Vasconcelos e Metadona

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    A outra razão tem um fundamento mais históricEstávamos, em Portugal, na época dos modelos institcionais e isso levou a enormes dificuldades na divulgção do método. Cada centro utilizava um método únide tratamento, que considerava superior a todos ooutros, o que levou à formação duma "clientelespecífica. A percepção da realidade da situação dtoxicodependência em Portugal era condicionada pelacaracterísticas do tipo de utentes que cada centro atraía Assim temos que, para além de modelos institucionadiferentes, havia diferentes linguagens e diferentes redades percepcionadas em relação a um mesmo fenómeno (Alegoria das Cavernas). A evolução das admissões ao longo dos anos verficou-se da forma representada na tabela 1.

    Desde 77 até ao final dos anos 80, os profissionais qutrabalharam no CEPD/Norte utilizaram o método subtutivo com metadona para as desintoxicações de opiceos, realizando um ou dois programas sucessivos dredução de 21 dias. As manutenções só eram iniciadaa partir de duas tentativas fracassadas de desintoxcação em 21 dias. A redução de dose de metadonainiciava-se a partir dum curto período de estabilizaçde 2 ou 3 dias, em que era definido o nível de tolerânaos opiáceos. Era habitual a existência de dois ritm

    de descida: um mais rápido até às 20 mg e outro malento a seguir. Esta era uma forma de tornar mais tolrável o agravamento da sintomatologia de privação qera característico na última fase.O uso exclusivo da metadona era preconizado para tratamento de todas as situações em que estava envolvida a heroína. Isso incluía algumas situações de potoxicodependência, em que a dependência de heroínocupava um lugar muito limitado em relação às depedências de depressores do S.N.C. ou do álcool. Dad

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    um programa de metadona. O Centro de Estudos daProfilaxia da droga - Centro Regional do Norte, foi criadoem 1977 e esteve inicialmente dependente da Presidênciado Conselho de Ministros. É integrado em 14/3/82 noMinistério da Justiça, de acordo com o decreto-lei 365/82. A partir de 1987, o Ministério da Saúde inicia a criação deestruturas específicas para o tratamento de toxicode-pendentes - os CAT's. A integração dos CEPD's e dosCAT's num único serviço, o SPTT - Serviço de Prevençãoe Tratamento da Toxicodependência, acontece em Abrilde 1989. Mantêm-se ainda assim as diferenças de desig-nação entre os dois tipos de estruturas, que acabam pordesaparecer com o Decreto - Lei n.º 43/94 de 17 de Feve-reiro. É nesta data que o CEPD/Norte passa a designar-sede CAT da Boavista. Ao longo do texto iremos empregaras duas designações, de acordo com o momento histó-rico que estamos a analisar.O CEPD/Norte foi uma das primeiras clínicas de meta-dona a ser criadas no continente europeu (ver quadro I).Não obstante o seu pioneirismo, permaneceu durantecerca de 15 anos, o único Centro em Portugal a admi-nistrar metadona a heroinodependentes.

    O fundador deste Centro, o Dr. Iduíno Lopes, trouxedos Estados Unidos a sua experiência de trabalhonuma clínica de metadona. A substituição com meta-

    dona tinha sido iniciada em New York, em 1963, pelosDrs. Dole e Nyswander. A funcionamento do programano Porto, desde 1978, seguiu estritamente este mode-lo e as normas federais americanas definidas atravésda FDA e o DEA. Até ao final de 1992, ainda se utiliza-vam os textos de termo de consentimento e dasnormas de funcionamento do programa de metadona,que eram traduções literais dos originais americanos.Não houve, assim, uma adaptação dos programas desubstituição americanos à nossa realidade.

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    Quadro I: Os PMM na Europa

    Tabela I: Admissões no CEPD/Norte

    Integração do doente no Sistema de SaúdeDiminuição dos comportamentos de risco associadosà disseminação do VIHMelhoria da adesão às terapêuticas médicas do SIDA ou outrasMelhorar a qualidade geral do funcionamento psicossocialMelhorar a auto-satisfação e a qualidade de vida apesardas limitações da infecção

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    CEPD/Norte pôde recrutar três novos psiquiatras, doisoriundos do Hospital Psiquiátrico de Magalhães deLemos e o terceiro do Departamento de Saúde Mental doHospital de S. João. De imediato, as intervenções denatureza psicofarmacológica que estavam relativamenteatrofiadas neste Centro foram impulsionadas. Isto, apesarde se tratar dum centro em que a substituição com meta-dona era privilegiada, mas que tinha, paradoxalmente,desenvolvido mais as intervenções psicoterapêuticas. A introdução das terapias não-opiáceas com oα 2agonista e a naltrexona realizou-se no início de 89e permitiu desenvolver um modelo que foi interna-mente designado de alternativo . Através da experi-ência indirecta doutros centros, como o Centro dasTaipas e o CAT do Porto, e da experiência clínicaprópria que acumulámos a partir de 89, comprovámosque era possível levar a cabo uma desintoxicação numcurto período de uma semana e com duas consultas.O aparecimento dos tratamentos alternativos coincidiucom o momento em que o programa de substituiçãocom metadona no CEPD/Norte se viu confrontado comum número extraordinariamente elevado de utentes(cerca de novecentos) e, ao mesmo tempo, dificulda-des no stock de metadona, criando-se uma situação de

    ruptura técnica. Houve, desta forma, condições propí-cias ao desenvolvimento deste programa. As desintoxi-cações de 21 dias com metadona só faziam sentido sehouvesse possibilidade de prescrição da manutenção,no caso do utente falhar o desiderato da abstinência eisso acontecia três em quatro vezes. As desintoxica-ções rápidas com o métodoα 2 agonista/tramadol/ naltrexona acabaram por substituir os programas dedesintoxicação com metadona de 21 dias e assim pas -saram a existir dois programas ambulatórios de trata-

    mento - um programa de manutenção com naltrexonae um programa de manutenção com metadona.Houve alguma euforia em relação ao êxito do modeloalternativo, mas cedo verificámos que o método substi-tutivo com metadona não podia deixar de existir. Todosos programas, quando aparecem, têm esta virtude: oseu êxito é grande. Isto tem unicamente a ver com amaior atenção dos terapeutas aos seus utentes, doponto de vista quantitativo e qualitativo, melhorando acomponente psicossocial do tratamento. Acaba por ser

    o carácter bastante abrangente do programa de meta-dona, uma grande maioria dos toxicodependentes dacidade do Porto esteve em tratamento de substituiçãocom a metadona. Um número enorme de heroinode-pendentes do resto do País também se deslocou parao Porto a fim de beneficiar deste programa, que nãoexistia em mais nenhum CEPD em Portugal (Quadro II).Este fenómeno prende-se com a época dos modelosinstitucionais que marcou o período de existência des-tas instituições até ao ano de 1989.

    Ao longo de cerca de 15 anos, os terapeutas do CEPD/ Norte aprenderam, aplicaram e desenvolveram diversastécnicas psicoterapêuticas, tais como a terapia familiar, aterapia de casal (para os casais de toxicodependentes) e

    as terapias individuais de inspiração mais dinâmica oucognitivo-comportamental. Isto permitiu que os terapeu-tas do CEPD/Norte tivessem conseguido quebrar comespírito criador e com um certo virtuosismo, a monotoniada intervenção farmacológica com metadona, aplicandoos diversos modelos psicoterapêuticos à realidade dosutentes em substituição(1) .Mas, como é infelizmente habitual nestes Centros, haviaum desequilíbrio ao nível da componente médica. Estasituação só foi resolvida em finais de 1987, quando o

    Quadro II

    acontecimento

    avaliação

    stress

    preocupação

    intervenção

    coping expectativas

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    mais eficaz a parte psicossocial do tratamento, do queaquela que é assegurada pelos fármacos(2). Daí queseja tão complicado decidir quais os métodos farmaco-lógicos mais eficazes, quando postos em confronto. A existência destes dois métodos em simultâneo per-mitiu aumentar a resposta aos utentes que procura-vam o tratamento, sobretudo os dependentes que nãoqueriam de modo nenhum ser incluídos em programasde substituição com metadona e ser confundidos comos seus utentes.

    b) A fase da expansão da rede de substituiçãoopiácea e o aparecimento do LAAM

    A mudança da direcção do CEPD/Norte, ocorrida em29 de Fevereiro de 1992, veio permitir novas condiçõesde desenvolvimento dos programas de substituição emPortugal. Durante os dois anos seguintes, o CEPD/ Norte desenvolveu um importante trabalho de esclare-cimento e de formação na área das terapias de subs-tituição, colaborando na formação de técnicos, não sóna região norte mas também noutras áreas, como Algarve, Leiria, Coimbra e Santarém (ver Quadro III).

    O trabalho realizado pelo técnicos do CEPD/Norte foiextremamente importante. Praticamente sem recursose animados somente do seu entusiasmo e disponibili-dade de ensinar o que sabiam a outros companheirosdo SPTT, construíram duma forma quase invisível umarede de norte a sul, que permitiu transformar o modelodo CEPD/Norte numa modalidade terapêutica do SPTT.Em Maio de 1994, Portugal tem acesso à utilização

    clínica dum novo agonista opiáceo designado de LAAHá alguns aspectos históricos da introdução do LAAem Portugal que têm estado esquecidos e que mereciamum maior destaque. Inicialmente o LAAM estava paradistribuído na Europa por uma companhia farmacêutiespanhola, mas foi uma empresa portuguesa que conseguiu esse objectivo. Isso não aconteceu por acaso. Fomuito importante para a tomada de decisão dos amercanos estes saberem que estaria um centro portuguêscom uma experiência de mais de quinze anos em terapêuticas de substituição com metadona, a lidar comLAAM. A mesma empresa portuguesa iniciou e conco processo de licenciamento do LAAM na Agência Medicamento em Londres e tem desenvolvido o trabalcom o LAAM em toda a Europa.Em 1994 surgiram dois programas de LAAM: o primno Centro das Taipas e o segundo na Extensão dGondomar. Em relação ao Centro das Taipas, a abertura dum programa de substituição com o LAAM tuma importância histórica. Foi a primeira vez quemaior centro português de tratamento assumiu na prtica um programa de substituição. E este é um mometo de viragem, pois as terapêuticas de substituiçãnunca mais deixaram de ter um papel cada vez ma

    importante no tratamento de heroinodependentes. Ncaso da extensão de Gondomar, o LAAM foi a condiçsine qua non para a sua abertura, pois a carência drecursos humanos que se sentia no CAT da Boavistnão permitia de modo nenhum o deslocamento dumequipa completa a tempo inteiro para uma extensão. A partir desta altura, o crescimento dos programadesenvolveu-se sem qualquer constrangimento. Assiste-se ainda a duas atitudes fundamentais a nívdos CAT´s: há CAT´s que adoptam o LAAM com

    agonista de substituição preferencial, outros que matêm a metadona; alguns CAT's mantêm programas dcarácter mais selectivo, com um reduzido número dutentes, outros têm programas mais abrangentes ecom mais utentes. A partir do final do ano de 1998 entra-se numa tercefase, em que há um enorme crescimento dos utenteem programas de substituição. As preocupações coma redução de riscos levam a que se verifique umaumento dramático dos utentes em programas de

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    Quadro III

    S/resposta

    cônjuge

    e filhos

    cônjuge

    um só pai

    Pais, sogros, filhos

    outros familiares

    sozinho

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    metadona;- O LAAM não pode ser usado em utentes comdisfunção hepática, em grávidas e é de modogeral mais tóxico (particularmente nos seus efei-tos cardíacos);- O LAAM é mais difícil de ajustar;- Os utentes preferem a metadona.

    Os argumentos favoráveis são estes:1. O preço do LAAM é mais elevado, mas a possibili-dade de organizar um serviço de administração de umagonista opiáceo que funcione três vezes por semana,permite poupanças efectivas nos custos com o pessoal;2. Desde que o LAAM seja ajustado a partir da meta-dona, as dificuldades serão mínimas;3. É possível utilizar o LAAM em doentes com insufciência hepática e verifica-se mesmo a possibilidade deadministração 2X por semana nestas situações. Na expe-riência que temos não verificámos perda de eficácia;4. Em relação aos efeitos opiáceos de tipo euforizante,menos expressivos no que respeita ao LAAM, eles sãouma vantagem pois preparam o utente de uma formamais eficaz para um estado em que não está num pro-grama de substituição;

    5. Em relação à opção que os utentes têm pela meta-dona, penso que não deveremos deixar ultrapassar ocritério clínico, pela opção dos utentes. Isto poderáacontecer em países em que o sistema de tratamentopertence ao Serviço Social, mas não num País em queo serviço de tratamento a toxicodependentes pertenceao Ministério da Saúde e em que a toxicodependênciaé considerada uma doença de acordo com um modelomédico.

    Voltaremos a esta questão mais à frente.

    Quem tem experiência em programas de substituiçãosabe que estes têm um tremendo potencial terapêutico,além de serem insubstituíveis para determinados uten-tes. É assim que, na minha opinião, restringir os progra-mas de substituição à redução de riscos é impedir o

    substituição. Analise-se o quadro V. A metadona, parti-

    cularmente no Sul do País, passa a ser privilegiada emdetrimento da utilização do LAAM e passa a ser assu-mida uma política mais liberal de entrega das doses.Enquanto no Norte se verifica uma aplicação muitoestrita da Ordem de Serviço nº 1/96, emanada do Con-selho de Administração, em que preconizava, no seuartigo 7, que as doses de estupefaciente substitutodeveriam "ser tomadas pelos doentes nas unidadesresponsáveis pelo programa..." e no artigo 9 "excepcio-nalmente, e apenas a título transitório (...), poderá o

    estupefaciente substituto ser ministrado na residênciados doentes, sob responsabilidade de terceira pessoa",verifica-se a existência de algumas discrepâncias nodesenvolvimento dos programas por parte de diversosCAT´s, que funcionam duma forma em que o utente sótem de vir ao Centro uma vez por semana e as restantesdoses são disponibilizadas a um elemento da família.

    Para entender esta situação, é preciso ter em conta ascríticas que mais frequentemente aparecem em relaçãoao LAAM:

    - O preço do LAAM é muito elevado em relação à

    O potencial esquecido dos programasde substituição

    desempregado

    reformado

    trabalhopor conta própria emprego ocasionabaixa

    s/respost

    empregestáve

    Quadro IV: Abertura dos programas de substituição em Portugal

    S/resposta

    não se aplica

    sempre

    Quadro V

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    tar aos novos padrões de consumo, que passam pelacocaína e outros estimulantes. Verificam-se situaçõpontuais de consumos descontrolados de cocaínadurante os programas de manutenção com naltrexone também nos programas de substituição. Estas situações ocorrem independentemente da qualidade equantidade de prestação de cuidados a um utente emacompanhamento.Quando não há tempo para um acompanhamento correcto do utente, quando as doses do narcótico desubstituição são insuficientes, quando não é estabelecido desde logo o objectivo da abstinência, quando terapeuta não acredita na possibilidade do utentpoder evoluir para a abstinência através dum progrma de substituição, então as coisas vão seguramentcorrer mal. A assunção de que os utentes poderãoconsumir heroína, leva muitas vezes os terapeutasusar doses de metadona muito abaixo das necessidades. Como consequência e por que a dose demetadona não consegue suster o utente, este continuaa consumir heroína embora em menor quantidade outras drogas tais como a cocaína, o álcool, odepressores do sistema central ou um cocktail dtodos os tóxicos que referimos atrás. A ideia que n

    temos dum programa de substituição, seja ele de qulimiar for, é que a tolerância do utente aos opiácetem que ser definida clinicamente e que a dose dmetadona deve ser ajustada ao nível de tolerância.

    A substituição opiácea feita com todas as regras darte e o tratamento psicossocial são coisas indissociáveis. Juntas podem significar o sucesso, separadaspodem tornar-se um fracasso!

    A experiência empírica pessoal que temos acumuladnos últimos 12 anos leva-nos a concluir que se admnistrarmos uma dose adequada de agonista opiáceocerca de 50% dos utentes do programa deixa de consumir drogas ilícitas. Se pudermos levar a cabo uprograma psicossocial, tal como terapia individual de grupo, acompanhado de formação profissionaentão poderemos aumentar a percentagem dos quenão consomem para 80%. A existência de 20% de cosumidores é um valor mais ou menos fixo que vam

    desenvolvimento daquele potencial terapêutico. Numprograma de redução de riscos é assumido, a priori , quequase não há regras para os seus utentes: podem con-sumir drogas, podem faltar às tomas, não estão sujeitoa controles de urinas e a confrontos. O objectivo é que aadministração dum agonista opiáceo, a metadona, pos-sa fazer diminuir as necessidades habituais de consumode opiáceos e levar progressivamente o utente a umprograma terapêutico com maior nível de exigência.Os programas de redução de riscos têm caracterís-ticas mais sociais e a componente terapêutica estáreduzida à sua expressão mais simples. O facto dametadona ser prescrita por um médico, ou de seradministrada por um enfermeiro, não chega paratornar o programa terapêutico. Terapêutico traz sem-pre implícito a existência dum programa psicossocial.Não é para nós motivo de espanto ouvir alguns toxico-dependentes referir, perante os jornalistas (nunca osmedia se preocuparam tanto com as terapias de subs-tituição), que a dose de metadona não era suficientepara eles e que ainda lhes era necessário consumirheroína. Também não é motivo de espanto, o aumentocrescente dos consumos de cocaína, nos utentes destesprogramas, referido em alguns trabalhos jornalísticos.

    Isto não deixa de acompanhar um fenómeno de carac-terísticas mais gerais: nós temos vindo a assistir a umcrescimento progressivo dos consumidores de cocaína,que é directamente proporcional à disponibilidade destadroga no mercado. A cocaína é uma droga pior que a heroína, pois produzefeitos estimulantes psicomotores, podendo dar ori-gem a crises de agitação psicomotora, ou ainda aquadros indistinguíveis da esquizofrenia. Não há aindaagonistas nem antagonistas desenvolvidos pela inves-

    tigação e disponíveis para utilização clínica. Não há,em suma, tratamento eficaz. Quem trata dependenteshá mais de dez anos sabe que, nessa altura, era raroencontrar cocainómanos e que, actualmente, essa é aregra. Cocainómanos puros encontram-se frequente-mente nas consultas de admissão e não raras vezesum cocainómano, que faz consumos ligeiros de heroí-na, é incluído num programa de tratamento de heroína.Estas são as dificuldades dum sistema desenhadopara heroinómanos e que tem dificuldade em se adap-

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    custo bastante elevado na qualidade de trabalho e nosresultados terapêuticos. O crescimento da rede deadministração de narcótico de substituição foi feito deacordo com o princípio da descentralização da admi-nistração de metadona, continuando a estar centra-lizado o acompanhamento médico e psicossocial. Éem relação a este acompanhamento que os proble-mas existem, não em relação à dispensação de meta-dona. Já verificamos isso historicamente com o CEPD/ Norte, há dez anos, em que 900 utentes acorriamdiariamente ao centro. O grande problema residia naincapacidade de acompanhamento. Quantos utentespassaram largos meses, quiçá anos, sem seremobservados pelos seus terapeutas?Na realidade, a capacidade de dispensação pode serbastante elevada. Os novos dispensadores auto-máticos, controlados informaticamente, podem fazê-losem necessidades acrescidas de pessoal de enferma-gem. Administrar uma dose e ainda ter tempo para umcurto diálogo com o utente, num minuto, está nestemomento ao alcance de qualquer centro. Uma dosepor minuto pode significar 60 utentes por hora e em7 horas de abertura, 430 utentes!Outro fenómeno que está a acontecer actualmente

    é que, ao contrário do que acontecia há 10 anos,começam a existir carências de clínicos gerais, depsiquiatras e enfermeiros, limitando as possibilidadesde crescimento do SPTT. Provavelmente o SPTTcresceu até ao seu limite. Há poucos candidatos emdeterminados grupos profissionais(4) que querem virtrabalhar connosco e perante a concorrência doutrosserviços ligados à saúde mental, começamos tambéma sofrer uma sangria de técnicos que nos abandonam. A solução não poderá passar pelo transformismo do

    SPTT numa estrutura de redução de riscos. Comodemonstrei atrás, não é uma solução eficaz.Por outro lado, acaba por não se perceber, salvo inter-venções pontuais em problemas concretos em Lisboae Porto (o Casal Ventoso e o Projecto "Há Porto Con-tigo")(5), que tipo de estrutura poderá desenvolverprogramas de redução de riscos, onde poderão sercriadas e com que profissionais. As organizações nãogovernamentais, como a Cruz Vermelha e a Caritas,que em Espanha têm um protagonismo tão elevado na

    encontrar em todos os programas de médio limiar. Eestes 20% não significam, por norma, consumos contí-nuos, mas sim consumos esporádicos de fim desemana, que são detectados nos testes de rotina quefrequentemente são realizados.Os programas ditos de alto limiar, com percentagensmuito elevadas de abstinência, são o resultado doexpurgo do programa daqueles utentes que consomemeventualmente heroína ou cocaína. Significa uma selec-ção da amostra e levanta muitos problemas relativa-mente aos utentes, que não se conseguem adequar atal nível de exigência, pois não conseguem encontraralternativa de tratamento(3).Desde que haja um acompanhamento dos utentes eque se realize um confronto sistemático, que passapor ajustamentos de dose, prescrição de fármacosantidepressivos ou neurolépticos, assim como a mobi-lização da família sempre que se revele necessário,nós conseguimos uma melhoria da qualidade de trata-mento e resultados excelentes. A evolução que ocorreu em Portugal nos últimos doisanos tem permitido que um número crescente de heroi-nodependentes tenha vindo a ser incluído num pro-grama de substituição. Em algumas regiões, os tempos

    de espera são mínimos. No entanto, há áreas em queos programas não têm capacidade de crescimento,porque se encontram limitados fisicamente - os CAT´ssão demasiado pequenos. Apontamos, num anteriorartigo, a necessidade de trazer os programas desubstituição para fora do SPTT e da rede pública. Afundamentação que utilizámos é que o SPTT tinhaatingido um limite de crescimento, quer do ponto devista orçamental, quer do ponto de vista dos recursoshumanos. Há ainda um potencial de crescimento que

    poderá ser feito com a colaboração dos cuidadosprimários, dos Departamentos de Saúde Mental/Hos-pitais Especializados de Psiquiatria, das Farmácias edos Estabelecimentos Prisionais. No entanto e deacordo com a prática corrente, estes utentes conti-nuam a ser seguidos do ponto de vista terapêutico nosCAT´s, onde têm o seu médico, o seu psicólogo e oseu assistente social. Há limites físicos para esseacompanhamento. Um médico ou um psicólogo nãopode realizar centenas de consultas por mês, sem um

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    mento destes programas, definir uma comparticipaçãestatal para os tratamentos com agonista opiáceo permitir que organizações de solidariedade social eclínica privada possam ter estes programas. Há quefinalmente, fiscalizar o bom ou mau funcionamedestes programas. Estas medidas poderão resolver problema de centenas de dependentes de heroína quenão conseguem parar os consumos e que, por problemas pessoais e/ou profissionais, não se podem expoa um tratamento em que têm de se deslocar váriavezes por semana a um CAT. Nesta perspectiva, poderão ser desenvolvidos programas não estatais comagonista opiáceo e com elevada intensidade psicoterapêutica, que não poderá ser proporcionada nos programas superlotados dos CAT's.Perante esta questão, que tenho colocado diversasvezes, não tenho assistido senão a um silêncio comresposta.Como é que funciona o programa de substituição doCAT de Gondomar?O programa de substituição do CAT de Gondomar iniciado em 19 de Maio de 1994, baseado na utilizaçclínica do LAAM. Este foi o segundo programa eupeu com LAAM, uma semana depois do início do p

    grama de LAAM do Centro das Taipas. Os elementda equipa terapêutica que "arrancou" com esta estrutura (nessa altura ainda como extensão do CAT dBoavista), tinham presentes todos os problemas exitentes com as largas centenas de utentes do CAT daBoavista. Nós quisemos pôr em prática um programde substituição baseado num programa terapêuticocujo objectivo final era a abstinência de todas as drgas, inclusivamente do próprio agonista de substitução e com objectivos imediatos muito concretos, ta

    como a abstinência de todas as drogas ilícitas e estabilização e integração familiar, social e laboral.Nós beneficiámos dum trabalho prévio, desenvolvipela Divisão Psicossocial do CEPD/Norte, que nabriu as portas da autarquia de Gondomar. Isto permtiu que a decisão de abertura da extensão deGondomar tenha sido tomada no início de Abril de e concretizada um mês depois, o que tornou o processo de abertura desta extensão um caso exempla(de rapidez, pelo menos).

    criação de estruturas dedicadas aos programas desubstituição, não se têm preocupado, em Portugal,com este problema e estão mais disponíveis para ostratamentos em comunidade terapêutica.Que dizer então dos projectos "como salas de chuto"e de algumas posições que preconizam a administra-ção de drogas sobre prescrição médica, particular-mente programas de heroína? A minha opinião é que, enquanto tivermos listas de es-pera de dependentes que pretendem beneficiar de trata-mentos com características terapêuticas e que queremabandonar o consumo de drogas ilícitas, a discussãosobre a administração "terapêutica" das drogas não estána ordem do dia.Por outro lado, a discussão sobre a forma como deve seraumentada a capacidade de inclusão em programas desubstituição não deve ser mais adiada. Todas as pro-postas que têm vindo à luz do dia, preconizam o controlodos CAT´s sobre os programas a lançar em Centros deSaúde, ou em parceria com organizações de solidarie-dade social e têm recusado liminarmente a hipótesedestes programas terem capacidade de autogestão deforma a serem libertados da tutela dos CAT´s. Quantosutentes poderão ser controlados por um CAT?

    Os programas de substituição, no que se refere ao ajus-tamento de dose da agonista opiáceo, são bastantesimples. Considero muito mais difícil o ajustamento dedose dum antidepressivo ou de um neuroléptico. Julgobastante vantajosa a ideia de supervisão do CAT atra-vés de reuniões periódicas de discussão de casos clíni-cos. Além do mais, a colaboração dos nossos parceirosserá muito menos empenhada se eles se sentiremafastados das decisões que se referem aos utentes.Outro aspecto polémico é o afastamento liminar da

    possibilidade da clínica privada estar afastada dos pro-gramas de substituição. A clínica privada pode criarcomunidades terapêuticas, pode desenvolver progra-mas de ambulatório livres de droga ou de manutençãocom antagonistas opiáceos. Porque não a possibili-dade de utilizar as terapias de substituição? Há a preo-cupação de que possa haver uma utilização menosética destes programas. No entanto, trata-se da únicamodalidade terapêutica que se encontra vedada àClínica Privada. Há que criar um protocolo de funciona-

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    de um estado de privação de opiáceos ou, poroutro lado, de um estado de excesso de opiáceos.Tomar uma dose de LAAM acima das neces-sidades produz mal estar nos utentes - uma acçãoestimulante nas primeiras 24 horas, queixas gas-trintestinais, cefaleias, etc.;- A sua estabilidade ao longo do seu tempo deduração de efeitos. Esta opção é especialmenteinteressante para os utentes que são metaboliza-dores rápidos de metadona;- A possibilidade de organizar melhor a actividadedo Centro podendo, numa perspectiva de admi-nistração do LAAM, 2ª, 4ª e 6ª feira, destinar a3ª e 5ª feira para as admissões, para os utentesde programa de antagonista, para as reuniõesclínicas;- Em relação aos utentes com mais problemasfísicos e com necessidades constantes de inter-namentos, tivemos o cuidado de os colocar numprograma com metadona.

    A evolução da actividade clínica da extensão deGondomar desde Maio de 94 e do CAT de Gondomardesde Setembro de 95, levou à existência, no momentoactual, dum programa de substituição com LAAM com

    cerca de 148 utentes e dum programa de substituiçãocom metadona com cerca de 24 utentes no CAT deGondomar e com cerca de 22 utentes no Centro de Saú-de de S. Pedro da Cova (dados de Fevereiro de 2000).Estes anos de experiência que temos com o LAAMe a metadona levaram-nos a algumas conclusões que,por sua vez, consubstanciam uma filosofia detratamento de substituição com narcótico substituto.Nesta filosofia temos de considerar os critérios deinclusão e as normas de funcionamento do programa.

    Critérios de inclusão1. Poderão ser incluídos em programa de substi-tuição os utentes que não conseguem chegar àabstinência, após diversas tentativas de desin-toxicação medicamente apoiadas em ambulatórioou em internamento.2. Ausência de apoio de um familiar ou de umenvolvente que assegurem a manutenção comantagonista.3. O doente já ter realizado anteriormente um pro-

    Existia ainda um pequeno programa no Centro de Saúdede S. Pedro da Cova, dinamizado pelo seu Director, o Dr.Joaquim Madureira. Este tinha feito uma formação noCAT da Boavista em 1993, após um contacto quedesenvolvemos na ARS do Norte com diversosdirectores de centros de saúde(6). O Centro de Saúde deS. Pedro da Cova tinha responsabilidades assistenciaissobre uma área bastante degradada, em que tinha sidocontabilizado, através da simples consulta dosprocessos familiares, mais de cinco centenas dedependentes de drogas. A abertura da extensão deGondomar correspondia, assim, a uma necessidadeassistencial imediata e à vontade da autarquia e deoutras estruturas de saúde do concelho. Mas como ésabido, o CAT da Boavista tinha uma situação muitocomplicada em termos de recursos humanos e utentesinscritos: uma equipa minúscula para alguns milhares detoxicodependentes. A abertura lenta de programas desubstituição, dentro e fora do Porto, não foi de molde aaliviar o CAT da Boavista das centenas de utentes quetinha em excesso.O LAAM, devido ao seu peculiar tempo de semivida,com três tomas por semana, permitiu a abertura destaextensão. É assim que a extensão de Gondomar se

    tornou uma clínica satélite de LAAM, um conceitodesenvolvido pelo Dr. Walter Ling. A preferência peloLAAM foi assim imposta por esta realidade incontorná-vel: sem o LAAM não podia ser aberto o programa desubstituição da extensão de Gondomar. Por sua vez,este programa necessitava do apoio de programas desubstituição com metadona, já que o método queutilizámos baseava-se no recurso à metadona, paradefinir o nível de tolerância aos opiáceos, para logo deseguida, através dum factor multiplicativo (1,2 ou 1,3)

    encontrarmos a dose mais adequada de LAAM.Havia mais algumas características que tornavam oLAAM especialmente atractivo:

    - Em primeiro lugar, a sua acção euforizante mar-cadamente discreta. Todos nós tínhamos bem pre-sente as conversas intermináveis com utentes quepretendiam mais metadona e que apresentavamsinais objectivos de intoxicação alcoólica e de tran-quilizantes. Há um intervalo relativamente estreitopara o LAAM, que separa o estado de conforto, ou

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    sábado). Para que esta autorização possa serdada, deverá haver uma confirmação por parte dServiço Social da situação laboral do utente e dsua impossibilidade de vir ao CAT durante horário de abertura.3. Critérios para usar o LAAM ou a metadona orientação que tem sido imprimida neste CAT, erelação aos critérios de inclusão num ou noutragonista opiáceo, dá a preferência ao LAAM equase todas as situações. O LAAM é administratrês dias por semana, a metadona sete dias porsemana. O LAAM é mais estável que a metadoe é de primeira escolha para os utentes que sãometabolizadores rápidos de metadona. O LAAdá ao utente um estado de normalidade distantedo estado da metadona, em que há ainda umaacção euforizante, muitas vezes potenciadapropositadamente pelos utentes, através daingestão de bebidas alcoólicas ou de depressoresdo S.N.C. As excepções têm a ver com estados dgravidez ou de estádios terminais de doenças que implicam frequentes internamentos.4. A lotação do programa de Gondomar. As nomas federais americanas apontam para uma

    lotação correspondente a 1 m2 por utente. Nocaso do CAT de Gondomar estamos praticamentno limite de crescimento, devendo o crescimenulterior ser feito à custa de extensões, dos programas de farmácias ou ainda de programas deredução de riscos. A situação para a quacontemplaríamos a possibilidade de criação dumprograma de redução de riscos, para além dadisponibilidade de uma ONG para esse efeitoseria a criação dum programa de metadona de

    lista de espera para um programa de substituição5. A realização de análises toxicológicas de una - é ponto assente, na equipa terapêutica doCAT de Gondomar, que devem ser feitas análiseà urina com periodicidade pelo menos quinzenaEstes resultados são importantes porque nospermitem aferir a eficácia do programa e realizum controlo individual dos utentes. A suspensãde utentes que prevaricam sistematicamente emrelação aos consumos é uma decisão rara, mas

    grama de substituição e o seu desejo expressode voltar a ser readmitido num programa desubstituição.4. Condições físicas especiais, correspondentesa gravidez, cardiopatias, fases terminais dedoenças crónicas, que tornem a desintoxicaçãorápida desaconselhável.5. Patologia psiquiátrica que produza séria redu-ção da capacidade de autocrítica .

    Critérios de não inclusão1. Primeiro tratamento num heroinodependente eque não possua qualquer critério de inclusão.2. Politoxicodependência em que a heroinode-pendência tem pouca expressão em relação aoconsumo de cocaína, álcool e outros depressoresdo S.N.C.3. Não existirem condições objectivas que assegu-rem assiduidade ao programa de substituição(residência longínqua do CAT).

    Estes critérios são conhecidos por todos os técnicosdo CAT e são dados a conhecer aos utentes quandofazem a sua consulta de avaliação inicial prévia aotratamento.Normas de funcionamento do programa de substituição

    1. Marcação das admissões - por norma, quandose toma a decisão de admissão a um programade substituição, é feita a marcação duma data, quepode ser antecipada no caso de ocorrerem desis-tências da lista de espera. O procedimento contrá-rio suscita pressões enormes por parte do utente efamiliares e normalmente perdas de tempo.2. As tomas são também um acto terapêutico,devendo ser realizadas no CAT - as tomas demetadona ou LAAM são realizadas sempre que

    possível no CAT, perante o elemento de enferma-gem. A dose de metadona de domingo deverá serentregue a um familiar responsável, que será sem-pre o mesmo e terá a incumbência de a guardarem local seguro e de a administrar de forma cor-recta, de forma a que não seja possível a utilizaçãode outra via que não a oral. O CAT, em condiçõesexcepcionais, permite a entrega de duas doses deLAAM aos familiares, mas exigindo a vinda doutente ao CAT uma vez por semana (geralmente ao

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    torna-se crucial nos utentes em fases terminais dedoenças crónicas. Os doentes não têm forças para sedeslocar ao Centro. Nestas circunstâncias, entre-gamos as doses em número limitado a um familiar.Nunca conseguimos pôr em prática a administraçãodomiciliária por parte duma enfermeira do Centro deSaúde. Temos esbarrado sempre com o problematípico da falta de recursos humanos.Embora tenhamos defendido que o LAAM não deviaser administrado no domicílio, ao fim de algum tempoconsideramos a hipótese de entrega de doses deLAAM. Há situações típicas, tais como consultas hos-pitalares ou situações laborais, em que tal se tornanecessário. Hoje em dia é vulgar que trabalhadores dealgumas firmas estejam a realizar trabalhos bastantelonge do local de residência. A saída de casa, bastanteantes da hora de abertura e o regresso bastante depois,impede na prática a toma no CAT. Para estas situações,temos um grupo menor de utentes que toma o LAAM à3ª, 5ª e sábado. As doses de 3ª e 5ª são disponibi-lizadas ao familiar responsável.Em relação às tomas para casa de metadona e deLAAM, temos uma ideia muito clara. O LAAM ofereriscos muito menores de diversão para o mercado

    negro do que a metadona. O efeito euforizante é dis-creto e ocorre várias horas depois da administração eas doses eficazes para controlo do síndroma de priva-ção têm que ser ajustadas com bastante habilidade.Com uma dose acima das necessidades é muito fácilo utente sentir-se mal, com vómitos, cefaleias einsónia. Já com a metadona isto não ocorre. Pode serinjectada e por via oral o efeito euforizante ocorre meiahora depois. Tem "valor" no mercado negro.Preocupa-nos bastante a prática que está a ocorrer em

    vários pontos do País, em que o utente vem tomar umavez por semana ao CAT e leva (o familiar responsável)seis doses. Talvez este não seja um grande problemaem zonas em que haja bastante oferta de lugares paraprogramas de substituição. Mas todos nós sabemosque essa situação não existe na maior parte do País eque a situação mais habitual é a existência de listas deespera. Assim, bastará ao utente queixar-se desintomas de privação para poder ter a sua dose maiselevada e poder, assim, "dispensar parte da sua dose" a

    só é tomada após vários ajustamentos de dosee de vários confrontos com o utente. Chegamosà conclusão que o ajustamento para as dosescorrectas faz muitas vezes a diferença. No casodo LAAM, é ao domingo que se colocam osmaiores problemas, pois é o dia final dum períodode 72 horas em que o utente não toma o LAAM. Oajustamento à sexta-feira muitas vezes não ésuficiente e é preciso proceder a ajustamentosfinos das doses de segunda e quarta-feira.6. A equipa terapêutica - o programa de substitui-ção do CAT de Gondomar e também o programade manutenção com antagonista, assentam numprograma psicoterapêutico. Está estabelecido queos utentes dos programas de substituição tenhamconsultas periódicas, que frequentemente abran-gem os familiares. A colaboração com a família éum elemento extremamente importante no nossotrabalho e sempre que é possível obter a suacolaboração activa os resultados são manifesta-mente superiores. No entanto, as característicasespecíficas do trabalho médico e psicoterapêuticolevam a que este trabalho seja feito basicamentepelos psicólogos, sob supervisão médica. A rela-

    ção óptima que deverá existir entre um médico eum psicólogo será de um para três.

    Como acabámos de escrever, as tomas de metadonasão realizadas por norma perante um elemento de enfer-magem. Como o CAT se encontra encerrado aodomingo, têm de existir necessariamente entregas de

    metadona. A dose deverá ser guardada em local seguroe deve ser administrada de forma a que não seja pos-sível a sua administração por via endovenosa. É impor-tante avisar claramente o portador de que a metadonaem dose de 100mg é mortal para um indivíduo não tole-rante. O aviso ao utente e familiares deve ser claro einsistente. É vulgar guardar-se a dose de metadona diluí-da em sumo (Tang) no frigorífico, o que desperta a aten-ção de crianças, levando-as a uma ingestão acidental. A questão das doses de metadona tomadas em casa

    Ainda a questão das tomasde agonista opiáceo

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    Do ponto de vista prático, nós só podemos comparaaquilo que é comparável. Esta é uma questão das maielementares em Estatística. Se formos comparar uprograma de metadona de tipo de redução de riscocom um programa de LAAM de características terapticas, nós temos o seguinte quadro comparativo:

    Neste quadro, colocámos uma equipa terapêutica minmalista, levando a cabo um seguimento mensal, sem relização de análises no que se refere à metadona. Em relação ao LAAM, colocámos a situação para nós correcem termos daquilo que um programa de substituiçãdeve proporcionar a um utente. Este programa, do ponde vista psicoterapêutico, permite mudanças, o programde metadona atrás descrito não permite. Como é referidem muitos locais, é um programa de redução de riscos

    Mas se quisermos ser justos, devemos comparar aquique é comparável, isto é um programa terapêutico para metadona e para o LAAM. Assim teremos de mutoda a coluna esquerda do Quadro VI e fazer novmente uma comparação.Gostaria ainda de acrescentar que, no caso do programade LAAM acima descrito, os profissionais estarão dispveis para outros programas em dois dias por semana, enquanto que no caso da metadona, os profissionais enumerados estarão completamente vinculados ao program

    outro utente que esteja em carência. É quaseimpossível assegurar o rigor e a segurança das dosespara casa e é por esta razão que temos tido uma pos-tura mais conservadora. Preferimos que o utente venhaao CAT.

    São várias as razões que nos levam a preferir o LAAM,algumas delas já referidas ao longo do texto.Todos nós que trabalhámos em exclusivo com a meta-dona nos lembramos das filas para tomar metadona,das discussões intermináveis com os utentes em rela-ção às subidas de dose, das situações de impossibili-dade de toma de dose (consultas, idas a tribunal, pro-blemas laborais, etc.) que ocorrem com mais frequên-cia com um agonista opiáceo de toma diária, dos ajun-tamentos nas imediações do CAT, etc. Esta situaçãocriava o "burn-out" dos técnicos, suscitava a oposiçãodos moradores e criava problemas de ordem pública.O LAAM veio alterar completamente este cenário, poisos utentes vêm três dias por semana e dispomos,assim, de dois dias por semana, em que nos podemosdedicar aos utentes que fazem terapêutica antagonista,

    à análise das admissões e readmissões, à reunião deserviço. O que se ganhou no CAT de Gondomar emtermos de ambiente de trabalho e da capacidade deresposta às situações que implicam a substituição,compensa largamente a opção tomada. Dito de outraforma, podemos tratar mais utentes em programa desubstituição desta forma do que se tivéssemos optadosimplesmente pela metadona. As doses de LAAM mantêm bastante tempo a sua eficá-cia após um período de 2 a 3 semanas, em que é neces-

    sário proceder a diversos ajustamentos. O LAAM resolvecom eficácia o problema dum grupo de utentes quemetaboliza rapidamente a metadona, em que uma dosediária não chega (é preciso proceder à administração deduas doses diárias). O LAAM dá ao utente um estado denormalidade, distante do estado característico da meta-dona, em que há uma acção euforizante, muitas vezespotenciada propositadamente pelos utentes através daingestão de bebidas alcoólicas ou de depressores doSistema Nervoso Central.

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    A preferência dada ao LAAM

    Afinal, o LAAM é mais caroque a metadona?

    N Percent

    22211131223

    3573

    MetadonaDiagnóstico HIVDesgostar estatuto de toxicodependenteCausas financeirasMotivos de saúdeMotivos existenciaisMotivos circunstanciaisÀ ajuda do cônjugeÀ ajuda técnicaÀ ajuda familiarÀ decisão própria/força de vontadeTotal

    30,12,71,41,41,44,11,42,72,74,1

    47,9100,0

    Quadro 6

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    N Percent

    DesinvestimentoUso instrumentalPelo prazerMedo da ressacaTotal

    11327

    14,314,342,928,6

    100,0

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    C. VASCONCELOS(1993). O uso de agonistas e antagonistas no tratamento de toxicodependentes. Psiquiatria eClínica Geral. Edição Colégio de Psiquiatria.

    C. VASCONCELOS (1995). Proposta de reestruturaçãodos programas de substituição. Confrontações. Maio1995. 3º ano n.º 4.

    C. VASCONCELOS (1995). Linhas gerais duma proposta para a reestruturação dos programas de substitui-ção. Toxicodependências. Junho de 1995. 1º ano n.º2.

    C. VASCONCELOS (1995). Tratamento de dependência de heroína. Programa de substituição com o"ORLAAM" - A experiência do CAT de Gondoma APMA News. Nº 2 Julho Setembro de 1995.

    C. VASCONCELOS (1996). Two years of experiencwith LAAM at the CAT (Center of Addiction Treatmeof Gondomar. Publicação da SIPACO Internacional.

    C. VASCONCELOS (1998). Os programas de substituição são programas sociais ou são programas tera-pêuticos? Anamnesis. Ano 7 - nº 66 - Abril de 1998.

    Joyce Lowinson, Ira Marion, Herman Joseph and VincenDole (1992). Methadone Maintenance. Substance Abu-se, 2º edição. Williams & Wilkins.

    Como conclusão, podemos adiantar que o LAAM temum custo que é 2,2 vezes superior ao da metadona, seconsiderarmos um programa de redução de riscos e queeste diferencial baixa para 1,1 quando comparamosprogramas com os mesmos objectivos terapêuticos.

    Carlos VasconcelosPsiquiatraCAT Gondomar Rua Caminho de Pevidal, r/cS. Cosme

    4420 Gondomar

    BibliografiaQuadro VII

    Notas

    (1) Era ponto assente para muitos psicoterapeutas que a psicoterapia eraimpossível de aplicar em utentes de substituição e que somente eraviável um aconselhamento.

    (2) Está demonstrado que intervenções psicossociais, por si só, podem

    justificar uma taxa de sucesso de 60%.

    (3) É eticamente condenável este procedimento quando o utente sótem a alternativa de continuar os consumos de heroína. O utente devepoder ser transferido para outro programa de limiar mais baixo.

    (4) Refiro-me a médicos e enfermeiros.

    (5) Resultando duma colaboração excepcional de diversos organismosoficiais e de solidariedade social.

    (6) Dentro duma linha geral de acção de romper com o isolamento doCEPD/Norte, nós fizemos contactos ao nível dos cuidados primários e dasunidades hospitalares especializadas.