Vol 2 Num 2 62 Art MembranaCelular

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Revista de Ciência Elementar Volume 2 | Número 2 Casa das Ciências rce.casadasciencias.org 1 Moreira, C. (2014), Revista de Ciência Elementar, 2(02):0062 Catarina Moreira Membrana celular A membrana celular é a fronteira biológica que delimita o perímetro da célula, separando o meio intracelular do extracelular. A membrana celular, que envolve todas as células, não é totalmente impermeável, constituindo uma barreira seletiva que permite a troca de algumas substâncias entre o exterior e interior. Nas células eucarióticas permite também o suporte do citoesqueleto que dá forma à célula, e a ligação à matriz extracelular/parede e outras células permitindo a formação de tecidos. O isolamento de membranas plasmáticas através de técnicas especiais permitiu identificar os seus constituintes. As membranas podem-se considerar complexos lipoproteícos, constituídos por proteínas, lípidos e glícidos, variando em quantidade de célula para célula. • proteínas: de composição e funções diversas, as proteínas membranares podem ter funções estruturais, intervir no transporte de substâncias através da membrana, ou atuar como recetores de sinais moleculares (por exemplo, de hormonas). • lípidos: maioritariamente fosfolípidos (lípidos complexos associados a um grupo fosfato, com uma extremidade hidrofóbica – polar e outra hidrófila – apolar), e em menor quantidade colestererol e glicolípidos (lípidos associados a glícidos). • glícidos: situam-se no lado externo da membrana e são importantes no reconhecimento de substâncias por parte da célula. Modelos de estrutura da membrana plasmática A organização estrutural da membrana é bastante complexa, razão pela qual ao longo do tempo têm surgido vários modelos explicativos. Nageli e Cramer, em 1885, descobriram que as células possuem uma membrana que as envolve. Mais tarde, a descoberta dos lípidos como um dos seus principais constituintes devem-se às experiências de Overton, em 1899, que observou que a velocidade de penetração de uma substância na célula dependia da sua solubilidade em lípidos: quanto mais solúvel, mais rápido o atravessamento da membrana. O primeiro modelo estrutural a ser proposto foi o da bicamada fosfolipídica, em 1925, por E. Gorter e R. Grendel. Os dois cientistas propunham que a membrana celular seria composta por duas camadas de fosfolípidos cujas extremidades apolares hidrofóbicas estariam voltadas para o interior da membrana e as extremidades polares, hidrófilas estariam voltadas para o exterior (ver figura 1), contactando com o meio interno e externo da célula. Bicamada fosfolipídica Figura 1 Modelo da bicamada fosfolipídica Este modelo foi revisto por Davson e Danielli, em 1935, que baseados em estudos de permeabilidade e de tensão superficial da membrana propuseram uma estrutura um pouco mais complexa (ver figura 2). A bicamada fosfolipídica seria revestida, externa e internamente, por uma camada proteica associada às extremidades polares hidrófilas dos fosfolípidos. A bicamada fosfolipídica teria interrupções – poros – revestidos internamente por proteínas que permitiam a passagem de substâncias polares através da membrana e as não polares atravessariam a bicamada diretamente. Bicamada fosfolipídica Camada proteica Camada proteica Figura 2 Modelo de Davson e Danielli À medida que avançaram os estudos sobre a estrutura membranar, alguns dados não corroboraram o

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MembranaCelular

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  • Revista de Cincia ElementarVolume 2 | Nmero 2

    Casa das Cincias rce.casadasciencias.org 1

    Moreira, C. (2014), Revista de Cincia Elementar, 2(02):0062

    Catarina MoreiraMembrana celular

    A membrana celular a fronteira biolgica que delimita o permetro da clula, separando o meio intracelular do extracelular.A membrana celular, que envolve todas as clulas, no totalmente impermevel, constituindo uma barreira seletiva que permite a troca de algumas substncias entre o exterior e interior. Nas clulas eucariticas permite tambm o suporte do citoesqueleto que d forma clula, e a ligao matriz extracelular/parede e outras clulas permitindo a formao de tecidos.O isolamento de membranas plasmticas atravs de tcnicas especiais permitiu identificar os seus constituintes. As membranas podem-se considerar complexos lipoprotecos, constitudos por protenas, lpidos e glcidos, variando em quantidade de clula para clula. protenas: de composio e funes diversas, as protenas membranares podem ter funes estruturais, intervir no transporte de substncias atravs da membrana, ou atuar como recetores de sinais moleculares (por exemplo, de hormonas). lpidos: maioritariamente fosfolpidos (lpidos complexos associados a um grupo fosfato, com uma extremidade hidrofbica polar e outra hidrfila apolar), e em menor quantidade colestererol e glicolpidos (lpidos associados a glcidos). glcidos: situam-se no lado externo da membrana e so importantes no reconhecimento de substncias por parte da clula.

    Modelos de estrutura da membrana plasmtica A organizao estrutural da membrana bastante complexa, razo pela qual ao longo do tempo tm surgido vrios modelos explicativos. Nageli e Cramer, em 1885, descobriram que as clulas possuem uma membrana que as envolve. Mais tarde, a descoberta dos lpidos como um dos seus principais constituintes devem-se s experincias de Overton, em 1899, que observou que a velocidade de penetrao de uma substncia na clula dependia da sua solubilidade em lpidos: quanto mais solvel, mais rpido o atravessamento da membrana.O primeiro modelo estrutural a ser proposto foi o da bicamada fosfolipdica, em 1925, por E.

    Gorter e R. Grendel. Os dois cientistas propunham que a membrana celular seria composta por duas camadas de fosfolpidos cujas extremidades apolares hidrofbicas estariam voltadas para o interior da membrana e as extremidades polares, hidrfilas estariam voltadas para o exterior (ver figura 1), contactando com o meio interno e externo da clula.

    Bicamada fosfolipdica

    Figura 1 Modelo da bicamada fosfolipdica

    Este modelo foi revisto por Davson e Danielli, em 1935, que baseados em estudos de permeabilidade e de tenso superficial da membrana propuseram uma estrutura um pouco mais complexa (ver figura 2). A bicamada fosfolipdica seria revestida, externa e internamente, por uma camada proteica associada s extremidades polares hidrfilas dos fosfolpidos. A bicamada fosfolipdica teria interrupes poros revestidos internamente por protenas que permitiam a passagem de substncias polares atravs da membrana e as no polares atravessariam a bicamada diretamente.

    Bicamada fosfolipdica

    Camada proteica

    Camada proteica

    Figura 2 Modelo de Davson e Danielli

    medida que avanaram os estudos sobre a estrutura membranar, alguns dados no corroboraram o

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    Moreira, C. (2014), Revista de Cincia Elementar, 2(02):0062

    modelo de Davson e Danielli. Anlises quantitativas aos constituintes membranares revelaram que as protenas no existiam em quantidade suficiente para cobrir toda a superfcie da camada fosfolipdica. Para alm disso observaram que as protenas alteravam a sua posio, evidenciando um comportamento dinmico da organizao membranar.Surge ento o modelo de mosaico fluido de Singer e Nicholson, em 1972. Este modelo admite uma estrutura membranar no rgida, permitindo uma fluidez das suas molculas. Os fosfolpidos no esto estticos nas camadas, podendo mover-se lateralmente trocando de posio com outros fosfolpidos na mesma camada e, ocasionalmente, sofrendo transverses (do ingls flip-flop) de uma camada para a outra.O modelo considera a existncia de dois grandes grupos de protenas: as integradas e as perifricas. As protenas perifricas ou extrnsecas so definidas como protenas que se dissociam da membrana aps tratamentos com reagentes polares que no destroem a bicamada. Estas protenas no esto inseridas na parte hidrofbica interior dos lpidos, mas associadas s membranas por interaes protena-protena atravs de ligaes eletrostticas fracas. As protenas integradas ou intrnsecas, pelo contrrio s podem ser dissociadas da membrana por disrupo da

    bicamada lipdica. Estas protenas esto associadas s zona hidrofbicas da camada fosfolipdica, podendo mesmo atravessar a membrana de um lado ao outro (protenas transmembranares). Estas ltimas tm propriedades anfipticas como os fosfolpidos, isto , possuem partes hidrfilas e hidrofbicas.As pores extracelulares das protenas membranares esto geralmente associadas a glcidos glicoprotenas, e as pores de carbohidratos dos glicolpidos (glcidos associados a lpidos) esto ambas, geralmente, expostas tambm no lado extracelular da membrana, formando o glicoclix. Esta camada na superfcie celular de glicolpidos e glicoprotenas transmembranares, protege a clula e facilita vrias interaes entre clulas, como por exemplo, o reconhecimento de substncias por parte da clula.A passagem de substncias atravs da membrana celular no ocorre sempre da mesma forma, dependendo do tipo de substncia, uma vez que uma das propriedades da membrana a permeabilidade seletiva. Em alguns casos as substncias podem atravessar a membrana sem a interveno especfica de molculas transportadoras transporte no mediado (osmose e difuso simples), enquanto que noutros casos so as protenas membranares que facilitam esse transporte transporte mediado (transporte ativo e difuso facilitada).

    (Protena de transporte)

    Protena globular

    Colesterol

    Glicolpido

    Protena extrnseca

    Protena transmembranar(Protena globular) Protena extrnseca

    Protena em hlice alfa(Protena transmembranar)Filamentos de

    citoesqueletoCaudas hidrofbicas

    Fosfolpido

    Bicamadafosfolipdica

    Cabeas hidroflicasGlcidoFluido extracelular

    Citoplasma

    Glicoprotena

    Canal proteico

    Figura 3 Modelo de mosaico fludo

    Materiais relacionados disponveis na Casa das Cincias:1. Tcnicas de estudo dos canais inicos, de Donald F. Slish;2. Via de transduo de sinal: a protena Ras, de

    Donald F. Slish;3. Endocitose mediada por recetores, de Donald F. Slish;

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    Moreira, C. (2014), Revista de Cincia Elementar, 2(02):0062

    AutorCatarina Moreira

    Douturamento em Biologia pela Faculdadede Cincias da Universidade de Lisboa

    EditorJos Feij

    Departmento de Biologia Celular e Gentica Molecularda Universidade de Maryland, EUA

    Referncia: Moreira, C. (2014), Revista de Cincia Elementar, 2(02):0062