Memórias Do Front Relatos de Guerra de Veteranos Da FEB

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIAFACULDADE DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA

    Memrias do front:

    Relatos de guerra de veteranos da FEB

    Luciano Bastos Meron

    Salvador

    2009

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    Luciano Bastos Meron

    Memrias do front:

    Relatos de guerra de veteranos da FEB

    Dissertao apresentada ao Programa dePs-Graduao em Histria Social,Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas,

    como requisito parcial para obteno dograu de Mestre em Histria.

    Orientador: Prof. Dr. Carlos Eugnio LibanoSoares

    Salvador

    2009

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    Meron, Luciano BastosM567 Memrias do front: relatos de guerra de veteranos da FEB / Luciano Bastos

    Meron. -- Salvador, 2009.160 f.Orientador: Prof. Dr. Carlos Eugnio Lbano SoaresDissertao (mestrado) Universidade Federal da Bahia, Faculdade de

    Filosofia e Cincias Humanas, 2009.

    1. Guerra Mundial, 1939-1945 - Brasil. 2. Brasil. Fora ExpedicionriaBrasileira 3. Memria. 4. Brasil Poltica e Governo - 1939-1945.5. Brasil Exrcito Histria II. Universidade Federal da Bahia, Faculdade deFilosofia e Cincias Humanas. III.Ttulo.

    CDD 940.5381

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    Luciano Bastos Meron

    Memrias do front:Relatos de guerra de veteranos da FEB

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Histria Social, Faculdade deFilosofia e Cincias Humanas, como requisitoparcial para obteno do grau de Mestre emHistria.

    Orientador: Prof. Dr. Carlos Eugnio LibanoSoares

    BANCA EXAMINADORA

    _______________________________________________________Prof. Dr. Carlos Eugnio Libano Soares - UFBA

    Orientador

    _______________________________________________________Prof. Dr. Antonio Luigi Negro -UFBA

    Examinador

    _______________________________________________________

    Profa. Dra. Marina Helena Chaves Silva - UESBExaminadora

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    SoldadosRenato Russo / Marcelo Bonf

    Nossas meninas esto longe daquiNo temos com quem chorar e nem pra onde irSe lembra quando era s brincadeiraFingir ser soldado a tarde inteira?Mas agora a coragem que temos no coraoParece medo da morte mas no era entoTenho medo de lhe dizer o que eu quero tantoTenho medo e eu sei porqu:Estamos esperando.Quem o inimigo?Quem voc?

    Nos defendemos tanto tanto sem saberPorque lutar.

    Nossas meninas esto longe daquiE de repente eu vi voc cair

    No sei armar o que eu sentiNo sei dizer que vi voc ali.Quem vai saber o que voc sentiu?Quem vai saber o que voc pensou?Quem vai dizer agora o que eu no fiz?Como explicar pra voc o que eu quis

    Somos soldadosPedindo esmolaE a gente no queria lutar.

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    Aos soldados desconhecidosque jazem no Mausolu da FEBno monumento aos veteranos

    brasileiros da II Guerra Mundialno Rio de Janeiro.

    Ao meu tio Alberto Bastos

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    Agradeo tambm a outro tio, Alberto Ikeda, pelo incentivo e pelos livros

    fundamentais!

    Obrigado aos companheiros de mestrado, em especial Izabel e Bruna pela

    amizade, informaes e risadas!

    Obrigado ao meu orientador por ter acreditado em meu projeto, pois s quem

    trabalha com histria militar sabe das dificuldades e especificidades dessa rea de

    pesquisa. Obrigado no s pelas orientaes, mas pelos papos divertidos e apaixonados

    sobre a II Guerra Mundial.

    Meus agradecimentos vo ainda para o Prof. Muniz Ferreira, que durante a

    graduao foi meu guia, meu incentivador e no mestrado, sempre que possvel, ter sido

    atencioso com minha pesquisa.

    Prof Maria Hilda B. Paraso uma pessoal que me deixa sem palavras nessa

    hora. Uma me dentro da Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas da UFBA!

    Sempre solcita, atenciosa e mesmo sem saber bulhufas (como ela fala) sobre guerra

    me ajudou muito, muito! No apenas com conhecimento, mas com carinho, ateno!

    Tenho orgulho de dizer que fui seu aluno!

    Ao professor Milton Moura, por ter me apoiado no inicio do mestrado e pelas

    ricas e divertidssimas aulas sobre cultura brasileira.

    s minhas amigas pesquisadoras e companheiras de paixo pela FEB Clarice

    Helena e Virginia. Muitas dvidas, muito material dividido e a paixo pelo mesmo tema

    me aproximaram dessas garotas! Obrigado tambm a Fbio pelas mesmas razes!

    Agradeo ainda aos meus alunos que foram pacientes e tolerantes com minhas

    falhas no perodo de concluso da pesquisa.

    Especial agradecimento fao ao Sr. Raul Carlos dos Santos, presidente da

    Associao Nacional dos Veteranos da FEB Regional Bahia. Anos de contato,

    pacincia e boa vontade no s nas entrevistas, mas no contato com outros veteranos epelo grande conhecimento a mim transmitido! Obrigado a todos os veteranos que

    colaboraram com este trabalho!

    Aos oficiais e praas do Arquivo Histrico do Exrcito do Rio de Janeiro pela

    colaborao, orientaes e prstimo.

    Enfim, obrigado a todos que ajudaram na execuo deste projeto!

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    Nosso sculo demonstra que a vitria dos ideaisde justia e igualdade sempre efmera, mastambm que, se conseguirmos manter a liberdade,sempre possvel recomear [...] No h por quedesesperar, mesmo nas situaes maisdesesperadas.

    Leo Valiani, historiador italiano.

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    Resumo

    Este trabalho tem por objetivo analisar as narrativas de guerra de veteranos da

    Fora Expedicionria Brasileira (FEB) durante a II Guerra Mundial. A pesquisa foi

    realizada dentro da abordagem da Histria Oral, discutindo os processos de formao

    das diversas memrias existentes dentro do grupo dos veteranos. Contribuiu para a

    anlise dos depoimentos as perspectivas da Nova Histria Militar, onde os aspectos

    sociais e culturais passam a se sobrepor nos estudos sobre as foras armadas e a

    experincia do servio militar.

    As entrevistas cobriram a trajetria da FEB, desde sua formao, passando pelo

    treinamento, envio Europa, batismo de fogo, cotidiano no front, situaes decombate, retorno ao Brasil e desmobilizao, abrangendo o perodo da declarao de

    guerra s naes do Eixo, em agosto 1942, at o fim das hostilidades, em maio de 1945.

    Questes como os aspectos das relaes com os civis italianos e com os militares norte-

    americanos, o medo e as estratgias de enfrentamento e as vises sobre os inimigos

    tiveram destaque nas interpretaes das narrativas.

    Palavras Chave: II Guerra Mundial; Fora Expedicionria Brasileira; Memria;

    Narrativas de guerra.

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    Abstract

    This work has for objective to analyze the narratives of war of veterans of

    Brazilian Expeditionary Force (BEF) during the World War II. The research was carried

    through inside of the boarding of Verbal History, arguing the processes of formation of

    the diverse existing memories inside of the group of the veterans. It contributed for the

    analysis of the depositions the perspectives of New Military History, where the social

    and cultural aspects pass if to overlap in the studies on the Armed Forces and the

    experience of the military service.

    The interviews had covered the trajectory of the BEF, since its formation,

    passing for the training, sending to the Europe, fire baptism, daily in front, situations

    of combat, return to Brazil and demobilization, enclosing the period of the declaration

    of war to the nations of the Axle, in August 1942, until the end of the hostilities, in May

    of 1945. Questions as the aspects of the relations with the Italian civilians and the North

    American military, the fear and the strategies of confrontation and the perception on the

    enemies had prominence in the interpretations of the narratives.

    Words Key:World War II; Brazilian Expeditionary Force; Memory; Narratives of war.

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    Sumrio

    Introduo 1

    I O Brasil vai guerra: a formao da Diviso de Infantaria Expedicionria 6

    1.1 A guerra e seu contexto em meados de 1944 81.2 Noticias dofront: O contato com a guerra e o preparo da FEB 121.3 A caminho dofront 33

    II O belo pas: Os soldados brasileiros na Itlia 42

    2.1 A chegada: Destruio e misria 432.1.2 O convvio com os civis: Os limites entre a ilegalidade, afeto e a sobrevivncia 472.1.3 Brasiliani liberatori 582.2 Os americanos: O american waynos campos de batalha 612.2.2 Hierarquia e (des) igualdade 69

    III A guerra: narrativas de combate 78

    3.1 Sob fogo inimigo 80

    3.2 O medo 963.3 Eles, os inimigos 1083.3.2 Um grupo especial 119

    IV Epilogo: de volta pra casa 125

    4.1 O dia seguinte: esquecimento, preconceito, misria 129

    Consideraes Finais 135

    Referncias bibliogrficas 137Fontes 141Anexos 144

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    Assim amadureceu a idia de formular um projeto de mestrado utilizando a

    Histria Oral como abordagem e tendo como foco as experincias de guerra de

    veteranos baianos no ltimo grande confronto mundial. O aprofundamento da pesquisa

    me fez ver que a existncia de trabalhos acadmicos era bem escassa, embora houvesse

    uma boa quantidade de fontes disponveis. As dissertaes e teses que surgiam

    abordavam a Fora Expedicionria Brasileira (FEB) de maneira ampla, fazendo grandes

    panoramas. Posteriormente surgiram algumas pesquisas mais especficas, que se

    tornariam referncias para os novos trabalhos, como as que estudavam as questes

    poltico-econmicas que levaram ao envolvimento do Brasil na guerra2; a trajetria da

    FEB e relao entre memria e guerra3; e o ps-guerra e reintegrao social dos

    veteranos4. Mesmo assim so raros os trabalhos sobre a FEB, especialmente os que

    enfocavam os momentos de combate, como os soldados encaravam as situaes de

    perigo, o medo e as vises sobre o inimigo.

    Tentando responder a estas indagaes norteei minha pesquisa. A abordagem

    que segui nas entrevistas a que a sociloga Alice Betriz G. Lang chama de relato oral

    de vida, [...] quando solicitado ao narrador que aborde, de modo mais especial,

    determinados aspectos de sua vida, embora dando a ele total liberdade de exposio,

    mas o entrevistado sabe o interesse do pesquisador e direciona seu relato para

    determinados tpicos5. Assim no foram feitos questionrios que pudessem limitar os

    depoentes, mas tpicos sobre aspectos da experincia da guerra, onde as perguntas

    surgissem de acordo com as particularidades das vivncias de cada individuo.

    Fundamentais para o entendimentos desse tipo de fonte foram os trabalhos de Michel

    Pollak6, que lidou com sobreviventes do Holocausto Judeu; Alessandro Portelli 7, que

    pesquisou as vitimas de massacres alems na Itlia; e o j citado Alistair Thomson. De

    2SEITENFUS, Ricardo. O Brasil Vai Guerra: O Processo de Envolvimento do Brasil na SegundaGuerra Mundial. Barueri: Manole, 2003.3MAXIMIANO, Csar Campiani. Trincheiras da memria:Brasileiros na campanha da Itlia 1944-1945. USP, 2004 (Tese de Doutorado).4 FERRAZ, Csar A. A guerra que no acabou: A reintegrao social dos veteranos da ForaExpedicionria Brasileira (1945 2000). USP, 2003(Tese de Doutorado).5LANG, Alice Beatriz G. Histria Oral: muitas dvidas, poucas certezas e uma proposta. In: MEIHY,Jose Carlos Bom. [Re]introduzindo a Histria Oral o Brasil. So Paulo: Xam/USP, 1996, pp. 35.6POLLAK, Michel. Memria, esquecimento e silncio. In: Estudos histricos. Rio de Janeiro, Vol.2,

    n.3,1989.7PORTELLI, Alessandro. O massacre de Civitella Val di Chiana (Toscana, 29 de junho de 1944): mitoe poltica, luto e senso comum. In: Usos & Abusos da Histria Oral. Rio de Janeiro: FGV, 2002

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    grande serventia, tambm, para a prtica das entrevistas foi o artigo de Verena Alberti,

    sobre metodologia de Histria Oral8.

    Realizei pouco mais de vinte e uma horas de entrevistas com trs membros da

    Associao Nacional dos Veteranos da FEB (ANVFEB) - Regional Bahia, ao longo dos

    anos de 2007 e 2008. O espao grande entre as entrevistas ocorreu devido a

    compromissos particulares dos depoentes e suas idades avanadas (muitas vezes eles

    estavam adoentados ou com parentes prximos neste estado). Dois dos entrevistados

    so baianos e lutaram no mesmo regimento de infantaria, embora que em funes e

    companhias diferentes. O terceiro entrevistado preferiu no ser identificado (passando a

    ser tratado no texto como Cabo X), devido ao teor de suas declaraes, por isso no

    revelarei sua naturalidade, que levaria ao seu reconhecimento. O nmero pequeno de

    entrevistados se deu especialmente pela riqueza de dados apresentados pelos depoentes

    abordados e tempo exguo para todo o processo de trabalho com as fontes orais numa

    pesquisa de mestrado (levantar veteranos dispostos e em condies de serem

    entrevistados, agendar e realizar as mesmas e transcrever as gravaes e analis-las).

    A singularidade dessas fontes se d, primeiramente, pelo contedo, pois nas

    longas entrevistas foram aprofundados dados pouco trabalhados ou inditos em outras

    pesquisas, e, em segundo lugar, pelo fato de que veteranos baianos estarem de fora dos

    trabalhos referenciais sobre a FEB9.

    Utilizei ainda um conjunto de entrevistas realizado pelo Exrcito Brasileiro no

    projeto Histria Oral do Exrcito na Segunda Guerra Mundial (HOESGM). O

    exrcito realizou entrevistas entre os anos de 2000 e 2001, contemplando veteranos nos

    Estados do Rio de Janeiro, So Paulo, Porto Alegre, Recife, Fortaleza e Braslia. Alm

    dos trs regimentos que formaram a FEB, foram includos expedicionrios de todas as

    unidades, como o Batalho de Engenharia, Esquadro de Reconhecimento, Artilharia

    Divisionria, alm do 1 Grupo de Aviao de Caa e membros da foras quepatrulhavam o litoral brasileiro durante o conflito.

    Este trabalho tem uma importncia muito grande para os estudos da FEB, j que,

    como uma instituio presente em todo territrio nacional, o exrcito possui um alcance

    fsico que dificilmente um pesquisador teria. Alm disso, a maioria dos veteranos possui

    fortes vnculos emocionais com a instituio, de forma direta ou atravs das

    8ALBERTI, Verena. Histrias dentro da Histria. IN: PINSKY, Cala B. Fontes histricas. So Paulo:

    Contexto, 2005.9 O historiador Paulo Leite chegou a entrevistar doze expedicionrios baianos, disponibilizando partedesse material no site http://veteranosbaianos.com/

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    associaes, que participam, muitas vezes, de cerimnias oficiais nas diversas unidades

    do exrcito espalhadas pelo Brasil. Mas justamente por causa deste vinculo fao

    ressalvas a estes depoimentos.

    Acredito que muito dos depoentes do projeto HOESGM se sentiram

    constrangidos em fazer criticas ou determinadas observaes relativas s experincias

    de guerra, pois as entrevistas faziam parte de um programa promovido pela instituio

    militar. O exrcito constitui-se hoje a principal esperana de preservao da memria da

    FEB, pelo menos para as associaes de veteranos.

    Ainda como fontes foram utilizados livros de memrias produzidos por praas,

    graduados e oficiais, tanto do Quadro Ativo quanto da Reserva, do exrcito que

    participaram da FEB. As primeiras pesquisas sobre a participao brasileira na segunda

    guerra utilizam em larga escala livros dos oficiais comandantes da unidade

    expedicionria, talvez pela escassez de obras de praas e graduados ___situao que se

    observa at hoje, mas em menor escala ___ou por influncia de uma Histria Militar

    tradicional10. Foram preferidas as obras daqueles que compuseram a maior parte da

    tropa, mas que so menos conhecidas, ou seja, oficiais de baixa patente e praas.

    Foram analisados tambm so os trabalhos dos correspondentes de guerra

    brasileiros. Enviados Itlia sob a vigilncia do Departamento de Imprensa e

    Propaganda (DIP) estes jornalistas cobririam a participao brasileira desde o embarque

    at o retorno da tropa. Descries do cotidiano, relaes com a populao civil,

    funcionamento das unidades, situaes de combate, entre outros, so temas das

    reportagens, que, aps a guerra foram copiladas e reunidas em livros por alguns destes

    correspondentes.

    Em menor escala foram trabalhados alguns documentos levantados no Arquivo

    Histrico do Exrcito (AHEx), localizado no Palcio Duque de Caxias (PDC), no Rio

    de Janeiro. A menor utilizao de fontes documentais no se deu pela escassez dasmesmas, mas a localizao do arquivo em outro Estado e, principalmente, pela mudana

    de foco da pesquisa. A documentao coletada em 2007 fundamentaria uma abordagem

    direcionada para a anlise das relaes entre soldados brasileiros e seus inimigos, mas

    durante a qualificao novo rumo foi tomado. Assim, poucos documentos levantados no

    primeiro ano do mestrado tiveram aproveitamento no trabalho atual.

    10Ao longo da dissertao sero definidos e abordados os conceitos de Histria Militar tradicional eNova Histria Militar.

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    Utilizei ainda alguns exemplares do jornal ...E a cobra fumou, de autoria de

    soldados do 1 Regimento de Infantaria e produzido durante a Campanha da Itlia.

    Mas as fontes orais, juntamente com os livros de memria se constituram em

    ricas fontes, viabilizando este trabalho final, que ficou composto de trs captulos e um

    eplogo:

    No primeiro captulo falo, brevemente, do contexto da guerra na Europa, quando

    do envio da FEB para guerra. Alm disso, trato das repercusses do conflito e como as

    noticias sobre o mesmo circulavam no Brasil e entre os convocados. Ainda neste

    captulo abordo o preparo e a viagem para o continente europeu.

    No segundo, aps tratar das reaes surgidas na tropa com a chegada aos

    campos de batalha, foco as relaes desenvolvidas pelos brasileiros com a populao

    italiana e as vises que os praas e oficiais formularam sobre essa. Objetivo tambm as

    relaes com principais aliados, os norte-americanos, e reaes frente a tropas

    segregadas racialmente, alm do choque com as diferenas de organizao que o

    exrcito dos EUA possua.

    J no terceiro capitulo tenho como ponto central o combate. Abordo os

    principais riscos que os com batentes estavam expostos e os ferimentos que sofriam.

    Trato ainda de um delicado assunto entre veteranos de guerra: o medo. Analiso as

    estratgias desenvolvidas para lidar com o mesmo e como eram vistos os combatentes

    considerados covardes. Por ltimo, neste captulo, analiso as vises construdas sobre o

    inimigo, em especial o alemo, e abordo um depoimento nico de um cabo que fez parte

    de um grupo que exterminava franco-atiradores alemes.

    No epilogo fecho o ciclo da campanha com as narrativas sobre cessao das

    hostilidades, a viagem de volta a emoo de estar novamente na ptria. Trato ainda, de

    forma breve, dos problemas na reintegrao social, da formao das associaes de

    veteranos e da preocupao em preservar uma memria do grupo.

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    I

    O Brasil vai guerra: a formao da Diviso de InfantariaExpedicionria

    Os fantasmas da Grande Guerra (1914-1918) mal tinham sido exorcizados e uma

    novo conflito mundial despontava com a invaso da Polnia, em 1 de setembro de 1939,

    pelas foras armadas da Alemanha nazista. Esta Era da Catstrofe segundo o

    historiador Eric Hobsbawm estava em pleno curso11. E os nmeros dessa guerra

    mundial atingiriam cifras nunca antes vistas e difceis de mensurar, alis, como atenta o

    historiador britnico citado, o [...] que significa exatido estatstica com ordem de

    grandeza to astronmica? Por exemplo, as baixas soviticas giram entre 10% a 20%

    da populao total, ou seja, nmeros que beiram entre 20 a 30 milhes de pessoas12.

    Essa guerra de propores mundiais envolveria no s os polticos e soldados,

    ou os setores da indstria blica, mas praticamente todos os segmentos sociais dos

    principais pases envolvidos. Ainda assim, mesmo nos pases perifricos disputa entre

    Aliados e foras do Eixo, a guerra traria mudanas de grandes propores, mesmo para

    a populao civil.

    Temos, com certeza, que a guerra moderna envolve todos os cidados emobiliza a maioria; travada com armamentos que exigem um desvio de todaa economia para a sua produo, e so usados em quantidades inimaginveis;produz indizvel destruio e domina e transforma absolutamente a vida dospases nela envolvidos.13

    Assim, este capitulo se prope, primeiramente, a compor um breve contexto

    dessa guerra onde o Brasil participaria no s com o fornecimento de matrias primas e

    apoio poltico aos Aliados, mas, tambm, com o envio de um corpo expedicionrio

    Europa. Busco com isso introduzir o papel da Fora Expedicionria Brasileira no Teatro

    de Operaes italiano em fins de 1944 e inicio de 1945, quando do fim dos combates no

    continente europeu.

    11HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: O Breve Sculo XX-1918-1991. So Paulo: Cia das Letras,

    199512Id. Ibidem, pp. 50.13Id. Ibidem, pp. 51.

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    Em seguida abordarei a guerra no mbito do grupo de veteranos brasileiros do

    conflito analisando suas primeiras impresses sobre a guerra e como circulavam as

    informaes sobre a mesma no Brasil do Estado Novo. Tanto a populao civil quanto

    militar dos centros urbanos, especialmente nos estados nordestinos, se viram envolvidas

    em campanhas de mobilizao para o esforo de guerra, seja na vigilncia sobre os

    sditos do Eixo ou na arrecadao de donativos e matrias primas, a partir da ruptura

    de relaes com a Alemanha e a Itlia e o posterior estado de beligerncia contra os

    mesmos, em agosto de 1942.

    O envolvimento direto com a guerra moderna traria mudanas profundas na

    organizao militar brasileira. As diferenas de organizao e recursos das Foras

    Armadas do Brasil em relao aos Estados Unidos da Amrica so perceptveis no

    processo de preparao da FEB em solo ptrio, sendo estas, focando o ponto de vistas

    dos soldados convocados e militares da ativa, objeto de analise tambm deste capitulo.

    Abordarei ainda as impresses sobre a viagem para a Itlia. Embora a navegao

    martima, na primeira metade do sculo vinte, constitusse o principal meio de

    transporte de longa distncia no Brasil boa parte da tropa nunca havia realizado uma

    grande viagem e, muito menos, uma incurso transatlntica. Esta viagem ainda tinha a

    singularidade de ser realizada sob o estado de guerra, o que significava o risco de

    ataques por parte de submarinos ou aviao alem ___ embora remotos, j que a

    Kriegsmarine(marinha de guerra alem) e a Luftwaffe (fora area alem) no segundo

    semestre de 1944, quando do envio da FEB, j tinham seus poderios muito limitados,

    para no dizer quase anulados, comoveremos no contexto da guerra logo abaixo.

    importante ressaltar que no objetivo deste trabalho discutir as causas do

    envolvimento do Brasil varguista no conflito e sua aliana com os EUA. Obras voltadas

    especificamente para a anlise do quadro das relaes internacionais brasileiras no

    perodo conseguem explorar esta temtica de forma consistente, entre as quais destacoas dos pesquisadores Ricardo Seitenfus, Stanley Hilton, Maria de Lourdes F. Lins e

    Frank D. McCann14. Logo, quando abordar as origens do conflito e os motivos que

    14Para mais detalhes ver: HILTON, Stanley E. O Brasil e as Grandes Potencias - 1930-1939: AspectosPolticos da Rivalidade Comercial. Rio de janeiro: Civilizao Brasileira, 1977; _____.A Guerra Secretade Hitler no Brasil: A Espionagem Alem e a Contra -Espionagem Aliada. Rio de Janeiro: NovaFronteira, 1983; LINS, Maria de Lourdes F. A Fora Expedicionria Brasileira: uma tentativa deinterpretao. USP, 1975 (dissertao de mestrado); McCANN, Frank D. A Fora Expedicionria

    Brasileira na Campanha da Itlia, 1944-1945. In: SILVEIRA, Joel e MITKE, Tassilo. A Luta dosPracinhas: A FEB 50 anos depois Uma Viso Critica. Rio de Janeiro: Record, 1983; SEITENFUS.Op.cit.

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    levaram o Brasil guerra, focarei as interpretaes dos veteranos sobre as noticiais que

    circulavam na poca.

    1.1- A guerra e seu contexto em meados de 1944

    Ao se pensar nas Foras Armadas no mbito histrico j temos h alguns anos a

    possibilidade de extrapolar a histria militar tradicional, ou seja, o [...] estudo das

    batalhas, tticas e principais figuras militares15, o que significa dizer que os avanos

    historiogrficos da Nova Histria passaram a ser utilizados na abordagem dos

    questionamentos relativos s estas instituies.

    A experincia militar algo singular para a maior parte dos indivduos, poisinstituies como o exrcito criam laos de sociabilidade prprios entre seus membros,

    fruto do objetivo dessas organizaes ___ ser um agente de violncia controlado pelo

    Estado ___da sua estrutura e funcionamento. So instituies totais16, pois:

    [...] compem-se de pessoas divididas em um numeroso grupo deindivduos dirigidos e um pequeno grupo de supervisores, como poucamobilidade social entre eles e modos especficos de lidar uns com os outros. Asinstituies totais socializam seus membros de maneiras especificas que

    moldam seu pensamento, auto-imagem e comportamento.17

    Mas os militares no se encontram isolados da sociedade onde vivem, muito

    pelo contrrio. As interaes se tornaram particularmente fortes desde generalizao do

    servio militar obrigatrio, entre os sculos XVIII e XIX18. Com as guerras mundiais

    teramos grandes potncias industrializadas mobilizando milhes de civis para os

    quadros das Foras Armadas, que seriam invadidas por novos comportamentos e novas

    idias, levando a uma interao muito relevante. Embora o Brasil no tenha uma longa

    tradio de intervenes externas por meio das suas instituies militares, o mesmo no

    15CASTRO, Celso; IZECKSOHN, Vitor e KRAAY, Hendrik (orgs.)Nova histria militar brasileira. Riode Janeiro: FGV/Bom Texto, 2004, pp. 12.16GOFFMAN, Erving. Asylums: essays on the social situations of mental patients and other inmates.Chicago: Aldine, 1962. Apud:MACCANN, Frank. Soldados da ptria: Histria do Exrcito Brasileiro(1889 1937). So Paulo: Cia das Letras, 2007, pp. 16-17.17MACCANN. Op. Cit. pp.17.18Embora o servio militar obrigatrio j comeasse a ser utilizado por alguns pases como a Sua desdeo sculo XVII, ele s viria a se generalizar na virada do sculo XVIII para o XIX, especialmente a partirda Revoluo Francesa e das Guerras Napolenicas. Para mais detalhes sobre a circunscrio militar

    obrigatria e o significado da experincia militar ver LORIGA, Sabina. A experincia militar. In:SCHMITT, Jean-Claude e LEVI, Giovanni (Orgs). Histria dos Jovens: A poca contempornea. SoPaulo: Cia. das Letras, 1996.

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    se pode dizer no mbito interno. Diversos foram os momentos da histria recente do

    pas onde os militares tiveram papel preponderante, demonstrando justa mente que as

    instituies interagem com a sociedade e em muitos casos de forma violenta.

    Quando do envio da FEB Europa, a Segunda Grande Guerra j estava em

    meados do seu quinto ano. Embora a Alemanha j encontrasse uma situao irreversvel

    no front oriental, contra a URSS, e no ocidental, contra os EUA e seus aliados, e j

    tivesse tido derrotas significativas, a guerra ainda no apresentava um fim prximo. As

    foras nazistas ainda teriam condies de impor obstinada e custosa resistncia aos seus

    inimigos ___lembrando que EUA, Inglaterra e seus inmeros aliados lutavam tambm

    em duas frentes: no Teatro de Operaes europeu e no do Pacfico.

    Embora a proposta deste trabalho seja enveredar pelos caminhos da Nova

    Histria Militar isso no significa que a historiografia clssica da II Guerra seja

    dispensvel, pelo contrrio. Essa ainda fundamental para a compreenso das

    campanhas militares, lanando dados factuais importantes mesmo para anlises mais

    voltadas aos aspectos da Nova Histria. Assim construirei um breve contexto dos

    principais acontecimentos relevantes para o entendimento da atuao da FEB na

    Europa, especialmente no TO italiano.

    Em fins de junho de 1941, os alemes iniciaram a Operao Barbarossa, a

    invaso da URSS. Quatro mil blindados e mais de trs milhes e meio de homens

    avanariam em trs colunas contra os russos. Hitler abria com isso uma segunda frente

    na Europa Oriental, depois de derrotar e ocupar Polnia, Dinamarca, Noruega, Blgica,

    Holanda e Frana at meados de 1940. A Blitzkrieg, a guerra-relmpago, alem

    voltava-se para o to exigido Lebensraum, o espao-vital, por Hitler e seus

    seguidores, que defendiam a expanso para o leste. Nos anos seguintes ofrontOriental,

    como ficaria conhecido, tragou milhes de homens, veculos e recursos.

    O governante alemo esperava uma vitria rpida, mas o que se viu foi umalonga, desgastante e violenta campanha19. Mas os russos sofriam tambm e

    necessitavam do apoio dos aliados, que foi feito em combates areos e martimos em

    diversos pontos do Atlntico, Mediterrneo, Mar do Norte, etc. O apoio tambm era

    19Falar que um frontfoi mais ou menos violento pode ser muito questionvel, mas dentro da literaturasobre a II Guerra Mundial comum perceber essa diferenciao, pelo menos no Teatro de Operaes daEuropa. Alemes e russos travariam no s encarniados combates, mas desrespeitariam diversos tratadosde direitos humanos e convenes de guerra, exterminando prisioneiros e populaes civis. [...] Guerraimpiedosa, que desconhece feridos e prisioneiros, que responde insegurana pelo terror e no recua nem

    diante da tortura nem da profanao de cadveres, assim se referiria a Frente Leste o historiadorRaymond Cartier. CARTIER, Raymond.A Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Larousse do Brasil Paris Match, 1967, pp. 590, Volume II.

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    feito com o fornecimento de armas, veculos, suprimentos na casa doas milhes de

    toneladas, que atravessam perigosas rotas pelo Mar do Norte em comboios fustigados

    pelos submarinos e aviao alem.

    Assim principalfrente de combate contra as tropas alems se deu pela ao do

    Exrcito Vermelho, que desde o inicio de 1943 inverterao fluxo de combate, fazendo a

    Wermachtrecuar. A segunda frente na Europa fora aberta com a Operao Husky, em

    setembro de 1943, ao invadir a Itlia. Mas a principal fora aliada atacou a Europa em 6

    junho de 1944, o Dia D, abrindo uma importante penetrao nas linhas alem na

    Frana, formando assim, em conjunto com os soviticos, um movimento de pina contra

    a Alemanha.

    A Overlord, nome cdigo da invaso da Normandia, envolveria um contingente

    nunca antes visto numa operao militar durante a II guerra at aquele momento. Seriam

    mais de 4 mil embarcaes envolvidas, sendo que 213 eram grandes navios de guerra,

    como encouraados e cruzadores ___ alm de 13 mil avies de diversos tipos. No

    desembarque inicial 5 Divises de infantaria e de blindados inglesas, norte-americanas e

    canadenses estariam responsveis pelo assalto s cinco praias escolhidas na Baia do

    Sena (entre Cherburgo e a desembocadura do Orne, prximo a Caen). Haveria ainda o

    assalto de trs divises aerotransportadas, duas norte-americanas e uma inglesa, atrs

    das linhas inimigas, em pontos estratgicos.

    Nos dias seguintes invaso seriam desembarcadas mais divises, compondo

    dois Exrcitos, o I Exrcito Americano e o II Exrcito Britnico. Para compor essas

    unidades foram deslocadas Divises que atuavam em outros fronts. Algumas unidades

    do VIII Exrcito Ingls e do V Exrcito Americano que formavam as foras aliadas na

    Itlia foram cedidas Overlord.

    A invaso da Normandia seria complementada por outra ao ao sul da Frana, a

    Operao Anvil. A 15 de agosto de 1944, o VII Exrcito Norte-Americano, apoiado p9 porta-avies e mais de 800 embarcaes variadas desembarcam foras entre Toulon e

    Cannes. Mais uma vez unidades experientes foram deslocadas de outras frentes de

    batalha, incluindo a Itlia.

    Essencialmente, as foras que dela participam provm do desmembramentodo exrcito da Itlia. A 28 de julho, em plena perseguio, depois da tomada deLivorno, Pisa e Siena, o 6 Corpo norte-americano e o Corpo expedicionrio

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    Francs foram retirados do general Clark e levados ao Sul da Itlia para seremdesembarcados com destino costa provenal. 20

    neste contexto que devemos entender a participao da FEB no V Exrcito

    Norte-Americano, no mbito estratgico. Os brasileiros viriam cobrir claros deixadospelas unidades que eram deslocadas para as aes na Frana. O comando americano na

    Itlia j estava realizando improvisos neste front, como atesta a composio da Task

    Force 45, unidade formada por soldados treinados em guerra antiarea. nesse teatro

    de operaes que os EUA utilizariam sua nica unidade de negros, a 92 Colored,

    engajada nofront ___mais detalhes sobre esta diviso sero vistos no capitulo II.

    Os avanos dos aliados na Itlia continental foram bem mais lentos que o

    previsto, pois os defensores tinham a disposio um terreno extremamente acidentado,

    onde linhas fortificadas eram construdas sobre os baluartes naturais. Mas eram os

    alemes estavam em srias de dificuldades na Itlia. A supremacia area dos aliados

    destrua sistematicamente as linhas de abastecimento. Estradas e ferrovias eram

    marteladas noite e dia, sendo as operaes interrompidas apenas pelo mal tempo. Alm

    disso, a guerrilha, na medida do possvel, atacava linhas de comunicao, abastecimento

    e fustigava as guarnies germnicas.

    Em 1943, quando da invaso da Itlia, os aliados pretendiam aliviar o front

    russo, desviado os esforos nazistas. J no ano seguinte objetivo estratgico no front

    italiano era reter o mximo de tropas nazistas possveis: A absoro de foras alems

    nessa regio iria desfalecer as reservas disponveis [...]21. Caso fosse conseguida uma

    boa penetrao nas linhas alems, especialmente aps a queda de Roma (ocorrida em 4

    de junho de 1944), os aliados tentariam empurrar o inimigo para o Vale do P, onde os

    alems comprometeriam mais reservas, numa regio mais desfavorvel, onde o grande

    volume de unidades blindadas e motorizadas anglo-americanas fariam grande

    diferena22.

    Com queda da Linha Gustav, localizada ao sul dos Apeninos, os alemes

    recuaram para posies mais ao norte, recompondo sua defesa numa nova rea, tambm

    de grande altitude, batizando-a deLinha Gtica. Os combates na Itlia, especialmente a

    partir da regio dos Apeninos, se caracterizaram pelo uso intensivo da infantaria, onde

    os carros blindados tinham emprego muito limitado ___ para ver a distribuio das

    20CARTIER. Op. Cit. pp. 622.21

    MCNNIS, Edgar.Histria da II Guerra Mundial 1939 -1945. Porto Alegre: Ed. Globo, 1958, vol. V,pp. 169.22Id. Ibidem.

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    foras em combate, caractersticas do terreno e as localidades citadas ver os mapas nos

    anexos. Mesmo assim, em muitas ocasies, as manobras eram feitas em pequenas

    unidades, com freqncia no mbito de Companhias (menos de 200 homens) e at

    Pelotes (42 homens).

    A FEB seria empregada contra as foras nazistas encasteladas na Linha Gtica,

    assim como as novas unidades americanas que seriam formadas e transferidas para o

    front italiano visando cobrir os claros deixados pelas operaes Overlorde Anvil, que

    aspiraram divises veteranas. O exrcito dos EUA chegou a preparar uma unidade de

    elite, a 10 Diviso de Montanha, para ser empregada no front italiano, operando ao lado

    da FEB.

    1.2 Noticias dofront: O contato com a guerra e o preparo da FEB

    Costuma-se dizer que numa guerra as pessoas manifestam o que tem de pior, que

    no h limites para a crueldade.Inter arma silent leges. Entre armas as leis silenciam.

    Mas o que vemos so extremos, a guerra o extremo, onde o ser humano testado em

    seus limites ___fsicos, psicolgicos, morais, econmicos, polticos, etc. ___assim, o que

    visto como o mximo de desumanidade na verdade a prpria humanidade levada aoextremo.

    Embora a guerra seja vista como ato de barbrie e selvageria ela um evento onde a

    cultural se manifesta, ou seja, ela no apenas a continuidade da poltica por meio das

    armas23, mas uma rea de atrito entre dois grupos, com valores e crenas prprias, mas

    muitas vezes com elementos comuns compartilhados, que se chocam. Portanto, para

    compreenso desse imaginrio blico, dessa forma de viver e de pensar a guerra,

    trabalharei com o discurso de veteranos da FEB, pois a linguagem reflete e transmite

    no s as vises particulares, as vivncias individualizadas, mas toda uma carga de

    experincias coletivas, de memrias compartilhadas.

    Interessa-nos neste trabalho os depoimentos que relatam interpretaes sobre a

    guerra ___sendo essas interpretaes reais ou imaginrias, mas ambas vises construdas

    por atores sociais que participaram de um acontecimento histrico determinado. Esta

    seleo de fontes se baseia na idia de que o trabalho do cientista social uma

    23

    Para o militar prussiano, veterano das guerras napolenicas, Carl von Clausewitz a guerra era acontinuidade da poltica, mas por outros meios. KEEGAN, John. Uma histria da guerra. So Paulo: Ciadas Letras, 2002.

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    interpretao da realidade, trata, portanto, de fices; fices no sentido de que so

    algo construdo, algo modelado [...], no que sejam falsas, no-fatuais ou apenas

    experimentos de pensamento24. No entendo a histria como a busca de uma verdade

    imutvel, mas como verdades, [...] a cada gerao se revisam interpretaes. Afinal, a

    histria trabalha com a mudana no tempo, e pensar que isso no se d no plano da

    escrita sobre o passado implicaria negar pressupostos 25.

    Desde o inicio das hostilidades na Europa os pases das Amricas se mantiveram

    neutros. Postura adotada pelo Brasil e que garantia a manuteno de importantes

    relaes comerciais com os pases beligerantes ___havia um grande interesse por parte

    do governo brasileiro em adquirir mquinas e armamentos e, em contra partida, da

    Alemanha em adquirir matrias primas, como algodo e caf26.

    Mas esta situao mudaria imediatamente aps o ataque japons a Pearl Harbor,

    em 7 de dezembro de 1941, que traria os EUA para a guerra. Este evocaria a unidade

    poltica dos pases americanos frente a ameaa estrangeira na III Reunio dos Ministros

    das Relaes Exteriores das Repblicas Americanas, ocorrida em janeiro de 1942, na

    qual as naes americanas concordaram em romper relaes diplomticas com os pases

    do Eixo27. A atitude do Brasil daria inicio a uma sucesso de eventos que o levariam ao

    conflito na Europa.

    Com a deciso de Vargas, haveria uma intensificao das relaes polticas e

    comerciais com Washington, dando origem a parcerias comerciais e especialmente

    militares, j que o Comando Militar Norte-Americano tinha grande interesse no saliente

    nordestino, pois a proximidade deste com a frica possibilitava vos diretos e ainda o

    patrulhamento do Atlntico Sul. Teramos ento, em maro de 1942, sob forma de um

    Lend-Lease, [...] os Estados Unidos comprometendo-se a fornecer, de forma

    escalonada at 1 de janeiro de 1948, armas e munies de guerra num total de

    duzentos milhes de dlares28, que seriam destinados a modernizar a Marinha e oExrcito brasileiros. No mesmo ano, criada a Comisso Militar Mista Brasil-Estados

    Unidos, que organiza um plano de defesa para o Nordeste brasileiro, resultando na

    24GEERTZ, Clifford.A interpretao das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989, pp.11-1225PESAVENTO, Sandra J.Histria & Histria Cultural. So Paulo: Autntica, 2005, 2 Ed, pp.15-16.26SEITENFUS. Op.Cit.27Apenas Chile e Argentina se negaram a seguir ar resolues do encontro, mas o primeiro acabaria por

    mudar sua posio no ano seguinte (janeiro de 1943) embora a Argentina mantivesse importantes relaespolticas com a Alemanha, Itlia e Japo at as vsperas do fim da guerra na Europa, em maio de 1945.28SEITENFUS. Op. Cit, pp. 280.

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    autorizao pelo governo Vargas da presena de tropas norte-americanas em territrio

    nordestino, alm da utilizao de portos e aeroportos pelas mesmas.

    A guerra provocaria grandes mobilizaes no Brasil, especialmente nos grandes

    centros urbanos. Ela chegava por meio dos jornais e do rdio, e, especialmente, aps o

    ataque japons base militar norte-americano de Pearl Harbor, os acontecimentos do

    conflito mundial passariam a ser debatidos nos bares e cafs. A Rdio Sociedade da

    Bahia, nica existente no Estado, passaria ento a irradiar programas ligados a

    campanha de mobilizao do governo ingls, num programa intitulado A marcha da

    vitria29. Os feitos dos pilotos da Royal Air Force(RAF), nas batalhas sobre os cus

    da Inglaterra e da Europa continental, eram contados de forma a enaltecer o esforo de

    uma das poucas naes do velho continente que se colocavam contra o avano do Eixo.

    Este envolvimento das populaes urbanas e de maior conscientizao do conflito

    mundial,pode ser observado em outras capitais nordestinas, como atesta a historiadora

    Clarice Helena S. Lira, que trabalhou com veteranos da FEB em Teresina30

    Mesmo com uma populao predominante de analfabetos, em diversas cidades

    baianas surgiram movimentos organizados que acompanhavam o conflito e

    concentravam apoio aos pases que lutavam contra os nazi-fascistas31. Segundo Joo

    Falco a Bahia, por estar distante dos mecanismos repressores mais eficientes do Estado

    Novo, seria palco das primeiras manifestaes pblicas de apoio a guerra contra a

    Alemanha e a Itlia32.

    De salvador partiu a primeira grande manifestao popular contra o Eixo.No dia 2 de fevereiro, cinco dias depois do rompimento, os jornais locaispublicaram com bastante destaque a convocao feita por todas as classessociais para um comcio de solidariedade ao presidente Vargas a ser realizadono dia seguinte, s 20 horas, no Largo da S. Estava assinada porrepresentativas figuras da vida baiana [...].

    Mais de 30 mil pessoas desfilaram, sob a luz de fogos de bengala, em

    direo ao Palcio da Aclamao, onde se verificou uma verdadeiraconsagrao ao chefe da nao. De todos os pontos partiam ruidosas

    29SAMPAIO, Consuelo N.A Bahia na II Guerra Mundial. Separata, Revista da Academia de Letras daBahia, n 40, 1996, pp. 137.30 LIRA, Clarice Helena Santiago. O Piau em tempos de Segunda Guerra: Mobilizao local e asexperincias do contingente piauiense da FEB. UFPI, 2008. (Dissertao de Mestrado)31 A Bahia tinha, no inicio da dcada de 1940, 92% de sua populao analfabeta e 88% vivendo nocampo. SAMPAIO. Op. Cit. pp. 136.32O advogado e jornalista Joo Falco teve intensa atuao poltica no perodo, sendo membro do partidocomunista e voluntrio da FEB. Segundo ele o governo Vargas temia mobilizaes populares,especialmente as espontneas, alm de que certos membros do prprio governo tinham uma postura pro-

    Eixo, como era o caso do chefe de policia do Distrito Federal, Filinto Strubing Mller. Sendo assim,muitas manifestaes pblicas foram reprimidas no Rio de Janeiro e So Paulo. FALCO, Joo. OBrasile a 2 Guerra Mundial: Testemunho e Depoimento de um Soldado Convocado. Braslia: UNB, 1999.

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    manifestao. Do Palcio, o interventor Landulfo Alves, o comandante da VIRegio Militar, coronel Pinto Aleixo, o prefeito Neves da Rocha, secretrios deEstado e altas autoridades assistiram ao grande espetculo de civismo. 33

    A mobilizao contra a as naes do Eixo e o movimento a favor dos aliados

    tornara-se um importante veiculo de ao popular, em especial das classes mdias, pelo

    menos no caso das cidades baianas. Os estudantes tornaram-se o meio de ligao dos

    grupos que se articulavam, pois [...] possuam o entusiasmo prprio da juventude e

    conhecimento suficiente para defender com ardor a causa que desejava fosse

    defendida34. Surgem associaes civis com o intuito de mobilizar a sociedade baiana

    em prol dos aliados, contra os fascistas e a favor da democracia ___algo que chega a ser

    irnico, se pensarmos que isso ocorria em pleno Estado Novo, ainda mais que em

    praticamente todas as manifestaes a figura de Vargas era evocada e enaltecida ao lado

    de lideres como Franklin D. Roosevelt. A Faculdade de Direito, a Faculdade de

    Medicina, a Escola Politcnica e o Ginsio da Bahia foram centros irradiadores do

    movimento pr-aliados [...]35. Em maio de 1942, seria fundada a Comisso Central

    Estudantil pela Defesa Nacional e Pr-Aliados, na presena das principais autoridades

    civis e militares do Estado, alm dos cnsules da Inglaterra e dos EUA, na Faculdade de

    Direito. Associaes como essa surgiriam nas principais cidades do pas, demonstrando

    que, pelo menos nos centros urbanos e nas classes mdias havia um interesse pelaguerra e por uma atuao poltica ativa junto s aes do governo frente ao conflito

    mundial que crescia.

    Como ator de muitas destas mobilizaes polticas estava o PCB. Mesmo na

    clandestinidade o Partido Comunista estava envolvido e ativo junto a estes movimentos,

    tanto na capital quanto no interior, ajudando a articular as associaes que englobavam

    estudantes, professores, operrios, profissionais liberais. O Comit Regional [do PCB]

    havia sido reconstitudo e uma ala do partido, destacada para atuar junto ao movimentoestudantil 36. Para os setores mais progressistas e at os comunistas, segundo o

    socilogo Paulo Ribeiro da Cunha, este foi um momento muito oportuno para [...] uma

    oxigenao poltica para as hostes intelectuais liberais e de esquerda, constituindo o

    ponto de partida para a criao de frentes antifascistas pelo pas [...]37. O combate ao

    33Id. Ibidem, pp. 79-81.34SAMPAIO. Op. Cit. pp. 138.35SAMPAIO. Op. Cit. pp. 139.36

    Id. Ibidem. pp. 139.37CUNHA, Paulo Ribeiro da. Um olhar esquerda: A utopia tenentista na construo do pensamentomarxista de Nelson Werneck Sodr.Rio de Janeiro: Revan, 2002, pp.185.

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    nazismo e ao fascismo era uma das principais preocupaes do PCB e os militares de

    esquerda tiveram importante atuao neste sentido, como, por exemplo, Nelson

    Werneck Sodr, que produziu uma srie de artigos neste sentido enquanto colunista do

    Dirio de Noticias38.

    Algumas cidades do interior baiano seriam atingidas por estes movimentos cvicos.

    Embaixadas de estudantes conclamavam a populao a aderir as agremiaes,

    especialmente os estudantes. Comcios pr-aliados eram organizados em cidades como

    Cachoeira, So Felix, Feira de Santana, Ilhus e Itabuna.

    O auge da comoo popular foi atingido no segundo semestre de 1942, com a

    intensificao da campanha submarinista alem e italiana no litoral brasileiro39. S em

    agosto deste ano, entre os litorais da Bahia e Sergipe foram afundados 6 navios entre os

    dias 15 e 19, totalizando 607 vitimas fatais 40. A ao das marinhas do Eixo visava

    comprometer a economia dos EUA e espalhar os navios de guerra aliados ao longo de

    uma extensa rea de operao, facilitando as aes militares da Alemanha. Assim, com

    a ruptura de relaes diplomticas, o Brasil passava a ser um alvo, j que a economia

    brasileira estava cada vez mais vinculada aos norte-americanos, contribuindo para o

    esforo de guerra contra o Eixo.

    Brados de guerra e passeatas pedindo enrgicas aes do governo eram ouvidos na

    capital, no recncavo e em municpios do interior. Os ataques acirraram os nimos da

    populao: o Clube Alemo, de So Felix, seria fechado e sditos do Eixo seriam

    detidos em Ilhus, assim como integralistas. Em Salvador at pastores protestantes de

    origem germnica seriam detidos41. Ataques s propriedades de imigrantes alemes,

    italianos e japoneses se tornam comuns e alguns membros dessas comunidades chegam

    ao ponto de procurarem a fora policial para serem detidos, como medida de

    38 Sodr serviria como capito na no recm criado 5 Grupo de Artilharia de Dorso, com sede em

    Salvador. Para mais detalhes quanto a atuao poltica de Nelson Werneck Sodr em salvador ver: Id.Ibidem. pp.183-197.39At junho daquele ano haviam sido afundados 11 navios brasileiros, sendo que quase todos em guasnorte-americanas ou no mar do Caribe. SANDER, Roberto. O Brasil na mira de Hitler: A histria dosafundamentos de navios brasileiros pelos nazistas. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007.40Segundo Jos Goes de Araujo a intensificao das aes norte-americanas contribuiu para que os U-Boots agissem com maior liberdade no Atlntico Sul, alm de que, por ele [...] fluam os mercantescarregados de matrias-primas em direo ao norte, enquanto que outros levavam para a sia, tropas eequipamentos. O principal responsvel pelos afundamentos de agosto de 1942 foi o U-507, comandandopelo capito-de-corveta Harro Schacht, que torpedeou os seguintes navios:Baependi,Araraquara,AnbalBenvolo, Itagiba e o Arara. Haveria ainda o afundamento de uma escuna, Jacira, que, por acaso einfelicidade, cruzaria a rota do submarino alemo as 2hr da madruga de 19 de agosto do ano citado. O U-507 seria afundado no dia 13/01/1943, na costa do Piau, por um avio Catalina norte-americano.

    ARAUJO, Jos Goes. Bahia 1942: Um episodio da 2 Guerra Mundial. Instituto Geogrfico e Histricoda Bahia. Ver tambm SANDER. Op. Cit. pp. 97.41SAMPAIO. Op. Cit. pp. 143.

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    preservao de sua integridade fsica42. A perseguio e a desconfiana se

    disseminaram, sendo reforadas com declaraes de autoridades, como o interventor do

    Estado e o Ministro da Justia. Estes instavam a populao a redobrar a vigilncia sobre

    os elementos suspeitos.

    O Governo Federal, segundo a historiadora Marina Helena Chaves Silva ___que se

    debruou especificamente sobre a situao dos alemes na Bahia deste perodo ___ j

    vinha tomando uma srie de medidas legais desde o inicio do ano de 1942, no intuito de

    cobrir os prejuzos provocados pelos ataques estrangeiros, responsabilizando Alemanha,

    Itlia e Japo.

    [...] os imigrantes oriundos desses pases eram obrigados a se dirigir s

    reparties credenciadas para prestar informaes acerca do valor do seupatrimnio, de modo que fosse possvel calcular a porcentagem devida.Com a declarao de guerra aos pases do Eixo, o governo federal nomeou

    interventores para promover a liquidao do Banco Alemo Transatlntico,Banco Germnico da Amrica do Sul e do Banco Francs e Italiano6. Amedida foi justificada em funo da necessidade de: garantir a segurananacional contra atividades perigosas de pessoas fsicas ou jurdicasestabelecidas no Brasil (...) e reforar o fundo de indenizao dos prejuzoscausados ao Brasil pelo torpedeamento de navios brasileiros7, medianteconfisco de bens pertencentes aos sditos alemes e italianos.43

    O historiador Dennison de Oliveira atenta que a nacionalizao dos grupos

    estrangeiros ___uma preocupao do governo Vargas desde o inicio de Estado Novo ___tomaria grande intensidade nesse perodo e meios arbitrrios passariam a serem

    utilizados explicitamente aps a declarao de guerra contra alemes, italianos e

    japoneses. A vigilncia tornara-se uma xenofobia:

    [...] Estabeleceu-se o confisco de bens e imveis das empresas acusadas decolaborar com a subverso eixista. Vrios empreendimentos industriaisforam colocados sob o controle direto do poder pblico, para os quais senomearam interventores, em substituio aos seus gerentes anteriores. [...] Para

    dar conta do volume de detidos acusados de colaborar com as potncias doEixo, o sistema prisional teve de se adaptar, surgindo inclusive autnticoscampos de concentrao, onde eram encarcerados descendentes de alemes,italianos, japoneses e, muito freqentemente, ex-integralistas.44

    A escalada de vigilncia e perseguio na Bahia chegaria a um estgio similar, aps

    serem fechados o Clube Alemo e a Casa de Itlia, onde funcionavam os consulados

    42 Id. Ibidem. pp. 145.43

    SILVA, Marina Helena Chaves. Vivendo com o outro: os alemes na Bahia no perodo da II GuerraMundial. UFBA, 2007. (tese de Doutorado)44OLIVEIRA, Dennison de. Os soldados alemes de Vargas. Curitiba: Juru, 2008, pp. 28.

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    destes pases. Os cidados originrios destes pases, mesmo naturalizados brasileiros,

    passaram a necessitar de salvo-conduto para se deslocar ou mudar de domicilio.

    Sampaio atesta que no h dados precisos sobre o nmero de indiciados e detidos, mas

    fala que, [...] no ms de janeiro de 1943, foram ouvidos 110 indiciados, subindo o

    nmero de presos para 156, dos quais 141 eram alemes, 10 italianos, 1 japons, 2

    austracos, 1 hngaro, e 1 alemo naturalizado brasileiro45. Assim como ocorreu em

    outros estados do Brasil, as populaes de italianos, alemes e japoneses seriam

    deslocadas para reas onde pudessem ser vigiadas e controladas. Temia-se que, atravs

    de sinais luminosos ou outros, pudessem se comunicar com navios inimigos46. Cidades

    do interior seriam indicadas pelo governo federal para que essas pessoas fossem

    vigiadas.

    Foi-lhes dado o prazo de 10 dias para a mudana. Poderiam fixar residncianos municpios de Andara, Caetit, Maracs, Mucug ou Seabra. Aqueles quepor qualquer razo, se recusassem a viajar, ficariam concentrados na VilaMilitar da Fora Policial dos Dendezeiros. De imediato, Maracs e Caetitreceberam cerca de 100 eixistas, que passaram a trabalhar sob regime devigilncia. 47

    Chegou a ser criada uma comisso especial de policiamento para selecionar e

    garantir o deslocamento desses sditos do Eixo que representassem perigo, para os

    municpios designados. Era a [...] Comisso Civil Policial de Vigilncia do Litoral

    (C.C.P.V.L). Composta por cinco membros, essa comisso deveria exercer o controle

    sobre os elementos nocivos defesa nacional48, que colaborava com as Foras

    Amadas.

    Embora toda essa perseguio fosse exagerada e na maior parte dos casos

    infundada, havia o risco de espionagem por parte de indivduos comprometidos com a

    causa nazista que residiam no Brasil. A rede de informaes nazista era extensa e no serestringia aos pases envolvidos diretamente no conflito. Pelo Atlntico Sul circulava

    grande quantidade de suprimentos, combustvel e uma diversidade de matrias primas,

    assim como tropas de variadas nacionalidades, alm de navios de guerra. Informantes

    dos pases dos pases do Eixo estavam atentos ao deslocamento dessas embarcaes e

    de qualquer acontecimento importante.

    45SAMPAIO. Op. Cit. pp. 147.46

    Id. Ibidem.47SAMPAIO. Op. Cit. pp. 147.48SILVA. Marina Helena. Op. Cit. pp. 171.

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    Com a ruptura das relaes com o Eixo a ao da policia e de outros rgos de

    vigilncia do governo foi iniciada uma ao contra a espionagem em terras brasileiras.

    No prprio ms de janeiro foi identificada uma estao de rdio clandestina

    que transmitia para os alemes informes sobre a movimentao dos portosnacionais. No foi possvel localizar o ponto exato da costa em que estavainstalada, mas descobriu-se, atravs de navios brasileiros, entre ele o prprioCairu, que acabaria por ser abatido, que ela se comunicava com uma estaodenominada DLB, situada na Alemanha. No dia 21 de janeiro, chegou a serinterceptada uma transmisso que revelava a reunio de navios que iriam partirem comboio a 10 milhas da ponta de Olinda. Houve uma mobilizao doDepartamento de Correios e Telgrafos para localizar o transmissor, queacabou sendo malsucedida. 49

    As aes dos espies tambm se davam atravs de negcios legais, j

    estabelecidos no Brasil anos antes da guerra. Os cidados alemes e alguns at jnaturalizados brasileiros eram cooptados pela ideologia nazista para trabalharem como

    espies ou ajudarem estes.

    A qumica Bayer, alm de ter feito operaes financeiras ilcitas, lesandoos cofres pblicos do Banco do Brasil, que tinha, por lei, o monoplio de tudoque se referia ao mercado cambial do pais, mantinha um depsito no sextoandar de sua sede no Rio de Janeiro um mimegrafo empregado na confeco de boletins contendo noticias de guerra e vasta literatura, que, sob capacientifica, era espalhada por toda a Amrica do Sul.50

    Assim nos primeiros anos da dcada de 1940 haveria um contexto de

    mobilizao e comoo popular, nos centros urbanos, quem atingiria diversos

    segmentos sociais, em especial os estudantes51. Muitos futuros soldados da FEB

    entrariam em contato com a guerra neste contexto de ebulio social, onde os

    acontecimentos dos campos de batalha e poltica internacional eram debatidos em cafs,

    bares e at no ambiente domstico.

    Alm disso, as mobilizaes de civis, de rgos do governo e dos militares

    alterariam o cotidiano das pessoas. Temia-se um ataque areo ou at mesmo um

    desembarque. O cabo Raul Carlos do Santos, que, em 1942, estava sendo preparado

    49SANDER. Op. Cit. pp. 93.50SANDER. Op. Cit. pp. 95. Para mais detalhes sobre a ao de espies alemes e da difuso do nazismono Brasil ver: HILTON, Stanley. A Guerra Secreta de Hitler no Brasil-1939-1945: A Espionagem Aleme a Contra-Espionagem Aliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983.51O interessante observar que muitos dos protestos e aes de mobilizao ideolgica, especialmente deorigem popular, contra o nazismo e o fascismo se deram por meio de charges, brincadeiras e matrias em

    jornais com tons jocosos. Essa abordagem fazia parte dos mecanismo de comunicao culturaisbrasileiros. As aes publicitrias de guerra, ou seja, aes de violncia, ocorriam tambm, de maneiracmica. Ver SILVA, Marina Helena. Op. Cit. pp 177 182.

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    para engajar em uma das unidades que formariam a FEB, relata os acontecimentos deste

    perodo:

    Olha, a Bahia aqui, Pernambuco, Aracaju sofreram muito. Ns sofremos

    muito. [...]Primeiro: ns tnhamos um blackout a noite, tudo apagava! Acomeou a faltar tudo! Dizem que aqui, principalmente, que os navios notraziam mais nada. Carne a gente andava, procurava e nada.52

    A ao dos submarinos alemes e italianos no afetaria apenas o fornecimento

    de produtos estratgicos aos aliados, mas comprometeria a prpria ligao entre as

    unidades da federao, a circulao de mercadorias e o abastecimento de alimentos. Um

    dos produtos que logo escasseou foi o combustvel, que passou a ser racionado.

    Os futuros soldados da FEB evocam este perodo como o momento de

    conscientizao da guerra. Os jornais se tornariam um dos principais meios de

    informao das populaes urbanas afetadas pelo conflito mundial:

    [...] A guerra vinha batendo, com Hitler. O Adolfo Hitler vinha acabandocom o mundo. [...] [Sabamos] Pelos jornais, rapaz. Os jornais no paravam defalar! A gazeta, [como era] chamada, o A Tarde, Jornal da Bahia, Dirio deNoticias. Essas coisas assim. [...] [Lamos] Quando a gente tava aqui.53

    Mas a desinformao era patente, especialmente devido ao baixo grau de

    instruo da populao brasileira como um todo, no perodo em questo. Na sociedade,em Fortaleza, no havia opinio formada em relao guerra. Falava-se, apenas, que o

    Brasil tinha declarado guerra ao Eixo, em 194254. Alm disso, alguns oficiais da

    reserva atriburam parte desse desconhecimento ao prprio Exrcito, que, segundo eles,

    deveria ter feito um melhor preparo psicolgico dos convocados55.

    Fato que, entre convocados e voluntrios que tinham alguma informao sobre

    os acontecimentos na Europa e no Brasil relativos guerra, os torpedeamentos

    perpetrados pelos submarinos do Eixo na costa brasileira so, com freqncia, evocados

    como razes para o envolvimento pessoal e nacional no conflito.

    No mbito das aes militares haveria a culminncia da mobilizao nacional

    para formar os quadros que defenderiam a ptria e, num segundo momento, o Corpo

    Expedicionrio. Os acordos com os EUA levariam ao fornecimento de armamentos e

    52O cabo Raul Carlos dos Santos serviu na Companhia de Petrechos Pesados (CPP) do 11 Regimento deInfantaria. Entrevista concedida ao autor em 25/09/07.53O Sd Abdias de Souza serviu na 1 Cia do I/11RI. HOESGM, Tomo II, pp.186. Entrevista realizadaem 22/09/200054

    Soldado da 1 Cia de Fuzileiros do 11 Regimento de Infantaria da Fora Expedicionria Brasileira.HOESGM. Tomo entrevistado em 22 de novembro de 2000.55ARRUDA, Demcrito C. de.Depoimento de Oficiais da Reserva. So Paulo: Ip, 1949.

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    treinamento, mas sempre aqum dos desejos dos militares e do governo brasileiro, que

    temiam no s a ao das foras do Eixo, mas da Argentina56. A visita de Roosevelt,

    em 1943, ao nordeste brasileiro abriria espao para o envio de tropas brasileiras

    Europa e com isso um maior aparelhamento das Foras Armadas brasileiras.

    Com o Estado de Guerra os efetivos das Foras Armadas cresceriam, pois

    aqueles indivduos que estavam a cumprir o servio militar obrigatrio no seriam mais

    dispensados, podendo ficar a disposio das unidades militares at o fim da guerra.

    Alm disso, o programa de nacionalizao dos cidados estrangeiros que viviam no

    Brasil inclua o servio militar obrigatrio, contribuindo para aumentar os efetivos. Este

    foi o caso do veterano da artilharia da FEB, Boris Schnaiderman. Nascido na Ucrnia,

    em 1917, veio para o Brasil em 1925. Como estudava agronomia, para se formar e

    exercer a profisso deveria prestar servio militar, o que garantiria a naturalizao.

    Como estava no exrcito no perodo da declarao de guerra manteve-se na unidade que

    servia, no Rio de Janeiro, sendo convocado para FEB s vsperas da guerra57.

    As convocaes se tornariam um ponto de muitas criticas na histria da

    formao a FEB. Segundo os veteranos uma srie de erros seria cometida pelo governo

    e pelo exrcito na preparao da defesa nacional e na formao dos quadros que

    comporiam as unidades expedicionrias. Embora as Foras Armadas dispusessem de

    30% das verbas do oramento o Estado Novo no conseguiu desenvolver um programa

    eficiente de modernizao e reequipamento para as mesmas58. O exrcito contava com

    uma miscelnea de material: canhes de campanha franceses e alemes; artilharia

    56Para Stanley Hilton a poltica de segurana militar do Brasil estava diretamente vinculada s diferenascom a Argentina, englobando, inclusive, a prpria FEB. Foi por causa do fator argentino que osestrategistas brasileiros ficaram preocupados com o efeito da invaso anglo-americana da frica do Norteem novembro sobre seu poder de barganha com Washington. Essa campanha eliminou qualquer ameaamilitar sria do Eixo ao Nordeste do Brasil, o que fatalmente diminuiria o interesse americano em

    prosseguir com o programa de rearmamento do Brasil. Como justificar ento a ajuda militar dos EUA naescala necessria defesa simultnea do Sul e do Nordeste? A soluo, em fins de 1942, parecia serampliar a participao do Brasil na guerra atravs do envio de tropas alm-mar. Vargas aprovou a idiaem janeiro de 1943, tornando a oferta dependente do recebimento do armamento necessrio no apenas sunidades destinadas aos campos de batalha no exterior, mas tambm a nmero igual de tropas quepermaneceriam no Brasil.Interessante observar que alguns veteranos j tinha chamando a ateno paraessa questo relativa a diminuio do poder de barganha poltica junto a os EUA quando este realizou aOperao Tocha, ou seja, a invaso do Norte da frica. Ver HILTON. Op. Cit. pp. 409 e ARRUDA,Demcrito C. Nossa participao na Primeira e Segunda Guerras Mundiais. In: Depoimento de oficiada reserva sobre a FEB. So Paulo: Ip, 1949, pp. 46-47.57 Boris Schnaiderman serviu como sargento na Central de Tiros de uma das unidades de artilhariadivisionria da FEB. Parte dos dados citados foram obtidos na conferncia realizada em 15 de julho de2009, no I Seminrio de Estudos sobre a Fora Expedicionria Brasileira, promovido pela UFRJ/UEL.

    Ver tambm: SCHNAIDERMAN, Boris. Guerra em surdina: Histrias do Brasil na Segunda GuerraMundial. So Paulo: Brasiliense, 1995, 3 Ed.58ARRUDA. Op. Cit. pp.34.

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    costeira norte-americana; artilharia antiarea alem; metralhadoras dinamarquesas e

    francesas e fuzis alemes59 ___ o que representava um inferno para a logstica e a

    instruo da tropa.

    Seriam selecionadas unidades muito distantes umas das outras: os Regimentos

    foram compostos por Batalhes que estavam espalhados por vrios estados, como foi o

    caso do 11 Regimento de Infantaria, com sede em So Joo Del Rei, Minas Gerais, que

    teve soldados advindos de diversas unidades do Nordeste. Isto comprometia o esprito

    de corpo e dificultava o treinamento. Exerccios envolvendo os trs regimentos ___

    6RI, 11RI e1RI ___ que compuseram a FEB s seriam realmente realizados

    praticamente em campo de batalha.

    As convocaes seriam feitas por jornal e correio. As turmas selecionadas

    deveriam se apresentar em quartis determinados, em suas Regies Militares. Embora

    houvesse voluntrios, tanto do meio civil quanto do meio militar, a maioria absoluta dos

    soldados, suboficiais e oficias da FEB foram convocados, algo esperado numa

    mobilizao de guerra60. Estes homens, alm de jovens (a mdia era de 20 anos),

    vinham muitos de cidades do interior e possuam baixo grau de instruo:

    [...] quanto s profisses: a maioria absoluta de lavradores, pequenossitiantes, agricultores modestos, operrios e empregados do comrcio. Noforam raros os casos de pequenos sitiantes, pais de famlias, vivendo doprprio esforo, ou do salrio jornaleiro, virem a ordem de convocao descer,brutalmente, sobre eles, colocando-os em situao de caridade pblica, pois, osoldo de um recruta [...], no daria para o sustento de uma famlia eat essesnunca chegaria a presena da Legio Brasileira de Assistncia [...]. 61

    Haveria uma predominncia de indivduos com baixo grau de instruo, reflexo

    da sociedade brasileira da poca. Segundo a historiadora Maria de Lourdes Lins numa

    amostragem de 500 militares da FEB apenas 7% teria instruo superior e 17%

    formao secundria, concentrados entre oficias e graduados. A maioria absoluta dos

    soldados tinha apenas o grau de instruo primrio62. Podemos perceber melhor este

    quadro de despreparo ao compararmos essa amostragem com unidades norte-

    59Id. Ibidem. pp. 36.60As reformas feitas pelo Marechal Hermes da Fonseca, quando Ministro da Guerra do governo AfonsoPena (1906-1909), instituram o servio militar o obrigatrio em janeiro de 1908. Segundo o Marechal,era necessrio racionalizar as Foras Armadas e garantir sua modernizao, da uma srie de reformasinspiradas especialmente no Exrcito Prussiano. MACCANN. Op. Cit. pp. 137-145.61ARRUDA. Op. Cit. pp. 39.62

    A historiadora utilizaria os dados fornecidos pela Associao de Veteranos de So Paulo. LINS, Mariade Lourdes F. A Fora Expedicionria Brasileira: uma tentativa de interpretao. USP, 1975(dissertao de mestrado), pp.41.

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    portugus com grego (eu infelizmente, fazendo um parntese, saia das aulas degrego para fazer basquete, quando meu pai era cnsul da Grcia, quando eleme procurava eu j estava no campo de basquete l do Salesiano). Mas ai euento, as ultimas cartas que ele escreveu, ele se lamentando do sofrimento daGrcia na II Guerra, ento, as coisas que eles estavam passando, as privaes,os parentes [...].

    J [tinha certo conhecimento do que ocorria fora]. Porque ele [o pai] eracnsul da Grcia. E falava de sofrimento e reunia l com os gregos de [cidadenatal]. E me chocava aquilo. [...]Ento, quando houve a convocao para quemquisesse seguir para os expedicionrios, formou-se a tropa no Forte deCopacabana, que desse um passo a frente. E eu dei o passo a frente comovoluntrio. Naturalmente empolgado pela juventude, pelos acontecimentos eume apresentei como voluntrio.65

    O soldado Vicente Alvos do Nascimento tambm estaria entre os selecionados

    para uma unidade que comporia a FEB. Natural de Salvador o soldado Vicente entraria

    pro servio militar como um meio de ter sustento, a bem da xepa66 literalmente, j

    que vinha de famlia mais humilde, onde sua me sozinha provinha o sustento

    trabalhando em casa de famlia.

    No, no fui convocado. Fui a bem da xepa e quando falo isso a turmari. Eu fui voluntrio. Servi em 1940. E ai de 40 em diante no teve mais baixanem para mim e nem para ningum! Ia convocando gente daqui e do interior,preparando para ir embora. [...] Os que estavam, os mais antigos ficavam,como eu e muitos outros.67

    Haveria tambm aqueles que se apresentaram como voluntrios, nmero bem

    menor dentro do montante da FEB, mas presente tanto entre civis quanto como entre os

    prprios militares. Movido pelo nacionalismo e pela comoo da declarao de guerra

    Oswaldo Matuk se apresentaria:

    Eu era civil antes da declarao de guerra contra o Eixo, em agosto de1942. [...] Eu e meus companheiros, que estvamos observando o trabalho [deuma draga], percebemos que tocavam muitas canes militares ali por perto e,

    interessados em saber o que estava acontecendo, para l nos dirigimos.Chegando ao local, um reprter comunicou que o Brasil tinha declarado guerrae, j nessa hora, estavam convocando os brasileiros para se apresentarem, a fimde vingarem os torpedeamentos de navios. Aquilo me penetrou na alma porquediversos navios tinham sido afundados, num total de 32. Isso, para quem ama aptria e d valor ao patrimnio nacional o mesmo que uma punhalada nocorao. Surge o sentimento de vingana no sei se comovido pelas marchasmilitares ou pela voz do locutor.

    J tinha feito Tiro de Guerra, justamente para no servir em Corpo de tropa.[...] Ganhava at bem, quase o dobro do que iria ganhar no Exrcito. Mas

    65Id.Ibidem.66Xepa quer dizer comida de quartel e tambm restos, sobras. Vicente Alves do Nascimento O Sd.

    Vicente Alves do Nascimento serviu na Cia. de Petrechos do 11 RI como metralhador. Entrevistaconcedida ao autor em 17/07/08.67Id.Ibidem. Op. Cit.

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    estava convicto de que a agresso deveria ser vingada, o sentimento me tocoutanto como a meusamigos que estavam perto, ento decidimos: apresentamo-nos ao III/4RI [...].68

    Mas haveria outras situaes mais inusitadas na formao da FEB. Como existia

    uma grande dificuldade em compor os quadros das unidades expedicionrias, o exrcito

    se fez de variados artifcios neste intuito. Primeiramente os critrios de sade nos

    moldes norte-americanos foram relaxados, j que era difcil para populao brasileira

    com baixo grau de instruo e com grandes ndices de doenas como tuberculose,

    verminose e mesmo sfilis fornecer, 100 mil soldados 69, como previsto inicialmente, e

    at mesmo os pouco mais de 25 mil que formaram a FEB. Neste aspecto podemos ver

    vozes dissonantes entre depoimentos realizados poucos anos aps do conflito e outros

    mais recentemente. Em 1949, um grupo variado de oficias da reserva produziria um

    polmico livro com srias criticas ao exrcito e FEB. EmDepoimento de Oficiais da

    Reservao ento tenente Jos Alfio Piason declara:

    [...] Estudado e organizado um exame consciencioso e completo nos moldesdo executado no Exrcito Americano, mdicos civis foram chamados acolaborar, em grande nmero, e a mquina comeou a funcionar. Apercentagem dos julgados incapazesfoi inicialmente, enorme; mas, contornou-se o resultado. . . aconselhado-se exames mais brandos, ou seja, no levandoem conta certos pequenos detalhes, como, por exemplo, o estado dos dentes,tanto que dezenas de militares brasileiros (centenas ou milhares, diramosns), inclusive vrios oficiais, apresentaram-se com os dentes em precriasituao e em condies, portanto, de lhes ameaar o equilbrio fsico, logoaps a chegada do 1 Escalo Itlia, como se l s pginas 45 e 46 da livroA FEB pelo seu comandante do Marechal J. B. Mascarenhas de Moraes. [...]Praticamente todos os soldados examinados foram julgados capazes, Classe E(perfeita integridade fsica e psquica!)70

    68Oswaldo Matuk foi Sgt. da 2 Cia do I/11 RI. HOESGM, Tomo III, pp. 256. Entrevista realizada em23/05/2000.69Inicialmente seriam formadas 3 divises de infantaria, compondo um Corpo de Exrcito brasileiro, daa literatura se referir, muitas vezes, FEB como 1 D.I.E, ou Diviso de Infantaria Expedicionria. Alm

    dos trs regimentos de infantaria (1; 6 e 11), formavam a FEB: Artilharia Divisionria (composta de 4grupos de artilharia e mais a Esquadrilha de Ligao e Observao ELO); o 9 Batalho deEngenharia; o 1 Esquadro de Reconhecimento; a 1 Cia de Transmisses; o 1 Batalho de Sade.Completando essas unidades tnhamos a Tropa Especial: Comando do QG e da Tropa Especial;Destacamento de Sade; Companhia de Manuteno Leve; Companhia do Quartel-General; Companhiade Intendncia; Peloto de Sepultamento; Peloto de Policia e Banda de Msica. Havia ainda unidadesno-divisionrias, ou seja, que no pertenciam aos quadros efetivos de uma diviso, mas que eramnecessrias para o funcionamento de um Corpo de Exrcito, que seria a FEB: Inspetor Geral da FEB;Depsito de Pessoal (reserva para recomposio de quadros); Servio Postal; Servio de justia; Depsitode Intendncia; Pagadoria Fixa, Agncia do Banco do Brasil. Algumas dessas unidades e rgossofreriam modificaes ao longo da campanha, de acordo com as necessidades da tropas e das aes,como foi o caso do Plt. De Policia, que viria a se tornar uma Cia. SILVEIRA, Joaquim Xavier da. A FEBpor um soldado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989, pp. 51-52.70

    Itlicos e aspas do autor. O tenente Piason serviu como Oficial de Informaes (S-2) do I/ 6RI.PIASON, Jos A. Alguns erros fundamentais observados na FEB. In: ARRUDA, Demcrito C. de.(Org.)Depoimento de oficia da reserva sobre a FEB. So Paulo: Ip, 1949, pp. 78-79.

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    A imagem de um processo de seleo mdica organizado e eficiente ficou nas

    recordaes do cabo, talvez pelo tamanho da mobilizao militar, em larga escala, e

    pela presena de militares norte-americanos que tentavam manter padres mnimos de

    qualidade entre os selecionados. Mesmo assim, mais a frente, este veterano admite em

    seu depoimento que a quantidade de reprovados foi grande:

    Muitos [reprovados]! Muitos e muitos! Sabe por qu? Nessa poca j tinhavindo de todo interior uma poro! A vinha gente doente, vinhas outrosfortes, mas a maioria, dizem que no Brasil todo ___no foi s aqui, a genteconta nossa histria, mas os outros [veteranos] tem [histrias] parecidas [...].73

    O exrcito se valeria de outro artifcio no intuito de preencher os claros nas

    unidades selecionadas para ir Itlia: passaria a transferir soldados com pssimas fichas

    de servios de variadas unidades para os regimentos expedicionrios. A FEB se tornaria

    o destino certo de muitos praas classificados como indisciplinados, ainda segundo

    Piason:

    [...] Para os j avanados em instruo que saiam, (instruo, verdade, moda da casa), cuidou-se substituir por outros em igual fase de instruo dasunidades no expedicionrias. A ordem, baixada assim simplesmente, foicumprida; mas, nela encontraram as unidades no expedicionrias um timomeio para se livrarem de boa parte de seus maus elementos, baseados tambmna mentalidade de que para eles a guerra era castigo merecido! 74

    O tenente Mrio Amaral, que serviu no 6 RI faz coro s consideraes de seu

    colega Piason quanto ao aproveitamento de soldados de m conduta para a FEB:

    Certa vez em que o Regimento recebia um contingente de perto de 150homens vindos de diversas Unidades, o oficial encarregado de sua recepoordenou: ___quem estiver no bom comportamento, levante o brao; os braospermaneceram abaixados; nova pergunta; ___quem estiver no comportamento

    regular, levante o brao; ningum se moveu;___

    quem estiver no maucomportamento, levante o brao; a s tempo como que movidos por umasatisfao em demonstrar as suas qualidades, os braos se ergueram emposio vertical.75

    Havia uma mentalidade entre muitos militares que o servio em unidades

    expedicionrias era um castigo, uma forma de punir soldados de m conduta, o que

    poderia comprometer o funcionamento eficiente de seus quadros em campanha.

    73Id. Ibidem.74

    PIASON. Op. Cit. pp.76.75 O tenente Mrio Amaral serviu no 6 RI como oficial de ligao com unidades americanas. AMARAL,Mrio. A instruo da FEB. In: ARRUDA. (Org.) Op. Cit. pp. 148.

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    Analisando o caso do Sargento Ayrton Vianna Alves Guimares podemos observar

    como esta mentalidade do servio na guerra como punio ainda existia entre alguns

    setores militares.

    O sargento Ayrton natural de Olinda, Pernambuco, foi incorporado em 1941, no 14

    RI, em Jaboato dos Guararapes, tambm neste estado. Sua narrativa comea com a

    transferncia para Fernando de Noronha:

    Veio uma ordem para que todos os graduados fossem para Fernando deNoronha, porque existia um zum-zum-zum de que o alemo iria atacar olitoral; havia um cuidado permanente do Exrcito em guarnecer a Ilha deFernando de Noronha, que se tornou a sentinela avanada do Pas. Assim, do14o RI fui transferido para o 30 BC, com sede naquela ilha.

    Como era datilgrafo e tinha prtica de contadoria, fui trabalhar natesouraria. Foi implementado no 1 GIA, 1 Grupo Independente de Artilharia,

    que estava sediado na Ilha, um curso de sargento e eu me apresentei.76

    As Foras Armadas teria grande preocupao com aes das hostes nazistas no

    litoral nordestino e transfeririam diversas unidades para variados pontos dessa regio

    brasileira, no intuito de impedir, ou pelo menos dificultar a ao do inimigo. Estes

    homens passaram a ser conhecidos como praieiros77. Assim, Fernando de Noronha e

    tornava um ponto avanado da defesa nacional. No incomum encontrar veteranos da

    FEB que tenha, antes, servido nesta ilha ou em unidades que estavam estacionadas no

    Nordeste. Com as constantes transferncias de homens entre as unidades o sargentoAyrton imaginaria uma possibilidade de conseguir retornar ao seu estado de origem,

    isso em 1942:

    Em dado momento chegou um radiograma pedindo para transferir um cabocom o curso de sargento, que fosse datilgrafo. Quem preenchia aquelesrequisitos era eu! Esse telegrama passou por todos os cabos da Unidade, paraque fosse colocado o nome de quem desejava ser transferido para o 9 Batalhode Engenharia, agora aquartelado em Trs Rios, entre Minas e Rio: ningumquis. Quando a mensagem chegou s minhas mos, eu, pernambucano, com

    vontade de voltar para minha casa, para minha terra, disse:

    Eu quero! Fica onde? Fica em Pernambuco (mas em Pernambuco, ficava a cidade de Entre

    Rios).Um engano da peste!

    76Sargento Ayrton Vianna Alves Guimares foi integrante da 2 Cia do 9 Btl. de Engenharia. HOESGM,Tomo III, pp. 266. Entrevistado em 3 de maio de 2001.77A mobilizao para a guerra formou dois tipos de tropas: a Fora Expedicionria enviada Europa,onde seus membros ficaram conhecidos como veteranos; e a unidades que patrulhavam o litoralnordestino, que foram denominados ex-combatentes. Estes, por terem ficado no Brasil, passaram a ser

    vistos como secundrios sendo at menosprezados pelo exrcito e, especialmente, pelos veteranos, poisno teriam enfrentado situaes reais de combate, ficando no litoral tomando sol e bebendo gua-de-coco. Para mais detalhes ver as pesquisas as historiadora Virginia Guimares.

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    Assinaram, eu assinei tambm e fizeram a minha transferncia para o 9Batalho de Engenharia.

    Pego minha mala, meus pertences todos, vou-me embora para a estao,feliz de voltar para casa, para Pernambuco, para o seio da minha famlia.

    Perguntei ao chefe da estao, quantos dias se levava para chegar emPernambuco! Ele olhou e disse: O senhor novai para Pernambuco. O senhor

    est indo para Trs Rios, no Rio de Janeiro!78

    A transferncia errada o colocaria caminho da guerra. Sua recepo no 9

    Btl.de Engenharia seria um exemplo de como muitos comandantes de unidades viam os

    homens que chegavam oriundos de cesses para complementao dos quadros:

    Fui me apresentar ao Comandante do Batalho e, por ordem dele, aocomandante da Companhia, o Capito Raul da Cruz Lima Junior.

    Ele tinha mais ou menos uns quarenta anos, esguio, de bota, umachibatazinha batendo na bota, muito destemido, de cara trancada, eu me

    apresentei, dizendo que estava indo para a 2 Companhia do 9 BE.

    Voc s pode ser um mau elemento, no ? Como assim, Capito? Voc, transferido para ir guerra, porque no vale nada. No presta,

    no ?79

    A reao do capito e de outros oficiais, que viam as transferncias dos soldados

    infratores e com m conduta como punies, possivelmente esteja relacionada uma

    antiga viso do servio militar como castigo e correo, algo destinado aos indivduos

    marginalizados socialmente e mesmo criminosos. Peter M. Beattie assim avalia aimagem dos praas das Foras Armadas brasileiras em fins do sculo XIX e inicio do

    XX:

    A ascenso do nacionalismo militarista encerrava uma ironia para ossoldados brasileiros. Ainda que designados para defender a honra nacional,muitos praas vinham da mal-afamada classe do desprotegidos. Osrecrutadores, a polcia e os juzes extraiam a maioria dos recrutados das fileirasdos vadios, ex-escravos, rfos, criminosos, migrantes, trabalhadores semqualificao e desempregados. A maioria dos voluntrios se alistava para

    escapar da fome, do desabrigo, do desemprego [...].80

    Se considerarmos que os soldados que serviram na FEB e nas unidades do

    exrcito naquele contexto de guerra nasceram em fins da dcada de 1910 e inicio da

    dcada de 1920 podemos situ-los nesta mentalidade assinalada por Beattie. Mas neste

    perodo j estava em curso uma srie de reformas que tentavam mudar esta viso

    78Sargento Ayrton Vianna Alves Guimares. Op. Cit. pp.267.79

    Id. Ibidem. pp. 268.80BEATTIE, Peter. M. Ser homem pobre, livre e honrado: a sodomia e os praas nas Foras Armadasbrasileiras (1860-1930). In: CASTRO; IZECKSOHN; e KRAAY. Op. Cit. pp.274.

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    pejorativa da Marinha e do Exrcito81. A diminuio do tempo de servio militar

    obrigatrio, de seis anos para dezoito meses, o fim dos castigos fsicos (mudana mais

    perceptvel no Exrcito que na Marinha) e, principalmente, o sorteio para prestao do

    servio militar, que trouxe para os quartis indivduos de diversos segmentos sociais.

    Estas reformas j estavam em curso, em fins do sculo XIX, em vrios pases,

    especialmente na Europa, onde o servio militar obrigatrio passa a ser utilizado pelos

    Estados para incutir ideais patriticos e educar as massas82.Vemos no ltimo quartel do

    sculo XIX um movimento moralizador das Foras Armadas, que chegaria ao Brasil no

    inicio do sculo XX e ganharia fora com as mudanas implementadas durante a I

    Guerra Mundial. Haveria uma forte campanha propagandista para incutir na populao

    uma imagem positiva das Foras Armadas, que apelavam para o nacionalismo, o dever

    cvico e a necessidade de proteger a ptria e at mesmo a prpria famlia atravs do

    servio militar.

    A propaganda louvava o servio militar como um dever varonil e afirmavaque, com a conscrio, os quartis seriam mais como casas de famlia, onde osjovens seriam orientados por oficiais virtuosos e paternais.

    [...]Nos anos de 1930, quando os militares assumiram papel proeminente na

    poltica e lutaram para arrochar o cumprimento das leis do recrutamentoobrigatrio, os oficiaistornaram-se mais defensivos [de uma melhor imagemdas Foras Armadas].83

    A formao dos quadros da FEB ainda enfrentaria outra dificuldade: o trfico de

    influncia. Muitos oficiais da ativa e da reserva se esquivaram do servio em unidades

    expedicionrias. Valiam-se de justificativas legais para serem transferidos e quando

    essas no eram suficientes ou possveis apelavam para padrinhos de alta patente ou

    polticos.

    Sabemos que a centralizao burocrtica no impediu os casos de suborno,numerosos por sinal, nesses exames de seleo, a ponto de chegar ao absurdo

    de s terem permanecido nas fileiras os desprotegidos, os humildes e osabnegados, evadindo-se para os cursos de ltima hora do C.P.O.R. [CentroPreparatrio de Oficiais da Reserva], os filhos da chamada classe mdia, ou devolta vida civil, atravs de arranjadas incapacidades ou por motivos os maisinconsistentes.84

    O tenente continua seu protesto contra os convocados que se evadiram, j que a

    troca dos mesmos acabava por prejudicar a instruo dos praas, o vinculo entre

    81A Fora Area Brasileira seria criada em 1941.82 LORIGA, Sabina. A experincia militar. In: LEVI, Giovanni e SCHMITT, Jean-Claude (Orgs.).

    Histria dos Jovens: A poca contempornea. So Paulo: Cia das Letras, 1996, Volume 2.83BEATTIE. Op. Cit. pp. 290-291.84ARRUDA. Op. Cit. pp. 41.

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    comandantes e comandados nas pequenas unidades e privava a FEB de indivduos com

    melhor grau de instruo.

    Entre os Oficiais da Reserva, conhecemos os casos daqueles que, filhos de

    polticos, conseguiam interessar o governo do Estado para serem contratadosem qualquer funo pblica e, nessa qualidade, requisitados e posteriormentedesconvocados [sic]; ou, este outro, de um filho de interventor num Estado doNordeste, conseguindo a desconvocao [sic] por ter se bacharelado e irassumir a direo das empresas de jornais do p