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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ-UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA - PROPPEC CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS – CEJURPS PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONALIZANTE EM GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS – PMGPP
EDUARDO RAMSAUER
O PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA EM JARAGUÁ DO SUL(SC) E A INCLUSÃO DE ATIVIDADES FÍSICAS PROGRAMADAS:
POSSIBILIDADES E DESAFIOS
ITAJAÍ 2007
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EDUARDO RAMSAUER
O PROGRAMA SAÚDE DA FAMILIA EM JARAGUÁ DO SUL(SC) E A INCLUSÃO DE ATIVIDADES FÍSICAS PROGRAMADAS:
POSSIBILIDADES E DESAFIOS
Dissertação apresentada à Banca Examinadora no Mestrado Profissionalizante em Gestão de Políticas Públicas da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, sob a orientação da (o) Profª. Drª Maria José Reis, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Gestão de Políticas Públicas / Profissionalizante.
Itajaí 2007
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Dedico este trabalho aos meus Pais, Josef e Érika, por todos os dias vividos em harmonia e dedicação, em prol de uma educação constante. E a Neila de Paula, amiga, companheira e esposa, pelo seu incentivo nas horas mais difíceis.
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AGRADECIMENTOS
Ao corpo docente do Programa de Mestrado (PMGPP) UNIVALI, com formação
multidisciplinar possibilitando, assim, um diferencial no campo da gestão e análise de
políticas públicas, com base em referenciais oriundos das ciências sociais, da ciência política
e da administração pública, com objetivos bem definidos no sentido de nos repassar a
perspectiva das políticas públicas como dever do Estado e direito dos cidadãos.
A Sérgio Ferrazza, Secretário da Saúde do município de Jaraguá do Sul (SC), e aos
profissionais da área da saúde deste município que tanto contribuíram com suas informações e
avaliações, ao me conceder a oportunidade de entrevistá-los, permitindo a elaboração deste
trabalho. Estes agradecimentos são extensivos aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS)
que foram por mim entrevistados.
Meu especial agradecimento a minha orientadora Profª. Drª. Maria José Reis, pela
constante compreensão, competência e dedicação, sem cuja colaboração este trabalho não
seria possível, bem como aos Professores da Banca de Qualificação de meu Projeto de
Pesquisa - Profª Dra..Neusa M. Sens Bloemer e Prof .Dr .Julian Borba – pelas suas valiosas
contribuições para o desenvolvimento da pesquisa que resultou nesta dissertação, e da banca
de sua defesa - Prof..Dr. Guillermo A. Johnson e Prof. Dr. Carlos Alberto da Silva - para os
ajustes necessários em sua versão final.
Por fim, o meu muito obrigado a todos que indiretamente contribuíram para a
realização deste trabalho, de modo especial ao secretário do PMGPP, Juliano dos Santos,
sempre disposto a informar e repassar as informações burocráticas necessárias aos alunos.
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RESUMO
A presente dissertação tem o caráter de um estudo de caso, tendo como objetivo geral analisar o funcionamento do Programa Saúde da Família (PSF), vinculado ao Sistema Único de Saúde (SUS), no município de Jaraguá do Sul, bem como avaliar as possibilidades e limites para inclusão de atividades físicas no referido Programa, como parte dos “Núcleos de Saúde Integral”. Em termos metodológicos foram utilizadas as seguintes estratégias: análise bibliográfica e documental; entrevistas semi-estruturadas com três gestores e agentes de saúde do PSF e com um membro do Conselho Municipal de Saúde do município e, por fim, entrevistas estruturadas com 20 usuários do SUS. No primeiro capítulo, na construção da problemática da pesquisa e em termos teóricos-metodológicos, além de um breve histórico sobre a saúde pública, são colocados em pauta os conceitos de descentralização, no caso de políticas públicas, de atividade física e de saúde. São também discutidas as relações entre estes dois aspectos, tanto no passado quanto no presente, através da perspectiva de diferentes autores. No segundo capítulo, dedicado ao contexto da investigação, através da caracterização histórica e socioeconômica do município de Jaraguá do Sul, são sintetizados dados sobre aspectos econômicos, culturais e de saúde pública, incluindo informações sobre toda a rede de atendimento pelo SUS e pelo PSF. Por último, no capítulo dedicado aos resultados das entrevistas, são apresentadas e analisadas as representações sociais dos diferentes atores sociais acima apontados, sendo identificados aspectos positivos do funcionamento do SUS no município, bem como uma série de desafios, de modo especial para a atuação dos Núcleos de Saúde Integral e neles, para a inclusão de profissionais da área de Educação Física.
Palavras-chave: Programa Saúde da Família; Equipe multidisciplinar; Atividade física e
saúde.
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RESUMEN
La presente disertación, tiene el carácter de un caso de estudio, contando como objetivo general, analizar el funcionamiento del Programa de Salud de la Familia (PSF), vinculado al Sistema Único de salud (SUS), en el Municipio de Jaraguá do Sul. Además, evaluar las posibilidades y los límites para la inclusión de actividades físicas en el referido Programa, como parte de los “Núcleos de Salud Integral”. En términos metodológicos, fueron utilizadas las siguientes estrategias: análisis bibliográfico y documental; entrevistas semiestructuradas con tres agentes y gestores de salud del PSF, y con un miembro del Concejo Municipal de Salud del Municipio; y por último, entrevistas estructuradas con 20 usuarios del SUS. En el primer capítulo, en la construcción de la problemática de la investigación y en términos teóricos metodológicos, además de un breve historial sobre la salud pública, son colocados como pauta los conceptos de descentralización, en le caso de las políticas públicas, de actividad física y de salud. Son también discutidas las relaciones entre estos dos aspectos, tanto en el pasado como en le presente, a través de la perspectiva de diferentes autores. En el segundo capítulo, dedicado al contexto de la investigación, a través de la caracterización histórica y socio económica del Municipio de Jaraguá do Sul, son sintetizados datos sobre aspectos económicos, culturales y de la Salud Pública, incluyendo informaciones sobre toda la red de atención hecha por el SUS, y por el PSF. Por último, en el capítulo dedicado a los resultados de las entrevistas, son presentadas y analizadas las representaciones sociales de los diferentes actores mencionados precedentemente, siendo identificados aspectos positivos del funcionamiento del SUS en el Municipio, como así también, una serie de desafíos, de modo especial para la actuación de los Núcleos de Salud Integral y en ellos, la inclusión de profesionales del área de Educación Física. Palabras llave: Programa de Salud de la Familia – Equipo interdisciplinario – Actividad física y salud.
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ZUSAMMENFASSUNG
Diese Arbeit hat die Absicht, einen bestimmten Fall zu studieren. Aber als objektives Ziel möchte sie die Funktionstüchtigkeit des Familiengesundheitsprogramms (= Programa Saúde da Família (PSF)), das mit Gesundheitseinheitssystem (Sistema Único de Saúde (SUS)) verbunden ist, in der Stadt Jaraguá do Sul analysieren. Außerdem möchte diese Arbeit auch noch Möglichkeiten und Grenzen untersuchen, um körperliche Betätigungen in dem erwähnten Programm als Teil der “Integralgesundheitskerne” (“Núcleos de Saúde Integral”) einzuschließen. Als Methodologie wurden folgende Strategien gebraucht: bibliografische und urkundliche Analyse; halbstrukturierte Interviews mit drei Gesundheitsleitern und –beamten vom PSF und mit einem Mitglied vom Bezirksgesundheitsrat; und, zum Schluss, strukturierte Interviews mit zwanzig (20) SUS-Nutzern. Im ersten Kapitel wurden der Aufbau der Forschungsproblematik und die theoretische methodologische Form vorgebracht. Außerdem noch ein kurz historischen Bericht über das Gesundheitswesen, sowohl generell als auch in Bezug auf Brasilien. Begriffe wie Dezentralisierung, was die öffentliche Politik betrifft, körperliche Betätigung und Gesundheit werden hervorgehoben. Es werden auch die Verhältnisse zwischen diesen beiden Punkten diskutiert, sowohl in der Vergangenheit als auch in der Gegenwart, anhand von der Perspektive verschiedener Schriftsteller. Im zweiten Kapitel, verwendet für die Stadt Jaraguá do Sul, anhand von ihrer historischen und sozioökonomischen Kennzeichnung, werden Daten betreffend wirtschaftliche, kulturelle und Gesundheitswesensaspekte, einschließend noch Informationen über das gesamte Behandlungsnetz vom SUS und PSF, zusammengefasst. Letztendlich, im Kapitel verwendet für die Ergebnisse der Interviews, werden die sozialen Vertretungen der oben erwähnten, veschiedenen sozialschriftsteller vorgeführt und analysiert. Dabei werden positive Aspekte in Hinsicht auf die Funktionstüchtigkeit vom SUS in der Stadt identifiziert, ebenso wie eine Reihe von Herausforderungen, besonders bezüglich der Beteiligung der “Integralgesundheitskerne” und einer Zusammenarbeit mit denselben, um berufliche Personen im Turnbereich einzuschließen. Schlüsselwörter: Familiengesundheitsprogramm - Multidisziplinteam - körperliche
Betätigung und Gesundheit
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SUMÁRIO
LISTA DE GRÁFICOS .........................................................................................................11
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................12
1 A PROBLEMÁTICA E A FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DA PESQUISA ...........16
1.1 UMA BREVE RETROSPECTIVA HISTÓRICA SOBRE A SAÚDE PÚBLICA............16
1.2 A SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL ..................................................................................20
1.2.1 A trajetória do Movimento Sanitário..............................................................................26
1.3 A REFORMA SANITÁRIA E SEUS DESDOBRAMENTOS..........................................28
1.3.1 O Programa Saúde da Família (PSF)..............................................................................29
1.4 REFERENCIAIS TEÓRICO-METODOLÓGICOS .........................................................35
1.4.1 Políticas públicas de saúde e descentralização ...............................................................35
1.4.2 Atividade física e saúde: dimensões conceituais............................................................36
1.4.3 A relação entre a prática de atividades físicas e a saúde ................................................39
1.4.4 Representações sociais: uma categoria para a análise das concepções dos atores
sociais.............................................................................................................................44
2 O CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIOECONÔMICO DA PESQUISA....................46
2.1 JARAGUÁ DO SUL NA ATUALIDADE.........................................................................47
2.1.1 Educação, cultura, esporte e lazer ..................................................................................48
2.1.2 O atendimento à saúde: do passado aos dias atuais........................................................51
2.1.3 O PSF em Jaraguá do Sul ...............................................................................................53
3 AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE GESTORES, AGENTES E USUÁRIOS
DE SAÚDE .......................................................................................................................59
3.1 PRINCÍPIOS NORTEADORES DO SUS.........................................................................59
3.2 O PSF E A CO-PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE...................................................64
3.3 OS NÚCLEOS DE SAÚDE INTEGRAL COM EQUIPES MULTIDISCIPLINARES E
SUAS POTENCIALIDADES............................................................................................66
3.4 A INCLUSÃO DE ATIVIDADES FÍSICAS PROGRAMADAS NO PSF .......................69
3.5 DESAFIOS PARA A IMPLANTAÇÃO DOS NÚCLEOS DE SAÚDE INTEGRAL EM
JARAGUÁ DO SUL..........................................................................................................71
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3.6 A CRIAÇÃO DOS NÚCLEOS DE SAÚDE INTEGRAL E A DIMINUIÇÃO DA
DEMANDA POR HOSPITALIZAÇÃO ...........................................................................74
3.7 OS USUÁRIOS DO SUS ENTREVISTADOS: PERFIL SOCIAL, CONDIÇÕES DE
SAÚDE E A PRÁTICA DE ATIVIDADES FÍSICAS.......................................................77
3.7.1 Os entrevistados do Bairro Ilha da Figueira e suas representações sociais ....................77
3.7.2 Os entrevistados do Bairro Santo Antônio .....................................................................81
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................86
REFERÊNCIAS .....................................................................................................................91
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LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 01 – Idade dos entrevistados .......................................................................................78
Gráfico 02 – Graus de Escolaridade .........................................................................................78
Gráfico 03 – Profissão/Ocupação .............................................................................................79
Gráfico 04 – Nº de horas de trabalho por dia ..........................................................................79
Gráfico 05 – Tempo de abandono da prática atividades físicas ...............................................80
Gráfico 06 – Atividades físicas programas preferidas..............................................................81
Gráfico 07 – Idade ....................................................................................................................81
Gráfico 08 – Número de horas de trabalho por dia ..................................................................82
Gráfico 09 – Sofre de pressão alta ou possui algum distúrbio cardíaco...................................83
Gráfico 10 – Prática alguma atividade física............................................................................83
Gráfico 11 – Prática de atividades físicas e tempo de abandono destas práticas .....................84
Gráfico 12 – Atividades físicas programadas preferidas..........................................................84
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INTRODUÇÃO
A presente dissertação está voltada para o “Programa Saúde da Família (PFS)” no
município de Jaraguá do Sul, procurando averiguar quais as possibilidades e quais as
limitações para nele inserir a prática de atividades físicas programadas.
Em termos mais gerais, os resultados da pesquisa apresentados estão diretamente
relacionados ao Sistema Único de Saúde (SUS), que é constituído por diferentes aspectos
endereçados à promoção da saúde em toda sua abrangência, na busca da qualidade de vida de
seus usuários. .
Em 1988, a Constituição Federal definiu ser dever do Estado garantir a saúde da
população brasileira, criando, assim, o SUS. O Congresso Nacional sancionou a lei Orgânica
da Saúde (LOS) em 1990, que explicita o funcionamento do Sistema. A criação do SUS é
oriunda de um conjunto de empenhos, mobilização e associação de esforços de um grande
número de pessoas, de modo especial de pessoal técnico da área da saúde que deu origem e
exerceu sua militância no “Movimento Sanitário Brasileiro”.
Os princípios norteadores do SUS que foram definidos a partir da “VIII Conferência
Nacional de Saúde” e assegurados no texto constitucional são, sinteticamente, a
universalidade, entendida como o direito de todos os brasileiros à atenção de suas
necessidades de saúde; a eqüidade, que significa a garantia de cobertura de ações e serviços
de saúde de acordo com a necessidade que cada caso requeira, sem qualquer discriminação e a
integralidade, que significa reconhecer o todo indivisível de cada indivíduo.
O “Programa Saúde da Família” é constituído por uma equipe multiprofissional,
composta por médicos, enfermeiros auxiliares, dentistas e auxiliares do consultório dentário
que atuam em unidades de saúde ou nos domicílios. Este Programa propõe que uma equipe de
saúde e as comunidades construam vínculos de co-responsabilidade, facilitando o
reconhecimento, o atendimento e o acompanhamento dos problemas vinculados à saúde das
pessoas e de suas famílias nas respectivas localidades.
Em 2005, a Secretaria de Atenção Básica do Ministério da Saúde propôs a inserção de
ações de saúde mental, reabilitação e atividade física e saúde na Equipe Saúde da Família
visando, assim, a implantação dos “Núcleos de Saúde Integral”, respeitando as
especificidades locais.
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A referida proposta é composta de ações voltadas para a integralidade da atenção,
multiprofissionalidade e interdisciplinaridade, compartilhando responsabilidades na promoção
da saúde, humanização da atenção e promoção do auto-cuidado e fortalecimento da cidadania.
Esta proposta se justifica considerando-se, entre outros aspectos, que hábitos
sedentários preocupam pelo somatório de doenças ligadas à falta do auto-cuidado levando,
deste modo, um contingente de pessoas a doenças não transmissíveis, pelas características
hereditárias ou pela inatividade. Elas podem, entretanto, ser reduzidas através de um
programa multidisciplinar formado por profissionais competentes da saúde.
Para tratar os problemas oriundos de hábitos negativos incorporados na comunidade
local, torna-se necessária a atuação de diferentes profissionais voltados para aspectos
nutricionais, psicológicos e de atividades físicas, atuando na interação de uma equipe
multidisciplinar, fortalecendo ainda mais os objetivos de educação, saúde e prevenção em
benefício da saúde pública.
Inserida na estrutura organizacional de grupos de trabalho, representados por uma
equipe que atua em relação a um programa social, a atividade física é encaminhada por um
profissional, o Educador Físico, que tem como meta estabelecer um vínculo entre a
comunidade e o trabalho de prevenção à saúde, contribuindo para o fortalecimento da
cidadania, através de ações que promovam as práticas corporais de movimento, propiciando a
melhoria da qualidade de vida da população, na redução de problemas decorrentes das
doenças que reduzem a expectativa de vida.
A pergunta, ponto de partida para a elaboração da pesquisa que resultou na presente
dissertação, foi como o Programa de Saúde Familiar da cidade de Jaraguá do Sul, por meio de
sua estrutura organizacional, dos grupos de trabalho e de seus próprios usuários considera a
atividade física como atuação preventiva em prol da saúde pública. Esta indagação tem a ver
com a condição do pesquisador como professor de Educação Física, preocupado, assim, com
as possibilidades de atuar, através de políticas públicas de saúde, para a melhoria das
condições de saúde da população do município onde foi realizada a investigação. Para
respondê-la foram propostos, em termos mais abrangentes, os objetivos apresentados a seguir.
O objetivo geral da pesquisa e, portanto, desta dissertação, é produzir um diagnóstico
institucional sobre o “Programa Saúde da Família” em Jaraguá do Sul, buscando identificar as
possibilidades e as limitações para inclusão de atividades físicas programadas na prevenção e
promoção da saúde de seus usuários. Como objetivos específicos foram propostos: 1.
caracterizar o contexto socioeconômico onde está inserido o PFS e as ações de seus gestores
no município; 2. identificar quais são os fatores positivos e negativos no processo de
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implementação e de funcionamento do PSF no município; 3. averiguar qual a opinião dos
gestores e de usuários do PSF sobre este processo; avaliar as possibilidades, desafios e
demandas, na opinião de gestores e usuários do PSF, para a inclusão de atividades físicas
programadas voltadas para a prevenção e promoção da saúde.
Para que fossem atingidos estes objetivos, foram utilizadas diferentes estratégias
metodológicas, levando-se em conta tratar-se de um estudo de caso envolvendo aspectos
qualitativos e quantitativos.
Em primeiro lugar, foi processada a busca e a análise de documentos e fontes
estatísticas para obter informações sobre os principais indicadores sócio-econômicos do
município, bem como aqueles relativos ao PSF e aos Núcleos de Saúde Integral, como base
para o encaminhamento de proposições na direção da busca democrática da “saúde para
todos”, através do pressuposto básico da relativa relação entre atividade física e saúde.
Quanto aos aspectos qualitativos, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas, em
número de quatro, com gestores e agentes de saúde do PSF e um membro do Conselho
Municipal de Saúde. O roteiro destas entrevistas contemplou a busca de informações
referentes ao desempenho, acesso e tipo de atividades desenvolvidas no PSF, bem como a
opinião destes atores sociais sobre a inclusão das atividades físicas neste Programa.
Para obtenção dos dados que foram quantificados, relativos ao perfil sócio-econômico
dos usuários entrevistados e suas observações sobre a prática de atividades físicas, foram
aplicados 20 questionários, abrangendo usuários de dois bairros do município.
Por último, foi processada a análise de documentos e fontes estatísticas para obter
informações sobre os principais indicadores sócio-econômicos do município, bem como
aqueles relativos ao PSF e aos Núcleos de Saúde Integral, como base para o encaminhamento
de proposições na direção da busca democrática da “saúde para todos”, através do pressuposto
básico da relativa relação entre atividade física e saúde.
A presente dissertação foi estruturada em três capítulos, além da presente Introdução e
de suas Considerações Finais.
O primeiro capítulo trata da problemática da pesquisa, fazendo, de início, uma
retrospectiva histórica sobre a atenção à saúde no Brasil. A seguir, são discutidos os conceitos
de descentralização no caso de políticas públicas, de atividade física e de saúde. No que diz
respeito aos dois últimos conceitos, são colocadas em discussão as relações entre estes dois
aspectos da realidade, tanto no passado quanto no presente, através da perspectiva de
diferentes autores. Por fim, é discutida a categoria teórico-metodológica de “representação
social”.
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O segundo capítulo é dedicado à caracterização histórica e socioeconômica do
município de Jaraguá do Sul, o contexto no qual foi desenvolvida a presente dissertação.
Além da retrospectiva histórica sobre a ocupação do atual território do Município, são
sintetizados dados sobre aspectos econômicos, culturais e de saúde pública. Em relação a
estes últimos, é caracterizada toda a rede de atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS)
e pelo Programa Saúde da Família (PSF).
O terceiro capítulo é dedicado, por um lado, à apresentação e análise das
representações sociais de gestores públicos, agentes de saúde e participante do Conselho
Municipal de Saúde de Jaraguá do Sul, a respeito de diferentes aspectos que têm a ver com o
funcionamento do SUS/PFS e sobre a implantação de “Núcleos de Saúde Integral”, no
município, bem como a inclusão de profissionais de Educação Física nestas equipes. Por outro
lado, nele são apresentados os resultados das respostas obtidas através da aplicação dos
questionários aos usuários do SUS em Jaraguá do Sul.
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1 A PROBLEMÁTICA E A FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DA PESQUISA
1.1 UMA BREVE RETROSPECTIVA HISTÓRICA SOBRE A SAÚDE PÚBLICA
A preocupação em relação às práticas de saúde segue a história do desenvolvimento
cultural, político e econômico das sociedades. De acordo com Costa e Rozeenfeld (apud
GONÇALVES, 2004), civilizações como a dos Hindus e a dos Babilônios, delimitaram
estratégias relativas à saúde, através de princípios éticos e religiosos em paralelo com as
normas estabelecidas pelos procedimentos dos profissionais que tinham a autonomia no
tratamento das doenças.
Rosen (1994) afirma que no período da história correspondente às mais antigas
civilizações, já eram promovidas maneiras de atuar em favor do saneamento básico, de um
ambiente mais higiênico e saudável, com os seus controles de purificação de água e esgoto,
através de limpezas de ruas e dos mercados locais, preceituando também as atividades
médicas e a cautela no manuseio dos alimentos e nas boticas como eram chamadas as
farmácias.
Ao longo da história humana, os maiores problemas de saúde que os homens enfrentaram sempre estiveram relacionados com a natureza da vida em comunidade [...]. Por exemplo, o controle das doenças transmissíveis, o controle e a melhoria do ambiente físico (saneamento), a provisão de água e comida puras, em volume suficiente, a assistência médica, e o alívio da incapacidade e do desamparo. A ênfase sobre cada um desses problemas variou no tempo. E de sua inter-relação se originou a Saúde Pública como a conhecemos hoje. (ROSEN, 1994, p. 31).
Na Idade Média Européia as doenças contagiosas que atingiam rapidamente as pessoas
de uma região, constituindo-se em epidemias, eram consideradas como decisão de Deus. Ao
mesmo tempo, outras explicações vieram à tona, como as doenças que estariam ligadas as
manifestações meteorológicas e o meio em que se vive. Mesmo na Grécia clássica, em
período anterior a era Cristã, a idéia de medicina estava diretamente ligada a problemas de
cunho religioso, paralelamente com explicações empíricas, para proporcionar uma plausível
explicação científica às doenças da época (ROSEN, 1994).
Um dos cuidados no combate a estas doenças, de acordo Rosen (1994), foi o
impedimento da entrada de doenças contagiosas através da promoção da vigilância em portos.
Promovida em Veneza em 1348, a demanda dessa ação originou o início de uma vigilância
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sanitária em construção. O mais procurado pelos mercadores, o Porto de Veneza, era o mais
importante na Europa devido a quantidade de mercadorias vindas do Extremo Oriente e de
outras localidades. A demanda das ações de vigilância exigiu iniciativas de fiscalização em
embarcações de cargas e de seus suprimentos sendo implantado posteriormente o período de
quarentena para aquelas supostamente infectadas.
Veneza é o mais importante porto da Europa para entrada de mercadorias vindas do oriente, e é ali que se desenvolvem as primeiras medidas para evitar a entrada da peste. O sistema de quarentena se emprega em Veneza e outras cidades a partir de 1348, sendo instituído em alguns lugares, rigorosa inspeção das embarcações e de suas cargas, especialmente quando se sabiam infectadas ou suspeitas, submetendo-as aos passageiros ao regime de quarentena, com exposição ao ar e à luz solar (ROSEN, 1994, p. 53-54).
A proteção da saúde da população já vinha sendo o alvo de inúmeras cidades
administradas na Idade Média Européia. Regras estabelecidas davam andamento ao cotidiano
de vida nas cidades.
A propensão de pequenos organismos causarem doenças aos os seres humanos não era
empiricamente conhecida até o término do século XIX. Devido a este desconhecimento,
promoveu-se uma demanda de fiscalização com o intuito de impedir pessoas doentes de
manter contato com pessoas saudáveis, emergindo assim regras e algumas aplicações, como o
estado de quarentena. (HOCHMAN, 1998).
Um dos acontecimentos mais marcantes em relação à saúde pública foi conseqüência
da peste negra que assolou a Europa no século XIV. França e Itália estabeleceram normas de
vigilância sanitária para controlar doenças contagiosas. A demanda de normas serviu de
“pontapé inicial” para um sistema organizado de saúde pública medieval européia,
direcionado para uma antecipação em relação à possibilidade de enfermidades, cabendo a
iniciativa da formação de um conselho como responsável pela administração comunitária e de
suas obras públicas.
Essa responsabilidade na administração da saúde pública, de acordo com Rosen
(1994), veio por meio de pessoas alheias à medicina. Os médicos eram posicionados em
outras áreas literalmente ligadas a saúde, como tratar de miseráveis, na observação dos
respectivos sintomas da lepra e em tempos de peste como conselheiros, além de outros
dilemas da saúde da época.
Ao mesmo tempo, nas cidades medievais os religiosos possuíam um espaço propício
de tratamento aos enfermos os “cenóbios”, mais tarde chamados de hospitais, onde eram
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realizadas as atividades de simples socorro médico aos doentes. Os religiosos passaram,
assim, à fiscalização ou ao domínio desses espaços, assumindo uma competência que não
pertencia a uma ordem religiosa. (ROSEN, 1994).
Surgiram, também, neste período as casas de banho com finalidade de instituir o
asseio e a satisfação com seus banhos de vapor e de água, tornando o espaço como um ponto
de referência de asseio e limpeza da cidade. Os banhos se tornaram cada vez mais freqüentes
possibilitando a contaminação por doenças transmissíveis como a sífilis, que no final do
século XV emergiu como um novo distúrbio para saúde pública. Esta prática dos banhos,
entretanto, aos poucos foram se extinguindo, mostrando o empenho pela real preocupação
com a saúde, por parte de pessoas alheias a medicina, tais como religiosos, negociantes, todos
em busca de soluções de demandas positivas. (ROSEN, 1994).
Por outro lado, conforme Costa (1999, apud GONÇALVES, 2004), uma nova classe
social emergiu em meio aos distúrbios da saúde pública em meados do século XVI: a
burguesia. Foram instauradas, também, novas circunstâncias econômicas com base na
intensificação do comércio de mercadorias (o mercantilismo). Iniciou-se, assim, uma
mudança global na direção de um processo de afirmação do Estado Moderno1 e, ao mesmo
tempo, novas preocupações com a saúde da população.
As ações da saúde no seu grande campo de ação acentuam a preocupação com a
vigilância sanitária como atribuição de cada uma das nações. Este é o caso de um país como a
Alemanha, estabelecendo a polícia médica através da mediação estatal. A idéia de “estar bem
de saúde” (salubridade) originou-se na França com o avanço do progresso pela medicina
urbana; na Inglaterra surgiu a medicina preocupada com a força de trabalho, estimulada pelo
capitalismo, sustentando, deste modo, a preocupação com a vigilância sanitária. Como afirma
Costa (1999, apud GONÇALVES, 2004),
Na vigência do mercantilismo, todas as nações européias manifestam preocupações com o estado de saúde de suas populações, passando a olhá-las de outra forma, pois a doutrina mercantilista vê a população como recurso mais importante do Estado, porquanto o trabalho passa a ser considerado elemento principal na geração da riqueza. Nesse contexto têm lugar as práticas estatísticas que visam calcular a força ativa da população... É quando aparece a noção de polícia e a correspondente polícia médica pelos governos, com efetivação pela regulação administrativa. (COSTA, 1999, p. 38, apud GONÇALVES, 2004).
1 Estado entendido como regulamento político de um conjunto de pessoas que vivem em comum, assinalando
assim o início da era moderna sendo o ponto de passagem da era primitiva progressivamente selvagem e bárbara à idade civil com uma conotação de “cidadania” e “civilização”. (BOBBIO, 1987, p. 73).
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Foucault (2001), por sua vez, relata o início da fiscalização em 1764, como atribuição
de polícia médica na Alemanha, entre os séculos XVIII e XIX. De acordo com o autor é
criado,
[...] um sistema muito mais completo de observação da morbidade do que o simples quadros de nascimento e morte. Observação da morbidade pela contabilidade pedida aos hospitais e aos médicos que exercem a medicina em diferentes cidades ou regiões e registro, ao nível do próprio Estado, dos diferentes fenômenos epidêmicos observados. (FOUCAULT, 2001, p. 83).
O sistema de quarentena emergiu, conforme Foucault (2001), através das organizações
sanitárias das cidades no século XVIII, com a preocupação com doenças como a lepra e a
peste negra. A constatação pelo contagio da lepra, se fosse descoberto, teria como represália o
abandono total da organização médica, a expulsão dos contagiados como medida de asseio do
ambiente urbano, sendo expulsos para fora das imediações da cidade. No caso da peste negra
não havia a exclusão, mas sim a observação e a inclusão de um sistema médico que pudesse
examinar detidamente os indivíduos, uns ao lado dos outros, portanto criando um espaço para
um processo de investigação e inscrição de fatos ocorridos. Deste modo, notadamente, entre
os séculos XVI e XVII, as preocupações com uma população mais saudável cresciam,
associadas a sua capacidade de produção econômica. (FOUCAULT, 2001).
Em síntese, Foucault (2001) enfatiza uma nova tendência à perfeição a favor da
sistemática chamada “política-médica”, a partir dos resultados obtidos pela quarentena no
término da Idade Média, através de uma medicina urbana defendida por sua maneira de
ordenar princípios de vigilância e hospitalização. Nos meados do século XVIII, a França se
sobressai no seu desenvolvimento sanitarista. Assim, um dos fatores marcantes da época é o
surgimento da salubridade como forma de controle urbano. Foucault descreve o
aperfeiçoamento através dos métodos de vigilância. Com ela aparece, pouco antes da
revolução Francesa, uma noção que terá importância considerável para medicina social: a
noção de salubridade. A salubridade, um termo usado como idéia de preservar a saúde na
qual o ambiente é a peça principal através dos seus elementos materiais do meio, permitindo
assim, essa higidez na população (FOUCAULT, 2001, p. 92-93).
Através desta breve reconstituição histórica é possível afirmar que as práticas de saúde
pública no Ocidente vêm sendo modificadas ao longo dos tempos. Pode-se, também, afirmar
que as modificações implantadas nos aspectos econômicos geradas pelo capitalismo
provocaram novas demandas, vindo os estados nacionais, aos poucos, assumindo a assistência
aos enfermos indigentes. Costa (1999, apud GONÇALVES, 1985), reafirma que os países
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como a França, Alemanha e Inglaterra, visavam, assim, proteger a força de trabalho de
doenças e mortes e, ao mesmo tempo, desejavam garantir o aumento populacional.
De acordo com Silva (1998), é a partir do século XVI que surgem, em países
europeus, os termos “política nacional de saúde“ e “política médica”. Contudo, segundo Silva
(1998), é no capitalismo urbano-industrial, já na segunda metade do século XIX, que se
intensificaram as ações do Estado e da própria ciência, através de sucessivas descobertas no
campo médico como a medicina bacteriana, a invenção do raio-X, a etiologia da malária, da
febre amarela e outras doenças. É necessário afirmar, entretanto, que os problemas
decorrentes do desenvolvimento industrial agravaram tanto a saúde dos trabalhadores como a
das classes dominantes.
De acordo ainda com Silva (1998), esta preocupação se manifesta, para estas classes,
sob vários aspectos:
Primeiro, porque são alvo das doenças que podem contaminar mesmo aqueles grupos que viviam em outras condições de vida, dada a proliferação das doenças infecto-contagiosas e epidêmicas. Em segundo lugar, a doença representa um risco de redução da mão-de-obra e em terceiro lugar, há possibilidade de movimentos insurgentes por parte do proletariado em expansão, revoltado com as péssimas condições de vida, saúde e trabalho (SILVA, 1998, p. 40).
Estas considerações indicam, deste modo, como afirma Cetolin (2002), que a saúde
está intimamente relacionada às condições econômicas, políticas e sociais vigentes em cada
período histórico, tendo os modernos estados nacionais exercido seu papel de mediação no
sentido de garantir a qualidade e quantidade da força de trabalho no sistema capitalista.
Porém, as políticas públicas de saúde são o resultado de uma correlação de forças que não
corresponde apenas aos interesses das classes dominantes.
Como será possível constatar na história dessas políticas no Brasil, de que tratarei no
próximo item, outras demandas da população, de modo especial de baixa renda, ao se definir
a saúde como um direito de todos, serão levadas em consideração por parte das iniciativas
governamentais.
1.2 A SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL
No Brasil, a colonização e a exploração econômica das terras por parte da Coroa
21
Portuguesa, a partir do século XVI, reproduziu aqui, de maneira mais incipiente, as práticas
de atenção à saúde similares aquelas já referidas em relação a outras nações européias. As
dificuldades eram diversas, não existia um serviço eficiente de saúde levando a população a
uma descrença em relação à prevenção e somente aceitando as orientações dos poucos
médicos cirurgiões que se estabeleceram na então colônia em época dos surtos epidêmicos.
(BERTOLLI, 2001).
Fixado como exclusivo dos boticários (pequenos departamentos farmacêuticos), o
comércio de drogas e medicamentos por meio de regimento decretado em 1.744 estabelecia a
proibição de que este comércio fosse realizado por outros meios. Com a participação direta
das Câmaras Municipais, a fiscalização impedia o comércio de remédios sem antecipar uma
licença. Existia também uma pequena participação popular delegada pelo Oficial da Câmara
Municipal na época, destinada a limpeza das ruas. Com a atribuição de fiscalizador, a Câmara
Municipal acentuou os seus esforços no controle de conservação dos alimentos importados,
através dos pesos, e medidas do gênero, uma vez que o Brasil mostrava-se um grande
importador de alimentos (SCLIAR, 2002).
Conforme Scliar (2002), em 1782 ocorreu uma reorganização normativa dando plenos
poderes a um conselho estabelecido pelos regimentos do Físico-Mor e Cirurgião-Mor do
Reino e dos Delegados assim, escolhidos nas diversas províncias portuguesas, incluindo o
Brasil. As responsabilidades eram de maneira vigilante aos atos infratores, seguido de penas
estabelecidas por lei, multas e suspensão dos infratores. Foi, assim, instituída pela rainha
D.Maria I, a Junta Protomedicato estabelecida em Lisboa, constituída por físicos e cirurgiões,
delegados pela rainha, que exerciam autoridade sobre todos os territórios dependentes
Lusitanos, tendo como arma principal o combate a medicina sem habilitação e aos aspectos
legais da profissão de botica, controlando, também, o cumprimento de todos os diplomas
outorgados a médicos e cirurgiões. Esta Junta assume a conotação de Medizinichepolitzei
(polícia médica) em relação ao controle do exercício profissional, acolhendo com atenção aos
interesses da associação médica. Conforme Scliar (2002),
As ações fiscalizadoras eram um componente da chamada polícia sanitária, um conceito paternalista e autoritário lançado na Alemanha, em 1779, por Johan Peter Frank (1745-1821). O termo Politzei tem tradução ambígua, tanto pode significar política - e era realmente uma estratégia política, que contemplava a intervenção do Estado na área da saúde e na vida dos cidadãos - como polícia (SCLIAR, 2002, p. 49).
Por outro lado, com a vinda da Família Real para o Brasil, em 1808, por sua
22
determinação, foram estabelecidas no Rio de Janeiro e na Bahia, nos períodos, de 1813 e
1815, as Academias Médico-Cirúrgicas, consideradas as primeiras escolas de medicina do
Brasil e por mandado de Dom Pedro I, em 1829, foi instalada a Imperial Academia de
Medicina.
Ainda em 1828 foram estabelecidas normas a respeito da Inspetoria de Saúde dos
Portos, após suspeita de que embarcações transportavam passageiros enfermos, submetidos
posteriormente à quarentena em uma Ilha próxima a Baía de Guanabara, em uma época na
qual os médicos tinham como idéia que as doenças eram causadas por emanação infecta.
(BERTOLLI, 2001, p. 14).
Após a Independência do Brasil foi instituída na capital a municipalização2 dos
serviços sanitários passando, assim, as Câmaras a estabelecer normas regimentais. Em 1829 a
Sociedade Médica passa a ser um aliado do Estado, com uma influência da medicina francesa
no qual, elaborando também normas sanitárias e exigindo do Estado processos eficazes no
combate a outras práticas de cura estabelecidas como curandeirismo que intimidavam o poder
da medicina considerada legal.
Conforme Costa e Rozenfeld (apud GONÇALVES, 2004), o Rio de Janeiro foi palco
de uma decisão da Câmara Municipal que entrou em vigor no período de 1832 com o nome
“Código de Postura”, estabelecendo regras para as enfermidades mais contagiosas,
controlando os locais no qual se recolhia o gado, a contaminação da água, e estabelecendo as
principais normas da profissão dos médicos e seus estabelecimentos de trabalho nos
exercícios da saúde. Por volta de 1850 o Império impediu a criação de casas de saúde sem o
consentimento e sem fazer uma avaliação antecipada do Conselho de Higiene Pública.
Nos primeiros anos da República foram constatados serviços precários de saúde, sem
organização, tendo as marés epidêmicas assolado os municípios com a febre amarela, varíola,
peste bubônica, febre tifóide e cólera. Devido à pandemia o governo da época iniciou um
trabalho de ações relevantes à higiene, elaboradas por exercício médico preocupando-se,
mais tarde, na defesa de sua permanência em cargos administrativos públicos. Como afirma
Bertolli (2001),
Os principais objetivos da atuação desses médicos era a fiscalização sanitária dos habitantes das cidades, a retificação dos rios que causavam enchentes, a drenagem dos pântanos, a destruição dos viveiros de ratos e a reforma urbanística das grandes cidades. Deveriam também divulgar as regras
2 É a ação de uma descentralização pública em favor dos municípios ou um sistema de administração em que se
atende especialmente as prerrogativas dos municípios
23
básicas de higiene e tornar obrigatório o isolamento das pessoas atingidas por moléstia infecto-contagiosa e dos pacientes considerados perigosos para a sociedade. Iniciava-se a era da hospitalização compulsória das vítimas de doenças contagiosas e dos doentes mentais (BERTOLLI, 2001, p.14).
Entre 1889 e 1930, período da República Velha, a economia brasileira estava centrada
no domínio de oligarquias, principalmente em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, que
tinham como principal atividade econômica a cultura do café.
Foi durante este período que se acentuou a imigração Européia para o Brasil. Esta
migração foi encorajada com o intuito de substituição da mão de obra escrava, principalmente
na lavoura do café. Existia também, associada a esta imigração, a idéia que não era exposta
aos olhos da sociedade de tornar a população mais branca devido ao grande contingente de
negros, índios e mestiços que formava, na época, a população brasileira. Entretanto, as
endemias e epidemias assolavam os imigrantes, que por sua vez não resistiam a tais moléstias,
prejudicando assim a economia brasileira, dependente da cultura do café. Este fato, entre
outros aspectos, levou o governo brasileiro a priorizar o combate às referidas doenças.
(SCLIAR, 2002).
Por outro lado, a proclamação da República concretizou o início do estabelecimento
das bases administrativas da saúde pública nos Estados e a homologação dos órgãos de
vigilância sanitária. Tornando-se o maior responsável, o governo central propagou incentivos
às pesquisas direcionadas a medidas de prevenção como a avaliação numérica demográfica
sanitária, a fiscalização dos portos e de doenças, nas capitais. Deste modo, os médicos
abrangeram teoricamente e empiricamente o conhecimento através de investigações nos
espaços urbanos, sendo por fim prestigiados pela importância dos seus trabalhos.
Um período de transformações tomou conta durante a gestão de Rodrigues Alves na
presidência da república, entre 1902 e 1904, pelo fato de grande registro de óbitos
proporcionados pelas epidemias de febre amarela, peste e varíola, deixando a população em
desespero.
O Governo Paulista com uma perspectiva de auxílio contra parte destas doenças
determinou através das tarefas higienistas e fiscais sanitárias a implantação de institutos de
pesquisa, em 1892, através da instalação de Laboratórios Bacteriológicos, Vacinogênico,
Análises Clínicas e Farmacêuticas, transformando-os no “Instituto Butantã”, posteriormente
intitulado de “Adolfo Lutz”. Em um período mais tarde, nos meados de 1908, os
“Laboratórios de Manguinhos”, instalados no Rio de Janeiro, passaram a se chamar “Instituto
Oswaldo Cruz”. (BERTOLLI, 2001).
24
Como afirma Borba (1998), o processo de industrialização ocorrido no início do
século XX trouxe consigo profundas mudanças nas condições de vida das populações.
Aumentaram os acidentes de trabalho e doenças e subnutrição foram o resultado das carências
devido ao início do modo de produção capitalista. Surgiu também, nesta conjuntura, como
afirma o autor (idem) um segundo grupo de doenças, as chamadas doenças de massa, como a
malária, tuberculoso, bouba e lepra. Mais tarde junta-se a estas um terceiro grupo, as doenças
degenerativas, presentes nas regiões mais urbanizadas e industrializadas (BORBA, 1998).
Perante a Lei N° 1261, promulgada pelo governo da República, em 31/10/1904,
regulamentando a vacinação obrigatória contra a varíola, acentuou-se no Rio de Janeiro uma
revolta popular, chamada de “Revolta da Vacina”. Devido a essa imposição que esbarrava na
liberdade individual, destacando a relevância do peso que a política de saúde exercia na
capital, firmaram-se os alicerces para as iniciantes reformas sanitárias, no final de 1910, ano
que Oswaldo Cruz se licenciou do cargo de Diretor Geral da Saúde Pública. (HOCHMAN,
1998).
Contudo, como afirma Borba (1998), até a década de 1920 não se observa nenhuma
política estruturada por parte do Estado brasileiro com relação à saúde. Somente com a
“Reforma Carlos Chagas”, em 1921, com a criação do “Departamento Nacional de Saúde
Pública”, pela resolução n° 3987/20, alterando e substituindo a antiga Diretoria Geral de
Saúde Pública (DGSP), criada a partir do ano 1892, é que teve início uma política de saúde
um pouco mais estruturada.
Em 1923, com a lei Elo Chaves, as Caixas de Aposentadoria e Pensões dos
ferroviários (CAPs) foram estatizadas. Junto com esta estatização “foi criado o Departamento
Nacional de Saúde Pública que atuava nas áreas de saneamento urbano e rural, de higiene
industrial e dos serviços de higiene materno-infantil. Além disso, o Estado assumiu o combate
às endemias rurais” (BORBA, 1998, p. 20).
A Primeira República sofreu um desajuste estrutural em 1930, devido ao aparecimento
de um Estado centralizador e autoritário. É neste período, entre 1934 e 1937, que o novo
Estado estabelece uma nova constituição. Foi criado o Ministério da Educação e Saúde,
saindo esta área da responsabilidade do Ministério da Justiça e Negócios Interiores. A saúde
pública passa por várias reformulações principalmente de cunho fiscalizador, através da
criação de “Serviço Nacional de Fiscalização da Medicina” (SNFM) pela resolução de n°
3171/41 e demais normas como a do “Serviço de Saúde dos Portos” (SSP) e “Serviço Federal
de Águas e Esgotos”. Em 1942, de acordo com Borba (1998), foi criado o “Serviço Especial
de Saúde Pública”, representando uma ampliação significativa da ação médico-sanitária no
25
país.
Outro marco importante no final do Estado Novo é a criação, em 1945, de um sistema
de proteção social que imprimiu, segundo Borba (1998), uma condição de cidadania
regulada, de modo especial às classes trabalhadoras, através de uma série de bens e serviços
oferecidos pelo Instituto de Aposentadoria da Previdência (IAP), considerado por Magajewski
(apud BORBA, 1998, p. 20) o berço da previdência social brasileira.
Um novo Código Nacional de Saúde se estabelece em 1961, abrangendo as regras de
defesa e resguardo da saúde na fiscalização dos estabelecimentos que desenvolviam
atividades comerciais e industriais. (COSTA; ROZENFELD, apud GONÇALVES, 2004).
Estes autores enfatizam que o novo Código protagonizou outras transformações, como a do
Laboratório Central de Controle de Drogas Medicamentos e Alimentos, pelo aumento de sua
jurisdição na fiscalização dos processos de industrialização destes produtos.
Em 1963, de acordo com Borba (1998) o Ministério da Saúde foi separado do antigo
Ministério de Educação, significando, conforme Luz (apud BORBA, 1998, p. 20), um
“esvaziamento institucional do setor saúde enquanto setor estatal, em proveito da educação”.
Alguns outros marcos importantes são apontados por Borba (1998) em termos de
mudanças significativas da atenção à saúde por parte do governo brasileiro durante o período
da ditadura militar no país. Assim é que em 1966, os IAPs foram unificados no recém criado
Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). Foi enfatizado a partir desta unificação o
tratamento médico hospitalar com medicamentos modernos e infra-estrutura hospitalar
sofisticada e centralizada. “A atuação do Estado na questão da saúde dá-se [...] como
reguladora do mercado de produção e consumo dos serviços de saúde e como resposta a
pressões dos consumidores, dos técnicos e dos empresários” (BORBA, 1998, p. 21).
Em 1968 foi criado o Plano de Coordenação das atividades de Proteção e
Recuperação de Saúde, a partir de uma reforma da Administração Federal, em 1967, que
orientava para uma redefinição das competências dos ministérios para a Saúde. Como afirma
Borba, “O importante no tocante a esse plano é o fato de que a dicotomia entre Saúde coletiva
e individual era assumida pelo governo e que desta dicotomia resultava a responsabilidade do
Ministério da Saúde pelas medidas de caráter coletivo” (BORBA, 1998, p.21).
A partir de 1970, segundo Borba (idem), saúde individual e saúde coletiva têm suas
responsabilidades explicitadas pelos dois Planos Nacionais de Desenvolvimento (PND). Em
1974, frente a uma crise do Estado brasileiro, é criado o Ministério da Previdência e
Assistência Social, que fica responsável pelas atribuições médico-assistenciais. A partir desta
criação, reafirma-se, de acordo com Magajewski (apud BORBA, 1998, p. 21), a hegemonia
26
do aspecto médico-assistencial privatista, reservando-se as atividades não rentáveis ao Estado,
e as rentáveis para o setor privado, intermediado pela previdência social.
Por outro lado, de acordo com Teixeira (1995),
O Movimento Sanitário não é um grupo de interesses e nem é formado por grupos de interesses. Embora dele possam fazer parte grupos de produtores (médicos, por exemplo) e de consumidores (usuários, potenciais ou reais, dos serviços de saúde), organizações de representação de interesses e partidos políticos, o que caracteriza enquanto movimento é o fato de aglutinar, além de indivíduos, entidades de diferentes naturezas funcionais, organizacionais e políticas, com uma proposta ético política visando interesses coletivos (TEIXEIRA, 1995, p. 153).
Em linhas gerais, a partir do início do processo de abertura política , no final da década
de 1970, segundo Borba (1998), é possível constatar a existência de duas correntes político-
ideológicas em relação ao setor saúde. Uma delas, tendo como base principal a privatização
do setor, é formada basicamente por representantes da indústria de medicamentos, de
laboratórios e de hospitais, todos atendendo, de acordo com Da Ros (apud BORBA, 1998, p.
21), “aos interesses de acumulação do capital na área da saúde”. A outra corrente,
denominada de “Movimento Sanitário”, era formada principalmente por intelectuais e
profissionais de saúde e pelo movimento estudantil.
1.2.1 A trajetória do Movimento Sanitário
A trajetória deste Movimento pode ser sintetizada através de Borba (1998).
destacando-se os aspectos ordenados cronologicamente conforme a descrição a seguir.
1. Até 1974 o setor saúde caracteriza-se, no Brasil, como um modelo claramente
privilegiador do setor privado. Nesta ocasião, tanto na Previdência, através do setor
publicista dentro do Ministério da Previdência e Assistência Social, como no
Ministério da Saúde, começam a surgir contrapontos a este modelo com a inclusão
de jovens sanitaristas nos quadros técnicos do Ministério;
2. Outra visão crítica vinha sendo gestada no interior dos departamentos de saúde
pública das universidades brasileiras;
3. Desempenhou, também, importante papel na formação do Movimento o Centro
Brasileiro de Estudos de Saúde (CEDES), que surgiu em 1976, criando a revista
Saúde em Debate, tornando-se além disso, em um dos principais instrumentos de
27
socialização das propostas do Movimento Sanitário, através da participação em
fóruns e seminários no processo de transmissão democrática;
4. Em 1979, no II Simpósio Nacional de Política de Saúde, o Movimento,
representado pelo CEBES, apresentou publicamente sua proposta de reorientação
do sistema de saúde, que já se chamava de Sistema Único de Saúde. Esta proposta
propunha, ao lado da democratização geral da sociedade, a universalização do
direito à saúde, através de um sistema público, descentralizado, integrando as ações
curativas e preventivas (NETO, 1994, apud BORBA, 1998, p. 22);
5. Em 1981 foi criado o Conselho Consultivo de Administração de Saúde
Previdenciária (CONASP). Este Conselho elaborou em 1982 um plano de
reorientação de assistência à Saúde com universalização do atendimento,
descentralização do planejamento e execução, criando o acesso único ao Sistema de
Assistência, permitindo à rede privada entrar apenas onde não havia unidades
estatais;
6. No ano de 1983 foi implantado o Programa de Ações Integradas de Saúde (PAIS),
em quinze unidades da Federação. Este Programa, em 1984, é transformado nas
Ações Integradas de Saúde (AIS);
7. A partir de 1985, membros do Movimento Sanitarista passaram a ocupar posições-
chave na esfera federal, assumindo as AIS como política oficial do setor
previdenciário, incorporando diretrizes de integração institucional centrada no
poder público, integralidade de ações de Saúde, regionalização dos serviços, entre
outros aspectos, todos eles propostas do Movimento Sanitário;
8. Em março de 1986 foi realizada a VIII Conferência Nacional de Saúde, com a
participação de cerca de cinco mil pessoas, sendo o maior evento da Saúde
realizado no Brasil até então;
9. Em setembro do mesmo ano foi instalada a Comissão Nacional de Reforma
Sanitária destinada a apresentar uma proposta ao novo sistema de Saúde, que foi
aprovada pela Comissão em março de 1987, como projeto do setor para a
Constituinte;
10. Com a aprovação da Constituição, no final de 1988, o tema da VIII CNS inicia o
artigo 196 – “Saúde é direito de todos e dever do Estado”.
Conforme Faveret Filho e Oliveira (apud BORBA, 1998, p. 23), este princípio
elaborado no seio do Movimento Sanitarista,
28
Sintetiza admiravelmente a concepção que informa a primeira experiência brasileira de uma política social universalizante. A Reforma Sanitária [...] configura uma ruptura pioneira no padrão de intervenção estatal no campo social moldado na década de 30 e desde então intocado em seus traços essenciais. Com ela surge na cena política brasileira a noção de direito social universal, entendida como um atributo da cidadania [...] como direito, não como concessão [...].
Magajewski (apud BORBA, 1998, p. 24), sintetiza os princípios norteadores do SUS,
já definidos na VIII Conferência Nacional de Saúde e assegurados no texto constitucional nos
seguintes termos:
a) universalidade – entendida com o direito de todos os brasileiros à atenção de suas necessidades de Saúde;
b) eqüidade – significando a garantia de cobertura de ações e serviços de saúde de acordo com a necessidade que cada caso requer, sem qualquer discriminação até o limite da capacidade que o sistema tiver para atender a todos [...] e
c) integralidade – reconhecendo o todo individual de cada indivíduo: a necessidade de superação da compartimentalização produzida entre ações de promoção, proteção e recuperação da saúde; a integração da rede de um idades produtoras de serviços de saúde e o entendimento do ser humano como ser indivisível, integrando a uma comunidade com identidade cultural e de classe [...].
1.3 A REFORMA SANITÁRIA E SEUS DESDOBRAMENTOS
A Constituição de 1988, como nos informa Borba (1998) previa a elaboração e
aprovação de Leis Orgânicas relativas a cada uma das áreas da seguridade social (saúde,
previdência e assistência social) no prazo de seis meses. Contudo, o Governo resistia a enviar
o projeto de Lei ao Congresso Nacional, o que aconteceu somente um ano após o término da
elaboração da Constituição. A regulamentação específica da Saúde ocorreu no segundo
semestre de 1990, já no Governo Collor, através das leis n. 8080 e n. 8142, ambas de
dezembro daquele ano.
Em busca de uma política pública certamente vinculada ao bem estar social, o Sistema
Único de Saúde ( SUS ) se direciona a uma profunda mudança na área da saúde, constituem-
se em uma das mais avançadas formas de gerenciamento da atualidade. O SUS foi
estabelecido na Constituição Federal de 19883. Sujeitando-se às leis orgânicas da saúde tem
3Legislação do SUS: Constituição Federal de 1988 (Seção II, arts. 196 a 200); Constituição do Estado de
Santa Catarina de 1989 (arts. 153 a155); Decreto nº. 99.438 de 07.08.90 (Dispõem sobre a organização e atribuições do Conselho Nacional de Saúde e da outras providências); Lei n° 8.080 de 19.09.90 (Lei Orgânica
29
como dever a execução que parta da responsabilidade dos governos federal, estadual e
municipal, com o interesse e a participação da sociedade. Estabelece-se, assim, um sistema
único voltado pelos princípios de normas de conduta em todo território nacional e
principalmente composto por um conjunto de unidades, serviços e ações voltadas à promoção,
proteção e recuperação da saúde prestada por órgãos e instituições públicas e privadas
contratadas.
Um passo importante no processo de reestruturação do SUS foi a extinção do
INAMPS que, de acordo com Borba (1998), apesar de incorporado ao Ministério da Saúde
desde janeiro de 1990, “continuava como um órgão autônomo, ainda agindo de forma
clientelista, autoritária e centralizadora” (BORBA, 1998, p. 24).
Com a posse de Itamar Franco na Presidência da República, após o impeachment do
presidente Collor, foi publicada pelo Ministério da Saúde a “Norma Operacional Básica n. 1”
(maio de 1993), estabelecendo os parâmetros para a realização da descentralização para os
estados e municípios, visando sua autonomia na condução do SUS.
1.3.1 O Programa Saúde da Família (PSF)
Em 1994 é implantado o PSF, uma prática que visa, em sua proposta original,
substituir o modelo tradicional de assistência, cujo enfoque principal vinha sendo direcionado
à cura de doenças apresentando-se como uma estratégia que procura priorizar as ações de
promoção e recuperação da saúde familiar de modo original (CETOLIN, 2002).
Como lembra Cetolin (2002), este modelo de atenção à saúde foi implantado
gradativamente, sendo a cobertura financeira programada para cada município de acordo com
o percentual da população atendida pelo programa. O ministério da Saúde considera que
ações educativas e de prevenção, consideradas ações de atenção básica ampliada, tendem a
reduzir em 85% os problemas de saúde da população. Isto significa que os investimentos na
de Saúde – Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dando continuidade a outras providências); Lei n° 8.142 de 28.12.90 (Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde-SUS e sobre as transferências governamentais de recursos financeiros na área da saúde); Resolução n° 33 de 23.12.92 do Conselho Nacional de Saúde/MS (Aprova o documento “Recomendações para a Constituição e Estruturação de Conselhos Estaduais e Municipais de Saúde”); Norma Operacional Básica – NOB 01/91 (Resolução INAMPS nº. 273, de 17.07.91); Norma Operacional Básica – NOB 01/92 (Portaria nº. 234, de 07.02.92); Norma Operacional Básica – NOB 01/93 (Portaria nº. 545, publicada no diário oficial da União do dia 20.05.93; Norma Operacional Básica – NOB 01/96 (portaria nº. 2.203, publicada no diário oficial da União do dia 06.11.96).
30
atenção básica podem e devem prevenir o adoecimento e melhorar a qualidade de vida da
população, além de poder contribuir para diminuir os gastos com os procedimentos de alta e
média complexidade. Como conseqüência procura-se, também, diminuir os índices de
mortalidade infantil, de mortes por doenças de cura simples e conhecida, como também as
filas nos hospitais das redes públicas e conveniadas com o SUS. Para que isto ocorra é
necessário que o sistema de saúde esteja o mais próximo das pessoas, de preferência nas
comunidades, facilitando o acesso da população à Unidade de Saúde da Família.
A equipe de Saúde da Família deve ser formada no mínimo por um médico
generalista, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem, um odontólogo (opcional) e quatro a
dez agentes comunitários de saúde, estes últimos em uma proporção média de um agente para
575 pessoas a serem acompanhadas. Profissionais como assistentes sociais, psicólogos,
nutricionistas e outros, poderão ser incorporados, ou então formar equipes de apoio, de acordo
com as possibilidades e necessidades locais.
O principal instrumento de trabalho dos agentes é a visita domiciliar e cada agente
precisa visitar pelo menos uma vez por mês cada família localizada em sua micro-região de
atuação. São suas tarefas básicas o cadastramento/diagnóstico com informações sobre cada
membro da família a respeito de variáveis que influenciam nas condições de saúde como
moradia, condições de trabalho e renda entre outras; mapeamento que consiste do registro das
áreas de risco existentes em cada comunidade e outros pontos de referência para objetivar o
planejamento e o trabalho dos agentes; ações coletivas com a finalidade de mobilizar a
comunidade, promovendo reuniões com grupos diferenciados como de gestantes, mães,
adolescentes, idosos, diabéticos, hipertensos e outros, incentivando a participação das famílias
no planejamento de ações e definição de prioridades.
É importante também destacar que a formulação de uma política pública se organiza
pelo processo de planejamento estratégico, (como assessoria especializada e planejamento de
projetos), iniciando-se pela administração municipal, dispondo de certa ordem das suas
diversas partes. Há, porém, perigo por parte de políticos de apossarem-se do plano, o que
exige cautela dos órgãos competentes na organização do mesmo.
De acordo com o Pfeiffer (2000), a implementação dos projetos e posteriormente a
avaliação e seus impactos são segmentos de uma estrutura básica do plano estratégico, como
a operacionalização do planejamento. Portanto, cada implementação de projeto deve ser
orientada pelos precursores, com responsabilidade, competência e interesse, diminuindo o
grau de complexidade das diferentes maneiras de atuação, tornando mais fácil a atribuição das
responsabilidades.
31
Um princípio importante a mencionar no PSF é o princípio da vigilância à saúde,
participando assim de uma característica de prática interdisciplinar e de responsabilidade
integral sobre a população, que se estabelece na área de abrangência de suas unidades de
saúde. Para tanto são propostas equipes multiprofissionais, com o objetivo do aprimoramento
do programa de saúde familiar. Campos (1990), refletindo sobre sua experiência profissional,
afirma que,
Desde meados dos anos 70, a minha prática profissional em um hospital-dia psiquiátrico universitário, vem sendo centrado no trabalho em equipe multiprofissional. Esta prática a meu ver, por si só não configura um aprendizado significativo. Acredito que contribuíram para isto um longo trabalho pessoal, aliado as possibilidades que tive de reunir-me regularmente com os profissionais que ao longo do tempo foram compondo a equipe da qual faço parte, assim como a convivência com médicos residentes em Psiquiatria e estagiários de várias áreas de saúde mental em treinamento em hospital-dia. A tomada de decisões, após as discussões, às vezes longas e dolorosas, o trabalho conflitos emergentes, o pensar sobre os erros e acertos, a busca de alternativas, entre outros, me forneceram elementos para uma reflexão crítica sobre o trabalho multi/interprofissional.
Esta abordagem crítica exposta por Campos (1990) enfatiza que só se configura uma
equipe, quando se age de maneira cooperativa, focando seus objetivos para uma determinada
situação, de forma a haver complementos e não soma ou sobreposição diante dos fatos.
Trabalhar de modo cooperativo não implica em operar sem conflitos, é inevitável, é universal
a presença destes. As características pessoais dos participantes de uma equipe podem
beneficiar ou tornar difícil os prosseguimentos de uma apreciação de trabalho em um patamar
que haja maior ou menor disposição para se examinar os pontos de turbulência.
A autora (1990) também afirma que na maioria das instituições públicas do país a
operacionalidade em equipe é pouco freqüente, e desenvolvida de uma forma distante, com
lacunas ou soluções de seqüência. As trocas de lideranças políticas fazem emergir uma série
de mudanças estruturais e funcionais que refletem nas instituições e no trabalho com
continuidade de seus profissionais. Insisti-se, ainda, em uma política suprapartidária,
independente de liderança, avaliando os programas em desenvolvimento e mantendo também,
os eficazes.
Conforme Velloso (2005), a equipe multiprofissional de saúde pode, em vários casos,
atender integralmente usuários que ainda não foram encaminhados por outros. Não é uma
prática obrigatória. O que vai regulamentar e estabelecer rotinas de operacionalidade é o
debate democrático, pelo complexo tema de trabalho em equipe.
32
A integralidade da atenção básica está vinculada diretamente à nova proposta de
inserção de uma equipe multiprofissional no programa de saúde familiar, criando-se os
Núcleos de Saúde Integral. A criação destes Núcleos é uma proposta com ênfase na estratégia
Saúde Família e apoiado na experiência de vários municípios, compostos por três
modalidades – Atividade Física e Saúde, Saúde Mental e Reabilitação implantados em
municípios com população igual ou inferior a 40 mil habitantes e com, no mínimo, 9 equipes
de Saúde da Família (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005).
De acordo com esta proposta institucional, estes Núcleos devem obedecer às seguintes
diretrizes: “1. Integralidade da Atenção; 2. Multiprofissionalidade e transdisciplinaridade; 3.
Base territorial – vínculo e responsabilidade; 4. Promoção da saúde e 5. Humanização da
atenção; 6. promoção do auto-cuidado e fortalecimento da cidadania” (MINISTÉRIO DA
SAÚDE, 2005).
Assim sendo, a implementação dos Núcleos de Saúde Integral realça a abrangência da
capacidade das equipes de Saúde Familiar com a Atenção Básica, para dar uma solução às
urgências de saúde da população, captadas no seu espaço de desempenho. Articular e admitir
novos conhecimentos faz as equipes de operacionalidade contribuírem de forma a exprimir
um aumento da integralidade da atenção. Um dos principais desafios para uma avaliação
positiva do Programa Saúde da Família é a necessidade de progredir na integralidade e na
resolubilidade. Para dar conta dele foi determinada a colaboração de áreas técnicas do
Departamento de Ações Estratégicas e Programáticas (DAPE/MS) e da Secretaria Executiva
do Ministério da Saúde, bem como do Ministério do Esporte.
A integralidade da atenção se define através do entendimento da equipe de saúde
voltada para decifrar e atender acertadamente as necessidades de saúde. Todo atendimento
dado por um profissional deve estar na obrigação com a máxima integralidade defendida,
tendo em vista o trabalho solidário da equipe de saúde com os seus diversificados
conhecimentos e práticas.
A resolubilidade das ações está traduzida pela operacionalidade dos Núcleos de Saúde
Integral e das equipes de atenção básica. As prioridades das ações devem ser de caráter
profissional, englobando outras áreas do conhecimento, na obtenção do desenvolvimento de
responsabilidades partilhadas.
Por outro lado, em termos gerais, do ponto de vista avaliativo é possível afirmar, como
aponta Borba (1998), que o desdobramento do SUS no âmbito nacional ocorreu através do
embate entre o Movimento Sanitário e o Complexo médico-industrial, até então hegemônico
no país.
33
Neste sentido, várias são as críticas encaminhadas por diferentes autores aos quais se
reporta Borba (1998). Na opinião de Oliveira (apud BORBA, 1998) apesar da idéia de
Reforma Sanitária ser pensada como um projeto contra-hegemônico, no qual a
democratrização do Estado adquire importância fundamental, no Brasil o termo vem sendo
usado em uma perspectiva muito restrita, transformando esta Reforma no sentido não de
alterações fundamentais e sim no sentido mais restrito reformista e não radical. Para Faveret
Filho e Oliveira (apud BORBA, 1998), o que ocorreu foi uma universalização excludente,
sendo cada movimento de universalização do sistema de saúde acompanhado de mecanismos
de racionamento (queda na qualidade dos serviços, filiais e outros) que expulsou do sistema
diversos segmentos sociais. Assim é que, a partir da década de 80, o surgimento dos planos de
saúde introduziu uma autonomia no setor privado, rompendo com o diagnóstico do
Movimento Sanitário que se concentrava na centralidade do gasto público, como mantenedor
do setor privado. As conseqüências são a diminuição da demanda do setor público e a perda
da capacidade de pressão sobre o Estado.
Minayo (2006), por sua vez, afirma que do ponto de vista político-legal, a Constituição
Brasileira de 1988 optou, de modo indiscutível, por um sistema de saúde universal e mais
igualitário visando o atendimento das necessidades básicas em saúde da população brasileira.
O que constata, na prática, entretanto,
É o conflito entre os princípios doutrinários do SUS, a vigência de um modelo hospitalocêntrico de atenção à saúde, que se inspira ainda numa prática fragmentada de assistência e, uma boa parte de profissionais de saúde atuando com uma visão muito reduzida do conceito de saúde. (MINAYO, 2006, p. 100).
A autora acrescenta, ainda, outros aspectos críticos como problemas com insuficiência
orçamentária do SUS; mau uso do dinheiro público uma vez que seu maior montante se
destina aos serviços hospitalares; insuficiência de profissionais capacitados e comprometidos
com os usuários, aspectos que acabam por uma certa desumanização nas práticas de
atendimento à saúde oferecidas pelo Sistema.
Ao mesmo tempo, estudos de caso em relação à atuação do SUS em diferentes
municípios catarinenses, desenvolvidos em dissertações de alunos do Programa de Mestrado
em Políticas Públicas e de uma monografia da Graduação em Ciência Política da UNIVALI
reproduzem, em parte, as críticas acima apresentadas. Trata-se da análise do funcionamento
do SUS em dois municípios catarinenses da 5ª Regional de Saúde (Região Oeste)
encaminhada por Cetolin (2002), no município de São José, analisado por Silva (2003), no
34
Balneário Camboriú por Bartos (2003) e no município de Itajaí por Gonçalves (2004), que
apontam algumas conquistas na implantação do SUS, através da aplicação, embora de modo
parcial, de seus princípios de integralidade, descentralização e universalidade e pela prática
descentralizada do atendimento à saúde.
Restam, ainda, algumas críticas que se aproximam, em parte, das apontadas por
Minayo (2006), como a falta de pessoal técnico em alguns municípios e a conseqüente
demora no atendimento pelo SUS; a dificuldade dos gestores em perceber as diferenças e as
particularidades de cada município da federação; o não atendimento à demanda do pessoal
técnico por maior e mais constante capacitação técnica; a dificuldade de articulação entre as
três esferas governamentais (municipal, estadual e federal); a presença, ainda, de uma
perspectiva exclusivamente assistencialista de atendimento médico e a não formação de
equipes interdisciplinares; um constante jogo de interesses dentro dos Conselhos Municipais
de Saúde, que dificultam, entre outros aspectos, a participação efetiva da população faltando-
lhes legitimidade política por parte dela e dos governos municipais.
É indispensável ressaltar, entretanto, que em diferentes trabalhos, como o de Minayo
(2006), são ressaltados ganhos relativos a aspectos positivos conseguidos através da
instalação do SUS. Entre estes ganhos vale destacar os seguintes aspectos apontados pela
autora:
O princípio da universalização fez que os recantos mais longínquos e todos os segmentos da população pudessem ter acesso aos serviços que antes eram prestados apenas aos que possuíam a carteira do INPS. O princípio da descentralização que está sendo pouco a pouco implantado, gerou uma organização mais eficiente, mais criativa e mais próxima dos usuários em grande parte dos municípios do país, trazendo melhor qualidade da atenção primária para muitas comunidades. A execução, na prática, do princípio do controle social, tem possibilitado a organização da sociedade em torno de seus direitos e reivindicações, por meio do Conselho Nacional e dos Conselhos Municipais e Estaduais de Saúde. (MINAYO, 2006, p. 100).
Em relação a estes Conselhos, a autora afirma que a existência de 5.000 desses órgãos
espalhados por todo o país, confere uma nova esperança ao cenário das políticas de saúde. A
seu ver,
Situando-se na contramão da tradicional tendência clientelista e autoritária do Estado Brasileiro, os Conselhos são uma contribuição prática para a construção da democracia no país, mesmo apesar de suas enormes deficiências, pois é verdade que boa parte deles ainda existe mais como uma exigência legal do que exercendo uma efetiva representação social. (MINAYO, 2006, p. 101).
35
1.4 REFERENCIAIS TEÓRICO-METODOLÓGICOS
1.4.1 Políticas públicas de saúde e descentralização
Do ponto de vista das políticas públicas um aspecto essencial decorrente da reforma
do Estado Brasileiro, que no caso específico da Saúde resultou, recentemente, na proposta e
implementação do SUS, tem como um dos aspectos fundamentais para sua operacionalização
a descentralização que, como afirma Arretche (apud GONÇALVES, 2004), tem um lugar de
destaque nos processos de reforma estatal.
Considerando que um dos objetivos da presente proposta de pesquisa é analisar como
vem ocorrendo o funcionamento do PSF no município de Jaraguá do Sul, implicando,
portanto em práticas que têm a ver com o referido processo de descentralização, algumas
reflexões a este respeito se fazem necessárias.
Um dos primeiros aspectos a serem destacados é que, como afirma Gonçalves,
produziu-se um certo consenso de que a descentralização na prestação de serviços públicos
resultaria em práticas mais democráticas e eficientes. A descentralização implica em transferir
recursos do poder central para poderes e órgãos locais específicos. Desta forma, como aponta
Junqueira (apud Gonçalves, 1997), a descentralização e a centralização são dois extremos
ligados por uma relação dialética.
Gonçalves (2004) destaca que outro ponto a ser considerado é a modalidade de
devolução social, no campo da descentralização da oferta de bens e serviços através de
concessões, permissões, terceirizações, etc. Um terceiro aspecto a ser levado em conta é a
relação entre participação e descentralização. Porém, como lembra Junqueira (apud
GONÇALVES, 2004), no Brasil, onde os interesses privados prevalecem sobre os coletivos, a
participação da população não se concretiza necessariamente em governos descentralizados,
próximos à população. Mesmo assim, a descentralização parece possibilitar um importante
meio de participação mediante a abertura de canais entre a sociedade e as instituições
públicas, permitindo pelo menos que as reivindicações cheguem até o Poder Público,
responsável pela implementação de políticas públicas.
Assim sendo, de acordo com Junqueira (apud GONÇALVES, 2004), a
descentralização apresenta dois momentos distintos: um que visa garantir a igualdade social e
outro que visa o desenvolvimento. Ela veio “como um novo modelo de organização e gestão
da coisa pública, constituindo um meio de democratização, possibilitando a criação de
36
mecanismos de controle contribuindo assim para a mudança da forma de administração estatal
(JUNQUEIRA, 1997, apud GONÇALVES, 2004, p. 54).
Entretanto, na opinião de Couttolec e Zucchi (apud GONÇALVES, 2004), a
descentralização por si só não resolve os problemas. Ela cria possibilidades, cabendo aos três
níveis de governo uma reestruturação e um redirecionamento de suas propostas e ações. No
caso da Reforma Sanitária Brasileira estas providências são essenciais para que ela não seja
apenas mudança na estrutura burocrática, uma vez que sua proposta pretende ir mais além.
Em termos práticos a construção do SUS exige, como afirma Gonçalves (2004, p. 68),
dos gestores (municipal, estadual e federal) uma busca na eficiência de aplicação de recursos
financeiros, tecnológicos, humanos, etc. Cabe, ao gestor “aplicar recursos para obter
resultados significativos e melhores condições para a população que se utiliza dos serviços e
ações de saúde, sem comprometer os recursos disponíveis e a qualidade dos serviços”. Vários
são, deste modo, os desafios a serem enfrentados para que sejam efetivamente cumpridas as
determinações constitucionais, entre os quais a busca por uma redefinição, na prática, do
conceito de descentralização dando, ao mesmo tempo, importância e qualificação para os
sujeitos responsáveis pelo Controle Social do SUS (GONÇALVES, 2004).
1.4.2 Atividade física e saúde: dimensões conceituais
Um dos temas mais recorrentes, de acordo com Nogueira e Palma (2003), na vasta
literatura sobre educação física e esportes tem sido a adesão às atividades físicas. Como
afirmam os autores (idem), apesar de sermos herdeiros de uma longa tradição em favor da
exercitação física moderada, foi somente a partir da segunda metade do século XX que se
concretizaram as condições iniciais para a democratização das atividades físicas.
O próprio campo da educação física e dos esportes foi palco, no dizer dos autores
acima referidos, de grandes transformações ao longo do século XX que redefiniram seu papel
cultural e proporcionaram novas propostas metodológicas com o objetivo de ampliar o
número de praticantes. Entretanto, constata-se uma baixa adesão às atividades físicas como
hábito ou prática regular. A discussão sobre esta aparente contradição só pode ser
devidamente analisada, na opinião de Nogueira e Palma (2003), sendo levadas em conta as
condições históricas que permitiram ou não a incorporação destas atividades na dinâmica
cultural, sob uma perspectiva democratizante, contribuindo com efeitos reais para a promoção
da saúde e do bem-estar.
37
Alguns conceitos básicos, contudo, devem ser encaminhados para que se delimite as
bases teóricas do presente projeto.
Em linhas gerais, em primeiro lugar, pode-se afirmar que os movimentos corporais de
acordo com Caspersen (apud NOGUEIRA e PALMA, 2003) que objetivam gastos
energéticos diferenciando-se do repouso, resultam em “atividade física”. Esta é conceituada
como qualquer movimento corporal, que se traduz pela contração muscular esquelética,
produzindo um gasto energético mais elevado que o basal. O termo “exercício físico”, por sua
vez, refere-se a toda atividade física planejada, estruturada e repetitiva, que vise a melhoria e
a manutenção da aptidão física.
Quanto ao “esporte”, segundo Nogueira e Palma (2003), maior é a dificuldade de sua
conceituação, devido a variedade de significados que apresenta. Segundo o autor Grifi (apud
NOGUEIRA e PALMA, 2003) esta palavra é fruto de uma evolução que ocorreu entre os
séculos XIII e XIV. Na França, era conhecida já no século XIII com a expressão desport,
com o significado de recreação e jogos. Na Inglaterra do século XIV a palavra manteve-se
com o mesmo significado e traduzido como sport. A nobreza que se preocupava com a
realização das atividades esportivas da época direcionando assim o seu modo de vida antes da
Revolução Industrial. Após a Revolução, conforme Campbell (2001), as atividades de
entretenimento da época como teatro, música, a dança e o esporte foram as novas atividades
protagonistas do mercado cultural.
Por fim, como afirmam Nogueira e Palma (2003), pode-se identificar o esporte como
uma atividade coletiva ou individual, caracterizada principalmente pelo sentido de jogo e que
historicamente esteve associado ao divertimento, ao prazer da disputa e ao fortalecimento do
caráter, mas não necessariamente à saúde.
Atualmente, conforme Tubino (1992)4, diferentes manifestações acolhidas pela
expressão “esporte” se destacam em nossas atividades como: esporte-educação, esporte
participação, esporte-performance, estabelecidos em nossa Constituição de 1988. De acordo
com este autor, fica evidenciado o alcance universal do esporte, nos dias atuais, como
fenômeno social, permitindo encontrar significados mais efetivos “quando deixou de
concentrar-se apenas no rendimento, e conseguiu também incorporar os sentidos educativos e
do bem-estar social” (TUBINO, 1992, p. 7).
4 Esporte-educação é aquele vinculado a questões pedagógicas tais como a integração social, o desenvolvimento
psicomotor e as atividades físicas educativas. O esporte performance ou de rendimento é aquele voltado para talentos esportivos, que propiciam espetáculos desta natureza, protagonizado por atletas profissionais ou não, mas que exige do praticante dedicação e rendimento que superam uma prática de tempo livre ou amadora. O esporte-participação ou popular, o mais democrático, favorece o prazer, a descontração, a diversão e o bem-estar dos praticantes, o desenvolvimento pessoal e as relações entre as pessoas. (TUBINO, 1992).
38
Contudo, seguindo a recomendação de Waissmann (2003), parece mais adequada para
dar conta da discussão que nos interessa nesta dissertação, utilizar o conceito genérico de
atividade física, englobando as diferentes conceituações de esporte apresentadas por Tubino
(op.cit.), e as demais modalidades de atividades físicas caracterizadas por Nogueira e Palma
(2003), referidas anteriormente.
Assim como foi discutido o conceito de atividade física, antes de discutir a relação
entre atividade física e saúde, parece indispensável uma discussão sobre o conceito de saúde.
Ao se admitir a necessidade de definir o que se considera como saúde, já se está, de
acordo com Palma; Estevão e Bagricheski (2003), rompendo com o processo de naturalização
que acompanha o entendimento do que é saúde. Uma vez que a saúde pública foi formada em
articulação com a medicina, e essa a partir da efetiva utilização do conhecimento científico, o
discurso científico adotado pelas práticas médicas não foi exatamente o de saúde, mas o de
doença. Esta, por sua vez, foi definida considerando os aspectos morfológicos e funcionais
definidos pela anatomia e fisiologia. É a partir daí que surge a categorização da saúde como
ausência de doenças. (PALMA; ESTEVÃO; BAGRICHEVSKI, 2003).
Estes mesmos autores chamam a atenção, de modo bastante crítico, para está visão
exclusivamente biologizante de saúde, para a qual os medicamentos, ou quaisquer outras
fontes de cura, só poderiam funcionar mediante o entendimento de que há em curso uma
determinação biológica de causa e efeito. Esta determinação pode até levar à culpabilização
do indivíduo considerado doente que, em última instância, poderia ter evitado a doença,
evitando os fatores de risco, ou seja, as suas causas.
Do mesmo modo, Lefèvre (apud BAGRICHEVSKY; PALMA; ESTEVÃO, 2006),
lembra que a saúde, de acordo com a referida visão, está sempre associada a bens de consumo
que objetivam promovê-la, tais como os medicamentos, os alimentos especiais, os exercícios
físicos. Assim, a saúde só poderia ter sentido acoplada à doença, à morte, à dor, ao desprazer,
à feiúra. Ou seja, para o autor, são as condições negativas que em uma sociedade capitalista
fazem a saúde existir, uma vez que a lógica mercantilista é a contraposição de tudo o que é
considerado negativo.
Saúde, entretanto, como afirma Minayo (2003), é um termo bastante genérico,
portador de muito significados e utilizado nos mais diferentes sentidos, segundo interesses
específicos. De acordo com a autora, este conceito se amplia, paradoxalmente na mesma
medida em que se aprofunda o campo teórico prático da medicina, sendo de seu próprio
interior que surgiu a reflexão sobre o sentido ampliado de saúde. Na verdade, tal processo
ocorreu a partir de escritores e militantes médicos, em sintonia com o pensamente político e
39
crítico da metade do século XIX. “Esses autores [...] chamavam a atenção para a imbricação
entre a situação real vivenciada e as condições mínimas preconizadas para a vida, o trabalho e
a saúde das sociedades específicas.” (MINAYO, 2003, p. 93).
É esta visão de saúde como fruto de um conjunto complexo de condicionamento
sócio-sanitários que foi reafirmada na Saúde Pública no Brasil, idéia que teve amplo
desenvolvimento pelo denominado “Movimento Sanitário” ao qual já nos referimos
anteriormente.
A “VIII Conferência Nacional de Saúde” que norteou a perspectiva adotada pelo SUS,
de acordo com Minayo (1992), definiu a saúde nos seguintes termos:
Em sentido mais abrangente, a Saúde é resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso aos serviços de saúde. É assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar desigualdades nos níveis de vida. (MINAYO, 1992, p.10).
Focalizar, portanto, a saúde através de um outro ângulo e conceito não centrado na
medicalização e na hospitalização, gera conseqüências valiosas para a saúde de um modo
geral e para a saúde pública em particular, descentralizando os conteúdos biológicos da
doença para o entendimento das questões sociais que a relação saúde-doença compromete.
1.4.3 A relação entre a prática de atividades físicas e a saúde
Conforme McArdle e Katch (apud NOGUEIRA e PALMA, 2003), na Antiguidade
Clássica, a prática de atividades físicas já era associada a benefícios em relação a saúde. A
tarefa de se exercitar, na concepção do povo Grego, era um dos fatores de desenvolvimento de
uma vida saudável. Através de uma lei estabelecida por Platão em 689, a leitura como o saber
ler e a atividade física no aprender a nadar, eram considerados como atos de adquirir uma
educação respeitável. Os pensadores da época, como Galeno, apontavam para os aspectos
positivos do exercício físico diante das conseqüências deletérias da vida sedentária. Outro
pensador da antiguidade, Comenio, de acordo com Grifi (apud NOGUEIRA e PALMA, 2003)
ressaltou a importância dos jogos e dos exercícios físicos.
No início do século XX, na Europa e Estados Unidos, têm início os processos de
desenvolvimento de uma fisiologia do esforço e de um campo de investigação para a obtenção
40
de elementos científicos na comparação de exercícios físicos e saúde. Em 1892, nos Estados
Unidos, na famosa Universidade de Harvard, foi instalado o primeiro laboratório formal de
fisiologia do exercício estabelecido, de acordo com McArdle, Katch e Katch (apud
NOGUEIRA E PALMA), no novo Departamento de Anatomia, Fisiologia e Treinamento
Físico desta universidade. Nogueira e Palma (2003) ressaltam o surgimento do laboratório nos
seguintes termos:
Interessante notar também que, no rastro do impacto real proporcionado pelo surgimento do laboratório de fisiologia do exercício, apareceu, em 1927, o laboratório de fadiga da própria Universidade de Harvard, em sua Escola de Administração (Business School). O fato curioso é que se espera a criação de um laboratório de investigação fisiológica dentro do campo das ciências biológicas, medicina ou saúde pública, mas não no campo da Administração ou dos negócios. Contudo, a explicação é bem simples: era preciso potencializar as funções do trabalhador e “reparar” seus danos [...], (BREILH, 1991; MacARDLE, KATCH e KATCH, 1998, apud NOGUEIRA e PALMA, 2003, p.105).
Conforme Breilh, Paim e Almeida Filho (apud NOGUEIRA e PALMA, 2003), no
rastro do impacto proporcionado pelo surgimento do laboratório de fisiologia acima referido e
o laboratório da fadiga na própria Universidade de Harvard, foram estabelecidos novos
fundamentos científicos para a medicina que passam a nortear, o ensino e a prática médica
ajustados pela informação e experiência de pesquisas básicas, estabelecendo assim um
afastamento entre o pessoal e o coletivo, privado e público, biológico e social, o curativo e o
preventivo. Portanto, através desses estudos, os interesses dos institutos principalmente, o de
Harvard, se conectaram com as instituições de saúde e aumentaram o leque para estabilização
da superioridade biológica.
Por outro lado, no final do século XIX, como afirmam Nogueira e Palma (2003), além
das pesquisas sobre atividade física, o início dos Jogos Olímpicos da Era Moderna recolocam
em evidência o esporte, também uma forma especial de exercitação, possível de promover
entretenimento e lazer para seus praticantes. A partir daí cresceu a esportização das atividades
físicas a ponto de, já no início do século XX, Pierre de Coubertin passar a defender a idéia-
força do movimento que apostava na democratização da atividade esportiva, o “Esporte para
Todos”(ETP), uma idéia que tentava democratizar a s atividades esportivas e que atualmente
está associada a programas de participação popular em atividades de lazer, recreação,
desenvolvimento esportivo, ou seja, as atividades físicas e a promoção da saúde para seus
praticantes.
41
Somos, portanto, como afirmam os autores acima citados e nos quais está baseada a
presente síntese, herdeiros de uma longa tradição que leva em conta a contribuição da
atividade física regular como fator de promoção à saúde.
Contudo, pode-se observar a falta de participação da população fisicamente ativa,
envolvida em atividades regulares de exercícios programadas, até em países com alto grau de
desenvolvimento na referida área.
Conforme Lovisolo (apud NOGUEIRA e PALMA, 2003, p. 106):
[...] ao longo do tempo, fomos convencidos sobre as necessidades de bebermos água tratada, de termos esgotos e banheiros, de lavar as mãos após fazermos nossas necessidades fisiológicas, de vacinar-nos, de escovar os dentes várias vezes por semana, de tomar vitamina C, de fazermos higiene corporal todos os dias, enfim, fomos convencidos a adotar muitos hábitos que contribuem para termos saúde, e talvez saudebilidade. Contudo, as pesquisas informam que o hábito da atividade física tem pouca penetração. Em vários países, não passa de vinte e cinco o percentual de pessoas que realiza atividade física e outros registram percentuais ainda menores. Como as pessoas não se conscientizam sobre uma recomendação repetida de tantas tão várias formas? Como a pastoral da higiene teve êxito e a atividade física parece fracassar?
Estaríamos, assim, de acordo com Lovisolo (idem), em um mundo dominado pelo
sedentarismo, com grande parte da população mundial desinteressada pela prática de
atividades físicas sistemáticas, destindas à obtenção de aumento de sua resistência em prol da
saúde.
Entretanto, no caso do Brasil, é necessário ressaltar, como fazem Nogueira e Palma
(2003), que em um país em que a jornada de trabalho é excessiva, não raro desempenhada
sobre condições ergométricas inadequadas, com baixa remuneração e com os direitos sociais
ameaçados, não parece muito promissora a idéia de uma relação entre atividade física e saúde
tendo, como é muitas vezes salientado, o objetivo de aumento da produtividade das empresas.
Além disso, como afirmam estes autores, ao centrar no indivíduo a responsabilidade sobre
fazer ou não atividade física, desconsidera-se a importância do empenho social na busca de
políticas públicas em relação a estas atividades.
Parece indiscutível, conforme Ferreira (2001), a influência do exercício físico nas
condições de saúde, pressuposto que encontra suporte teórico em estudos de diversos autores,
“a tal ponto que alguns vêm entendendo o incentivo a essa prática como ação importante na
área de saúde pública” (FERREIRA, 2001, p. 42). De acordo com este autor:
42
[...] a prática regular e bem orientada de exercícios traz benefícios como: a) a redução do “colesterol maléfico” (LDL) e o aumento do “colesterol benéfico” (HDL), o que diminui o risco de distúrbios cardiovasculares, como a arteriosclerose e o infarto do miocárdio, além de combater a obesidade; b) o aumento da vascularização, que favorece a nutrição dos tecidos corporais e combate a hipertensão [...]; c) a melhoria da eficiência cardíaca, fruto do aumento das cavidades do coração e da hipertrofia do miocárdio; d) o fortalecimento de músculos, articulações e ossos, que diminui o risco de lesões e dificulta o aparecimento de doenças como a osteoporose; e) o aumento da capacidade respiratória, que favorece as trocas gasosas; f) a melhoria da flexibilidade e da força muscular, que reduz as dores nas costas, o risco de lesões articulares e otimiza a autonomia do indivíduo para atividades cotidianas, dentre outras adaptações. Além disso, a prática regular do exercício físico também vem sendo associada a benefícios na esfera psicológica, como a redução da ansiedade, da depressão [...], do stresse e a melhoria do humor. (FERREIRA, 2001, p. 42).
Entretanto, a associação sem reservas entre exercício físico e saúde, segundo ainda
Ferreira (2001, p. 43), “numa relação de causalidade, pode nos levar ao campo do “otimismo
ingênuo” [...], uma vez que os benefícios do exercício depende da forma como é praticado”.
Há, inclusive, conforme este autor, vários estudos que argumentam que ao desenvolvimento
da aptidão física não corresponde necessariamente a uma melhoria do status de saúde e que
nem todas as repercussões do exercício físico e do desporto são benéficas à saúde. Portanto,
como conclui Ferreira ( 2001, p. 43), “o exercício físico deve ser encarado como um meio
potencial para se contribuir positivamente para a saúde, quando praticado de forma correta e
adequada”.
Paralelamente, Bagrichevski, Palma e Estevão afirmam que:
Se por um lado é parcialmente aceitável a generalização de que há benefícios orgânicos decorrentes de algumas modalidades de exercício, por outro, esta argumentação torna-se discutível, na medida que pretende sustentar uma política conservadora, uma dimensão moral que responsabiliza cada pessoa por seu próprio adoecimento e desconsidera a dinâmica sistêmica e multifacetada que influencia os estados de enfermidade humana (BAGRICHEVSKY; PALMA; ESTEVÃO, 2006, p. 27).
Assim sendo, Palma, Estevão e Bagrichevski (2003) afirmam, também, estarem
preocupados em registrar a necessidade emergencial de se repensar as propostas teórico-
metodológicas na Educação Física que balizam intervenções, ditas de “Promoção à Saúde”,
buscando coaduná-las às perspectivas críticas, fecundamente disseminadas na Saúde Coletiva.
De acordo com estes autores, ainda é notória a prevalência de enfoques em pesquisa que
exploram mais os determinantes biológicos, em detrimento da abordagem dos elementos
sócio-culturais, econômicos e políticos, intervenientes no processo saúde-doença. Isto é, a
43
dimensão destacada nessa tendência é a da física associada à saúde, que defende a existência
de uma relação de “causa e efeito”, quase exclusiva, entre exercício e saúde.
Na perspectiva dos autores acima referidos, tal fato traz implicações delicadas no
campo do conhecimento e da intervenção, uma vez que essa interpretação adota um olhar
parcial e distorcido da realidade. Não leva em conta outros fatores contextuais relevantes aos
quais as pessoas estão submetidas e que não podem ser dissociadas de seus cotidianos:
distribuição desigual de renda, nível de (des)emprego, condições sanitárias básicas, condições
de moradias e alimentação, indisponibilidade de tempo livre, acesso a serviços de saúde e
educação, entre outros. Esses também são aspectos que moldam as condições da vida humana
e, portanto, precisam ser igualmente considerados em qualquer pesquisa que busca estabelecer
inferências mais consistentes sobre a saúde populacional. (BAGRICHESKI; PALMA;
ESTEVÃO, 2006).
De fato, segundo Carvalho (2001), nota-se uma tendência na área da Educação Física
visando à promoção da saúde. Esta é uma tendência que surge no início da década de 1980
que propõe “[...] ampliar a relação de compromisso da Educação Física com a saúde. Tem
como foco de interesse a qualidade de vida de indivíduos e comunidades, integrando os
aspectos políticos, econômicos e socioculturais sem desconsiderar a aptidão física”.
(CARVALHO, 2001, p. 18). Promoção da saúde, como lembra o autor, é uma iniciativa que
tem origem na área médica e situa-se na prevenção primária. Desse modo,
A promoção à saúde está determinada pelo desenvolvimento econômico, pela distribuição eqüitativa de renda, pelo lazer, pela educação sanitária, pela alimentação e nutrição e pelo exercício físico. Mas não pode estar desvinculada da proteção contra a doença que, por sua vez, diz respeito ao saneamento básico, às vacinas, ao aconselhamento genético (associado ao conceito de risco) e ao exercício físico também. É uma ação voltada para o coletivo. É um contra-senso tentar difundir essa idéia totalmente desvinculada de seu propósito original. (CARVALHO, 2001, p. 18).
Fraga (2006), por outro lado, criticando a visão exclusivamente utilitarista,
individualista e voltada para um conceito de saúde biologizante de certos programas de
promoção à saúde, coloca a questão de como restaurar e promover o caráter lúdico e gregário
da prática de atividades físicas e de lazer. Segundo o autor, embora aumente a concordância
geral acerca da importância de uma vida fisicamente ativa para a manutenção da saúde, ao
mesmo tempo parece que a prática física promovida “vem perdendo a graça” e deixando de
ser um elemento de agregação social. A atividade física realizada de modo compulsório, como
o demonstram as análises do SESC,
44
[...] até pode levar à diminuição dos riscos relativos ao sedentarismo em certos grupos sociais e em determinadas circunstâncias, mas se ela não fizer parte do conjunto de valores culturais que dá sentido à vida e não resultar da “livre escolha” do sujeito, os efeitos deste tipo de promoção podem não ser os esperados. (FRAGA, 2006).
É oportuno lembrar, portanto, de acordo com os diferentes autores acima citados, que
o debate em torno da adesão às atividades físicas regulares não se encerra no campo da
Educação Física, dos esportes e mesmo da saúde. Deve necessariamente incluir aspectos
sociais e políticos mais amplos, como a questão da jornada de trabalho e, sobretudo, a
disponibilidade de políticas públicas que orientem, estimulem e ofereçam oportunidade à
população, sobretudo de baixa renda que não têm acesso aos programas que devem ser pagos,
de acesso a estas práticas. Este parece ser um caminho que está sendo proposto pela criação
dos Núcleos de Saúde Integral relacionados aos PSF, e que poderão auxiliar no cumprimento
ao preceito consagrado na Constituição Federal promulgada em 1988, em seu artigo 196, que
estabelece que “a saúde é um direito de todos e dever do Estado”.
1.4.4 Representações sociais: uma categoria para a análise das concepções dos atores sociais
Para a análise das concepções dos diferentes entrevistados foi utilizada como
referência teórico-metodológica a teoria das “representações sociais”, elaborada inicialmente
por Durkheim e Mauss (1903)5 e repensada de modo especial por Moscovici (2003) e seus
comentadores, tais como Jodelet (2001) e Jovchelovitch e Guareschi (1994).
Conforme Moscovici (op.ct. p. 21), as representações sociais constituem um sistema
de valores, idéias e práticas, com uma dupla função: estabelecer uma ordem que possibilite às
pessoas orientar-se em seu mundo material e social para poder controlá-lo; possibilitar que a
comunicação seja possível entre os membros de uma comunidade, fornecendo-lhes um código
para nomear e classificar os aspectos de seu mundo e da sua história individual e social. Para
Jodelet (op.cit.), de modo similar, as representações sociais são sistemas de interpretação,
destinados a orientar e organizar as condutas e as comunicações sociais, intervir em processos
variados, tais como a difusão e a assimilação dos conhecimentos, o desenvolvimento
individual e coletivo, a definição de identidades pessoais e sociais, a expressão dos grupos e
as transformações sociais.
5 De acordo com estes autores, trata-se de categorias de percepção e apreciação da realidade que estabelecem
delimitações e classificações, tanto em relação ao mundo natural, quanto social.
45
A elaboração de representações depende, na perspectiva de Movcovici (op. cit.), de
mecanismos de ancoragem. Ancorar é, de acordo com o autor, o processo de classificar e dar
nome a alguma coisa. De fato, as representações são um sistema de classificações e de
denotação, de alocação de categorias e de nomes. Contudo, estes sistemas de classificação e
de nomeação não são simplesmente meios de graduar e de rotular pessoas e objetos. Seu
objetivo principal é, na realidade, formar opiniões (MOSCOVICI, op.cit. p. 70).
Mocovici (op. cit.) ressalta, em contraposição à posição de Durkheim (1978) centrada
no aspecto reprodutivo da ordem social, o caráter dinâmico das representações sociais. Ele
está, conforme Duveen ( 2003), mais interessado em explorar a variação e a diversidade das
idéias coletivas nas sociedades modernas. Essa própria diversidade reflete a falta de
homogeneidade nestas sociedades, nas quais as diferenças refletem uma distribuição desigual
de poder e geram uma heterogeneidade de representações, razão principal de sua preferência
pelo termo “social” ao invés de “coletivo”, empregado por Durkheim.
Um outro aspecto a ressaltar na contribuição teórica de Moscovici (op. cit.) é a
observação de que as representações sociais somente existem e têm repercussões porque
significam algo e significar implica, por definição, que pelo menos duas pessoas
compartilhem uma linguagem, valores e memórias comuns.
A questão do compartilhar socialmente de idéias remete, assim, como já foi apontado
acima, à constatação de que as construções simbólicas ocorrem em contextos históricos
específicos. Estes contextos estão marcados, na atualidade, por estruturas sociais nas quais os
grupos que as constituem vivenciam relações sociais de dominação, que implicam no acesso
ao universo das idéias, e na sua imposição por parte de determinados atores sociais.
Por último, vale lembrar, como afirmam Jovchelovitch e Guareschi (op. cit, p. 20), que
as representações sociais são formadas em diferentes contextos, tais como “nas instituições,
nas ruas, nos meios de comunicação de massa, nos canais informais de comunicação social,
nos movimentos sociais, nos atos de resistência e em uma série infindável de lugares sociais”.
Por outro lado, do ponto de vista metodológico, nos aproximamos, em parte, da
proposta de análise adequada a esse tipo de perspectiva, detalhada por Thompson (1990), ao
sugerir que para compreender determinadas representações culturais, deve-se, em primeiro
lugar, reconstituir os contextos socioculturais e políticos nos quais tais formas foram criadas e
veiculadas. Em segundo lugar, recuperar as maneiras como esses significados são expressos e
interpretados pelos atores sociais que os produziram e veicularam. Por último, formular, como
resultado da investigação, nossa própria interpretação, ou seja, nossa versão sobre os aspectos
em questão.
46
2 O CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIOECONÔMICO DA PESQUISA
De acordo com a retrospectiva histórica realizada pelo “Jornal Correio do Povo” de
Jaraguá do Sul, em sua edição especial de 25 de julho de 2006, em comemoração aos 130
anos do Município, e com dados provenientes de Stulzer (1973), o espaço geográfico definido
atualmente como constituindo o município de Jaraguá do Sul fazia parte dos dotes da Princesa
Isabel, filha do Imperador Pedro II e herdeira do trono do Brasil Império, quando casou com o
Conde d ‘Eu.
A demarcação deste espaço, com 25 léguas quadradas, no vale do Itapocú e do Rio
Negro, foi realizada, em 1876, pelo Engenheiro e Coronel Honorário do Exército, Emílio
Carlos Jourdan. Na mesma época, este engenheiro assinou, com a Princesa Isabel, um
instrumento particular de arrendamento de 430 léguas. Jordan passou a colonizar estas terras
com o auxílio de 60 trabalhadores, incluindo escravos, que cultivavam a cana-de-açucar,
instalando ali um engenho de cana, serrarias, olaria, engenho de fubá e de mandioca. Na
época, o então denominado “estabelecimento Jaraguá” – em tupi-guarani “senhor do vale”,
pertencia ao município de Paraty, hoje Araquari.
Em 1888, Jourdan desistiu deste empreendimento e com a Proclamação da República,
as terras dotais passaram a pertencer à União.
Em 1890, as terras abandonadas por este primeiro colonizador, localizadas à margem
do Rio Jaraguá começam a ser colonizadas pela Agência de Colonização, órgão provincial
sediado em Blumenau, por imigrantes húngaros e alemães. No mesmo ano, na barra do rio do
Cedro, estabeleceram-se imigrantes italianos.
Em 1894, as terras consideradas devolutas passam à jurisdição do Estado, sendo
criado, em 1894, o Distrito de Polícia de Jaraguá. No ano seguinte, Jourdan comprou dez mil
hectares de terras do Governo de Santa Catarina que faziam parte do dote da Princesa, e
estabeleceu mais uma Colônia em terras do atual município de Jaraguá.
Desde então, Jaraguá, que já havia pertencido a Araquari, torna-se distrito de Joinville.
Jaraguá cresceu de um povoado simples a uma vila economicamente promissora,
através da construção da ferrovia que integrava o norte de Santa Catarina com a Estrada de
Ferro São Paulo-Rio Grande do Sul, em 1910, chegando através dela notícias, visitantes,
produtos, e viabilizando a saída de produtos locais.
O movimento de emancipação, iniciado anos antes, tornou-se mais forte em 1930. O
interventor federal Aristiliano Ramos, desmembrou Jaraguá de Joinville tornando-o município
47
pelo Decreto Estadual nº 565, de 26 de março de 1934, nomeando assim o seu primeiro
prefeito, o administrador José Bauer, ocorrendo em seguida a organização administrativa do
município nomeado. Em 1943, pelo decreto de nº 941, a cidade passa a ser designada
definitivamente como Jaraguá do Sul.
O aumento do número de habitantes de Jaraguá torna-se evidente ao se comparar os
dados do período de 1920, cuja população totalizava 11.016, com os dados do primeiro
recenseamento oficial do IBGE, em 1940, indicando um total de 23.495 habitantes
(CORREIO DO POVO, 2006).
De acordo com Egon Jarnow6 (apud O CORREIO DO POVO, 2006), através da
crescente industrialização aumentou o fluxo migratório nas terras de Jaraguá, chegando ao
Município imigrantes alemães, italianos, poloneses, húngaros e portugueses, entre outros.
Este pesquisador registra o verdadeiro processo de aculturação que ocorreu entre estes
europeus e a população “nativa”, indígenas e posteriormente os afro-descendentes, no sentido
de hábitos alimentares, práticas agrícolas e a própria linguagem falada, No caso da
alimentação, chama a atenção para a introdução da farinha de mandioca, o polvilho, o fubá e o
milho entre seus hábitos alimentares.
Um outro aspecto destacado pelo referido pesquisador foi a repressão política exercida
pelo Presidente Getúlio Vargas, durante a Segunda Guerra Mundial, em termos da utilização
dos idiomas dos imigrantes de ascendência européia, e o fechamento de escolas que
lecionavam em idiomas estrangeiros. Segundo O Correio do Povo (2006), a perseguição
realizada pelo Governo Brasileiro teria estimulado comportamentos preconceituosos e
discriminatórios manifestados a partir da identificação da pessoa em relação a seu
pertencimento étnico.
2.1 JARAGUÁ DO SUL NA ATUALIDADE
Passados 130 anos de colonização, Jaraguá tem uma área de 532, 59 km2 e, de acordo
com o censo do IBGE (2000), é ocupado por uma população de 108.489 habitantes, dos quais
apenas 11,22% estão localizados na área rural. Do ponto de vista étnico, 43% da população é
composta por descendentes de alemães, 24% por italianos, sendo os demais, entre outros
grupos minoritários, poloneses, húngaros e afro-descendentes.
6 Pesquisador da Fundação Cultural e do Arquivo Eugênio Victor Schmockel, de Jaraguá do Sul.
48
Conforme a Prefeitura do Município (O CORREIO DO POVO, 2006), Jaraguá do Sul
tem 4.024 empresas, sendo 2.999 comerciais, 1.002 industriais, 2.785 prestadoras de serviços
e 27 instituições financeiras. O Município também apresenta um dos mais altos Índices de
Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil, ocupando o 30º lugar, e de Santa Catarina, como
nono colocado.
Considerando que o IDH leva em conta a taxa de alfabetização de pessoas acima de 15
anos de idade, a taxa bruta de freqüência à escola, a esperança de vida ao nascer e a renda per
capita, o Município de seu total de adultos apresenta 97,35% alfabetizados; 90,94% das
crianças estão na escola e a expectativa de vida é de 74 anos. Quanto à renda per capita,
segundo pesquisa realizada pela AMVALI (Associação dos Municípios do Vale do Itapocu),
em 2005 a renda per capita de Jaraguá do Sul era de R$ 25.067 anuais, ou seja, uma das
maiores de Santa Catarina e do país. (O CORREIO DO POVO, 2006).
Em termos de abastecimento de água e de saneamento básico, Jaraguá do Sul, como
informa ainda O Correio do Povo (2006), tem 98% da população abastecida com água
potável, 56% das ruas são pavimentadas ou asfaltadas e a rede coletora de esgoto atinge 56%
da população.
2.1.1 Educação, cultura, esporte e lazer
Conforme dados obtidos junto à Secretaria de Educação e Cultura de Jaraguá do Sul,
um marco inicial da educação formal no Município foi a fundação da Escola do Rio da Luz 1
(atual “Professora Gertrudes Steilein Milbratz”), em 1895, sendo a mais antiga de Jaraguá do
Sul, criada por colonizadores alemães e mantida, por certo período, pela comunidade escolar.
Posteriormente, o Governo do Estado assumiu a administração, passando oficialmente, em
outubro de 1998, a escola municipal.
Em 1907, completando, portanto, este ano seu Centenário de Fundação, é instalado o
“Colégio Evangélico Jaraguá”. Este Colégio foi fechado em 1938, por conta dos
acontecimentos relativos à Segunda Guerra Mundial e reaberto em 1953, permanecendo até os
dias atuais.
Em 1919 é instalado o “Colégio Marista São Luiz”, instalado em edificações que
foram construídas em sucessivas etapas.
Outro marco importante foi a instalação do “Colégio Bom Jesus”, pela Congregação
da Divina Providência, em 1940, estabelecendo-se como um centro de referência
49
educacional, mantido na atualidade. O Colégio se destaca com permanente preocupação do
bem estar social, destacando-se os valores, realizações e desenvolvimento cultural
(CORREIO DO POVO, 2006).
No dias 30 de dezembro de 1930, o Presidente da Assembléia Legislativa de Santa
Catarina, o Sr. Altamiro Guimarães, sancionou o decreto de nº 57, cabendo ao Poder
Executivo a criação de escolas normais primárias em diferentes municípios catarinenses, entre
os quais o de Jaraguá do Sul.
No período de 1948 a 1973, por iniciativa do executivo municipal de Jaraguá do Sul, e
convênio com a administração estadual, através de diferentes doações de terrenos, foram
destinados espaços e construídos edificações para a instalação de novas instituições de ensino
no município de Jaraguá do Sul e de bibliotecas populares. Por doação de Willy Wolkmann
destina-se uma área total de 12.000 m², para o funcionamento de uma Escola Mista Estadual
em Três Rios do Norte. Outra doação destinada ao município é de Waldemar Grubba, na
mesma localidade, com uma área total de (10.000 m²), destinada à construção de uma Escola
Rural. Uma outra escola deste tipo foi instalada, também por doação de terreno com as
mesmas dimensões, na localidade de Alto Jaraguá. Foram, ainda doadas terras de iguais
dimensões pela Comunidade Católica e Evangélica de Jaraguá do Sul, na localidade Santo
Estevão, com o intuito de construir uma Escola Rural e através de outra doação foi construída,
na localidade do Rio Cerro uma Escola Reunida.
Ao mesmo tempo, o poder executivo estadual foi autorizado pela Assembléia
Legislativa do Estado a auxiliar financeiramente o funcionamento de bibliotecas em cada sede
municipal do Estado de Santa Catarina, incluindo a de Jaraguá do Sul.
Atualmente, a rede de ensino do Município de Jaraguá do Sul atende cerca de 16 mil
alunos matriculados nas escolas municipais, com um crescimento anual aproximado de 3%,
exigindo fortes investimentos e constantes programas de aperfeiçoamento profissional e
qualidade de ensino, em paralelo, com a ampliação da capacidade física e atendendo a
demanda crescente.
O aperfeiçoamento profissional abrange a todos os 1400 funcionários do setor
educacional, que nos últimos 17 meses partilharam de diversas capacitações, com um
acúmulo de 450 horas de formação, entre cursos, palestras e seminários. Em termos
financeiros, foram investidos cerca de R$ 5 milhões, destinados à construção, ampliação e
reforma de Centros Municipais de Educação Infantil.
No que diz respeito a área pedagógica, muitas parcerias foram firmadas entre a
Secretaria Municipal de Educação e Cultura e entidades, entre elas:
50
- Associação Nacional dos Servidores da Polícia Federal (ANSEF), com o programa
Nacional de Prevenção às drogas: O Brasileirinho:
- SESI/ Instituto Ayrton Sena, com o projeto “Superação Jovem”;
- Serviço Social do Comércio com o projeto “SESC/ Criança Feliz”;
- Polícia Militar, com o “Programa Educacional de Resistência às Drogas”
(PROERD);
- SAMAE, com “Programa de Educação e Valorização da Água” (PROEVA);
- Fundação Municipal de Esportes com o “Programa Esporte e Cidadania” (PEC);
- ACIJS e entidades envolvidas, com o “Projeto Sonho de Férias”;
- SCAR, com projetos de artes, dança, teatro, música e capoeira.
Outra proposta importante foi a de “Educação Inclusiva”, implantada em agosto de
2005, no Centro de Atendimento da Educação Inclusiva, integrando 10 profissionais, dos
quais uma orientadora educacional, três pedagogas, três fonoaudiólogas e três psicólogas.
Tem a incumbência de socializar as pessoas portadoras de necessidades especiais, através de
um processo de resgate da valorização do ser humano, no convívio, na aprendizagem e na
profissão.
Com o objetivo de propiciar a qualidade da refeição, foi promovida na atual gestão
municipal a terceirização da merenda escolar, com a aprovação da Associação de Pais e de
Professores, viabilizando uma maior variedade nos alimentos produzidos pelo município,
contando também com cinco profissionais da área nutricional.
Em termos culturais, uma importante decisão do poder municipal foi assegurar o
registro, por iniciativa das comunidades do vale do Itapocu, da “Liga dos Grupos
Folclóricos”, iniciada nas dependências do Centro Educacional Evangélico de Jaraguá do Sul,
oficializada pela Assembléia Legislativa, em 1995. Em sua justificativa destaca-se como
objetivos da entidade, o incentivo, a difusão, a promoção e o resgate da cultura alemã
naquelas comunidades.
A Fundação Cultural do município, através de suas prerrogativas, iniciou um processo
de incentivo e apoio a manifestações artísticas da região, aliadas à promoção de eventos
culturais oferecidos democraticamente às comunidades do município. São oferecidas diversas
opções nos seus centros culturais, como no Museu Histórico Emílio Silva, Arquivo Histórico
Eugênio Schmöckel e Biblioteca Pública Rui Barbosa e ainda são promovidas atividades
itinerantes, deslocando parte dos serviços e acervos destas instituições para os bairros.
Está sendo realizado um Projeto de Resgate Étnico do Patrimônio Cultural, através da
pesquisa de mais de 20.000 documentos e de livros restaurados.
51
As manifestações culturais das diferentes etnias que colonizaram Jaraguá do Sul,
recebem, também, a colaboração da Fundação Cultural do Município, através dos repasses de
verbas anuais, destinadas a manutenção das Associações Alemã, Húngara, Italiana e Polonesa,
além da Liga de Grupos Folclóricos e do Movimento da Consciência Negra do Vale do
Itapocu (Moconevi), havendo, também, uma valorização da pesquisa continuada, organizada
pelos seus pesquisadores.
Atualmente o esporte e o lazer em Jaraguá do Sul têm recebido por parte do poder
público, uma atenção redobrada em suas propostas de garantir investimentos.
O “Programa Esporte e Cidadania” (PEC), por exemplo, é um programa da Fundação
Municipal de Esportes de Jaraguá do Sul, com o apoio da Secretaria de Educação, Ministério
do Esporte, associações esportivas e iniciativa privada. Oportuniza acesso gratuito à iniciação
e prática esportiva para crianças entre 6 a16 anos, matriculadas nas escolas municipais e
estaduais de Jaraguá do Sul. O objetivo do projeto PEC/Segundo Tempo é promover
atividades que proporcionem aos usuários da faixa etária a auto-realização e satisfação na
descoberta de novas relações, a socialização, a valorização da cultura, o gosto pela prática de
atividades esportivas e uma vida saudável.
O programa “Escola Aberta” é uma parceria da Fundação Municipal Esportes, com a
Secretaria Municipal de Educação, através do qual os pais têm à sua disposição diversos jogos
e brincadeiras.
Outro programa chama a atenção, o “Programa Viva Jovem”, criado com o objetivo de
oferecer diversão e lazer ao jovem local, tornando-se um evento inovador.
A garantia de investimentos também possibilitou a construção do Centro de Eventos
Arena Jaraguá, situada no coração geográfico de Jaraguá do Sul, que na certa mudará o
conceito regional de entretenimento. É um espaço de múltiplo uso, tornando-se um marco
para todo vale do Itapocu.
2.1.2 O atendimento à saúde: do passado aos dias atuais
Um dos principais marcos históricos do atendimento à saúde no Município foi o
lançamento da pedra fundamental, em 1925, para a construção do “Hospital e Maternidade
São José”. A oficialização do registro ocorreu somente 10 anos após, em 03 de outubro de
1935, com o Padre Aberto Jacob assumindo as obras de construção civil, que foram
inauguradas em 22 de novembro de 1936. Neste mesmo ano, o Hospital foi entregue à
52
responsabilidade operacional das Irmãs Franciscanas, que juntamente com o médico Dr. Jorge
Richter, permaneceram no comando por um período de 14 anos.
Em 1950, as Irmãs Franciscanas abandonaram as funções operacionais do hospital.
Neste mesmo período iniciou-se a construção de novas instalações para o hospital, que foi
inaugurado oficialmente em 19 de abril de 1959 e assumido no ano seguinte pelas Irmãs da
Divina Providência7, pertencendo à Mitra Diocesana de Joinville. O estatuto social defendia
que a entidade ou agremiação tinha por finalidade atender aos doentes sob duas modalidades.
As que tratavam da caridade, e as de cunho comercial, mas principalmente com objetivos
centrados no processo humanístico e cristão prestado a sociedade, sem diferenciação de credo
religioso, raça ou nacionalidade.
Durante as décadas de 70 e 80 foram feitas outras construções destinadas aos setores
como o Pronto Socorro e a Clínica Médica, aumentando conseqüentemente o seu corpo
clínico nas diversas especialidades e para o aperfeiçoamento profissional da área de
enfermagem. Na década de 90, expandiu seu espaço físico através da Unidade de Tratamento
Intensivo (UTI), sendo a única da região da Associação dos Municípios do Vale do Itapocu,
com nove leitos especializados em tratamento de adultos, atendendo pacientes dos Municípios
adjacentes. Outro empreendimento foi a construção do Hemocentro, o qual teve suas
atividades terceirizadas pelo Hemocentro Jaraguense S/C Limitada. Foi reformando
posteriormente o prédio, para a instalação dos maquinários de Hemodiálise, sendo de total
responsabilidade, atualmente, da Fundação Pró-Rim de Joinville. Em sua proposta de
crescimento, o Hospital é adequado a mais uma nova instalação, a do Centro de Diagnósticos
por Imagem (CDI), com a responsabilidade das atividades pela Empresa Imagem S/C
Limitada, assegurado, assim, pela excelente prestação de serviços e qualificação dos seus
profissionais.
De acordo com o projeto de nº 80 de 2 de dezembro de 1935, da Assembléia
Legislativa do Estado de Santa Catarina, o Governo do Estado foi autorizado a auxiliar com
uma quantia de 20 contos de reis, para a construção do Hospital Maternidade Jaraguá, que
desde então presta serviços de saúde ao Município, incluindo o atendimento aos pacientes do
SUS8. = SUS 8
7 Histórico fornecido pela Secretaria Administrativa do Hospital e Maternidade São José. 8 Não foi possível a coleta de mais informações junto a administração deste Hospital, provavelmente por estar
sendo escrito um trabalho sobre sua história, ainda não divulgado.
53
2.1.3 O PSF em Jaraguá do Sul
A situação atual do Município em relação ao SUS e mais especificamente ao PSF, está
orientada pela habilitação concedida através da Norma Operacional Básica (NOB) 01/969, e
pela portaria nº 2466, do Município, de abril de 1998. Em maio de 2003, justificado por
documentos legais ( NOAS/02.), Jaraguá do Sul obteve sua habilitação jurídica para a Plena
Gestão de Atenção Básica Ampliada (PABA).
De acordo com os propósitos estabelecidos pelo SUS, o PSF foi a opção do município
para a reorganização da Atenção Básica, tendo como suporte a sujeição à sua base territorial,
à clientela, ao trabalho de equipe multidisciplinar e ao período integral dos profissionais, e
mais disposição dos postos de saúde locais às comunidades, um fator determinante para
geração de co-responsabilidade entre equipe de saúde e comunidade, aumentando, assim, a
firmeza de ânimo das ações.
A saúde básica do Município de Jaraguá do Sul, a partir de 2003, conta com o
processo de expansão do Programa de Saúde da Família (PSF), através da LEI N°
2648/200010, no uso das atribuições que foram conferidas ao atual Prefeito Municipal.
Com o início da ampliação do PSF, vem sendo demarcado como estratégia o modelo
iniciado em 1998, com uma equipe de PSF. Em 2003, o n° subiu para 5 equipes, compostas
por 1 médico, 1 dentista, 1 enfermeiro, 2 auxiliares de enfermagem, 4 agentes de saúde, 1
auxiliar de consultório dentário por equipe.
Atualmente, de acordo com o projeto municipal de expansão do PSF do Município, ele
está organizado através de seus bairros, com a divisão em 8 distritos sanitários, conforme as
áreas geográfica, epidemiológica, populacional e perfil social, como se pode observar na
tabela nº 1.
9 NOB 01/96, publicada no Diário Oficial da União do dia 06/11/96. 10 Projeto Municipal de Expansão do Saúde Família – Município de Jaraguá do Sul – SC
- Código IBGE: 420890. - Gestão Administrativa Anterior: Prefeito Irineu Pasold. - Secretário Municipal de Saúde: Dr. Airton Weber Silva. - Responsável pela elaboração do Projeto: Dr. Nanci Solange Zimmerman.
54
Tabela 1 - Distribuição de todos os serviços próprios do município nos distritos sanitários.
DISTRITO
BAIRROS
REDE BÁSICA DE SAÚDE
ÁREAS DE RISCO
PSF EXISTENTE
EXPANSÃO DO PSF
08
- Vila Lalau - Centenário -Vila Baependi
1-Posto de Saúde Municipal Dr.Álvaro Batalha
Sim
07
- Vila Lenzi -Nova Brasília - Centro
2-Posto de Saúde Municipal Dr. Erich Kauffmann
Sim
08
- Ilha da Figueira -Águas Claras
4-Posto de Saúde Municipal Ilha da Figueira
Saneamento básico,,habitação, baixa renda, desestrutura familiar, desemprego
Sim
05
-Parque Malwee -Barra do Rio Cerro -Jaraguá 99 -Jaraguá 89 Rio da Luz I Rio da Luz II
5-Posto de Saúde Municipal Dr.Wolfgang Weege
Processo migratório, baixa renda desestrutura familiar, desemprego
Sim
06
- Ana PaulaI - Ana PaulaII - Ana PaulaIII - Ana Paula IV - Chico de Paula
6-Posto de Saúde Municipal Claudemir José Witkoski
Habitação saneamento básico (parcialmente resolvido)
Sim
02
- Amizade Czerniewicz
7-Posto de Saúde Municipal Germano Hornburg
Sim
03
- Nereu Ramos - Ribeirão Cavalo - Vila Machado - Braço Ribeirão Cavalo - Tifa dos Monos
8-Posto de Saúde Municipal Padre Antônio
Saneamento básico, região endêmica, habitação, desemprego, desnutrição
01
-Santa Luzia -Manso
9-Posto de Saúde Municipal Ana Preti Pedri
Processo migratório saneamento básico baixa renda desemprego
Sim
05 Garibaldi 10-Posto de Sim
55
- Alto São Pedro Jaraguazinho
Saúde Municipal Santo Estevão
03
-Ribeirão Grande do Norte -Três Rios do Norte -Três Rios do Sul - Santo Antônio
11-Posto de Saúde Municipal Dr. Agostinho Luis Bianchi
Processo migratório saneamento básico Baixa renda desnutrição desestruturação familiar
Sim
08
-João Pessoa - Vieiras
12-Posto de Saúde Municipal Germano Sacht
Sim
06
- São Luiz -Jaraguá - Esquerdo -Tifa Martins
13-Posto de Saúde Municipal do Caic
Sim
06
- Vila Nova -Barra do Rio Molha
14-Posto de Saúde Municipal Adilson Bassani
Saneamento básico Baixa renda
Sim
05
- Rio Cerro I -Rio Cerro II - Rio da Luz I - Rio da Luz II
15-Posto de Saúde Municipal Ricardo Roeder
Saneamento básico baixa renda habitação
Sim
UNIDADES DE SAÚDE
CONVÊNIO:
07 Centro Oncoclínica
(clínica de quimioterapia 01)
07 Centro Centro de
Doenças renais (hemodiálise 01)
07 Centro Clínica de
Imagem (02)
07 Centro Clínica de
Fisioterapia (02)
07 Centro Laboratório de
Análises Clínicas (06)
UNIDADES DE
REFERÊNCIA PRÓPRIAS:
07
Centro 17-Posto de Assistência Médica PAM (Especialidades Médicas)
56
07
Centro 18-Pronto Atendimento Médico Ambulatorial(PAMAI)
05
-Parque Malwee -Barra do Rio Cerro -Jaraguá 99 -Jaraguá 84 -Rio da Luz I -Rio da Luz II
19-Pronto Atendimento Médico Ambulatorial (PAMAII)
07
Centro 20-CAPS Centro de Atenção Psicossocial
REFERÊNCIA
HOSPITALAR
07
Centro 21-Hospital e Maternidade Jaraguá 22-Hospital e Maternidade São José
Os distritos são compostos por bairros e adjacentes, os quais são organizados pela rede
básica de saúde, sendo delimitadas áreas de risco para o estabelecimento preferencial do PSF.
As áreas de risco são aquelas de bairros precários no saneamento básico, na habitação, pela
baixa renda familiar, pela desestrutura familiar, pelo desemprego, pela desnutrição, por
regiões endêmicas, e pelo processo migratório.
A rede básica de saúde se organiza e funciona através dos postos de saúde existentes
(Posto de Assistência Médica - PAM), Pronto Atendimento Médico Ambulatorial (PAMII),
Centro de Assistência Psicossocial (CAPS) e pela rede hospitalar, composta pelo Hospital e
Maternidade Jaraguá e Hospital e Maternidade São José. Funciona, também, através de
convênios, com clínicas de quimioterapia, centro de doenças renais (hemodiálise), clínicas de
imagem, clínicas de fisioterapia, laboratórios de análises clínicas. As urgências e emergências
de baixa complexidade ficam ao alcance do Pronto Atendimento Médico (PAMAS) e o
Pronto Socorro do Município. O PSF também é composto por programas de fiscalização e de
controle de Zoonoses e o Programa de Saúde do Trabalhador, que respondem como serviços
57
preventivos de apóio e vigilância. Atualmente a situação crítica se localiza na área hospitalar,
cujos hospitais filantrópicos necessitam de reformas urgentes.
Pelo que foi visto acima, a atenção básica é realizada nos Postos de Saúde e nos
PAMAS. O acesso e a possibilidade concreta dos serviços de média complexidade, a
população obtém a partir do sistema de marcação de consultas e exames, de forma
informatizada e descentralizada, estando em funcionamento nas unidades básicas de saúde do
Município. No que se refere a realização de atendimento de alta complexidade, se estabelece
um sistema de autorização prévia, sendo o encaminhamento feito para o setor indicado na
referida autorização. Na área hospitalar são encaminhadas primeiramente as cirurgias eletivas
de urgência e as emergências de alta e média complexidade.
A cobertura populacional em dezembro de 2003, atingiu os seus 15% em um total de
17.268.15 habitantes. O município pretende abranger a área de cobertura populacional do
Programa Saúde da Família em 70% até o final de 2007, conforme a tabela abaixo, embora
atualmente defasada em relação à quantidade de equipes a serem organizadas nos anos
anteriores.
Tabela 2 – Projeção de expansão da cobertura populacional estipulada em 2003 para anos seguintes
% de cobertura
populacional
População a ser
atingida
N° de equipes a
Serem implantadas
Prazo de implantação
35 40.292.35 12 Dezembro de 2004
45 51.804.45 15 Dezembro de 2005
55 63.316.55 18 Dezembro de 2006
70 80.585.00 23 Dezembro de 2007
Uma diretriz fundamental na reestruturação da rede pública de saúde em Jaraguá do
Sul, em termos do PFS, é a adequação da disponibilidade dos serviços de saúde, a contratação
de profissionais e a ampliação, construção, e instalação de novos equipamentos, através de
recursos financeiros, 70% provenientes do Governo Federal e 30% se originam dos próprios
recursos que o município arrecada.
59
3 AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE GESTORES, AGENTES E USUÁRIOS DE
SAÚDE
Este capítulo está fundamentado em entrevistas realizadas com gestores públicos e
agentes do Sistema Único de Saúde (SUS) e representante da sociedade civil, buscando
evidenciar os obstáculos e desafios para a realização eficaz do Programa Saúde da Família,
em Jaraguá do Sul.
Foram entrevistadas quatro pessoas, dentre as quais três homens e uma mulher, sendo
que somente um é funcionário efetivo no município, a Coordenadora do PSF. Além desta
gestora, foi entrevistado o Diretor Adjunto da Secretaria Municipal de Saúde e um dos
médicos do PSF, bem como o Presidente do Conselho Municipal de Saúde do Município de
Jaraguá do Sul. Tais funcionários e o aludido conselheiro foram escolhidos pela importância
de sua atuação no atual contexto da saúde pública no Município, e pelos conhecimentos
individuais sobre o funcionamento do Sistema Único de Saúde e do Programa de Saúde da
Família que suas respectivas funções pressupõem.
De acordo com a fala dos entrevistados, pretende-se analisar, sobretudo, a aplicação
dos três princípios norteadores do SUS – universalidade, integralidade e eqüidade -, bem
como a possibilidade de implantação de uma ação preventiva e até mesmo curativa de saúde,
através da incorporação de uma equipe multidisciplinar.
Estas entrevistas foram realizadas entre os dias 15/03/2007 e 9/04/2007, através de um
roteiro contendo perguntas abertas sobre os aspectos acima apontados.
3.1 PRINCÍPIOS NORTEADORES DO SUS
Cada entrevista foi iniciada indagando ao entrevistado se os três princípios referidos
estão sendo seguidos pelo SUS, em Jaraguá do Sul. De acordo com a fala dos entrevistados,
todos eles salientam que os três princípios são básicos e essenciais para um atendimento de
boa qualidade na saúde pública.
Contudo, apenas dois dos quatro entrevistados afirmam que, de um modo ou de outro,
vêm sendo implementados estes princípios na saúde pública de Jaraguá do Sul. Na verdade, o
Diretor Adjunto da Secretaria da Saúde afirma que “aqui se está buscando o atendimento
desses três princípios”. Quanto à universalidade, faz as afirmações a seguir:
60
[...] nós tínhamos umas restrições em Jaraguá do Sul que estão sendo aos poucos quebradas. [...] tínhamos resistência dos médicos [...] que achavam que as pessoas tinham que ter avaliação socioeconômica antes de fazer o procedimento. [...] Para fazer uma laqueadura, anos atrás, quem tinha renda superior a R$ 600,00 não era feita pelo SUS. Isso é uma contradição dentro do princípio da universalidade e que vem sendo quebrado há bastante tempo e coloco isso como um dos exemplos...e até hoje, o grupo médico tem essa resistência; quer ver, uma pessoa com um veículo melhor, passando em frente ao posto de saúde, procurando um serviço público. Para nós, é importante e de certa forma elogioso: a pessoa que tenha posses procurar o serviço público. Logo, está considerando o serviço de qualidade. Para nós isso é importante. (Diretor Adjunto da Secretaria da Saúde).
Ou seja, de acordo com este entrevistado, não são ainda totalmente seguidos os três
princípios. No caso da universalidade, isto não ocorreria de modo integral pela resistência dos
médicos, os quais teriam a expectativa de que fossem feitas restrições ao atendimento de
pessoas que teriam, a seu ver, poder aquisitivo para financiar sua saúde, sem depender do
sistema público.
A Coordenadora do PSF, por sua vez, considera que os três princípios são necessários
ao atendimento individualizado na saúde e o Município realiza ações voltadas ao
desdobramento e concretização dos três princípios norteadores do SUS. De acordo com sua
opinião, entretanto, elas ainda não se concretizaram nesta direção. Segundo esta entrevistada,
a razão para que assim seja deve-se a limitações orçamentárias, como está expresso em sua
formulação a seguir:
[...] algumas coisas eram ou acabaram ficando para trás pelo financeiro; orçamento, coisas que às vezes nos impedem de concretizar um dos três princípios. Mas o Município de Jaraguá do Sul está atento para que de uma forma isso seja realizado. (Coordenadora do PSF).
Os outros dois entrevistados, entretanto, negam categoricamente o equilíbrio entre
estes três princípios no SUS, no Município de Jaraguá Sul, como expressa um deles, o Médico
do PSF, ao apontar a demora no atendimento na rede pública como um indício de que a
universalidade não estaria sendo posta em prática.
Não, a universalidade significa acesso ao atendimento; qualquer pesquisa em relação ao acesso em Jaraguá do Sul atesta que é deficitário. [...] então as pessoas tem dificuldade de acesso, demoram 30 dias para conseguir uma consulta em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) e isso já fere o princípio da universalidade (Médico do PSF).
61
Quanto ao membro do Conselho Municipal de Saúde, - que afirma que o Conselho
tem procurado sempre aprovar projetos que venham ao encontro das necessidades da
população -, estes princípios, entre os quais a universalidade, “estão longe de serem
atingidos”. Ao mesmo tempo, acrescenta que “sabemos nós, que não é só em Jaraguá do Sul;
tenho o conhecimento que é a nível de Brasil” que eles não são contemplados.
O Diretor de Saúde Adjunto, por seu turno, faz uma tradução diversa do princípio de
eqüidade definido na VIII Conferência Nacional de Saúde, assumindo-o como se fosse uma
espécie de direito de atendimento diferencial para casos específicos. Ou seja, dependendo da
especificidade das condições do paciente ou da gravidade da doença, a eqüidade estaria sendo
buscada em Jaraguá do Sul, através de um atendimento preferencial em relação a
determinados pacientes em estado de risco, conforme sua formulação transcrita abaixo:
[...] nós temos buscado principalmente em três pontos: a questão da gestante, diferenciar o portador de necessidade de assistência diferenciada, crianças e idosos, principalmente a que estão em risco, que são os pacientes com câncer. Dependendo o tipo de patologia a gente dá um atendimento diferenciado. Você vê, por exemplo, uma fila de espera para a realização de ecografia; nessa fila tem paciente com câncer [...] com o diagnóstico de câncer não posso deixar esse paciente esperando 6 meses, ele tem que passar na frente. (Diretor Adjunto de Saúde).
O Médico entrevistado, por outro lado, afirma que há eqüidade no atendimento do
SUS no Município, porque “a gente não faz diferença se o paciente é do SUS ou do convênio
(particular), ou se tem convênio, ou se paga; aqui [...] a eqüidade é seguida”.
Contradizendo a opinião acima em relação a este mesmo princípio - a eqüidade, o
Conselheiro entrevistado afirma que:
[...] infelizmente é uma realidade ainda na nossa região, de que o tratamento ainda é diferenciado daquele que tem o poder aquisitivo maior, ou melhor, e essa é uma triste realidade que nós encontramos em Jaraguá do Sul. (Presidente do Conselho de Saúde).
Em outros termos, a desigualdade no tratamento da saúde no Município ocorreria
comparativamente em relação ao atendimento público do SUS e o da rede privada, paga, de
um modo ou de, outro por aqueles com maior poder aquisitivo.
No que diz respeito à integralidade, relativizando mais uma vez a afirmação inicial de
que os três princípios estariam sendo aplicados em Jaraguá do Sul, o Diretor Adjunto enfatiza
62
que no Município se inicia o processo de integralidade, mas se encontra obstáculos no
momento final, “por problemas de estruturação da rede básica de saúde”.
A integralidade a gente inicia ela, e no momento final do tratamento a gente tem problemas ainda na organização da rede, não só no Município de Jaraguá do Sul, mas isso abrange a rede Estadual. (Diretor Adjunto de Saúde).
De modo mais enfático, o Médico do SUS afirma que a integralidade também é um
princípio que não é totalmente aplicado na saúde no Município, utilizando-se do exemplo do
atendimento a uma paciente para ilustrar sua afirmação, na formulação transcrita abaixo, a
que mais se aproxima da definição oficial:
A pessoa que chega aqui no consultório [...] com uma dor de cabeça; se tem integralidade, tem que saber se a vacinação está em dia, se ela está fazendo uso de anticoncepcional, fazendo planejamento familiar e se ela está com os exames preventivos em dia, isto é, exame integral. Não estou tratando só através do exame da cabeça e sim com ela toda. Então, estou fazendo dentro do meu atendimento quase dentro do princípio da integralidade. Mas se, por exemplo, eu pedir para ela um exame de ultra-som, ela tem muita dificuldade de conseguir; ou se, por acaso, [...] suspeitar que o problema dela é neurológico, encaminhando para um neurologista, ela terá muita dificuldade em conseguir um atendimento com um deles. E se ele pedir uma tomografia, ela também terá muita dificuldade. Então, na verdade, o atendimento integral não é só na Unidade Básica de Saúde; o sistema tem que ser como um todo. (Médico do SUS).
Por outro lado, o Diretor Adjunto de Saúde acrescenta mais dois princípios que
deveriam estar sendo postos em prática pelo SUS, em Jaraguá do Sul: a hierarquização e a
descentralização. Quanto à primeira, o entrevistado afirma que a rede básica de assistência
no Município de Jaraguá do Sul deveria ser melhor estruturada no sentido de que todas as
pessoas passassem pelo atendimento geral da rede, através de triagem, antes de chegar a uma
especialidade. Em relação à descentralização, um dos alicerces do próprio SUS a partir da
esfera federal, o ideal seria, a seu ver, fazer com que fossem mais disseminados os locais de
atendimento do SUS no Município.
Em linhas gerais, portanto, no que diz respeito aos três princípios que deveriam ser
norteadores do SUS, é possível afirmar, em primeiro lugar, que a despeito das afirmações
iniciais em contrário e mesmo dos diferentes sentidos atribuídos a cada um deles, há um
relativo consenso entre os entrevistados sobre a não aplicação integral destes princípios no
SUS de Jaraguá do Sul.
63
Em segundo lugar, constata-se que as razões para a sua não aplicação, quando
apontadas, variam de acordo com cada princípio e conforme cada um dos entrevistados.
Assim é que em relação à não universalidade foi apontada a resistência dos médicos
em aplicá-la, levando em conta o poder aquisitivo do paciente, e também a lentidão do próprio
sistema que impediria o acesso a todos que dele necessitassem. No caso da eqüidade, mais
uma vez o critério de diferenciação social, nos termos do poder aquisitivo dos pacientes é
destacado como elemento que tornaria desiguais o sistema público – o do SUS – e os
privados, ocorrendo a não eqüidade pelo tratamento de menor qualidade dispensado no
atendimento da rede pública. Por outro lado, na opinião de um dos entrevistados, a não
eqüidade seria legítima nos casos especiais de maior risco, que deveriam ter atendimento mais
agilizado.
No que diz respeito à integralidade, ambos os entrevistados que sobre ela se
manifestaram concordam que ela não está ocorrendo, pelo menos em todo o Sistema, sendo o
que parece denotar a afirmação de um deles – o Médico do SUS, devido à incapacidade do
sistema em atender as demandas de todos os pacientes que a ela recorrem, em relação a
diferentes especialidades médicas e a exames especializados. Da mesma maneira, o outro
entrevistado, o Secretário Adjunto, reconhece que há falhas no sistema para completar, em
todos os casos, o atendimento e o ciclo investigativo necessários a cada um dos casos
atendidos pelo SUS, no Município. Vale, neste aspecto, reproduzir o próprio conceito de
integralidade explicitado no documento sobre a formação dos Núcleos de Saúde Integral
(BRASIL, 2005), que se expressa nos seguintes termos:
Um dos sentidos da Integralidade é a abordagem do indivíduo levando em conta o contexto familiar e social no qual está inserido. Um outro sentido refere-se a organização das práticas de saúde integrando ações de promoção, prevenção, assistência e reabilitação. No âmbito da organização do sistema de saúde, significa ainda a garantia de acesso aos diferentes níveis de complexidade da atenção. Outra dimensão importante da integralidade é a capacidade de oferecer respostas ao conjunto de necessidades de saúde de uma comunidade e não apenas a um recorte de problemas. Isso caracteriza a Atenção Básica como a principal porta de entrada – primeiro contato – do usuário ao sistema de saúde, garantindo a continuidade do cuidado independente da necessidade de acompanhamento pelos outros níveis de atenção.
Por último, seria possível afirmar que as dificuldades orçamentárias, razão apontada
pela Coordenadora do PSF quanto ao não cumprimento integral dos três princípios no
Município, apesar dos esforços públicos nesta direção, estão explícita ou implicitamente
64
presentes em algumas das respostas dos gestores públicos entrevistados, como argumento
para que o SUS em Jaraguá do Sul não funcione respeitando totalmente os princípios em
discussão.
3.2 O PSF E A CO-PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE
Conforme a fala dos quatro entrevistados, o processo de co-responsabilidade na região
de Jaraguá do Sul é deficitário, principalmente na relação entre os postos de saúde e as
comunidades, e entre os profissionais e os pacientes. Os entrevistados relacionam essa falta de
comunicação ao modo como foram implantados os Postos de Saúde, desde a escolha dos
locais para sua implantação e a forma como foram instalados.
As equipes de saúde foram formadas e conduzidas a esses postos e as comunidades
não tiveram a oportunidade de indicar ou referendar, através de consenso, ou seja da
participação, os locais adequados ao PSF. Ao mesmo tempo, não foi feito o devido
cadastramento da população, indispensável para se conhecer o território no qual seria
implantado o PSF, aspecto destacada na própria formulação deste Programa e no depoimento
do Diretor Adjunto da Secretaria da Saúde.
[...] não foi feito justamente esse contraponto com a comunidade, as equipes atualmente foram instaladas em um lugar de saúde, mas não foi chamada a comunidade e dito: olha nós vamos instalar aqui um nova forma de agir um novo modelo de atenção a saúde, e para isso nós precisamos da participação da comunidade. [...] territorialização é uma das questões colocadas no Programa Saúde da Família, que tem que ter o conhecimento do seu território de ação com o cadastramento das famílias [...] Ele não foi feito dessa forma; uma equipe de saúde foi colocada no posto de saúde e não mudou o modelo de atenção básica, nem o modelo de interagir com a comunidade. Aí, você não muda nada na assistência de um posto de saúde normal na assistência em relação ao modelo de estratégia de saúde da família; prevê visita domiciliar, trabalhos em grupo com a comunidade, trabalhos de orientação e de prevenção [...].
Este mesmo entrevistado também enfatiza a necessidade de atingir a comunidade
através de outros modelos de assistência integrada, assim propondo que outros profissionais
integrem a equipe do PSF. Para ir nesta direção, afirma que estariam sendo provocadas
algumas conversas com a Secretaria de Esporte e Lazer,
65
[...] no sentido de ir nas comunidades, organizar os núcleos, estimular caminhadas...E nas regiões que não tem profissional de educação física na equipe de saúde, que a Fundação de esportes ceda um profissional para orientar as pessoas com hipertensão, diabetes, que é importante fazer caminhadas, e que possa ter orientação profissional. [...] A gente vem discutindo este paradigma (de interação com a comunidade) no processo de educação continuada. [...]. Estamos tentando fazer para que haja interação com a comunidade para que a gente possa mudar esse modelo , senão a gente vai ficar com um postinho de consultas médicas como ação maior. (Diretor Adjunto).
Da mesma maneira que o entrevistado citado acima, a Coordenadora do PSF aponta
que há pouca participação da comunidade e que ela se deve aos próprios agentes do PSF, além
de igualmente constatar problemas com o cadastramento das comunidades, como pode ser
percebido na formulação que segue:
[...] acho que é um pouco de responsabilidade nossa, mas como Gestor, não digo essa Gestão, mas como Gestores, em ter orientado essa comunidade e ter explicado o que é o Programa Saúde da Família e como ele deveria ser implantado nessa comunidade e quais seriam os princípios. [...] houve uma falta de informação para a comunidade, então essa co-responsabilidade ela existe, mas existe bem lá no fundo, pela falta de conhecimento. [...] A adequação do cadastro da família não foi feito corretamente Hoje, mais de 2 anos, a gente está reestruturando essa questão como era preconizado. (Coordenadora do PSF).
O Médico do PSF entrevistado, por sua vez, tem uma avaliação mais positiva sobre o
contato com a comunidade, afirmando que “têm contato com as associações de moradores dos
Bairros”, mas acha que “poderia ser aperfeiçoado [...] dá para ser feito mais eficazmente”.
Destaca, como exemplo, a eficácia deste contato em outros locais onde trabalhou, nos quais
havia interação com o Conselho Municipal de Saúde e onde existiam até Conselho Local de
Saúde,formado por integrantes da equipe do PSF, um gestor e integrantes da própria
comunidade.
Na visão do Presidente do Conselho, a relação com a comunidade é um aspecto muito
importante, sobre o qual já tomou conhecimento através de leituras indicadas em um curso
que realizou na Univille. A seu ver, este aspecto estaria intimamente relacionado à questão da
“educação para saúde”, sobre a qual faz as seguintes observações e constatações:
O que é educação para a saúde? É educar os profissionais e as pessoas que trabalham na comunidade. Nós estamos vivendo um problema, que não é só na região, é em termos de Brasil. O médico, nós vemos que ele quer se desfazer do paciente mais rápido possível; o enfermeiro é a mesma coisa. Eu tenho observado no Posto de Saúde do meu bairro; [...] primeiro, a
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recepcionista e a enfermeira não se cumprimentam. As palavras de comunicação do paciente e do profissional são apenas o estritamente necessário. [...]. Fiz uma pesquisa recente sobre o que é saúde a alguns profissionais. [...] Saúde, como a gente sabe, não é só ter ausência de doença; é ter qualidade de vida relacionada à moradia, ao bom atendimento [...]. Constatei que ainda em Jaraguá do Sul as pessoas responsáveis acham que a saúde é apenas uma característica do próprio ser humano, ou a falta de religiosidade das pessoas. (Presidente do Conselho de Saúde).
Sintetizando as opiniões dos diferentes entrevistados sobre a relação dos agentes de
saúde e dos gestores com as comunidades envolvidas pelo Programa, é possível afirmar que
todos criticam, de um certo modo, estas relações no caso de Jaraguá do Sul , a começar pelo
fato de que fere dois aspectos básicos do próprio PSF: o primeiro deles, o de participação de
todos os segmentos sociais envolvidos com o Programa em suas várias etapas, do
levantamento para sua implementação à sua atuação; o segundo, o da territorialização, ou
seja, a necessidade de um cadastramento adequado para fornecer o conhecimento prévio das
comunidades onde o Programa atua. Da mesma maneira, os gestores públicos entrevistados
admitem que esforços neste sentido estão sendo feitos, através de contatos entre diferentes
setores municipais e do processo de “Educação Continuada”, apesar das críticas do Presidente
do Conselho de Municipal de Saúde a este respeito.
3.3 OS NÚCLEOS DE SAÚDE INTEGRAL COM EQUIPES MULTIDISCIPLINARES E
SUAS POTENCIALIDADES
O Núcleo de Saúde Integral é uma proposta do Ministério da Saúde, apresentada em
2005, como foi visto, que visa um modelo de assistência à saúde mais eficiente do que era
posto em prática até aquele momento, ao incorporar mais profissionais que possam atuar
como apoio no que diz respeito ao perfil da comunidade, e interagir com possibilidades de
soluções mais viáveis no atendimento à saúde em seu sentido pleno.
A opinião favorável de todos os entrevistados em relação à necessidade da criação
destes Núcleos e a eficácia da formação de equipes de saúde multidisciplinares que atuem de
modo interdisciplinar é inquestionável. Da mesma maneira, os mesmos entrevistados,
entendem que a região de Jaraguá do Sul necessita dessas práticas para que ocorram
mudanças no atual modelo de assistência à saúde.
67
O Diretor Adjunto defendendo a formação da referida equipe, fazendo referência à
recomendação de sua constituição pelo Ministério da Saúde, em 2005, aponta como ganhos a
interação de conhecimentos de pessoas ligadas à equipe:
[...] o Ministério da Saúde publicou em 2005 uma portaria que estabelece algumas equipes multidisciplinares como sendo suporte para equipes de saúde da família [...] contando com profissional de Educação Física, Nutricionista, formando um Núcleo de Saúde Integral [...] um núcleo desses fica responsável mais ou menos por cinco equipes de saúde da família para fazer esta interlocução: isso ajuda mais no conhecimento técnico-científico para adequar as situações e atender melhor a população. (Diretor Adjunto da Secretaria da Saúde).
Paralelamente, constata que estas equipes não estão ainda instaladas no Município,
mas que sua instalação é urgente, já havendo iniciativas neste sentido para que se saia da
assistência que rotula de “medicocêntrica”, conforme a formulação transcrita a seguir:
[...] temos que sair urgentemente do modelo de assistência especialmente medicocrêntrica [...]. [...] nós temos capacidade técnica e científica quer dizer ‘n’ profissionais [...] a discussão de buscarmos a interdisciplinaridade é uma questão que a gente vem tentando trabalhar. (Diretor Adjunto da Secretaria de Saúde).
O posicionamento da Coordenadora do PSF mostra-se como positivo quanto à
inclusão das práticas interdisciplinares, conforme os demais entrevistados. Enfatiza também,
que o município de Jaraguá do Sul carece dessas ações, mesmo com novas Unidades da Saúde
da Família distribuídas de acordo com a necessidade dos Bairros e das Comunidades.
[...] é muito importante, tem que ocorrer; nós temos que ter hoje uma equipe multidisciplinar sim, até para que o atendimento desse paciente seja uma integralidade [...] o médico faz uma referência, por exemplo, a uma especialidade e não temos a contra-referência. (Coordenadora do PFS).
Destaca, entretanto, dois aspectos da multidisciplinaridade: em relação às
especialidades médicas, e, lembrando a Portaria do Ministério da Saúde de 2005, a
interdisciplinaridade entre outros profissionais como os da educação física, nutricionistas,
trabalhando ao mesmo tempo.
Para o Médico do SUS, é igualmente relevante a existência de uma equipe profissional
do tipo em questão. Enfatiza também como um progresso a iniciativa do Governo Federal de
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incorporar o dentista no Programa de Saúde da Família, mas afirma que ainda não consegue
visualizar esse processo em Jaraguá do Sul, a não ser de modo muito limitado.
[...] é relevante, eu creio que sim. [...] eu me deparo com problemas de ordem social, psicológica, psiquiátrica, então quando se amplia uma equipe, seja com nutricionista, assistente social, psicólogo, etc; isso tudo vem ajudar muito a gente. São ferramentas para melhor atendimento; isso, se vem ocorrendo, eu acho que de uma maneira mais tímida. (Médico do SUS).
Por outro lado, salienta, como na entrevistada anterior, o sentido de
multidisciplinaridade entre os médicos de diferentes especialidades, sendo o conhecimento
básico que elas possam oferecer ao clínico geral fundamental dar um incremento no sentido
da melhoria do atendimento às comunidades.
Para o Presidente do Conselho de Saúde, esse suporte de novas disciplinas não está
visível no Município. O que se percebe é o atendimento individualizado por parte de um
profissional, estando as práticas de saúde no Município muito longe da interdisciplinaridade.
As observações dos entrevistados concordam, portanto em pelo menos dois pontos: a
necessidade e a eficácia da formação das equipes interdisciplinares em termos do atendimento
à saúde e, em segundo lugar, quanto ao não funcionamento destas equipes, pelo menos de
acordo com a integração de vários tipos de profissionais não médicos no atendimento à
população. Por outro lado, um dos entrevistados aponta como razão para esta inclusão a fuga
do modelo “médico-centro”. Vale destacar, entretanto, que outros sentidos desta
interdisciplinaridade foram apontados, como é o caso da inclusão de diferentes especialidades
médicas. Seja como for, é necessário destacar que na própria proposta para a formação dos
Núcleos de Saúde Integral encaminhada pelo Ministério da Saúde (BRASIL, 2005), estes e
outros sentidos foram apontados como integrantes da idéia mais abrangente sobre a
constituição destes Núcleos. Ou seja, conforme o referido documento, sendo um dos objetivos
dos Núcleos buscar a integralidade na Atenção Básica em saúde, tomando-se como uma das
dimensões importantes da integralidade “a capacidade de oferecer respostas ao conjunto de
necessidades de saúde de uma comunidade e não apenas a um recorte de problemas”
(BRASIL, 2005, p.1).
69
3.4 A INCLUSÃO DE ATIVIDADES FÍSICAS PROGRAMADAS NO PSF
Os quatro entrevistados se expressam unânimes a favor da realização de atividades
físicas orientadas para a promoção da saúde.
De acordo com o Diretor Adjunto, o Ministério da Saúde priorizou uma forma de
encorajar a comunidade através de uma proposta lançada no decorrer do ano 2000, a
“Agenda Brasil”. Esta Agenda está voltada para um conjunto de ações, cuja prioridade é
estabelecida com as comunidades, visando hábitos saudáveis através de atividades físicas
periódicas, como caminhadas orientadas, exercícios laborais, todos orientados por
profissionais de Educação Física competentes e vinculados a um trabalho social.
Destaca também a iniciativa de um Município adjacente, Pomerode, pelas práticas
oferecidas à população local de um determinado grupo que apresentem as doenças não
transmissíveis, como Diabetes e Hipertensão. Os profissionais de saúde oferecem a análise
por via capilar e estabelecem uma orientação na prática da atividade de acordo o aumento ou
a baixa da glicose sangüínea, havendo uma interação entre o médico, pessoal da enfermagem
e o especialista em educação física, conforme a fala deste entrevistado:
[...] “Agenda Brasil” estimula atividades físicas, hábitos saudáveis, práticas orientadas; [...] não é só para o profissional de enfermagem, mas para o profissional em educação física que está lá para fazer e orientar as pessoas da comunidade. (Diretor Adjunto da Secretaria de Saúde).
O entrevistado enfatiza, também, além da eficácia no atendimento da saúde através das
práticas interdisciplinares, os ganhos em termos de custos financeiros.
Com isso se tem benefícios ainda maiores porque se eu tenho um hipertenso bem orientado nas suas corretas atividades físicas, eu reduzo o custo do medicamento. O diabético a mesma coisa; alimentando-se corretamente, fazendo as suas atividades físicas direito (...), o custo do paciente se torna menor, porque eu não vou ter um dia depois um paciente descompensado precisando de uma internação hospitalar, quando o custo se eleva. (Diretor Adjunto da Secretaria da Saúde).
A fala da Coordenadora do PSF, por sua vez, prioriza o sentido de saúde como
primeiramente a busca do bem estar. Estímulos extra-profissionais da área específica, como é
o caso da prática de uma atividade física qualquer, são muito válidos. Destaca como a maioria
dos profissionais da saúde e dos pacientes focalizam muito a doença como um problema
70
prioritário e de atenção maior, abandonando assim, a prevenção e seu bem estar antecipado.
Conforme sua fala:
[...] benefícios são todos, eu acho até que pela gente mesmo, nós como seres humanos, mesmo a gente trabalhando e fazendo a nova atividade profissional, você como profissional quer ter o seu bem estar. [...] nós que somos profissionais que estamos aqui, mas como os pacientes eles focam muito a doença e esquecem esse lado do bem estar.
Sua opinião, assim, sobre a prática de uma atividade física não difere da dos outros
entrevistados, enfatizando a necessidade das comunidades exercerem o papel de
protagonistas, e bem orientados por um profissional na área de educação física. Que esse
profissional tenha em mente um projeto social capaz de propiciar a comunidade, através de
seus conhecimentos, atividades de natureza preventiva e de promoção da saúde. Lamenta,
contudo, que não haja no município nada nesta direção, a não ser com a “Terceira Idade”, os
quais fazem hidroginástica.
Atividades deste tipo deveriam ser descentralizadas. Eu acho que os profissionais da saúde têm que ter uma participação muito importante nisso, principalmente onde está o PSF, porque isso aproxima a comunidade com o profissional [...]. Mas infelizmente em nosso município ainda não têm. (Coordenadora do PSF).
O Médico do SUS aponta a atividade física como necessidade urgente, devido aos
diversos diagnósticos por ele constatados no Posto de Saúde. Destaca que nos seus
atendimentos, as patologias mais freqüentes são patologias crônicos degenerativas, isto é,
processos patológicos permanentes como diabetes Méllitus, hipertensão arterial sistêmica,
osteoartrose, problemas oesteomusculares. . Conforme a fala do entrevistado, “você vê pela
anaminese que a pessoa tem um componente de sedentarismo muito grande”. Acrescenta,
também, que:
[...] eu acho que tudo que a gente fala hoje dentro do consultório médico está relacionado à atividade física. Como o problema que acabei de atender de uma costureira que está com o intestino preso, como se ela fosse viajar a São Paulo todos os dias, sentada, sem atividade física, completamente sedentária, fazendo seu trabalho. [...] a atividade física neste caso seria interessante. [...] Eu acho que o professor de educação física incorporado nessa interdisciplinaridade seria muito interessante para a melhoria da saúde da população. (Médico do SUS).
71
O Presidente do Conselho de Saúde, por seu turno, apesar de afirmar que não tem
grande conhecimento sobre a inclusão do profissional da educação física na equipe
interdisciplinar, afirma que a seu ver sua inclusão é fundamental, afirmando:
A gente que tem certo conhecimento sobre saúde, quase todos somos muito relaxados com essa questão da atividade física. [...] Isso é com certeza um trabalho importante levar esse conhecimento a cada comunidade, a cada bairro. (Presidente do Conselho Municipal de Saúde).
Faz referência, ainda, ao fato de ter feito um curso na Faculdade de Guaramirim
justamente sobre a importância da atividade física e de nossos hábitos de alimentação,
considerada como “muito pesada na nossa região”. Ao mesmo tempo, faz considerações sobre
o pouco desgaste físico das pessoas nas atividades industriais, ao contrário das atividades
agrícolas, nas quais se exigia mais atividade física.
Pelo que foi apresentado sobre esta questão, pode-se, afirmar, em síntese, que há
absoluto consenso entre os entrevistados a respeito da oportunidade e da necessidade da
inclusão de um profissional de educação físicas nos Núcleos de Saúde Integral. Contudo,
embora não assumam a necessidade de problematizar a relação causal positiva entre exercício
físico e saúde, como é o caso de alguns profissionais desta área já citados anteriormente, sem
levar em conta outros fatores intervenientes nessa relação, uma das entrevistadas amplia o
próprio conceito de saúde ao tratar desta relação, tomando-o de um modo mais amplo como
sinônimo de bem estar.
3.5 DESAFIOS PARA A IMPLANTAÇÃO DOS NÚCLEOS DE SAÚDE INTEGRAL EM
JARAGUÁ DO SUL
Apesar de todas as manifestações favoráveis à implantação dos Núcleos de Saúde
Integral, agregando as referidas equipes multidisciplinares, vários foram os obstáculos
apontados a serem vencidos para que eles possam ser implantados em Jaraguá do Sul.
As discussões sobre sua implantação, de acordo com o Diretor Adjunto da Secretaria
de Saúde vêm ocorrendo desde 2005, sendo a primeira providência necessária para sua
implantação a realização de concurso público para a contratação do pessoal necessário para
compô-la, uma vez que não consta do quadro da Secretaria de Saúde de Jaraguá do Sul parte
72
destes profissionais, como os professores de Educação Física, fisioterapeutas, nutricionistas e
psicólogos. Conforme a fala do entrevistado,
Hoje o psicólogo está restrito ao Centro de Atendimento Psíquico Social (CAPS). [...] Se conseguirmos dar um aporte maior às estratégias da saúde da família (a respeito destes profissionais) 0, diminui a chegada de pessoas ao CAOS; [...] a gente consegue tratar isso na atenção básica. [...] Os pequenos transtornos comportamentais a gente consegue resolver prioritariamente na atenção básica. (Diretor Adjunto de Saúde).
Do ponto de vista estratégico e estrutural, entretanto, o Diretor Adjunto considera que
hoje os valores gastos com a assistência à saúde em Jaraguá do Sul são o grande ralo da saúde
pública no Município. Em sua opinião,
[...] desde pagamentos de internações hospitalares, até os pagamentos que a Secretaria vem fazendo direto para os hospitais, para a manutenção dos profissionais dentro dos hospitais. Isto tem um custo extremamente elevado. Se a gente começa a reduzir o bolo do recurso, a gente tem que tentar diminuir uma área de atuação. A nossa única alternativa é reduzir a hospitalização em Jaraguá do Sul, aumentando o aporte dos recursos na atenção básica, nessas novas práticas de assistência. (Secretário Adjunto de Saúde).
A Coordenadora do PSF também levanta questões orçamentárias, observando que há
déficit grande no Município. Considera, entretanto, que além do problema financeiro, há
aspectos mais ligados à disponibilidade e motivação da equipe de saúde que devem ser
consideradas de modo independente da questão orçamentária, conforme manifesta no
depoimento transcrito a seguir:
[...] tem coisas que não precisam de dinheiro para serem executadas”. [...] entra a boa vontade, a capacidade e a integração que você tem com a sua comunidade. O Núcleo de Saúde Integral tem recurso para isso; se faz um projeto, ele tem um incentivo. Não é um incentivo total, porque o município entra com a contrapartida. É muito difícil o incentivo que venha ser suficiente para executar todas as ações pré-determinadas e sempre tem a contrapartida financeira. [...] Mas eu penso que não precisa desse financeiro; precisa de uma equipe bem unida e que nós profissionais da saúde sejamos abertos para executar com boa vontade. O que eu acho é que na equipe de Jaraguá do Sul a motivação dos profissionais está caindo um pouco.(Coordenadora do PSF).
De modo similar aos dois entrevistados citados acima, o Médico do SUS faz referência
às questões orçamentárias como o mais sério obstáculo a ser vencido no atendimento à saúde.
73
No entanto, vê na implantação dos Núcleos de Saúde Integral a possibilidade de potencializar
recursos ao afirmar:
Nem a Prefeitura tem condições de manter cada postinho para ter uma nutricionista, etc. Essa é a melhor proposta; eu poderia em determinado momento com a minha equipe sentar com esses profissionais e discutir os problemas da minha área e sendo feitas soluções programáticas, integrações, estratégia dessa equipe dentro de minha área. (Médico do SUS).
Este entrevistado se posiciona, portanto, a favor das mudanças, comparando as ações
estruturadas do Município de Joinville, as quais poderiam estar ocorrendo igualmente no
Município de Jaraguá do Sul. A seu ver:
[...] eu acho que o Saúde da Família em Jaraguá do Sul está engatinhando, mas é uma criança de bastante idade para estar engatinhando [...]. Então teria que ter uma contundência nas ações do Gestor. (Médico do SUS).
No caso do Presidente do Conselho de Saúde, duas questões são lembradas. A
primeira, da participação das comunidades sobre a tomada de decisão da incorporação do
Núcleo de Saúde Integral. Em segundo lugar, a aprovação do Legislativo Municipal.
Este entrevistado relata embates por ele vivenciados no Conselho Municipal com os
Gestores, os quais costumam encaminhar institucionalmente os projetos antes das discussões.
De seu ponto de vista,
Toda nova proposta requer uma nova discussão, o que normalmente não ocorre. [...] a gente vê nos movimentos sociais, fizemos vários enfretamentos [...] muitas coisas são impostas e não são discutidas. (Presidente do Conselho Municipal de Saúde).
Ressalta, nestes termos, que a nova proposta tem que ser discutida a respeito da
viabilidade pelos Gestores, Comunidade e Conselho Municipal de Saúde, formalizando,
assim, uma política de adesão ao projeto, sendo mais tarde encaminhado a Câmara de
Vereadores para a votação em plenário. No seu entender, é uma proposta viável de grande
contribuição social à saúde do Município de Jaraguá do Sul. Conforme sua fala:
[...] ela tem que ter um orçamento, essa reserva de recursos [...] uma proposta favorável que tem que passar pelo Conselho Municipal de Saúde, passar pela Câmara de Vereadores e ser discutida com a comunidade. [...] é muito positiva e me anima muito. “[...] na verdade é uma coisa essencial; isso tem que acontecer; o Núcleo é uma proposta muito bem vinda. [...] é fundamental para cada um de nós”. (Presidente do Conselho Municipal de Saúde).
74
A partir das considerações dos entrevistados sobre a instalação de Núcleos de Saúde
Integral, é possível apontar que embora haja consenso sobre a importância e os ganhos em
termos de saúde da população, há algumas providências tanto do ponto de vista organizativo
como orçamentário que precisariam ser tomadas para viabilizar sua instalação em Jaraguá do
Sul. Dentre elas destaca-se, em primeiro lugar, a contratação dos novos profissionais
indicados na proposta original do Ministério da Saúde (profissionais de educação física,
nutricionistas, fisioterapeutas, psicólogos, entre outros); em segundo lugar, parece indiscutível
para a maioria dos entrevistados, dar conta de lidar com a questão orçamentária que, na
perspectiva de um dos entrevistados implica em diminuir a hospitalização, para onde são
encaminhados a maioria dos gastos com saúde no município; em terceiro lugar, que esta
proposta seja discutida com a sociedade local, incluindo seu encaminhamento para o poder
legislativo que necessita aprová-la, bem como sua dotação orçamentária e, por último, que se
possa contar com a motivação de equipes bem integradas para colocá-los em ação, bem como
a iniciativa dos gestores para sua concretização.
3.6 A CRIAÇÃO DOS NÚCLEOS DE SAÚDE INTEGRAL E A DIMINUIÇÃO DA
DEMANDA POR HOSPITALIZAÇÃO
As respostas de dois dos entrevistados, o Diretor Adjunto de Saúde e da Coordenadora
do PSF, quando foi perguntado se a instalação de Núcleos de Saúde Básica poderia diminuir a
demanda por internações hospitalares retomam, de certa maneira, as discussões anteriores,
revelando, especialmente no segundo caso, novas e importantes aspectos do atendimento à
saúde em Jaraguá do Sul.
Chama a atenção, em relação ao primeiro deles, a retomada do tema sobre a
interdisciplinaridade, em sua afirmação de que o modo como o PSF vinha sendo implantado
no Município “não é saúde da família”. De acordo com suas formulação abaixo, isto
ocorreria,
[...] porque o profissional que já estava na unidade de saúde fazia clínica geral, mas chegando uma criança dizia que não era com ele, era com o pediatra; chegando uma gestante, dizia que era com o genicologista. Essa é uma questão que tenho trabalhado e discutido, não só com os profissionais mas juntamente com a comunidade. Nosso entendimento é que o Programa tem que atender a gestante, a criança, o adulto, o idoso, por esse profissional de saúde. [...] O que a gente tem procurado é discutir oportunidades para que haja esse entendimento de que tem um médico da saúde da família e que
75
quando for o caso mais complicado ele possa encaminhar para um especialista – obstetra e não fique amarrado. [...] Por exemplo: no caso de uma criança que está tratando de uma asma e se encontra em um estágio mais complicado, que o pediatra possa ser suporte , como tutor do médico da saúde da família.[...] A questão da tutoria já vem sendo discutida com os profissionais da psiquiatria para que possam orientar os médicos nos diagnósticos e tratamentos nos casos dos pequenos transtornos psicosociais, não precisando encaminhar o paciente ao especialista. (Diretor Adjunto de Saúde).
Ou seja, resolvidos pela equipe interdisciplinar os problemas de maior necessidade
resolutiva, com certeza seria dado mais fôlego ao atendimento às condições básicas, e, ao que
parece, à demanda por hospitalização tenderia igualmente a diminuir.
Para a Coordenadora do PSF, do mesmo modo que o entrevistado anterior, atendido os
objetivos do Programa da Saúde da Família, com equipes formadas por profissionais
competentes, eles serão os verdadeiros protagonistas da maioria das resoluções médicas
efetuadas no Posto Médico no qual atua o PSF. Prioriza-se, assim, a resolutividade inicial,
ganhando força nas ações seguintes até reduzirem o contingente exagerado nas internações
hospitalares. Conforme este profissional,
[...] Se fosse seguir o que diz o Programa da Saúde Familiar, se elas forem executadas corretamente, os hospitais tem que abaixar a internação, tem que abaixar o número de encaminhamentos. [...] se eu tenho uma falha no início, infelizmente vai sobrecarregar a rede hospitalar.
Contudo, como informa esta entrevistada, em Jaraguá do Sul, existe atualmente 12
Postos de Saúde da Família, com o total de cerca de 7.500 pessoas no total de comunidades a
serem atendidas por cada uma delas, sendo o recomendado pelo Ministério da Saúde de 3.000
a 4.000 pessoas. Assim, no momento a atenção básica está longe de ser desempenhada
eficazmente, demandando mais internações do que se ocorresse o contrário.
De acordo, ainda, com a referida gestora, a causa desta sobrecarga é financeira. A seu
ver,
[...] isto é uma bola de neve. Uma coisa vai seguindo a outra [...] Mas é o SUS, ele é um pouco assim.. A gente não pode esperar que as coisas aconteçam de um dia para outro, como em uma entidade privada [...]. Eu dependo de recursos atrasados de 2 a 3 meses. No montante geral, isso acaba atrapalhando um pouquinho a nossa atenção básica. (Coordenadora do PSF).
Na opinião do Médico do SUS a respeito dos resultados do Programa da Saúde da
Família em relação à demanda por internação hospitalar, os percentuais a este respeito são
76
atualmente menores. Mesmo assim, afirma que “muita coisa que vai hoje para o hospital
poderia estar sendo solucionada se cada um tivesse acesso maior a uma Unidade Básica de
Saúde”. Por outro lado, completa seu depoimento a este respeito enfatizando como prioridade
uma maior interlocução do Hospital com as Unidades Básicas de Saúde, isto é um feed back
de um paciente que foi anteriormente atendido pela Unidade Básica, como destaca na
formulação transcrita a seguir:
[...] deveria ter uma comunicação maior do Hospital com as Unidades Básicas de Saúde. [...] uma maior integração do Hospital com a Rede Pública, o que funciona na Rede Pública não funciona no Hospital, o que funciona no Hospital não funciona na Rede Pública. [...] acho que isso vai esvaziar o Hospital, esvaziar doenças, eu acho que isso é uma coisa boa.
A fala do Presidente do Conselho segue a mesma linha de pensamento dos demais
entrevistados, no que diz respeito à constatação da superlotação dos hospitais. Mas, registra
que esse excesso de contingente é generalizado, não somente no Município de Jaraguá do Sul,
mas na abrangência territorial brasileira. Enfatiza, entretanto, dois pilares de sustentação para
a redução de internações: o atendimento adequado em qualidade e quantidade nos postos do
PSF, e a educação para a prevenção. A fala deste entrevistado trata, assim, da necessidade de
ampliação do número dos postos do PSF, para os 17 prometidos na última campanha eleitoral
que deveriam ter sido implantados até 2006 e, em segundo lugar, faz referência à educação
para a saúde visando um trabalho de prevenção. Destaca, também, a centralização das ações
dos Postos de Saúde como curativas abandonando assim, os procedimentos preventivos do
Programa da Saúde da Família, na Comunidade. Conforme a fala deste entrevistado:
[...] com certeza se estivesse funcionando os dezessete Postos do PSF [...] os Hospitais estariam com uma folga bastante grande. E há falta realmente de uma educação e um trabalho de prevenção; na verdade os hospitais hoje estão só atendendo os casos que poderiam ser evitados lá na comunidade. [...] hoje é tudo a base de ação curativa e não se tem nenhuma ação preventiva. (Presidente do Conselho Municipal de Saúde).
Sintetizando os aspectos apontados como desafios a serem vencidos para diminuir a
demanda por internações hospitalares, é possível afirmar que quatro questões foram apontadas
pelos entrevistados. A primeira delas é a adequada atenção básica, por parte de profissionais
competentes e motivados, nos locais de atendimento do PSF; em segundo lugar, a maior
pontualidade nos repasses financeiros do SUS; em terceiro lugar, a necessidade de maior
interação entre os hospitais e os Núcleos de Saúde da Família, a respeito dos pacientes
77
internados que passaram por atendimento nestes núcleos; por último, que a demanda sem
dúvida diminuiria se fosse investido mais em educação para a saúde e em práticas
preventivas.
3.7 OS USUÁRIOS DO SUS ENTREVISTADOS: PERFIL SOCIAL, CONDIÇÕES DE
SAÚDE E A PRÁTICA DE ATIVIDADES FÍSICAS
O Município de Jaraguá do Sul, como foi demonstrado na tabela anterior, é constituído
por bairros e comunidades e a Secretaria da Saúde dividiu o município em 8 distritos
sanitários, de acordo com determinada delimitação geográfica, epidemiológica, populacional
e perfil social de seus habitantes.
Com o caráter exploratório e descritivo, foram realizadas 20 entrevistas estruturadas,
realizadas 10 no Bairro Ilha da Figueira, que possui cerca de 8.200 habitantes, e as demais no
Bairro Santo Antônio, com uma população de cerca de 3.200.
O Bairro Ilha da Figueira está localizado no limite ao sul da sede urbana do Município.
Nele está instalado um Posto de Saúde Municipal, contando com o Programa de Saúde da
Família (PSF). Apresenta uma infra-estrutura urbana, sobretudo comercial, mas apresenta
áreas de risco em relação ao saneamento básico, algumas áreas precárias em relação às
habitações, com alguns setores da população de baixa renda, e com índices relativos de
desemprego.
O Bairro Santo Antônio, por sua vez, está situado no limite ao norte da sede urbana
municipal. Possui, igualmente, um Posto de Saúde Municipal, o qual está integrado ao
Programa de Saúde da Família. Apresenta pouca estrutura urbana e é classificado como “área
de risco” do ponto de vista de saúde, pela falta de saneamento básico. Sua população é de
baixa renda, sendo registrados, inclusive, índices preocupantes de desemprego e de
desnutrição infantil.
3.7.1 Os entrevistados do Bairro Ilha da Figueira e suas representações sociais
No caso da Ilha Figueira, os 10 entrevistados, dos quais 8 homens e 2 mulheres,
tinham de 25 a 66 anos, todos adultos, portanto, como mostra o Gráfico nº 01, com maior
concentração, ou seja 30%, entre 51 e 55 anos.
78
Gráfico 01 – Idade dos entrevistados
2
1 1
3
1
2
0
0,5
1
1,5
2
2,5
3
25 a 29 anos 31 a 35 anos 41 a 45 anos 51 a 55 anos 56 a 61anos 62 a 66 anos
Fonte: Questionário sobre o perfil social dos entrevistados do Bairro Ilha da Figueira
Quanto aos níveis de escolaridade, apresentados no Gráfico nº 02, a maioria deles
(60%) completou apenas o nível Fundamental, um dos entrevistados completou o 2º grau e 3
deles o Ensino Superior.
Gráfico 02 – Graus de Escolaridade
6
1
3
0
1
2
3
4
5
6
nível fundamental nível médio nível superior
Fonte: Questionário sobre o perfil social dos entrevistados do Bairro Ilha da Figueira
No que diz respeito ao estado civil e à moradia, a maioria dos entrevistados (70%) é
casado, dois deles são viúvos e um outro é desquitado. Dentre o total de entrevistados, apenas
dois têm casa própria e oito, portanto (80%), moram em casas alugadas. Nove deles (90%)
moram em companhia de familiares e apenas um deles mora sozinho.
79
Em relação à vida profissional, três deles são aposentados, dois são comerciantes, um
é consultor de qualidade, duas são donas de casa e as demais são, uma delas auxiliar
administrativa e a outra auxiliar de limpeza.
Gráfico 03 – Profissão/Ocupação
3
2 2
1 1 1
0
0,5
1
1,5
2
2,5
3
aposentado do lar comerciante aux. administrativo consultor de qualidade aux. de limpeza
Fonte: Questionário sobre o perfil social dos entrevistados do Bairro Ilha da Figueira
Quanto às horas de trabalho diário, como está demonstrado no gráfico nº 03, quatro
deles, portanto (40%), trabalham até 10 horas diárias; dois não trabalham, dois trabalham oito
horas e um deles trabalha 12 horas diárias.
Gráfico 04 – Nº de horas de trabalho por dia
2
1
2
4
1
0
1
2
3
4
não trabalha 6 horas 8 horas 10 horas 12 horas
Fonte: Questionário sobre o perfil social dos entrevistados do Bairro Ilha da Figueira
80
Quanto à relação entre esforço físico e atividade laboral, considerando que três dos
entrevistados já são inativos, quatro deles informaram que em suas atividades profissionais
necessitam fazer esforço físico e três deles responderam negativamente.
No que diz respeito ao atendimento e às condições de saúde, dos 10 entrevistados do
Bairro Ilha da Figueira, oito deles (80%), afirmam morar distante do Posto de Saúde, em uma
distância de no mínimo três km, e apenas dois afirmam o contrário. Por outro lado, dentre eles
apenas três afirmam sofrer de pressão alta ou de algum tipo de distúrbio cardíaco.
Sobre a prática de atividade física programada que nos interessa sobremaneira, seis
(60%) dos entrevistados responderam que realizam algum tipo de atividade física desta
natureza e quatro deles responderam negativamente, sendo uma mulher e os demais homens.
Dentre os quatro que não se exercitam rotineiramente, três afirmaram que já não o fazem há
cerca de 10 anos e um deles há cerca de cinco anos, como está graficamente demonstrado no
gráfico nº 05.
Gráfico 05 – Tempo de abandono da prática de atividades físicas
1
3
6
0
1
2
3
4
5
6
5 anos 10 anos não responderam
Fonte: Questionário sobre o perfil social dos entrevistados do Bairro Ilha da Figueira
É necessário destacar, entretanto, que todos aqueles que não se exercitam
regularmente, quando lhes foi perguntado se gostariam de realizar alguma atividade física
direcionada à prevenção da saúde e ao lazer, responderam afirmativamente. Em relação às
atividades físicas preferidas pelos 10 entrevistados, alguns deles indicaram mais de uma
opção, destacando-se as caminhadas orientadas como a preferência de cinco deles e a
ginástica preventiva, indicada por seis dos entrevistados, sendo, ainda apontada por dois
81
deles, andar de bicicleta, e por três deles a hidroginástica, como pode ser visualizado no
gráfico nº 06.
Gráfico 06 – Atividades físicas programas preferidas
5
6
2
3
0
1
2
3
4
5
6
caminhadas orientadas ginástica preventiva bicicleta hidroginástica
Fonte: Questionário sobre o perfil social dos entrevistados do Bairro Ilha da Figueira
3.7.2 Os entrevistados do Bairro Santo Antônio
No caso do Bairro Santo Antônio, os 10 entrevistados, nove dos quais homens e
apenas uma mulher, tinham de 35 a 64 anos, todos adultos, portanto, como mostra o Gráfico
nº 07, com maior concentração, ou seja, 30%, entre 35 a 39 anos e entre 44 a 48 anos.
Gráfico 07 – Idade
3 3
2 2
0
0,5
1
1,5
2
2,5
3
35 a 39 anos 44 a 48 anos 52 a 56 anos 60 a 64 anos
Fonte: Questionário sobre o perfil social dos entrevistados do Bairro Santo Antônio
82
Quanto aos níveis de escolaridade, apresentados no Gráfico nº 08, a metade deles
(50%) completou apenas o nível Fundamental, e os demais (50%) dos entrevistados
completou o 2º Grau, não tendo, portanto, nenhum deles o nível universitário.
No que diz respeito ao estado civil e à moradia, todos os entrevistados são casados e
moram com as respectivas famílias. Dentre o total de entrevistados, apenas um mora em casa
alugada, tendo os demais (90%), casa própria.
Em relação à vida profissional, dois deles são aposentados, e os demais, são: um
eletricista, um encarregado de obras de serviço público, uma mensalista, um metalúrgico, um
operador de máquinas, um pedreiro, um vendedor ambulante e um vigilante.
Gráfico 08 – Número de horas de trabalho por dia
1 1 1
2 2
3
0
0,5
1
1,5
2
2,5
3
não trabalha 5 horas 6 horas 8 horas 9 horas 10 horas
Fonte: Questionário sobre o perfil social dos entrevistados do Bairro Santo Antônio
Quanto às horas de trabalho diário, como está demonstrado no gráfico nº 08, três deles,
portanto (30%), trabalha até 10 horas diárias; dois trabalham nove horas e outros dois
trabalham oito horas; um trabalha seis horas, um trabalha cinco horas e um outro não trabalha.
Quanto à relação entre esforço físico e atividade laboral, considerando que dos dois
aposentados um deles ainda trabalha, apenas três dos entrevistados (30%) responderam que
em suas atividades profissionais necessitam fazer esforço físico e seis responderam
negativamente.
No que diz respeito ao atendimento e às condições de saúde, os 10 entrevistados do
Bairro Santo Antônio afirmaram morar próximo do Posto de Saúde. Por outro lado, dentre
eles seis, portanto 60%, afirmaram sofrer de pressão alta ou de algum tipo de distúrbio
cardíaco.
83
Gráfico 09 – Sofre de pressão alta ou possui algum distúrbio cardíaco
4
6
0
1
2
3
4
5
6
não sim
Fonte: Questionário do Perfil Social Aleatório do Bairro Santo Antônio
Sobre a prática de atividade física programada que nos interessa sobremaneira, oito
(80%) dos entrevistados responderam que não realizam qualquer tipo de atividade física desta
natureza e apenas dois responderam positivamente.
Gráfico 10 – Pratica de alguma atividade física
8
2
0
2
4
6
8
não sim
Fonte: Questionário do Perfil Social Aleatório do Bairro Santo Antônio
Dentre os oito que não se exercitam rotineiramente, dentre eles a única mulher
entrevistada, quatro afirmaram que nunca o fizeram; dois deles já não o fazem há cerca de
quatro anos, um deles há cerca de seis anos, e um a cerca de 20 anos, como está demonstrado
no gráfico nº 11.
84
Gráfico 11 - Prática de atividades físicas e tempo de abandono destas práticas
4
2
1
2
1
0
1
2
3
4
nunca praticou 4 anos 6 anos 20 anos sim, pratica atividade física
Fonte: Questionário sobre o perfil social dos entrevistados do Bairro Santo Antônio
É necessário destacar, entretanto, que todos aqueles que não se exercitam
regularmente, quando lhes foi perguntado se gostariam de realizar alguma atividade física
direcionada à prevenção da saúde e ao lazer, responderam afirmativamente.
Em relação às atividades físicas preferidas pelos 10 entrevistados, alguns deles
indicaram mais de uma opção, destacando-se as caminhadas orientadas e a ginástica
preventiva, com a preferência de oito dos entrevistados. Um outro entrevistado indicou a
preferência pela hidroginástica e o último deles não apontou nenhuma preferência específica,
como pode ser constatado no gráfico abaixo.
Gráfico 12 – Atividades preferidas
8 8
1 1
0
2
4
6
8
caminhadas orientadas ginástica preventiva hidroginástica não opinou
Fonte: Questionário sobre o perfil social dos entrevistados do Bairro Santo Antônio
85
Comparando e sintetizando os dados apresentados sobre os dois bairros pode-se
afirmar que há contrastes entre eles, pelo menos em relação aos seguintes aspectos: apesar de
haver maior número de população no Bairro Ilha da Figueira (mais que o dobro) do que no
Bairro Santo Antônio, há maior precariedade em termos de renda e saneamento básico neste
último bairro; maior número de pessoas com patologias cardíacas e pressão alta e menor
número de praticantes de esporte programado. Vale destacar que em relação aos últimos dois
aspectos – a presença de doenças cardíacas e a não prática de atividades físicas - trata-se
exatamente do dobro dos entrevistados no Bairro Santo Antônio, comparado com os Bairro da
Ilha da Figueira. Contudo, a população de Santo Antônio tem mais acesso ao atendimento
pelo Posto de Saúde.
Chama, ainda, a atenção o fato de os entrevistados de ambos os bairros terem um
relativo grau de sedentarismo no trabalho que, somando os dados de ambos engloba 65% dos
entrevistados e, mais ainda, o fato da metade dos entrevistados dos dois bairros terem
jornadas de trabalho diário entre 9 e 12 horas, limitando, assim, as possibilidades de ocupação
do tempo livre com atividades físicas com relativa regularidade.
Apesar destas limitações, todos os entrevistados do Bairro da Ilha da Figueira e os de
Santo Antônio manifestarem a vontade de se dedicarem a alguns tipos de atividades desta
natureza e os entrevistados de ambos os bairros indicaram maior preferência por duas
modalidades de atividade física – caminhadas orientadas e ginástica preventiva.
86
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A mobilização da sociedade brasileira no final do regime militar resultou em inúmeras
conquistas em termos de políticas públicas voltadas para os mais agudos problemas sociais,
consolidadas na Constituição de 1988, entre as quais, através de regulamentações posteriores,
o Sistema Único de Saúde (SUS). Dentre as muitas avaliações que têm sido realizadas sobre
este Sistema, vários aspectos têm sido destacados como resultado positivo a favor da saúde
pública no Brasil.
Entre estes aspectos têm sido destacados os ganhos sociais com a aplicação dos três
princípios que devem nortear o SUS, qual seja, a universalidade, a integralidade e a eqüidade.
O princípio da universalização, como lembra Minayo (2006), fez com que, apesar de
suas limitações na prática, os recantos mais distantes e todos os segmentos sociais da
população brasileira pudessem ter acesso aos serviços que antes eram prestados apenas aos
que tinham a carteira do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). O princípio da
integralidade que propõe uma visão integrada de saúde, visando pensar o indivíduo em sua
totalidade, resultou no encaminhamento da proposta de Núcleos de Saúde Integral, visando
tanto a integração em relação às diferentes especialidades médicas, quanto a articulação entre
profissionais de outras áreas como a Psicologia, Nutrição, Educação Física, com uma nítida
aproximação de um novo conceito de saúde, mais abrangente e não restrito à uma perspectiva
bio-médica. Quanto à eqüidade, por si só já define a prioridade em vencer as desigualdades
sociais vigentes em relação ao atendimento à saúde.
Por outro lado, outros dois pressupostos básicos no funcionamento do SUS
apresentam indiscutíveis ganhos para a população brasileira. Trata-se da descentralização e da
participação. No primeiro caso, embora de modo lento, porém contínuo, está sendo
implantada essa descentralização, gerando uma organização mais eficiente, como afirma
Minayo (2006), mais próxima dos usuários, trazendo, como conseqüência, melhor qualidade
no atendimento primário para muitos municípios. Esta própria descentralização, através da
proposta da formação do Conselho Nacional e dos Conselhos Municipais de Saúde, tem
permitido colocar em prática o outro pressuposto, o da participação da população, permitindo
certo grau de controle social local, estimulando, também, a organização da sociedade em
torno de seus direitos e reivindicações.
Contudo, na prática, apesar destes ganhos, tem sido constatado um distanciamento
entre a teoria e a aplicação destes pressupostos e princípios que vêm merecendo a atenção de
87
diferentes analistas, citados anteriormente. Dentre as críticas, vale destacar, a insuficiência
orçamentária para o funcionamento adequado do SUS, decorrente do excesso de gastos nos
serviços hospitalares; a prática fragmentada do atendimento à saúde; a insuficiência de
profissionais para atendimento à população e a conseqüente demora no atendimento; a falta de
profissionais mais preparados e comprometidos com uma nova visão de saúde, mais
abrangente e relacionada com as reais necessidades da população; o pouco investimento na
formação e aperfeiçoamento de um pessoal técnico na direção desta nova visão.
Um outro aspecto que foi discutido na presente dissertação e que tem a ver
exatamente com parte do que foi dito acima, diz respeito à definição do que seja saúde e
atividade física, bem como a relação entre ambas. Foi, assim, problematizada uma visão
exclusivamente bio-médica de saúde, indo-se de encontro a um conceito mais abrangente,
proposto pelo Movimento Sanitário e consagrado na VIII Conferência Nacional de Saúde em
1986, e pela Constituição de 1988. Este conceito, além de considerar a saúde como um direito
de todos e um dever do Estado, destaca a garantia de políticas públicas que visem a redução
de riscos de doença e de acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação. Pensada nestes termos, ampliou-se o conceito a ponto de incluir a
perspectiva da saúde integral, incorporando, inclusive, o estímulo e a possibilidade de
atividades físicas para atingi-la. Entretanto, através da consulta a diferentes autores, tornou-se
evidente que é necessário repensar a pura aceitação, em certos casos ainda vigente, da relação
de determinação de causa e efeito entre a saúde e a prática de atividades físicas. A conclusão
crítica a que chegam os referidos autores é que esta relação é discutível se não forem levados
em conta outros aspectos da vida dos indivíduos, relativos, sobretudo, as suas condições
sócio-econômicas, suas atividades laborais, os tipos, a freqüência e a intensidade das
atividades físicos, bem como seu tempo e sua disposição para praticá-las.
Por outro lado, em nosso estudo de caso em Jaraguá do Sul, considerando ser o
município o contexto onde foi realizado este estudo, além de terem sido detalhados aspectos
relativos a sua formação histórica sócio-espacial, foram apresentados dados sobre o
atendimento do SUS, revelando um Sistema em progressiva implantação, atingindo uma
parcela ainda restrita da população, com metas programadas e ainda não atingidas dentro do
cronograma proposto pela gestão municipal.
Informações e avaliações mais específicas sobre o SUS e sobre os Núcleos de Saúde
Integral foram obtidas através das entrevistas realizadas com gestores, agentes e usuários do
SUS e um dos membros do Conselho Municipal de Saúde.
88
Dentre elas, foram postos em discussão o cumprimento dos princípios norteadores do
SUS – universalidade, integralidade e eqüidade -, a co-participação da população, a
viabilidade e a adequação da instalação dos referidos Núcleos e a inclusão neles de
profissionais de Educação Física voltados para a prática de atividades físicas programadas,
com vista à interdisciplinaridade no atendimento à saúde, no Município, bem como as
possibilidades de diminuição das demandas por hospitalização.
No caso dos usuários, o mais evidente foi a constatação da sobrecarga de horas de
trabalho, por parte de mais da metade dos entrevistados e a conseqüente falta de tempo para
outras atividades físicas, aspecto problemático considerando o relativo sedentarismo próprio
das atividades de trabalho exercidas por parte deles; a presença, em mais da metade dos
entrevistados, de doenças cardiovasculares e a não prática de atividades físicas programas,
apesar de todos manifestarem interesse e disposição para praticá-las. Por fim, a manifestação
deste interesse concentrado de modo especial na ginástica orientada e na hidroginástica, ao
que tudo indica não disponíveis de modo acessível para a população dos dois bairros nos
quais residem os referidos entrevistados.
Por parte dos demais entrevistados – gestores, agentes de saúde e um Conselheiro
municipal, - apesar da maioria deles reconhecerem avanços no atendimento à população do
Município em relação ao funcionamento do SUS, de modo especial quanto à progressiva
universalização e a eqüidade no atendimento à população, ficam evidentes as observações
críticas, tanto porque seu funcionamento deixa a desejar, quanto pela própria ausência da
implantação de certas estratégias de saúde, como é o caso da inclusão de outros profissionais
para comporem os Núcleos de Saúde Integral.
Tomadas em conjunto, é possível afirmar que perdura, ainda, por parte de alguns
profissionais médicos, em relação à universalidade dos atendimentos resistência da inclusão
de determinados pessoas que tendo em vista seu poder aquisitivo não deveriam estar sendo
atendidos pelo SUS; de modo similar, ferindo o princípio da eqüidade, constatou-se a opinião
de que deveriam ser priorizados no atendimento os pacientes com maiores riscos; a
constatação da impossibilidade do SUS de atender a pacientes em relação a certas
especialidades médicas e a exames mais especializados, ferindo, assim, o princípio da
integralidade no atendimento; do mesmo modo, os três princípios acima expostos não seriam
devidamente atendidos por dificuldades orçamentárias que estabeleceriam certos limites em
termos de expansão do atendimento à população, de modo especial quanto a sua
integralidade; quanto a participação da população na elaboração e no acompanhamento de
novos projetos de expansão do atendimento do SUS, os entrevistados apontam três aspectos
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fundamentais que indicam a limitação nesta co-participação, apesar de esforços neste sentido
estarem sendo feitos, através do processo de Educação Continuada desenvolvido no
Município, voltado para as questões relativas à saúde da população: em primeiro lugar, a não
participação em todas as etapas de implementação dos Programas ou estratégias de saúde do
SUS; em segundo lugar, a não complementação do cadastro da população, para realizar o
exercício da territorialização, ou seja, o registro e conhecimento da população em termos
comunitários locais através de suas características sociais e condições básicas de saúde; por
último, a falta de investimento na preparação e formação de profissionais para o trabalho
interdisciplinar através das equipes multidisciplinares.
Diante destas e de outras críticas que coincidem com as apresentadas por outros
estudos, foram encaminhadas pelos entrevistados algumas sugestões, tais como: 1. a
necessidade de tomar as devidas providências para a organização destas equipes, que vão
desde a abertura de concurso público para a contratação dos profissionais de outras
especialidades como os nutricionistas, profissionais de educação física, psicólogos, entre
outros, bem como a disponibilidade orçamentária para estes e novos gastos com a saúde,
exigindo a diminuição dos gastos atualmente de maior monta com a hospitalização; 2. a
necessidade de ampla discussão com a sociedade e com o legislativo municipal sobre estas
novas medidas a serem tomadas; 3. em termos da diminuição desta hospitalização,
recomenda-se maior cuidado com a atenção básica, com a maior pontualidade nos repasses
financeiros para tanto, com a interação entre os hospitais e as equipes de saúde básica sobre os
pacientes internados que passaram por atendimento nestes núcleos; 4. por último, um dos
aspectos sem dúvida fundamentais em todo o processo de avaliação do SUS, a necessidade
urgente de maior investimento na educação básica para a saúde e nas práticas preventivas para
a população de um modo geral.
Para finalizar, vale lembrar três aspectos apontados por Minayo (2006) em relação aos
gestores e agentes de saúde. O primeiro deles é que o distanciamento entre a teoria e a prática
do SUS não satisfaz nem aos profissionais de saúde e nem a população brasileira que mais
necessita desse serviço. Segundo, a constatação de que apesar das referidos críticas, a
existência dos Conselhos Municipais de Saúde permite introduzir planos mais solidários,
destacando especialmente a importância da participação da sociedade na definição dos
padrões de saúde que ela considera adequados e que está disposta a reivindicar. Terceiro e
último, pensar a Saúde Pública como projeto de sociedade é torná-la muito mais abrangente,
menos centralizadora e medicalizada. O conceito ampliado de saúde permite, assim, a
colaboração de muitas áreas disciplinares e profissionais antes colocadas em segundo plano,
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como é o caso dos profissionais de Educação Física, e de outros cuja contribuição é
indispensável para que seja possível a definitiva criação e o funcionamento de modo
extensivo a todos os brasileiros que necessitam dos cuidados do SUS e dos Núcleos de Saúde
Integral.
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