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1 ABORDAGEM SOCIO-ECONÓMICA DE UMA ACTIVIDADE PESQUEIRA A ARTE DA GANCHORRA, NO ALGARVE E NO CENTRO-NORTE DE PORTUGAL. Rui J. Lopes 1,2* , Agostinho S. Rosa 1,2 , Luís Coelho 2 , Manuela Oliveira 3 , Miguel B. Gaspar 4 1 University of Évora, Departament of Economics, Largo dos Colegiais, 2, 7000-803 Évora, Portugal 2 CEFAGE-UE, Center for Advanced Studies in Management and Economics, University of Évora, Largo dos Colegiais, 2, 7000-803 Évora, Portugal. 3 Instituto Nacional de Recursos Biológicos, I.P./ IPIMAR, Av. de Brasília, 1449-006 Lisboa, Portugal. 4 Instituto Nacional de Recursos Biológicos, I.P./ IPIMAR, Av. 5 de Outubro, 8700-305 Olhão, Portugal. *Corresponding author, e-mail: [email protected]. RESUMO Este trabalho consiste numa análise socio-económica da actividade pesqueira com a arte da Ganchorra, no Algarve e no Centro-Norte de Portugal. A comunidade pesqueira está solidamente associada a toda a população, que vive predominantemente da economia local. A pesca sustenta cada vez mais um sentido ambiental na medida em que a exploração económica deste recurso natural renovável surge conjugada também com o turismo, uma das fontes de rendimento das zonas litorais A protecção dos recursos piscícolas e de outras espécies marítimas é um imperativo social e ambiental, constituindo um património natural, social e cultural. De forma geral observamos, em povoações costeiras, uma integração ancestral das comunidades pesqueiras no envolvimento das outras comunidades, embora a Política Comum de Pescas venha a desgastar progressivamente esta ligação. As constantes inovações técnicas provocam um excesso de pesca com efeitos prejudiciais na pesca artesanal e no emprego. Neste sector, a oferta de trabalho aparece superior à procura, com a agravante de existirem poucas ocupações alternativas. Tal desequilíbrio no mercado de trabalho pode causar sérias consequências sociais. No sentido de encontrarmos informações mais próximas da realidade, efectuámos entrevistas e contactos pessoais com pescadores e patrões de embarcações de pesca. A nossa análise é fundamentada nos resultados práticos desta metodologia.

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ABORDAGEM SOCIO-ECONÓMICA DE UMA ACTIVIDADE PESQUEIRA

A ARTE DA GANCHORRA, NO ALGARVE E NO CENTRO-NORTE DE PORTUGAL.

Rui J. Lopes1,2*, Agostinho S. Rosa1,2, Luís Coelho2, Manuela Oliveira3, Miguel B.

Gaspar4 1 University of Évora, Departament of Economics, Largo dos Colegiais, 2, 7000-803 Évora, Portugal 2 CEFAGE-UE, Center for Advanced Studies in Management and Economics, University of Évora, Largo dos Colegiais, 2, 7000-803 Évora, Portugal. 3 Instituto Nacional de Recursos Biológicos, I.P./ IPIMAR, Av. de Brasília, 1449-006 Lisboa, Portugal. 4 Instituto Nacional de Recursos Biológicos, I.P./ IPIMAR, Av. 5 de Outubro, 8700-305 Olhão, Portugal. *Corresponding author, e-mail: [email protected].

RESUMO

Este trabalho consiste numa análise socio-económica da actividade pesqueira com a arte

da Ganchorra, no Algarve e no Centro-Norte de Portugal.

A comunidade pesqueira está solidamente associada a toda a população, que vive

predominantemente da economia local. A pesca sustenta cada vez mais um sentido

ambiental na medida em que a exploração económica deste recurso natural renovável

surge conjugada também com o turismo, uma das fontes de rendimento das zonas

litorais

A protecção dos recursos piscícolas e de outras espécies marítimas é um imperativo

social e ambiental, constituindo um património natural, social e cultural.

De forma geral observamos, em povoações costeiras, uma integração ancestral das

comunidades pesqueiras no envolvimento das outras comunidades, embora a Política

Comum de Pescas venha a desgastar progressivamente esta ligação.

As constantes inovações técnicas provocam um excesso de pesca com efeitos

prejudiciais na pesca artesanal e no emprego. Neste sector, a oferta de trabalho aparece

superior à procura, com a agravante de existirem poucas ocupações alternativas. Tal

desequilíbrio no mercado de trabalho pode causar sérias consequências sociais.

No sentido de encontrarmos informações mais próximas da realidade, efectuámos

entrevistas e contactos pessoais com pescadores e patrões de embarcações de pesca. A

nossa análise é fundamentada nos resultados práticos desta metodologia.

2

As nossas conclusões poderão servir de ajuda a uma tomada de decisões respeitante à

preservação de ecosistemas litorais e do ambiente. Pretendem também ajudar a uma

tomada de consciência colectiva por parte do sector das pescas costeiras, através

nomeadamente de experiências nacionais e internacionais Procuramos, por fim,

contribuir para o desenvolvimento social e económico dos pescadores e da qualidade de

vida das suas famílias

I – APRESENTAÇÃO

Iniciamos com uma INTRODUÇÃO (Secção II), seguida do conjunto de regras e da

lógica do raciocínio utilizados no estudo, isto é, a METODOLOGIA (Secção III).

Teremos depois ANÁLISES SOCIO-ECONÓMICO-AMBIENTAIS ( Secção IV), e

exporemos, no final, as CONCLUSÕES (Secção V).

II - INTRODUÇÃO

As pescas costeiras e artesanais estão profundamente ligadas à população, à sociedade e

à economia locais, podendo ser o contacto com mestres e pescadores personalizado, de

teor académico, restrito e de certo modo confidencial .

Dos aspectos desenvolvidos podemos destacar;

- distribuição, abundância, biologia e dinâmica dos recursos

- artes, métodos e embarcações de pesca

- análises sócio-económicas, em colaboração com o sector

Estudamos exemplos em Portugal, pretendendo situar-nos mais naquele último tema,

nos campos económicos e sociais., sendo complementada por aspectos biológicos.

Verificaram-se no entanto, na prática, dificuldades e obstáculos tendo como intenção

esta análise sócio-económica. Salientamos dois:

( i ) O acesso a estatísticas, a números, fez-se através dos Sindicatos, das Capitanias, da

Direcção Geral das Pescas e mesmo do Instituto de Emprego e de Formação

Profissional. Posteriormente, tornou-se simples a sua formalização quantificada.

3

Verificam-se porém dificuldades em conseguir informações que se reportem à vida

profissional, familiar e social dos pescadores, dos mestres, dos armadores, etc.

Organismos Oficiais, como o Instituto Nacional de Estatística (INE), não chegam

normalmente a informações satisfatórias ou muito próximas da realidade, embora sejam

válidas como instrumentos de trabalho.

Pela parte dos indivíduos por várias formas ligados à faina pesqueira, trata-se de

“despachar” tão breve quanto possível aqueles funcionários que embora honestos, se

estarão a meter em coisas para as quais não os chamaram. Tal pode mesmo ser agravado

pela ideia que deverão fornecer a resposta que menos os prejudique, ou que mais lhes

convenha, por exemplo no que toca a impostos, a taxas que deverão pagar, à provável

detecção de esquemas de economia paralela ou de outras fugas à lei.

Pretendemos obter informações mais próximas das realidades, a actividade piscatória,

nesta circunstância concreta. Nesse sentido, elaborámos um conjunto de perguntas

agrupadas em diferentes entrevistas adaptáveis. O esquema genérico dessas entrevistas

observa-se dividido no seguinte enquadramento:

Aspectos Genéricos

A) PREPARAÇÃO DA ENTREVISTA

B) DADOS A PREENCHER PELO(A) ENTREVISTADOR(A)

C) DURANTE A(S) ENTREVISTA(S)

Delineamento Específico

D) APRESENTAÇÃO DO(A) ENTREVISTADOR(A)

E) DADOS POR EMBARCAÇÃO

F) SAÍDAS PARA A PESCA

G) CAPTURAS

H) CUSTOS POR DIA, POR EMBARCAÇÃO

I) CONTABILIDADE

J) CUSTOS COMO O PESSOAL

K) FORMA JURÍDICA

L) CAPITAL FINANCEIRO

M) EMPREGO

N) ELEMENTOS PESSOAIS

O) RENDIMENTOS PESSOAIS OU FAMILIARES

4

P) INVESTIMENTO

Q) CONCORRÊNCIA COM OUTRAS EMBARCAÇÕES

R) VENDA E COMERCIALIZAÇÃO

Ao terminar a entrevista

S) REFERIR OU PERGUNTAR…

Estas entrevistas ou questionários foram efectuados tendo-se percorrido as mais

relevantes zonas piscatórias com a ganchorra. em Portugal.

( ii ) A actual inserção das comunidades piscatórias nas outras comunidades e na

sociedade, tendo em conta por um lado a tradição e os hábitos ancestrais e por outro as

sucessivas restrições impostas pela Política Comum de Pescas, sobretudo no que

respeita as pescas artesanais e locais.

- Em Portugal, a pesca artesanal é uma das actividades comuns e de especial

importância nos aspectos socio-económicos e ambiental.

- Diversas populações costeiras portuguesas mantêm um desequilíbrio estrutural, uma

baixa diversificação económica, com uma alta dependência da actividade pesqueira;

fluxos migratórios geralmente negativos, requerem actuações globais em todo o litoral

conducentes a fortalecer a sua economia, a preservar os seus recursos naturais

renováveis, como os peixes e todas as espécies marítimas, e a actividade pesqueira

como património social, cultural e motor de novas iniciativas.

- Portugal tem um sector pesqueiro artesanal muito importante, não só pelo que

contribui para as economias locais e regionais mas também por representar uma forma

de entender a vida, como capaz de conservar uma cultura baseada na extracção, na

pesca, com obrigatoriedade de conservar os recursos. Isto implica que subjaz às

pescarias artesanais atlânticas um fundo social e cultural, presente no dia a dia destas

regiões costeiras. Esta actividade pesqueira artesanal é levada a cabo em zonas de

estuários próximas da costa, onde se produz a ovulação e o recrutamento em viveiros de

numerosas espécies, que podem ter incidência sobre os stocks de muitas outras espécies,

com influência noutras zonas mais amplas.

A evolução tecnológica, inevitável e desejada, provocou um excesso de pesca

(sobrepesca ) de várias espécies, sendo a pesca artesanal e costeira indubitavelmente

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afectada. Procede-se ao abatimento de embarcações mais antigas, tornam-se necessários

menos pescadores, o que condiciona de sobremaneira as perspectivas de ocupação da

mão de obra disponível.

Há excesso de oferta de trabalho, há busca de emprego em fainas pesqueiras ou com

elas relacionadas. Este relacionamento poderá ser a montante, a jusante, ou

indirectamente através da restauração, do turismo, da ecologia, do ambientalismo, da

aquacultura, da agricultura, da pequena industria, etc. No entanto, o funcionamento

normal do mercado de trabalho, dado que os salários têm mínimos regulamentados,

provoca o desemprego e as suas consequências nefastas. Na Secção IV aprofundaremos

esta análise.

Da Bretanha francesa, passando pelo norte de Espanha, por Portugal, e até ao estreito

de Gibraltar, temos uma enorme costa atlântica, com mais de 4.000 Km. Nela existem

333 portos de pesca de diferentes dimensões e neles agiam, em 2005, 15.582

embarcações de pesca que empregavam directamente mais de 40.000 pessoas.

Portugal reparte, com a França e a Espanha, problemas que afectam o sector pesqueiro,

no enquadramento da nova Política Comum de Pescas (PCP).

Em Portugal, especialmente no Sul, há povoações com grande dependência da

actividade pesqueira pelo que uma gestão económica dos bancos de pesca da

proximidade tem significativa relevância nas vidas das pessoas. O emprego verifica-se

directamente na pesca ou nas variadas formas ligadas, como o processamento, a

transformação e o comércio. Participam dezenas de pequenas embarcações, que utilizam

artes de pesca como por exemplo as redes de emalhar, a ganchorra, o arrasto de vara ou

a sombreira.

A qualidade, para além da quantidade da informação, é fulcral nesta área, pois não só a

perspectiva estrita da gestão, mas as referências que se reportem à vida familiar e

pessoal, são, por sua natureza volúveis, com pesos psicológicos de comunidades

piscatórias, desenvolvendo mecanismos de auto-defesa, de torneamento assaz difícil.

Pretende-se sustentar um carácter regional comum da faina pesqueira com um forte

pendor social, que passa pela sensibilização, pela formação, pelo intercâmbio de

experiências, a nível nacional e internacional, pela melhoria de funcionamentos “em

rede”, com o aperfeiçoamento dos sistemas de comunicações e de troca de informações.

Outro dos objectivos será avaliar os efeitos sobre as pescarias de medidas restritivas

como a redução dos horários da faina, da quantidade pescada devido a razões

biológicas, ou a regulação de artes.

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A pesca artesanal portuguesa tem-se vindo a restringir aos bancos de pesca próximos da

costa, dado o poder económico, técnico e político da pesca industrial.

Quanto a resultados positivos que esperamos, um será o actual, ou seja um fruto

imediato do nosso trabalho. O outro só poderá ser apreciado no futuro, se os nossos

contributos, nomeadamente os de índole sócio-económica e ambiental, vierem a

beneficiar, com maior ou menor intensidade, a evolução do sector. Resumindo, é nosso

intuito;

Favorecer o progresso social dos trabalhadores do mar, aumentando o seu nível de

rendimento, assegurando o seu futuro, fornecendo-lhes informações, propostas, e

metodologias condicentes com uma exploração respeitante do meio ambiente.

Favorecer tomadas de decisões conducentes a conservar o meio ambiente das regiões

pesqueiras atlânticas, onde se situam os ecosistemas litorais com papel fundamental

como zonas de viveiros e de criação de espécies de interesse piscatório.

Criar uma consciência colectiva dentro do sector pesqueiro artesanal, que se desenvolva

globalmente, envolvendo primeiro os participantes de cada região na difusão dos

resultados locais, para posteriormente transmitir-lhes as experiências desenvolvidas a

nível transnacional.

III – METODOLOGIA

Os estudos sócio-económicos mas também ambientais, tiveram em atenção a

aplicabilidade prática em áreas costeiras portuguesas da literatura versando estas

matérias, na visita a esses locais por parte de elementos da equipe, e em entrevistas que

nos foram concedidas.

Para além das normais dificuldades materiais nas deslocações e nos contactos com os

entrevistáveis surgiu uma questão precedente: a própria construção de um conjunto de

questões coerentes concretas, amistosas, e que nos pudessem proporcionar respostas

passíveis de serem sistematizadas e substantivas quanto à informação monitorizável..

O rol de respostas devidamente tratado serviram de alicerce à análise sócio-económica

a que procedemos.

Em teoria económica dos recursos naturais ou dos bens ambientais há muitos métodos

de avaliação do valor patrimonial, do valor paisagístico, do valor de recursos naturais

renováveis, como o pescado, mas nestas estimativas previsionais, a inclusão de

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problemas sociais torna-se muito contingente ou duvidosa. Reparemos que tal poderá

ser tentado atribuindo-lhe uma ou mais variáveis, integráveis em funções, que, como as

outras variáveis em que a quantificação a numeração, objectiva e precisa, é inevitável.

Para 2002 conhecemos os seguintes dados económicos; consumo efectivo em

combustível para as embarcações movidas a gasóleo, subsídios da Administração para

construção e modernização, descontos em lota, outras taxas, obrigações sociais, gastos

com reparação ou aquisição de artes, e vistorias.

Para os anos de 1995 a 2003, e relativamente a cada embarcação, temos:

1. Porto de registo

2. Características da embarcação

Tipo embarcação (Local ou Costeira)

Tipo de combustível (Gasóleo, Gasolina, Mistura, Outros)

Tipo de convés (Boca Aberta, Corrido, Outros, Parcial)

Tipo de casco (Madeira, Metal, Fibra de Vidro, Outros)

Comprimento de fora a fora

Comprimento de sinal

Arqueação embarcação (toneladas) (TAB)

Potência do motor principal em KW e em HP

3.Desembarques

Diário por espécie em quantidade e em valor

Local de desembarque

4.Esforço de pesca (nº. Dias de pesca)

5.Número e tipo de licenças de pesca

6.Número de tripulantes (NOTA: o ficheiro tem falhas)

Quanto à parte sócio-económica das entrevistas, e outras fontes de consulta oficiais,

permitiram-nos analisar e tirar conclusões.

Na secção seguinte ( IV), após breve introdução, analisamos separadamente cada uma

das pescarias para as quais obtivemos dados. Apresentamos os resultados e tecemos

comentários, deduzindo as conclusões que nos parecem oportunas e úteis,

Embora possam existir pequenas diferenças, preferimos especificá-las nas alturas

próprias e considerar uma metodologia-base em termos razoavelmente genéricos.

Metodologicamente, tendo em conta os objectivos acima referidos e as informações de

que pudemos dispor, achámos por bem;

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Primeiro, designar convenientemente os distintos treze aspectos, e depois ordená-los por

critérios de aproximação relativa.

Nesta conformidade, estabelecemos a seguinte ordenação:

1) Local de nascimento da tripulação

2) Residência da tripulação

3) Tripulantes migrantes e não migrantes

4) Tradição familiar

5) Envolvimento familiar

6) Habilitações literárias

7) Idade de início da actividade

8) Idade dos tripulantes

9) Rendimentos dos tripulantes

10) Percentagem do rendimento dos tripulantes no agregado familiar

11) Tripulantes com ou sem filhos

12) Número de filhos por tripulante

13) Número de filhos a frequentar a escola

IV- ANÁLISE SOCIO-ECONÓMICO-AMBIENTAL

Devido à existência de dados mais fiáveis para o ano 2002, analisamos a pesca com

ganchorra, dirigida a bivalves, no Algarve e no Centro-Norte.

A) PESCA COM GANCHORRA NO ALGARVE

Uma observação da Figura 1 leva-nos a concluir que uma grande maioria dos mestres

(81,3%) e dos pescadores (66,7%), nasceu em Olhão ou na Fuzeta. Mais de metade de

uns e de outros é natural de Olhão, cidade onde há séculos a influência social e

económica da actividade pesqueira é determinante na vida diária.( Fig. 1). Este peso

acresce quando aí residem 73,8% dos mestres e 62,5% dos pescadores.

É notório realçar que as outras povoações do sotavento algarvio repartem

equilibradamente estas origens: 3,1% dos mestres, nasceu em cada um dos seguintes

aglomerados populacionais ou países: São Brás de Alportel, Faro, Tavira, Conceição,

PALOPS.

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Paralelamente, registamos que apenas 7,5% dos pescadores nasceu em lugares que não

dão directamente para o mar e não dispõe de portos Atlânticos: Loulé (1,5%), Quelfes

(1,5%), Moncarapacho (3%) e Castro Marim (1,5%). Esta constatação não é

sintomática, dada a proximidade da costa.

Figura 1 -Tripulantes por local de nascimento A importância de Olhão ainda cresce como local de residência, já que isso se passa com

62,5% dos mestres e 73,8% dos pescadores (Gráfico 1 a)) . A Fuzeta permanece em

segundo lugar mas com 21,9% dos mestres e 10,8% dos pescadores. Certamente pelo

seu relevo como cidade, surge Vila Real de S. António, onde moram respectivamente

6,3% e 4,6%. As restantes povoações onde os tripulantes residem são dispersas pelo

sotavento algarvio, com percentagens pouco significativas. Quando somamos, obtemos

Olhão

Faro

VRSA

Castro Marim

Tavira

Fuzeta

Moncarapacho

Coceição Tavira

Loulé

Luz

SB Alportel

Quelfes

Porto

Setúbal Arraiolos

Algarve

Mestre

Pescador

1,5

%

1,5

%

3,1

%

1,5

%

3,1

%

3,1

%4,

5 %

50 % 53

,7 %

31,3

%13

,4 %

3,1

%3

%

1,5

%

1,5

%

3,1

%4,

5 %

1,5

%

3 %

1,5

%

PALOP’s

3,1

% 7,5

%

Olhão

Faro

VRSA

Castro Marim

Tavira

Fuzeta

Moncarapacho

Coceição Tavira

Loulé

Luz

SB Alportel

Quelfes

Porto

Setúbal Arraiolos

Algarve

Mestre

Pescador

1,5

%

1,5

%

3,1

%

1,5

%

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%

3,1

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50 % 53

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3,1

%3

%

1,5

%

1,5

%

3,1

%4,

5 %

1,5

%

3 %

1,5

%

PALOP’s

3,1

% 7,5

%

10

Gráfico 1

a)Tripulantes por local de residência b)Migrantes e não migrantes

100% dos mestres e 98,4% dos pescadores o que traduz, ou reflecte bem, a magnitude

das nossas informações.

A repartição de mestres e pescadores migrantes ou não migrantes é parecida. De facto,

há 69% de mestres e 63% de pescadores não migrantes complementando-se as

diferenças para os 100% (Gráfico 1 b)).

Como verdadeiramente relevante do ponto de vista social, são os dados que obtivemos

quanto ás tradições familiares e ao envolvimento familiar nas actividades pesqueiras.

A repartição de mestres e pescadores migrantes ou não migrantes é parecida. De facto,

há 69% de mestres e 63% de pescadores não migrantes complementando-se as

diferenças

Mestre (migrantes vs. não migrantes)

31%

69%

M igrantesNão migrantes

Pescador (migrantes vs. não migrantes)

37%

63%

M igrantesNão migrantes

3,1 %

3,1 %

21,9 %

10,8 %

3,1 %1,5 %

3,1 %

3,1 %1,5 %

62,5 %

73,8 %

6,3 %

4,6 %

0 20 40 60 80

Bias Norte

Conceição

Fuzeta

Culatra

Luz

Bias Sul

Olhão

VRSA

Tripulantes por local de residência

M estre Pescador

11

Gráfico 2 - Tradição familiar

Parece impressionante a carga tradicional das comunidades piscatórias quando se

observa que 85,7% dos mestres e 82,4% dos pescadores respondem afirmativamente à

vertente da memória ou dos costumes profissionais no que toca à pesca (Gráfico 2).

Estas impressões surgem reforçadas quando olhamos para as percentagens obtidas no

respeitante a tripulantes com familiares envolvidos nessa profissão (Gráfico 3).

Gráfico 3 Tripulantes com familiares envolvidos na pesca Haverá no entanto que diferenciar dois planos:

76,2 % 23,8 %

58,8 % 41,2 %

0 20 40 60 80 100

M estre

Pescador

Tripulantes com familiares envolvidos na pesca

C/ familiares

S/ familiares

85,7 %

14,3 %

82,4 %

17,6 %

0

20

40

60

80

100

%

M estre Pescador

Tradição familiar

não

sim

12

Um deles é o facto de a maior parte serem famílias numerosas e bastará haver um

familiar directa ou indirectamente ligado à pesca, para a resposta ser afirmativa. Assim

acontecendo, haveria esta explicação para uma alta percentagem.

O outro é as pessoas pertencerem a várias gerações, com probabilidade de haver idosos

entre esses familiares. Tal seria outra justificação para tal resposta.

Tendo em conta porém estas atenuantes, verificamos que 76,2% dos mestres e 58,8%

dos pescadores têm familiares envolvidos na pesca.

As habilitações literárias (assim são chamadas…)revelam que 19% dos mestres

obtiveram o ensino secundário, sem que qualquer pescador tenha obtido esse diploma

(Gráfico 4). Entre estes há mesmo assim 58,8% com o preparatório e 41,2% com o

primário.

Serão claramente condições económicas menos apertadas que justificam as diferenças

na distribuição de habilitações entre os pescadores e os mestres apesar de 33,3% destes

terem apenas chegado ao ensino primário.

.

Gráfico 4 - Habilitações literárias No que diz respeito concretamente à educação e à formação no sector pesqueiro, em

Portugal, podemos contar sobretudo com os cursos FORPESCAS, na Escola Portuguesa

de Pescas, e com os Centros Nacionais de Investigação. São um mínimo indispensável

mas representa um investimento estatal reduzidíssimo nesta actividade sócio-económica

tão importante. Na verdade, a grande maioria dos mestres (85,7%) têm o curso

FORPESCAS, significando quase uma condição necessária para desempenhar essa

função. Contudo, nos pescadores, há 35,3%, ou seja quase um terço que não possuem

essa formação. Tal significará, normalmente, que exercem outras actividades e que para

eles “não vale a pena” ter essa formação.

33,3 %

41,2 %

47,6 %

58,8 %

19 %

0

20

40

60

80

100

Primaria Preparatório Secundário

Habilitações literárias

pescadorM estre

13

Estes laços tradicionais, sociais e culturais reforçam-se ao olharmos as barras correspondentes às idades de início da actividade (Gráfico 5).

Gráfico 5 - Idade de início de actividade Não existindo substanciais diferenças entre os mestres e os pescadores, poderemos

forjar um raciocínio similar, que nos leva a concluir ser essa idade assaz reduzida. Com

efeito, 9,5% dos mestres e 13,3% dos pescadores indicam esse começo entre os 6 e os

10 anos, 42,9% dos mestres e 40% dos pescadores entre os 11 e os 15 anos.

Se por oportunismo ou comodidade afastarmos a ideia de exploração do trabalho

infantil, até porque haveria que saber os que trabalham com a família, entendendo-se

assim como certa forma de trabalho doméstico, restarão os que trabalham por conta de

outrem, ou seja para um patrão, um armador, um mestre, etc..

São adolescências e juventudes passadas junto ao Oceano, recebendo dinheiro

proveniente da pesca, com todas as suas vicissitudes. Compete-nos fazer uma análise

reflexiva sobre essas centenas ou milhares de jovens sujeitos a essa duríssima vida, com

as horas da faina a imperarem, a baixa qualidade material de vida, as limitações sociais,

de comunicação, e de reduzidas perspectivas futuras. Voltaremos a falar sobre este

tópico, até porque estas poucas esperanças alargam-se também aos mais velhos.

9,5 %

42,9 %

33,3 %

14,3 %

50 40 30 20 10

%

6-10

11-15

16-20

21-25

13,3 %

40 %

40 %

6,7 %

0 10 20 30 40 50

%

6-10

11-15

16-20

21-25

M estrePescador

14

Gráfico 6 – Idade dos tripulantes Gráfico 6 – Idade dos tripulantes Quanto à idade dos tripulantes, o envelhecimento destes profissionais é nítido ao

olharmos para as idades dos mestres (Gráfico 6). 77,5% tem mais de 40 anos e apenas

22,6% tem menos. Estas percentagens põem em causa a formação atempada dos jovens,

as políticas para um rejuvenescimento, ou mesmo para a manutenção do sector

pesqueiro.

Os estratos etários dos mestres não apresentam a mesma configuração genérica do que a

dos pescadores . Naqueles predominam, com 45,2%, os arrumados no grupo dos 41 aos

50 anos. Nos conjuntos adjacentes (31-40 e 51-60), há certo equilíbrio, 22,6% e 25,8% ;

são todavia realçáveis dois aspectos: 1º - a quebra negativa dos escalões 41-50 e 31-40

(45,2% para 22,6%).

2º - A inexistência de mestres com idades inferiores a 30 anos.

Estes dados conduzem-nos a antevisões desfavoráveis quanto ao preenchimento futuro

deste cargo, pelo menos em termos quantitativos.

A distribuição por idades dos pescadores apresenta um diminuição natural (35,9%,

28,1%, 18,8%, 7,8%) nos sucessivos estratos, a partir do convencionado entre os 31 e os

40 anos.

Registe-se que, embora haja 9.4% no primeiro escalão, verifica-se uma grande

discrepância para o segundo escalão (31-40), que inclui 35,9%.

Raciocínio idêntico ao que fizemos para com os mestres se poderá agora fazer, ou seja,

serão previsíveis graves carências nos escalões seguintes, de pescadores que utilizem a

arte da ganchorra nesta zona do Algarve.

Estas diferenças reflectem-se também nos rendimentos (Gráfico 7). Nenhum pescador

tem um rendimento superior a 500 euros, e nenhum mestre recebe menos que 350 euros.

Note-se que 40% dos mestres têm rendimento superior a 500 euros, havendo mesmo

22,6 %

45,2 %

25,8 %

6,5 %

50 40 30 20 10

%

21-30

31-40

41-50

51-60

61-70

9,4 %

35,9 %

28,1 %

18,8 %

7,8 %

0 10 20 30 40 50

%

21-30

31-40

41-50

51-60

61-70 M estrePescador

15

20% que excedem os 950 euros. Pelo contrário 30,8% dos pescadores não ganham mais

de 350 euros.

Gráfico 7 – Classes de rendimento Estes níveis são claramente insuficientes e os tripulantes têm necessidade que membros

das famílias possuam também fontes de rendimentos, em quaisquer actividades. Como é

normal, haverá aqui forte chamamento, quer tradicional quer pela própria inserção nos

círculos da pesca. Esta carência reflecte-se mais nos pescadores, onde existem mais de

75% que apenas podem contribuir com 46,7% do rendimento do agregado familiar, ou

seja menos de metade (Gráfico 8) .

Gráfico 8 – Tripulantes por percentagem do rendimento no agregado familiar Cabem aqui as indispensáveis ajudas dos filhos, das esposas, de irmãos, etc., o que

reforça as reduzidas idades com que se inicia a actividade.

30,8 %60 %

69,2 %

15 %5 %

20 %0

20

40

60

80

100

120

140

200-350 350-500 500-650 650-800 800-950 >950

classes d e rend iment o

Rendimento

PescadorM estre

68,4 %

53,3 %

31,6 %

46,7 %

020406080

100120140

>25% 25-50% 50-75% >75%

% d e rend iment o

Tripulantes por percentagem do rendimento no agregado familiar

PescadorM estre

16

Realce-se que a situação dos mestres não é muito melhor, já que somente 31,6%

também não ganha mais de 75% dos rendimentos das suas famílias.

Este panorama surge um tanto aligeirado quando olhamos as percentagens entre 50%

e75%. Para 53,3% dos pescadores e 68,4% doa mestres os seus ganhos podem variar

entre 50% e 75% do rendimento familiar.

A estas remunerações correspondem diferentes perspectivas de construção e de

sustentação da família (Gráfico 9). Se todos os mestres têm filhos, há praticamente 30%

de pescadores que os não têm. Atendendo a esta última percentagem o número de um ou

de dois filhos por pescador é aproximado, decrescendo logicamente a percentagem com

três filhos (11,8%).

Gráfico 9 Tripulantes com ou sem filhos

Curiosamente, segundo os dados de que dispomos (Gráfico 10), nem mestres nem

pescadores têm quatro filhos, mas há quase 6% de pescadores com seis.

100 %

70,6 %

29,4 %

0

20

40

60

80

100

M estre Pescador

Tripulantes vs. filhos

s/ f ilhosc/ f ilhos

17

Gráfico 10 Número de filhos por tripulante Maugrado estes 6% serem reduzidos, se compararmos os parcos rendimentos com esta

numerosa prole, decerto deparamos com gente muito pobre onde a degradação social é

mais fértil… Tal pode-se confirmar pela elevada percentagem (62,5%) de filhos de

pescadores que não frequentam a escola (Gráfico 11). Pelas mesmas razões, para os

mestres esta percentagem é de 28,6% o que se pode considerar também relativamente

elevado e cujas consequências aparecem idênticas às tiradas atrás.

Gráfico 11. Filhos a frequentar a escola SOBRE A AMOSTRA RECOLHIDA

PESCA COM GANCHORRA NO ALGARVE

Universo 52 embarcações

Número de mestres entrevistados: 30 (60%)

Número de pescadores entrevistados: 18 (50%)

Número de róis consultados: 47 (90%)

29,4 %47,6 %

29,4 %

42,9 %

23,5 %

9,5 %11,8 % 5,9 %

01020304050607080

0 1 2 3 4 6

N úmero d e f i lho s

Número de filhos por tripulante

PescadorM estre

71,4 % 28,6 %

37,5 % 62,5 %

0 20 40 60 80 100

M estre

Pescador

Filhos a frequentar a escola

simnão

18

B) PESCA COM GANCHORRA NO CENTRO E NORTE

A interpretação do gráfico de barras (Gráfico12), que nos mostra os locais de

nascimento, é elementar.

Gráfico 12 – Tripulantes por local de nascimento De imediato se repara que 40% dos mestres nasceram em Vila do Conde e 60% na

Póvoa do Varzim, ou seja 100%. Quanto aos pescadores, também nasceram sobretudo

nessas terras (40% e 44,4%). Os restantes 6,7% repartem-se por Matosinhos, 3,3%, e

Porto , Vila Nova de Gaia e Viana do Castelo com 1,1% cada. Todas estas povoações,

excepto o Porto, têm portos atlânticos.

Os tripulantes residem quase inteiramente nas duas cidades apontadas ao princípio, mas

com uma curiosidade; os mestres, habitam 50% em cada uma, o que não se verificava,

como vimos, com os nascimentos (40% e 60%), (Gráfico 13 a)).

Os pescadores também tendem a residir em Vila do Conde, 63,6%, e na Póvoa do

Varzim, com 34,1%.

Mais nitidamente do que acontece no Algarve, a divisão entre mestres e pescadores

migrantes e não migrantes é praticamente igual, isto é como migrantes temos 70% dos

mestres e 69,3% dos pescadores, e como não migrantes 30% e 30,7%. Todavia, ao

contrário do Algarve, não há profissionais provindos de PALOP (Gráfico 13 b)).

40%

48,9%

60%

44,4%

3,3% 1,1% 1,1% 1,1%

V. Conde

P. Varzim

Matosinhos

PortoV.N.Gaia

V. Castelo

Tripulantes por local de nascimento

M estrePescador

19

Gráfico 13

a) Tripulantes por local de residência b) Migrantes e não migrantes Quanto à tradição familiar os indicadores são muito mais impressionantes do que os

verificados, também com a ganchorra, no Algarve (Gráfico 14 a)).

Gráfico 14 a)Tradição familiar b)Tripulantes com familiares envolvidos na pesca 100% dos mestres apontam tradições familiares, o mesmo acontecendo com 88,5 % dos

pescadores.

Estas informações conjugam-se e são inteiramente confirmadas ao verificar-se que

100% dos mestres têm familiares envolvidos na pesca, tal como 92,3% dos pescadores

(Gráfico 14 b)). Aqui constata-se, no entanto, uma diferença apreciável com o

50%

63,6%

50%

34,1%

2,3%

0 20 40 60 80

V. Conde

P. Varzim

V. Castelo

Tripulantes por local de residência

Pescador

Mestre

Mestre

30%

70%

Migrantes

Não migrantes

Pescador

69,3%

30,7%

Migrantes

Não migrantes

100%88,5%

11,5%

0

20

40

60

80

100

Mestre Pescador

Tradição Familiar não

sim

100%

92,3% 7,7%

Mestre

Pescador

Tripulantes com familiares envolvidos na pesca

C/ familiaresS/ familiares

20

apercebido no sotavento algarvio. Basta compararmos as respectivas percentagens: a

Sul, cerca de ¾ dos mestres têm pessoas de família relacionadas com a actividade

pesqueira, enquanto que no Centro-Norte são a totalidade. Essa diferença, 23,8% (100%

- 76,2%), entre os mestres, é superada mesmo pela dos pescadores, 33,5% (92,3% -

58,8%). No Centro-Norte, apenas 7,7% não possuem familiares nestas circunstâncias.

Observemos agora as habilitações literárias (Gráfico 15).

Quatro quintos (80%) dos pescadores não foram além do ensino primário, o que revela

efeitos de pobreza nesta comunidade. Somente 15% conseguem o ensino preparatório, o

que adicionado aos 3,8% de analfabetos nos leva a concluir que todos os pescadores

desta região, pelo menos os que trabalham com a gandorra na captura de bivalves, têm

uma péssima condição de vida, desde que nasceram, digamos.

Gráfico 15– Habilitações literárias A situação dos mestres é, embora ligeiramente, menos má. Não havendo analfabetos,

são 90% os que não passaram do ensino preparatório. Residualmente, apenas 10% têm o

ensino secundário.

Todas estas percentagens são reveladoras da penúria e mesmo da miséria em que vive a

generalidade desta gente.

Apreciando a idade de início da actividade pesqueira (Gráfico 16), enfrentamos alguns

números surpreendentes, como sejam: entre os mestres, 30% começam dos 6 e os 10

anos (no Algarve, apenas 9,5%), entre os pescadores 23,1% principiam nestas idades

(no Algarve eram 13,3%).

40%

80,8%

50%

15,4%

10%3,8%

0

20

40

60

80

100

120

140

Prim Prepa Secu Analf

Habilitações Literárias

Pescador

Mestre

40%

80,8%

50%

15,4%

10%3,8%

0

20

40

60

80

100

120

140

Prim Prepa Secu Analf

Habilitações Literárias

Pescador

Mestre

21

30%

40%

30%

40 30 20 10

23,1%

65,4%

11,5%

0 20 40 60 80

6-10

11-15

16-20

21-25Mestre

Pescador

Gráfico 16– Idade de início de actividade Ao passo que no Algarve 40% dos pescadores estavam entre os 16 e os 20 anos, no

Centro-Norte são apenas 11,5%, verificando-se também divergência no intervalo dos 11

aos 15 anos, com 40% e 65,4%.

Este desequilíbrio etário, o peso avantajado neste último escalão, leva-nos a concluir

que é em plena adolescência que se forma na prática a maioria dos tripulantes que

utilizam a arte da gandorra, na captura de bivalves, no Centro-Norte de Portugal.

Salvaguardamos aqui o facto de não dispormos de qualquer informações quanto ao

escalão dos 21 aos 25 anos, resultado decorrente das respostas obtidas nas entrevistas.

Vale agora o raciocínio que fizemos quanto a este tipo de dados no caso do Algarve,

agravando-se, contudo, porque há ainda maior percentagem de profissionais que

começam a trabalhar na pesca enquanto crianças, dos 6 aos 10 anos.

No que diz respeito à idade dos mestres (Gráfico 17), põe-se-nos uma questão parecida

com a que tínhamos com o Algarve; parece-nos significativa a inexistência de mestre

com mais de 61 anos, mas não pomos em causa esta informação. Não descortinamos

também razões sociais, económicas ou outras justificativas do desequilíbrio verificado

na percentagem que mede as idades entre 31 e 40 anos (10%) e as que medem todos os

outros intervalos e são iguais a 30%.

As percentagens etárias dos pescadores parecem-nos razoáveis e apontando certo

envelhecimento futuro, já que apenas 21,3% e 14,4% têm idades

22

30%

10%

30%

30%

30 25 20 15 10 5

12,4%

21,3%

30,3%

24,7%

11,2%

0 10 20 30 40 50

20-30

31-40

41-50

51-60

61-70

Mestre

Pescador

Gráfico 17 – Idade dos tripulantes compreendidas entre os 31 e os 40 anos e entre os 20 e os 30. A repartição de mestres e pescadores por classes de rendimento (Gráfico 18 a)) mostra um evidente desequilíbrio, Maior ainda do que se verifica no Algarve. De facto, 50% dos mestres recebe mais de 550 euros e 30% localizam-se entre os 800 e os 950 euros, ou seja 80% ganham mais de 800 euros, enquanto que 96,2% (15,4% + 46,2% + 30,8% + 3,8%) dos pescadores auferem menos que esse montante,

Gráfico 18 a)Classe de rendimento b)Tripulante por percentagem de rendimento no agregado familiar Perante esta abissal diferença, as outras percentagens (10% dos mestres ganham entre

350 e 500 euros) surgem quase sem relevância. Adiantemos que a causa de 3,8% dos

pescadores ganharem mais de 550 euros, ou poderá ser qualquer engano nesta

classificação de pessoas, ou se trata apenas de uma ou duas.

O valor percentual do rendimento no agregado familiar (Gráfico 18 b)) mostra a sua

importância quando excede os 75%. Para quatro quintos dos mestres, o seu recebimento

pode oscilar entre esta percentagem e os 100%. Depois, muito menos relevantes os

15,4% 10%

46,2%

10%

30,8%

3,8%

30%

50%

3,8%

200-350 350-500 500-650 650-800 800-950 >950

Classe de Rendimento (€)

Rendimento

Pescador

Mestre

10%19,2%

10%

23,1%

80%

57,7%

>25% 25-50% 50-75% >75%

Percentagem de Rendimento

Tripulantes por percentagem do rendimento no agregado familiar

Pescador

Mestre

23

10%, quer para a classe de 25-50% quer para a de 50-75% do rendimento do agregado

familiar.

Concluiremos pois que a grande maioria dos mestres ganha uma percentagem elevada

da mensalidade familiar. A perspectiva para os pescadores não difere muito mas a

repartição percentual é, logicamente, mais atenuada. Note-se contudo que 42,3%

(19,2% + 23,1%) deles contribuem com 75% ou menos para o rendimento do agregado,

ao passo que 57,7% contribuem com mais de 75%.

A percentagem de tripulantes com filhos não é relevante(Gráfico 19 a), embora em

comparação com o Algarve haja 33,3% dos mestres que não os tenham, contra os

surpreendentes 0%, e entre os pescadores haja 57,1% que têm, menos pois que os

70,6%

Gráfico 19 a)Tripulantes com ou sem filhos b) Número de filhos por tripulante Quanto ao número de filhos a percentagem de pescadores que não os têm é de 42,9%

(Gráfico 19 a), ainda maior que a registada no Algarve (29,4%). Assinalam-se porém

33,3% de mestres, ao contrário do Algarve, em que foram registados 0%.

Uma percentagem curiosa é a existência de 10% de pescadores com cinco filhos e

nenhum com quatro o que será explicável pela amostra que recolhemos. No Algarve

haviam 5,9% com cinco e nenhum com quatro, o que não sendo muito normal se pode

justificar pela razão atrás apontada.

Pelo menos aparentemente os mestres teriam possibilidades económicas para enviar

todos os filhos à escola, o que é visível no Gráfico 18 a).

Apesar destas diferenças existentes nos rendimentos de mestres e de pescadores, a nossa

amostra indica que há 40,9% de filhos de mestres que não frequentam a escola ao passo

que, para os filhos de pescadores, se observam 33,3% ( Gráfico 20 ).

66,7%

33,3%

57,1%

42,9%

Mestre Pescador

Tripulantes vs filhos s/ filhos

c/ filhos

33,3%

45%

44,4%

30%

10%22,2%

5%

10%0

1020304050607080

0 1 2 3 4 5

Número de filhos

Número de filhos por tripulante

Pescador

Mestre

24

Restará dizer que foram entrevistados todos os mestres (100%) e apenas 79% dos

pescadores o que significa que os atrás apontados 40,9% não sofrerão alterações e os

33,3% poder-se-iam modificar se aumentasse o número de pescadores entrevistados

(26).

59.1% 40.9%

66.7% 33.3%

0.0 20.0 40.0 60.0 80.0 100.0

Mestre

Pescador

Filhos a frequentar a escola

sim

não

Gráfico 20 Filhos de tripulantes a frequentar a escola SOBRE A AMOSTRA RECOLHIDA

PESCA COM GANCHORRA NO CENTRO E NORTE

Universo 11 embarcações

Número de mestres entrevistados: 11 (100%)

Número de pescadores entrevistados: 26 (79%)

Número de róis consultados: 11 (100%)

V - CONCLUSÕES

A exploração económica de um recurso natural renovável, como a pesca, deve conjugar

e compatibilizar um conjunto de aspectos para além do estritamente contido na teoria

económica e de gestão. Eles serão sociais, ambientais, de conservação das espécies, de

emprego e de bem estar material das pessoas.

Este trabalho, versando eminentemente a sócio-económia aponta também problemas

dinâmicos naturais, como os ambientais. Na União Europeia, cada vez mais o ambiente

aparece ligado e com influência nas actividades pesqueiras.

25

Interessa-nos, no entanto, efectuar comparações com a pesca industrial sobretudo

enquanto pesca costeira e dirigida a espécies igualmente visadas pela pesca artesanal.

Naquela predomina largamente a perspectiva de maximização dos lucros imediatos para

gerar retorno ao investimento e ao capital fixo, instalações e navios de grande porte. Os

objectivos principais são a produtividade e a eficiência, com subestimação dos

contornos sociais.

Verificadas certas condições estruturais e de funcionamento, aquela produtividade pode

ser tomada simplesmente como a quantidade de pescado obtida por um tripulante, em

dado tempo. É um índice quantificado, que depende menos da velocidade ou da

intensidade de trabalhos dos pescadores, do que das instalações, do equipamento, e da

tecnologia existente.

Os armadores da pesca industrial, normalmente com assinalável poder económico,

reduzem tanto quanto possível o número de tripulantes e de pessoal de apoio em terra.

São de facto as pescas artesanais que mobilizam muito mais mão de obra local e que

mais peso têm na sociedade e na economia das regiões litorais.

Os lucros e outras vantagens empresariais fazem parte do próprio sistema económico e

de gestão. O problema coloca-se na combinação do binómio: lucro das

empresas/problemas sociais associados ou decorrentes.

Um destes problemas é concretamente o desemprego. Ele contribui para que milhares

de jovens, familiares de tripulantes, migrem para os arrabaldes das grandes cidades onde

provavelmente virão a ser colhidos pela marginalidade e pela exclusão social. No limite,

poder-se-ia afirmar que a pesca industrial é mais eficiente em termos de gestão e que a

pesca artesanal é mais eficiente em termos sociais.

Em Portugal cremos possível conjugar uma boa rentabilidade do capital, investimentos

relativamente baixos, emprego de mão de obra essencialmente local e elevadas taxas de

valor acrescentado. Esta taxa ronda os 60% na pesca artesanal e os 30% na pesca

industrial. A pesca artesanal rejeita menos de 5% do pescado e a pesca industrial mais

de 40% donde se prova ser a primeira muito mais selectiva.

Na área das pescas, a divisão internacional do trabalho dos pescadores e mestres tende a

situar a pesca artesanal como fornecedora dos países mais ricos, e dependendo do poder

destes.

Os avanços tecnológicos podem ter também em conta escolhas sociais e escolhas

baseadas em critérios de acesso aos bancos de pesca. Nas pescas industriais, a

actividade é subordinada a certo tipo de tecnologia. Pelo contrário, nas pescas

26

artesanais, a tecnologia é geralmente adaptada pelos pescadores segundo as suas

tradições sociais e as suas condições económicas, e não adaptadas forçosamente por

eles.

BIBLIOGAFIA -Publicações da Direcção Geral das Pescas (DGP)

-Publicações do Instituto Nacional de Estatística (INE)

-Entrevistas efectuadas pelos autores

-Relatório do Projecto OCIPESCA Interreg IIIB – Espaço Atlântico – Comunidade

Europeia, FEDER