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8/6/2019 SALAZAR - O ANTIFASCISTA?
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SALAZAR, O «ANTIFASCISTA»?
«Homem do centro, antifascista, conservador»: Salazar visto pelos
Nacional-Sindicalistas.
Em 1933, o Movimento Nacional-Sindicalista, herdeiro ideológico do Integralismo
Lusitano e herdeiro material de organizações de extrema-direita como a Cruzada
NunÁlvares e a Liga Nacional 28 de Maio, dirigido por Francisco Rolão Preto, crescera
vertiginosamente, disputando o terreno à oficial e a pagada União Nacional.
Pressentindo o perigo, Salazar organiza o contra-ataque. O Revolução, órgão dos
nacional-sindicalistas, é censurado e suspenso; reuniões e desfiles são proibidos; sedessão encerradas; são-lhes negados espaços públicos para reuniões. Em finais de 1933, é
lançada a Acção Escolar Vanguarda, dirigida a partir do Secretariado da Propaganda,
destinada a disputar a juventude aos seguidores de Rolão Preto. E em Novembro Rolão
Preto fora forçado a convocar um congresso dos nacional-sindicalistas, de que sai
vencedor, mas onde surge abertamente o desafio de um grupo cisionista defensor de
que o NS acerte o passo com Salazar e o seu regime.
Panfleto da Acção Escolar Vanguarda, organizada a partir do Estado para disputar a juventude aos naciona is-
sindicalistas.
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O Revolução Nacional
A partir de 1 de Março de 1934, o grupo cisionista dispõe de um órgão de
imprensa, o Revolução Nacional , «diário nacional-sindicalista da tarde», exactamente a
mesma legenda que o perseguido Revolução de Rolão Preto, que se destina a
combater. O seu director é Manuel Múrias, um dissidente NS. Numa nota na primeirapágina, em nome do Directório do Movimento Nacional -Sindicalista, afirma-se:
«Acontecimentos recentes determinaram uma reacção na posição política do
Movimento Nacional-Sindicalista. O Directório, em obediência ao mandato imperativo
que o Congresso de 25 de Novembro lhe outorgou, resolveu o tríplico [sic] problema
da actuação política do N.S., da modificação da sua estrutura e da criação de um jornal
que fosse o veículo do seu pensamento na imprensa diária da capital. () O jornal é
Revolução Nacional .»
No editorial deste primeiro número, para que não houvesse dúvidas, era reiterado
o apoio a Salazar: «Não regatearemos ao Exército () a nossa gratidão pela
intervenção que pôs termo na bacanal política em que Portugal se desfazia (). Nem a
regatearemos também ao Sr. Dr. Oliveira Salazar, que do alto do poder, pela primeira
vez disse as palavras da nossa esperança nacionalista e num labor constante de
reintegração do Estado nos objectivos nacionais de que há mais de cem anos se
arredara, por suas obras se fez o Realizador da nossa aspiração.»
Dois dias depois, no Revolução Nacional de 3 de Março de 1934, um «Comunicado
do Secretariado Geral», subscrito por José Luís Supico, acusava, sem os nomear, Rolão
Preto e Alberto Monsaraz, os principais dirigentes nacional-sindicalistas, de
«perturbação de espírito» e de não «estarem na posse plena das necessárias
faculdades de análise serena e imparcial da situação», defendendo que «o grande
potencial de energia que se contém na ideologia do Movimento só pode revelar-se
inteiramente e agir, em plenitude de acção, no caso de uma íntima e leal ligação com o
Poder, condição indispensável, também, para que a intervenção dessa grande força
potencial seja de utilidade para os superiores interesses da Nação.
A cooptação dos dissidentes NS
Dessa «íntima ligação com o Poder» ocupava-se activamente Salazar. «Entre osfundadores do Revolução Nacional », escreve António Costa Pinto em Os Camisas Azuis
(Estampa, 1994), «Amaral Pyrrait e Castro Fernandes (chefe de redacção) pertenciam
aos quadros do INTP [Instituto Nacional do Trabalho e Previdência], Oliveira e Silva
tinha sido nomeado presidente da Acção Escolar Vanguarda pelo SPN. O próp rio jornal
era integralmente apoiado pelo aparelho de propaganda de Salazar.»
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O Revolução Nacional torna-se cada vez mais um instrumento de combate à
direcção maioritária dos nacional-sindicalistas e de promoção de Salazar. No número
de 17 de Abril de 1934, sob o título «A Bem da Nação. Salazar Rolão Preto», faz-se o
elogio do primeiro, enquanto se denigre o segundo: «Afirmam os partidários do Dr.
Rolão Preto que o N.S. foi uma obra exclusivamente devida à sua coragem de paladino,
à sua iniciativa e ardor combativo. Afirmamos nós que o N.S. foi o produto dum estadode espírito formado após seis anos de Ditadura e devido a Salazar.»
Esta vocação para incensar o ditador prossegue sem sobressaltos. No número de
28 de Maio, o discurso de Salazar (as «Palavras do Chefe Nacional») é integralmente
reproduzido nas páginas do Revolução Nacional . É nesse mês de Maio de 1934 que se
realiza o I Congresso da União Nacional que consagra o «comando único» de Salazar e
consuma a integração do regime da cisão nacional-sindicalista.
Entretanto, os movimentos de Rolão Preto passaram, segundo António Costa Pinto
(Os Camisas Azuis), a ser «severamente limitados». Desde Fevereiro, «a sua
participação em reuniões e a sua visita aos núcleos locais foi praticamente proibida».
Em Março, o Governo fechou as sedes do Porto e Lisboa. Militantes NS começam a ser
presos.
Apesar disso, nesse 28 de Maio, cerca de 300 nacional-sindicalistas, devidamente
fardados com as suas camisas azuis e comandados por um alferes, conseguem desfilar
perante o monumento aos mortos da I Guerra Mundial e realizar um comício.
Rolão Preto é expulso do País
Em Junho, Rolão Preto envia ao Presidente do Conselho uma longa exposição sobre
a situação do País, onde considera que se assiste, no seio da Ditadura, a um confronto
entre duas concepções diferentes, uma conservadora e outra revolucionária. Afirma
ainda que, ao contrário do que aconteceu na Alemanha e na Itália, aqueles que
sonharam e fizeram a revolução não ficaram na posse do poder. Acusa o Governo de
perseguir o movimento nacional-sindicalista e ataca a União Nacional, que seria um
«grupo ecléctico, composto das mais antagónicas correntes políticas, sem nenhuma
espécie de consciência nacionalista». Em simultâneo, dirige um apelo ao Presidente da
República para que intervenha no sentido de permitir a liberdade de acção doNacional-Sindicalismo.
A reacção de Salazar não se faz esperar. A 4 de Julho, Rolão Preto é preso. Dias
depois, o mesmo acontece a Alberto de Monsaraz. A 11 de Julho, o Conselho de
Ministros decide expulsar os dois do País. Três dias mais tarde, são postos na fronteira
espanhola. Durante algum tempo, segundo José Manuel Quintas, Rolão Preto reside
em Valência de Alcântara, frente a Castelo de Vide. Daí foi para Madrid, onde se
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hospedou em casa de José António Primo de Rivera, com quem terá colaborado na
redacção do programa da Falange. Só regressará a Portugal em Fevereiro de 1935.
Em 29 de Julho de 1934, uma nota oficiosa de Salazar à imprensa comunica a
dissolução do movimento nacional-sindicalista. Nessa nota, publicada pelo Revolução
Nacional em 30 de Julho, pode ler-se que o nacional-sindicalismo é «inspirado emcertos modelos estrangeiros» e «deles copiou a exaltação do valor da mocidade, o
culto da força na chamada acção directa, o princípio da superioridade do poder
político na vida social, a propensão para o enquadramento das massas atrás ou
adiante de um chefe.» Mais adiante afirma-se que «o elemento de ordem que
pretendera ser se transformara em elemento perturbador e de desagregação das
forças nacionalistas do Estado Novo». A nota dirige-se então aos cisionistas que
lutaram «contra a adulteração do pensamento nacional-sindicalista», não para
reconhecer a validade da sua existência independente, mas para convocá-los a que
«abandonem os redutos particulares da sua luta e ingressem com pureza de intenções
na União Nacional». E acrescenta que «ficam também abertos os quadros da AEV» aos«académicos nacionais-sindicalistas» que estiverem «animados das mesmas rectas
intenções». «Quanto a todos os outros a quem os factos não tenham esclarecido ainda
completamente», adverte-os de que «só podem de futuro ser considerados
indiferentes ou inimigos».
A reacção do grupo que publica o Revolução Nacional ao ultimato de Salazar é a
capitulação total. Na edição de 4 de Agosto, publicam declarações do Chefe de
Governo em que este reitera o chamado a que os nacional-sindicalistas se integrem na
União Nacional, «que tem de ser organismo coeso, homogéneo, disciplinado,
seleccionador de valores políticos, activo e forte». A edição de 6 de Agosto anuncia adecisão da conferência do grupo cisionista nacional-sindicalista da véspera: «Os
Nacionais-Sindicalistas respondem ao apelo de Salazar exprimindo a sua firme vontade
de colaborar dentro da União Nacional no objectivo supremo de consumar e assegurar
a Revolução Nacional.»
No editorial desse número, Manuel Múrias assina o epitáfio da organização e do
próprio jornal. «Convidados por Salazar a ingressar na UN com pureza de intenções e
sem quaisquer sentidos reservados, os NS, pelo voto do Directório, dos Delegados da
Organização e das personalidades representativas do Movimento obedecem à vontade
expressa do Chefe que sempre aclamaram (). O acatamento das directrizes do Chefeda Revolução Nacional, que os delegados da Organização, em conformidade de vistas
com o Directório NS votaram ontem por aclamação, realizando o último acto político
do Movimento a que estavam presos por laços tão fortes de inteligência e de coração,
e que sacrificaram a interesses ainda mais elevados os próprios destinos da Pátria e
da Ditadura Nacional». Salazar vencera a parada.
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A dispersão final
Na ilegalidade, os nacionais-sindicalistas que não aderiram ao salazarismo
organizaram, associados a um sector republicano liberal, uma tentativa de golpe
militar para derrubar Salazar. A acção deveria realizar-se a 10 de Setembro de 1935,
mas a polícia antecipou-se, prendendo quatro dezenas de conspirações e liquidando ogolpe. A partir daí, o nacional-sindicalismo tornar-se-á um movimento marginal.
Desorientados e dispersos, muitos militantes nacional-sindicalistas nem terão
percebido bem o que lhes acontecera.
Porém, a resposta dera-a o próprio Rolão Preto anos antes, em artigo no jornal A
Monarquia : em Portugal predominava «em muito maior escala que na maioria dos
países europeus, a fortuna do pequeno proprietário rural e urbano. Or a não há melhor
entrave para a revolução que uma numerosa pequena burguesia naturalmente
interessada no equilíbrio geral». E a classe operária «que lá fora, pela importância das
massas sindicalizadas, é realmente formidável e pode constituir um perigo grave ()
não tem entre nós nem por sombras um significado tão ameaçador como se lhe
empresta ou procura emprestar».
Sem inimigos poderosos com as organizações políticas e sindicais social-
democratas e comunistas da Europa Centro-Ocidental, o bloco social conservador que
apoiava a ditadura não via necessidade de recorrer a estes «elementos
perturbadores», como lhes chama Salazar, «sempre febris, excitados e descontentes».
«Somos um país pobre, doente?, diz Salazar numa das entrevistas a António Ferro.
«Vamos devagarinho, passo a passo.»
Tivesse Rolão Preto reflectido devidamente nas suas próprias palavras e veria porque é que «o senhor Salazar, homem do centro (), antifascista, anti-revolucionário,
conservador» - como os nacional-sindicalistas o caracterizavam numa carta aos
fascismos italianos , os havia conseguido, com relativa facilidade, derrotar.
IMPORTANTE:
O artigo apresentado é da autoria de António Simões do Paço e foi publicado no livro
1934 O Fracasso da Greve Geral de 18 de Janeiro de 1934 da colecção Os Anos
em que Salazar governou. Assim, não é dispensável a leitura e análise do artigo nolivro citado.