Cuida-se de jurisprudência do STJ

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Jurisprudêncai do Superior Tribunal de Justiça brasileiro.

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  • Superior Tribunal de Justia

    HABEAS CORPUS N 213.715 - RJ (2011/0167880-6) RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZIMPETRANTE : SANDRA REGINA DA SILVA DE ALMEIDA ADVOGADO : SANDRA REGINA DA SILVA DE ALMEIDA IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIA DO ESTADO DO RIO DE

    JANEIRO PACIENTE : HAILSON DE OLIVEIRA PIRES

    EMENTA

    HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. ARTS. 12 e 16 DA LEI N. 10.826/2003. CONDUTAS PRATICADAS EM 2007. OCORRNCIA DE ABOLITIO CRIMINIS EM RELAO POSSE DE ARMA DE FOGO E MUNIES DE USO PERMITIDO. SUBSISTNCIA DA CONDENAO PELA POSSE DE MUNIO DE USO RESTRITO, PRATICADA FORA DO PERODO DA VACATIO LEGIS . AUMENTO DA PENA-BASE. CONSIDERAO DO NMERO DE ARTEFATOS DE USO PERMITIDO APREENDIDOS. ILEGALIDADE. WRIT NO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFCIO. 1. A posse de arma de fogo, acessrio ou munio de uso permitido ou restrito, se praticada at 23/10/2005, atpica, pois abrangida pela vacatio legis prevista nos arts. 30 e 32, ambos da Lei n. 8.136/2003, com a redao dada pela Lei n. 11.191/2005.2. Aps a edio da Medida Provisria n. 417, que alterou a redao originria do art. 30 da Lei n. 10.826/2003, este Superior Tribunal firmou o entendimento de que apenas para os possuidores de armamento de uso permitido esse termo legal foi prorrogado at o dia 31/12/2009.3. Como o paciente foi condenado, em primeiro grau, como incurso nos arts. 12 e 16, ambos da Lei n. 10.826/2003, por condutas ocorridas em 2007, o Tribunal de origem deveria ter reconhecido, no julgamento de apelao exclusiva da defesa, a atipicidade da conduta relativa posse de arma de fogo e munies de uso permitido. 4. Constitui flagrante ilegalidade aglutinar as trs condutas posse de arma de uso permitido, posse de munio de uso permitido e posse de munio de uso restrito no mesmo tipo penal, descrito no art. 16 da Lei n. 10.826/03, e aumentar a pena-base do paciente em decorrncia da apreenso de inmeros artefatos de uso permitido. 5. Reconhecida a flagrante ilegalidade, deve remanescer somente a condenao pela posse ilegal de munio de uso restrito ocorrida em

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    4/6/2007, pois praticada fora do perodo da vacatio legis .6. A posse de inmeros artefatos de uso permitido, penalmente atpica, no pode ser sopesada, na primeira etapa da dosimetria da pena, como circunstncia desfavorvel do crime previsto no art. 16 da Lei n. 10.826/2003, pois, como visto, tal conduta estava abrangida pelo art. 30 do mesmo diploma legal. 7. Habeas corpus no conhecido. Ordem concedida, de ofcio, para reconhecer a atipicidade da posse de arma de fogo e munies de uso permitido, praticada em 2007, e para afastar o aumento na primeira fase da dosimetria, restabelecendo-se a reprimenda final fixada ao paciente em primeiro grau, por incurso no art. 16 da Lei n. 8.136/2003.

    ACRDO

    Vistos e relatados estes autos em que so partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma, por unanimidade, no conhecer do pedido, expedindo, contudo, ordem de ofcio, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Nefi Cordeiro, Ericson Maranho (Desembargador convocado do TJ/SP), Maria Thereza de Assis Moura e Sebastio Reis Jnior (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.

    Braslia, 11 de novembro de 2014

    MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ Relator

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    HABEAS CORPUS N 213.715 - RJ (2011/0167880-6)RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZIMPETRANTE : SANDRA REGINA DA SILVA DE ALMEIDA ADVOGADO : SANDRA REGINA DA SILVA DE ALMEIDA IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIA DO ESTADO DO RIO DE

    JANEIRO PACIENTE : HAILSON DE OLIVEIRA PIRES

    RELATRIO

    O EXMO. SR. MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ:

    HAILSON DE OLIVEIRA PIRES estaria sofrendo coao ilegal em seu direito de locomoo, em decorrncia de acrdo proferido pelo Tribunal de Justia do Estado do Rio de Janeiro, na Apelao n. 0021080-11.2007.8.19.0021.

    Depreende-se dos autos que o paciente foi denunciado, pois:No dia 04 de Junho de 2007, em horrio no determinado nos autos, no interior da residncia do denunciado, situada na [...], este, agindo de forma livre e consciente, mantinha sob sua guarda, sem autorizao e em desacordo com determinao legal ou regulamentar, arma de fogo de uso restrito, qual seja, 01 (um) revlver marca INA, calibre 32, numerao 249957, alm de 32 (trinta e dois) cartuchos calibre 38, 08 (oito) cartuchos calibre 32, 03 (trs) cartuchos calibre 7.65 e 03 (trs) cartuchos calibre 12, conforme faz certo o auto de apreenso e auto de encaminhamento de fl. 21. (fl. 16.)

    Ao trmino da instruo, foi condenado nas sanes dos arts. 12 e 16, ambos da Lei n. 10.826/03, c/c artigo 61, I, na forma do disposto no artigo 69 do Cdigo Penal. Para o crime previsto no art. 12 da Lei n. 10.826/03, foi fixada a pena de 1 ano e 2 meses de deteno, alm de 11 dias-multa, e, em relao ao crime previsto no art. 16 da Lei n. 10.826/03, a pena de 3 anos e 6 meses de recluso e o pagamento de 11 dias-multa.

    Somadas as penas aplicadas, pela regra prevista no art. 69 do CP, foi fixado ao paciente o regime inicial fechado e concedido a ele o direito de apelar em liberdade.

    Inconformada, a defesa interps recurso de apelao, provido

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    parcialmente para reconhecer a prtica de crime nico, tipificado no art. 16 da Lei n. 10.826/03, in verbis :

    Todavia, em que pese o esmero na apreciao da causa, impe-se o reconhecimento da unidade delitiva, no s por questes de poltica criminal, como por haver no mesmo contexto ftico, transporte do material apreendido como um todo, a ferir os mesmos bens jurdicos, saber, a segurana coletiva e a incolumidade pblica, e neste sentido, importa o reclculo da reprimenda, devendo ser salientada que a sano a ser aplicada h de ser atinente conduta mais gravosa.Neste caminhar, impe-se a fixao da reprimenda acima do mnimo legal em 03 anos e 06 meses de recluso e 11 DM, em face do quantidade de material apreendido (1 revlver calibre 32, 32 cartuchos calibre 38, 8 calibre 32, 3 calibre 7.65, e 3 calibre 12), majorando a em 1/6, na segunda etapa, diante da reincidncia para 04 anos, e 01 ms de recluso e 12 DM, mantidos os demais termos da deciso alvejada. (fls. 48-49)

    Nesta impetrao, a impetrante sustenta que no h correlao entre a denncia e a sentena, pois a exordial acusatria nem sequer mencionou o art. 12 da Lei n. 10.826/03.

    Assere que o fato imputado ao paciente teria ocorrido sob a vigncia da Lei n. 11.922/2009, que prorrogou o prazo do art. 30 da Lei de Armas at o dia 31/12/2009. Assim, a conduta foi abrangida pela abolitio criminis temporria.

    Ademais, a arma estava desmuniciada e foi apreendida munio em quantidade mnima, o que no gera perigo concreto incolumidade pblica.

    Requer a absolvio do paciente.

    Liminar indeferida (fl. 31). Informaes prestadas (fls. 36-57).

    O Ministrio Pblico Federal opinou pela denegao da ordem (fls. 60-61).

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    HABEAS CORPUS N 213.715 - RJ (2011/0167880-6)EMENTA

    HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. ARTS. 12 e 16 DA LEI N. 10.826/2003. CONDUTAS PRATICADAS EM 2007. OCORRNCIA DE ABOLITIO CRIMINIS EM RELAO POSSE DE ARMA DE FOGO E MUNIES DE USO PERMITIDO. SUBSISTNCIA DA CONDENAO PELA POSSE DE MUNIO DE USO RESTRITO, PRATICADA FORA DO PERODO DA VACATIO LEGIS . AUMENTO DA PENA-BASE. CONSIDERAO DO NMERO DE ARTEFATOS DE USO PERMITIDO APREENDIDOS. ILEGALIDADE. WRIT NO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFCIO. 1. A posse de arma de fogo, acessrio ou munio de uso permitido ou restrito, se praticada at 23/10/2005, atpica, pois abrangida pela vacatio legis prevista nos arts. 30 e 32, ambos da Lei n. 8.136/2003, com a redao dada pela Lei n. 11.191/2005.2. Aps a edio da Medida Provisria n. 417, que alterou a redao originria do art. 30 da Lei n. 10.826/2003, este Superior Tribunal firmou o entendimento de que apenas para os possuidores de armamento de uso permitido esse termo legal foi prorrogado at o dia 31/12/2009.3. Como o paciente foi condenado, em primeiro grau, como incurso nos arts. 12 e 16, ambos da Lei n. 10.826/2003, por condutas ocorridas em 2007, o Tribunal de origem deveria ter reconhecido, no julgamento de apelao exclusiva da defesa, a atipicidade da conduta relativa posse de arma de fogo e munies de uso permitido. 4. Constitui flagrante ilegalidade aglutinar as trs condutas posse de arma de uso permitido, posse de munio de uso permitido e posse de munio de uso restrito no mesmo tipo penal, descrito no art. 16 da Lei n. 10.826/03, e aumentar a pena-base do paciente em decorrncia da apreenso de inmeros artefatos de uso permitido. 5. Reconhecida a flagrante ilegalidade, deve remanescer somente a condenao pela posse ilegal de munio de uso restrito ocorrida em 4/6/2007, pois praticada fora do perodo da vacatio legis .6. A posse de inmeros artefatos de uso permitido, penalmente atpica, no pode ser sopesada, na primeira etapa da dosimetria da pena, como circunstncia desfavorvel do crime previsto no art. 16 da Lei n. 10.826/2003, pois, como visto, tal conduta estava abrangida pelo art. 30 do mesmo diploma legal. 7. Habeas corpus no conhecido. Ordem concedida, de ofcio, para

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    reconhecer a atipicidade da posse de arma de fogo e munies de uso permitido, praticada em 2007, e para afastar o aumento na primeira fase da dosimetria, restabelecendo-se a reprimenda final fixada ao paciente em primeiro grau, por incurso no art. 16 da Lei n. 8.136/2003.

    VOTO

    O EXMO. SR. MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ: Preliminarmente, releva salientar que o Superior Tribunal de

    Justia, na esteira do que vem decidindo o Supremo Tribunal Federal, no admite que o remdio constitucional seja utilizado em substituio ao recurso prprio (apelao, agravo em execuo, recurso especial), tampouco reviso criminal, ressalvadas as situaes em que, vista da flagrante ilegalidade do ato apontado como coator, em prejuzo da liberdade do paciente, seja cogente a concesso, de ofcio, da ordem de habeas corpus .

    Sob tais premissas, constato a ocorrncia de flagrante ilegalidade que reclama a concesso, ex officio , da ordem.

    A irresignao se funda em trs argumentos, com o objetivo de ver excluda a condenao do paciente pelo crime descrito no art. 16 da Lei n. 8.136/2003: a) falta de correlao entre a denncia e a sentena; b) incidncia da abolitio criminis e c) atipicidade da conduta.

    I.

    As teses de nulidade da sentena por ausncia de correlao com a denncia e de atipicidade da conduta por estar a arma desmuniciada e pela aplicao do princpio da insignificncia no foram deduzidas na apelao da defesa e, por tal motivo, sequer foram analisadas pela instncia ordinria.

    Desse modo, o exame dos pleitos diretamente por esta Corte Superior de Justia incorreria na indevida supresso dos graus de jurisdio.

    Tal questo deveria ter sido ventilada no momento oportuno e perante o Juzo competente, at para possibilitar instncia recursal um pronunciamento seguro sobre a matria, sendo, por isso mesmo, vedada a

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    inaugurao, em sede de habeas corpus , de tese defensiva no suscitada e no debatida na via ordinria.

    Este Superior Tribunal possui entendimento de que, "embora o recurso de apelao devolva ao Juzo ad quem toda a matria objeto de controvrsia, o seu efeito devolutivo encontra limites nas razes aventadas pelo recorrente, em homenagem ao princpio da dialeticidade, que rege os recursos no mbito do Processo Penal, por meio do qual se permite o exerccio do contraditrio pela parte adversa, garantindo-se, assim, o respeito ao cnone do devido processo legal" (HC n. 185.775/RJ, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6 T., DJe de 1/8/2013).

    II.

    Extraio dos autos, relativamente aos fatos que deram suporte condenao, as seguintes passagens que considero relevantes para o deslinde da controvrsia:

    No dia 04 de Junho de 2007, em horrio no determinado nos autos, no interior da residncia do denunciado, situada na [...], este, agindo de forma livre e consciente, mantinha sob sua guarda, sem autorizao e em desacordo com determinao legal ou regulamentar, arma de fogo de uso restrito, qual seja, 01 (um) revlver marca INA, calibre 32, numerao 249957, alm de 32 (trinta e dois) cartuchos calibre 38, 08 (oito) cartuchos calibre 32, 03 (trs) cartuchos calibre 7.65 e 03 (trs) cartuchos calibre 12, conforme faz certo o auto de apreenso e auto de encaminhamento de fl. 21 (fl. 16)

    [...] certo que a apreenso de armas de fogo e munies adequados a esta arma de fogo, constitui crime nico, sendo o crime de posse de munies absorvido pelo crime de posse de arma, uma vez que a natureza ou finalidade da arma prev a utilizao a ela adequada. Assim sendo, verifica-se nos autos que apreendida a arma de fogo e munies a ela adequadas no interior da casa do ru, constatando-se, ainda, s fls. 193 e 195, tratar-se de arma no registrada, no trazendo a defesa qualquer comprovao de registro da mesma, tratando-se, assim, de posse de arma de fogo e munio de uso permitido no interior da residncia em desacordo com determinao legal ou regulamentar, operando-se, assim, a desclassificao em relao a esta conduta

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    para o crime previsto no artigo 12 da Lei n. 10.826/03.Porm, a posse de munio no adequada arma apreendida, ou seja, munio calibre 12, classificada como de uso restrito, constitui conduta tpica autnoma, prevista no art. 16, caput , da Lei n. 10.826/03, no podendo ser absorvida pelo crime de posse de arma. (fls. 19-20).

    Assim, o ora paciente, que se defendeu dos fatos narrados na denncia e no da tipificao legal dada pelo Ministrio Pblico, foi condenado, em primeiro grau, por duas condutas autnomas, praticadas em 4/7/2007: uma consistente na posse irregular de arma de fogo de uso permitido e munies a ela correspondentes (art. 12 da Lei de Armas) e outra, na posse irregular de munio de uso proibido ou restrito (art. 16 da Lei de Armas).

    Em grau recursal, o Tribunal de Justia do Rio de Janeiro reconheceu a prtica de um nico crime, mais grave, aglutinando as trs condutas posse de arma de uso permitido, posse de munio de uso permitido e posse de munio de uso restrito no mesmo tipo penal, descrito no art. 16 da Lei n. 10.826/03. A pena final do ru foi redimensionada para 4 anos e 1 ms de recluso, mantido o regime inicial fechado, in verbis :

    Todavia, em que pese o esmero na apreciao da causa, impe-se o reconhecimento da unidade delitiva, no s por questes de poltica criminal, como por haver no mesmo contexto ftico, transporte do material apreendido como um todo, a ferir os mesmos bens jurdicos, saber, a segurana coletiva e a incolumidade pblica, e neste sentido, importa o reclculo da reprimenda, devendo ser salientada que a sano a ser aplicada h de ser atinente conduta mais gravosa.Neste caminhar, impe-se a fixao da reprimenda acima do mnimo legal em 03 anos e 06 meses de recluso e 11 DM, em face do quantidade de material apreendido (1 revlver calibre 32, 32 cartuchos calibre 38, 8 calibre 32, 3 calibre 7.65, e 3 calibre 12), majorando a em 1/6, na segunda etapa, diante da reincidncia para 04 anos, e 01 ms de recluso e 12 DM, mantidos os demais termos da deciso alvejada. (fls. 48-49)

    Nesta Corte, a defesa pugna pelo reconhecimento da abolitio criminis temporria da conduta subsumida ao art. 16 da Lei n. 10.826/03.

    III.

    A Lei n. 10.826/2003, publicada em 23/12/2003, na redao Documento: 1364976 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 27/11/2014 Pgina 8 de 15

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    original de seus arts. 30 e 32, permitiu, no prazo de 180 dias, que os possuidores e proprietrios de armas de fogo no registradas: a) solicitassem o seu registro ou b) as entregassem espontaneamente Polcia Federal, mediante indenizao.

    O referido prazo, entendido pela doutrina e pela jurisprudncia como vacatio legis indireta, foi prorrogado, sucessivamente, pelas Leis ns. 10.884/2004 (at 23/6/2004), 11.118/2005 (at 23/6/2005) e 11.191 (at 23/10/2005). Assim, por expressa previso legal, o termo final para a solicitao de registro das armas de fogo no registradas, de uso permitido ou restrito, foi prorrogado, aps a edio da Lei n. 11.191/2005, para o dia 23/5/2005. O termo final para a entrega das armas, tanto as de uso restrito quanto as de uso permitido, por sua vez, foi fixado para o dia 23/10/2005.

    Para os residentes em reas rurais que comprovassem depender do emprego de arma de fogo para prover a subsistncia familiar, o prazo para a regularizao foi prolongado por mais 120 dias, aps a publicao da Lei n. 11.191/2005, com termo final no dia 11/3/2006.

    Cumpre destacar que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 768.494, ocorrido em 19/9/2013, asseverou, nos termos do voto do Relator, Ministro Luiz Fux, que, desde a redao original do Estatuto do Desarmamento, nunca houve previso explcita de abolitio criminis , mas que a doutrina e a jurisprudncia, mediante interpretao sistemtica das normas legais, concluram que, durante o prazo assinalado, "haveria presuno de que o possuidor de arma de fogo irregular providenciaria a normalizao do seu registro".

    Quanto j encerrado o prazo de regularizao e entrega, mediante indenizao, previsto nos arts. 30 e 32 da Lei 10.826/2003, editou-se a Medida Provisria n. 417, convertida na Lei n. 11.706/2008, publicada em 31/1/2008. O artigo 30 passou, desde ento, a ter a redao restrita s armas de fogo de uso permitido, ainda no registradas, in verbis :

    Art. 30 - Os possuidores e proprietrios de arma de fogo de uso permitido ainda no registrada devero solicitar seu registro at o dia 31 de dezembro de 2008, mediante apresentao de documento de identificao pessoal e comprovante de residncia fixa acompanhados de nota fiscal de compra ou comprovao da origem lcita da posse, pelos meios de prova admitidos em direito, ou declarao firmada na qual constem as caractersticas da arma e a sua condio de proprietrio, ficando este dispensado do pagamento de taxas e do cumprimento das demais

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    exigncias constantes dos incisos I a III do caput do art. 4 desta Lei.Pargrafo nico Para fins do cumprimento do disposto no caput deste artigo, o proprietrio de arma de fogo poder obter, no Departamento de Polcia Federal, certificado de registro provisrio, expedido na forma do 4 do art. 5 desta Lei.

    Nesse sentido:Abolitio criminis temporria. 2. Posse de arma de fogo com numerao raspada. 3. Vacatio legis da Lei n. 10.826/2003. Inaplicabilidade. 4. A Medida Provisria 417, que deu nova redao ao art. 30 da Lei 10.826/2003, promoveu a prorrogao do prazo para o dia 31 de dezembro de 2008 para os possuidores de arma de fogo de uso permitido ainda no registrada, no abarcando, por conseguinte, a conduta de possuir arma de fogo de uso proibido ou restrito ou com numerao raspada. 5. Ordem denegada. (HC 110301, Relator Min. GILMAR MENDES, 2 T., DJe de 29/3/2012).

    Por sua vez, o art. 32, do mesmo diploma legal, inseriu no ordenamento jurdico uma causa extintiva de punibilidade, condicionada entrega espontnea da arma s autoridades competentes, in verbis :

    Art. 32. Os possuidores e proprietrios de arma de fogo podero entreg-la, espontaneamente, mediante recibo, e, presumindo-se de boa-f, sero indenizados, na forma do regulamento, ficando extinta a punibilidade de eventual posse irregular da referida arma.

    V-se, pois, que a Lei n. 11.706/2008 alterou a redao original dos arts. 30 e 32 da Lei de Armas, para estabelecer novo prazo para regularizao de arma de fogo de uso permitido, entre 31/1/2008 e 31/12/2008, e criar uma causa de extino de punibilidade para os possuidores de arma de fogo que a entregassem espontaneamente autoridade competente.

    Assim, repita-se, apenas os possuidores de arma de fogo, munies e acessrios de uso permitido poderiam solicitar o registro de suas armas at o dia 31/12/2008, prazo que, posteriormente, foi prorrogado at o dia 31/12/2009, pela Lei n. 11.922/2009.

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    Portanto, no obstante a doutrina e a jurisprudncia desta Corte considerarem atpicas as condutas descritas nos arts. 12 e 16 da Lei de Armas, se praticadas entre 23/12/2003 e 23/10/2005, por se tratar de vacatio legis indireta, aps o decurso do referido lapso temporal somente a posse de arma de fogo ou munio de uso permitido ser considerada atpica at 31/12/2009.

    Cumpre consignar que, no julgamento do referido RE 768.494, pelo Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, foi estabelecido que, entre os perodos indicados pelas sucesses legislativas, que possuem a natureza de lei temporria " dizer, de 24 de junho de 2005 a 30 de janeiro de 2008 e de 1 de janeiro de 2009 a 13 de abril do mesmo ano no era lcito ao possuidor de arma de fogo providenciar a regularizao do registro da sua arma". Nessa situao, no poderia ser invocada a presuno de boa-f ou a inteno de regularizao, sendo certo que, para o Supremo Tribunal Federal, ante a inexistncia de previso expressa de abolitio criminis , incabvel a retroatividade do prazo previsto pela Lei n. 11.706/08 para extinguir a punibilidade do delito de posse de arma de fogo e munies cometido antes da sua vigncia. Nesse sentido:

    PENAL. RECURSO ORDINRIO EM HABEAS CORPUS . POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO E DE MUNIES. VACATIO LEGIS TEMPORRIA. ABOLITIO CRIMINIS . INOCORRNCIA. ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO. IMPOSSIBILIDADE DE REGULARIZAO. PRECEDENTES. RECURSO IMPROVIDO. I - A vacatio legis de 180 dias prevista nos artigos 30 e 32 da Lei 10.826/2003, com a redao conferida pela Lei 11.706/2008, no tornou atpica a conduta de posse ilegal de arma de uso restrito. II Assim, no h falar em abolitio criminis , pois a nova lei apenas estabeleceu um perodo de vacatio legis para que os possuidores de armas de fogo de uso permitido pudessem proceder sua regularizao ou sua entrega mediante indenizao. III Ainda que assim no fosse, a referida vacatio legis no tem o condo de retroagir, justamente por conta de sua eficcia temporria. Precedentes. IV Recurso improvido. (RHC 111637, Relator Min. RICARDO LEWANDOWSKI, 2 T., DJe de 31/7/2012).

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    Este Superior Tribunal, por sua vez, considera atpica a posse de arma de fogo, acessrios e munies, tanto de uso permitido quanto de uso restrito, se ocorrida at 23/10/2005, e, no obstante o entendimento externado pelo Supremo Tribunal Federal, admite a retroatividade da vacatio legis para alcanar os perodos indicados pelas sucesses legislativas, somente para os possuidores de armamento de uso permitido. Assim, nesta Corte, pacfico o entendimento de que atpica a conduta relativa posse de arma de fogo, acessrios e munies de uso permitido ocorrida at o dia 31/12/2009.

    Vale ressaltar, mais uma vez, que a nova redao do art. 32, da Lei 10.826/2003 no descriminalizou a posse de arma de fogo, mas criou hiptese de extino de punibilidade que somente se aplica a quem, espontaneamente, entregar a arma Polcia Federal, no abrangendo a conduta de quem for flagrado em sua posse.

    Nesse sentido, menciono o seguinte julgado:PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS . ARTIGO 16, PARGRAFO NICO E INCISO IV, DA LEI N. 10.826/03. CONDENAO. APELAO JULGADA. PRESENTE WRIT SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. INVIABILIDADE. VIA INADEQUADA. CRIME DO ESTATUTO DO DESARMAMENTO. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO COM NUMERAO RASPADA. PERODO DA VACATIO LEGIS . ABOLITIO CRIMINIS TEMPORALIS . OCORRNCIA. FLAGRANTE ILEGALIDADE. EXISTNCIA. HABEAS CORPUS NO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFCIO. [...]2. A partir do julgamento do HC n. 188.278/RJ, a Sexta Turma passou a entender que a abolitio criminis , para a posse de armas e munies de uso permitido, restrito, proibido ou com numerao raspada, tem como data final o dia 23 de outubro de 2005.3. Dessa data at 31 de dezembro de 2009, somente as armas e munies de uso permitido (com numerao hgida) e, pois, registrveis, que estiveram abarcadas pela abolitio criminis .4. A partir de 24 de outubro de 2005, as pessoas que possuam munies e/ou armas de uso restrito, proibido ou com numerao raspada, podem se beneficiar de extino da punibilidade, desde que, voluntariamente, faam a entrega

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    do artefato.5. Na hiptese, existe flagrante ilegalidade, pois o paciente foi flagrado, em 4 de fevereiro de 2004, por guardar em sua casa uma arma de fogo de uso permitido, mas com numerao raspada, sem autorizao, em desacordo com determinao legal e regulamentar, sem entreg-la Polcia Federal voluntariamente para efeito de registro, no perodo da vacatio legis , prorrogado pela Lei n. 11.191/05 para o dia 23.10.2005, podendo, portanto, se beneficiar da excluso do crime (abolitio criminis temporalis ) e da especfica extino da punibilidade. (...)(HC 185.719/DF, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6 T., DJe 22/8/2013).

    IV.

    In casu , verifico que o paciente foi flagrado, em 4/7/2007, na posse de:

    a) arma de fogo de uso permitido, calibre 32, e de munio a ela correspondente;

    b) munio de uso permitido, de calibres diversos;c) munio classificada como de uso restrito (3 cartuchos calibre

    12).

    Portanto, sob as premissas postas, verifico ser atpica a conduta relativa posse de artefatos de uso permitivo ("a" e "b"), pois, em relao a ela, a vacatio legis se encerrou em 31 de dezembro de 2009.

    Contudo, o pedido de extino de punibilidade no merece acolhida, pois ainda persiste a conduta relativa posse de munio classificada como de uso restrito ("c"), o que d ensejo manuteno da condenao do paciente como incurso no art. 16, da Lei 8.136/2006, consoante reconhecido pelo Tribunal de origem.

    No ponto, contudo, constato a ocorrncia de flagrante ilegalidade no acrdo estadual, passvel de correo, de ofcio, pois o Tribunal de origem deveria ter reconhecido a abolitio criminis temporria ou, ao criar a fico do crime nico, condenar o paciente pelo crime do art. 16 da Lei n. 8.136/2006, como o fez, sem valorar, contudo, a quantidade de material permitido apreendido, para fixar a pena-base acima do mnimo legal.

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    Com efeito, deveria ter reconhecido a ocorrncia de abolitio criminis em relao conduta prevista no art. 12 da Lei n. 8.136/2003, de forma que remanesceria apenas a condenao pelo crime do art. 16 do mesmo diploma legal, com a quantidade de pena aplicada na sentena, uma vez que o julgamento se deu em apelao criminal exclusiva da defesa.

    De toda sorte, a posse de inmeros artefatos de uso permitido no poderia ser sopesada, na primeira etapa da dosimetria da pena, como circunstncia desfavorvel do crime previsto no art. 16 da Lei de Armas, pois, como visto, tal conduta estava abrangida pelo art. 30 da Lei n. 10.826/2003 e era atpica. Afora isso, foram apreendidas apenas 3 munies classificadas como de uso restrito, o que, toda evidncia, no enseja a maior reprovabilidade da conduta.

    Nesse caminhar, impe-se a reduo da pena-base ao mnimo legal, com o consequente restabelecimento da reprimenda final fixada ao paciente pelo juiz de primeiro grau, em 3 anos e 6 meses de recluso e pagamento de 11 dias-multa, no valor de 1/30 do salrio mnimo vigente poca dos fato, como incurso no art. 16 da Lei 8.136/2003, haja vista o reconhecimento da agravante genrica da reincidncia.

    O regime inicial para o cumprimento da pena ser o semiaberto, considerando a quantidade da pena e a reincidncia do condenado em crime doloso, ex vi do art. 33 do CP.

    A pena privativa de liberdade no foi substituda por restritiva de direitos, ante a expressa vedao contida no art. 44, II, do CP, da no decorrendo nenhuma flagrante ilegalidade.

    V.

    vista do exposto, no conheo do habeas corpus , mas examinando seu contedo, identifico a ocorrncia de constrangimento ilegal, o que me leva a conceder a ordem, ex officio , para reconhecer a atipicidade da posse de arma de fogo e munies de uso permitido, praticada em 2007, e para afastar o aumento da primeira fase da dosimetria, restabelecendo a reprimenda final fixada em primeiro grau, por incurso no art. 16 da Lei n. 8.136/2003.

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    CERTIDO DE JULGAMENTOSEXTA TURMA

    Nmero Registro: 2011/0167880-6 HC 213.715 / RJMATRIA CRIMINAL

    Nmeros Origem: 20070210210129 210801120078190021

    EM MESA JULGADO: 11/11/2014

    RelatorExmo. Sr. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ

    Presidente da SessoExmo. Sr. Ministro SEBASTIO REIS JNIOR

    Subprocuradora-Geral da RepblicaExma. Sra. Dra. FATIMA APARECIDA DE SOUZA BORGHI

    SecretrioBel. ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA

    AUTUAO

    IMPETRANTE : SANDRA REGINA DA SILVA DE ALMEIDAADVOGADO : SANDRA REGINA DA SILVA DE ALMEIDAIMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIROPACIENTE : HAILSON DE OLIVEIRA PIRES

    ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes Previstos na Legislao Extravagante - Crimes do Sistema Nacional de Armas

    CERTIDO

    Certifico que a egrgia SEXTA TURMA, ao apreciar o processo em epgrafe na sesso realizada nesta data, proferiu a seguinte deciso:

    A Sexta Turma, por unanimidade, no conheceu do pedido, expedindo, contudo, ordem de ofcio, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

    Os Srs. Ministros Nefi Cordeiro, Ericson Maranho (Desembargador convocado do TJ/SP), Maria Thereza de Assis Moura e Sebastio Reis Jnior (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.

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