usamos aqui ligada aoconteúdo, Ouando liÇJadaà forma, exprime sobretudo a superação ,datautologia, que significa fazer um enunciado, no qual o predicado diz

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a mesma coisa que já estava no sujeito. Por exemplo, a arte é bela.U É bela" já faz parte do conceito de arte e por isto nada acrescenta.É repetitiva, redundante, pleonástica.

Ligada ao conteúdo, a originalidade é um critério de ogrande rele-vância, sobretudo em ciências sociais, onde, sob a avalancha cres-cente de trabalhos ditos científicos, sobretudo com a pós-Ç1raduaçãoque obriga a redação de teses, está ficando cada vez mais difícil pro-duzir coisas novas. Se não atentarmos para isto, caímos facilmentena cópia, na imitação, no parasitismo, sem falar no plágio.

Significa a necessidade de levar a ciência para frente, de a re-novar constantemente, de recuperar interminavelmente a criatividade,de explorar todas as potencialidades imagináveis, de inventar, alter-nativas onde menos se espera. Em meio a tanta discussão chocha,a polêmicas estéreis, a análises pedestres, é essencial conclamar a,originalidade, para não institucionalizarmos a mediocridade de que':lsomente faz exercícios acadêmicos, pesquisas para treinamento, SI-mulações de trabalhos.

Faz parte central da formação do aluno, se voltarmos a recoloc,?ra pesquisa como atividade básica da vida acadêmica. O bom aluno .naoé aquele que repete bem, que apenas segue o professor, o bom leitor,mas aquele que aprende a andar com os próprios pés, que se elevaao nível de construtor da ciência. Também faz parte central da forma-ção do professor, porquanto, se não produz originalmente s~a própriapostura de cientista, nada tem a ensinar. Talv~z se, possa dizer. que agrande maioria dos professores é mera transmissora de conhecimentoalheio. No fundo, elegantes parasitas._

Para nos fixarmos num termo importante, a originalidade, quandoligada ao conteúdo da ciência, significa pri~9ip~lmente pro.di.!-tividade.capacidade de construir autonomamente ClenCla, contnbulçao a seuprogresso, invenção de alternativas. Não cai do céu por descuido.,Nem é realista imaginar que o cientista criativo é aquele que sabesem estudar. Será assim que parte pode ser" inspiração", mas grandeparte será "transpiração". De modo geral, ninguém é origin~1 semárduo estudo da disciplina, sem aplicação profunda. sem conhecimentoprévio acumulado. Estamos, na verdade, à procura do gênio ~riado.r.Talvez seja para a Sociologia alguém como Marx, para a PSlcolo~laalguém como Freud, para a Educação a~guém com? !,iaget, ~ ,a~sll1~por diante. É preciso superar a monot?nra da, repetlçao parasltana. Epreciso conclamar o espírito crítico. E preciso fomentar o co~port~-mento contestador. Se as ciências sociais são um processo intermi-nável. inquieto e produtivo, a originalidade deve ser marca profunda.

O segundo critério não formal interno é a objetivação, entend)~aaqui como o esforço de ser objetivo. Desde logo aceitamos que ~aopodemos ser objetivos, porque a ideologia está, em ciências sociais,no âmago do sujeito e do objeto. Embora seja esta a razão principal,

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ainda há aquela ligada à cúmplexidade do objeto, maior que nossassimplificações explicativas. .

Na verdade, é o critério mais importante interno. Interessa àciência captar a realidade assim como ela é. Não se pode erigir comoparâmetro qualquer coisa ligada à deturpação da realidade. Desteponto de vista, não interessa o conhecimento ideológico sequer à ideo-logia, porquanto, para atingir os fins da ideologia, é preferível aqueleconhecimento que traduz a realidade fidedignamente. A melhor ma-neira de "deturpar" a realidade será conhecê-Ia bem. A melhor formade a manipular em favor dos interesses próprios é dominar comperfeição.

Ao aceitarmos que a ciência convive com a ideologia e que nãopode propor-se eliminá-Ia, não estamos sacralizando a invasão ideo-lógica. Na ciência deve predominar a cientificidade, não a ideologi-zação. Não faz sentido chamar de mal necessário aquilo que é parteintegrante. Mas é meta da ciência controlar. a ideologi6. Conviver cri-ticamente com ela não significa favorecê-Ia, encobri-Ia, mas certa-mente reduzi-Ia, desmascará-Ia para que no fenômeno científico pre-domine cada vez mais a ciência.

A maioria dos cuidados metodolóÇJicos visa à objetivação. Usa-mos este termo, em vez de objetividade, porque esta não existe emciências sociais. Objetivação significa o processo inacabável, masnecessário, de depuração ideológica da ciência, na busca de uma aná-lise que seja a lT)ais realista possível. O fato de que nenhuma teoriaesgota a realidade não pode produzir o conformismo, mas precisamenteo contrário: ocómpromisso de aproximações sucessivas crescentes.

Se não conseguimos dominar todas as facetas da realidade,temos que reconhecer que a pesquisa, ao mesmo tempo que descobrea realidade, também a encobre, naquilo que não toma em conta. Vero homem apenas psicologicamente, ou economicamente, talvez sejauma sina da especialização, mas é sem dúvida uma deturpação tam-bém. Assim, quem se imagina objetivo, na verdade encobre suas de-turpações. Objetivação, vista como processo necessário e interminá-vel de busca da objetividade, é maneira mais madura e crítica de res-peitàr uma realidade que nos sobrepassa a capacidad~ de captação,ao mesmo tempo que levanta sempre a desconfiança contra a peque-nez de nossa visão.

No entanto, a objetivação volta-se sobretudo contra a excessivaideologização em ciências sociais. Muito facilmente surgem verdadei-ras seitas, grupos que não admitem críticas, escolas fechadas, expurgode oponentes, crendices fanáticas, e assim por diante. Não há fenô-meno mais degradante, em ciência, do que o discípulo. Este adulterao mes,tre, porque geralmente é "mais católico que o papa". Somenterepete, parasita, transmite, transformando aquilo que é matéria ine-vitável de discussão, em matéria de fé.

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II

.Embora uma ideologia possa igualmente ser urna bela inspiração,quando mantida como tal. reconhec.i?a ~ cri~icada, na maiori~ do.s.cas~stende a predominar, reduzindo a ClenCla amstrumento de justlflcaçaodas posições sociais er:n qu~stão: ~ada empe~ra ta~nto; o, p~ogres~>ocientífico quanto o fanatismo Ideologlco. Nem a Ignorancla e tao preJu-dicial. O surgimento de um número elevado de técnica~ ~e coleta emensuracão do dado, bem como o uso de testes estatlstlcoS forammotivado's pelo desejo de maior objetivação em ciências sociais, par-tindo-se do ponto de vista de que muitas análises são excessivamentesubjetivistas, especulativas, aéreas,: que fala~ de coisas irreais, ima-ginárias ou tão distantes, que. nao p~!ec~nam ~e.r ?est~ mun_do.Chegou-se ao extremo de red~zlr as clenclas socl,als as dlmensoesobserváveis da realidade. Isto e um exagero lamentavel, mas entende-se que tenha surgido, como resposta ao erro 0eosto. Entretant?, aformacão científica é em grande parte a formaçao do compromissocom á objetivação.

sé observarmos alguns cuidados metodológicos comuns, ficaráclaro como se ligam ao compromisso com a objetivação:

a) espírito critico, significando a postura que dá primaz.ia à_ contestaçãodos pretensos resultados científicos, sobre sua consolldaçao: no fundo.não acredita em consolidação, mas na nece-ssidade de constante supe-racão; ..

b) rigor no tratamento do objeto, significando ~obretu?o a necessidade dedefinir bem, distinguir cuidadosamente. Sistematizar com detalhe efineza;

c) trabalho sine ira et studio, significando a atitude' ?istanciada, n~ pro-cura de não se deixar envolver em excesso por aquilo que gostanamosque fosse. em detrimento daquilo que de fato é; _

d). profundidade de análise, significando a recusa ae deter-se n.a su~erf~ciedas coisas, na visão imediata, na ingenuidade da informaçao pnmelra;

e) ordem ná exposição, significando a montagem concatenada. arrumaçla.. clara da pesquisa e da análise;

f) dedicação à ciência, tomada como vocação. ou seja, feita com convicç1ãoíntima, com prazer, com realização pessoal; .

g) abertura incondicional ao teste alheio. a fim de superar colocaçõessubjetivistas, etéreas ou excessivamente gerais, que não conseguemser reproduzidas pelos colegas;

h) assídua leitura dos clássicos, para conhecimento aprofundado de comoviram a realidade e até que ponto foram capazes de objetivação;

il dedicação ao estudo das principais teorias. metodologias e da produçãoatual, com vistas ao posicionamento inteligente dentro da discussão eao amadurecimento de uma personalidade próprja científica.

Ao lado desses critérios temos ainda os externos, destacando-se o da intersubjetividade. Significa a opinião dominante em deter-minado assunto ou sobre certa obra ou autor. Ê um critério externo,porque se forma em torno da questão, extrinsecamente, não a partirde característica interna. .

A intersubjetividade marca a presença típica dos condicionamen-'loS sociais nas ciências sociais. Do ponto de vista epistemológico e

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for~al. nunca seria argumento. Em si. urna obra científica deve'ria seravaltada somente por critérios internos. Em outros termos deveríamos~dotar som~nte a crítica interna. ou seja. aquela baseada ~os critériosInternos. allcerçada na qualidade interna dela. não na opinião externa.

T.odavia. en~i~a a so.ciologia do conhecimento que a ciência temtamb~m seu ?~~ltO sO?lal. Est.e s~. manifesta em grande limpidezatrave~ da, ?plnlao. dominante clentlflca. Assim. uma obra é conside-rada clentl!lca ~U1tas vezes à revelia dos critérios internos. apenaspor,9ue satls!a.z..a expectativa ideológica ou coloca-se como susten-taçao da 0plnlaodominante.

. Principalm~nte, em ciências sociais. que são marcadas pela ideo-logia de forma rntrlnseca. a vigência da opinião dominante é um fatomarcante. Aparece sob muitas formas:

a) a. feitura ?e uma tese de mestrado ou doutorado traduz sempre a ques-tao do onentador. que estabelece entre ele e o candidato um relacio-nam~nt.o d~ po~er; por mais que ambos os lados se comprometam coma ob)etlvaçao. fica sempre pelo menos algo de relacionamento desigual;

b) .a fo:mação dos alunos é um processo de socialização. no qual emergeI~evltavelmente, ao .I~~o de possív.eis argumentos, a posição privile-gla.da .d,? mestre; dificilmente alguem defenderia que o fenômeno da?tnbUl~ao d~ uma nota para um trabalho dado não está exposto àIncursao subjetivista e tendenciosa; ,

c) a publi~açao d~livros e artigos sofre uma seleção orientada. de acordocom a Ideologia da editora ou da revista;

d) c.a~a depart~mento tende a depurar-se de acordo com tendências ideo .I?glcas d0'"!llnante.s; onde ~redominam professores com formação ame-r~can~, .enslna-se a la ar:nencana, ge~almente com forte dose de quanti-flcaç.ao, em outros ambientes, tambem extremados, já se vê empirismona Simples montagem de uma tabela;

e) e'"!l dete~min?do .a.mbiente social forma.se preferencialmente um tipo deon~ntaçao cle~tlflca, por v~zes influenciado pelo momento histórico'aSSim, predomina no Terceiro Mundo uma sociologia de avan ua d 'porque busca superar o subdesenvolvimento ou com ele preoc~pa:s::no. mundo ~v~nç.ado encontra-se uma sociologia mais de estilo funcio:nallsta e slstemlco, no fundo favorável à manutenção dos privilégios;

f) por vezes cer~as post~ras tornam-se moda compelente, como talvez se'ao caso de mUitos ambientes de sociologia brasileira onde a adesão pelomenos ,externa ao marxismo já vale como atestado' de inteligência' emoutros ugares pode valer como atestado de ignorância. '

A .intersubj~tividade cobre, assim. uma série de fenômenos im-portantes. O maiS de~tacado c.ertamente é o argumento de autoridade,q~Ae~dut! com; mUita propriedade a ruestão do débito social ~ac~encla. A auto:lda?~, em si, não é arg~mento algum. Um enuncia onao pode ser cl.ent,flco por causa da boca que o pronuncia. Tod .'sabemo~ que a Importância atribuída a certas teorias está muito ~v~~~m funçao de.seus dono~ do que de critérios internos de cientificidade.E. neste ~entldo que mUitos abusam de citações de autores que ima-grn~m ~el~b.res e capazes de ajudar a convencer o leitor. Na verdadea cltaçao e Importante no sentido de permitir ao leitor refazer critica~

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mente o roteiro de construção científica seguido pelo autor, ou defacilitar a cobertura do tema de vários ângulos, ou de explorar poten-cialidades outras em autores geralmente vistos em uma direção jánotória, e assim por diante. A citação não é autoridade. porquanto ésomente instrumental. Um trabalho sem citação pode ser tão cientí-.fico quanto outro abarrotado delas. Um trabalho sem citação é apenasmais pobre em referência à discussão circundante do tema.

A maioria, porém, dos autores esconde-se atrás das citações. pro-curando uma proteção que temem não poder transmitir por própriaspalavras. Recaem no argumento de autoridade, que, embora sendotalvez o mais vigente, é também o que menos comprova. Não se podeconfundir argumento de autoridade com autoridade do argumento, ouseja, muitos autores são considerados autoridade porque dispõem defato de uma obra científica. Sua citação faz sentido,' porque se recor~ea alguém que na respectiva temática mostrou argumentação respei-tável. . . ( .' I

. Isto quer dizer que os critérios internos deveriam predominar e.no limite, decidir; mas não podemos fechar os olhos para os externos,não sÓ porque de fato predominam. mas sobretudo porque fazem partereal do processo científico. Não levá~los em conta é pelo menos ca-muflarsua vigência.-

Outro fenômeno importante qentro' da intersúbjetividade é aopinião dominante, que realmente ,influencia a produção científica.Um dos fatC>smais transparentes da construção' científica são as di-vergências de escolas. Embora elas produzam igualmente consensos,até mesmo porque se comunicam e se. entendem. e se_identifica~como pertencentes ao mesmo fenômeno fundamental, nao. consequ~-riam esconderas disparidades. Em cada escola surge uma linha domi-nante. que passa a caracterizá-Ia e muita~ vezes a,c~nst~tui~ seu atra-tivoespecífico. Uma escola com personalidade propna nao e somenteaquela capaz de realizar bem critérios internos, mas igualmente aquela,que consolida capacidade própria de influência, de conv~ncim~nto: d~liderança. Por mais que uma escola possa tornar-se obst~culo a, cnatl-vidade, quando se torna igrejinha particular e, f~cha?a, .~ tambem umfenômeno normal em ciência e pode chegar a Insplraçao fecunda.

Outro fenômeno da Í11tersubjetividade é. ~f comparação criticaentre teorias, autores, escolas. Na verdade, a crítica preferencial éa interna, aquela que critica a partir da própria obra. que busca pene-trar" dentro:dacasaalhéia'. que a contesta por ,defeitos que se encon-tram nela mesma. 'não a crítica externa. aquela que parte.deumaposiçãoideólógicadiversa. Todavia, esta, g,eralmerite predomina, e senão for unilateralizada, pode ter seus mentos.,' . , .

O grande problema está em que. sendo opohto de' pa~tida ideo-lógiCo diverso, é próprio da ideologia torcer a seu favor, .diminuindomuito a possibilidade ~que deveria ser real--:.: de mudar de posição.

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Assim, uma crítica ideológica, para ser coerente, devê entender-seideológica, e jamais imaginar que conseguimos criticar uma ideologiaadversa de forma isenta. Se alguém é ideologicamente contra o freu.dismo, dificilmente deixará de chegar à conclusão de que o freudismoé uma postura errada. Por mais que se esforce em adotar atitude obje-tivante, não seria ideológico se não propendesse a justificar suaprópria posição.

2.3. OS LIMITES DA DEMARCAÇÃO 'CIENTíFICA

Podemos fazer o exercício de autocrítica sobre a demarcacãoque acabamos de apresentar. Será aceitável? É muito frouxa? O queganhamos com ela?

_ Em primeiro lugar, é preciso atentar pa~a o fato inarredável de quenao podemos jamais concluir esta- discussão. Ouando falamos decritérios de cientificidade, estamos supondo que temos em nossafrente um conceito não evidente e que necessita de definição. comoé o conceito de ciência. Apresentemos, então, um critério de definicãoque consiga dizer o que o conceito é, o que não é, como se delimita,quai é seu contexto de vigência. Tomemos o critério de coerência.Dissemos que é um dos critérios, que é formal. que é interno etc.

No entanto, notamos logo que o conceito de coerência tambémnão é evidente. Precisamos defini-lo igualmente. E o fizemos apelandopar~ua oP.aracterística lóg!ca de falta de ~ontradição. Mas surfelI~edlatam.ente a. constataçao. de que Inem logica. nem contradiç - osao conceitos eVidentes. PreCisamos, de novo, defini~los. .

'. Ora, de que se trata? Trata-se de uma regressão ao infinito, comodizem os lógicos, o que coincide com a idéia de uma discussão inter-minável. Se não admitimos evidências, ou seja coisas que se im-põem como definidas de antemão, absolutamente claras para todos:supomos que se apresentam de forma indistintD. discutível. nãoevidente. Cada termo terá que ser definido por um novo termo, eassim indefinidamente.

A discussão não pode ser naturalmente suprimida. O que fazemosé interrompê-Ia a certa altura, por conveniência externa, nunca porexaustividade interna. Interrompemos, seja porque cansamos de discu-tir, seja porque perdemos o fio da -meada, seja porque o contextochega a nos satisfazer, seja porque combinamos interromper. Tudoisso é conveniência externa. da qual não escapamos. Assim, a primeiraconclusão a ser colhida é a de que a demarcação científica tem valorcertamente relativo; é o caso típico de uma discussão, ou seja, dealgo por definição discutível.

Em segundo lugar, a demarcação científica das ciências sociaiS,mantendo-se coerente com o ponto de partida, há de aceitar que é

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uma proposta entre outras sempre. possíveis. Apresentamos nadamais que uma forma de se ver ciência, aceitável na medida. de suafundamentação. !

Temos dois extremos principais a serem evitados. De um lado, odogmatismo, que faz da ciência mero instrumento de justificaçãoideológica. É um mundo fechado, onde não. faz sentido a discussãocritica, a criatividade. a originalidade. a alternativa explicativa. É a me-diocridade do bando de discipulos. meramente reprodutores e forte-mente inspirados pela condenação fácil de quem tenha idéias diferen-tes. Para eles. ideologia é simplesmente a opinião do outro!

Do lado oposto, aparece o relativismo metodológico que procurafundar sua validade declarando todas as posições válidas. Assim comoo dogmatismo é um fenômeno e um perigo concretos; o relativismotambém o é. Confunde-se com o ecletismo, que significa a falta deposição metodológica elaborada. ou seja, o parasitismo sobre posiçõesjá encontradas, não discutidas e mecanicamente assumidas e con-fundidas. Não é o caso do eclético que ajunta elementos de váriasposições, mas elabora uma posição identificável; aí não há falta deposição (o que não. deixa de ser uma péssima posição), mas umaposição específica.

O relativismo pode ser faci Imente motivado pelo fato de que asdivergências são em última instância insuperáveis;. não é imaginávelum consenso universal, a não ser por dogmatismo. A partir daí caímosno extremo oposto. Se não existe a evidência, tudo~ válido. Cada umpropõe o que quiser, defende o' que deseja, constrói à vontade. Nãose toma cohhecimento' da crítica alheia, porque cada um está" na sua".

No entanto, o relativismo e contraditório, porque não se podeafirmar que tudo .é relativo. Esta afirmação já não seria relativa. Poroutra. não é sustentável a idéia de que uma posição seja apenasindividual. O próprio fenômeno social, que significa inevitável inte-racão e mútuo condicionamento, coíbe a posição puramente subjetiva'e individual. O que existe na realidade é a opinião dominante que,embora tenha suas faces indesejáveis, leva a produzir consensos,aceitacões relativas, convencimentos impostos, e assim por diante.Aquelá situação estereotipada, na qual cada um pensa a seu talante,é um contra-senso social, porque suporia um contexto não socializado.

A vida social é condicionada, quer dizer, valem menos intençõesparticulares, consciências subjetivas, veleidades íntimas do que con-dicionamentos objetiveis. Estes nos moldam, produzindo inevitáveisconsensos, opiniões dominantes, verdades comuns, que coíbem rela-tivizacões .extremas.

É' certamente possível imaginarmos excesso dedivergênci~, bemcomo excesso de consenso. Ambos são prejudiciais à ciência. Noprimeiro caso, porque a divergência se torna fim de si mesma. No se.-gundo, porque não existe criatividade.

Assim, o fato de não conseguirmos concluir terminantementeuma discussão não a torna relativista; apenas precisamos reconheceras inegáveis conveniências sociais e os limites de nossas virtudeslógicas.

_ ~m tere.eiro lugar, a labilidade da demarcação científica aqui feitanao e propriamente um defeito, mas uma propriedade dialética, se-gundo a qual, se a ciência é processo, está sempre se fazendo. Nãopodemos constr~ir posição definitiva. Mais que salvar teorias, propo-mo-nos a supera-Ias.

o. Se t0fl}amo~ as ciências exatas e naturais como parâmetro cien-tlfl~tal il~uaçao pode parec~r indesejável e provocar um sentimentode frustraçao. Incomoda mUita gente I' ouvir que em ciência sodialnada está definitivamente comprovado; nem esta afirmação. Pode ~erlevada ao exagero, pode ser banalizada, como sempre. Mas pode sertambém a fonte da criatividade perene. Talvez as ciências naturaisamadureçam (e pleiteiem posições cada vez mais consensuais. Asciências sociais, por sua vez, tornam-se cada vez mais jovens! Ama-durecer para elas é transformar-se na história, trazer alternativas,começar de novo, inventar.

Não serve isto como fundamentação para que desprezemos origor 16gico e o trabalho ordenado. Se é verdade que os conceitossociai~i são sempre também imprecisos - vemos melhor seu miolo,mas não ~,abemos bem onde começam, nem onde acabam...,-, pelomenos comparando com o conceito de água, isto é apenas um reptoa mais em ravor da objetivação. Não é uma vantagem o fato de que amaioria das discussões sociais é confusa, digressiva. prolixa, indis-tinta, interminável, cansativa etc. Pelo contrário, é falta de nívelcientífico.

Nossa posição supõe dose acentuada de' autocrítica. Trata-se deuma ascese fundamental. Fazer ciência aberta à discussão, que procuremais a descoberta da realidade do que sua defesa ideológica, é con-quista árdua, é modéstia convicta, é sabedoria profunda.

Ao mesmo tempo, parece-nos que a .Iabilidade típica da demar-cação científica mostra não valer a pena imitar mecanicamente asoutras ciências. Vale.a pena certamente apre,nder delas procedimen-tos que preservem a objetivação, para que col.oquemos' a descobertada realidade acima de tudo. Bem usada, a experimentação empíricaé salutar. ateste estatístico de nossas hipóteses pode contribuirpara o nível científico. Mas não faz sentido reduzir tudo' à base físicae formal. Em termos estritos, não se consegue medir bem o fenômenoda normalidade psíquica.' Qualquer' mensúração 'seráindirela. Noentanto, o fenômeno não é' rilMOS' importante por causa disto, .nemse deve atirar ao mar o esforço de mensurar quando somente apli-cável de modo indireto. .

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Isto parece ser um componente fundamental da realidade social:estamos cercados, no dia-a-dia, de noções que, se fôssemos invecti-vados a definir, o faríamos com grande dificuldade. Por exemplo, oque é alegria? Realização pessoal e social? Satisfação das necessi-dades básicas? Direito humano fundamental? Religião? Um bom ca-samento?

Podemos usar certo conceito de forma aparentemente muito con- ,sensual, e de repente descobrir um total equívoco. Talvez seja muitoconsensual que as novelas de televisão são uma forma moderna emuito atraente de diversão. Bem pensando, todavia, podemos des-cobrir que exercem sobre nós uma tirania impressionante, no sentidode emitirerr influências .ideológ!cas contestáveis. A partir daí, o queera diversao natural e InquestlOnada passa a ser fonte de grandepreocupação, porque podemos imaginar que nossos filhos sejam, porexemplo,_ excessivamente manipulados por elas.

Da mesma forma, nenhum cientista' social é capaz de garantirmatematicamente a vitória de um deputado nas urnas. Por mais queseja perito em estatística e em pesquisa empírica, sabe ~ue suaprevisão é probabilística, não matemática em sentido estrito. A pro-messa dá certeza é a coisa mais incerta das ciências sociais. Em vezde camuflar a labilidade, é preferível enfrentá-Ia criticamente edela partir.

2.4. O OBJETO CONSTRUíDO

Dizemos que a ciência trabalha com um objeto construído. Nãotrabalha com objetos. dados", puros. Esta posição supõe, certamente,uma visão específica do que entendemos por ciência, como fizemosacima. Dentro dela, parece-nos coerente falarmos em objeto construídocomo resultado da lide científica.~

. A idéia de objeto construído significa, num primeiro momento,que não trÇlbalhamos com a realidade, pura e. simplesmente, de f~rrpaimediata e direta, mas coma realidade assIm como a consegUimosver e captar. Temos da realidade uma visão mediada, ou seja, medi~ta.Vemos a pàrtir de um ponto de vista. O problema do ponto de p~r~l~asignifica que não partimos sem pon:o: Este ~onto c,?loca um 1~1~IO.sempreJ)roblematizável, porque esta a merce. tambem de condiCIO-namentos externos, de ordem temporal e espacial, que explicam, entreoutras coisas, as divergências de escolas e' autores. .", . .

O cientista não êsomente um feriôme~6 Jógiéo e formal. É igual-mente um' fenômenó social. Quer dizer, não consegue fazer ciênciasacialsem imiscuiçãoideológic~, émbqrapossa controlá-Iapor v~zes

4. P. L: Berger, A Construção Social da Realidade (Vozes, Hj7J!.

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de forma bastante eficiente. Não capta propriamente a realidade assimcomo ela é, mas como a vê.

Na verdade, não captamos a realidade, mas a interpretamos.Interpretar significa aceitar que na análise do fenômeno aparecemelementos que são menos do fenômeno do que do analista. Aparecea marca do cientista. Os fatos, que muitas vezes julgamos objetivos ena verdade o são, porque acontecem apesar de no~,sas ideologias,não se impõem ao sujeito, como se fossem evidentes em si. Bastaobservarmos que o mesmo fato pode ser visto de modos diferentespor cientistas diferentes. Por exemplo, a queda de crescimento dopaís em determinado momento histórico pode ser interpretada estru-turalmente como indicador de inviabilidade econômica, bem comoconjunturalmente como dificuldade passageira, ou até mesmo comosituação desejável, tendo em vista, por exemplo, o controle da inflação.

O dado não fala por si, mas pela boca de uma interpretação.Quando o julgamos evidente, não o é por si, mas porque cai natural<mente na malha de nossa interpretação que, por ràzões ideológicas,julgamos evidente. Assim, o fenômeno da evidência não é do dado,mas da interpretação em que cai. Uma estatística, por si, não éempirista, como se contivesse de antemão uma interpretação neces~sária. O empirismo aparece no Uso qUe se faz dela, por exemplo,quando reduzimos a realidade social à sua expressão estatística. Re-duzir o desenvolvimento de um país à expressão da renda per capita éconfundir desenvolvimento com crescimento e exigir de uma estatís-tica o que ela não pode dar. A renda per capita diz apenas uma relação.entre a riqueza gerada e a população presente, mas nada diz se a ri-queza está,ounão distribuída. Depende, portanto, de como a inter-pretamos. .' .

Num segundo momento, objeto construído significa que a ciênciainvestiga de acordo com .interesses da sociedade, sobretudo da estru-tura dominante. A ciência não capta toda a realidade ou qualquerfaceta ao acaso. Dedica-se a tratar aquilo que é percebido, rio contextosocial, como relevante. Não existem, assim, relevâncias de antemãoimportantes, mas relevâncias que interessam e por isto são impor-tant!3s.

Tentaremos o exemplo da economia. Poderíamos sugerir que osconhecimentos de economia servem mais à manipulação econômicada sociedade em benefício de minorias privilegiadas do que à liberta-ção econômica dos povos. Explica-se isto, porque serve também aosinteresses dominantes, muito .mais preocupados em fazer a máquinafuncionar do que em questioná-Ia. O economista é formado basica.mente para tocar o planejamento econômico governamental e levaras empresas à produtividade, o que significa uma ótica sistêrriica,preocupada' em fazer o sistema funcionar, não em problematizar tam-bém. Por mais que pudesse haver consenso em torno do economistacomo cientista ..objetivo", que não discute ideologias, mas qQmina

46

instrumentais da produtividade econômica, isto não desfaria seu ladoideológico. No limite, produz o economista que sabe muito de pobreza,na ótica econômica, mas que não se sente compromissado com ela.Faz nisto o jogo do poder.

Assim, cremos ser um fato importante que as ciências sociaisfazem o jogo do poder, simplesmente porque são cons~r_uíd~s porpessoaábeneficiárias no sistema. Se temos nossa conSClenCla con-dicionada pela nossa posição econômica - sem traduzir aqui d.e~er-minismos -, parece que é apenas um resultado esperado: prontlflca-se muito mais a justificar a situação privilegiada do que a superá-Ia.

Portanto a ciência' não' transmite a realidade "objetiva", masaquela que i~teressa. Não pode ser acaso que seu uso preferencialé o da manipulação da sociedade e do controle social. Quando estu-damos, por exemplo, o comportamento psicológic? ,~as pess?a~ .egrupos, tendemos a usar tal conhecimento como tecnlca de domlnl~e de controle, o que aparece transparenter:nente na propaganda: esibilina manipulação do comportamento alheiO.

É claro que não podemos interpretara Ciência como proj~toconscientemente mal-intencionado. Certamente não é uma conspiraçãocontra a humanidade. Dizemos somente que os interesses sociais sãouma referência importante, sem os quais as ciências socigis estariamsoltas no espaço e no tempo.

As próprias ciências natl,lrais são mais usadas para coisas ques-tionáveis do que para coisas positivas. Poderíamos hoje saciar a fomede todo o mundo; é um projeto tecnológico dominado. Todavia, nãousamos este conhecimento neste sentido, mas na linha da manipula-ção econômica dominativa que redunda na manuten~ão da fome numcontexto de riqueza. Certamente entendemos mais de guerra, dedestruição, de agressão tecnológica e ecológica do que de paz.

Num terceiro momento, objeto construído não pode significarobjeto inventado, que já seria o caso, se a manipulação ideológicapredominar. Quer certamente dizer que é natural uma dose de detur-pação dos fatos, uma dose de simplificação do fenômeno, uma dosede manipulação. Quer também dizer que, não vendo tudo em tudo,vemos por facetas; quando classificamos os fenômenos, recortamose, assim, estereotipamos; nenhuma definição é tão rica quanto ofenômeno.

Mas não quer dizer que compactuemos com a deturpação' purae simples, colocando já ;aideorogia Gomo finalidade da ciência. Fazerciência ainda é,profundamente, controtara incursão ideológica. Pormais que o controle seja spmpré relativo, é ,:,~to?otogia. f~ndam~n~aldas ciências sociais. Reconhecemos que, em ClenClas sociais, o sUjeitodeixa no objeto sua marca'; neste sentido, o tratamento do objetosocial acarreta' doses mais ou menos fortes, de sua transformação ou

47

de sua manu.tenção. Aí está precisamente uma diferença importantepara com objetos naturais, que são extrínsecos ao sujeito.

Objeto construído significa, pois, que não se entende sem o res-pe~t!vo c~ns.truto:. Não conseguimos imaginar a solidão pura de umsUjeito objetivo diante de um objeto, travando entre os dois um rela-cíon_ament~ a~ena~ formal de simples captação, descrição e repro-duçao. Sena ISto Ignorar os condicionamentos sociais e a ciênciac?m? 'processo histórico. A relação entre sujeito e objeto é dinâmica,dlalAetlca, no sentido de mútua influência. E isto, é precisamente ofen?m?no metodológico da interpretação, ou seja, depende tambémdo Interprete, e, como conseqüência, do seu contexto social. '

P.arece-.nos, ~ntão, c!aro que a Economia, a Sociologia, a Antro-P?logla, ~ Filosofia etc. sao formas de interpretar a realidade, havendoa~nda inu~eras formas int~rnas a cada uma delas. Não se pode ima-çJlnar,a nao ser no dogmatismo, uma interpretação única de Marx deFreud, de Lévi-Strauss, de Piaget etc. Por outro lado não é tambéma.s~ím quetuqo ~ m~r~ in.terpretação, no sentido de v~leidades subje-tlv/stas._ A ,:ropnaAvlgencla de dogmatismos já mostra que tais velei-dades nao sao fenomenosinstitucionalizáveis em seu limite. É tambémcomum encontrarmos na história interpretações consensuais,assimcomo era .consen~o em m?~entos importantes da Idade Média que opoder sen~ pro,:nedade diVina ou de alguma família real. A variacãoInterpret~tl.:'a nao pode obscurecer as ,identidades entre elas, . assupe-poslçoes, as contigüidades e as substituicões.

. -. . . ~

2.5. OS PASSOS DO TRAE3ALHOCIENTíFICO

, Para sím~lifí~a.r as coisas, cálocamo-nos o exercício de escreverum trabalho c.,entlflco. Tal trabalho pode ser entendido como uma dasquatro pesquisas acima descritas e defiriidas.' Em termos práticos,trata-se de fazer uma construção científica; Que passos são, impor-tantes?

, . ~ua~dO ~o~ propomos fazer, um tra~alho científico, a primeiraqu~stao e. a h.rpotese de trabalho.' Significa0 lançamento de uma sus-pel~a expllca.tlva ou a sugestão provisória de que certa forma de expli-caça0 po~e:la .dar certo. Imaginemos que desejamos explicar dondevem acn:nlnalldade urbana, um fenômeno que nos preocupa muito eque estaria recrude~cendo. Podemos imaginar inúmeras hipóteses detrabalho: uma podena partir da idéia de que a questão fundamental éa falta de administr.açãoda cidade, sobretudo do despreparo policial;~utra se concent~a:la na preocupação em torno da educação das famí-lias, ~o.nde pr~vmamas pessoas ligadas ,a crimes urbanos; outrapref?~lna;relacl~na:-se com a questão da pobreza, suspeitando queo,c~lm~ e na malOna das vezes motivado pela necessidade ,de sobre-VlvenCla, porquanto pessoas vêm ,do;campo para:a ,cidade, não encon-

48

Iíi

I~;J

tram emprego satisfatório, não conseguem sustentar-se adequada-mente e acabam empurradas para o mündo do crime.

Uma vez concebida a hipótese, que por definição é hipotética,provisória, da ordem de uma' suspeita ou ~e u~a sugestão,tra!a~se 'de construir o roteiro do trabalho. Tal roteiro e composto de vanpselementos importantes. Um deles é a construção de um quadro teóricode referência que se forma através do conhecimento das explicaçõesjá feitas sobre o mesmo assunto,' seja no pla~o dos clássicos, s~jano plano da discussão atual. Outro elemento ea busca de matena~factual em torno do problema, quando houver, para se averiguar ateque ponto já existe saber prévio, aceitáve! ou não. Outro eleme~to, jámais formal, é o ordenamento interno, seja sob a forma de capltulos,seja sob a forma de blocos sUcessivosde pr~blemas, seja sob a form~de seqüência de idéias e de argumentos. seja sob a forma de organi-zação explicativa, e assim por diante. ,,0

O cerne da qaestão, contudo, em tefinos de roteiro de trabalhoé o teste da hipótese, para averiguarmos se lil suspeita explicativa foicorreta ou não, ou em que deve ser corrigida para satisfazerà,e)<pli- ,cacão do fenômeno. Tal teste geralmente é pensado, sob a forma deexperimentação' empírica, cercada de Illuitos cuidados estatístic?s,mas isto é apenas uma versão do teste, mesmo que fosse reconhecidacomo a mais praticada. Há outras, como a discussão teórica, crítica,ou o teste de argumentos teóricos e práticos, no sentido de aceitar,rejeitar ou reformular. O problema básico, em todo ,o ~aso,se.rá. con-seguir transformar a hipótese numa tese, porque tese e uma hlpotese

° confirmada, testada, e por isto aceita como comprovada. ,Dentró de nossa concepção de ~iência ~ocial, não produzimos em

última instância mais do que hipóteses, já que não existe comprovaçãoem regra que não pudesse ser ,colocada em ques.tão. Tese há~,esignificar tão-somente uma hipótese testada e mantida enquanto n.apse achar outra melhor. De qualquer forma, deixa de ser mera suspeita "e passa a ser já umareiativa contribuição à, ciência. "

Por' fim, chegamos às conclusôesque buscávamos a partir dahipótese inicial. Quer dizer, todo trabalho científico propõe-se a mostraralguma coisa, por exemplo, provar a relação que existiria entre doisfenômenos (entre pobreza e criminal idade urbana), provar, que umaexplicacão vigente está errada, provar outra" maneira de , explicar,provar que o conhecimento acumullildo é problemático, e,~ssimpordiante. É importànte esta proposta hipotética de tral:Jalho, porqu,e ~ela que transmite unidade ao projeto.,ordena as partes,m,onta o~orpode enunciados, conduz a lógica de dedwção, e assim por diante, 0,','

Quando nos propomos a realizar um 'trabalho deste tipo é normalque a primeira impressão seja de perplexidade. Não sabemos poronde começar, sobretudo se' nunca nos ,tínhamos metidoantes:noassunto. Todavia, é a situação normal de quemseitrlgapesquisador

119I l\S

e não detentor de saber evidente e prevlo. Pesquisador é alguémque se propõe a descobrir a realidade, supondo que nunca a sabemossatisfatoriamente. Sempre há o que descobrir. Quem parte de evidên-cias nada tem a pesquisar. O processo de superação desta perplexi-dade inicial é algo central na formação. científica de uma pessoa.Como se faz?

Em primeiro lugar, vamos à biblioteca ler sobre o tema. Não ébom expediente adiantar, de mão beijada, literatura específica, e muitomenos certas páginas, cuja leitura dá uma resposta à questão pro-curada. Pesquisador é aquele que descobre por si, que inventa suasaída. Em segundo lugar, vamos levantar informação em torno doassunto, seja de ordem factual, seja de ordem teórica. Em terceirolugar, é preciso colocar a imaginação para funcionar, ou seja, apelarpara a criatividade. .

A perplexidade começa a ser superada. quando imaginamos vis-lumbrar uma suspeita explicativa. Aí descobrimos um caminho pos-sível, vemos uma luz no fundo do túnel. Conseguimos levantar algumasreferências orientadoras. Avançamos, então, na direção imqginada.Pode ser que venhamos logo a constatar que o caminho imaginadonão é factível ou que é equivocado. Mas já foi um avanço, porquedescobrir que a hipótese não é realizável é um resultado científicoválido. Daí, reformulamos a hipótese em parte ou a abandonamos ebuscamos outra. E vamos avançando, com maior ou menor velocidade,até elaborarmos as condições suficientes para desembocar nas con-clusões.

Não sai trabalho nenhum, quando não formos capazes de imaginarum roteiro hipotético. É preciso saber montar uma proposta de cami-nho possível, ainda que provisória. Na verdade, grande parte da cria-tividade do trabalho está na invenção da hipótese. Uma mente criativaarranja facilmente hipóteses surpreendentes, vê coisas onde outrosnada vêem, faz ilações inesperadas, conserva boa visão de conjuntopara jogar com vários fatores num mesmo contexto, e assim pordiante. Quem não possui criatividade - e sobretudo quem não possuipreparo teórico e metodológico - é incapaz de levantar hipótesesexplicativas atraentes, às vezes a despeito de bases empíricas fartas.

O treinamentú universitário deveria levar sobretudo à capacidadede construção de trabalhos científicos. É grande contradição praticaruma docência verbalista, que reduz o estudante à atividade de anotaro que o professor fala, de reproduzir apenas o que o prdfessor propõee a ler certas, páginas previamente fixadas. Muitos terminam osestudos sem jamais terem escrito um trabalho em regra, nem mesmocomo exercício acadêmico. Todavia, esta é uma das atividades funda-mentais para a motivação à pesquisa, através da qual se aprende aordenar idéias e a concebê-Ias, a criticar posições e a fundamentaroutras, a desdobrar um tema, e assim por diante.

50

r i. )

Não pode ser somente uma atividade teórica, de sala de aU,la~.A 'rca é igualmente importante, principalmente na forma de estagiocU~;i~~lar, através do qual a dedicação prática passa a fazer parte doprocesso de formação do estudante. "

Trabalho científico não é resumir um livro, fa~er f1ch~s de leltur~,extrair passagens específicas. Estas atividades sao propn_amente pre--universitárias. Trabalho científico é,principalm~n~e produçao de conhe-cimento, que no estudante não sera sempre onglnal; n:as pelo menosdentro dá tentativa de construção por palavras propnas .. Tem comoresultado também a necessidade de leitura: alg~ .essencial para seobter um referencial teórico abrangente e ~lversl~lcad?, de ~al, sorteque coloque a pessoa sempre em condiçao de Imaginar hlpotesesalternativas.

A formação universitária deveria levar _es~ecifica.m.ente_ao surgi-mento de pessoas capazes de construir cienclas SOCI~IS. Nao se fazisto com alunos apenas ouvintes e pacientes. O que Im~o:ta ~a ver-dade é sua produção, seu trabalho co~c.reto, sua partlclpaçao em.ativídadespráticas, que implantem o habito de .enfrentar temas, d.eordenar seu tratamento, de argumentar solidamente e de extrairconclusões coerentes e consistentes.~

5 .. L Hegenberg. Etapas da Investigação Cientifica (EDUSP. 1~7õ).

51ii;".i

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1

FMU - CURSO DE DIREITOMetodologia da Pesquisa Jurídica2012

Professor Irineu Francisco Barreto Jr.

Professor de Metodologia da Pesquisa Jurídica dos cursos de Graduação e Pós-

Graduação lato sensu em Direito do UniFMU - Centro Universitário das Faculdades

Metropolitanas Unidas. Professor do Núcleo de Mestrado em Direito do UniFMU. Doutor

em Ciência Política pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP.

Analista de Pesquisas da Fundação Seade, São Paulo.

ROTEIRO PARA ELABORAÇÃO_DE PROJETO DE PESQUISA

APRESENTAÇÃO

A elaboração de um Projeto de Pesquisa é pré-requisito indispensável para a

realização de pesquisas, de uma forma geral, e da Monografia Jurídica, no caso

dos estudantes de Direito da FMU. São encontrados na literatura diversos

modelos e propostas para a realização de projetos de pesquisa. Optou-se,

porém, para a realização deste roteiro, pelo modelo proposto pela Faculdade de

Direito da FMU.

Recomenda-se, antes de iniciar a realização do projeto, que o aluno proceda a

uma revisão da literatura sobre o tema que pretende investigar, para, com

isso, obter subsídios, elementos e referências para a realização do seu projeto.

.. '

2

TÓPICOS

A proposta de projeto de --i!lesquisa abordada nesse roteiro é estruturada nos

seguintes tópicos:

1. Título

2. Introdução ou Apresentação

3. Tema

4. Objeto de Pesquisa

5. Justificativa

6. Objetivos

7. Problema de Pesquisa e Hipóteses

8. Metodologia

9. Cronograma de Atividades

1O.Bibliografia Preliminar

DETALHAMENTO DOS TÓPICOS DO PROJETO

1. Título

O título do estudo deve ser colocado em termos abrangentes que permitam,

porém, sintetizar o contªúdo da pesquisa. Pode ser elaborado depois do projeto

finalizado.

2. Introdução ou Apresentação

A introdução ou apresentação do projeto de pesquisa apresenta qual a

finalidade do estudo - uma síntese daquilo que será apresentado a seguir. No

caso da monografia jurídica, deve-se deixar claro que realizá-Ia é a finalidade do

trabalho. Além disso, deve-se esclarecer, de forma sintética e objetiva, aquilo

que o estudante está se propondo a fazer e de que forma esse objetivo

será cumprido.

3. Tema -,.

3

o Tema consiste no assunto que se deseja estudar ou desenvolver na

monografia. Pode surgir através de preferência ou interesse profissional por

determinado tema, indicação do professor ou orientador, aplicação prática ou

interesse científico.

4. Objeto de Pesquisa

o objeto de pesquisa é o fenômeno ou conjunto de fenômenos que o

estudante pretende estudar, conhecer ou investigar na sua monografia.

Na definição do tema e do objeto da pesquisa, o estudante deve delimitar seu

objeto de estudo em termos de tempo e espaço, para não correr o risco de

dimensionar um trabalho que depois não tenha conãlçoes - materiais e de

tempo - de realizar.

5. Justificativa

A justificativa é o único item do projeto de pesquisa que apresenta respostas àquestão "por quê este trabalho é importante e deve ser realizado". De

grande importância, geralmente é o elemento que contr~bui mais diretamente na

aceitação da pesquisa pelas pessoas ou entidades interessadas. Consiste em

exposição sucinta, porém completa, das razões de ordem teórica e dos motivos

de ordem prática que tornam importante a realização da pesquisa. Deve

enfatizar:

=> as contribuições teóricas que a pesquisa pode trazer

=> importância do tema do ponto de vista geral

=> relevância do tema para casos particulares em questão

=> possibilidade de sugerir modificações no âmbito da realidade abrangida pelo

tema proposto

=> descoberta de soluções para casos gerais ou particulares

0'O

4

6. Objetivos

o objetivo da pesquisa é a delimitação, feita com a maior clareza possivel,

daquilo que pretende o estudo. Um objetivo definido de forma clara impede

que o estudante se afaste do seu tema e daquilo que ele efetivamente se

propôs a realizar, risco inerente à realização de todo trabalho

acadêmico/científico.

Os objetivos podem ser separados entre gerais e específicos:

Exemplos:

Objetivo geral: realizar um levantamento e uma análise comparativa da

legislação - pátria e alienígena - que sirva como arcabouço jurídico e

institucional dos direitos humanos no Brasil. Realizar levantamento e estudo

doutrinário sobre o assunto, tomando como referencial os marcos teóricos do

direito e da sociologia jurídica.

Objetivos específicos:

• analisar o texto constitucional brasileiro, em especial o artigo 50., e

identificar os direitos e garantias fundamentais inerentes à pessoa

humana emanados da Declaração Universal dos Direitos do Homem;

• debater se é assegurada a efetiva tutela desses direitos na sociedade

brasileira;

• identificar e discutir os principais vilipêndios aos direitos humanos

verificados em período recente na sociedade brasileira;

• realizar uma análise sobre esse fenômeno tendo como baliza os

referencias teóricos do direito e da sociologia jurídica;

• realizar uma análise sobre as principais correntes doutrinárias.

posicionadas sobre os direitos e garantias fundamentais.

5

7. Problema de Pesquisa e Hipóteses

o problema de pesquisa e formulação das hipóteses tem por finalidade auxiliar

o estudante a realizar a sua pesquisa sem afastar-se daqueles objetivos que ele

mesmo propôs.

O problema de pesquisa é a principal questão ou pergunta que a pesquisa

pretende responder. Deve ser estruturado na forma de perguntas que

orientarão o estudante na realização de seu trabalho. Para ser cientificamente

válido, um problema deve passar pelo crivo das seguintes questões:

=>Viabilidade. Pode ser eficazmente resolvido por meio de pesquisa?

=> Oportunidade.-- Corresponde a interesses pessoais/profissionais, sociais ou

científicos de conteúdo e de metodologia?

=> Relevância. É capaz de trazer novos conhecimentos?

=> Novidade. Está adequado ao estágio atual da evolução científica?

=> Exeqüibilidade. Pode ser respondido?

As hipóteses são afirmações que se fazem a priori sobre objeto a ser

investigado e que a pesquisa vai confirmar ou não. Em outras palavras, são as

respostas prováveis, supostas ou provisórias para o problema de pesquisa.

Uma pesquisa estruturada em problemas e hipóteses possui ao seu favor a

facilidade de chegar a conclusões claras e definidas. Por exemplo, escolhido o

tema da pesquisa e definido o objetivo da pesquisa, estes devem ser traduzidos-

na forma de um problema de pesquisa. Para tal problema são formuladas as

hipóteses de resposta. Além de orientar a realização do trabalho, ao final da

coleta de dados e do levantamento de informações, que consistem etapa

primordial da pesquisa, deveremos cotejar as hipóteses com a realidade

descoberta e verificar se elas são válidas ou não.

6

8. Metodologia

No caso do presente roteiro, a metodologia explicita como a pesquisa será

realizada. Existem diversas técnicas de pesquisa indicadas na literatura e

adotadas, de forma prática, pelas diferentes instituições de ensino e de

pesquisa.

Podemos Dividir o campo da metodologia entre aspectos epistemológicos

(metodologia científica) e aplicados (técnicas de pesquisa).

Metodologia: abordagem teórica, filosófica, através da qual o objeto será

investigado. O campo da organização das idéias. Considera as opções

filosóficas e epistemológicas do pesquisador e envolve o processo de

objetivação Científica.

Técnicas de Pesquisa: abordagem prática, aplicada, mecanismos e

técnicas através das quais o objeto será investigado. O campo das

técnicas de pesquisa e de apresentação de. trabalhos científicos ou

acadêmicos. Envolve os instrumentos à disposição do pesquisador para a

realização da Pesquisa Científica e Divulgação dos seus resultados.

8.1. Aspectos Epistemológicos (metodologia científica)

Exemplos de Metodologia:

• Método indutivo: em que se parte do particular para o geral;

• Método dedutivo: em que se parte do geral para o particular.

Detalhamento:

Método indutivo: estuda-se um fenômeno particular. A partir da análise

desse fenômeno, com o suporte da teoria e da doutrina, é possível

formular considerações de cunho mais geral.

Exemplos de aplicação do método indutivo:

1. Poder Local e Política: a saúde como locus de embate na cidade de

Santos - SP.

j

7

2. O Fórum Digital da Freguesia do Ó e a informatização do processo

judicial.

08S.:Generalizar requer cuidados, portanto o suporte da literatura é

fundamental no método indutivo.

Detalhamento: 2:

Método dedutivo: Com base na teoria, na doutrina e em conhecimentos

acumulados, analisa-se um objeto particular.

Exemplos de aplicação do método dedutivo:

• Reforma do Estado: uma análise do Sistema Único de Saúde em São

Paulo.

• Teoria Geral dos Contratos e a validade jurídica dos Contratos

Eletrônicos.

08S.: Serve a pesquisas mais "conservadoras" na qual o-pesquisador não fica

exageradamente exposto à críticas.

8.2. Aspectos Aplicados (técnicas de pesquisa)

A) Documentação Indireta: abrange a pesquisa documental e bibliográfica;

Pesquisa Documental Jurídica: abrange o conhecimento produzido no amplo

tema da ciência jurídica: doutrina, legislação e jurisprudência.

Doutrina: envolve toda produção de estudos, obras ou artigos nos quais

são encontradas as opiniões dos especialistas, juristas ou magistrados

sobre diferentes temas do Direito. O estudante tem acesso à doutrina

consultando trabalhos científicos, artigos, crônicas, comentários, decisão e

interpretação de leis.

Legislação: consiste em um conjunto de leis sobre determinada matéria, éa ciência das leis. Compreende leis, regulamentos, decretos, medidas

provisórias, provimentos, etc.

8

1 Jurisprudência: consiste em conjunto de decisões sobre determinado

-'"' assunto, proferidas pelas jurisdições de Direito, ou soluções às questões

de Direito proferidas pelos tribunais superiores.

Pesquisa Bibliográfica: abrange a bibliografia já tornada pública em relação ao

tema de estudo, desde publicações avulsas, boletins, jornais, revistas, livros,

pesquisas, monografias, teses etc., até meios de comunicação orais: rádio,

gravação em fita magnética ou audiovisuais: filmes e televisão. Sua finalidade é

colocar o pesquisador em contato direto com tudo que foi escrito ou produzido

sobre determinado assunto, inclusive conferências seguidas de debates que

tenham sido transcritos de alguma forma, quer publicadas ou gravadas.

B) Documentação Direta: subdivide-se em:

• documentação direta intensiva, com técnicas de observação e entrevistas;

• observação direta extensi'{.,a,apresentando várias técnicas, com questionário,

formulário, testes, medição de opinião e de atitudes etc.

9. Cronograma de Atividades

-o cronograma tem a finalidade de organizar o tempo disponível para a

realização das .etapas da pesquisa, em concordância com seus prazos e

requisitos. Ele deve ser organizado de forma seqüencial e serve de grande

instrumento auxiliar para que o estudante, por um lado, não esqueça de

desenvolver as etapas necessárias para o bom desenvolvimento do seu projeto

e, por outro, não perca os prazos obrigatórios.

9

Exemplo de Cron~ramaCronograma para rea~ação da monografia jurídica

Mês/AnoAtividade Jul/01 Ago/01 Set/01 Out/01 Nov/01 Dez/O1 Jan/02 Fev/02 Mar/02

Entrega do projeto XPesquisa X X X X XBibliográficaPesquisa Jurídica X X X X XLeituras e X X X X XfichamentosRedação do texto X X X XfinalRevisão do texto XImpressão/ XEncadernaçãoEntrega do trabalho X

10. Bibliografia Preliminar

Refere-se à indicação de toda bibliografia utilizada na realização do

projeto. Ela é preliminar porque certamente será ampliada com o

desenvolvimento da pesquisa, e sua indicação deve seguir normas da

Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT.

BIBLIOGRAFIA UTILIZADA PARA ELABORAÇÃO DESTE ROTEIRO

BARRETO JUNIOR, Irineu Francisco. A relevância do Conceito Sociedade da

Informação para a Pesquisa Jurídica. In: PAESANI, Liliana Minardi. Direito na

Sociedade da Informação. São Paulo: Atlas, 2007.

____ o Abordagens recentes da Pesquisa Jurídica na Sociedade da

Informação. In: PAESANI, Liliana Minardi. Direito na Sociedade da Informação

2. São Paulo: Atlas, 2007.

LAKATOS, Eva Maria e MARCONI, Marina de Andrade. Técnicas de Pesquisa.

São Paulo: Atlas, 1999.

MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia Científica para o Curso de

Direito. São Paulo: Atlas, 2000.

- "I

tI Rizzatto Nunes,i Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo;

Mestre e Doutor em Filosofia do Direito pela PUC/SP; Livre-Docente em Direito doConsumidor pela mesma Universidade; Coordenador e Professor do Programa dePós-Graduação em Direito da Unimes/Santos; Professor nas cadeiras de Direito doConsumidor, Introdução ao Estudo do Direito, Filosofia do Direito, Teoria Geral do

Direito e Direito Processual Civil; Acadêmico da Academia Paulista de Magistrados.

Como se faz:uma monografiauma dissertaçãouma tese

8ª edição revista2011

n.- Editor~\.--4" Saraiva

Um trabalho de compilação adequado nasce de umabem elaborada pesquisa. Na área jurídica esse trabalho é comum.Porém, existem boas e más compilações.

"\,

I Uma coisa é reunir todos os textos escritos a respeitode"lmi tema e, após a leitura, elencá-Ios, organizá-los, agrupá--los, apresentando-os num todo coeso e inteligível. Outra,muito diferente, é tomar algumas obras publicadas dentre mui-tas e apresentá-las como uma compilação.

Compilar envolve vários riscos. O perigo mais evi-dente para a elaboração de uma compilação é o da necessidadede se pesquisar o maior número possível de obras publicadas"sobre o assunto escolhido. Imagine a dificuldade em que seencontrará o candidato, diante da banca, se um dos membrospublicou um texto ou livro sobre o tema da monografia, maspor algum motivo particular o aluno não citou tal obra.

Quem quiser então se utilizar do metodo da compilaçãotem de reforçar sua pesquisa da bibliografia e, de fato, esforçar--se para ter em mãos, para posterior utilização, a maior quanti-dade possível de textos publicados sobre o tema escolhido!? I

Uma verdadeira compilaçãoimpõe, portanto, riscos eexige tempo e muita dedicação do estudante. De qualquer ma-

antagônicas, harmonizar os pontos de vista existentes na mesmadireção, enfim, tem de ser capaz de apresentar um panoramadas várias posições, de maneira clara e didática16. Deve, também,o estudante dar sua opinião sobre os pontos relevantes, bemcomo suas conclusões.

I[!I

t

3. O TIPO DE MONOGRAFIA

o trabalho de compilação consiste na exposição dopensamento dos vários autores que escreveram sobre o temaescolhido. Nesse tipo de monografia o estudante tem de de-monstrar que examinou o maior número possível de obras pu- .blicadas sobre o assunto versado, sendo capaz de organizar asvárias opiniões, antepô-las logicamente, quando se apresentam

3.1 Monografia de compilação

Apresentaremos neste capítulo três tipos possíveis demonografia. Eles são os mais comuns, mas nada impede a uti-lização de qualquer outro, desde que os critérios levantadosatinjam os mesmos objetivos que serão narrados.

Ver-se-á que, embora tratemos os tipos separadamen-~e, t~l iniciativa tem apenas um caráter didático, para deixar aexplanação mais a~essível e.e!uqidar os asp~~tos principaisl decada um. Eles funcIOnam, dmarnos, para utIlIzar uma imagemconhecida, como tipos ideais15•

Em vários momentos, os três modelos tenderão a secombinar (os três em conjunto ou apenas dois) durante a reali-zação concreta do trabalho monográfico: no estabelecimentodas premissas de trabalho, nas pesquisas, no momento da.ela-boração teórica, no estabelecimento das conclusões etc.

15 Tipo ideal é uma abstração utilizada como paradigma para explicar umarealidade concreta. Ele funciona como um mapa: não se confunde coma realidade, mas serve de instrumento para sua explicação. Ver, a respei-to da noção de tipo ideal, Max Weber, EconomÍa y sociedad. México:Fondo de Cultura Económica, s/d, p. 706 e 1057. .

I

,16 Conf. o pensamento de Umberto Eco a respeito de compilação: Como sefaz uma tese, p. 3.

17 Sobre a maneira de fazer a pesquisa bibliográfica, ler o Capítulo 4 infra,item 4.3.

60 61

54

- nei~a, na área jurídica é comu, e aceitável, quando se tra~a demonografia de graduação, a elaboração de trabalhos em que sãoapresentadas as opiniões de alguns autores escolhidos por cri-térios unicamente individuais e acertados com o orientador,dentre os quais se destacam a acessibilidade da documentaçãopublicada para pesquisa, o tempo para realização desta, prefe-rências pessoais por certos autores etc. Até fatores econômicos,como, por exemplo, o custo da aquisição de livros, podem di-ficultar a pesquisa, o que justifica um menor levantamento bi-bliográfico.

Na área jurídica existe ainda uma outra peculiaridadeno que respeita aos trabalhos voltados àjudsprudência.

Primeiramente, diga-se, num trabalho de compilaçãode tema escolhido dentre as cadeiras chamadas dogmáticas, ésempre recomendável que a pesquisa inclua decisões judiciaisdiscutindo o assunto. Logo, a jurisprudência será sempre umacompanheira da doutrina, ao menos naquilo que diga respeitoa "temas dogmáticos".

E, da mesma maneira que as opiniões doutrináriassão colhidas nos livros publicados, as decisões judiciais no atoda pesquisa também o SãOI8•Como é sabido, as decisões judiciaisdos tribunais brasileiros são regularmente publicadas nas cha-madas "revistas de jurisprudência"19. Além disso, vários autoresorganizam obras por temas, compilando decisões judibais,

cO.J!1ehtando-as, organizando-as por subtemas, artigos de leietc., tudo visando fornecer material prático para o profissionaldo direito e que o estudante pode aproveitar20•

A própria legislação é, por sua vez, publicada emlivros que trazem organização, artigo por artigo, de materialjurisprudencial e doutrinário, fruto do trabalho de pesquisa deseus autores21.

Dessa forma, mesmo um trabalho que esteja voltadobasicamente à jurisprudência pode ser elaborado nos mesmosmoldes de pesquisa bibliográfica exigido na compilação. Issoporque é possível pesquisar decisões judiciais a partir dos textospublicados nas revistas de jurisprudência.

É verdade que tanto na doutrina quanto na jurispru-dência é possível fazer monografia de ~esquisa22. ~uit~ m1isna jurisprudência, uma vez que o matenal de pesqUIsa e vastoe acessível. Na doutrina, o esforço seria maior, uma vez quedependeria de entrevista com os juristas. De qualquer maneira,se o aluno optar por fazer uma monografia de pesquisa na áreada jurisprudência, ainda assim não poderá deixar de examinare levar em consideração as revistas de jurisprudência e as com-pilações jurisprudenciais elaboradas pelos vários autores.

Vejamos, a seguir, quadro sinótico relativo à mono-grafia de compilação.

18 A pesquisa de jurisprudência pode, também, eventualmente, ser feita noscartórios das varas, câmaras, juntas etc., compulsando-se diretamente osautos dos processos. Ver a respeito de pesquisa de campo de jurisprudên-cia o item 3.2.

19 Ver no Apêndice a relação das principais revistas brasileiras de jurispru-dência.

62J , I

IIr'IFt

20 Ver, por exemplo, o nosso Código de Defesa do Consumidor e suainterpretação jurisprudencial. São Paulo: Saraiva, 1997.

21 Ver, por exemplo, Theotonio Negrão, Código Civil e legislação civil emvigor. 14a ed., São Paulo: Saraiva, 1995.

22 Sobre monografia de pesquisa, ver item 3.2.

63

Monografia de compilação

f I

3.2 Monografia de pesquisa de campo

J Em primeiro lugar, é importante dizer que a palavra"pesquisa" utilizada até aqui no texto tinha um sentido amplode pesquisa em geral: investigação de textos, exame de livros,

64

pesquisa bibliográfica etc. O sentido, pois, era o de um enfoquegeral que incluía, até mesmo, o próprio aspecto estrito de pes-quisa de campo, na qual a investigação do estudante não estárestrita aos aspectos teóricos publicados em textos. Ao contrá-rio, a ênfase dar-se-á nos dados concretos.

Com efeito, a pesquisa de campo é uma pesquisaempírica. Realiza-se pela observação que o aluno faz diret~-mente dos fatos ou pela indagação concreta das pessoas envol-vidas e interessadas no tema objeto do estudo. Será também decampo a pesquisa de documentos históricos, a experimental, aclínica etc.

Após a elaboração do trabalho de campo, cabe aoinvestigador organizar o material colhido: agrupá-lo e separá--lo por semelh~nças e diferenças, reuni-lo em função dosproblemas encontrados, enfim, organizá-lo de forma lógica esistemática.

A organização desse material, claro, dependerá daspremissas levantadas pelo próprio aluno antes do inicio dostrabalhos, durante a coleta do material; ou seja, haverá semprenecessidade de elaboração teórica, ainda que o projeto da mo-,nografia seja o de pesquisa de campo. A base é sempre teórica.As premissas para a coleta do material têm de estar muito bemdefinidas antes do início dos trabalhos. São esses parâmetrosque nortearão o desenvolvimento efetivo da pesquisa. O estu-dante não pode sair a campo, buscando informações, de formaaleatória. Ainda que coletasse um número muito grande dedados, eles não teriam consistência,científica e todo o trabalhopôr-se-ia a perder.

Por outro lado, premissas não precisam "engessar" apesquisa. Não há nenhum problema em mudar ligeiramente o

65

rumo das investigações durante sua realização concreta, desdeque os parâmetros mais gerais e o objetivo final, previamenteestabelecido, sejam respeitados.

Assim, por exemplo, o aluno opta por elaborar umapesquisa na área da sociologia jurídica com o tema "O acessoà justiça".

Define certas premissas para seu trabalho. Levantahipóteses: as pessoas de baixa renda não têm o acesso àjustiçaassegurado, ou as pessoas de baixo e de pouco nível de escola-ridade não têm o acesso à justiça assegurado.

Tais hipóteses de trabalho podem ter sido extraídasde obras doutrinárias ou de pesquisas anteriormente feitas epublicadas. Aliás, nada impede que o aluno tome uma pesquisajá realizada e a atualize, utilizando-se, inclusive, das rtesmaspremissas da pesquisa anterior, mas desde que haja entre as duasum razoável período de tempo e exista, também, séria descon-fiança de que as condições reais nas quais a pesquisa anteriorse baseou se alteraram. Caso contrário, esse trabalho não teriasentido como monografia de pesquisa: seria mera repetição econstataria os mesmos fatos e conclusões.

Poder-se-ia, ainda, utilizar a pesquisa anterior para

[OIOCar em xeque seus resultados. A hipótese é arriscada, masválida. O aluno pode desconfiar de que o pesquisador errou equer fazer a prova. Nesse caso a pesquisa anterior e suas pre-missas seriam utiliZadas como parâmetro para elaboração danova, mas especialmente voltada para a demonstração dos erros.Tais vícios poderiam estar estabelecidos tanto nas hipótesespara a investigação quanto na coleta do material de campo, ou,ainda, nas conclusões extraídas da pesquisa realizada. Logo,exigir-se-ia um duplo trabalho do aluno: o de buscar dados

66 III

novos e o de compará-los com os anteriores com a atençãosempre direcionada para os acertos e os erros.

Voltando ao exemplo da questão do acesso à justiça,uma vez que o estudante definiu como premissa para seu tra-balho a hipótese de que as pessoas de baixa renda e/ou baixaescolaridade não têm assegurado acesso à justiça, será precisoque a coleta do material seja feita junto às pessoas que perten-cem a essa camada da população, mas, também, simultanea-mente, será necessário que se faça o mesmo tipo de investigaçãojunto às pessoas que pertençam à camada das faixas de altarenda e alto nível de escolaridade, pois, se apenas as faixas depopulação de baixa renda e baixa escolaridade forem conside-radas, a conclusão poderá ser que, de fato, elas não têm garan-tido o seu acesso à justiça. Porém, nada prova que as faixas depopulação de alta renda e alta escolaridade o têm.

Assim, toda divisão de áreas, pessoas, fatos a sereminvestigados etc. é parte de um todo. A não ser a hipótese dotodo homogêneo, sempre que se for pesquisar partes heterogê-neas de um todo complexo será preciso considerar as amostraspossíveis desse todo. E não se deve esquecer nunca de que,quando se está lidando com pessoas reais, coletando-se dadosefetivamente vivenciados, todas as variantes concretas devemser levadas em conta, bem corno os fatores condicionantes en-volvidos, meio cultural geral, necessidades específicas etc.

Os métodos estatísticos têm de ser utilizados paraelaboração da pesquisa. Mas, ainda que abstrações possam serfeitas pelo investigador, especialmente após o trabalho final deorganização dos dados no momento da elaboração das conciu-sões, não se pode esquecer de que o gênero humano considera-do na sua individualidade concreta é único e avesso às genera-lizações.

67

Continuando com o exemplo, ao final da organizaçãodos dados levantados, o aluno irá elaborar o arranjo teórico.Fará comparações, extrairá semelhanças e diferenças, tiraráilações dos fatos investigados e as comparará com as novaspremissas. Tudo fixado tendo por base as hipóteses iniciais depesquisa e os dados coletados. Daí extrairá suas conclusões,confirmando ou rejeitando as hipóteses iniciais ou simplesmen-te afirmando o resultado do trabalho a q'ue se propôs (no casoda premissa inicial ter sido apenas a da pesquisa em si, semhipótese prévia de resultado la concluir). I I I

O tema do exemplo foi ,colocado apenas cbmo meiopara elucidação da maneira de se elaborar a pesquisa. Ele po-deria ser - e, tal vez, mais propriamente - "O acesso à justiçaapós o advento da Lei dos Juizados Especiais Cíveis" ou, maisprecisa e delimitadamente, "O acesso à justiça após o adventoda Lei n. 9.099 de 26-9-1995" etc.

Vê-se, também, que não há um desligamento absolu-to das duas formas aqui já tratadas para elaborar a monografia:Jcompilação e pesquisa de campo. Elas podem estar interligadas.Dependem apenas do projeto de trabalh023•

Para concluir esse ponto, diga-se que, no que respei-ta à pesquisa de jurisprudência, ela tanto pode ser feita na formade compilação, conforme já esclarecido no item anterior, quan-to pode ser elaborada através de típica pe~quisa de campo.Neste caso, o desenvolvimento do trabalho dar-se-á no levan-tamento dos atos diretamente das salas de audiências, assistin-do-se aos julgamentos concretos feitos por juízes singulares,

r

23 Ver-se-á, ainda, após a leitura do item 3.3, que os três tipos de monogra-fia tratados podem estar ligados num único texto.

68

Tribunais de Júri, Câmara dos Tribunais Superiores etc., ou,também, no trabalho de pesquisa nos cartórios dos fóruns, coma leitura dos autos dos processos julgados e não publicados emrevistas de jurisprudência, especialmente em primeira instância,ou, ainda, no trabalho de investigação dos autos do processoquando, por exemplo, a pesquisa versar sobre o levantamentode dados a respeito de certos atos processuais (concessão deliminares, extinção das ações sem julgamento do mérito etc.)ou do tempo gasto com a realização dos atos (quanto demorace~to tipo de ação, quanto tempo é gasto para chegar-se à sen-tença em determinados procedimentos etc.). São, pois, casos detípica pesquisa de campo.

Vejamos quadro sinótico relativo à monografia depesquisa de campo.

696~

Monografia de pesquisa de campo

••.M"" , . .:

70

3.3 Monografia "científica"

No próprio título deste item já consignamos o constran-gimento do termo científico utilizado, adotando as aspas. Tem-sede, mais outra vez, preliminarmente, falar do termo utilizado.

No caso da monografia de avaliação do curso degraduação, é normal designá-Ia como trabalho científico sempreocupação com o real sentido do termo "científico". De fato,a designação de um trabalho como científico diz mais respei-to ao método amplamente aceito, através do qual ele é feito,do que, propriamente, ao significado da palavra de origem,ciência. Não iremos, neste texto, discutir o conceito de ciên-cia24• Porém, necessitamos consignar que qualquer dos três tiposde monografia abordados pode ser chamado de trabalho oumonografia científica25•

O trabalho de cunho científico tem de ser útil à comu-nidade científica à qual se dirige, bem como, numa pretensãomais alargada, a toda a comunidade. Para que isso seja consegui-do, é preciso que ele venha dizer algo que ainda não foi dito. Éverdade que não se pode esquecer de que não estamos falandoaqui numa originalidade total de tema, uma vez que é possívelafinnar-se, hoje, a respeito de qualquer tema, que alguém já deve

Iter escrito alguma coisa, direta ou indiretamente, ligada a ele.Dizer algo que ainda não foi apresentado é conseguir tmzer al-

24 Para uma averiguação do sentido da palavra :'ciência", ver o nosso Ma-nual de introdução ao estudo do direito. 4. ed. rev. ampl. c atual., SãoPaulo: Saraiva, 2002, item 2.1. Ver, também, Tercio Sampaio Ferraz .TI.,A ciência do direito. São Paulo: Atlas, 1977, p. 9 ss.

25 Conf. o início do Capítulo 3 retro sobre a divisão desses três tipos demonografia.

71

guma coisa nova ou apresentar uma ótica diferente daquilo quejá foi dit026• É, também, contestar alguma posição anterior.

Será científica, ainda, a monografia se, encontrandomotivos plausíveis para pôr em dúvida um trabalho ftnterior,coloca-o em xeque, refazendo totalmente sua trajetória de pes-quisa. Nesse caso, ao final da investigação, terá sido obtida umadessas duas alternativas: descobrimento de algo novo e demons-tração de erro da pesquisa anterior ou confirmação do que já~avia sido descoberto e, portanto, corroboração das conclusõesdo trabalho anterior. Em ambos os casos, a monografia serácientífica, uma vez que a cientificidade aqui está no colocarlegitimamente em dúvida a pesquisa anterior, percorrer seumétodo de trabalho, checando-o constantemente e alterando ouconfirmando suas conclusões.

Vê-se, apenas por essas características iniciais, que amonografia de pesquisa de campo pode evidentemente sercientífica. Já a de compilação não, uma vez que nada acrescen-ta de novo. A única alternativa para que uma monografia decompilação tenha um caráter científico é ela compilar todos os1. Ilvros, textos e autores que tratam do assunto até certo momen-to, de tal forma que o resultado do trabalho se torne útil aosdemais investigadores. Não é um trabalho impossível, masdemasiado longo e arriscado. r

Outra característica da monografia científica, e que, pode aparecer na de pesquisa de ca~po, é a da sua teorização

26 Conf. Umberto Eco, Como se faz uma tese, p. 21-22. Na tese de douto-rado exige-se o traço da originalidade. É um momento em que o candi-dato a doutor terá de expor tema que ainda não tenha sido tratado emoutro trabalho científico. Ou, pelo menos, contribuir originalmente comalgum aspecto essencial de assunto abordado anteriormente (ver, a res-peito, a 2a Parte deste livro, Capítulo 5). I- '"

72

prévia com a colocação do problema ou problemas e as hipó-teses com as quais se irá trabalhar para tentar resolvê-los.

O levantamento de problema ou problemas é peça--chave na elaboração do trabalho de cunho científico27• É ne-cessário que o estudante elabore questões que pretende solu-cionar no desencadeamento da investigação que irá fazer.

O aluno pode levar em consideração questões-pro-blema que já foram formuladas por outros investigadores, porémnão foram solucionadas, ou que tiveram a solução apresentadade forma insatisfatória. Pode, ainda, o estudante considerar queas questões-problema anteriormente formuladas pelos outrostiveram solução com a qual ele não concorda, razão por que asestá levantando novamente.

Note-se que as premissas que apresentam as questões--problema delimitam o campo de investigação de tal forma Iqueo trabalho terá de se desenvolver dentro do quadro por elastraçado no início. Aliás, uma maneira de averiguar a adequaçãoda monografia é, exatamente, sempre aferir, ao final do trabalho,se as questões iniciais foram respondidas, a partir de um textodesenvolvido de maneira coerente e alinhado com elas. (Res-ponder às questões não implica solucionar o problema; porvezes, será apenas constatar a ausência de solução, porém, apóso término da investigação formulada logicamente.)

Após a formulação does) problema(s), o investigadordeve apresentar as hipóteses através das quais pretende solu-cioná-Io(s). Dirá como a investigação se desenvolverá e como

27 Não confundir esse levantamento de problemas com a problematizaçãodo tema, tratada no item 2.3.3 retro, subitem 2.3.3.3. Lá se trata apenas

I da busca de definição e delimitação do tema a ser investigado.

73

~3

-

, !

pretenderá comprovar as hipóteses. Ao final da investigação iráconcluir pela solução ou não does) problema(s) levantado(s).

. O desenvolvimento da monografia dar-se-á, então,~uma ordem lógica - e que será acompanhada ou advirá daordem cronológica da investigação -, a saber:

a) primeiramente relatar-se-á o assunto a ser tratado;

b) logo a seguir será(ão) formulado(s) o(s)problema(s);

c) depois formular-se-á(ão) a(s) hipótese(s) atravésda(s) qual(is) o(s) problema(s) será(ão)solucionado(s) ;

d) a pesquisa será então desenvolviida:

d.I) pesquisa empírica de campo; e/ou

d.2) elaboração da argumentação com vistas ao r

desenvolvimento da teoria capaz de compro-var a(s) hipótese(s);

e) ao final dos trabalhos a(s) conclusão(ões) terá(ão)demonstrado:

e.I) que a(s) hipótese(s) estava(m) adequada(s) e,portanto, o(s) problema(s) está(ão)solucionado(s); ou

e.2) a(s) hipótese(s) não ,seconfirmou(aram) e o(s)I .

, problema(s) continua(m) sem soluç~o.

Em ambos os caso~ da conclusão o trabalhei teráatingido sua finalidade, pois, mesmo não solucionando o(s)problema(s) levantado(s), a pesquisa se fez completa e será útilaos futuros investigadores, que a tomarão como guia para refa-zê-la ou rejeitá-la.

74

Vejamos o quadro sinótico relativo à monografia cien-tífica.

Monografia científica

75

üL\

JPROFESSOR IRINEUjlARRETO

CURSO DE DIREITO - FMU

Guia de Normas e Referências para Elaboração de Monografia de

Conclusão de Curso

Janeiro de 2012

Introdução

Monografia é a exposição exaustiva de um problema ~u assunto específico,

investigado cientificamente. O trabalho de pesquisa pode ser denominado monografia quando

é apresentado como requisito parcial para a obtenção de título ou como trabalho de conclusão

de curso. Esta normatização. baseia-se nas determinações da Associação Brasileira de Normas

Técnicas - ABNT, consubstanciadas nas seguintes normas1: NBR 14724, NBR 10520 e NBR

6023.

Visão geral da Monografia de Conclusão de Curso - Estrutura do Trabalho

Elementos Pré-Textuais

••••••••

Capa (obrigatóri<:»--=--

Folha. de Rosto (obrigatório) .

Aprovação por Banca (opcional) .

Dedicatória (opcional) .

Agradecimentos (opcional) .

Epígrafe (opcional) .

Resumo na língua vernácula (obrigatório) .

Sumário (obrigatório) .

1 Compilação realizada pelo Professor Df. lrineu Francisco Barreto Junior. Docente dos cursos de graduação eMestrado em Direito das Faculdades Metropolitanas Unidas - FMU. Docente convidado da Escola daMagistratura do Trabalho da 13. Região - EMATRA 2.

Elementos Textuais

• Introdução.

• Desenvolvimento dos capítulos.

• Conclusão.

Elementos Pós-Textuais

• Referências (obrigatório).

• Documentos Eletrônicos (opcional).

• Anexo (opcional).

1. Detalhamento dos Tópicos da Estrutura do Trabalho

1.1. Elementos Pré-Textuais

• Capa (obrigatório). Deverá conter os seguintes elementos: nome da instituição de

ensino (Faculdades Metropolitanas Unidas - FMU e na linha abaixo, Curso de

Direito); autor; título; subtítulo se houver; local (cidade) da instituição onde será

apresentado; e ano de depósito (da entrega).

• Folha de Rosto (obrigatório). Deverá conter os seguintes elementos:

- Anverso da folha de rosto: nome do autor; título e subtítulo do trabalho;

informações sobre o grau pleiteado (Monografia apresentada ao Curso de Direito

das Faculdades Metropolitanas Unidas - FMU, como requisito parcial para

obtenção do título de Bacharel em Direito , sob a

orientação doCa) Prof(a). (título). ); local (cidade) da instituição; ano de

depósito (da entrega).

- Verso da folha de rosto: ficha catalográfica (elaborada pela biblioteca da

instituição de ensino).

• Aprovação por Banca. Deverá conter os seguintes elementos: autor; título; local e data

de aprovação; nome, titulação, assinatura e instituição de ensino dos membros

componentes da banca examinadora.

• Dedicatória (opcional).

• Agradecimentos (opcional).

tResumo na língua vernácula (obrigatório). Não deverá ultrapassar 250 palavras,

"'"seguido, logo abaixo, das palavras representativas do conteúdo do trabalho, isto é,

palavras-chave (descritores), até no máximo cinco. Redigir em um único parágrafo

com frases completas e não com seqüência de títulos. Expressar na primeira frase do

resumo o assunto tratado, situando-o no tempo e no espaço caso o título do trabalho

não seja suficientemente explícito. Ressaltar os objetivos, os métodos e conclusões do

trabalho.

Sumário (obrigatório) .

1.2. Elementos Textuais

• Introdução. Parte do trabalho em que o assunto é apresentado como um todo, sem

detalhes.

Desenvolvimento dos capítulos. Corpo, parte principal e mais extensa do trabalho, visa

expor o assunto e demonstrar as principais idéias.

Conclusão. É a recapitulação sintética dos resultados e da discussão do estudo ou

pesquisa. Pode apresentar deduções lógicas e correspondentes aos objetivos propostos,

ressaltando o alcance e as conseqüências das contribuições. Recomenda-se a análise

das hipóteses de investigação quanto sua validade, tendo em vista os resultados da

pesquisa.

1.3. Elementos Pós-Textuais

• Referências (obrigatório). Conforme a NBR 6023. Os elementos essenciais e

complementares da referência devem ser apresentados em seqüência padronizada, que

deverá ser alinhada somente à margem esquerda do. texto e de forma a identificar

individualmente cada documento, em espaço simples, separadas entre si por espaço

duplo e em ordem alfabética. A pontuação segue padrões internacionais e deve ser

uniforme para todas as referências, conforme exemplificado a seguir.

a) Livro de autor: .....ALVES, Roque de Brito. Ciência criminal. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995.

b) Livro com até três autores: indicam-se todos os autores com os nomes separados por pontoe vírgula:DAMIÃO, Regina Toledo; HENRIQUES, Antonio. Curso de direito positivo. São Paulo:Atlas, 1995.

c) Livro com mais de três autores: indica-se apenas o primeiro autor, acrescentando aexpressão et aI:URANI, Álvaro et aI. Constituição de uma matriz de contabilidade social para o Brasil.Brasília, DF: IPEA, 1994. -

d) Artigo científico:BARROS, Raimundo Gomes de. Ministério Público: sua legitimação frente ao Código doConsumidor. Revista Trimestral de jurisprudência dos Estados, São Paulo, v.19, n. 139, p.53-72, ago. 1995.

e) Capítulo de livro:ROMANO, Giovanni. Imagens da juventude na era moderna. In: LEVI, Giovanni; SCHMIDT,Jean-Claude (Org.). História dos jovens 2. São Paulo: Companhia das Let+as,.1996. p. 7-16.

f) Legislação:BRASIL. Código Civil. 46. ed. São Paulo: Saraiva, 1995.

g) Jurisprudência publicada (citar apenas nas notas de rodapé):BRASIL. Tribunal Regional Federal (5. Região). Administrativo. Escola Técnica Federal.Pagamento de diferenças referente a enquadramento de servidor decorrente da implantação dePlano Único de Classificação e Distribuição de Cargos e Empregos, instituído pela Lei nO8.270/91. Predominância da lei sobre a portaria. Apelação CÍvel nO42.441-PE (94.05.01629-6).Apelante: Edilemos Mamede dos Santos e outros. Apelada: Escola-Tecnica Federal dePernambuco. Relator: Juiz Nereu Santos. Recife, 4 de março de 1997. Lex: jurisprudência doSTJ e Tribunais Regionais Federais, São Paulo, v. 10, n. 103, p. 558-562, mar. 1998.

h) Artigo e/ou matéria de jornal:CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Emenda 3 atenta contra o Estado de Direito. Folha deSão Paulo, São Paulo, 9 abr. 2007. Caderno Brasil, p.3.

Observação: para casos omissos consultar a NBR 6023 - ABNT.

• Documentos Eletrônicos (opcional). Devem constar separadamente das referências

tradicionais (livros e publicações científicas em meio físico).

a) Textos em meio eletrônico: devem indicar, além da autoria e título do texto, o endereçoeletrônico na íntegra e data de acesso:ALVES, Castro. Navio negreiro. Disponível em: <http://www.terra.com.br/virtualbooks/freebook/port/Lport2/navionegreiro.htm>. Acesso em: 10 jan. 2002.

b) Jurisprudência em meio eletrônico (citar apenas nas notas de rodapé):BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula n° 14. Não é admissível, por ato administrativo,restringir, em razão da idade, inscrição em concurso para cargo público. Disponível em:<http://www.truenetm.com.br/jurisnet/sumusSTF.html>. Acesso em: 29 novo 1998.

Anexo (opcional) .

Os anexos são identificados por letras maiúsculas consecutivas, travessão e pelos

respectivos títulos.

Exemplo:

ANEXO A - Declaração Universal dos Direitos do Homem

2. Formas de apresentação

2.1. Formato

Os textos devem ser apresentados em papel branco, formato A4, digitados no anverso

da folha, exceto a folha de rosto.

O projeto gráfico é de responsabilidade do autor, em concordância com o orientador.

Recomenda-se, para digitação, a utilização de fonte tamanho 12 para o texto e

tamanho 10 para citações longas e notas de rodapé.

2.2. Margem

As folhas devem apresentar margem esquerda e superior de 3 em; direita e inferior de

2,5 em.

2.3 Espacejamento

O texto deve ser digitado com 1,5 de entrelinhas.

As citações longas, as notas de referência e os resumos em vernáculo e em língua

estrangeira devem ser digitados em espaço simples.

1

Os títulos das seções devem ser separados do texto que os precede ou dos que os

sucede por uma entrelinha dupla (um espaço duplo ou dois espaços simples).

2.4 Paginação

Todas as folhas do trabalho, a partir da folha de rosto, devem ser contadas

seqüencialmente, mas não numeradas. A numeração é colocada, a partir da primeira folha da

parte textual, em algarismos arábicos, no canto superior direito da folha. Havendo anexo, as

suas folhas devem ser numeradas de maneira contínua e sua paginação deve dar seguimento à

do texto principal.

2.5 Numeração progressiva

Para evidenciar a sistematização do conteúdo do trabalho, deve-se adotar a

numeração progres~iva para as seções do texto. Os títulos das seções primárias, por serem as

principais divisões de um texto, devem iniciar em folha distinta.

2.6 Parágrafos

Os textos devem ser digitados em parágrafos. Desloca-se a primeira linha de cada

parágrafo em 1,5 cm da margem esquerda.

2.7 Citações

Menção, no texto ou em notas de rodapé, de uma informação extraída de outra fonte,

conforme a NBR 10520.

As citações devem ser indicadas no texto por um sistema de chamada numérico que

deve ser seguido constantemente ao longo de todo o trabalho e que deve ser correlacionado em

notas situadas no rodapé das respectivas páginas.

2.7.1 Citação Direta. Transcrição textual de parte da obra do autor consultado.

2.7.1.1 As citações diretas, no texto, de até três linhas, devem estar contidas entre aspas

duplas. As aspas simples são utilizadas para indicar citação no interior da citação.

2.7.1.2 As citações diretas, no texto, com mais de três linhas, devem ser destacadas com recuo

de 4 cm da margem esquerda, com letra menor que a do texto utilizado e sem aspas.

2.7.2 Citação Indireta. Texto baseado na obra do autor consultado.

••

2.8 Notas

2.8.1 Notas de referência. Notas que indicam fontes consultadas ou remetem a outras partes da

obra onde o assunto foi abordado.

A citação de uma obra em nota de rodapé deverá ter sua referência completa.

Exemplo:FARIA, José Eduardo. Direitos humanos, direitos sociais e justiça. São Paulo: Malheiros, 1994, po9o

2.8.2 Notas de rodapé. Indicações, observações ou aditamentos ao texto feitos pelo autor,

tradutor ou editor.

2.8.3 Notas eXplicativas. Notas usadas para comentários, esclarecimentos ou explanações, que

não podem ser incluídas no texto.

2.8.4 Expressões resumo. Devem ser utilizadas exclusivamente nas notas.

apud - Expressão utilizada para caracterizar citação indireta;

passim - Referência genérica ao texto, sem o número da página;

idem - Referência ao último autor citado;

ibid. ou ibidem - Referência ao último autor e obra citada;

opo cito - Referência a obra já citada.

ATUALIDADE DO CONCEITO SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO PARA A PESQUISA

JURÍDICA

BARRETO JUNIOR, Irineu Francisco. Atualidade do Conceito Sociedade da Informação para a

pesquisa jurídica. In: PAESANI, Liliana Minardi (coord.). O Direito na Sociedade da Informação.

São Paulo: Atlas, 2007

IRINEU FRANCISCO BARRETO JUNIOR

Professor de Metodologia da Pesqúisa Científica dos cursos de Graduação e Pós-Graduação lato sensu

em Direito do UniFMU - Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas. Pesquisador do

Núcleo de Mestrado em Direito do UniFMU. Doutor em Ciência Política pela Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo - PUC-SP. Analista de Pesquisas da Fundação Seade, São Paulo.

O Direito é afetado pelo fenômeno da Sociedade da Informação, novo paradigma tecnológico,

social, cultural e comportamental, resultado das transformações provocadas pela formatação de

um cenário mundial interligado pelo aparato tecnológico.

2. Sociedade da Informação: uma revisão conceitual

A sociedade contemporânea atravessa uma verdadeira revolução digital em que são dissolvidas as

fronteiras entre telecomunicações, meios de comunicação de massa e informática. Convencionou-se

nomear esse novo ciclo histórico de Sociedade da Informação, cuja principal marca é o surgimento de

complexas redes profissionais e tecnológicas voltadas à produção e ao uso da informação, que

alcançam ainda sua distribuição através do mercado, bem como as formas de utilização desse bem para

gerar conhecimento e riqueza.

1

tCastells 1 abordou com extrema acuidade a temática relacionada ao fenômeno da Sociedade da...•

Informação ao apontar o final do século XX como um período que assistiu a acontecimentossistêmicos

que, analisados na sua amplitude, penetrabilidade e alcance social, poderiam ser caracterizados como

uma verdadeira revolução. Substantivas mudanças tecnológicas concentradas nas tecnologias da

informação remodelaram a base material da sociedade, formatando novas formas de relação entre a

economia, o Estado e a sociedade. Talvez essa seja a contribuição mais significativa do autor:

expandir as transformações verificadas no cenário mundial com o advento dos avanços tecnológicos

para além das -fronteiras técnicas, apontando para as transformações. na economia, nas relações sociais,

na cultura, ou, em síntese, nas mais diversas relações que envolvam a humanidade.

Ascensão2 trouxe contribuições importantes na formatação do conceito Sociedade da Informação

e sua aplicabilidade na área jurídica ao afirmar que o desenvolvimento de novas tecnologias de

comunicação, fundadas nos avanços tecnológicos recentes, nos quais a base técnica universal é a

digitalização, e nos recursos informáticos propiciará o surgimento das auto-estradas do conhecimento,

vias de fluxo rápido nas quais as informações e o conhecimento circulam em velocidades antes

inimagináveis. Indagava, o ator: perante esta nova realidade, qual deverá ser a posição do Direito e

quais os caminhos que o Direito terá que percorrer para permitir que, de uma forma justa,

fornecedores de serviços, autores e usuários se beneficiem deste novo mundo?

Esse processo não ocorreu por acaso ou em decorrência da inércia, consubstanciando-se a partir

de decisões governamentais, fundadas em aspectos tanto pragmáticos como ideológicos, registrados na

obra Livro Verde da Sociedade da Informação no Brasil, publicado pelo Ministério da Ciência e

Tecnologia, em agosto de 2000. No compêndio, define-se a Sociedade da Informação como uma nova

era, na qual a informação adquire centralidade e passa a fluir a velocidade e em quantidades antes

inimagináveis, assumindo valores sociais e econômicos fundamentais. Este processo decorreu em razão

de três fenômenos, inter-relacionados, que responderam pela gênese da transformação assistida:

a) convergência da base tecnológica - possibilidade de poder representar e processar

qualquer informação de uma única forma, a digital. Essa convergência teve profundas implicações no

processo de mundialização da economia, das telecomunicações e dos processos sociais, pois, sem uma

padronização tecnológica mínima, este novo paradigma de sociedade seria inimaginável;

1A Era da Informação: economia, sociedade e cultura. Volume 1, a sociedade em rede, p. 2l.2 Sociedade da Informação: estudos jurídicos, p.6.

2

Jb) dinâmica da indústria - proporcionou contínua queda nos preços dos computadores, ....

insumos tecnológicos, softwares, componentes de redes, permitindo maior acessibilidade à integração

na rede. Ressalte-se que, apesar dessa expansão, a maioria da população em escala mundial mantém-se

alheia ao processo, pelas restrições de ordem econômica e social às quais é submetida, criando novas

categorias de exclusão (exclusão digital, analfabetismo digital), o que reproduz, e diversas vezes

amplia, as desigualdades socioeconômicas herdadas após séculos de colonização, subdesenvolvimento

e demais mazelas históricas. Registra-se que, além de países excluídos, a face mais perversa da

desigualdade-é revelada pela concentração da riqueza, mais aguda nas nações periféricas, que provoca

o convívio geográfico, e muitas vezes tenso, entre excluídos e incluídos;

c) crescimento e expansão da internet: aumento exponencial da população mundial com

acesso à rede e evolução da conectividade internacional.

Criou-se no processo um novo modo de desenvolvimento ainda não assistido na evolução

histórica do capitalismo, que resultou na reestruturação deste modo de produção e na criação de uma

nova estrutura social, batizada por Castells3 como Informacionalismo. Na gênese semântica da

expressão, há uma junção conceitual entre informação e modo de produção, como ocorre com o

capitalismo e o socialismo, porém, revelando o resultado de inovações históricas promovidas pelo

avanço tecnológico que atribuem à informação o status de principal mercadoria, ou valor, a ser

produzido e perseguido no terceiro milênio, reorganizando as economias capitalistas e esse modo de

produção. Conforme anotado por Castells:

"Â primeira característica do novo paradigma é que a informação é sua matéria prima: são tecnologiaspara agir sobre a informação, não apenas informação para agir sobre a tecnologia, como foi o caso dasrevoluções tecnológicas anteriores,,4.

Seus impactos no surgimento de novos temas para pesquisa jurídica, considerando-se o fenômeno

jurídico como fato social, que simultaneamente influencia e sofre influencia deste novo cenário, serão

discutidos na próxima sessão.

3. Sociedade da Informação e o novo temário para a pesquisa jurídica

3 A Era da Informação: economia, sociedade e cultura. Volume 1, a sociedade em rede, p. 32.4 A Era da Informação: economia, sociedade e cultura. Volume 1, a sociedade em rede, p.78.

3

JDireito Comercial e o comércio eletrônico: a ampliação dos negócios em meio eletrônico (e-~

business) e do comércio eletrônico (e-commerce) é de fundamental importância para modernização do

setor produtivo e ampliação e diversificação dos mercados consumidores. Poder-se-ia abordar, nessas

pesquisas, os seguintes enfoques5:

a) legalização das transações on-line e reconhecimento de assinatura digital, manifestações

do processo conhecido como contratação informática que exigirá, em curto prazo, disciplina legal;

b) adaptação das leis do comércio ao mercado on-line, que implica a intervenção de vários

tipos de atores - empresas de telecomunicações, operadores de telecomunicações que emitem o sinal e

empresas de telecomunicação chamadas de copyright na definição de Ascensã06, que preparam a

mensagem;

c) mecanismos de defesa do consumidor de produtos e serviços comercializados em redes

eletrônicas. O Código de Defesa do Consumidor aplicar-se-ia às relações de compra e venda de

produtos e serviços através da Internet? São aspectos relevantes para a pesquisa jurídica e que

certamente podem ser enfrentados em projetos importantes e facilmente justificáveis;

d) tributação do comércio na Internet - diante dos desafios colocados pela ruptura do

princípio da territorialidade, uma vez que a Internet propicia relações comerciais pan-nacionais, fazem-

se necessárias a pactuação internacional do modelo de cobrança e a partilha de tributos das transações

on-line;

e) sistemas de pagamento e financiamento eletrônicos, que exigem regras de

funcionamento para assegurar o fluxo de capitais e a segurança jurídica das transações;

f) adaptação da legisiação trabalhista, considerando o uso das tecnologias de informação

e comunicação, em especial o teletrabalho ou trabalho on-line.

Direito Autoral: constitui um dos ramos mais afetados pelo avanço tecnológico da Sociedade da

Informação, uma vez que nos ambientes virtuais, particularmente na Internet, tornam-se mais difíceis a

fiscalização e a preservação dos direitos do autor dos mais diferentes conteúdos: dados, textos,

imagens, sons, softwares, ou seja, tudo que pode ser operado, transmitido e manipulado através da

Word Wide Web.

5 Livro Verde da Sociedade da Informação no Brasil, p.23.6 Sociedade da Informação: estudos jurídicos, p.lO.

4

fa) regulamentação do respeito ao direito do autor de publicações eletrônicas de qualquer

..31

natureza. Segundo Ascensã07, assegurar o direito do autor exige, em relação ao objeto, dar tutela

acrescida aos elementos que serão colocados em rede;

b) questões de segurança e proteção de dados, textos, imagens, sons, softwares. Ainda na

perspectiva de Ascensã08, a integração das obras no sistema virtual gera preocupações que se

desdobram em duas direções: os efeitos, na perspectiva do direito do autor, da integração de obras em

formato multimídia; e a proteção dos dados pessoais, uma vez que a informatização e a

disponibilização em rede aumentam em proporções exponenciais a vulnerabilidade das pessoas;

c) questões que envolvem o copyright. Tendo em vista que o funcionamento do sistema

pressupõe seu aspecto mercantil, inerente à sociedade capitalista, é necessário regulamentar o direito de

autor, das mensagens e os conteúdos multimeios, perpassando pela identificação das obras, através de

catalogação ou números de registro, assim como das empresas de comunicação que fazem a

informação circular no hiperespaço, os operadores de telecomunicações;

d) problemática da diversidade legislativa. Como aplicar o direito autoral a uma obra

produzida em determinado país e utilizada em qualquer outro ponto do globo, se a empresa de

copyright que opera em rede pode estar situada em localidade distinta? Faz-se mister o estabelecimento

de acordos internacionais que uniformizem a proteção do direito do autor, significando um abandono

do princípio da territorialidade do Direito, o que indubitavelmente, além dos pontos enumerados

anteriormente, apresenta novas perspectivas para a pesquisa jurídica através da análise do direito

comparado e da mediação e acordos firmados nas instituições supranacionais e multilaterais.

Direito Administrativo e as diretrizes da educação formal: o advento da Sociedade da

Informação e as novas tecnologias que o acompanham proporcionam outras perspectivas para o cenário

da educação formal no país. As áreas mais periféricas do Brasil, como as regiões Norte e Nordeste,

carentes de docentes habilitados para impulsionar o ensino formal, podem ser beneficiadas pelas novas

tecnologias quanto à produção de avanços na escolarização dos brasileiros. Entretanto, para tal

finalidade, os diplomas legais, como a Lei de Diretrizes e Bases para a Educação, devem estar em

consonância com a aplicação de novas mídias e tecnologias de ensino, o que instiga a realização de

pesquisas jurídicas facilmente justificáveis dos temas9:

7 Sociedade da Informação: estudos jurídicos, p.12.8 Sociedade da Informação: estudos jurídicos, p.15.9 Livro Verde da Sociedade da Informação no Brasil, p.4 7.

5

1a) regulação do ensino não presencial. Apropriando.-;e das inovações tecnológica é possível

utilizar novas ferramentas no processo de pesquisa e aprendizagem. Aulas on-fine, educação à

distância, uso de correio eletrônico, chats, blogs, ou criação de comunidades virtuais envolvendo

alunos e professores podem constituir instrumentos auxiliares ao processo pedagógico;

b) escopo legal para diretrizes e parâmetros curriculares de cursos não convencionais

alterações normativas e legislativas demandadas pelo novo contexto tecnológico das tecnologias de

informação e comunicação;

c) análise das diretrizes e dos parâmetros curricutares para cursos de níveis médio e superior,

procurando incorporar formalmente ao processo pedagógico o uso mais intenso das tecnologias de

informação e comunicação.

Crimes Virtuais: com o advento da Internet e da Sociedade da Informação, surgiu uma nova

modalidade de crimes cometidas no espaço virtual da rede através de e-mails (correio-eletrônico),

websites (sítios pessoais, institucionais ou apócrifos) ou mesmo ocorridos em comunidades de

relacionamento na Internet, entre as quais a mais conhecida é o Orkut, propriedade do provedor de

conteúdo americano Google. As transações comerciais eletrônicas, envolvendo compras que exigem a

identificação do número de cartão de crédito, as transações bancárias, que solicitam registro de dados

referentes às contas correntes bancárias, além do uso de senhas e demais mecanismos de segurança,

assim como a profusão de novas modalidades relacionais mantidas. em sociedade, através da Internet,

propiciaram o surgimento de novas modalidades de crimes na web, batizados de crimes virtuais.

a) roubo de identidade.

b) manifestação de discriminação, racismo, xenofobia, homofobia, intolerância

religiosa e ódio. É pratica comum a veiculação de notícias de que grupos ou indivíduos utilizam novas

mídias para manifestar opiniões discriminatórias e de ódio racial, étnico, sexual, entre outras

modalidades, que encontraram no ambiente virtual espaço profícuo para esse tipo de veiculação de

idéias, supostamente protegidos pelo véu do anonimato ou pelo uso de falsas identidades. Entre março

e maio de 2006, a organização não-governamental Safernet, formada por advogados, programadores e

colaboradores de várias áreas profissionais que vasculham e recebem denúncias sobre websites que

praticam crimes na Internet, recebeu 18 mil denúncias de crimes e violações de direitos humanos on-

fine, sendo a quase totalidade relacionada a casos de racismo, neo-nazismo, intolerância religiosa e

sexual, apologia e incitação a crimes contra a vida. A Internet, através de websites e comunidades de

6

trelacionamento, como o Orkut, permite a hospedagem desse tipo de idéia por meio do anonimétl0 em

servidores (equipamentos nos quais as páginas são armazenadas), que se encontram fisicamente fora do

Brasil, dificultando a investigação e a punibilidade nestes casos. Quem seria responsabilizado nestes

casos: o provedor de Internet, os grupos ou indivíduos que professam esse tipo de opinião, ou mesmo o

moderador das comunidades virtuais criadas nos sítios de relacionamento? O debate está lançado e o

tema tem sido objeto em discussões ainda em estágio embrionário no Brasil, o que favorece a adoção

deste temário para relevantes pesquisas jurídicas;

c) veiculação de pornografia infantil e violação dos direitos fundamentais da-eriança e

do adolescente. Abstendo-se do objetivo de proferir juízos de valor, certamente os mais abjetos, entre

os crimes virtuais, são aqueles que envolvem crianças e adolescentes, tutelados pelo Direito, assim

como pelo costume social. Apesar disso, é comum que usuários da Internet utilizem os recursos dessa

mídia para criar websites, trocar e-mails ou criar comunidades de relacionamento para fornecer

conteúdos (imagens e vídeos) relacionados ao abuso sexual infantil. Além disso, é possível promover a

prostituição infantil indiscriminadamente através da Internet, utilizando-se essa mídia para promover o

turismo sexual ou mesmo divulgando anúncios como uma grande sessão de classificados virtual.

Investigar em pesquisa jurídica esses abusos na perspectiva dos Direitos Humanos, à luz da

Constituição Federal, da Declaração Universal dos Direitos da Criança (da Unicef), assim como do

Estatuto da Criança e do Adolescente e do Código Penal, consubstancia em temário de relevância

ímpar e que pode contribuir com o amadurecimento doutrinário sobre a questão;

d) demais crimes virtuais - calúnia e difamação, divulgação de informações que podem

prejudicar a reputação da vítima, ameaça através de mensagens virtuais, ou ainda éspionagem

industrial, transferência de informações sigilosas de uma empresa para seu concorrente, entre

outros, são em temas jurídicos relevantes e exeqüíveis em pesquisas na área do Direito.

Direito à Intimidade em ambiente da Internet:

Direito Trabalhista: a Internet e a Sociedade da Informação transformam as relações sociais

e provocam uma nova divisão social do trabalho, ao mesmo tempo em que novas profissões são criadas

e passa-se a exigir novas condutas laborais, especialmente no que concerne ao uso das tecnologias

7

.1J

..9

informacionais nos ambientes de trabalho, naquilo que se poderia chamar de uma nova ética da

atividade laboral. Novos temas em pesquisa jurídica são suscitados: .

a) adaptação da legislação trabalhista para considerar o uso das tecnologias de informação e

comunicação, em especial o teletrabalho ou trabalho on-line;

b) uso da penhora on-line como recurso para assegurar a prioridade das ações trabalhistas no

ordenamento dos credores ou para acelerar a execução de dívidas trabalhistas, considerando-se a

hipossuficiência e a vulnerabilidade do trabalhador;

c) definição das normas para uso adequado das tecnologias da informação em ambiente de

trabalho. Esta temática adquire relevo após inovadora decisão do TST-SP, descrita da seguinte

maneira:

BIBLIOGRAFIA

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