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    Cursos de Especializao para o quadro do Magistrio da SEESP

    Ensino Fundamental II e Ensino Mdio

    Rede So Paulo de

    ArtecomoCultura:

    ConcepeseProblematiza

    esd05

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    Cursos de Especializao para o quadro do Magistrio da SEESP

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    So Paulo

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    2012, BY UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

    PR-REITORIA DE PS-GRADUAORua Quirino de Andrade, 215CEP 01049-010 So Paulo SP

    Tel.: (11) 5627-0561

    www.unesp.br

    SECRETARIA ESTADUAL DA EDUCAO DE SO PAULO (SEESP)Praa da Repblica, 53 - Centro - CEP 01045-903 - So Paulo - SP - Brasil - pabx: (11)3218-2000

    Projeto Grfico, Arte e DiagramaoLili Lungarezi

    Produo AudiovisualPamela Bianca Gouveia Tlio

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    TEMAS

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    SumrioCultura e Civilizao:Histria de dois Conceitos. ........................5

    1. O Cultivo da Terra e do Esprito. ............................................................5

    2. Entre Cultura e Natureza. ......................................................................9

    3. Verses de Cultura. ...............................................................................13

    Arte como Sistema Cultural. .......................................................16

    1. Hierarquia e Relativismo Cultural. .......................................................16

    2. As fronteiras precisas da idia de arte. ...................................................20

    3. A histria dinmica e o conceito mutvel. .........................................24

    4. Indstria e Arte. ....................................................................................2 9

    A Pesquisa em Arte e Concepes Contemporneas de Cultura. ....33

    1. Caminhos e Procedimentos da Anlise Contextual. ............................33

    2. Sistema Cultural e Artstico: Dilogos e Emprstimos. ........................37

    3. Vises Contemporneas de Cultura. .................................................... 40

    Referncias Bibliogrficas. ...........................................................46

    Extras ..........................................................................................48

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    Cultura e Civilizao:

    Histria de dois Conceitos.

    1. O Cultivo da Terra e do Esprito.

    Os conceitos de cultura e de civilizao foram, ao longo da histria, ora considerados sinn-imos, ora tidos como diferentes, mas com significaes aproximadas. A palavra cultura derivado latim colere, com sentido de cultivar a terra, o termo aparecia na antiga Roma em expressescomo agri-cultura, denominando um campo cultivado como cultus.

    Foi somente partir do sculo XVIII que cultura comeou a significar cultivo do esprito.Surgia, ao mesmo tempo, neste mesmo sculo, o vocbulo civilizao, originrio do termocivilitas, do latim tardio civitas, que designava cidade.

    O conceito de civilizao, que em texto francs parece remontar ao ano de 1766 (Aze-vedo, 1958, p. 20), exprimia o auge do desenvolvimento humano em oposio barbrie e natureza. Segundo Fernando de Azevedo, o vocbulo servia para marcar um estado contrrio barbrie, estabelecendo uma distino entre povos policiados e povos selvagens (Azevedo,

    1958, p. 20).

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    A noo guardava, assim, um sentido extremamente elitista e exclua da civilizao grande

    parte das sociedades humanas existentes fora da Europa. No final do sculo XIX, houve uma

    imbricao dos sentidos de cultura e civilizao nos trabalhos, sobretudo, de antropologia. Os

    conceitos perderam nos estudos antropolgicos os contedos elitistas que at ento ostentavam.

    Na perspectiva antropolgica, a cultura era entendida como uma totalidade complexa pro-

    duzida pelos homens em sua experincia histrica ou, ainda, como um modelo de pensar e de

    agir que perpassa as atividades de um povo e o distingue de todos os outros (Hell, 1989, p. 6).

    Ampliava-se, assim, a acepo de cultura, que passava a [compreender], sob o mesmo ter-

    mo, tanto os produtos da atividade mental, moral, artstica e cientfica, como as bases materiais

    da evoluo social (Azevedo, 1958, p. 21). Dessa forma, todos os povos, desde os consideradosprimitivos at as sociedades definidas como evoludas, possuam uma cultura na concepo

    antropolgica. No haveria povos sem padres culturais, presentes e atuantes nas suas existn-

    cias cotidianas.

    Os hbitos e os produtos da atividade mental de um povo, como tambm os elementos ma-

    teriais, formavam, nessa significao abrangente conferida ao termo, uma cultura. O adjetivo

    culto continuou, entretanto, a designar os indivduos tidos como superiores no que tange aossaberes eruditos e que se distinguiriam da massa de seus contemporneos pelas qualidades

    intelectuais.

    De acordo com os seus significados antropolgicos, cultura e civilizao tornaram-se termos

    sinnimos, aludindo s formaes sociais em geral. Lvi-Strauss, assim, se referiu quelas noes:

    No se deve confundir dois significados da palavra cultura. Em sua acepo geral, cultura

    designa o enriquecimento esclarecido do julgamento e do gosto. Na linguagem tcnica dosantroplogos outra coisa; segundo a definio clssica [...] que eu posso repetir tanto que

    ela para ns essencial, conhecimentos, crenas, arte, moral, direito, costumes e todas outras

    aptides ou hbitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade. De acordo com esse

    segundo sentido de cultura, tudo objeto de estudo: tanto as produes julgadas mais baixas

    quanto as mais nobres (Strauss e Didier, 1988, p. 229).

    Os hbitos adquiridos por geraes humanas so, por sua vez, transmitidos s geraes

    seguintes por meio de aprendizagem social. Alm das informaes genticas, chamadas de

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    natureza, os seres humanos recebem, da sociedade em que nascem, informaes culturais

    igualmente necessrias para a sua sobrevivncia. A cultura seria, assim, informao transmitida

    por aprendizagem social. (cf. Capomanes, passim. 2000).

    Box 1

    O filme O Enigma de Kaspar Hauser (1974), do cineasta alemo Werner Herzog, refere-se vida de um personagem que foi criado fora do convvio social e que, somente na sua

    idade adulta, comeou adquirir e receber informaes e padres culturais e a ser, portanto,socializado. Se ainda no conhece o filme este um bom momento para conhece-lo, para

    quem j conhece, fica o convite para rever.

    A concepo elitista de cultura permaneceu, entretanto, ao lado das definies elaboradaspor antroplogos, etnlogos, filsofos, historiadores, socilogos. O senso comum continuava

    a atribuir ao conceito uma espcie de aura, reservada a uma minoria de indivduos que osten-

    tavam saberes especializados.

    Assim, alm de abranger fenmenos coletivos como cultura popular, cultura ocidental, cul-

    tura chinesa, cultura regional, o conceito pode se referir a indivduos que adquiriram conhe-

    cimentos em diferentes campos do saber. Em suma, a noo de cultura pode ser ampla ou

    restrita, de forma que seus limites conceituais no so, frequentemente, muito claros.

    De fato, o uso amplo da noo de cultura pode torn-la, demasiadamente, elstica, com

    condies de englobar um universo heterogneo de fatos e, paradoxalmente, nada de signifi-

    cativo. No outro extremo, est a reduo excessiva do conceito, como aluso a um elenco de

    atividades consideradas nobres, como cultura literria, filosfica, cientfica, artstica etc.

    A viso mais ampla e generalizada de cultura aquela que a associa indelevelmente civili-

    zao. Vimos que esse o procedimento tpico da reflexo de antroplogos e etnlogos.

    De qualquer forma, como h, ao mesmo tempo, um uso amplo e um uso limitado para o

    emprego do termo cultura, deve-se precisar o sentido que lhe est sendo atribudo em tais ou

    quais circunstncias ou situaes:

    Cultura uma palavra imprecisa, com muitas definies concorrentes; a minha definio

    a de um sistema de significados, atitudes e valores partilhados e as formas simblicas (apre-

    sentaes, objetos artesanais) em que eles so representados ou encarnados. A cultura nesta

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    acepo faz parte de todo um modo de vida, mas no idntica a ele (Burke, 1989, p. 15).

    O socilogo Fernando de Azevedo, na Introduo da Histria da Cultura Brasileira, aps

    discutir e problematizar os diversos usos do termo, considerou que o seu uso restrito era maistil ao objetivo a que se propunha, entendendo, pois, cultura como produo, conservao e

    progresso dos valores intelectuais, das idias, das cincias e das artes (Azevedo, 1958, p. 28).

    A noo de civilizao, ao contrrio, permaneceria ancorada no seu amplo significado,

    abrangendo os fatos culturais, definidos por oposio natureza, em geral, e animalidade,

    em particular.

    Freud, por exemplo, associou cultura e civilizao, definindo civilizao por oposio spulses naturais, que precisam ser controladas ou contidas pela sociedade humana.

    Em textos como O Mal Estar na Civilizao, publicado em 1930, Freud definiu civilizao

    como fora contrria natureza:

    [Civilizao] designa a totalidade de obras e organizaes cuja instituio nos distancia

    do estado de animalidade de nossos ancestrais e que servem a duas finalidades: a proteo do

    homem contra a natureza e a regulamentao das relaes dos homens entre si (apud. Wun-enburger, Jean-Jacques, 1985, p. 356).

    Percebe-se, portanto, que a noo abrangente de civilizao depende de sua relao com o

    seu outro e, portanto, de sua distino para com o conceito de natureza.

    Embora o vocbulo civilizao tenha surgido, somente, no sculo XVIII, a atribuio de

    uma antinomia entre as sociedades humanas e a natureza remonta ao incio do pensamento

    filosfico no Ocidente, a Grcia antiga.

    A cultura e a esttica (que se constituiu na segunda metade do sculo XVIII) tm uma

    caracterstica em comum: a histria de ambas anterior inveno dos dois termos. Por causa

    do significado cultural do pensamento poltico dos gregos, e de sua prtica, a idia de cultura

    est profundamente arraigada na tradio grego-latina (Hell, 1989, p. 19).

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    2. Entre Cultura e Natureza.

    A palavra natureza deriva do latim natura (de nascer), significando, portanto, aquilo com

    que se nasce. O vocbulo natura traduzia para o latim a palavra grega physis, com formasderivadas de fsica e fsico e foi, amplamente, empregada por Aristteles para explicar o

    desenvolvimento dos seres vivos.

    Como mais tarde o vocbulo cosmos - aquilo que regido por leis necessrias - foi denomi-

    nado de natureza, esta ltima foi definida como o imprio da necessidade, das leis inflexveis,

    logo, da ausncia de liberdade.

    Se o homem fosse somente um ser natural, ele seria movido, exclusivamente, por forasinflexveis e, portanto, no seria livre. A questo da liberdade humana foi um dos primeiros

    temas tratados no incio do pensamento filosfico da histria do Ocidente.

    O que se colocava, na filosofia grega, era a discusso sobre a liberdade do ser humano,

    fato que exigia a reflexo sobre as suas relaes com outros seres da natureza. Surgia, assim, a

    questo da distino e da semelhana do homem para com os animais.

    Uma das primeiras preocupaes dos filsofos gregos foi a de distinguir o homem da na-tureza ou a liberdade da pura necessidade. Foi isso que, em certa medida, Aristteles procurou

    discernir ao defini-lo como animal racional ou como animal poltico.

    De qualquer forma, circunscrevia-se o espao da cultura humana, distinguido-o do seu

    outro, os animais, ou do seu relativamente outro, os animais novamente, considerando-se que

    o ser humano seria, tambm, natureza. ratava-se de distinguir em meio a natureza o espao

    humano cultural, embora os termos aristotlicos animal racional e animal poltico j as-

    sinalassem semelhanas e diferenas entre seres culturais e animais. Em suma, no haveria um

    ser humano somente cultural ou absolutamente mergulhado na natureza.

    Percebe-se, pois, nessas breves referncias civilizao clssica que a idia de cultura, to

    particular ao sculo XVIII, tem razes na tradio filosfica greco-latina. A Enciclopdia, di-

    rigida por Diderot e DAlambert, no Artigo Homem do tomo 8, publicado em 1765, pro-

    curava, como no pensamento grego da poca clssica, definir o homem comparativamente

    aos animais:

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    Homem: ser que sente, reflete, pensa, anda livremente pela superfcie terrestre, parece estar

    frente de todos os outros animais sobre os quais exerce domnio, vive em sociedade, inventa

    as cincias e as artes, bondade e maldade que lhe so prprias, estabelece senhores para si

    mesmo, institui leis [...] composto de duas substncias, uma que se chama alma [...] outraconhecida com o nome de corpo (apud Hell, 1989, p. 40).

    Ver-se e definir-se no espelho da natureza foi a marca da reflexo filosfica desde os seus

    incios na Grcia antiga. Homero, autor daIladae da Odissia, sustentou que os animais eram

    uma espcie de modelo por meio dos quais os homens poderiam alcanar o entendimento de

    si mesmos: os animais so o espelho mediante o qual o ser humano pode se ver.

    Acrescentou, alm disso, que os deuses constituam, relativamente aos homens, outro limite,desta vez superior: os homens so mortais infelizes e os deuses felizes e imortais. A dife-

    rena do ser humano para com os deuses estava, pois, definida, faltava distingui-lo dos animais.

    E foi nesse diapaso que o pensamento filosfico criou algumas categorias distintivas da cul-

    tura humana.

    O Ser Classificador.

    Plato escreveu no livro O Poltico, que os homens se distinguiriam dos outros animais, pelo

    fato de terem o poder de definir e de colocar em classes distintas os diversos seres da natureza.

    Exemplificava, com alguma ironia, que caso as aves pernaltas, os grous, tivessem a habili-

    dade classificatria dos homens restaria saber como eles nos classificariam:

    ... outro ser vivo dotado de inteligncia o que parece verificar-se com os grous ou com

    outras espcies de animais poderia classificar do mesmo modo [como ns classificamos]:oporia os grous, como integrando um gnero a todos os outros seres vivos, e, orgulhoso, con-

    sideraria os demais seres vivos, inclusive os homens, como pertencentes a uma mesma famlia,

    dando-lhes talvez o nome de animais (Plato, 1970, p. 279).

    O Senhor do Mundo.

    A cultura grega clssica exaltava a supremacia humana sobre a natureza. Na pea trgica

    Antgona, escrita por Sfocles e representada em Atenas por volta de 430 a. C., o Coro, na

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    sua segunda apresentao, louva o poder humano, ressaltando a sua capacidade de domnio da

    natureza:

    H muitas maravilhas no mundo, mas nenhuma to maravilhosa quanto o homem. Eleatravessa, ousado, o mar grisalho, impulsionado pelo vento sul tempestuoso, indiferente s

    vagas enormes na iminncia de abism-lo; e exaure a terra eterna, infatigvel, deusa suprema,

    abrindo-a com o arado em sua ida e volta, ano aps ano, auxiliado pela espcie equina. Ele cap-

    tura a grei das aves lpidas e as geraes dos animais selvagens: e prende a fauna dos profundos

    mares nas redes envolventes que produz, homem de engenho e arte inesgotveis. Com suas

    armadilhas ele prende a besta agreste nos caminhos ngremes; e doma o potro de abundante

    crina, pondo-lhe na cerviz o mesmo jugo que amansa o fero touro da montanha. (Sfocles,1989, p. 210).

    Numa passagem da Odissiade Homero, Ulisses, vagando pelas regies do Mar Mediterr-

    neo, espantou-se ao perceber o abandono em que se encontrava um espao natural, que muito

    poderia servir aos homens:

    Ora, ergue-se, diante do porto, uma ilha coberta de mato, nem prxima nem afastada da

    terra dos Ciclopes [...] No se enxergam ali pastagens, nem campos de cultivo; no habitadapor homens e nela s pastam balantes cabras [...] Como aquelas gentes podiam ter valorizado

    uma ilha to bem situada! Pois no sendo estril, seria capaz de produzir frutos em todas as

    estaes do ano (Homero, 2002, p. 117).

    O Animal Poltico (zn politikn), Racional e Artista.

    Aristteles procurou distinguir o ser humano, aproximando-o e separando-o do seu espe-

    lho no mundo, os animais. Na Polticadefiniu como o espao prprio da cultura humana a

    sociabilidade:

    Claramente se compreende a razo de ser o homem um animal socivel em grau mais

    elevado que as abelhas e todos os outros animais que vivem reunidos [...] O homem s, entre

    todos os animais, tem o dom da palavra; a voz o sinal da dor e do prazer, e por isso que

    ela foi tambm concedida aos outros animais. Estes chegam a experimentar sensaes de

    dor e de prazer, e se fazer compreender uns aos outros. A palavra, porm, tem por fim fazer

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    compreender o que til ou prejudicial, e, em conseqncia, o que justo e injusto. O que

    distingue o homem de um modo especfico que ele sabe discernir o bem do mal, o justo do

    injusto, e assim todos os sentimentos da mesma ordem cuja comunicao constitui precisa-

    mente a famlia do Estado (Aristteles, 1970, p. 18.19).

    Nesse mesmo livro, o filsofo atribuiu aos homens a racionalidade, considerando-os, por-

    tanto, como seres capazes de resistir as imposies das leis naturais.

    Na Potica, Aristteles, depois de definir a arte como natural aos homens e como imi-

    tao das coisas do mundo, escreveu que o que distinguia os homens dos animais era a sua

    extraordinria capacidade imitativa. Embora os animais sejam tambm capazes de imitarem,

    o seu poder de imitao limitado, restringindo-se, no mais das vezes, a repetirem comporta-mentos ancestrais:

    Imitar natural aos homens e se manifesta desde a infncia (o homem difere dos outros

    animais porque ele mais apto a imitar e pela imitao que ele adquire seus primeiros conhe-

    cimentos) e, em segundo lugar, todos os homens tm prazer em imitar (Aristteles, 1975, p. 33)

    As diferenas entre homens e animais adviriam, pois, do fato deles serem racionais, polti-

    cos e artistas.

    Karl Marx, num texto de 1857, Para a Crtica da Economia Poltica,distinguiu, tambm a

    sociedade humana, vendo-a no espelho da natureza. No entender do autor, a sociedade hu-

    mana produz necessidades, inexistentes no mundo natural.

    Alimentar-se um ato natural, uma imposio da natureza, mas a fome satisfeita com garfo,

    faca e carne cozida constituiria um fato cultural:

    A fome a fome, mas a fome que se satisfaz com carne cozida, que se come com faca ou garfo,

    uma fome muito distinta da que devora carne crua, com unhas e dentes (Marx, 1982, p. 9).

    A perspectiva marxista entende a separao entre o ser humano e a natureza, considerando

    que a sociedade humana produz necessidades to imperiosas quanto as naturais. Assim as

    sociedades humanas seriam dinmicas, factveis de mudana, enquanto a natureza tenderia a

    repor sempre os mesmos movimentos e a repetir sempre as mesmas necessidades. Logo, o ato

    de comer concerne ao mesmo tempo natureza biolgica do ser humano e sua cultura.

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    A imagem empregada por Marx, da presena da cultura na satisfao de uma necessidade

    natural, teve livre curso ao longo da reflexo sobre os vnculos entre natureza e sociedade, de

    forma que foi assim expressa por um autor contemporneo:

    ... a oposio tradicional entre natureza e cultura no significa que o homem, que se acreditaevoludo, tendo se tornado sujeito pensante, possa se emancipar do ciclo biolgico a que per-

    tencem outros seres vivos; comer, alimentar-se, um processo biolgico e cultural; uma cultura

    tambm julgada em funo do papel que ela atribui ao ato da refeio (Hell, 1989, p. 13).

    Considerar a alimentao como uma atividade histrica, logo cultural, significa entender

    que a cultura est ligada vida humana sob todos os seus aspectos. Assim, qualquer forma de

    existncia humana apresenta alguns fenmenos essenciais como comer, morar, falar, comu-

    nicar, deslocar, curar. Entretanto, as maneiras especficas como as pessoas comem, moram,

    falam, comunicam, curam-se, deslocam-se, constituem o diversificado quadro cultural em que

    se dividem as sociedades humanas.

    Alimentar-se um ato biolgico, alimentar-se com carnes cozidas, utilizando garfo e faca

    constitui um fato de civilizao, comer broa de milho com caf ralo, vatap ou buchada de

    bode exprime particularidades culturais, especfico de indivduos, de alguns agrupamentos

    humanos ou de certas sociedades.

    3. Verses de Cultura.

    As concepes desses fenmenos essenciais biolgicos e culturais da vida humana origi-

    naram uma srie de definies e de conceitos, como o de civilizao material. As naes, so-

    ciedades, regies, pases apresentam de maneira particular traos de sua civilizao material.

    Nesse quadro de diversidade histrica surgiram concepes classificatrias de culturas superi-ores e inferiores. No se trata, agora, de distinguir cultura e natureza, mas de distinguir diversas

    formas de cultura. O homem continua a exercer o poder de classificao, que lhe atribuiu Plato,

    mas no classifica mais somente as aves, os grous, mas tambm outros seres humanos.

    Os gregos antigos denominavam os povos que no falavam o seu idioma como brbaros. Os

    cristos classificavam os povos que professavam crenas diferentes das suas como incrdulos.

    No sculo XIX, foi elaborada a noo de evoluo e os pensadores europeus que a criaram eempregaram definiam vrias naes do mundo como atrasadas ou pouco desenvolvidas.

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    As classificaes estendiam-se e distinguiam, igualmente, grupos sociais no interior de mes-

    mas formaes sociais. Nos pases industrializados do sculo XIX, surgiu a expresso classes

    perigosas para designar aqueles grupos que eram vistos como ameaadores sociedade capi-

    talista e industrial. A classificao permanecia, entretanto, como fundamental para o exerccioda dominao social.

    A classificao, como uma espcie de arma capaz de dominar o outro, foi retomada pela

    sociologia contempornea. Pierre Bourdieu, na sua aula inaugural do Collge de France(1988),

    sustentou que o que seria particular s cincias humanas o fato delas operarem, classifi-

    cando os grupos sociais que estudam.

    Mas diferentemente do grou, aludido pelo dilogo platnico, os seres classificados peloscientistas sociais, as sociedades ou agrupamentos humanos, so, tambm, classificadores.

    Ou seja, o poder que a classificao conferiria aos homens sobre a natureza, na perspectiva

    platnica, poderia ser, de certa forma, atenuada ou contestada nas cincias sociais.

    Box 2

    Ver texto anexo de Pierre Bourdieu.

    De fato, o poder de classificao como forma de exerccio de domnio no somente sobre a

    natureza, mas tambm sobre os prprios seres pensantes, os homens, ganhou expresses cult-

    urais diversas ao longo da histria.

    O conto O Alienista, de Machado de Assis, publicado no livro Papis Avulsos, em 1882,

    a narrativa da constituio de um poder desptico na pequena vila de Itagua, no estado do

    Rio de Janeiro, pelo renomado cientista Simo Bacamarte.

    O poder do alienista derivou de sua competncia mdica, a fixao ou o conhecimento

    dos limites entre a loucura e a sanidade. Distinguindo esses estados da alma, Bacamarte pode

    inserir a populao de Itagua em duas categorias antagnicas e, assim, aplicar nos doentes os

    mtodos de cura apropriados.

    A pequena populao de Itagua ficou, assim, sob o poder do cientista, que dispunha

    metodicamente de seus destinos, ora classificando alguns como sos ou normais ora definindo

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    outros como enfermos e passivos de serem trancafiados na Casa Verde. Novamente seria a

    capacidade classificatria que permitiria o poder e o controle sobre os seres classificados.

    Box 3Ver texto anexo de Machado de Assis.

    Entretanto, como sustentou Bourdieu, h um campo tenso de fora prprio s classifica-

    es. Haveria classificaes e contra-classificaes. A classificao, por exemplo, de culturas

    inferiores foi contestada pelos elaboradores e defensores da noo de relativismo cultural.

    De fato, como resposta s concepes de culturas superiores e inferiores, apareceu a noode relativismo cultural: O relativismo cultural contenta-se em afirmar que uma cultura no

    dispe de algum critrio absoluto que a autorizaria aplicar essa distino s produes de outra

    cultura (Strauss e Didier 1988, p. 229).

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    Arte como Sistema Cultural.

    1. Hierarquia e Relativismo Cultural.

    O relativismo cultural abolia as hierarquias culturais e insistia no carter culturalmente

    profcuo das relaes entre civilizaes. As relaes entre sociedades primitivas e desenvolvi-

    das foram e so objetos de reflexo e de trocas culturais.

    O movimento artstico cubista seria um exemplo de absoro criativa de objetos de tribos

    africanas (mscaras, esculturas) pela arte europia. A releitura cubista daqueles objetos foi um

    dos fatores das modificaes culturais ocorridas nas sociedades ocidentais industrializadas na

    primeira metade do sculo XX.

    Ao lado da utilizao do conceito de cultura na anlise das sociedades primitivas, ou sem

    escrita, como preferia definir Lvi-Strauss, o conceito habitualmente empregado para distin-

    guir estratos culturais no interior das sociedades.

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    Uma das dicotomias mais recorrentes empregadas, tanto pelos pesquisadores quanto pelo

    senso comum, a que ope a cultura erudita cultura popular. A distino entre as artes e as

    culturas prprias s classes populares e as outras formas culturais e artsticas prprias s elites

    cultas habitual nas sociedades estratificadas, embora a noo de arte popular tenha surgido,apenas, no final do sculo XVIII, na Europa.

    O movimento histrico de afirmao dos direitos dos povos de decidirem sobre seu prprio

    destino deu origem a imagem do povo como sujeito da histria e, simultaneamente, como

    objeto de estudo de disciplinas eruditas, que foram nomeadas no sculo XIX, como folclore e

    etnografia.

    A valorizao da cultura e da arte populares, naquele momento, derivava, tambm, do des-pertar da conscincia nacionalista. Assim, foram atribudos s artes e s culturas populares certos

    valores positivos como a simplicidade, a sinceridade e, at mesmo, a ingenuidade de suas criaes.

    Os opositores da cultura popular, ao contrrio, enxergavam nos seus produtos ausncia

    de estilo, rudeza e falta de habilidade. De qualquer forma, as relaes entre cultura popular e

    cultura erudita foram objeto de reflexo de trabalhos significativos no sculo XX, como os de

    Mikhail Bakhtin, Franois Rabelais e a Cultura Popular da Idade Mdia e da Renascena, publi-cado em 1965, do historiador Carlo Ginzburg, O Queijo e os Vermes (1989)e de Peter Burke,

    Cultura Popular na Idade Moderna (1989).

    Esses vnculos podem ser considerados de maneira vria: como imposio da alta cultura so-

    bre a cultura popular; como degradao ou rebaixamento da alta cultura quando absorvida pelas

    camadas populares; como emprstimo mltiplo, de acordo com a noo de circularidade cultural.

    No entender de Lvi-Strauss, atrs do que chamamos de arte popular h algo extrema-mente complexo; existe um duplo movimento: por um lado, de conservao e, por outro, de

    vulgarizao ou de popularizao de temas que so, na origem, nobres, ou considerados como

    tais (Strauss e Charbonnier, 1989, p. 95-96).

    Bakhtin discerniu um movimento contrrio ao referido por Lvi-Strauss, notou a presena

    ativa de estratos de cultura camponesa popular nas obras do escritor erudito francs do sculo

    XVI Franois Rabelais, autor de Gargntua e Pantagruel.

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    Ginzburg, analisando um processo da Inquisio, em que Domenico Scandella, conhecido

    por Menocchio, um moleiro da regio do Friuli italiano no final do sculo XVI, foi ru, consta-

    tou a presena de elementos da alta cultura nas explicaes propagadas por ele sobre a origem

    do mundo. Mennochio interpretava os livros que lia, por meio das lentes da cultura oral doscamponeses do Friuli: No o livro em si, mas o encontro da pgina escrita com a cultura oral

    que formava na cabea de Menocchio, uma mistura explosiva (Ginzburg, 1989, p, 116).

    Ginzburg conclui, em O Queijo e os Vermes, que o curso da histria demonstra haver dife-

    renas de linguagem e analogias entre culturas subalternas e dominantes. Explicar as se-

    melhanas como difuso de cima para baixo, implica sustentar que as idias nascem somente

    em meio s classes dominantes.

    Box 4

    O filme brasileiro Deus e o Diabo na erra do Sol (1963), de Glauber Rocha, um exemplo de incorporao da forma narrativa da literatura de cordel nordestina numa

    expresso de cultura erudita. Voc conhece esse filme?

    No entender do autor, entre a alta cultura e a cultura popular haveria trocas subterrneas

    que podem ser discernidas pelas anlises dos fatos sociais e das expresses artsticas.

    Box 5Ver o conto O Duelo de Guimares Rosa, que reproduz a maneira

    de falar de um barqueiro do serto brasileiro.

    A dicotomia cultura popular e alta cultura reveste-se, s vezes, dos significados de cultura

    dominada e cultura dominante. O argumento que sustenta haver uma cultura dominante euma cultura dominada supe a existncia de dominao entre grupos de homens, fraes de

    classes ou classes sociais. Esse tipo de anlise, presente tanto na teoria marxista quanto na

    sociologia weberiana, explica os fenmenos de fora relativos s idias, assim como as prticas

    culturais, reportando-as s foras sociais dos grupos que seriam os seus suportes.

    Desse ponto de vista, a cultura popular seria um sub-produto da cultura dominante ou erudita.

    No lugar de circularidade cultural, esse ponto de vista, baseado na noo de domnio ideolgico,

    entende a cultura popular como receptora, simplificadora e divulgadora da cultura dominante.

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    No transcorrer do sculo XX, surgiram expresses que procuravam abarcar fenmenos cul-

    turais tpicos das sociedades contemporneas. Por exemplo, os contedos divulgados pelos

    meios de comunicao como o rdio, a televiso, as revistas em quadrinhos receberam a des-

    ignao de cultura de massa.

    As relaes entre a cultura erudita e a cultura de massa so objetos recorrentes de reflexo

    dos pesquisadores. Omar Calabrese, no captulo Pormenor e Fragmento, de A Idade Neo-

    Barroca (1988), argumentou que existiria um princpio comum que atravessaria a cultura de

    experimentao artstica das Bienais de Veneza, os programas de esporte e de auditrio da

    televiso italiana.

    Calabrese utilizou a noo de recada, para discernir esse princpio que alinhavaria fen-menos culturais, aparentemente heterogneos, numa poca ou sociedade determinadas.

    O autor empregou a noo de recada, criada pelo pesquisador Severo Sarduy no seu livro

    Barroco, publicado em 1975. No entender de Sarduy, o barroco italiano formaria um sistema

    cultural integrado porque constitudo por uma mesma viso de mundo que se expressaria nos

    quadros do pintor Caravaggio, nas arquiteturas de Borromini, nos poemas de Gngora e nas

    descobertas das rbitas elpticas dos planetas pelo Kepler. Calabrese sustentou que, na nossacontemporaneidade, uma espcie de esprito do tempo uniria, tambm, formas culturais ds-

    pares e diversas.

    Outros tericos, entretanto, insistiram na separao entre cultura de massa e cultura erudita,

    considerando a cultura de massa como mecanismo popular de alienao poltica ou de neutral-

    izao da conscincia crtica das populaes.

    Mesmo assim, no parece ter deixado de haver emprstimos e aproximaes entre culturade massa e cultura erudita no transcurso do sculo passado, de que exemplo, frisante, a pop

    art. Movimentos de vanguarda, no sculo XX, inspiraram-se na cultura de massa, a pop art

    apropriou-se e apropria-se criativamente das imagens divulgadas e consagradas pelas revistas

    em quadrinhos e pelo cinema.

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    Box 6O pintor Andy Warhol apropriava-se e fazia uma releitura da cultura de massa nas suas

    representaes de dolos e smbolos do glamour, da sensualidade e da contestao poltica da

    sociedade contempornea. Veja nos sites de busca, as representaes que o artista fez da atrizMarilyn Monroe e do lder da revoluo chinesa Mao s ung.

    Mas, retomando a definio de cultura apresentada por Fernando de Azevedo, produo,

    conservao e progresso dos valores intelectuais, das idias, das cincias e das artes (Azevedo,

    1958, p. 28), falta distinguir, nesse escopo ainda abrangente, as expresses artsticas. No interior

    do amplo universo cultural, atuam as formas artsticas que sero, a seguir, consideradas parte.

    2. As fronteiras precisas da idia de arte.

    O vocbulo arte, da maneira como entendido nos tempos atuais, data do sculo XVIII.

    Porm, a primeira definio desses objetos particulares, considerados mais contemporanea-

    mente, como artsticos, ocorreu na Grcia antiga com Plato.

    Antes, os filsofos pitagricos haviam definido a beleza como relao harmoniosa entre

    as partes de um todo, referindo-se, ao universo. O universo seria belo, assim como o corpohumano, as composies musicais, porque os vnculos entre suas partes constitutivas seriam

    proporcionais e necessrias. Sabe-se que as ligaes entre as partes seriam, de fato, necessrias,

    e no contingentes, desde que nenhuma parte pudesse ser retirada ou acrescentada sem que o

    todo se alterasse.

    Concebia-se uma ordem recndita no Universo, que foi expressa por Herclito, no sculo

    V a.C.: O Cosmos, o mesmo de todas as coisas, nem um deus, nem um homem o fizeram,

    mas e ser eternamente, o fogo que vive para sempre, acendendo em quantidades certas e

    apagando-se em quantidades medidas (Fragmento 30).

    Box 7No texto O Duelo, de Joo Guimares Rosa, um personagem do conto descreve o mundo

    como um cosmo ordenado. Aos olhos dos homens, a ordem csmicaparece estranha e bizarra.

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    Plato foi o primeiro pensador, na histria do Ocidente, a definir os objetos de arte como

    seres de imitao. Sua perspectiva tendia, no entanto, a desclassificar essas imitaes, argu-

    mentando que elas se encontrariam demasiadamente afastadas do mundo das idias, logo, da

    verdade, e seriam produtos da irracionalidade, ou segundo suas palavras, da alma irracional.

    Considerava que a atividade do arteso que fabricava camas e mesas seria mais til e im-

    portante que a dos artistas que imitavam as camas e as mesas feitas pelos artfices.

    No dilogo com Glaucn, no livro X deA Repblica, o Scrates platnico concluiu que, na ci-

    dade governada pelos filsofos, no haveria lugar para os imitadores artistas. O rude veredicto,

    que exclua os artistas dapolis, era, porm, temperado por uma afirmao de Scrates, quase no

    final do dilogo, segundo a qual ele aceitaria dialogar com os imitadores e mudaria de ponto devista caso eles o convencessem da utilidade dos seres de imitao para a vida dos cidados.

    Scrates impunha, entretanto, uma condio para o dilogo, os imitadores deveriam se

    apresentar para o debate desprovidos dos elementos de seduo e de convencimento dos in-

    terlocutores, que constituiriam a natureza mesma de suas atividades:

    ... se a poesia imitativa voltada para o prazer tiver argumentos para provar que deve estar

    presente numa cidade bem governada, a receberemos com gosto, pois temos conscincia doencantamento que sobre ns exerce; mas seria impiedade trair o que julgamos verdadeiro. Ou

    no te sentes tambm seduzido pela poesia, meu amigo, sobretudo quando a contempla atravs

    de Homero? [...] Logo, justo deix-la regressar, uma vez que ela se justifique, em metros

    lricos ou em quaisquer outros? [...] Concederemos certamente aos seus defensores, que no

    forem poetas, mas forem amadores de poesia, que falem em prosa, em sua defesa, mostrando

    como no s agradvel, como til para os Estados e a vida humana (Plato, 1993, p. 476).

    A crtica platnica confere, como se v, um poderoso poder de convencimento aquilo que

    ser definido, muitos sculos mais tarde, de forma artstica. O Scrates platnico aceitava

    dialogar com os amadores de poesia desde que eles sustentassem os seus argumentos desnu-

    dados de cores, mtricas e ritmos artsticos. No entender de Scrates, as formas artsticas, sem

    aqueles procedimentos, pareceriam rostos envelhecidos, que tiveram na juventude frescor, mas

    no beleza.

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    O livro A Poticade Aristteles foi, em certa medida, uma resposta excluso platnica

    das artes na cidade. Aristteles manteve a definio de Arte como mimesis, embora tenha

    alterado ou nuanado a concepo de imitao platnica.

    No livro X deA Repblica, a mimesisfoi associada a um espelho que refletiria as coisas e os

    seres do mundo. J Aristteles criou a noo de verossimilhana, segundo a qual, no lugar de

    imitao como espelho de objetos e de fatos acontecidos, as artes imitariam acontecimentos

    possveis, mas no reais, que no ocorreram, mas que poderiam ter ocorrido.

    No caso da poesia trgica ou pica, a fbula, ou seja, o conjunto das aes, representadas

    ou narradas, deveria ser convincente, internamente procedente, habilmente arranjada pelos

    imitadores de modo a fazer o pblico do teatro ou os leitores dos livros confundirem a ficocom a realidade.

    A argumentao aristotlica pressupe, pois, a existncia de uma diferena entre os seres de

    imitao e a realidade tangente. Alm disso, procurando responder crtica platnica da arte

    como expresso da alma irracional, Aristteles conferiu importncia s regras de fabrica-

    o, que deveriam ser atendidas e cumpridas pelos criadores de fbulas. Haveria um modo de

    operao, uma tcnica na criao das imitaes, um regime cannico que deveria ser conhe-cido e cumprido pelos imitadores.

    A palavra grega tchn foi traduzida pelo latim como arte, de forma que a palavra arte ter

    como significado, at o sculo XVIII, conhecimento tcnico. Os contedos dos termos tchne

    arteeram, basicamente, os mesmos: conhecimento e aplicao refletida de regras determinadas.

    Foi nesse sentido que arte apareceu na abertura do poema Os Lusadasde Lus Vaz de

    Cames publicado em 1572:Cantando espalharei por toda parte, Se a tanto me ajudar o engenho e arte. Engenho e

    arte recobrem as duas condies fundamentais para a elaborao do poema, criatividade men-

    tal e saber tcnico de composio do canto pico.

    No Renascimento Cultural italiano, do sculo XV, a definio mimtica da pintura ganhou

    com Leo Baptista Alberti um sentido imponente. No entender de Alberti, no livro Da Pin-

    tura, de 1436, o quadro seria uma janela aberta para o mundo, definio que reforava o seusignificado mimtico:

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    Aqui deixadas de lado outras coisas, direi apenas o que fao quando pinto. Inicialmente, onde

    devo pintar, trao um quadrngulo de ngulos retos, do tamanho que me agrade, o qual reputo

    ser uma janela aberta por onde possa eu mirar o que a ser pintado (Alberti, 1999, p. 94).

    Embora Alberti continuasse descrevendo, minuciosamente, a arte de pintar, o seu livro

    contm recomendaes prticas para a feitura de um quadro, ele acentuou, enfaticamente, o

    lado da criatividade do pintor, que deveria exprimir nos seus trabalhos grandes e significativas

    idias. Alberti tentava, assim, diminuir a importncia do trabalho tcnico, manual, em benef-

    cio da engenhosidade criativa.

    Este ponto de vista albertiano foi incorporado por Leonardo da Vinci no Tratado de Pintura

    que, constatando a importncia do trabalho manual para a escultura, considerou-a uma mani-festao cultural inferior pintura. O Renascimento cultural procurou diminuir a relevncia

    do trabalho manual na produo artstica.

    Alm disso, a definio de arte como mimesisgarantia, no entender de Leonardo, a prima-

    zia da pintura, a mais mimtica das artes, num perodo em que a sugesto de profundidade

    na superfcie plana do quadro, condio essencial para a boa reproduo visual do mundo, era

    produzida por meio da utilizao de princpios da geometria euclidiana na distribuio espa-cial das figuras. Concebia-se pintura o poder de exprimir o amplo universo da cultura, seja

    ele filosfico ou artstico.

    Box 8A Escola de Atenas do pintor Rafael Snzio exprime esse reconhecimento renascentista daextraordinria capacidade da pintura de espelhar o mundo. Veja no afresco de Rafael como

    a pintura acolhe as demais linguagens artsticas.

    A pintura, de par com seu efeito mimtico, reinou, por assim dizer, na histria cultural do

    Ocidente at o final do sculo XIX, quando foi revalorizado o trabalho estritamente manual

    na produo de objetos artsticos.

    Antes disso, uma dupla ruptura cultural ocorreu no sculo XVIII. A primeira foi o surgi-

    mento da Esttica propriamente dita como uma das disciplinas filosficas. A segunda foi a

    concepo que a beleza artstica independia da imitao da natureza, transgredindo a antiga

    definio da arte como mimesis.

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    O vocbulo arte mudou, tambm, de significado, deixando de estar associado a regime

    cannico, conhecimento e aplicao refletida de regras determinadas para a fabricao dos

    seres de imitao. A arte passou a ser compreendida como produtos culturais nascidos da sen-

    sibilidade, liberdade ou subjetividade de indivduos excepcionais.

    No lugar de cumprir cnones estritos, o grande artista produziria obras excepcionais, se-

    guindo seu gnio criador. No lugar da aprendizagem de cnones de confeco de obras de

    arte, postulava-se a vocao original do artista como fora criadora. O objeto artstico poderia,

    assim, j ser produzido dotado de beleza e considerado belo sem que a natureza fosse, obriga-

    toriamente, bela.

    3. A histria dinmica e o conceito mutvel.

    A viso da natureza alterou-se no ritmo das novidades culturais do sculo do Iluminismo.

    No lugar de se conceber a natureza como acabada, como ser para sempre, segundo a definio

    grega clssica, a natureza passou a ser vista como o espao de atuao humana:

    A imitao da natureza no servil; o artista completa a obra da natureza que ao mesmo

    tempo uma das fontes de suas percepes estticas e um guia indispensvel para a sua criao(Hell, 1989, p. 44).

    A razo iluminista acentuava o poder de interveno humana no mundo natural de forma

    a domin-lo, alter-lo e traz-lo para a convivncia social. O jardim passou, desde ento, a ser

    definido como uma das belas artes. A interveno humana na natureza visava apazigu-la e,

    de certa forma, socializ-la.

    A este respeito escreveu Giulio Carlo Argan:

    ... j nos meados do sculo XVIII, o termo romntico empregado como equivalente de

    pitoresco e referido jardinagem, isto , a uma arte que no imita e nem representa, mas, em

    consonncia com as teses iluministas, opera diretamente sobre a natureza, modificando-a,

    corrigindo-a, adaptando-a aos sentimentos humanos e s oportunidades e vida social, isto ,

    colocando-a como ambiente de vida (Argan, 1996, p. 12).

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    A concepo de pitoresco, como sustentou Argan, est ligada s primeiras manifestao

    do Romantismo no sculo XVIII. A literatura romntica brasileira descreveu, com sensibili-

    dade e preciso, a natureza brasileira em consonncia com essa nova viso artstica, de que so

    exemplos os textos anexos de Jos de Alencar e Bernardo Guimares.

    Acompanhando essas concepes sobre a relao do homem frente natureza, surgiram

    escolas de paisagistas na arte europia, como a inglesa, em que se distinguiram John Constable,

    William urner e um movimento pictrico francs, a Escola de Barbizon, da qual participa-

    ram Jean-Franois Millet, Todore Rousseau, Camille Corot, entre outros.

    Box 10Ver exemplos da pintura de paisagem inglesa dos sculos XVIII e XIX e do paisagismofrancs da Escola de Barbizon, do sculo XIX.

    No final do sculo XIX, novos paisagistas se distinguiram no quadro da arte pictrica oci-

    dental, como os impressionistas e seus sucessores, como Van Gogh, Gauguin e tantos outros.

    A noo de arte contempornea tem sua origem no sculo de transformaes e de rup-

    turas culturais que foi o sculo XVIII. Ao mesmo tempo, surgia o mercado de arte e o artistalibertava-se do sistema de mecenato.

    Mas nem todas as manifestaes artsticas libertaram-se, ao mesmo tempo, das imposies

    de um patrocinador onipresente no ato da criao artstica, o mecenas. Algumas libertaram-

    se primeiro, como foi o caso da literatura, favorecida por polticas de alfabetizao, empreen-

    didas por alguns Estados europeus. Outras permaneceram mais tempo atadas aos mecenas,

    como a msica.

    O livro de Norbert Elias,Mozart: Sociologia de um Gnio (1994), analisa a condies estritas

    e estreitas da vida e da produo do compositor, submetido s exigncias de dois mecenas, o

    Arcebispo de Salzbourg, e o Imperador da ustria.

    O drama pessoal de Mozart derivou, segundo a tese do autor, do fato do compositor expri-

    mir-se livremente nas suas composies, sem atender s consideraes e s exigncias musicais

    de seus protetores.

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    De Mozart a Beethoven, teria se constitudo, na Europa, o mercado consumidor de obras

    musicais, de forma que Beethoven pode agir com a desenvoltura e a liberdade de Mozart, sem

    sofrer as conseqncias que pesaram dramaticamente sobre a vida do seu antecessor.

    Mozart morreu isolado e foi enterrado numa vala comum, enquanto Beethoven recebeu,

    em vida, as glrias devidas sua genialidade. Com os movimentos de vanguarda no incio do

    sculo XX, novas rupturas se apresentaram, ressalte-se, desta vez, a subverso realizada pelos

    movimentos de vanguarda sobre espao plstico criado pelo Renascimento.

    Retomava-se, ao mesmo tempo, a concepo do artista como trabalhador manual e como

    tal produtor de objetos reais e no imitaes da realidade. No entender de Argan, foi a nfase

    atribuda ao trabalho manual que explicaria a importncia da xilogravura na pintura expres-sionista da Alemanha, no incio do sculo XX.

    Box 11As gravuras expressionistas so, pelos motivos referidos no texto, xilografias. As pinturas dosartistas do grupo expressionista de A Ponte procuram, igualmente, reproduzir as feies da

    xilogravura. Ver em sites de busca exemplos de gravuras expressionistas.

    Os artistas-artesos insistiam na importncia do trabalho manual sobre a matria resistente,

    a madeira. Como trabalhadores manuais, eles se viam como produtores de objetos reais, assim

    como os artesos. Consideravam que os seus produtos nasciam de atos de liberdade e de suas

    experincias de vida, os quais se exprimiam no produto final e eram, reversivamente, alterados

    por ele. O oposto ocorreria com o trabalho operrio, submetido s linhas de produo, sem

    poder manifestar qualquer veleidade de liberdade.

    Essa identificao do arteso com o artista remontava histria cultural do Ocidente doperodo anterior ao quattrocentoitaliano. Na Grcia antiga, a identificao do artista com o

    arteso (demiourgs) implicou na sua depreciao social. Observe-se, alm disso, que a asso-

    ciao entre o artista e o arteso ressurgiu no movimento expressionista alemo, num perodo

    histrico em que o trabalho produtivo era, sobretudo, industrial. O artista-arteso produziria,

    por oposio ao trabalho industrial, uma obra individualizada em que se expressaria a person-

    alidade do autor (Campomanes, 2000. p. 215).

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    De qualquer forma, permaneceu a distino do artista para com o operrio industrial,

    produtor de mercadorias padronizadas, em srie e impessoais. Os cubistas insistiram, igual-

    mente, na importncia da atividade manual para a fabricao artstica e procuraram incorporar

    a tcnica dos pintores de parede nos seus trabalhos, empregando, assim, no lugar dos pincisdos grandes mestres da pintura, inclusive renascentistas, os pincis dos pintores operrios.

    Por detrs dessa revoluo que ocorreu no incio do sculo XX, com os movimentos de

    vanguarda, pulsavam concepes inovadoras sobre arte e o fazer artstico. No lugar de imita-

    o da realidade, a arte passou a ser entendida como produtora de objetos reais. Em meio aos

    objetos utilitrios que nos cercam, existem, tambm, os objetos artsticos, que, embora dotados

    da mesma realidade, se particularizariam pelo fato de terem sido produzidos pelo trabalhodesalienado, criativo e livre. O trabalho operrio nas fbricas seria, ao contrrio, marcado pela

    ausncia de liberdade e pela alienao.

    Em certa medida, a arte passava a ser entendida como trabalho, em substituio das concep-

    es romnticas do artista guiado pelo entusiasmo ou pela chama criadora. O fazer artstico

    livre funcionaria, assim, no interior da sociedade capitalista de sujeio do trabalho, como um

    exemplo de liberdade que conteria potencialidade crtica e capacidade de modificao social.

    Ao longo do sculo XX, o conceito de arte foi extraordinariamente alargado, abrangendo, de

    forma relativamente semelhante como havia ocorrido na Inglaterra do sculo XIX, com John

    Ruskin e William Morris, no movimento das Artes e Ofcios, a atividade artesanal, elevando

    os artesos condio de artistas.

    Box 12

    Procurar nos sites de busca a biografia de William Morris edados ou informaes sobre a sua participao no Movimento ingls de Artes e Ofcios.

    Pierre Francastel, no livro A Realidade Figurativa, referindo-se aos formatos dos objetos

    utilitrios observou:

    odo objeto [comporta] necessariamente um aspecto prtico e um aspecto esttico [...]

    Os trabalhos recentes dos etngrafos tornaram mais evidente do que nunca essa verdade. O

    instrumento feito para um certo uso, mas no existe determinismo absoluto entre a neces-

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    sidade que faz fabricar o instrumento e a forma particular e infinitamente variada para um

    mesmo utenslio, na qual se detm cada grupo humano. As tcnicas primitivas personalizam

    esquemas de instrumental gerais em que o determinismo rigoroso do emprego caracteriza

    apenas um princpio; tratando-se do anzol ou da enxada de uma povoao primitiva, existeefetivamente dezenas de frmulas, equivalentes ao ponto de vista prtico. A forma pura, o tipo,

    s existe como abstrao. Donde se conclui pela interveno de um certo elemento de gosto,

    se no pessoal, mais exatamente coletivo ou social, na fixao dos modelos de ferramentas

    (Francastel, 1973, p. 50).

    No Ocidente europeu, o movimento Bauhaus vinculou o fazer artstico aos objetos de uso

    utilitrio. A arte recuperava, ao que parece, o seu significado original, de atividade tcnica, quepressupunha no somente imaginao criativa, mas saber agir, conhecer e aplicar, na confeco

    de objetos, tcnicas determinadas. O que no significava que a atividade artstica pudesse se

    resumir a pura aplicao de saberes tcnicos. Considerava-se, entretanto, o fazer, a etapa de

    produo do objeto, como to essencial para a criao, como a idia original ou a inspirao.

    Box 13A Escola de Arquitetura Bauhaus foi fundada, em 1919, por W. Gropius.Sua finalidade era recompor o vnculo da arte com a indstria, da maneira

    como existiu, no passado, entre arte e artesanato. A escola foi fechada em 1933,pelo governo nazista. Ver sites de busca sobre a Bauhaus.

    O pintor Joan Mir afirmava que [las] formas van tomando realidad conforme trabajo.

    Mas que ponerme a pintar algo, empiezo pintando, y, conforme pinto, el cuadro empieza a

    afirmarse o sugerise bajo mi pincel (apud Campomanes, 2000, p. 216). Picasso dizia que espe-

    rava a chegada da inspirao no trabalho: Que cuando la inspiracin me llegue, me encuentretrabajando (apud Campomanes, 2000, p. 216).

    A arte como trabalho produtivo foi um dos aspectos considerados pela reflexo esttica do

    sculo passado, de que exemplo o livro de E. Fisher. A Necessidade da Arte, talvez, devido

    importncia da produo industrial para o cotidiano das pessoas e s propostas polticas de

    transformao e revoluo sociais, que eram acompanhadas pela crtica explorao do oper-

    ariado e s formas de trabalho alienado.

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    4. Indstria e Arte.

    Os vnculos da produo artstica com a indstria so variados. O Futurismo italiano inten-

    tava imprimir nas suas esculturas e pinturas o ritmo veloz do mundo industrial, incensando,ao mesmo tempo, os seus produtos. Marinetti escreveu, no Manifesto Futurista de 1909, que

    o esplendor do mundo se enriqueceu com uma beleza nova: a beleza da velocidade. Um au-

    tomvel de corrida com seu cofre adornado de grossos tubos como serpentes de flego explo-

    sivo... um automvel rugidor, que parece correr sobre a metralha, mais belo que a Vitria de

    Samotrcia. (citado. eles, 1986. p. 91).

    O ready made estabelecia, tambm, uma relao estreita e visceral com os objetos fabrica-

    dos, mas no sentido diferente, e mesmo antagnico, dos pontos de vistas futuristas. ratava-se

    de descontextualizar, transgredindo as funes para as quais foram feitos, os objetos utilitrios

    produzidos em srie pela economia industrial. Marcel Duchamp enviou, em 1917, para uma

    exposio artstica em Nova York, um urinol de banheiro masculino, intitulado Fontaine (fonte).

    No mbito dessas experimentaes culturais, as significaes de arte, modificavam-se. As

    artes eram consideradas cada vez mais como os objetos propostos como artsticos. Era arte o

    que era apresentado por algum e aceito por um grupo de indivduos como arte. Insistia-se,assim, no carter estritamente cultural do objeto artstico.

    Os ready made, por exemplo, eram objetos fabricados, que foram apropriados por um ar-

    tista e enviados a um espao expositivo reservado para objetos de arte, como sales, museus

    etc. Um ready made somente ganha significado cultural quando expostos nesses ambientes

    artisticamente consagrados, quando propostos, deliberadamente, como objetos artsticos ou

    anti-artsticos.

    Box 14

    Procurar, nos sites de busca, dados e informaes sobre o ReadyMade, de Marcel Duchamp, de 1917, A Fonte.

    No incio da reflexo filosfica sobre arte na histria do Ocidente, Aristteles havia escrito

    que imitar era natural aos homens, e nisso eles se distinguiam dos animais. O pensamento

    clssico considerava, no entanto, que nem tudo poderia ser arte e, logo no incio da Potica,

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    Aristteles definiu, com preciso, os seres de imitao: a epopia, o poema trgico, a msica, a

    dana, a pintura.

    J nos movimentos de vanguarda, do sculo passado, esfumaaram-se os limites precisosdos objetos artsticos. Como a arte um fato cultural, portanto, exclusivo das relaes huma-

    nas, ser arte aquilo que for definido, considerado e tido socialmente como arte.

    Assim mesmo os objetos mais aparentemente anti-artsticos acabaram incorporados, mui-

    tas vezes contrariamente s intenes originais dos seus criadores ou propositores, no sistema

    cultural das artes. E. Gombrich, no prefcio do seu manual deA Histria da Arte, Sobre Arte

    e Artistas, escreveu que nada existe realmente a que se pode dar o nome de Arte. Existem

    somente artistas (...) Arte com A maisculo no existe (Gombrich, 1993, p. 3).

    Deduz-se, dessas afirmaes do autor, que existiria arte com a minsculo, considerando

    que os diversos perodos histricos definem arte de forma diferente. Gombrich acentuava,

    ainda, que o conceito de arte , relativamente, recente, e que a Humanidade, embora tenha

    forjado artefatos esculturais, pictricos, arquitetnicos, raramente, se preocupou em precis-

    los e defini-los.

    Concluiu, ainda, que como no existiu e nem existe uma definio absoluta para a Arte, aohistoriador da cultura caberia captar e analisar o que tal ou qual sociedade pensou e considerou

    como sendo arte, insistindo, no entanto, que grandes civilizaes, como a egpcia, produziram

    objetos artsticos sem design-los com termos, palavras ou vocbulos especficos.

    As sociedades industrializadas contemporneas denominaram de arte tanto os ready made

    do Marcel Duchamp quanto o Porco Empalhado, de 1967, do Nelson Leiner, que se encon-

    tra, atualmente, na Pinacoteca do Estado de So Paulo.No ritmo dessas experimentaes culturais mais diversas e radicais, modificaram-se no so-

    mente o conceito de arte, mas tambm a imagem e o papel criativo do artista. De apresentador

    de uma obra acabada, ele se torna cada vez mais um propositor de situaes artsticas em que

    a participao ativa do fruidor fundamental.

    Os Parangols (1964) de Hlio Oiticica, capas, mantos, roupas, estandartes, por exem-

    plo, exigem a participao do pblico, a obra somente cumpre a inteno artstica de seu

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    propositor com a participao efetiva do pblico, que deixa de ser somente observador, para

    se tornar co-autor da experimentao cultural.

    Nos Parangols, os observadores se transformam em participantes, no momento em quevestem as capas, as roupas, os estandartes para danarem. No entender de Hlio Oiticica, o

    artista no seria mais um criador para a contemplao, mas um motivador para a criao. Os

    Parangols apenas se tornam obra quando vestidos pelos participantes.

    H uma trajetria delineada pela arte de Hlio Oiticica, uma espcie de migrao da arte

    da tela para o espao e do espao para o corpo, de que so exemplos os Parangols.

    Box 15H diversas imagens de danarinos vestidos com os Parangols do Oiticica. H imagensdo Mosquito, garoto passista da Escola de Samba Mangueira, vestido com os Parangols.

    Procurar essas imagens nos sites de busca.

    A arte tecnolgica da nossa atualidade repe a mesma exigncia da presena atuante do

    observador. O pressuposto nessa transformao do observador em participante que qual-

    quer pessoa pode ser artista. Qualquer coisa pode ser arte e qualquer indivduo pode ser artista.Ao mesmo tempo, as idias de beleza foram dissociadas do objeto artstico. O Porco Em-

    palhado, de Nelson Leiner, sem ser dotado de qualquer atributo de beleza, foi tido como

    objeto artstico. O feio pode ser arte.

    As mudanas das concepes da beleza artstica podem ser medidas, tomando-se dois ob-

    jetos como pontos de referncia. No incio do sculo XIX, a escultura em mrmore Apolo do

    Belvedere, cpia romana de um original em bronze do perodo clssico da Grcia, atribudoa Leoncares, era definida como a realizao perfeita do ideal artstico. O Imperador francs

    Napoleo Bonaparte gabava-se de t-la levado da coleo do Vaticano para a Frana.

    Box 16Procurar nos sites de busca a escultura Apolo do Belvedere e

    algumas Mscaras Africanas do incio do sculo XX.

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    Cem anos depois, as transformaes artsticas mais radicais ocorridas na Europa inspira-

    vam-se nas mscaras e esculturas africanas que artistas, como Picasso e Apollinaire, conhece-

    ram no Museu de Etnografia de Paris. Como analisar as razes dessa mudana profunda de

    perspectiva cultural?

    Box 17Assista o vdeo Isto Arte? do Ita Cultural, no endereo eletrnicohttp://www.itaucultural.org.br/istoearte/index.html?cd_pagina=1245

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    A Pesquisa em Arte e Concepes

    Contemporneas de Cultura.

    1. Caminhos e Procedimentos da Anlise Contextual.

    Gombricht na introduo da Histria da Arteescreveu que nada existe realmente a que se

    possa dar o nome de arte. Argumentou que arte com A maisculo no existe e que a palavra

    arte e a noo de arte, alm de muito recentes na histria da Humanidade, tiveram significados

    diferentes ao longo da histria.

    Uma questo essencial dirigia as reflexes de Gombrich sobre a histria da arte e da pin-

    tura em particular, o da representao pictrica, das mudanas dos modos de representao

    pictrica atravs dos sculos. O que determinaria as mudanas na maneira de pintar entre os

    diversos momentos da histria da arte?

    Descartando as explicaes evolucionistas do pensamento e das tcnicas de expresso, que

    consideram as sociedades mais recentes como mais desenvolvidas, o autor, num texto de 1954,procurou explicar o sistema de figurao da antiga arte egpcia.

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    No seu entender, o que explica as mudanas no modo de pintar ao longo da histria seria

    o fato das sociedades verem o mundo de maneira diferente. Gombrich insistia no argumento

    que o artista no retrata o que capta pelos sentidos, mas, ao contrrio, reproduz o que pensa

    ser o mundo e a realidade. Pinta mais o que julga saber do mundo do que o que efetivamentev. Entre o olho de um pintor e a paisagem que retrata haveria muito mais coisas em jogo, que

    devem ser consideradas, discernidas e analisadas pelo historiador das artes.

    Gombrich escreveu uma histria das manifestaes artsticas, procurando contextualiz-la

    no momento scio-cultural em que vieram luz. Escreveu, assim, uma histria da arte apa-

    rentada com a histria do intelecto e da cultura, entrelaada com a antropologia, a histria das

    religies, com a psicologia, com o conhecimento da Antiguidade clssica.Insistia que um pintor das cavernas, na pr-histria, no era pior desenhista que um artista

    contemporneo. As diferenas de sua arte para com as produes atuais residiriam na maneira

    peculiar como via e entendia o mundo. Gombrich descartava, dessa forma, as explicaes base-

    adas nas teorias do desenvolvimento histrico, em favor do conceito de cultura e de histria

    cultural.

    Box18Procurar nos sites de busca reprodues das pinturas pr-histricas da Caverna de Altamira,

    na Espanha, e refletir sobre o argumento do Gombrich, segundo o qual os pintores pr-histricos so to refinados desenhistas e coloristas como os atuais.

    alvez pudssemos apresentar alguns exemplos de aplicao na histria da arte do mtodo

    gombrichiano, considerando a ruptura cultural ocorrida nos sculos XVIII e XIX. O substan-

    tivo artista somente foi criado nesse sculo das Luzes. Algumas razes, talvez, expliquem o

    surgimento dessa novidade cultural, dessa idia de artista.

    Nesse mesmo perodo, entre os dois sculos acima citados, o trabalho artstico foi consid-

    erado distinto do trabalho produtivo, cada vez mais exercido nas indstrias, que se expandiam

    da Inglaterra para outras sociedades europias.

    De fato, com o surgimento do trabalho industrial, substituindo o trabalho artesanal, o modo

    de criao artstico distinguiu-se, tornou-se mais ntido e visvel no interior das sociedades em

    fase de industrializao. Se antes pudesse haver algumas semelhanas entre a operao artstica

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    e a atividade artesanal, agora ficava patente a diferena do modo de proceder dos artistas para

    com o dos operrios industriais.

    Ao mesmo tempo, constitua-se o mercado consumidor de objetos de arte, libertando, porassim dizer, o artista das imposies do sistema de mecenato. O criador deixou, ento, de ter

    vnculos prximos e diretos com os seus patrocinadores. Entre o pintor, por exemplo, e o seu

    pblico apareceu a figura do comerciante de quadros, que distribua os produtos no mercado.

    A autonomia e a liberdade alcanadas pelos criadores so essenciais para a definio de uma

    categoria de produtores denominados de artistas. Alm disso, a industrializao impulsionava

    a urbanizao das sociedades, como a inglesa e a francesa. Em meio as populaes expulsas

    do campo, nascia um sentimento de nostalgia duma existncia recentemente perdida, que seexprimia e refletia no advento da pintura de paisagens na Inglaterra e na Frana, a partir da

    segunda metade do sculo XVIII.

    O historiador Keith Tomas, em O Homem e o Mundo Natural: mudanas de atitude em rela-

    o s plantas e aos animais 1500 1800, ligou esse sentimento de afeto pela vida campestre

    e natural na Inglaterra expanso industrial:

    Essa afeio pelo campo, real ou imaginria, no se confinava s classes altas, sendo comuma muitos indivduos da primeira nao industrial [...] medida que as fbricas se multipli-

    cavam, a nostalgia do morador da cidade refletia-se em seu pequeno jardim, nos animais de

    estimao, nas frias passadas na Esccia, ou no Distrito dos Lagos, no gosto pelas florestas

    silvestres e a observao de pssaros, e no sonho de um chal de fim de semana no campo

    (Tomas, 1988, p. 16).

    Resumindo, considerando a arte como sistema cultural, pode-se entend-la por meio da pro-cura e da fixao de seus vnculos estreitos com o local social e momento histrico em que surgiu.

    ambm Erwin Panofsky elaborou um mtodo de entendimento dos fenmenos artsticos

    inserindo-os no momento scio-cultural de sua produo. A iconologia, na maneira em que o

    autor a apresenta no Prefcio deEstudos de Iconologia (1995), prope a insero gradual da obra

    de arte em trs patamares complementares.

    Num primeiro momento, o pr-iconogrfico ou o icnico, observa-se a dimenso plsticado objeto artstico, considerando-o internamente, em si mesmo. No caso da pintura, trata-se

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    de discernir linhas, cores, volumes na superfcie pintada. Em seguida, no nvel iconogrfico,

    importa ao analista o contedo temtico secundrio, o mundo das imagens, as convenes pic-

    tricas dos quais a obra participa, e que permite a sua identificao como fenmeno, tambm,

    coletivo. O objeto artstico referido ao movimento cultural de que faz parte.

    O terceiro momento, o iconolgico, descerra a viso de mundo subtendida pela imagem, o

    seu significado intrnseco e simblico. A iconologia divide a obra de arte em trs partes, pro-

    duzindo trs pormenores, para melhor consider-la na sua totalidade.

    Pode-se indagar pelos contedos icnicos, iconogrficos e iconolgicos da Santa Ceia pin-

    tada por Leonardo da Vinci nas paredes do Mosteiro do Convento Santa Maria das Graas

    em Milo, entre 1495 e 1498.

    Num primeiro momento, consideram-se as cores, o desenho, os volumes, a distribuio das

    figuras no espao, a tcnica do afresco empregada pelo artista etc. No aspecto iconogrfico, a

    Santa Ceia uma pintura do Renascimento italiano, as figuras tm volume e o espao pic-

    trico tridimensional, sugerido pela perspectiva geomtrica.

    O desvelamento do seu significado simblico, iconolgico, exige o conhecimento dos pre-

    ceitos religiosos do cristianismo. No se trata simplesmente de uma Ceia, a pintura de Leon-

    ardo um gape, a celebrao de um amor universal, em que se anuncia o sacrifcio do Cor-deiro pascal na figura de Cristo, em benefcio da redeno da Humanidade. Na ltima Ceia

    institudo o Sacramento da Eucaristia, a transformao do po e do vinho no corpo e no

    sangue de Cristo.

    Box 19(Link 19): Procurar nos sites de busca imagens de A Santa Ceia de Leonardo da Vinci e

    rever, re-aplicando ao afresco, o caminho de anlise proposto por Panofsky.

    Omar Calabrese em a Idade NeoBarroca(1988) perfaz, igualmente, uma anlise contextu-

    alizada das expresses artsticas contemporneas, veiculando-as a um gosto comum do nosso

    tempo, um horizonte comum de gosto, um esprito do tempo, a projeo do fragmento, a

    perda da totalidade nas sociedades contemporneas.

    A arte do fragmento dialogaria assim com outras expresses culturais como o pensamento

    filosfico, o Michel Foucault daArqueologia do Saber, a micro-histria de Carlo Ginzburg deO Queijo e os Vermes, a cultura de massa dos programas de auditrio de televiso.

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    A perda da noo de totalidade explicaria, segundo Calabrese, a crise dos grandes sistemas

    explicativos das sociedades humanas, como o marxismo e o estruturalismo.

    2. Sistema Cultural e Artstico: Dilogos e Emprstimos.

    A expresso Arte como Sistema Cultural encerra trs conceitos: os conceitos de arte, de

    sistema e de cultura. As noes de cultura e de arte j foram apresentadas, falta precisar a

    noo de sistema.

    O conceito de cultura foi, como vimos, elaborado no final do sculo XVIII, assim como

    o de civilizao. Na sociologia, na antropologia e na psicanlise freudiana, houve uma fuso

    entre as noes de cultura e de civilizao, que passaram a ser vistas como constituindo uma

    unidade conceitual.

    Preferimos, ao longo desse texto, discernir cultura e civilizao e, ainda, no interior do uni-

    verso cultural, proceder a uma nova diviso, isolando a atividade artstica dos demais fenme-

    nos culturais. As artes foram, portanto, compreendidas como elemento do universo cultural,

    dotado de caractersticas, relativamente, prprias ou especficas.

    Essas divises progressivas (entre cultura e civilizao; entre arte e cincia, por exemplo)

    so condies essenciais para que a arte seja pensada como sistema cultural. E aqui, faz-se

    necessrio definir o que se entende por sistema.

    Sistema a totalidade constituda por partes, em que cada uma delas mantm uma relao

    ordenada com as outras e com o todo. O conceito de sistema supe a existncia de um todo

    orgnico formado por partes integradas.

    Pode-se falar num sistema de arte, pensando-se o universo artstico integrado por vrias

    linguagens artsticas, como a literria, a pictrica, a musical, a escultural, a arquitetural, a teat-

    ral etc. Dessa forma, possvel entender a arte como sistema de relaes de expresses e de

    objetos artsticos.

    A histria da arte , em certa medida, a anlise dos dilogos das linguagens artsticas. No

    Renascimento Cultural italiano dos sculos XIV, XV e XVI, a pintura absorveu elementos

    da linguagem escultrica. As figuras renascentistas passaram a manifestar uma impresso de

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    tridimensionalidade, inexistente, por exemplo, na pintura bizantina. Ganharam, portanto, uma

    sugesto de relevo escultural.

    Pensar os dilogos entre linguagens artsticas pressupe pens-las como sistema. O con-ceito contemporneo de traduo inter-semitica, que se aplica aos dilogos artsticos, ba-

    seia-se na concepo de arte como sistema.

    Pode-se apresentar como exemplo de traduo inter-semitica a musicalidade de alguns

    textos literrios, de que so exemplos os poemas simbolistas. As poesias melodiosas recebem

    a designao de melopias. Alguns poemas dialogam com as artes plsticas e, como tais, so

    definidos como fanopias.

    Imagens pictricas foram traduzidas para a linguagem cinematogrfica. O filme de Stanley

    Kubrick, Barry Lyndon, lanado em 1975, procurou inspirar-se nas imagens e captar a atmos-

    fera da pintura de paisagem inglesa do final do sculo XVIII e incio do XIX.

    Box 20Sugesto: Assistir ao filme Barry Lyndon de Stanley Kubrick, buscando estabelecer seu

    dilogo com a pintura de paisagem.

    A adaptao de textos literrios para a linguagem cinematogrfica fato recorrente na

    histria do cinema. Mesmo no cinema brasileiro, h exemplos de adaptaes bem sucedidas.

    O livro do escritor Graciliano Ramos, Vidas Secas, publicado em 1938, foi levado para o

    cinema por Nelson Pereira dos Santos, em 1963. O diretor procurou ser fiel ao discurso livre

    indireto em que narrado o romance.

    A trama vista por meio dos olhares e dos sentimentos das personagens. Da mesma forma

    que no romance, h, no filme, poucos dilogos. O cinema pode ser fiel ao discurso livre indi-

    reto por meio do emprego do recurso formal da cmara subjetiva, que exprime o olhar e os

    sentimentos das personagens. A relao entre cinema e literatura ocorre no interior do sistema

    das artes.

    Box 21Sugesto: ler alguns captulos do romance Vidas Secas, por exemplo,

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    o captulo O Menino Mais Novo e, em seguida, observar como esse mesmo personagemapareceu no filme de Nelson Pereira dos Santos.

    Extrapolando o sistema das artes, pode-se refletir sobre o fenmeno artstico no interior deum sistema cultural mais amplo e abrangente. Gombrich, como vimos, escreveu que um artista

    representa mais diretamente a sua viso de mundo, do que os objetos, pessoas, paisagens que

    observa. Dessa forma, os saberes do mundo determinariam, em larga medida, as expresses

    artsticas.

    Para muitos tericos, a espacialidade das pinturas cubistas expressaria plasticamente os con-

    hecimentos sobre o mundo trazidos pela Lei da Relatividade Restrita, divulgada, em 1905,

    pelo cientista Albert Einstein.

    Se compararmos um quadro de Picasso com pinturas, por exemplo, do sculo XIX, ver-

    emos que o cubismo aboliu a distino de tratamento plstico entre figura e fundo. O espao

    representado de maneira semelhante representao das figuras. Segundo alguns crticos, o

    cubismo procuraria conferir forma concepo do dinamismo espacial, da mutabilidade do

    espao, da fsica einsteiniana.

    De acordo com a Lei da Relatividade, um objeto que se deslocasse na velocidade da luz

    produziria um encolhimento do espao. Assim, o espao deixou de ser concebido como neutro

    e invarivel.

    A pintura renascentista figuraria o espao, seguindo os postulados da geometria clssica,

    a pintura cubista de acordo com as descobertas da cincia do sculo XX. Logo, no cubismo

    esfumaa-se a distino entre figuras e fundo.

    Box 22Procurar nos sites de busca o quadro de Pablo Picasso

    Retrato de Ambroise Vollard (1910, Museu Puchkin, Moscou) e o quadrode Jacques-Louis David Retrato de Madame Recamier (1800, Museu do Louvre, Paris).

    Comparar o tratamento do espao num e noutro.

    Pode-se, ainda, analisar os objetos artsticos, inserindo-os numa esfera ainda mais ampla

    e abrangente, e buscar neles seus diversificados vnculos com as condies materiais da vida

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    social. A Srie Sertaneja de Cndido Portinari, pintada entre 1944 e 1945, pertencente ao

    Museu de Arte de So Paulo (MASP), retrata, em grandes painis, famlias de retirantes do

    nordeste brasileiro, vitimadas pela seca.

    A Srie, alm de representar a misria social, exprime, mesmo que implicitamente, uma

    viso da arte como fator de esclarecimento de conscincia poltica e de denncia social. As te-

    las so uma denncia crua das condies de vida de parcela substancial da populao brasileira.

    Box 23Procurar nos sites de busca os painis da Srie Sertaneja de Portinari:

    Os Retirantes, Enterro na Rede e Criana Morta.

    Finalizando, pode-se, ainda, entender a arte como sistema, considerando que os diversos

    estratos culturais manifestam-se por meio de obras literrias, musicais, plsticas particulares.

    anto quanto existiria uma cultura de massa, haveria uma arte de massa, por exemplo. A uma

    cultura popular corresponderia uma arte popular, a uma cultura marginal uma arte marginal.

    Em suma, ver a arte como sistema exige que se atente para um amplo e variado universo de

    relaes culturais e histricas.

    3. Vises Contemporneas de Cultura.

    A cultura entendida como uma sorte de complementao humana s imposies da vida

    natural, tem como pressuposto a noo que a vida social construda, logo, mutvel, variada e

    transitria. Em meados do sculo XIX, novos padres culturais e artsticos foram instaurados

    nos pases ou naes que passavam por um ritmo acelerado de crescimento econmico, fato

    que impulsionou a emergncia de grandes cidades.

    O ritmo das transformaes foi percebido e sentido pelos pensadores e artistas daquele

    perodo. Marx e Engels no Manifesto do Partido Comunista, publicado em 1848, escreveram

    que a fora da economia capitalista, movida pela procura do lucro financeiro, transformaria a

    avassalaria o mundo:

    A burguesia rasgou o vu do sentimentalismo que envolvia as relaes de famlia e reduziu-

    as a simples relaes monetrias [...] Foi a primeira a provar o que pode realizar a atividade

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    humana: criou maravilhas maiores que as pirmides do Egito, os aquedutos romanos, as cat-

    edrais gticas; conduziu expedies que empanaram mesmo as antigas invases e as cruzadas.

    (Marx e Engels, 1977, Vol. III, p. 24).

    O poeta francs, Charles Baudelaire, exprimiu, num dos seus poemas, A Passante, publi-

    cado, em 1857, no livroAs Flores do Mal, as modificaes por que passou o sentimento amo-

    roso no mundo ruidoso e vertiginoso das grandes cidades.

    Box 24Ler e interpretar o poema A Passante de Baudelaire, relacionando e problematizando a

    descrio potica da beleza com o lugar ou o meio social de sua apario.

    De fato, a emergncia das metrpoles alterou substancialmente o modo de vida social e

    instaurou novos padres culturais. A esse respeito, Raymond Williams observou:

    Por uma variedade de razes sociais e histricas, a metrpole da segunda metade do sculo

    XIX e da primeira metade do sculo XX moveu-se rumo a uma direo bastante nova. Ela era

    agora muito mais do que a cidade imensa, ou mesmo, muito mais do que a capital de uma na-

    o importante. A metrpole era o lugar no qual novas relaes sociais, econmicas e culturaiscomeavam a ser formadas, relaes que iam alm tanto da cidade como da nao em seus

    sentidos herdados: uma nova fase histrica que seria, de fato, estendida, na segunda metade do

    sculo XX, a todo o mundo, ao menos potencialmente. (Williams, 2011, p. 20).

    Mais frente, o autor concluiu sobre este mesmo tema:

    Assim, o fator cultural chave da mudana no modernismo est no carter da metrpole,

    tanto nas condies gerais discutidas anteriormente quanto, de forma ainda mais decisiva,nos seus efeitos diretos sobre a forma. O elemento geral mais importante das inovaes na

    forma est na realidade da imigrao para a metrpole, e nunca demais enfatizar quantos

    dos principais inovadores eram, nesse sentido preciso, imigrantes [...] Liberados e rompendo

    com suas culturas nacionais e provinciais, situados em meio a relaes bastante novas diante

    de outras lnguas ou tradies visuais nativas, encontrando, nesse meio tempo, um ambiente

    comum novo e dinmico do qual muitas das formas antigas estavam obviamente distantes, os

    artistas, escritores e pensadores dessa fase encontraram a nica comunidade disponvel e eles:a comunidade do meio; a comunidade de suas prprias prticas. (Williams, 2011, p. 22).

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    Raymond Williams disserta sobre uma metrpole produzida, no somente pelo desenvolvi-

    mento capitalista e pela concentrao de riquezas, mas pela dominao imperialista de amplos

    territrios fora do continente europeu. As capitais desses Estados imperialistas agregavam

    populaes de procedncias sociais e culturais variadas. Essas massas de recm-chegados,deslocados de sua cultura de origem, e, agora, inseridos nas metrpoles, tenderam a formar

    grupos dissidentes e divergentes da cultura estabelecida e oficial.

    No entender do autor, essa nova sociabilidade cultural no teria sido possvel caso seus

    agentes, artistas e pensadores, permanecessem dispersos e enclausurados nas suas tradicionais

    sociedades de origem. Dessa forma, teria surgido o ambiente social de emergncia de uma

    cultura e de uma arte de vanguarda caracterizadas pela ruptura para com a situao artsticaestabelecida.

    O Impressionismo teria nascido dessa conjugao especial do dinamismo da vida na metr-

    pole com a constituio de grupos de inovadores e experimentadores culturais. Arte dupla-

    mente urbana, o Impressionismo, ao mesmo tempo em que descobriu a qualidade da paisagem

    urbana, comeou a enxergar o mundo por meio de um olhar tambm urbano, olhares de indi-

    vduos socialmente formados pela existncia metropolitana.

    A era das metrpoles tambm a poca da expanso da industrializao para fora da In-

    glaterra e da utilizao dos conhecimentos cientficos na produo de mercadorias, como a

    aplicao da qumica indstria e agricultura.

    A cincia revolucionou tambm as formas de deslocamento humano, encurtou distncias,

    com o navio e a locomotiva a vapor, facilitou os contatos humanos, com os novos meios de co-

    municao, como o telgrafo eltrico. A locomotiva a vapor criou um novo conceito de espao,

    a velocidade ganhou lugar no cotidiano do homem citadino, cada vez mais imerso nas grandesmultides.

    Surgiram, igualmente, como produto da industrializao, novas formas de arte como a foto-

    grafia, na primeira metade do sculo XIX, e o cinema, no ltimo decnio do sculo. A fotogra-

    fia provocou uma alterao na arte pictrica, medida que a liberou da sua tarefa tradicional

    de representao veraz da realidade. Com a fora de realidade manifestada pela fotografia,

    essa antiga funo de captar o real, que era, at ento, apangio da pintura, foi substituda pelo

    registro fotogrfico.

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    O ttulo do quadro a leo de Claude Monet, que deu nome ao movimento, Impresso,

    nascimento do sol, no deixa de ser um manifesto resumido das intenes dos novos pintores:

    a impresso sobre o nascimento do sol que importava e no a cpia perfeita do amanhecer.

    Essa tela de Monet participou da Primeira Exposio de Conjunto dos Impressionistas, re-

    alizada no Estdio Fotogrfico de Nadar, em 1874, no Boulevard d