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Percepções do médico-chefe a respeito de atividades educativas emPostos de Assistência Médica.
Perceptions of head doctors regarding the educational activities undertaken inMunicipal Health Services
Isabel Maria Teixeira Bicudo Pereira *, Márcia Faria Westphal *, Glacilda Telles Menezes Stewien *
PEREIRA, I.M.T.B. et al. Percepções do médico chefe a respeito de atividades educativas em Postosde Assistência Médica. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 25: 306-14, 1991. Realizou-se pesquisa commédicos-chefe dos Postos de Assistência Médica (PAMs) da Prefeitura Municipal de São Paulo,Brasil, com o objetivo de investigar seus conhecimentos, expectativas e predisposições em participar eincentivar as programações educativas nos PAMs. Utilizou-se questionário, com questões abertas efechadas que foi respondido por 88,6% dos médicos-chefe dos PAMs. Os resultados demonstraramque o conceito de saúde da maioria dos médicos-chefe dos PAMS (66,3%) coincide com o emitidopela Organização Mundial da Saúde. Apenas 2,9% consideram que saúde está relacionada a qualidadede vida. Educação em saúde foi considerada por 70,0% como transmissão de informação; somente6,7% reconheceram sua responsabilidade no processo de transformação social e de saúde. Na visãode 68,2% as ações educativas são reconhecidas como úteis para conscientizar o usuário sobre aimportância do tratamento de doenças. Essas ações, seu planejamento, execução e avaliação sãoreconhecidas como responsabilidade de todos que trabalham nos PAMs mas, especialmente, dasenfermeiras, assistentes sociais e educadores de saúde pública. Dificuldades foram mencionadas naexecução de atividades educativas, referentes à falta de material suficiente e local adequado para suarealização, falta do educador de saúde pública e, principalmente, falta de motivação de funcionários eda própria população. A maioria dos médicos-chefe reconhece a importância das ações educativas,reconhece que são desenvolvidas por pelo menos parte de sua equipe embora, muitas vezes,precariamente, com dificuldades técnicas e administrativas.
Descritores: Médicos. Conhecimentos, atitudes e prática. Educação em saúde.
Introdução
Dados os compromissos políticos ocorridos re-centemente, no país, de resgate da dívida social, foiassinado, no dia 20 de julho de 1987, decreto quecriou o Sistema Unificado e Descentralizado deSaúde-SUDS7, visando a consolidar ou permitir odesenvolvimento qualitativo das experiências deintegração de serviços e racionalização de recursosde acordo com o ideário da Reforma Sanitária 6.
Nesta nova forma de organização são criadosmecanismos de concretização dos princípios esta-belecidos para reger o nosso Sistema Nacional deSaúde: integração das ações para superar a dicoto-mia preventiva-curativa; descentralização na
* Departamento de Prática de Saúde Pública da Faculdadede Saúde Pública da Universidade São Paulo. São Paulo,SP — Brasil.
Separatas/Reprints:I.M.T.B. Pereira - Av. Dr. Arnaldo, 715 -01255 - São Paulo, SP - Brasil.
Publicação financiada pela FAPESP. Processo 90/4602-1.
gestão de ações e serviços, permitindo uma adap-tação contínua à realidade em transformação; re-gionalização e hierarquização de ações e serviçospara permitir o atendimento das necessidades dediferente complexidade em diferentes níveis comreferência e contra-referência; fortalecimento dopapel do município; atendimento de acordo com asnecessidades da população; qualidade do atendi-mento compatível com o estágio de desenvolvi-mento do conhecimento e com os recursos dis-poníveis, formação de profissionais de saúdeintegrada ao sistema. Destes princípios e sua ope-racionalização consideramos importante comentardois deles, a integração e descentralização quefornecem elementos para definição de nosso pro-blema de estudo.
A necessidade de integração de serviço era hámuito tempo sentida em função da multiplicidadede instituições envolvidas no mesmo tipo deações: Ministério da Saúde, Previdência Social,Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, alémde instituições privadas que operacionalizam essaintegração.
Um dos intuitos das autoridades governamen-tais ao descentralizar a gestão desses serviços inte-grados foi deixar a gerência mais perto da ação. Opoder central já há muito vinha sentindo dificul-dades no desenvolvimento de ações de planejamen-to, organização, controle e direção que respondes-sem às necessidades da população, ao contrário dopoder local que convive diariamente com os mora-dores de suas cidades e conhece mais suas necessi-dades. A expectativa era de que, se o serviço nãodesenvolvesse suas atividades a contento, que a po-pulação denunciasse concretizando o que se de-nominou "controle social dos serviços de saúde".
A implantação da descentralização vem ocorren-do de acordo com a política de cada Estado. No casode São Paulo, a opção foi pela municipalizaçãoonde a assinatura do convênio SUDS determinou apassagem de recursos humanos e materiais de ori-gem federal para o gerenciamento do Estado, ca-minhando-se assim para a concretização do concei-to de "comando único". O Estado, por sua vez,repassou às Prefeituras, que com ele fizeram convê-nio, recursos financeiros, materiais e humanos vi-sando ao desenvolvimento das atividades de saúdede caráter preferencialmente primário, mas poden-do também aprofundar esse nível de atendimento.
Na realidade, em São Paulo a municipalizaçãovem ocorrendo gradativamente no interior do Esta-do não tendo ainda se concretizado no Municípiode São Paulo. Pensa-se que para tal estrutura fun-cionar, onde já ocorreu a municipalização e noMunicípio de São Paulo onde está para ocorrer, al-gumas mudanças mais profundas, especialmenteem nível dos funcionários, devem acontecer. Osprincípios básicos da Reforma Sanitária precisamser incorporados, para que se desenvolva umprocesso amadurecido entre serviços de saúde epopulação.
Para isso é necessário, entre outras coisas, quese desenvolvam projetos de educação continuada,que permitam aos trabalhadores de saúde "buscarinformações científicas e tecnológicas necessáriasà interpretação de situações vigentes na sociedade,tornando transparentes seus objetivos e seus com-prometimentos ideológicos"; "comprometer-secom a causa popular", "compreender o processoensino-aprendizagem que ocorre entre as pessoas,grupos e classes sociais"12.
Sendo os médicos-chefe das Unidades Básicasde Saúde (UBS) locais, os representantes oficiaisdo sistema municipal de saúde junto à população eos responsáveis pela implantação de um novo sis-tema com novas idéias, e considerando que cabeàs Unidades sob sua responsabilidade não só ofe-recer atendimento médico, mas o preparo dos aten-didos, ou melhor, da coletividade, na luta pelo seudireito à saúde, a partir do entendimento das con-
dições de vida que interferem no processo saúde-doença, resolvemos realizar o presente estudo. Afinalidade é questionar a forma como os médicos-chefe percebem o trabalho de saúde com a popu-lação e a educação em saúde, atualmente conside-rada instrumento acionador da participação do pes-soal de saúde na gestão dos serviços e dapopulação no equacionamento e solução dos pro-blemas de saúde da coletividade. Os dados obtidospoderão subsidiar o poder municipal no reconheci-mento dos problemas e necessidades do nível locale contribuir para a solução dos mesmos, especial-mente no que se refere ao preparo do pessoal queestará liderando a implantação do novo sistema: oschefes de Postos de Assistência Médica (PAMs).
Metodologia
A população de estudo foi constituída pelosmédicos-chefe de todos os PAMs da Secretaria deHigiene e Saúde da Prefeitura Municipal de SãoPaulo (PMSP), que em 1989 perfaziam um totalde 115 Unidades*.
O instrumento de pesquisa foi um questionáriosemi-estruturado, que pressupunha autopreenchi-mento, composto por 24 questões, das quais algu-mas fechadas, complementadas por questões aber-tas, e outras somente abertas. A introdução dequestões abertas segue a recomendação de Wind-sor e col.14, que reafirmam serem as mesmas im-prescindíveis para se penetrar mais profundamentena essência e subjetividade do objeto de estudo.
A população foi caracterizada pelas seguintesvariáveis: sexo, idade, tempo de serviço na prefei-tura, ter feito Curso de Saúde Pública, e/ou cursode chefia, ser ou ter sido médico consultante.
Os conceitos de saúde e educação em saúde fo-ram obtidos através de questões abertas. Categoriasde respostas, ou melhor, eixos temáticos de concei-tos emitidos pelos respondentes foram categoriza-dos pelas técnicas de análise de conteúdo2. Para tan-to, reportou-se aos conceitos clássicos de saúde,encontrados na literatura1,4,10. Incluiu-se neste re-ferencial teórico de análise o conceito difundido apartir da 8a Conferência Nacional de Saúde6 e refe-rendado na nova Constituição Federal do Brasil 3.
Os parâmetros para análise do conceito de edu-cação em saúde foram baseados na literatura8,9,11,12,onde se identificou um gradiente entre dois tipos
* Nessa época os PAMs pertenciam ao Departamento deSaúde da Comunidade e pretendiam atuar como "porta deentrada" da população no Sistema Municipal de Saúde. Apartir de 1989 a Secretaria passa por mudanças em sua es-trutura com o objetivo de preparar-se para a implantaçãodo Sistema Único de Saúde, na cidade de São Paulo.
de visões. A mais tradicional, configura a edu-cação em saúde como meio, complemento e su-porte das ações médico-sanitárias visando à suamaior eficiência, através da regulamentação e nor-matização de atividades, hábitos e comportamen-tos da população dentro dos padrões de normali-dade sanitária11. A mais inovadora, e maiscoerente com os ideais da Reforma Sanitária, de-fine como finalidade da ação educativa o "desen-volvimento no indivíduo e no grupo da capacidadede anilisar criticamente a sua realidade, de decidirações conjuntas para resolver problemas e modifi-car situações, de se organizar e realizar a ação eanalisá-la com espírito crítico"8.
O valor e importância atribuídos à educação emsaúde pelos médicos-chefe foram avaliados não sóa partir de uma questão fechada e direta, que veri-ficou a prioridade atribuída a esta última emrelação a outras atividades desenvolvidas pelaUnidade, mas principalmente através da justificati-va solicitada para esta priorização.
A forma como a educação em saúde vem sendodesenvolvida foi identificada a partir de questõessobre a inserção das ações educativas assis-temáticas na prática diária do pessoal de saúde eatividades sistematizadas por processos clássicosde planejamento, supervisão e avaliação.
Como já foi dito, a interpretação das questõesfechadas foi subsidiada pelas questões abertas quequalificaram os eventos. Foi buscada a coerência erelação entre as respostas a diferentes questões,como sugerem Wetherell e Potter13 para análise dodiscurso, a partir de respostas a questionários.
Os questionários distribuídos tiveram alta per-centagem de retorno - (88,7% = 102 questionários)ficando a diferença justificada por férias, licençase inexistência de chefia em alguns PAMs.
Resultados
Características Gerais dos Médicos-Chefe dosPAMs da PMSP
Os dados obtidos permitiram caracterizar a popu-lação de estudo como um grupo heterogêneo quantoà faixa etária, que varia de 25 a 60 anos, porém amaioria dela pode ser considerada jovem (46,2% en-tre 25 e 35 anos e 72, 1 % entre 25 a 40 anos). Mais dametade (56,2%) é do sexo feminino e a grandemaioria (80,8%) trabalha a menos de 10 anos naPMSP, Departamento de Saúde da Comunidade.
Apesar de prestarem serviço em Unidades deSaúde, que tem como objetivo a assistência àsaúde da coletividade, somente 33,6% deles pre-pararam-se formalmente para lidar com as questõesde saúde coletiva, especializando-se em saúde
pública em diferentes instituições: UNAERP(29,7%), USP (27%), São Camilo (24,0%) eFCMSC (10,8%) *. A PMSP, entretanto, atravésda Secretaria de Higiene e Saúde, preocupa-secom o preparo das chefias para o exercício de suafunção, pois a maioria dos médicos-chefe (82,7%)foi indicada e freqüentou o Curso de Chefia, pro-movido pela mesma.
Embora seja intenção das estruturas hierárqui-cas superiores que os médicos-chefe dos PAMsexerçam somente funções administrativas, entreelas o planejamento e supervisão de ações, grandeparte deles (58,7%) acumula à primeira a de Mé-dico consultante. Os que não exercem função nomomento (38,3%) já exerceram no passado, mos-trando que a maior parte já conhece, por experiên-cias anteriores, os problemas práticos que o aten-dimento apresenta.
Percepção dos médicos-chefe sobre o conceito desaúde e educação em saúde
Na Tabela 1 estão sintetizadas as concepções desaúde emitidas pelos médicos-chefe. Mais da me-tade (66,4%) fez sua a definição estabelecida naconstituição da OMS10. Com pequenas diferenças,22,3% atribuíram o significado de "adaptação eequilíbrio" ao processo saúde-doença. Somente dois(1,9%) definiram saúde conforme a 8a Conferência
* UNAERP - Universidade de Ribeirão Preto; USP -Universidade de São Paulo; São Camilo - Faculdade deCiências de Saúde São Camilo; FCMS - Faculdade deCiências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
Nacional de Saúde realizada, em 19866, comoresultante da qualidade de vida dos diferentes gruposda sociedade.
Na Tabela 2 estão sumarizadas as percepçõessobre educação em saúde dos médicos-chefe. Oque pode ser visto é que a maior parte (43,2%)entende "Educação em Saúde" como "trans-missão de informações" que deverá se traduzirem comportamentos definidos "a priori" comoadequados à saúde.
Somente uma pequena parcela dos médicos-chefe (12,5%) aproximou-se da vertente inovado-ra da educação8,9,11,12, definindo-a como um tra-balho crítico, de integração, de troca, um instru-mento de transformação social, que permitirá aconscientização da população a respeito doprocesso saúde-doença e sua organização para aconquista de melhores condições de saúde3. Nestegrupo estão os que enfatizaram o desenvolvimen-to de aptidões (5,7%) e no outro os que enfatiza-ram o processo de troca e a finalidade transforma-dora conforme definido no parágrafo acima(6,7%). Uma maior percentagem de médicos-chefe mostra ter incorporado elementos de uma
"nova" concepção de educação12, o que não ocor-reu com incorporação de uma "nova" concepçãode saúde6.
Percepção dos médicos-chefe sobre as açõeseducativas desenvolvidas nos PAMs da PMSP.
A grande maioria dos médicos-chefe dos PMAs(92,3%) afirma que nas Unidades são desenvolvi-das ações educativas. Quando questionados sobrea importância que essas ações têm em termos deprioridade, descobre-se que 68,2% as considerammuito importantes e prioritárias, enquanto 22,1%as julgam importantes, mas não prioritárias.
Para ilustrar o que caracteriza a opinião doschefes quanto à prioridade ou não dessas ações, re-lacionamos a seguir alguns depoimentos.
As Ações Educativas são prioritárias porque:- "só o médico não resolve a questão da saúde";- "educar é fundamental na prevenção, diagnós-
tico e tratamento precoce";- "é preciso esclarecer a população que é igno-
rante";- "cria nas pessoas uma consciência crítica da
causa de seus problemas".
As Ações Educativas não são prioritárias porque:- "mais importantes que essas ações são as refe-
rentes a tratamento e vacinação",- "elas não existem, como processo contínuo",-"médicos e dentistas têm que atender a uma
outra prioridade: são as consultas agendadas,(além das emergências do dia)", cujo número épré-estabelecido pela Administração Central;
- "a população é displicente";- "alta demanda e falta de espaço físico prejudi-
cam ou impedem a sua realização".
Ações educativas informais
Segundo os médicos-chefe, ações educativasinformais são executadas, multiprofissionalmente,por todo o pessoal da unidade (técnico, auxiliar eou administrativo), sendo que o pessoal de níveluniversitário participa com muito mais ênfasenessas atividades. Entre esses, os mais citados, emordem decrescente, foram: médicos, enfermeiras,assistentes sociais, educadores. Dentistas e psicó-logos aparecem em último lugar com percentagensiguais (Tabela 3).
A participação do pessoal auxiliar de enferma-gem e/ou administrativo, nesse processo, ainda nãoé reconhecida pela maioria dos chefes, embora osdados coletados demonstrem que, de certa forma(Tabela 3), alguns já os percebem como educadores.
Cerca de 2/3 dos chefes afirmam que, na reali-dade, todos os profissionais educam.
Ações educativas formaisQuem propõe o desenvolvimento de açõeseducativas
A opinião sobre quem deve ter a iniciativa depropor o desenvolvimento das ações educativasconcentra-se nos profissionais universitários quetrabalham nos PAMs, especialmente o médico,educador e assistente social (Tabela 4). Apenasum considera que elas devam ser propostas pelosníveis superiores e implantados por decisão daschefias dos PAMs. Alguns (16,3%) acharam quepode ser de iniciativa de qualquer funcionário.
Quem participa
Os profissionais dentista, psicólogo e médicosão os que, na prática, têm mais dificuldade emparticipar de ações educativas formais (aqui enten-didas como atividades planejadas tais como gru-pos de discussão e/ou de informação) em con-seqüência da sobrecarga de demanda jáprogramada para consulta e da qual têm que darconta, e da cobrança de produção. Grande parte(15,3%) atribui à "equipe multiprofissional" aexecução de atividades educativas formais. Educa-dor, assistente social e enfermeira e "até" aten-dente e auxiliares de enfermagem são os elemen-tos que mais freqüentemente compõem estas"equipes".
Quem planeja
De acordo com a concepção de saúde predomi-nante no grupo de estudo, a maioria dos médicos-chefe (80,7%) considera que as atividades educati-vas formais dos PAMs são planejadas e que doplanejamento só participa a equipe envolvida noproblema ou em uma determinada área de atuação.Na maior parte das vezes as equipes, sem a partici-pação dos usuários, buscam identificar as necessi-dades da população local e programam ações paraatendê-las.
Existência de avaliação
Da mesma forma que o planejamento, a ava-liação também é considerada como realizada nosPAMs por 69,2% dos chefes. Esta atividade temsido responsabilidade da equipe que a planejou e aexecutou, segundo a opinião de 40,3% dos médi-cos-chefe; 6,7% deles consideram que esta respon-sabilidade é unicamente da chefia da unidade. Orestante divide a sua opinião entre as afirmaçõesde que avaliar é responsabilidade do chefe maisequipe; do profissional encarregado daquela ativi-dade; de profissionais como enfermeira, assistentesocial e educador. Apenas um declarou que estaatividade pode ser responsabilidade de auxiliares eatendentes de enfermagem.
As ações educativas são avaliadas através dereuniões, em que se discutem os resultados obti-dos (33,6%). Consideram que os efeitos da açãodesenvolvida são também verificados pelas per-centagens de retornos a consultas agendadas ououtras atividades marcadas (6,0%), seguimentodas orientações (11,5%) e comparação dos resul-tados obtidos com os objetivos propostos(6,7%)*.
* % resultantes de respostas múltiplas.
Características das açõeseducativas desenvolvidas em geral
Coerentemente com as concepções de saúde ede educação em saúde, a maioria dos chefes(88,4%) definiu as ações educativas tanto formaiscomo informais, como o ato de transmitir infor-mações sobre pré-natal, hipertensão, aleitamento,vacinação, entre outros.
Apenas 5,7% consideraram o ato de educar emsaúde como algo contínuo, um processo, presenteem todas as atividades, objetivando o desenvolvi-mento da crítica, iniciativa, criatividade e sensoparticipativo em todos os níveis.
Mais da metade dos chefes (59,6%) afirma que odesenvolvimento das ações educativas, planejadasou não, é supervisionado pela equipe, pela chefia,ou pelos profissionais responsáveis pela área.
Papel do profissional educador de saúdenos PAMs
Embora somente um médico-chefe tenha seposicionado de forma a reconhecer que a respon-sabilidade de educar é do educador, quando ques-tionados diretamente sobre o papel desse profis-sional quase metade (44,3%) deles reconheceucomo função do mesmo "desenvolver ações edu-cativas com funcionários e comunidade". Entre-tanto, outros, reconhecendo que cabe a todos de-senvolver atividades educativas, vêem o papel doeducador como de "coordenador das ações educa-tivas desenvolvidas na unidade" (27,8%), "elo deligação entre o serviço de saúde e a população"(20,1%), "o que promove a integração da equipemultiprofissional, visando ao planejamento deprogramas" (16,3%), "o que assessora a equipequanto aos aspectos educativos do trabalho"(7,6%), "o que supervisiona esta ações" (6,7%),ou "as avalia" (3,8%).
Dificuldades no desenvolvimento de açõeseducativas em geral
Segundo os médicos-chefe, algumas dificul-dades vêm obstaculizando a implementação deações educativas em nível de PAM (Tabela 5).
A maioria das dificuldades se refere a problemasligados a equipe que trabalha em seu próprio PAM,formação do pessoal, interesse e integração. Umaparcela de 14,4% desloca o problema para a popu-lação mostrando a dificuldade de alguns profissio-nais relacionarem-se com a mesma. Outros ainda sãode opinião que os níveis central e regional do Depar-tamento de Saúde da Comunidade não provém recur-sos humanos (educador de saúde pública) e materiaisque viabilizem a execução dessas tarefas.
O espaço de discussão no PAMs
De acordo com informações dos médicos-chefedos PAMs, 92,3% têm incluído no seu agenda-mento reuniões de funcionários realizadas com se-guinte periodicidade: mensais (55,7%), bimestrais(3,8%) e semanais (2,8%).
A discussão conjunta dos problemas dos PAMsé o principal motivo de sua convocação (82,6%).Dentro desse tema maior, são trazidos problemasrelacionados ao funcionamento, deficiências doserviço, insatisfação salarial, problemas adminis-trativos e outros. Uma segunda motivação para en-contros são as reciclagens informais, leitura dedocumentos e criação de novas atividades(28,8%). São ainda utilizadas para avaliação dosprogramas em andamento (11,5%) e análise dasações educativas planejadas para atender necessi-dades da população (3,8%).
Sugestões dos médicos-chefe para oincremento das atividades educativasa nível local
De acordo com as dificuldades apontadas peloschefes dos PAMs para o desenvolvimento de ativi-dades educativas, foram feitas sugestões de modi-ficação, que foram sintetizadas por temas:
1. provimento de recursos materiais e humanosnecessários ao desenvolvimento de atividades edu-cativas;
2. preparo do pessoal sobre importância dasações educativas, seus métodos e técnicas;
3. organização de atividades formais desde lo-cal, planejamento, esquema de supervisão e ou-tros.
A existência de sugestões mostra que, apesardas dificuldades, existe interesse das chefias emque as ações educativas ocorram e que se desen-volvam como outras atividades de assistência.
Comentários
O equacionamento da questão da saúde no nos-so país está passando por um processo de revisãode suas bases conceituais e de sua prática.
A proposta do SUDS, que se baseia na con-cepção ampla de saúde e pressupõe a valorizaçãodo Município, como responsável pela integraçãopolítica e financeira das instituições que partici-parão do equacionamento dos problemas de saúdelocais, aponta para alguns caminhos, entre elesformação da consciência coletiva do direito àsaúde, impulsionadora de transformação das con-dições de vida e melhoria dos níveis de saúde.
Os dados do presente trabalho mostram que ofuturo (o convênio de municipalização ainda nãofoi efetivado) representante oficial do novo siste-ma de saúde, os médicos-chefe dos PAMs daPMSP, estão distantes do novo ideário propostotanto em termos de saúde, quanto de educação. Aanálise desta questão é de importância fundamen-tal, especialmente porque acreditamos que a per-cepção das práticas educativas em saúde e o dire-cionamento dado às mesmas pelas chefias sãoreflexos das concepções dos médicos-chefe, medi-adas pela realidade local. Identificando os concei-tos de saúde e educação em saúde emitidos, verifi-camos que representam diferentes maneiras decompromisso consciente e inconsciente com dife-rentes concepções de saúde e/ou diferentes tendên-cias educacionais.
A grande maioria adotou uma visão idealizadada saúde, que encontra muito dos seus fundamen-tos na moralidade social, que é a concepção desaúde de Organização Mundial da Saúde (OMS).
O fato de a maioria estar assumindo esta con-cepção de saúde, indica em relação a concepçãobiologizante da saúde, uma mudança qualitativa,que tem tido reflexos positivos no exercício daspráticas de saúde e educação. Essa mudança reve-lou-se no presente trabalho pela demonstração, por70% dos médicos-chefe, da compreensão do papelrelevante da educação no processo de melhoria dasaúde da população e da responsabilidade de todose cada um dos que trabalha com a clientela nosucesso ou fracasso desse processo conforme jáassegurava Cleary5. Foi ainda expressa pelaadoção de um modelo de atendimento individualou multiprofissional, que integra o componenteeducativo tanto nos consultórios como fora deles.O questionamento que foi feito na apresentação de"dificuldades para realização de atividades educa-
tivas, a exigência quantitativa de número de aten-dimento de consultas competindo com atividadesgrupais, multiprofissionais, parece também reflexode um novo modo de pensar, que busca o tipoideal de saúde, através de ações racionais e plane-jadas de transmissão de informação e de normas.
Outra concepção, que foi expressa por umnúmero razoável de médicos-chefe, foi a dos quequalificaram saúde como adaptação e equilíbrio eque, provavelmente, consideram a causalidade dadoença, função de vários fatores - agente, hospe-deiro e ambiente - que se acham inter-relacionadose em constante equilíbrio. Ao utilizarem fatoresexternos naturais, como critério para analisar oequilíbrio/desequilíbrio na explicação de saúde,dão outro salto qualitativo, porém sem desvendar adeterminação econômico-social da doença. Sendoo equilíbrio colocado como "disfunção de órgãos",geralmente é de se esperar que a educação emsaúde seja concebida como uma intervenção, quedeve prevenir ou corrigir comportamentos queprovocam esta disfunção. Esta visão de saúde in-corpora a educação como uma prática necessáriapara criar e mudar comportamentos e atitudes queinterfiram no bom funcionamento do organismo epor extensão na saúde do grupo e da comunidade9.Na realidade, parte dos que mostraram assim pen-sar identificaram como função das ações educati-vas diminuir ou eliminar a "ignorância", pois estaé importante fator desencadeador de doença. Outraparcela ainda (31,7%) a considerou como umprocesso capaz de produzir nos indivíduos a assi-milação de padrões ou normas e corrigir desviosdas mesmas para evitar o "desequilíbrio" e a"doença". Geralmente os que pensam assim imagi-nam a, desordem, a desobediência às normas es-tabelecidas, também um fator de desequilíbrio queconduz à doença, e atribuem à educação o papelde controlar e de estabelecer normas.
Estas duas frações de médicos-chefe que se posi-cionaram a favor destas duas primeiras abordagensde educação, embora representem uma visão mais"moderna" de saúde, representam, também, umavisão da prática educativa mais próxima da vertentetradicional normatizadora e regulamentadora e quevem sendo assumida pelos serviços de saúde, isto é,"a diretriz que tem norteado a ação educativa estáconcentrada na dimensão comportamental, numavisão simplista de que conhecimentos e atitudesadequadas sobre saúde constituem fatores indicati-vos de condutas adequadas"7.
Na visão da maioria dos médicos-chefe a açãoeducativa é uma forma de influir sobre a popu-lação para que esta substitua suas práticas indivi-duais de saúde, reforçando a idéia de que a culpapela eventual perda da saúde é de responsabilidadeda pessoa e nada tem a ver com suas condições de
vida. Nesse sentido, assume a função de instrumen-to de reprodução da situação vigente no campo dasaúde e de modo geral no país.
Em relação a "nova" concepção da saúde, defen-dida na 8a Conferência Nacional de Saúde, verifica-mos que a mesma não foi absorvida pelas chefiaslocais, apesar de tão discutida em nível de acade-mia e dos níveis hierárquicos mais altos das insti-tuições de saúde.
Tentando estabelecer uma relação entre a for-mação dos chefes em saúde pública e suas con-cepções de saúde/doença, observamos que mais dametade dos que fizeram Curso de Saúde Pública(18,3%), o fizeram após a 8a Conferência Nacionalde Saúde, entre os anos de 1986 e 1988. É de es-tranhar que somente 2 destes (1,9%) tivessem in-trojetado uma nova visão de saúde.
O comprometimento com a "nova" concepçãode saúde, veiculada a partir da 8a Conferência Na-cional de Saúde, significaria a incorporação dos de-terminantes econômico-sociais na explicação doprocesso saúde/doença e a adoção de uma visãoparticipativa de educação, que incorpora o pessoalauxiliar de saúde e a população no processo de-cisório de planejamento e avaliação. Isto não estáocorrendo nos PAMs, uma vez que os médicos-chefe nem mencionaram estes entre os que partici-param de planejamento e avaliação.
Para que a educação em saúde pública possa con-tribuir para os objetivos da saúde no Município, Esta-do e/ou País, de democratização do acesso a serviçosassistenciais de qualidade e a longo prazo em mu-danças de estrutura e organização social geradoras dedoença, de acordo com a nova visão de saúde e edu-cação, precisa se transformar ideológica e tecnica-mente. E necessário que se torne uma prática compro-metida, um instrumento para preparar a populaçãoatendida para desvendar não só os determinantes in-dividuais do processo saúde, mas também oseconômico-sociais. Assim se desenvolvendo setransformará num elemento acionador da luta políticada população pelo direito à saúde, colaborando para atransformação da realidade social. Ainda é ne-cessário, a par de ser percebida na sua nova feição,que seja acionada como uma prática de metodologiasespecíficas, que exigem um mínimo de preparo dequem oriente o processo e um máximo de recursospara sua efetivação. Esta visão parece estar sendo in-corporada por uma minoria de médicos-chefe.
Nas sugestões dos médicos-chefe o aspecto téc-nico é contemplado, lembrando a necessidade dapresença de um especialista de educação em nívellocal e solicitando recursos auxiliares para o desen-volvimento das ações educativas. O que mais umavez não aparece é o aspecto político que dá energiaao processo, e que poderia ser adquirido através deeducação continuada.
Se o poder decisório assumir que é necessáriorever as concepções de saúde, educação e aspráticas educativas vigentes, será necessário queseja oferecido, aos médicos-chefe, além da possi-bilidade de fazer Curso de Chefia, a oportunidadede atualização e/ou reciclagem sobre o tema saúdee suas formas de abordagem.
É necessário, também que seja estimulado o es-tabelecimento de um "espaço" de discussão nosPAMs. Considerando que o preparo do pessoal emfilosofia, métodos e técnicas educativas inovadasprecisam ser combinados e planejados em conjun-to, a existência de um espaço de reuniões torna-sede importância fundamental uma vez que o exis-tente é bastante precário.
Embora as ações educativas tenham sido lem-bradas por poucos, como tema de reuniões, pode-sedizer que em alguns serviços locais já existem ex-periências de utilização deste espaço para mudançade direcionamento e das práticas médicas e que es-tas podem ser recuperadas e transmitidas às outrasunidades se isto for considerado de importância.
Conforme foi apresentado, grande parte dos pro-blemas mencionados tem a ver com a falta de recur-sos que deveriam ser providos pela AdministraçãoRegional ou Central. Da forma como as situaçõesproblemas foram descritas, transparece que as che-fias dos PAMs têm possibilidades limitadas de so-lucionar estas dificuldades identificadas.
Por outro lado, a falta de participação daAdministração Central na resolução dos problemaspermite inferir que a importância atribuída a açõeseducativas pela mesma tem sido muito mais emnível de discurso do que de implementação. Comessa omissão do nível regional e/ou central os médi-cos-chefe têm ficado, como único responsável pelaoperacionalização das propostas, respaldadas naboa vontade, esforço, criatividade e competênciacircunstancial dos servidores que ali atuam. As con-seqüências dessa realidade são a descontinuidade, aimprovisação, o eterno recomeçar, a não avaliaçãodo impacto dessas ações, entre outras.
Se realmente há uma proposta de implantação deum novo sistema com um novo ideário é necessárioverificar, sobre quais concepções ele tentará se so-brepor e recomeçar a mudança pelo preparo de recur-sos humanos pela mudança de visão e mentalidade,sem se ater somente a programas de racionalização eorganização de serviços, tarefas e funções.
PEREIRA, I.M.T.B. et al. [Perceptions of head doctorsregarding the educational activities undertaken inMunicipal Health Services]. Rev. Saúde públ., S. Paulo,25: 306-14, 1991. The results of a research project car-ried out along with head-physicians of the MunicipalHealth Services (PAMs) of the city of S. Paulo in orderto survey their knowledge, expectations and willingness
to participate in and incentivate educational programs inthe various PAMs, are reported on. An open-ended ques-tionnaire was answered by 88.6% of the head-physicians.Results showed that the concept of health of the majorityof the PAMs' head-physicians (66.3%) was coincidentalwith that adopted by the WHO. Only 2.9% consideredthat health is related to quality of life. Health educationwas seen as the provision of information by 70.0%; only6.7% recognized their responsibility for the process ofsocial and health change. According to 68.2% of them,health actions were acknowledged to be useful tools formaking the users aware of the importance of having thediseases treated. Health actions, their planing, implemen-tation and evaluation were considered to be the responsi-bility of all who work at the PAMs, but mainly of nurses,social workers and the health educator. Some difficultiesin implementing educational activities were indicated;among them being lack of sufficient material and ade-quate space for their implementation, lack of profession-al Public Health Educators and, mainly, a lack of motiva-tion on the part of both staff and population. Themajority of the head-physicians recognized that educa-tional activities are important, that they are carried out atleast by part of their staffs, although frequently ham-pered by technical and operational difficulties.
Keywords: Physicians. Knowledge, attitudes, practice.Health education.
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Recebido para publicação em 31/01/1991Aprovado para publicação em 07/06/1991
* Cópia disponível com o primeiro autor do presente artigo.