Dm - Cartografia de Professoras Migrantes - Versao Final
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7/26/2019 Dm - Cartografia de Professoras Migrantes - Versao Final
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Universidade do Estado do ParPr-Reitoria de Pesquisa e Ps-GraduaoCentro de Cincias Sociais e EducaoPrograma de Ps-Graduao em Educao
Ilca Pena Baia Sarraf
CARTOGRAFIA DE PROFESSORAS MIGRANTES:
Formao Docente na Construo de Identidades
Belm2015
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Ilca Pena Baia Sarraf
CARTOGRAFIA DE PROFESSORAS MIGRANTES:
Formao Docente na Construo de Identidades
Dissertao apresentada aoPrograma de Ps-Graduao emEducao Mestrado daUniversidade do Estado do Parcomo requisito parcial paraobteno do ttulo de Mestre emEducao.
Linha de Pesquisa: Formao deProfessores e PrticasPedaggicas.Orientao: Prof. Dr. Albne LisMonteiro.
Belm2015
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Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)Biblioteca do Mestrado em Educao-UEPA, Belm-PA
_________________________________________________________________
R698e Baia Sarraf, Ilca Pena
Cartografia de Professoras Migrantes: formao docente na construode identidades / Ilca Pena Baia Sarraf. Belm, 2015.
271 f.; 30 cm
Dissertao (Mestrado)Universidade do Estado do Par, Belm, 2015.Orientadora: Albne Lis Monteiro
1. Professoras Migrantes. 2. Formao Docente. 3. (Re)construo deIdentidades. I. Monteiro, Albne Lis. II. Ttulo
CDD. 21 ed. 374_________________________________________________________________
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Ilca Pena Baia Sarraf
CARTOGRAFIA DE PROFESSORAS MIGRANTES:
Formao Docente na Construo de Identidades
Data de Aprovao: ___/____/2015.
Banca Examinadora
___________________________________Orientadora
Prof. Dr. Albne Lis MonteiroDoutora em EducaoPontifcia Universidade Catlica de So PauloUniversidade do Estado do Par
___________________________________Membro externoProf. Dr. Elizeu Clementino de SouzaDoutor em EducaoUniversidade Federal da BahiaUniversidade do Estado da Bahia
___________________________________Membro externoProf. Dr. Snia Maria da Silva Arajo
Doutora em EducaoUniversidade de So PauloUniversidade Federal do Par
___________________________________Membro internoProf. Dr. Emmanuel Ribeiro CunhaDoutor em EducaoUniversidade Federal do Rio Grande do NorteUniversidade do Estado do Par
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O FLORESCER DA EDUCAO MELGACENSE
O migrar pra construir identidadesCreio no ser tarefas das mais fceis
E, no entanto, em busca da felicidade,Muitos se tem lanado ao desenlace
De partir para terras to distantesLevando quase nada nas bagagensMas vou falar aqui de comandantes
Que se arriscaram por essas paragens
Trazendo o perfume - pois so flores -E a delicadeza - so mulheres -
E um sonho intenso de revoluo...
Ento Melgao - antes nunca vista -Finalmente floresce e ento conquista
Seu lugar no mapa da Educao!
E aqui - presto - em tom de prefcioCom minh'alma jubilosa, cativa,Homenagem a 5 flores, 5 divas
Sem as quais no se explica Melgao:
Flor Morena
Bela e cheirosa a buscar um jardimOnde possa esparzir seu perfume
Chega Melgao - pacata e sem lume -A Flor Morena de Marapanim...
Aqui, a sociedade de alheio costume,Se mostra arredia a quem chega assim
De malas e cuias e afinca, por fim,Seus ps na cidade causando cime...
Traz, porm, na bagagem algo novo:A semente do sonho de leitura
H anos acalentada pelo povo...
E essa flor que nasceu em Marud, hoje, um cone da nossa cultura -
Raimunda Wilma Corra Vilar!
Flor de lfazema
Feliz em poder respirar outros aresSer mote de versos pra um novo poema
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Toda perfumosa a Flor de AlfazemaChega Melgao vinda de Colares...
A mesma estranheza, os mesmos falares,
E o povo inteiro repete o dilema:Quem chega assim s pode ter problemaE ento alvo de conversas e olhares.
Todavia, ela s veio pra somarConcretizando o desejo, o ideal
Do povo que, enfim, pde sonhar...
Qual o sangue que corre pela veiaTua ajuda nos foi mais que essencial...
Graas, flor, Maria Dilma Corra!
Flor de Gardnia
De Colares tambm veio outra florPra juntar-se s que j esto aqui
E num s objetivo prosseguir:Educar o povo com f e amor.
Se o olhar primeiro da comunidade de receio ou de desconfiana
No percamos, por isso, a esperanaDe erguermos o pilar da liberdade.
E ela chega contente e bem faceiraE nos traz um conceito, na algibeira,Que impede que o povo se abstenha
De pensar em sua prpria trajetria.E com ela aprendemos o que Histria:
Rosiete Correa Siqueira, Flor de Gardnia!
Flor de ccia
Atravessando a rea fronteiriaQue separa Breves de Melgao
Chega outra flor (entre riso e abrao)E se entrega difcil lia
De educar. (E bom fazer justiaAo olhar do povo com embarao
Que diz: No vamos dividir o espaoQue nosso com gente no castia...
Porque um povo leigo) preciso
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Educar este povo com bom siso!...... E fizeste a tarefa com eficcia!
Poucos se doam assim como te entregas
Jurema do Socorro Pacheco ViegasNossa inebriante Flor de Accia!
Flor de Lis
De Igarap-Au sai Flor de LisBuscando algo novo, desconhecido,Mas trazia, no corao, adormecido,
O desejo de viver muito feliz...
No obstante o olhar desconfiadoQue lhe lanaram logo ao chegar
Ela mostrou que veio pra ficarE neste solo deixou o seu legado
Em prol de uma rica aprendizagemQue um dia nossa gente ideou
De cantar Ptria Amada! Salve! Salve!
E, por isso, prestamos nossa homenagem flor ltima que em nosso jardim brotou
Maria de Ftima Rodrigues Alves!Lo Frederico de Las Vegas
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DEDICATRIA
Existem pessoas que chegam em nossas vidas para
trazer luz e ajudar a trilharmos novos mundos, sonhos e
conquistas. Elas so seres especiais que foram escolhidas,
penso, por Deus, para ajudar outras vidas a acender-se em
brilho prprio. Eu ganhei uma pessoa especial em minha
vida e a ela que dedico esta dissertao.
Agenor Sarraf Pacheco seu nome. Ser de
energia, luz que me acompanha por todo os meus percursos
acadmicos; meu equilbrio nos momentos de tenso,orientador de dvidas e incertezas; leitor crtico de profunda
exigncia, que puxa por mim, mesmo quando desejo
desistir; principal incentivador de minha liberdade
acadmica, profissional e pessoal.
Volto-me, ento, para voc. s meu eterno
companheiro, planejaste e realizamos tudo o que precisei
para a pesquisa e a escrita; dividiste teu exguo tempo eespao de descanso para as partilhas de emoes, dramas
e limites que vivi nesse percurso.
Por TUDO que fizeste e faz por mim e pelos seus
outros....e so tantos; pela educao de Melgao, este
campo que doaste parte da tua existncia para ver florir.
Compartilho, ento, contigo esta conquista, que nunca foi
individual, pois desde seu comeo fez-se em teias depolifnicas vozes e histrias. A voc minha admirao e meu
querer bem... sempre!
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AGRADECIMENTOS
Cumprir essa etapa de minha vida acadmica trazer comigo uma corda
de seres especiais que foram singulares nessa viagem, sem eles jamais poderia
estar congratulando to importante conquista. Aqui todas as palavras so poucas
para expressar meu sentimento de MUITO OBRIGADA por tudo que fizeram por
mim e pelos meus filhos durante a estada nesse percurso.
Me considero uma pessoa especial aos olhos de Deus e de Maria
Santssima, por estarem sempre presentes em minha vida, creio que sem a
permisso e a graa deles seria um percurso solitrio e triste. A esses seres
divinos meu eterno louvor!Cuidadosamente, fui puxando a corda para trazer as pessoas que foram
significativas nessa construo e que, inesperadamente, surpreenderam-me com
suas motivaes, orientaes ou fazendo a diferena naquilo que podiam para
reservar a mim tempo ao estudo e pesquisa.
Aos meus pais Raimundo Soares Baia e Luiza Pena Baia por
estarem comigo em todos os percursos da vida, no importa o tempo nem o
espao que eu esteja, a orientao sempre afetuosa, cuidadosa, amvel, cheiade f e bons princpios. Segura de vossas presenas, a viagem realizada seguiu
caminhos menos turbulentos. A vocs todo meu amor e gratido!
Aos amores que transcendem a minha vida Ariel Irley, caro Arleye
Ana sis falar do quanto vocs foram importantes nesse percurso e so
importantes em minha vida perder o trato com as palavras, porque um
sentimento que no se resume nesses cdigos culturais, mas nas relaes,
sentimentos expressos em atitudes de carinho e alegria que vivemos a cadamomento. A vocs meu eterno agradecimento pelas (in)compreenses de minha
ausncia nos momentos do querer me.
Aos meus amados irmosHlio, Hli, Hlica, Hrica, Heli e Hliton
por serem parte de mim e estarem dispostos a guiar o barco ou ficarem nos
portos de minhas chegadas para ajudarem a amarrar os meus desejos e sonhos.
Agradeo pelas alegrias compartilhadas e pelo apoio recebido.
No campo intelectual, Albne Lis Monteiro, minha orientadora, foi anjo
de sabedoria que assumiu o papel de me acadmica. Os laos de compromisso
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com a pesquisa foram se tramando desde a proposta inicial, os quais alcanaram
a dimenso afetiva pessoal. Seu modo de ser est fotografado em minha
memria. Orientou, exigiu, mas sempre permitiu que eu fizesse os voos
desejados. Garantiu autonomia para ir ao encontro das histrias de vida das
professoras migrantes; abriu seu aposento, deixou-me desvendar sua biblioteca e
emprestou seus livros. Esses gestos so extremamente significativos para mim,
pois me senti acolhida e segura para o embarque. A voc, minha admirao pela
humildade intelectual e meu muito OBRIGADA por realizar comigo essa viagem.
Aos professores do Programa de Mestrado em Educao da UEPA,
principalmente, aqueles que estiveram conosco ministrando disciplinas: Ivanilde
Apoluceno, Albne Lis, Maria das Graas, Maria Betnia, Josefa Tvora,Socorro Cardoso e Marta Gen. A contribuio de cada uma foi instigante para
questionar, rever, duvidar e amadurecer academicamente. OBRIGADA!
A dissertao no seria possvel sem as principais vozes das professoras
migrantes Wilma Vilar, Maria Dilma, Rosiete Siqueira, Jurema Pacheco e
Ftima Rodrigues. Minha gratido pela oportunidade concedida para registrar
suas histrias de vida em Melgao, focalizando a experincia migratria, a
formao docente e a (re)construo das identidades. A colaborao de vocs foiprimordial para que a cartografia de suas histrias pudesse ser tecida.
Aos professores examinadores, Elizeu Clementino de Souza e
Emmanuel Ribeiro Cunha, pelas valiosas contribuies no texto de qualificao.
Tomei as sugestes como bssolas para nortear a escrita final dessa viagem. Ao
professor Elizeu, sou grata pelas indicaes de leitura e pelos muitos escritos que
atravessam minha formao.
Universidade do Estado do Par(UEPA), Fundao Amaznia deAmparo a Estudos e Pesquisas do Par (FAPESPA), Secretaria de
educao do Estado(SEDUC) e Prefeitura Municipal de Melgaopor terem
confiado e garantido a mim o direito pesquisa e formao. Sou grata pelo
apoio e financiamento concedido pela Fapespa.
Aos meus colegas de turma, agradeo pela bonita amizade que
construmos. Nunca esquecerei que foram muitos os risos partilhados, assim
como as tenses divididas, conversas socializadas e comidinhas para garantir um
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tempo a mais aos assuntos extra academia. Viver o mestrado com vocs foi
ressignificar a minha vida. VALEUZO!
amiga Isabel Rodrigues, por todo apoio, dicas e palavras de estmulo
para vencer o desafio de entrar no to concorrido mestrado da UEPA; querida
Francinete Lima, minha migamana, pelo forte lao de amizade, cuidados,
orientaes msticas e dias de estudos da lngua inglesa; amiga sempre
presente Marlene Gomes, pela generosidade de estar comigo nos momentos que
precisei, seja para fazer compras ou tomar um caf em fim de tarde e a Regilene
Araujo eRoselina Alves, duas pessoas especiais que estiveram comigo neste
percurso, cuidando de mim, de minha famlia e, inmeras vezes, assumiram o
meu papel para cuidar da minha caula, a grande menina Ana sis.Ao poeta melgacense, Lo Frederico de Las Vegas, um dos
pseudnimos de Jaime Adilton Marques de Arajo, por atender meu pedido em
homenagear as professoras migrantes com a belssima, contextualizada e
sensvel poesia O florescer da educao melgancense.
Sou eternamente grata por enlaar-me nessa consistente corda, formada
por seres que me permitiram viver o tempo do mestrado. Com a ajuda e o apoio
de vocs, tudo tornou-se possvel de realizao. Durante esses dois anos (2013-2015), minha vida se expandiu, ganhei novos olhares e consegui vencer o medo
de me mostrar. Ao mesmo tempo, tive maior conscincia de que meus limites no
so motivos para no seguir novas rotas de navegao.
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ABSTRACT
BAIA SARRAF, Ilca Pena.Migrant Teachers Cartography: teaching formation inthe construction of identities. 271 p. Dissertation (Master in Education) State
University of Par, Belm-PA, 2015.
In this research I cartographer the trajectories of migrant teachers, RaimundaWilma Correa Vilar Brasil, Maria Dilma Correa, Rosiete Corra Siqueira, Juremado Socorro Pacheco Viegas and Maria de Fatima Rodrigues Alves, originatedfrom different places of Par like Marapanim, Colares, Igarap-Au and Breves.Excepting Jurema that did not experienced the life in Belm, all moved up in theearly 1980 decade to Melgao, Forest Maraj-PA, and have contributed to thebuild of the municipal educations history. The compass of research guided me tounderstand how migrants teachers built personal and professional trajectory inrelations between each ohther, with students and the community in general to the
(re)construction of their identities? Seeking to course this way, I listed as guidingquestions: What reasons led them to migrate to Melgao in the early years of the1980 decade? With what academic formation they have began the teachingprofession and how they have trod the ways of continuous education? In thetessiture of this research map, I have traced a theoretical and methodological waythat searched for interrelate the Cartography with Life Histories and looked at theComprehensive-Interpretative Analysis uncover and seize, at the narratedmemories, pathways and life experiences shared by the migrant teachers. At theresearchs itineraries, I leaned over the thematic axis - local history, migration,teacher formation and (re)construction of identities to analyze the reasons ofmigration; practices of life experiences established by the teachers amongthemselves, students and the community in general over the past 30 years, andformation process that contributed to construction/reconstruction of their identities.Among the discovers, I explicit that the migrant experience made part of the lifehistory of all commanders. They lived in other dwellings, changed the childhoodtime for housework, lived the strangeness, the difficulties and overshoots. InMelgao, they were involved in different educational, cultural and political spaces;they have guaranteed formation and professional stability; gained respect andprestige by the struggles promoted in defense of education and human rights; builtfamily, structured the financial life and created affection webs with the municipalityand its residents. Therefore, I mark that the history of the migrant teachers
produced countless relationships and involvement with the place. They affectedand were affected, allowed new reflections to themselves, of the profession and ofthe life in the city and contributed to the (re)construction of their personal andprofessional identities.
Keywords: Migrant Teachers; Teaching Formation; Identities (Re)construction.
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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
BAND Rede Bandeirantes (Grupo Bandeirantes de Comunicao)
CAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal do Nvel Superior
CEBs Comunidades Eclesiais de Bases
CTRH Coordenadoria de Treinamento e Recursos Humanos
DEPOL Delegacia de Polcia
DST Doenas Sexualmente Transmissveis
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
IDHM ndice de Desenvolvimento Humano dos Municpios
IEP Instituto de Educao do Estado do ParINSS Instituto Nacional do Seguro Social
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional
MEC Ministrio da Educao
NEPRE Ncleo de Estudos e Pesquisas sobre Relaes Raciais e Educao
ONU Organizao das Naes Unidas
PARFOR Plano Nacional de Formao de Professores
PECPROF Programa de Formao Continuada de Professores
PNUD Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento
PREPES Programa de Ps-Graduao Lato-Sensu
PUC-MG Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais
PUC-SP Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo
SEDUC-PA Secretaria de Estado de Educao do Par
SEMED Secretaria Municipal de Educao
SOME Sistema de Organizao Modular de Ensino
SOPs Seminrio de Oficinas PedaggicasUEPA Universidade do Estado do Par
UFMS Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
UFMT Universidade Federal de Mato Grosso
UFPA Universidade Federal do Par
UNAMA Universidade da Amaznia
UNIVERSO Universidade Salgado de Oliveira
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SUMRIO
EM RIOS DA PESQUISA:Embarque
Esboo das Rotas da Viagem 18Mapas de Navegao 21Exposio dos Percursos 30
PRIMEIRO PERCURSOCARTOGRAFIA DO LUGAR: Lembranas & Histrias 321.1. Primeiras Palavras 331.2. (Re)apresentando Melgao 361.3. Entre Vrzea e Terra Firme 461.4. No Leme: as comandantes professoras 581.5. Olhares Vista: as professoras narram a cidade 65
SEGUNDO PERCURSOLONGE DA ROCHA-ME: Migrao & Educao 792.1. Primeiras Palavras 802.2. Tempos de Migrao 842.3. Razes da Partida: esperanas flor da pele 892.4. Memrias da Terra Hospedeira: encontros e sentidos 1022.5. (Des)encontros e Sociabilidades 1162.6. Rizomas do Retorno 128
TERCEIRO PERCURSOTRAMAS NA FORMAO DE PROFESSORES 1423.1. Primeiras Palavras 1433.2. Escolha pela Docncia e Significados da Profisso 1463.3. Nos Trnsitos da Formao 1593.4. Mltiplas Teias na Vida das Comandantes 173
QUARTO PERCURSOENTRE O PESSOAL E O PROFISSIONAL: (re)construo deidentidades
189
4.1. Primeiras Palavras 190
4.2. Autoidentificao e interpretao de si 1944.3. Afetos e desejos: outros vnculos identitrios 2094.4. (Re)construo de Identidades em novos espaos 224
REMEMORAES DA VIAGEMDesembarque
246
MARINHEIROS DA VIAGEM 254
APNDICES 266
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EM RIOS DA PESQUISA:Embarque
O poro [...] ele em primeiro lugar o serobscuro da casa, o ser que participa daspotncias subterrneas [...] no poro, aracionalizao menos rpida e menosclara; no nunca definitiva
(BACHELARD, 1978, p. 209).
Mas quem disse que a cartografia s poderepresentar fronteiras e no construirimagens das relaes e dosentrelaamentos, dos caminhos em fuga edos labirintos? [...] nossos mapascognitivos chegam hoje a outra figura, a doarquiplago, pois, desprovido de fronteiraque o una, o continente se desagrega emilhas mltiplas e diversas que se
interconectam (MARTN-BARBERO, 2004,pp. 12-3).
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Esboo das Rotas da Viagem
Inspirada em Bachelard (1978), ao explorar a metfora do poro como
lugar do desconhecido, imprevisvel, mas tambm do encontro com as razescapazes de explicar o nascimento e a trilha da experincia humana, ajuda-me a
pensar caminhos para cartografar1Histrias de Vida e Construo de Identidades
na Formao Docente de Raimunda Wilma Corra Vilar Brasil, Maria Dilma
Corra, Rosiete Corra Siqueira, Jurema do Socorro Pacheco Viegas e Maria de
Ftima Rodrigues Alves, mulheres que se fizeram professoras em territrio no-
familiar.
Sarraf-Pacheco (2004; 2006), em trabalho de campo para o mestrado emHistria Social na Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (PUC-SP),
entrevistou Wilma, Rosiete e Jurema. Apesar do significativo material coletado, o
historiador explorou apenas algumas passagens do depoimento de Rosiete,
quando discutiu o fazer-se da educao em Melgao. Por saber de meu interesse
em investigar a histria de vida das cinco professoras, gentilmente cedeu o
material das trs narrativas transcritas e digitadas. Dez anos depois (2003/4-
2013/4), reproduzi cpias e entreguei s docentes para fazerem leitura e, se
considerassem necessrias, possveis alteraes. Examinadas as memrias
escritas, recebi autorizao para us-las na pesquisa. Da em diante, mergulhei
em novas prticas de escuta e dilogo com as professoras migrantes.
A ida ao poro possibilitou embarcar em memrias dessas professoras
que se fizeram ou adensaram a experincia docente em Melgao, no Maraj das
Florestas2. Pelos caminhos sugeridos por Martn-Barbero (2004) em torno do
desafio de navegar sem rotas traadas a priori, mas como rios abertos a
diferentes igaraps, afirmo que conhecer sonhos, projetos de vida, decepes,
lutas e conquistas vivenciadas pelas professoras migrantes na formao
profissional e (re)construo de suas identidades fez parte dos desejos da
1Mais frente discutiremos melhor o papel da cartografia na construo da pesquisa.2O termo foi cunhado por Sarraf-Pacheco (2006) para ampliar o sentido convencional de Ilha deMaraj, objetivando realar diferenas e semelhanas na constituio geo-histrica esocioculturais dos diferentes municpios. Para o estudioso, o imenso arquiplago de Maraj possuiduas regies distintas e relacionais: o Maraj das Florestas, conformado por 09 (nove) municpios
Afu, Gurup, Anajs, Breves, Melgao, Portel, Bagre, Curralinho e So Sebastio da Boa Vista e o Maraj dos Campos, constitudo por 07 (sete) municpios Chaves, Soure, Salvaterra,Cachoeira do Arari, Santa Cruz do Arari, Muan e Ponta de Pedras.
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pesquisadora desta investigao. Em outras palavras, a cartografia, inicialmente,
percorreu trilhas pela cidade de Melgao, desvendando traos de sua histria e
olhares em torno das vivncias locais. Em seguida, dialogou com valores,
sentimentos, conflitos e negociaes que as professoras alinhavaram com o lugar
e seus moradores.
O percurso para seguir a carta nutica dessa viagem, partiu do seguinte
problema: Como as professoras migrantes construram sua trajetria pessoal e
profissional nas relaes entre si, com alunos e comunidade em geral para a
construo de identidades a partir de 1980 em Melgao? Ao visar percorrer esse
caminho, elenquei como questes norteadoras: Que razes levaram as
professoras a migrarem para o municpio de Melgao nos primeiros anos dadcada de 1980? Com que formao acadmica iniciaram a profisso docente em
Melgao e de que modo trilharam os caminhos da formao continuada?
Na tentativa de responder a problemtica e as questes norteadoras, o
desafio de rememorao, sob a regncia das histrias de vida, levou-as ao
encontro com dimenses do passado vivido dinamicamente. Com isso, trouxeram
tona um passado luz de inquietaes e avaliaes do presente, criando ou
projetando perspectivas para o futuro. Como pensa Alarco (2004, p. 09),
a narrao das histrias de vida permite remexer o passado,reorden-lo, contextualiz-lo no tempo, no espao e no contextode cada indivduo, entretece-lo na teia da histria a histria deuma pessoae compreend-la na sua natureza multifacetada.
Com a pesquisadora no foi diferente, viver com as professoras a
experincia da pesquisa, os momentos de rememorao tambm afloram em ns
muitas lembranas compartilhadas. Nossas histrias, em certas situaes, foram
bem parecidas. Vivemos muitas experincias, fui aluna e colega de trabalho, o
que possibilitou um forte lao de amizade, carinho e respeito.
Dessa rememorao trago a lembrana que depois de completar o Ensino
Fundamental e o Curso de Magistrio pelo Sistema de Organizao Modular de
Ensino (SOME), fui aprovada no vestibular da Universidade Federal do Par
(UFPA) para o Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia. Ao longo do curso,
apaixonei-me pela temtica da formao de professores. Sempre que foi possvel,
procurei adquirir e ler trabalhos desta rea. Belmira Oliveira Bueno et al. (1998),
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ria Brzenski (2000), Selma Garrido (2002), Raquel Barbosa (2003) foram
algumas das intelectuais deste campo de estudo com quem interagi,
especialmente a partir dos ltimos anos do curso de Pedagogia.
Envolvi-me nas leituras e fui incentivada por alguns professores a
mergulhar no campo metodolgico da Histria Oral, quando desenvolvi a
monografia de concluso de curso Professores, Pais e Ex-Alunos: memrias e
experincias do Magistrio em Melgao (1990-2001). Aps a concluso deste
estudo, constatei que se o trabalho revelou a luta do municpio pela implantao
do Ensino Normal, valorizando as vozes de diferentes sujeitos que construram
aquele importante captulo da histria da educao da cidade, outras histrias de
vida e formao docente ainda estavam por serem desvendadas.A despeito disso, todos os ex-alunos do Magistrio como eu, e,
atualmente, professores da Educao Bsica, tiveram parte de sua formao
docente costurada com a ajuda de outras agentes sociais que no foram foco de
preocupao desta primeira pesquisa. Falo, portanto, das professoras migrantes.
Foi com a aprovao em 2013 no Mestrado em Educao da
Universidade do Estado do Par (UEPA) que decidi fazer o embarque e seguir o
percurso nas histrias de vida daquelas professoras. Por se tratar de um espaode pesquisa conformado por rios, florestas, terras firmes e vrzeas, o prprio
ambiente faz pensar na mobilidade e desafios que envolvem o ato de escavar
memrias deitadas ou fertilizadas pelo movimento das guas marajoaras.
Neste percurso, muitos desafios e emoes vivi. Diante da experincia,
possvel concordar que
pesquisar talvez seja mesmo ir por dentro da chuva, pelo meio de
um oceano, sem guarda-chuva, sem barco. Logo, percebemosque no h como indicar caminhos muito seguros ou estveis.Pesquisar experimentar, arriscar-se, deixar-se perder. No meiodo caminho, irrompem muitos universos dspares provocadores deperplexidade, surpresas, temores, mas tambm de certa sensaode alvio e de liberdade do tdio (OLIVEIRA e PARAISO, 2012, p.161).
Intenciono, deste modo, investigar as razes que levaram as professoras
a migrarem para o municpio de Melgao nos primeiros anos da dcada de 1980 e
o movimento trilhado para (re)construo de suas identidades; analisar trajetrias
pessoais e profissionais construdas nas relaes estabelecidas entre si, com
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alunos e comunidade em geral e refletir com que formao acadmica iniciaram a
profisso docente em Melgao e de que modo trilharam os caminhos da formao
continuada.
Foram muitas interrogaes que emergiram em minha mente e fizeram
refletir na investigao. Que embarque fazer? Que rios seguir e como naveg-
los? Quem assumiria, nesta viagem o papel de capit, comandante e
marinheiro(a)?3O que iria encontrar no percurso? Como seria a chegada? Depois
de inmeras interrogaes surgiu a certeza, o embarque precisou ser feito, pois
pesquisar experimentar, arriscar-se, deixar-se perder.
A opo metodolgica escolhida procurou, ento, cruzar duas
perspectivas de investigao da realidade social: a Cartografia na interface com aHistria de Vida, alinhavadas pela experincia da memria.
Mapas de Navegao
O desafio da investigao foi navegar pelas histrias de vidas das
comandantes, no para narrar herosmos, mas reconstituir suas vivncias na
condio de educadoras que se destacaram e muito contriburam na construo
da histria da educao no municpio de Melgao. Nas partilhas com asprofessoras migrantes, apreendo (des)encontros e confrontos, avanos e desafios
em suas trajetrias docentes em terras no-familiar.
A escolha desta investigao justifica-se, entre outros motivos, primeiro
pela minha prpria relao com a histria da educao de Melgao e profunda
convivncia com essas professoras. Em segundo lugar, pela carncia de estudos
relacionando professoras migrantes, histrias de vida, identidades e formao
docente em territrios amaznicos. Um terceiro motivo ainda pode ser descritopela necessidade de documentar e, com isso, valorizar a contribuio dada por
essas professoras histria da educao do municpio.
Conforme assinala Almeida (1998), pesquisas a respeito da presena
feminina na Educao brasileira at a dcada de 1990 ainda eram restritas,
mesmo sendo ela determinante nos rumos da profisso docente. Se a carncia
3Adotarei esses termos para me referir a sujeitos e intelectuais com quem dialoguei na produo
do texto dissertativo. Na metfora de que a pesquisa uma viagem, assumo o papel de capit; asprofessoras so as comandantes e os intelectuais, o(a)s marinheiro(a)s. Neste texto, para mereferir as narradoras da pesquisa, utilizarei ora professoras migrantes, ora comandantes.
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desses estudos no pas, denunciada por Almeida, j vem sendo enfrentada com
novas investigaes, no mundo amaznico essa temtica, voltada compreenso
do movimento trilhado por professoras migrantes, ainda est por ser construda.
Ao visar contribuir na tessitura de um mapa de pesquisas dessa temtica,
tracei um percurso teoricometodolgico que procurou interrelacionar a Cartografia
com a Histrias de Vida para compreender razes da migrao das professoras
para Melgao e o fazer-se de suas identidades na formao docente, no
esquecendo que outras esferas contriburam para tal construo.
A Cartografia se configura como um campo que questiona as dualidades
da cincia moderna. Ela possibilita pensar, registrar e refletir a complexidade dos
caminhos que trilha uma investigao cientfica, humanizadora e inclusiva.Ao me propor a romper fronteiras estabelecidas pelo pensamento abissal
(SANTOS, 2010), a Cartografia construda adotou outra gramtica nas etapas da
pesquisa. Evitei termos como dados, sujeito-objeto, procedimentos, tcnicas,
dentre outros, por fazerem parte de um sistema de pensamento cientfico que
negou a arte da escrita e da vida, separando cincia de arte, objetividade da
subjetividade (HISSA, 2013).
Nas escolhas, optei pela Cartografia por valorizar todo e qualquer registro,seja ele oficial ou popular, tal como ensina a Histria Cultural (BURKE, 1992;
1997; 2005). Entre esses registros, narrativas orais ganham forte representao
por permitirem valorizar trajetrias de vida que ficaram, quase sempre, no
anonimato ou reduzidas a dados estatsticos. A despeito do encanto com a
riqueza das trajetrias pessoais e profissionais, a Cartografia interessa-se por
captar conflitos, negociaes, afetividades e contribuir com o campo das
pesquisas educacionais, ao valorizar histrias de vida de professoras migrantesvia mergulho no universo das memrias (SARRAF-PACHECO, 2015; BAIA
SARRAF, SARRAF-PACHECO e MONTEIRO, 2015).
De acordo com Burnier et al. (2007, p. 344), a pesquisa em educao, a
partir dos anos de 1990, voltou-se para o campo teoricometodolgico da Histria
de Vida. Com isso, tem contribudo para uma melhor compreenso da cond io
docente, na medida em que renova as teorizaes e os dispositivos de pesquisa e
formao profissional. Trabalhar com esse campo de pesquisa permite
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acompanhar percursos pessoais, profissionais e prticas vividas em coletividade,
mas apreendidos a partir da tica e subjetividades das prprias professoras.
Nesta perspectiva, Abraho (2004b) considera que a Histria de Vida
desencadeia um conjunto de reflexes capaz de despertar sentimentos e motivar
tomadas de iniciativas na vida da prpria pessoa que narra. Assim, explica:
A histria de vida narra-nos a viagem ao longo da existnciaindividual. Insere o ser biolgico nos contextos fsicos e scio-culturais e reconhece a sua interactividade. Revela-nos o queaconteceu e o que, dos acontecimentos, se reteve. D visibilidade personalidade da pessoa em foco, manifesta os seus anseios,as suas realizaes. Mas tambm as suas frustraes. Revelaideais e valores. Como todos sabemos bem menos frequente
que sejam desocultados os fracassos como se esses tivessemsido apagados da memria ou impedidos de se manifestarem(ABRAHO, 2004b, p. 09).
O relacionamento iniciado desde o primeiro embarque entre Cartografia e
Histrias de Vida na anlise das trajetrias pessoais e profissionais construdas
pelas professoras migrantes em intercmbios estabelecidas entre si, com alunos
e comunidade melgacense, ajudou a apreender significaes de narrativas
tambm relacionais e complexas. Nessa teia, frustaes, sonhos rompidos,
conflitos diversos, misturam-se a realizaes profissionais, sociabilidades e fortes
laos de amizade com o outro e com o lugar.
Para extrair significaes das narrativas que fazem parte do corpus da
pesquisa a partir dessas orientaes teoricometodolgicas, busquei na anlise
compreensiva-interpretativa desvelar e apreender discursos, aes e percursos
de vivncias expressas nas memrias narradas pelas professoras migrantes.
Souza (2014) fundamentado em Poirier et. al., (1999) e Ricoeur (1996)
apreende a anlise compreensiva-interpretativa como uma relao decolaborao entre pesquisador e interlocutor para o alcance das trajetrias
planejadas. O autor entende esse mtodo interpretativo como um processo de
constante investigao-formao estabelecido no ato de rememorar
conhecimentos e aprendizagens individual/coletiva construda ao longo da vida
(SOUZA, 2014, p. 43).
No af de melhor explorar o contedo das narrativas em sintonia com
seus contextos geo-histricos e socioculturais, segui caminhos palmilhados porSouza (2014, p. 46) na orientao dos trs tempos de anlise: a) pr-anlise e
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leitura cruzada; b) leitura temtica; e c) leitura interpretativa-compreensiva. A
pesquisa orientada por esses procedimentos, foi produzida em colaborao com
as comandantes, as quais, entre outras identidades, assumem na escrita do texto
o papel de atrizes e autoras de sua prpria histria.
Estabelecer dilogos com as professoras exigiu recorrer orientao de
Oliveira nas sendas da Histria Oral via afloramento da memria.
[...] o processo de reavivamento das lembranas atravs de umtrabalho mais refinado da memria visualizado nos projetos deinvestigao/formao de professores. Os bas, as caixinhas e oslbuns, ao serem trazidos para o trabalho de escritaautobiogrfica, ou no momento da entrevista, permitem que aspessoas reconstruam imagens com mais detalhamento esentimento (OLIVEIRA, 2005, p. 96).
O ato de rememorar uma interveno no caos das imagens guardadas.
Quando as comandantes acionaram suas lembranas, houve um enorme esforo
para selecionar e organizar as que consideram mais significativas. Nesse
processo, o passado e o presente se entrelaaram, tornando-se difcil separar
seus fios (MALUF, 1995). Na mesma perspectiva, Bosi (2003, p.53) afirma que a
memria , sim, um trabalho sobre o tempo, mas sobre o tempo vivido, conotado
pela cultura e pelo indivduo e, ainda, do vnculo com o passado se extrai a fora
para a formao de identidade (BOSI, 2003, p.16).
A interao com memrias narradas pelas professoras migrantes criou
condies para realizar embarques e desembarques em suas Histrias de Vida. A
relao exigiu, a princpio, uma troca de olhares (PORTELLI, 2010, p. 20) e a
construo de laos de confiana, numa viso mtua, pois uma parte no pode
realmente ver a outra a menos que a outra possa v-lo ou v-la em troca. Os dois
sujeitos, interatuando, no podem agir juntos a menos que uma espcie de
mutualidade seja estabelecida (PORTELLI, 1997, p. 09).
Amado et al. (2001) tambm aponta ser necessrio um primeiro contato
com o informante para socializar os interesses do pesquisador e situ-lo a
respeito de sua colaborao no processo de investigao. O sucesso dessa
construo coletiva, a exemplo do que ensina Portelli, ocorre quando se
alinhavam teias de respeito e reciprocidade.
Alberti amplia esse entendimento ao esclarecer que:
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[...] a continuidade da relao entre entrevistado e entrevistadorque permite a ambos se conhecer melhor, estabelecer pontes eaproximaes entre o que foi dito em sesses diferentes,identificar as peculiaridades de cada um e as situaes queparecem conduzir a um dilogo mais proveitoso para o objetivocomum: enfim, a continuidade da relao que muitas vezespermite criar as condies de sucesso de uma entrevista(ALBERTI, 1989, p. 71).
Ciente dessas lies, tambm primei pela tica da pesquisa por
compreender que comungar dimenses da histria de vida para serem analisadas
e, posteriormente, publicadas em trabalhos acadmicos, requer cuidado e
seriedade com as informaes confiadas, no apenas numa carta de cesso4,
documento importante, mas, acima de tudo, na apropriao dos sentidos das
narrativas.
Na construo, procurei manter o dilogo humano, sincero e responsvel
com as professoras migrantes. Desde o primeiro momento de meu ingresso no
mestrado, no deixei de comunic-las do interesse do projeto e da importncia da
pesquisa para os estudos amaznicos e marajoaras. Enfatizei, ainda, o desejo de,
mediante esta investigao, reconhecer e valorizar o importante trabalho por elas
desempenhado na histria da educao de Melgao.
Assumo a postura de retornar as narrativas s comandantes, vejo tal
atitude como componente fundamental para estreitar dilogo, como possibilitar
que elas avaliem o que socializaram de seus bas de memria. A oportunidade
de lerem as narrativas orais transcritas permitiu realizarem reflexes, retirarem ou
complementarem aspectos que consideram importantes compreenso de suas
histrias de vida. O exerccio ajudou ainda acompanharem o desfecho de suas
trajetrias e certificarem-se da integridade da transcrio.
O dilogo com as comandantes manifestou-se distinto, especialmente
com Rosiete, que preferiu, inicialmente, escrever suas narrativas. Logo, pensei no
tempo da pesquisa e nas muitas atividades de uma professora, ento, contra
argumentei e mostrei a inteno pela gravao. Ela resistiu ao enfatizar que gosta
de organizar suas ideias e a escrita lhe possibilitaria esse exerccio.
Diante de tal situao, no podia desconsiderar o desejo dessa
professora, tampouco, deix-la fora de meu interesse, pois visualizei em leituras
4As cartas de cesso para o uso das entrevistas e fotografias foram assinadas e reconhecidas emcartrio pelas professoras migrantes e fazem parte dos arquivos da pesquisa.
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Ao mapear trabalhos com a temtica em contexto amaznico, encontrei a
tese de doutorado Autoformao, histria de vida e construes de identidades
do/a educador/a, de autoria de Monteiro (2002). A pesquisadora ainda publicou o
artigo, Construes e reconstrues do processo formativo pessoal e
profissional: a metodologia histria de vida na autoformao, identidade
(MONTEIRO, 2011). Completam o levantamento, Histria das mulheres, histria
de vida de professoras: elementos para pensar a docncia, de Arajo (2014).
Em outra realidade brasileira, sobre a migrao docente, Tanus em 1992
defendeu a tese Mundividncias: Histrias de vidas de migrantes professores,
realizada pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), publicada em 2002.
O lcus da pesquisa foi a cidade de Cuiab, mais especificamente o bairro doPlanalto, nos anos de 1990 e 1991, formado por migrantes. A pesquisadora
traou como objetivo compreender o imaginrio e a realidade de grupos de
migrantes professores, valorizando a identidade e a concepo do lugar de
chegada.
Sem a preocupao de fazer uma escrita cruzando teoria e prtica, mas
atenta ao rigor terico metodolgico, a autora busca valorizar o cotidiano dos
professores, mediante o uso das Histrias de Vida, tais como se apresentam pelavitrine que construiu dele mesmo, naquele momento (TANUS, 2002, p.17).
A cartografia desses estudos ampliou-se com Nobre (2009) que realizou
estudos de mestrado na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. A pesquisa
investigou vivncias de professores que vieram de outros Estados e atuaram na
Educao Bsica em Mato Grosso do Sul (UFMS). O percurso biogrfico realizou-
se com seis professores e examinou o processo de construo das identidades.
Igualmente, a pesquisadora esforou-se por identificar marcas da pluralidade sul-mato-grossense inseridas nas trajetrias dos professores. A investigao foi
realizada com base na metodologia de Histria de Vida como um caminho
pertinente para se conhecer o universo que cerca o professor migrante (NOBRE,
2009, p.14).
J Campos (2011) no artigo Professoras Migrantes de Campo Verde,
resultado da dissertao Vou Buscar a Sorte: relatos de vida de professoras
migrantes de Campo Verde (MT), defendida em 2010 na (UFMT), visou
compreender a vida de professoras provenientes de outros Estados que atuaram
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meio das Histrias de Vida, o movimento trilhado pelas professoras migrantes na
trajetria pessoal e profissional.
Exposio dos Percursos
O mapa cartogrfico foi pensado e tecido em quatro percursos, com as
interpretaes das professoras em dilogo com os marinheiros da viagem,
articulando empiria e teoria. Em Cartografia do Lugar: Lembranas &
Histrias, apresento minha relao com Melgao. Na condio de migrante,
narro a chegada, meus medos e estranhamentos. Reconstituo lembranas de
uma cidade em tempos de outrora e procuro articular com os tempos presentes.
Em (Re)apresentando Melgao trago sinais da Cartografia no dilogo comaqueles que vivem ou viveram o lugar. Entre Vrzea e Terra Firme, valorizo
determinados acontecimentos no campo educacional brasileiro e amaznico,
esforando-me por contextualizar o processo histrico que se conecta s
vivncias das professoras migrantes. No Leme: as comandantes professoras,
trao, de forma resumida, o perfil de cada uma delas, contextualizando suas
histrias de vida, origem, formao e deslocamentos e finalizo com Olhares
Vista: as professoras narram a cidade que expressa uma representao deMelgao em meados dos anos 1980 e os sentimentos e significados, em tempos
atuais, na tica das comandantes.
No segundo percurso, Longe da Rocha-Me: Migrao & Educao,
discuto razes da partida em consonncia com elaboraes de alguns
marinheiros desta viagem. Em Tempos de Migrao, fao uma contextualizao
histrica do processo migratrio de professores para Melgao. Nas Razes da
Partida: esperanas flor da pele, abordo as muitas trajetrias de migraovivenciadas pelas professoras posteriormente. Na sequncia traduzo:Memrias
da Terra Hospedeira: encontros e sentidos,falando de expectativas e motivos que
influenciaram a partida para Melgao. Desembarco em (Des)encontros e
Sociabilidadespara desvelar desafios vividos com os modos de ser daqueles que
esto e daquelas que chegam, sem esquecer as tramas vividas internamente. No
tpico em Rizomas do Retornoexpresso o entrelaamento nos dois lugares, o de
partida e o de chegada, e os sentimentos e identidades do ser migrante.
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PRIMEIRO PERCURSO:
CARTOGRAFIA DO LUGAR:
Histrias & Lembranas
Realizar experimentaes com a memria,atravs das narrativas das mulheresprofessoras que vinham de espaos etempos diferentes, em termos de formao eatuao profissional, e que, comocolaboradoras das nossas pesquisas,decidiam fazer de sua histria de vidatambm a construo da histria dadocncia, da histria da profisso,(OLIVEIRA, 2005, p. 92) o meu desejo.
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localizao da vila de Melgao. Os ribeirinhos passaram aacreditar que a vila era para ser fundada do outro lado da baia deMelgao, num lugar denominado de Pacoval, porm, como aimagem de So Miguel Arcanjo, seu padroeiro, foi encontradodeste lado, todas s vezes que pretendiam levar a imagem para ooutro lado, alguma coisa o impedia. Essas memrias ainda estovivas na cultura dos moradores que iniciaram, na sua infncia, opovoamento da vila, acreditando que o santo no queria suaformao em outro local.
Ao longo do sculo XVIII, diferentes prticas extrativistas, assim como a
agricultura, a pesca e o criatrio fizeram parte da vida das populaes que
habitavam esse lado ocidental marajoara (SARRAF-PACHECO, 2010). Os
estudos que abordam os sculos XIX e XX expem memrias da extrao da
borracha, prticas de exportao, migraes nordestinas, apogeu e decadncia
de uma certa vida urbana ou de uma tpica cidade-floresta, sempre articulada
com a forte crena em So Miguel Arcanjo, suas festas, peregrinaes e milagres.
Depois dos tempos de dominao vividos por Melgao, entre 1930 a 1960, em 30
de dezembro de 1961, o municpio iniciou uma nova trajetria em sua
constituio: a nova emancipao poltica.
A histria da educao do presente est completamente ligada queles
tempos de emancipao e lutas pela escolarizao dos poucos moradores queresidiam na sede do municpio. Nesse enredo, a presena das professoras
migrantes um captulo importante dessa narrativa histrica.
Depois da breve apresentao de encontros com Melgao e aspecto de
sua histria, considero importante apresent-la em alguns especficos olhares.
Sarraf-Pacheco (2006, p. 23), em estudo a respeito da cidade-floresta assim a
situa:
Melgao [...] um municpio pouco conhecido entre os 143 quedesenham o mapa paraense10. Com uma populao de 20.061habitantes, dos quais 85% se encontram em contato intenso comos viveres da floresta, que pode ser chamada de zona rural domunicpio, tem sua populao distribuda irregularmente nos 6.774km que lhe restaram depois da sofrida apropriao de parte deseu territrio pelos municpios de Gurup, Breves e Portel.Localizado nas margens de rios e matas, na fronteira do
10O Estado do Par, formado por 144 municpios, depois de 2012, quando foi criado o municpioMoju dos Campos, localizado no Centro da Regio Norte.
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arquiplago dos Marajs11, na boca da baa de gua doce,Melgao teve seus traados urbanos pintados com tons culturaisde homens, mulheres e crianas que, em contato intenso comsensibilidades da floresta, constituram especficos modos deviver, trabalhar, lutar pela sobrevivncia e pela reatualizao dehbitos, costumes, manifestaes religiosas, curtindo perdas eganhos, experimentando sensaes diversas na ambiguidade desuas sobrevivncias.
A Melgao apresentada por Sarraf-Pacheco (2006) um municpio que
est em fronteiras, limites e disputas traadas por perdas e ganhos. Ela perdeu
territrios, mas ganhou novos tons culturais. a Melgao que est margem
de uma concepo restrita de Maraj, no entanto a cada dia aprende a viver seu
tempo, ressignificar sua histria a partir da dinamicidade do mundo urbano,
tecnolgico e da especificidade do lugar.
Imagem n 03: Mapa parcial do Maraj das Florestas.
Fonte: Dirio Online/30/06/2013.
No recorte do mapa, visualiza-se o municpio situado na microrregio de
Portel, mesorregio de Maraj, tem uma rea de 6.774 km, limita-se ao norte
com os municpios de Breves e Gurup; ao sul com Portel; a leste com Breves e
Bagre, este ltimo no focalizado na imagem; a oeste com Porto de Moz e
Gurup. Sua sede dista 290 km de Belm, por via fluvial (SARRAF-PACHECO,
2006, p. 12).
Dados do Censo Demogrfico de 2010, apresentam Melgao com 24.808
habitantes distribudos na sede e no espao rural, como demonstra o grfico
abaixo:
11Sarraf-Pacheco (2006) faz opo pelo termo Marajs para enfatizar a pluralidade, diversidadee complexidade que a regio apresenta em seus diversos aspectos.
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agricultura tradicional sem dialogar com as novas tecnologias aeconomia fica frgil, exportando-se pouco e, geralmente, quemexplora essas reas agroextrativistas so empresas estrangeirasou multinacionais. O resultado que vai ficando ali um vazio euma populao pobre.
Na compreenso do historiador, que nesse perodo concedeu uma srie
de entrevistas aos meios de comunicao, preciso considerar dois aspectos: um
endgeno e um exgeno.
No aspecto endgeno a longa histria de Melgao, especialmente depois
de sua emancipao poltica em 1961, foi traada por gestores que assumiram a
administrao pblica com quase nenhuma compreenso de que o bem pblico
no propriedade particular. Por isso, ainda hoje existem resqucios de prticascoronelistas e clientelistas, culminando na escolha de pessoas para os cargos
estratgicos da gesto com pouca escolarizao ou sem relao com a filosofia
daquela pasta.
No aspecto exgeno, o pesquisador assevera que a criao de modelos
nicos para avaliar o desenvolvimento local, desconsidera a importante dimenso
cultural que constitui as prticas humanas em qualquer espao. Muitos projetos
pensados em Braslia, por exemplo, no conseguem se consolidar por
desconhecimento da sociodiversidade regional. Apesar dessas discrepncias,
Sarraf-Pacheco considera que h uma mudana de mentalidade tanto na esfera
municipal, no que tange a escolha de equipes tcnicas qualificadas e
responsabilidades com o gerenciamento dos recursos pblicos, quanto na esfera
federal, no sentido de ouvir as vozes locais e planejar coletivamente algumas
aes.
Ao que tudo indica a analtica elaborada por Sarraf-Pacheco parece ser
esclarecedora, pois em Melgao os moradores, de seu modo sociocultural,
expressaram suas reaes. Entre tais reaes um primeiro grupo, por exemplo,
organizou passeatas e foi s ruas reivindicar da gesto municipal, mudana de
atitude, melhor qualidade de vida e explicaes sobre a situao de calamidade
na educao, sade, saneamento bsico, alm da falta ou atraso na aplicao de
verbas destinadas melhoria da infraestrutura urbana e rural. J um segundo
grupo, formado, especialmente, por polticos locais, intelectuais e poetas
discordou dos critrios de avaliao do IDHM.
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com o apoio do gestore no por mero favor
mas por justia, direitoe com o devido respeito
pois de ningum quero ddeixo ao mundo meu abraode argila e sol. Sou Melgao,
Brasil, Par, Maraj!
O poeta marajoara em sua poesia valoriza a beleza natural de Melgao
para comunicar que o ttulo de pior lugar para se viver, como foi apresentado
pela mdia, foi avaliado somente por dados estatsticos. Os meios de
comunicao desconsideraram as singularidades e subjetividades que os
melgacenses atribuem ao lugar e aos modos de vida. Todavia, isso no diminui a
responsabilidade da gesto pblica em promover o desenvolvimento do municpio
e oferecer condies digna para a populao, no por mero favor, mas por
justia, direito e com devido respeito.
Imagem n 05: Lado Oeste da Orla de Melgao13.
Fonte: Site Cidade Brasil / Estado de Par / Municpio de Melgao Informao geral. Capturada no dia 8 de julho de 2008. Conhecida no dia 7de agosto de 2014.
Se fatores histricos internos precisam ser levados em considerao para
se compreender os caminhos trilhados por Melgao, percepes restritas do
Ministrio da Educao a respeito da realidade marajoara no podem ser
ignoradas. Na primeira dcada do sculo XXI, o municpio foi contemplado com
13Neste registro fotogrfico visualizado um pouco da beleza natural da cidade e neste tempo acidade vive o tradicional festival de vero, principal atrao do ms de frias.
http://www.cidade-brasil.com.br/http://www.cidade-brasil.com.br/estado-para.htmlhttp://www.cidade-brasil.com.br/municipio-melgaco.htmlhttp://www.cidade-brasil.com.br/municipio-melgaco.htmlhttp://www.cidade-brasil.com.br/estado-para.htmlhttp://www.cidade-brasil.com.br/ -
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Prefeitura, a Cmara Municipal, a Junta Militar e a Agencia dos Correios e ainda
danificam os meios de comunicao e gerao de energia eltrica na cidade.
A respeito desse acontecimento histrico, Wilma relembrou com
sentimento de bravura o envolvimento da populao contra as tiranias do
governo.
Ento o povo saiu rua, mostrou que ele capaz de derrubar umgoverno. Eu lembro um pouco da cabanagem16, o povoderrubando o governo, fazendo com que este governo venhatomar novas decises e mudar o seu projeto de governar.Algumas coisas que aconteceram deixaram um pouco de tristeza,porque muitas coisas se perderam como documentao que nofoi retirado nada dos prdios, foi queimado tudo. Diria que um
pouco da histria do povo se perdeu, mas a gente pode construira histria de uma outra forma. Eu me senti como historiadoranesse momento, com a alma lavada, tu entendeste? Porque eu vio processo de crescimento da mentalidade do povo, ele gritandona rua que no aceitava mais ser massacrado, ser enganado, serespoliado. E isso, esse processo aqui no Maraj foi indito,porque nesse perodo, a maioria dos prefeitos estavam passandopor esse processo de corrupo e aqui em Melgao no eradiferente. Quando eu ia Breves eu ficava l em cima, quandoouvia eles falarem: mas o povo de Melgao um povoconsciente, heim! um povo forte, detonou com o governo l,detonou com o prefeito, eu me sentia orgulhosa desse povo, eu
me sentia melgacense, porque eu participei desse processo, eu fuipara rua, eu fui reivindicar, eu fui dizer que eu no queria esseprefeito (ProfessoraWilma 2014).
O municpio viveu de 1993 a 1996 um perodo de crise administrativa.
Malversao do dinheiro pblico, irresponsabilidade administrativa, sucateamento
e atraso do salrio dos servidores municipais, entre outras prticas da gesto
levaram a escndalos que ganharam a grande imprensa paraense.
Boa parte dos anos de 1990 foi, para a histria poltica domunicpio, um tempo de perdas e retrocessos. A chegada depolticos irresponsveis com o uso e aplicao de recursos e benspblicos causou transtornos, dores e revoltas no seio dapopulao (SARRAF-PACHECO, 2013b, p. 14).
16 A Cabanagem foi um movimento social de forte expresso popular que ocorreu no perodoimperial brasileiro, na Provncia do Gro-Par, entre 1835 a 1840. Ele foi formado por fazendeirose comerciantes que pretendiam participar das decises administrativas e polticas da provncia, e,especialmente, por ndios, negros e mestios pobres que estavam descontentes com as duras
condies de trabalho, falta de terra, carncia de moradia, alimentos, entre outras necessidades.Para saber mais, entre a vasta literatura a respeito do assunto, ver: (PINHEIRO, 1998; RICCI,2001; LIMA, 2010).
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atividades, bem como aos objetivos das diferentes etapas e modalidades da
educao bsica, ter como fundamentos (includo pela Lei 12.056, de 2009)17:
I. A presena de slida formao bsica, que propicie oconhecimento dos fundamentos cientficos e sociais de suascompetncias de trabalho.II. A associao entre teoria e prtica, mediante estgiossupervisionados e capacitao em servio (CARNEIRO, 2011. p.452. Destaque da autora).
Nesta dcada, na efervescncia da nova poltica de educao garantida
pela Lei em questo, o professor assume o papel de professor-investigador ou
professor-pesquisador, visa desenvolver articulao entre teoria/prtica,
pesquisa/ensino e reflexo/ao.A poltica educacional de Melgao em desnvel com as exigncias
nacionais, tardiamente investe na formao de professores. Segundo Sarraf-
Pacheco (2012) a precria infraestrutura e a falta de qualificao profissional so
aspectos que contribuem para explicar o porqu dos baixos ndices no rendimento
escolar. Nas palavras do estudioso, no final do governo de Cassimiro Corra
(1997-2000), com Wilma Vilar, uma das professoras migrantes, no cargo de
Secretria Municipal de Educao, que o compromisso com a poltica deformao continuada em Melgao, de modo sistematizado e legal, inicia-se.
As mudanas, contudo, comeam a aparecer no governo de 2001-2008,
quando estiveram frente da educao municipal o professor Agenor Sarraf
Pacheco (2001-2002) e Elias Sarraf Pacheco (2002-2007).
Uma das estratgias politicamente planejadas nas Gestes 2001-2004 e 2005 at janeiro de 2007, foi a criao e efetivao de umconsistente Programa de Educao Continuada de Professores
(PECPROF)18. Tal ao contribuiu para Melgao fazer saltar de25% para 72% o nmero de professores licenciados oulicenciando-se, no perodo de 2000 a 2006 (SARRAF-PACHECO,2012, p. 221).
17Acrescenta pargrafos ao art. 62 da Lei n 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabeleceas diretrizes e bases da educao nacional.18De acordo com Sarraf-Pacheco (2012) atravs deste programa foi possvel firmar convnio coma UEPA e a UFPA por intermdio da Associao dos Municpios do Arquiplago de Maraj(AMAM), apoiar a instalao da Universidade Vale do Acara (UVA) no municpio. Tambm foicriado em 2006, os Seminrios de Oficinas Pedaggicas (SOPs), os quais aconteciam nos meses
de janeiro e julho. Neste mesmo perodo, 2001, aconteceu a concluso do Projeto Gavio II, emconvnio com a Prefeitura Municipal e a implantao da primeira turma na rea de Formao deProfessores em nvel superior pela UEPA em Melgao.
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oportunidade de atualizaes contnuas, preparando-se para enfrentar os novos
desafios de se fazer educao no Maraj das Florestas. Na proposta apresentada
pela Prefeitura Municipal de Melgao Coordenao Geral do PARFOR da
UFPA, Sarraf-Pacheco contextualizou:
Sem desconsiderar os mltiplos aspectos que contribuem para abaixa qualidade da educao bsica no municpio de Melgao,no se pode esquecer que o foco central desta problemticacentra-se na formao inicial do professor. A carncia dedisciplinas pedaggicas no campo da didtica, planejamento deensino, procedimentos pedaggicos, instrumentos de avaliao,prticas de leitura e escrita interdisciplinares, valorizao dahistria e memria local, interferem diretamente na forma comoestes professores ribeirinhos leigos conduzem o processo de
ensino em sua escola (Proposta apresentada ao PARFOR/UFPApela SEMED, 2013, p. 10).
Acompanhar aspectos da trajetria de lutas do povo brasileiro e
melgacense por melhores condies de vida, escolarizao e formao docente,
faz perceber o quanto as populaes locais sem a presena efetiva, responsvel,
democrtica e inclusiva do Estado na conduo das polticas sociais, assim como
a falta de aplicao dos recursos pblicos pelos gestores municipais, no podero
alcanar o gozo de seus direitos humanos e sociais.A formao de uma conscincia poltica em Melgao por parte de ex-
alunos, profissionais liberais, professores e moradores em geral tributria das
sementes que as professoras migrantes comearam a plantar no incio da dcada
de 1980, quando a cidade era constituda por menos de 1.000 habitantes. 30 anos
depois, Wilma, Rosiete, Dilma, Jurema e Ftima continuam envolvidas nas
questes educacionais, polticas, socioculturais e religiosas de Melgao. Se hoje
elas no esto na direo do processo educacional local, as heranas deixadas
por sua forte atuao nessas trs dcadas expressam as marcas de seus
empenhos, dedicaes e contribuies.
1.4. No Leme: as comandantes professoras
As experincias vividas e fortemente marcadas nas memrias das
professoras migrantes s foram possveis porque ousaram deixar a rocha-me etrilhar novos percursos pessoais e profissionais em terra estrangeira.
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Para acompanhar esses percursos, orientada pelo desejo de produzir
leituras cruzadas (SOUZA, 2014), enfrentei os desafios do embarque. Nos rios
vivi angustias, senti alegrias, encontrei obstculos, mas tambm experienciei o
dilogo, orientao, troca de experincias e aprendizagens com comandantes e
marinheiro(a)s que sustentam os desafios de desvendar as trajetrias docentes.
Nesta viagem, ento,
tentarei colocar em foco, navegando por dentro, o perfil e, sepossvel, a fisionomia dos componentes, como tambm adinmica dos labores, os encontros e desencontros, quiconflitos, daqueles que, junto comigo, constroem, paulatinamente,este trabalho (TANUS, 2002, p. 97).
Imagem n 08: As Professoras Migrantes.
Fonte: Arquivo da pesquisasetembro de 2015.
Na condio de comandantes e colaboradoras nessa escrita, todas do
sexo feminino, fizeram o embarque cinco professoras migrantes. Para uma
melhor compreenso de quem segura o comando da embarcao, apresento
resumidamente cada uma delas.
Raimunda Wilma Corra Vilar Brasilnasceu em 30 de agosto de 1952,
em um pequeno vilarejo chamado Marud, pertencente ao municpio de
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Em 1977 quando tinha 17 anos, Jurema recebeu um convite de sua tia
Maria Pacheco para ser professora em sua comunidade, por ser ela, naquele
entorno, a nica pessoa com maior nvel de escolaridade. Essa comandante
comeou ali sua primeira experincia na docncia, apesar de o contrato ter sido
feito no nome de sua me, sem escolarizao, j que ainda era menor de idade.
No exerccio da profisso Jurema vislumbrou novamente a oportunidade
de continuar seus estudos, quando foi convocada pela Secretaria de Educao de
Breves a concluir o 1 Grau e, posteriormente, seguiu para a concluso do 2
Grau em Magistrio.
Em 1982, Jurema recebeu um convite mais ousado, seu padrinho foi
eleito prefeito de Melgao e lhe ofertou o cargo de chefa do setor de educao,mais tarde transformado em Secretria Municipal de Educao. No final desse
ano, ela arrumou sua mala e com toda a sua famlia migrou a Melgao para
comear a construir e viver outras histrias na educao.
Jurema formou-se em Magistrio, licenciou-se em Letras pela UFPA
Campus de Soure e fez trs especializaes: Mtodos e Tcnicas de Ensino
pela Universidade Salgado de Oliveira - (UNIVERSO-RJ), Lngua Portuguesa,
pela PUC-MG e Educao do Campo pela UFPA. Entre 2013 a 2015 realizou omestrado em Artes pela UFPA.
Para completar esse preliminar exerccio cartogrfico de apresentaes
das professoras migrantes, trago para a viagem Maria de Ftima Rodrigues
Alves, comandante que nasceu no dia 13 de maio de 1964, num municpio
chamado Santana do Acara, no Estado do Cear. Seu nome foi escolhido por
sua me em homenagem Nossa Senhora de Ftima.
Quando migrou para o Par junto com a famlia, tinha apenas 08 anos deidade e, at ento, no havia frequentado escola. Segundo Ftima, o motivo da
mudana foi a seca e porque boa parte das famlias de seus pais j tinha migrado
para o Par. Considera que sua infncia em Santana foi divertida, tem viva as
lembranas das brincadeiras que participava na fazenda de seu av materno.
Ao chegar ao Par, Ftima saiu de perto de seus pais e foi morar com um
tio no municpio de Igarap Au, na localidade km 32, e com 08 anos de idade
comeou a frequentar a escola pela primeira vez: era uma escola rural e ali
cursou at a 3 srie. Depois passou um ano sem estudar, por no ter o ensino de
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municipal e estadual trouxe parcela significativa de moradores deoutras cidades vizinhas, a fixarem moradia em territriomelgacense. Esses fenmenos demogrficos esto sendodecisivos na ampliao do quantitativo populacional e nocrescimento da malha espacial urbana.
A mobilidade da populao de um espao para o outro, conforme se ver
na experincia das comandantes no segundo percurso, pode ser compreendida
como um duplo processo: a) convite ao desenraizamento dos modos de viver,
trabalhar e se socializar no antigo espao; e b) convite ao enraizamento com
dinmicas, linguagens, costumes e tradies no novo territrio de habitao.
Obviamente, os lugares so produzidos na interculturalidade dos contatos,
conflitos e acomodaes ao longo do tempo, que se expressa nas prticas que osmigrantes reproduzem nos modos de vida urbano e nas novas incorporaes
apreendidas com o cotidiano da cidade (BHABHA, 2003; HALL, 2003a).
Se na primeira narrativa, Wilma relembrou como era cidade quando l
chegou, agora trago o que pensa no mais como migrante, mas como moradoras
da cidade. A entrevista se fez entre emotividade com voz meio pesada e
empoderamento, ampliando com o uso de vrias metforas para falar de
Melgao.
(Inicia com a voz pesada-emotiva) Hoje, Melgao para mimcomo se fosse uma poesia que est sendo estruturada, a cadaverso sendo criado um novo aspecto. A cada dia eu ouo: ah!Fulano passou no vestibular; ah! Fulano est fazendo ps-graduao, ah! Fulano est fazendo mestrado, doutorado.Melgao para mim um sonho que vai se realizando aos poucose eu me sinto muito feliz de viver em Melgao. Eu vou verMelgao to bonito como eu sempre sonhei, limpinha, cuidada,uma educao para dizer estar l no alto no IDEB, a sadeestar tima. Melgao uma grande poesia em construo a cada
verso, na tristeza, na doena, na falta de amor, s vezes, pelosprprios polticos, mas vem outras pessoas por traz e costura comcoisas bonitas, pessoas que vem de fora e daqui mesmo e vaisuprindo a tristeza com esperana. Eu sou muito esperanosa eantes de morrer vou ver Melgao que idealizei, no so grandescoisas, so pequenas, mas que fazem a mudana, por exemplo,um buraco na rua que algum cuidou, a lixeira que algumcolocou, ruas limpas, povo educado que cuida [...]. Ento,Melgao para mim uma criana que est sendo ensinada. Agoraest faltando pessoas com capacidade para estruturar, conduzir eensinar essa criana a dar passos seguros, no olhar para essaverba e ficar de olhos arregalados para querer o dinheiro que no dele, mas empregar no que tem que empregar e fazer coisasboas. Hoje eu fiquei to feliz! Eu fui l no centro de evangelizao,
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brasileira, escrita por Glria Perez, intitulada Amrica, exibida em 2005 na Rede
Globo.
A autora visou mostrar as estratgias utilizadas pelos brasileiros para
entrar no pas americano, a personagem Sol, principal protagonista, tenta entrar
legalmente, mas inmeras vezes tem o visto negado. Mesmo diante das
dificuldades, ela persiste com a ideia de oferecer famlia uma vida digna e
confortvel, por isso decide seguir por outros caminhos ilegais, como por
exemplo, por meio da ajuda de coyotes, os percursos feitos causaram-lhe muitos
sofrimentos e decepes.
Este um caso fictcio que apresentou uma verso da migrao
internacional, pois fato que outras histrias so vividas no processo migratrio.Assis (2007) socializa em seus estudos informaes desta natureza ao mostrar os
desafios que os migrantes precisaram passar, tanto na travessia, quanto na
relao com as pessoas e com o lugar. Por esse vis afirmou que
No final do sculo XX e incio do sculo XXI, as imagens enotcias de imigrantes sendo barrados em aeroportos, navegando deriva em balsas precrias, atravessando a fronteira do Mxicoe enfrentando os perigos do deserto evidenciam que a circulao
de trabalhadores no mundo globalizado bem mais controlada edramtica do que a circulao de dinheiro, bens ou mesmonegociantes e turistas. No mundo globalizado, os migrantes noconsiderados livres para circular so tratados como ameaa,como questo de segurana nacional (ASSIS, 2007, p. 745).
Os estudos de Lechner (2009) reafirmam a pesquisa de Assis (2007)
quando retrata o estado de ser do migrante, depois de fazer uma travessia de
forma violenta e traumtica. Alm do sofrimento durante o processo da migrao,
ainda enfrenta o desafio da solido pelo corte do lao familiar e da lngua
materna. Tais experincias podem chegar a dissolver a vontade de viver, para
alguns, ou podem estilhaar as existncias, criando verdadeiros estaleiros
biogrficos e identitrios que exigem um herculeano trabalho de reconstruo
(LECHNER, 2009, p. 95).
Contguo ao processo de idas e vindas entre os pases, o Brasil
experimentou deslocamentos entre regies. No sculo XIX, por exemplo, as
chamadas secas do Nordeste e o boom da economia da borracha na Amaznia
trouxeram expressivo nmero de cearenses para os seringais da regio
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(LACERDA, 2010). J sobre o sculo XX, Campos (2011, p. 22) faz um apanhado
acerca da migrao interestadual, ao situar o perodo e os lugares mais
recorrentes.
Na dcada de 1930, foram significativos os processos migratriosdos estados do Nordeste e de Minas Gerais para So Paulo,enquanto os paulistas iam se deslocando para o norte do Paran,que, no perodo de 1930-60, recebeu um processo migratriomuito intenso. Tambm os estados de Gois, Par e Mato Grossopassaram a ser atrao para as migraes camponesas. Nadcada de 1970, o Paran deixa de ser polo atrativo dasmigraes e o estado de Mato Grosso ocupa esse espao.
O processo migratrio que forma as molduras do Brasil revela um pas em
trnsitos, pois assim como recebe os de fora, mesmo seguindo as restries deacolhida, os de dentro esto em constante mobilidade. A presena do Par no
mapa das migraes contemporneas permite dizer que elas so diversas e com
diferentes motivos e rotas. Sem desejar reconstituir os momentos mais fortes
desse processo, em dilogo com Alencar (2010, p. 109) possvel assinalar:
Falar sobre migrao no Estado do Par implica [sic] recomportrajetrias de diferentes grupos sociais que, ao longo de sculos e
em contextos polticos e econmicos distintos, buscaram aAmaznia como lugar de moradia, numa trajetria de migraoque em muitos resultou em morte, na perda de identidades e noretorno ao lugar de origem.
Uma experincia singular migratria viveu o Estado do Amap no final da
dcada de 1990. A Revista Veja de 01/12/1999 noticiou que aquele Estado se
transformou em maior polo de migrao no Brasil, com destaque para paraenses
e maranhenses. Nesse contexto, muitos professores marajoaras, motivados por
melhores salrios e estabilidade funcional, deixaram seus antigos empregos ou
pediram licena sem remunerao e foram viver essa experincia na condio de
professores migrantes.
Quase duas dcadas antes desse processo, sem participar de um
movimento de deslocamentos mais amplos, algumas mulheres de municpios
paraenses, aqui considerados rocha-me, como Marud, Colares, Primavera,
Santa Maria, Portel, Breves, partiram para Melgao, carregando consigo a
esperana de dias melhores em suas vidas a partir da prtica docente.
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1970, planta-se as primeiras sementes do processo educacionalna sede do municpio, de acordo com os comentrios deHermgenes F. dos Santos. No caderno de memrias de seuMamede, essas professoras vieram do municpio de Capanema etodas eram normalistas. As professoras Maria Bezerra da Silva,conhecida pela populao como Jura, assumiu o cargo de diretorada Escola Bertoldo Nunes; Maria Leite Rosas da Silva (Nena) eDelzirene foram lotadas com o cargo de professora.
A histria da educao na cidade de Melgao, aps seu processo de
emancipao em 1961 at meados da dcada de 1990, foi tecida pelas mos de
professoras migrantes. Nos depoimentos recuperados por Sarraf-Pacheco (2006;
2013a) esto vivas as histrias compartilhadas com as primeiras professoras
oriundas de outros lugares que faziam moradia e exerciam a profisso em
Melgao. Umas chegaram cidade para acompanhar a famlia e depois se
tornaram professoras, outras chegaram exclusivamente para o exerccio da
docncia.
Imagem n 14: Escola Estadual Bertoldo Nunes21.
Fonte: Arquivo pessoal da Sr Ana Kelly Amorim.
O processo de migrao de professoras para esse municpio aconteceu
possivelmente em dois distintos momentos. O primeiro ocorreu em 1971 quando
chegaram ali quatro professoras da cidade de Capanema para trabalhar na
21Primeira escola estadual construda na cidade, aps o processo de emancipao poltico vivido
por Melgao em 1961. A imagem foi registrada em 1968, na cerimnia de inaugurao, omunicpio contou com a presena do, ento, Governador do Estado, Alacid Nunes, falecido noltimo dia 05/09/2015.
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somente a questes econmicas e procura do trabalho, mas pela busca de
liberdade e contra a discriminao e excluso social, principalmente com o sexo
feminino. Nessa compreenso, migrar significa uma realizao pessoal, um
desejo de encontro e descoberta de si.
Nesta reflexo, Hanciou (2009, p. 125), por exemplo, partindo da
problematizao de como compreender a trajetria voluntria de imigrantes e
exilados que so empurrados para fora de seu pas e lugar de origem por uma
fora interior, pela necessidade de outra coisa, sem que possam defini -la por
completo, sem entretanto cortar as pontes com o pas de origem, analisa
sentidos do exlio de artistas e escritores que contam sua condio exilar,
conformada por passagens, despaisamento e pertena a vrias culturais (Idem,p. 134).
Tanus (2002, p. 11) em sua pesquisa de doutoramento ao denominar os
interlocutores de heris annimos, os migrantes-professores, ao sarem em
busca de melhores condies de vida, realizam a saga inicitica em busca de si
mesmo. Sem negar a relao migrao-trabalho, semelhante ao que ocorre com
Wilma, Dilma, Rosiete, Jurema e Ftima.
Quando Tanus focaliza melhores condies de vida, sem excluir outrasquestes que proporcionam qualidade de vida, compreendo como enfoque
principal a questo do trabalho, mas um trabalho que proporcione o encontro de
si. Nesta perspectiva, a necessidade de trabalhar orienta a prpria condio
humana.
O trabalho aparece como ponto referencial de encontro e desencontro
com o eu. Sair em busca de trabalho ir em busca de si mesmo . Conquistar a
estabilidade profissional encontrar-se consigo e tornar-se um serverdadeiramente situado na profisso e no meio social em que est inserido.
A busca de si mesmo, fez-me questionar. Ser fugir de um possvel
destino traado por laos familiares? Tal indagao fluiu quando estava fazendo o
cruzamento das narrativas. No dilogo com as professoras migrantes, percebi que
j haviam experimentado, em outros momentos da vida, a sada da rocha-me e
a motivao foi a busca de formao educacional inicial, objetivando livrar-se, no
futuro, de representaes que emolduraram o retrato da me no passado,
conformado nas caractersticas: de ser dona de casa, ter muitos filhos e levar uma
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vida de intenso trabalho domstico, no extrativismo, na agricultura ou na pesca.
Porm, importante enfatizar que todas demonstraram respeito e admirao s
atitudes e coragens das mes em saber enfrentar e superar os desafios e limites
da vida.
Arajo (2014, p. 306) ao trabalhar com histrias de vida de professoras
ribeirinhas analisa que
tornar-se professora exige um profundo mergulho nacomplexidade sociolgica em que a menina se constitui enquantoprofissional da docncia porque esta escolha est imbricada scondies de subjugao s quais as mulheres da Amaznia deum modo geral foram assujeitadas ao longo da sua histria local e
formao escolar deficiente nos interiores da Amaznia.
A inquietude de um desejo traado provocou a espera da oportunidade
para desprender os rizomas e seguir novos percursos. Na esperana do encontro
de si, Wilma, encontrou essa oportunidade quando tinha 18 anos de idade e j era
me do primeiro filho. Depois de alguns anos fora da escola e j envolvida no
trabalho, um convite lhe fez refletir sobre a vida e decidir fazer o primeiro
deslocamento.
Ao ficar grvida, eu continuei no meu comrcio. Quando omeu filho nasceu, eu conheci uma senhora que alugava acasa de minha me, no perodo de frias, o nome dela eraLetcia. No ms de julho, a dona Letcia veio para Marud ealugou a casa, conversou comigo se eu no queria ir paraBelm, se eu no queria continuar meus estudos. Ento eurepensei, olhei para o meu filho, eu queria dar o melhor paraele, porque se eu quisesse ir embora, a minha me ficariacom ele. Assim, desfiz-me do comrcio e fui para Belmmorar com dona Letcia sendo domstica (Professora Wilma2002).
Wilma foi criada por sua me Teodora, seu pai faleceu quando ela tinha 4
anos de idade. Dona Teodora assumiu o comando da famlia, apesar de viver
outros casamentos, mas conduziu precisamente a criao dos 5 filhos. Uma de
suas caractersticas era o poder de deciso e a disposio para o trabalho, j o
pai de Wilma era envolvido na arte do pescar, mas reservava parte do seu tempo
para o hbito da leitura. A comandante expressou que as virtudes dos pais foram
referncias para a sua personalidade.
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2.4. Memrias da Terra Hospedeira: encontros e sentidos
O deslocamento da rocha-me para uma terra no-familiar, seja qual for
a motivao, sempre vai provocar sensaes de encantamento ou
desencantamento no encontro com o outro e com o lugar. A esse respeito Nobre
(2009, p. 105), comenta que
O migrante, quando chega ao lugar determinado, no estcarregado somente de seus pertences materiais, mas apresenta,alm de sua histria de vida uma carga de valores morais eculturais, suas esperanas e vontades, estabelecendo ento umarelao de troca.
Nas bagagens dos migrantes viajam equipamentos materiais e dimenses
ou capitais simblicos, socioculturais, todos so significativos para negociaes e
adaptaes s novas relaes que sero vividas e para a realizao dos projetos
que foram traados para serem materializados naquele lugar.
Nos rastros desse pensamento, a representao do lugar para o que
chega assim descrita por Tanus (2002, p. 80).
Para alguns, os espaos so locais de passagem, andarilhossempre. Para outros, ainda o espao de sobrevivncia, ondeprocuram se integrar ao novo cotidiano a ser vivido e sorvido,muitas vezes, com voracidade. So presos ao encantamento dodesconhecido. De qualquer forma, as mudanas propiciammutaes na viso de mundo, fecham, mas tambm abremhorizontes. Nada fica igual e, no mesmo movimento, modificam-se, sobretudo, as pessoas.
Reflexes de Tanus (2002) motivam problematizar: O que pensam as
professoras migrantes sobre Melgao? Ali um lugar de passagem para elas? Ou
lugar de uma longa parada, porque h trs dcadas aportaram nesse municpio?
Ser um espao somente de sobrevivncia? Ou foram presas ao encantamento
do desconhecido? Que relaes estabeleceram com o lugar? Esses
questionamentos foram respondidos pelas prprias comandantes no transcorrer
de suas narrativas.
Como j foi dito, Melgao foi um acidente de terreno que, na dcada de
1980, Wilma, Dilma, Rosiete e Ftima vieram pela primeira vez plantar em si a
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7/26/2019 Dm - Cartografia de Professoras Migrantes - Versao Final
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