Tempestade de areia (amostra)

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“O passado é imutável, mas o futuro depende de nossas escolhas.” Ao pensar que sua jornada chegaria ao fim, Aisling descobre que aquele era apenas o início. Munidos da localização da Fortaleza da Resistência, o exército de Vulcannus avança, ameaçando o sonho de uma Hynneldor livre. Nessa sequência de Línguas de Fogo, Aisling deverá escolher entre voltar para casa com Dharon ou entregar uma importante mensagem à capital de Datillion. Enquanto isso, seus amigos enfrentam antigas lembranças e buscam, uns nos outros, forças para seguir em frente. Muitos perigos e aventura aguardam nessa jornada, que levará o leitor a territórios inexplorados do mundo mágico de Myríade.

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1ª Edição

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Copyright © 2013 by Karen Soarele

Capa

Luís Brüeh

Ilustrações do mIolo

Hudson Justino de AndradeLuís Brüeh

revIsão

Évellyn BrüehmüellerMaria Suzana Soares

leItura CrítICa

Adson “Ace” BarrosAnna Carolina SchermakCyntia “Alice” AguiarHelana O’haraLuís BrüehMonique Portela

Revisado conforme o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil desde janeiro de 2009.

Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução de qualquer parte desta obra sem autorização prévia da autora.

Cubo mágICo

Rua da Candelária, 682, sala 1 – Campo Grande/MS – Cep 79080-340

Índices para catálogo sistemático1. Literatura infantojuvenil 028.5

2. Literatura juvenil 028.5

S676t Soarele, Karen.Tempestade de Areia / Karen Soarele. − Campo Grande:

Cubo Mágico, 2013 − (Crônicas de Myríade; v.2). 308 p. ; 23 cm.

ISBN 978-85-65337-03-8

1. Literatura infantojuvenil. I. Título. II. Série

CDD: 028.5CDU: 82-93

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

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Para Luís Brüeh, que revolucionou a minha vida,

como uma Tempestade de Areia.

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Sumário

Prólogo ................................................................................................... 11

1. Reminiscências .................................................................................. 14

2. Fortaleza sob Ataque ........................................................................ 19

3. A Diáspora ......................................................................................... 31

4. A Coronela e a Sacerdotisa .............................................................. 41

5. A Cidade-ponte ................................................................................. 50

6. O Segredo da Montanha .................................................................. 66

7. Mergulho pelo Inconsciente............................................................ 78

8. Uma Mensagem de Esperança........................................................ 83

9. O Alfa ................................................................................................. 95

10. Renascer em Datillion .................................................................. 108

11. A Profecia de Cora ....................................................................... 113

12. Ruínas de Hellingdon ................................................................... 118

13. A Decisão de Odette .................................................................... 125

14. Kaled e o Povo do Deserto ......................................................... 135

15. O Machado de Axel ...................................................................... 141

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16. O Laboratório ............................................................................... 153

17. O Outro Pistiro ............................................................................. 163

18. Os Sete Patriarcas ......................................................................... 174

19. Tempestade de Areia .................................................................... 182

20. Defesas de Raadrã ........................................................................ 189

21. Condecoração ................................................................................ 196

22. Rio Seco ......................................................................................... 202

23. O Medalhão ................................................................................... 208

24. Cascos e Relinchos ....................................................................... 215

25. Cerco em A’hassunah ................................................................... 221

26. Dois Lados da Muralha................................................................ 229

27. Centelha da Destruição ................................................................ 237

28. Flagelo dos Furiosos .................................................................... 244

29. Ponta de Seta ................................................................................. 252

30. Rota de Colisão ............................................................................. 261

31. O Duelo Decisivo ......................................................................... 265

32. Fulgor Alvo .................................................................................... 273

33. Magia Ancestral ............................................................................. 278

34. A Maldição de Areia ..................................................................... 286

Epílogo ................................................................................................. 292

Déjà vu .................................................................................................. 297

Glossário............................................................................................... 301

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Prólogo

Depois de tantos anos, o calor já havia deixado de ser uma tortura. Era, simplesmente, a realidade no deserto de Datillion. Tão

previsível quanto o anoitecer, tão natural quanto a vida e a morte.O sol castigava as areias do deserto sem clemência, enquanto

o vento soprava, formando fortes rajadas que arranhavam a pele. As poucas nuvens vistas no céu eram tão elevadas e rarefeitas que pareciam não fazer parte daquele mundo e eram logo deixadas para trás pela caravana que avançava.

Kaled vinha à frente, liderando o povo Dat’areh através do mar de dunas. Guiava-se, de dia, pelo Sol e, à noite, pela estrela de Thermirn. A grande caravana, formada por centenas de homens e mulheres montados em cavalos e camelos, além de animais de carga e rebanhos de cabras, abria, às pegadas, uma nova estrada em direção ao leste, estrada essa que logo seria encoberta novamente pela areia, desaparecendo para sempre, como se jamais tivesse existido.

Já fazia algum tempo desde que haviam percorrido aquele mesmo caminho, no sentido contrário. Nada havia mudado. Persistia a busca por água e por boas pastagens, persistia o sol escaldante e a aridez na garganta. Kaled subiu a última duna, com toda a caravana às

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suas costas, e seu trabalho como guia estava concluído. À sua frente, estendia-se uma grande área de mata verde que resistia com bravura ao clima fustigante. Erguia-se ao redor de uma rocha vermelha, da qual escorria um fino, porém contínuo, veio de água, que alimentava um lago de águas calmas. O Oásis Cathanaraan.

Ali montariam acampamento e se fixariam por alguns meses. A água fresca era motivo de alegria, e, logo após matarem a sede, todos começaram a trabalhar na montagem das tendas e trato dos animais. A noite viria em breve, e a madeira em brasas os manteria aquecidos.

A pé, Kaled escalou a duna mais próxima, de onde tinha uma visão ampla do território infértil ao redor do oásis. O céu era de um anil límpido, que contrastava com o dourado da areia do deserto. Com exceção do acampamento, tudo ao redor estava imerso em profundo silêncio e serenidade, mas ele sentia uma estranha inquietação em seu âmago.

Não demorou para que Asim Talib, seu padrinho e senhor, se juntasse a ele no topo da colina dourada.

— Não compreendo... — disse Kaled ao homem mais velho — Por mais que eu olhe para o horizonte, vejo apenas o céu, limpo e tranquilo, sem perigo aparente. Mas, por algum motivo inexplicável... sinto que uma tempestade de areia se aproxima.

— Nem todas as tempestades acontecem ao nosso redor, Kaled. Algumas ocorrem dentro de nós. — Respondeu o padrinho. O turbante branco contrastava com sua pele castanha. — O Touro do Deserto está impassível hoje, mas como está o touro de sua alma, que faz seu coração bater mais forte e motiva você a buscar os grandes mistérios da vida e da morte?

Kaled não respondeu. Apenas voltou seu olhar mais uma vez para o horizonte. E aguardou o momento em que o touro interior diria que é chegada a hora de agir.

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Reminiscências

A estrada era de terra batida, margeada pela orla de uma espessa floresta. Marian olhou ao redor, mas pôde ver apenas as

primeiras árvores. Atrás destas, uma sombra negra encobria toda a paisagem e impedia a visão. Estranho, para um dia ensolarado como aquele, mas Marian não se deixou abalar. Ela sabia que aquilo não passava de um sonho.

— Chegamos — Sussurrou uma voz masculina à sua frente —, prepare-se.

O coração de Marian deu um pulo ao perceber que não estava sozinha. À sua frente ia um homem trajado de armadura completa e montado em um robusto cavalo de guerra. Não podia ver seu rosto, mas reconheceu sua voz grossa e o cabelo grisalho.

De repente, Marian percebeu que também estivera o tempo todo montada em um cavalo. Era branco, esbelto e ágil. Pensou em puxar as rédeas e voltar por onde viera, mas suas ações traíram seu desejo. Às suas costas, o caminho que deixava para trás desaparecia na escuridão do esquecimento.

Posicionou-se ombro a ombro com o cavaleiro. Queria muito vislumbrar o seu rosto, mas, antes que conseguisse, ele se fechou no elmo em forma de cabeça de lobo branco, que deixava apenas sua

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boca à mostra. Então virou-se para ela e puxou-a pelo ombro. Sua mão, apesar de áspera e pesada como a de um verdadeiro guerreiro, tocava-a com delicadeza.

Em contraste com a pesada armadura do cavaleiro, Marian trajava um tecido leve e esvoaçante. Por um lado, o vestido proporcionava-lhe grande liberdade de movimento, mas, em contrapartida, não lhe oferecia proteção alguma. Ela não se vestia daquela forma há muito tempo, apesar disso, sentiu-se estranhamente à vontade.

— Finalmente o localizamos. A batalha será dura. — Falou o cavaleiro, trazendo-a para perto de si. — Mas não importa o que aconteça, jamais se esqueça de que eu amo você. Sempre amarei.

Quando sentiu os lábios do homem tocarem os seus, o coração de Marian se fez em pedaços e o pânico invadiu sua mente. Desejava tomar o caminho de volta, levar o homem para longe daquela terra e nunca mais regressar. Mas era impossível. Seus olhos se recusaram a libertar as lágrimas que vertiam de sua alma, enquanto viam-no se afastar e reiniciar a cavalgada.

Não havia um pássaro sequer. O silêncio imperava e as cores se tornaram acinzentadas. Quando deu por si, Marian já não estava mais na estrada. Ela não se lembrava de como chegara até ali, mas sua cabeça latejava e ela estava caída em um campo desconhecido, que havia sido arado recentemente. Ao seu lado, o cavalo branco jazia, morto.

O cavaleiro também estava ali. Galopava destemido, em sua direção, vencendo com dificuldade o terreno fofo. Em uma das mãos, empunhava um escudo pesado, que lhe protegia todo o corpo. Na outra, uma longa lança, ameaçadora, em posição de ataque.

— ATRÁS DE VOCÊ! — Gritou ele.Marian saltou para o lado a tempo de se desviar da investida

de uma fera atroz. Ao olhar para trás, deparou-se com o impacto do guerreiro contra o inimigo. Entretanto, deu-se conta de que aquilo contra o que lutavam não era um animal, mas um Furioso.

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A valente lança acertou o alvo por diversas vezes, vertendo o sangue do Furioso de inúmeros ferimentos pelo corpo. Mas aquilo não o mataria, era necessário trespassar o coração. O guerreiro sabia disso e investia a galope, estocando incansavelmente e utilizando o escudo para se defender dos contra-ataques da besta. Até que um golpe arrasador o acertou, derrubando-o do cavalo.

No mesmo instante, Marian pôs-se a correr. Seus pés desbravaram o campo, ágeis como um lince e, antes que o Furioso desferisse o golpe fatal no guerreiro atordoado, ela já estava entre os dois. Ergueu os braços, invocando todo o poder que possuía, e um redemoinho se fez ao seu redor. Então o vento se moldou, sólido como uma muralha, formando uma barreira protetora. Por mais que tentasse, o Furioso não conseguia fazer-lhes mal algum.

— Os lavradores! — O guerreiro gritou, rolando para o lado.Ali perto havia uma pequena cabana, onde vivia a família que

cultivava aquelas terras. Para aflição de Marian, a besta descobrira um menino de treze anos escondido próximo a um poço, prestando atenção a cada detalhe da luta. Chamava-se Desmond, mas isso Marian só saberia mais tarde.

Movendo os braços rapidamente, Marian desviou o vento. A barreira protetora estralou e se desfez, para refazer-se sobre o garoto, no exato momento em que a fera saltou, a uma altura incrível, avançando sobre ele. O estrondo causado pelo baque foi ouvido em toda a região, mas o Furioso não se deixou abalar e, tendo seu ataque falhado, imediatamente se virou e acometeu sobre Marian, acertando-a em cheio com um encontrão.

Com o impacto, Marian foi arremessada para trás, caindo sobre a terra. E o Furioso prosseguiu em sua arremetida, atropelando-a. Mesmo sabendo que aquilo era apenas um sonho, a dor que sentiu quando teve sua perna direita estraçalhada foi muito real, e um urro de sofrimento irrompeu, involuntário, acompanhando as lágrimas de agonia que saltaram de seus olhos.

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— MARIAN! — Gritou seu companheiro, finalmente levantando-se sob a pesada armadura. Perdera sua lança e seu escudo, mas faria qualquer coisa para proteger a mulher amada.

O Furioso deu meia-volta e correu em direção a ela. Saltou novamente, seus olhos em chamas visavam a mulher caída. O próximo golpe seria fatal.

Marian sentiu algo pesado cair sobre seu corpo e, por um instante, pensou que sua vida chegava ao fim. Mas, quando abriu os olhos, não foi o Furioso que ela viu sobre si, e sim, o cavaleiro de armadura, inerte. Um rugido feroz saiu da garganta da besta, enraivecida por não ter acertado o alvo desejado. Golpeando pela lateral, lançou o corpo do homem para longe, deixando Marian novamente vulnerável e se preparou para mais um ataque.

Sozinha e ferida, ela sabia que jamais escaparia. Assim, encarou os olhos da morte com a honra dos heróis e esperou pelo seu fim. Foi quando sentiu alguém agarrar-lhe os braços e puxá-la para trás. Munida de repentina esperança, cooperou com a retirada, utilizando a perna boa para rastejar, enquanto a outra perna, inútil, era apenas arrastada e deixava uma linha de sangue pela terra. E o Furioso investiu, com toda sua força, em um ataque que acertou o sulco deixado no caminho.

— Não desista! Todos precisam de você! — Falou o filho do lavrador, que levava Marian para longe do perigo.

Caída ao seu lado, Marian encontrou a lança do guerreiro. Desvencilhou-se do menino e se apoderou dela. Quando o Furioso arremeteu contra eles, ela a ergueu com muito esforço, inesperadamente fincando-lhe no coração.

O Furioso caiu para o lado, morto por sua própria ânsia de sangue. Marian levantou-se com dificuldade e, mancando, caminhou lentamente até o guerreiro derrotado.

— Marian, pare! Vai piorar! — O garoto a seguiu. E, ao olhar nos olhos dele, ela reconheceu não apenas a preocupação, mas também a gratidão e o afeto, que durariam até o fim de seus dias.

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Mas ela o ignorou e continuou andando até seu amado, com lágrimas de pesar vertendo abundantemente. Abraçada a ele, removeu-lhe o elmo de lobo. Queria muito se lembrar de seu rosto, mas uma sombra negra impedia-lhe a visão.

Então o sonho terminou e Marian acordou, ofegante. O suor escorria pelo cabelo castanho e curto, enquanto ela se dava conta de que a perna cicatrizara há muitos anos. Lentamente, reconheceu o local onde estava: o seu quarto de paredes de pedra, em uma torre da Fortaleza da Resistência. Lá embaixo, uma gritaria indicava que estavam novamente sob ataque, e ela precisava descer e se preparar para liderar a defesa. Mas, antes, precisava se recompor.

O quarto da líder da resistência era seu refúgio solitário. O único local onde podia despir a máscara de líder forte e inabalável, e externar as lágrimas de angústia que feriam seu peito.

Mais uma vez era atormentada por aquele sonho recorrente. Mas não era apenas um sonho. Era uma recordação que ela desejava, desesperadamente, esquecer.

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Fortaleza sob Ataque

Gritos de aviso e de medo abafavam o ar na Fortaleza da Resistência. Homens e mulheres circulavam, alvoroçados,

agasalhando-se contra o frio da montanha e armando-se como podiam. Espadas passavam de mão em mão, distribuídas aos homens que ainda estavam aptos a empunhá-las, enquanto os escudos intactos eram separados daqueles que estavam imprestáveis, por terem sido parcialmente derretidos nas explosões causadas pelo fogo mágico dos soldados de Vulcannus. Dias agitados se tornavam cada vez mais frequentes, e todos sabiam o que isso significava: os sentinelas haviam alertado sobre um novo ataque à Fortaleza.

Dharon corria pelo labirinto de casinhas, esbarrando em outros guerreiros e abrindo espaço por entre os camponeses que procuravam abrigo. A desordem tomava conta de toda a cidade que se espremia no interior da muralha da fortaleza, enquanto o sino de alerta soava alto, indicando a iminência da batalha.

— Marian! — Chamou ele, quando a encontrou.Ela mancava pela rua principal, gritando ordens para todos

os lados. Mandou os últimos arqueiros se posicionarem no flanco esquerdo, mudou a posição dos cavaleiros, ordenou que os magos do vento protegessem o portão principal. Todos a ouviam com

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atenção e obedeciam. Na Resistência, sua liderança não era apenas a lei, como também era o que permitia a todos continuarem vivos. E, com a ausência de Desmond, o segundo em comando, Marian tinha ainda mais afazeres.

— E o meu cavalo, onde está? Vocês esperam mesmo que eu lute desmontada?! — Adicionou ela, em tom de desdém.

— Marian! — Repetiu Dharon, colocando-se no caminho dela. — Onde está a Aisling? Pra onde você a mandou?! Estamos sendo atacados e ela não voltou ainda!

— Aisling? Ela saiu em missão... — Começou a líder, mas ele a interrompeu.

— Eu sei! Você e suas missões! Já disse que ela não está preparada pra isso! Cadê ela?!

— Não cabe a você essa decisão! E eu não a envio em missões, é ela que se infiltra nos grupos de reconhecimento! E saiba que ela já voltou, foi ela quem soou o alarme! Veja, está na muralha!

Sem responder, Dharon deu as costas e correu em direção à escada mais próxima, que dava acesso ao adarve, o caminho sobre a muralha, onde se posicionavam os arqueiros do flanco direito.

Apesar do frio cortante, Aisling usava um casaco que deixava os braços descobertos. Ela não estava com frio. Prendeu o longo cabelo louro para trás, para que não atrapalhasse em algum momento crucial, e espiou por cima do parapeito. Do alto da muralha pôde ver os estandartes inimigos surgirem no sopé da montanha vizinha. Havia mais soldados do que no ataque anterior, e já se preparavam para a investida. Sem tirar os olhos deles, puxou uma flecha da aljava e a ajeitou no arco. Ao seu lado, todo um agrupamento de arqueiros fez o mesmo.

— Marquem seus alvos! — Aisling ouviu a voz do comandante, vinda de algum lugar às suas costas.

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Dentro da muralha, a organização da defesa estava atrasada. Crianças e feridos que não podiam mais lutar ainda procuravam abrigo no interior do forte, enquanto todos os demais — homens, mulheres e idosos — se dispunham ao longo da muralha e próximos ao portão, em suas posições, para defenderem tudo aquilo que amavam.

Então o exército hostil iniciou seu ataque. Era formado, em sua maioria, por implacáveis guerreiros de Vulcannus, homens e mulheres que controlavam o elemento fogo, exceto a linha de frente, que era composta por soldados de Hynneldor, magos especialistas em manipular as forças do vento. Aisling não entendia a lógica naquilo, mas os soldados de Hynneldor atacavam seus conterrâneos da Resistência, aqueles que apenas lutavam pela liberdade do reino. Mas decidiu que as reflexões não podiam invadir sua mente naquele momento. Era hora de lutar. Não apenas pela liberdade de um reino, mas por sua própria sobrevivência.

— Disparar! — Gritou o comandante dos arqueiros.Num piscar de olhos, o céu se encheu de flechas. Elas

cortaram o ar em alta velocidade e pareceram pairar no céu, um segundo antes de caírem, visando os inimigos. Enquanto todos os outros arqueiros puxavam a próxima flecha de suas aljavas, Aisling ficou imóvel, esperando para ver o que aconteceria em seguida.

E o que viu foi tão impressionante quanto desesperador.Cientes das pontas das flechas que se aproximavam, todos

os soldados de Hynneldor ergueram as mãos ao mesmo tempo. Com um forte brado, o vento se levantou. Revoltoso, girou com movimentos bruscos, debatendo-se e alvoroçando os flocos de neve que caíam do céu. E, no momento exato, o vento deitou-se e voltou a se levantar com força total, despedaçando a nuvem de flechas e lançando-as em diferentes direções.

Da rajada de flechas, nada sobrou. E o mesmo aconteceu com a próxima e aconteceria com todas as outras que viriam. O vento era

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um poderoso aliado. Podia ser moldado, ordenado e desordenado, criando barreiras protetoras ou lanças mortais. Infelizmente, na Resistência eram poucas as pessoas com a habilidade de controlá-lo, e todos os demais precisavam lutar com arcos e espadas.

— Eles têm um FURIOSO! — Gritou o sentinela posicionado na torre mais próxima.

A situação não podia ficar pior. Atrás dos dois destacamentos — o de Hynneldor e o de Vulcannus —, uma besta selvagem podia ser vista. Enfurecida, rugia bravamente enquanto corria sobre as quatro patas. Em pouco tempo, abriu caminho e ultrapassou todos os soldados, correndo, sozinha, em direção à muralha da fortaleza.

No passado, havia sido um homem. Mas todos os traços de humanidade o abandonaram, e agora tudo o que fazia era cumprir ordens, matando e destruindo todos os que se pusessem em seu caminho. O cabelo era comprido demais, grosso e desgrenhado, e seus braços musculosos estavam cobertos por cicatrizes. Aquelas eram as marcas de seu treinamento desumano.

O destacamento de arqueiros prosseguiu com as rajadas de flechas, seguindo as ordens do comandante. Vez ou outra uma flecha conseguia ultrapassar a barreira de vento e atingir um soldado hostil, mas isso acontecia com menos frequência do que Aisling desejava. A única vantagem em continuar os ataques era que isso mantinha os magos inimigos ocupados em se defender.

Mas Aisling estava mais preocupada com o Furioso. Ela já sabia a destruição que ele poderia causar. Sabia que seria melhor detê-lo antes que derrubasse o portão principal e adentrasse a muralha. Então lançou-lhe uma flecha, apenas para vê-la ser acometida pela barreira de vento e desviada de seu rumo.

Após um instante de reflexão, ela descobriu o que fazer. Segurou uma flecha entre os dedos e a contemplou por um instante. Em seguida, ergueu seu braço, esticando-a em direção ao céu. Naquele dia o vento estava arredio, mesmo assim, ouviu o chamado

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de Aisling e veio em seu socorro. Então ele envolveu a flecha, formando uma fina camada de magia. Era fraca, mas despertou em Aisling a sensação de que seria capaz de fazer a diferença.

Com o olhar fixo em seu alvo, ela envergou o arco e lançou a flecha. A flecha subiu, pairou no ar por um instante e voltou a descer. Atravessou a barreira mágica de vento como uma agulha atravessa o tecido, e fincou-se, certeira, no olho direito do Furioso.

A flecha trespassou-lhe a cabeça, mas o monstro não morreu. Furiosos não sentem dor, mas Aisling percebeu que ele ficou incomodado. Debateu-se e arrancou a seta de seu olho, abrindo um rasgo de onde jorrou muito sangue. E continuou seu caminho, em direção à muralha.

— Eu... acertei. Queria que Desmond estivesse aqui pra ver isso!

Aisling buscava outra flecha da aljava, quando alguém agarrou seu pulso e a impeliu para trás. Quase perdeu o equilíbrio, quando foi arrastada por Dharon para trás da proteção de pedra oferecida por uma parte mais elevada no parapeito.

— O que você tá fazendo aqui?! — Ele a encurralou contra a parede. — Vá para o abrigo!

Se tivesse escolha, Aisling não lutaria. Mas a Resistência estava em perigo. Fizera tantos amigos durante os meses em que vivera ali e precisava protegê-los!

— Não, Dharon. Eu vou lutar!Ela tentou se desvencilhar, mas não conseguiu. Dharon não

a machucou, mas prendia seu braço com a firmeza de uma rocha, enquanto a encarava, sério.

— Eu não vou perder você pra essa guerra.Dharon não era um amigo qualquer. Ele e Aisling eram

muito unidos, desde a infância. Cresceram juntos, um zelando pelo outro, e isso nunca mudaria. Por mais que Dharon tivesse se tornado um grande e forte guerreiro, ele seria para sempre o rapaz doce que

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Aisling conhecia. O que Aisling talvez não percebesse é que ela também estava mudando.

Aisling já fizera catorze anos. O tempo voava mais rápido do que o vento da montanha, e enfrentar os momentos difíceis lhe era retribuído em forma de maturidade. Seu olhar já não era o de uma menininha perdida. Ela sabia o que precisava fazer, e o faria. Estava pronta para ajudar na defesa da Resistência.

— Você não vai me perder — disse ela com firmeza, finalmente afastando-o. No fundo de seus olhos azuis estava a coragem que a manteria viva. — Eu sei o que estou fazendo. E, mesmo que não soubesse, não deixaria de fazer.

Nesse momento, os dois ouviram um barulho horrendo. Correram para fora da proteção e puderam ver que era o Furioso, esmurrando o primeiro portão. Dharon praguejou alto e sacou a espada, enquanto Aisling ajustou uma flecha no arco.

— Você não vai conseguir matá-lo com isso. — Disse ele.— Eu sei. — Respondeu ela. — Mas posso cegá-lo.Dharon sorriu com a ideia. Um olho já fora, faltava só o

segundo. Então, por algum motivo, Aisling olhou para cima. Para seu espanto, uma bola mágica de fogo vinda do céu se precipitava sobre eles em velocidade incrível. Era muito maior do que jamais se vira.

— PROTEJAM-SE! — Ouviu o comandante dos arqueiros gritar.

Muitos arqueiros correram pela muralha, alguns pularam de lá de cima, mas nenhum foi rápido o suficiente para escapar. A última coisa que Aisling viu foi Dharon se lançar à sua frente, na ínfima esperança de protegê-la. Mas ela jamais permitiria que ele se ferisse. Por isso, sem raciocinar, avançou sobre ele, largou o arco e abraçou-o pelas costas, implorando ajuda ao vento, mais uma vez.

Quando os atingiu, a esfera explodiu e fez desmoronar toda aquela parte da muralha. Com os olhos ofuscados pelo brilho do

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fogo, Aisling sentiu o chão ruir sob seus pés e apertou Dharon junto a si com ainda mais força. Os dois caíram sobre uma pilha desordenada de pedras, mas não foram tocados pelas flamas mortais, pois uma redoma de vento os protegia. Ao redor, se ergueu espessa nuvem de fumaça negra, e, para terror de Aisling, ela se viu cercada de cadáveres carbonizados.

— Oh, Zyria! — Exclamou ela, perplexa. Durante os vários meses em que vivera na Fortaleza, aprendera a amar a deusa de Hynneldor. Mas sabia que, para sobreviver à guerra, precisaria de muito mais do que fé.

— Vem! — Dharon já estava em pé, puxando-a para cima.Aisling tentou manter a redoma de vento sobre eles, mas suas

forças se exauriram. Os dois começaram a tossir devido à fumaça e caminharam com dificuldade por entre rochas e corpos, em direção ao interior da fortaleza. O exército hostil não tardaria a invadir pela fenda aberta, e eles não queriam estar no caminho.

Os sons de batalha logo começaram, e, à medida que a névoa negra se dissipou, eles puderam enxergar o exército invasor já misturado aos defensores. Brandiam-se espadas, e lanças de vento e de fogo voavam por todos os lados. Dharon trazia consigo sua espada. Quando o primeiro soldado de Vulcannus se pôs em seu caminho, era chegado o momento de usá-la. Antes mesmo que o inimigo pudesse criar uma magia de ataque, a espada de Dharon já lhe havia varado o abdômen. Porém a batalha estava longe de terminar, mais inimigos viriam.

— Aisling, corra!Aisling estava cansada demais para usar o poder do vento em

batalha e havia perdido seu arco, por isso obedeceu. Aproveitando uma brecha criada por Dharon, fugiu em direção à tropa da Resistência, mas o olhar apavorado dos defensores fez com que ela se virasse para trás. Espantou-se ao ver que, ao longe, outra esfera de fogo gigantesca era criada, gradativamente, através do acúmulo de poder de um grupo de soldados de Vulcannus.

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Antes que pudessem arremessá-la, entretanto, algo aconteceu. A enorme esfera partiu-se ao meio e se decompôs em incontáveis fragmentos de magia, precipitando-se sobre seus criadores, em forma de chuva de fogo. Aisling se distraiu assistindo à cena e não percebeu o pavor que se instaurou ao seu redor. Quando deu por si, estava frente a frente com o Furioso.

Várias flechas pendiam dos braços e tronco dele, e muitos cortes haviam sido feitos em sua pele, mas o ferimento mais grave, sem dúvida, era o olho que faltava. Uma visão aterradora. Instintivamente, Aisling puxou uma flecha da aljava, mas já não podia contar com o arco, então a segurou como se fosse um punhal.

O Furioso levantou a mão para Aisling, mas nunca chegou a golpeá-la, porque Marian surgiu, sabe-se lá de onde, e arremeteu sobre ele, montada em seu corcel negro. A lança passou de raspão, mas foi o suficiente para desviar a atenção do monstro.

— O que você pensa que vai fazer com isso?! — Gritou Marian, referindo-se à flecha que Aisling empunhava.

Nem a própria Aisling soube responder. Marian embrenhou-se numa luta feroz com o monstro, sempre visando acertar-lhe o coração, e Aisling convenceu-se de que ainda podia ajudar. Ela se sentou em pleno campo de batalha, segurou a flecha com as duas mãos e assoprou a ponta. Seu hálito quente e úmido percorreu toda a extensão, da ponta até as penas que pendiam na outra extremidade, repleto de uma magia sutil. Mas a magia se dissipou e nada aconteceu.

Nesse instante, Marian passou ao seu lado, ajustou a lança em posição de ataque e começou um novo galope. Seu alvo estava mais à frente. O Furioso se recompôs do último ataque e, percebendo as intenções dela, rugiu, enraivecido, e disparou em seu encontro. Com um olho apenas, afrontou a determinação da líder da Resistência, enquanto ambos investiam todas as suas forças em um ataque decisivo. Marian estava pronta para matar ou morrer, em nome de seu ideal.

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Aisling pressentiu o perigo, mas o vento ao redor relutava em atender ao seu pedido de socorro. Então ela perdeu a paciência. Agitou a flecha e começou a bater com ela em um pedregulho ao seu lado. Foi com espanto que sentiu uma súbita corrente de ar correr rente ao chão e subir por seu corpo até a flecha, prendendo-se ao redor dela. E, de alguma forma, soube que aquilo funcionaria. Levantou-se e, com um breve movimento, a flecha flutuou entre seus dedos, pronta para ser atirada com o poder do vento.

A ponta da lança de Marian se aproximava rapidamente do Furioso, quando ele apoiou as mãos no chão e, em um salto inacreditável, saiu repentinamente do campo de visão. Ao olhar para cima, ela divisou-o caindo com os punhos sobre si e teve tempo apenas para corrigir a direção da lança.

No entanto, antes que se desse o choque de forças, uma flecha inesperada acertou o olho restante do Furioso. Ele se debateu, surpreendido pelo ataque cegante de Aisling, e perdeu a postura de ataque. Marian, aproveitando-se da vantagem, acertou-o, em cheio, no coração. Sua lança se partiu com o impacto e o Furioso tombou, morto.

Dando pouca importância à vitória, Marian encarou um grupo de soldados de Vulcannus que, em meio à confusão da batalha, assistiram à ruína da besta. Sem tirar o olhar deles, sacou a espada que trazia presa à cintura. Os inimigos tomaram a formação de batalha, divididos entre a surpresa e a coragem, e fizeram com que chamas irrompessem de suas mãos.

De repente ouviu-se uma explosão, e o céu se encheu de brasas avermelhadas. Era o sinal de retirada do exército inimigo.

— NÃO DEIXEM QUE FUJAM! — Gritou Marian.A retirada foi estranha: demasiado súbita e desordenada,

muito diferente da habitual organização do exército de Vulcannus. Dessa forma, Marian conseguiu abater cinco soldados, antes que estivessem fora de seu alcance. Aisling voltou a se sentar no chão,

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pois estava exausta. Mesmo assim, segurou entre seus dedos a última flecha da aljava. Ofegava. Ficou observando a caçada de Marian e a fuga dos últimos soldados de Vulcannus. O campo de batalha estendera-se muralha adentro, e vários focos de incêndio despejavam nuvens de fumaça negra e maligna.

Muitos dos membros da Resistência haviam sucumbido, mas os que ainda estavam vivos logo se reagruparam, prontos para receber novas ordens de sua líder. Dentre eles estava Dharon. Quando surgiu em meio à multidão, logo correu ao encontro de Aisling.

— Olhe pra mim, Aisling! Você está bem? — Perguntou.— Sim, mas e você? Você está sangrando!— Tudo bem, isso não é nada. — Respondeu ele, limpando

o sangue que escorria pela testa.Quando Marian finalmente desistiu de perseguir os soldados

inimigos, ela regressou resmungando sobre a anormal desordem na retirada e percorreu o olhar por toda a muralha. Grande parte estava em ruínas, e todos sabiam que Yorath, o capitão de Vulcannus que liderava os ataques, logo se aproveitaria desta vulnerabilidade.

Foi quando Aisling percebeu a sombra de um homem às costas de Marian, seguindo-a. Ela empurrou Dharon para trás e ficou de pé em um pulo. Com um movimento rápido de suas mãos, a flecha que segurava planou no ar e, em seguida, disparou, como se tivesse sido atirada por um arco, em direção à sombra.

Para se defender, o recém-chegado levantou a palma da mão em direção à flecha, que incendiou-se, perdeu a estabilidade e caiu a seus pés. Marian, Dharon e todos os demais se assustaram ao perceber sua presença. Era um homem alto e magro, e o capuz que usava cobria-lhe o rosto. Antes, porém, que alguém continuasse a ofensiva contra ele, puxou o capuz para trás, revelando sua identidade.

— Desmond! — Aisling se admirou e correu em sua direção.Desmond tinha vinte e sete anos e possuía expressão serena.

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Seu cabelo era crespo e comprido, cuidadosamente preso na altura da nuca. O rosto era alongado, e o nariz, fino e proeminente. Ele abriu os braços e, quando Aisling o alcançou, saltou de alegria e abraçou-o. Por muitos meses ele havia sido seu mestre nas artes do vento, ensinando-a como usar seu poder em batalha. Ela não era muito boa, mas dava o seu melhor, e não conseguira esconder sua tristeza quando, semanas antes, Desmond deixara a Fortaleza em uma missão sigilosa. Agora que ele estava de volta, era a felicidade que ela não conseguia esconder.

— Que bom que você voltou! — Falou Aisling.— É muito bom estar de volta. Só é uma pena que não pude

chegar mais cedo. — Acrescentou, observando a destruição que os cercava.

— Admito que estou feliz em revê-lo. — Marian acenou, cumprimentando-o. — Acredito que você seja o responsável por estarmos vivos por mais um dia.

— Sabotagem sempre foi uma de minhas especialidades... — Respondeu ele, escondendo a tristeza atrás de um sorriso malicioso.

Nesse momento, Aisling perdeu as forças e desmaiou. Desmond se adiantou para apará-la, repetindo seu nome.

— Não se preocupe, ela só está cansada de tanto usar a magia. — Disse Marian.

— É, cansada de tanto arriscar a vida, fazendo essas coisas que você ensinou. — Dharon se aproximou. Em seguida, tirou Aisling dos braços de Desmond, pegando-a no colo. — Vou levá-la para dentro.

Sem se abalar, Desmond se voltou para Marian:— Mande cuidarem dos feridos. Preciso conversar com

você, agora.

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Obrigada por ler os primeiros capítulos de Tempestade de Areia! Espero que tenha gostado, e que tenha ficado curioso(a) pelo restante do livro! :)

Abraços, Karen Soarele

Para adquirir o livro completo, acesse o site:www.cronicasdemyriade.com.br

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