CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeducaç

download CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeducaç

of 84

Transcript of CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeducaç

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    1/84

    CADERNOS DO IASP

    INSTITUTO DE AO SOCIAL DO PARAN

    Curitiba

    2007

    Pensando e Praticando a Socioeducao

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    2/84

    GOVERNO DO ESTADO DO PARAN

    Roberto Requio de Mello e Silva

    Governador do Estado do Paran

    Orlando PessutiVice-Governador

    Rafael IatauroChefe da Casa Civil

    Joo Carlos de Almeida FormighieriDiretor Presidente da Imprensa Oficial do Estado

    Emerson Nerone

    Secretrio de Emprego Trabalho e Promoo Social

    Thelma Alves de OliveiraPresidente do Instituto de Ao Social do Paran

    Laura Keiko Sakai OkamuraDiretora Tcnica do Instituto de Ao Social do Paran

    Sandra MancinoAssessora Tcnica do Instituto de Ao Social do Paran

    Marli Claudete Bonin Castro Alves

    Diretora Administrativo-Financeiro do Instituto de Ao Social do Paran

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    3/84

    CADERNOS DO IASP

    INSTITUTO DE AO SOCIAL DO PARAN

    Curitiba

    2007

    Pensando e Praticando a Socioeducao

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    4/84

    CapaCaroline Novak Laprea

    IlustraesCaroline Novak Laprea

    Projeto Grfico / Diagramao / FinalizaoCaroline Novak Laprea

    RevisoPatrcia Alves de Novaes Garcia

    Snia Virmond

    OrganizaoCristiane Garcez Gomes de S

    IMPRENSA OFICIAL DO PARAN

    Rua dos Funcionrios, 1645

    CEP 80035 050 - Juvev - Curitiba - Paran

    Tel.: 41 3313 3200 - Fax: 41 3313 3279

    www.dioe.pr.gov.br

    IASPInstituto de Ao Social do Paran

    Tel.: (41) 3270 1000www.pr.gov.br/iasp

    CEDCA

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    5/84

    EQUIPE DE SISTEMATIZAO:

    Aline Pedrosa Fioravante

    Maria da Conceio de Lima GomesLaura Keiko Sakai Okamura

    Thelma Alves de Oliveira

    EQUIPE DE COLABORADORES

    DIRETORES DE UNIDADES QUE REPRESENTAM SUAS EQUIPES:

    Amarildo Rodrigues da Silva Pato Branco

    Ana Cludia Padilha Justino Campo MouroAna Marclia P. Nogueira Pinto Cascavel

    Ana Maria Grcia Ponta Grossa

    Cssio Silveira Franco Londrina

    Francesco Serale Curitiba

    Giovana V. Munhoz da Rocha Piraquara

    Jorge Roberto Igarashi Londrina

    Jlio Cesar Botelho - Toledo

    Lilian Lina M. M. Drews Fazenda Rio Grande

    Mariselni Vital Piva CuritibaNilson Domingos Santo Antonio da Platina

    Nivaldo Vieira Loureno Curitiba

    Ricardo Peres da Costa Paranava

    Roberto Bassan Peixoto Foz do Iguau

    Rubiana Almeida da Costa Umuarama

    Solimar de Gouveia Piraquara

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    6/84

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    7/84

    Um cenrio comum das cidades: meninos peram-

    bulando pelas ruas. Antes, apenas nas grandes cidades;

    agora, em qualquer lugarejo. Ontem, cheirando cola;

    hoje, fumando crack. Destruindo seus neurnios e seus

    destinos. Enfrentando os perigos da vida desprotegida.

    Aproximando-se de fatos e atos criminosos. Sofrendo

    a dor do abandono, do fracasso escolar, da exclusosocial, da falta de perspectiva. Vivendo riscos de vida,

    de uma vida de pouco valor, para si e para os outros.

    Ontem, vtimas; hoje, autores de violncia.

    Um cenrio que j se tornou habitual. E, de tanto ser

    repetido, amortece os olhos, endurece coraes, gera a

    indiferena dos acostumados. E, de tanto avolumar-

    se, continua incomodando os inquietos, indignando

    os bons e mobilizando os lutadores.

    Uma mescla de adrenalina e inferno, a passagem rpida

    da invisibilidade social para as primeiras pginas do

    noticirio, do nada para a conquista de um lugar. Um

    triste lugar, um caminho torto; o ccc do crack, da

    cadeia e da cova.

    Assim, grande parte de nossa juventude brasileira, por

    falta de oportunidade, se perde num caminho quase

    sem volta. Reverter essa trajetria o maior desafio da

    atualidade.

    A Palavra da PresideA Palavra da Presidente ]

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    8/84

    Enquanto houver um garoto necessitando de apoio e

    de limite, no deve haver descanso.

    Com a responsabilidade da famlia, com a presena do

    Estado, desenvolvendo polticas pblicas conseqentes,

    e com o apoio da sociedade, ser possvel criar um

    novo tecido social capaz de conter oportunidades de

    cidadania para os nossos meninos e meninas.

    A esperana um dever cvico para com os nossos

    filhos e para com os filhos dos outros.

    A vontade poltica e a determinao incansvel

    do governador Requio, aliadas ao empenho e

    dedicao dos servidores do IASP, compem o cenrio

    institucional de aposta no capital humano, e sustentam

    a estruturao da poltica de ateno ao adolescente

    em conflito com a lei no Paran, como um sinal decrena no futuro.

    nosso desejo que esses cadernos sejam capazes de a-

    poiar os trabalhadores da Rede Socioeducativa do Esta-

    do do Paran, alinhando conceitos, instrumentalizando

    prticas, disseminando conhecimento e mobilizando

    idias e pessoas para que, juntos com os nossos garotos,

    seja traado um novo caminho.

    Com carinho, Thelma

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    9/84

    ApresentaoApresentao ]

    Na gesto 2003-2006, o Governo do Estado do Paran,

    atravs do Instituto de Ao Social do Paran IASP ,

    autarquia vinculada Secretaria de Estado do Emprego

    Trabalho e Promoo Social SETP , realizou um

    diagnstico sobre a situao do atendimento ao adolescente

    que cumpre medida socioeducativa, identificando, dentreos maiores problemas, dficit de vagas; permanncia de

    adolescentes em delegacias pblicas; rede fsica para

    internao inadequada e centralizada com super-lotao

    constante; maioria dos trabalhadores com vnculo

    temporrio; desalinhamento metodolgico entre as

    unidades; ao educativa limitada com programao

    restrita e pouco diversificada e resultados precrios. Combase nessa leitura diagnstica, foi traado um plano de

    ao, que estabeleceu o desafio de consolidar o sistema

    socioeducativo, estruturando, descentralizando e

    qualificando o trabalho de restrio e privao de liberdade

    e apoiando e fortalecendo as medidas em meio aberto.

    Nesse contexto de implementao da poltica de ateno

    ao adolescente em conflito com a lei, algumas aes

    estruturantes esto em processo, tais como a construo

    de cinco novos centros de socioeducao, concurso pblico

    e programa de capacitao dos servidores, reordenamento

    institucional, adequao fsica das unidades existentes e

    oficializao das unidades terceirizadas, dentre outras.

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    10/84

    De todas as aes desenvolvidas, talvez a mais importante

    delas tenha sido a concepo da Proposta Poltico-

    Pedaggica-Institucional, como resultado de um processo

    de estudo, discusso, reflexo sobre a prtica, e registro de

    aprendizado, envolvendo diretores e equipes das unidades

    e da sede, e grupos sistematizadores, com intuito de

    produzir um material didtico-pedaggico servio do

    bom funcionamento das unidades socioeducativas do

    IASP. Assim surgiram dos Cadernos do IASP.

    Esse esforo de produo terico-prtica foi realizadocom a inteno de alinhar conceitos para estabelecer um

    padro referencial de ao educacional a ser alcanado

    em toda a rede socioeducativa de restrio e privao de

    liberdade e que pudesse, tambm, aproximar, do ponto

    de vista metodolgico, os programas em meio aberto,

    criando, assim, a organicidade necessria a um sistema

    socioeducativo do Estado.

    Os contedos presentes nos cadernos do IASP, que refletem

    o aprendizado acumulado da instituio at o momento,

    pretendem expressar a base comum orientadora para a ao

    pedaggica e socioeducacional a ser desenvolvida junto aos

    adolescentes atendidos em nossos Centros de Socioeducao.

    Trata-se, portanto, de uma produo coletiva que contou

    com o empenho e conhecimento dos servidores do IASP,

    e com a aliana inspiradora da contribuio terica dos

    pensadores e educadores referenciais.

    Esperamos que seu uso possa ser to rico e proveitoso

    quanto foi a sua prpria produo!

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    11/84

    Introduo ................................................................................................................ 13

    1. As Bases da Socioeducao .................................................................................... 15

    1.1. Um cenrio de crises ................................................................................ 15

    1.2. A aposta no sujeito ................................................................................... 17

    1.3. A aposta na socioeducao ....................................................................... 19

    1.4. Referncias tericas para uma proposta pedaggica emancipadora ............ 212. A Ao Socioeducativa ........................................................................................... 32

    2.1. Os objetivos da ao socioeducativa ......................................................... 35

    2.2. Ser socioeducador .................................................................................... 37

    3. Fases da Ao Socioeducativa ................................................................................. 41

    3.1. Fase 1: Recepcionar, acolher e integrar o adolescente ................................ 42

    3.1.1. Recepo ....................................................................................... 43

    3.1.2. Acolhida ....................................................................................... 44

    3.1.3. A Integrao .................................................................................. 45

    3.2. Fase 2: Realizar o Estudo do Caso ............................................................ 45

    3.2.1. A definio de equipe de referncia ................................................ 46

    3.2.2. A reunio de informaes para o estudo do caso ............................ 46

    3.2.3. Estudo de caso ............................................................................... 47

    3.3. Fase 3: Elaborar e Desenvolver o Plano Personalizado do Adolescente ...... 47

    3.4. Fase 4: Preparar para o desligamento e a reinsero sociofamiliar . ............. 48

    3.5. Fase 5: Acompanhar a reinsero sociofamiliar . ........................................ 49

    4. Instrumentos Pedaggicos ...................................................................................... 51

    4.1. Estudo de Caso ........................................................................................ 51

    4.2. Plano Personalizado do Adolescente - PPA ............................................... 58

    4.3. Conselho disciplinar ................................................................................ 70

    5. Integrao dos Instrumentos no Processo Socioeducativo ....................................... 77

    Referncias ............................................................................................................... 79

    SumrioSumrio ]

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    12/84

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    13/84

    13

    IntroduoIntroduo ]

    O Estatuto da Criana e do Adolescente dispe que o cumprimen-

    to das medidas socioeducativas para adolescentes que praticaram

    ato infracional deve contemplar objetivos socioeducacionais.

    Tais objetivos devem garantir a esses adolescentes o acesso s

    oportunidades de superao de sua condio de excluso e

    formao de valores positivos para participao na vida social.

    O Instituto de Ao Social do Paran responsvel pela execuo

    das medidas socioeducativas de privao e restrio de liberdade no

    Estado do Paran e, guiando-se pelo princpio supramencionado,

    tem desenvolvido e sistematizado prticas socioeducativas

    construdas coletiva e cotidianamente no interior de seus Centros

    de Socioeducao na perspectiva da ao-reflexo-ao entre o

    saber terico e a prtica experienciada.

    Este caderno tem por objetivo evidenciar as bases tericas e

    apresentar os aspectos metodolgicos e operacionais que

    constituem a proposta poltico-pedaggica da instituio dirigida

    aos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de

    privao e restrio de liberdade no Estado do Paran.

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    14/84

    14

    A proposta poltico-pedaggica parte da compreenso do

    adolescente em conflito com a lei como uma questo que

    congrega temticas e olhares mltiplos, buscando, a partir disso,

    a proposio de prticas que atuem sobre as diversas facetas das

    condies pessoais e sociais da vida destes jovens, para, a partir

    delas, alterar o curso de suas trajetrias de vida.

    Entretanto, nem essas pginas, e tampouco as discusses aqui

    levantadas, esgotam a compreenso e as prticas do trabalho com

    o adolescente em conflito com a lei. Tanto a compreenso como a

    prtica devem ser constantemente aperfeioadas. O sentido delas sevolta para a promoo do desenvolvimento pessoal do adolescente

    e das condies objetivas de seu entorno, para que se d efetividade

    construo e realizao de um novo projeto de vida.]

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    15/84

    15

    1]

    1] As Bases da Socioeducao

    1.1 Um cenrio de crisesAs ltimas dcadas foram o cenrio para grandesmudanas, tanto no campo socioeconmicoe poltico quanto no da cultura, da cinciae da tecnologia. Borges (2005) pondera que,infelizmente, no percurso destas transformaes, ahumanidade est se destruindo por conta da prpriadesumanizao do mundo do trabalho, da injustia social, dafome, da misria, da corrupo, da poluio do meio ambiente e dos

    desmandos polticos de toda ordem.

    Os estudiosos que observam estas transformaes arquitetam diferentesteorias e identificam inmeras causas para estes fenmenos. Entretanto,em meio a embates e conflitos tericos, o ponto pacfico a que todoschegam o de que se trata de um tempo de expectativas, de perplexidadee de crise de concepes e paradigmas.

    Carvalho (1989) resume assim o seu pensamento acerca do mundo atual:

    (...) sem amor, desoxigenante, terminal e incapaz de garantir a

    sociabilidade mnima. Nesse cenrio dilacerador que explodem a

    violncia generalizada, a impotncia social, o descalabro institucional, a

    reproduo ampliada da cultura do narcisismo que, de um lado, aposta na

    desestruturao da sociabilidade e, de outro, investe no curto-circuito da

    auto-preservao desmesuradas (Prefcio, apud Costa, 1989, p. 9).

    No desenrolar desta crise, que inclui transformaes de condutas e devalores sociais, observa-se o surgimento das mais diversas expressesde violncia associadas s mais variadas conjunturas sociais. Ao setratar dessa questo, especificamente no que tange populao juvenil,verifica-se, por um lado, um aumento do envolvimento de jovens emcometimento de atos que infringem a ordem penal, e, por outro, oaumento da gravidade desses atos.

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    16/84

    16

    A seguir, so abordadas algumas consideraes relacionadas aos pontosde contato entre as macro-transformaes sociais, polticas, econmicase as micro-relaes interpessoais, que forjam uma nova forma de ser e

    de conviver em sociedade.

    A importncia de tais consideraes para a questo do adolescente emconflito com a lei est em reconhec-las dentro do processo socioeduca-tivo a ser realizado, uma vez que a ao metodolgica proposta maisadiante pretende uma reorientao da maneira que este adolescente econvive no mundo.

    O ato infracional cometido pelo adolescente revela o contexto de

    violncia e de transgresso do pacto social. Mas, no se deve perder devista que ele faz parte da sociedade e que a condio de cumprimentode uma medida socioeducativa no o exclui de um contexto maior detransformaes sociais. Tal contexto tambm deve ser compreendidopela equipe de trabalho na gnese de seu ato infracional, na forma comoele se relaciona com o mundo e em suas perspectivas futuras.

    Limites (...). A obedincia, o respeito, a disciplina, a retido moral, a

    cidadania, enfim, tudo parece associado a essa metfora. Tudo talvez, mas

    no todos. De fato, quem supostamente carece de limites sempre umacriana ou um adolescente. (...) Lembremos, porm, um fato importante

    e nunca suficientemente enfatizado: os jovens so reflexo da sociedade

    em que vivem, e no de uma tribo de aliengenas misteriosamente

    desembarcada em nosso mundo, com costumes brbaros adquiridos

    no se sabe onde. Se verdade que eles carecem disso que chamamos de

    limites, porque a sociedade como um todo deve estar privada deles (La

    Taille, 2003, p. 11).

    Na busca dos caminhos possveis para a reorientao dos valores,condutas e perspectivas de insero social dos jovens atendidos no sistemasocioeducativo deve-se reconhecer as vinculaes entre as transformaesindividuais pretendidas com as relaes macro-sociais envolvidas.

    Assim, a viso de mundo e de sujeito que pautam as prticassocioeducativas nos Centros de Socioeducao do IASP dialtica e

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    17/84

    17

    interacionista, porque contempla a dinmica das instituies famlia,escola, trabalho, comunidade local, rede de servios de atendimento, etc,ao mesmo tempo em que coloca o foco do trabalho no adolescente, em

    sua subjetividade e objetividade e na construo de um projeto de vida.

    O adolescente deve ser reconhecido como o protagonista deste cenrio.Enquanto ele for visto apenas como um problema ou o problema, serexcludo da possibilidade de canalizar construtivamente suas energiascomo agente de transformao pessoal e social.

    1.2 A aposta no sujeito

    O autor Alain Touraine considera que:

    Nestes novos tempos de mudanas to cleres, os indivduos tm a

    conscincia de que esto desorientados, sem liberdade, incapazes de se

    produzirem a si mesmos, esmagados entre uma cidadania mundial,

    sem responsabilidades, direitos ou deveres e um espao privado e

    ensimesmado, submerso, ele tambm, pelas vagas da cultura mundial

    (Touraine, 1999).

    No passado, tradio e religio determinavam as identidades.Touraine (1999) considera que atualmente as identidades somltiplas e fluidas, como mltiplo e fluido o repertrio deexperincias e pertencimentos.

    Em sua obra Poderemos Viver Juntos?, Touraine (1999) apresentaa idia de que a racionalizao do mundo moderno est reduzindo osindivduos a meros consumidores de produtos econmicos

    e polticos, bem como transformando a subjetividade,enquanto afirmao da identidade e da liberdadeindividual, em uma construo intolerante eirracional.

    H, portanto, uma dissociao entre racionalizaoe subjetivao, e, para recompor este mundo

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    18/84

    18

    dividido, o autor se apia na idia da emancipao do sujeito. Eledefende a possibilidade dessa integrao pela formao de um sujeitocomo um ator com condies de transmitir e perceber significado

    em suas aes.

    O indivduo capaz de encarnar o papel de ator social tem o poder de

    conduzir e transformar as relaes sociais do mundo racional moderno

    mediante sua conscincia, liberdade e criatividade. (1999, p. 230).

    importante ressaltar que a efetivao do sujeito no se realizaindividualmente, mas nas relaes que desenvolve com outros indivduos... o sujeito se constri simultaneamente, pela luta contra os aparelhos

    e pelo respeito do outro como sujeito (p.302).

    Nesse momento, Touraine aponta uma educao de cunho social comocaminho para alcanar a construo do sujeito. De acordo com ele, esteprojeto possibilitaria a integrao entre racionalidade e identidade e,com isso, a mediao entre o Estado e a sociedade civil. Trata-se de ummovimento emancipador do sujeito que, para o autor Antnio CarlosGomes da Costa, est articulado com um projeto de socioeducao quedeve ser construdo no Brasil aliado educao geral e profissional.

    Em sntese, as aes educativas devem exercer uma influncia edificante

    sobre a vida do adolescente, criando condies para que ele cumpra duas

    tarefas bem peculiares dessa fase de sua vida:

    I) plasmar sua identidade, buscando compreender-se e aceitar-se;

    II) construir seu projeto de vida, definindo e trilhando caminhos

    para assumir um lugar na sociedade, assumir um papel na dinmica

    sociocomunitria em que est inserido.

    Tudo isso nos remete a uma concluso vital: assim comoexiste educao geral e educao profissional, deve existir

    socioeducao no Brasil, cuja misso preparar os jovens

    para o convvio social sem quebrar aquelas regras de convivnciaconsideradas como crime ou contraveno no Cdigo Penal de

    Adultos. (Costa, texto 2, p.71).

    ]

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    19/84

    19

    1.3 A aposta na socioeducaoQualquer tipo de educao , por natureza, eminentemente social. Oconceito de socioeducao ou educao social, no entanto, destaca eprivilegia o aprendizado para o convvio social e para o exerccio da

    cidadania. Trata-se de uma proposta que implica em uma nova formado indivduo se relacionar consigo e com o mundo.

    Deve-se compreender que educao social educar para o coletivo, nocoletivo, com o coletivo. uma tarefa que pressupe um projeto socialcompartilhado, em que vrios atores e instituies concorrem para odesenvolvimento e fortalecimento da identidade pessoal, cultural esocial de cada indivduo.

    A socioeducao como prxis pedaggica prope objetivos e critriosmetodolgicos prprios de um trabalho social reflexivo, crtico econstrutivo, mediante processos educativos orientados transformaodas circunstncias que limitam a integrao social, a uma condiodiferenciada de relaes interpessoais, e, por extenso, aspirao poruma maior qualidade de convvio social.

    Cabe assinalar que, de acordo com Antonio Carlos Gomes da Costa, asocioeducao se bifurca, por sua vez, em duas grandes modalidades:

    a) uma, de carter protetivo, voltada para as crianas, jovens eadultos em circunstncias especialmente difceis em razo daameaa ou violao de seus direitos por ao ou omisso da famlia,da sociedade ou do Estado ou at mesmo da sua prpria conduta,o que os leva a se envolver em situaes que implicam em riscopessoal e social;

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    20/84

    20

    b) e outra, voltada especificamente para o trabalho social e educativo,que tem como destinatrios os adolescentes e jovens em conflito coma lei em razo do cometimento de ato infracional.

    Feita esta distino, pode-se falar de uma socioeducao de carterprotetivo e outra de carter socioeducativo. Essa ltima voltada para

    a preparao de adolescentes e jovens para o convviosocial, de forma que atuem como cidados e futurosprofissionais, que no reincidam na prtica de atosinfracionais (crimes e contravenes), e assegurando-

    se, ao mesmo tempo, o respeito aos seus direitosfundamentais e a segurana dos demais cidados.

    Ao dar nfase a esta formao, a socioeducao setorna a tarefa primordial dos Centros de Socioeducao

    para adolescentes em conflito com a lei. O trabalhosocioeducativo, nesse sentido, uma resposta s premissas legais doEstatuto da Criana e do Adolescente, bem como s demandas sociaisdo mundo atual.

    A socioeducao decorre de um pressuposto bsico: o de que o

    desenvolvimento humano deve se dar de forma integral, contemplandotodas as dimenses do ser. A opo por uma educao que vai alm daescolar e profissional est intimamente ligada com uma nova forma depensar e abordar o trabalho com o adolescente.

    Sobre este novo paradigma, o autor Antnio Carlos Gomes da Costa nosprope uma abordagem interdimensional, que envolve o adolescente emsua plenitude, suplantando a abordagem disciplinar ou interdisciplinar.Esta ltima assenta-se na importncia da interveno de diferentes

    disciplinas profissionais (especialidades) sobre o adolescente, enquantoa primeira assenta-se na importncia da manifestao das diferentesdimenses co-constitutivas do ser, como a sensibilidade, a corporeidade,a transcendentalidade, a criatividade, a subjetividade, a afetividade, asociabilidade e a conviviabilidade.

    Isso significa um rompimento com o modelo de pensamento fundado

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    21/84

    21

    na racionalidade moderna e exige dos profissionais que trabalham como adolescente a superao da viso do mundo mecanicista, fragmentadoe histrico.

    A educao interdimensional no trabalho com os adolescentes emconflito com a lei proposta pelo autor Antnio Carlos Gomes da Costaparte do pressuposto de que a educao a comunicao intergeracionaldo humano, envolvendo conhecimentos, sentimentos, crenas, valores,atitudes e habilidades na constante troca entre educador e educando.

    neste sentido que a educao interdimensional um esforo desuperao da tradio da educao logocntrica centrada na razo

    (logos) , atuando em favor de uma viso do educando em sua inteirezae complexidade. Assim, de acordo com este autor, em vez de ter comobase as disciplinas do logos, a educao interdimensional trabalha oeducando, levando em conta seus sentimentos (Pathos), sua corporeidade(Eros), sua espiritualidade (Mythus) e sua razo (Logos).

    1.4. Referncias tericas para uma proposta pedaggica emancipadoraO planejamento da ao socioeducativa a ser desenvolvida exige que

    busquemos os autores que trazem princpios e metodologias capazesde desenvolver as dimenses acima tratadas em adolescentes em gerale, principalmente, que alcancem aqueles que transgrediram a normasocial.

    Entre tantos autores, destacamos: Makarenko, Celestin Freinet, PauloFreire e Antonio Carlos Gomes da Costa. Esses autores possuem

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    22/84

    22

    fundamentos tericos distintos, todavia compartilham a viso demundo, de homem e de educao.

    Como ponto de convergncia, pode-se afirmar que os autores acimacitados, entendem o homem como agente de transformao do mundo,fonte de iniciativa, liberdade e compromisso consigo e com sua

    sociedade: um agente passivo e ativo dasrelaes que estabelece ao longo de suahistria. Tal compreenso exige queos profissionais que trabalham com oadolescente o encarem a partir de suas

    vinculaes histricas e sociais. Dessa forma, no

    se trabalha com o marginal, o bandido, o infrator,mas com um indivduo que, em razo de suascondies e relaes materiais e histricas,cometeu um ato infracional.

    Isso garante que se vislumbre para todos osadolescentes e em todos os momentos de suas vidas

    possibilidades de construir novas relaes com o mundo a sua volta.No h espao para o discurso conformista e passivo, tampouco para o

    discurso que desconsidera os saberes e a capacidade do adolescente setransformar.

    Para estes autores, a educao , portanto, um processo de construoorientado, pelo qual o homem, situado no mundo e com o mundo,concretamente, transforma a si mesmo e o que est em sua volta,tornando-se sujeito de seu prprio destino.

    Finalmente, a construo do homem cidado, capaz de fazer a sua his-

    tria, assumindo um projeto de vida pessoal e social, comprometido comos ideais de sua classe social, pode ser alcanada quando se desvendampara ele a conscincia dos seus direitos e de sua potencialidade comoagente de transformao.

    Com isso, deixa-se registrado, ainda que de uma maneira muitobreve, apontamentos relacionados viso de mundo, de homem e de

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    23/84

    23

    sociedade adotados pelo IASP, como ponto de partida para a construoda compreenso e abordagem metodolgica dirigida ao adolescente emconflito com a lei.

    Na sequncia, so apresentados alguns referenciais tericos dos autoresque contriburam para a formulao da proposta pedaggica voltada aoadolescente em conflito com a lei. As contribuies tericas Makarenko,Freinet, Paulo Freire e Antonio Carlos Gomes da Costa evidenciam queseus projetos poltico-pedaggicos e societrios, quando traduzidos emprincpios, conceitos, mtodos e prticas educacionais, convergem parauma idia de educao humanista e emancipadora.

    Sem desrespeitar a coerncia terico-prtica do conjunto de suasprodues, mas com a inteno de inspirar a ao pedaggicas nasunidades socioeducativas, que se destacam, a seguir, aspectosconsiderados relevantes para o trabalho psico-pedaggico junto aosadolescentes privados de liberdade.

    MAKARENKOO pedagogo russo Anton Makarenko define a educao como umprocesso social de tomada de conscincia de si prprio e do meio que

    nos cerca. Para ele, educar socializar pelo trabalho coletivo em funoda vida comunitria. Uma verdadeira coletividade no despersonalizao homem, antes cria novas condies para o desenvolvimento dapersonalidade.

    Esse educador sovitico, que experimentou a metodologia da Educaopelo Trabalho em Instituio para adolescentes autores de infraopenal, prega:

    [] A educao centrada nos interesses do coletivo, embenefcio de cada um individualmente e de todosos integrantes do grupo de educandos eeducadores;[] O trabalho educativo visto como a essnciada educao e da construo do educandocomprometido com os ideais de sua coletividade.

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    24/84

    24

    Trabalho educativo compreende qualquer atividade queinstrumentaliza o educando para a investigao do mundo; qued a ele condies de superar a dicotomia entre trabalho manual

    x trabalho intelectual, entre o pensar e o fazer; que o estimula adesenvolver todas as suas potencialidades, para que possa atuarem todos os domnios da vida social;[] A participao dos educandos e educadores nos acontecimentospedagogicamente estruturados, tendo em vista objetivos a seremalcanados por cada um em benefcio do coletivo;[] Exigir o mximo possvel do homem, para respeit-lo omximo possvel;[] Apostar positivamente no educando;

    [] Ver o homem como fonte de iniciativa, liberdade ecompromisso consigo mesmo e com o coletivo; como produto eprodutor de relaes sociais regulveis a partir do prprio grupode educandos;[] Valorizar o educador, sua autoridade, suas possibilidades reaise seu compromisso com a construo de homens novos parauma nova sociedade.

    CELESTIN FREINET

    Esse educador francs, nascido em 1897 e falecido em 1966, estevecomprometido com o ensino voltado para as classes populares. considerado o criador da escola moderna, desenvolvendo um movimento

    pedaggico caracterizado por sua dimenso social, pela defesa deuma escola centrada na criana, que vista no como um

    indivduo isolado, mas, fazendo parte de uma comunidade.Sua pedagogia prega:[] A Educao a servio da criana e no a servio dos

    regimes que se sucedem;

    [] A Educao deve acompanhar, no mesmo ritmo, omovimento da sociedade, as necessidades do meio e a

    linguagem do seu tempo;[] O desenvolvimento da criana se processa

    segundo a mais importante das leis danatureza: o TATEAR EXPERIMENTAL(a experincia, a prtica social). A escola

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    25/84

    25

    deve tornar a experincia tateante cada vez mais rica e acelerarsua evoluo com o objetivo de permitir a ascenso mxima doindivduo eficincia social e humanidade;

    [] A escola deve ser um lugar onde os educandos gostem de estar,e no um tormento onde o momento mais importante o recreio,a sada ou a cabulao de aula;[] O mtodo ativo e as tcnicas da pedagogia de Freinet oferecemum conjuto de atividades estruturadas que possibilitam aoeducando acontecer, ser mais, descobrir-se como agentesde pronncia e de transformao do mundo.

    PAULO FREIRE

    O educador brasileiro, reconhecido mundialmente, refere-se a doistipos de pedagogia: a pedagogia dos dominantes, na qual a educaoexiste como prtica da dominao; e a pedagogia do oprimido, comoprtica da liberdade, que coloca o indivduo na posio de sujeito daao transformadora do mundo. O seu pressuposto terico:

    [] Retoma e valoriza a luta dos oprimidos e seu compromissopelas transformaes estruturais capazes de promover a libertaopoltica, a promoo econmica e a emancipao cultural dascamadas sociais destitudas de bens e direitos fundamentais aos

    quais o povo tem direito;[] Exige dos trabalhadores sociais um compromisso radical com onosso povo e, por extenso, com os nossos adolescentes enquantoseres humanos quepodem apresentar umgrande potencial deressocializao;[] A percepo de que a educao como prtica de liberdade problematizadora e s pode acontecer no dilogo educador

    x educando, quando ambos se defrontam diante da opresso eda dominao vinda do opressor e buscam, em comunho, oencontro para pronunciar e recriar o mundo, a sociedade;[] Prope um mtodo de ensino x aprendizagem que parte douniverso que diz respeito realidade do homem e suas relaescom o bairro, com a cidade, com o Estado, com o pas e como mundo, e, nesse contexto, busca a conquista de seus direitos

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    26/84

    26

    fundamentais. Em resumo, o mtodo parte da prtica social deeducandos e educadores, transforma-a para se chegar a uma novaprtica social.

    Para o xito do processo educativo desejado por esse mtodo fundamental:

    [] A Investigao Temtica: quando juntos, educandos eeducadores aprendem e apreendem os modos de pensar e agirdo povo a que pertencem e que est situado em determinadascondies histricas;[] AColaborao: quando os sujeitos da investigao (educandose educadores) se encontram para pronunciar o mundo e sua

    tranformao, e decidem o que pode ser transformado.[] AAdeso: a opo dos educandos e educadores paraa superao das condies de opresso. o momento decompromisso em prol da libertao, de sair da aderncia;[] A Unio: o momento em que educandos e educadores,empenhados no esforo de libertao, se apropriam dos ncleoscentrais de contradies dos temas geradores e decidem pelosinstrumentos que possibilitam o acesso ao conhecimento parapronunciar o mundo e transform-lo;

    [] ASntese Cultural: a codificao da prtica social, agorarenovada e alterada pela ao cultural pedaggica, o que possibilitauma ao crtica, consciente e libertadora.

    Na aplicao do seu mtodo, nos Centros de Socioeducao, sopromovidos acontecimentos pedaggicos que possam influenciar avida dos adolescentes, seja durante sua permanncia no centro ou foradele. A sugesto que toda a comunidade socioeducativa trabalhe comtemas geradores, cuja dinmica permite envolver todos os educadores

    e educandos ao mesmo tempo. Os temas geradores so assuntosextrados da vivncia dos educandos e educadores, com forte significadoemocional, portanto, motivador para as aes educativas.

    ANTNIO CARLOS GOMES DA COSTAEsse educador com vasta experincia no trabalho com adolescentesautores de ato infracional, prope o que denomina de Pedagogia da

    ]

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    27/84

    27

    Presena, como instrumento dofazer educativo junto aosadolescentes em conflito

    com a lei.

    A Pedagogia da PresenaO autor Hebe Tizio considera quetodo vnculo social se assenta sobreum vazio. Esse espao, propcio parao encontro entre pessoas, torna-se porexcelncia um espao para a formaode um vnculo educativo, que se faz

    sempre novo e diferenciado em cada relaoentre educador e educando.

    Engana-se o educador que considera que sua oferta ao adolescente sejasomente de contedos programticos. A verdadeira oferta que faz a dese colocar como ponte para superar esse vazio, permitindo-se alcanara particularidade do sujeito a sua frente, justamente tambm porque sepermite ser alcanado.

    Na Pedagogia da Presena, defendida por Antnio Carlos, pode-sedizer que o vnculo um processo motivado que tem direo e sentido,tratando-se de uma interao de significado profundo e facilitadora detodo o processo. Trata-se de um canal aberto para a aproximao, parao fornecimento de modelos e aprendizagem e para as transformaesalmejadas pelo processo socioeducativo.

    Com a vinculao entre educador e educando, a indiferena deixa deexistir e as pessoas vinculadas passam a pensar, a falar, a referir, a lembrar,

    a identificar, a refletir, a interessar, a complementar, a irritar, a discordar,a admirar, e a sonhar um com o outro ou com o grupo.

    Na opinio do autor Antnio Carlos, a ao socioeducativa voltada parao desenvolvimento de competncias relacionadas a ser e conviver e parao crescimento do adolescente em direo seu desenvolvimento pessoal esocial dever organizar-se em torno de trs prticas bsicas: a docncia,a vivncia e, principalmente, a presena educativa.

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    28/84

    28

    Pela docncia, conhecimentos de diversas naturezas so didaticamenteorganizados e transmitidos aos educandos. Pelasvivncias instrutivas,atravs da passagem por atividades estruturantes, o jovem incorpora

    valores, adquire habilidades e vai assumindo uma nova atitude bsicadiante da vida. Contudo, sem a presena educativa, isto , peloestabelecimento de vnculos humanos de considerao e afeto compessoas do mundo adulto, que atuam na unidade ou programa, somentea docncia e as vivncias resultam pouco produtivas no trabalhodesenvolvido junto ao educando.

    A Pedagogia da Presena, desde que haja vontade sincera de ajuda edisposio interior para tanto, deve ser desenvolvida por parte do

    educador e entendida como o instrumental metodolgico bsico dasocioeducao. Ao se utilizar da relao educador-educando para aimplementao do programa pedaggico, ela abre possibilidades eespaos perenes de aprendizagem.

    Essa pedagogia pautada pela abertura, pela reciprocidade e pelocompromisso dialtico entre educador e educando.

    A aberturarefere-se disposio do educador em doar-se

    emocionalmente, aproximar-se ao mximo do educando, de formacalorosa, emptica e significativa, buscando uma relao de qualidade.

    A reciprocidade a relao estabelecida com sintonia e participaodas duas partes envolvidas. So palavras, gestos, olhares, um bom diaou um sorriso, atos que melhoram a autoconfiana e a auto-estima doeducando.

    O compromisso refere-se ao sentimento de responsabilidade, de zelo,

    cuidado e ateno para com o jovem. o compromisso do educadorapoiar o adolescente no seu projeto de desenvolvimento pessoal e social,ou seja, nas relaes consigo mesmo e com o outro.

    O educador social que adota esses pressupostos em sua ao cotidianarevela no seu fazer uma boa dose de senso prtico com uma aprecivel veiaterica. Ele utiliza-se disso para compor uma dialtica de proximidade

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    29/84

    29

    x distanciamento entre educador e educando como base para sustentaro trabalho socioeducativo.

    a partir disso que o profissional que trabalha com o adolescente vaialm dos aspectos negativos mostrados pelo educando, como impulsosagressivos, revoltas, inibies, intolerncia, alheamento e indiferenacom qualquer tipo de norma. O profissional competente reconheceque a est o pedido de auxlio de algum que, de forma confusa, seprocura e se experimenta num mundo hostil e ininteligvel. Por outrolado, tambm, o educador evita colocar em risco sua ao educativapor meio de manipulaes, chantagem afetiva, apego desmesurado,dependncia descabida.

    Este enfoque da Pedagogia da Presena articula o funcionamentoterico com propostas concretas de organizao das atividadesprticas, determinando as conseqncias para o tipo de jovem que sedeseja formar.

    Trata-se, portanto, de uma pedagogia consciente, dirigida a uma

    finalidade. No basta apenas garantir os direitos fundamentais de abrigo,casa, comida, roupa, remdio, ensino formal, profissionalizao, esporte,lazer e atividades culturais. Essas garantias so bsicas e essenciais; preciso garantir, tambm, relaes interpessoais positivas. Para isso,torna-se necessrio superar os contatos superficiais e efmeros e asintervenes tcnicas puramente objetivas. S a presena pode rompero isolamento profundo do jovem, sem violar seu universo pessoal.

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    30/84

    30

    O professor Antnio Carlos Gomes da Costa explica a necessidade daadoo deste enfoque pelas caractersticas que geralmente os adolescentesem conflito com a lei apresentam. Freqentemente, eles anulam as

    iniciativas e os esforos realizados em seu favor, no reconhecem seusproblemas, tm dificuldade em expressar seus sentimentos e sonhos,rebelam-se e mostram-se agressivos com aqueles que esto mais prxi-mos, em uma tentativa de testar o vnculo desenvolvido. Tambmdesanimam com facilidade dos prprios propsitos, e no raro,se ressentem, caso no haja autenticidade e coerncia entre o que oeducador diz e faz.

    Algum que passa invisvel aos seus familiares, s instituies e polticas

    pblicas, no pode permanecer nesse limbo ao receber uma medidasocioeducativa de internao entende-se a internao como o limitemximo de responsabilizao para um adolescente em nosso sistemade justia. Dar visibilidade ao adolescente e possibilitar que ele prprioconhea aquilo que tem de bom significa responder a uma necessidadepremente e ntima do adolescente em conflito com a lei: a de encontrar-se consigo mesmo para, ento, encontrar-se com os demais. Dessamaneira, o estar presente deve ser uma constante para o desenvolvimentoda personalidade e a insero social do ser humano.

    A Pedagogia da Presena exige disponibilidade e cuidado. No tarefafcil desenvolv-la, mas, definitivamente, uma tarefa crucial para odesenvolvimento pessoal e social do adolescente. Infelizmente, nainternao que o adolescente recebe um olhar, uma ateno cuidadosaque, muitas vezes, lhe foram negados ao longo de toda sua vida. Esta visosugere um novo caminho para a educao dos jovens em dificuldade.

    Ao aceitar e assumir a funo educativa, o educador percebe claramentea singularidade de seu lugar e de seu papel na sociedade.

    Todos os profissionais de um Centro de Socioeducao trazem consigo acapacidade imanente de estabelecer vnculos e desenvolver uma relaopor meio da presena. Assim entendido, todos so agentes de educao:ao mesmo tempo, so os motores que engrenam a ao socioeducativadirigida ao adolescente e as referncias que se devem fazer presentes,adentrando o universo do educando e realizando com ele um novoprojeto de vida.

    ]

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    31/84

    31

    A caminhada do sujeito social o adolescente como protagonistaO exerccio da Pegagogia da Presena se pauta na aceitao da necessidadede participao do adolescente em seu processo socioeducativo. Isso

    significa pensar o adolescente como protagonista da histria que estsendo construda.

    Esta concepo implica em trabalhar os acontecimentos educacionaisnuma perspectiva aberta para o futuro, propiciando aos educandosespaos para, primeiramente, se compreenderem e se aceitarem comoso, para, ento, irem se transformando naquilo que querem ser.

    A ao socioeducativa desenvolvida no sentido de criar situaes

    que permitam ao adolescente manifestar suas potencialidades, suascapacidades e possibilidades concretas de crescimento pessoal e social.O educador deve privilegiar o desenvolvimento da habilidade deponderar situaes, de analisar problemas, de trabalhar em grupo, deplanejar, liderar, tomar decises, avaliar, ser avaliado, de relacionar-secom outros, de atribuir valor s suas decises e, o mais importante,saber ser e conviver, resolvendo os conflitos de forma pacfica.

    Esta ao no desenvolvida visando suprir ou compensar carncias e

    necessidades, ou corrigir desvios e divergncias. A ao no est focadanaquilo que o adolescente no , no sabe, no pensa, no sente, no faz,no tem. Esta segunda forma de abordar o adolescente tende a incapacit-lo e invalid-lo, justificando, por um lado, uma ao assistencial e, poroutro, uma interveno teraputica e at corretiva e punitiva.

    As atividades devem propiciar aos educandos oportunidades deconquistas atravs de pequenos e sucessivos sucessos, e buscar ofortalecimento de atitudes positivas e o estmulo ao reconhecimento do

    esforo pessoal como um valor para vida. Neste processo, importantedesenvolver no educando a capacidade de resistir s adversidades,aproveitando todos os momentos para crescer, para superar-se.

    Como essas realizaes no acontecem de forma unilateral, necessrioque a instituio esteja devidamente aparelhada e seus agentes preparadospara prestar tal ajuda no redirecionamento da trajetria de vida dosadolescentes submetidos s medidas socioeducativas.

    ]

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    32/84

    32

    2]

    2 ] A Ao Socioeducativa

    O que se busca nos Centros de Socioeducao para os adolescentes quel esto um processo de construo, ou reconstruo, de projetos devida reais e possveis de ser realizados, que alterem suas rotas de vida,desatrelando-os da prtica de atos infracionais.

    O adolescente que adentra o mundo da criminalidade acredita terencontrado alguma soluo para os problemas que enfrenta, seja deordem econmica, familiar, social e emocional. Ajud-lo a superaressa condio exige do Centro de Socioeducao a implementao de

    uma proposta pedaggica que lhe d todo o suporte para que descubranovas possibilidades de existir e de encontrar um novo caminho para,gradativamente, resgatar-se como ser-no-mundo e ser-ao-mundo.

    Assim, paulatinamente, ele poder elaborar respostas adequadas aosseus problemas, sem ficar em conflito com a lei.

    Isso posto, ressalta-se uma postura do Estado de no subjugao lgica excludente do mercado. O Estado, de fato, deve responsabilizar-se pela garantia e acesso aos direitos individuais fundamentais, comocondio para o desenvolvimento integral deste cidado em condiesde ser, pensar, conviver e produzir de maneira crtica, responsvel eparticipativa na sociedade.

    A partir desta compreenso do papel do Estado, e com base noresgate terico do captulo anterior, a proposta poltico-pedaggica-

    institucional dos centros defende uma AO EDUCATIVAEMANCIPADORA e HUMANIZADORA, que tem como

    pilares os seguintes pressupostos:[] o espao para a prtica de convivncia;[] vinculao afetiva;

    [] o significado histrico-social do aprendizado;[] o desenvolvimento integral do adolescente.

    A convivncia em grupos dirigida por um trabalho pedaggico bemestruturado garante, como ensina Makarenko, o sentido e o respeito aos

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    33/84

    33

    interesses coletivos. Neste formato de trabalho, h uma troca intensa deexperincias, por meio de uma interao dialgica contnua. Ao longodeste processo, o adolescente vai gradativamente descentrando-se do

    eu e construindo um significado para o ns, a partir dos referenciaistico-pedaggicos que esto postos respeito, igualdade, tolerncia,justia e paz.

    Os referenciais que so oferecidos aos adolescentes pelos grupos com os quaismantiveram vinculao em sua vida pregressa, geralmente relacionam-se violncia, ao desrespeito e lei do mais forte. Eles aprenderam em seusgrupos a agir assim. Um novo modo de ser deve, portanto, necessariamentepassar por uma construo grupal, em que a prpria convivncia seja a

    condutora de um processo de formao de prticas importantes para queo adolescente concretize um novo papel social.

    H que se cuidar para que, no cotidiano, este espao de convivo entre oseducandos e deles com os educadores proporcione o desenvolvimentodessas prticas como o respeito, a empatia, a tolerncia, as prticas decomunicao, de anlise e resoluo de problemas, tomadas de decisese formas de participao social.

    A vinculao educativa outro pilar da ao socioeducativa que expri-me a relao humana com uma finalidade pedaggica. Este fundamentoadquire importncia frente aos vnculos frgeis e instveis que boa partedos adolescentes apresenta com as pessoas e instituies com as quaisteve contato em sua vida.

    Antnio Carlos Gomes da Costa considera que este vnculo s possvelser estabelecido pela presena. Por meio dele, abre-se um canal, quepermite ao educador e educando se conhecerem e crescerem naquilo

    que ambos tm de melhor.

    O significado histrico social do aprendizado o ponto de partidae o ponto de chegada, uma vez que a compreenso do mundo partedo conhecimento acumulado decorrente da insero social do sujeitoe amplia-se com novos conhecimentos instrumentalizando-o para umanova prtica social. Assim, o sujeito-social transforma, ao mesmotempo, a si mesmo e o mundo a sua volta.

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    34/84

    34

    A pedagogia defendida por Paulo Freire ensinaque se aprende aquilo que possui um significadohistrico e social para o indivduo. medida que

    isso acontece, o educando passa a apropriar-se deseu mundo e, com isso, garantir sua autonomia eliberdade, que so justamente a condiode operar no mundo atravs doconhecimento adquirido.

    O aprendizado de quaisquer habilidadesou contedos, sejam eles relacionadosao seu prprio ser, aos contedos

    da escolaridade formal, aos domundo do trabalho, ou ainda, do exercciode sua participao social devem fazer sentido para oadolescente. Este pressuposto da ao socioeducativa tem extremarelevncia, principalmente, porque aponta a direo para a qual otrabalho da unidade deve seguir: primeiramente, para o mundo e paraas experincias do adolescente, para, junto com ele, construir novosconhecimentos.

    O desenvolvimento integral do adolescente pressupe um processode educao em que se toma o indivduo em todas as suas dimenses,suas caractersticas, sua histria, seus sonhos, suas potencialidades. Issosignifica tratar cada educando em sua singularidade, humanidade eparticularidade.

    Sob essa perspectiva, devem ser privilegiadas, cotidianamente, atividadesartsticas, culturais, religiosas, esportivas, recreativas, criativas-laborais,atendimentos psicolgico e social, assistncia mdica, odontolgica.

    Todas estas aes so dirigidas ao socioeducando, como prticasdecorrentes e complementares do propsito superior e comum: odesenvolvimento integral do adolescente para ser e conviver sem entrarem conflito com a lei.

    Parte-se do ponto em que o adolescente se encontra, na sua singulari-dade, de como ele , rumo ao que ele quer ser. Busca-se a transformaode indivduo, para uma pessoa portadora de direitos e deveres e, em

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    35/84

    35

    seguida, para sujeito sociohistrico, ou seja, senhor de sua prpria vidae histria.

    , portanto, a partir dos pressupostos acima elencados que a aosocioeducativa se desenvolve, cabendo ainda ressaltar que, ao longodeste processo, h que se cuidar de desenvolver junto ao adolescente suaidentidade, auto-estima, autoconceito, autoconfiana, viso de futuro,projeto de vida, resilincia e auto-determinao.

    Em sntese, o trabalho com o adolescente deve criar um ambienteeducativo, atmosfera estimulante, situaes estruturantes, um cotidianoorganizado e seguro, tendo como foco principal a tarajetria particular

    de cada educando.

    2.1 Os objetivos da ao socioeducativaO adolescente e a promoo de seu desenvolvimento representam acentralidade da proposta educativa, para onde se voltam todos os setoresda unidade em suas diferentes abordagens e contribuies.

    Cada um dos setores, suas atribuies e especificidades de trabalho, fo-ram apresentados no caderno de Gesto do Centro de Socioeducao.

    Aqui, so apresentados os objetivos gerais da ao socioeducativa paratodos os que trabalham na unidade. Eles se colocam como horizontespara o trabalho realizado em direo ao desenvolvimento pessoal e socialdo adolescente, sendo necessrio que sejam tranformados em planos eaes especficas, conforme as competncias e recursos dos setores.Esses objetivos orientam e direcionam a ao socioeducativa naperspectiva da formao integral do adolescente e da educaointerdimensional:

    1) Ajudar o adolescente a entrar em contato consigo mesmo,favorecendo:[] o fortalecimento da auto-estima e autoconceito;[] o desenvolvimento de habilidades de auto-observao e reflexo;[] a descoberta de suas prprias caractersticas,potencialidades e interesses.

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    36/84

    36

    2) Incentivar o adolescente a enfrentar suas dificuldades,desenvolvendo capacidade de:[] resolver situaes-problema nas atividades propostas;

    [] tomar decises;[] utilizar o dilogo como forma de lidar com conflitos e tomardecises coletivas;[] persistir em seus esforos de enfrentamento de dificuldades.

    3) Analisar com o adolescente as motivaes e conseqnciasde seus padres comportamentais, contemplando tambm osrelacionados prtica do ato infracional.

    4) Buscar a manuteno dos progressos comportamentais doadolescente, oportunizando sua reproduo no maior nmero deambientes possveis.5) Despertar e reforar os valores morais, como o respeito, o valor vida, a tolerncia, a responsabilidade, a igualdade, a justia ea paz, para que passem a ser referenciais no modo de agir doadolescente.

    6) Estimular o adolescente a realizar uma leitura crtica e autnomade si mesmo e do mundo a sua volta.

    7) Acompanhar o adolescente em um processo de conscientizaode sua histria de vida, possibilidades para o futuro e desejo demudana.

    8) Propor no dia-a-dia da unidade situaes e atividades queestimulem e favoream:

    [] a interao, participao e cooperao em grupo;[] o respeito pelas diferenas pessoais e a empatia;[] a conscientizao da importncia das normas para o convviosocial;[] a responsabilizao pelos atos que pratica;[] a possibilidade de resoluo de problemas por meio de umavivncia pacfica;

    ]

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    37/84

    37

    [] a reflexo e o exerccio da cidadania pelo adolescente,preparando-o para a vida em uma sociedade democrtica.

    9) Oferecer condies para que o adolescente possa analisar, e senecessrio, construir novas formas de se relacionar com:[] seus familiares, namorada, parceira ou cnjuge;[] seu grupo de amigos;[] sua comunidade.

    10) Valorizar e/ou ajudar o adolescente a desenvolver:[] a curiosidade e o prazer de aprender;[] a criatividade e a iniciativa;

    [] formas de expresso simblica e artstica;[] o hbito do estudo autnomo, disciplinado e responsvel;[] a percepo do trabalho como meio de transformao social.

    11) Promover atividades especficas dentro e fora da unidade parao desenvolvimento fsico, cognitivo, tico, espiritual, esttico,afetivo e social, de modo que o adolescente:[] adquira o mnimo de habilidades e conhecimentos para operarno mundo com instrumentalidade para realizar seu projeto de

    vida;[] busque alternativas para sobreviver sem entrar em conflitocom a lei;[] valorize suas conquistas e estimule a continuao de seu planode atendimento;[] aproveite as oportunidades de experimentar, pouco a pouco, aliberdade responsvel.

    2.2 Ser socioeducador

    O educador que atua junto a jovens em dificuldade situa-se no fim de

    uma corrente de omisses e transgresses. Sobre seu trabalho recaem as

    falhas da famlia, da sociedade e do Estado. Sua atuao, freqentemente,

    a ltima linha de defesa pessoal e social do seu educando.

    (Costa,2001:17)

    ]

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    38/84

    38

    A educao uma chave, uma chave que abre possibilidades detransformar o homem annimo, sem rosto, naquele que sabe que pode

    escolher, que sujeito participante, da reflexo do mundo e da sua

    prpria histria, assumindo a responsabilidade dos seus atos e asmudanas que fizer acontecer.

    necessrio, por outro lado, que oseducadores desenvolvam a percepo deque o adolescente pode construir novasrelaes consigo mesmo, com o outro e como mundo, a partir de um processo educativoque leva em conta a realidade da populao, e

    da crena de que possvel tomar um rumo novo,mudar o destino, quebrar preconceitos e livrar-se de esteretipos.

    preciso que o educador se distancie, em alguns momentos, para serespectador da prpria prtica, para, ento, perceb-la com um olharmais crtico e menos emocional. Em outros momentos, necessrioinserir-se no meio, fazer parte dele, viver sua realidade, solidarizando-secom ela. Solidarizar-se significa colocar disposio dos jovens todo osaber e bagagem pessoal que possui, buscando, em conjunto, viabilizar

    aes, novas experincias, maneiras diferentes de ver, perceber, agir e serelacionar com o mundo.

    O educador precisa ser um facilitador que ajuda a descobrir caminhos,a pensar alternativas e a revelar significados. No age como condutor,pois num processo de conduo, o outro passivo, segue, obedece.No processo de facilitao, o outro participa e se compromete comas decises.

    O educador precisa ter cuidado para resistir iluso de que pode darao adolescente tudo de que necessita. Para no perder a dimenso darealidade e querer abraar mais do que pode, necessrio ter clareza dasua identidade, da sua funo e do seu papel. Por vezes, preciso serfirme, fazendo intervenes determinadas e especficas. preciso ter ecolocar limites, sem ser brusco, fazendo uso da palavra, relembrandoregras para uma boa convivncia e mostrando as conseqncias de suaao. Isso possvel se souber qual o seu papel.

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    39/84

    39

    Atravs da compreenso e do conhecimento da realidade de vida doadolescente, o educador pode perceber o sentido e o significado de suasaes e atitudes, passando a demonstrar o respeito, confiana e afeto que

    desenvolveu pelo jovem. Tal compreenso propicia o vnculo e permiteque o compromisso entre educador e adolescente se estabelea. Essecompromisso de reciprocidade e empatia, e faz uso do dilogo comoum mtodo de trabalho adequado para o desenvolvimento pessoal esocial do adolescente.

    Isso significa que os educadores devem estar imersos na experinciahistrica e concreta do educando, dando espaos para que, a par-tir de uma inter-relao dialtica de reciprocidade, aos poucos a

    individualidade desse educando adquira contornos. Nesse processo, oprprio adolescente, juntamente com os educadores que o acompanham,passa a refletir e agir sobre suas dificuldades e possibilidades pessoais,face s diferentes questes especficas de sua situao.

    Dessa forma, deve-se criar no dia-a-dia do trabalho dirigido aoseducandos oportunidades concretas, acontecimentos estruturadores eestruturantes, que evidenciem a importncia das normas e limites e desentimentos de tolerncia, paz e justia, ou seja, do conjunto de valores

    ticos e morais sustentveis socialmente. S assim, o educando comeaa comprometer-se consigo e com os outros.

    Essa mudana dentro dos Centros de Socioeducao operada por meiode instrumentais pedaggicos (estudo de caso, plano personalizadode atendimento e conselho disciplinar). Ela , tambm, marcada porfases, que organizam a ao dos setores e dos profissionais que voproporcionar condies para que o prprio adolescente construa umcaminho alternativo no sentido de reorientar suas escolhas e, por

    conseguinte, o rumo de sua vida.

    Papel do socioeducador

    Em sntese, cabe aos profissionais que atuam com o adolescente emconflito com a lei:

    [] Colocar disposio dos jovens o saber e a experincia pessoalque acumulou em sua trajetria de vida;

    ]

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    40/84

    40

    [] Ajudar o adolescente a descobrir caminhos, a pensaralternativas e a revelar significados, colocando-se com facilitadordesse processo;

    [] Estimular e apoiar seu desenvolvimento pessoal e social, criandooportunidades para manifestao de suas potencialidades;[] Conhecer e compreender a realidade de vida do adolescente,respeitando aceitando as diferenas individuais;[] Criar um ambiente de confiana, acolhimento e afeto.[] Conquistar o respeito do adolescente sem recorrer a palavrasofensivas, ironias, sarcasmos, cinismo e desqualificaes;[] Propiciar um ambiente favorvel existncia do individualdentro do coletivo. Cuidar do bem-estar da coletividade, sem

    ameaar a expresso das individualidades;[] Conhecer seus limites e possibilidades, enquanto pessoa eprofissional;[] Estabelecer limites, sem ser brusco, fazendo uso da palavra,relembrando regras para uma boa convivncia e mostrando asconseqncias de sua ao;[] Fazer intervenes determinadas e especficas; ser firme ouchamar a ateno dos adolescentes, sempre que necessrio;[] Perceber e entender a expresso das questes pessoais dos

    adolescentes sob as mais variadas formas;[] Situar-se no plo direcionador da relao educador-educando,tendo clareza de sua funo e competncias;[] Refletir sobre os acontecimentos comuns do dia-a-dia,aprendendo com as prprias vivncias e os prprios erros;[] Apoiar o adolescente no seu projeto de desenvolvimentopessoal e social, ou seja, nas relaes consigomesmo e com o outro.[] Restabelecer a autoconfiana do adoles-

    cente, restituindo-lhe um valor no qual eleprprio j no acreditava;[] Compreender e acolher os sentimentos, asvivncias e as aspiraes do adolescente.

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    41/84

    41

    3]

    3 ] Fases da Ao Socioeducativa

    Nesse captulo, trataremos das prticassocioeducativas, que se organizama partir das fases de atendimentoao adolescente em conflito com a lei,desde o momento de sua entrada no Centrode Socioeducao at o trabalho desenvolvido depois do desligamento,quando se d sua reinsero sociofamiliar.

    Essas fases pretendem demarcar os diversos momentos pelos quais passa

    o adolescente enquanto cumpre sua medida socioeducativa nos Centrosde Socioeducao. Elas estruturam o atendimento e organizam as aesdos personagens envolvidos.

    Vale lembrar que essas fases no possuem um tempo cronolgico defi-nido, principalmente pelo fato de privilegiar o tempo e a participao doadolescente em seu prprio processo socioeducativo. O monitoramentoe o desenvolvimento da evoluo dessas fases, que ser tratada maisadiante, fica a cargo da equipe de referncia do adolescente.

    Um outro ponto a ressaltar o da diferenciao entre a superao ouno das fases nos programas desenvolvidos. A internao, que podedurar de 6 meses a 3 anos, permite o desenvolvimento de todas as fases;o programa de internao provisria, que pode ser cumprida em at 45dias, possibilita que sejam desenvolvidas apenas as fases iniciais.

    Na internao provisria, mais freqente que o trabalho avance

    at a fase 2, da qual resultar o estudo de caso, que enviado aoPoder Judicirio, com as indicaes de encaminhamentos para oprosseguimento do processo socioeducativo, seja no cumprimento deuma medida socioeducativa ou no.

    Cabe destacar que o protagonista de todas as fases o prprio adoles-cente. o seu desenvolvimento que dir para a equipe at onde possvelchegar. O ponto de partida varia, caso a caso, e alguns adolescentes

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    42/84

    42

    apresentam maior prontido e capacidade de respostas, face a outrosmais resistentes, indiferentes ou mesmo limitados nas suas habilidadese competncias pessoais e sociais. De modo que as equipes de trabalho

    devem estar capacitadas para desenvolver plenamente todas as fases dasocioeducao. Isso quer dizer que a equipe do programa de internaoprovisria deve estar preparada para desenvolver as demais fases, seocasionalmente isso for preciso.

    O desenvolvimento dessas fases est intimamente relacionado dinmica de funcionamento do Centro de Socioeducao e s normase procedimentos j pr-estabelecidos. Os profissionais que trabalhamnos Centros de Socioeducao devem, portanto, ter o domnio e

    o conhecimento deles, de modo a adaptar, harmonicamente, asespecificidades de cada caso com a manuteno da ordem e do respeitos normas de funcionamento da instituio.

    3.1 Fase 1: Recepcionar, acolher e integrar o adolescente

    Para se trabalhar uma nova perspectiva de vida com o adolescente emconflito com a lei necessrio primeiramente acolher este adolescente.Para Antnio Carlos Gomes da Costa, o adolescente em situao dedificuldade modifica seu comportamento, e no o contrrio.

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    43/84

    43

    Esta primeira fase do atendimento ao adolescente um momentoextremamente importante no processo socioeducativo pois , emgeral, o primeiro contato dele com a unidade de privao de liberdade.

    Sabemos que esse adolescente possui uma trajetria de vida permeadapela violncia e pela excluso. Nesse sentido a recepo do adolescentena unidade assume um papel relevante para seu desenvolvimentoposterior. importante que a postura do profissional que acolhe oadolescente seja de abertura e continncia, buscando, desde logo, aformao de vnculos positivos com o educando. Partimos do princpiode que todos os setores e profissionais ligados ao atendimento direto do

    jovem, devam estar preparados para acolh-lo.

    A Fase 1 do desenvolvimento do processo socioeducativo se desdobraem trs etapas e aes bsicas:

    3.1.1 Recepo:

    A recepo constitui-se em um conjunto de procedimentosdirecionados para realizar a entrada do adolescente no centro desocioeducao em que cada setor possui atribuies especficas.

    Central de Vagas: entra em contato com a unidade para liberar

    uma vaga.

    Direo: estabelece contatos com a Central de Vagas a fim deprocessar a entrada do adolescente na unidade e agendar o dia ehorrio de chegada;

    Secretaria Tcnica: comunica a todos os setores da unidade sobre achegada do novo integrante, efetua os devidos registros de entrada,abre o pronturio de atendimento, emite os devidos comunicados

    de recebimento do adolescente s autoridades judicirias;

    Administrao/Setor de logstica: guarda os pertences e realizaos devidos registros, prepara e entrega as roupas da unidade,providencia a refeio/lanche, entrega os materiais de higienepessoal e roupas de cama e banho;

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    44/84

    44

    Educadores: orientam o adolescente quanto higiene pessoal,a troca de roupas pessoais, a revista pessoal, os prximosacontecimentos do dia e o encaminhamento para o alojamento;

    Setor de Psicologia/Servio Social: situa o adolescente na unidade;presta todos os esclarecimentos que se fizerem necessrios, realizauma breve entrevista e ou ampara emocionalmente o adolescente;

    Setor de Sade: ouve as possveis queixas, esclarece dvidas, avaliaas condies gerais de sade;

    Setor Pedaggico: apresenta a rotina da unidade, as atividades

    educacionais, insere-o nos grupos de atividades escolares, culturais,religiosas, esportivas, de lazer e profissionalizantes.

    Quando tratar-se de adolescente que foi transferido de outra unidade,todos os setores entram em contato com seus correspondentes paraque possam seguir os procedimentos, tratamentos e atendimentos,partindo do estgio que o adolescente se encontrava, evitando-se,assim, recomear o atendimento do zero.

    3.1.2 Acolhida: A acolhida corresponde a uma etapa queperpassa as demais, iniciando-se nomomento da chegada do adolescente unidade e estendendo-se at sua sada. Nose confunde, portanto, com a recepo, umavez que a transcende, comportando, emespecial, a formao de vnculospositivos entre os agentes

    da ao socioeducativa(educadores e educandos).Trata-se, portanto, daatitude de acolhimento, que a base para a criao devnculos.

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    45/84

    45

    No perodo inicial de acolhimento, o adolescente conhece asnormas e rotinas da casa. Paralelamente, inicia-se tambm umprocesso de autoconhecimento e conhecimento do adolescente

    pela equipe por meio de intensivos atendimentos e entrevistas. Acolher papel de toda equipe. Disso decorre que todos osprofissionais que entrarem em contato com o adolescente devemser capazes de sensibilizar-se com este momento difcil, que oda entrada do adolescente em um estabelecimento de privaode liberdade. O papel do educador compor a sensibilidade dapostura do acolhimento com a disciplina e os limites necessrios permanncia do adolescente na unidade.

    3.1.3 A Integrao:Aos poucos, o adolescente integrado rotina em um processoque ocorre gradativamente, sucedendo ao perodo de inicialde acolhimento. Consiste na tentativa de adaptar o adolescentes rotinas, despertar seu interesse e orientar as suas opes departicipao nas atividades. O adolescente recm-chegado levadoa conhecer todas as atividades oferecidas na unidade (escolarizaoformal, oficinas de produo, atividades desportivas/culturais erecreativas, etc) e o educador deve observar a postura, as reaes,

    o interesse demonstrado, as facilidades e dificuldades, etc. Nessemomento, realizam-se as primeiras avaliaes, sondagens eentrevistas.

    Quando a unidade apresentar divises internas, o adolescentedever ser inserido em uma ala ou alojamento determinados. Issorequer uma anlise preliminar por parte da equipe sobre o caso doadolescente para que sua integrao seja bem sucedida.

    3.2 Fase 2: Realizar o Estudo de CasoEste o momento de preparar e realizar o estudo do caso doadolescente processo extremamente importante, que envolve, emseu desenvolvimento, todos os setores da unidade. Desdobra-se em trsetapas principais e nas aes detalhadas pelos diagramas.

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    46/84

    46

    3.2.1 A definio de equipe de referncia

    A partir dos contatos e vnculos estabelecidos entre o adolescente e aequipe, comea a ser definida a equipe de referncia do adolescenteque ser responsvel pela conduo e acompanhamento de seuprocesso socioeducativo.

    3.2.2 A reunio de informaes para o estudo de casoNeste momento, aprofunda-se o conhecimento sobre o adolescenteem sua singularidade, atravs de avaliaes psicolgica, social,pedaggica, jurdica e de sade (fsica e mental).

    Cada profissional, a partir de seus instrumentais especficos, buscacada vez mais conhecer o adolescente, o que pode ser feito atravsdas seguintes aes:

    [] Visitas familia e comarca do adolescente;[] Estudo e anlise do processo judicial;[] Avaliaes pedaggicas e de sade;[] Atendimentos individuais e em grupos;[] Observaes diretas do comportamento do adolescente;[] Entrevistas;[] Sondagem de aptides e interesses.

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    47/84

    47

    3.2.3 Estudo de Caso

    A partir da reunio destas informaes se processa o estudo decaso, cujo detalhamento ser tratado no captulo seguinte.No estudo de caso sero sistematizadas as informaes referentes ao

    contexto sociofamiliar de origem do adolescente, as circunstnciasda prtica do ato infracional, suas aptides, habilidades, interesses emotivaes, suas caractersticas pessoais e condies para superaodas suas dificuldades.

    3.3 Fase 3: Elaborar e Desenvolver o Plano Personalizado do

    Adolescente a fase em que o Plano Personalizado do Adolescente elaborado e

    realizado. Estamos tratando de um momento especial para a concretizaode umas das principais finalidades da proposta socioeducativa a deque o adolescente efetive, ao longo de seu processo socioeducativo, umprojeto de vida voltado para seu desenvolvimento individual e pessoal.

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    48/84

    48

    A elaborao e o encaminhamento do PPA sero retomados em maiordetalhamento no captulo seguinte.

    3.4 Fase 4: Preparar para o desligamento e a reinsero sociofamiliarEsta fase o momento em que o adolescente conquistou vrias metasde seu PPA e comea a exaurir o trabalho socioeducativo dentro da

    unidade. Pela demonstrao de seu compromisso, autocontrole,autodeterminao e pela concluso de vrias metas estabelecidas, oadolescente entra em uma fase em que deve comear a ser preparadopara realizar esta experincia com sucesso em meio aberto.

    A equipe que acompanha o adolescente deve voltar seu olhar com maisateno para as condies que o adolescente vivenciar a partir de seudesligamento. sobre elas que o trabalho passa a se concentrar, seguindoa lgica de potencializao das condies favorveis e minimizao das

    condies que prejudicariam o prosseguimento do projeto de vidatraado pelo adolescente.

    A articulao com a famlia, com a comunidade e com a rede deapoio deve ser ainda mais intensificada. Ao mesmo tempo que oadolescente preparado e se esfora para sair em liberdade por meio dodesenvolvimento de um processo socioeducativo bem encaminhado, o

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    49/84

    49

    meio externo tambm deve ser intensamente preparado para recebernovamente o adolescente.

    A importncia deste passo est em garantir que o trabalho desenvolvidono seja perdido pela fora contrria das antigas companhias, do abuso desubstncias qumicas, da negligncia familiar, material e afetiva, da faltade oportunidades, do preconceito, da dificuldade de acesso s polticaspblicas, etc. Enfim, impretervel que se trabalhe articuladamentepara que aquelas condies que influenciaram o adolescente a cometeratos infracionais sejam superadas.

    3.5 Fase 5: Acompanhar a reinsero sociofamiliarEsta fase refere-se ao acompanhamento de egresso, que desenvolvidotendo como base o PPA, elaborado durante a internao. Todavia, o PPAdeve ser adequado realidade que o adolescente passa a experimentar aoconquistar a liberdade.

    O acompanhamento do egresso deve ser realizado pela equipe doCentro de Socioeducao, em parceria com a rede local, quando nohouver programa especfico para este atendimento. O mesmo deverocorrer quando o adolescente for desligado pelo juiz, sem a aplicaode uma outra medida socioeducativa, como a semiliberdade, liberdadeassistida e prestao de servios comunidade.

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    50/84

    50

    Este atendimento aos egressos deve monitorar principalmente osaspectos relacionados famlia, s relaes afetivas, escolarizao, qualificao profissional e insero no mundo do trabalho, alm de

    questes relacionadas sade e qualidade de vida.

    A prtica tem apontado que o acompanhamento do egresso um desafio,e, ao mesmo tempo, a soluo para a diminuio da reincidncia em

    atos infracionais, da perpetuao da situao de excluso social e at daocorrncia de bitos de adolescentes ameaados pelo mundo do crime.

    Vale ressaltar que o sucesso do acompanhamento do egresso dependediretamente da existncia de uma rede de apoio articulada em cadamunicpio e em cada comunidade, que dar sustentao ao processo deincluso social do adolescente num novo padro de convvio.

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    51/84

    51

    4]

    4 ] Instrumentos Pedaggicos

    At esse momento, discutiu-se sobre a forma de olhar e abordar oadolescente, para onde caminhar e qual o roteiro desse percurso,ao longo de seu processo socioeducativo. A pergunta que se tentarresponder, a partir de agora, a de como realizar esta tarefa.O profissional que trabalha em um Centro de Socioeducao deveconhecer e utilizar os seguintes instrumentais pedaggicos: estudode caso, plano personalizado do adolescente (PPA) e conselhodisciplinar (CD). A partir do caminho que esses instrumentospossibilitam desenhar que se conduz, no dia-a-dia, a ao socioeducativa

    junto ao adolescente em conflito com a lei.

    Cada setor da unidade aborda um aspecto do atendimento aoadolescente, seja o da alimentao, da segurana, da escolarizao, etc.Esses setores funcionam de forma integrada e articulada, mantendoo adolescente como foco do trabalho. Em relao a esse ponto,cabe destacar que o estudo de caso, o PPA e o conselho disciplinarconstituem-se, legitimamente, nesses espaos facilitadores para areflexo, discusso e tomadas de decises. Tudo isso necessrio para se

    operar o atendimento bem sucedido caso a caso, e, como consequncia,garantir o bom andamento da dinmica de funcionamento do Centrode Socioeducao.

    4.1 Estudo de caso:O foco do estudo de caso o prprio adolescente, a sua histria, as suascaractersticas, os afetos e desafetos, os encontros e os desencontros,as rivalidades, os envolvimentos na prtica de atos infracionais quemarcaram sua vida. Todos esses aspectos se constituem no ponto departida e no ponto de chegada de todas as aes socioeducativas.

    De acordo com o artigo 94 do Estatuto da Criana e do Adolescente,inciso XIII, obrigao de todas as entidades que desenvolvem programasde internao, proceder a estudo social e pessoal de cada caso.

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    52/84

    52

    O estudo de caso um mtodo de anlise qualitativa usado como meiode organizar dados, preservando o carter unitrio do objeto estudado.Pode ser descrito como a convergncia de informaes, de vivncias e de

    trocas de experincias que, partindo da percepo de cada socioeducador,vinculado ao adolescente, conduz a uma compreenso mais clara domundo subjetivo e objetivo deste, de suas necessidades e potencialidades,tomadas sob o contexto de sua realidade pessoal e social.

    O estudo de caso o compilamento de informaes originadas de diversasfontes (sejam elas coletadas dentro da unidade ou no meio externo). Eleresgata a histria pessoal do adolescente, que foi construda e configuradaa partir das relaes que este estabeleceu ao longo de sua vida.

    Esse estudo permite que o educador observe, entenda, analise edescreva uma determinada situao real, adquirindo conhecimento eexperincia que podem ser teis na tomada de deciso frente a outrassituaes. um mtodo de investigao que implica num grandeenvolvimento do profissional e que inclui, como etapas, a coleta deinformaes e o seu processamento.

    um tipo especial de observao, na qual o educador deixa de ser

    um membro passivo e pode assumir vrios papis na situao docaso em estudo, participando e influenciando os eventos que estosendo analisados. Seja colocando limites, atuando na sala de aula, ementrevistas e atendimento psicossocial, ou servindo as refeies, oseducadores devem entender que cada oportunidade significativa paraaproximar-se, conhecer e desenvolver uma relao de confiana comeste adolescente.

    Os dados a serem coletados, alm da histria pregressa do adolescente,

    compreendem tudo o que ele faz, sente, verbaliza, gesticula, seucomportamento ao longo do dia e nas diversas oportunidades educativasexistentes na unidade. Todos esses aspectos devem ser objeto da constanteobservao do educador. O processamento das informaes se d apartir da integrao de dados provenientes dos diversos profissionaisenvolvidos no caso do adolescente, cuidando-se para que no haja oenquadramento do adolescente em parmetros especficos de algumas

    ]

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    53/84

    53

    cincias, reduzindo, assim, as esferas constituintes da vida do adolescenteem apenas uma dimenso. , nesse sentido, que o trabalho se apoia nopressuposto de uma abordagem interdimensional, pois busca compor

    uma viso integral e integrada do adolescente.

    Quais so os objetivos do estudo de caso?

    O estudo de caso tem dois objetivos principais:

    a) Na internao provisria, objetiva-se levantar e reunir todas asinformaes possveis sobre o caso estudado, principalmente emrelao aos dados processuais, ao histrico infracional, s circunstncias

    relacionadas ao ato infracional praticado, s condies socioeconmicas,familiares, de escolarizao e de possibilidades de insero social. Estesdados devem ser organizados em um relatrio para o judicirio e para aprxima equipe (seja de medida socioeducativa, protetiva ou orientao prpria famlia) que for acompanhar o adolescente, constituindo-seem subsdio para o prosseguimento do trabalho iniciado.

    b) Na internao, o estudo de caso aprofundado, passando a conterinformaes sobre as caractersticas pessoais do adolescente, suas

    aptides, sentimentos, sonhos, ideais. Assim, passa tambm a ter outroobjetivo: o direcionamento das condies que favorecero um maioraproveitamento da proposta socioeducativa durante o tempo em que oadolescente estiver internado.

    Por fim, o processo de discusso que se d entre o profissional e oadolescente durante a elaborao do estudo de caso possibilita que oadolescente compreenda suas dificuldades e possibilidades pessoais, aslimitaes da instituio e as condies polticas e sociais da sociedade

    a qual pertence.

    Quem realiza o estudo de caso?

    O estudo de caso realizado por profissionais de todos os setoresda unidade, uma vez que em cada espao e com cada funcionrio oadolescente pode revelar um aspecto diferente de si mesmo, comportar-se distintamente. Desta maneira, fica mais fcil conhecer o adolescente

    ]

    ]

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    54/84

    54

    por inteiro e tornar o estudo de caso menos suscetvel a avaliaes,interpretaes pessoais e projees individuais.

    Cada profissional tem um foco de estudo e contribui com informaesrelacionadas sua funo. Mas todos, pelo vnculo que desenvolveramcom o adolescente, tero muito mais que informaes para partilhardo que aquelas de roteiros de entrevistas, relatrios e avaliaes, poistero tido acesso ao ser, ao pensar, ao reagir, forma do adolescente secomportar diante de seus olhos.

    A regra principal para a composio da equipe de estudo de caso o respeito aos vnculos de afinidade e empatia que profissionais e

    adolescente desenvolvem, desde o momento da acolhida. Este princpiogarante ao adolescente confiana e compromisso com sua equipe dereferncia; ele se sentir amparado e entendido por estas pessoas.

    Em relao a alguns profissionais (em sua maioria, tcnicos), muitasvezes, no h condies de esperar o vnculo se fortalecer para dar incioao levantamento de dados. A conseqncia disso a determinaoaleatria da equipe tcnica para o caso. Esses tcnicos de refernciaassumem a realizao do estudo de caso. A mudana de tcnico s

    dever ocorrer se a relao com o adolescente estiver prejudicada.

    aconselhvel que oprprio adolescente indiquequais pessoas comporo sua

    equipe, devendo-se somenteorganizar esta escolha para

    que alguns profissionais daunidade no fiquem sobre-

    carregados com muitos casos.

    Quando realizar o estudo de

    caso?

    O estudo de caso um instrumentoque pode ser usado a qualquer

    momento, durante o perodode internao do adolescente,

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    55/84

    55

    porm, existem alguns momentos especficos em que se faz suarealizao, aprofundamento ou retomada:

    [] assim que o adolescente chegar unidade e os profissionaisobtiverem as primeiras informaes, dever ser realizado umestudo de caso preliminar, para que a equipe construa umaprimeira impresso do adolescente e decida como encaminhar asua integrao comunidade socioeducativa;[] quando o adolescente passa a ter uma vivncia dentro daunidade e a equipe, ao aprofundar sua relao com o adolescente,consegue visualizar sua subjetividade, seus sonhos e os possveiscaminhos que podem ser oferecidos a ele. Neste momento,

    o estudo de caso realizado pela equipe com a finalidade deintroduzir a construo do plano personalizado do adolescente;[] deve ser retomado nos momentos em que o adolescenteencontrar dificuldades em seu processo socioeducativo ou quandofor necessria a reviso do plano personalizado do adolescente.

    Como se realiza o estudo de caso?

    necessrio que a equipe encontre espaos na rotina diria daunidade para reunir-se e discutir o caso. Nessas reunies, cada

    profissional apresenta suas informaes sobre o adolescente emquesto, dividindo e construindo, conjuntamente, uma nova sntesea partir das anlises apresentadas.

    Sugere-se que cada componente da equipe traga as informaes queso pertinentes a sua rea de atuao, podendo, assim, expor commais propriedade a observao realizada. Vale lembrar novamente queo foco desse trabalho no a abordagem disciplinar, mas o adolescente,captado em seus mais variados ngulos por cada olhar que sobre ele se

    debruou. Com isso, a equipe poder ver surgir um novo adolescente,para o qual torna-se possvel formular alternativas de intervenoadequadas quela singularidade.

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    56/84

    56

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    57/84

    57

    Deve-se evitar o estabelecimento de hierarquia ou a prevalncia deum saber sobre outro. Por meio do dilogo, da postura democrticae participativa, busca-se a integrao dos encaminhamentos que sero

    dados ao caso.

    As diferenas de opinio sobre o caso so comuns e podem serbenficas, desde que a equipe saiba aproveit-las para enriquecer oestudo. Todavia, importante que se estabelea um consenso sobre osencaminhamentos a serem dados. Isso condio para que o trabalhode todos se concentre no mesmo sentido e direo, diminuindo-se,tambm, a possibilidade de manipulaes, caso o adolescente detectedivergncias de postura na equipe.

    Ao final do estudo, a equipe deve ter um caminho para o caso. Por vezes,o prprio adolescente j aponta alguns; em outras, cabe equipe ajud-lo a enxergar quais sero eles. O principal que se chegue a uma visoo mais abrangente possvel dos limites e possibilidades do adolescente.Explicita-se em quais aspectos o adolescente pode melhorar e comofaz-lo. Principalmente, deve-se evidenciar quais so suas qualidades epotencialidades essas sero sua fora nesta caminhada.

    Quando o estudo de caso de preparao para o PPA est sendo realizado, aconselhvel que j sejam formuladas algumas propostas com asinformaes levantadas, para serem avaliadas pelo prprio adolescente.Desse estudo de caso, surge o embrio do PPA e a possibilidade de umanova trajetria de vida para o adolescente.

    Um ponto importante ainda a ser lembrado na realizao de umestudo de caso refere-se ao sigilo das informaes. Existe um contratoexplcito de sigilo sobre as informaes discutidas, o qual fortalecido

    pelo compromisso tcito que toda a equipe tem com o adolescente. Oadolescente deve ser avisado pela equipe que seu caso ser discutido,com inteno de buscar a melhor forma de ajud-lo. Com o trabalhoat ento desenvolvido e as relaes de confiana bem estabelecidas,o adolescente no colocar resistncia a esta reunio porque entendeque ela antecede seu plano personalizado e, conseqentemente, astransformaes que deseja operar em sua prpria vida.

    ]

  • 8/3/2019 CADERNOS DO IASP. Pensando e praticando a socioeduca

    58/84

    58

    As informaes de foro ntimo sem importncia no devem serpublicizadas. Todos os que esto reunidos para o estudo de caso deum adolescente s o esto fazendo porque este os escolheu para

    confiar e para ter como modelo. Assim, esta equipe ntima, direta eseguramente responsvel pelo processo socioeducativo do adolescente.Ela deve, portanto, ter clareza do papel que esta responsabilidade lhetraz, atuando com profissionalismo, e, sobretudo, com compromisso erespeito confiana depositada.

    4.2 Plano Personalizado do Adolescente - PPAO Estatuto da Criana e do Adolescente dispe em seu artigo 94, inciso3, que dentre as obrigaes das entidades que desenvolvem programas

    de internao, est o atendimento personalizado, em pequenasunidades e grupos reduzidos.

    O