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    Agora vamos a meu argumento para o atesmo.

    Introduo:

    Se Deus no existe, todas as coisas so permitidas. Assim disse um dos personagens de Dostoievski naobra Os irmos Karamazov. Ele estava afirmando que se Deus no existe, ento os valores morais seriamuma questo meramente subjetiva a ser determinada por caprichos individuais ou pela contagem de cabeasno grupo social ao qual algum pertence; ou talvez ele estivesse mesmo dizendo que valores morais seriamtotalmente ilusrios e o niilismo moral prevaleceria. Resumindo o argumento continua se verdadesmorais objetivas existem, ento Deus deve existir.

    A ttulo de contraste, argumento que se verdades morais objetivas existem, ento Deus no existe. Apresentoum argumento moral para o atesmo.

    A: Pontos de concordncia com os testas.

    A respeito de quatro pontos, dois terminolgicos e dois substantivos, eu concordo com meus oponentestestas.

    Primeiro: eu concordo com eles a respeito do significado do termo Deus, e nego que Deus exista. No

    estamos falando de qualquer divindade obsoleta. No estamos falando, por exemplo, sobre Baal (deus doscananitas) ou Aton (deus egpcio), ou Zeus (deus grego), ou Brama (divindade hindu), ou Huitzilopochtli(deus asteca). Todos esses, junto com outros 200 ou mais, citados em obras sobre religio comparada, foramdivindades supremas. Cada uma delas foi adorada e obedecida por milhes. Contudo, como H. L. Menckencolocou em seu artigo de 1922 Servio Memorial, todos esto mortos.

    Apesar de o termo tesmo ser frequentemente utilizado num sentido amplo de forma a abraanger a crenaem qualquer tipo de deus ou deuses sobrenaturais que se revelam para os humanos, eu devo usa-lo comoa maioria dos filsofos e teolgos agora fazem num sentido um tanto mais estrito. O tesmo sobre o qualestarei falando a respeito no somente a crena num ou noutro deus qualquer. a crena no Deus dastradies ortodoxas judaicas, crists e islmicas. a crena num Deus que distingue-se de todos estes outrosem dois aspectos principais. Primeiro, ele santo (isto , moralmente perfeito). Segundo, ele se revelou para

    ns nas Escrituras Sagradas. em virtude de sua Santidade que ele considerado digno de adorao eobedincia. E em virtude de ter se revelado a ns nas Escrituras que sabemos sobre sua natureza e quaisaes ele nos permite ou probe fazer.

    O Deus do Tesmo, assim compreendido, um ser sobrenatural robusto. Ele no deve, portanto, seridentificado com o Deus metafisicamente mutilado de telogos liberais como Paul Tillich e o bispoRobinson, para os quais Deus algo como nossa mais profunda inquietao e a Bblia apenas umafbula inventada pelo homem, ou na melhor das hipteses um romance quase-histrico. Nem deveria ser oDeus dos testas identificado com o ser incognoscvel dos destas como Voltaire e Thomas Paine para osquais Deus era uma entidade hipottica invocada meramente para explicar as origens e a natureza douniverso, e a Bblia uma fraude moral e intelectual impingida sobre os crdulos pelos profetas, papas, padrese pastores. No sentido estrito da palavra, cada um dos quatro pensadores citados um ateu. E, no mesmo

    sentido, tambm eu sou. Mas no vejo nenhuma necessidade de um deus ou qualquer coisa do tipo. Vejoapenas obscuridades semnticas na roupagem liberal de sentimentos humanistas (que eu aplaudo)combinadas com tagarelice piedosa (que eu deploro). E eu encontro somente inferncias falaciosas nasuposio de que podemos explicar porque qualquer coisa existe conjeturando que alguma outra coisa existealm do explicandum; pois tal suposio segue rumo a uma regresso infinita.

    Segundo: penso que os testas concordariam comigo sobre o que queremos dizer quando falamos demoralidade objetiva. Queremos dizer um conjunto de verdades morais que permaneceriam verdadeiras noimporta o que qualquer indivduo ou grupo social pensasse ou desejasse. A noo de moralidade objetiva antittica a todas as formas de subjetivismo moral. Ela sustenta, primeiro, que possumos crenas morais queso ou verdadeiras ou falsas; que elas no so meras expresses de emoes e sentimentos, similares a

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    suspiros e gemidos de prazer e dor. Ela sustenta, em segundo lugar, que a falsidade ou veracidade de nossosjulgamentos morais uma funo de se os objetos de apreciao moral, os agentes e suas aes, possuem aspropriedades morais que lhes imputamos, ou no; que sua veracidade ou falsidade no uma mera funodos pensamentos, sentimentos ou atitudes de indivduos ou de convenes sociais. E ela sustenta, emterceiro lugar, que podem existir verdades morais que ainda aguardam pela nossa descoberta, pela revelao( sob a interpretao testa) ou atravs da razo e da experincia combinadas, talvez, com nossa biologiacambiante (sob a minha interpretao).

    Terceiro: concordarei com meus oponentes testas em manter que ao menos alguns princpios morais soobjetivamente verdadeiros. Admitimos que discordncias sobre temas morais sobre a permissibilidade doaborto ou da pena de morte, por exemplo frequentemente originam fortes reaes emocionais. Mas istono significa que tais desacordos sejam nada alm de rompantes emocionais. Pois consideramos um fato da

    psicologia moral que possumos crenas bem como emoes a respeito de tais temas controversos. E umavez que nada conta como crena a menos que seja verdadeiro ou falso, conclumos que nossas crenasmorais semelhana de crenas a respeito do formato do planeta e da idade do universo soverdadeiras ou falsas. Nem, a partir do fenmeno do desacordo moral, segue-se que a verdade ou falsidadede um julgamento moral determinvel por cada indivduo ou pela contagem de cabeas. Pois consideramosque a perspectiva relativista acerca de temas morais no mais defensvel do que o relativismo a respeito dequestes de fato.

    Quarto: seria de se esperar que os testas concordem comigo quando eu oferecer alguns exemplos concretosde princpios morais que eu considero serem objetivamente verdadeiros.

    A exigncia de objetividade para os valores morais estritamente uma: ela implica que eles deveriam seruniversais no sentido de no admitirem exceo isto , de serem vlidos para todas as pessoas, lugares epocas. Assim, em meu ponto de vista, o princpio segundo o qual moralmente proibido matar outras

    pessoas no objetivamente verdadeiro uma vez que como quase todos concordariam ele admiteexcees tais como matar um assassino em potencial em defesa prpria ou de seus familiares. Formuladodesta maneira um princpio moral falso. Podemos ter uma obrigao prima facie de no matar outra

    pessoa. Mas pensadores morais sofisticados consentiriam que existem situaes nas quais o princpiodeveria ser colocado de lado em virtude de consideraes morais compensatrias. Se formos apresentar

    princpios morais que sejam vlidos sem necessidade de restries, precisamos formula-los de forma a

    englobar adequadamente estas outras consideraes.

    B. Exemplos de verdades morais objetivas

    Apresento agora alguns exemplos de princpios morais que considero serem paradigmas de verdades moraisobjetivas:

    P1: moralmente errado assassinar deliberada e impiedosamente homens, mulheres e crianas quesejam inocentes de quaisquer transgresses graves.

    Uma violao flagrante deste princpio encontrada nas polticas genocidas da SS nazista que, seguindo asordens de Hitler, assassinaram seis milhes de judeus, junto com incontveis ciganos, homossexuais, e

    outros assim chamados indesejveis. No desculpa, da maneira como vejo, o fato de eles acreditaremestar extirpando um cncer da sociedade, ou que eles estivessem, como Hitler explicou em 1933, apenasfazendo aos judeus o que os cristos vinham pregando por dois milnios[6]. Outra violao mais recentedeste princpio pode ser encontrada nas prticas genocidas de Milosevic e seus capangas, para os quais no desculpa dizer que estavam apenas corrigindo injustias passadas ou, atravs da limpeza tnica, lanando osfundamentos de uma sociedade mais coesa e estvel.

    P2: moralmente errado guarnecer o exrcito de algum com mulheres jovens feitas prisioneiraspara serem utilizadas como escravas sexuais.

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    Este princpio, ou algum similar a este, jaz por trs de nossa repulsa moral s polticas dos altos comandosjaponeses e alemes que selecionavam jovens mulheres sexualmente atraentes, especialmente virgens, para proporcionar pretensos confortos a seus soldados. irrelevante, quero dizer, que, historicamente, amaioria das sociedades tenha considerado tais confortos como esplios de guerra aceitveis.

    P3: moralmente errado obrigar pessoas a canibalizarem seus amigos e familiares.

    Talvez possamos imaginar situaes como a queda de um avio nos Andes nas quais atos decanibalismo possam ser exonerados. Mas fazer as pessoas comerem os membros de sua prpria famlia como vrias tribos polinsias so acusadas de terem feito com o objetivo de puni-las, ou para horrorizar eimpingir medo nos coraes de seus inimigos, inconcebvel.

    P4: moralmente errado imolar seres humanos em sacrifcio, queimando-os ou por outros meios.

    No h dvidas, o sacrifcio humano era largamente praticado pelas tribos contra as quais os filhos de Israellutaram, e do outro lado do Atlntico pelos astecas e incas. Mas isto espero que todos vocsconcordem no torna a prtica aceitvel, mesmo se fosse realizada para apaziguar os deuses nos quaiseles acreditavam.

    P5: moralmente errado torturar pessoas eternamente por suas crenas.

    Talvez possamos imaginar situaes nas quais seria permissvel torturar algum que seja ele prprio umtorturador de maneira a obter informaes sobre a localizao dos prisioneiros que de outra maneiramorrero como consequncia das agresses que lhes esto a ser infligidas. Mas casos como o do Papa Pio V,que assistiu a Inquisio Romana queimar um acadmico religioso dissidente por volta de 1570, ultrapassamo limite do moralmente aceitvel; ele no pode ser isentado pelo fato de que pensava estar desta maneirasalvando a alma do dissidente das chamas eternas do Inferno.

    A respeito de todos estes exemplos, gosto de pensar, testas e outras pessoas moralmente esclarecidasconcordaro comigo. E, alm disso, tambm me agradaria pensar que os testas concordariam comigo emsustentar que qualquer um que cometesse, causasse, comandasse ou tolerasse atos de violao de qualquerdestes princpios os cinco aos quais me referirei de agora em diante como nossos princpios no

    somente cruel como deveria ser abominado.

    C: As violaes de Deus de nossos princpios morais.

    E agora vem o elemento decisivo de meu argumento moral contra o tesmo. Pois, como demonstrarei agora,o Deus testa como ele supostamente se revela nas Escrituras judaicas e crists ou comete ele prprio,ou ordena que outros cometam, ou permite, atos que violam cada um de nossos cinco princpios.

    Em violao de P1, por exemplo, o prprio Deus afogou toda a raa humana exceto No e sua famlia [Gen.7:23]; ele puniu o rei Davi por realizar um censo por ele ordenado e ento atendeu a solicitao de Davi deque outros fossem punidos em seu lugar atravs do envio de uma praga que matou 70 000 pessoas [II Sam.24:1-15]; e ele ordenou que Josu assassinasse velhos e jovens, pequenas crianas, virgens, e mulheres (os

    habitantes de uns 31 reinos) enquanto prosseguia em suas prticas genocidas de limpeza tnica nas terrasque judeus ortodoxos ainda consideram parte da Grande Israel (veja o cap. 10 do livro de Josu em

    particular). Estes so somente trs de centenas de exemplos das violaes de Deus de P1.

    Em violao de P2, aps ordenar que soldados chacinassem todos os homens, mulheres e garotos midianitassem piedade, Deus autorizou que os soldados dispusessem sexualmente das 32 000 virgens sobreviventes.[Num. 31:17-18].

    Em violao de P3, Deus repetidamente diz ter feito, ou que far, pessoas canibalizarem suas prpriascrianas, maridos, esposas e amigos para puni-los por sua desobedincia. [Lev. 26:29, Deut. 28:53-58, Jer.19:9, Ezeq. 5:10]

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    Em violao de P4, Deus tolerou que Jeft lhe ofertasse em sacrifcio numa fogueira sua nica filha [Juzes11:30-39].

    Finalmente, em violao de P5, o cordeiro sacrificial do prprio Deus, Jesus, observar impassvel enquantoele tortura a maior parte dos membros da raa humana eternamente, principalmente porque no acreditaramnele. O livro do Apocalipse nos diz que cada um cujo nome no tiver sido escrito desde a fundao domundo no livro da vida do Cordeiro que foi morto [Apoc. 13:8] ir para o inferno onde eles seroatormentados com fogo e enxofre na presena dos anjos sagrados e na presena do Cordeiro; e a fumaa deseu tormento subir eternamente: e eles no tero descanso dia ou noite [Apoc. 14:10-11].

    D: Um dilema lgico para os testas: uma ttrade inconsistente

    Estas e incontveis outras passagens da Bblia significam que os testas so confrontados com umdilema lgico que atinge o mago de sua crena de que o Deus das Escrituras santo. Eles no podem, semse contradizerem, acreditar em todas as quatro afirmaes a seguir:

    (1) Qualquer ato que Deus realize, cause, ordene ou tolere moralmente permissvel.

    (2) A Bblia nos revela vrios atos realizados, causados, ordenados ou tolerados por Deus.

    (3) moralmente inadmissvel para qualquer um realizar, causar, ordenar ou tolerar atos que violem nossosprincpios morais.

    (4) A Bblia nos diz que Deus de fato cometeu, causou, ordenou ou tolerou atos que violam nossosprincpios morais.

    O problema que estas declaraes formam uma ttrade inconsistente tal que a partir de quaisquer trs delasalgum pode inferir validamente a falsidade da remanescente. Assim, algum pode coerentemente afirmar(1), (2) e (3) somente ao custo de abrir mo de (4); afirmar (2), (3) e (4) somente ao custo de desistir de (1);e assim por diante.

    O problema para um testa decidir qual destas quatro declaraes abandonar a fim de salvaguardar o

    requisito mnimo de verdade e racionalidade, a saber, a consistncia lgica. Afinal, se algum mantmcrenas que se contradizem ento suas crenas no podem ser todas verdadeiras. E discusso racional com

    pessoas que se autocontradizem impossvel; se contradies so permitidas ento qualquer coisa podeacontecer.

    Mas qual dos quatro enunciados ir nosso testa negar?

    Negar (1) seria admitir que Deus ocasionalmente comete, causa, ordena ou tolera atos moralmenteinadmissveis. Mas isso significaria que o prprio Deus imoral, ou at mesmo, dependendo da magnitudede seus delitos, que ele mau. Isso implicaria negar que ele santo e digno de adorao; e negaria,adicionalmente, que sua santidade o fundamento da moralidade.

    Negar (2), para o testa, seria abandonar o principal fundamento da epistemologia religiosa e moral(maneiras de adquirir conhecimento religioso e moral). Pois se (2) fosse falsa, surgiria ento a questo decomo saberamos da existncia de Deus, ou, ainda pior, como ele nos serviria como referncia moral. Afinal, uma caracterstica distintiva do tesmo, em oposio ao desmo, sustentar que Deus se revela para ns e, detempos em tempos, intervm na histria humana. E a Bblia, segundo os testas, o principal registro de suasintervenes revelatrias. Se a Bblia, com suas histrias sobre Moiss e Jesus, no sua palavra revelada e

    presumivelmente verdadeira, ento como teremos conhecimento sobre ele? Se Deus no se revela atravs deMoiss no Velho Testamento e de Jesus no Novo Testamento, ento atravs de quem ou de que ele serevela? A bem da verdade, um testa poderia afirmar que Deus tambm se revela por outros canais alm daBblia: razo, tradio e experincias religiosas sendo todas exemplos em questo. Mas negar que a Bbliaseja seu principal modo de comunicao seria negar que os principais personagens do Judasmo e do

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    Cristianismo possam realmente ser, afinal, conhecidos. Fora dos registros escriturais, saberamos muitopouco, se que saberamos qualquer coisa, acerca de Moiss ou Jesus, sendo bastante questionvel se ahistria secular possui qualquer coisa confivel a dizer a respeito de qualquer um deles. Afora os registrosescriturais no teramos conhecimento algum dos assim chamados Dez Mandamentos que Deussupostamente entregou a Moiss, ou dos princpios ticos que Jesus supostamente proferiu em seus sermese parbolas.

    Negar (3) seria declarar que moralmente admissvel violar nossos cinco princpios morais. Seria tornar-secmplice de monstros morais como Ghenghis Khan, Hitler, Stalin e Pol Pot. Seria abandonar toda equalquer pretenso a uma crena em valores morais objetivos. Mais ainda, se permissvel violar os

    princpios acima, ento no fcil ver que tipos de aes no seriam admissveis. A negao de (3), ento,seria equivalente a adotar o niilismo moral. E nenhum testa que acredita nos Dez Mandamentos ou noSermo da Montanha consentiria nisso.

    Isso deixa apenas (4). Mas negar (4) seria colidir com a realidade de fatos determinveis por qualquer umque faa uma leitura cuidadosa: fatos objetivos sobre o que Bblia realmente diz.

    Adiante argumentarei que tanto (3) quanto (4) so verdadeiras; desta maneira confrontarei os testas com anecessidade de abandonar (1) ou (2) os dois pilares principais da crena testa. Meus argumentosmostraro que se Deus existisse ento ele ou no seria santo ou as Escrituras no seriam sua palavra

    revelada.

    Devo, entretanto, lidar com os contraargumentos dos que defendem Deus e as Escrituras contra crticascomo as minhas. Apologistas testas possuem duas estratgias principais. Uma tentar mostrar, contrariando(4), que a Bblia ou no diz realmente o que eu afirmo que ela diz, ou que as passagens que cito nosignificam o que eu digo que significam. Esta ttica envolve um certo tipo de maquiagem das passagens emdiscusso de modo a torna-las moralmente incuas. A outra tentar mostrar, contrariando (3), que nossos

    princpios morais so ou inaplicveis s situaes descritas em (4) ou que eles admitem excees queabsolveriam Deus por viola-los.

    Eu me ocuparei com estas duas estratgias apolgeticas a medida em que surgirem em conexo com minhadefesa da veracidade de (4) e (3), nesta ordem.

    E: Uma defesa de (4): O que a Bblia de fato diz sobre as violaes de nossos princpios morais porDeus.

    P1 e a matana de inocentes.

    Primeiro: considere a histria, nos captulos 6 e 7 do livro de Gensis, do Grande Dilvio e da Arca de No. uma histria conhecida o bastante para me dispensar de reconta-la detalhadamente. Basta dizer que porcausa da perversidade que Deus viu sobre a terra, ele decidiu em suas prprias palavras Destruirei ohomem que criei de sobre a face da terra, desde o homem at ao animal, at ao rptil, e at ave dos cus;

    porque me arrependo de os haver feito (Gen. 6:7). As nicas excees humanas foram No e sua famlia.

    Segundo: considere a estranha histria sobre Deus ordenando ao Rei Davi que fizesse um censo de seu povo. estranha por trs razes. Da maneira que a histria contada em 2 Samuel, cap. 24, -nos ditos que Deusexpediu Davi com a ordem V, conte Israel e Jud; que aps cumprir esta ordem, Davi chegou estranhaconcluso de que havia por esse meio cometido um grande pecado; que Deus ento ofereceu a Daviescolher entre trs castigos: sete anos de fome e escassez, trs dias de peste, ou trs meses sendo perseguidoe importunado por seus inimigos; que nosso nobre rei escolheu a fome ou a peste para os outros em vez deexpor a si prprio; e que Deus aquiesceu: o Senhor enviou uma praga sobre Israel; e setenta milhomens do povo que habitava desde Dan at Beersheba morreram. intrigante que um Deus justo desejaria

    punir Davi por obedecer suas ordens. Mais intrigante o fato do Deus santo derramar sua fria sobre outrosmatando setenta mil homens (e um nmero indeterminado de mulheres e crianas, que parecem no serconsiderados na maioria das narrativas bblicas). ainda mais intrigante que quando a histria recontada

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    em I Crnicas, cap. 21, descobrimos que foi Satans, no Deus, que incitou Davi a empreender o censo. Ainconsistncia j ruim o bastante uma vez que pelo menos uma destas histrias deve ser falsa. ainda piorque, em ambas as verses, Deus no Satans que assassina quem no tinha nada a ver com o suposto

    pecado de Davi.

    Terceiro, considere o caso no qual Deus manda Josu matar virtualmente todos os habitantes da terra deCana. A histria comea no captulo 6 do livro de Josu, contando como o heri e seu exrcito conquistou aantiga cidade de Jeric onde eles tudo quanto havia na cidade destruram totalmente ao fio da espada, desdeo homem at mulher, desde o menino at ao velho, e at ao boi e gado mido, e ao jumento. Ento, docaptulo 7 at o 12, somos brindados com uma crnica arrepiante sobre os 31 reinos e todas as cidades quecontinham, que caram vtimas das polticas genocidas de Deus e de Josu. Vez ou outra lemos as frases eledestruiu completamente cada pessoa que havia nela, no deixou sobreviventes, e nenhum foi deixadorespirando. E a ttulo de explicao da razo pela qual apenas um dos povos autctones selou a paz com osinvasores, -nos dito Pois de Jeov veio o endurecimento dos seus coraes, para sarem guerra contraIsrael, a fim de que fossem destrudos totalmente, e no achassem piedade alguma [Josu 11:20]. Aocasio e a justificativa para matar fora forjada pelo prprio Deus.

    O que moralmente preocupante sobre cada um destes trs casos que Deus aparentemente no teveescrpulos em ordenar a matana de pessoas que, em qualquer sentido ordinrio das palavras, eraminocentes de transgresses srias. Afinal, uma questo fatual emprica explcita que crianas recm-

    nascidas, e menos ainda aquelas no-nascidas, no so capazes de fazer os tipos de coisas que justificampunies como afogamentos, ser morto no fio da espada, arrancado do tero de sua me[7], ou morrer deuma praga enviada por Deus. A Bblia, contudo, relata despudoradamente que elas estavam dentre asincontveis vtimas das aes ou das ordens de Deus.

    P2 e a entrega de virgens capturadas para as tropas

    O livro dos Nmeros, cap. 31, comea com o Senhor dizendo a Moiss, Vingue-se plenamente pelos filhosde Israel dos midianitas, ento dizendo como em obedincia s ordens de Deus doze mil guerreiros

    primeiro mataram todos os homens [vers. 7], e aprisionaram todas as mulheres de Midian e suascrianas [vers. 9]. Mas ns lemos, Moiss estava furioso com os oficiais do exrcito e perguntou-lhes,Vocs pouparam todas as mulheres? Agora, pois, mate todos os meninos dentre as crianas, e mate toda

    mulher que tenha conhecido intimamente um homem. Mas todas as jovens que no conheceram um homemintimamente, poupem-nas para vocs. [vers. 15-18]

    Agora, deve ser admitido que em nenhum lugar desta histria de violncia e escravizao -nos ditoexplicitamente que as tropas dos exrcitos do Senhor usaram as virgens capturadas para sua prpriasatisfao sexual. Ento no chega a surpreender que alguns apologistas amparem-se nesta omisso a fim deargumentar que P2 absolutamente no foi violado. Um apologista deste tipo afirma implicitamente que ossoldados levaram as mulheres somente como esposas ou servas. Afinal, ele nos tranquiliza, a lei de Deusdizia que qualquer um que mantivesse relaes sexuais fora do casamento heterossexual seria condenado morte e que qualquer homem que cometesse fornicao seria forado a casar com a mulher e nunca lheseria permitido se divorciar dela.[8]

    Mas isso no resiste uma nalise mais detalhada. A Bblia narra numerosos casos de assim chamadoshomens de Deus que fornicaram e no casaram e as vezes at casaram e no foram punidos seja

    pelos homens seja por Deus. Exemplos incluem os encontros sexuais de Abrao e sua escrava egpcia Agar;o relacionamento adltero do rei Davi com Bathsheba; e o rei Salomo, fruto deste relacionamento, e suastrezentas concumbinas.

    Algum teria que ser extraordinariamente ingnuo para supor que, dos doze mil soldados, no houvenenhum que no tirou vantagem sexual das trinta e duas mil virgens mais de duas para cada soldado que Deus lhes concedeu para uso prprio.

    P3 e fazer com que pessoas canibalizem seus parentes.

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    H ao menos cinco passagens nas quais Deus diz a seu povo que se eles no o obedecerem eles seropunidos sendo reduzidos uma penria to extrema que vero-se obrigados a canibalizarem uns aos outros:filhos, filhas, maridos, esposas, pais, mes, e irmos, para nada dizer dos meros amigos [9]. O livro deJeremias especialmente revelador. No captulo 19, versculo 9, o prprio Deus reivindica responsabilidadedireta por estes horrores quando diz: E eu os farei comer a carne de seus filhos e a carne de suas filhas

    Para estas passagens os apologistas costumam oferecer duas racionalizaes principais. Uma que Deusest meramente ameaando seu povo escolhido com a fatalidade que lhes suceder se eles no obedeceram aseus mandamentos. A segunda que ele est meramente prevendo a sina que lhes sobrevir durante osiminentes cercos a serem realizados por seus inimigos. O problema com a hiptese da ameaa que, emcada exemplo, os Filhos de Israel na verdade desobederam seus mandamentos, apesar das graves ameaas.Assim, se Deus no faz o que ameaou fazer, suas ameaas eram vazias e ele repetidamente falhou emmanter sua palavra. E o problema com a hiptese da profecia, que se as coisas no sassem como Deus

    previu, ento ele teria feito uma falsa profecia. Mas em qualquer caso nenhuma das explicaes ajudariacom a passagem do livro de Jeremias, na qual Deus no est simplesmente prevendo o que os inimigos deIsrael o foraro a fazer, mas declarando o que ele prprio o obrigar a fazer. No h contradio no fato deque se a palavra de Deus verdadeira, ento ele fora os outros a violar P3.

    P4 e a tolerncia com o sacrifcio de crianas

    No captulo 11 do livro de Juzes, somos afrontados com um conto cauteloso sobre a quebra de umjuramento e suas consequencias. Jeft, -nos dito, foi um homem poderoso que foi usado por Deus para darcontinuidade tradio de Josu, eliminando da terra de outro povo etnicamente distinto, os filhos de Amon.Lemos que Jeft fez um juramento a Deus, e disse, se me entregares nas mos os filhos de Amon, a pessoa,seja ela qual for, que sair da porta da minha casa ao meu encontro, quando eu voltar vitorioso dos filhos deAmon, ser de Jeov e eu a oferecerei em holocausto. (vers. 31-32)

    O Senhor, ao que parece, achou isto perfeitamente aceitvel. Ele manteve sua parte da barganha entregandoos amonitas e suas vinte cidades com uma grandiosa matana nas mos de Jeft. Ento foi a vez de Jeftde cumprir sua parte no acordo. Mas, lamentavelmente, foi sua filha quem saiu-lhe ao encontro paracumprimenta-lo. Jeft percebeu, no entanto, que devia manter a f e a palavra dada a Deus. Assim lemos:Passados os dois meses, tornou ela para seu pai, o qual lhe fez segundo seu juramento Em outras

    palavras, Jeft manteve sua promessa oferecendo sua amada filha em sacrficio numa fogueira para seuDeus implacvel. Assim Jeft angariou para si uma meno honrosa na Epstola aos Hebreus[10] onde ele citado junto com quinze ou mais homens de grande f como No, Abrao, Moiss, Sanso, Davi eSamuel.

    A melhor interpretao que pode ser feita desta histria horripilante que ela um tipo de fbula, um contoinventado por homens com a inteno de nos ensinar uma lio sobre a necessidade de reflexo e

    ponderao antes de assumir compromissos com os outros, especialmente com uma divindade. Tal exegese,entretanto, dificilmente pode ser aceitvel para um testa que creia piamente na Bblia. Mas em qualquercaso, no deveramos ficar realmente surpresos com a aceitao, por Deus, do sacrifcio de Jeft. Afinal, o

    prprio Deus os testas cristos acreditam ofereceu seu prprio filho Jesus como um sacrifcio desangue pelos pecados da humanidade.

    P5 e a tortura eterna que Deus reserva para os que no acreditam que Jesus o Senhor e Salvador

    A sorte da filha de Jeft esmaece at a insignificncia quando comparada com a que o Deus cristo reservapara ateus sinceros como eu; e no somente para os ateus, mas para todos que falham em aceitar Jesus Cristocomo seu salvador pessoal. Jesus, que possui a duvidosa reputao de haver inventado a doutrina da danaonas chamas do inferno, descreve nosso destino vividamente. No Evangelho de Mateus sozinho ele ocaracteriza em termos que os evangelistas adoram: fogo inextinguvel, inferno ardente (duas vezes),tormento, queimado com fogo fornalhas do inferno (duas vezes), choro e ranger de dentes (cincovezes), fogo eterno, e o fogo eterno que foi preparado para o demnio e seus anjos.

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    Presumindo que Jesus soube como dizer precisamente o que ele quis que fosse entendido, a sina dosdescrentes indubitvel. No um mero arremesso honroso no esquecimento. No simplesmente aangstia de uma alma apartada de Deus. o tormento e a agonia de um corpo ressurreto, tortura que difereda experimentada pelas vtimas da Inquisio somente pelo fato de que dura no somente por minutos mas

    por toda a eternidade. Ao contrrio de Auschwitz, o Inferno no oferece nenhuma finalidade para aqueles dens que preenchero seus fornos. Ningum escapar de seus horrores, e suas torturas a serem levadas acabo diante da platia divina continuar indefinidamente[11].

    Fosse este destino escaldante reservado apenas para os impenitentes genocidas e outros perpetradores domal que tem manchado a histria humana, tal violao de P5 j seria ruim o bastante. Mas Apocalipse 13:8vaticina que este destino recair sobre todo aquele cujo nome no tiver sido escrito desde a fundao domundo no livro da vida do Cordeiro E Apocalipse 20:15 confirma a profecia quando nos diz que se onome de qualquer pessoa no foi encontrado escrito no livro da vida, ele foi lanado no lago de fogo.

    Quem so os predestinados danao eterna? So todos aqueles que como os evanglicos gostam decolocar no so cristos renascidos. Segundo Lucas, o pretenso autor dos Atos dos Apostlos, E emnenhum outro h salvao, porque tambm debaixo do cu nenhum outro nome h, dado entre os homens,

    pelo qual devamos ser salvos. (Atos 4:12). E So Paulo torna ainda mais claro quando nos diz que E a vs,que sois atribulados, descanso conosco, quando se manifestar o Senhor Jesus desde o cu com os anjos doseu poder, como labareda de fogo, tomando vingana dos que no conhecem a Deus e dos que no

    obedecem ao evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo; os quais, por castigo, padecero eterna perdio, antea face do Senhor e a glria do seu poder (2 Tessalonicenses 1:7-9).

    A esta altura, pode ocorrer a alguns de ns que como uma condio necessria da crena no nome de Jesusque vocs tenham tanto ouvido o nome quanto compreendido seu significado, ningum pode ser salvo doinferno se no tiver ouvido o evangelho. esta, portanto, a origem da motivao dos missionrios. Mas oque dizer daqueles que viveram em pocas ou lugares nos quais o nome de Jesus era desconhecido? Estotodos os que viveram antes da poca de Cristo j condenados? E acerca daqueles que viveram, ou aindavivem, ignorantes da histria crist? Esto eles a maior parte da raa humana condenados pelaausncia de uma crena que, por razes histricas ou geogrficas, estavam impedidos de possuir?

    Esta concluso chocante o que a Bblia implica. Certamente, o prprio Jesus parece te-la aceitado

    tranquilamente: E porque estreita a porta, e rduo o caminho que leva vida, e poucos h que aencontrem. A excluso da maior parte dos seres humanos no importa quo virtuosamente eles vivam pela nica razo de que eles no acreditam em Jesus como Salvador, uma consequencia do fato de quea maioria da populao que j habitou o planeta at o presente sequer ouviu falar dele. Se formos levar o

    prprio Jesus a srio, pouco conforto pode ser encontrado na sugesto de So Paulo de que alguns podemencontrar a salvao como resultado da assim chamada revelao geral. Como um dos mais hbeisapologistas cristos, Wlliam Lane Craig, reconhece, tais excees regra da salvao por nenhum outronome podem na melhor das hipteses serem raras. por isto que Craig no dissimula o fato de que em suaviso, e na de Jesus, mesmo os mais sinceros adeptos de outras religies mundiais esto perdidos emorrendo sem Cristo[12].

    Contudo, toda esta conversa sobre o numero de pessoas que sero torturadas no inferno um aspecto

    secundrio do assunto. Que a questo de se os tormentos do inferno so finitos ou infinitos em durao. Sehouver uma pessoa sequer sofrendo as torturas dos condenados, ento o principio moral que consagramoscomo P5 desse modo violado pelo prprio Deus. E em virtude de Deus viola-lo junto com nossos outros

    princpios morais sua alegada santidade est indiscutivelmente comprometida. Assim como seriaincoerente dizer que Hitler foi moralmente perfeito apesar do fato de ter enviado pessoas para as cmaras degs pelo pecado de no possurem a ancestralidade correta, tambm seria incoerente supor que Deus moralmente perfeito apesar do fato de que ele ir enviar pessoas para assar no inferno pelo pecado de no

    possuirem as crenas corretas. Ao contrrio, qualquer um que seja culpado de tais atrocidades , sem meiaspalavras, simplesmente mau, cruel, perverso, vil. Pouco surpreende, ento, que Deus diga sobre si mesmono apenas Eu fao a paz como tambm Eu crio o mal (Is. 45:7). [13]

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    Vale a pena notar que, comparado com Deus, Satans retratado na Bblia como um relativo paradigma devirtude. Satans culpado de apenas trs delitos principais.

    Primeiro, segundo uma passagem que estabelece a tom moral da Bblia, Satans disfarado de serpente tenta Eva com o fruto proibido do esclarecimento moral, fruto do que descrito como a arvre doconhecimento do bem e do mal[14]. Algum pode ter pensado nisso como uma coisa boa pois Satans,desta maneira, colocou-a no caminho da educao moral. Mas Deus no queria que seus olhos fossemabertos, como Gen 3:5 coloca; ele desejava obedincia cega. E assim Deus reagiu de maneiracaracterstica. Ele no somente puniu Eva por um ato que ela s soube que era errado aps realiza-lo. Eletambm puniu Ado, e todos os seus descendentes, incluindo voc e eu. Ele imps a todos ns o fardo doque os telogos chamam Pecado Original: ele assegurou que nenhum de ns pudesse comear a vida semesta insupervel desvantagem.

    A prxima apario de Satans no primeiro livro de Crnicas, onde ele desempenha o mesmo papelatribudo a Deus em 2 Samuel. Ento, onde foi que ele errou desta vez? Se bom o suficiente para Deusordenar a Davi que realizasse um censo, porque Satans estaria sendo moralmente condenvel ao faze-lo?

    A terceira apario no Livro de J, onde ele torna difcil a vida do protegido de Deus. Mas isso, deve-senotar, ocorre somente porque Deus lanara-lhe um desafio.

    Depois disso, Satans no faz quase nada de natureza questionvel exceto por tentar o prprio Deus, napessoa de Jesus, durante seu retiro de quarenta dias no deserto um exerccio fadado ao fracasso.

    O que extraordinrio, luz da subsequente difamao sofrida por Satans, que Satans, ao contrrio deDeus, no violou sequer um dos importantes princpios morais listados de P1 a P5.

    F: Uma defesa de (3): a inadmissibilidade das violaes de nossos princpios por Deus

    A segunda estratgia apologtica argumentar que nossos princpios admitem excees que, quando levadasem considerao, absolvem Deus da culpa.

    O principal dentre os estratagemas apologticos nesta categoria o que eu devo chamar Exceo da

    Soberania. Nas palavras de um apologista, ele sustenta que Deus soberano sobre a vida e pode porconseguinte fazer conosco o que desejar, de acordo com sua vontade. [15] Mas este argumento contm umequvoco fatal a respeito da palavra pode. uma verdade trivial que se Deus como os testasacreditam soberanamente onipotente, ento ele pode fazer seja o que for que ele desejar no sentido de

    possuir o poder ou a potncia para faze-lo. Mas poder, refletimos, no confere o direito.

    Certamente no se segue que Deus pode violar princpios morais no sentido de ser moralmente admissvelou correto para ele proceder assim. Se assim fosse, os monstros morais da histria humana que reinaramsoberanamente sobre seus imprios poderiam igualmente ser inocentes de transgresso.

    Uma segunda ttica argumentar que Deus isento das proibies de nossos princpios. Pode ser dito queconquanto estes sejam obrigatrios para seres humanos, no o so para Deus. Mas isso seria introduzir um

    padro duplo e portanto comprometer a universalidade dos princpios morais. Relativizaria a moralidade aindivduos ou pocas e a privaria da validade objetiva e absoluta com a qual os testas esto comprometidos.Pior ainda para o caso testa, colocaria em discusso a santidade de Deus. Pois santo o que age de maneirasanta. Isto , se para qualquer um ser apropriadamente descrito como moralmente perfeito, ento seus atosde instruo, de comando e de autorizao tambm devem ser moralmente perfeitos. Dizer que deus santoapesar da natureza perversa do que ele faz seria brincar com as palavras: seria privar a palavra santo deseu sentido usual e torna-la sinnimo de mau.

    Um terceiro estratagema afirmar que em todas as situas que consideramos Deus est agindo emconcordncia com o que alguns podem sustentar ser o princpio moral absoluto e primordial segundo o qualo pecado deve ser castigado. Pois a partir disso, junto com a doutrina teolgica do Pecado Original a

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    doutrina de que todo ser humano, mesmo os fetos recentemente concebidos nos teros de suas mes, herdamo pecado, ou ao menos a inclinao para o pecado, de Eva segue-se que Deus tem o direito, no apenas o

    poder, de nos punir como lhe aprouver. Como um apologista coloca: Como o fardo do pecado a morte,Deus tem o direito de conceder e de tomar a vida. [16] Coloco de lado as questionveis pressuposies destadoutrina: que o pecado genetica ou espiritualmente herdado; e que h justia em nos considerarresponsveis por disposies para o pecado herdadas ou no colocadas em prtica. Existe uma objeo maisimportante a esta alegao apologtica. Pois suponha que admitamos como verdadeira a afirmaoimplausvel de que em virtude da ausncia universal da inocncia humana que Deus deve ser desculpado

    por suas prticas genocidas. Ento teremos que dizer que no h circunstncias imaginveis, nem mesmo ainocncia das vtimas, nas quais moralmente errado massacrar homens, mulheres e crianas. Teramos queabandonar P1 como uma verdade moral objetiva uma vez que seria totalmente vazia, inaplicvel. E isso nosdaria, como a Deus, autorizao para chacinar impiedosamente qualquer um que nos aprouver. Tudo o que

    precisamos fazer invocar a Exceo da Punio do Pecado Original. Afinal, a menos que adotemos orelativismo de um padro duplo, se bom o bastante para Deus tambm deve ser bom o bastante para ns.

    Se uma sequer das excees listadas acima aos nossos prncpios fosse slida, tais princpios no seriamverdades morais mas falsidades morais. Na melhor das hipteses, eles enunciariam meramente proibiesmorais prima facie, proibies que a fim de torna-las moralmente obrigatrias teriam que serrestringidas e modificadas de maneiras que autorizariam alguns dos comportamentos mais moralmenteabominveis dos quais qualquer pessoa poderia ser culpada. Em resumo, se reformuladas para acomodar

    Deus, elas igualmente acomodariam o Diabo e outras personificaes do mal.

    G: Consequencias para o tesmo: a falsidade de pelo menos um de seus pilares, (1) ou (2).

    Retornemos agora ttrade inconsistente que eu afirmei colocar tais problemas para a crena testa. Eudemonstrei, primeiro, que (4) verdadeira, isto , que a Bblia de fato nos diz que Deus viola nossos

    princpios morais; segundo, que (3) verdadeira, isto , que moralmente inadmissvel para qualquer um incluindo Deus violar estes princpios. Mas se estou certo, ento os testas no possuem uma escapatriade seu dilema lgico que no destrua o ncleo da crena testa.

    Eles tem uma escolha. Eles devem, sob pena de contradio, abandonar ao menos um, se no ambos, entre(1), a crena de que todos os atos de Deus so moralmente permissveis, ou (2), a crena de que a Bblia nos

    revela o que vrios destes atos so. Ainda, como vimos, se eles abandonarem (1), com isso tambmabandonaro a crena na santidade de Deus; ao passo que se abandonarem (2), tambm se desfazem dacrena na Bblia como sua revelao.

    E aqui eu termino a exposio de meu caso contra o tesmo: meu argumento moral para o atesmo.

    H: Um corolrio de meu argumento: a falsidade da teoria tica testa

    Antes de terminar, entretanto, desejo chamar a ateno para um corolrio de meu argumento. Considere,mais uma vez, a ttrade inconsistente pela qual o edifcio inteiro do tesmo desmorona. Mas desta vezsubstitua as declaraes (1), (2), (3) e (4) da ttrade inconsistente original por seus respectivos corolrios:

    (1)* Qualquer ato que Deus nos ordene realizar moralmente admissvel.

    (2)* A Bblia nos revela vrios dos atos que Deus nos ordena realizar.

    (3)* moralmente inadmissvel para qualquer um cometer atos que violem o princpio P1.

    (4)* A Bblia nos diz que Deus nos ordena realizar atos que violam o princpio moral P1.

    Ento um dilema lgico paralelo surge para a crena do testa de que Deus, como revelado na Bblia, afonte da moralidade objetiva ou, no mnimo, um guia confivel para o que deveramos ou no deveramosfazer.

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    Em vez de desenvolver o argumento novamente, apresentarei este indiciamento adicional da crena testacitando a Bblia e ento endereando uma srie de questes para aqueles que, como o filsofo AlvinPlantinga, afirmam que o que [o Senhor] tenciona que seja o contedo de nossas crenas o que devemosacreditar. Pois deveria ser evidente que, se Plantinga e outros testas bblicos estiverem certos, ento, umavez que as crenas que o Senhor prope incluem aquelas sobre o que devemos fazer, se o Senhor prope quedeveramos fazer assim e assim, ento assim e assim o que devemos fazer.

    Considere 1 Samuel 15:3 onde o Senhor ordena a seu povo:

    Vai, pois, agora e fere a Amaleque; e destri totalmente a tudo o que tiver, e no lhe perdoes; pormmatars desde o homem at mulher, desde os meninos at aos de peito, desde os bois at s ovelhas, edesde os camelos at aos jumentos.

    Agora pergunte-se:

    1. matars desde o homem at mulher, desde os meninos at aos de peito foi a palavra do prprioDeus que voc adora?

    2. concebvel que seu Senhor possa expedir novamente a mesma ordem em nossa poca?

    3. Se voc acreditasse que recebeu tal ordem de seu Senhor, poderia e deveria voc obedece-lo?

    Se voc responder No questo 1, voc nega a autoridade da assim chamada palavra de Deus, a Bblia.Se voc responder No segunda pergunta talvez porque voc pense que seu Senhor possa tercorrigido e aprimorado suas maneiras voc nega que os mandamentos de Deus possuem o tipo deaplicabilidade universal que condio necessria para que sejam concordantes com, para no mencionar afonte de, verdades morais. Se voc responder No terceira pergunta, voc deve pensar que algumasvezes correto, ou talvez obrigatrio, desobedecer a Deus. Desta maneira voc admite qie as verdadesmorais so independentes, e podem at mesmo colidir com, as ordens de Deus. Voc admite que a tica ,como a maioria dos filsofos tem h muito insistido, autnoma; e que devemos, portanto, pensarmoralmente por ns mesmos.

    Mas se voc responder Sim a cada questo, ento eu acuso sua crena no Deus do tesmo bblico de serno somente equivocada mas moralmente abominvel. Pois, nas palavras de meu amigo, John Patrick, que

    pediu demisso do ministrio presbiteriano da Nova Zelndia depois de descobrir quantos de seusparoquianos tambm responderam Sim s trs perguntas:

    uma doutrina que afirme que as Escrituras contm a Palavra de Deus, o governante supremo da f e dodever, tem o poder de transformar pessoas que, em outros contextos so ponderadas, gentis e amveis, numgrupo preparado a endossar o genocdio em nome do Senhor que eles adoram.[17]

    1. Para os objetivos presentes no digo nada sobre o Deus do Alcoro. Basta dizer que meu argumento, seslido, tambm aplicvel contra o tesmo islmico.

    2. Alvin Plantinga, When Faith and Reason Clash: Evolution and the Bible, Christian Scholars Review,Vol. XXI, No. 1, (Setembro de 1991), p. 8.

    3. William Alston, Divine-Human Dialogue and the Nature of God, Faith and Philosophy, (Janeiro de1985, p.6).

    4. Peter van Inwagen, Genesis and Evolution, in Reasoned Faith, ed. Eleonore Stump, Cornell UniversityPress, 1993, p.97.

    5. Alvin Plantinga, p.12.

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    6. Rod Evans and Irwin Berent, Fundamentalism: Hazards and Heartbreaks, Open Court, La Salle, Illinois,1988, pp. 120-1. Tambm James A. Haught, Holy Horrors: an Illustrated History of Religious Murder andMadness, Prometheus Books, Buffalo, New York, 1990, p.163.

    7. Veja Osias 13:16: Samaria vir a ser deserta, porque se rebelou contra o seu Deus; cairo espada, seusfilhos sero despedaados, e as suas grvidas sero fendidas pelo meio.

    8. Brad Warner, Deus, o Mal e o Professor Bradley (manuscrito divulgado em carter privado em respostaa meu debate com o representante da Cruzada Acadmica por Cristo, Dr. Chamberlain, sobre o tema Podeexistir uma moralidade objetiva sem Deus?). O debate aconteceu na Simon Fraser University em 25 deJaneiro de 1996.

    [9] No Levtico, cap. 26, vers. 28-29, lemos: Tambm eu para convosco andarei contrariamente em furor; evos castigarei sete vezes mais por causa dos vossos pecados. Comereis a carne de vossos filhos, e a carne devossas filhas. No Deuteronmio, cap. 28, aps o Senhor listar as dezenas de desastres e infortnios quesucedero a seus povo se ele no observarem todos os seus mandamentos e estatutos, ele diz (nos vers. 53-58): E comers o fruto do teu ventre, a carne de teus filhos e de tuas filhas Quanto ao homem maismimoso e delicado no meio de ti, o seu olho ser maligno para com o seu irmo, e para com a mulher do seuregao, e para com os demais de seus filhos que ainda lhe ficarem; De sorte que no dar a nenhum deles dacarne de seus filhos, que ele comer E mulheres refinadas e delicadas, tambm nos dito, faro o mesmo.

    Em Jeremias, cap. 19, vers. 9, o show de horrores continua quando o Senhor diz: E lhes farei comer a carnede seus filhos e a carne de suas filhas, e comer cada um a carne do seu amigo, no cerco e no aperto em queos apertaro os seus inimigos, e os que buscam a vida deles. Finalmente, em Ezequiel, cap. 5, vers. 10, adieta divina extendida aos pais quando Deus diz: Portanto os pais comero a seus filhos no meio de ti, eos filhos comero a seus pais; e executarei em ti juzos, e tudo o que restar de ti, espalharei a todos osventos.

    10. De autoria desconhecida apesar de erroneamente atribuda a So Paulo.

    11. [Apocalipse 14:10-11] Verdade seja dita, o versculo continua identificando aqueles que sofrem essa sinacom aqueles adoram a besta e sua imagem, e qualquer pessoa que receber a marca de seu nome. Mas eles

    j haviam sido identificados, no captulo anterior, 13, vers. 8-18, como aqueles que no foram predestinados

    para a salvao.

    12. William Lane Craig, Nenhum outro nome: uma perspectiva do conhecimento mdio sobre aexclusividade da salvao atravs de Cristo, Faith and Philosophy, Abril de 1989, p. 187. Em seu ponto devista, Deus est justificado em enviar descrentes voluntrios e involuntrios para o inferno porque ele sabe

    antes de cria-los que eles no teriam acreditado em Jesus como Salvador mesmo se tivessem ouvidosobre ele.

    13. O termo hebraico que traduzido aqui como mal rah. Os tradutores da New American Standard,entretanto, preferem traduzi-lo como calamidade na passagem de Isaas e como aflio na passagem dasLamentaes. Mas tal sanitizao do original no ajuda realmente. Proporciona ao crente pouco alvio ouvirque Deus a origem e a fonte das calamidades. E aflio aprendemos com o New Collegiate

    Dictionary do Webster apenas um sinnimo de mal.

    14. Genesis 2:9.

    15. Brad Warner, p.15.

    16. Brad Warner, p.14.

    17. John Patrick, Por qual autoridade? publicado em Setembro de 1984 num boletim a seus companheirosclrigos da Igreja Presbiteriana da Nova Zelndia explicando por que se demitiu. Minhas trs perguntas soderivadas das que ele colocou a seus paroquianos.

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