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AÇÃO PENAL N. 185 - DF (2001/0035005-4)

Relator: Ministro Edson Vidigal

Relator p/ o acórdão: Ministro Carlos Alberto Menezes Direito

Revisor: Ministro Carlos Alberto Menezes Direito Autor: Ministério Público Federal

Ré: Solange Augusto Ferreira

Advogados: Líno Machado Filho e outros

Sustentação oral: Dr. Edinaldo de Holanda Borges, pelo Ministério Público Federal e Dr. Lino Machado Filho e Carlos Alberto Gomes pela ré.

EMENTA

Ação penal. Subprocuradora-Geral da Justiça Militar. Subtração de cheque. Falsificação. Estelionato. Denúncia. Art. 171, do Có-digo Penal.

1. Provada a autoria, o prejuízo e a materialidade, condena-se a denunciada pela prática do crime de estelionato (art. 171, do Código Penal), decorrente, aqui, da subtração de cheque de terceiro, seguida da falsificação de assinatura mediante decalque e do saque junto à respectiva agência bancária.

2. Afastada a tese da defesa de ausência de prejuízo da vítima. Na hipótese, o prejuízo restou caracterizado no momento em que desconta­do o cheque, sendo irrelevante o posterior depósito efetivado pelo banco, ciente de sua responsabilidade pelo indevido pagamento do cheque.

3. Atendendo ao disposto no art. 59 do Código Penal, aplica-se a pena de reclusão de 01 (um ano), em regime aberto, nos termos do art. 33, § 2(1, alínea c, do Código Penal. Por força do art. 44, § 2D., c.c. o art. 49 do mesmo diploma, substitui-se a pena privativa de liberdade pela pena de multa fixada em 100 (cem) dias-multa no valor de uma vez o salário mínimo.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, após o voto-vista do Sr. Ministro Paulo Gallotti e o voto do Sr. Ministro Luiz Fux, por unanimidade, indeferir a suspensão do processo e, por maioria, vencidos, em dife-

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rentes extensões, os Srs. Ministros Relator, Gilson Dipp, Hamilton Carvalhido, Elia­na Calmon e Paulo Gallotti, condenar a ré, nos termos do voto do Sr. Ministro Revisor. Lavrará o acórdão o Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Foram votos vencedores, quanto à aplicação da pena, os Srs. Ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Francisco Peçanha Martins, Humberto Gomes de Barros, Cesar Asfor Rocha, Ari Pargendler, José Delgado, José Arnaldo da Fonseca, Fernando Gonçalves, Felix Fischer e Luiz Fux. Não participaram do julgamento os Srs. Minis­tros Barros Monteiro, Jorge Scartezzini e Francisco Falcão. Ausentes, ocasional­mente, o Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro e, justificadamente, o Sr. Ministro Nilson Naves, substituído pelo Sr. Ministro Paulo Gallotti, e os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira e Hamilton Carvalhido.

Brasília 19 de maio de 2004 (data do julgamento).

Ministro Franciulli Netto, Presidente

Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Relator

DJ de 11.10.2004

RELATÓRIO

o Sr. Ministro Edson Vidigal: Instaurado procedimento administrativo pela Procuradoria Geral da Justiça Militar para apurar eventual participação de servi­dor na subtração e desconto do cheque n. 000061 da Subprocuradora-Geral Adria­na Lorandi Ferreira Carneiro, conta corrente n. 884.497-6, Agência Brasília-Cen­tral, código 0452-9, Posto de Serviço MPM, ante os fortes indícios do envolvimento da Subprocuradora-Geral Solange Augusto Ferreira, os autos foram encaminhados para esta Corte.

Após a realização de algumas diligências, em 21.09.1999, o Ministério Públi­co Federal ofereceu denúncia contra Solange Augusto Ferreira - brasileira, soltei­ra, natural de Petrópolis - RJ, nascida em 28.01.1951, Subprocuradora-Geral da Justiça Militar -, nos seguintes termos:

"Consta do procedimento investigatório que no dia 27 de janeiro de 1997, por volta de 15 :55 horas, no Posto Sumit do Banco do Brasil SI A, loca­lizado no Edifício-Sede do Superior Tribunal Militar, foi descontado, a pedido da ora denunciada, a quem foi entregue o respectivo numerário, o cheque n. 000061 (fi. 104), no valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais), que teve a assinatu­ra do emitente - Adriana Lorandi Ferreira Carneiro - falsificada.

Consta dos autos que a Dra. Adriana Lorandi Ferreira Carneiro observou na data supramencionada, ao iniciar o uso do talonário de cheques que havia

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recebido na sexta-feira anterior - dia 24, a ausência das duas primeiras folhas do respectivo talão e, preocupada, retirou extrato bancário onde cons­tavajá haver sido sacado um dos cheques, no valor de seis mil reais, sustando então o outro. Consta ainda que esteve ela na residência da Dra. Solange, no domingo, dia 26, a seu convite, participando de um churrasco, ocasião na qual deixou sobre uma cadeira da sala de almoço sua bolsa, no interior da qual se encontrava o referido talonário de cheques.

Consta também dos autos que, na data de 27 de janeiro, a ora denuncia­da telefonou ao Posto de Serviço do Banco do Brasil na Procuradoria Geral da Justiça Militar, ocasião em que falou com o caixa daquele estabelecimento bancário - Sr. Luiz Guilherme Ferreira de Castro - e solicitou o saque e um cheque no valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais). Como referido Posto Bancário não possuía para imediata entrega a quantia, o Caixa entrou em contato com a Agência do Banco situada no Superior Tribunal Militar, sendo informado que o cheque poderia ser ali descontado, informação que imediatamente re­passou à Dra. Solange. Posteriormente a denunciada mais uma vez entrou em contato com o caixa do Banco do Brasil - Sr. Guilherme - solicitando o desconto de um cheque no valor de R$ 760,00 (setecentos e sessenta reais), sendo a ela informado pelo referido funcionário que esse cheque poderia ser pago naquele Posto, o que realmente ocorreu, mediante a apresentação do cheque ao caixa, pela Sra. Cláudia Alessandra Tiburtino Neves.

A denunciada, após esse fato, chamou o servidor do Ministério Público Militar - Antônio Rodrigues da Silva e entregou-lhe para desconto um cheque no valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais), alegando ser da Dra. Adriana. Após o desconto, o equivalente numerário foi entregue à secretária Cláudia que re­passou-a à Dra . Solange, após seu retorno ao Gabinete. Pouco tempo após foi o servidor Antônio novamente chamado ao Gabinete da Dra. Solange, ocasião em que a depoente entregou-lhe a quantia de R$ 1.300,00 mil e trezen­tos reais) para realização de depósito e pagamentos de contas no dia posteri­or.

Os fatos narrados encontram-se corroborados pelos uníssonos depoimen­tos constantes dos autos, a saber:

- depoimento de Antônio Rodrigues da Silva à fi. 12:

'C .. )

que ao entrar no Gabinete dã Dr-G.. Solange, lá estando presentes a

enteada desta além de uma ou duas Senhoras; que a Dr-G.. Solange entre­gou-lhe um cheque, no vaZor de R$ 6.000,00 (seis mil reais), dizendo que

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era da DrG-. Adriana, para descontar na agência do Banco do Brasil no

STM porque em contato com o caixa daquele Banco, do Posto Avançado nesta Procuradoria Geral, Sr. Guilherme, havia informado não possuir, no Posto dinheiro suficiente para pagamento do cheque;

c. .. )' - grifos nossos

- depoimento da secretária da Dra . Solange - Cláudia Alessan­dra Tiburtino Neves, à fl. 15.

'c. .. ) quando por volta das 15:00 horas a Dra . Solange saiu do seu

Gabinete e dirigiu-se à depoente mandando que a depoente ligasse para o Posto de Serviço do Banco do Brasil nesta Procuradoria Geral e fizesse um contato com o Sr. Luís Guilherme, caixa daquele Posto por­

que a Dra. Solange pretendia descontar dois cheques, um no valor de R$

6.000,00 (seis mil reais) e outro no valor de 760,00 (setecentos e ses­

senta reais), sendo que naquele momento ao depoente foi esclarecido pela Dra . Solange que o cheque de maior valor era da Dra . Adriana que, naquele dia, como não viria à Procuradoria Geral, lhe vaia solici­tado que providenciasse o desconto para ela, para pagar algumas con­tas; que a depoente, de imediato, na presença da Dra . Solange, telefo­nou para o Sr. Luis Guilherme, sendo pelo mesmo informada de que o Posto de Serviço não possuía disponibilidade para pagamento daquele valor elevado, informação que a depoente transmitiu à Dra . Solange, que pediu à depoente que indagasse do Sr. Luís Guilherme a possibili­dade do cheque ser sacado na Agência do Banco do Brasil no STM; que o Sr. Luís Guilherme pediu à depoente aguardasse na linha enquanto fazia o contato com a Agência do STM retornando em seguida com a informação de que seria possível atender aquela pretensão em notas de R$ 50,00 (cinqüenta reais) e de R$ 10,00 (dez reais), informação igual­mente passada à Dra . Solange; que a Dra . Solange solicitou então que a depoente informasse ao Sr. Luís Guilherme que providenciaria uma pessoa ir ao Banco do Brasil no STM sacar o cheque de R$ 6.000,00 (seis mil reais); que em seguida a Dra . Solange pediu que ligasse de novo ao Banco pois precisava igualmente descontar o cheque de R$ 760,00 (setecentos e sessenta reais); que a depoente fez a ligação e tão logo o Sr. Luís Guilherme atendeu a depoente passou o telefone para a Dra . Solange, ...

c. .. )' grifos nossos

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- depoimento do Caixa do Posto de Serviço do Banco do Brasil na Procuradoria Geral da Justiça Militar - SI'. Luiz Guilherme Ferreira de

Castro, à fi. 30

'C .. )

declarou que estava no Posto de Serviço do Banco do Brasil nesta Procuradoria Geral, onde exerce a função de caixa; que em determinado momento atendeu por telefone uma solicitação da Dra . Solange Augusto Ferreira, para saque de um cheque no valor de R$ (seis mil reais), informando o depoente à sua interlocutora que não dispunha des­se valor, solicitando entretanto que aguardasse na linha pois consultaria a Sumit, no STM, porque lá tem um posto de maior porte, que normal­mente tem maior disponibilidade de caixa; que o depoente indagou se era 'cheque nominativo' recebendo como resposta que era um cheque ao emitente; que então o depoente falou com o Senhor llta, Gerente na Sumit, havendo aquela Senhora esclarecido que tinha a importância, mas pou­cas notas de R$ 50,00 (cinqüenta reais) e que seria necessário levar uma quantia maior em notas de R$ 10,00 (dez reais), que repassou de imedi­ato tal informação à Dra . Solange, dizendo-lhe que, se quisesse, poderia mandar alguém no STM para sacar o cheque no Posto de lá que pouco depois, recebeu nova ligação da mesma pessoa solicitando descontar um cheque de R$ 760,00 (setecentos e sessenta reais), informando então o depoente à Dra. Solange que esse ele poderia pagar; que a Dra. Solange mandou sua Secretária lá para receber o cheque, constatando o depoente que o cheque era de emissão da Dra. Adriana, estava ao portador e como ele não pode pagar cheque superior a R$ 100,00 ao portador, o próprio depoente preencheu no campo apropriado o nome da Dra. Solange Fer­reira e pediu para que sua secretária Cláudia retornasse à Dra . para que a mesma endossasse o cheque; que em poucos instantes Cláudia saiu e voltou com o cheque endossado pela D~. Solange; que o depoente ao examinar a assinatura, conquanto conferindo exatamente com o padrão da emitente, dava a impressão de haver sido inicialmente assinado a lápis e em seguida, talvez por preguiça de apagm; assinado com caneta quase que exatamente sobre a assinatura sombreada aparentemente a lápis; que o depoente então pegou uma borrachinha para testar se apaga­

va aquela sombra de laquê acabou apagada, pelo menos na percepção visual, completamente; ... ' grifos nossos

Das fitas autenticadoras das máquinas pertencentes ao Banco do Brasil S/A (fls. 60/62) constatou-se que o cheque de seis mil reais foi sacado entre

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15:54 h e 16:07 h do dia 27 de janeiro, na Agência do Banco do Brasil situada no Superior Tribunal Militar, recebendo o sacador três montes de dinheiro de R$ 3.000,00 + R$ 1.000,00 + R$ 2.000,00 no total de R$ 6.000,00, sem especificar as notas. Da máquina do Posto Bancário do Ministério Público Militar, foi o cheque de R$ 760,00, sacado entre 14:14 h e 15:20 h do mesmo dia 27 de janeiro, e o caixa especificou o pagamento em 15 notas de R$ 50,00, mais uma nota de R$ 10,00, totalizando os R$ 760,00.

Do Laudo de Exame Documentoscópico (grafotécnico), anexado às fis. 221 e segs., foi demonstrado que as assinaturas apostas no cheque n. 000061, verso e anverso, são falsas e provenientes de decalques da assinatura da Sra. Adriana Lorandi Ferreira Carneiro, aposta no cheque n. 000058. Este último cheque, no valor de R$ 760,00 (setecentos e sessenta reais), foi emitido por Adriana Lorandi Ferreira Carneiro (fi. 104) e foi por ela entregue na residên­cia da ora denunciada, em pagamento de linha telefônica adquirida da de­nunciada.

As provas carreadas para os autos são aptas a ensejarem a reprimenda penal perquirida por este Ministério Público Federal. A autoria e materialida­de restaram comprovadas através do laudo e provas testemunhais que são harmônicas e convergentes para imputarem, à ora denunciada, a obtenção da vantagem ilícita, mediante fraude, e a responsabilidade pelo dano patrimonial causado.

Isto posto, encontra-se a denunciada incursa nas penas do artigo 171, caput, do Código Penal Brasileiro, pelo que requer o Ministério Público seja ela citada para responder regularmente ao processo, até final condenação, observado o rito especial previsto na Lei n. 8.030/1990."

Após a realização de algumas diligências, em razão da dificuldade na locali­zação da ré, Solange Augusto Ferreira foi devidamente notificada em 25.05.2000 e apresentou resposta em 12.06.2000 (fi. 597), afirmando que os depoimentos que dão suporte à acusação são contraditórios e imprecisos, não se prestando sequer como indícios, ressaltando que eles não coadunam com os depoimentos prestados pelas pessoas que estavam com ela, em seu gabinete, no suposto dia do crime, suas amigas e hóspedes Mariângela Carriço Crema e Ana Cirene Fernandes e sua entea­da Márcia Gonçalves da Silva.

Destacou, ainda, o fato de normas bancárias terem sido desrespeitadas, já que o desconto foi realizado sem a devida conferência da assinatura, levantando a hipótese das folhas de cheque terem sido subtraídas ainda na sexta-feira, durante o expediente de trabalho, num possível conluio entre pessoas não identificadas.

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Após nova manifestação do Ministério Público Federal, em 1 fi. de setembro de 2000, os autos foram incluídos na sessão de julgamento marcada para o dia 04.10.2000.

Em razão de intervenção cirúrgica de catarata, o defensor constituído pela ré, Dr. Lino Machado Filho, pediu que fosse adiada a data do julgamento.

N a Sessão do dia 17 de novembro de 2000, a Corte Especial deste Superior Tribunal de Justiça, à unanimidade, recebeu a denúncia (fls. 663/667).

Interrogada (fls. 693/696), em 27 de abril de 2001, Solange afirmou ter ido à Procuradoria Geral da Justiça Militar no dia 27 de janeiro de 1997, com duas amigas, Mariângela e Ana Cirene, e com a sua enteada Márcia; disse ter pedido a sua secretária Cláudia Alessandra Tiburtino Neves que descontasse apenas o cheque de R$ 760,00 (setecentos e sessenta reais), cujo valor teria recebido em cédulas de R$ 50,00 (cinqüenta reais); que não conhecia a Sra. Ilta Martins Bispo, gerente da agência bancária do STM; que não manteve contato telefônico com Luiz Guilher­me, caixa do Banco do Brasil, do Posto do Ministério Público Militar e que teria determinado ao servidor Antônio Rodrigues da Silva somente o pagamento de algu­mas contas.

Nessa mesma audiência, foi deferido pedido do Ministério Público Federal para a realização de nova perícia nos cheques. Ante a constatação da falsificação da assinatura da Dra. Adriana no cheque que foi descontado no valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais), a perícia agora teria a finalidade de tentar descobrir a autoria do falsificador, com base nos padrões gráficos fornecidos por todas as pes­soas supostamente envolvidas no caso.

Apresentada Defesa Prévia, a acusada restringiu-se a negar o fato, indicando como testemunhas o Ministro do STM aposentado Eduardo Victor Pires Gonçalves; a Subprocuradora-Geral da Justiça Militar Adriana Lorandi Ferreira Carneiro; sua amiga Ana Cirene Fernandes - servidora aposentada e residente no Rio de Janeiro­RJ, sua amiga Mariângela Carriço Crem - do lar e também residente no Rio de Janeiro - RJ - e sua enteada Márcia Gonçalves da Silva, cujo domicílio, após diligências, foi identificado no Mato Grosso do SuL

Designado o dia 23 de novembro de 2001 para a audiência de oitiva das testemunhas de acusação e da defesa, por motivo de impossibilidade, requereu a Subprocuradora-Geral da Justiça Militar Adriana Lorandi Ferreira Carneiro que fosse ouvida no dia 26 de novembro de 2001. O pedido foi deferido.

Inviabilizada a realização da audiência marcada para o dia 23 de novembro, foi adiada a oitiva da testemunha de defesa Adriana Lorandi Ferreira Carneiro, marcada para o dia 26 de novembro de 2001.

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Pelo que foram designados os dias 3 de dezembro de 2001, para a oitiva das testemunhas de acusação, e o dia 4 de dezembro para a oitiva das testemunhas de defesa com domicílio em Brasília.

Para a oitiva das demais testemunhas de defesa foram expedidas cartas de ordem.

No dia 3 de dezembro de 2001 foram então inquiridas as testemunhas de acusação: Antônio Rodrigues da Silva, Cláudia Alessandra Tiburtino Neves, Luiz Guilherme Ferreira de Castro e Ilta Martins Bispo. Todas confirmaram integralmen­te as declarações prestadas durante o procedimento administrativo realizado pela Procuradoria Geral da Justiça Militar.

O servidor do Ministério Público Militar Antônio Rodrigues da Silva afirmou ter recebido diretamente da Subprocuradora-Geral da República Solange o cheque de R$ 6.000 (seis mil reais) com a ordem para que o descontasse na agência do Banco do Brasil do Superior Tribunal Militar, porque somente lá, segundo informa­ções que ela tinha obtido com o caixa do posto do Banco na Procuradoria, o Sr. Guilherme, teria numerário suficiente. Disse que saiu da Procuradoria por volta das 15h30 no dia 27 de janeiro de 1997 e que teria demorado em torno de 30 minutos para cumprir a tarefa. Afirmou que somente o caixa do banco da agência do Banco do Brasil do Superior Tribunal Militar teve acesso ao cheque e que entregou a quantia total à Dra . Cláudia, secretária da Dra . Solange (fls. 880/883).

Cláudia Alessandra Tiburtino Neves, secretária de Solange à época, afirmou que no dia do fato, por ordem da acusada, foi ao posto do Banco do Brasil na Procuradoria Geral da Justiça Militar descontar o cheque de R$ 760,00 (setecentos e sessenta reais). Que lá viu o servidor Antônio, confirmando de longe com o senhor Guilherme sejá podia descontar o cheque de R$ 6.000,00 (seis mil reais) na agên­cia do STM. Disse que, ao examinar o cheque de R$ 760 (setecentos e sessenta reais), o caixa Guilherme percebeu resquícios de grafite na assinatura e que os apagou com borracha, comentando que esperava que o cheque não tivesse algum tipo de problema. Relatou que após ter cumprido a ordem retornou para a sua sala e trancou o dinheiro numa gaveta, aguardando o retorno da Dra . Solange. Disse que o servidor Antônio lhe entregou a quantia relativa ao cheque de R$ 6.000,00 (seis mil reais) e que, posteriormente, ela repassou todo o dinheiro a Dra. Solange que, depois de conferir, guardou as cédulas em envelopes, sem colocá-las em ne­nhum momento debaixo de "risque-rabisque" (fls. 884/887).

O caixa do posto do Banco do Brasil na Procuradoria Geral da Justiça Militar, Luiz Guilherme Ferreira de Castro disse ter recebido um telefonema da Dra . Solan­ge, perguntando se o posto teria numerário suficiente para um saque de R$

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6.000,00 (seis mil reais). Em resposta, disse que não mas que se comprometia em diligenciar junto à agência do Banco do Brasil do Superior Tribunal Militar, para

ver se lá seria possível. Afirmou ter recebido outro telefonema de sua parte, inda­gando quanto à possibilidade do desconto de um cheque de R$ 760,00 (setecentos e sessenta reais), respondendo ele positivamente. Disse ter certeza de que falou real­mente com a Dra. Solange, já que ela possui uma voz de tom grave e marcante. Interpelado pelo servidor Antônio no posto, disse ter confirmado a possibilidade do desconto do cheque de R$ 6.000,00 (seis mil reais) junto à agência do Banco do Brasil do STM. Ao verificar o cheque de R$ 760,00 (setecentos e sessenta reais), levado ao posto pela secretária Cláudia, percebeu, segundo suas declarações, res­quícios de grafite que foram por ele apagados. Nesse momento, passou por sua mente que algo poderia estar errado. Disse que, por levar em consideração que o cheque dizia respeito a autoridades do Ministério Público, portanto merecedoras de toda credibilidade, acabou dispensando maiores cautelas (fls. 889/892).

Ilta Martins Bispo, gerente da agência do Banco do Brasil do STM, à época, afir­

mou ter recebido um telefonema do caixa do posto do Banco do Brasil na Procurado­ria Luiz Guilherme, perguntando se havia numerário suficiente para que a Dra .

Solange pudesse descontar um cheque de R$ 6.000,00 (seis mil reais). Após ter respondido afirmativamente, disse ter autorizado o pagamento ao servidor Antô­nio, que se apresentou na agência a serviço da Dra . Solange. Afirmou não ter con­firmado a assinatura da Dra . Adriana em razão da inexistência de padrões gráficos para esse fim, por se tratar de uma conta recente, bem como pelo fato de o episódio envolver autoridades do Ministério Público. Informou que o Banco ressarciu a Dra .

Adriana a importância descontada e que, após dezoito anos, pela primeira vez

recebeu uma advertência, apesar de ter agido segundo os costumes então vigentes para o atendimento aos gabinetes de autoridades (fls. 893/895).

No dia 4 de dezembro foram inquiridas as testemunhas da defesa domicilia­das em Brasília, a Procuradora-Geral da Justiça Militar Adriana Lorandi e o Minis­tro aposentado do Superior Tribunal Militar Eduardo Victor Pires Gonçalves.

A Dra . Adriana Lorandi confirmou todos os termos constantes da declaração que prestou no procedimento administrativo instaurado na Procuradoria Geral da Justiça Militar. Disse que após receber o talonário dirigiu-se apenas por alguns minutos à Procuradoria, vez que estava de férias, e logo foi para casa. Afirmou ter

estado na casa da acusada, a Procuradora-Geral da Justiça Militar Solange Augus­to Ferreira, e que, conforme sugestão da anfitriã, deixou a sua bolsa contendo o talonário num móvel da parte interna da casa, juntamente com outras bolsas, en­

quanto o churrasco era realizado numa área ao ar livre. Esclareceu que dispunha de crédito do cheque especial do Banco do Brasil no valor de R$ 20.000,00 (vinte

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mil reais) e que desse fato fez comentários com duas colegas na Procuradoria, entre elas a Dra . Solange. Disse que conhecia o servidor Antônio Rodrigues da Silva, Oficial de Gabinete do Procurador-Geral da época, que costumava prestar serviços aos Subprocuradores, inclusive o de realizar pagamentos bancários (fls. 905/907).

Por sua vez, o Ministro aposentado do STM Eduardo Victor Pires Gonçalves afirmou ter ido ao churrasco promovido pela acusada, que não se lembrava do local onde foram colocadas as bolsas das convidadas e que não conhece qualquer fato desabonador referente à acusada (fls. 908/909).

Em petição de fls. 870/871, em face do deferimento do pedido formulado pelo Ministério Público Federal para a realização-de nova perícia, requereu a defesa a indicação de peritos assistentes, bem como a formulação de quesitos. Tendo em vista que a perícia seria realizada pelo Instituto Nacional de Criminalística do Departamento de Polícia Federal, por Peritos Criminais Federais, entendi desneces­sária a indicação de peritos assistentes, deferindo apenas o pedido para que fossem apresentados quesitos.

Devidamente inquiridas as testemunhas de defesa Ana Cirene Fernandes e Mari­ângela Carriço Crema (fls. 960/963) pelo ilustre Juiz Federal Substituto da 8a Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro - RJ, a Carta de Ordem foi devolvida (fl. 967).

A amiga da acusada Ana Cirene Fernandes disse que veio para Brasília no dia 24.01.1997, a fim de comemorar o aniversário de sua amiga Solange. Afirmou ter estado com Solange na segunda-feira e que viu a sua secretária pedindo para que ela endossasse um cheque. Disse que, após a sua estada no gabinete, foi comemora­do o aniversário de Solange, na residência desta, com a presença de vários Procura­dores e Desembargadores. Também afirmou que a Dra . Adriana não compareceu à festa (fls. 960/961).

Mariângela Carriço Crema também relatou ter vindo a Brasília para comemo­rar o aniversário de Solange, ficando hospedada na casa da acusada. Disse que no domingo Solange ofereceu um churrasco para aproximadamente 15 pessoas. Na segunda-feira, confirmou ter ido ao gabinete, mas em virtude de não se encontrar bem de saúde na época dos fatos, não se recorda se alguém teria entrado com algum cheque para Solange assinar. Acredita que Solange estava de férias e que fizeram uma visita no gabinete de um colega de Solange que não demorou 10 minutos. Afirmou ter ocorrido a festa de aniversário de Solange no mesmo dia, para mais ou menos quarenta pessoas. (Fls. 962/963)

Realizada a oitiva da testemunha de acusação Maria Gonçalves da Silva, o ilustre Juiz Federal Jean Marcos Ferreira da 2a Vara da Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul devolveu a Carta de Ordem para lá encaminhada.

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JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

A enteada da acusada, Maria Gonçalves da Silva, declarou que seu pai convi­ve com Solange há aproximadamente 20 anos, não sendo casados. Disse que o cheque de R$ 760,00 (setecentos e sessenta reais) foi entregue ao office boy Antônio e que ele não conseguiu descontá-lo da primeira vez. Afirmou ter visto Solange passar o cheque para Antônio. Disse não se lembrar se a festa realizada na casa de Solange ocorreu antes ou depois do desconto do cheque e que a acusada reagiu com espanto quando soube através da Dra . Adriana sobre a ocorrência do saque do cheque de R$ 6.000,00 (seis mil reais) (fls. 1.006/1.007).

Para a realização do novo exame grafotécnico, foram aproveitados os manus­critos com tinta esferográfica de tinta preta anteriormente fornecidos pelos seguin­tes punhos escritores: 1) Solange Augusto Ferreira, 2) Adriana Lorandi Ferreira Carneiro, 3) Joceli Ferreira da Silva, 4) Cláudia Alessandra Tiburtino Neves, 5) Antônio Rodrigues da Silva, 6) Ana Cirene Fernandes, 7) Mmiângela Carriço Crema e 8) Márcia Gonçalves da Silva.

Finalizado o exame pelo Instituto Nacional de Criminalística do Departamen­to de Polícia Federal, os Peritos Criminais Federais Jovelina Pereira Marinho e Romy Rômulo Rodrigues responderam os quesitos apresentados pela defesa, às fls. 1.054 e 1.055, e apresentaram as seguintes conclusões (fl. 1.054):

"Confrontando os lançamentos de preenchimento e assinaturas apostos no anverso e verso do cheque de n. 000061 no valor de R$ (seis mil reais) e os padrões supracitados foram constatadas divergências de ordem morfológica, genética e idiográfica permitindo a conclusão de que tais lança­mentos não foram produzidos por Adriana Lorandi Ferreira Carneiro.

Quando submetidos a instrumentos óticos de ampliação e iluminação adequadas, foram detectados nos lançamentos à guisa de assinatura apostos no anverso do cheque n. 000061, vestígios de traços a grafite paralelos àque­les entintados no nome "A.driana" e do sobrenome "Lorandi", bem como levan­tamentos de fibras do papel em toda a extensão da assinatura, características estas de lançamentos falsificados por meio de decalque.

A assinatura aposta no anverso do cheque de n. 00061 superposta aquela do cheque n. 000058 apresenta os mesmos espaçamentos entre os gramas, letras e vocábulos, bem como correspondência nas dimensões, portanto, a assinatura do cheque de n. 000058 serviu como matriz para obtenção daque­las do cheque n. 000061.

(. .. ) Finalmente, os peritos esclarecem que a determinação de autoria das assinaturas decalcadas é impossíveljá que o resultado desse processo é um

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mero desenho e não registra portanto, as peculiaridades gráficas dos punhos quer do falsário quer do titular da assinatura."

O Ministério Público Federal apresentou Alegações Finais às fls. 1.152/1.157, sustentando que a materialidade e autoria teriam restado efetivamente comprova­das através do laudo e das provas testemunhais, dando destaque aos depoimentos de Antônio Rodrigues da Silva, Cláudia Alessandra Tiburtino Neves e do caixa do Banco do Brasil Luiz Guilherme Ferreira de Castro. Ressaltou, por fim, que o laudo foi enfático ao concluir que a assinatura falsificada foi decalcada da assinatura da Dra . Adriana constante do cheque n. 000058, que teria sido entregue à acusada como pagamento por uma linha telefônica.

Em petição de fls. 1.163/1.164, a defesa pediu prazo para se manifestar sobre o laudo pericial, o que foi por mim deferido (fi. 1.168).

Mediante nova petição (fls. 1.170/1.171), pediu a defesa o sobrestamento do feito, em virtude do advogado Lino Machado Filho encontrar-se, à época, debilita­do fisicamente. Como a acusada encontrava-se processualmente representada por mais quatro advogados devidamente constituídos, o pedido foi indeferido (fl. 1.174), com o oferecimento de novo prazo para que a defesa apresentasse as suas alegações finais.

Apresentou, então, a defesa petição de fls. 1.178/1.179, aduzindo que o laudo pericial não teria respondido os quesitos por ela indicados e que novamente teria chegado à conclusão pela impossibilidade de constatação da autoria do falsário, na medida em que a assinatura posta no cheque teria resultado de um processo de decalque.

Por fim, foram oferecidas as alegações finais da acusada, destacando que o laudo pericial foi incapaz de indicar a autoria do falsificador; que, não obstante a falsificação ser perceptível a olho nu, os bancários envolvidos não cumpriram as cautelas obrigatórias, descontando o cheque sem qualquer conferência e que não houve dano na medida em que o Banco do Brasil cobriu o valor sacado da conta da Dra . Adriana Lorandi.

Relatei.

VOTO (VENCIDO)

O Sr. Ministro Edson Vidigal (Relator): Senhor Presidente, o Ministério Públi­co Federal ofereceu denúncia contra Solange Augusto Ferreira - brasileira, soltei­ra, Subprocuradora-Geral da Justiça Militar, acusando-a de estelionato (CP, art. 171).

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Para tanto, afirmou que Solange, durante um churrasco que oferecia a amigos num domingo, teria subtraído da bolsa de Adriana Lorandi Ferreira Carneiro, tam­bém Subprocuradora-Geral Militar, duas folhas de cheques de seu talonário. Como já teria em mãos outro cheque de Adriana, no valor de R$ 760,00 (setecentos e sessenta reais), pelo pagamento de uma linha telefônica, teria decalcado a sua assinatura em um dos cheques subtraídos. Na segunda-feira, já na Procuradoria, após verificar junto ao caixa do Posto Bancário local Luiz Guilherme, por telefone, que somente seria possível o desconto de quantia significativa na agência do Supe­rior Tribunal Militar, teria determinado que o servidor Antônio Rodrigues da Silva, Oficial de Gabinete do Procurador-Geral, fosse até a referida agência descontar um dos cheques supostamente subtraídos de Adriana no valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais), afirmando estar prestando um favor à amiga.

A defesa nega a autOlia delitiva e sustenta a inexistência de dano à suposta vítima Adriana Lorandi, uma vez que o Banco do Brasil depositou em sua conta o valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais), descontado com a utilização do cheque furtado.

A tese apresentada pela acusação encontra efetivo respaldo nas provas cons­tantes dos autos.

Emjuízo, a vítima, a Subprocuradora-Geral da Justiça Militar Adriana Loran­di confirmou expressamente todas as declarações que prestou no procedimento ad­ministrativo instaurado na Procuradoria Geral da Justiça Militar (fi. 905). Disse que recebeu o talonário de cheques na sexta-feira, dia 24.01.1997, no Posto de Serviço Bancário da Procuradoria, conferindo-o junto ao caixa e dirigindo-se, logo após, ao seu gabinete, onde permaneceu por poucos minutos. Perguntada se existiu a possibilidade de alguma pessoa ter retirado as folhas de cheque no seu gabinete, foi categórica ao dizer não. Isso por não ter o costume de se separar de sua bolsa, até mesmo para ir ao banheiro, em virtude de possuir o hábito de sempre retocar a maquiagem. E mesmo se tivesse deixado a sua bolsa durante uma ida ao banheiro, ninguém poderia ter ali furtado os cheques de sua bolsa, uma vez que a sua mãe permaneceu o tempo todo no seu gabinete. Segundo suas declarações, o talonário permaneceu dentro de sua bolsa que ficou em casa. Somente no domingo, dia 26 de janeiro de 1997, durante um churrasco promovido pela acusada, a Subprocurado­ra-Geral da Justiça Militar Solange Augusto Ferreira, que Adriana teria se separado de sua bolsa, deixando-a sobre uma cadeira da sala de almoço, enquanto permane­ceu no churrasco na parte ao ar livre da casa. Destaco de seu depoimento (fi. 906):

'Que sem dúvida o talonário de cheques estava na bolsa com a qual chegou ao almoço na casa da acusada; que ao chegar à casa da acusada portanto a bolsa com o talonário de cheques foi recebida pela acusada a qual,

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gentilmente, sugeriu que deixasse a bolsa sobre um móvel na parte interna, na sala de almoço da casa, porquanto o churrasco realizava-se numa área ao ar livre e que efetivamente conforme a sugestão da anfitriã a mencionada bolsa ali ficou sobre o dito móvel.'

Segundo Adriana, apenas no final da tarde da segunda-feira, dia 27 de janeiro de 1997 que percebeu a ausência das duas primeiras folhas, dirigindo-se imediata­mente a uma agência do Banco do Brasil para sustar os cheques, quando, então, teve conhecimento que um deles, o cheque de n. 00061,já tinha sido descontado no valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais). Ainda destacou que possuía um cheque espe­cial de valor alto, sobre o qual a Dra. Solange tinha conhecimento. Observe-se do seu termo de inquirição (fl. 906):

'(. .. ) que embora não possa precisar o valor exato do saldo em conta, dispunha de crédito do cheque especial executivo do Banco do Brasil no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) e que desse fato fez comentários com duas colegas na Procuradoria, entre elas a Dra. Solange.'

Perguntada sobre o cheque n. 000058 de R$ 760,00 (setecentos e sessenta reais), esclareceu tê-lo entregue na casa de Solange, numa quarta ou quinta-feira anterior ao fato investigado, como efetivo pagamento pela compra de uma linha telefônica (fls. 16/19).

Justamente esse cheque dado a Solange, de n. 000058 de R$ 760,00, que serviu para que a assinatura de Adriana fosse falsificada através de decalque para o cheque n. 00061 de R$ 6.000,00, conforme se verifica dos laudos periciais (fl. 1.054 e 1.141):

'A assinatura aposta no anverso do cheque de n. 000061 superposta àque­la do cheque n. 000058 apresenta os mesmos espaçamentos entre os gramas, letras e vocábulos, bem como correspondência nas dimensões, portanto, a assinatura do cheque de n. 000058 serviu como matriz para obtenção daque­las do cheque n. 000061.

(. .. ) Finalmente, os peritos esclarecem que a determinação de autoria das assinaturas decalcadas é impossíveljá que o resultado desse processo é um mero desenho e não registra portanto, as peculiaridades gráficas quer do fal­sário quer do titular da assinatura.

(. .. ) As falsificações gráficas por decalque são obtidas por meio de trans­ferências manuais de escritas ou assinaturas de uma matriz, não permitindo dizer com segurança sua autoria, pois não constituem escritas no sentido ver­dadeiro do temo, não sendo nada mais que coberturas ao traçado da matriz.'

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A propósito, ressalto que, contrariamente ao que foi alegado pela defesa em suas razões finais, os peritos criminais responderam devidamente a todos os quesitos por ela apresentados, consoante se pode verificar das fls. 1.054 e 1.055 dos autos.

Cláudia Alessandra Tiburtino Neves, secretária da Dra . Solange à época, era uma servidora relativamente nova no Ministério Público Militar, com pouco mais de dois meses de trabalho. Emjuízo, confirmou todas as declarações que prestou no procedimento administrativo instaurado na Procuradoria Geral da Justiça Militar (fl. 884). Declarou que no dia 27 de janeiro de 1997, numa segunda-feira, encontra­va-se à sua mesa de trabalho, na Secretaria dos Subprocuradores-Gerais Dr. Edmar, Dra . Solange e Dr. Xavier, quando por volta das 15h a Dra . Solange saiu de seu gabinete e lhe determinou que ligasse para o Posto de Serviço do Banco do Brasil na Procuradoria e fizesse contato com o caixa Luiz Guilherme porque pretendia des­contar dois cheques, um no valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais) e outro no valor de R$ 760,00 (setecentos e sessenta reais), esclarecendo que o cheque de maior valor pertencia a Dra . Adriana, a quem estaria prestando o favor de descontá-lo. Informa­da por Luiz Guilherme que o Posto não tinha numerário suficiente, Cláudia logo noticiou o fato a Dra . Solange que pediu para indagar-lhe quanto à viabilidade do desconto na Agência do Banco do Brasil do Superior Tribunal Militar. Após verifi­car internamente, Luiz Guilherme informou que seria possível, com a ressalva de que parte significativa teria de ser paga em notas de dez reais. Cláudia retransmitiu a resposta a Dra. Solange que logo mandou informar a Luiz Guilherme que ela mandaria alguém para fazer o desconto do cheque de R$ 6.000,00 (seis mil reais) na agência do STM. Em seguida, a Dra . Solange pediu que ligasse novamente para o posto. Assim que o Sr. Luiz Guilherme atendeu, passou o telefone, na sua própria mesa na ante-sala, para a Dra . Solange que perguntou diretamente ao caixa quanto à possibilidade do desconto do cheque de R$ 760,00 (setecentos e sessenta reais) no Posto da Procuradoria, informando também que mandaria uma pessoa ao STM para sacar o cheque de maior valor. Finda a ligação, a Dra. Solange mandou que Cláudia ligasse para o servidor Antônio, para que fosse falar com ela. Logo após a chegada de Antônio na ante-sala do gabinete, a secretária desceu para cumprir a ordem de sacar o cheque de R$ 760,00 no Posto do Banco do Brasil na Procuradoria Geral da Justiça Militar. Destaco do termo de inquirição de Cláudia Alessandra Tibúrcio Neves (fls.):

'(. .. )perguntada se havia presenciado a conversa da Dra . Solange, com o Sr. Antônio, respondeu que não ouviu o teor da conversa, e que não o viu entrando, até porque ausentara-se indo ao banco realizar o saque do cheque no valor de R$ 760,00 (setecentos e sessenta reais); indagada sobre quem resgatou o cheque no caixa e de que forma o cheque foi resgatado, respondeu

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que ela mesma, testemunha, foi pessoalmente resgatar o cheque, e que o Gui­lherme, o caixa, estranhou a assinatura da Dr<l. Adriana, porque havia resquí­cios de lápis, tendo então, o mesmo, Guilherme, se utilizado de uma borracha apagando os vestígios de lápis, e até comentado que esperava que esse cheque não tivesse nenhum tipo de problema; perguntada se no momento em que descontava o cheque de R$ 760,00 (setecentos e sessenta reais) encontrara-se com o Servidor Antônio no posto do Banco na Procuradoria, respondeu que sim, ocasião, em que o mesmo, Antônio, indagou ao Senhor Guilherme se já poderia sacar o cheque de R$ 6.000,00 (seis mil reais), na agência do STM; indaga da se de posse dos R$ 760,00 (setecentos e sessenta reais) a quem os havia entregue, respondeu que, pessoalmente, à Dr<l. Solange; indagada se na ocasião havia alguém em companhia da Drli. Solange, respondeu que sim, aduzindo que eram pessoas que não conhecia; indagada se o Senhor Antônio fez a entrega pessoal à Drli. Solange, a testemunha respondeu que o Servidor Antônio entregou a ela, Cláudia, pessoalmente, os R$ 6.000,00 (seis mil reais) os quais guardou-os à chave na gaveta da sua mesa, porque a Drli. Solange naquele momento não estava presente em seu gabinete e sim no gabinete do Dr. Péricles, que respondia, à época, como Procurador-Geral e que depois, num tempo de aproximadamente entre meia e uma hora, tendo a Drli. Solange re­tomado ao seu gabinete, ela a testemunha, Cláudia, procedeu a entrega dos R$ 6.000,000 (seis mil reais), em espécie, pessoalmente, à Drli. Solange, sua chefe então na ocasião; indagada se ao entregar a importância de R$ 6.000,00, a Dra. Solange fez a conferência das cédulas correspondentes à mencionada quantia, respondeu que não, mas que sugeriu à Drli. Solange que guardasse o dinheiro num envelope, tendo então a Drli. Solange, indagado se possuía elás­ticos para acondicionar a divisão das cédulas, e que não os tendo sugeriu que o fizesse em clipes tamanho grande, sugestão aceita pela Drli. Solange, a qual fez então a conferência das cédulas no total de R$ 6.000,00 (seis mil reais) na presença da testemunha, colocando-as em seguida num envelope; indagada se a conferência das cédulas pela Drli. Solange foi assistida por alguma outra testemunha, respondeu que não poderia precisar, registrando apenas a presen­ça no recinto de um secretário da Drli. Adriana, de nome Marcos, da Drli. Mariza, Subprocuradora, do Dr. Roberto Coutinho, Subprocurador, e de uma guardete, de nome Edna, mas que voltada para a tarefa de conferência das cédulas que era feita pela Drli. Solange não poderia afirmar se essas pessoas mencionadas estavam atentas ao que naquele momento se passava';

O servidor do Ministério Público Militar Antônio Rodrigues da Silva, que à época era Oficial de Gabinete do Procurador-Geral, apresentou versão sobre os fatos

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JURlSPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

em perfeita harmonia com as declarações da secretária Cláudia Alessandra. Após confirmar integralmente o depoimento que prestara perante a autoridade policial (fls. 880/883), afirmou ter recebido diretamente da Subprocuradora-Geral da Repú­blica Solange o cheque de R$ 6.000 (seis mil reais) com a ordem para que fosse descontá-lo na agência do Banco do Brasil do Superior Tribunal Militar, uma vez que o caixa do posto do Banco do Brasil da Procuradoria, Luiz Guilherme, já tinha a ela informado que somente lá teria numerário suficiente para o saque. Disse que saiu da Procuradoria por volta das 15h30 no dia 27 de janeiro de 1997 e que teria demorado em tomo de 35 a 40 minutos para cumprir a tarefa. Afirmou que somente o caixa do banco da agência do Banco do Brasil do Superior Tribunal Militar teve acesso ao cheque e que após tê-lo descontado entregou a quantia a Dra . Cláudia, secretária da Dra . Solange (fls. 880/883). Ressalto os seguintes trechos do seu termo de inquirição:

'(. .. ) Passada a palavra à defesa para as reperguntas, pediu a palavra o Dr. Líno Machado Filho, o qual indagou se a testemunha pode efetivamente afirmar se recebeu diretamente da D~. Solange o cheque de R$ 6.000,00, ensejador da querela, respondeu que sim; indagado se havia pessoas presentes nesse ato, respondeu que sim e que não podendo declinar o nome porque não as conhecia, mas reconheceu apenas, dentre essas pessoas a enteada da Dra . Solange; inda­gou ainda o Dr. Líno Machado acerca de como a testemunha tomou conheci­mento das tratativas empreendidas para a liberação do cheque pela agência bancária, respondeu que foi informado através da D~. Solange que no posto da agência bancária da Procuradoria havia dinheiro suficiente para a cobertura do cheque e que procurasse o Sr. Guilherme que já estava informado de tudo; se essas informações foram prestadas pessoalmente no gabinete, na presença de alguma pessoa ou por telefone, respondeu que as informações foram prestadas pessoalmente no gabinete da Dra. Solange, na presença das pessoas já mencio­nadas, ou seja, uma enteada da Dra. Solange e das demais, suas desconhecidas; indagou ainda o advogado Dr. Líno Machado se a importância em espécie no valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais) foi efetivamente entregue a Dra. Cláudia, secretária da D~. Solange, respondeu que efetivamente entregou a importância do cheque descontado a D~. Cláudia, então secretária da D~. Solange; indaga­do pela defesa, o mesmo Dr. Lino Machado, sobre quanto tempo transcorreu entre a entrega do cheque e o efetivo desconto pela agência bancária, respondeu que saiu da Procuradoria, por volta das 15:30 horas, no dia 27 de janeiro de 1997 e dirigindo-se ao posto do Banco do Brasil na ProcuradOlia da Justiça Militar, para confirmar com o Sr. Guilherme, caixa da mencionada agência, para saber do mesmo se havia feito contato com a agência do Banco do Brasil do Superior Tribunal Militar, o referido Sr. Guilherme, respondeu que sim; que

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após essa informação deslocou-se para realizar o outro trabalho - entrega de um filme para revelar na Asa Sul, na 202 Sul, a pedido de outra Subprocura­dora, a Dra . Mariza, e que na volta passou na agência do Banco, quando então descontou o cheque que lhe havia sido entregue pela Dra. Solange; que nesse intermezzo, consumiram-se, aproximadamente de 35 a 40 minutos;

No procedimento administrativo instaurado na Procuradoria Geral da Justiça Militar, cujas declarações foram expressamente confirmadas por Antônio em juízo (fl. 880), esclareceu ele que, ante a necessidade de que o desconto do cheque fosse realizado na agência do STM, como estava chovendo, solicitou a Dra . Lúcia um veículo, expondo a ela o serviço determinado pela Dra . Solange. Pelo que foi provi­denciado um carro que foi dirigido pelo servidor É1cio. Disse que, após retornarem, dirigiu-se diretamente ao gabinete da Dra . Solange. Como ela não se encontrava, deixou o dinheiro com a secretária Cláudia Alessandra, que o guardou em sua gaveta. Chamado posteriormente de novo pela Dra . Solange, comentou com a Dra .

Lúcia: "só falta o dinheiro não estar certo". Mas ela o chamou apenas para determi­nar uma nova missão: um depósito de R$ 1.000,00 (mil reais) e o pagamento de segundas vias de contas de luz e água, entregando a Antônio o total de R$ 1.300,00 (mil e trezentos reais). Como nessa hora o banco já estava fechado, ficou acertado que ele realizaria o serviço no dia seguinte.

O caixa do posto do Banco do Brasil na Procuradoria Geral da Justiça Militar, Luiz Guilherme Ferreira de Castro narrou a história na mesma linha apresentada por Cláudia e Antônio. Primeiro, confirmou expressamente em juízo as declarações que prestou no procedimento administrativo realizado pela Procuradoria Geral da Justiça Militar (fl. 889), das quais destaco os seguintes esclarecimentos (fls. 27/28):

'(. .. ) declarou que estava no Posto de Serviço do Banco do Brasil nesta Procuradoria Geral, onde exerce a função de Caixa; que em determinado momento atendeu por telefone uma solicitação da Dra . Solange Augusto Fer­reira, para saque de um cheque no valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais), informando o depoente à sua interlocutora que não dispunha desse valor, soli­citando entretanto que aguardasse na linha pois consultaria a Sumit, no STM, porque lá é um posto de maior porte, que normalmente tem maior disponibi­lidade de caixa; que o depoente indagou se era "cheque nominativo" receben­do como resposta que era um cheque ao emitente; que então o depoente falou com a Senhora lIta, Gerente na Sumit, havendo aquela Senhora esclarecido que tinha a importância, mas poucas notas de R$ 50,00 (cinqüenta reais) e que seria necessário levar uma quantia maior em notas de R$ 10,00 (dez reais); que repassou de imediato tal informação à Dra . Solange, dizendo-lhe que, se quisesse, poderia mandar alguém no STM para sacar o cheque no

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Posto de lá que pouco depois, recebeu nova ligação da mesma pessoa solici­tando descontar um cheque de R$ 760,00 (setecentos e sessenta reais), infor­mando então o depoente à Dra. Solange que esse ele poderia pagar; que a Dra.

Solange mandou sua secretária lá para receber o cheque,'

Em juízo, Luiz Guilherme declarou que no cheque. n. 000058 de R$ 760,00 (setecentos e sessenta reais) a assinatura de Adriana Lorandi estava com resquícios de grafite e afirmou ter certeza absoluta de que falou realmente com a Dra . Solange ao telefone, sobre o cheque de R$ 6.000,00 (seis mil reais), em razão de ela possuir uma voz de tom grave e marcante. Observe-se (fi. 890):

'(. .. ) que recorda-se que esse cheque de R$ de 760,00 continha resquícios de grafite no espaço destinado a assinatura da emitente e que dos seus conhe­cimentos de grafoscopia pôde aferir, prima fade, que a assinatura coincidia com a da Dra . Adriana e que tendo apagado com borracha os resquícios de grafite passou-lhe por um breve momento a idéia de que alguma coisa parecia equivocada naquele episódio; que avistou o senhor Antônio a uma distância de 3 a 4 metros, o que não impediu que pudesse dirigir-se a ele, informando que com certeza poderia descontar o cheque de R$ 6.000,00 na agência do banco no STM; que não tem dúvida de que a voz com quem falara do outro lado da linha no telefonema que recebeu era iniludivelmente da D~. Solange a qual possui uma voz de tom grave, bem característica. Dada a palavra à defesa, esta por seus advogados, indagou a testemunha sobre em que baseava­se para afirmar que a voz do telefonema era mesmo da Dra . Solange, respon­deu que dos poucos contatos que com esta teve foram suficientes para que sua memória auditiva identificasse que a interlocutora era efetivamente a Dra .

Solange, que quando o fato ocorreujá estava na função de caixa do posto há aproximadamente 10 meses; que não teria como associar voz e nomes de outros procuradores, mas que quanto a Dra . Solange reafirmava não ter dúvi­da, por tratar-se de uma pessoa de voz marcante; que o posto instalado no Ministério Público destina-se a servir ao pessoal daquela unidade do Ministé­rio Público e que no episódio referente ao cheque de R$ 6.000,00 e tratando-se de autoridades do Ministério Público da União, portanto, merecedoras de cre­dibilidade, embora reconhecendo que dever-se-ia observar todas as cautelas, achou por bem dispensá-las, pelos motivos já mencionados de que autoridades do Ministério Público da União estariam por si dispensadas de suspeitas impu­táveis a outras pessoas, em outras hipóteses; que não sabe informar com cer­teza se o desfalque de R$ 6.000,00 (seis mil reais) ocorrido na contra corrente da Dra . Adriana foi sanado imediatamente, pelo Banco, mas que acredita que sim, pois ouviu comentários de que o Banco repôs a importância retirada em

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razão da emissão do cheque nominal à Dra . Solange; que depois, por motivos de natureza pessoal, explicando que tendo afazeres particulares julgados mais interessantes, houve por bem optar em exonerar-se do serviço no Banco do Brasil; instado, ainda pela defesa, respondeu não saber sobre algum procedi­mento punitivo contra a gerência do Banco no STM onde se efetuou o paga­mento; que nada sabe quanto a qualquer procedimento de natureza cível ou criminal contra a pessoa que respondia pela gerência quando do episódio do desconto do cheque de R$ 6.000,00 (seis mil reais);'.

A última testemunha arrolada pela acusação, a então gerente da agência do Banco do Brasil no Superior Tribunal Militar Ilta Martins Bispo, confirmando total­mente as declarações que prestou no procedimento administrativo, destacou que o fato de Solange ter entrado em contato antecipadamente com funcionário do banco para perguntar sobre a possibilidade do desconto do cheque, informando que envia­ria um servidor do Ministério Público Militar para realizar o saque, serviu para passar um ar de total legitimidade ao ato que seria praticado, que por envolver autoridades do Ministério Público, conforme os costumes então vigentes para o aten­dimento dos gabinetes, dispensava procedimentos mais cautelosos (fls. 893/896).

Por oportuno e a título de informação, vale destacar as declarações obtidas no processo administrativo instaurado anteriormente pela Procuradoria Geral da Justiça Militar, prestadas pelos servidores do Ministério Público Militar Frederico Magno de Melo Veras (fls. 26/27), Marcos Alexandre Martins de Melo (fls. 28/29) e Lúcia Maria Marques de Almeida (fls. 46/47) e pela funcionária da "Empresa Santa Helena Vigilância Ltda" Edna Boaventura Menezes (fls. 4.343/4.345), res­pectivamente, que também confirmam a versão dos fatos sustentada pela acusação:

- Frederico Magno de Melo Veras (fls. 26/27):

"c. .. ) perguntado se viu nas dependências da Procuradoria Geral alguém portando uma quantidade elevada de dinheiro, à mostra, respondeu que no dia 27 de janeiro, segunda-feira passada, retornava do lU Subsolo para a Sobreloja quando encontrou o servidor Antônio aguardando a chegada do elevador, tra­zendo em suas mãos uma quantidade significativa de dinheiro, pelo o que o depoente, a título de brincadeira, tomou-lhe a bênção, entrando junto com o mesmo no elevador que parara naquele andar; que subiram juntos, esclarecen­do o depoente que na sobreloja abriu a porta do elevador para ambos saírem, que o depoente pode esclarecer que enquanto o elevador subia brincou com aquele servidor indagando de quem era aquela fortuna, sendo esclarecido tra­tar-se de dinheiro da Dra . Adriana; que em seguida perguntou enquanto mon­tava aquela quantidade de dinheiro, sendo respondido que totalizava R$

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JURlSPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

6.000,00 (seis mil reais), podendo o depoente na ocasião perceber que se tra­tava de notas de R$ 50,00 (cinqüenta reais) no topo da pilha, supondo o depo­ente serem todas iguais; que aos saírem do elevador na Sobreloja, o servidor Antônio, com o dinheiro na mão, dirigiu-se à mesa da Secretária Cláudia."

- Marcos Alexandre (fi. 28):

"Perguntado se viu recentemente alguém com importância incomum de dinheiro em mãos, respondeu que no início da semana estava conversando com a Senhorita Cláudia, sua colega de assistência quando alguém chegou, não se recordando no momento com exatidão quem era essa pessoa, tendo em mãos uma quantia elevada de dinheiro, que o depoente pode perceber se com­posta, no topo, por notas de R$ 50,00 (cinqüenta reais); que a pessoa entregou o dinheiro à Senhorita Cláudia que o colocou na gaveta; pouco depois o depo­ente viu quando Cláudia, perto da Dra. Solange Augusto Ferreira, Subprocura­dora-Geral, começou a procurar ligas elásticas para prender o dinheiro, que o depoente supõe ser o mesmo em razão da quantidade, não encontrando; que Cláudia indagou do depoente se o mesmo possuía ligas elásticas havendo o mesmo ido à sua mesa, no espaço adjacente para procurar se tinha tais ligas, mas também não as encontrou, informando tal fato à sua colega; que instan­tes após, passando por ali pôde perceber que ambas estavam voltadas para o armário separando o dinheiro em pequenos 'feixes', os quais prendiam de forma que o depoente não pôde perceber; que o depoente sentindo que a liga elástica não estava mais sendo necessária e que o problema de ambas já havia sido solucionado voltou aos seus afazeres, desligando-se do assunto."

- Lúcia Maria Marques de Almeida, servidora do Ministério Público Militar (fls. 46/47):

"C .. ) que na semana passada, mais precisamente na segunda-feira, por volta das 15:10 horas, o servidor Antônio veio ao seu encontro comunicando a necessidade de ir ao prédio do STM para descontar um cheque na agência do Banco do Brasil; que a depoente estranhou em face de existir um Posto de Serviço daquele Banco nas instalações desta Procuradoria Geral, sendo então esclarecido por aquele servidor que o Posto do MPM não dispunha do dinheiro suficiente, eis que se tratava de um cheque de R$ 6.000,00 (seis mil reais), que seria descontado para a Dra . Adriana, sendo que os contatos com aquela agên­cia já teriam sido feitos para pagamento do cheque; que em razão do valor elevado preocupada com a segurança e também porque ameaçava chuva, a depoente providenciou uma viatura para conduzir o servidor em sua missão, que quando do retomo daquele servidor a depoente indagou-lhe se estava tudo

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certo, se o dinheiro tinha sido entregue, recebendo resposta afirmativa, que um pouco mais tarde uma pessoa que agora não se recorda quem, chamou o servidor Antônio para que o mesmo fosse atender a Dra . Solange; que Antônio se levantou e saiu antes exclamando algo como: 'Será que o dinheiro não está certo?'; assim que Antônio retornou do Gabinete da Dra. Solange, a depoente perguntou-lhe o que havia ocorrido, sendo por ele esclarecido que a Dra . ape­nas lhe entregou algumas contas para pagar, mas, como o Banco já estava fechado, ele apenas poderia fazer o pagamento no dia seguinte."

- Edna Boaventura Menezes, funcionária da Empresa Santa Helena Vigilân­cia Ltda (fls. 43/44):

"Perguntada se na semana passada, de seu posto viu alguma pessoa car­regando ou contando uma quantidade incomum de dinheiro, respondeu que no início da semana passada, não se recordando se na segunda ou na terça­feira, tinha ido ao vestiário buscar a sua japona para emprestar à secretária Cláudia, pois a mesma estava com febre e sentindo muito frio, inclusive antes disso, já havia fornecido à Cláudia um comprimido de N ovalgina, pois sempre anda com um na bolsa e Cláudia havia lhe dito que fora ao Serviço Médico mas que não fora atendida porque o Dr. Gustavo tinha trabalhado na parte da manhã; que ao passar pela porta do elevador no primeiro subsolo viu quanto chegava àquele local o servidor Antônio, aquele que trabalha no Gabinete do Procurador-Geral, carregando bastante dinheiro na mão, um bolo de mais de 10 cm de altura, podendo a depoente afirmar haver observado que a nota de cima era de R$ 50,00 (cinqüenta reais); que não esperou o elevador, subindo direto de escadas para a sobreloja, onde emprestou a sua japona para Cláu­dia, que a vestiu indo em seguida à DDJ, no andar térreo, não sem antes solicitar à depoente que atendesse o telefone se o mesmo chamasse, porquanto a Dra. Solange não se encontrava no seu próprio gabinete, mas sim no gabine­te do Procurador-Geral que nesse meio tempo o elevador chegou dele saindo o Antônio com dinheiro na mão, procurando pela Cláudia, havendo a depoente informado que a mesma tinha dado uma descida; que Antônio então pergun­tou pela Dra. Solange, quando então a depoente explicou-lhe que a Dra . Solan­ge também não se encontrava; que a depoente indagou de Antônio se o mesmo não desejaria falar com o Marcos, mas Antônio disse que não que ele voltaria depois, tudo isso com aquele dinheiro na mão; mas que antes mesmo que Antônio fosse embora Cláudia chegou, dele recebendo o dinheiro o qual guar­dou imediatamente em uma gaveta de sua mesa; que Antônio então retornou para o Gabinete do Procurador-Geral; que momentos após, cerca de três mi­nutos, a D~. Solange apareceu com três pessoas sendo que estas entraram em

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seu Gabinete enquanto a Dra . Solange falava com Cláudia, havendo esta co­municado então o recebimento do dinheiro; que a Dra . Solange juntamente com Cláudia pegaram o dinheiro e passaram a conferi-lo e a separá-lo, volta­das para o interior de um pequeno armário que fica ao lado direito da mesa de Cláudia; que se recorda haver ouvido a Dra . Solange pedir um envelope, guardar o dinheiro dentro do mesmo e ir com ele para o seu Gabinete; pergun­tada se viu o servidor Antônio retornar ao Gabinete da Dra . Solange, respon­deu que pouco depois da conferência do dinheiro a Dra . Solange chegou na porta do Gabinete e disse para Cláudia que precisava falar com Antônio e que era para chamá-lo; que Cláudia perguntou à depoente se a mesma tinha visto o Antônio; que como a depoente ia chamar a vigilante Kátia na Ala do Gabi­nete do Procurador-Geral, para atender uma ligação, ofereceu-se para cha­mar o Antônio; que de fato foi à Secretaria onde chamou o Antônio dando-lhe o recado no sentido de que estava sendo chamado pela Dra . Solange; que nesse momento Antônio exclamou dizendo: 'Será que o dinheiro estava errado!'"

Apesar dessas declarações terem sido obtidas na sindicância realizada pela Procuradoria Geral da Justiça Militar, anteriormente à instrução processual, devem ser efetivamente consideradas, mesmo que a título de informações, já que se harmo­nizam perfeitamente com a prova produzida nos autos. Delas podemos constatar a espontaneidade das ações de Antônio no desenrolar dos fatos, expondo a diversas pessoas a solicitação de Solange para que descontasse um cheque para Adriana, não se preocupando em esconder o dinheiro que levou ostensivamente em suas mãos, brincando sobre a quantidade de notas que estava transportando e exteriori­zando em palavras a preocupação de que o valor entregue à Dra . Solange estivesse correto. Todas essas atitudes indicam a naturalidade de uma pessoa que está real­mente apenas cumprindo ordens.

O mesmo se pode concluir das ações da secretária Cláudia Alessandra, relati­vamente nova no cargo (pouco mais de dois meses), que logo trancou o dinheiro na gaveta de sua mesa na ante-sala do gabinete dos procuradores e assim que a Dra .

Solange retornou avisou sobre o dinheiro, ajudando-a a conferi-lo, perguntando inclusive a um colega de trabalho se dispunha de ligas elásticas para prender o dinheiro, conforme solicitado por Solange.

O Banco do Brasil S/A forneceu as fitas autenticadoras das máquinas envolvi­das (fls. 63/65), das quais se verifica que o cheque de R$ 6.000,00 foi sacado na agência do STM entre 15h54min e 16h07min e que o cheque de R$ 760,00 foi sacado no Posto Bancário do MPM entre 14h14min e 15h20min, pago com uma nota de R$ 10,00 e quinze de R$ 50,00. Os horários casam perfeitamente com a dinâmica da versão apresentada pelas testemunhas de acusação.

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Em seu interrogatório (fls. 694/697), Solange confirmou a realização do churrasco no domingo anterior em sua casa, no qual esteve presente a Adriana, e que foi à Procuradoria na segunda-feira, dia 27 de janeiro de 1997, acompanhada de duas amigas, Mariângela e Ana Cirene, e por sua enteada Márcia. Afirmou ter aproveitado para pedir à Secretária Cláudia que descontasse o cheque de R$ 760,00 que recebeu de Adriana como pagamento pela compra de uma linha telefônica. Disse que depois chamou o Sr. Antônio, Chefe de Gabinete do Procurador-Geral, entregando-lhe o dinheiro relativo ao desconto do cheque de R$ 760,00 mais algum dinheiro em espécie, para que fizesse diversos pagamentos de natureza pessoal. Negou ter mantido qualquer contato telefônico com o caixa Luiz Guilherme e expli­cou ter recebido o pagamento do cheque de R$ 760,00 em notas de R$ 50,00.

Ao finalizar o Relatório da Sindicância instaurada na Procuradoria Geral da Justiça Militar, oSubprocurador-Geral Mário Sérgio Marques Soares destacou a impossibilidade da alegação de Solange, à época, de que teria recebido o valor do R$ 760,00 mediante muitas notas de dez reais, razão pela qual teriam sido separa­das por ela e pela secretária Cláudia em feixes de R$ 100,00 (cem reais). Isso não seria possível porque a máquina autenticadora indica que o cheque de R$ 760,00 foi pago com apenas uma nota de dez reais e quinze de R$ 50,00 (fl. 73).

É evidente que, em face dessa observação do Relatório final, Solange mudou em juízo a sua versão, afirmando que, ao invés de notas de dez, recebeu o valor relativo ao cheque de R$ 760,00 em notas de R$ 50,00.

As testemunhas de defesa não trouxeram contribuições significativas para a elucidação do caso.

O Ministro aposentado do Superior Tribunal Militar, apenas afirmou ter parti­cipado do churrasco no domingo, na casa de Solange, sem saber determinar onde ficaram as bolsas das convidadas (fls. 908/909).

A amiga de Solange, Ana Cirene Fernandes, ouvida pelo Juiz Federal Wilson José Witzel da 8a Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro - RJ, disse ter estado na Procuradoria com Solange no dia 27.01.1997 e apenas ter presenciado o momento em que a secretária Cláudia entrou no gabinete de Solange, solicitando que endos­sasse um cheque. Afirmou não se recordar se outras pessoas estiveram no gabinete. Disse que posteriormente Solange fez uma festa de aniversário em sua casa, na qual Adriana não compareceu (fls. 960/961).

Também ouvida no Rio de Janeiro, Mariângela Carriço Crema, a outra amiga de Solange que esteve com ela na Procuradoria naquela segunda-feira, afirmou que esteve no churrasco oferecido por Solange no domingo, mas que não se lembra onde ficaram guardadas as bolsas dos convidados. Por não se encontrar bem de

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saúde na época dos fatos, disse não se recordar se alguém entrou no gabinete com algum cheque para Solange assinar. Confirmou que posteriormente à estada delas na Procuradoria, Solange fez urna festa de aniversário para mais ou menos quaren­ta pessoas e que Adriana não compareceu (fls. 962/963).

Vale destacar que Mariângela também mudou a versão que apresentou no procedimento administrativo, quando afirmou que Solange chamou um moço mo­reninho chamado Antônio para que descontasse um cheque. Emjuízo, alegou não se lembrar de nada, em razão do mau estado de saúde em que se encontrava à época dos fatos.

A enteada de Solange, Márcia Gonçalves da Silva, após algumas diligências, foi encontrada e ouvida pelo Juiz Federal Pedro Pereira dos Santos da 2a Vara da Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul. Repetidamente, disse ter visto quando Solange passou o cheque de R$ 760,00. Observe-se (fls. 1.006/1.007):

''A respeito de um cheque de 760,00 reais emitido pela Dra . Adriana, recorda-se que se referia ao aluguel de um telefone; a depoente não se recorda de ter recebido tal cheque para entregá-lo à acusada; tal cheque foi entregue ao office boy Antônio, da Procuradoria C .. ) é certo que quando a acusada passou o cheque aludido para Antônio a depoente encontrava-se no local, juntamente com Ana e Mariângela; a depoente viu quando Solange passou o cheque para Antônio;"

Aqui impõe observar que Solange negou ter entregado qualquer cheque para Antônio, entretanto a sua própria enteada foi categórica ao afirmar que a viu pas­sando um cheque para Antônio descontar.

Portanto, ternos que a pessoa que falsificou a assinatura de Adriana no cheque 000061 de R$ 6.000,00 (seis mil reais), necessariamente teve que ter em mãos o cheque 000058 de R$ 760,00 (setecentos e sessenta reais), dado a Solange por Adriana na semana anterior ao fato investigado, na medida em que ele serviu de matriz para o decalque da assinatura falsificada, conforme concluiu expressamente o laudo pericial (fi. 1.054).

A Subprocuradora Adriana não esteve na Procuradoria no dia do desfalque, segunda-feira (27.01.1997). Segundo afirmou, após ter recebido o talonário na sexta-feira, dia 24.01.1997, conferiu-o e o guardou na bolsa, retornando ao seu gabinete, juntamente com sua mãe. Indagada se poderia ter-se separado de sua bolsa, Adriana descartou essa possibilidade, esclarecendo que se foi ao banheiro ou levou a bolsa consigo ou deixou a bolsa com sua mãe no gabinete. Disse que o único momento no final de semana em que se separou de sua bolsa ocorreu durante o churrasco oferecido pela acusada, quando deixou a sua bolsa em um móvel den-

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tro da residência, por sugestão da anfitriã. Destacou ainda que Solange tinha co­nhecimento do valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) do seu cheque especial.

Os servidores do Ministério Público Federal Cláudia e Antônio, bem como o caixa do Posto do Banco do Brasil Luiz Guilherme, sustentam que Solange entrou em contato telefônico com o banco para ver a possibilidade do desconto dos cheques de R$ 6.000,00 e de R$ 760,00, Luiz Guilherme, inclusive, é enfático ao afirmar que tem certeza de que falou ao telefone diretamente com Solange, em virtude da sua voz possuir um tom grave e marcante. Conforme sustentam, após os telefonemas, Solange determinou que Cláudia descontasse o de menor valor no Posto e que Antô­nio fosse à agência do Banco do Brasil do Superior Tribunal Militar descontar o cheque de R$ 6.000,00 para Adriana, a quem ela estaria prestando um favor. Cláu­dia e Antônio cumpriram a tarefa, entregando todo o dinheiro à Solange.

Essa versão foi confirmada pelas declarações prestadas na sindicância pelos servidores do Ministério Público Militar Frederico Magno de Melo Veras (fls. 26/ 27), Marcos Alexandre Martins de Melo (fls. 28/29) e Lúcia Maria Marques de Almeida (fls. 46/47) e pela funcionária da "Empresa Santa Helena Vigilância Ltda" Edna Boaventura Menezes (fls. 4.343/4.345).

Os horários dos saques constantes das fitas autenticadoras fornecidas pelo Banco do Brasil S/A casam perfeitamente com a dinâmica apresentada na versão dada pelas testemunhas de acusação.

E a própria enteada de Solange, refutando a sua negativa, asseverou veemen­temente ter visto a acusada entregando um cheque ao servidor Antônio para que fosse descontado.

Assim, considerando que apenas Solange tinha a posse do cheque n. 00058 de R$ 760,00 (setecentos e sessenta reais) que serviu de base para o decalque da assi­natura falsa posta no cheque n. 00061 de R$ 6.000,00 (seis mil reais); que a vítima Adriana só vislumbra a possibilidade das folhas de cheque de seu talonário terem sido subtraídas durante o churrasco que a acusada ofereceu em sua casa; que So­lange tinha conhecimento do valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) do cheque especial de Adriana; o telefonema dado ao caixa do banco; que diversas testemu­nhas confirmaram que o servidor Antônio recebeu uma ordem de Solange para descontar o cheque de R$ 6.000,00 (seis mil reais) para Adriana, a quem estaria ela prestando um favor, e que o dinheiro foi entregue à secretária Cláudia, que por sua vez repassou a Solange, conforme vários testemunhos; tenho por efetivamente com­provada a prática delituosa pela ré.

Solange, durante o churrasco que ofereceu a amigos no domingo, dia 24 de janeiro de 1997, subtraiu da bolsa de Adriana Lorandi Ferreira Carneiro duas folhas

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de cheques de seu talonário. Como já tinha em mãos outro cheque de Adriana, no valor de R$ 760,00 (setecentos e sessenta reais), dado em pagamento por uma linha telefônica comprada da acusada, decalcou a assinatura em um dos cheques subtraí­dos. Na segunda-feira, já na Procuradoria, após verificar junto ao caixa do Posto Bancário local Luiz Guilherme, por telefone, que somente seria possível o desconto de quantia significativa na agência do Superior Tribunal Militar, Solange, utilizan­do-se da sua condição de Subprocuradora-Geral, determinou que o servidor Antô­nio Rodrigues da Silva, Oficial de Gabinete do Procurador-Geral, fosse até a referi­da agência descontar um dos cheques subtraídos no valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais), afirmando estar prestando um favor à amiga Adriana. Antônio cumpriu a tarefa, entregando o dinheiro à secretária de Solange, Dra . Cláudia, porque a Sub­procuradora não estava na hora em seu gabinete. Assim que Solange chegou, Cláu­dia repassou todo o dinheiro para ela.

Solange obteve para si vantagem ilícita, R$ 6.000,00 (seis mil reais), median­te a utilização do cheque que furtou de Adriana e a falsificação de sua assinatura por meio de decalque, acarretando-lhe o prejuízo do saque em sua conta.

O fato de o Banco do Brasil ter, posteriormente, ressarcido Adriana do valor descontado, por não ter detectado a fraude implementada, a não ser depois de ter sido alertado pela titular da conta, não descaracteriza o prejuízo a ela causado anteriormente. Conforme a gerente do Banco do Brasil Ilta Martins Bispo destacou, as regras de cautela só foram minimizadas em razão da atuação direta de Solange, que por se tratar de autoridade do Ministério Público sabia que o atendimento aos gabinetes era menos burocrático e absolutamente pautado na confiabilidade, indu­zindo os funcionários a acreditar na absoluta legitimidade do ato que estava sendo praticado. Ademais, a falsificação da assinatura de Adriana era imperceptível a olho nu, eis que realizada através de decalque, com a cobertura ao traçado de uma assinatura verdadeira matriz, e não havia até o momento do saque qualquer regis­tro de contra-ordem para pagamento. Portanto, o ressarcimento deu-se por mera deliberação de política interna do Banco.

A propósito, Damásio de Jesus l : "O prejuízo deve ser verificado ao tempo da consumação do delito. Nesse sentido: RTJ, 102:1.162 E 81:718; RI; 547:355, 518:441 E 522:481. É a orientação que adotamos. C.') Partindo dessa consideração e a de ser um delito instantâneo, o valor do prejuízo deve ser apreciado no momento

consumativo. O ressarcimento, como tem entendido parte da jurisprudência, é dado

aleatório e posterior que não pode retroagir para operar uma desclassificação no tipo penal já perfeito quando da consumação."

1 Damásio E. de Jesus - ··Código Penal Anotado··. Editora Saraiva. 1993.

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Pelo que proclamo a responsabilidade criminal de Solange Augusto Ferreira pela prática de estelionato, mediante abuso de poder, contra Adriana Lorandi Fer­reira Carneiro, definida no Código Penal, art. 171, caput, e art. 61, g.

Passo a examinar o quantitativo da pena a ser-lhe imposta.

A ré não possui antecedentes criminais (fi. 567) e apresenta normalidade na sua conduta social.

Como se aproveitou da confiança de sua amiga e colega, quando a recebia em sua casa, para lhe furtar cheques e prejudicá-la financeiramente, apresenta-se evi­dente a sua personalidade desvirtuada.

À época dos fatos, a acusada estava em movimentada vida social, recebendo hóspedes em sua casa, promovendo churrasco e festa de aniversário. A prática da conduta delituosa teve por motivação a obtenção da quantia significativa de R$ 6.000,00 (seis mil reais) da forma mais fácil e rápida que a ré pôde arquitetar, ilicitamente.

Quanto à culpabilidade, é de extrema importância observar que a acusada é servidora do Ministério Público, ocupando o cargo de Subprocuradora-Geral da Justiça Militar.

De acordo com Código de Processo Penal, art. 257, cabe ao Ministério Público promover e fiscalizar a execução da lei e, conforme dispõe o art. 24, é o titular da pretensão punitiva do Estado quando esta é levada ajuízo, competindo-lhe, pois, a função de acusar em nome da Justiça Pública.

A Constituição Federal, em seu art. 127, define o Ministério Público como uma instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e indivi­duais indisponíveis.

Diante da importância da função institucional do Ministério Público, há que se punir a ré, já que teve plena consciência da conduta delituosa praticada e de suas inquestionáveis conseqüências.

Portanto, em razão das suas condições pessoais, a reprovabilidade da sua conduta é máxima, já que se trata de uma Subprocuradora-Geral da Justiça Militar, de cuja conduta exige-se a maior retidão.

As circunstâncias que cercaram a prática da infração penal são por demais sérias. Não obstante o valor insignificante em termos patrimoniais, duas folhas de cheque foram furtadas de sua colega de trabalho, da Subprocuradora-Geral da Jus­tiça Militar Adriana Lorandi. Como crime-meio para a prática do estelionato, foi realizada afalsificação da assinatura de Adriana. Por certo que, como a potencia-

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JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

lidade lesiva do falsum se exauriu completamente na fraude do estelionato, foi por este crime absorvida (Súmula n. 17/STJ). Entretanto, a gravidade das condutas perpetradas pela ré na realização do crime deve ser efetivamente relevada.

Como algumas das conseqüências danosas advindas da prática delituosa da ré, além do prejuízo significativo de R$ 6.000,00 (seis mil reais), valor de 27 de janeiro de 1997, verifica-se que a secretária Cláudia Alessandra Tiburtino Neves foi remanejada de suas tarefas funcionais (fi. 694) e que o Antônio Rodrigues da Silva perdeu o cargo de Oficial de Gabinete do Procurador-Geral (fi. 1.187).

Com base nos motivos expostos, fixo a pena-base em dois anos e três meses de reclusão e 180 dias-multa, estabelecendo o valor do dia-multa em um quinto do salário mínimo vigente à época dos fatos, corrigido monetariamente, tendo em vista a situação financeira da ré.

Como a ré se utilizou da sua condição de Subprocuradora-Geral da Justiça Militar para obter tratamento diferenciado junto aos funcionários do Banco e prin­cipalmente para ordenar que o servidor do Ministério Público Militar Antônio Ro­drigues da Silva fosse à agência do Banco do Brasil do Tribunal Superior Militar para realizar o saque, conforme claramente foi narrado na denúncia (emendatio libell~ CPp, art. 383), impõe-se, ademais, a aplicação da agravante prevista no Cp, art. 61, lI, g, uma vez que agiu em claro abuso de poder.

Pelo que aumento a pena restritiva de liberdade de um terço (CP, art. 61, lI, g),

elevando-a, de forma definitiva, para três anos de reclusão.

Assim, julgo procedente a denúncia oferecida contra Solange Augusto Fen·eira

para condená-la a três anos de reclusão e ao pagamento de 180 dias-multa, confor­mejá fixado cada dia-multa em 1/5 do salário mínimo vigente à época dos fatos.

Considerando que a pena privativa de liberdade aplicada é superior a um ano e que o crime foi praticado mediante abuso de poder, determino como efeito da condenação a perda do cargo público, nos termos do Código Penal Brasileiro, art. 92, I, letra a, conforme redação dada pela Lei n. 9.268 de lU de abril de 1996.

Tendo em vista tratar-se de ré primária e por considerar socialmente recomen­dável, a condenada deverá cumprir a pena, desde o início, em regime aberto (CP, art. 33, § 2u, c).

Verificando que a pena privativa de liberdade não é superior a quatro anos (CP, art. 44, I, § 2U), substítuo-a por duas restritivas de direito, a serem definidas pelo Juízo das Execuções, segundo as aptidões da condenada.

É o voto.

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VOTO-VENCEDOR

o Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito: O Ministério Público Federal pediu a abertura de inquérito contra a ré, Subprocuradora-Geral da Justiça Militar, com base em procedimento de sindicância oriunda de comunicação verbal da Dra .

Adriana Lorandi Ferreira Carneiro de que duas folhas de seu talonário de cheques foram subtraídas, com a conseqüente falsificação de cheque.

O relatório da sindicância concluiu pela existência de hipótese tipificada na legislação penal (estelionato e falsificação documental), assinalando que, "embora não nos caiba definir responsabilidades, não podemos deixar de consignar que uma das versões, talvez a que mais robusta prova - ainda que precária pela natureza da apuração - apresenta, sinaliza no sentido existência de indícios contra membro do Ministério Público Militar, in casu contra a Dra . Solange Augusto Ferreira, Sub­procuradora-Geral da Justiça Militar, o que desvia a rota da apuração para o nível de polícia judiciária, cuja autoridade passa a ser o Exm.U. Sr. Procurador-Geral da República, a teor do parágrafo único do art. 18 da Lei Complementar n. 75/1993" (fi. 81), transcrevendo o dispositivo.

O relatório foi homologado pelo Procurador-Geral da Justiça Militar (fls. 85 a 88).

Após realizadas diversas diligências, incluído exame documentoscópico (fis. 483 a 488), foi oferecida denúncia contra Solange Augusto Ferreira, considerando que as "provas carreadas para os autos são aptas a ensejarem a reprimenda penal perquirida por este Ministério Público Federal. A autoria e materialidade restaram comprovadas através do laudo e provas testemunhais que são harmônicas e conver­gentes para imputarem, à ora denunciada, a obtenção da vantagem ilícita, median­te fraude, e a responsabilidade pelo dano patrimonial causado" (fls. 553/554), estando incursa nas penas do artigo 171, caput, do Código Penal (fls. 547 a 555).

Em resposta à notificação, a indiciada apresentou suas razões concluindo que o "Ministério Público da União, com a devida venia, infirma a acusação em 'sus­peitas', em contradições; em vagos indícios, esquecendo-se que, pressuposto, insu­perável para que prospere uma ação penal, se tem na presença da materialidade, ao lado da identificação da autoria" (fi. 645).

A Corte Especial, em sessão de 17.11.2000, acolheu o voto do eminente Rela­tor, Senhor Ministro Edson Vidigal, no sentido que "a denúncia narra efetivamente fato delituoso, em tese, com todas as suas circunstâncias, a qualificação da acusada e do crime, apresentando rol de testemunhas" (fl. 665), e, ainda, que a "materialida­de do crime restou devidamente comprovada, através do laudo de exame documen­toscópico de fls. 2211226 e os depoimentos que embasam a peça acusatória são

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JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

inegavelmente convergentes e harmônicos com o contexto dos fatos, existindo, por­tanto, indícios razoáveis da autoria" (fi. 665).

O interrogatório foi realizado (fIs. 693 a 696).

A ré afirma que impetrou habeas corpus junto ao Supremo Tribunal Fede­ral, convencida de que o processo sequer deveria ter sido instaurado, afirmando que "não há o que dizer em termos de defesa prévia, além de negar o fato" (fi. 723), apresentando o seu rol de testemunhas (fIs. 722 a 724).

O eminente Relator determinou a realização de perícia nos cheques constantes nos autos (fi. 107), conforme requerido pelo Ministério Público Federal.

Foi feita a oitiva das testemunhas arroladas e apresentado o laudo do Instituto Nacional de Criminalística do Departamento de Polícia Federal (fIs. 1.052 a 1.056).

Em suas alegações finais, o Ministério Público Federal afirma que a autoria e a materialidade foram comprovadas através do laudo e das provas testemunhais.

A ré afirma que o novo laudo pericial juntado aos autos nada difere do anterior, com a mesma conclusão de que impossível determinar a autoria, "ou seja, quem teria subscrito tal cheque, vez que provenientes de decalque" (fi. 1.178). Assevera que causa "estranheza o fato dos experts não terem respondido aos quesitos for­mulados pelos patronos da acusada, o que, de certa forma, invalida o aludido laudo" (fi. 1.179). Por fim, esclarece "que não foram sequer colhidos novos padrões gráficos, para serem utilizados na elaboração da nova perícia requerida pela ilus­tre representante do Ministério Público Federal, por ocasião do interrogatório da acusada, donde se conclui que foram utilizados os mesmos padrões colhidos anteri­ormente, ou seja, no ano de 1998" (fi. 1.179).

Nas alegações finais, a acusada começa por afirmar que não foi avisada do julgamento do habeas corpus no Supremo Tribunal Federal, realizado sem a presença de seus advogados e, em seguida, anota que na audiência que se seguiu ao interrogatório, o Relator "pretendeu ouvir as testemunhas de defesa antes de que fossem chamadas as testemunhas de acusação, inversão processual que a defesa não admitiu" (fi. 1.185). Assinala, ainda, que não há divergência entre os laudos, mas, sim, convergência no que conceme à conclusão "impossibilidade de identifi­car a Autoria na falsificação do cheque de R$ 6.000,00, de que tratam o inquérito na Procuradoria Geral da Justiça Militar, e a Denúncia firmada pela Dra . Delza CurveI o Rocha, Subprocuradora-Geral da República" (fi. 1.185). Para a acusada, não há como identificar a autoria da falsificação por decalque do cheque de R$ 6.000,00, "indevidamente acatado pela gerência do Banco do Brasil" (fi. 1.185). Adiantou, também, que o cheque objeto da falsificação "teria sido apresentado no Posto Sumit do Banco do Brasil, no dia 27.01.1997 e, segundo a narrativa, des-

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contado, apesar da inexistência de autógrafo da Denunciada, de conta corrente em seu nome, de quaisquer conferência, até porque era ele pertinente a talonário da Dra . Adriana Lorandi Ferreira Carneiro, sendo, porém, da agência situada na sede da Procuradoria Geral da Justiça Militar" (fl. 1.186). Assegura, ainda, que não houve prejuízo porque a Dra. Adriana foi imediatamente ressarcida, vez que coberto o valor sacado, sendo certo que o banco lesado jamais ofereceu representação, "nos termos da lei, indispensável para que prosperasse a ação penal" (fl. 1.187). A acu­sada assevera que, ademais disso, ninguém prova que a acusada tirou vantagem, "locupletou-se do valor de R$ 6.000,00 do cheque indevidamente acatado pelo Ban­co do Brasil, e este, de sua vez, não ofereceu qualquer representação a respeito do que quer que seja, sobre a hipótese" (fI. 1.188). Afirma a acusada que não há demonstração de quem tenha sido vítima do ardil. Conclui as suas alegações nos termos que se seguem:

''A bem dizer, Senhores Ministros, somente esteve com este cheque em mãos, o Sr. Luiz Guilherme, que o teria transmitido a seu colega de outra agência, afiançando ser documento hábil, que poderia ser acatado.

E o talonário de onde teria sido retirado o cheque falsificado, quem nele pôs as mãos? O Sr. Luiz Guilherme, gerente da agência do Posto da Procura­doria Geral da Justiça Militar, e a titular da conta, Dra. Adriana Lorandi Ferreira Carneiro.

Por um passe de mágica, no fim da história, vimos que a Acusada teria sido capaz de maquinar, urdir, todo esse imbróglio bancário, viabilizando lucro, em prejuízo alheio.

Que lucro teve a Denunciada?

O processo a que responde, ao fim de uma carreira brilhante, no mo­mento em que buscava sua aposentadoria.

Enfim, Senhores Julgadores, os autos revelam o nada, o nenhum a que chegou a apuração" (fls. 1.188/1.189)

É o relatório.

Começo por destacar três pontos que me parecem de relevância para o julga­mento da causa. Primeiro, o fato de a conclusão dos laudos periciais serem conver­gentes no sentido da impossibilidade de identificação da autoria; segundo, a ques­tão da tipificação do crime mencionado na denúncia, de fato, exigir a obtenção de vantagem; terceiro, a materialidade.

Quanto ao primeiro ponto, a perícia, na verdade, apenas afirmou que a assi­natura foi falsificada e foi decalcada da assinatura da Dra . Adriana, constante do

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cheque n. 000058, que fora entregue à acusada em pagamento decorrente de com­

pra de linha telefônica. Quanto à autoria, entretanto, asseverou ser impossível de­

tectá-la.

Quanto ao segundo ponto, sem dúvida, o tipo do art. 171, caput, do Código Penal, não dispensa a lesão ao patrimoniaL Já mestre Nelson Hungria ensinava que o "estelionato é o crime patrimonial mediante fraude: ao invés da clandestini­

dade, da violênciafisica ou da ameaça intimidativa, o agente emprega o engano ou

se serve deste para que a vítima, inadvertidamente, se deixe espoliar. É uma forma evoluída da captação do alheio", destacando que na "estrutura do crime, apresen­

tam-se, portanto, quatro momentos, que se aglutinam em relação de causa e efeito:

a) emprego de fraude (isto é, de 'artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulen­to'); b) provocação ou manutenção (couoboração) de euo; c) locupletação ilícita;

d) lesão patrimonial de outrem", sendo certo que a "locupletação ilícita deve estar

em couelação causal com a lesão patrimonial". ("Comentários ao Código Penal",

Forense, voI. VII, 2a ed., pp. 164,202 e 209). Para mestre Hungria, o "estelionato é crime tipicamente material: sua consumação depende da efetiva obtenção da

vantagem ilícita, couespondente à lesão patrimonial de outrem. Sem o binômio

proveito ilícito-prejuízo alheio, o que pode apresentar-se é a tentativa de estelionato" (op. cito p. 227).

No Código Penal Comentado de Delmanto também está no tipo objetivo a necessidade de quatro requisitos: "1°) o emprego, pelo agente, de artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento; 2°) induzimento ou manutenção da vítima em

euo; 3°) obtenção de vantagem patrimonial ilícita pelo agente; 4°) prejuízo alheio

(do enganado ou de terceira pessoa). Portanto, mister se faz que haja o duplo resul­

tado (vantagem ilícita e prejuízo alheio) relacionado com a fraude (ardil, artifício

etc.) e o euo que esta provocou", estando no tipo subjetivo o dolo (Renovar, 5a ed., p.356).

Mirabete, igualmente segue a mesma orientação, assinalando, quanto ao tipo objetivo, que a "conduta do estelionato consiste no emprego de meio fraudulen­to para conseguir vantagem econômica ilícita. A fraude pode consistir em artifício,

que é a utilização de um aparato que modifíca, aparentemente, o aspecto material

da coisa ou da situação etc., em ardil, que é a conversa enganosa, em astúcia, ou

mesmo em simples mentira, ou em qualquer outro meio para iludir a vítima, inclu­

sive no inadimplemento contratual preconcebido, na emissão de cheques falsifica­

dos, furtados, dados em garantia de dívida etc. Para a caracterização do ilícito é necessário que o meio fraudulento seja a causa da entrega da coisa" ("Código Penal

Interpretado", Atlas, São Paulo, 1999, pp. 1.094/1.095).

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Quanto ao terceiro ponto, a prova pericial é contundente sobre a materialida­de, ao lado dos demais elementos de prova constantes dos autos.

Com esses três pontos estabelecidos, o que se vai examinar é a prova com relação à autoria e com relação ao requisito do tipo objetivo relativo à lesão patri­monial, prejuízo alheio.

Quanto à autoria, o que se tem nos autos são os depoimentos prestados, con­siderando, ressalte-se uma vez mais, que não existe conclusão apontando a acusada como autora no laudo pericial. O objetivo, portanto, é esmiuçar a prova testemu­nhal para dela extrair os elementos que comprovem, ou não, a autoria.

A princípio, vale advertir que as alegações finais apresentam impugnação quanto ao valor do depoimento da testemunha de acusação Antonio Rodrigues da Silva, porque "comprometida com as negaças que se extraem de seu depoimento, e que chegou a apontar a Defendente, como responsável por ter perdido o cargo em comissão que exercia - acusação sem pé nem cabeça -, impossível, desde que o Procurador-Geral que o afastou era o Dr. Kleber Coelho" (fi. 1.187), e, ainda, que a testemunha ajuizou ação indenizatória contra a denunciada e contra o Banco do Brasil, mas desistiu; da mesma forma afirma ser curioso que o depoimento de Luiz Ferreira de Castro, "caixa no Posto de Serviço do Banco do Brasil, na Procuradoria Geral da Justiça Militar" (fi. 1.187) tenha pedido "demissão do seu emprego, funcio­nário de carreira que era, com alguns anos de serviço e exercendo função de confi­ança" (fi. 1.187). Não há nas alegações finais restrição do mesmo tipo quanto aos depoimentos das demais testemunhas.

Passemos, então, ao exame da prova.

No interrogatório, a acusada mencionou que pediu fosse descontado um che­que no valor de R$ 760,00 entregue pela Dra . Adriana referente à compra de uma linha telefônica. Aqui existe uma contradição. Primeiro, afirma que entregou o cheque e algum dinheiro em espécie ao Senhor Antônio Rodrigues da Silva; em seguida, afirma que entregou o cheque a sua secretária Cláudia Alessandra (fi.

694). Negou que tenha pedido a sua secretária que descontasse o cheque de R$ 6.000,00.

O depoimento da Dra . Adriana Lorandi, emitente do cheque de R$ 6.000,00, esclarece que ao receber o talonário guardou-o em sua bolsa, estando por alguns instantes na sede da Procuradoria, não se recordando se a deixou fora de seu alcan­ce; que foi ao almoço na casa da acusada, deixando sua bolsa, por sugestão da própria acusada, sobre um móvel interno, na sala de almoço, porquanto o churras­co acontecia ao ar livre; que não se recorda se sobre o referido móvel estavam outras bolsas, nem mesmo a bolsa de sua mãe; que o banco ressarciu o valor

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descontado indevidamente de sua conta corrente; que o servidor da Procuradoria Antônio Rodrigues da Silva era oficial de gabinete do Procurador-Geral da época e costumava prestar serviços aos Subprocuradores, incluído o de realizar pagamen­tos bancários; que soube que este servidor levou a desconto o cheque de R$ 6.000,00.

Antônio Rodrigues da Silva, servidor da Procuradoria, mencionado no depoi­mento da Dra . Adriana, afirma em seu depoimento que recebeu o cheque de R$ 6.000,00 diretamente da Dra. Solange na presença de outras pessoas, reconhecen­do, apenas, a enteada desta; que entregou à secretária da Dra . Solange, Dra . Cláu­dia, em espécie, R$ 6.000,00, demorando cerca de 35 a 40 minutos na operação.

A Dra . Cláudia Alessandra, então secretária da Dra. Solange, esclarece que tanto ela quanto a Dra . Solange conversaram com o Senhor Luiz Guilherme, caixa no posto do banco; que não ouviu a conversa da Dra . Solange com o Sr. Antônio, funcionário da Procuradoria já mencionado; que quando foi descontar o cheque de R$ 760,00 o caixa estranhou a assinatura da Dra . Adriana, porque havia resquícios de lápis, tendo ele se utilizado de uma borracha para apagar tais vestígios; que encontrou com o Sr. Antônio no posto, o qual indagava ao caixa se já poderia sacar o cheque de R$ 6.000,00; que entregou os R$ 760,00 pessoalmente à Dra . Solange e que recebeu do servidor Antônio pessoalmente R$ 6.000,00, que guardou a soma em uma gaveta de sua mesa porque a Dra . Solange não se encontrava na sala; que quando a Dra . Solange retomou, entregou os R$ 6.000,00, sugerindo que a acusada guardasse o dinheiro em um envelope, a qual fez em sua presença a conferência das cédulas no total indicado; que se encontrou com o Senhor Antônio na própria mesa em frente ao gabinete da Dra . Solange; que no primeiro telefonema ao Senhor Guilherme indagou em nome da Dra . Solange se poderia ser descontado o cheque de R$ 6.000,00 emitido pela Dra . Adriana, tendo repassado a informação para a Dra . Solange no sentido de que o posto não dispunha de numerário suficiente, a qual pediu-lhe que perguntasse se poderia ser descontado o cheque na agência do STM; que não se recorda de ter manuseado o cheque de R$ 6.000,00.

O Senhor Luiz Guilherme afirma em seu depoimento que falou ao telefone com a Dra. Solange, que teria voz inconfundível, embora não tivesse condições de associar voz e nomes de outros procuradores e de estar na função de caixa há 10 meses, aproximadamente; que o cheque de R$ 760,00 continha resquícios de grafi­te, apagados por ele com borracha; que falou com a secretária da Dra . Solange, não sabendo informar se o telefonema desta foi antes ou depois do da Dra. Solange.

O depoimento do Ministro Eduardo Victor Pires Gonçalves, Ministro aposentado do STM, esclarece que a acusada sempre se houve de forma capaz e eficiente no

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desempenho de suas funções, não conhecendo qualquer fato desabonador de sua conduta.

Ana Cirene Fernandes, amiga da acusada, pouco esclarece, o mesmo ocorren­do com o da testemunha Mariângela Carriço Crema.

A enteada da acusada, Márcia Gonçalves da Silva, afirma que o cheque desti­nou-se ao pagamento de aluguel de uma linha telefônica; que o cheque foi entregue ao Senhor Antônio, o qual não conseguiu descontá-lo na primeira oportunidade, não sabendo se ele foi recebido depois; que estava no local quando foi passado o cheque para o Senhor Antônio; que com relação ao cheque de R$ 6.000,00 afirma, apenas, que Dra. Adriana informou a Dra. Solange que uma pessoa o teria descon­tado a mando desta, não se recordando se tal fato ocorreu por telefone ou na casa da acusada, sendo de espanto a reação desta; que o banco não pediu autorização para a Dra . Adriana quando da liberação do cheque.

Este cenário indica que o cheque de R$ 6.000,00 foi recebido pela Dra . Solan­ge das mãos de sua secretária, a qual pediu que ele fosse descontado por um servi­dor da Procuradoria. Não há nos depoimentos das testemunhas da defesa nenhum elemento que permita afastar o fato de que a Dra . Solange diligenciou para que o cheque de R$ 6.000,00 fosse descontado em seu benefício. Anote-se que o depoi­mento da testemunha de defesa Márcia Gonçalves da Silva confirma que o servidor Antônio esteve no gabinete da Dra . Solange e dela recebeu um cheque para descon­tar. O cheque não foi aquele de R$ 760,00, utilizado para o decalque da assinatura da Dra . Adriana, porque este a própria Dra. Solange afirma que foi entregue para a sua secretária, a qual fez pessoalmente o desconto. Assim, tudo o que se tem nos autos leva à crença de que, efetivamente, a acusada recebeu o valor do cheque preenchido por pessoa diversa da titular da conta.

Houve, portanto, o benefício da acusada.

A defesa sustenta que não houve prejuízo da Dra . Adriana porque foi o valor ressarcido pelo banco. Mas esse argumento não tem, ao meu pensar, substância. E não tem porque o prejuízo existiu no momento em que descontado o cheque, preen­chido por meio de falsificação, não se podendo computar para afastar a tipificação o depósito feito pelo banco, consciente de sua responsabilidade pelo pagamento indevido do cheque. Seria mesmo contrária à própria disciplina positiva, que admi­te como circunstância atenuante ter o agente "procurado, por sua espontânea von­tade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as conseqüênci­as, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano" (art. 65, III, b, do Código Penal). No caso, a reparação do dano, com o ressarcimento feito pelo banco, que reconhe­ceu ter sido indevida a conduta de seu funcionário descontando o cheque, é fato alheio à tipificação do crime de estelionato.

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JURlSPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

Tenho, portanto, que a ação penal é procedente e a acusada merece ser conde­nada pelo crime previsto no art. 171, caput, do Código Penal.

A ré é primária e não tem antecedentes criminais. Não enxergo qualquer agra­vante, nem visualizo abuso de poder, ademais de não revelar qualquer conduta anormal em seu comportamento em sociedade.

Embora seja a ré primária, entendo que não está preenchido o segundo requi­sito do § 1.0 do art. 171, que manda aplicar a pena conforme o disposto no art. 155, § 2.0. Atendendo ao que dispõe o art. 59, condeno a ré à pena de reclusão de 01 (um) ano, em regime aberto, nos termos do art. 33, § 2.0, c, do Código Penal. Consideran­do o que dispõe o art. 44, § 2.0, c.c. o art. 49, do Código Penal aplico a substituição da pena privativa de liberdade pela pena de multa fixada em 100 (cem) dias-multa no valor de uma vez o salário mínimo.

Custas ex lege.

RATIFICAÇÃO DE VOTO

o Sr. Ministro Edson Vidigal: Senhor Presidente, o relatório e o meu voto foram distribuídos aos Srs. Ministros, de modo que seria até dispensável esta inter­venção, mas apenas desejo fazer brevíssimas observações quanto ao que sustentou o eminente Ministro-Revisor.

Primeiro, é que há, sim, prova material e provas testemunhais. Fartas provas materiais e fartas provas testemunhais. Os autos não dizem mais que isso.

Quanto aos laudos do Instituto de Criminalística da Polícia Federal, o que se poderia afirmar em favor da acusada é que não foi possível identificar a autoria da falsificação, porque, a teor da nossa Súmula n. 17, quando o falso se exaure no estelionato sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvida. Significa que a denúncia cuidou do crime de estelionato. A denúncia não cuidou de falsificação. E o estelionato tipifica-se tão-somente no art. 171, caput:

"Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento."

A questão é essa. O crime de falsidade foi absorvido pela ação. Havia, até determinado momento, um documento falsificado, um cheque: No momento em que esse cheque foi o motor, o instrumento da ação para induzir a erro a tantos, sucessivamente, causando prejuízo, configurou-se o estelionato.

Reitero o meu voto, nos termos em que foi aqui exposto, nas conclusões que trouxe, e, realmente, a pena que ao caso aplico é por considerar a primariedade e,

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até então, os bons antecedentes da ré, ora acusada, porque, se não tivesse bons antecedentes, aplicaria pena máxima: cinco anos.

São esses os esclarecimentos.

Penso que não preciso dizer mais nada, porque o relatório é fiel, tal e qual, até longínquo, demorado demais; fiz questão de extrair tudo o que, ao longo desses quase quatro anos, se produziu nessa instrução; fiz questão de distribuir o voto a V. Exas. para que não precisássemos mais alongar a discussão. Deixo bem claro que está provado, sim, o estelionato. Está provada, sim, a falsificação. Não se cuidou de buscar o autor, até porque já existiam os indícios suficientes da materialidade e da autoria quanto ao crime de estelionato.

Muito obrigado.

VOTO

o Sr. Ministro Francisco Peçanha Martins: Sr. Presidente, dos relatos feitos pelos eminentes Ministros Relator e Revisor, não me ficou dúvida quanto à falsifica­ção e o estelionato, um e outro resultaram provados.

Quanto à falsificação, como ambos os Ministros bem assinalaram, não foi possível estabelecer a autoria. O eminente Ministro-Relator talvez até chegasse a isso pelos indícios, mas o fato é que a autoria não estaria provada.

Também não tenho dúvidas quanto ao estelionato, uma vez que, pela prova testemunhal e pelas circunstâncias contidas no depoimento da ré, ressalta-se que teria recebido, afinal, a importância contida no cheque falsificado.

Porém, quanto à pena, acredito que a primariedade da criminosa conduz-me à posição do eminente Ministro Revisor.

Pedindo vênias ao Sr. Ministro-Relator, acompanho o voto do Sr. Ministro Revisor no que diz respeito ao quantitativo da pena.

VOTO-VOGAL

Ministro Humberto Gomes de Barros: Sr. Presidente, na verdade, preocupa-me o fato de que houve o estelionato. O Sr. Ministro-Relator descreveu, com muita precisão, o que podemos chamar de "o acontecimento". No estado de insegurança em que o Brasil encontra-se hoje, tal acontecimento teria resultado em um assalto fosse onde fosse.

Sr. Presidente, entendo que a pena aplicada pelo eminente Ministro-Revisor é bem dosada. Por isso, peço vênia ao Sr. Ministro-Relator para acompanhar o voto do Sr. Ministro-Revisor.

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JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

VOTO

o Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha: Sr. Presidente, a questão foi muito bem exposta. Pelo relatório nota-se o trabalho exaustivo que teve o Sr. Ministro-Relator nesse longo período de quatro anos para apurar todos os fatos que pudessem condu­zir ao esclarecimento de tudo quanto posto. Dos votos dos Srs. Ministros Relator e Revisor, percebe-se também a ocorrência dos crimes imputados à ré Solange Augus­to Ferreira, e nesse aspecto acompanho ambos os votos de S. Exas.

Com relação à tipificação, peço vênia ao eminente Ministro-Relator para acompanhar o voto do douto Ministro-Revisor pelos motivos expostos por S. Exa.

VOTO

o Sr. Ministro José Delgado: Sr. Presidente, peço vênia ao eminente Ministro­Relator para acompanhar o Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito. É princípio de Direito Penal que a pena-base só poderá ser aumentada da mínima estabelecida se os fatos forem relevantes.

Acompanho o eminente Ministro-Relator quanto à configuração do delito e o eminente Revisor quanto à fixação da pena, uma vez que o abuso de poder não está caracterizado.

VOTO

o Sr. Ministro José Arnaldo da Fonseca: Sr. Presidente, com a vênia do emi­nente Ministro Edson Vidigal, que fez um excelente trabalho, acompanho o eminen­te Ministro-Revisor na conclusão.

VOTO

o Sr. Ministro Fernando Gonçalves: Sr. Presidente, acompanho o voto do Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, pedindo vênia ao Sr. Ministro Edson Vidigal.

Atendendo ao que dispõe o art. 59, condeno a ré à pena de reclusão de um ano em regime aberto, nos termos do art. 33, § 2l.1, letra c, do Código Penal e, conside­rando o que dispõe o art. 44, § 2l.\ combinado com o art. 49 do Código Penal, aplico a pena substitutiva da pena privativa de liberdade, a pena de multa, que fixo em cem dias-multa, no valor de uma vez o salálio mínimo, nos termos legais, com custas ex lege.

VOTO

o Sr. Ministro Felix Fischer: Sr. Presidente, com a devida vênia, acompanho o voto do Sr. Ministro-Revisor.

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REVISTA DO SUPERlOR TRlBUNAL DE JUSTIÇA

VOTO

o Sr. Ministro Gilson Dipp: Sr. Presidente, acompanho parcialmente o voto do Sr. Ministro-Relator em relação à dosimetria da pena. Fico com S. Exa . até onde aplica, e com todas as suas fundamentações, a pena-base em dois anos e três meses de reclusão e 180 dias-multa, mas estou afastando a agravante prevista no art. 61, Inciso II, letra g, porque não vislumbro o abuso de poder quanto ao tratamento diferenciado junto aos funcionários do Banco e junto ao servidor do Superior Tribu­nal Militar. Portanto, fixo a pena-base em dois anos e três meses de reclusão e 180 dias-multa. Como a pena é inferior a quatro anos e o crime não é próprio de funcio­nário, afasto, também, a perda do cargo.

Então, voto no sentido de que a pena-base seja de dois anos e três meses de reclusão e 180 dias-multa e, como fez o Sr. Ministro-Revisor, verificando que é inferior a quatro anos (art. 44), substituo-a, também, por duas restritivas de direito, a serem definidas pelo juiz da execução.

VOTO-VOGAL

o Sr. Ministro Hamilton Carvalhido: Sr. Presidente, Senhores Ministros, tanto quanto pude e com o maior empenho possível, ouvi a sustentação das partes, o relatório e os votos dos ilustres Ministros Relator e Revisor, tanto quanto todos os votos que se seguiram por parte do Ministério Público, por parte da defesa, e exami­nei atentamente os documentos que recebi, dos quais me tenho socorrido durante o julgamento.

Penso que se pode ter como absolutamente assentado, no caso presente, a falsificação do cheque de número final 0061, no valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais) e induvidosamente provado o dano sofrido pela instituição bancária.

Diante do que tenho como provado, parece-me que a classificação jurídica atribuída aos fatos é, efetivamente, aquela do artigo 171 do Código Penal, por falso o cheque de número final 0061.

Creio que está bem estabelecido que o cheque de número final 0058, no valor de R$ 760,00 (setecentos e sessenta reais), teria servido à falsificação por esse decalcar da assinatura.

Precisamente a partir de tais pontos, penso ser necessário suscitar duas ques­tões. Trata-se de crime cuja pena mínima é de um ano e, portanto, de processo que admite a suspensão condicional. Tenho entendimento de que, senão proposta a suspensão, esta poderá ser apresentada enquanto houver possibilidade de suspensão do processo. Creio que ainda é oportuno o oferecimento da suspensão ou, melhor dizendo, ensejar-se à Acusação Pública que a proponha.

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JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

Por fim, falta-me um grau necessário de convicção, relativamente ao caixa do banco, que me impõe o exame, pelo menos, de parte do conjunto da prova.

Por essas razões, Senhores Ministros, peço vista dos autos.

VOTO-VISTA

o Sr. Ministro Hamilton Carvalhido: Senhor Presidente, preliminarmente, voto no sentido de que seja ensejado ao Ministério Público manifestar-se sobre a suspensão condicional do processo, plenamente cabível ainda nesta fase em que se encontra o feito, eis que ainda não julgado, comportando, perfeitamente, a suspen­são, cujo juízo de suficiência, compete exclusivamente ao Parquet.

Justificando o voto-preliminar, enfatizo que se trata de delito, o que foi impu­tado à ré, com pena mínima não superior a um ano (artigo 171 do Código Penal), e que, ao tempo do oferecimento da denúncia (20 de setembro de 1999), encontra­va-sejá em vigor a Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995, que em seu artigo 89 instituiu a medida penal em causa.

Negada a suficiência da suspensão do processo pelo Ministério Público, há que se prosseguir no julgamento do processo, certamente já então livre do vício que está a agravá-lo.

Meritoriamente, pedi vista dos autos, fundamentalmente, porque os elementos documentais que me foram distribuídos viabilizavam, ainda que remotamente, a probabilidade de que o caixa do Posto de Serviço do Banco do Brasil na Procurado­ria Geral de Justiça Militar; Luiz Guilherme Ferreira de Castro, em seu importante depoimento, embora sobre ponto não essencial, pudesse haver faltado com a verda­de, ao declarar que o cheque de R$ 760,00 (setecentos e sessenta reais), n. 000058, havia sido emitido ao portador e que, por essa razão, diante da impossibilidade de pagá-lo, por ser de valor superior a R$ 100,00 (cem reais), ele mesmo "no campo apropriado preencheu o nome da Dra Solange Ferreira e pediu para que sua secre­tária Cláudia retomasse à Dra para que a mesma endossasse o cheque".

Examinando a espécie, contudo, verifiquei que o cheque ora em consideração, número 000058, no valor de R$ 760,00 (setecentos e sessenta reais), cuja validade não se discute, foi efetivamente emitido "ao portador e cruzado", como confirmado, em suas declarações, por Adriana Lorandi Ferreira Carneiro, resultando certo que o cheque nominal a que se referiu o caixa Luiz Guilherme, em depoimento posterior que prestou, era o de n. 000061, no valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais), que foi falsificado.

Mostra-se, assim, firme e idônea a prova oral que integra o eloqüente e sufici­ente conjunto da prova dos autos, daí por que acompanho, por inteiro, os votos dos

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eminentes Ministros Relator e Revisor nos fundamentos e no julgamento da proce­dência da ação penal, tendo, como tenho, como inquestionável o delito, na sua existência material e autoria.

Todavia, no que respeita à resposta penal, sem outra cabível consideração, a

só imposição de multa substitutiva, afora insuficiente, como nos parece, conduzirá à extinção da punibilidade do crime pela prescrição retroativa da pretensão punitiva, nos exatos termos do artigo 114, alínea a, do Código Penal.

Estou, assim, a divergir dos Ministros que me antecederam, na exata medida em que condeno a ré, como incursa nas sanções do artigo 171 do Código Penal, a 2 anos de reclusão e 20 dias-multa, obtidos a partir da pena-base de 1 ano e 6 meses e 15 dias-multa, fixada à luz do elevado grau da culpabilidade da imputada - que se houve com plena consciência da ilicitude do fato, como ínsito no seu comporta­mento e na sua qualidade funcional, sendo-lhe, a mais, plenamente exigível que se conduzisse conforme o direito, ante as suas condições de vida, funcionais e sociais, e as circunstâncias em que o agir criminoso teve lugar -, e do seu aumento, da pena-base antes indicada, em 6 meses e 5 dias-multa, por força da agravante obri­gatória prevista no artigo 61, alínea g, última parte, do Código Penal, pois que compreende os deveres gerais e especiais inerentes ao cargo e a conduta delituosa foi em parte praticada no próprio local em que a ré exerce a sua função pública, na hora do expediente e com a utilização de funcionários públicos, em horário de serviço, como executores incientes do delito, afora integrarem a própria fraude criminosa urdida, a fé e o respeito à dignidade que merece por parte de toda Soci­edade, especialmente, daqueles que prestam serviços privados à Instituição, o cargo de Subprocuradora-geral de Justiça Militar, tudo a caracterizar violações várias de deveres inerentes ao cargo público exercido.

Aplicada embora no dobro do mínimo legal, a primariedade e os antecedentes da ré autorizam o regime aberto, como inicial de cumprimento.

O valor unitário do dia-multa é estabelecido em meio salário mínimo, em face da situação econômica da ré.

Substituo a pena privativa de liberdade pela prestação de serviço à comunida­de, com base no artigo 44, parágrafo 2"1, do Código Penal.

Declaro, como efeito da condenação, a perda do cargo público, com o qual faz­se incompatível a ré, por se cuidar de crime praticado com violação de deveres para com a Administração Pública, entre os quais, o desempenho da função pública com probidade e decoro, com observância das normas legais, com lealdade à Instituição a que serve e de forma compatível com a moralidade administrativa (Lei Comple­mentarn. 75/1993, artigos 236 e 287, e Lei n. 8.112/1990, artigos 116 e 117).

Nesta linha de entendimento, a nosso ver, a melhor doutrina:

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JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

"Essa previsão não se destina exclusivamente aos chamados crimes fun­cionais (arts. 312 a 347 do CP), mas a qualquer crime que um funcionário público cometer com violação de deveres que a sua condição de funcionário público impõe, cuja pena de prisão aplicada seja igualou superior a um ano, ou, então, a qualquer crime praticado por funcionário público, cuja pena aplicada seja superior a quatro anos de prisão." (Cezar Roberto Bitencourt, in "Manual de Direito Penal, Parte Geral", voI. 1, Ed. Saraiva, 2000, p. 630)

"De primeiro, tem-se a perda de cargo, função pública ou mandato eleti­vo (art. 92, l, CP). Esse efeito - de natureza administrativa e política - não se encontra necessariamente subordinado à prática de crime contra a Admi­nistração Pública (Título XI, Código Penal); ao contrário, pode decorrer de qualquer infração, desde que satisfeitos - alternativamente - os seguintes requisitos: a) aplicação de pena privativa de liberdade por tempo igualou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública (art. 92, l, a; b) aplicação de pena privativa de liberdade por tempo superior a quatro anos nos demais casos (art. 92, l, b." (Luiz Regis Prado, in "Curso de Direito Penal Brasileiro, Parte Geral", voI. 1, Ed. Revista dos Tribunais, 2002, p. 585).

É o voto.

ADITAMENTO AO VOTO

o Sr. Ministro Edson Vidigal: Senhor Presidente, quanto à questão do sursis processual aqui trazida pelo eminente Ministro Hamilton Carvalhido, a Lei n. 9.099/1995, no art. 89, verbis:

"Nos crimes em que a pena mínima cominada for igualou inferior a um ano, abrangidos ou não por esta lei, o Ministério Público, ao oferecer a denún­cia, poderá propor a suspensão do processo por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicio­nal da pena, que é o Código Penal, art. 77."

Código Penal, art. 77, verbis:

''A execução da pena privativa de liberdade não superior a dois anos poderá ser suspensa por dois anos a quatro anos, desde que:

I - o condenado não seja reincidente em crime doloso;

II - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício."

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Em princípio, digo eu, cometido o crime, deve ser instaurado o processo cri­minal. No entanto, cabe ao Ministério Público como dominus litis, após verifi­car o preenchimento das exigências legais - crime com pena mínima igualou inferior a um ano; que o réu não esteja respondendo a outro processo; que não seja reincidente em crime doloso; que as condições de culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, os motivos e as circunstâncias do crime sejam supostamente favoráveis ao acusado - cabe ao Ministério Público oferecer a proposta de suspensão condicional do processo.

Consoante a clara disposição do art. 89 da Lei n. 9.099/1995, somente o Ministério Público, titular da ação penal, tem legitimidade para propor o sursis processual ou não.

Por sua vez, pode o acusado aceitar ou não os termos do proposta. Trata-se, portanto, de ato bilateral: já que ambos os pólos fazem concessões mútuas. Enquan­to o órgão de acusação deixa de promover o curso regular do processo, o acusado renuncia ao seu direito de demonstrar a sua inocência, em troca de ver extinta a sua punibilidade após o término do prazo estipulado na proposta.

"Assim, preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos da Lei n. 9.099, de 1995, art. 89 (art. 77 do Código Penal), cabe ao Ministério Público propor a suspensão condicional do processo, e, ao acusado aceitar ou não, e, se for o caso, ao Juiz suspender. Observe que ao Juiz cabe apenas suspender; ou seja, o Ministério Público é o único legitimado para ofertar a proposta de suspen­são condicional do processo, sendo inadmissível sua realização ex officio pelo Magistrado, ou pelo Tribunal, ou órgão colegiado."

A propósito, Silva Jardim:

"Ao juiz é vedado fazer a proposta de aplicação de pena acima mencio­nada. Dentro do sistema processual acusatório, não é dado ao juiz provocar a sua própria jurisdição. Não pode o juiz acusar o autor do fato de ter praticado determinada infração de menor potencial ofensivo e sugerir-lhe a aplicação de uma pena. A relação processual assim teria feição meramente linear, pró­pria do sistema inquisitório. Teríamos um processo penal sem a presença do autor da ação penal que, pela Constituição da República, é de exclusividade do Ministério Público. c. .. ) Trabalhando dentro desta ótica, pode-se entender porque o Juiz não pode fazer de ofício a proposta de suspensão do processo contra a vontade do titular da ação penal pública. Primeiro, porque estaria dispondo do que não tem: o direito de ação; segundo, porque estaria impedin­do que o titular do direito de ação - que tem natureza constitucional -continue a exercê-lo, porque estaria excluindo o Ministério Público da própria

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JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

relação processual penal, destruindo a actum trium personaraum, pró­prio do sistema acusatório."

Sr. Ministro José Arnaldo da Fonseca, no Recurso Especial n. 511.077/SP:

"A suspensão condicional do processo, instituto regido pelo art. 89 da Lei n. 9.099, de 1995, alcança os crimes em que a pena mínima cominada seja igualou inferior a um ano. Conforme reiterado entendimento jurisprudencial desta Corte, a iniciativa quanto à suspensão do processo, nos termos da res­pectiva legislação, não pode ser do Poder Judiciário, sendo privativa do Minis­tério Público."

No caso em tela, ao ofertar a denúncia, o Ministério Público nada falou sobre isso; se fez silente.

É o que está nos autos, e é o que tenho a dizer como Relator de toda a instru­ção processuaL

A denúncia foi recebida no dia 17 de novembro de 2000 por esta Corte Especial. O Ministério Público, naquela ocasião, não se manifestou sobre essa proposta, tam­pouco requereu à parte-ré qualquer pronunciamento sobre a aplicação ou não da suspensão, pelo que a instrução transcorreu normalmente, vindo os autos a este momento de julgamento final. Apesar de a instrução ter sido levada a efeito e que se tenha concluído, inclusive, pela efetiva responsabilidade criminal da acusada. Ano­to, ainda, se possível, a propositura da suspensão, porque se entende que o Ministé­rio Público, com base nas determinações do art. 89 da Lei n. 9.099/1995, que tam­bém se reporta aos requisitos exigidos no Código Penal, art. 77, deve ofertar, ou não, a suspensão condicional do processo, manifestando-se expressamente quanto ao pre­enchimento ou não dos requisitos objetivos e subjetivos: 1) Pena mínima cominada ao crime for igualou inferior a um ano; 2) que a condenada não esteja respondendo a outro processo; 3) que não seja reincidente; 4) que a culpabilidade, os anteceden­tes, a conduta social e a personalidade sejam favoráveis à ré e 5) que os motivos e as circunstâncias do crime identifiquem a suficiência da medida alternativa.

Assim, quero apenas acrescentar essas considerações ao voto que inicialmente havia proferido em razão da questão preliminar suscitada pelo eminente e sempre respeitado processualista penal Sr. Ministro Hamilton Carvalhido.

É o voto.

VOTO-VOGAL

A Sra. Ministra Eliana Calmon: Sr. Presidente, acompanho o voto do Sr. Minis­tro-Relator; no entanto, fixo a pena de acordo com o esposado pelo Sr. Ministro Hamilton Carvalhido, ou seja, um ano e seis meses, porque entendo que a pena-

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base de uma pena que vai de um a cinco anos é muito pequena para a personalida­de que demonstrou ter a acusada.

Entendo também pertinente à agravante o indicado por V Exa . na alínea g do art. 61. Efetivamente, houve gravidade na conduta de alguém que tem uma respon­sabilidade de Subprocurador-Geral da Justiça Militar, ao cometer um crime no seio da sua casa, com uma pessoa que era sua amiga, envolver pessoas do seu trabalho, e cidadões humildes como uma secretária e um contínuo, não se podendo esquecer que este último perdeu o emprego por isso.

Razão pela qual acompanho inteiramente a fixação da pena indicada pelo Sr. Mnistro Hamilton Carvalhido, com a substituição de prestação de serviços à comunidade e a perda do cargo.

VOTO-VISTA

o Sr. Ministro Paulo Gallotti: Senhor Presidente, em exame, para voto-vista, a Ação Penal n. 18S/DF, em que é denunciada Solange Augusto Ferreira, Subprocura­dora-Geral da República da Justiça Militar, acusada da prática de estelionato que teve como vítima Adriana Lorandi Ferreira Carneiro, também Subprocuradora-Ge­ral da República da Justiça Militar, dizendo a conduta tida como delituosa com o desconto, junto ao Banco do Brasil, de um cheque no valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais), que teria sido subtraído de Adriana durante uma festa na casa de Solange e por esta recebido, em agência situada no Superior Tribunal Militar, através de funcionário de seu gabinete, evidenciando a perícia realizada a falsificação, por decalque, da assinatura da emitente.

O Ministro Edson Vidigal, Relator, na sessão de 18 de fevereiro deste ano, após minuciosa incursão nas provas, reconhecendo a materialidade da infração e a sua autoria, julgou procedente a denúncia.

Fixada a pena-base em 2 anos e 3 meses de reclusão e 180 dias-multa, seu voto diz incidir a agravante do art. 61, II, g, do Código Penal (abuso de poder), aumentando a pena restritiva de liberdade de um terço, totalizando 3 anos de reclu­são, inalterada a sanção pecuniária, estipulado cada dia-multa em um quinto do salário mínimo vigente à época dos fatos.

O regime prisional é o aberto.

A pena de reclusão é substituída por duas restritivas de direitos, com base no art. 44, § 211, do Código Penal, a serem definidas na execução.

Por fim, considerando que a sanção corporal é superior a um ano e que o crime foi praticado mediante o abuso de poder, determinou a perda do cargo públi­co, a teor do disposto no art. 92, l, a, do Código Penal.

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JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

De sua parte, o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, revisor, também aco­lhe a peça acusatória.

Diverge, no entanto, na imposição da pena.

Proclama em seu voto:

"Embora seja a ré primária, entendo que não está preenchido o segundo requisito do § 1.Q do art. 171 do Código Penal, que manda aplicar a pena conforme o disposto no art. 155, § 2.Q. Atendendo ao que dispõe o art. 59, condeno a ré à pena de reclusão de 1 (um) ano, em regime aberto, nos termos do art. 33, § 2.Q, do Código Penal. Considerando o que dispõe o art. 44, § 2.Q, c.c. o art. 49 do Código Penal, aplico a substituição da pena privativa de liberdade pela pena de multa fixada em 100 (cem) dias-multa, no valor de uma vez o salário mínimo."

Como conseqüência do acima transcrito, é possível concluir do voto do Minis­tro Carlos Alberto Menezes Direito:

a) que as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal foram considera­das normais;

b) que não se reconheceu a agravante levada em conta pelo Relator;

c) que não houve a fixação da multa relativa ao tipo penal tido como violado, por certo em decorrência de se ter como suficiente apenas a imposição de sanção pecuniária, e

d) que não se decretou a perda do cargo.

Os Ministros peçanha Martins, Humberto Gomes de Barros, Cesar Asfor Ro­cha, Ari Pargendler, José Delgado, José Arnaldo da Fonseca, Fernando Gonçalves e Felix Fischer também condenam a ré, mas aplicam a pena na linha do voto do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito.

Por sua vez, o Ministro Gilson Dipp segue o Relator, inclusive na fixação da pena-base, que toma definitiva, pois não reconhece a agravante, substituindo-a, da mesma forma, por duas medidas restritivas de direitos a serem definidas no juízo da execução.

Se afasta também do voto do Relator ao não decretar a perda do cargo.

Ainda na sessão de 18 de fevereiro, o Ministro Hamilton Carvalhido suscitou a questão relativa à suspensão condicional do processo e, após tecer considerações sobre a prova, pedir vista dos autos.

Na sessão de 3 de março, o Ministro Hamilton Carvalhido expressamente sustenta ser necessário o pronunciamento do Ministério Público sobre a possibilida­de de ser oferecido à ré o benefício da suspensão do processo.

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Depois de intervenção do Ministro Edson Vidigal, o Subprocurador-Geral da República Wagner Gonçalves, em nome do Ministério Público Federal, avaliando as circunstâncias do caso, se recusou a propor a aludida substituição.

Em seguida, o Ministro Hamilton Carvalhido, diante dessa promoção, mani-festou-se pelo prosseguimento do julgamento.

Também ele acolhe a denúncia e condena Solange Augusto Ferreira.

Aplica a pena-base de 1 ano e 6 meses de reclusão e 15 dias-multa.

Tem como presente a agravante mencionada e por isso eleva a reprimenda de 6 meses e 5 dias-multa, totalizando 2 anos de reclusão e 20 dias-multa, cada um no valor de meio salário mínimo.

Substitui a pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos de prestação de serviços à comunidade.

Como efeito da condenação, declara a perda do cargo público, "com o qual faz-se incompatível a ré, por se cuidar de crime praticado com violação de deveres para com a Administração Pública, entre os quais, o desempenho da função pública com probidade e decoro, com observância das normas legais, com lealdade à Insti­tuição a que serve e de forma compatível com a moralidade administrativa (Lei Complementar n. 75/1993, artigos 236 e 287, e Lei n. 8.112/1990, artigos 116 e 117)."

A Ministra Eliana Calmon acompanhou integralmente o Ministro Hamilton Carvalhido.

Pedi vista.

Quanto à suspensão condicional do processo, estou com o Ministro Hamilton Carvalhido.

Sim, porque diante da negativa formal do Subprocurador-Geral da República presente à sessão do último dia 3 de março de propor a concessão do benefício, não há outra providência a tomar senão a de prosseguir no julgamento.

Trata-se, deve ser remarcado, de ação penal pública originária, cuja iniciativa é privativa do Ministério Público, assim como também o é, no entendimento do Supremo Tribunal Federal, para dizer da conveniência da adoção desse mecanismo legal que impede seja deflagrada a ação penal, em verdadeira manobra de duas mãos, vale dizer, de encontro de vontades entre seu titular e o dito autor do fato delituoso.

Se não ocorrer essa disposição comum, não se estará diante da possibilidade de suspender o processo.

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JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

No caso, o Subprocurador-Geral da República, a teor do que dispõe o art. 61

de nosso Regimento Interno, funciona mediante delegação do Procurador-Geral,

isto é, em seu nome.

Assim, se recusando o Dr. Wagner Gonçalves, Subprocurador-Geral da Repú­

blica, em nome do Procurador-Geral, a propor a suspensão, não há mais o que fazer, impondo-se continuação do julgamento.

Veja-se a nossa jurisprudência:

'~ção penal de competência originária do Superior Tribunal de Justiça.

Pedido de arquivamento formulado pelo Subprocurador-Geral da República e

deferido pelo Relator (Lei n. 8.038/1990, art. 31l). Agravo regimental. Conhe­

cimento. No mérito, negado provimento.

O Subprocurador-Geral da República, que atua, no Superior Tribunal de

Justiça, nos casos de que trata o art. 48 da Lei Complementar n. 75, de 20 de

maio de 1993, o faz por delegação do Chefe da Instituição Ministerial e cons­tituiria um bis in idem submeter ao seu reexame a promoção do órgão

delegado. A delegação do Procurador-Geral a Subprocurador -Geral, juridica­

mente, equivale à atuação do primeiro. Na espécie, a distinção física é irrele­

vante.

O art. 28 do CPP apenas incidirá quando o membro do Ministério Públi­co Federal exercer atribuição própria, sem a qualificação de delegabilidade

com a qual não concordou o magistrado.

Agravo desprovido."

(AgRg na Notícia Crime n. 86/SP' Relator o Ministro Cesar Asfor Rocha, DJ de 11.06.2001)

Com idêntica compreensão dos votos até aqui proferidos, não tenho dúvida

em reconhecer a responsabilidade criminal de Solange Augusto Ferreira pelo crime

descrito na denúncia, destacando a precisa abordagem do elenco probatório opera­

da pelo Relator, o Ministro Edson Vidigal.

Passo à aplicação da pena.

Como resposta penal, pedindo vênia aos demais colegas, não vejo como dei­

xar de fixar a pena-base acima de seu mínimo legal, e de considerar presente a

agravante do art. 61, II, g, resultante essa opção de quadro fático bem apanhado

pelo Ministro Hamilton Carvalhido com a seguinte motivação:

"Estou, assim, a divergir dos Ministros que me antecederam, na exata

medida em que condeno a ré, como incursa nas sanções do artigo 171 do

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Código Penal, a 2 anos de reclusão e 20 dias-multa, obtidos a partir da pena­base de 1 ano e 6 meses e 15 dias-multa, fixada à luz do elevado grau de culpabilidade da imputada - que se houve com plena consciência da ilicitude do fato, como ínsito no seu comportamento e na sua qualidade funcional, sendo-lhe, a mais, plenamente exigível que se conduzisse conforme o direito, ante as suas condições de vida, funcionais e sociais, e as circunstâncias em que o agir criminoso teve lugar -, e do seu aumento, da pena-base antes indicada, em 6 meses e 5 dias-multa, por força da agravante obrigatória pre­vista no artigo 61, alínea g, última parte, do Código Penal, pois que compre­ende os deveres gerais e especiais inerentes ao cargo e a conduta delituosa foi em parte praticada no próprio local em que a ré exerce a sua função pública, na hora do expediente e com a utilização de funcionários públicos, em horá­rio de serviço, como executores incientes do delito, afora integrarem a própria fraude criminosa urdida, a fé e o respeito à dignidade que merece por parte de toda sociedade, Subprocuradora-Geral de Justiça Mílítar, tudo a caracterizar violações várias de deveres inerentes ao cargo público exercido."

Calcado nesses elementos, meu voto, com pequena diferença do Ministro Ha­milton Carvalhido, fixa a pena-base em 2 anos de reclusão e 20 dias-multa.

Em razão da agravante, aumento a pena de 6 meses e 5 dias-multa, perfazen­do um total de 2 anos e 6 meses de reclusão e 25 dias-multa.

Considerada a situação econômica da ré, estipulo cada dia-multa em um salá­rio mínimo.

o regime para cumprimento da pena de reclusão é o aberto.

Tendo como preenchidos os requisitos legais, notadamente por entender sufi­ciente à reprovação e à prevenção, substituo a pena privativa de liberdade, em face do contido no art. 44, § 2°, segunda parte, do Código Penal, por duas penas restri­tivas de direitos, consistentes no pagamento de prestação pecuniária arbitrada em vinte salários mínimos e prestação de serviços comunitários.

Delego ao magistrado encarregado da execução a atribuição de definir as entidades destinatárias do valor a ser pago e do serviço a ser prestado.

Finalmente, mesmo reconhecendo, diante das circunstâncias que o cercaram, a gravidade do delito praticado, não vejo razão, por ser facultativa, para determi­nar a perda do cargo, como efeito da condenação, notadamente porque os antece­dentes e a conduta social da acusada não fogem do padrão da normalidade, reve­lando-se o episódio aqui tratado, ao que consta dos autos, isolado em sua vida funcionaL

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JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

Em conclusão, o meu voto julga procedente a denúncia para condenar Solange Augusto Ferreira, como incursa no art. 171, caput, do Código Penal, a 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 25 dias-multa, cada um no valor de um salário mínimo.

O regime prisional é o aberto.

Substituo a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, uma de prestação pecuniária e outra de prestação de serviços à comunidade, ambas a serem executadas na forma antes disciplinada.

Após o trânsito em julgado, lance-se o nome da ré no rol dos culpados.

Custas na forma da lei.

É como voto.

VOTO-VOGAL

O Sr. Ministro Luiz Fux: Sr. Presidente, participei de todas as assentadas do julgamento desta ação penal, e, às vezes, a recentidade da composição do órgão tem vantagens e desvantagens. Neste caso, é uma grande vantagem.

Foram formulados inúmeros pedidos de vista e pude, atentamente, ouvir todos os votos e valorá-Ios com os preciosos argumentos sustentados, principalmente esse último proferido pelo Sr. Ministro Paulo Gallotti no sentido de que a aplicação da pena é discricionária ao magistrado, porque cada um tem a sua percepção das provas que foram produzidas e dos elementos norteadores do art. 59 do Código Penal.

Quero ressalvar que, no meu modo de ver, neste julgamento houve um simula­cro de oferecimento de suspensão condicional do processo. O Procurador da Repú­blica ofereceu a suspensão condicional do processo depois de bem adiantado o julgamento, invocada a questão pelo Sr. Ministro Hamilton Carvalhido.

Deveras, é cediço que se o imputado preenche as condições legais é um direito subjetivo dele a suspensão condicional do processo, por isso que a lei não estabelece discricionariedade do Ministério Público em oferecer a suspensão ou a escolha do momento em que ele a oferecerá. Nada obstante, isso não infirma a conclusão do voto.

Portanto, à luz das provas produzidas, dos belíssimos votos que me antecede­ram, aos quais não tenho absolutamente nada a acrescentar e, exatamente pelo caráter de exemplaridade e preventividade da pena, pela conduta, pela ausência de antecedentes, pelo bom convívio social destacado também pelo Sr. Ministro Paulo Gallotti, que inclusive aduziu tratar-se de um fato isolado na vida da imputada, acompanho o voto do Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Revisor, conde­nando a ré à pena de reclusão de um ano em regime aberto nos termos do art. 33, § 2'\ letra c, do Código Penal e, considerando o que dispõe o art. 44, § 2'\ combina-

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do com o art. 49 do Código Penal, aplico a pena substitutiva da pena privativa de liberdade, a pena de multa, que fixo em cem dias-multa no valor de uma vez o salário mínimo nos termos legais, com custas ex lege.

AÇÃO PENAL N. 216 - SP (2002/0058599-5)

Relator: Ministro Barros Monteiro

Autor: Luiz Calixto de Bastos

Advogado: Luiz Calixto de Bastos (em causa própria)

Réu: Fábio Prieto de Souza

EMENTA

Queixa-crime. Crimes contra a honra e violação de sigilo profissio­nal. Legitimidade ativa. Decadência. Exercício regular de direito.

- Ilegitimidade do querelante quanto ao delito do art. 325 do Código Penal, visto tratar-se de crime de ação pública incondicionada. Fato, ademais, atípico.

- Tocante aos crimes contra a honra, o prazo decadencial de seis meses conta-se da data em que o ofendido vier a saber quem é o autor do crime. No caso, tal fato somente ocorreu quando da publicação do voto­vista em que contidas as alegadas ofensas.

- Expressões enérgicas e veementes empregadas pelo querelado no julgamento de ação rescisória. Indícios de fraude na fixação de inde­nização na ação expropriatória. Aplicação por ele do art. 40 do CPP. Inexistência de conduta antijurídica, aplicando-se à espécie o inciso UI do art. 23 do Código Penal. Ausência ainda do elemento subjetivo, o dolo específico.

Queixa rejeitada.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas: Decide a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, rejeitar a queixa­crime, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator, na forma do relatório e notas

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JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

taquigráficas precedentes que integram o presente julgado. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Francisco Peçanha Martins, Humberto Gomes de Barros, Cesar Asfor Rocha, José Delgado, José Arnaldo da Fonseca, Fernando Gonçalves, Carlos Alberto Menezes Direito, Felix Fischer, Aldir Passarinho Junior, Gilson Dipp, Eliana Calmon, Franciulli Neto, Antônio de Pádua Ribeiro e Fontes de Alencar. Ausentes, ocasionalmente, o Sr. Ministro Francisco Falcão, e, justificadamente, os Srs. Minis­tros Ari pargendler, Hamilton Carvalhido, Jorge Scartezzini e Nilson Naves (Presi­dente). Licenciado o Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, sendo substituído pelo Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior. Sustentaram oralmente os Drs. Francisco Adalberto da Nóbrega pelo Ministério Público Federal e Ronaldo Augusto Bretas Marzagão pelo réu Fábio Prieto de Souza.

Brasília (DF), 05 de novembro de 2003 (data do julgamento).

Ministro Edson Vidigal, Presidente

Ministro Barros Monteiro, Relator

DJ de 19.12.2003

RELATÓRIO

o Sr. Ministro Barros Monteiro: 1. Luiz Calixto de Bastos, advogado, Juiz Federal aposentado, ajuizou queixa-crime contra Fábio Prieto de Souza, Juiz do Tribunal Regional Federal da 3a Região, imputando-lhe a prática dos delitos de calúnia, injúria, difamação, violação de sigilo funcional e abuso de poder, pelos fatos e alegações a seguir resumidamente expostos:

Como Juiz Federal em Campo Grande - MS, processou e julgou, em 31.08.1989, a ação de desapropriação movida pelo lncra contra "Someco SI!\' e outros (Processo n. 029/1987-Y, la Vara). O expropriante manifestou recurso contra a indenização fixada, mas a Quarta Turma do TRF da 3a Região confirmou a sentença por unanimidade. Posteriormente, a conta de liquidação foi homologada.

Mais adiante, a União e o lncra intentaram ação rescisória com o propósito de rescindir o acórdão da Quarta Turma no ponto em que manteve o montante indeni­zatório. O julgamento dessa ação desenvolveu-se na Primeira Seção daquela Corte, onde tem assento o querelado.

Em novembro de 2001, soube ter sido vítima de contundentes ataques desfecha­dos pelo querelado em voto proferido na referida ação. Requereu à Relatora, Juíza Sylvia Steiner, cópia das notas taquigráficas, porém não teve o seu pleito atendido.

Em 26.04.2002, o DJ publicou a síntese do voto-vista proferido pelo querela­do, do qual se destacam os seguintes excertos:

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"Entre 10 de setembro e 10 de outubro - exclusivamente para estudar este caso, uma das maiores fraudes da história da reforma agrária do Brasil, segundo a Imprensa do País e o Poder Executivo Federal- estive oficialmente de férias, para trabalhar todos os dias, de oito a dez horas, imperativo de cons­ciência, não da lei." (FI. 06)

'~qui, na rescisória, o mesmo Desembargador Federal (Theotônio Costa) desqualificou, na sessão pública de julgamento, a indenização como 'assalto', 'verdadeira loucura', 'aberração', sem pedido posterior de degravação do juiz federal aposentado Luiz Calixto de Bastos.

Nestes casos e nesta rescisória, a sentença de desapropriação é do juiz federal aposentado Luiz Calixto de Bastos. O advogado de uma das partes é o senhor Luiz Carlos de Azevedo Ribeiro. Aposentado o juiz Homar Cais, o advo­gado Luiz Carlos substabeleceu, no mesmo ano, poderes a Sua Excelência, para a defesa do cliente, a sentença citada incluída.

Os advogados especificados e o juiz federal aposentado Luiz Calixto de Bastos têm experiência como assuntos complexos do lncra e o tempo consumi­do para julgá-los." (FI. 08)

Fazendo remissão ao julgamento do RMS n. 4.686/SP' de que foi Relator o Ministro José Dantas, o voto-vista, em seguida, acentua:

"Neste exemplo relacionado ao critério qualitativo - a mesma matéria (lncra) - o juiz era o senhor Luiz Calixto de Bastos. O advogado dele era o senhor Luiz Carlos de Azevedo Ribeiro. E o Presidente do Tribunal responsável pela condenação era o senhor juiz Homar Cais. Portanto, com base na realida­de objetiva destes dados quantitativos e qualitativos, coletados a partir do chamado paradigma ótimo - os próprios interessados -, referentes à mesma complexa questão agrária, não recuso, omito ou retardo, sem justo motivo, qualquer providência atinente às funções de meu cargo.

Apresento, em anexo, o meu em 67 laudas, cuja síntese final respeitosa­mente registra:

Para finalizar: este voto rescindiu, por inteiro, o v. acórdão da desapro­priação porque:

a) não aceita qualquer obstáculo formal à desconstituição de decisão infundada, matriz de indenização escandalosa, nos termos da sólida e antiga jurisprudência da Justiça Federal, do Tribunal Federal de Recursos e do Supre­mo Tribunal Federal;

b) não aceita qualificar, como prova, informações surgidas de hipóteses, estimativas e outros processos aleatórios de extrapolação da realidade, sem-

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pre contra uma das partes, para a fixação de indenização injusta, escandalosa e, em tese, criminosa;

c) não reconhece prova idônea sobre plantação alguma;

d) não aceita indenizar SOOm de toras de madeira contra o contrato, suposta fonte da verba indenizável;

e) não aceita a violação constitucional no regime de pagamento do prin­cipal e das benfeitorias;

f) não aceita fazendas com dois andares, menos ainda que parte do se­gundo andar suporte outros 33 andares;

g) não aceita, a partir do isolado depoimento do proprietário dos bois ao perito da desapropriação, a estimativa sobre o suposto emagrecimento força­do dos bovinos;

h) não aceita juros, compensatórios, sem a prova mínima iniciativa pro­dutiva lícita dos desapropriados;

i) não aceita falsificação da Súmula n. 70, do Tribunal Federal de Recur­sos, e fixa os juros moratórios a partir do trânsito em julgado da rescisória;

j) não aceita sentença condicional, com a sujeição do Poder Público ao pagamento de outras despesas, 'se apuradas' (fl. 59);

k) não aceita remunerar peritos e assistentes técnicos indignos, protago­nistas de fraude milionária, contra o Poder Público, com repercussões civis, processuais civis, criminais e administrativas;

1) não aceita, principalmente, a impunidade de sujeitos processuais vários, reconhecidos como agentes fraudadores, de condutas dolosas gravíssimas, que devem responder pelas conseqüências.

É o meu voto" (fls. 20/21).

Aduz o querelante que, com as citações feitas, o "querelado habilmente planta no subconsciente do leitor a idéia de que tinha em mãos para reapreciar um caso em que a sentença fraudulenta teria sido proferida por umjuiz venal, propiciando a uns tantos velhacos uma indenização que fora considerada 'um verdadeiro assalto ao Erário público, uma aberração, uma das maiores fraudes da história da reforma agrária do Brasil" (fl. 23).

Acrescenta sugerir o querelado subliminarmente a existência de vínculos bas­tardos, de tal maneira que, se lidos de forma isolada, fazem pouco ou nenhum sentido, mas que, se colocados em conexão com as palavras que diz ter tomado emprestado, passam a idéia, representam uma maneira de conduzir o leitor à cren­ça na culpa dos envolvidos no processo, o querelante incluso.

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Afirma que tais considerações introdutólias, seguidas da síntese do voto, cons­tituem um todo que predispõe o leitor contra o querelante, como Juiz corrupto, na medida em que, mesmo sem se inteirar das alentadas 67 laudas do voto anunciado, as suas linhas levam-no a acreditar que tenha ele perpetrado roubalheiras contra os cofres públicos.

Enfatiza que, de modo dissimulado e oblíquo, caluniou-o ao considerá-lo fraudador, integrante de quadrilha de estelionatários; injuriou-o quando considerou a indenização fixada em sentença como um "assalto", uma "aberração" e quando o tacha de um "medrica", um "poltrão" conformista, por não ter pedido a degravação do voto da Relatora da ação rescisória que o teria atacado.

Acentua ter o querelado feito mais: trasladou para o texto do voto o acórdão prolatado do RMS n. 4.686/SP' do STJ, concernente a processo censório instaurado contra o querelante. Entende ele que o querelado aí quebrou o segredo de justiça, incorrendo nas sanções do art. 325 do Código Penal, injuriou-o de maneira indireta e ainda violou a sua privacidade.

Alega que o querelado vergastou, no voto-vista, apenas o querelante, poupan­do os integrantes da Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3a Região.

Sustenta, a seguir, que o querelado o caluniou quando: a) aderiu às manifes­tações injuriosas, caluniosas e difamantes divulgadas na imprensa, embora não diga onde e em que datas tais comentários foram feitos; b) também aderiu ao voto da Relatora da ação rescisória, que teria entendido achar-se o querelante em con­luio com outras pessoas para maliciosamente lesar o Incra.

Reproduz trecho do voto-vista constante de fl. 45 daquela peça, in verbis:

" ... 0 dolo da parte vencedora é irrecusável. Cumpre apurar, para outros efeitos, se o assistente técnico do Incra e os demais funcionários da autarquia não estavam em conluio com a parte vencedora, os seus representantes e o juiz da desapropriação.

Mas é talo desvio e sempre em prol da mesma parte que, a não ser pela absoluta inépcia técnica do magistrado prolator da sentença - motivo para sua exclusão do Poder Judiciário -, o exame da causa aponta a possibilidade de prevaricação, concussão ou corrupção do juiz, sem considerar, por ora, a eventual responsabilidade criminal de outros atores processuais.

Para efeito processual civil, incidental, é imperioso reconhecer que a indenização escandalosa resultante deste contexto de lesões é o produto de um crime ou crimes" (fls. 28/29).

Considera que, nessa parte, o querelado ratifica a sua conclusão de que a sentença proferida pelo querelante se constituiu numa fraude, o que significa injú-

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ria e calúnia de forma indireta. Afirma que, tendo-o como o único responsável pelas múltiplas condutas criminosas, restou-lhe a pecha de "inepto absoluto", outra injúria que lhe fora irrogada.

Asseverando que o querelado transpôs os limites toleráveis do regular exercí­cio da atividade profissional, assere que ele o injuriou, difamou, cometeu abuso de poder, violou o sigilo profissional, supondo-se ao abrigo do art. 41 da Loman ou do art. 143 do Código Penal, desatento, no entanto, às ressalvas contidas em tais nor­mas e no art. 36, IH, da mesma Loman, especialmente à regra do art. 5-'1, V e X, da CF.

Tem-se como caluniado e injuriado diante das alíneas f, Í, e k da síntese do voto-vista. Disse, no particular, que o querelado falou à exaustão em fraude que teria sido propiciada pela sentença, isso sem a mínima prova, fiando-se só nos seus exageros.

Ao final, relata ter sido abusiva a atuação do querelado no julgamento da ação rescisória quando abandonou o campo da atividade jurisdicional e resvalou para o da agressão gratuita à honra do querelante, sendo certo que a imunidade pelas opiniões emitidas nos autos não alcança os abusos, as impropriedades e os excessos de linguagem.

Deu o querelado como incurso nas sanções dos arts. 138, 139, 140 e 325 do Código Penal, em concurso formal imperfeito (art. 70, caput, 2a parte, do mesmo Codex), devendo ser-lhe imposta ainda a pena de interdição temporária consisten­te na proibição do exercício do cargo judiciaL

2. O querelado ofereceu resposta, argüindo preliminares de:

a) inépcia da inicial, pois não aponta objetivamente os fatos que embasariam os crimes contra a honra: em verdade, espiolha trechos diversos da decisão proferi­da pelo defendente; procurando, em interpretação subjetiva, vinculá-los, para daí extrair supostas ofensas, numa clara demonstração de que não tem certeza dos ultrajes recebidos;

b) ilegitimidade ativa quanto ao crime de violação de sigilo profissional, por ser de ação penal incondicionada, o qual, de resto, nem sequer ocorre.u;

c) decadência, desde que, segundo a exordial, o querelante soube dos ataques contra a sua honra em novembro de 2001 (sessão de 07.11.2001), tendo decorrido, destarte, o prazo de seis meses até a distribuição da queixa-crime (04.06.2002).

No mérito, alega que as supostas ofensas teriam sido indiretas, ou seja, os hipotéticos agravos são meras deduções do querelante. Acentua ser ele próprio quem se qualifica como poltrão ou medrica, a partir de interpretações pessoais.

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Aduz, por outro lado, que transcreveu em seu decisório trechos do voto prola­tado por Desembargador Federal numa apelação, no mesmo feito expropria tório. Esclarece, outrossim, que reproduzira o que dissera a Relatora da ação rescisória. Diz que, destarte, não é o autor original das supostas ofensas, mas o seu mero transcritor.

Entende que a desapropriação em tela é fraude milionária contra o Poder Público, havendo indícios de condutas criminosas, como esclarecido em seu voto, e que, não obstante, no trecho destacado pela queixa a respeito, não há menção pessoal a quem quer que seja.

Ao afirmar a existência de dolo da parte vencedora; a necessidade de apurar se o assistente técnico do lncra e os demais funcionários da autarquia não estavam em conluio com a parte vencedora, os seus representantes e o juiz da causa; e a escandalosa indenização como sendo produto de crime, teve por escopo apenas motivar a decisão que, mais à frente, determinou a aplicação do art. 40 do CPP. Acrescenta que agiu aí no estrito cumprimento do dever legal.

Quanto ao fecho de seu voto-vista, diz que o querelante busca extrair ofensas pessoais de considerações puramente técnicas por ele feitas naquela ocasião.

Sustenta não ter havido no caso a intenção de ofender: suas afirmações nada mais são do que fundamentos expostos em decisão judicial; os aspectos ventilados pelo querelante guardavam pertinência com o objeto do processo, a rescisão do julgado e providências que a lei lhe impõe em caso de possível existência de delito. Obtempera que não tinha outra alternativa, senão a de apontar fatos e indícios existentes no processo.

Invoca, a seguir, a imunidade judiciária, assegurada pelo art. 41 da Loman: nos termos dos arts. 35, I, do referido estatuto legal, e 40 do CPp, cumpriu o seu dever legal, com independência, serenidade e exatidão.

Conclui que, com base em indícios fundados em prova documental, vislum­brou a ocorrência de supostos crimes, descritos como base da ação rescisória (art. 485, I, do CPC), razão pela qual cumpriu o seu dever, imposto pela lei.

3. Os autos foram com vista ao querelante para a réplica, havendo ele defen­dido a rejeição da prejudicial de decadência ante a circunstância de que o voto veiculador das ofensas fora datado de 10.04.2002, embora sua introdução tenha sido publicada no DJ de 26.04.2002, bem como as demais argüições preliminares.

4. O Ministério Público Federal opinou pelo acolhimento da prejudicial de decadência e, quanto ao mérito, pelo não-acolhimento da queixa.

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5. Às fls. 322/326, o querelado requereu a extinção da punibilidade, nos ter­mos do art. 107, V, do Código Penal, c.c. o art. 49 do CPP.

É o relatório.

VOTO

o Sr. Ministro Barros Monteiro (Relator): 1. Não se verifica, in casu, a ale­gada inépcia da queixa-crime.

O querelante, na medida do possível, colhe e aponta excertos do voto-vista proferido pelo querelado que teriam atingido a sua honra, fazendo-o, em verdade, de maneira alongada, mas objetiva, de tal modo a permitir a perfeita intelecção dos fatos, que - segundo ele - constituem crimes. Nenhum gravame especial adveio ao querelado, que pôde defender-se com a amplitude necessária.

2. Com respeito ao delito do art. 325 do Código Penal (violação de sigilo profissional), ressai inequívoca desde logo a ilegitimidade de parte ativa ad cau­sam do querelante, uma vez que se cuida aí de crime de ação pública incondicio­nada. Demais, a imputação feita na peça vestibular quanto à publicação de um julgado proferido pelo ST J em recurso de mandado de segurança envolvendo a pessoa do querelante não constituía, por si, fato sigiloso algum, dada a divulgação daquele aresto na Revista do Superior Tribunal de Justiça, volo 98, p. 338.

3. Também não ocorre a decadência.

Consoante as regras insertas nos arts. 38 do CPP e 103 do Código Penal, o ofendido decai do direito de queixa se não o exerce dentro do prazo de 6 (seis) meses, contado do dia em que veio a saber quem é o autor do crime.

Ora, a despeito de o voto-vista haver sido proferido na sessão do dia 07.11.2001, o certo é que o querelante somente veio a tomar conhecimento de seu inteiro teor e, portanto, da existência do suposto delito e de seu autor, na época de sua publicação (26.04.2002). Proposta a queixa no dia 04.06.2002, ingressou ela em tempo hábil.

4. Não é o caso de ter-se como renunciado o direito de queixa diante da falta de aditamento desta quanto ao Juiz Federal Theotônio Costa, que teria irrogado também ofensas ao querelante no julgamento da apelação. É que a peça vestibular faz alusão a diversos fatos e circunstâncias que não são, à evidência, coincidentes com um voto e outro.

5. Tocante ao mérito, considero inexistentes na espécie os crimes contra a honra apontados na queixa, à falta de caracterização da conduta antijurídica do querelado (art. 23, UI, do Código Penal).

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As alegadas ofensas acham-se contidas em voto-vista proferido pelo querelado na ação rescisória proposta pela União e pelo Incra, visando desconstituir o mon­tante indenizatório fixado na ação expropriatória. Embora o querelado tenha feito uso de expressões veementes, resultado de sua indignação tocante ao vulto extraor­dinário da indenização definida naquela demanda desapropriatória - produto de deformação da verdade, segundo afirmado (fl. 259) -, as suas alusões ao compor­tamento dos funcionários da autarquia, ao assistentes técnicos do Incra, aos procura­dores da parte vencedora e ao Magistrado singular devem ser analisadas no contex­to geral do pronunciamento judicial ora atacado. O Juiz Federal Fábio Prieto de Souza examinou detidamente cada item componente da indenização decorrente do ato expropria tório, desde o valor da terra nua, passando pela avaliação das benfei­torias, até o importe da exploração comercial da mata, com críticas acerbas à perícia realizada que não teria vistoriado o local, como necessário.

Nota-se, pois, que o querelante pinçou, aqui e ali, referências desairosas que lhe foram dirigidas pelo querelado - dentre elas a de inaptidão técnica - que, todavia, não podem ser erigidas em delito contra a honra diante da ausência mani­festa do elemento subjetivo. Primeiro, à fl. 233, o querelado já se reportara ao voto da Juíza-Relatora (Sylvia Steiner), para quem "é inegável a submissão do Poder Público ao pagamento de indenização, a todos os títulos, injusta, como resultado doloso da malícia de funcionários do Incra, do perito judicial da desapropriação e do magistrado subscritor da sentença". Há, a propósito, a menção ao dolo da parte vencedora e à colusão entre as partes, registrados também pela Sra. Relatora (fls. 232 e 269).

Reportou-se, outrossim, a um voto-vencido prolatado quando do julgamento da apelação, da lavra do Juiz Theotônio Costa, cujo excerto se encontra reproduzi­do às fls. 285/286, in verbis:

"O quadro traçado na respeitável sentença recorrida dá conta do total descalabro com que se houve na fixação da indenização dos ora apelantes.

No mínimo, o que se pode afirmar é que, sob a proteção formal do Judiciário, está-se-lhes propiciando um enriquecimento sem causa, e que, in­

dubitavelmente, decorre de uma fraude.

Não cabe aqui incursão mais profunda na investigação das causas a que tão avantajada indenização foi arbitrada.

Entretanto, não se pode desconsiderar que o Direito, entendido como um sistema único e abrangente, repudia a fraude sobre qualquer das formas que se pode manifestar.

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Assim, por exemplo, a legislação penal tipifica certas fraudes como cri­mes, como o faz no artigo 171 do Código Penal.

Pois bem, o respeitável decisum recorrido aponta, de forma insofismá­vel, a existência de uma superavaliação em favor das expropriadas.

Aliás, a diferença entre o valor que caracterizaria ajusta indenização e o arbitrado é de tal magnitude que posso afirmar, sem qualquer temor de errar, que ela constitui um verdadeiro 'assalto' ao Erário público.

Por fim, entendo de nenhuma valia o laudo pericial realizado a mando desta Turma, porque o Sr. Expert, de forma inexplicável, limitou-se a realizar uma mera atualização do laudo feito no Juízo a quo e que serviu de suporte para a milionária indenização aos expropriados. Não possui nem forma, nem conteúdo técnico, traduzindo mera opinião do perito e, nesse passo, violando o disposto no artigo 420, caput, do Código de Processo Civil.

Trata-se de uma peça lamentável e absolutamente imprestável como pro­va em juízo".

Constata-se que as qualificações pejorativas que se conferiram às condutas daqueles que atuaram na ação de desapropriação, tais como, "assalto ao Erário público", "fraude", "aberração", "indenização milionária" não se acham consigna­das apenas no voto-vista proferido pelo ora querelado.

Além do mais, este último houve por bem dissentir num ponto em relação à Juíza-Relatora. Disse respeito ao cumprimento da norma do art. 40 do CPP. O querelado ordenou, com efeito, a extração de cópia integral da ação rescisória para remessa ao Ministério Público Federal e, também, "o reconhecimento da ação dolosa do juiz federal prolator da sentença de desapropriação, para beneficiar uma das partes, importa, ainda, na adoção de providência administrativa para a apura­ção de responsabilidade. Determina-se, por isto, a extração de cópia integral do processo, para remessa subseqüente ao senhor Presidente deste Tribunal" (fi. 270).

Forçoso é reconhecer-se que, para motivar tal deliberação, o Julgador, no caso o querelado, havia de analisar com minúcias os comportamentos das partes, dos auxiliares da Justiça e do Juiz singular, não se podendo inferir de suas asser­ções o desígnio de ofender-lhes a honra.

Em escólio ao art. 142, I, do Código Penal, Cezar Roberto Bitencourt anota que "outros 'agentes processuais', como, por exemplo, juiz, escrivão, perito, testemunha, não estão acobertados pela imunidade judiciária, podendo, eventual­mente, resguardar-se pelo inciso III, na condição de funcionários públicos, ou ain­da, pelo art. 23, IH (la parte), desde que ajam no 'estrito cumprimento de dever legal.'" ("Código Penal Comentado", p. 560, ed. 2002)

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É este o caso dos autos. Procedeu o querelado no estrito cumprimento do dever legal. Havendo apenas vislumbrado a possibilidade de práticas delituosas, proce­deu em conformidade com o disposto no art. 40 do CPP; não atribuiu com isso falsamente ao querelante fato definido na lei como crime, nem o atingiu em sua honra subjetiva ou objetiva.

Se a linguagem utilizada se mostrou enérgica, contundente mesmo, isso não revela excesso ou abuso, mormente porque, conforme assinalado, idênticas locuções haviam sido pronunciadas em votos proferidos por outros Magistrados acerca do mesmo feito desapropriatório. Acha-se o querelado protegido pela regra do art. 41 da Loman: "Salvo os casos de impropriedade ou excesso de linguagem, o magistra­do não pode ser punido ou prejudicado pelas opiniões que manifestar ou pelo teor das decisões que proferir".

Não fosse assim - convenha-se - qualquer Juiz que fosse observar a prece i­tu ação do art. 40 do Código de Processo Penal estaria sujeito a sanções, quer de ordem civil, quer de ordem penal. Isso tudo inviabilizaria a administração da Jus­tiça Criminal.

Tal como observou a ilustrada Subprocuradoria Geral da República, inexis­tentes na espécie o animus caluniandi, bem assim o animus difamandi e o animus injuriandi. Ao tratar do dolo específico nos delitos contra a honra, o Desembargador e Professor Adalberto Queiroz Telles de Camargo Aranha leciona que: "exige-se a intenção de lesar a honra alheia. O entendimento esposado pelos doutrinadores pátrios é no sentido de que os crimes contra a honra exigem o dolo específico, consistente, no dizer de Nélson Hungria, seu maior adepto, 'na consciência e vontade de ofender a honra alheia (reputação, dignidade ou decoro), mediante a linguagem falada, mímica ou escrita'. E, acrescenta o autor citado, 'é indispensável a vontade de difamar ou injuriar, a vontade referida pelo eventus sceleris, que é, no caso, a ofensa à honra.'

Pelo dolo específico manifestou-se Paulo José da Costa Jr.: 'Não basta que as palavras sejam aptas a ofender: é preciso que sejam proferidas com esse fim'." ("Crimes Contra a Honra", pp. 97/98, 2a ed.).

De resto, a simples inserção no voto-vista de um aresto oriundo do Superior Tribunal de Justiça sem relação direta com a expropriação não é passível sequer de tanger a honra subjetiva do querelante.

6. Por todo o exposto, rejeito a queixa.

É como voto.

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JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

AÇÃO PENAL N. 358 - MT (1997/0003530-1)

Relator: Ministro Fernando Gonçalves Autor: Ministério Público Federal

Réu: Ary Leite de Campos

Advogados: Darlã Martins Vargas e outros Sustentação oral: Dr. Darlã Martins Vargas, pelo réu

EMENTA

Denúncia. Rejeição. Delito do art. 312 do Código Penal. Participa­ção (fato acessório). Rejeição anterior pelo delito do DL n. 201/1967 pelo fato principal. Conseqüência.

1. Não há diferenciação típica entre os delitos previstos no art. In, I, do Decreto-Lei n. 201/1967 e no art. 312 do Código Penal. Ambos tratam da apropriação pelo funcionário público ou pessoa a ele equiparada de dinheiro de que tem a posse em razão do cargo (peculato-apropriação) ou do seu desvio em proveito próprio ou alheio (peculato-desvio).

2. A Prefeita Municipal foi denunciada pela Procuradoria de Justi­ça do Estado, perante o Tribunal de Justiça, como incursa nas penas do art. In, I, do Decreto-Lei n. 201/1967, sendo, no ponto, a denúncia rejei­tada por decisão transitada em julgado. O Conselheiro do Tribunal de Contas, pelo mesmo fato, em participação, foi denunciado pela Subpro­curadoria Geral da República, junto ao Superior Tribunal de Justiça, pelo delito do art. 312 do Código Penal.

3. Segundo pacífico entendimento doutrinário, dirige-se o concurso de agentes a um resultado comum, sendo, então, o crime um só, ou seja, não há "Clime para partícipe, mas um crime único com partícipes diversos".

4. Neste contexto, não se pode fugir à inelutável conclusão de que rejeitada a denúncia em relação ao Prefeito Municipal, a quem imputada a apropriação ou desvio de dinheiro público (fato principal) necessaria­mente não se pode cogitar de delito pelo mesmo fato, em participação (fato acessório).

5. Denúncia rejeitada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Corte Espe­cial do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taqui-

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gráficas a seguir, por unanimidade, rejeitar a denúncia. Os Ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Felix Fischer, Gilson Dipp, Paulo Gallotti, Franciulli Netto, Luiz Fux, Nilson Naves, Barros Monteiro, Francisco Peçanha Martins, Humberto Gomes de Barros, Cesar Asfor Rocha, Ari pargendler, José Delgado e José Arnaldo da Fon­seca votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausentes, justificadamente, os Ministros Hamilton Carvalhido, Francisco Falcão, Edson Vidigal e Sálvio de Figueiredo Tei­xeira e, ocasionalmente, a Ministra Eliana Calmon.

Brasília (DF), 03 de novembro de 2004 (data do julgamento).

Ministro Edson Vidigal, Presidente

Ministro Fernando Gonçalves, Relator

DJ de 22.11.2004

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Fernando Gonçalves: A Subprocuradoria Geral da República oferece denúncia contra Ary Leite de Campos, Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Mato Grosso, que estaria incurso nas sanções do artigo 312 do Código Penal.

Segundo a acusação, em resumo, o denunciado, na qualidade de proprietário ou sócio de fato da empresa denominada "Campos e Campos Neto Ltda", com o nome de fantasia "Posto Panamericano", localizado na cidade de Várzea Grande -Mato Grosso - com a finalidade de comércio varejista de combustíveis e lubrifi­cantes, teria concebido uma forma de quitar dívida de Beatriz Helena Canavarros Mônaco, Prefeita do Município de Rosário Oeste - Mato Grosso - para com Nor­ma Suely Félix Pinto, esposa do Vice-Prefeito daquele Município. A dívida, à época de 1993, era de novecentos milhões de cruzeiros.

A apropriação pela Prefeita de Rosário Oeste, que mantinha estreita relação com o denunciado (fi. 3.474), de valores pertencentes ao Fundo de Participação dos Municípios, deu-se com a emissão por ele de um cheque no valor de novecentos milhões de cruzeiros em benefício da credora Norma Suely Félix Pinto, quitando, em conseqüência, a dívida particular, sendo a partir de então Beatriz Helena (Pre­feita) sua devedora.

Na seqüência, prossegue a peça de ingresso, Beatriz Helena emite ordem de pagamento, através do Banco do Estado do Mato Grosso S/A - agência Rosário Oeste - em favor do Posto Panamericano, com a finalidade aparente de quitar débitos da Prefeitura junto ao estabelecimento comercial, decorrente do abasteci­mento de veículos. Na realidade, porém, tudo não passava de uma fraude, pois o

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JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

débito fora criado ficticiamente, mediante a emissão de notas fiscais relativas à aquisição de combustível, na verdade não existente.

Foi apurado, segundo o Ministério Público, haver a Prefeitura, no período de 1993/1996, feito repasses ao Posto Panamericano de valores correspondentes a mais de 26 mil dólares, sendo que, somente no mês de março de 1993, o valor pago equivalia a 232,86 salários mínimos, correspondente ao abastecimento de uma frota de cinco (5) veÍCulos.

Sustenta, então, a Subprocuradoria Geral da República a participação consci­ente de Ary Leite de Campos nos fatos que culminaram na apropriação, em benefí­cio de Beatriz Helena Canavarros Mônaco, de valores pertencentes ao Município de Várzea do Oeste, consistente no pagamento de uma dívida particular deste junto a Norma Suely e sendo ressarcido, posteriormente, com recursos públicos mediante simulação de venda de combustíveis. Diz - ainda - haver sido Beatriz Helena, juntamente com outras 14 pessoas, denunciada perante a Justiça local (fls. 3.472/ 3.476).

Notificado na forma do art. 4!1, da Lei n. 8.038, de 28 de maio de 1990 (fl. 3.482) Ary Leite de Campos, em resposta preliminar (fls. 3.499/3.509) argúi a atipicidade dos fatos expostos pela acusação, porquanto, admitido que no tipo penal do art. 312 estão descritas duas modalidades de peculato (peculato-apropri­ação e peculato-desvio), de fácil constatação reconhecer a impossibilidade da prá­tica por ele de uma das figuras de conduta relatada naquele dispositivo, em razão de que não estava ao seu alcance o objeto material indicado, ou seja, o dinheiro.

Restaria - ainda segundo a defesa - a simples participação que, para exis­tir, reclama a ocorrência de um fato típico, dada a condição acessória, dependente de um fato plincipaL Sucede, porém, que Beatriz Helena, denunciada pelo Procura­dor-Geral de Justiça do Estado do Mato Grosso, teve, por decisão com trânsito em julgado, do Tribunal de Justiça, rejeitada a denúncia relativa à acusação de paga­mento efetuado pela Prefeitura feito a Ary Leite de Campos, para cobrir dívidas pessoais. É bem verdade, acentua a resposta, que a ação penal originária ainda tem curso, mas por outros fatos, que não o descrito na denúncia em análise.

Então, conclui, se não houve o fato principal, não poderá existir o acessório, dele dependente. A conduta não é típica.

Com a defesa a procuração de fls. 3.511 e os documentos de fls. 3.512/3.639, ouvida a Subprocuradoria Geral da República (fls. 3.643/3.648) que assinala não estar o Superior Tribunal de Justiça vinculado à decisão da Corte Estadual, havendo nos autos elementos probatórios do crime e indício de importante participação do denunciado.

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Cabe anotar, por último, a existência de um habeas corpus (HC n. 84.773) impetrado junto ao Supremo Tribunal Federal (fls. 3.650/3.664) visando ao tranca­mento da presente ação penaL

É o relatório.

VOTO

o Sr. Ministro Fernando Gonçalves (Relator): A denúncia ao descrever a parti­cipação de Ary Leite de Campos nos fatos que, consoante entendimento do Ministé­rio Público Federal, tipificam o crime do art. 312 do Código Penal, no essencial, enfatiza:

"2. Beatriz Helena e Norma Suely mantinham estreito vínculo entre si, em face de suas respectivas condições de Prefeita e esposa do Vice-Prefeito. Por outro lado, o Conselheiro do Tribunal de Contas e ora denunciando Ary Leite de Campos mantinha estreita relação com Beatriz Helena.

Dessa forma, Ary Leite de Campos e Beatriz Helena conceberam uma forma para esta quitar sua dívida junto a Norma Suely, que, em essência, consistiria em Beatriz Helena, na condição de Prefeita, apropriar-se de valo­res pertencentes ao Fundo de Participação dos Municípios para saldar sua dívida.

A apropriação dos recursos públicos por Beatriz Helena deu-se com a intensa participação de Ary Leite de Campos, conforme a seguir demonstrado: em 31.07.1993, Ary Leite de Campos emitiu um cheque no valor de Cr$ 900.000.000,00 (novecentos milhões de cruzeiros) em benefício de Norma Suely Félix Pinto e contra o Banco do Estado do Mato Grosso SI A, agência Centro-Várzea GrandelMT (fl. 1.965-12 voL), com o que quitou a dívida que Beatriz Helena tinha para com Norma. Assim, Beatriz Helena passou a ser devedora de Ary Leite. Em seqüência, Beatriz Helena, utilizando-se dos recur­sos provenientes do Fundo de Participação dos Municípios, emitiu uma ordem de pagamento, através do Banco do Estado de Mato Grosso SI A - Ag. Rosário Oeste, em beneficio do "Posto Panamericano", com a finalidade aparente de quitar débitos da Prefeitura junto ao posto, decorrente do abastecimento de veículos.

Porém, na realidade, o débito da Prefeitura para com o posto de abaste­cimento de combustível era produto de outra fraude. Esta fraude consistiu em Beatriz Helena, na condição de Prefeita, e Ary Leite, na condição de proprie­tário ou sócio de fato do posto, ou tendo interesse econômico nele, criarem ficticiamente débito, mediante a emissão de notas fiscais relativas a compras

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JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

de combustível pela Prefeitura, compras essas que, na realidade, não existi­ram." (Fls. 3.474/3.475)

De outro lado, Beatriz Helena Canavarros Mônaco, à época no exercício do cargo de Prefeita Municipal de Rosário Oeste, foi denunciada pela Procuradoria Geral de Justiça do Estado do Mato Grosso, dentre outros delitos, por "apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio" (art. 1°, l, do Decreto-Lei n. 201, de 27 de fevereiro de 1967), em decorrência de ordem de pagamento emitida pela Prefeitura, através do Banco Bemat, a favor de Ary Cam­pos, para cobrir cheque de sua emissão, para quitação de coritas pessoais. Sobre o tópico, disse o Ministério Público do Mato Grosso (fls. 3.573/3.575):

"Diversos depoimentos, como os de Rosa Nunes Boabaid - fl. 04; Bene­dito João Correa de Sá - fl. 07; Áurea Almeida Bianchi - fl. 08; Antônio José Ramos - fl. 10; Norma Suely Félix Pinto - fl. 13; dos Autos n. 03105-94-PGJ, mencionam que existe um comentário na cidade de Rosário Oeste sobre o relacionamento amoroso da Prefeita Beatriz com o Conselheiro do Tribunal de Contas, Senhor Ary Leite de Campos, demonstrando entre indíci­os de que ocorreu favorecimento entre a prefeita e o Senhor Ary Campos, com a apropriação de bens ou rendas públicas e o desvio das mesmas em proveito próprio ou alheio, pois à fl. 2.148 - Autos n. 03105-94-PGJ, Mílton Nasci­mento Pereira, declara que 'com relação ao cheque de Cr$ 900.000,000,00 (novecentos milhões de cruzeiros reais), se lembra que foi pago na gestão em que era Tesoureiro, bem como outros cheques, já que os assinava junto com a Prefeita, e voltando ao referido cheque salienta que o mesmo fora pago ao posto Panamericano; que, os cheques tinham autorização para pagamento através da Secretaria de Fazenda e Prefeito Municipal'. É de salientar, ainda, que o Posto Panamericano, dista do Município de Rosário Oeste 120 quilôme­tros, o que é praticamente impossível a Prefeitura adquirir, realmente, produ­tos."

Este é o item n. 13 da acusação (fls. 3.569/3.576), e sobre ele o acórdão das Câmaras Criminais Reunidas, do Tribunal de Justiça do Mato Grosso, Relatora a Desembargadora Shelma Lombardi de Kato, firma o seguinte entendimento (fI. 3.629):

':Já a décima terceira acusação menciona o pagamento efetuado pela Prefeitura em favor do Conselheiro Ary Campos, para cobrir cheque por ele emitido com o fito de pagamento de contas pessoais da Prefeita tendo como credora a Sra. Suely Félix Pinto, esposa do Vice-Prefeito e comerciante de Rosário Oeste. Prefacialmente, no que conceme à transação feita pelo Conse-

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lheiro, Prefeita e Comerciante não tem ressonância na esfera criminal. Se o Sr. Ary Campos assumiu dívida da Sra. Beatriz Helena, é questão que diz respeito tão-somente às partes envolvidas, e seus motivos não interessam à presente denúncia. Quanto à parte da denúncia que se refere ao ressarcimen­to do mencionado pagamento feito pelos cofres públicos esta se encontra órfã no cotejo probatório, posto que existem, de concreto, somente as declarações da comerciante, esposa do Vice-Prefeito e inimiga política da Prefeita, que dão conta do pretenso ilícito. Ressai da denúncia ofertada que o Sr. Ary Cam­pos é proprietário de um posto de gasolina que reiteradamente fornecia com­bustível à municipalidade, figurando como credor costumeiro da Prefeitura, recebendo, pois, reiteradamente, pela venda dos seus produtos. Logo, caem por terra as suposições irrogadas quanto às Notas Fiscais, as quais presumi­ram-se prova do delito. O mesmo se diga quanto às cópias de cheques apre­sentados, cujos documentos originais se justificam em face das transações comerciais entre a Prefeitura e o Posto do Conselheiro Ary. De resto, sobram apenas comentários e elucubrações, insuficientes ao acionamento da máqui­na judiciária.

A rejeição da denúncia impõe-se também quanto a este item."

Consta, então, o recebimento parcial da denúncia, rejeitada quanto a diversos itens, dentre eles o de número XIII "por referirem-se a meras irregularidades admi­nistrativas ou consubstanciarem acusações vagas e indeterminadas ou ainda por­que afastada de plano a configuração de qualquer delito" (fi. 3.633).

De outra banda, a certidão de fi. 3.636, subscrita pela Escrivã Ceila Consuelo Carvalho Martins, dá notícia do trânsito em julgado da decisão proferida na Ação Penal Originária n. 167/1996 - Classe 2. A certidão é de In de setembro de 2004.

É bem verdade que a Prefeita Municipal foi denunciada como incursa nas penas do art. In, I, do Decreto-Lei n. 201/1967 e o Conselheiro Ary Leite de Campos teve sua conduta tipificada no art. 312 do Código Penal. No entanto, consoante entendimento doutrinário e jurisprudencial, não há diferenciação típica entre estes delitos, pois ambos tratam da apropriação pelo funcionário público ou pessoa a ele equiparada de dinheiro de que tem a posse em razão do cargo (peculato-apropria­ção) ou do seu desvio em proveito próprio ou alheio (peculato-desvio). Em se tra­tando, como no caso, de Prefeito Municipal, o peculato, como ensina Mirabete, é também previsto como crime de responsabilidade no art. In do Decreto-Lei n. 201/ 1967. Aliás, para o Supremo Tribunal Federal não há indevido constrangimento na condenação do Prefeito Municipal pela prática do delito do art. 312 do Código Penal, "ainda que a descrição normativa tenha sido reproduzida no art. In, I, do

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JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

Decreto-Lei n. 201/1967 ... " (Mirabete - "Código Penal Interpretado" - Editora Atlas - 1999 - p. 1.696).

Colocado nestes exatos termos o debate, e estabelecido que dirigindo-se, como ensina o insigne Anibal Bruno, o concurso de agentes a um resultado comum, sendo, então, o crime um só, ou seja, não há "crime para cada partícipe, mas um crime único com partícipes diversos", não se pode fugir à inelutável conclusão de que rejeitada a denúncia em relação à Prefeita Municipal, a quem imputada a apropriação ou desvio do dinheiro público (fato principal) necessariamente não se pode cogitar de delito pelo mesmo fato, em participação (fato acessório).

No julgamento do HC n. 69.741-1/DF, o Supremo Tribunal Federal, analisan­do hipótese análoga, acolhendo parecer da Procuradoria Geral da República, fez destacar:

"É que diante da teoria monÍstica adotada por nosso Código, que consi­dera o crime como unidade jurídica, apesar da pluralidade de agentes, a par­ticipação, que é necessariamente acessória de um ato principal, só tem rele­vância quando o agente principal pelo menos inicia a execução de um crime; conseqüentemente, se o fato atribuído àquele que executa a ação descrita na figura típica foi considerado legal, em face do acolhimento da tese da legíti­ma defesa, a mera participação não pode ter qualquer repercussão no âmbito do Direito Penal, já que o fato principal deixou de ser objetivamente ilícito."

Sem adentrar ao terreno da menor ou maior importância da participação do denunciado, a verdade é que, com a rejeição da denúncia nas circunstâncias enun­ciadas no acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso o fato principal objetivamente não se apresenta mais como ilícito, condição que - evidentemente­se comunica ao fato acessório.

Deve-se ter na devida linha de conta que, em virtude do privilégio de foro do denunciado e da antecipação do Ministério Público Estadual, duas denúncias foram oferecidas, quando, em verdade, o nexo de dependência recíproca entre os fatos indicava a competência do Superior Tribunal de Justiça para conhecer e decidir integralmente a controvérsia. Valeu-se no entanto o Ministério Público Federal da alternativa "de desconsiderar a conexão e denunciar perante esta Corte Superior o Conselheiro do Tribunal de Contas" (fi. 3.647).

De toda forma, a decisão soberana da Justiça do Mato Grosso, obrigatoria­mente, por força da coisa julgada, lança seus efeitos sobre a espécie, dado que o acessório segue a condição do principal.

Ante o exposto, com fundamento no art. 60. da Lei n. 8.038, de 28 de maio de 1990, rejeito a denúncia.

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VOTO

o Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito: Senhor Presidente, se não há o principal, não pode haver o acessório, e, além desse fato importante, a meu ver, básico, existiria ainda o outro fundamento relativo à questão da ausência tipificada de posse direta ou indireta, o que afastaria a incidência do art. 312 do Código Penal.

Acompanho o voto do Senhor Ministro-Relator, rejeitando a denúncia.

AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE SEGURANÇA N. 1.408 - SP (2004/0123187-5)

Relator: Ministro Edson Vidigal

Agravante: Fazenda do Estado de São Paulo

Procuradores: Elival da Silva Ramos e outros

Agravada: Célia Casseb Nahuz

Advogados: Carlos Eduardo de Gaspari Valdejao e outro

Requerido: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Assistência Judiciária)

EMENTA

Suspensão de segurança. Adenocarcinoma de pulmão - tumores cancerígenos. Fornecimento do medicamento denominado Gefitinib (nome comercial Iressa) pelo Estado de São Paulo a uma única paciente. Lei n. 4.348, art. 4.Q. Danos à ordem, saúde e economia públicas. Não­configuração.

1. Para o deferimento da suspensão de segurança é imprescindível a demonstração inequívoca de grave potencial lesivo a um dos bens pú­blicos tutelados pela norma de regência, sendo insuficiente para tanto a simples alegação. .

2. A determinação para que o Estado de São Paulo forneça medica­mento a uma única paciente não apresenta potencial lesivo capaz de provocar sérios danos à ordem, à saúde ou à economia públicas.

3. Eventual efeito multiplicador da decisão liminar reclamada deve ser fundamentado na exposição de dados concretos, e não em meras conjecturas.

4. Agravo a que se nega provimento.

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JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Corte Espe­cial, do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taqui­gráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Humberto Gomes de Bar­ros, Cesar Asfor Rocha, José Delgado, Fernando Gonçalves, Carlos Alberto Menezes Direito, Felix Fischer, Hamilton Carvalhido, Francisco Falcão, Franciulli Netto, Luiz Fux, Castro Meira e Hélio Quaglia Barbosa votaram com o Sr. Ministro-Rela­tor. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Antônio de Pádua Ribeiro, Nilson Naves, Sálvio de Figueiredo Teixeira, Francisco Peçanha Martins, Ari Pargendler, Gilson Dipp, Eliana Calmon e Paulo Gallotti e, ocasionalmente, o Sr. Ministro José Arnaldo da Fonseca. Os Srs. Ministros Francisco Peçanha Martins e Gilson Dipp foram substituídos, respectivamente, pelos Srs. Ministros Castro Meira e Hélio Qua­glia Barbosa.

Brasília (DF), 25 de outubro de 2004 (data do julgamento).

Ministro Barros Monteiro, Presidente

Ministro Edson Vidigal, Relator

DJ de 06.12.2004

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Edson Vidigal: Em mandado de segurança impetrado contra ato do Secretário de Saúde do Estado de São Paulo, a aposentada Célia Casseb Nahuz, portadora de adenocarcinoma de pulmão, pediu que lhe fosse assegurado o forneci­mento do medicamento denominado "Gefitinib" (nome comercial Iressa) pelo Estado.

Argumentou a impetrante que sendo portadora de gravissima doença crônica, caracterizada por uma formação de tumores cancerosos no pulmão, não mais lhe estava sendo eficaz o tratamento convencional,' a quimioterapia, mesmo no seu mais alto grau. Sendo assim, conforme prescrição do oncologista, Dr. Jacque Taba­co f, o uso do Gefitinibi seria a sua única alternativa contra essa doença letal.

Ressaltando a impossibilidade de custear o tratamento com os parcos recursos da sua aposentadoria, reforçou a grande possibilidade de ser acometida de metás­tase, com falência múltipla de órgão, caso não faça uso do remédio Iressa.

Informou que apesar de notificada para fornecer a medicação, a autoridade coatora negou-se a fazê-lo, indeferindo o pedido, sob a justificativa de que a droga não está registrada no Brasil.

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Combateu a justificativa da autoridade impetrada, ponderando que a Lei n. 8.080/1990 e a Lei Complementar Estadual 791/1995 asseguram o fornecimento gratuito de medicamentos aos portadores de doenças graves, enquanto a Constitui­ção Federal impõe ao Estado o dever de garantir a assistência integral à saúde, segundo as necessidades específicas de todos os segmentos da população.

Por outro lado, não obstante a falta de registro no Brasil, enalteceu que o Governo do Estado de São Paulo, através do Decreto n. 47.858/2003, isentou do ICMS as operações realizadas com o medicamento Iressa, reconhecendo, pois, a efetiva comercialização do remédio no País por aqueles que podem pagar o trata­mento e que os riscos provenientes da sua utilização não configuram grave ameaça à saúde pública, a indicar a necessidade da sua proibição.

Deferido pedido liminar, sobreveio sentença concedendo a segurança, deter­minando ao impetrado o fornecimento da medicação discriminada na inicial.

O Estado apelou, tendo o recurso sido improvido. Simultaneamente, formulou ao Tribunal de Justiça de São Paulo pedido de suspensão de segurança, no qual também não foi obtido êxito. Providenciado agravo interno, o órgão colegiado negou provimento ao recurso.

Destaco o seguinte excerto do acórdão proferido no agravo interno pelo Tribu­nal Estadual (fls. 125/126):

"c. .. ) impende considerar que a decisão judicial cuidou de tutelar o direi­to à vida do doente, com repercussão no 'mínimo existencial', corolário da dignidade humana, ainda que tangenciada a 'reserva do possível' estatal, pois conforme salientado pelo Ministro Celso de Mello, 'entre proteger a inviolabi­lidade do direito à vida e à saúde, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição da República (art. 91, caput e art. 196), ou fazer prevalecer contra essa prerrogativa fundamen­tal, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo - uma vez con­figurado esse dilema - razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humana, notadamente daqueles que têm acesso, por força de legisla­ção local, ao programa de distribuição gratuita de medicamentos, instituído em favor de pessoas carentes' (Petição n. 1.246/SC).

Por outro lado, nem pode ser aceita, pelo menos à míngua de cabal prova, assertiva de que o cumprimento do comando judicial de primeiro grau acabaria por comprometer o atendimento ao restante da população. Esta é, sem dúvida, uma área a ser priorizada pelo Estado, que deve alocar recursos suficientes para garantir a saúde de todos os cidadãos."

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JURlSPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

Com base na Lei n. 8.437/1992, art. 4il, a Fazenda do Estado de São Paulo

ajuizou aqui novo pedido de suspensão de segurança.

Alegou tratar-se de "situação peculiar", pois o medicamento a ser fornecido não possui registro no Ministério de Saúde - Anvisa (Agência Nacional de Vigilân­cia Sanitária), sendo ignoradas as conseqüências de sua absorção pelo organismo humano.

A manutenção da concessão do medicamento, conforme alegou, obsta a que o Estado continue a normatizar, regular e fiscalizar a área de saúde.

Argumentou que o medicamento ainda não foi aprovado pela unanimidade da Comunidade Internacional, sendo certo que a FDA - Food and Drug Administrati­

on - agência do governo norte-americano responsável pelo controle dos medica­mentos naquele país - aprovou seu registro em caráter provisório.

Ressaltou que o referido medicamento, embora esteja sendo receitado, não poderia ser consumido no Brasil, porque a Lei n. 6.360/1976 estabelece que os medicamentos importados não podem ser expostos à venda ou ao consumo, antes de registrados no Ministério da Saúde.

Aduziu que a Lei n. 6.360/1976, em seu art. 24, possibilitou que pacientes graves, que não disponham de alternativas terapêuticas nacionais, tenham acesso a novas drogas, mediante expressa autorização do Ministério da Saúde, concedida no bojo de um programa denominado '?'\cesso Expandido", às expensas do laboratório.

Por fim, manifestou o temor do efeito multiplicador da decisão, destacando que "a decisão hostilizada representa grave lesão à saúde pública (porquanto obri­ga o Estado, de forma ilegal e indiscriminada, ao fornecimento de um medicamen­to sem comprovação de eficácia, cujo uso é vedado, colocando em risco os pacien­tes que o utilizarem, dados os potenciais riscos de efeitos adversos ainda não total­mente pesquisados); à ordem pública Gá que dá margem a outras decisões no mesmo sentido, com frontal infringência à legislação federal de regência" e, final­mente, às finanças públicas (porque implica despesa com remédio em fase experi­mental).

Mediante decisão de fls. 174/178 indeferi o pedido de suspensão de seguran-ça.

Daí a interposição deste agravo regimental, no qual volta a sustentar o Estado de São Paulo a impossibilidade do fornecimento de medicamento em fase experi­mental em território nacional, sob pena de expor a saúde da coletividade a incon­seqüente risco.

Relatei.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

VOTO

o Sr. Ministro Edson Vidigal (Relator): Senhores Ministros, enfatiza o agra­vante a impossibilidade do fornecimento de medicamento em fase experimental em território nacional, sob pena de expor a saúde da coletividade a inconseqüente risco.

Em que pese a lógica do raciocínio esposado, não se verifica tal preocupação por parte do Estado de São Paulo em outras situações de utilização de remédio sem registro no País por outros segmentos da população.

Da cópia acostada aos autos às fls. 145/147, constata-se que o Governo do Estado de São Paulo, através do Decreto n. 47.858, de 03 de julho de 2003, isentou do ICMS as operações realizadas com o medicamento em questão, o Iressa, reco­nhecendo, pois, a sua efetiva comercialização no País por aqueles que podem pagar o tratamento e que os riscos provenientes da sua aplicação não configuram grave ameaça à saúde pública, a ponto de justificar a sua proibição.

O mesmo abrandamento na preocupação com os efeitos que remédios não registrados no País possam oferecer pode ser observada no apontado Programa de Acesso Expandido, no qual o Estado requerente admite o uso de medicamento em fase expelimental, com o monitoramento de autoridades da saúde no Brasil, desde que a responsabilidade e os custos do tratamento sejam assumidos pelo laboratório fabricante.

Portanto, é de se constatar que a destacada cautela do Estado de São Paulo com os riscos da absorção do remédio em comento, o Iressa, em razão da falta de registro do País, apenas se apresenta com robustez quando os custos com o trata­mento têm de ficar ao seu encargo.

Ademais, o fornecimento do remédio encontra-se vinculado à prescrição for­necida pelo médico, que se responsabiliza pelo tratamento indicado ao paciente.

Por outro lado, conforme destaquei na decisão agravada, dentro do restrito exame da plausibilidade jurídica e do perigo da demora, a autorizar a concessão da medida urgente, apresenta-se flagrante justamente o periculum in mora in­

verso, uma vez que, consoante alegado pela recorrida, o tratamento convencional de quimioterapia não foi capaz de reduzir a expansão dos tumores cancerígenos no seu pulmão, restando a ela como última esperança a utilização do medicamento Iressa. Dessa forma, a manutenção da decisão reclamada consubstancia a única forma de garantir o bem maior, a vida, à aposentada Célia Casseb Nahuz.

Por fim, ressalto que para a concessão da suspensão de segurança, não basta a mera alegação de possível dano, sendo imprescindível a demonstração cabal e

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JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

inequívoca da possibilidade de grave violação a um dos bens privilegiados pela norma, de forma concreta e iminente.

Neste caso, não obstante apontar o agravante lesão à ordem, economia e saúde públicas, dos autos não há como se concluir que o fornecimento do medica­mento a uma única paciente possa causar qualquer conseqüência efetivamente da­nosa a um desses bens públicos.

Quanto ao alegado efeito multiplicador, cumpre observar que o agravante não indicou precisamente a existência de outras ações similares, fundamentando o seu argumento puramente em conjecturas.

Assim, forte nas razões expendidas na decisão agravada, nego provimento ao agravo regimentaL

É o voto.

AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE SEGURANÇA N. 1.411-DF (2004/0125973-7)

Agravante: União

Agravada: Abrati - Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terres­tre de Passageiros

Advogados: Wagner de Souza Soares e outros

Requerido: Desembargador Federal Relator do Mandado de Segurança n. 200401000372685 do Tribunal Regional Federal da la Região

EMENTA

Suspensão de segurança. Indeferimento, agravo regimental. Estatuto do Idoso. Transporte coletivo. Reserva de vagas e descontos. Lesão à ordem jurídica, administrativa e econômica. Interesse público. Equilí­brio financeiro-econômico dos contratos.

1. De lesão à ordem jurídica não se há falar na excepcional via da suspensão de liminar ou de segurança, cujo resguardo se acha assegura­do na via recursal própria (Suspensões de Segurança ns. 909, 917 e 924).

2. Ao estabelecer um serviço de transporte de natureza assistencial em favor dos idosos de baixa renda o legislador exigiu, como condição de eficácia do dispositivo, a edição de legislação específica para regula-

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mentar sua execução na integralidade. Inexistente esta, não se fala em eficácia do dispositivo legal.

3. O serviço de transporte coletivo rodoviário se realiza por ações de empresas mediante contratos de concessão, permissão ou autorização firmados com o Poder Público. São portanto contratos administrativos nos quais, desde a celebração, deve estar prevista a forma de ressarci­mento, pelo Estado, das despesas da empresa na execução do serviço público.

4. Agravo regimental não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Corte Espe­cial, do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taqui­gráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Humberto Gomes de Bar­ros, Cesar Asfor Rocha, José Delgado, Fernando Gonçalves, Carlos Alberto Menezes Direito, Felix Fischer, Hamilton Carvalhido, Francisco Falcão, Franciulli Netto, Luiz Fux, Castro Meira e Hélio Quaglia Barbosa votaram com o Sr. Ministro-Rela­tor. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Antônio de Pádua Ribeiro, Nilson Naves, Sálvio de Figueiredo Teixeira, Francisco Peçanha Martins, Ari pargendler, Gilson Dipp, Eliana Calmon e Paulo Gallotti e, ocasionalmente, o Sr. Ministro José Arnaldo da Fonseca. Os Srs. Ministros Francisco Peçanha Martins e Gilson Dipp foram substituídos, respectivamente, pelos Srs. Ministros Castro Meira e Hélio Qua­glia Barbosa.

Brasília (DF), 25 de outubro de 2004 (data do julgamento).

Ministro Barros Monteiro, Presidente

Ministro Edson Vidigal, Relator

DJ de 06.12.2004

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Edson Vidigal: Em ação cautelar preparatória movida pela Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros - Abra­ti, com vistas à suspensão da obrigatoriedade de suas associadas, empresas permis­sionárias da Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT, realizarem o transporte de passageiros idosos, até efetiva regulamentação do Estatuto do Idoso

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JURlSPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

(Lei n. 10.741/2003, art. 40, parágrafo único, I e II c.c. o art. 115, parágrafo único), o MM. Juiz Federal da 14a Vara de Brasília - DF concedeu liminar para que a ANTT e a União "se abstenham de qualquer ato tendente a punir as associa­das da autora no que toca ao cumprimento da reserva de vagas para idosos, previs­ta na Lei n. 10.741/2004 (sic) e Decreto n. 5.130/2004" (fls. 62/66).

Adveio agravo, pela ANTT, com efeito suspensivo deferido pelo ilustre Desem­bargador Federal Relator, no TRF - la Região, sobrestando os efeitos da liminar acautelatória que impedia o cumprimento da Lei n. 10.741/2003.

Não previsto, no Regimento Interno daquela Corte, art. 293, § 1°, o cabimento de agravo interno na hipótese, a Abrati impetrou mandado de segurança, obtendo liminar, também conferida por Desembargador Federal Relator, que restabeleceu a decisão de primeiro grau e determinou à ANTT e à União que se abstivessem de qualquer ato tendente a punir as associadas da impetrante no que diz com o cum­primento da obrigação de reserva de vagas para idosos prevista na citada norma legal.

Por isso o pedido de suspensão, neste Superior Tribunal de Justiça, com funda­mento nas Leis ns. 4.348/1964, art. 4°, e 8.038/1990, art. 25, por alegada lesão à ordem pública administrativa e à ordem jurídica. Para tanto, sustentou norteado o pedido com o fumus bom iuris -legalidade da obrigação de reserva de vagas para pessoas idosas - Lei n. 10.741/2003, art. 40 -, sendo que a previsão de legislação específica ali explicitada não significa necessidade de lei em sentido formal, a par de ter sido tal dispositivo "devidamente regulamentado pelos Decretos ns. 5.130/2004 e 5.155/2004, que, respeitando os limites da competência normati­va, disciplinaram a forma e as condições necessárias ao exercício do benefício previsto, possibilitando a execução da determinação legal" (fi. 05).

Acrescentou que as medidas previstas na norma possuem caráter de benefício tarifário e não assistencial, pelo que desnecessária a fonte de custeio pela segurida­de social. Além disso, que a decisão denotava clarividente impedimento ao exercí­cio do poder concedente da União - titular dos serviços prestados pelas associadas da impetrante por meio de permissão - na medida em que impede uma das mani­festações desse poder-dever, que nada mais é do que encargo voltado ao interesse público. Interesse público esse, afirmou, malferido, vez que os efeitos da decisão atingem milhares de idosos que vivenciam a situação descrita no Estatuto do Idoso, art. 40, e tem repercussão negativa sobre todo o território nacional.

Destacou que, em caso de eventual prejuízo, que não é fato certo, às empresas de transporte assiste o direito ao equilíbrio econômico-financeiro - Lei n. 9.074/ 1995, art. 35, que dispõe sobre permissões e concessões dos serviços públicos. E, se

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vivenciado prejuízo pelas empresas, será meramente pecuniário e reversível. Mas, ao contrário, irreversív~l seria a lesão causada aos idosos desafortunados, impedi­dos de usufruir um direito estabelecido, que visa à dignidade humana, em homena­gem à situação frágil e desprivilegiada que vivenciam. No particular, aduziu, a lesão transcende de reversível prejuízo patrimonial atingindo a dignidade humana, fundamento do Estado Democrático de Direito.

Reclamou urgente a aplicação do princípio da proporcionalidade, a fim de sobrepor o interesse coletivo ao interesse particular, "mormente considerando que a inversão da prevalência entre tais interesses foi feita com base no exame perfunctó­rio que reveste o provimento liminar - resguardando-se, com isso, a ordem públi­ca potencialmente maculada" (fi. 11). Afirmou lesionada, também, a própria or­dem jurídica, porquanto concedida a liminar à margem da verificação do fumus bom iuris e do periculum in mora, fundamentada que foi em mera prudência.

Às fIs. 69/75 proferi decisão, indeferindo o pedido, ao entendimento de que, primeiro, "de lesão à ordem jurídica não se há falar na excepcional via da suspen­são de liminar ou de segurança, cujo resguardo se acha assegurado na via recursal própria (Suspensões de Segurança ns. 909, 917 e 924)" (fi. 71). No mais, porque não demonstrada a presença dos requisitos justificadores da medida, havendo, na hipótese, risco invertido de dano à ordem pública, "com a possibilidade de quebra do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com o Poder Público, na medida em que estabelece o início de um serviço público de transporte, de natureza assistencial, sem instituir a fonte de custeio e sua forma de execução, para que possa produzir efeitos válidos, eis que não editada lei específica que regula­mente o benefício e seu exercício na integralidade" (fi. 74).

Por fim, que "no particular, a decisão impugnada registrou, entre outros fun­damentos, a complexidade da questão, fazendo imprescindível a expedição de lei específica sobre o tema, não mero decreto do Poder Executivo, e inexistir previsão de fonte de custeio para cobrir o benefício concedido ao idoso, tornando, em tese, impossível à União ressarcir às empresas de transportes tais valores" (fi. 74).

Torna a União, agora via agravo regimental, insistindo presente ameaça de lesão à ordem pública, "sobretudo no que se refere à ordem administrativa, com a sobreposição do interesse particular sobre o interesse público de que se reveste o benefício em comento e, mais que isso, com o impedimento do poder (dever) conce­dente" (fi. 103). Diz que "o cumprimento da reserva de vagas prevista no artigo 40 do Estatuto do Idoso não se condiciona à instituição de uma fonte de custeio institu­ída por legislação específica", porquanto "o benefício em comento não é assistenci­al, e sim tarifário, de modo que eventual dano sofrido pelas empresas permissioná­rias pode ser ressarcido e contornado por meio de revisão tarifária" (fi. 104).

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JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

Assim, entende, improvável eventual desequilíbrio econômico-financeiro do contrato, uma vez que a própria Lei n. 8.666/1993 admite, também, a revisão tarifária por fato superveniente ao contrato, reajuste esse que, afirma, "pode ser feito pela alteração bilateral do contrato" (fi. 105). Diz que o decreto que institui e regulamenta o benefício não pode ser tido como omisso, uma vez que nele dispos­tas, expressamente, as condições exigidas para a expedição do chamado "Bilhete de Viagem do Idoso", sendo que a gratuidade "refere-se a apenas duas vagas em cada veículo e que, preenchidas as duas vagas gratuitas, os beneficiários - que percebem remuneração igualou superior a dois salários mínimos, insista-se -terão que pagar 50% do valor da passagem" (fi. 106).

Insiste impedida a União, no caso, de exercer plenamente sua condição de poder concedente em face dos serviços prestados pelas empresas de transporte rodo­viário interestadual, que atuam na condição de permissionárias de serviço público, bem como desconsiderada, pela decisão, "a dignidade da pessoa humana, em aten­ção às dificuldades enfrentadas pelos idosos de baixa renda" (fi. 108).

Não reconsiderei.

Submeto, então, a questão ao colegiado.

Relatei.

VOTO

o Sr. Ministro Edson Vidigal (Relator): Senhores Ministros, registre-se, de iní­cio, que, ao contrário do que pretende a União, a situação, aqui, foi examinada em sua inteireza, sopesados, inclusive, os argumentos afetos à dignidade humana e às dificuldades enfrentadas pelos idosos de baixa renda. Nesse contexto, impende res­saltar que omissa, de fato, é a decisão que deixa de se manifestar sobre a questão posta ao Judiciário, e não a decisão que, fundamentadamente, decide de forma contrária ao interesse da parte.

Disse a decisão agravada:

"Claro que amparar o idoso, inclusive garantindo-lhe gratuidade nos transportes coletivos urbanos, é dever do Estado. Mas também da família e da sociedade. Do Estado, pessoa jurídica, que autoriza, concede ou permite, me­diante um contrato, a linha de transporte." (FI. 72)

Não obstante, prossegue a decisão,

"Assim, o contrato de autorização, concessão ou permissão de uma linha de ônibus, por exemplo, há que prever - e isso está previsto desde a promul­gação da Carta de 1988 - as formas de ressarcimento pelo Estado das despe­sas da empresa para o cumprimento dessa ordem constitucional.

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Nossas relações econômicas se regem pelas regras do sistema capitalis­ta, da economia de mercado, não sendo lícito ao Estado, em nome de uma obrigação que é sua, confiscar vagas em ônibus ou qualquer outro meio de transporte, sem a correspondente contrapartida indenizatória.

Se isso não tem previsão contratual, não está em vigor, não foi pactuado entre a empresa e o Estado; ainda que essa ordem decorra de uma lei, não está a empresa autorizada, concessionária ou permissionária, obrigada a trans­portar de graça o Matusalém, por mais carcomido que apareça." (Fl. 72)

Isto porque um País como o nosso, com tantos problemas como o da sonega-ção fiscal, da corrupção com o dinheiro público, o das evasões inconfessáveis de bilhões de dólares para os escaninhos ilícitos dos paraísos fiscais, um País tão precisado de investimentos externos indispensáveis ao enfrentamento do desempre­go e precisado de desenvolvimento econômico, não pode cochilar especialmente nesse tema de respeito aos contratos.

Não se trata, pois, de privilegiar o interesse particular - das empresas -, sobre o interesse público - dos idosos. Privilegia-se aqui, e isto sim, o interesse de uma parcela maior da população, não atingida pelo benefício ora em debate e que, eventualmente, terá que pagar a conta final, uma vez que o Poder Público, até o presente, não estabeleceu a forma com a qual contribuirá para o custeio do benefício.

Isto porque, vale repetir, o contrato de autorização, concessão ou permissão de uma linha de ônibus, por exemplo, há que prever - e isso está previsto desde a promulgação da Carta de 1988 - as formas de ressarcimento pelo Estado das despesas da empresa para o cumprimento dessa ordem constitucional. Se a gratui­dade do transporte coletivo interestadual não estava prevista quando da contrata­ção com as empresas prestadoras do serviço, recomenda a lei que seja feito um aditivo contratual como modo legal de estabelecer, mediante nova negociação, a forma de ressarcimento às empresas das despesas decorrentes do transporte gratui­to assegurado por lei.

Imaginar o contrário, afirmar a possibilidade de que toda lei pode impor à iniciativa privada uma ordem desse tipo é desafiar o contrato, ofendendo direta­mente a própria Constituição Federal, que alçou a proteção ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e à coisa julgada à condição de mandamento.

Tem-se, portanto, que, ao contrário do que ora alega a União, não se descon­siderou, aqui, eventual direito, de quem quer que seja, ao benefício instituído. O que se exige é, tão-somente, que a execução, que a imposição de tal procedimento obedeça ao texto legal e, acima de tudo, à previsão constitucional, não substituível por decreto governamental.

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JURlSPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

Confira-se, por oportuno, o que determina a Lei n. 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), art. 40, aplicável à espécie:

'M. 40. No sistema de transporte coletivo interestadual observar-se-á, nos termos da legislação específica:

I - a reserva de 2 (duas) vagas gratuitas por veículo para idosos com renda igualou inferior a 2 (dois) salários mínimos;

II - desconto de 50% (cinqüenta por cento), no mínimo, do valor das passagens, para os idosos que excederem as vagas gratuitas, com renda igual ou inferior a 2 (dois) salários mínimos.

Parágrafo único: Caberá aos órgãos competentes definir os mecanismos e os critérios para o exercício dos direitos previstos nos incisos I e 11."

"Nos termos da legislação específica", é o que diz a lei, legislação específica até esta data ainda inexistente. Por isso, as conclusões do julgado ora impugnado, no sentido de que evidente, nos autos, risco invertido de dano à ordem e economia públicas, com a possibilidade de quebra real do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com o Poder Público - tudo na medida em que estabelecido o início de um serviço público de transporte, de natureza estritamente assistencial, sem que instituída a fonte de custeio e, principalmente, a sua forma de execução, para que possa produzir efeitos válidos, uma vez que inexistente lei específica a regular o benefício, e seu exercício, na integralidade.

Trata-se, pois, de assegurar o ato jurídico perfeito, e mais, a própria seguran­çajurídica das relações contratuais, firmadas que foram com o Poder Público.

E não é só. Não se discute, aqui, o direito, ou a conquista, pelos idosos, dos benefícios que lhes confere o Estatuto - razão pela qual incabível discutir, como pretende a agravante, acerca da aplicação do princípio da proporcionalidade à espécie, à falta de interesses em conflito. O que se discute é, exatamente, a falta da reclamada lei específica a que alude aquele Estatuto, a estabelecer a fonte de cus­teio para os serviços de transportes convencionais. Neste particular, perfeita a deci­são cuja suspensão ora se busca, ao asseverar:

" ... a Lei n. 9.074/1995, no seu art. 35, prevê que a lei própria de cada estipulação de benefício tarifário, caso sub judice, por exemplo, deve ter previsão no seu próprio texto para fixar ou a revisão tarifária ou a origem dos recursos que obviamente seriam repassados à concessionária. Não há, em princípio, admitir a alegação da ANTT de que tais regras seriam posterior­mente fixadas, pois não há como admitir que a União venha a ressarcir o período que vai desde 1 D. de agosto de 2004 até a data da vigência da suposta

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lei, ou seja, retroativamente, repor às concessionárias a diferença" (fls. 31/ 32).

Por isso a dificuldade de reposição do equilíbrio financeiro-econômico do con­trato, não se estabelecendo, nas regras administrativas - cuja legalidade, disse aquela decisão, "é duvidosa no dizer da própria Consultoria Jurídica do Ministério dos Transportes" (fi. 31) -, qual a forma segura de comprovação da renda máxi­ma auferida pelo passageiro que pretende usufruir a gratuidade, já que, ao aceitar a comprovação por meio do carnê de contribuição ao INSS, permite que qualquer autônomo que recolha sobre um ou dois salários mínimos, possa se beneficiar da gratuidade, independentemente de sua situação financeira, considerando que não existe obrigatoriedade de recolhimento de contribuição previdenciária acima do teto mínimo.

Nem se diga, aliás, cerceado, pela decisão, o pleno exercício, pela União, de sua condição de poder concedente, "em face dos serviços prestados pelas empresas de transporte rodoviário interestadual, que atuam na condição de permissionárias de serviço público" (fls. 108/109). O que se determinou, aqui, foi a suspensão de quaisquer atos destinados a punir as empresas de transporte, quanto ao cumpri­mento da reserva de vagas para idosos, enquanto ainda em discussão a legalidade daquela, impondo-se, à Administração, tão-somente a observância dos princípios basilares a ela constitucionalmente atribuídos.

Isto porque, se as características do contrato firmado não fossem asseguradas, permitindo-se ao Poder Público poderes ilimitados para unilateralmente revê-lo, garantindo a execução de tal isenção sem prévia regulamentação, o particular não mais teria interesse ou segurança para negociar com a Administração.

Não há como se concluir, portanto, que a liminar concedida, que apenas deter­minou a observância do devido processo legal, até que decidida a demanda, possa ferir qualquer dos poderes tutelados pela Lei n. 4.348/1964, art. 4.Q. Fazê-lo seria, desde logo, admitir unilateral alteração no próprio contrato, ofendendo-se, assim, o princípio da segurança jurídica, de forma a inspirar insegurança e riscos na contrata­ção com a Administração, resultando em graves conseqüências para o interesse públi­co, inclusive com repercussões negativas sobre o influente "Risco Brasil".

Assim, por entender não demonstrado efetivo potencial lesivo na decisão hos­tilizada, nego provimento ao agravo.

É o voto.

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JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE TUTELA ANTECIPADA N. 62 - PE (2003/0238266-4)

Agravante: Associação dos Juízes Classistas da Justiça do Trabalho da 6a Re­gião - Ajucla

Advogados: Fernando Antônio Malta Montenegro e outros

Agravada: União

Requerido: Tribunal Regional Federal da 5a Região

EMENTA

Agravo regimental. Juízes classistas da Justiça do Trabalho. Rea­

juste de proventos e pensões. Majoração dada pela Lei n. 10.474/2000 à

Magistratura da União. Suspensão de tutela antecipada. Requisitos. Le­

são aos valores tutelados pela Lei n. 8.437/1992 demonstrada. Efeito

multiplicador.

1. A suspensão de tutela antecipada, como medida de natureza

excepcionalíssima, somente deve ser deferida quando demonstrada a possibilidade real de que a decisão questionada cause conseqüências

graves e desastrosas a pelo menos um dos bens tutelados pela Lei n.

8.437/1992, art. 4!l: ordem, saúde, segurança e economia públicas.

2. O provimento, consubstanciado na ordem de pagamento de rea­

justes de proventos e pensões de juízes classistas, estendendo a eles os

efeitos da majoração conferida pela Lei n. 10.474/2000 à Magistratura

da União, é daqueles que não pode ser antecipado, a teor do decidido

pelo Plenário da Suprema Corte, no julgamento da ADC n. 4/DF.

3. Há fundado risco de lesão à ordem pública, nesta compreendida

a administrativa, particularmente quando considerado o real efeito mul­

tiplicador de inúmeras questões análogas, fundadas em argumentos las­

treados em cognição sumária e ainda submetidas à solução definitiva

nas instâncias ordinárias, aqui evidenciado na apresentação de ações

idênticas perante esta Presidência, como a STA n. 61/CE.

4. Somado a isso, o reajuste a 80 juízes classistas aposentados e

pensionistas, sendo que, na STA n. 61/CE, são mais 56 beneficiados com

a antecipação de tutela, implica em considerável desembolso mensal

pela União, antes mesmo que definitivamente julgadas tais ações, a con­

figurar concreto risco de lesão à economia pública.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

5. Com a demonstração do risco de dano alegado, impõe-se a ma­nutenção da suspensão da tutela antecipada contra a União.

6. Agravo regimental não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Corte Espe­cial, do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taqui­gráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Humberto Gomes de Bar­ros, Cesar Asfor Rocha, José Delgado, José Arnaldo da Fonseca, Fernando Gonçal­ves, Carlos Alberto Menezes Direito, Felix Fischer, Hamilton Carvalhido, Francisco Falcão, Franciulli Netto, Luiz Fux, Castro Meira e Hélio Quaglia Barbosa votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Antônio de Pádua Ribeiro, Nilson Naves, Sálvio de Figueiredo Teixeira, Francisco peçanha Martins, Ari Pargendler, Gilson Dipp, Eliana Calmon e Paulo Gallotti. Os Srs. Minis­tros Francisco Peçanha Martins e Gilson Dipp foram substituídos, respectivamente, pelos Srs. Ministros Castro Meira e Hélio Quaglia Barbosa.

Brasília (DF), 25 de outubro de 2004 (data do julgamento).

Ministro Barros Monteiro, Presidente

Ministro Edson Vidigal, Relator

DJ de 06.12.2004

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Edson Vidigal: A União, invocando o abrigo da Lei n. 4.348/ 1964, art. 4'\ Lei n. 8.038/1990, art. 25, Lei n. 8.43711992, art. 411 e Lei n. 9.494/ 1997, art. 111, apresentou pedido de suspensão dos efeitos da tutela antecipada con­cedida nos autos do Agravo de Instrumento n. 2003.05.00.010544-5, em trâmite no Tribunal Regional Federal da 5a Região.

Para tanto, relatou que a Associação dos Juízes Classistas da Justiça do Traba­lho da Sexta Região - Ajuda - VI ajuizou ação ordinária, com pedido de anteci­pação de tutela, para pleitear a revisão dos proventos e pensões de seus associados, a fim de que fosse estendido a eles os efeitos da Lei n. 10.474/2002.

Indeferido o pedido de tutela antecipada pelo Juiz da 2a Vara Federal de Per­nambuco, a autora interpôs agravo de instrumento no Tribunal Regional Federal da 5a Região, obtendo êxito quanto à concessão de efeito suspensivo ativo ao recurso.

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JURlSPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

Por isso, a União interpôs agravo regimental, que restou prejudicado, em face do provimento do agravo de instrumento pela Terceira Turma daquele Regional, em acórdão do seguinte teor:

''l\dministrativo. Processo civil. ConstitucionaL Agravo de instrumento. Agravo regimental. Associação dos Juízes Classistas do Trabalho. Substituto pro­cessuaL Recálculo dos vencimentos, proventos e pensões dos substituídos com base na remuneração dos juízes togados de primeiro grau. Lei n. 10.474/2002.

I - Os juízes classistas, em atividade ou aposentados, não foram excluí­dos dos efeitos da Lei n. 10.474/2002, que dispõe sobre a remuneração da Magistratura da União, tendo direito ao recálculo dos vencimentos, proventos e pensões com base na remuneração de juiz togado de primeiro grau;

II - Agravo provido. Agravo regimental prejudicado" (fi. 78).

Diante dessa situação fática, a União apresentou pedido de suspensão da tute­la antecipada, que foi deferido pelo então Presidente desta Corte, Ministro Nilson Naves, com os seguintes fundamentos:

"Como consabido, a contracautela aqui pleiteada somente tem vez quan­do efetivamente demonstrado que da medida atacada resulta lesão a pelo menos um dos bens tutelados pela norma de regência: ordem, saúde, seguran­ça e economia públicas.

Nessa moldura, vislumbro que a decisão vergastada tem o condão de causar grave lesão ao Erário, porquanto o acréscimo verificado nas despesas com pessoal impactará negativamente o orçamento da requerente, em patente prejuízo das medidas adotadas em prol do equilíbrio orçamentário, quadro que mais se agrava em conseqüência do potencial efeito multiplicador da liminar, o qual já se confirma ante a notícia de ter sido protocolizado, neste Superior Tribunal, novo pedido de contracautela - STA n. 61 -, em que se busca, tal como agora, suspender tutela antecipada que determinou a revisão dos vencimentos de juízes classistas do Estado do Ceará.

Na hipótese, verifico, ainda, que a decisão impugnada está a prestigiar o interesse privado em detrimento do público, sendo certo, ademais, que ne­nhum prejuízo advirá aos requeridos se os acréscimos salariais pleiteados na ação originária, na hipótese de serem eles bem-sucedidos, forem concedidos ao final da demanda, devendo, na espécie, ser aplicado o princípio da propor­cionalidade do dano.

Isso posto, defiro o pedido para suspender os efeitos da decisão proferida pela Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5a Região nos autos do Agravo de Instrumento n. 2003.05.00.010544-5." (Fls. 81/84)

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REVISTA DO SUPERlOR TRlBUNAL DE JUSTIÇA

Contra essa decisão, a Associação dos Juízes Classistas da Justiça do Trabalho da 6a Região interpõe agravo regimental, sustentando a inexistência de grave lesão à economia pública, com o argumento de que "o simples acréscimo orçamentário da folha de pagamento de órgão público, em valores perfeitamente suportáveis pelo orçamento normal, não justifica a suspensão da tutela, uma vez que não põe em risco a estabilidade da economia do País" (fl. 231).

Aduz, também, que "no caso presente essa situação visivelmente não ocorre, uma vez que a tutela alcança cerca de 80 juízes classistas inativos e pensionistas, constantes da relação referida na decisão da tutela, importando num acréscimo mensal de cerca de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) no orçamento de pessoal de egrégio TRT da Sexta Região. Essa é uma quantia minúscula, comparada ao valor mensal dos gastos de pessoa] do TRT da Sexta Região" (fl. 232).

Além disso, alega que não estaria havendo predominância do interesse priva­do sobre o interesse público, com a antecipação de tutela referente ao direito ali­mentar dos tutelados, todos aposentados e pensionistas, de idade avançada, diante do prejuízo irreparável que a espera pelo reconhecimento de seu direito em caráter definitivo pode causar, sem que a decisão favorável consiga beneficiar os autores, mas sim, seus descendentes.

Invoca a seu favor a possibilidade de concessão de tutela antecipada, por se tratar de matéria de natureza previdenciária, pelo que não se insere na proibição constante na Lei n. 9.494/1997, art. 1'1, Lei n. 8.437/1992 e Lei n. 4.348/1964, a par de não ser alcançada pela Decisão do STF na ADC n. 4 - que suspendeu, com efeito vinculante, a prolação de qualquer decisão sobre pedido de tutela antecipada contra a Fazenda Pública, até final julgamento da ação principal.

Ao longo da explanação sobre o mérito da causa, requer a manutenção do sistema que vinculava o valor dos proventos ou pensões de Juízes classistas a 2/3 dos vencimentos dos Juízes togados de l il grau, alegando que a referida vinculação foi instituída pela Lei n. 499/1948, art. 5il, mantida posteriormente pela Lei n. 4.439/1964, art. 5il

.

Desse modo, sustenta que a Lei n. 9.655/1998, não mantendo mais aquela vinculação, não pode ser aplicada retroativamente, razão pela qual fariam "jus" à majoração dada pela Lei n. 10.474/2000 à Magistratura da União (fls. 230/ 237).

Intimada a se manifestar, a União apresentou contra-razões ao agravo (fls. 245/261).

Relatei.

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JURlSPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

VOTO

o Sr. Ministro Edson Vidigal (Relator): Senhores Ministros, como é pacífico na doutrina e jurisprudência dos Tribunais, a extrema medida de suspensão somen­te tem espaço quando demonstrada a possibilidade real de que a decisão questiona­da resulte grave lesão a pelo menos um dos bens tutelados pela Lei n. 8.437/1992, art. 4°: ordem, saúde, segurança e economia públicas.

Oportuno assinalar o entendimento do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que, não cabe examinar, nesta via, as questões de fundo envolvidas na lide, devendo a análise cingir-se, somente, aos aspectos concernentes à potencialidade lesiva do ato decisório, em face das premissas estabelecidas na norma específica (RTJ 143/23).

Assim, a suspensão constitui atividade eminentemente política, em que o ato presidencial avalia somente a potencialidade lesiva da medida concedida contra os valores juridicamente protegidos, sem ingressar no mérito da causa em que proferi­da, que há de ser tratado nas vias ordinárias, eis que a suspensão não se reveste de caráter revisional, tampouco substitui a via recursal própria.

Evidente que não possui natureza jurídica de recurso, pois não permite a devo­lução da matéria de mérito para eventual reforma. Trata-se, portanto, de instru­mento processual de cunho cautelar, que tem por finalidade a obtenção de provi­dência excepcional e provisória, até o julgamento final da decisão de mérito profe­rida no processo principal.

Com efeito, quaisquer ilegalidades, error in procedendo ou error inju­dicando possuem sede própria para o seu deslinde.

Por não .examinar o mérito da ação, nem questionar a juridicidade da medida atacada, é com discricionariedade própria de juízo de conveniência e de oportuni­dade que a Presidência avalia o pedido de suspensão.

A existência da situação de grave risco ao interesse público autorizadora da medida extraordinária, portanto, há de resultar concretamente demonstrada, con­forme se verifica no caso dos autos.

A par de controvertida a plausibilidade do direito argüido, na origem, pela recorrente, tenho que a matéria tratada nos autos diz respeito, exatamente, às ques­tões de fundo objeto da ação em que originada a controvérsia, ou seja, o reajuste dos proventos e pensões de juízes classistas, com base na majoração dada pela Lei n. 10.474/2000 à Magistratura da União. E no exame do pedido de suspensão, não é demais lembrar que a regra é ater-se o Presidente do Tribunal às razões inscritas na Lei n. 8.437/1992, art. 4°, deferindo a contracautela quando demonstrada a

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

possibilidade real de que a decisão questionada resulte grave lesão a pelo menos um dos bens tutelados pela norma de regência.

Este caso não é diferente. A liminar combatida tem o poder de causar grave lesão à ordem pública, nesta compreendida a administrativa, particularmente quando considerado o real efeito multiplicador de inúmeras questões análogas, fundadas em argumentos lastreados em cognição sumária e ainda submetidas à

solução definitiva nas instâncias ordinárias, aqui evidenciada na apresentação de ações idênticas perante esta Presidência, como a STA n. 6I/CE.

E não é só. Os autos dão conta de tutela antecipada concedida para impor, à

União, o reajuste a 80 juízes classistas aposentados e pensionistas. Na STA n. 61/ CE, são mais 56 beneficiados com a antecipação de tutela, implicando em conside­rável desembolso mensal pela União, antes mesmo que definitivamente julgadas tais ações, a configurar concreto risco de lesão à economia pública.

Neste caso, a antecipação de tutela esbarra na questão da exeqüibilidade da decisão, afigurando-se mais correto aguardar, para tanto, o deslinde da controvér­sia em sede de cognição plena.

Oportuno assinalar o entendimento do ilustre Ministro Francisco peçanha Martins, no julgamento do processo AgRg n. STA n. OI/PR, do qual destaco o se­guinte trecho:

"Senhor Presidente, talvez tenha votado pela antecipação da tutela, mas há uma diferença muito grande entre a antecipação de tutela deferida contra a parte, qualquer pessoa, e aquela deferida contra a União. Temos o mau vezo de imaginar que o Estado é rico, mas, na verdade, ricos somos nós, e as despesas públicas se fazem mediante Lei Orçamentária e, nos termos da Cons­tituição, os pagamentos dessas despesas, quando excedentes de determinados montantes, não podem ser ordenados senão mediante o processo do precató­rio.

Não vejo como se possa obrigar a que o Estado promova o pagamento. Aliás, assim decidi em medida cautelar requerida pela União, já com depósi­tos realizados na conta de determinada entidade beneficente, suspendendo esses depósitos até a decisão final, pois não podemos deferir pagamentos se­não dentro da regra estabelecida na Constituição.

Uma coisa é a definição do Direito, outra coisa é a execução desses julgados. Demais disso, a tutela antecipada não é definitiva, pode ser revoga­da e, por isso mesmo, Sr. Presidente, tenho dúvidas quanto à possibilidade jurídica de a conceder contra as entidades públicas".

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JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

Em outras palavras, a tutela antecipada não é definitiva, podendo ser revoga­da quando da decisão de mérito, esbarrando, pois, em casos como o ora em exame, na imediata execução determinada pela origem.

Irreversível, sim, é a repercussão de tal antecipação para os já tão combalidos cofres públicos, vez que exsurge do contexto dos autos que o reajuste pleiteado incide sobre o valor de proventos e pensões, revestindo-se de caráter alimentar. Portanto, o provimento antecipatório tem a potencialidade de causar dano de difí­cil, ou senão, impossível reparação à economia pública, diante da concreta e real dificuldade na devolução destes valores pelos juízes classistas aposentados e pensi­onistas.

Por sua vez, caso saiam vitoriosos na ação ordinária, terá a União que promo­ver o pagamento dos acréscimos salariais pleiteados na ação originária, evidenci­ando a viabilidade da imediata recomposição patrimonial dos autores, na hipótese de prevalecerem seus argumentos ao final do litígio, sem o perigo de lesionar ou inviabilizar a atividade administrativa. Não sairão, pois, prejudicados.

Neste caso, reconhecendo que a proliferação de ações idênticas (corroborada pelo ajuizamento da STA n. 61/CE, nesta Presidência) tem potencial suficiente para causar expressiva lesão à economia e ordem públicas, entendo prudente manter a suspensão da tutela antecipada, aguardando-se o julgamento final da ação, para que, aí sim, caso vencida a União, seja determinado o pagamento em debate.

Por outro lado, o Plenário do Supremo Tribunal Federal já decidiu, no julga­mento da ADC n. 4/DF, que qualquer juiz está proibido de prolatar ato decisório sobre o pedido de antecipação de tutela contra a Fazenda Pública, que tenha por pressuposto a questão de constitucionalidade, ou não, da norma inscrita da Lei n. 9.494/1997, art. 1!l. O referido dispositivo legal determina a aplicação, à tutela antecipada prevista no CPC, arts. 273 e 461, do disposto na Lei n. 4.348/1964, art. 5!l e parágrafo único, e art. 7!l, Lei n. 5.021/1966, art. P e § 4!l, e Lei n. 8.437/ 1992, arts. 1!l, 3!l e 4!l.

Naquela oportunidade, a Suprema Corte proclamou ser inviável a antecipa­ção de tutela concedida contra a Fazenda Pública, em ação movida por servidor público que tenha como objeto a reclassificação, equiparação, aumento ou exten­são de vantagens (Lei n. 4.348/1964, art. 5!l) ou pagamento de vencimentos e van­tagenspecuniárias (Lein. 5.021/1966, art. 1!l).

À evidência, incorre em flagrante afronta à decisão do STF (dotada de efeito vinculante) e ao disposto na Lei n. 9.494/1997, art. 1!l, a determinação de imediato pagamento ajuízes classistas aposentados e pensionistas, dos acréscimos decorren­tes da revisão dos proventos e pensões - tendo como base a remuneração de juiz

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REVISTA DO SUPERlOR TRlBUNAL DE JUSTIÇA

togado de primeiro grau -, estendendo a eles os efeitos da majoração conferida

pela Lei n. 10.474/2000 à Magistratura da União, vez que a antecipação de tutela

concedida possui nítido caráter de equiparação aos juízes togados.

Com essas considerações, nego provimento ao agravo regimental, mantendo a

decisão que concedeu a suspensão da tutela antecipada.

É o voto.

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS N. 31.651- RJ (2003/0202829-2)

Relator: Ministro Francisco Peçanha Martins

Agravantes: Nélio Roberto Seidl Machado e outros

Agravado: Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

Paciente: Anthony William Garotinho Matheus de Oliveira

EMENTA

Processual Civil - Agravo regimental - HC impetrado por ex­

governador - Queixa-crime contra a honra - CPp, art. 84, § 1 D., altera­

do pela Lei n. 10.628/2002 - Aplicação aos crimes decorrentes de atos

administrativos - Precedente do STF (Inq n. 718-8/SP).

- Consoante recente entendimento esposado pelo STF, a alteração

introduzida pela Lei n. 10.628/2002 no § Indo art. 84 do CPP só estende a

competência especial por prerrogativa de função após cessada a investidu­

ra determinante, aos crimes decorrentes de atos administrativos do agente.

- Tratando-se de crime contra a honra imputado a ex-governador,

hoje Secretário de Estado da Segurança Pública, impõe-se reconhecer a

competência do órgão especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio

de Janeiro para apreciar e julgar a queixa-crime.

- Agravo regimental improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Corte Espe­

cial do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taqui-

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JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

gráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Vota­ram com o Relator os Srs. Ministros Humberto Gomes de Barros, Ari pargendler, José Arnaldo da Fonseca, Fernando Gonçalves, Carlos Alberto Menezes Direito, Fe­lix Fischer, Eliana Calmon, Paulo Gallotti, Franciulli Netto, Antônio de Pádua Ri­beiro, Edson Vidigal e Barros Monteiro. Não participaram do julgamento os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Hamilton Carvalhido, Luiz Fux, Teori Albino Zavas­cki, Castro Meira e Hélio Quaglia Barbosa. Ausentes,justificadamente, os Srs. Mi­nistros Sálvio de Figueiredo Teixeira, José Delgado, Gilson Dipp e Francisco Fal­cão, sendo os três últimos substituídos respectivamente, pelos Srs. Ministros Teori Albino Zavascki, Hélio Quaglia Barbosa e Castro Meira. Presidiu o julgamento o Exmo. Sr. Ministro Nilson Naves.

Brasília (DF), 1.0. de julho de 2004 (data do julgamento).

Ministro Nilson Naves, Presidente

Ministro Francisco Peçanha Martins, Relator

DJ de 14.02.2005

RELATÓRIO

o Sr. Ministro Francisco Peçanha Martins: Trata-se de agravo regimental in­tentado pelo ex-governador do Estado do Rio de Janeiro Sr. AnthonyWilliam Garo­tinho Matheus de Oliveira contra decisão por mim exarada no HC n. 31.651/RJ, nos seguintes termos (fl. 80):

"Vistos etc.

Tenho opinião firmada pela inconstitucionalidade da Lei n. 10.628/ 200l.

É que a lei ordinária não pode alterar a competência constitucional dos Tribunais.

Demais disso, e como bem ressaltou a ilustre Subprocuradora da Repú­blica no parecer de fls. 72/79 dos autos, o STF revogou a Súmula n. 394 enfatizando, no Inq n. 687/SP que a norma constitucional não contempla os ex-exercentes dos cargos mencionados no art. 102 da CE

Sendo taxativa a competência constitucional do STJ para julgar exercentes dos cargos referidos no art. 105, I, letra a, dentre os quais os governadores, não pode a lei ordinária ampliar-lhe a competência estendendo-a a ex-governadores.

A competência para julgar o presente habeas corpus é, pois, do órgão especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ao qual devem os autos ser remetidos."

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Inconformado, O querelado, que responde a queixa-crime contra a honra, in­terpõe o presente agravo regimental com apoio na Lei n. 10.628/2002 e acórdão proferido na APn n. 195, de que foi Relator o Ministro Gilson Dipp, transcrevendo o seguinte trecho que diz amoldar-se ao mérito do HC (fl. 91):

"( ... )

Xl\!. Tratando-se de ação penal proposta neste Superior Tribunal de Jus­tiça devido à participação de um membro do Tribunal de Contas do Estado de Rondônia e um Ex-Governador, que detêm foro especial por prerrogativa de função, atraindo os demais acusados, e levando-se em conta a gravidade dos fatos denunciados, impõe-se a devida apuração das alegações ministeriais." (DJ de 15.09.2003, p. 225, ReI. Min. Gilson Dipp)

Impõe-se dizer que, oferecida a queixa perante o ST J, após a renúncia ao cargo de governador do Rio, proferi decisão, nestes termos:

"Tendo renunciado ao Governo do Estado do Rio de Janeiro e cancelada

a Súmula n. 394 do STF, não mais dispõe de foro neste STJ o Sr. Anthony William Garotinho Matheus de Oliveira.

Remeta-se o processo à Justiça do Estado do Rio de Janeiro como requer o Ministério Público." (Fl. 4)

Com o advento da Lei n. 10.628, de 24.12.2002, que deu nova redação ao art. 84 do CPC, entende que o processo deveria voltar ao STJ. Contrariamente ao pre­tendido, o Juízo da 33a Vara Criminal da Comarca da Capital do Rio de Janeiro recebeu a queixa e, tão logo assumido pelo querelado o cargo de Secretário de Estado da Segurança Pública, declinou da competência para o órgão especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Francisco Peçanha Martins (Relator): Não obstante os fatos tidos como ofensivos terem ocorrido quando o impetrante era governador do Esta­do, a sua renúncia ao cargo implicou na perda do foro especial, como acentuei no despacho transcrito à fl. 04:

"Tendo renunciado ao Governo do Estado do Rio de Janeiro e cancelada

a Súmula n. 394 do STF, não mais dispõe de foro neste STJ o Sr. Anthony William Garotinho Matheus de Oliveira.

Remeta-se o processo à Justiça do Estado do Rio de Janeiro como requer o Ministério Público."

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JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

Tendo sido promulgada a Lei n. 10.628/2002, pretende o impetrante voltar a residir no STJ a queixa-crime, face à modificação introduzida no art. 84 do cpp

pela citada lei, e que transcrevo:

'M. 84. A competência pela prerrogativa de função é do Supremo Tribu­nal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, relativamente às pes­soas que devam responder perante eles por crimes comuns e de responsabili­dade. (Redação dada pela Lei n. 10.628, de 24.12.2002)

§ In A competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública. (Parágrafo

incluído pela Lei n. 10.628, de 24.12.2002)

§ 2n A ação de improbidade, de que trata a Lei n. 8.429, de 02 de junho de 1992, será proposta perante o Tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública, observado o disposto no § In.

(Redação dada pela Lei n. 10.628, de 24.12.2002)

Tenho, porém, como inconstitucional a Lei n. 10.628/2002, pois convencido estou que não poderia o legislador ordinário acrescer competência aos Tribunais, mormente a do STJ e do STF, em detrimento do texto constitucional (arts. 102 e 103 da CF/1988).

É certo, porém, que esta Corte Especial repeliu a instauração do incidente de inconstitucionalidade da Lei n. 10.628/2002 no julgamento das APns ns. 247/SP e 274/AM.

Mas, no caso, a Lei n. 10.628/2002 não socorre ao impetrante. É que a queixa é por crime contra a honra, e a lei somente se aplicaria aos crimes decorrentes de atos administrativos do agente.

E não se alegue que teria havido o restabelecimento integral da Súmula n. 394. O Ministro Pertence já o positivou, na questão de ordem no Inquérito n. 718-8/SP:

"Supremo Tribunal Federal: competência penal originária por prerroga­tiva de função após a cessação da investidura: Lei n. 10.628/2002.

1. O art. 84, § In, C. Pro Pen, introduzido pela Lei n. 10.628/2002 não restabeleceu integralmente a cancelada Súmula n. 394: segundo o novo dispo­sitivo a competência especial por prerrogativa de função só se estende após cessada a investidura determinante se a imputação for 'relativa a atos admi­nistrativos do agente'.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2. Por isso, independentemente do juízo sobre a constitucionalidade ou não da lei nova - objeto da ADln n. 2.797 -, não compete ao STF a supervi­são judicial de inquérito em que indiciado ex-Deputado Federal por suspeita de participação de desvio de subsídios da União a entidade privada de assis­tência social, cuja direção integrava.

De outra parte, os acórdãos proferidos na Ação Penal n. 195/RO e na Recla­mação n. l.018/SE, relatados pelos Ministros Dipp e Delgado, não contemplam hipótese assemelhada. Na APn n. 195, a competência do STJ se impunha pela participação de membro do Tribunal de Contas do Estado de Rondônia; na Recla­mação, tratava-se de crime imputado a governador de Estado em exercício.

Por tais razões, nego provimento ao agravo regimental.

VOTO-VISTA

o Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros: Sr. Presidente, para maior segu­rança, leio o relatório apresentado pelo Sr. Ministro Francisco Peçanha Martins:

"Trata-se de agravo regimental intentado pelo ex-governador do Estado do Rio de Janeiro Sr. Anthony William Garotinho Matheus de Oliveira contra decisão por mim exarada no HC n. 3l.651/RJ, nos seguintes termos (fl. 80):

'Vistos etc.

Tenho opinião firmada pela inconstitucionalidade da Lei n. 10.628/200l.

É que a lei ordinária não pode alterar a competência constitucional dos Tribunais.

Demais disso, e como bem ressaltou a ilustre Subprocuradora da República no parecer de fls. 72/79 dos autos, o STF revogou a Súmula n. 394 enfatizando, no Inq n. 687/SP que a norma constitucional não con­templa os ex-exercentes dos cargos mencionados no art. 102 da CF

Sendo taxativa a competência constitucional do ST J para julgar exercentes dos cargos referido no art. 105, I, letra a, dentre os quais os governadores, não pode a lei ordinária ampliar-lhe a competência esten­dendo-a a ex-governadores.

A competência para julgar o presente habeas corpus é, pois, do órgão especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ao qual devem os autos ser remetidos.'

Inconformado, o querelado, que responde a queixa-crime contra a hon­ra, interpõe o presente agravo regimental com apoio na Lei n. 10.628/2002 e

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JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

acórdão proferido na APn n. 195, de que foi Relator o Ministro Gilson Dipp, transcrevendo o seguinte trecho que diz amoldar-se ao mérito do HC (fi. 91):

'C .. )

XIV Tratando-se de ação penal proposta neste Superior Tribunal de Justiça devido à participação de um membro do Tribunal de Contas do Estado de Rondônia e um Ex-Governador, que detêm foro especial por prerrogativa de função, atraindo os demais acusados, e levando-se em conta a gravidade dos fatos denunciados, impõe-se a devida apuração das alegações ministeriais.' (DJ de 15.09.2003, p. 225, ReI. Min. Gilson Dipp)

Impõe-se dizer que, oferecida a queixa perante o STJ, após a renúncia ao cargo de governador do Rio, proferi decisão, nestes termos:

'Tendo renunciado ao Governo do Estado do Rio de Janeiro e cance­lada a Súmula n. 394 do STF, não mais dispõe de foro neste STJ o Sr. AnthonyWilliam Garotinho Matheus de Oliveira.

Remeta-se o processo à Justiça do Estado do Rio de Janeiro como requer o Ministério Público.' (fi. 04)

Com o advento da Lei n. 10.628, de 24.12.2002, que deu nova redação ao art. 84 do CPp, entende que o processo deveria voltar ao STJ. Contrariamente ao preten­dido, o Juízo da 33a Vara Criminal da Comarca da Capital do Rio de Janeiro recebeu a queixa e, tão logo assumido pelo Querelado o cargo de Secretário de Estado da Segurança Pública, declinou da competência para o órgão especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro."

Esse é o Relatório do Sr. Ministro-Relator.

S. Exa . vota nestes termos:

"Não obstante os fatos tidos como ofensivos terem ocorrido quando o impetrante era Governador do Estado, a sua renúncia ao cargo implicou na perda do foro especial, como acentuei no despacho transcrito à fi. 04:

'Tendo renunciado ao Governo do Estado do Rio de Janeiro e cance­lada a Súmula n. 394 do STF, não mais dispõe de foro neste STJ o Sr. AnthonyWilliam Garotinho Matheus de Oliveira.

Remeta-se o processo à Justiça do Estado do Rio de Janeiro como requer o Ministério Público.'

Tendo sido promulgada a Lei n. 10.628/2002, pretende o impetrante voltar a residir no STJ a queixa-crime, face à modificação introduzida no art. 84 do CPP".

RSTJ, a. 17, (188): 19-135, abril 2005

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

o Sr. Ministro Francisco peçanha Martins transcreve o novo texto do art. 84 e continua:

"Tenho, porém, como inconstitucional a Lei n. 10.628/2002, pois con­vencido estou que não poderia o legislador ordinário acrescer competência aos Tribunais, mormente as do STJ e do STF, em detrimento do texto constitu­cional (arts. 102 e 103 da CF/1988).

É certo, porém, que esta Corte Especial repeliu a instauração do inciden­te de inconstitucionalidade da Lei n. 10.628/2002 no julgamento das APns ns.

247/SP e 274/AM.

Mas, no caso, a Lei n. 10.628/2002 não socorre ao impetrante. É que a queixa é por crime contra a honra, e a lei somente se aplicaria aos crimes decorrentes de atos administrativos do agente.

E não se alegue que teria havido o restabelecimento integral da Súmula n. 394. O Ministro Pertence já o positivou, na Questão de Ordem no Inquérito

n. 718-8/SP."

O Sr. Ministro Francisco peçanha Martins transcreve o pronunciamento do Sr.

Ministro Sepúlveda Pertence:

"1. O art. 84, § 1!l, C. Pro Pen, introduzido pela Lei n. 10.628/2002 não restabeleceu integralmente a cancelada Súmula n. 394: segundo o novo dispositivo a competência especial por prerrogativa de função só se estende após cessada a investidura determinante se a imputação for 're­lativa a atos administrativos do agente'.

2. Por isso, independentemente do juízo sobre a constitucionalidade ou não da lei nova - objeto da ADln n. 2.797 -, não compete ao STF a supervisão judicial de inquérito em que indiciado ex-Deputado Federal por suspeita de participação de desvio de subsídios da União a entidade privada de assistência social, cuja direção integrava."

De outra parte, os acórdãos proferidos na Ação Penal n. 195/RO e na Recla­mação n. 1.018/SE, relatados pelos Ministros Dipp e Delgado, não contemplam hipótese assemelhada. Na APn n. 195, a competência do STJ se impunha pela participação de membro do Tribunal de Contas do Estado de Rondônia; na recla­mação, tratava-se de crime imputado a governador de Estado em exercício.

Diz o Sr. Ministro Francisco Peçanha Martins:

"Por essas razões, nego provimento ao agravo regimental".

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JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

Pedi vista dos autos, porque me preocupou a questão da inconstitucionalidade da lei. Já nos recusamos a instaurar o incidente de inconstitucionalidade e votei no sentido de não se instaurar, porque o Supremo Tribunal Federal, tendo oportunida­de de suspender essa lei por evidente inconstitucionalidade, não o fez. Significa dizer que, na técnica do Supremo Tribunal Federal, nos últimos anos, essas limina­res relativas à suspensão, ou não, da lei supostamente inconstitucional consolidam­se como decisões definitivas. Penso que não faria sentido instaurarmos um incidente de inconstitucionalidade quando o Supremo Tribunal Federal declarou que não havia uma inconstitucionalidade evidente.

No caso, o Sr. Ministro Francisco Peçanha Martins, apesar de expor a sua convicção pela inconstitucionalidade, interpreta a lei, até esquece a inconstitucio­nalidade. Interpretando-a, digo que não se aplica à hipótese, porque o texto do novo dispositivo se rebela - quero repetir isso aqui: a competência pela prerroga­tiva de função é do Supremo, relativamente às pessoas que devam responder peran­te eles por crimes comuns.

Da competência especial pela prerrogativa de função:

Parágrafo primeiro: '~tos administrativos do agente prevalecem ainda que o inquérito ou ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício."

Na verdade, o Sr. Ministro peçanha observou com argúcia que o parágrafo primeiro determina a competência por prerrogativa relativa a atos administrativos do agente, no caso, é um suposto atentado à honra.

Com essa explicação acompanho o Sr. Ministro Francisco Peçanha Martins, negando provimento ao agravo regimental.

VOTO

o Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro: Sr. Presidente, o tema diz respeito à interpretação do § 1.Q do art. 84 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei n. 10.628, de 24.12.2002, e o que se pretende saber é se a competência especial por prerrogativa de função relativa a atos administrativos do agente preva­lece, ainda que o inquérito ou ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública.

Confesso que essa lei veio trazer muitas dificuldades interpretativas, porque se nos ativermos ao que a maioria aqui votou concluiremos que o texto se refere apenas a ato administrativo, então, se, no caso, se trata de crime contra a honra, evidentemente que não envolve a prática de ato administrativo, razão pela qual não prevalece a prerrogativa de foro prevista na Constituição.

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o fato nos deixa perplexo, porque há certos crimes, por exemplo, em que juízes que praticam atos jurisdicionais, ou melhor dizendo, atos judiciários (não poderíamos caracterizar muitos casos desses atos como atos jurisdicionais, mas atos judiciários -, quer dizer, os atos judiciários são mais próximos a atos admi­nistrativos, porque eles têm uma conotação que, talvez, assemelhem mais aos atos administrativos que aos atos jurisdicionais), e, no entanto, proclamamos a compe­tência desta Corte para proferir esses julgamentos.

Daí que, realmente, a matéria enseja dificuldades. Trata-se de um texto que não é dos mais felizes. Esse tema deveria ser solucionado por emenda constitucio­nal e não por leis que fazem com que tenhamos, sobre o texto respectivo, interpre­tações diversas, procrastinando o andamento dos processos, ensejando que possam futuramente ser anulados e, portanto, caminhando em direção à impunidade. Esse é um problema que preocupa muito diante esse novo texto legal.

Essa oscilação interpretativa e que está pendente até mesmo do exame da sua constitucionalidade, porque, segundo entendemos, a maioria parece que concluiu no sentido de não suscitar a inconstitucionalidade desse texto, porque a matéria já está sujeita ao Supremo Tribunal Federal, que é a corte constitucional, e a examina­rá em ação direta de inconstitucionalidade. Mas até que o faça, como proceder­mos? Essa é uma dificuldade muito grande. Eu mesmo tenho processos em que estou aguardando para saber como atuaremos nesses casos. Temos processos que se encaixam nesses textos e que nos geram essa dificuldade, porque o Superior Tribu­nal de Justiça, por esta mesma Corte Especial, por exemplo, no caso de ação de improbidade, que envolve a prática de ato administrativo, decidiu que, nessa hipó­tese, não há aplicação do privilégio de foro por prerrogativa de função, ou seja, que a Constituição, quando estabelece a competência prerrogativa de função em razão da prática de crime, não abrange as ações de improbidade. Assim decidimos.

Mas sobreveio esse texto, a matéria está sob a égide do Supremo Tribunal Federal em ação direta de inconstitucionalidade. Assim, deparamo-nos com essa dificuldade: vamos levantar urna argüição de inconstitucionalidade, suspender o julgamento e enviar a matéria para o Ministério Público opinar, sendo que essa decisão ficará sempre pendente de solução final do Supremo Tribunal Federal?

Durante todo esse procedimento, muitos crimes prescreverão e muitas das atividades judiciárias tornar-se-ão sem efeito. Será uma perda de tempo muito grande.

Na interpretação restritiva do texto: "A competência especial pela prerrogativa de função relativa a ato administrativo do agente prevalece, ainda que o inquérito ou a ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública."

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JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

Há dois tipos de ação judiciaL Há a ação judicial criminal, se se trata de crime; então, temos a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que alterou a

Súmula n. 594. Seria de aplicá-la ou não. Trata-se de situação que causa perplexi­

dade.

Acompanho o voto do eminente Ministro-Relator pela interpretação da aplica­ção literal do texto, mas ressalvando que o faço na pendência de exame futuro da matéria. Continuarei a meditar sobre o tema. Como não podemos postergar a deci­são, e tendo em conta os elementos até agora existentes, a melhor se me afigura essa interpretação literaL

Nego provimento ao agravo regimentaL

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL N. 259.890 - SP (2001/0188277-6)

Relator: Ministro José Delgado

Embargantes: Pericles Arcuri Gastaldo e outro

Advogados: Domingos Guastelli Testasecca e outros

Embargado: Ademirso Rosa

EMENTA

Processual Civil. Fraude à execução. Citação regular do executado. Imprescindibilidade. Art. 593, lI, CPC. Precedentes.

1. Não é possível a declaração de fraude à execução sem a existên­cia de demanda anterior com citação válida.

2. Diversidade de precedentes.

3. Embargos de divergência rejeitados.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por unani­midade, rejeitar os embargos de divergência, nos termos do voto do Sr. Ministro­

Relator. Os Srs. Ministros José Arnaldo da Fonseca, Fernando Gonçalves, Carlos Alberto Menezes Direito, Felix Fischer, Gilson Dipp, Jorge Scartezzini, Francisco

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Falcão, Franciulli Netto, Luiz Fux, Antônio de Pádua Ribeiro, Nilson Naves, Barros Monteiro, Francisco Peçanha Martins, Cesar Asfor Rocha e Ari Pargendler votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausentes, ocasionalmente, os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira, Humberto Gomes de Barros, Hamilton Carvalhido e Eliana Calmon.

Brasília (DF), 02 de junho de 2004 (data do julgamento).

Ministro Edson Vidigal, Presidente

Ministro José Delgado, Relator

DJ de 13.09.2004

RELATÓRIO

o Sr. Ministro José Delgado: Os embargos de divergência em exame foram admitidos para apreciação por decisão de minha lavra assim posta (fls. 201/205):

"Péricles Arcuri Gastaldo e outro apresentam embargos de divergência (fls. 165/180) com referência a recurso especial que, ao ser julgado pela egré­gia Sexta Turma desta Corte, recebeu decisão relatada pelo eminente Ministro Fernando Gonçalves, assim ementada (fl. 150):

Civil. Locação. Fraude à f.-yecução. Imóvel. Transferência. Integraliza­ção de capital social. Transcrição após o ajuizamento da f.-yecução, mas

antes da citação. Descaracterização. Exame de prova. Súmula n. 07-STJ.

1. Não há falar emfraude à execução se realizada a transcrição do

imóvel no registro imobiliário após o seu ajuizamento, mas antes da

citação do executado, sendo necessário, para evidenciar o ardil, verificar se o devedor, a despeito da citação, tinha conhecimento da existência da ação contra si proposta, intento inviável em sede especial, a teor da Súmula n. 07-STJ. Precedentes.

2. Recurso conhecido em parte (alínea c) e improvido. (Grifos nossos)

Embargos de declaração foram manejados, tendo sido rejeitados com as razões desta forma sintetizadas (fl. 163):

Processual civil. Embargos de declaração. Recurso especial. Funda­

mento nas alíneas a e c. Conhecimento apenas quanto ao dissídio preto­

riano. Omissão. Inoconência.

1. Quando o recurso especial vem fundamentado na letra a do permissivo constitucional, ou seja, violação de lei federal, o simples não­conhecimento implica, também, no seu ímprovimento, porquanto, não

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JURlSPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

conhecer é o mesmo que não admitir a alegada vuIneração do direito infraconstitucíonal, vale dizer, o mérito da contenda.

2. Embargos rejeitados.

Aduzem os embargantes que o aresto supradestacado divergiu do enten­dimento firmado pelas Primeira e Quarta Turmas, desta Corte, por ocasião do julgamento dos seguintes recursos:

- REsp n. 2.250-0/SP, ReI. Min. Cesar Asfor Rocha, Primeira Turma, julgado em 04.10.1993 e publicado na RSTJ 57, pp. 175/185 (fi. 169):

"Tributário, Civil e Processo Civil. Fraude à execução. Bem imóvel alienado antes da execução mas posterior à sua transcrição no registro imobiliário. Arts. 530, I, 533 do Código Civil e 185 do CTN. A proprieda­de imobiliária só se transmite após a transcrição do título no registro de imóveis. A presunção de fraude prevista no art. 185 do CTN é juris et de juris. Pode sofrer constrição judicial o imóvel alienado por escritura pública firmada em data anterior à execução fiscal mas levado à trans­crição no registro imobiliário somente depois de seu ajuizamento. Recur­so provido."

- REsp n. 67.083/SP, ReL Min. Cesar Asfor Rocha, Primeira Turma, DJ de 11.03.1996 (fi. 176):

"Tributário, Civil e Processual CiviL Fraude à execução mas poste­rior à sua transcrição no registro imobiliário. Art. 185 do CTN.

I - A propriedade imobiliária só se transmite após a transcrição do título no registro de imóveis.

II - A presunção de fraude prevista no art. 185 do CTN éjuris et de juris.

IH - Pode sofrer constrição judicial o imóvel alienado por escritura pública firmada em data anterior à execução fiscal, mas levado à trans­crição no registro imobiliário somente depois de seu ajuizamento, embo­ra ainda não efetivada a citação.

IV - Recurso provido". (Grifos nossos)

- REsp n. 22.336-6/PR, ReI. Min. Sálvio de Figueiredo, Quarta Turma, julgado em l3.09.1994 (fi. 192):

Processo Civil. Fraude de execução. Contrato particular de compra e

venda de imóvel anterior à citação do executado. Transcrição no registro imobiliário quando já havia a litispendência, alienação ineficaz entre exeqüente e executado. Recurso não conhecido.

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I - Não viola a lei federal o acórdão que afirma alienado em fraude de execução imóvel objeto de contrato particular de compra e venda firmado antes de ajuizada a execução contra o vendedor, mas transcrito

no registro imobiliário apenas depois da sua citação.

II - A alienação do bem imóvel se concretiza pela transcrição do título no álbum imobiliário (art. 530, I, CC).

IH - Na relação jurídica existente entre exeqüente e executado a alienação efetuada em tais condições é ineficaz, nada obstando, entre­tanto, que, consoante proclama o Enunciado n. 84 da súmula deste Tri­bunal, os adquirentes se valham dos embargos de terceiro para opor-se ao direito do exeqüente de ver penhorado o bem. (Grifos nossos)

Alegam os embargantes que a identidade de situações que autoriza o pre-sente inconformismo, nos termos do art. 266 do RlSTJ, é evidente: no primeiro caso, julgado pela Primeira Turma, tratava-se de recurso interposto pela Fazen­da do Estado de São Paulo visando à declaração de fraude à execução de imóvel alienado por escritura pública firmada em data anterior à execução, mas leva­do à transcrição no registro imobiliário somente depois do seu ajuizamento.

O segundo paradigma (REsp n. 67.083/SP) trazido à colação entendeu que, quando procedido o registro do imóvel (em 17.11.1987),já havia execução ajuizada (em 31.08.1987), tendo a citação sido efetivada apenas em 17.06.1991, após o registro, resultando evidente a ocorrência de fraude pre­vista na lei tributária.

O terceiro e último aresto colacionado, proveniente da Quarta Turma (REsp n. 22.336-6/PR), confirmou a decisão de segundo grau sob o fundamen­to de que "não viola a lei federal o acórdão que afirma alienado em fraude de execução imóvel objeto de contrato particular de compra e venda firmado antes de ajuizada a execução contra o vendedor, mas transcrito no registro imobiliário apenas depois da sua citação".

Concluem os embargantes por requerer a reforma da decisão embargada para que seja reconhecida a fraude à execução do bem indicado à penhora, tendo em vista o registro imobiliário da escritura após o ajuizamento da ação, antes da citação, já que os efeitos desta retro agem à data da propositura da demanda.

Examino a pretensão.

Primeiramente, em relação ao REsp n. 2.250-0/SP, verifica-se que o mes­mo desserve para compor o dissídio pretoriano com o aresto embargado por-

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JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

que as questões de fato e de direito apreciadas não guardam absoluta identi­dade entre si. A questão posta a deslinde, no paradigma, resumiu-se em defi­nir se é da data da escritura de compra e venda do bem imóvel ou se é da data do seu registro que se estabelece como fraudulenta a alienação de bens por sujeito em débito para com a Fazenda Pública por crédito tributário regular­mente inscrito como dívida ativa em fase de execução. E reconheceu-se a ocorrência da fraude sob o argumento de que o imóvel só deixou de integrar o patrimônio do devedor após o aparelhamento da cobrança judicial, ou seja, quando foi procedido o registro imobiliário já havia execução ajuizada.

No acórdão embargado a fraude não foi detectada porque a transcrição do imóvel no registro imobiliário foi realizada após o ajuizamento da execução, mas antes da citação do devedor. E, para constatar o ardil, necessário seria verificar se o devedol~ a despeito da citação, tinha o conhecimento da ação contra si proposta, intento inviável em sede especial, a teor da Súmula n. 07/ STJ. O voto-condutor do julgamento alinhou as seguintes razões para decidir (fls. 146/148):

"Na hipótese, ajuizada a ação de execução em 12.06.1998, consta­tou-se a transferência, pelo executado, a título de 'integralização de ca­pital social de empresa', do bem indicado à penhora pelo exeqüente, em 24.11.1997, contudo, tal cessão somente foi inscrita no registro imobili­ário em 24.06.1998.

Os exeqüentes, então, requereram a decretação de fraude à execução, porquanto o registro do imóvel ocorrera após a propositura da ação, todavia, o pleito foi rejeitado pelo Juízo de 1 J1 instância, em decisão posteriormente confirmada pelo Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo.

Irresignados, recorrem especialmente, asseverando que a transmis­são da propriedade ocorre apenas quando da transcrição e que, nesse contexto, feito o registro imobiliário após o ajuizamento da ação, resta evidenciada a fraude à execução.

Malgrado a ação ter sido ajuizada em 12.06.1998, o executado somente foi citado, via edital, em 1J1.09.1998 (fl. 37), portanto, depois

do registro da transferência do bem indicado à penhora, em 24.06.1998.

Nesse contexto, realizada a transcrição do imóvel no registro imobi­liário após o ajuizamento da execução, mas antes da citação do executado, não há falar em fraude, sendo necessário, para evidenciar o ardil, verifi-

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car se o devedor, a despeito da citação, tinha conhecimento da ação contra si proposta, intento inviável, em sede especial, a teor da Súmula n.07-STJ.

A propósito:

'Embargos de terceiro. Fraude de execução. Art. 593, II, do Cpc.

- Para a caracterização da fraude de execução, na hipótese do art. 593, lI, do CPC, é preciso que a alienação tenha ocorrido depois da citação válida, estando este ato devidamente inscrito no registro, ou, na falta de tal providência, havendo prova de que o adquirente sabia da existência da ação.

- Precedentes.

- Recurso conhecido e provido.' (REsp n. 212.107/SP, DJ de 07.02.2000, ReI. Min. Ruy Rosado de Aguiar)

'Fraude à execução. Citação. Penhora.

- A fraude à execução pressupõe uma de duas situações: a alienação de imóvel na pendência de uma demanda, circunstância que só se caracteriza com a citação válida, ou após o registro da penhora, caso não se demonstre a ma-fé do adquirente.

- Não ocorrendo qualquer dessas hipóteses, não se presume a fraude.' (REsp n. 235.639/RS, DJ de 08.03.2000, ReI. Min. Eduardo Ribeiro)

'Processual Civil - Embargos de terceiro - Fraude contra credores - Terceiro de boa-fé que não adquiriu o bem direto do devedor executado - Matéria de prova - Recurso especial não conhecido.

I - Inexistente, no caso concreto, violação ao art. 535 do cpc. O acórdão recorrido apreciou a controvérsia sob todos os pontos relevantes, argumentando que, se houve eventual fraude contra cre­dores, a discussão deve ser objeto de ação pauliana adequada, o que está em cons·onância com a jurisprudência desta Corte, cristali­zada no Enunciado n. 195-STJ.

II - No mais, pretende o recorrente provar a existência de frau­de à execução, tese rechaçada pelas instâncias ordinárias, com base na prova dos autos, insuscetível sua revisão, em sede de Es-

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JURlSPRUDÊNClA DA CORTE ESPECIAL

pecial, a teor da Súmula n. 07-STJ. Segundo Jurisprudência domi­nante neste STJ, para a caracterização da fraude de execução é preciso que a alienação tenha ocorrido depois da citação válida, devendo este ato estar devidamente inscrito no registro ou que fique provado que o adquirente sabia da existência da ação. No caso concreto, saliente-se que os embargantes não adquiriram o imóvel do próprio devedor, mas de terceiro, presumindo-se sua boa-fé, até porque, sequer execução existia.

m - Recurso não conhecido.' (REsp n. 218.290/SP' DJ de 26.06.2000, ReI. Min. Waldemar Zveiter)

'Fraude à execução. Acórdão que considera relevantes as ne­gociações realizadas pelo devedor anteriormente à venda final. Terceiro adquirente de boa-fé. Prova da insolvência.

- Segundo orientação firmada pela Quarta Turma, não ten­do sido promovido o registro da citação para a ação de conheci­mento, ao credor cabe o ônus de provar que o terceiro tinha ciência da demanda em curso.

- Para caracterizar-se a fraude à execução, é imprescindível a prova da insolvência do devedor. Assunto de que não cogitou o acórdão recorrido. Matéria dependente, pois, do reexame do con­junto probatório (Súmula n. 07-STJ).

- Alegação de negativa de vigência do art. 593, UI, do CPC, repelida. Imprequestionamento do tema alusivo ao art. 370, l, do mesmo estatuto processual civil.

- Recurso especial não conhecido.' (REsp n. 153.020/SP' DJ de 26.06.2000, ReI. Min. Barros Monteiro)

Ante o exposto, conheço em parte do recurso (alínea c), mas lhe nego provimento.

O acórdão paradigma, por outro lado, não analisou a questão da data da citação do devedor, ou se a mesma era válida ou não, limitando-se a tratar, apenas, da data do registro imobiliário em relação à data do ajuizamento da ação, com o reconhecimento, por conseguinte, da existência da fraude cogita­da.

Há peculiaridade, portanto, de fundamental importância, que foi apreci­ada pelo aresto embargado e não o foi pelo paradigma trazido a confronto, que é a questão da data da citação do executado. Nesse ponto, divergem as

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situações examinadas pelos julgados cotejados, verificando-se, pois, a impos­sibilidade de se conferir seguimento a este recurso de embargos de divergência pelo alegado dissídio com o REsp n. 2.2S0-0/SP.

Em relação ao REsp n. 67.083/SP, melhor sorte socorre os recorrentes. Este, em conformidade com o decisum ora recorrido, também apreciou a questão da transcrição do imóvel em relação às datas do ajuizamento da execução e da citação do executado, só que reconheceu a existência da fraude discutida, assumindo, portanto, posição antagônica à da decisão embargada.

Por derradeiro, verifica-se que o último julgado trazido à colação (REsp n. 22.336-6/PR) não guarda identidade fática com o acórdão embargado. A diferença reside no fato de que, no paradigma, a transcrição do imóvel se deu em data posterior à da citação, razão pela qual reconheceu-se a fraude à execução. No aresto ora embargado, não foi admitida a fraude porque a transcrição imobiliária foi efetivada antes da citação. Portanto, não emiti­ram, os dois julgados em confronto, pronunciamentos diversos acerca da mes­ma questão fática.

Postas tais considerações, constatando-se que a divergência encontra-se comprovada somente em relação ao REsp n. 67.083/SP, admito os presentes embargos para que seja dirimida a controvérsia apontada no âmbito da Corte Especial desta colenda Casa Julgadora.

Vista à parte embargada para, querendo, apresentar resposta no prazo legal (art. 267 do RlSTJ).

Publique-se. Intimações necessárias".

O embargado - Ademirso Rosa - não apresentou impugnação.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro José Delgado (Relator): Os embargantes almejam a reforma do aresto identificado, proferido em sede de recurso especial, que entendeu descaracte­rizada fraude à execução se realizada a transcrição do imóvel no registro imobili­ário após o seu ajuizamento, mas antes da citação do executado. O recurso, ao ser julgado pela egrégia Sexta Turma desta Corte, recebeu decisão assim ementada (fi. 150):

"Civil. Locação. Fraude à execução. Imóvel. Transferência. Integralização

de capital social. Transcrição após o ajuizamento da execução, mas antes da citação. Descaracterização. Exame de prova. Súmula n. 07-STJ.

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JURlSPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

1. Não há falar em fraude à execução se realizada a transcrição do imó­vel no registro imobiliário após o seu ajuizamento, mas antes da citação do executado, sendo necessário, para evidenciar o ardil, verificar se o devedor, a despeito da citação, tinha conhecimento da existência da ação contra si pro­posta, intento inviável em sede especial, a teor da Súmula n. 07/STJ. Prece­dentes.

2. Recurso conhecido em parte (alínea c) e improvido". (Grifos nossos)

Por meio de decisão monocrática, admiti os presentes embargos para que fosse dirimida a controvérsia, unicamente, em relação ao REsp n. 67.083/SP, Pri­meira Turma, DJ de 11.03.1996, assim posto (fi. 176):

"Tributário, Civil e Processual Civil. Fraude à execução mas posterior à sua transcrição no registro imobiliário. Art. 185 do CTN.

I - A propriedade imobiliária só se transmite após a transcrição do título no registro de imóveis.

n -Apresunção de fraude prevista no art. 185 do CTN éjuris et dejuris.

IH - Pode sofrer constrição judicial o imóvel alienado por escritura públi­ca firmada em data anterior à execução fiscal, mas levado à transcrição no registro imobiliário somente depois de seu ajuizamento, embora ainda não efetivada a citação.

IV - Recurso provido". (Grifos nossos)

A indagação que se pretende responder nestes embargos é: para a caracteriza­ção de fraude à execução basta o ajuizamento de ação contra o devedor ou é neces­sário que ele tenha sido citado?

Defendem os embargantes a tese de que, mesmo tendo a citação sido efetivada após a data do registro imobiliário, resulta evidente a ocorrência da fraude prevista na legislação.

A análise dos autos, entretanto, conduz-me à compreensão de que não merece acolhida o apelo formulado, devendo ser mantido o v. aresto embargado.

Há repulsa aos princípios informadores do nosso sistema jurídico a possibili­dade de se condenar alguém sem ter ele ciência de demanda contra si proposta. Entendimento diverso equivaleria a negar o próprio princípio do ~ontraditório.

Segundo a doutrina de Luiz Rodrigues Wambier ("Curso Avançado de Processo Civil", vol. 1, 3a ed., Sp' Ed. RT, 2000) "quando a jurisdição atua em sua destinação específica, que é a de resolver os conflitos de interesses, é impossível a existência de processo sem citação, porque nenhum efeito surtirá a sentença, sem

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

que tenha sido proporcionado ao demandado a oportunidade de se defender. A isso, a doutrina denomina princípio da bilateralidade da audiência, ou seja, a impossibi­lidade de atuação jurisdicional sem que se assegure ao réu a oportunidade de se fazer ouvir. Por isso, dispõe o art. 214 que 'para a validade do processo é indispen­sável a citação inicial do réu'. Todas as modalidades de atuação jurisdicional exi­gem, para a validade do processo, a citação, seja atividade cognitiva, cautelar ou executiva" .

Tão importante é a citação, como elemento instaurador do indispensável con­traditório no processo, que sem ela todo o procedimento se contamina de irrepará­vel nulidade, que impede a sentença de fazer coisa julgada, segundo o renomado jurista Humberto Theodoro Júnior ("Curso de Direito Processual Civil", voI. 1, 22a ed., RJ, Ed. Forense, 1997).

Arruda Alvim nos ensina que "tanto o autor quanto o réu devem ser devida­mente ouvidos para terem suas razões sopesadas pelo órgão julgador. Ora, o réu só poderá ser ouvido se tiver ciência da demanda que contra ele é movida c. .. )" ("Ma­nual de Direito Processual Civil", voI. 2, 6a ed., Sp, Ed. RT, 1997).

No caso em apreço, bem apreciou a controvérsia o ilustre Ministro Fernando Gonçalves quando afirmou (fls. 146/148):

"Na hipótese, ajuizada a ação de execução em 12.06.1998, constatou-se a transferência, pelo executado, a título de 'integralização de capital social de empresa', do bem indicado à penhora pelo exeqüente, em 24.11.1997, contu­do, tal cessão somente foi inscrita no registro imobiliário em 24.06.1998.

Os exeqüentes, então, requereram a decretação de fraude à execução, porquanto o registro do imóvel ocorrera após a propositura da ação, todavia, o pleito foi rejeitado pelo Juízo de la instância, em decisão posteriormente confirmada pelo Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo.

Irresignados, recorrem especialmente, asseverando que a transmissão da propriedade ocorre apenas quando da transcrição e que, nesse contexto, feito o registro imobiliário após o ajuizamento da ação, resta evidenciada a fraude à execução.

Malgrado a ação ter sido ajuizada em 12.06.1998, o executado somente foi citado, via edital, em 10..09.1998 (fl. 37), portanto, depois do registro da transferência do bem indicado à penhora, em 24.06.1998.

Nesse contexto, realizada a transcrição do imóvel no registro imobiliá­rio após o ajuizamento da execução, mas antes da citação do executado, não há falar em fraude, sendo necessário, para evidenciar o ardil, verificar se o

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JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

devedor, a despeito da citação, tinha conhecimento da ação contra si propos­ta, intento inviável em sede especial, a teor da Súmula n. 07 1ST J.

A propósito:

'Embargos de terceiro. Fraude de execução. Art. 593, do cpc.

- Para a caracterização da fraude de execução, na hipótese do art. 593, n, do CPC, é preciso que a alienação tenha ocorrido depois da citação válida, estando este ato devidamente inscrito no registro, ou, na falta de tal providência, havendo prova de que o adquirente sabia da existência da ação.

- Precedentes.

- Recurso conhecido e provido.' (REsp n. 212.107/SP, DJ de 07.02.2000, ReI. Min. Ruy Rosado de Aguiar)

'Fraude à execução. Citação. Penhora.

- A fraude à execução pressupõe uma de duas situações: a aliena­ção de imóvel na pendência de uma demanda, circunstância que só se caracteriza com a citação válida, ou após o registro da penhora, caso não se demonstre a má-fé do adquirente.

- Não ocorrendo qualquer dessas hipóteses, não se presume a frau­de'. (REsp n. 235.639/RS, DJ de 08.03.2000, ReI. Min. Eduardo Ribeiro)

'Processual Civil- Embargos de terceiro - Fraude contra credo­res - Terceiro de boa-fé que não adquiriu o bem direto do devedor executado - Matéria de prova - Recurso especial não conhecido.

I - Inexistente, no caso concreto, violação ao art. 535 do cpc. O acórdão recorrido apreciou a controvérsia sob todos os pontos relevan­tes, argumentando que, se houve eventual fraude contra credores, a dis­cussão deve ser objeto de ação pauliana adequada, o que está em conso­nância com a jurisprudência desta Corte, cristalizada no Enunciado n. 195/STJ.

II - No mais, pretende o recorrente provar a existência de fraude à execução, tese rechaçada pelas instâncias ordinárias, com base na prova dos autos, insuscetível sua revisão, em sede de Especial, a teor da Súmu­la n. 07/STJ. Segundo jurisprudência dominante neste STJ, para a ca­racterização da fraude de execução é preciso que a alienação tenha ocorrido depois da citação válida, devendo este ato estar devidamente inscrito no registro ou que fique provado que o adquirente sabia da exis­tência da ação. No caso concreto, saliente-se que os embargantes não

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adquiriram o imóvel do próprio devedor, mas de terceiro, presumindo-se sua boa-fé, até porque, sequer execução existia.

m - Recurso não conhecido." (REsp n. 218.290/SP' DJ de 26.06.2000, ReI. Min. Waldemar Zveiter)

'Fraude à execução. Acórdão que considera relevantes negociações realizadas pelo devedor anteriormente à venda final. Terceiro adquirente de boa-fé. Prova da insolvência.

- Segundo orientação firmada pela Quarta Turma, não tendo sido promovido o registro da citação para a ação de conhecimento, ao credor cabe o ônus de provar que o terceiro tinha ciência da demanda em curso.

- Para caracterizar-se a fraude à execução, é imprescindível a prova da insolvência do devedor. Assunto de que não cogitou o acórdão recorrido. Matéria dependente, pois, do reexame do conjunto probatório (Súmula n. 07-STJ).

-Alegação de negativa de vigência do art. 593, IH, do CPC, repe­lida. Imprequestionamento do tema alusivo ao art. 370, I, do mesmo estatuto processual civil.

Recurso especial não conhecido.' (REsp n. 153.020/SP, DJ de 26.06.2000, ReI. Min. Barros Monteiro)

Ante o exposto, conheço em parte do recurso (alínea c), mas lhe nego provimento."

Não é possível, dessa forma, pretender-se a declaração de fraude à execução sem a existência de demanda anterior com citação válida.

A fraude à execução consiste em ato de muita gravidade, que acarreta danos aos credores e atenta contra o próprio desenvolvimento da atividade jurisdicional, frustrando a sua atuação. Está, inclusive, tipificada como crime (Código Penal, art. 179). Por isso, o seu reconhecimento deve ser seriamente sopesado, sendo a citação ato extremamente relevante, considerado um marco para a sua efetiva constatação.

Nos termos expressos do art. 593 do CPC:

'fut. 593. Considera-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens:

I - quando sobre eles pender ação fundada em direito real;

II - quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência;

IH - nos demais casos expressos em lei".

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JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

A doutrina consagra tal entendimento (Araken de Assis, "Manual de Pro­cesso de Execução", 7a ed., Sp, Ed. RT, 2001):

"112. Requisitos da fraude contra o processo executivo.

Dois requisitos caracterizam a fraude contra o processo executivo: a li­tispendência e a frustração dos meios executórios.

112.1 Litispendência como elemento da fraude.

Inaugura-se a litispendência, segundo os arts. 263, 2a parte, e 219 do CPC, mediante citação válida. Este efeito, que se destina a produzir a pendên­cia da lide perante o réu, não se relaciona, absolutamente, com a constituição da relação processual, que já existe, mas entre o autor e o Estado, desde a distribuição (art. 263, la parte).

Por conseguinte, da fraude contra a execução somente se cogitará a par­tir da data da citação. Neste sentido, proclamou a Quarta Turma do STJ: 'Para que se configure a fraude de execução, não basta o ajuizamento da demanda, mas a citação válida'.

Ademais, o art. 219, § 1(\ só prevê a retro ação ficta ao momento do ajuizamento do efeito interruptivo da prescrição, não da litispendência. Em re­lação àquele efeito interruptivo, a solução legislativa, originada do art. 166, §

2'\ do CPC de 1939, se justifica, porque o implemento do prazo prescricional exige a inércia do credor, eliminada pelo fato do ajuizamento. Esta circunstân­cia não se verifica quanto aos demais efeitos. De resto, o ponto foi desenvolvido amplamente no contexto dos efeitos da propositura da demanda executória (retro, 96.2), neste particular idênticos aos de qualquer ação, e, portanto, apli­cável o exame ali efetivado ao caso sob exame. É errônea, assim, a percepção generalizada de que todos os efeitos retroagem à data do ajuizamento. E impen­de enfatizar que o ato praticado pelo devedor antes da citação e depois do ajuizamento não constitui fraude contra a execução. Nesta hipótese, somente se configurará fraude contra credores, vedado ao credor penhorar o bem alienado independentemente do desfazimento da transmissão através da pauliana.

O ato fraudulento do obrigado deve se ajustar a um processo pendente (art. 219, caput, primeira parte, do CPC), independentemente da sua nature­za (cognição, execução ou cautelar). É desnecessário, portanto, que se cuide de ação executória. Também na pendência de ação penal, que outorga título executivo civil (art. 584, II), a alienação caracterizará fraude contra a execução. Não ocorrendo litispendência na data do negócio, existirá ou não, observados os pressupostos respectivos, fraude contra credores; decididamente, porém, excluir-se-á a ineficácia peculiar da fraude à execução."

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Sobre a questão, esta colenda Corte já emitiu diversos pronunciamentos. Em sintonia com o posicionamento supratranscrito, os seguintes julgados:

"Processo civil. Fraude de execução (CPC, art. 593-Il). Requisitos presen­tes. Ausência de outros bens do devedor. Insolvência demonstrada. Má-fé. Irre­levância. Recurso desacolhido.

I - Ajurisprudência deste Tribunal tem entendimento firme no sentido de que a caracterização da fraude de execução prevista no inciso segundo (lI) do art. 593, ressalvadas as hipóteses de constrição legal (penhora, arresto ou seqüestro), reclama a ocorrência de uma ação em curso (seja executiva, seja condenatória), com citação válida, e o estado de insolvência a que, em virtude da alienação ou oneração, teria sido conduzido o devedor.

II - A prova da insolvência é suficiente com a demonstração da inexistên­cia de outros bens do devedor passíveis de penhora, sendo também certo que a insolvência há de ser considerada à época da celebração do ato.

m -Não se exige a demonstração do intuito de fraudar circunstância de que não se cogita em se tratando de fraude de execução, mas apenas em fraude contra credores, que reclama ação própria (revocatória/pauliana). Na fraude de execução, dispensável é a prova da má-fé."

(REsp n. 333.161!MS, ReI. Min. Sálvio de Figueiredo, DJ de 15.04.2002).

"Recurso especial. Processual civil. Fraude à execução. Ausência de cita­ção do executado. Não-configuração. Não-conhecimento.

1. Tem prevalecido no Superior Tribunal de Justiça o entendimento no sentido de não se considerar caracterizada a fraude à execução na hipótese de a alienação ocorrer antes da citação do executado-alienante.

2. Recurso não-conhecido."

(REsp n. 148.220/RJ, ReI. Min. Hamilton Carvalhido, DJ de 25.02.2002).

"Civil e Processual Civil. Fraude de execução. Embargos de terceiro. Com­promisso de compra e venda não registrado. Enunciado n. 84 da Súmula/ST J. Ação em curso com citação válida. Estado de insolvência. Requisitos não com­provados. Simulação. Falta de prequestionamento. Reexame de provas. Recurso desacolhido.

I - A falta de registro do contrato de promessa de compra e venda no Cartório de Imóveis não impede o ajuizamento de embargos de terceiro, a teor do Verbete n. 84 da Súmula/STJ.

II - Sem terem as instâncias ordinárias abordado a ocorrência ou não de

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JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

simulação de ato jurídico (art. 102, m, CC), carece o recurso de prequestiona­mento nessa parte.

m -A verificação da aposição anterior ou posterior da data no instru­mento contratual de promessa de compra e venda demandaria o reexame das provas dos autos, vedado nesta instância especial, nos termos do Enunciado Sumularn.7-STJ.

IV -A caracterização da fraude de execução prevista no art. 593, n, CPC, ressalvadas as hipóteses de constrição legal, depende da existência de uma ação em curso (executiva ou condenatória), com citação válida, e o estado de insolvência a que, em virtude da alienação ou oneração, teria sido conduzido o devedor.

V - Sem a comprovação desses requisitos, não se caracteriza a modalida­de de fraude de execução prevista no art. 593, n, cpc."

(REsp n. 330.254/CE, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 18.02.2002).

"Fraude de execução. Alienação após a propositura da execução. Falta de citação.

A citação do executado tem sido considerada indispensável para a carac­terização da fraude de execução. Precedentes. Existência de procuração irre­vogável passada por instrumento público para a alienação do bem, dispensa­da a prestação de contas, antes da constituição da dívida, a reforçar a idéia de que de fraude de execução não se tratava.

Recurso conhecido e provido."

(REsp n. 302.959/DF, ReI. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 20.08.2001).

"Processual Civil. Agravo no agravo de instrumento. Fraude à execução. Caracterização.

Resta caracterizada a fraude à execução quando o devedor aliena bens em data posterior à sua citação. Precedentes."

(AgRg no Ag n. 346.473/SP' Relatora Ministra Nancy Andrighi, DJ de 28.05.2001).

"Processo Civil. Fraude à execução.

A fraude à execução supõe que a alienação tenha ocorrido após a cita­ção válida, devidamente inscrita no Ofício Imobiliário. Recurso especial co­nhecido e provido."

(REsp n. 146.295/RS, ReI. Min. Ari Pargendler, DJ de 23.04.2001).

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"Processo civiL Fraude de execução (CPC, art. 593-II). Da ação em paga­mento anterior à citação, mas posterior ao ajuizamento da execução. Desca­racterização da fraude de execução. Orientação do TribunaL Recurso acolhido.

I - Nos termos da orientação deste Tribunal, para que se configure a fraude de execução, não basta o ajuizamento da demanda, sendo necessária a citação válida.

II - Transferidos bens após ajuizamento da causa, mas antes da citação, admissível em tese a fraude contra credores, a pressupor a demonstração da má-fé e a reclamar ação própria (revocatória/pauliana)."

(REsp n. 268.259/SP' ReI. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 11.12.2000) .

"Processual CiviL Embargos de divergência. Dívida fiscaL Execução. Oferecimento de embargos de terceiro. Faltantes anterior constrição e registro publicitário da ação. Citação. CTN (art. 185). Lei n. 6.015/1973 (arts. 195, parágrafos 5!l e 21,169 e 240). Lei n. 6.830/1980 (art. 7'\ IV). CPC, arts. 219, 496, VIII, 546, I, e 593, 11.

1. A interpretação do artigo 185, CTN, não deve ser ampliada, restrin­gindo-se ao que contém, afastando-se a presunção juris et de juris.

2. O CTN nem o CPC, em face da execução, não estabelecem a indispo­nibilidade de bem alforriado de constrição judicial. A preexistência de dívida inscrita ou de execução, por si, não constitui ônus erga omnes, efeito decor­rente da publicidade do registro público. Para a demonstração do consilium fraudis não basta o ajuizamento da ação. A demonstração de má-fé pressu­põe ato de efetiva citação ou de constrição judicial ou de atos repercutórios vinculados a imóvel, para que as modificações na ordem patrimonial se con­figurem a fraude.

3. Validade da alienação a terceiro que adquiriu o bem sem conhecimen­to de constrição já que nenhum ônus foi dado à publicidade. Os precedentes desta Corte não consideram fraude de execução a alienação ocorrida antes da citação do executado alienante.

4. Embargos desacolhidos."

(EREsp n. 31.321/Sp, ReI. Min. Milton Luiz Pereira, DJ de 16.11.1999).

"Processual CiviL Execução fiscaL Fraude. Presunção. Regular citação do executado. Imprescindibilidade.

1. Há de se prestigiar decisão de segundo grau em face da excelência das

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JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

razões desenvolvidas, suficientes para que o recurso que as ataca não ofereça condições de prosperar.

2. Indiscutivelmente, não se pode aceitar a caracterização de alienação em fraude contra execução fiscal quando o devedor não foi regularmente cita­do para responder pela dívida emjuízo.

3. Recurso especial improvido. (REsp n. 175.134/MS, Rei. Min. José Del­gado, DJ de 03.11.1998).

Assim, não tendo sido efetivada a regular citação do executado antes do ato de transcrição imobiliária, não é viável o reconhecimento da fraude cogitada, não bastando, portanto, o simples ajuizamento da ação.

Pelos motivos expostos, voto no sentido de rejeitar os presentes embargos de divergência para que prevaleça o posicionamento adotado pelo acórdão embarga­do, proveniente da egrégia Sexta Turma.

É como voto.

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