SALAZAR - O ANTIFASCISTA?

6
SALAZAR, O «ANTIFASCISTA»? «Homem do centro, antifascista, conservador»: Salazar visto pelos Nacional-Sindicalistas. Em 1933, o Movimento Nacional-Sindicalista, herdeiro ideológico do Integralismo Lusitano e herdeiro material de organizações de extrema-direita como a Cruzada NunÁlvares e a Liga Nacional 28 de Maio, dirigido por Francisco Rolão Preto, crescera vertigin osamente, disputando o terreno à oficial e a pagada União Nacional. Pressentindo o perigo, Salazar organiza o contra-ataque. O Revolução, órgão dos nacional-sindicalistas, é censurado e suspenso; reuniões e desfiles são proibidos; sedes são encerradas; são-lhes negados espaços públicos para reuniões. Em finais de 1933, é lançada a Acção Escolar Vanguarda, dirigida a partir do Secretariado da Propaganda, destinada a disputar a juventude aos seguidores de Rolão Preto. E em Novembro Rolão Preto fora forçado a convocar um congresso dos nacional-sindicalistas, de que sai vencedor, mas onde surge abertamente o desafio de um grupo cisionista defensor de que o NS acerte o passo com Salazar e o seu regime. Panfleto da Acção Escolar Vanguarda, organizada a partir do Estado para disputar a juventude aos naciona is- sindicalistas.  

Transcript of SALAZAR - O ANTIFASCISTA?

Page 1: SALAZAR - O ANTIFASCISTA?

8/6/2019 SALAZAR - O ANTIFASCISTA?

http://slidepdf.com/reader/full/salazar-o-antifascista 1/5

SALAZAR, O «ANTIFASCISTA»?

«Homem do centro, antifascista, conservador»: Salazar visto pelos

Nacional-Sindicalistas.

Em 1933, o Movimento Nacional-Sindicalista, herdeiro ideológico do Integralismo

Lusitano e herdeiro material de organizações de extrema-direita como a Cruzada

NunÁlvares e a Liga Nacional 28 de Maio, dirigido por Francisco Rolão Preto, crescera

vertiginosamente, disputando o terreno à oficial e a pagada União Nacional.

Pressentindo o perigo, Salazar organiza o contra-ataque. O Revolução, órgão dos

nacional-sindicalistas, é censurado e suspenso; reuniões e desfiles são proibidos; sedessão encerradas; são-lhes negados espaços públicos para reuniões. Em finais de 1933, é

lançada a Acção Escolar Vanguarda, dirigida a partir do Secretariado da Propaganda,

destinada a disputar a juventude aos seguidores de Rolão Preto. E em Novembro Rolão

Preto fora forçado a convocar um congresso dos nacional-sindicalistas, de que sai

vencedor, mas onde surge abertamente o desafio de um grupo cisionista defensor de

que o NS acerte o passo com Salazar e o seu regime.

Panfleto da Acção Escolar Vanguarda, organizada a partir do Estado para disputar a juventude aos naciona is-

sindicalistas. 

Page 2: SALAZAR - O ANTIFASCISTA?

8/6/2019 SALAZAR - O ANTIFASCISTA?

http://slidepdf.com/reader/full/salazar-o-antifascista 2/5

O Revolução Nacional 

A partir de 1 de Março de 1934, o grupo cisionista dispõe de um órgão de

imprensa, o Revolução Nacional , «diário nacional-sindicalista da tarde», exactamente a

mesma legenda que o perseguido Revolução de Rolão Preto, que se destina a

combater. O seu director é Manuel Múrias, um dissidente NS. Numa nota na primeirapágina, em nome do Directório do Movimento Nacional -Sindicalista, afirma-se:

«Acontecimentos recentes determinaram uma reacção na posição política do

Movimento Nacional-Sindicalista. O Directório, em obediência ao mandato imperativo

que o Congresso de 25 de Novembro lhe outorgou, resolveu o tríplico [sic] problema

da actuação política do N.S., da modificação da sua estrutura e da criação de um jornal

que fosse o veículo do seu pensamento na imprensa diária da capital. () O jornal é

Revolução Nacional .»

No editorial deste primeiro número, para que não houvesse dúvidas, era reiterado

o apoio a Salazar: «Não regatearemos ao Exército () a nossa gratidão pela

intervenção que pôs termo na bacanal política em que Portugal se desfazia (). Nem a

regatearemos também ao Sr. Dr. Oliveira Salazar, que do alto do poder, pela primeira

vez disse as palavras da nossa esperança nacionalista e num labor constante de

reintegração do Estado nos objectivos nacionais de que há mais de cem anos se

arredara, por suas obras se fez o Realizador da nossa aspiração.»

Dois dias depois, no Revolução Nacional  de 3 de Março de 1934, um «Comunicado

do Secretariado Geral», subscrito por José Luís Supico, acusava, sem os nomear, Rolão

Preto e Alberto Monsaraz, os principais dirigentes nacional-sindicalistas, de

«perturbação de espírito» e de não «estarem na posse plena das necessárias

faculdades de análise serena e imparcial da situação», defendendo que «o grande

potencial de energia que se contém na ideologia do Movimento só pode revelar-se

inteiramente e agir, em plenitude de acção, no caso de uma íntima e leal ligação com o

Poder, condição indispensável, também, para que a intervenção dessa grande força

potencial seja de utilidade para os superiores interesses da Nação.

A cooptação dos dissidentes NS  

Dessa «íntima ligação com o Poder» ocupava-se activamente Salazar. «Entre osfundadores do Revolução Nacional », escreve António Costa Pinto em Os Camisas Azuis 

(Estampa, 1994), «Amaral Pyrrait e Castro Fernandes (chefe de redacção) pertenciam

aos quadros do INTP [Instituto Nacional do Trabalho e Previdência], Oliveira e Silva

tinha sido nomeado presidente da Acção Escolar Vanguarda pelo SPN. O próp rio jornal

era integralmente apoiado pelo aparelho de propaganda de Salazar.» 

Page 3: SALAZAR - O ANTIFASCISTA?

8/6/2019 SALAZAR - O ANTIFASCISTA?

http://slidepdf.com/reader/full/salazar-o-antifascista 3/5

O Revolução Nacional  torna-se cada vez mais um instrumento de combate à

direcção maioritária dos nacional-sindicalistas e de promoção de Salazar. No número

de 17 de Abril de 1934, sob o título «A Bem da Nação. Salazar Rolão Preto», faz-se o

elogio do primeiro, enquanto se denigre o segundo: «Afirmam os partidários do Dr.

Rolão Preto que o N.S. foi uma obra exclusivamente devida à sua coragem de paladino,

à sua iniciativa e ardor combativo. Afirmamos nós que o N.S. foi o produto dum estadode espírito formado após seis anos de Ditadura e devido a Salazar.»

Esta vocação para incensar o ditador prossegue sem sobressaltos. No número de

28 de Maio, o discurso de Salazar (as «Palavras do Chefe Nacional») é integralmente

reproduzido nas páginas do Revolução Nacional . É nesse mês de Maio de 1934 que se

realiza o I Congresso da União Nacional que consagra o «comando único» de Salazar e

consuma a integração do regime da cisão nacional-sindicalista.

Entretanto, os movimentos de Rolão Preto passaram, segundo António Costa Pinto

(Os Camisas Azuis), a ser «severamente limitados». Desde Fevereiro, «a sua

participação em reuniões e a sua visita aos núcleos locais foi praticamente proibida».

Em Março, o Governo fechou as sedes do Porto e Lisboa. Militantes NS começam a ser

presos.

Apesar disso, nesse 28 de Maio, cerca de 300 nacional-sindicalistas, devidamente

fardados com as suas camisas azuis e comandados por um alferes, conseguem desfilar

perante o monumento aos mortos da I Guerra Mundial e realizar um comício.

Rolão Preto é expulso do País 

Em Junho, Rolão Preto envia ao Presidente do Conselho uma longa exposição sobre

a situação do País, onde considera que se assiste, no seio da Ditadura, a um confronto

entre duas concepções diferentes, uma conservadora e outra revolucionária. Afirma

ainda que, ao contrário do que aconteceu na Alemanha e na Itália, aqueles que

sonharam e fizeram a revolução não ficaram na posse do poder. Acusa o Governo de

perseguir o movimento nacional-sindicalista e ataca a União Nacional, que seria um

«grupo ecléctico, composto das mais antagónicas correntes políticas, sem nenhuma

espécie de consciência nacionalista». Em simultâneo, dirige um apelo ao Presidente da

República para que intervenha no sentido de permitir a liberdade de acção doNacional-Sindicalismo.

A reacção de Salazar não se faz esperar. A 4 de Julho, Rolão Preto é preso. Dias

depois, o mesmo acontece a Alberto de Monsaraz. A 11 de Julho, o Conselho de

Ministros decide expulsar os dois do País. Três dias mais tarde, são postos na fronteira

espanhola. Durante algum tempo, segundo José Manuel Quintas, Rolão Preto reside

em Valência de Alcântara, frente a Castelo de Vide. Daí foi para Madrid, onde se

Page 4: SALAZAR - O ANTIFASCISTA?

8/6/2019 SALAZAR - O ANTIFASCISTA?

http://slidepdf.com/reader/full/salazar-o-antifascista 4/5

hospedou em casa de José António Primo de Rivera, com quem terá colaborado na

redacção do programa da Falange. Só regressará a Portugal em Fevereiro de 1935.

Em 29 de Julho de 1934, uma nota oficiosa de Salazar à imprensa comunica a

dissolução do movimento nacional-sindicalista. Nessa nota, publicada pelo Revolução

Nacional  em 30 de Julho, pode ler-se que o nacional-sindicalismo é «inspirado emcertos modelos estrangeiros» e «deles copiou a exaltação do valor da mocidade, o

culto da força na chamada acção directa, o princípio da superioridade do poder

político na vida social, a propensão para o enquadramento das massas atrás ou

adiante de um chefe.» Mais adiante afirma-se que «o elemento de ordem que

pretendera ser se transformara em elemento perturbador e de desagregação das

forças nacionalistas do Estado Novo». A nota dirige-se então aos cisionistas que

lutaram «contra a adulteração do pensamento nacional-sindicalista», não para

reconhecer a validade da sua existência independente, mas para convocá-los a que

«abandonem os redutos particulares da sua luta e ingressem com pureza de intenções

na União Nacional». E acrescenta que «ficam também abertos os quadros da AEV» aos«académicos nacionais-sindicalistas» que estiverem «animados das mesmas rectas

intenções». «Quanto a todos os outros a quem os factos não tenham esclarecido ainda

completamente», adverte-os de que «só podem de futuro ser considerados

indiferentes ou inimigos».

A reacção do grupo que publica o Revolução Nacional  ao ultimato de Salazar é a

capitulação total. Na edição de 4 de Agosto, publicam declarações do Chefe de

Governo em que este reitera o chamado a que os nacional-sindicalistas se integrem na

União Nacional, «que tem de ser organismo coeso, homogéneo, disciplinado,

seleccionador de valores políticos, activo e forte». A edição de 6 de Agosto anuncia adecisão da conferência do grupo cisionista nacional-sindicalista da véspera: «Os

Nacionais-Sindicalistas respondem ao apelo de Salazar exprimindo a sua firme vontade

de colaborar dentro da União Nacional no objectivo supremo de consumar e assegurar

a Revolução Nacional.»

No editorial desse número, Manuel Múrias assina o epitáfio da organização e do

próprio jornal. «Convidados por Salazar a ingressar na UN com pureza de intenções e

sem quaisquer sentidos reservados, os NS, pelo voto do Directório, dos Delegados da

Organização e das personalidades representativas do Movimento obedecem à vontade

expressa do Chefe que sempre aclamaram (). O acatamento das directrizes do Chefeda Revolução Nacional, que os delegados da Organização, em conformidade de vistas

com o Directório NS votaram ontem por aclamação, realizando o último acto político

do Movimento a que estavam presos por laços tão fortes de inteligência e de coração,

e que sacrificaram a interesses ainda mais elevados os próprios destinos da Pátria e

da Ditadura Nacional». Salazar vencera a parada.

Page 5: SALAZAR - O ANTIFASCISTA?

8/6/2019 SALAZAR - O ANTIFASCISTA?

http://slidepdf.com/reader/full/salazar-o-antifascista 5/5

A dispersão final

Na ilegalidade, os nacionais-sindicalistas que não aderiram ao salazarismo

organizaram, associados a um sector republicano liberal, uma tentativa de golpe

militar para derrubar Salazar. A acção deveria realizar-se a 10 de Setembro de 1935,

mas a polícia antecipou-se, prendendo quatro dezenas de conspirações e liquidando ogolpe. A partir daí, o nacional-sindicalismo tornar-se-á um movimento marginal.

Desorientados e dispersos, muitos militantes nacional-sindicalistas nem terão

percebido bem o que lhes acontecera.

Porém, a resposta dera-a o próprio Rolão Preto anos antes, em artigo no jornal  A

Monarquia : em Portugal predominava «em muito maior escala que na maioria dos

países europeus, a fortuna do pequeno proprietário rural e urbano. Or a não há melhor

entrave para a revolução que uma numerosa pequena burguesia naturalmente

interessada no equilíbrio geral». E a classe operária «que lá fora, pela importância das

massas sindicalizadas, é realmente formidável e pode constituir um perigo grave ()

não tem entre nós nem por sombras um significado tão ameaçador como se lhe

empresta ou procura emprestar».

Sem inimigos poderosos com as organizações políticas e sindicais social-

democratas e comunistas da Europa Centro-Ocidental, o bloco social conservador que

apoiava a ditadura não via necessidade de recorrer a estes «elementos

perturbadores», como lhes chama Salazar, «sempre febris, excitados e descontentes».

«Somos um país pobre, doente?, diz Salazar numa das entrevistas a António Ferro.

«Vamos devagarinho, passo a passo.»

Tivesse Rolão Preto reflectido devidamente nas suas próprias palavras e veria porque é que «o senhor Salazar, homem do centro (), antifascista, anti-revolucionário,

conservador» - como os nacional-sindicalistas o caracterizavam numa carta aos

fascismos italianos , os havia conseguido, com relativa facilidade, derrotar.

IMPORTANTE:

O artigo apresentado é da autoria de António Simões do Paço e foi publicado no livro

1934 O Fracasso da Greve Geral de 18 de Janeiro de 1934 da colecção Os Anos

em que Salazar governou. Assim, não é dispensável a leitura e análise do artigo nolivro citado.