Memórias Do Front Relatos de Guerra de Veteranos Da FEB
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7/25/2019 Memrias Do Front Relatos de Guerra de Veteranos Da FEB
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIAFACULDADE DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA
Memrias do front:
Relatos de guerra de veteranos da FEB
Luciano Bastos Meron
Salvador
2009
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Luciano Bastos Meron
Memrias do front:
Relatos de guerra de veteranos da FEB
Dissertao apresentada ao Programa dePs-Graduao em Histria Social,Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas,
como requisito parcial para obteno dograu de Mestre em Histria.
Orientador: Prof. Dr. Carlos Eugnio LibanoSoares
Salvador
2009
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Meron, Luciano BastosM567 Memrias do front: relatos de guerra de veteranos da FEB / Luciano Bastos
Meron. -- Salvador, 2009.160 f.Orientador: Prof. Dr. Carlos Eugnio Lbano SoaresDissertao (mestrado) Universidade Federal da Bahia, Faculdade de
Filosofia e Cincias Humanas, 2009.
1. Guerra Mundial, 1939-1945 - Brasil. 2. Brasil. Fora ExpedicionriaBrasileira 3. Memria. 4. Brasil Poltica e Governo - 1939-1945.5. Brasil Exrcito Histria II. Universidade Federal da Bahia, Faculdade deFilosofia e Cincias Humanas. III.Ttulo.
CDD 940.5381
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Luciano Bastos Meron
Memrias do front:Relatos de guerra de veteranos da FEB
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Histria Social, Faculdade deFilosofia e Cincias Humanas, como requisitoparcial para obteno do grau de Mestre emHistria.
Orientador: Prof. Dr. Carlos Eugnio LibanoSoares
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________________Prof. Dr. Carlos Eugnio Libano Soares - UFBA
Orientador
_______________________________________________________Prof. Dr. Antonio Luigi Negro -UFBA
Examinador
_______________________________________________________
Profa. Dra. Marina Helena Chaves Silva - UESBExaminadora
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SoldadosRenato Russo / Marcelo Bonf
Nossas meninas esto longe daquiNo temos com quem chorar e nem pra onde irSe lembra quando era s brincadeiraFingir ser soldado a tarde inteira?Mas agora a coragem que temos no coraoParece medo da morte mas no era entoTenho medo de lhe dizer o que eu quero tantoTenho medo e eu sei porqu:Estamos esperando.Quem o inimigo?Quem voc?
Nos defendemos tanto tanto sem saberPorque lutar.
Nossas meninas esto longe daquiE de repente eu vi voc cair
No sei armar o que eu sentiNo sei dizer que vi voc ali.Quem vai saber o que voc sentiu?Quem vai saber o que voc pensou?Quem vai dizer agora o que eu no fiz?Como explicar pra voc o que eu quis
Somos soldadosPedindo esmolaE a gente no queria lutar.
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Aos soldados desconhecidosque jazem no Mausolu da FEBno monumento aos veteranos
brasileiros da II Guerra Mundialno Rio de Janeiro.
Ao meu tio Alberto Bastos
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Agradeo tambm a outro tio, Alberto Ikeda, pelo incentivo e pelos livros
fundamentais!
Obrigado aos companheiros de mestrado, em especial Izabel e Bruna pela
amizade, informaes e risadas!
Obrigado ao meu orientador por ter acreditado em meu projeto, pois s quem
trabalha com histria militar sabe das dificuldades e especificidades dessa rea de
pesquisa. Obrigado no s pelas orientaes, mas pelos papos divertidos e apaixonados
sobre a II Guerra Mundial.
Meus agradecimentos vo ainda para o Prof. Muniz Ferreira, que durante a
graduao foi meu guia, meu incentivador e no mestrado, sempre que possvel, ter sido
atencioso com minha pesquisa.
Prof Maria Hilda B. Paraso uma pessoal que me deixa sem palavras nessa
hora. Uma me dentro da Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas da UFBA!
Sempre solcita, atenciosa e mesmo sem saber bulhufas (como ela fala) sobre guerra
me ajudou muito, muito! No apenas com conhecimento, mas com carinho, ateno!
Tenho orgulho de dizer que fui seu aluno!
Ao professor Milton Moura, por ter me apoiado no inicio do mestrado e pelas
ricas e divertidssimas aulas sobre cultura brasileira.
s minhas amigas pesquisadoras e companheiras de paixo pela FEB Clarice
Helena e Virginia. Muitas dvidas, muito material dividido e a paixo pelo mesmo tema
me aproximaram dessas garotas! Obrigado tambm a Fbio pelas mesmas razes!
Agradeo ainda aos meus alunos que foram pacientes e tolerantes com minhas
falhas no perodo de concluso da pesquisa.
Especial agradecimento fao ao Sr. Raul Carlos dos Santos, presidente da
Associao Nacional dos Veteranos da FEB Regional Bahia. Anos de contato,
pacincia e boa vontade no s nas entrevistas, mas no contato com outros veteranos epelo grande conhecimento a mim transmitido! Obrigado a todos os veteranos que
colaboraram com este trabalho!
Aos oficiais e praas do Arquivo Histrico do Exrcito do Rio de Janeiro pela
colaborao, orientaes e prstimo.
Enfim, obrigado a todos que ajudaram na execuo deste projeto!
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Nosso sculo demonstra que a vitria dos ideaisde justia e igualdade sempre efmera, mastambm que, se conseguirmos manter a liberdade,sempre possvel recomear [...] No h por quedesesperar, mesmo nas situaes maisdesesperadas.
Leo Valiani, historiador italiano.
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Resumo
Este trabalho tem por objetivo analisar as narrativas de guerra de veteranos da
Fora Expedicionria Brasileira (FEB) durante a II Guerra Mundial. A pesquisa foi
realizada dentro da abordagem da Histria Oral, discutindo os processos de formao
das diversas memrias existentes dentro do grupo dos veteranos. Contribuiu para a
anlise dos depoimentos as perspectivas da Nova Histria Militar, onde os aspectos
sociais e culturais passam a se sobrepor nos estudos sobre as foras armadas e a
experincia do servio militar.
As entrevistas cobriram a trajetria da FEB, desde sua formao, passando pelo
treinamento, envio Europa, batismo de fogo, cotidiano no front, situaes decombate, retorno ao Brasil e desmobilizao, abrangendo o perodo da declarao de
guerra s naes do Eixo, em agosto 1942, at o fim das hostilidades, em maio de 1945.
Questes como os aspectos das relaes com os civis italianos e com os militares norte-
americanos, o medo e as estratgias de enfrentamento e as vises sobre os inimigos
tiveram destaque nas interpretaes das narrativas.
Palavras Chave: II Guerra Mundial; Fora Expedicionria Brasileira; Memria;
Narrativas de guerra.
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Abstract
This work has for objective to analyze the narratives of war of veterans of
Brazilian Expeditionary Force (BEF) during the World War II. The research was carried
through inside of the boarding of Verbal History, arguing the processes of formation of
the diverse existing memories inside of the group of the veterans. It contributed for the
analysis of the depositions the perspectives of New Military History, where the social
and cultural aspects pass if to overlap in the studies on the Armed Forces and the
experience of the military service.
The interviews had covered the trajectory of the BEF, since its formation,
passing for the training, sending to the Europe, fire baptism, daily in front, situations
of combat, return to Brazil and demobilization, enclosing the period of the declaration
of war to the nations of the Axle, in August 1942, until the end of the hostilities, in May
of 1945. Questions as the aspects of the relations with the Italian civilians and the North
American military, the fear and the strategies of confrontation and the perception on the
enemies had prominence in the interpretations of the narratives.
Words Key:World War II; Brazilian Expeditionary Force; Memory; Narratives of war.
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Sumrio
Introduo 1
I O Brasil vai guerra: a formao da Diviso de Infantaria Expedicionria 6
1.1 A guerra e seu contexto em meados de 1944 81.2 Noticias dofront: O contato com a guerra e o preparo da FEB 121.3 A caminho dofront 33
II O belo pas: Os soldados brasileiros na Itlia 42
2.1 A chegada: Destruio e misria 432.1.2 O convvio com os civis: Os limites entre a ilegalidade, afeto e a sobrevivncia 472.1.3 Brasiliani liberatori 582.2 Os americanos: O american waynos campos de batalha 612.2.2 Hierarquia e (des) igualdade 69
III A guerra: narrativas de combate 78
3.1 Sob fogo inimigo 80
3.2 O medo 963.3 Eles, os inimigos 1083.3.2 Um grupo especial 119
IV Epilogo: de volta pra casa 125
4.1 O dia seguinte: esquecimento, preconceito, misria 129
Consideraes Finais 135
Referncias bibliogrficas 137Fontes 141Anexos 144
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Assim amadureceu a idia de formular um projeto de mestrado utilizando a
Histria Oral como abordagem e tendo como foco as experincias de guerra de
veteranos baianos no ltimo grande confronto mundial. O aprofundamento da pesquisa
me fez ver que a existncia de trabalhos acadmicos era bem escassa, embora houvesse
uma boa quantidade de fontes disponveis. As dissertaes e teses que surgiam
abordavam a Fora Expedicionria Brasileira (FEB) de maneira ampla, fazendo grandes
panoramas. Posteriormente surgiram algumas pesquisas mais especficas, que se
tornariam referncias para os novos trabalhos, como as que estudavam as questes
poltico-econmicas que levaram ao envolvimento do Brasil na guerra2; a trajetria da
FEB e relao entre memria e guerra3; e o ps-guerra e reintegrao social dos
veteranos4. Mesmo assim so raros os trabalhos sobre a FEB, especialmente os que
enfocavam os momentos de combate, como os soldados encaravam as situaes de
perigo, o medo e as vises sobre o inimigo.
Tentando responder a estas indagaes norteei minha pesquisa. A abordagem
que segui nas entrevistas a que a sociloga Alice Betriz G. Lang chama de relato oral
de vida, [...] quando solicitado ao narrador que aborde, de modo mais especial,
determinados aspectos de sua vida, embora dando a ele total liberdade de exposio,
mas o entrevistado sabe o interesse do pesquisador e direciona seu relato para
determinados tpicos5. Assim no foram feitos questionrios que pudessem limitar os
depoentes, mas tpicos sobre aspectos da experincia da guerra, onde as perguntas
surgissem de acordo com as particularidades das vivncias de cada individuo.
Fundamentais para o entendimentos desse tipo de fonte foram os trabalhos de Michel
Pollak6, que lidou com sobreviventes do Holocausto Judeu; Alessandro Portelli 7, que
pesquisou as vitimas de massacres alems na Itlia; e o j citado Alistair Thomson. De
2SEITENFUS, Ricardo. O Brasil Vai Guerra: O Processo de Envolvimento do Brasil na SegundaGuerra Mundial. Barueri: Manole, 2003.3MAXIMIANO, Csar Campiani. Trincheiras da memria:Brasileiros na campanha da Itlia 1944-1945. USP, 2004 (Tese de Doutorado).4 FERRAZ, Csar A. A guerra que no acabou: A reintegrao social dos veteranos da ForaExpedicionria Brasileira (1945 2000). USP, 2003(Tese de Doutorado).5LANG, Alice Beatriz G. Histria Oral: muitas dvidas, poucas certezas e uma proposta. In: MEIHY,Jose Carlos Bom. [Re]introduzindo a Histria Oral o Brasil. So Paulo: Xam/USP, 1996, pp. 35.6POLLAK, Michel. Memria, esquecimento e silncio. In: Estudos histricos. Rio de Janeiro, Vol.2,
n.3,1989.7PORTELLI, Alessandro. O massacre de Civitella Val di Chiana (Toscana, 29 de junho de 1944): mitoe poltica, luto e senso comum. In: Usos & Abusos da Histria Oral. Rio de Janeiro: FGV, 2002
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grande serventia, tambm, para a prtica das entrevistas foi o artigo de Verena Alberti,
sobre metodologia de Histria Oral8.
Realizei pouco mais de vinte e uma horas de entrevistas com trs membros da
Associao Nacional dos Veteranos da FEB (ANVFEB) - Regional Bahia, ao longo dos
anos de 2007 e 2008. O espao grande entre as entrevistas ocorreu devido a
compromissos particulares dos depoentes e suas idades avanadas (muitas vezes eles
estavam adoentados ou com parentes prximos neste estado). Dois dos entrevistados
so baianos e lutaram no mesmo regimento de infantaria, embora que em funes e
companhias diferentes. O terceiro entrevistado preferiu no ser identificado (passando a
ser tratado no texto como Cabo X), devido ao teor de suas declaraes, por isso no
revelarei sua naturalidade, que levaria ao seu reconhecimento. O nmero pequeno de
entrevistados se deu especialmente pela riqueza de dados apresentados pelos depoentes
abordados e tempo exguo para todo o processo de trabalho com as fontes orais numa
pesquisa de mestrado (levantar veteranos dispostos e em condies de serem
entrevistados, agendar e realizar as mesmas e transcrever as gravaes e analis-las).
A singularidade dessas fontes se d, primeiramente, pelo contedo, pois nas
longas entrevistas foram aprofundados dados pouco trabalhados ou inditos em outras
pesquisas, e, em segundo lugar, pelo fato de que veteranos baianos estarem de fora dos
trabalhos referenciais sobre a FEB9.
Utilizei ainda um conjunto de entrevistas realizado pelo Exrcito Brasileiro no
projeto Histria Oral do Exrcito na Segunda Guerra Mundial (HOESGM). O
exrcito realizou entrevistas entre os anos de 2000 e 2001, contemplando veteranos nos
Estados do Rio de Janeiro, So Paulo, Porto Alegre, Recife, Fortaleza e Braslia. Alm
dos trs regimentos que formaram a FEB, foram includos expedicionrios de todas as
unidades, como o Batalho de Engenharia, Esquadro de Reconhecimento, Artilharia
Divisionria, alm do 1 Grupo de Aviao de Caa e membros da foras quepatrulhavam o litoral brasileiro durante o conflito.
Este trabalho tem uma importncia muito grande para os estudos da FEB, j que,
como uma instituio presente em todo territrio nacional, o exrcito possui um alcance
fsico que dificilmente um pesquisador teria. Alm disso, a maioria dos veteranos possui
fortes vnculos emocionais com a instituio, de forma direta ou atravs das
8ALBERTI, Verena. Histrias dentro da Histria. IN: PINSKY, Cala B. Fontes histricas. So Paulo:
Contexto, 2005.9 O historiador Paulo Leite chegou a entrevistar doze expedicionrios baianos, disponibilizando partedesse material no site http://veteranosbaianos.com/
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associaes, que participam, muitas vezes, de cerimnias oficiais nas diversas unidades
do exrcito espalhadas pelo Brasil. Mas justamente por causa deste vinculo fao
ressalvas a estes depoimentos.
Acredito que muito dos depoentes do projeto HOESGM se sentiram
constrangidos em fazer criticas ou determinadas observaes relativas s experincias
de guerra, pois as entrevistas faziam parte de um programa promovido pela instituio
militar. O exrcito constitui-se hoje a principal esperana de preservao da memria da
FEB, pelo menos para as associaes de veteranos.
Ainda como fontes foram utilizados livros de memrias produzidos por praas,
graduados e oficiais, tanto do Quadro Ativo quanto da Reserva, do exrcito que
participaram da FEB. As primeiras pesquisas sobre a participao brasileira na segunda
guerra utilizam em larga escala livros dos oficiais comandantes da unidade
expedicionria, talvez pela escassez de obras de praas e graduados ___situao que se
observa at hoje, mas em menor escala ___ou por influncia de uma Histria Militar
tradicional10. Foram preferidas as obras daqueles que compuseram a maior parte da
tropa, mas que so menos conhecidas, ou seja, oficiais de baixa patente e praas.
Foram analisados tambm so os trabalhos dos correspondentes de guerra
brasileiros. Enviados Itlia sob a vigilncia do Departamento de Imprensa e
Propaganda (DIP) estes jornalistas cobririam a participao brasileira desde o embarque
at o retorno da tropa. Descries do cotidiano, relaes com a populao civil,
funcionamento das unidades, situaes de combate, entre outros, so temas das
reportagens, que, aps a guerra foram copiladas e reunidas em livros por alguns destes
correspondentes.
Em menor escala foram trabalhados alguns documentos levantados no Arquivo
Histrico do Exrcito (AHEx), localizado no Palcio Duque de Caxias (PDC), no Rio
de Janeiro. A menor utilizao de fontes documentais no se deu pela escassez dasmesmas, mas a localizao do arquivo em outro Estado e, principalmente, pela mudana
de foco da pesquisa. A documentao coletada em 2007 fundamentaria uma abordagem
direcionada para a anlise das relaes entre soldados brasileiros e seus inimigos, mas
durante a qualificao novo rumo foi tomado. Assim, poucos documentos levantados no
primeiro ano do mestrado tiveram aproveitamento no trabalho atual.
10Ao longo da dissertao sero definidos e abordados os conceitos de Histria Militar tradicional eNova Histria Militar.
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Utilizei ainda alguns exemplares do jornal ...E a cobra fumou, de autoria de
soldados do 1 Regimento de Infantaria e produzido durante a Campanha da Itlia.
Mas as fontes orais, juntamente com os livros de memria se constituram em
ricas fontes, viabilizando este trabalho final, que ficou composto de trs captulos e um
eplogo:
No primeiro captulo falo, brevemente, do contexto da guerra na Europa, quando
do envio da FEB para guerra. Alm disso, trato das repercusses do conflito e como as
noticias sobre o mesmo circulavam no Brasil e entre os convocados. Ainda neste
captulo abordo o preparo e a viagem para o continente europeu.
No segundo, aps tratar das reaes surgidas na tropa com a chegada aos
campos de batalha, foco as relaes desenvolvidas pelos brasileiros com a populao
italiana e as vises que os praas e oficiais formularam sobre essa. Objetivo tambm as
relaes com principais aliados, os norte-americanos, e reaes frente a tropas
segregadas racialmente, alm do choque com as diferenas de organizao que o
exrcito dos EUA possua.
J no terceiro capitulo tenho como ponto central o combate. Abordo os
principais riscos que os com batentes estavam expostos e os ferimentos que sofriam.
Trato ainda de um delicado assunto entre veteranos de guerra: o medo. Analiso as
estratgias desenvolvidas para lidar com o mesmo e como eram vistos os combatentes
considerados covardes. Por ltimo, neste captulo, analiso as vises construdas sobre o
inimigo, em especial o alemo, e abordo um depoimento nico de um cabo que fez parte
de um grupo que exterminava franco-atiradores alemes.
No epilogo fecho o ciclo da campanha com as narrativas sobre cessao das
hostilidades, a viagem de volta a emoo de estar novamente na ptria. Trato ainda, de
forma breve, dos problemas na reintegrao social, da formao das associaes de
veteranos e da preocupao em preservar uma memria do grupo.
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I
O Brasil vai guerra: a formao da Diviso de InfantariaExpedicionria
Os fantasmas da Grande Guerra (1914-1918) mal tinham sido exorcizados e uma
novo conflito mundial despontava com a invaso da Polnia, em 1 de setembro de 1939,
pelas foras armadas da Alemanha nazista. Esta Era da Catstrofe segundo o
historiador Eric Hobsbawm estava em pleno curso11. E os nmeros dessa guerra
mundial atingiriam cifras nunca antes vistas e difceis de mensurar, alis, como atenta o
historiador britnico citado, o [...] que significa exatido estatstica com ordem de
grandeza to astronmica? Por exemplo, as baixas soviticas giram entre 10% a 20%
da populao total, ou seja, nmeros que beiram entre 20 a 30 milhes de pessoas12.
Essa guerra de propores mundiais envolveria no s os polticos e soldados,
ou os setores da indstria blica, mas praticamente todos os segmentos sociais dos
principais pases envolvidos. Ainda assim, mesmo nos pases perifricos disputa entre
Aliados e foras do Eixo, a guerra traria mudanas de grandes propores, mesmo para
a populao civil.
Temos, com certeza, que a guerra moderna envolve todos os cidados emobiliza a maioria; travada com armamentos que exigem um desvio de todaa economia para a sua produo, e so usados em quantidades inimaginveis;produz indizvel destruio e domina e transforma absolutamente a vida dospases nela envolvidos.13
Assim, este capitulo se prope, primeiramente, a compor um breve contexto
dessa guerra onde o Brasil participaria no s com o fornecimento de matrias primas e
apoio poltico aos Aliados, mas, tambm, com o envio de um corpo expedicionrio
Europa. Busco com isso introduzir o papel da Fora Expedicionria Brasileira no Teatro
de Operaes italiano em fins de 1944 e inicio de 1945, quando do fim dos combates no
continente europeu.
11HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: O Breve Sculo XX-1918-1991. So Paulo: Cia das Letras,
199512Id. Ibidem, pp. 50.13Id. Ibidem, pp. 51.
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Em seguida abordarei a guerra no mbito do grupo de veteranos brasileiros do
conflito analisando suas primeiras impresses sobre a guerra e como circulavam as
informaes sobre a mesma no Brasil do Estado Novo. Tanto a populao civil quanto
militar dos centros urbanos, especialmente nos estados nordestinos, se viram envolvidas
em campanhas de mobilizao para o esforo de guerra, seja na vigilncia sobre os
sditos do Eixo ou na arrecadao de donativos e matrias primas, a partir da ruptura
de relaes com a Alemanha e a Itlia e o posterior estado de beligerncia contra os
mesmos, em agosto de 1942.
O envolvimento direto com a guerra moderna traria mudanas profundas na
organizao militar brasileira. As diferenas de organizao e recursos das Foras
Armadas do Brasil em relao aos Estados Unidos da Amrica so perceptveis no
processo de preparao da FEB em solo ptrio, sendo estas, focando o ponto de vistas
dos soldados convocados e militares da ativa, objeto de analise tambm deste capitulo.
Abordarei ainda as impresses sobre a viagem para a Itlia. Embora a navegao
martima, na primeira metade do sculo vinte, constitusse o principal meio de
transporte de longa distncia no Brasil boa parte da tropa nunca havia realizado uma
grande viagem e, muito menos, uma incurso transatlntica. Esta viagem ainda tinha a
singularidade de ser realizada sob o estado de guerra, o que significava o risco de
ataques por parte de submarinos ou aviao alem ___ embora remotos, j que a
Kriegsmarine(marinha de guerra alem) e a Luftwaffe (fora area alem) no segundo
semestre de 1944, quando do envio da FEB, j tinham seus poderios muito limitados,
para no dizer quase anulados, comoveremos no contexto da guerra logo abaixo.
importante ressaltar que no objetivo deste trabalho discutir as causas do
envolvimento do Brasil varguista no conflito e sua aliana com os EUA. Obras voltadas
especificamente para a anlise do quadro das relaes internacionais brasileiras no
perodo conseguem explorar esta temtica de forma consistente, entre as quais destacoas dos pesquisadores Ricardo Seitenfus, Stanley Hilton, Maria de Lourdes F. Lins e
Frank D. McCann14. Logo, quando abordar as origens do conflito e os motivos que
14Para mais detalhes ver: HILTON, Stanley E. O Brasil e as Grandes Potencias - 1930-1939: AspectosPolticos da Rivalidade Comercial. Rio de janeiro: Civilizao Brasileira, 1977; _____.A Guerra Secretade Hitler no Brasil: A Espionagem Alem e a Contra -Espionagem Aliada. Rio de Janeiro: NovaFronteira, 1983; LINS, Maria de Lourdes F. A Fora Expedicionria Brasileira: uma tentativa deinterpretao. USP, 1975 (dissertao de mestrado); McCANN, Frank D. A Fora Expedicionria
Brasileira na Campanha da Itlia, 1944-1945. In: SILVEIRA, Joel e MITKE, Tassilo. A Luta dosPracinhas: A FEB 50 anos depois Uma Viso Critica. Rio de Janeiro: Record, 1983; SEITENFUS.Op.cit.
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levaram o Brasil guerra, focarei as interpretaes dos veteranos sobre as noticiais que
circulavam na poca.
1.1- A guerra e seu contexto em meados de 1944
Ao se pensar nas Foras Armadas no mbito histrico j temos h alguns anos a
possibilidade de extrapolar a histria militar tradicional, ou seja, o [...] estudo das
batalhas, tticas e principais figuras militares15, o que significa dizer que os avanos
historiogrficos da Nova Histria passaram a ser utilizados na abordagem dos
questionamentos relativos s estas instituies.
A experincia militar algo singular para a maior parte dos indivduos, poisinstituies como o exrcito criam laos de sociabilidade prprios entre seus membros,
fruto do objetivo dessas organizaes ___ ser um agente de violncia controlado pelo
Estado ___da sua estrutura e funcionamento. So instituies totais16, pois:
[...] compem-se de pessoas divididas em um numeroso grupo deindivduos dirigidos e um pequeno grupo de supervisores, como poucamobilidade social entre eles e modos especficos de lidar uns com os outros. Asinstituies totais socializam seus membros de maneiras especificas que
moldam seu pensamento, auto-imagem e comportamento.17
Mas os militares no se encontram isolados da sociedade onde vivem, muito
pelo contrrio. As interaes se tornaram particularmente fortes desde generalizao do
servio militar obrigatrio, entre os sculos XVIII e XIX18. Com as guerras mundiais
teramos grandes potncias industrializadas mobilizando milhes de civis para os
quadros das Foras Armadas, que seriam invadidas por novos comportamentos e novas
idias, levando a uma interao muito relevante. Embora o Brasil no tenha uma longa
tradio de intervenes externas por meio das suas instituies militares, o mesmo no
15CASTRO, Celso; IZECKSOHN, Vitor e KRAAY, Hendrik (orgs.)Nova histria militar brasileira. Riode Janeiro: FGV/Bom Texto, 2004, pp. 12.16GOFFMAN, Erving. Asylums: essays on the social situations of mental patients and other inmates.Chicago: Aldine, 1962. Apud:MACCANN, Frank. Soldados da ptria: Histria do Exrcito Brasileiro(1889 1937). So Paulo: Cia das Letras, 2007, pp. 16-17.17MACCANN. Op. Cit. pp.17.18Embora o servio militar obrigatrio j comeasse a ser utilizado por alguns pases como a Sua desdeo sculo XVII, ele s viria a se generalizar na virada do sculo XVIII para o XIX, especialmente a partirda Revoluo Francesa e das Guerras Napolenicas. Para mais detalhes sobre a circunscrio militar
obrigatria e o significado da experincia militar ver LORIGA, Sabina. A experincia militar. In:SCHMITT, Jean-Claude e LEVI, Giovanni (Orgs). Histria dos Jovens: A poca contempornea. SoPaulo: Cia. das Letras, 1996.
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se pode dizer no mbito interno. Diversos foram os momentos da histria recente do
pas onde os militares tiveram papel preponderante, demonstrando justa mente que as
instituies interagem com a sociedade e em muitos casos de forma violenta.
Quando do envio da FEB Europa, a Segunda Grande Guerra j estava em
meados do seu quinto ano. Embora a Alemanha j encontrasse uma situao irreversvel
no front oriental, contra a URSS, e no ocidental, contra os EUA e seus aliados, e j
tivesse tido derrotas significativas, a guerra ainda no apresentava um fim prximo. As
foras nazistas ainda teriam condies de impor obstinada e custosa resistncia aos seus
inimigos ___lembrando que EUA, Inglaterra e seus inmeros aliados lutavam tambm
em duas frentes: no Teatro de Operaes europeu e no do Pacfico.
Embora a proposta deste trabalho seja enveredar pelos caminhos da Nova
Histria Militar isso no significa que a historiografia clssica da II Guerra seja
dispensvel, pelo contrrio. Essa ainda fundamental para a compreenso das
campanhas militares, lanando dados factuais importantes mesmo para anlises mais
voltadas aos aspectos da Nova Histria. Assim construirei um breve contexto dos
principais acontecimentos relevantes para o entendimento da atuao da FEB na
Europa, especialmente no TO italiano.
Em fins de junho de 1941, os alemes iniciaram a Operao Barbarossa, a
invaso da URSS. Quatro mil blindados e mais de trs milhes e meio de homens
avanariam em trs colunas contra os russos. Hitler abria com isso uma segunda frente
na Europa Oriental, depois de derrotar e ocupar Polnia, Dinamarca, Noruega, Blgica,
Holanda e Frana at meados de 1940. A Blitzkrieg, a guerra-relmpago, alem
voltava-se para o to exigido Lebensraum, o espao-vital, por Hitler e seus
seguidores, que defendiam a expanso para o leste. Nos anos seguintes ofrontOriental,
como ficaria conhecido, tragou milhes de homens, veculos e recursos.
O governante alemo esperava uma vitria rpida, mas o que se viu foi umalonga, desgastante e violenta campanha19. Mas os russos sofriam tambm e
necessitavam do apoio dos aliados, que foi feito em combates areos e martimos em
diversos pontos do Atlntico, Mediterrneo, Mar do Norte, etc. O apoio tambm era
19Falar que um frontfoi mais ou menos violento pode ser muito questionvel, mas dentro da literaturasobre a II Guerra Mundial comum perceber essa diferenciao, pelo menos no Teatro de Operaes daEuropa. Alemes e russos travariam no s encarniados combates, mas desrespeitariam diversos tratadosde direitos humanos e convenes de guerra, exterminando prisioneiros e populaes civis. [...] Guerraimpiedosa, que desconhece feridos e prisioneiros, que responde insegurana pelo terror e no recua nem
diante da tortura nem da profanao de cadveres, assim se referiria a Frente Leste o historiadorRaymond Cartier. CARTIER, Raymond.A Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Larousse do Brasil Paris Match, 1967, pp. 590, Volume II.
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feito com o fornecimento de armas, veculos, suprimentos na casa doas milhes de
toneladas, que atravessam perigosas rotas pelo Mar do Norte em comboios fustigados
pelos submarinos e aviao alem.
Assim principalfrente de combate contra as tropas alems se deu pela ao do
Exrcito Vermelho, que desde o inicio de 1943 inverterao fluxo de combate, fazendo a
Wermachtrecuar. A segunda frente na Europa fora aberta com a Operao Husky, em
setembro de 1943, ao invadir a Itlia. Mas a principal fora aliada atacou a Europa em 6
junho de 1944, o Dia D, abrindo uma importante penetrao nas linhas alem na
Frana, formando assim, em conjunto com os soviticos, um movimento de pina contra
a Alemanha.
A Overlord, nome cdigo da invaso da Normandia, envolveria um contingente
nunca antes visto numa operao militar durante a II guerra at aquele momento. Seriam
mais de 4 mil embarcaes envolvidas, sendo que 213 eram grandes navios de guerra,
como encouraados e cruzadores ___ alm de 13 mil avies de diversos tipos. No
desembarque inicial 5 Divises de infantaria e de blindados inglesas, norte-americanas e
canadenses estariam responsveis pelo assalto s cinco praias escolhidas na Baia do
Sena (entre Cherburgo e a desembocadura do Orne, prximo a Caen). Haveria ainda o
assalto de trs divises aerotransportadas, duas norte-americanas e uma inglesa, atrs
das linhas inimigas, em pontos estratgicos.
Nos dias seguintes invaso seriam desembarcadas mais divises, compondo
dois Exrcitos, o I Exrcito Americano e o II Exrcito Britnico. Para compor essas
unidades foram deslocadas Divises que atuavam em outros fronts. Algumas unidades
do VIII Exrcito Ingls e do V Exrcito Americano que formavam as foras aliadas na
Itlia foram cedidas Overlord.
A invaso da Normandia seria complementada por outra ao ao sul da Frana, a
Operao Anvil. A 15 de agosto de 1944, o VII Exrcito Norte-Americano, apoiado p9 porta-avies e mais de 800 embarcaes variadas desembarcam foras entre Toulon e
Cannes. Mais uma vez unidades experientes foram deslocadas de outras frentes de
batalha, incluindo a Itlia.
Essencialmente, as foras que dela participam provm do desmembramentodo exrcito da Itlia. A 28 de julho, em plena perseguio, depois da tomada deLivorno, Pisa e Siena, o 6 Corpo norte-americano e o Corpo expedicionrio
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Francs foram retirados do general Clark e levados ao Sul da Itlia para seremdesembarcados com destino costa provenal. 20
neste contexto que devemos entender a participao da FEB no V Exrcito
Norte-Americano, no mbito estratgico. Os brasileiros viriam cobrir claros deixadospelas unidades que eram deslocadas para as aes na Frana. O comando americano na
Itlia j estava realizando improvisos neste front, como atesta a composio da Task
Force 45, unidade formada por soldados treinados em guerra antiarea. nesse teatro
de operaes que os EUA utilizariam sua nica unidade de negros, a 92 Colored,
engajada nofront ___mais detalhes sobre esta diviso sero vistos no capitulo II.
Os avanos dos aliados na Itlia continental foram bem mais lentos que o
previsto, pois os defensores tinham a disposio um terreno extremamente acidentado,
onde linhas fortificadas eram construdas sobre os baluartes naturais. Mas eram os
alemes estavam em srias de dificuldades na Itlia. A supremacia area dos aliados
destrua sistematicamente as linhas de abastecimento. Estradas e ferrovias eram
marteladas noite e dia, sendo as operaes interrompidas apenas pelo mal tempo. Alm
disso, a guerrilha, na medida do possvel, atacava linhas de comunicao, abastecimento
e fustigava as guarnies germnicas.
Em 1943, quando da invaso da Itlia, os aliados pretendiam aliviar o front
russo, desviado os esforos nazistas. J no ano seguinte objetivo estratgico no front
italiano era reter o mximo de tropas nazistas possveis: A absoro de foras alems
nessa regio iria desfalecer as reservas disponveis [...]21. Caso fosse conseguida uma
boa penetrao nas linhas alems, especialmente aps a queda de Roma (ocorrida em 4
de junho de 1944), os aliados tentariam empurrar o inimigo para o Vale do P, onde os
alems comprometeriam mais reservas, numa regio mais desfavorvel, onde o grande
volume de unidades blindadas e motorizadas anglo-americanas fariam grande
diferena22.
Com queda da Linha Gustav, localizada ao sul dos Apeninos, os alemes
recuaram para posies mais ao norte, recompondo sua defesa numa nova rea, tambm
de grande altitude, batizando-a deLinha Gtica. Os combates na Itlia, especialmente a
partir da regio dos Apeninos, se caracterizaram pelo uso intensivo da infantaria, onde
os carros blindados tinham emprego muito limitado ___ para ver a distribuio das
20CARTIER. Op. Cit. pp. 622.21
MCNNIS, Edgar.Histria da II Guerra Mundial 1939 -1945. Porto Alegre: Ed. Globo, 1958, vol. V,pp. 169.22Id. Ibidem.
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foras em combate, caractersticas do terreno e as localidades citadas ver os mapas nos
anexos. Mesmo assim, em muitas ocasies, as manobras eram feitas em pequenas
unidades, com freqncia no mbito de Companhias (menos de 200 homens) e at
Pelotes (42 homens).
A FEB seria empregada contra as foras nazistas encasteladas na Linha Gtica,
assim como as novas unidades americanas que seriam formadas e transferidas para o
front italiano visando cobrir os claros deixados pelas operaes Overlorde Anvil, que
aspiraram divises veteranas. O exrcito dos EUA chegou a preparar uma unidade de
elite, a 10 Diviso de Montanha, para ser empregada no front italiano, operando ao lado
da FEB.
1.2 Noticias dofront: O contato com a guerra e o preparo da FEB
Costuma-se dizer que numa guerra as pessoas manifestam o que tem de pior, que
no h limites para a crueldade.Inter arma silent leges. Entre armas as leis silenciam.
Mas o que vemos so extremos, a guerra o extremo, onde o ser humano testado em
seus limites ___fsicos, psicolgicos, morais, econmicos, polticos, etc. ___assim, o que
visto como o mximo de desumanidade na verdade a prpria humanidade levada aoextremo.
Embora a guerra seja vista como ato de barbrie e selvageria ela um evento onde a
cultural se manifesta, ou seja, ela no apenas a continuidade da poltica por meio das
armas23, mas uma rea de atrito entre dois grupos, com valores e crenas prprias, mas
muitas vezes com elementos comuns compartilhados, que se chocam. Portanto, para
compreenso desse imaginrio blico, dessa forma de viver e de pensar a guerra,
trabalharei com o discurso de veteranos da FEB, pois a linguagem reflete e transmite
no s as vises particulares, as vivncias individualizadas, mas toda uma carga de
experincias coletivas, de memrias compartilhadas.
Interessa-nos neste trabalho os depoimentos que relatam interpretaes sobre a
guerra ___sendo essas interpretaes reais ou imaginrias, mas ambas vises construdas
por atores sociais que participaram de um acontecimento histrico determinado. Esta
seleo de fontes se baseia na idia de que o trabalho do cientista social uma
23
Para o militar prussiano, veterano das guerras napolenicas, Carl von Clausewitz a guerra era acontinuidade da poltica, mas por outros meios. KEEGAN, John. Uma histria da guerra. So Paulo: Ciadas Letras, 2002.
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interpretao da realidade, trata, portanto, de fices; fices no sentido de que so
algo construdo, algo modelado [...], no que sejam falsas, no-fatuais ou apenas
experimentos de pensamento24. No entendo a histria como a busca de uma verdade
imutvel, mas como verdades, [...] a cada gerao se revisam interpretaes. Afinal, a
histria trabalha com a mudana no tempo, e pensar que isso no se d no plano da
escrita sobre o passado implicaria negar pressupostos 25.
Desde o inicio das hostilidades na Europa os pases das Amricas se mantiveram
neutros. Postura adotada pelo Brasil e que garantia a manuteno de importantes
relaes comerciais com os pases beligerantes ___havia um grande interesse por parte
do governo brasileiro em adquirir mquinas e armamentos e, em contra partida, da
Alemanha em adquirir matrias primas, como algodo e caf26.
Mas esta situao mudaria imediatamente aps o ataque japons a Pearl Harbor,
em 7 de dezembro de 1941, que traria os EUA para a guerra. Este evocaria a unidade
poltica dos pases americanos frente a ameaa estrangeira na III Reunio dos Ministros
das Relaes Exteriores das Repblicas Americanas, ocorrida em janeiro de 1942, na
qual as naes americanas concordaram em romper relaes diplomticas com os pases
do Eixo27. A atitude do Brasil daria inicio a uma sucesso de eventos que o levariam ao
conflito na Europa.
Com a deciso de Vargas, haveria uma intensificao das relaes polticas e
comerciais com Washington, dando origem a parcerias comerciais e especialmente
militares, j que o Comando Militar Norte-Americano tinha grande interesse no saliente
nordestino, pois a proximidade deste com a frica possibilitava vos diretos e ainda o
patrulhamento do Atlntico Sul. Teramos ento, em maro de 1942, sob forma de um
Lend-Lease, [...] os Estados Unidos comprometendo-se a fornecer, de forma
escalonada at 1 de janeiro de 1948, armas e munies de guerra num total de
duzentos milhes de dlares28, que seriam destinados a modernizar a Marinha e oExrcito brasileiros. No mesmo ano, criada a Comisso Militar Mista Brasil-Estados
Unidos, que organiza um plano de defesa para o Nordeste brasileiro, resultando na
24GEERTZ, Clifford.A interpretao das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989, pp.11-1225PESAVENTO, Sandra J.Histria & Histria Cultural. So Paulo: Autntica, 2005, 2 Ed, pp.15-16.26SEITENFUS. Op.Cit.27Apenas Chile e Argentina se negaram a seguir ar resolues do encontro, mas o primeiro acabaria por
mudar sua posio no ano seguinte (janeiro de 1943) embora a Argentina mantivesse importantes relaespolticas com a Alemanha, Itlia e Japo at as vsperas do fim da guerra na Europa, em maio de 1945.28SEITENFUS. Op. Cit, pp. 280.
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autorizao pelo governo Vargas da presena de tropas norte-americanas em territrio
nordestino, alm da utilizao de portos e aeroportos pelas mesmas.
A guerra provocaria grandes mobilizaes no Brasil, especialmente nos grandes
centros urbanos. Ela chegava por meio dos jornais e do rdio, e, especialmente, aps o
ataque japons base militar norte-americano de Pearl Harbor, os acontecimentos do
conflito mundial passariam a ser debatidos nos bares e cafs. A Rdio Sociedade da
Bahia, nica existente no Estado, passaria ento a irradiar programas ligados a
campanha de mobilizao do governo ingls, num programa intitulado A marcha da
vitria29. Os feitos dos pilotos da Royal Air Force(RAF), nas batalhas sobre os cus
da Inglaterra e da Europa continental, eram contados de forma a enaltecer o esforo de
uma das poucas naes do velho continente que se colocavam contra o avano do Eixo.
Este envolvimento das populaes urbanas e de maior conscientizao do conflito
mundial,pode ser observado em outras capitais nordestinas, como atesta a historiadora
Clarice Helena S. Lira, que trabalhou com veteranos da FEB em Teresina30
Mesmo com uma populao predominante de analfabetos, em diversas cidades
baianas surgiram movimentos organizados que acompanhavam o conflito e
concentravam apoio aos pases que lutavam contra os nazi-fascistas31. Segundo Joo
Falco a Bahia, por estar distante dos mecanismos repressores mais eficientes do Estado
Novo, seria palco das primeiras manifestaes pblicas de apoio a guerra contra a
Alemanha e a Itlia32.
De salvador partiu a primeira grande manifestao popular contra o Eixo.No dia 2 de fevereiro, cinco dias depois do rompimento, os jornais locaispublicaram com bastante destaque a convocao feita por todas as classessociais para um comcio de solidariedade ao presidente Vargas a ser realizadono dia seguinte, s 20 horas, no Largo da S. Estava assinada porrepresentativas figuras da vida baiana [...].
Mais de 30 mil pessoas desfilaram, sob a luz de fogos de bengala, em
direo ao Palcio da Aclamao, onde se verificou uma verdadeiraconsagrao ao chefe da nao. De todos os pontos partiam ruidosas
29SAMPAIO, Consuelo N.A Bahia na II Guerra Mundial. Separata, Revista da Academia de Letras daBahia, n 40, 1996, pp. 137.30 LIRA, Clarice Helena Santiago. O Piau em tempos de Segunda Guerra: Mobilizao local e asexperincias do contingente piauiense da FEB. UFPI, 2008. (Dissertao de Mestrado)31 A Bahia tinha, no inicio da dcada de 1940, 92% de sua populao analfabeta e 88% vivendo nocampo. SAMPAIO. Op. Cit. pp. 136.32O advogado e jornalista Joo Falco teve intensa atuao poltica no perodo, sendo membro do partidocomunista e voluntrio da FEB. Segundo ele o governo Vargas temia mobilizaes populares,especialmente as espontneas, alm de que certos membros do prprio governo tinham uma postura pro-
Eixo, como era o caso do chefe de policia do Distrito Federal, Filinto Strubing Mller. Sendo assim,muitas manifestaes pblicas foram reprimidas no Rio de Janeiro e So Paulo. FALCO, Joo. OBrasile a 2 Guerra Mundial: Testemunho e Depoimento de um Soldado Convocado. Braslia: UNB, 1999.
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manifestao. Do Palcio, o interventor Landulfo Alves, o comandante da VIRegio Militar, coronel Pinto Aleixo, o prefeito Neves da Rocha, secretrios deEstado e altas autoridades assistiram ao grande espetculo de civismo. 33
A mobilizao contra a as naes do Eixo e o movimento a favor dos aliados
tornara-se um importante veiculo de ao popular, em especial das classes mdias, pelo
menos no caso das cidades baianas. Os estudantes tornaram-se o meio de ligao dos
grupos que se articulavam, pois [...] possuam o entusiasmo prprio da juventude e
conhecimento suficiente para defender com ardor a causa que desejava fosse
defendida34. Surgem associaes civis com o intuito de mobilizar a sociedade baiana
em prol dos aliados, contra os fascistas e a favor da democracia ___algo que chega a ser
irnico, se pensarmos que isso ocorria em pleno Estado Novo, ainda mais que em
praticamente todas as manifestaes a figura de Vargas era evocada e enaltecida ao lado
de lideres como Franklin D. Roosevelt. A Faculdade de Direito, a Faculdade de
Medicina, a Escola Politcnica e o Ginsio da Bahia foram centros irradiadores do
movimento pr-aliados [...]35. Em maio de 1942, seria fundada a Comisso Central
Estudantil pela Defesa Nacional e Pr-Aliados, na presena das principais autoridades
civis e militares do Estado, alm dos cnsules da Inglaterra e dos EUA, na Faculdade de
Direito. Associaes como essa surgiriam nas principais cidades do pas, demonstrando
que, pelo menos nos centros urbanos e nas classes mdias havia um interesse pelaguerra e por uma atuao poltica ativa junto s aes do governo frente ao conflito
mundial que crescia.
Como ator de muitas destas mobilizaes polticas estava o PCB. Mesmo na
clandestinidade o Partido Comunista estava envolvido e ativo junto a estes movimentos,
tanto na capital quanto no interior, ajudando a articular as associaes que englobavam
estudantes, professores, operrios, profissionais liberais. O Comit Regional [do PCB]
havia sido reconstitudo e uma ala do partido, destacada para atuar junto ao movimentoestudantil 36. Para os setores mais progressistas e at os comunistas, segundo o
socilogo Paulo Ribeiro da Cunha, este foi um momento muito oportuno para [...] uma
oxigenao poltica para as hostes intelectuais liberais e de esquerda, constituindo o
ponto de partida para a criao de frentes antifascistas pelo pas [...]37. O combate ao
33Id. Ibidem, pp. 79-81.34SAMPAIO. Op. Cit. pp. 138.35SAMPAIO. Op. Cit. pp. 139.36
Id. Ibidem. pp. 139.37CUNHA, Paulo Ribeiro da. Um olhar esquerda: A utopia tenentista na construo do pensamentomarxista de Nelson Werneck Sodr.Rio de Janeiro: Revan, 2002, pp.185.
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nazismo e ao fascismo era uma das principais preocupaes do PCB e os militares de
esquerda tiveram importante atuao neste sentido, como, por exemplo, Nelson
Werneck Sodr, que produziu uma srie de artigos neste sentido enquanto colunista do
Dirio de Noticias38.
Algumas cidades do interior baiano seriam atingidas por estes movimentos cvicos.
Embaixadas de estudantes conclamavam a populao a aderir as agremiaes,
especialmente os estudantes. Comcios pr-aliados eram organizados em cidades como
Cachoeira, So Felix, Feira de Santana, Ilhus e Itabuna.
O auge da comoo popular foi atingido no segundo semestre de 1942, com a
intensificao da campanha submarinista alem e italiana no litoral brasileiro39. S em
agosto deste ano, entre os litorais da Bahia e Sergipe foram afundados 6 navios entre os
dias 15 e 19, totalizando 607 vitimas fatais 40. A ao das marinhas do Eixo visava
comprometer a economia dos EUA e espalhar os navios de guerra aliados ao longo de
uma extensa rea de operao, facilitando as aes militares da Alemanha. Assim, com
a ruptura de relaes diplomticas, o Brasil passava a ser um alvo, j que a economia
brasileira estava cada vez mais vinculada aos norte-americanos, contribuindo para o
esforo de guerra contra o Eixo.
Brados de guerra e passeatas pedindo enrgicas aes do governo eram ouvidos na
capital, no recncavo e em municpios do interior. Os ataques acirraram os nimos da
populao: o Clube Alemo, de So Felix, seria fechado e sditos do Eixo seriam
detidos em Ilhus, assim como integralistas. Em Salvador at pastores protestantes de
origem germnica seriam detidos41. Ataques s propriedades de imigrantes alemes,
italianos e japoneses se tornam comuns e alguns membros dessas comunidades chegam
ao ponto de procurarem a fora policial para serem detidos, como medida de
38 Sodr serviria como capito na no recm criado 5 Grupo de Artilharia de Dorso, com sede em
Salvador. Para mais detalhes quanto a atuao poltica de Nelson Werneck Sodr em salvador ver: Id.Ibidem. pp.183-197.39At junho daquele ano haviam sido afundados 11 navios brasileiros, sendo que quase todos em guasnorte-americanas ou no mar do Caribe. SANDER, Roberto. O Brasil na mira de Hitler: A histria dosafundamentos de navios brasileiros pelos nazistas. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007.40Segundo Jos Goes de Araujo a intensificao das aes norte-americanas contribuiu para que os U-Boots agissem com maior liberdade no Atlntico Sul, alm de que, por ele [...] fluam os mercantescarregados de matrias-primas em direo ao norte, enquanto que outros levavam para a sia, tropas eequipamentos. O principal responsvel pelos afundamentos de agosto de 1942 foi o U-507, comandandopelo capito-de-corveta Harro Schacht, que torpedeou os seguintes navios:Baependi,Araraquara,AnbalBenvolo, Itagiba e o Arara. Haveria ainda o afundamento de uma escuna, Jacira, que, por acaso einfelicidade, cruzaria a rota do submarino alemo as 2hr da madruga de 19 de agosto do ano citado. O U-507 seria afundado no dia 13/01/1943, na costa do Piau, por um avio Catalina norte-americano.
ARAUJO, Jos Goes. Bahia 1942: Um episodio da 2 Guerra Mundial. Instituto Geogrfico e Histricoda Bahia. Ver tambm SANDER. Op. Cit. pp. 97.41SAMPAIO. Op. Cit. pp. 143.
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preservao de sua integridade fsica42. A perseguio e a desconfiana se
disseminaram, sendo reforadas com declaraes de autoridades, como o interventor do
Estado e o Ministro da Justia. Estes instavam a populao a redobrar a vigilncia sobre
os elementos suspeitos.
O Governo Federal, segundo a historiadora Marina Helena Chaves Silva ___que se
debruou especificamente sobre a situao dos alemes na Bahia deste perodo ___ j
vinha tomando uma srie de medidas legais desde o inicio do ano de 1942, no intuito de
cobrir os prejuzos provocados pelos ataques estrangeiros, responsabilizando Alemanha,
Itlia e Japo.
[...] os imigrantes oriundos desses pases eram obrigados a se dirigir s
reparties credenciadas para prestar informaes acerca do valor do seupatrimnio, de modo que fosse possvel calcular a porcentagem devida.Com a declarao de guerra aos pases do Eixo, o governo federal nomeou
interventores para promover a liquidao do Banco Alemo Transatlntico,Banco Germnico da Amrica do Sul e do Banco Francs e Italiano6. Amedida foi justificada em funo da necessidade de: garantir a segurananacional contra atividades perigosas de pessoas fsicas ou jurdicasestabelecidas no Brasil (...) e reforar o fundo de indenizao dos prejuzoscausados ao Brasil pelo torpedeamento de navios brasileiros7, medianteconfisco de bens pertencentes aos sditos alemes e italianos.43
O historiador Dennison de Oliveira atenta que a nacionalizao dos grupos
estrangeiros ___uma preocupao do governo Vargas desde o inicio de Estado Novo ___tomaria grande intensidade nesse perodo e meios arbitrrios passariam a serem
utilizados explicitamente aps a declarao de guerra contra alemes, italianos e
japoneses. A vigilncia tornara-se uma xenofobia:
[...] Estabeleceu-se o confisco de bens e imveis das empresas acusadas decolaborar com a subverso eixista. Vrios empreendimentos industriaisforam colocados sob o controle direto do poder pblico, para os quais senomearam interventores, em substituio aos seus gerentes anteriores. [...] Para
dar conta do volume de detidos acusados de colaborar com as potncias doEixo, o sistema prisional teve de se adaptar, surgindo inclusive autnticoscampos de concentrao, onde eram encarcerados descendentes de alemes,italianos, japoneses e, muito freqentemente, ex-integralistas.44
A escalada de vigilncia e perseguio na Bahia chegaria a um estgio similar, aps
serem fechados o Clube Alemo e a Casa de Itlia, onde funcionavam os consulados
42 Id. Ibidem. pp. 145.43
SILVA, Marina Helena Chaves. Vivendo com o outro: os alemes na Bahia no perodo da II GuerraMundial. UFBA, 2007. (tese de Doutorado)44OLIVEIRA, Dennison de. Os soldados alemes de Vargas. Curitiba: Juru, 2008, pp. 28.
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destes pases. Os cidados originrios destes pases, mesmo naturalizados brasileiros,
passaram a necessitar de salvo-conduto para se deslocar ou mudar de domicilio.
Sampaio atesta que no h dados precisos sobre o nmero de indiciados e detidos, mas
fala que, [...] no ms de janeiro de 1943, foram ouvidos 110 indiciados, subindo o
nmero de presos para 156, dos quais 141 eram alemes, 10 italianos, 1 japons, 2
austracos, 1 hngaro, e 1 alemo naturalizado brasileiro45. Assim como ocorreu em
outros estados do Brasil, as populaes de italianos, alemes e japoneses seriam
deslocadas para reas onde pudessem ser vigiadas e controladas. Temia-se que, atravs
de sinais luminosos ou outros, pudessem se comunicar com navios inimigos46. Cidades
do interior seriam indicadas pelo governo federal para que essas pessoas fossem
vigiadas.
Foi-lhes dado o prazo de 10 dias para a mudana. Poderiam fixar residncianos municpios de Andara, Caetit, Maracs, Mucug ou Seabra. Aqueles quepor qualquer razo, se recusassem a viajar, ficariam concentrados na VilaMilitar da Fora Policial dos Dendezeiros. De imediato, Maracs e Caetitreceberam cerca de 100 eixistas, que passaram a trabalhar sob regime devigilncia. 47
Chegou a ser criada uma comisso especial de policiamento para selecionar e
garantir o deslocamento desses sditos do Eixo que representassem perigo, para os
municpios designados. Era a [...] Comisso Civil Policial de Vigilncia do Litoral
(C.C.P.V.L). Composta por cinco membros, essa comisso deveria exercer o controle
sobre os elementos nocivos defesa nacional48, que colaborava com as Foras
Amadas.
Embora toda essa perseguio fosse exagerada e na maior parte dos casos
infundada, havia o risco de espionagem por parte de indivduos comprometidos com a
causa nazista que residiam no Brasil. A rede de informaes nazista era extensa e no serestringia aos pases envolvidos diretamente no conflito. Pelo Atlntico Sul circulava
grande quantidade de suprimentos, combustvel e uma diversidade de matrias primas,
assim como tropas de variadas nacionalidades, alm de navios de guerra. Informantes
dos pases dos pases do Eixo estavam atentos ao deslocamento dessas embarcaes e
de qualquer acontecimento importante.
45SAMPAIO. Op. Cit. pp. 147.46
Id. Ibidem.47SAMPAIO. Op. Cit. pp. 147.48SILVA. Marina Helena. Op. Cit. pp. 171.
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Com a ruptura das relaes com o Eixo a ao da policia e de outros rgos de
vigilncia do governo foi iniciada uma ao contra a espionagem em terras brasileiras.
No prprio ms de janeiro foi identificada uma estao de rdio clandestina
que transmitia para os alemes informes sobre a movimentao dos portosnacionais. No foi possvel localizar o ponto exato da costa em que estavainstalada, mas descobriu-se, atravs de navios brasileiros, entre ele o prprioCairu, que acabaria por ser abatido, que ela se comunicava com uma estaodenominada DLB, situada na Alemanha. No dia 21 de janeiro, chegou a serinterceptada uma transmisso que revelava a reunio de navios que iriam partirem comboio a 10 milhas da ponta de Olinda. Houve uma mobilizao doDepartamento de Correios e Telgrafos para localizar o transmissor, queacabou sendo malsucedida. 49
As aes dos espies tambm se davam atravs de negcios legais, j
estabelecidos no Brasil anos antes da guerra. Os cidados alemes e alguns at jnaturalizados brasileiros eram cooptados pela ideologia nazista para trabalharem como
espies ou ajudarem estes.
A qumica Bayer, alm de ter feito operaes financeiras ilcitas, lesandoos cofres pblicos do Banco do Brasil, que tinha, por lei, o monoplio de tudoque se referia ao mercado cambial do pais, mantinha um depsito no sextoandar de sua sede no Rio de Janeiro um mimegrafo empregado na confeco de boletins contendo noticias de guerra e vasta literatura, que, sob capacientifica, era espalhada por toda a Amrica do Sul.50
Assim nos primeiros anos da dcada de 1940 haveria um contexto de
mobilizao e comoo popular, nos centros urbanos, quem atingiria diversos
segmentos sociais, em especial os estudantes51. Muitos futuros soldados da FEB
entrariam em contato com a guerra neste contexto de ebulio social, onde os
acontecimentos dos campos de batalha e poltica internacional eram debatidos em cafs,
bares e at no ambiente domstico.
Alm disso, as mobilizaes de civis, de rgos do governo e dos militares
alterariam o cotidiano das pessoas. Temia-se um ataque areo ou at mesmo um
desembarque. O cabo Raul Carlos do Santos, que, em 1942, estava sendo preparado
49SANDER. Op. Cit. pp. 93.50SANDER. Op. Cit. pp. 95. Para mais detalhes sobre a ao de espies alemes e da difuso do nazismono Brasil ver: HILTON, Stanley. A Guerra Secreta de Hitler no Brasil-1939-1945: A Espionagem Aleme a Contra-Espionagem Aliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983.51O interessante observar que muitos dos protestos e aes de mobilizao ideolgica, especialmente deorigem popular, contra o nazismo e o fascismo se deram por meio de charges, brincadeiras e matrias em
jornais com tons jocosos. Essa abordagem fazia parte dos mecanismo de comunicao culturaisbrasileiros. As aes publicitrias de guerra, ou seja, aes de violncia, ocorriam tambm, de maneiracmica. Ver SILVA, Marina Helena. Op. Cit. pp 177 182.
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para engajar em uma das unidades que formariam a FEB, relata os acontecimentos deste
perodo:
Olha, a Bahia aqui, Pernambuco, Aracaju sofreram muito. Ns sofremos
muito. [...]Primeiro: ns tnhamos um blackout a noite, tudo apagava! Acomeou a faltar tudo! Dizem que aqui, principalmente, que os navios notraziam mais nada. Carne a gente andava, procurava e nada.52
A ao dos submarinos alemes e italianos no afetaria apenas o fornecimento
de produtos estratgicos aos aliados, mas comprometeria a prpria ligao entre as
unidades da federao, a circulao de mercadorias e o abastecimento de alimentos. Um
dos produtos que logo escasseou foi o combustvel, que passou a ser racionado.
Os futuros soldados da FEB evocam este perodo como o momento de
conscientizao da guerra. Os jornais se tornariam um dos principais meios de
informao das populaes urbanas afetadas pelo conflito mundial:
[...] A guerra vinha batendo, com Hitler. O Adolfo Hitler vinha acabandocom o mundo. [...] [Sabamos] Pelos jornais, rapaz. Os jornais no paravam defalar! A gazeta, [como era] chamada, o A Tarde, Jornal da Bahia, Dirio deNoticias. Essas coisas assim. [...] [Lamos] Quando a gente tava aqui.53
Mas a desinformao era patente, especialmente devido ao baixo grau de
instruo da populao brasileira como um todo, no perodo em questo. Na sociedade,em Fortaleza, no havia opinio formada em relao guerra. Falava-se, apenas, que o
Brasil tinha declarado guerra ao Eixo, em 194254. Alm disso, alguns oficiais da
reserva atriburam parte desse desconhecimento ao prprio Exrcito, que, segundo eles,
deveria ter feito um melhor preparo psicolgico dos convocados55.
Fato que, entre convocados e voluntrios que tinham alguma informao sobre
os acontecimentos na Europa e no Brasil relativos guerra, os torpedeamentos
perpetrados pelos submarinos do Eixo na costa brasileira so, com freqncia, evocados
como razes para o envolvimento pessoal e nacional no conflito.
No mbito das aes militares haveria a culminncia da mobilizao nacional
para formar os quadros que defenderiam a ptria e, num segundo momento, o Corpo
Expedicionrio. Os acordos com os EUA levariam ao fornecimento de armamentos e
52O cabo Raul Carlos dos Santos serviu na Companhia de Petrechos Pesados (CPP) do 11 Regimento deInfantaria. Entrevista concedida ao autor em 25/09/07.53O Sd Abdias de Souza serviu na 1 Cia do I/11RI. HOESGM, Tomo II, pp.186. Entrevista realizadaem 22/09/200054
Soldado da 1 Cia de Fuzileiros do 11 Regimento de Infantaria da Fora Expedicionria Brasileira.HOESGM. Tomo entrevistado em 22 de novembro de 2000.55ARRUDA, Demcrito C. de.Depoimento de Oficiais da Reserva. So Paulo: Ip, 1949.
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treinamento, mas sempre aqum dos desejos dos militares e do governo brasileiro, que
temiam no s a ao das foras do Eixo, mas da Argentina56. A visita de Roosevelt,
em 1943, ao nordeste brasileiro abriria espao para o envio de tropas brasileiras
Europa e com isso um maior aparelhamento das Foras Armadas brasileiras.
Com o Estado de Guerra os efetivos das Foras Armadas cresceriam, pois
aqueles indivduos que estavam a cumprir o servio militar obrigatrio no seriam mais
dispensados, podendo ficar a disposio das unidades militares at o fim da guerra.
Alm disso, o programa de nacionalizao dos cidados estrangeiros que viviam no
Brasil inclua o servio militar obrigatrio, contribuindo para aumentar os efetivos. Este
foi o caso do veterano da artilharia da FEB, Boris Schnaiderman. Nascido na Ucrnia,
em 1917, veio para o Brasil em 1925. Como estudava agronomia, para se formar e
exercer a profisso deveria prestar servio militar, o que garantiria a naturalizao.
Como estava no exrcito no perodo da declarao de guerra manteve-se na unidade que
servia, no Rio de Janeiro, sendo convocado para FEB s vsperas da guerra57.
As convocaes se tornariam um ponto de muitas criticas na histria da
formao a FEB. Segundo os veteranos uma srie de erros seria cometida pelo governo
e pelo exrcito na preparao da defesa nacional e na formao dos quadros que
comporiam as unidades expedicionrias. Embora as Foras Armadas dispusessem de
30% das verbas do oramento o Estado Novo no conseguiu desenvolver um programa
eficiente de modernizao e reequipamento para as mesmas58. O exrcito contava com
uma miscelnea de material: canhes de campanha franceses e alemes; artilharia
56Para Stanley Hilton a poltica de segurana militar do Brasil estava diretamente vinculada s diferenascom a Argentina, englobando, inclusive, a prpria FEB. Foi por causa do fator argentino que osestrategistas brasileiros ficaram preocupados com o efeito da invaso anglo-americana da frica do Norteem novembro sobre seu poder de barganha com Washington. Essa campanha eliminou qualquer ameaamilitar sria do Eixo ao Nordeste do Brasil, o que fatalmente diminuiria o interesse americano em
prosseguir com o programa de rearmamento do Brasil. Como justificar ento a ajuda militar dos EUA naescala necessria defesa simultnea do Sul e do Nordeste? A soluo, em fins de 1942, parecia serampliar a participao do Brasil na guerra atravs do envio de tropas alm-mar. Vargas aprovou a idiaem janeiro de 1943, tornando a oferta dependente do recebimento do armamento necessrio no apenas sunidades destinadas aos campos de batalha no exterior, mas tambm a nmero igual de tropas quepermaneceriam no Brasil.Interessante observar que alguns veteranos j tinha chamando a ateno paraessa questo relativa a diminuio do poder de barganha poltica junto a os EUA quando este realizou aOperao Tocha, ou seja, a invaso do Norte da frica. Ver HILTON. Op. Cit. pp. 409 e ARRUDA,Demcrito C. Nossa participao na Primeira e Segunda Guerras Mundiais. In: Depoimento de oficiada reserva sobre a FEB. So Paulo: Ip, 1949, pp. 46-47.57 Boris Schnaiderman serviu como sargento na Central de Tiros de uma das unidades de artilhariadivisionria da FEB. Parte dos dados citados foram obtidos na conferncia realizada em 15 de julho de2009, no I Seminrio de Estudos sobre a Fora Expedicionria Brasileira, promovido pela UFRJ/UEL.
Ver tambm: SCHNAIDERMAN, Boris. Guerra em surdina: Histrias do Brasil na Segunda GuerraMundial. So Paulo: Brasiliense, 1995, 3 Ed.58ARRUDA. Op. Cit. pp.34.
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costeira norte-americana; artilharia antiarea alem; metralhadoras dinamarquesas e
francesas e fuzis alemes59 ___ o que representava um inferno para a logstica e a
instruo da tropa.
Seriam selecionadas unidades muito distantes umas das outras: os Regimentos
foram compostos por Batalhes que estavam espalhados por vrios estados, como foi o
caso do 11 Regimento de Infantaria, com sede em So Joo Del Rei, Minas Gerais, que
teve soldados advindos de diversas unidades do Nordeste. Isto comprometia o esprito
de corpo e dificultava o treinamento. Exerccios envolvendo os trs regimentos ___
6RI, 11RI e1RI ___ que compuseram a FEB s seriam realmente realizados
praticamente em campo de batalha.
As convocaes seriam feitas por jornal e correio. As turmas selecionadas
deveriam se apresentar em quartis determinados, em suas Regies Militares. Embora
houvesse voluntrios, tanto do meio civil quanto do meio militar, a maioria absoluta dos
soldados, suboficiais e oficias da FEB foram convocados, algo esperado numa
mobilizao de guerra60. Estes homens, alm de jovens (a mdia era de 20 anos),
vinham muitos de cidades do interior e possuam baixo grau de instruo:
[...] quanto s profisses: a maioria absoluta de lavradores, pequenossitiantes, agricultores modestos, operrios e empregados do comrcio. Noforam raros os casos de pequenos sitiantes, pais de famlias, vivendo doprprio esforo, ou do salrio jornaleiro, virem a ordem de convocao descer,brutalmente, sobre eles, colocando-os em situao de caridade pblica, pois, osoldo de um recruta [...], no daria para o sustento de uma famlia eat essesnunca chegaria a presena da Legio Brasileira de Assistncia [...]. 61
Haveria uma predominncia de indivduos com baixo grau de instruo, reflexo
da sociedade brasileira da poca. Segundo a historiadora Maria de Lourdes Lins numa
amostragem de 500 militares da FEB apenas 7% teria instruo superior e 17%
formao secundria, concentrados entre oficias e graduados. A maioria absoluta dos
soldados tinha apenas o grau de instruo primrio62. Podemos perceber melhor este
quadro de despreparo ao compararmos essa amostragem com unidades norte-
59Id. Ibidem. pp. 36.60As reformas feitas pelo Marechal Hermes da Fonseca, quando Ministro da Guerra do governo AfonsoPena (1906-1909), instituram o servio militar o obrigatrio em janeiro de 1908. Segundo o Marechal,era necessrio racionalizar as Foras Armadas e garantir sua modernizao, da uma srie de reformasinspiradas especialmente no Exrcito Prussiano. MACCANN. Op. Cit. pp. 137-145.61ARRUDA. Op. Cit. pp. 39.62
A historiadora utilizaria os dados fornecidos pela Associao de Veteranos de So Paulo. LINS, Mariade Lourdes F. A Fora Expedicionria Brasileira: uma tentativa de interpretao. USP, 1975(dissertao de mestrado), pp.41.
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portugus com grego (eu infelizmente, fazendo um parntese, saia das aulas degrego para fazer basquete, quando meu pai era cnsul da Grcia, quando eleme procurava eu j estava no campo de basquete l do Salesiano). Mas ai euento, as ultimas cartas que ele escreveu, ele se lamentando do sofrimento daGrcia na II Guerra, ento, as coisas que eles estavam passando, as privaes,os parentes [...].
J [tinha certo conhecimento do que ocorria fora]. Porque ele [o pai] eracnsul da Grcia. E falava de sofrimento e reunia l com os gregos de [cidadenatal]. E me chocava aquilo. [...]Ento, quando houve a convocao para quemquisesse seguir para os expedicionrios, formou-se a tropa no Forte deCopacabana, que desse um passo a frente. E eu dei o passo a frente comovoluntrio. Naturalmente empolgado pela juventude, pelos acontecimentos eume apresentei como voluntrio.65
O soldado Vicente Alvos do Nascimento tambm estaria entre os selecionados
para uma unidade que comporia a FEB. Natural de Salvador o soldado Vicente entraria
pro servio militar como um meio de ter sustento, a bem da xepa66 literalmente, j
que vinha de famlia mais humilde, onde sua me sozinha provinha o sustento
trabalhando em casa de famlia.
No, no fui convocado. Fui a bem da xepa e quando falo isso a turmari. Eu fui voluntrio. Servi em 1940. E ai de 40 em diante no teve mais baixanem para mim e nem para ningum! Ia convocando gente daqui e do interior,preparando para ir embora. [...] Os que estavam, os mais antigos ficavam,como eu e muitos outros.67
Haveria tambm aqueles que se apresentaram como voluntrios, nmero bem
menor dentro do montante da FEB, mas presente tanto entre civis quanto como entre os
prprios militares. Movido pelo nacionalismo e pela comoo da declarao de guerra
Oswaldo Matuk se apresentaria:
Eu era civil antes da declarao de guerra contra o Eixo, em agosto de1942. [...] Eu e meus companheiros, que estvamos observando o trabalho [deuma draga], percebemos que tocavam muitas canes militares ali por perto e,
interessados em saber o que estava acontecendo, para l nos dirigimos.Chegando ao local, um reprter comunicou que o Brasil tinha declarado guerrae, j nessa hora, estavam convocando os brasileiros para se apresentarem, a fimde vingarem os torpedeamentos de navios. Aquilo me penetrou na alma porquediversos navios tinham sido afundados, num total de 32. Isso, para quem ama aptria e d valor ao patrimnio nacional o mesmo que uma punhalada nocorao. Surge o sentimento de vingana no sei se comovido pelas marchasmilitares ou pela voz do locutor.
J tinha feito Tiro de Guerra, justamente para no servir em Corpo de tropa.[...] Ganhava at bem, quase o dobro do que iria ganhar no Exrcito. Mas
65Id.Ibidem.66Xepa quer dizer comida de quartel e tambm restos, sobras. Vicente Alves do Nascimento O Sd.
Vicente Alves do Nascimento serviu na Cia. de Petrechos do 11 RI como metralhador. Entrevistaconcedida ao autor em 17/07/08.67Id.Ibidem. Op. Cit.
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estava convicto de que a agresso deveria ser vingada, o sentimento me tocoutanto como a meusamigos que estavam perto, ento decidimos: apresentamo-nos ao III/4RI [...].68
Mas haveria outras situaes mais inusitadas na formao da FEB. Como existia
uma grande dificuldade em compor os quadros das unidades expedicionrias, o exrcito
se fez de variados artifcios neste intuito. Primeiramente os critrios de sade nos
moldes norte-americanos foram relaxados, j que era difcil para populao brasileira
com baixo grau de instruo e com grandes ndices de doenas como tuberculose,
verminose e mesmo sfilis fornecer, 100 mil soldados 69, como previsto inicialmente, e
at mesmo os pouco mais de 25 mil que formaram a FEB. Neste aspecto podemos ver
vozes dissonantes entre depoimentos realizados poucos anos aps do conflito e outros
mais recentemente. Em 1949, um grupo variado de oficias da reserva produziria um
polmico livro com srias criticas ao exrcito e FEB. EmDepoimento de Oficiais da
Reservao ento tenente Jos Alfio Piason declara:
[...] Estudado e organizado um exame consciencioso e completo nos moldesdo executado no Exrcito Americano, mdicos civis foram chamados acolaborar, em grande nmero, e a mquina comeou a funcionar. Apercentagem dos julgados incapazesfoi inicialmente, enorme; mas, contornou-se o resultado. . . aconselhado-se exames mais brandos, ou seja, no levandoem conta certos pequenos detalhes, como, por exemplo, o estado dos dentes,tanto que dezenas de militares brasileiros (centenas ou milhares, diramosns), inclusive vrios oficiais, apresentaram-se com os dentes em precriasituao e em condies, portanto, de lhes ameaar o equilbrio fsico, logoaps a chegada do 1 Escalo Itlia, como se l s pginas 45 e 46 da livroA FEB pelo seu comandante do Marechal J. B. Mascarenhas de Moraes. [...]Praticamente todos os soldados examinados foram julgados capazes, Classe E(perfeita integridade fsica e psquica!)70
68Oswaldo Matuk foi Sgt. da 2 Cia do I/11 RI. HOESGM, Tomo III, pp. 256. Entrevista realizada em23/05/2000.69Inicialmente seriam formadas 3 divises de infantaria, compondo um Corpo de Exrcito brasileiro, daa literatura se referir, muitas vezes, FEB como 1 D.I.E, ou Diviso de Infantaria Expedicionria. Alm
dos trs regimentos de infantaria (1; 6 e 11), formavam a FEB: Artilharia Divisionria (composta de 4grupos de artilharia e mais a Esquadrilha de Ligao e Observao ELO); o 9 Batalho deEngenharia; o 1 Esquadro de Reconhecimento; a 1 Cia de Transmisses; o 1 Batalho de Sade.Completando essas unidades tnhamos a Tropa Especial: Comando do QG e da Tropa Especial;Destacamento de Sade; Companhia de Manuteno Leve; Companhia do Quartel-General; Companhiade Intendncia; Peloto de Sepultamento; Peloto de Policia e Banda de Msica. Havia ainda unidadesno-divisionrias, ou seja, que no pertenciam aos quadros efetivos de uma diviso, mas que eramnecessrias para o funcionamento de um Corpo de Exrcito, que seria a FEB: Inspetor Geral da FEB;Depsito de Pessoal (reserva para recomposio de quadros); Servio Postal; Servio de justia; Depsitode Intendncia; Pagadoria Fixa, Agncia do Banco do Brasil. Algumas dessas unidades e rgossofreriam modificaes ao longo da campanha, de acordo com as necessidades da tropas e das aes,como foi o caso do Plt. De Policia, que viria a se tornar uma Cia. SILVEIRA, Joaquim Xavier da. A FEBpor um soldado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989, pp. 51-52.70
Itlicos e aspas do autor. O tenente Piason serviu como Oficial de Informaes (S-2) do I/ 6RI.PIASON, Jos A. Alguns erros fundamentais observados na FEB. In: ARRUDA, Demcrito C. de.(Org.)Depoimento de oficia da reserva sobre a FEB. So Paulo: Ip, 1949, pp. 78-79.
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A imagem de um processo de seleo mdica organizado e eficiente ficou nas
recordaes do cabo, talvez pelo tamanho da mobilizao militar, em larga escala, e
pela presena de militares norte-americanos que tentavam manter padres mnimos de
qualidade entre os selecionados. Mesmo assim, mais a frente, este veterano admite em
seu depoimento que a quantidade de reprovados foi grande:
Muitos [reprovados]! Muitos e muitos! Sabe por qu? Nessa poca j tinhavindo de todo interior uma poro! A vinha gente doente, vinhas outrosfortes, mas a maioria, dizem que no Brasil todo ___no foi s aqui, a genteconta nossa histria, mas os outros [veteranos] tem [histrias] parecidas [...].73
O exrcito se valeria de outro artifcio no intuito de preencher os claros nas
unidades selecionadas para ir Itlia: passaria a transferir soldados com pssimas fichas
de servios de variadas unidades para os regimentos expedicionrios. A FEB se tornaria
o destino certo de muitos praas classificados como indisciplinados, ainda segundo
Piason:
[...] Para os j avanados em instruo que saiam, (instruo, verdade, moda da casa), cuidou-se substituir por outros em igual fase de instruo dasunidades no expedicionrias. A ordem, baixada assim simplesmente, foicumprida; mas, nela encontraram as unidades no expedicionrias um timomeio para se livrarem de boa parte de seus maus elementos, baseados tambmna mentalidade de que para eles a guerra era castigo merecido! 74
O tenente Mrio Amaral, que serviu no 6 RI faz coro s consideraes de seu
colega Piason quanto ao aproveitamento de soldados de m conduta para a FEB:
Certa vez em que o Regimento recebia um contingente de perto de 150homens vindos de diversas Unidades, o oficial encarregado de sua recepoordenou: ___quem estiver no bom comportamento, levante o brao; os braospermaneceram abaixados; nova pergunta; ___quem estiver no comportamento
regular, levante o brao; ningum se moveu;___
quem estiver no maucomportamento, levante o brao; a s tempo como que movidos por umasatisfao em demonstrar as suas qualidades, os braos se ergueram emposio vertical.75
Havia uma mentalidade entre muitos militares que o servio em unidades
expedicionrias era um castigo, uma forma de punir soldados de m conduta, o que
poderia comprometer o funcionamento eficiente de seus quadros em campanha.
73Id. Ibidem.74
PIASON. Op. Cit. pp.76.75 O tenente Mrio Amaral serviu no 6 RI como oficial de ligao com unidades americanas. AMARAL,Mrio. A instruo da FEB. In: ARRUDA. (Org.) Op. Cit. pp. 148.
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Analisando o caso do Sargento Ayrton Vianna Alves Guimares podemos observar
como esta mentalidade do servio na guerra como punio ainda existia entre alguns
setores militares.
O sargento Ayrton natural de Olinda, Pernambuco, foi incorporado em 1941, no 14
RI, em Jaboato dos Guararapes, tambm neste estado. Sua narrativa comea com a
transferncia para Fernando de Noronha:
Veio uma ordem para que todos os graduados fossem para Fernando deNoronha, porque existia um zum-zum-zum de que o alemo iria atacar olitoral; havia um cuidado permanente do Exrcito em guarnecer a Ilha deFernando de Noronha, que se tornou a sentinela avanada do Pas. Assim, do14o RI fui transferido para o 30 BC, com sede naquela ilha.
Como era datilgrafo e tinha prtica de contadoria, fui trabalhar natesouraria. Foi implementado no 1 GIA, 1 Grupo Independente de Artilharia,
que estava sediado na Ilha, um curso de sargento e eu me apresentei.76
As Foras Armadas teria grande preocupao com aes das hostes nazistas no
litoral nordestino e transfeririam diversas unidades para variados pontos dessa regio
brasileira, no intuito de impedir, ou pelo menos dificultar a ao do inimigo. Estes
homens passaram a ser conhecidos como praieiros77. Assim, Fernando de Noronha e
tornava um ponto avanado da defesa nacional. No incomum encontrar veteranos da
FEB que tenha, antes, servido nesta ilha ou em unidades que estavam estacionadas no
Nordeste. Com as constantes transferncias de homens entre as unidades o sargentoAyrton imaginaria uma possibilidade de conseguir retornar ao seu estado de origem,
isso em 1942:
Em dado momento chegou um radiograma pedindo para transferir um cabocom o curso de sargento, que fosse datilgrafo. Quem preenchia aquelesrequisitos era eu! Esse telegrama passou por todos os cabos da Unidade, paraque fosse colocado o nome de quem desejava ser transferido para o 9 Batalhode Engenharia, agora aquartelado em Trs Rios, entre Minas e Rio: ningumquis. Quando a mensagem chegou s minhas mos, eu, pernambucano, com
vontade de voltar para minha casa, para minha terra, disse:
Eu quero! Fica onde? Fica em Pernambuco (mas em Pernambuco, ficava a cidade de Entre
Rios).Um engano da peste!
76Sargento Ayrton Vianna Alves Guimares foi integrante da 2 Cia do 9 Btl. de Engenharia. HOESGM,Tomo III, pp. 266. Entrevistado em 3 de maio de 2001.77A mobilizao para a guerra formou dois tipos de tropas: a Fora Expedicionria enviada Europa,onde seus membros ficaram conhecidos como veteranos; e a unidades que patrulhavam o litoralnordestino, que foram denominados ex-combatentes. Estes, por terem ficado no Brasil, passaram a ser
vistos como secundrios sendo at menosprezados pelo exrcito e, especialmente, pelos veteranos, poisno teriam enfrentado situaes reais de combate, ficando no litoral tomando sol e bebendo gua-de-coco. Para mais detalhes ver as pesquisas as historiadora Virginia Guimares.
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Assinaram, eu assinei tambm e fizeram a minha transferncia para o 9Batalho de Engenharia.
Pego minha mala, meus pertences todos, vou-me embora para a estao,feliz de voltar para casa, para Pernambuco, para o seio da minha famlia.
Perguntei ao chefe da estao, quantos dias se levava para chegar emPernambuco! Ele olhou e disse: O senhor novai para Pernambuco. O senhor
est indo para Trs Rios, no Rio de Janeiro!78
A transferncia errada o colocaria caminho da guerra. Sua recepo no 9
Btl.de Engenharia seria um exemplo de como muitos comandantes de unidades viam os
homens que chegavam oriundos de cesses para complementao dos quadros:
Fui me apresentar ao Comandante do Batalho e, por ordem dele, aocomandante da Companhia, o Capito Raul da Cruz Lima Junior.
Ele tinha mais ou menos uns quarenta anos, esguio, de bota, umachibatazinha batendo na bota, muito destemido, de cara trancada, eu me
apresentei, dizendo que estava indo para a 2 Companhia do 9 BE.
Voc s pode ser um mau elemento, no ? Como assim, Capito? Voc, transferido para ir guerra, porque no vale nada. No presta,
no ?79
A reao do capito e de outros oficiais, que viam as transferncias dos soldados
infratores e com m conduta como punies, possivelmente esteja relacionada uma
antiga viso do servio militar como castigo e correo, algo destinado aos indivduos
marginalizados socialmente e mesmo criminosos. Peter M. Beattie assim avalia aimagem dos praas das Foras Armadas brasileiras em fins do sculo XIX e inicio do
XX:
A ascenso do nacionalismo militarista encerrava uma ironia para ossoldados brasileiros. Ainda que designados para defender a honra nacional,muitos praas vinham da mal-afamada classe do desprotegidos. Osrecrutadores, a polcia e os juzes extraiam a maioria dos recrutados das fileirasdos vadios, ex-escravos, rfos, criminosos, migrantes, trabalhadores semqualificao e desempregados. A maioria dos voluntrios se alistava para
escapar da fome, do desabrigo, do desemprego [...].80
Se considerarmos que os soldados que serviram na FEB e nas unidades do
exrcito naquele contexto de guerra nasceram em fins da dcada de 1910 e inicio da
dcada de 1920 podemos situ-los nesta mentalidade assinalada por Beattie. Mas neste
perodo j estava em curso uma srie de reformas que tentavam mudar esta viso
78Sargento Ayrton Vianna Alves Guimares. Op. Cit. pp.267.79
Id. Ibidem. pp. 268.80BEATTIE, Peter. M. Ser homem pobre, livre e honrado: a sodomia e os praas nas Foras Armadasbrasileiras (1860-1930). In: CASTRO; IZECKSOHN; e KRAAY. Op. Cit. pp.274.
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pejorativa da Marinha e do Exrcito81. A diminuio do tempo de servio militar
obrigatrio, de seis anos para dezoito meses, o fim dos castigos fsicos (mudana mais
perceptvel no Exrcito que na Marinha) e, principalmente, o sorteio para prestao do
servio militar, que trouxe para os quartis indivduos de diversos segmentos sociais.
Estas reformas j estavam em curso, em fins do sculo XIX, em vrios pases,
especialmente na Europa, onde o servio militar obrigatrio passa a ser utilizado pelos
Estados para incutir ideais patriticos e educar as massas82.Vemos no ltimo quartel do
sculo XIX um movimento moralizador das Foras Armadas, que chegaria ao Brasil no
inicio do sculo XX e ganharia fora com as mudanas implementadas durante a I
Guerra Mundial. Haveria uma forte campanha propagandista para incutir na populao
uma imagem positiva das Foras Armadas, que apelavam para o nacionalismo, o dever
cvico e a necessidade de proteger a ptria e at mesmo a prpria famlia atravs do
servio militar.
A propaganda louvava o servio militar como um dever varonil e afirmavaque, com a conscrio, os quartis seriam mais como casas de famlia, onde osjovens seriam orientados por oficiais virtuosos e paternais.
[...]Nos anos de 1930, quando os militares assumiram papel proeminente na
poltica e lutaram para arrochar o cumprimento das leis do recrutamentoobrigatrio, os oficiaistornaram-se mais defensivos [de uma melhor imagemdas Foras Armadas].83
A formao dos quadros da FEB ainda enfrentaria outra dificuldade: o trfico de
influncia. Muitos oficiais da ativa e da reserva se esquivaram do servio em unidades
expedicionrias. Valiam-se de justificativas legais para serem transferidos e quando
essas no eram suficientes ou possveis apelavam para padrinhos de alta patente ou
polticos.
Sabemos que a centralizao burocrtica no impediu os casos de suborno,numerosos por sinal, nesses exames de seleo, a ponto de chegar ao absurdo
de s terem permanecido nas fileiras os desprotegidos, os humildes e osabnegados, evadindo-se para os cursos de ltima hora do C.P.O.R. [CentroPreparatrio de Oficiais da Reserva], os filhos da chamada classe mdia, ou devolta vida civil, atravs de arranjadas incapacidades ou por motivos os maisinconsistentes.84
O tenente continua seu protesto contra os convocados que se evadiram, j que a
troca dos mesmos acabava por prejudicar a instruo dos praas, o vinculo entre
81A Fora Area Brasileira seria criada em 1941.82 LORIGA, Sabina. A experincia militar. In: LEVI, Giovanni e SCHMITT, Jean-Claude (Orgs.).
Histria dos Jovens: A poca contempornea. So Paulo: Cia das Letras, 1996, Volume 2.83BEATTIE. Op. Cit. pp. 290-291.84ARRUDA. Op. Cit. pp. 41.
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comandantes e comandados nas pequenas unidades e privava a FEB de indivduos com
melhor grau de instruo.
Entre os Oficiais da Reserva, conhecemos os casos daqueles que, filhos de
polticos, conseguiam interessar o governo do Estado para serem contratadosem qualquer funo pblica e, nessa qualidade, requisitados e posteriormentedesconvocados [sic]; ou, este outro, de um filho de interventor num Estado doNordeste, conseguindo a desconvocao [sic] por ter se bacharelado e irassumir a direo das empresas de jornais do p