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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE LETRAS
DEPARTAMENTO DE LINGUÍSTICA GERAL E ROMÂNICA
Neologia de imprensa do português
Mafalda Antunes
DOUTORAMENTO EM LINGUÍSTICA (LINGUÍSTICA PORTUGUESA)
2012
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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE LETRAS DE LISBOA
DEPARTAMENTO DE LINGUÍSTICA GERAL E ROMÂNICA
Neologia de imprensa do português
MAFALDA ANTUNES
DISSERTAÇÃO ORIENTADA POR:
PROF.ª DOUTORA MARGARITA CORREIA – FACULDADE DE LETRAS, UNIVERSIDADE DE LISBOA
PROF.ª DOUTORA MARÍA TERESA CABRÉ – UNIVERSIDADE POMPEU FABRA
DOUTORAMENTO EM LINGUÍSTICA (LINGUÍSTICA PORTUGUESA)
2012
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A realização desta tese foi apenas possível graças à Bolsa de Doutoramento, com a referência SFRH/BD/29463/2006, atribuída pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), que durante quatro anos me prestou apoio financeiro. A FCT financiou, também, em 2007, a minha instalação e estadia em Barcelona para a realização de seminários de Doutoramento na Universidade Pompeu Fabra e formação no Instituto Universitário de Linguística Aplicada, assim como, as minhas deslocações a conferências internacionais durante este período. A FCT patrocinou, ainda, a reprodução gráfica deste texto.
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Agradecimentos Este trabalho representa um caminho longo, mas nunca solitário. Estou, por essa razão, muito grata a todos os que, em diferentes momentos e de diferentes formas, contribuíram para tornar este caminho mais leve e mais feliz.
À Professora Doutora Margarita Correia agradeço tudo. Por ser a pessoa mais importante neste percurso e por estar presente em todos os momentos da minha vida profissional e pessoal. Por ter sido sempre uma amiga, a melhor professora e uma verdadeira orientadora. Por respeitar o meu ritmo, transmitindo-‐me sempre a motivação de que necessitei para o continuar. Por ser sempre muito mais e melhor do que era suposto ser. À Professora Doutora Teresa Cabré pela partilha, pela inspiração, pelo estímulo. Por me dar o privilégio de aprender com ela e me abrir as portas do IULA, mas também por me ter mostrado que a amizade faz parte deste caminho. Ao ILTEC por ser uma casa e uma escola. O lugar onde se estuda e onde se aprende a trabalhar, partilhando. No ILTEC encontrei o verdadeiro sentido de instituição de acolhimento, o espaço e todas as condições para evoluir enquanto investigadora. Ao grupo do IULA-‐UPF pelo modo como me recebeu e pela partilha generosa de conhecimentos, materiais e experiências. Os seminários de doutoramento que fiz na UPF e a estadia no IULA foram essenciais no desenvolvimento deste trabalho. A todos os que colaboraram no ONP: Ana Mineiro, Maarten Janssen, Francisco Costa, Carla Viana, Sílvia Barbosa, Sóstenes Rego, Candinha Pinto, Sara Santos, Nuno Matos, Sílvia Pereira, Catarina Carvalheiro, Clara Pinto, Raquel Castaño, Maria Dória, Rita Gonçalves, Elsa Brízida, mas muito em especial à Vanessa Antunes e à Mara Moita. Aos meus informantes não linguistas, que prontamente colaboraram nas tarefas que lhes foram propostas. À Mara por se ter disponibilizado sempre para colaborar de maneira entusiasta e permanente. Por ter sido sempre o meu apoio, a minha companhia, e por ter contribuído para minimizar todas as distâncias. À Tânia e ao Nuno por fazerem parte de todos os meus mundos. Porque são o melhor que a linguística me deu e porque nenhum caminho sem eles faria sentido. Aos meus pais e à minha irmã pelo amor, pelo apoio constante e pelo respeito pelo meu trabalho, mas sobretudo por acreditarem nele e aceitarem pacientemente todas as minhas ausências ao longo dos últimos anos. E, sempre em primeiro lugar, ao GianClaudio por me mostrar aquilo que realmente importa.
Muito obrigada.
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Resumo Esta tese tem como objeto de estudo a neologia do português, tendo por base a recolha e classificação de 9164 neologismos, presentes em textos de imprensa escrita portuguesa entre 2004 e 2011, detetados no Observatório de Neologia do Português (ONP). Com este trabalho visa-‐se obter uma representação mais clara e objetiva da variação diacrónica recente ao nível lexical, contribuindo para uma caracterização mais completa do português contemporâneo. Além da Introdução, da Conclusão, da Bibliografia e do Anexo, esta tese apresenta quatro capítulos. O capítulo 1, Neologia e neologismo: conceitos, tipologias e critérios, explora os conceitos de neologia e neologismo, através da apresentação do trabalho dos autores que contribuíram de forma mais significativa para a sua definição e desenvolvimento. São ainda apresentadas diferentes abordagens da classificação de neologismos e descritos critérios de deteção. O capítulo 2, Metodologia do trabalho em neologia, descreve projetos em neologia e etapas do trabalho neológico, tendo em conta as características da deteção manual e semiautomática, as ferramentas usadas e o modo de preenchimento e exploração das fichas neológicas. O capítulo 3, Descrição dos neologismo do ONP, apresenta a distribuição dos neologismos coletados, tendo em conta o seu modo de construção. A caracterização de cada processo é levada a cabo em três momentos: apresentação das diretrizes de classificação do NeoRom; distribuição e análise dos dados do ONP; e exposição das interferências de processos de construção que suscitam mais dúvidas na classificação. O capítulo 4, Contributos para o aperfeiçoamento do trabalho em neologia, expõe os pontos considerados mais importantes para a otimização do trabalho do ONP. A reavaliação da tipologia de classificação usada e a aplicação de filtros de neologicidade aos dados recolhidos são apresentadas como tarefas prioritárias, assim como, a revisão do corpus de exclusão, a adaptação da ficha neológica e o modo de exploração dos dados. Palavras-‐chave: Neologia; Neologismo; Léxico; Variação; Metodologia da Neologia; Tipologia de Neologismos.
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Abstract The main objective of this thesis is to study Portuguese neology, based on the collection and classification of 9164 neologisms found in texts published in the Portuguese written press between 2004 and 2011, detected by the Observatório de Neologia do Português (Portuguese Neologism Observatory – ONP). It aims to obtain a clearer and more objective representation of recent diachronic variation on a lexical level, contributing to a more detailed characterisation of contemporary Portuguese. Besides the Introduction, Conclusion, Bibliography and Appendix, this thesis has four chapters. Chapter 1, Neology and neologism: concepts, types and criteria, explores the concepts of neology and neologism, through the presentation of studies by authors who have made the most significant contribution to their definition and development. Different approaches to the classification of neologisms are also presented and detection criteria are described. Chapter 2, Methodologies for neology work, describes neology projects and stages in neology work, considering the features of manual and semiautomatic detection, the tools used and the completion and analysis of neologism records. Chapter 3, Description of ONP neologisms, presents the distribution of the neologisms collected, in view of how they are formed. Each process is characterised in three parts: presentation of the NeoRom classification guidelines; distribution and analysis of ONP data; and a presentation of the interferences in their formation process that cause most classification difficulties. Chapter 4, Contributions to improvements in neology studies, presents the issues considered most important for optimisation of the work of the ONP. Reassessment of the classification types used and the application of neologicity filters to the data collected are presented as priority tasks, as is the review of the exclusion corpus, the adaptation of neologism records and the way the data is used. Key words: Neology; Neologism; Lexicon; Variation; Neology Methodology; Types of Neologisms.
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“As palavras, como os seres vivos, nascem de vocábulos anteriores, desenvolvem-se e fatalmente morrem. As mais afortunadas reproduzem-se. Há-as de índole agreste, cuja simples presença fere e degrada, e outras que de tão amoráveis tudo à sua volta suavizam. Estas iluminam, aquelas confundem. Há-as selvagens, irascíveis, que cheiram mal dos pés, que fungam e cospem no chão, e, logo ao lado, altivas e delicadas orquídeas.”
José Eduardo Agualusa, Milagrário Pessoal
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Índice
Resumo ............................................................................................................................ v
Abstract ............................................................................................................................ vii
Índice de figuras ............................................................................................................... xvi
Lista de siglas ................................................................................................................... xix
Introdução ....................................................................................................................... 3
Capítulo 1 - Neologia e neologismo: conceitos, tipologias e critérios
1.0 Introdução ................................................................................................................. 11
1.1 Mudança e inovação lexical ....................................................................................... 11
1.2 O lugar da neologia .................................................................................................... 13
1.3 Os conceitos de neologia e de neologismo ................................................................ 16
1.3.1 Louis Guilbert ..................................................................................................... 19
1.3.2 Alain Rey ............................................................................................................ 23
1.3.3 Jean-‐Claude Boulanger ...................................................................................... 28
1.3.4 Teresa Cabré ................................................................................................. 35
1.3.5 Recapitulação .................................................................................................... 39
1.4 Tipos de neologismos ................................................................................................ 42
1.4.1 Quanto ao tipo de novidade que apresentam ................................................... 42
1.4.2 Quanto à via de criação ..................................................................................... 47
1.4.3 Quanto ao função de criação ............................................................................. 48
1.4.4 Quanto ao meio de criação ................................................................................ 49
1.5 Critérios para a identificação de neologismos ........................................................... 56
1.6 Resumo ...................................................................................................................... 60
Capítulo 2 – Metodologia do trabalho em neologia
2.0 Introdução ................................................................................................................. 63
2.1 O trabalho em neologia em Portugal ......................................................................... 63
2.2 Projetos em neologia ................................................................................................. 65
2.2.1 NeoRom ............................................................................................................. 66
2.2.2 ONP .................................................................................................................... 69
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2.2.2.1 Objetivos e aplicações do ONP .................................................................. 71
2.2.2.2 Fontes do ONP ........................................................................................... 72
2.2.2.3 Corpus de exclusão .................................................................................... 77
2.3 O processo de deteção de neologismos no ONP ....................................................... 82
2.3.1 Deteção semiautomática ................................................................................... 83
2.3.1.1 Outros sistemas de extração de candidatos a neologismos ...................... 84
2.3.1.1.1 Aviator (Blackwell, Collier e Renouf, 1993) ....................................... 85
2.3.1.1.2 NeoloSearch (Janicijevic e Walker, 1997) ......................................... 86
2.3.1.1.3 Cenit (Roche e Bowker, 1999) .......................................................... 87
2.3.1.1.4 Sextan (Vivaldi, 2000) ........................................................................ 87
2.3.1.1.5 Senter (Pardo, 2006) .......................................................................... 88
2.3.1.1.6 Buscaneo (Cabré e Estopà, 2009) ...................................................... 89
2.3.1.2 Ferramentas usadas no ONP ..................................................................... 91
2.3.1.2.1 Legimus (Francisco Costa, 2005) ....................................................... 91
2.3.1.2.2 NeoTrack (Maarten Janssen, 2004) ................................................... 94
2.3.1.3 Vantagens e desvantagens da deteção semiautomática ........................... 100
2.3.2 Deteção manual ................................................................................................. 101
2.3.2.1 Processo de trabalho na deteção manual ................................................. 102
2.3.2.2 Vantagens e desvantagens da deteção manual ........................................ 104
2.4 Os campos da ficha neológica .................................................................................... 105
2.5 Seleção de neologismos e preenchimento da ficha neológica .................................. 106
2.6 Exploração das fichas neológicas ............................................................................... 109
2.7 Resumo ...................................................................................................................... 109
Capítulo 3 – Descrição dos neologismos do ONP
3.0 Introdução ................................................................................................................. 113
3.1 Revisão e tratamento dos dados do ONP .................................................................. 113
3.2. A classificação de neologismos ................................................................................. 115
3.3 Distribuição dos neologismos .................................................................................... 117
3.3.1 Distribuição dos neologismos: por ano .............................................................. 117
3.3.2 Distribuição dos neologismos: por processo de formação ................................ 119
3.3.3 Distribuição dos neologismos: por subprocesso de formação .......................... 122
3.3.3.1 Neologismos formados por prefixação (FPRE) .......................................... 124
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3.3.3.1.1 Orientações NeoRom – FPRE ............................................................. 124
3.3.3.1.2 Dados ONP – FPRE ............................................................................. 125
3.3.3.1.3 Dificuldades de classificação detetadas – FPRE ................................. 128
3.3.3.2 Neologismos formados por sufixação (FSUF) ............................................ 132
3.3.3.2.1 Orientações NeoRom – FSUF ............................................................. 132
3.3.3.2.2 Dados ONP – FSUF ............................................................................. 134
3.3.3.2.3 Dificuldades de classificação detetadas – FSUF ................................. 137
3.3.3.3 Neologismos formados por prefixação ou sufixação (FPRSU) ................... 138
3.3.3.3.1 Orientações NeoRom – FPRSUF ........................................................ 138
3.3.3.3.2 Dados ONP – FPRSUF ......................................................................... 140
3.3.3.3.3 Dificuldades de classificação detetadas – FPRSUF ............................ 141
3.3.3.4 Neologismos formados por composição (FCOM) ...................................... 142
3.3.3.4.1 Orientações NeoRom – FCOM ........................................................... 142
3.3.3.4.2 Dados ONP – FCOM ........................................................................... 142
3.3.3.4.3 Dificuldades de classificação detetadas – FCOM ............................... 145
3.3.3.5 Neologismos formados por composição culta (FCULT) ............................. 145
3.3.3.5.1 Orientações NeoRom – FCULT ........................................................... 145
3.3.3.5.2 Dados ONP – FCULT ........................................................................... 146
3.3.3.5.3 Dificuldades de classificação detetadas – FCULT ............................... 152
3.3.3.6 Neologismos formados por lexicalização (FLEX) ........................................ 152
3.3.3.6.1 Orientações NeoRom – FLEX ............................................................. 152
3.3.3.6.2 Dados ONP – FLEX ............................................................................. 153
3.3.3.6.3 Dificuldades de classificação detetadas – FLEX ................................. 154
3.3.3.7 Neologismos formados por conversão (FCONV) ....................................... 155
3.3.3.7.1 Orientações NeoRom – FCONV ......................................................... 155
3.3.3.7.2 Dados ONP – FCONV ......................................................................... 156
3.3.3.7.3 Dificuldades de classificação detetadas – FCONV ............................. 157
3.3.3.8 Neologismos formados por sintagmação (FSINT) ...................................... 158
3.3.3.8.1 Orientações NeoRom – FSINT ............................................................ 158
3.3.3.8.2 Dados ONP – FSINT ............................................................................ 158
3.3.3.8.3 Dificuldades de classificação detetadas – FSINT ................................ 160
3.3.3.9 Neologismos formados por siglação (FSIG) ............................................... 160
3.3.3.9.1 Orientações NeoRom – FSIG .............................................................. 160
3.3.3.9.2 Dados ONP – FSIG .............................................................................. 160
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3.3.3.9.3 Dificuldades de classificação detetadas – FSIG .................................. 162
3.3.3.10 Neologismos formados por acronímia (FACR) ......................................... 163
3.3.3.10.1 Orientações NeoRom – FACR .......................................................... 163
3.3.3.10.2 Dados ONP – FACR .......................................................................... 163
3.3.3.10.3 Dificuldades de classificação detetadas – FACR .............................. 164
3.3.3.11 Neologismos formados por abreviação (FABR) ....................................... 165
3.3.3.11.1 Orientações NeoRom – FABR .......................................................... 165
3.3.3.11.2 Dados ONP – FABR .......................................................................... 165
3.3.3.11.3 Dificuldades de classificação detetadas – FABR .............................. 166
3.3.3.12 Neologismos formados por variação (FVAR) ........................................... 166
3.3.3.12.1 Orientações NeoRom – FVAR .......................................................... 166
3.3.3.12.2 Dados ONP – FVAR .......................................................................... 167
3.3.3.12.3 Dificuldades de classificação detetadas – FVAR .............................. 168
3.3.3.13 Empréstimos (E) ....................................................................................... 168
3.3.3.13.1 Orientações NeoRom – E ................................................................. 168
3.3.3.13.2 Dados ONP – E ................................................................................. 169
3.3.3.13.3 Dificuldades de classificação detetadas – E ..................................... 171
3.3.3.14 Empréstimos adaptados (EA) .................................................................. 172
3.3.3.14.1 Orientações NeoRom – EA .............................................................. 172
3.3.3.14.2 Dados ONP – EA ............................................................................... 173
3.3.3.14.3 Dificuldades de classificação detetadas– EA ................................... 173
3.3.3.15 Neologismos semânticos (S) .................................................................... 174
3.3.3.15.1 Orientações NeoRom – S ................................................................. 174
3.3.3.15.2 Dados ONP – S ................................................................................. 174
3.3.3.15.3 Dificuldades de classificação detetadas– S ...................................... 175
3.3.3.16 Neologismos sintácticos (SINT) ................................................................ 176
3.3.3.16.1 Orientações NeoRom – SINT ........................................................... 176
3.3.3.16.2 Dados ONP – SINT ............................................................................ 177
3.3.3.16.3 Dificuldades de classificação detetadas – SINT ............................... 177
3.3.3.17 Outros neologismos (O) ........................................................................... 178
3.3.3.17.1 Orientações NeoRom – O ................................................................ 178
3.3.3.17.2 Dados ONP – O ................................................................................ 178
3.3.3.17.3 Dificuldades de classificação detetadas – O .................................... 179
3.5 Resumo ...................................................................................................................... 179
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Capítulo 4 – Contributos para o aperfeiçoamento do trabalho do ONP
4.0 Introdução ................................................................................................................. 185
4.1 Uma nova abordagem na classificação de neologismos ............................................ 186
4.1.1 Tipologias para a classificação de neologismos ................................................. 187
4.1.1.1 A proposta de Sablayrolles (1996, 1997, 2002) ......................................... 187
4.1.1.2 A proposta de Cabré (2004, 2006) ............................................................. 192
4.1.1.3 Contributos para revisão da classificação .................................................. 199
4.1.2 Escalas de neologicidade ................................................................................... 209
4.1.2.1 A aplicação de Cabré et al. (2004) e Cabré e Estopà (2009) ...................... 210
4.1.2.2 Aplicação de filtros para determinar escalas de neologicidade ................ 214
4.1.2.2.1 Seleção dos neologismos ................................................................... 215
4.1.2.2.2 Filtros aplicados e resultados ............................................................ 219
4.2 Uma nova abordagem na deteção e registo de neologismos .................................... 233
4.2.1 Otimização do corpus de exclusão do ONP ....................................................... 233
4.2.2 Otimização dos campos da ficha neológica ....................................................... 235
4.2.3 Otimização da exploração dos dados ................................................................ 240
4.3 Resumo ...................................................................................................................... 241
Conclusão ......................................................................................................................... 243
Bibliografia ....................................................................................................................... 251
Anexo ............................................................................................................................... 269
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Índice de figuras
Capítulo 2
Figura 1 Ficha neológica do projeto NeoRom ............................................................ 69
Figura 2 Imagem da primeira base de dados do ONP ................................................ 70
Figura 3 Exemplos de seleção de neologismos no ONP ............................................. 81
Figura 4 Imagem do Legimus ..................................................................................... 92
Figura 5 Imagem do tratamento de um candidato a neologismo no NeoTrack ........ 97
Figura 6 Exemplos de candidatos descartados no NeoTrack ..................................... 99
Figura 7 Exemplo de ocorrência da unidade ad-‐hoc no CETEMPúblico ..................... 99
Figura 8 Exemplo da segunda fase da deteção manual de neologismos ................... 102
Figura 9 Exemplo de candidato não atestado no VOP ............................................... 102
Figura 10 Exemplo de candidato sem ocorrências no CETEMPúblico ......................... 103
Figura 11 Campos da ficha neológica para os neologismos detetados manualmente 103
Figura 12 Registo do neologismo panforte .................................................................. 104
Figura 13 Sistema de busca do NeoTrack .................................................................... 109
Capítulo 3
Figura 14 Distribuição dos neologismos do ONP por ano em tokens e types .............. 118
Figura 15 Distribuição dos neologismos do ONP por grandes tipos ............................ 120
Figura 16 Distribuição dos neologismos formais do ONP ............................................ 121
Figura 17 Tabela de processos e subprocessos disponíveis no ONP ........................... 122
Figura 18 Tabela de ocorrências dos subtipos de neologismos do ONP ...................... 123
Figura 19 Gráfico com as ocorrências de cada subtipo de neologismos do ONP ........ 124
Figura 20 Prefixos identificados nos dados do ONP e sua distribuição ....................... 126
Figura 21 Distribuição dos prefixos por eixos de significação ..................................... 127
Figura 22 Assistematicidades de classificação de neologismos no NeoRom (1) .......... 130
Figura 23 Assistematicidades de classificação de neologismos no NeoRom (2) .......... 130
Figura 24 Sufixos identificados nos dados do ONP e sua distribuição ......................... 135
Figura 25 Classe gramatical dos neologismos derivados por sufixação ....................... 136
Figura 26 Estrutura interna dos neologismos do ONP formados por composição ...... 142
Figura 27 Tendência de algumas palavras na formação de compostos (1ª posição) .. 144
Figura 28 Tendência de algumas palavras na formação de compostos (2ª posição) .. 144
Figura 29 Distribuição dos neologismos formados por composição culta ................... 146
Figura 30 Distribuição dos neologismos formados por sintagmação .......................... 159
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Figura 31 Classificações de blog observadas no NeoRom ........................................... 164
Figura 32 Distribuição dos neologismos por empréstimo do ONP .............................. 169
Capítulo 4
Figura 33 Proposta de grelha tipológica de Sablayrolles (1997: 31) ............................ 190
Figura 34 Proposta de grelha tipológica do NEOFRAN ................................................ 191
Figura 35 Proposta de grelha tipológica de Cabré (2006b: 248-‐249) .......................... 194
Figura 36 Opções de classificação em tuitar ................................................................ 200
Figura 37 Opções de classificação em anti-‐carjacking ................................................. 201
Figura 38 Opções de classificação em powerpoint ...................................................... 201
Figura 39 Opções de classificação em caetano-‐guterrista ........................................... 202
Figura 40 Opções de classificação em *grafitti ............................................................ 203
Figura 41 Opções de classificação em rede social ....................................................... 203
Figura 42 Opções de classificação em mupi ................................................................. 204
Figura 43 Opções de classificação em ebriorexia ........................................................ 206
Figura 44 Opções de classificação em desamigar ........................................................ 207
Figura 45 Diferentes tipos de escalas de neologicidade .............................................. 217
Figura 46 Distribuição dos neologismos de acordo com as repetições ....................... 218
Figura 47 Gráfico representativo da repetição de lemas ............................................. 218
Figura 48 Número de neologismos que ocorrem com x tokens .................................. 219
Figura 49 Aplicação do Filtro 1 – neologismos com mais de 20 tokens ....................... 220
Figura 50 Aplicação do Filtro 1 – neologismos entre 11 e 20 tokens ........................... 220
Figura 51 Aplicação do Filtro 1 – neologismos com 10 tokens .................................... 220
Figura 52 Aplicação do Filtro 1 – neologismos com 9 tokens ...................................... 220
Figura 53 Aplicação do Filtro 1 – neologismos com 8 tokens ...................................... 220
Figura 54 Aplicação do Filtro 1 – neologismos com 7 tokens ...................................... 221
Figura 55 Aplicação do Filtro 1 – neologismos com 6 tokens ...................................... 221
Figura 56 Aplicação do Filtro 1 – neologismos com 5 tokens ...................................... 221
Figura 57 Neologismos excluídos através da aplicação do Filtro 1 .............................. 223
Figura 58 Codificação da constância de ocorrência dos neologismos ......................... 224
Figura 59 Exemplo da distribuição das ocorrências de blogger ................................... 225
Figura 60 Ocorrências por ano de neologismos com oito ou mais tokens .................. 225
Figura 61 Ocorrências por ano de neologismos entre sete e cinco tokens ................. 226
Figura 62 Distribuição dos neologismos de acordo com a escala atribuída no Filtro 2 227
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Figura 63 Aplicação do Filtro 3 ..................................................................................... 229
Figura 64 Distribuição dos neologismos de acordo com classificação do Filtro 3 ....... 231
Figura 65 Resultados da aplicação dos filtros de neologicidade propostos ................ 232
Figura 66 Aplicações dos neologismos que passam os filtros de neologicidade ......... 232
Figura 67 Proposta de remodelação ficha neológica ................................................... 236
Figura 68 Marcação do tipo de neologismo (passo 1) ................................................. 238
Figura 69 Marcação de neologismo formal (passo 2) .................................................. 238
Figura 70 Marcação de neologismo por mudança gramatical (passo 2) ..................... 238
Figura 71 Marcação de neologismo por empréstimo (passo 2) .................................. 239
Figura 72 Marcação de neologismo por variação (passo 2) ......................................... 239
Figura 73 Marcação de outros neologismos (passo 2) ................................................ 239
Figura 74 Seleção da forma preferencial (passo 3) ...................................................... 240
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Lista de siglas Instituições, projetos e observatórios ILTEC Instituto de Linguística Teórica e Computacional FLUL Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa CLUL Centro de Linguística da Universidade de Lisboa IULA Instituto Universitário de Linguística Aplicada UPF Universidade Pompeu Fabra NeoRom Rede de Observatórios de Neologia das Línguas Românicas ONP Observatório de Neologia do Português OBNEO Observatório de Neologia do IULA-‐UPF NEOFRAN Observatoire de Néologie du français de France ONLI Osservatorio Neologico della Lingua Italiana ONEROM Observatorul Neologic Român Redip Rede de difusão internacional do português: rádio, televisão e imprensa Dicionários DHLP Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa DLPC Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea DLP Dicionário da Língua Portuguesa DLP-‐AO Dicionário da Língua Portuguesa – Acordo Ortográfico Páginas, bases de dados e ferramentas VOP Vocabulário Ortográfico do Português PLP Portal da Língua Portuguesa MorDebe Morphological Database CETEMPúblico Corpus de Extractos de Textos Electrónicos MCT/Público NeoTrack Neologism Tracker AVIATOR Analysis of Verbal Interaction and Automated Text Retrieval CENIT Corpus-‐based English Neologism Identifier Tool SEXTAN Sistema d'Extracció Automàtica de Neologia SENTER Sentence splitter Processos de formação de neologismos FPRE Formado por Prefixação FSUF Formado por Sufixação FPRSU Formado por Prefixação ou Sufixação FCOM Formado Composição FCULT Formado Composição Culta FLEX Formado por Lexicalização FCONV Formado por Conversão FSINT Formado Sintagmação FSIG Formado por Siglação FACR Formado por Acronímia FABR Formado por Abreviação FVAR Formado por Variação E Empréstimo EA Empréstimo Adaptado S Neologismo Semântico SINT Neologismo Sintático O Outros neologismos
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Jornais e revistas P Público PR Pública DN Diário de Notícias V Visão CI Courrier Internacional i Jornal i T Tabu S Sábado SOL SOL MH Meia Hora CM Correia da Manhã U Única D Destak M Metro JN Jornal de Notícias G Global NS NS VG Vogue A Actual Mx Máxima El Elle E Expresso DD Diário Digital
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Introdução
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Perguntar o que quer e o que pode esta língua é como perguntar o que querem e podem aqueles que a falam. A língua, como todos nós, quer palpitar, crescer, tornar-‐se flexível e colorida, expandir-‐se, enfim, viver. (…) A linguagem, concretizada nas línguas, é a “maravilhosa invenção” de que nos falam Galileu, Descartes, Chomsky. E a língua portuguesa é uma das suas concretizações. Ela reflecte, também, a excepcionalidade dessa maravilhosa invenção.
Maria Helena Mateus (2005: 1-‐2)
As línguas adaptam-‐se às mudanças do mundo e, como tal, não são objetos
estáticos, alterando-‐se constantemente e de modo nem sempre previsível ou
sistemático. Das diversas mudanças que se podem observar nas línguas, interessa,
nesta tese, estudar aquelas que se dão na componente lexical, isto é, nas unidades
lexicais usadas nos diferentes vocabulários que constituem o léxico do português
europeu.
Observemos as seguintes palavras usadas no léxico da língua portuguesa:
suborçamentaçãos.f, milagrários.m., verdess.m.pl, smartphones.m.,
etnoculturaladj., teadorarv., semiurbanoadj., risottos.m, asinhaadv.,
butterscotchs.m, alegristaadj., apps.f, pensageiros.m., inutensílios.m.,
aprendizerv., axis mundiloc., conversetas.f, post its.m., leixarv.,
desamigarv., caça-‐talento s.m., refrabicarv., temakis.m, bullying s.m.
Esta lista de palavras permite extrair algumas constatações que parecem não
suscitar dúvidas. São elas:
• há palavras que conhecemos;
• há palavras que desconhecemos;
• temos um grau de familiaridade diferente com cada palavra;
• conhecemos o significado da maioria das palavras;
• as palavras respondem a diferentes tipos de necessidades discursivas;
• as palavras não apresentam todas a mesma estrutura;
• as palavras não têm todas a mesma proveniência;
• as palavras têm diferentes categorias gramaticais;
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• há palavras mais recentes;
• há palavras mais antigas;
• há palavras em desuso.
Contudo, não parece que possamos afirmar sem quaisquer dúvidas ou
unanimemente:
• quais destas palavras são neologismos em português;
• quais destas palavras são arcaísmos em português;
• quais destas palavras fazem parte do léxico do português sem qualquer
marca relativa ao seu tempo de permanência na língua.
Também não parece, tendo em conta a definição mais comum de
neologismo, isto é, “uma palavra nova”, que possamos afirmar indiscutivelmente
que:
• todas as palavras novas são neologismos;
• todas as palavras que não são usadas no dia a dia são arcaísmos;
• palavras que já existem não podem ser consideradas neologismos;
• todos os neologismos resultam dos mesmos processos de formação;
• neologismos regulares devem ter o mesmo estatuto que os importados ou
daqueles que resultam de manipulação consciente.
Esta tese tem como objeto de estudo a neologia do português e os seus
produtos, os neologismos. No entanto, para estudar os neologismos importa
perceber o papel da neologia na mudança do léxico de uma língua, assim como, o
seu lugar nos estudos linguísticos e as relações que tem com outras disciplinas.
A definição de neologismo não depende da perceção individual de cada
falante e não é consensual ou estática. O conceito de neologismo é metodológico e
pragmático1 e, deste modo, uma palavra pode apenas ser considerada um
neologismo em função de uma determinada definição e adequada aos objetivos da
sua recolha e observação.
1 Tal como é descrito em Rey (1976).
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5
O que é então uma palavra nova na língua? Nova em relação a quê? Em
relação a que momento no tempo? Nova dependendo do conhecimento lexical de
cada falante? E usada por quem? Criada por que razões e com que métodos?
Individualmente, pontualmente ou pela comunidade linguística? Será o sentimento
de novidade suficiente para identificar um neologismo? Como lidar com a
desatualização dos dicionários que podem funcionar como corpus de exclusão? O
que fazer das unidades lexicais do discurso que não despertam qualquer sentimento
de novidade aos falantes, resultando, apenas, de atualização de competência
derivacional? E as palavras já existentes que aparecem em contextos inusitados,
exibindo significados inesperados? Será que as unidades que derivam de sufixação
avaliativa ou de sufixos muito produtivos no português, quando se juntam a bases já
atestadas, se consideram neologismos? Todas as palavras não atestadas nos
dicionários, como locuções latinas por exemplo, são neologismos? E as palavras
inventadas?
Para que uma palavra se considere um neologismo é fundamental que
responda a um conjunto de critérios e não apenas a um só, o que torna a sua
definição dependente da articulação de diversos fatores que assumem diferentes
graus de importância e diferentes medidas de implementação.
A recolha sistemática de neologismos é fundamental para a descrição de uma
língua e contribui para a atualização de materiais de estudo, que poderão ter as mais
diversas aplicações.
O primeiro objetivo desta tese é o de refletir sobre a noção de neologismo,
contribuindo para uma definição mais estável e consensual deste conceito, o que se
reflectirá numa identificação mais sistemática e numa análise mais representativa do
mesmo.
Importa descrever também, neste trabalho, o modo como foi processada a
deteção das palavras que constituem o corpus de neologismos do português
europeu, assim como explorar as vantagens e as limitações do tipo de recolha
utilizado.
Pretende-‐se, num outro momento, descrever os neologismos detetados
entre 2004 e 2011 e proceder à sua análise através de uma abordagem conduzida
pela observação dos dados (data driven).
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Neste trabalho, alguns dos principais objetivos relacionados com a
exploração do corpus de neologismos são:
1) classificar os neologismos recolhidos de acordo com o processo de formação
exibido, discutindo criticamente as tipologias utilizadas;
2) obter uma representação clara e objetiva da variação diacrónica ao nível
lexical, contribuindo para uma caracterização mais cabal do português
contemporâneo;
3) compreender o processo de integração dos neologismos através da relação
existente entre os neologismos que se instalam na língua e aqueles que
registam apenas uma utilização pontual;
4) identificar as áreas de intervenção mais necessárias no sentido de otimizar a
deteção, classificação e exploração de neologismos.
Esta tese encontra-‐se dividida em quatro capítulos além da introdução, da
conclusão, da bibliografia e do anexo.
No capítulo 1, Neologia e neologismo: conceitos, tipologias e critérios,
pretende-‐se delimitar a área de estudo da neologia e posicioná-‐la nos estudos
linguísticos, através da exploração dos conceitos de neologia e neologismo e da
exposição do modo como alguns dos autores contribuíram para o estudo deste
domínio. Serão também apresentadas as diferentes tipologias de neologismos de
acordo com diferentes perspetivas de análise, isto é, quanto ao tipo de novidade que
apresentam; quanto à sua via de criação; quanto à função que têm e quanto ao meio
pelo qual foram criados. Os critérios mais usados para a identificação de
neologismos serão apresentados e discutidas as suas vantagens e desvantagens,
assim como, descrita a importância da sua conjugação.
No capítulo 2, Metodologia do trabalho em neologia, procura-‐se descrever o
modo como se trabalha em neologia, em particular aquele que é desenvolvido no
âmbito do Observatório de Neologia do Português (ONP). Para tal, será descrita
sumariamente a evolução do trabalho em neologia em Portugal, assim como, os
projetos em neologia que se relacionam diretamente com este: o NeoRom e o ONP.
A metodologia de trabalho do ONP será apresentada tendo em conta as
características das fontes de deteção de neologismos, do corpus de exclusão, das
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ferramentas disponíveis para a recolha semiautomática de neologismos, do modo
como se processa a deteção manual e da exploração dos dados.
No capítulo 3, Descrição dos neologismos do ONP, após se descrever o
processo de revisão e tratamento dos dados, será apresentada a distribuição e
caracterização dos 9164 tokens, equivalentes a 7767 types, detetados no ONP, entre
os anos de 2004 e 2011. A descrição dos neologismos será feita tendo em conta o
processo ou subprocesso de formação que está na sua origem e será explorada
através da descrição das linhas de orientação de classificação adotadas no ONP, da
distribuição e exemplificação dos dados e da indicação das principais dificuldades de
classificação verificadas em cada tipo ou subtipo de neologismo.
No capítulo 4, Contributos para o aperfeiçoamento do trabalho em neologia,
serão apresentadas aquelas que se consideram ser as revisões mais necessárias para
que o trabalho em neologia seja melhorado. Por ser o ponto que mais dúvidas
suscita, será feita uma proposta de revisão na classificação de neologismos com base
em propostas de diferentes autores e também de acordo com as características
observadas nos neologismos detetados. Os problemas observados em relação à
classificação motivaram uma revisão nos dados já coletados através da aplicação de
uma escala de neologicidade, propondo-‐se, deste modo, a aplicação de filtros
lexicográficos, de frequência e cognitivos mais apertados, testados numa amostra
dos dados. Serão, por fim, apresentadas propostas de revisão do corpus de exclusão,
dos campos da ficha neológica e do método de exploração dos dados no trabalho
desenvolvido do ONP.
No fim de cada capítulo será possível consultar uma síntese do trabalho
efetuado, com a recapitulação dos aspetos considerados mais relevantes.
Pode ainda ser consultado, no final deste trabalho, um anexo constituído por
alguns contextos que ilustram os processos de construção dos neologismos
representados no corpus do ONP.
Este é um trabalho descritivo, razão pela qual todos os exemplos de
neologismos apresentados ao longo desta tese serão grafados tal como se
encontram registados nas suas fontes, independentemente de constituírem erros
ortográficos.
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Capítulo 1 Neologia e neologismo:
conceitos, tipologias e critérios
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1.0 Introdução
Neste primeiro capítulo pretende-‐se refletir sobre os conceitos de neologia e
neologismo. Para melhor compreender estes conceitos, que apresentam definições
tão frequentes quanto complexas, importa ter em conta a componente onde surgem
e a influência que têm na construção, manutenção e atualização da língua.
As noções de neologia e neologismo serão exploradas percorrendo os
trabalhos dos autores que mais contribuíram para a sua definição e
desenvolvimento, procurando compreender de que modo um estudo que consiste
na observação da componente lexical e das alterações que nela se dão pode
contribuir para um melhor conhecimento da(s) língua(s).
As causas que motivam o surgimento de uma unidade lexical numa língua
podem ser as mais diversas, assim como os meios que são usados para a criar ou
identificar. Uma vez detetados, os modos como os neologismos são tratados,
agrupados e classificados são também muito diversificados e dependentes dos
objetivos de cada estudo. Diferentes autores têm proposto diferentes tipologias de
classificação de neologismos que serão apresentadas ainda neste capítulo.
Apresentar-‐se-‐ão, por fim, os diferentes critérios existentes para a deteção
de neologismos, a saber: o critério temporal ou diacrónico, o critério psicológico, o
critério da instabilidade formal, o critério lexicográfico e o critério lexicográfico
alargado.
1.1 Mudança e inovação lexical
As línguas são dinâmicas, heterogéneas e mutáveis e, por esta razão, tão
difíceis de definir e complexas de tratar. Contudo, nem sempre temos essa noção e
estas características passam impercetíveis para a maioria dos falantes. A língua
desenvolve-‐se sem que disso nos demos conta, tal como podemos observar nas
palavras de Martinet (1972: 177)2:
2 Tradução de Jorge Morais-‐Barbosa.
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Para se convencer de que as línguas mudam com o tempo, bastará a um português percorrer os cancioneiros medievais ou mesmo, sem recuar tanto, as obras de Bernardim Ribeiro ou João de Barros. No entanto, ninguém tem a impressão de que a língua que fala se modifique durante a sua vida ou que não se exprimam de maneira uniforme as várias gerações coexistentes. Tudo conspira para convencer os indivíduos da imobilidade e homogeneidade da língua que praticam: a estabilidade da forma escrita, o conservantismo da língua oficial e literária, a incapacidade em que se encontram de se lembrarem de como falavam dez ou vinte anos antes. (...) É facto, todavia, que a todo o momento a língua está a evoluir.
Se entendermos uma língua como um conjunto de regras, isto é, como “um
sistema gramatical pertencente a um grupo de indivíduos”, tal como definida por
Cunha e Cintra (1984: 1), podemos perceber que os níveis de mudança podem ser os
mais variados e ocorrer nas diferentes componentes da gramática. Podemos
observar mudanças no léxico, mais facilmente identificáveis no surgimento de novas
palavras ou desaparecimento de outras, mas também no funcionamento da sintaxe
e da morfologia, na passagem do uso de certas palavras para outros registos ou no
modo como os sons são produzidos. De modo menos natural, e mais percetível, a
ortografia de uma língua também pode sofrer alterações. Podemos então perceber
que as alterações na língua não têm todas o mesmo peso ou a mesma visibilidade e
que a componente lexical é aquela onde estas mudanças se manifestam de modo
mais evidente, tal como considera Correia (1998: 59):
(...) se é verdade que a mudança afecta todas as componentes do conhecimento linguístico (fonológica, morfológica, sintáctica, semântica e pragmática), é também verdade que essa mudança é fundamentalmente visível ao nível do léxico.
A autora atribui esse facto a duas razões fundamentais: por um lado, sendo a
componente lexical menos estruturada e o conhecimento lexical mais consciente, a
mudança processa-‐se mais livremente e com mais rapidez, afetando unidades e não
tanto a estrutura do léxico; por outro lado, uma vez que designamos a realidade e
traduzimos o conhecimento que temos dessa realidade através de unidades lexicais,
parece natural que a componente lexical seja a que reflete mais diretamente todas
as alterações e toda a evolução que o meio vai sofrendo.
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Tudo pode mudar numa língua e essas alterações não se dão apenas
internamente no seio do sistema linguístico, há também vários fatores externos que
podem contribuir para a sua mudança, fatores esses que podem ser: históricos,
sociais, geográficos, culturais ou políticos.
Tal como podemos observar nas palavras de Cardeira (2006: 13) “Contar a
história do Português é mostrar as mudanças linguísticas que lhe foram dando
forma”. A língua portuguesa, tal como todas as línguas vivas, não é uma exceção.
Também ela se caracteriza pela mudança, em particular na componente lexical.
Novas palavras surgem ao mesmo tempo que outras deixam de ser usadas ou, ainda,
outras adquirem novos significados.
Os fatores que contribuem para a mudança na língua podem ser, como
vimos, diversos, mas a razão pela qual essas mudanças ocorrem é apenas a de
otimizar a comunicação, adequando a língua e respondendo às necessidades
comunicativas dos falantes que, também elas, se vão alterando. A ausência dessas
necessidades comunicativas bloquearia a mudança e teria como consequência
inevitável a morte da língua.
O estudo que se pretende apresentar nesta tese incidirá nas mudanças que
se verificam no léxico da língua portuguesa, sendo essencial, para este efeito,
caracterizar as palavras que surgem e as que adquirem novos significados. Este
trabalho permitirá uma visão mais precisa da evolução da língua, pois só através de
uma observação sistemática do léxico podemos caracterizar e conhecer essa
mudança.
1.2 O lugar da neologia
Como se observou, se encararmos a língua como um sistema, verificamos
que a mudança pode ocorrer a nível fonético-‐fonológico, a nível morfossintático, a
nível pragmático ou a nível lexical.
Concebendo a neologia como um processo de criação lexical e o neologismo
como um resultado desse processo, verificamos que essa criação:
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• é feita através do recurso a diferentes meios de construção de palavras que
podem resultar de produtividade ou de criatividade – relação com a
morfologia;
• ocorre frequentemente nas linguagens especializadas ou através da
adaptação ou proposta das suas denominações – relação com a terminologia;
• tem como principais aplicações a atualização de dicionários gerais de língua e
dicionários especializados – relação com a lexicografia e com a terminografia;
• auxilia o estabelecimento de critérios que orientam a criação lexical – relação
com a política e planificação linguística;
• representa a mudança lexical e contribui para a abordagem dos fenómenos
evolutivos da língua – relação com a história da língua;
• reflete toda e qualquer mudança na estrutura social – relação com a
sociolinguística.
Pode-‐se assim situar a neologia de acordo com três vertentes distintas:
(i) a motivação para a sua existência;
(ii) a área de estudo onde se enquadra;
(iii) as relações com outras áreas e os contributos que presta.
Do ponto de vista da motivação para a formação de neologismos, ela é
claramente social na medida em que a língua é influenciada por todas as mudanças
produzidas no seio de uma sociedade e a neologia não é concebida sem estar
relacionada com as transformações que naquela se produzem, sejam elas políticas,
culturais, científicas, técnicas ou outras. Todo esse movimento de transformação do
mundo, acompanhado pelo surgimento de novas palavras, é referido em Guilbert
(1973: 24), que considera que a causa para o surgimento de neologismos não se
limita à intenção criadora dos falantes, mas que resulta também a própria evolução:
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Il convient d’abord de faire la part des créations lexicales dont le principe ne reside pas dans la volonté d’innovation linguistique des locuteus mais dans le mouvement même du monde.3
A neologia não é, deste modo, um fenómeno apenas linguístico e também
podemos ver expressa, em Cabré (2003: 27), a ideia de que a neologia não pode ser
limitada ao domínio do conhecimento linguístico e que reflete a sociedade num
determinado período.
(...) a neoloxía non pode interesarlles unicamente ós lingüistas, senón tamén a especialistas doutras materias como a socioloxía, a psicoloxía, a antropoloxía ou a enxeñería do coñecemento e das linguas. Non cabe dúbida de que a análise dos inventarios neolóxicos é unha boa base para facer reflexións sobre as características, a evolución e as perspectivas dunha sociedade nun momento dado.4
Do ponto de vista da área de estudo em que a neologia se enquadra, o seu
lugar é, claramente, na lexicologia, pois trata do estudo da criação de unidades
lexicais e do modo como estas são construídas, como se relacionam, entre si e com o
restante léxico de uma língua, os seus significados e o seu uso na comunidade de
falantes. Deste modo, o estudo teórico das inovações lexicais (através dos processos
e dos recursos da criação neológica), os critérios para a sua identificação e
aceitabilidade, e a própria difusão dos neologismos; enquadram-‐se nos domínos da
lexicologia.
O fenómeno da inovação lexical nas línguas tem aplicações diretas no
trabalho desenvolvido em diversas áreas, assim como apresenta contribuições para
os estudos de outros domínios relacionados. É nesta perspetiva que podemos
encarar a neologia enquanto disciplina responsável pelo estudo dos neologismos
que surgem na língua e com estreitas relações com outras áreas do conhecimento
ou domínios do saber como a informática, a tradução, a sociologia, a história, a
comunicação ou a cognição.
3 “Deve-‐se, à partida, separar as criações lexicais, cujo princípio não reside na vontade de inovação linguística dos locutores, mas que resultam do próprio movimento do mundo.” [tradução minha] 4 “(…) a neologia não pode interessar unicamente aos linguistas, deve também interessar a especialistas de outras áreas como a sociologia, a psicologia, a antropologia ou a engenharia do conhecimento e das línguas. Não há dúvida de que a análise dos invetários neológicos é uma boa base para fazer reflexões sobre as características, a evolução e as perspetivas de uma sociedade num dado momento.” [tradução minha]
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1.3 Os conceitos de neologia e neologismo
Ao consultarmos um dicionário especializado de linguística como o Dicionário
de Termos Linguísticos5, verificamos que este nos remete para autores
especializados, apresentando as definições de Guilbert (1975):
neologia
Criação de neologismos. Este processo caracteriza-‐se por dois grandes tipos de criação lexical que englobam vários outros subtipos: a neologia de forma e a neologia de sentido.
neologismo
Resultado de um processo de formação de novas unidades lexicais ou da atribuição de um novo sentido a uma unidade lexical já existente. Por neologismo pode entender-‐se ainda a unidade lexical que, proveniente de uma língua estrangeira, é adoptada por outra língua.
Muitos são atualmente os nomes de referência a considerar, no domínio das
línguas românicas, e com importantes contributos nos respetivos países e nas
línguas com que trabalham: Bernard Quemada (França), Giovanni Adamo (Itália),
Ieda Alves (Brasil), Jean-‐François Sablayrolles (França), John Humbley (França),
Margarita Correia (Portugal), entre outros. No entanto, para conhecer os conceitos
de neologia e neologismo com mais precisão, serão tidos em conta os trabalhos de:
Louis Guilbert (França), Alain Rey (França), Jean-‐Claude Boulanger (Canadá,
Quebeque) e Maria Teresa Cabré (Espanha, Catalunha), por serem, em nosso
entender, os que apresentam uma reflexão mais detalhada sobre os conceitos que
aqui se pretendem explorar e contributos diretos para a sua definição e tratamento.
As reflexões destes autores servem diferentes propósitos e encontram-‐se
relacionadas com as características da sua própria investigação, que é condicionada
por diferentes necessidades. Não se trata de posturas opostas, mas antes de
reflexões que retomam outras e se complementam. É consensual que a neologia é a
disciplina que trata o estudo dos neologismos; contudo, a definição do seu objeto de
estudo, os neologismos, é um pouco mais problemática, como podemos observar
através das palavras de Rey (1988) apud Cabré (1993: 445):
5 Disponível em linha em: http://www.ait.pt/index2.htm [26 de janeiro de 2011]
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Si la néologie comme processus est une notion claire et indiscutable, mais complexe et donc difficile à décrire, le néologisme en tant qu’unité, que résultat d’un processus, est extrêmement flou.6
Em Guilbert (1972: 9), através de uma citação de L. S. Mercier (1801),
podemos observar que esta reserva em relação ao conceito de neologismo era já
sentida anteriormente, não sendo uma novidade:
Néologie se prend toujours en bonne part, et Néologisme en mauvaise, il y a entre ces deux mots la même différence qu’entre réligion et fanatisme, philosophie et philosophisme.7
Esta distinção é também apresentada por Boulanger (2010: 40):
Le mot néologie apparaît en français en 1759. Il est alors porteur d’une valeur sémantique qui renvoie à la création de mots, d’expressions ou de sens nouveaux. En cela, au XVIIIe siècle, il s’opposait à néologisme (1735) qui possédait un sens péjoratif et désignait la création abusive, mauvaise, voire inutile de signes nouveaux. Par extension, il référait aussi à l’affectation de nouveauté dans la manière de parler, sens qu’il a perdu depuis.8
De facto, a complexidade inerente à definição de neologismo é bem visível
no modo como a sua definição nos dicionários tem sido apresentada e que alguns
autores referem. É o caso do dicionário francês Robert (1985), em que nelogismo
aparece definido como “une certaine affectation de nouveauté dans la manière de
s’exprimer”9, ou ainda o dicionário inglês Merriam-‐Webster10 como “a meaningless
word coined by a psychotic”11. De facto, a palavra “neologismo” começou por ser
associada, no domínio da psicologia e da psiquiatria da linguagem, a pessoas com
problemas mentais que produzem neologismos, que constituem formas
caracterizadas como inadequadas, incorentes ou estranhas ao nosso código.
6 “Se a neologia como processo é uma noção clara e indiscutível, mais complexa e, portanto, difícil de descrever, é a de neologismo enquanto uma unidade, que resultando de um processo, é extremamente vago.” [tradução minha] 7 “Neologia relaciona-‐se sempre com a boa parte e neologismo com a má, existe entre estas duas palavras a mesma diferença que entre religião e fanatismo, filosofia e filosofismo.” [tradução minha] 8 “A palavra neologia aparece no francês em 1759. Em seguida, transporta um valor semântico que remete para a criação de palavras, de expressões ou de novos significados. No século XVIII, opõe-‐se a neologismo (1735), que tinha um sentido pejorativo e que designava a criação abusiva, imprópria, e inútil de signos novos. Por extensão, refere-‐se também à atribuição de novidade no modo de falar, sentido que perdeu depois.” [tradução minha] 9 “uma certa afetação de novidade na maneira de expressão.” [tradução minha] 10 http://www3.merriam-‐webster.com/opendictionary/ [16 de junho de 2011] 11 “uma palavra sem significado criada por um psicótico.” [tradução minha]
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Neste percurso, os neologismos passaram de se considerar uma “afetação”
para se referirem a uma novidade linguística produzida por causa de uma disfunção
psicológica que afeta a dicção (cf. Rey 1976), aceção que se mantém atualmente em
dicionários como o Larousse em linha12:
Mot créé par le malade mental par déformation de phonèmes, substitution, etc. (Les néologismes renvoient au diagnostic de psychose ou d'aphasie sensorielle).13
Curiosamente, nas definições dos dicionários portugueses da atualidade não
é feita qualquer referência ao caráter de afetação ou patologia relacionado com o
neologismo, mesmo no que respeita a aceções menos recentes.
A definição de neologismo oscilou, assim, entre a presença das defnições
apresentadas ou a ausência nas obras de referência de linguística geral, o que levou
Alain Rey (1976) a questionar se estaríamos perante uma reserva perante um
conceito frequentemente mal definido, ou perante uma total indiferença perante os
problemas lexicais. O termo “neologismo” encontrava-‐se ausente dos livros de
referência de linguística geral; contudo os livros orientados para a lexicografia e
alguns dicionários de linguística atribuíam a qualquer falante o direito à criatividade
lexical (cf. Guilbert, 1975), definindo um neologismo como uma “palavra”, “criada
recentemente”, “tomada de empréstimo recentemente” ou ainda “uma aceção
recente de uma palavra já me desuso”14. Matoré (1952)15 apud Rey (1976) define
neologismo como uma “aceção nova introduzida no vocabulário de uma língua numa
época determinada [e podendo] se manifestar: através de uma palavra nova […],
através de uma palavra já usada […], através de uma mudança de categoria
gramatical…”.16
12 http://www.larousse.com/en/dictionaries/french/n%C3%A9ologisme [16 de junho de 2011] 13 “Palavra criada pelo doente mental por deformação dos fonemas, substituição, etc. (Os neologismos referem-‐ -‐se ao diagnóstico de psicose ou de afasia sensorial).” [tradução minha] 14 Dictionnaire de Linguistique, Larousse (1973) apud Rey (1976). 15 Texto ao qual não tive acesso e cuja referência bibliográfica é: MATORÉ, G. “Le néologisme: naissance et diffusion”. Le français moderne, 20e année, nº 2, avril 1952, p.87 16 O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa dá como data de entrada de “neologismo” no português o ano de 1813 e 1858 de ‘neologia’, rementendo ambos os registos para a nota MS, correspondente à fonte António Morais Silva.
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Pruvost e Sablayrolles (2003: 122) ilustram esta diferenciação conceptual
entre neologia e neologismo recorrendo à definição de neologismo do Dictionnaire
de l’Académie française:
Les exemples donnés dans la cinquième édition du Dictionnaire de l’Académie pour les articles néologie et néologisme sont à cet égard éloquents: La Néologie, ou l’art de faire, d’employer des mots nouveaux, demande beaucoup de goût et de discrétion: La Néologie est un art, le Néologisme est un abus.17
De seguida, serão apresentados, mais detalhadamente, os contributos e
reflexões sobre os conceitos de neologia e neologismo de alguns dos autores por
mim considerados mais representativos desta área.
1.3.1 Louis Guilbert
Louis Guilbert é um dos pioneiros franceses dos trabalhos em neologia, tendo
publicado, entre outros, dois trabalhos de referência nesta área: “Théorie du
néologisme”, em 1973, e La créativité lexicale, em 1975.
No seu texto “Théorie du néologisme” (1973), Guilbert retoma o trabalho de
Ferdinand de Saussure sobre a conceção do signo linguístico, recorrendo às
dicotomias ‘diacronia’ e ‘sincronia’, e ‘língua’ e ‘fala’ para, através destas, explicitar o
conceito de neologismo.
Ao tomar a distinção de diacronia e sincronia de Saussure, o autor exclui o
neologismo da