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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS JÚLIA MENEGOTTO DE AGUIAR FOTOGRAFIA COMO ARTE CONTEMPORÂNEA: EXPERIMENTAÇÕES CONCEITUAIS CAXIAS DO SUL 2016

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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

JÚLIA MENEGOTTO DE AGUIAR

FOTOGRAFIA COMO ARTE CONTEMPORÂNEA: EXPERIMENTAÇÕES CONCEITUAIS

CAXIAS DO SUL

2016

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JÚLIA MENEGOTTO DE AGUIAR

FOTOGRAFIA COMO ARTE CONTEMPORÂNEA: EXPERIMENTAÇÕES CONCEITUAIS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Tecnologia em Fotografia da Universidade de Caxias do Sul, como requisito parcial para obtenção do título de Tecnólogo em Fotografia.

Orientadora Prof.ª Dr.ª Silvana Boone

CAXIAS DO SUL

2016

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Para Luciane, Enio e Flávia.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeço à minha família, em especial meus pais que

estiveram sempre presentes e dispostos a me ajudar no que fosse preciso, pelo apoio

e participação nesta jornada conjunta.

Meu agradecimento especial também a todos os amigos que se envolveram

em diferentes etapas da produção deste trabalho. Certamente não teria sido possível

sem o apoio de vocês.

Aos colegas de carreira e vida acadêmica, agradeço pelos aprendizados e

momentos partilhados juntos. Destaco aqui meu grande amigo, Rodolfo Cemin, pelo

tempo dedicado para ajudar, entre outras coisas, na formatação deste trabalho.

Aos meus professores e professoras, que tanto me inspiraram e despertaram

minha sede de conhecimento nas áreas da fotografia e da arte, obrigada pelos

ensinamentos dentro e fora das salas de aula.

Em particular, agradeço à minha orientadora, Profª. Drª. Silvana Boone, que

aceitou participar comigo desta investigação e deixou sua imensa contribuição para o

resultado final deste trabalho.

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Igual que todos, quise ensayar La magia de la felicidad Arthur Rimbaud

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RESUMO

Na contemporaneidade, a fotografia vem dominando os meios de comunicação e se apresenta como a principal técnica de geração de informação visual. Nas práticas artísticas a fotografia relaciona-se intimamente com a poética conceitual. Assim, esta pesquisa explora as ideias de representação, singularidade e apropriação tendo o processo fotográfico como fio condutor dessa relação. Os conceitos aqui apresentados são intrínsecos à prática fotográfica e os processos utilizados, convencionais ou experimentais, adquirem um novo grau de importância. A concepção da fotografia como obra de arte é, portanto, mais atenta ao desenvolvimento conceitual e poético-visual.

Palavras-chave: Fotografia; Arte contemporânea; Conceito; Processos fotográficos.

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ABSTRACT

In contemporaneity, the photography has dominated the media and presents itself as the main technique of visual information generation. In artistic practices photography relates itself closely with the conceptual poetics. Thus, this research explores the ideas of representation, uniqueness and ownership with the photographic process as a link of that relationship. The concepts presented here are intrinsic to the photographic practice and the processes used, conventional or experimental, obtain a new level of importance. The conception of the photography as a work of art is therefore more attentive to the conceptual and poetic visual development.

Keywords: Photography; Contemporary art; Concept; Photographic processes.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – The Kiss, de Man Ray (1922) ................................................................. 19

Figura 2 – La trahison des images (Ceci n'est pas une pipe),

de Rene Magritte (1929) ......................................................................... 22

Figura 3 – One and three chairs, de Joseph Kosuth (1965) .................................... 23

Figura 4 – Sin título, de Chema Madoz (1994) ........................................................ 24

Figura 5 – Untitled from Marilyn Monroe, de Andy Warhol (1967) ........................... 26

Figura 6 – The Sower (Zumbi), de Vik Muniz (2008) ................................................ 27

Figura 7 – Apagamento #1, de Rosângela Rennó (2004-2005) .............................. 29

Figura 8 – Série Imemorial, de Rosângela Rennó (1994) ........................................ 30

Figura 9 – Untitled Film Still#17, de Cindy Sherman ............................................... 31

Figura 10 – Untitled nº 400, de Cindy Sherman ..................................................... 32

Figura 11 – Desrevelada, de Júlia Aguiar (2014) .................................................... 37

Figura 12 – Autorretrato, de Júlia Aguiar (2016) ...................................................... 39

Figura 13 – Resultado do processo de revelação controlada .................................. 41

Figura 14 – Sem título, de Júlia Aguiar (2016) ........................................................ 42

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 11

2 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA FOTOGRAFIA NA ARTE..................... 14

2.1 FOTOGRAFIA NA ARTE ................................................................................... 16

2.2 PROCESSOS FOTOGRÁFICOS ....................................................................... 18

3 FOTOGRAFIA COMO ARTE CONTEMPORÂNEA .............................................. 20

3.1 CONCEITOS ...................................................................................................... 20

3.1.1 Representação .............................................................................................. 22

3.1.2 Singularidade ................................................................................................ 24

3.1.3 Apropriação ................................................................................................... 26

3.2 ARTISTAS-FOTÓGRAFOS OU FOTÓGRAFOS-ARTISTAS ............................. 28

3.2.1 Rosangêla Rennó .......................................................................................... 28

3.2.2 Cindy Sherman .............................................................................................. 30

3.3 A POÉTICA CONCEITUAL NO PROCESSO FOTOGRÁFICO .......................... 33

4 PRODUÇÃO FOTOGRÁFICA: EU LATENTE ...................................................... 35

4.1 PROCESSOS .................................................................................................... 36

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 44

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 46

APÊNDICES ............................................................................................................ 48

ANEXO .................................................................................................................... 55

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1 INTRODUÇÃO

Estamos em um momento de crescente produção e consumo de imagens,

principalmente aquelas obtidas através do registro fotográfico. São milhares de

imagens capturadas e compartilhadas diariamente, através de plataformas online,

redes sociais e nos meios de comunicação. A popularização de tecnologias digitais é

a responsável pelo aumento dessa criação desenfreada de fotografias e aliada à falta

de critérios ao exibi-las, banaliza as linguagens visuais e como afirma Charlotte Cotton

(2013, p. 8) “[...] nos impelem a definir de modo mais específico, [...] quais práticas

fotográficas devem ser consideradas artísticas”.

No âmbito da arte contemporânea, não há lugares distintos para as diferentes

formas de expressão artística que frequentemente dialogam entre si. Ao compreender

a validade da fotografia como arte contemporânea, surgem muitas reflexões. Assim

como a fotografia pode ser mais um meio de se captar ou criar uma imagem, ela

também pode ser pensada como ferramenta para propor discussões conceituais.

Estes conceitos podem ser percebidos no trabalho de alguns fotógrafos

contemporâneos, como na série de desenhos fotográficos que Myra Gonçalves

produziu entre 2007 e 2012 que apresenta processos não convencionais e que não

são diretamente associados à prática fotográfica. Os conceitos de representação,

singularidade e apropriação estão presentes em trabalhos de artistas-fotógrafos

contemporâneos, tais como Cindy Sherman, Chema Madoz, Rosangela Rennó e Vik

Muniz.

Dentro da temática da fotografia como arte contemporânea, deve-se entender

que a escolha dos processos que serão utilizados na produção das imagens reside

nas possibilidades de contextualização desses no conceito da obra. A produção a

partir de processos experimentais e o emprego de suportes alternativos são algumas

possibilidades. Assim, o processo vai além do domínio técnico da fotografia, como

composição, iluminação e fotometria, dada a importância do processo criativo, seja

ele histórico ou experimental, como a daguerreotipia, a solarização, a fotomontagem

e o fotograma (ver Glossário em Apêndice A).

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O caráter contemporâneo consiste na relação entre os conceitos presentes

desde o processo de produção, o conteúdo imagético e a escolha do suporte das

fotografias. Nesse aspecto também pode se pensar em várias leituras para uma

mesma imagem, sendo explorada de diferentes maneiras: a superfície de impressão,

o uso de projeção, a construção de uma instalação ou objeto artístico, entre outros.

A partir das reflexões desta pesquisa, questiona-se até que ponto as técnicas

de produção, os diferentes tipos de suportes e formas de apresentação contribuem

para o conceito de fotografia como arte contemporânea? Além de perceber o que

contribui para a fotografia se legitimar como obra artística e porque esta deve se

diferenciar das demais, a análise das diferentes leituras de conceito na arte fotográfica

contemporânea visa compreender seus processos no contexto atual.

A pesquisa e a produção fotográfica deste trabalho exploram a fotografia como

arte contemporânea, fugindo do lugar comum de registro, mesmo que essa seja

autoral, tendo como objetivo geral explorá-la a partir das técnicas experimentais e

produzir uma exposição utilizando os processos e suportes fotográficos a fim de

expressar os conceitos de representação, singularidade e apropriação.

Inicialmente foi realizada uma breve pesquisa da história da fotografia, seus

usos e suas técnicas, contextualizando-a no campo da arte. Posteriormente, a

pesquisa bibliográfica se aprofundou em autores que analisam a fotografia como arte

contemporânea e contemplam questões conceituais da área. Partindo da teoria

pesquisada, foi desenvolvida a produção fotográfica que resultou na exposição “Eu

Latente”, realizada no Campus 8 no período de 22 de junho à 08 de julho de 2016.

Na estrutura deste TCC, o segundo capítulo da presente pesquisa aponta

alguns dos principais momentos, quando, na história, a fotografia se relacionou com

as artes, além de uma breve contextualização histórica da fotografia. Traz os

diferentes momentos que marcaram a legitimação da fotografia criativa no campo das

artes, chegando até o momento presente. Relaciona os fatos passados com o

contexto atual da produção fotográfica como arte contemporânea.

O terceiro capítulo foca no objeto que norteia esta pesquisa, a fotografia como

arte contemporânea. Os pensamentos que englobam o discurso conceitual da

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fotografia são desenvolvidos e analisados a partir de fundamentos teóricos e

relacionados com a produção artística. Alguns dos artistas-fotógrafos aqui

apresentados são destacados em sub-capítulos, não com o intuito de analisar

detalhadamente sua obra destacada, mas para reforçar a ocorrência desses conceitos

na produção. Outra situação reforçada pelo destaque destes artistas e que culmina

na conclusão do capítulo é a expansão da fotografia como processo criativo.

A apresentação da produção autoral se dá no quarto capitulo e relaciona os

fatos que motivaram a criação deste trabalho. O capítulo discorre sobre a linguagem

conceitual e poética do tema e explica os procedimentos desenvolvidos para a

realização das obras que integram a exposição final deste trabalho.

E por fim, o quinto e último capítulo estão as considerações finais da autora a

respeito dos objetivos propostos por este trabalho. A percepção dos aspectos

presentes na exposição resultante, que reforçam e concluem as questões levantadas

pela pesquisadora.

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2 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA FOTOGRAFIA NA ARTE

A fotografia como conhecemos hoje em dia, tem suas raízes tanto no âmbito

da ciência quanto das artes. O uso da câmara escura por artistas é um dos primeiros

indícios da fotografia na arte, pois, este mecanismo possibilitava que eles realizassem

sua produção com mais precisão e detalhes, enquanto que a ciência buscava

investigar manifestações na física e nos procedimentos ópticos. Conforme David

Hockney (2001, p. 184), no que se refere ao desenvolvimento e ao uso da câmara

escura, em torno de 1600, os conhecimentos científicos e artísticos se associavam,

“espelhos e lentes já circulavam havia ao menos 170 anos, e cientistas como

Giambattista della Porta instruem artistas sobre como usá-los”. O surgimento da

fotografia, no início do século XIX, coincide com o auge do realismo contribuindo para

que essa se confunda ainda mais com as práticas artísticas da época, fato que foi

fundamental para o desenvolvimento da história da arte, como questiona Jean Pierre

Amar (2001, p. 66): “Os impressionistas teriam existido sem a fotografia? Teriam tido

a audácia de pintar sensações e “impressões”, se não tivessem sido libertos da

necessidade de realismo? ”.

Ainda no século XIX, a fotografia já contava com os significativos avanços no

campo da química possibilitando assim seu aprimoramento técnico e sua consequente

popularização, inicialmente como objeto de consumo e posteriormente como meio de

produção. Um exemplo disso é a invenção do daguerreótipo, que se torna o

protagonista na técnica do registro e da criação de imagens. Assim, como defende

Amar (2001, p. 43): “quando o daguerreótipo foi divulgado e quando os primeiros

melhoramentos técnicos o permitiram, o retrato atraiu um grande número de

fotógrafos”. Isso se dá não apenas pela difusão do processo e pela qualidade das

imagens obtidas através desta técnica, mas principalmente por ser um processo

mecânico e, portanto, mais acessível aos que não teriam condições financeiras de

pagar por um retrato pintado à mão. Porém, segundo Annateresa Fabris (1989-90, s.

p.), o próprio Daguerre reconhecia seu invento como um avanço necessário no âmbito

da ciência, “[...] consciente de que o consumo visual de seu tempo encarecia outras

categorias que não as artísticas”.

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Apesar do pensamento de Daguerre a fotografia sempre esteve muito próxima

do campo das artes. Para Amar (2001, p. 65), “os propósitos da pintura e da fotografia

são idênticos: copiar a realidade o melhor possível”. Contudo, o processo fotográfico

era considerado inteiramente mecânico e desprovido de valor artístico. Como afirma

Susan Sontag (2004, p. 65), “a fotografia tem a reputação pouco atraente de ser a

mais realista e, portanto, a mais fácil das artes miméticas”. O desenvolvimento de

processos, que possibilitavam que a fotografia fosse facilmente reprodutível a partir

de um negativo matriz, como o calótipo, dificultou ainda mais a aceitação da imagem

fotográfica como obra artística. Em outros campos a fotografia conquistou seu lugar

tornando-se a técnica mais usual de registro, isto porque “a pintura estava em

desvantagem desde o início por ser uma bela-arte, em que cada objeto é único, um

original feito à mão” (SONTAG, 2004, p. 65).

Num primeiro momento foi a facilidade técnica da produção e reprodução

fotográfica a responsável por mantê-la afastada da esfera artística, porém, é ainda no

século XIX que surgem as primeiras reflexões acerca do caráter criativo da mesma. A

fotografia criativa foi muito explorada nesse final de século e como aponta Fabris

(1989-90, s. p.), “a análise dos primeiros ensaios fotográficos mostrará facilmente que,

de início, o novo invento se pauta por um repertório derivado da tradição pictórica -

retratos, paisagens, naturezas-mortas”. A difusão do pictorialismo1 e as primeiras

experimentações a fim de atribuir valor de criação à fotografia foram fundamentais

para que ela deixasse de ser considerada um registro mecânico da realidade e isento

de natureza criativa.

Com a chegada do século XX a prática só se firmou cada vez mais como

principal meio de produzir e reproduzir imagens e foram as vanguardas artísticas

europeias que contribuíram para trazer a fotografia para o campo da arte em paralelo

às produções ditas como artísticas: pintura, desenho, escultura, etc. Foi também

nesse período que artistas consagrados, como Man Ray e László Moholy-Nagy

começaram a utilizar técnicas fotográficas experimentais, como a fotomontagem e a

solarização, para sua criação artística. É importante ressaltar que essas e outras

1 Pictorialismo foi um movimento estético da fotografia, que se intensificou a partir da década de 1890, e tem a intenção de aproximar a fotografia da linguagem artística da época.

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técnicas alternativas, por exemplo a cianotipia e a foto pintura, já eram conhecidas e

utilizadas na fotografia, mesmo antes de sua inserção no campo da arte.

2.1 FOTOGRAFIA NA ARTE

As discussões do início do século XX já não sustentam mais o que deve ser

observado na relação entre arte e fotografia. Aaron Scharf defende que surgiu um

novo modo de expressão visual: “graças a simbiose da arte e da fotografia se criou

um novo e complexo organismo estilístico. Limitar-se a dizer que se trata da arte

influenciada pela fotografia ou da fotografia influenciada pela arte seria excessiva

simplificação” (1994, p. 13, tradução nossa). A partir desse momento e seguindo os

acontecimentos no contexto da produção artística, deixa de ser a qualidade técnica

ou estética que determina o valor artístico de uma obra fotográfica, que já não é mais

entendida como um registro da realidade, ou a realidade propriamente dita, mas

manifesta-se como uma representação.

No auge do modernismo a fotografia figurava cada vez mais na produção de

artistas reconhecidos e no cenário artístico que se criou. Com os fortes

acontecimentos socioeconômicos e políticos, a sociedade global do século XX

experimenta significativas mudanças em sua estrutura e valores e o mesmo acontece

com o sistema da arte.

Foi apenas com a industrialização que a fotografia recebeu a merecida reputação de arte. Assim como a industrialização propiciou os usos sociais para as atividades do fotógrafo, a reação contra esses usos reforçou a consciência da fotografia como arte (SONTAG, 2004, p. 18)

Nem a arte e nem a fotografia, artística ou de registro, podem ser analisadas

ignorando o contexto socioeconômico que se instaurou desde então. Para Anne

Cauquelin (2005) se estabelece um novo funcionamento para o sistema da arte, uma

vez que o cenário social, político e econômico gira em torno do consumo. De acordo

com a autora, “tudo que é produzido deve ser consumido, para ser renovado e

consumido novamente. É nessa onipresença do consumo que rege a arte moderna,

por excesso ou por falta, por adesão ou por recusa” (2005, p. 27-28).

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Durante o século XX o mundo, e principalmente os países ocidentais, sofreram

grandes mudanças em sua estrutura política e econômica. A partir da segunda metade

do século a maioria destes países se estabiliza e incorpora o modelo político

econômico voltado para o consumo. Associado a essas transformações está o

surgimento e desenvolvimento de novas linguagens midiáticas. Desse momento em

diante é o contexto social o impulsionador para os grandes avanços na área da

comunicação e, consequentemente das artes, incluso os aperfeiçoamentos

tecnológicos da técnica fotográfica que se vê fundamentalmente presente em ambas

as áreas. A respeito disso, Cauquelin (2005, p. 56) entende que “o mundo da arte,

como outras atividades, foi sacudido pelas ‘novas comunicações’; sofre seus efeitos,

e parece leviano tratar esses efeitos como mutações superficiais”.

Mesmo com todas essas mudanças a fotografia já se consolida como técnica

artística legítima e é cada vez mais explorada, a partir de seus processos de produção.

A fotografia como arte contemporânea do século XXI é intensamente influenciada pelo impulso do mercado de arte atual e pelo impacto de tecnologias digitais tanto na produção quanto na disseminação de imagens. Ao mesmo tempo os fotógrafos artísticos contemporâneos são inspirados pela história de seu suporte ao longo dos séculos XIX e XX, aproveitando-a frequentemente como deixa imaginativa para seus trabalhos. Referem-se, em particular, ao experimentalismo da fotografia europeia de vanguarda do começo do século XX e à “fotografia do cotidiano” retomada pelos fotógrafos artísticos norte-americanos em meados da década de 1970. (COTTON, 2013, p.13).

Assim, na medida em que as significativas mudanças no sistema da arte

influenciam a fotografia como arte, esse novo sistema também possibilita que o fazer

fotográfico seja explorado de diferentes formas, permitindo que, por ser considerada

um meio genuíno de produção artística, possa ir além da perfeição técnica e de

resultados estéticos.

A produção fotográfica atenta aos detalhes de sua produção tem interessado a

diversos teóricos do tema, como é o caso de Arlindo Machado, Rubens Fernandes

Junior e Charlotte Cotton, que em seu livro Fotografia como arte contemporânea

dedica o oitavo capítulo (Físico e Material) a essa vertente.

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2.2 PROCESSOS FOTOGRÁFICOS

Pode-se considerar processo fotográfico qualquer forma de criar uma imagem

através da luz e fixá-la sob um suporte fotossensível. Luiz Guimarães Monforte (1997,

s. p.) se refere tanto à fotografia atual quanto à fotografia histórica quando a descreve

como “o ato de gravar imagens sobre uma superfície suporte, pela ação da luz”.

Portanto, o artifício essencial para a realização de um processo fotográfico não é a

câmera, mas o suporte fotossensibilizado.

No limite é possível fotografar [...] os raios de luz diretamente de sua fonte, sem que eles tenham sido refletidos por um objeto, ou seja, é possível haver fotografia sem objeto, salvo se considerarmos - aliás, com toda pertinência - que o objeto da fotografia é a luz e não o corpo que a reflete. (MACHADO, 2001, p. 125)

Existem inúmeros procedimentos que possibilitam realizar uma fotografia sem

a utilização da câmera fotográfica e um exemplo é o fotograma. Esse processo

consiste em dispor o objeto a ser copiado diretamente em contato com a superfície

fotossensível para então expô-la a uma fonte de luz. Esse suporte pode ser desde o

papel fotográfico convencional industrializado, utilizado para ampliação de filmes

negativos em laboratório, até os mais artesanais, como o papel emulsionado com

químicos fotossensíveis de processos como a cianotipia e a antotipia.

O fotograma é um procedimento recorrente na produção fotográfica artística,

visto que pode ser realizado com diversas superfícies fotossensíveis e combinado

com outros processos. Ligado aos movimentos dadaísta e surrealista, Man Ray, foi

um dos primeiros artistas que explorou este e outros recursos fotográficos de caráter

experimental em sua obra (Figura 1). Grande parte da sua produção fotográfica conta

com fotogramas, que ele mesmo denomina rayographs e com o emprego da

solarização.

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Figura 1 – The Kiss, de Man Ray (1922)

Fonte: MoMA. Disponível em: http://www.moma.org/collection/works/46405?locale=en

Com o aprimoramento técnico, as novas práticas fotográficas são

predominantemente utilizadas, inclusive por profissionais, em domínios da fotografia

como o fotojornalismo e a fotografia pericial, devido à agilidade no processamento e

compartilhamento dessas imagens, custo reduzido, bem como a sua fidelidade como

registro. Portanto é principalmente no campo das artes que os processos fotográficos

históricos e alternativos ainda são amplamente utilizados e explorados criativamente.

Segundo Rouillé (2009, p. 301), “na esteira de uma longa tradição, é a arte

contemporânea a primeira a requisitar a fotografia na qualidade de ferramenta”. A

serviço da arte contemporânea, a fotografia como ferramenta permite o resgate de

processos presentes nas primeiras fases do seu percurso de descobertas e dialoga

com seu contexto bem como suas raízes históricas.

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3 FOTOGRAFIA COMO ARTE CONTEMPORÂNEA

Parafraseando o título do livro de Charlotte Cotton, este capítulo aborda a

fotografia no universo da arte contemporânea e como ela se manifesta enquanto tal.

Neste universo, a produção fotográfica objetiva salientar suas intenções e,

influenciada pela popularização do ato fotográfico e o consequente empobrecimento

das referências visuais, distanciar-se do status de evidência e incorporar em sua

estrutura a perspectiva conceitual. A mudança dessa condição de imagem cópia para

imagem portadora de conteúdo próprio e original prevalece nas produções

fotográficas atuais, seja quando a imagem é construída especialmente para ser

fotografada, seja em interferências realizadas após o registro.

Na arte contemporânea, a fotografia é frequentemente apontada como capaz

de transfigurar até um objeto tido como banal e despretensioso em obra de arte,

combinando elementos do cotidiano e concepções artísticas. Nesse contexto o

processo fotográfico não depende das noções estéticas ou técnicas, mas das

demandas conceituais. Para Cotton (2013, p. 191), “o pós-modernismo examinou

esse meio de expressão em termos de sua produção, disseminação e recepção,

abordando atributos de reprodução, imitação e falsificação”. Entre as temáticas

conceituais que envolvem a fotografia na arte contemporânea estão o caráter de

representação do real, a dualidade matriz-cópia ou questões autorais, em termos de

singularidade e apropriação.

3.1 CONCEITOS

Os conceitos próprios da fotografia que são explorados na produção artística

refletem os questionamentos de diversos teóricos e filósofos da imagem, que desde o

seu surgimento e da difusão do daguerreótipo, até hoje com a fotografia digital,

discorrem sobre os impactos dessas práticas na nossa relação com o mundo visual.

A respeito da verdade na fotografia, a hesitação em considerá-la uma imagem

verídica e livre de interpretações se originou ainda no seu século de descoberta,

apesar da resistência inicial em admiti-la como criação. Segundo o pensamento de

Feuerbach, uma imagem é “verdadeira na medida em que se assemelha a algo real,

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falsa porque não passa de uma semelhança” (FEUERBACH apud SONTAG, 2004, p.

171).

A relação entre a imagem fotográfica e a realidade compreende que, apesar da

verossimilhança que nos leva a tomar essa como um espelho do real, a fotografia

permite a sua própria realidade e apesar de seu caráter realista a imagem fotográfica

adota o peso de representação.

O verdadeiro primitivismo moderno não consiste em ver a imagem como uma coisa real; imagens fotográficas dificilmente são tão reais assim. Em vez disso, a realidade passou cada vez mais a se parecer aquilo que as câmeras nos mostram. (SONTAG, 2004, p.177)

A limitação da fidelidade fotográfica é facilmente percebida na fotografia

monocromática, na qual os diferentes matizes do motivo fotografado são

automaticamente convertidos em escala tonal. Assim como na fotografia em preto e

branco, a fotografia colorida é restrita quanto à reprodução das cores, devido a

padronização e limitação dos tons compreendidos pela superfície ou sensor que capta

a imagem, algumas variedades cromáticas não podem ser fielmente reproduzidas

fotograficamente. Diante disto, e considerando que o objeto da fotografia é, sobretudo,

a luz e não o motivo representado na imagem, percebe-se que no registro fotográfico

a própria ação físico-química exercida sobre o suporte fotossensibilizado resulta na

interpretação deste, dos raios luminosos.

O que a película fotográfica registra não é a ação do objeto sobre ela - não há contato físico ou “dinâmico” do objeto com a película - mas sim o modo particular de absorver e refletir a luz de um corpo disposto num espaço iluminado tal como uma emulsão sensível o interpreta, com base nos raios de luz refletidos pelo objeto que puderam ser coletados pela lente e filtrados pelos dispositivos internos da câmera. (MACHADO, 2001, p. 125)

Essa percepção relaciona-se com o que afirma Boris Kossoy: “A realidade da

fotografia não corresponde (necessariamente) a verdade histórica, apenas ao registro

expressivo da aparência” (1999, p.38). Ou seja, até o mais elevado grau de realismo

presente na imagem fotográfica se aproxima essencialmente do conceito de

representação e não de realidade em si. Mesmo o registro inalterado da realidade

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sofre com as distorções ocasionadas pelo processo, enquanto que a relação visual

permanece nítida.

3.1.1 Representação

A fotografia, e não apenas a de registro, é compreendida como uma

representação, pelo simples fato de que um registro fotográfico de uma cadeira pode

ser ao mesmo tempo uma fotografia e a representação de uma cadeira, mas nunca

será uma cadeira. Na pintura este conceito foi explorado por René Magritte, tendo

como exemplo, “A traição das imagens (Isto não é um cachimbo)” (Figura 2) que

através do texto associado à imagem, manifesta a essência da representação

figurativa.

Figura 2 – La trahison des images (Ceci n'est pas une pipe), de René Magritte (1929)

Fonte: LACMA. Disponível em: http://collections.lacma.org/node/239578

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Aproximando-se do que se observa na produção contemporânea, em meados

do século XX, os artistas conceituais se utilizaram da fotografia como ferramenta para

confrontar as representações visual e textual, por exemplo quando o artista americano

Joseph Kosuth, executa uma série (Figura 3) na qual explora a relação da linguagem

e da imagem com o objeto verdadeiro.

A importância da fotografia, no caso de Kosuth, deve ser buscada também em outro índice. Ela contribui para o caráter processual da série, cujo trabalho mais conhecido, Uma e três cadeiras (1965), muda formalmente a cada exposição, em decorrência da identidade absoluta entre objeto e imagem perseguida pelo artista, sem que seus princípios fundamentais sofram qualquer tipo de alteração. (FABRIS, 2008, p. 21)

O trabalho de Kosuth entrelaça os diferentes níveis da representação e propõe

o questionamento sobre como nos relacionamos com o mundo à nossa volta, portanto

se utiliza de objetos comuns e facilmente identificáveis, presentes no nosso dia-a-dia,

como uma cadeira ou uma pá, pois só somos capazes de reconhecer aquilo que já é

previamente conhecido.

Figura 3 – One and three chairs, de Joseph Kosuth (1965)

Fonte: MoMA. Disponível em: http://www.moma.org/collection/works/81435

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No campo da fotografia como arte contemporânea, o trabalho de Chema Madoz

é um nítido exemplo das possibilidades de representação imagética. Ao compor a

fotografia (Figura 4) com dois elementos heterogêneos e dispostos de maneira que o

olhar percebe uma terceira forma presente na imagem, altera não apenas a relação

entre os dois elementos, mas a seu significado, resultando em uma representação

metafórica a partir do visual.

Figura 4 – Sin título, de Chema Madoz (1994)

Fonte: All Art News. Disponível em: http://www.allartnews.com/the-cuisine-of-painting-still-lifes-gastronomy-and-other-matters-of-taste-at-the-valencian-institute-of-modern-art/

3.1.2 Singularidade

O quesito da singularidade, no caso da fotografia, segue o fato da sua facilidade

técnica de reprodução o que a distancia do caráter único que processos manuais

como a pintura apresentam. Em decorrência de sua reprodutibilidade, o processo

fotográfico assemelha-se da litografia e da xilogravura, que também possibilitam

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múltiplas cópias a partir de uma matriz. Para Walter Benjamin (1987, p. 167), “mesmo

na reprodução mais perfeita, um elemento está ausente: o aqui e agora da obra de

arte, a sua existência única, no lugar em que se encontra”. É essa unicidade que

confere autenticidade à obra de arte e, no caso da imagem fotográfica essa carência

de “aqui e agora” resulta na perda de sua singularidade. Assim, para o autor, na era

da reprodutibilidade o que desqualifica uma obra de arte é a perda da sua “aura”.

Apesar dessa compreensão na esfera tradicional da arte, a arte contemporânea não

exige tal presença e permanência da obra de arte.

A controvérsia travada no decurso do século XIX, entre a pintura e a fotografia relativamente ao valor artístico de suas respectivas produções, parece-nos hoje irrelevante e confusa. Mas longe de reduzir o alcance dessa controvérsia, tal fato serve, ao contrário, para sublinhar sua significação. Na realidade, essa polêmica foi a expressão de uma transformação histórica, que como tal não se tornou consciente para nenhum dos antagonistas. Ao se emancipar dos seus fundamentos no culto, na era da reprodutibilidade técnica, a arte perdeu qualquer aparência de autonomia. Porém a época não se deu conta da refuncionalização da arte, decorrente dessa circunstância. (BENJAMIN, 1987, p. 176)

Assim, da mesma forma que as novas possibilidades técnicas de registro e

reprodução da imagem mudaram, ao longo dos anos, a forma que nos relacionamos

com o mundo, influenciaram o campo das artes, admitindo outra conotação ao

conceito da obra de arte.

No período da Pop Arte, elementos comuns da cultura de massa são

explorados no quesito da repetição, da cópia e da série. O artista americano Andy

Warhol se apropria de imagens icônicas e as reproduz repetidamente em séries de

uma mesma imagem, explorando a reprodutibilidade que se relaciona intimamente

com o conceito de singularidade. Como exemplo o retrato da Marilyn Monroe (Figura

5) compõe uma série com mais dez cópias. Warhol normalmente expõe as cópias em

grande formato e lado a lado, causando um efeito de saturação, pois a imagem domina

o espaço em que se encontra.

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Figura 5 – Untitled from Marilyn Monroe, de Andy Warhol (1967)

Fonte: MoMA. Disponível em: https://www.moma.org/collection/works/61239?locale=pt

3.1.3 Apropriação

O conceito de apropriação se relaciona ao ato fotográfico em sua própria

natureza de captura. Esse conceito presente na arte foi inicialmente explorado por

artistas das vanguardas do início do século XX ao incorporarem objetos não artísticos

em suas criações. Um exemplo são os ready-mades2 de Marcel Duchamp.

2 São os artigos de uso cotidiano e produzidos em massa, escolhidos sem critérios estéticos e apropriados para o contexto da arte. O primeiro ready-made criado por Duchamp é a Roda de bicicleta, de 1912.

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Tanto o produto da fotografia quanto a imagem proveniente desta são

constantemente apropriados por artistas contemporâneos, que muitas vezes se

utilizam de fotografias que não possuem em sua natureza uma conotação artística.

O artista brasileiro Vik Muniz (Figura 6) apresenta um caso de apropriação do

conteúdo visual e não da imagem fotográfica em sua forma física. A imagem é

recriada utilizando diferentes matérias-primas como caviar, diamantes, açúcar, lixo,

entre outros e em seguida é fotografada. Apesar de produzir uma nova obra, um

novo produto, a imagem contida na fotografia de Vik é proveniente da apropriação.

Figura 6 – The Sower (Zumbi), de Vik Muniz (2008)

Fonte: Vik Muniz. Disponível em: http://vikmuniz.net/pt/gallery/garbage

3.2 ARTISTAS-FOTÓGRAFOS OU FOTÓGRAFOS-ARTISTAS

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O fotógrafo-artista contemporâneo deixa de ser o detentor de um olhar apurado

e treinado e dominador da técnica, produtor de evidências, de belas imagens, de

documentos visuais, é aquele que compreende os conceitos inerentes à prática e

explora-os através do próprio processo fotográfico. Inclusive, como defende Rubens

Fernandes Junior (2006, s. p.), “subverter o código impositivo é utilizar o equipamento,

seus acessórios, o material sensível e os softwares com procedimentos contrários aos

estabelecidos [...]”.

Alguns artistas contemporâneos apresentam em sua obra as características

destacadas nesse trabalho, explorando a natureza conceitual presente no processo

fotográfico. No contexto da produção contemporânea, alguns artistas-fotógrafos

destacam-se aqui por obras específicas que abarcam as ideias aqui apresentadas,

enquanto outros trazem esses conceitos no conjunto de sua produção.

3.2.1 Rosângela Rennó

A obra da artista-fotógrafa brasileira Rosângela Rennó, baseia-se

fundamentalmente na apropriação de fotogramas descartados, contendo registros

familiares, documentais e de perícia. Segundo Machado (2001, p. 135), “são fotos

padronizadas, produzidas em larga escala, feias e mal-acabadas, que a fotógrafa

retirou de seus circuitos normais de consumo para propor novas formas de

relacionamento”. Rennó, que se considera fotógrafa apesar de não praticar o ato do

registro em si, coleta esse material desde a década de 1980 formando uma espécie

de acervo pessoal que serve de matéria prima para sua produção.

A coleção denotaria uma contundente reflexão acerca do valor social e do poder simbólico da fotografia, expressos em trabalhos instalativos como Duas lições de realismo fantástico (1991), a série A identidade em jogo (1991), Atentado ao poder (1992) e Imemorial (1994). Apontada como uma das primeiras artistas brasileiras a deslocar a fotografia do campo bidimensional para o território da instalação artística, Rosângela Rennó se tornaria logo uma referência em qualquer discussão acerca da expansão da imagem fotográfica. (ALZUGARAY, 2004, p. 3)

Em termos de representação, a fotografia é um índice iconográfico e as

fotografias periciais exercem a própria função da fotografia como prova e constatação

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documental. Porém quando Rennó se apropria e fragmenta essas fotografias de

cenas de crime, em sua série Apagamentos (Figura 7) a relação dessas imagens com

seu referente é modificada.

Figura 7 – Apagamento #1, de Rosângela Rennó (2004-2005)

Fonte: Rosângela Rennó.Disponível em: http://www.rosangelarenno.com.br/obras/exibir/51/1

A sua série Imemorial (Figura 8), que consiste em uma instalação contendo

cinquenta fotografias de retratos de pessoas que trabalharam na construção de

Brasília, dialoga com o papel exercido pelo cidadão que é invisibilizado em meio à

multidão, na qual a maior diferenciação se dá através da numeração inserida pela

artista nas ampliações. As fotografias dos sujeitos falecidos, seja durante o período

em que trabalharam ou depois, foram dispostas no chão, como os túmulos de um

cemitério, e os retratos dos ainda vivos foram postos na parede.

Figura 8 – Série Imemorial, de Rosângela Rennó (1994)

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Fonte: Rosângela Rennó. Disponível em: http://www.rosangelarenno.com.br/obras/exibir/19/1

3.2.2 Cindy Sherman

A fotógrafa americana Cindy Sherman recria cenários e personagens fictícios,

e usando recursos emprestados do cinema e do teatro, como figurino, maquiagem e

interpretação, compõe as realidades imaginárias que fotografa. Apesar de ser ela

mesma o objeto de suas fotografias, nunca é Sherman que aparece retratada.

Essa confluência de papeis, em que Sherman é tanto o tema fotografado como sua criadora, é um modo de visualizar a feminilidade que desafia algumas questões suscitadas por imagens de mulheres, como quem está sendo representada e por quem e para quem está sendo construída essa projeção do “feminino”. (COTTON, 2013, p. 193)

Como em sua série “Fotogramas de filmes sem título” (Figura 9) realizada no

final da década de 1970, Sherman personifica alguns dos clichês femininos no cinema

e reforça a noção de que feminilidade não é uma qualidade natural à todas as

mulheres, é um modelo construído.

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Figura 9 – Untitled Film Still #17, de Cindy Sherman

Fonte: Tate. Disponível em: http://www.tate.org.uk/art/artworks/sherman-untitled-film-still-17-p11516

O registro da cena, a fotografia propriamente dita, aqui é apenas um registro

do resultado de toda a criação e o conceito da fotografia se constrói muito antes do

disparo da câmera. “Sua capacidade de se fingir de um tipo reconhecível, mas não

um personagem real - de uma história inexistente convida o autor a perambular pelo

quadro e reconstituir as narrativas sugeridas pelas fotografias” (MEMOU, 2012, p.

423).

Em um trabalho mais recente, do início dos anos 2000 (Figura 10) a fotógrafa

interpreta mulheres ricas e vaidosas e se utiliza de artifícios exagerados na

caracterização dessas personagens, resultando assim em um retrato estereotipado e

cômico deste tipo feminino.

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Figura 10 – Untitled nº 400, de Cindy Sherman

Fonte: MoMA. Disponível em: http://moma.org/interactives/exhibitions/2012/cindysherman/gallery/8/#/9/untitled-400-2000/z=true

3.3 A POÉTICA CONCEITUAL DO PROCESSO FOTOGRÁFICO

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Como dito anteriormente, na produção fotográfica como arte contemporânea,

se faz necessário repensar conceitualmente o processo. Fernandes defende que o

fator que motiva esse diferencial da produção atual é que “vivemos uma saudável

crise: de um lado vemos um esgotamento das artes plásticas tradicionais, e, do outro,

temos um novo momento tecnológico em termos de produção imagética, no qual

predomina a imagem digital” (2006, s. p.). O autor aborda o tema dos processos de

criação na fotografia sob o conceito de fotografia expandida.

Denominamos essa produção contemporânea mais arrojada, livre das amarras da fotografia convencional, de fotografia expandida, onde a ênfase está na importância do processo de criação e nos procedimentos utilizados pelo artista, para justificar a tese de que a fotografia também se expandiu em termos de flutuação ao redor da tríade peirciana (signo - ícone, índice e símbolo). (FERNANDES, 2006 s. p.)

Os artistas e fotógrafos descritos no subcapítulo anterior possuem em sua

produção as diretrizes da fotografia expandida, que segundo Fernandes (2006, s. p.),

é aquele que “trabalha com categorias visuais não previstas na concepção do

aparelho, ou seja, o artista tem que inventar o seu processo e não cumprir um

programa”.

Arlindo Machado (2001, p. 134) analisa o processo fotográfico na produção de

Cindy Sherman por esse viés que, segundo ele, “consiste menos em apontar a câmera

para alguma coisa preexistente e fixar sua imagem na película que em criar cenários

e situações imaginárias para serem oferecidas a ela”. Machado (2001, p. 135-136)

também relaciona o caráter da fotografia expandida com processos recorrentes na

obra de Rennó, que descreve como “uma investigação sistemática sobre o traço e a

convenção, sobre a memória e o esquecimento e sobre os efeitos do tempo na

experiência humana, terminando por propor uma espécie de política do sentido e da

opacidade”.

Num movimento contrário ao que acontece em outros setores na qual é

aplicada, a fotografia direcionada para o campo da arte, está cada vez mais atenta

aos seus processos.

Em termos gerais, a fotografia digital - e a facilidade e a velocidade de sua disseminação - remodelou radicalmente tanto a indústria comercial da fotografia como as maneiras como a usamos em nossa vida pessoal e

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profissional. Houve uma mudança no modo como atualmente entendemos o que a fotografia abarca e o que quer dizer propor trabalhos fotográficos como obras de arte. Mais do que nunca, isso implica revelar o contexto e as condições em que a peça final de arte é composta e concluída. A fotografia artística contemporânea tornou-se menos a aplicação de uma tecnologia visual preexistente e plenamente funcional e mais uma iniciativa que envolve escolhas positivas a cada passo do processo. Esse fato se encontra nitidamente ligado a uma decidida valorização da materialidade e da qualidade objetal desse meio de expressão, numa retomada das raízes da fotografia nos idos do início do século XIX. (COTTON, 2013, p. 219)

De certa forma o que se observa, é uma repetição do que já sucedeu, com o

sistema da arte e a fotografia, quando as habilidades manuais dos pintores realistas

foram surpreendidas pela divulgação do aparato fotográfico e estes tiveram que se

atualizar. Conscientes da vulgarização da prática fotográfica, os artistas-fotógrafos

vêm buscando desconstruir as obviedades e tendências, contrariar as regras e os

modelos a fim de conferir à fotografia como arte uma diferenciação das demais. Nesse

sentido a fotografia como arte é fruto de um processo criativo capaz de transpor os

limites técnicos de sua produção.

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4 PRODUÇÃO FOTOGRÁFICA: EU LATENTE

A produção fotográfica deste trabalho explora, através de uma linguagem

poética, os processos alternativos e os conceitos que relacionam o mundo da

fotografia e a vida pessoal da autora. O nome da exposição, Eu Latente, faz referência

à imagem latente3 da própria vida da autora, que neste trabalho autobiográfico aborda

as partes veladas de sua vida. A escolha deste assunto se deu, principalmente, em

função da proximidade da autora com o tema, possibilitando assim que os conceitos

investigados e expressos através dos processos fotográficos se relacionem de forma

mais profunda com a poética desta produção. As imagens estão ligadas ao universo

íntimo da pesquisadora e a leitura conceitual não se foca apenas na parte estética,

mas sim no processo como um todo. Por se tratar de uma produção autobiográfica, e

para fim de facilitar a compreensão do leitor, essa pesquisa conta com um breve

relato, em primeira pessoa, no qual descreve os episódios da vida da autora que

motivaram a produção (ver em Apêndice B).

Outra influência na escolha deste assunto como fio condutor da poética desta

produção fotográfica foi a relação da autora com a obra da artista sérvia Marina

Abramovic, que discorre, fundamentalmente, sobre momentos de sua vida, seu

passado e sua infância. Essa referência foi reforçada com a visita da autora, em abril

de 2015, à exposição Terra Comunal que ocorreu no Sesc Pompéia em São Paulo,

onde participou do Método Abramovic, concebido pela artista. No Método, Abramovic

propõe que o público participante experimente, pelo período de duas horas, alguns

exercícios para desacelerar o ritmo em que vivemos, prática que considera essencial

para preparar o corpo e a mente para a prática da performance, principalmente a

performance de longa duração, adotada pela artista em sua produção.

Em relação à utilização dos processos fotográficos como ferramenta a fim de

qualificar a discussão conceitual proposta pela presente pesquisa, a principal

influência foi a exposição de Myra Gonçalves Desenhos fotográficos/Imagens cegas,

realizada no primeiro semestre de 2015, período em que a autora também

3 Imagem latente é o termo usado para se referir à imagem oculta no material fotossensível antes do

mesmo passar pelo processo de revelação, que será o responsável por tornar essa imagem visível.

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desempenhou a função de monitora da disciplina Processos Alternativos, ministrada

também por Myra Gonçalves, experiência que despertou ainda mais seu interesse

pelos processos experimentais da fotografia.

Nessa pesquisa procurou-se explorar o processo fotográfico, portanto a

descrição detalhada das diferentes etapas das experimentações, desde a produção

do registro até os procedimentos de revelação e ampliação no quarto escuro é crucial.

A exposição conta com seis obras expostas que foram realizadas a partir de três

fotografias base, sendo que duas delas foram produzidas pela autora. Os processos

foram desenvolvidos individualmente para cada obra, e apesar de possuírem

qualidades plásticas e estruturais distintas, quando postas em conjunto observa-se

que se conectam através do conceito expresso por cada processo.

4.1 PROCESSOS

Dentre os fotógrafos profissionais, não apenas no campo das artes, mas de

outros setores que também produzem suas imagens para fins de exposição ou

publicação, é muito comum que se utilize o processo híbrido, unindo a fotografia

analógica e a digital, no qual normalmente o registro é feito sob o suporte analógico

que posteriormente é digitalizado e impresso. A partir disto, o ponto inicial da presente

produção, foi optar por um processo híbrido para a sua realização, portanto todas as

obras aqui apresentadas vão relacionar-se direta ou indiretamente com ambas as

aplicações do processo fotográfico.

A primeira obra que integra esta exposição, intitulada Desrevelada (Figura 11)

foi realizada no segundo semestre de 2014, antes do início desta pesquisa. Apesar

de ser anterior aos estudos que culminaram neste trabalho, foi a partir dela que os

demais processos foram pensados. Ademais, o fato de a obra ter sido concebida antes

da pesquisa comprova que o processo criativo da autora já se relacionava, mesmo

que ingenuamente, com os conceitos aqui defendidos.

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Figura 11 – Desrevelada, de Júlia Aguiar (2014)

Fonte: Autoria própria

O processo de produção dessa obra envolve, num primeiro momento, o

conceito de apropriação, visto que autora não realizou nem participou criativamente

da produção desta foto, servindo apenas de modelo para o fotografo Wellington

Damin, autor do registro. O retrato foi feito analogicamente, em preto e branco, para

ser utilizado nas práticas de laboratório de uma disciplina. Depois que o negativo foi

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revelado, Wellington Damin, considerou que este não apresentava as características

de contraste adequadas para produzir boas cópias e o descartou, o que despertou o

interesse da presente pesquisadora em apropriar-se do material, por tratar-se de um

retrato seu.

Foram realizados alguns testes de ampliação nos quais não se obteve

nenhuma imagem satisfatória, mas foi com o processo químico de branqueamento4,

que a autora decidiu explorar a imagem apropriada. Neste momento a obra incorpora

o conceito de unicidade, pois, devido ao caráter experimental do processo de

branqueamento os resultados plásticos dessa reação ficam por conta do acaso.

Portanto, o processo realizado interfere na relação da cópia com o negativo e a

diferencia das futuras reproduções que podem ser geradas a partir da imagem-matriz.

Num terceiro estágio, percebe-se que o processo dialoga com a poética, na

intenção de desconstruir o processo de revelação, que faz surgir a imagem latente.

No sentido oposto do que faz Cindy Sherman, ao se apropriar do retrato feito por outro

fotógrafo, e submetê-lo a interferências que conferem novo significado e conceito para

a imagem, a autora transforma-o em um autorretrato. Para esta exposição, esta

imagem ainda foi explorada em outros processos, com a digitalização, impressão e

produção de fotocópias e a montagem de uma instalação contendo o negativo, um

projetor e o papel fotossensível, representando uma fragmentação do processo de

revelação.

A segunda imagem produzida para compor esta exposição (Figura 12) consiste

em uma relação poética visual entre passado e presente, presença e ausência. O

registro digital foi realizado em estúdio, utilizando o recurso da projeção e a iluminação

contínua. A imagem projetada é um retrato de infância da autora que foi realizado pela

sua mãe. Apesar desta ser uma grande apreciadora e dominar tecnicamente a prática

fotográfica, o registro foi realizado, para a finalidade de integrar, juntamente com

outros tantos registros, a coleção de memórias da família, sem qualquer conotação

artística.

4 Processo fotográfico onde a cópia é submetida a um banho químico que clareia áreas da imagem

revelada.

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Figura 12 – Autorretrato (2016)

Fonte: Autoria própria

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Nesta fotografia, passado e presente são aproximados, não apenas pela

presença do retrato antigo, mas também devido a utilização do corpo como suporte

para a sua projeção. A pose em que é retratada reforça a forte relação da artista com

o seu passado, como se este fosse algo a ser carregado. Ao olhar a imagem, num

primeiro momento nos deparamos com a figura da criança e seu olhar ingênuo nos

confronta, mas logo percebe-se a presença de uma segunda figura e que esta primeira

sequer integra fisicamente a cena.

Com o auxílio de um software de edição, essa imagem foi convertida para

valores negativos e impressa em lâmina transparente, para ser revelada e submetida

a experimentações químicas durante esse processo. Quanto ao procedimento

desempenhado no laboratório, inicialmente foram realizados testes para fim de

encontrar o tempo exato de exposição do papel fotográfico, a partir disso foi feita a

diluição de comprimidos de carbonato de lítio e topiramato junto ao revelador. A

reação química ocasionada desta mistura poderia provocar alterações visíveis na

imagem, que era a intenção inicial da autora, porém o que se observou foi que não

houve qualquer marca ou mancha originada devido a essa experimentação.

Com o intuito de perceber a modificação plástica na imagem, a artista

experimentou o processo de revelação parcial ou revelação controlada, se utilizando

de uma espécie de pasta formada daqueles remédios acrescidos ao revelador, que

não diluíram completamente, para aplicar e controlar a ação da revelação. A imagem

resultante deste segundo processo (Figura 13) não contemplou esteticamente o

conjunto do trabalho, por isso optou-se pela fotografia resultante do primeiro

procedimento para a exposição. Como foi considerado relevante indicar a presença

do processo de caráter experimental a que a imagem foi submetida, a imagem abaixo

integra a exposição, não como imagem fotográfica, mas como parte de um objeto

artístico que se apresenta como um simulacro do processo.

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Figura 13 – Resultado do processo de revelação controlada

Fonte: Autoria própria

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A última imagem criada para este trabalho (Figura 14) foi elaborada a partir da

construção de uma câmara escura no quarto da autora, que se posicionou do lado de

fora e integrou a cena projetada no interior do cômodo, de onde foi feito o registro.

Esta fotografia não foi realizada a partir de um processo híbrido, todas as suas etapas

envolvem a criação e o processamento digital. Contudo a relação entre a fotografia

atual e a histórica consiste na projeção da imagem através do orifício da câmara

escura, ferramenta que é a gênese da fotografia.

A câmara foi construída e a imagem realizada no próprio quarto da autora para

evidenciar a intimidade do assunto norteador da produção. No momento da produção

desta imagem nenhum elemento da cena foi alterado, na intenção de convidar o

observador a conhecer um fragmento do universo pessoal da autora.

Figura 14 – Sem título, de Júlia Aguiar

Fonte: Autoria própria

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A montagem desta imagem relaciona-se com o processo da câmara escura

utilizado para a sua produção e faz referência aos fragmentos que constituem o

processo fotográfico, através de elementos como o reflexo, a transparência e a luz.

Para a montagem a fotografia foi impressa em adesivo perfurado e aplicada à um

vidro, este por sua vez situa-se em frente ao espelho. A imagem que se torna visível

para o observador é, na realidade a imagem refletida. Antes de ser impressa a imagem

foi espelhada verticalmente, em software de edição de imagens, para preservar a

orientação original do registro na imagem refletida.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A fotografia desempenhou diferentes papéis ao longo da história, mas o

conhecimento técnico da fotografia continua sendo tão importante quanto o

conhecimento teórico, independente da sua finalidade. Apesar da abrangência da

fotografia como arte contemporânea, nesta pesquisa foram enfatizados alguns dos

casos considerados mais relevantes para compreender e reforçar os conceitos

abordados.

Esta investigação foi desenvolvida procurando centrar-se no debate que

envolve as características da produção fotográfica atual com o foco sob as suas

particularidades no campo da arte. A produção foi fundamentada na possibilidade de

experimentar os processos fotográficos em outros níveis, que não compreendem os

limites técnicos. O trabalho se fortaleceu pela combinação de processos, não se

limitando ao histórico e nem ao moderno.

Do diálogo originado em decorrência do esgotamento da produção fotográfica,

o qual a presente pesquisa se preocupou em analisar sob o viés da arte

contemporânea, conclui-se que a fotografia não é apenas um indício dos

acontecimentos, mas pode ser uma poderosa construção experimental. Observou-se

que o emprego das técnicas de produção como experimentação, além de contribuir

na estética da imagem agrega valor conceitual. O suporte e as formas de

apresentação também contribuem para a leitura poética da obra, na medida em que

atribuem características e efeitos particulares às imagens. A obra de arte

contemporânea abrange toda ação por trás da construção de uma imagem e cada

processo possibilita inúmeras leituras e significações. A função do artista ao utilizar a

fotografia como ferramenta é compreender essas relações e a partir disso adequar o

significado do processo à obra.

O fascínio sobre a profundidade das questões que envolvem a fotografia na

arte contemporânea tem instigado inúmeros artistas e fotógrafos criadores, a

participarem ativamente da investigação teórica do meio. Inclusive alguns dos autores

adotados como referência teórica para os estudos desta pesquisa, são fotógrafos e

circulam pelos dois mundos, o da investigação e o da criação. É o caso de Luiz

Guimarães Monforte, que estuda e analisa os processos alternativos utilizados na sua

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produção. Portanto é o fotografo de arte o principal agente responsável pelas

significações dadas tanto ao processo criativo quanto ao produto proveniente deste,

no campo da arte. Essas significações são importantes, pois as intenções primárias

da fotografia já foram, ou superadas, ou admitidas como equívocos.

O fotógrafo que atua de acordo com as regras operacionais do processo

fotográfico, não faz escolhas de preferência ou de recusa e constrói uma imagem

balizado pelas normas técnicas. Por mais sensível que seja o olhar deste fotógrafo e

por mais conhecimento e domínio técnico que apresente, o desempenho do seu

processo criativo se pauta no rigor estético e funcional da fotografia. Contrária a essa

utilização da fotografia, a autora buscou e busca desde sempre na sua produção

romper tais formalidades. Assim como em outros âmbitos de sua vida, a autora busca

se libertar dos padrões impostos e romper essa estrutura que, entende, anula o

exercício de reflexão sobre aquilo que se faz.

Para compreender as manifestações da fotografia na arte ou em qualquer outro

campo de atuação, é necessário perceber o contexto social e cultural do momento

presente. Por isso é importante citar nesta conclusão alguns dos pontos de contato

entre os conceitos aqui manifestados e a relação da sociedade atual com a cultura

visual. O que se percebe atualmente vai além da democratização da pratica

fotográfica, pois devido as plataformas de mídias sociais, e os aparelhos celulares

equipados com câmeras pode se dizer que a fotografia está presente no dia a dia de

praticamente todo mundo.

Assim, este trabalho pretende deixar uma contribuição autoral para o campo

da fotografia, buscando um pensamento direcionando à arte, à percepção da imagem

fotográfica, para muito além da sua origem de registro. E que os resultados aqui

obtidos tenham novos desdobramentos e possam servir para material de pesquisa

para outros estudantes e amantes da fotografia. Que o meu “Eu Latente” possa se

manifestar num “outro latente”.

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APÊNDICES

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APÊNDICE A – GLOSSÁRIO

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GLOSSÁRIO

Antotipia: Técnica de impressão fotográfica criada no século XIX, que no uso de sucos de plantas para impressão de imagens a partir do contato de transparências ou fotogramas. É um processo de baixíssima sensibilidade o que exige vários dias ou até semanas de exposição à luz, de preferência sob sol forte. Calótipo: Processo fotográfico patenteado por William Henry Fox Talbot, também conhecido como talbótipo. Representou um aperfeiçoamento significativo do processo original de “desenho fotogênico” de Talbot e usava iodeto de prata combinado com ácido gálico para aumentar sua sensibilidade. Após a exposição, o papel era revelado para produzir um negativo, e depois quimicamente fixado para torna-lo permanente. O calótipo foi o primeiro dos processos negativo-positivo, proporcionando a base da fotografia moderna. Câmara escura: Dispositivo óptico que passou a ser usado no Renascimento. Consiste em uma caixa ou uma sala escura com uma abertura num dos lados que projeta uma imagem no lado oposto. Foi empregada por pintores como auxílio nos desenhos por preservar corretamente a perspectiva. No século XVIII, o uso de lentes e de um espelho colocado num ângulo de 45º permitiu a fabricação de câmeras escuras portáteis de tamanho menor. Cianotipia: Processo inventado por Sir. John Herschel e divulgado em 1842. As fotografias realizadas com essa técnica também eram conhecidas como cópias azuis. O processo é simples e produz uma imagem de coloração azul característica em papel ou tecido. Seu uso principal era na reprodução de desenhos arquitetônicos ou técnicos.

Daguerreotipia / daguerreótipo: Processo inventado por Louis-Jacques Mandé Daguerre, em 1839, que produzia uma imagem positiva numa única chapa de cobre revestida de prata. O processo foi popular até meados da década de 1950, embora durasse mais tempo nos Estados Unidos, até ser substituído pelo processo mais sensível e barato do colódio úmido, que apresentava a vantagem de permitir a obtenção de um grande número de cópias a partir de um mesmo negativo. Diafragma: Abertura pela qual a luz passa para expor o material fotossensível ou um sensor. Em geral localiza-se atrás ou dentro da objetiva, originalmente como um diafragma de íris. Emulsão: Uma mistura sensível à luz, normalmente de grãos de halogeneto de prata, numa camada de gelatina fina, aplicada sobre uma base de vidro, filme flexível ou de papel. Exposição: É o processo de permitir que a luz haja sobre um material fotossensível. Dentro da câmera o tempo de exposição é controlado pela combinação da ação do obturador e do diafragma.

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Fotograma: Na fotografia, é uma imagem produzida sem o auxílio de uma câmera. É obtido ao se posicionar um objeto opaco, translúcido ou transparente entre um papel ou filme fotográfico e uma fonte de luz. Fotometria: É a medição da intensidade da luz incidente para encontrar a exposição adequada.

Fotomontagem: Uma imagem criada pela combinação de várias imagens diferentes, às vezes em outras mídias, por corte e colagem, projeção ou técnica de natureza digital. Foto pintura: Técnica em que as fotografias são levemente retocadas ou literalmente pintadas. Laboratório fotográfico: Espaço de trabalho em que impera a escuridão quase total, com a iluminação restrita a uma luz de segurança de cor vermelha ou laranja, de modo a permitir o manuseio, a revelação e a ampliação de materiais fotossensíveis, como filmes ou papéis fotográficos, sem serem afetados por luz indesejada. Papel fotográfico: Papel revestido por um conjunto de misturas químicas sensíveis à luz, usado para impressões fotográficas. Revelação parcial ou revelação controlada: Processo de revelação que consiste na utilização de um pincel ou outro utensílio para aplicar o químico revelador apenas em partes específicas do papel fotográfico, no momento da revelação, fazendo a imagem surgir apenas onde o químico foi aplicado. Solarização: Um efeito fotográfico obtido no laboratório em que o tom de uma imagem em um negativo ou ampliação fotográfica é total ou parcialmente revertido. Áreas escuras figuram como claras ou as áreas claras aparecem escuras. Transparência: Na fotografia analógica, uma impressão positiva ou negativa produzida em uma folha transparente, utilizada normalmente em processos como cianotipia e antotipia.

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APÊNDICE B – RELATO PESSOAL

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Relato aqui alguns trechos da minha história pessoal para que a obra seja

compreendida. Ainda muito nova, antes de completar os nove anos de idade, por não

conseguir me concentrar em aula e concluir as atividades propostas, meus

professores da escola orientaram meus pais a buscar ajuda de um psicólogo. Até

então essa dificuldade não havia sequer sido percebida pelos meus pais, pois meu

desempenho escolar sempre foi muito bom e minha capacidade cognitiva

inquestionável, porém, diante da alegação dos professores de que meu modo de

participar das aulas estaria atrapalhando outros colegas e prejudicando o seu

rendimento escolar, passei por uma avaliação psicológica.

Fui inicialmente diagnosticada com TDHA – Transtorno de Déficit de Atenção

e Hiperatividade e passei a ser medicada com Ritalina. A partir desse momento minha

vida começou a mudar. Seguiram-se várias situações de conflito tanto em família

quanto na escola. Passei por diversas psicólogas e psiquiatras diferentes com muitos

diagnósticos contraditórios entre eles, TOC – Transtorno Obsessivo Compulsivo e

TAB – Transtorno Afetivo Bipolar e por conta disso fui submetida ao uso de vários

medicamentos como Carbolítium, Amato, Rivotril e outros tantos, todos com uma

gama imensa de efeitos colaterais adversos.

Eu nunca entendi porque precisava desses remédios e não gostava da forma

como eles faziam eu me sentir, como se eu não estivesse no controle das minhas

próprias ações. Foram cerca de 10 anos, quando o convívio familiar foi muito

conturbado, em meio a situações desagradáveis, culminando na minha internação,

aos 17 anos na ala psiquiátrica do Hospital Geral de Caxias do Sul, onde permaneci

por 15 dias. Esse momento foi muito traumático e levou anos para começar a superar.

Dois anos depois, já maior de idade, decidi por conta própria parar de tomar a

medicação, coisa que nunca aceitei bem e sempre me deu a sensação de que eu não

estava verdadeiramente sob controle. Neste momento comecei a descartar os

medicamentos que meus pais compravam e as amostras grátis que ganhava do

médico, mas como eram muitos nunca consegui descartar tudo e ainda tenho

inúmeras caixas. Minha intenção era descartar assim que possível, mas depois que

iniciei a meus estudos em fotografia e tive meu primeiro contato com a arte, mantive

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essas as inúmeras caixas de remédio guardadas, já com a ideia de explorá-los em

algum projeto futuro.

Fiquei sem tomar os remédios por dois anos sem que minha família e o médico

percebessem a falta dos mesmos, pelo contrário, o psiquiatra reconheceu minha

melhora tanto que sugeriu reduzir a medicação, quando então decidi contar para ele

e minha família que já não estava medicada há muito tempo. Neste momento eu já

não acreditava mais que tinha qualquer um daqueles diagnósticos, nem sequer que

precisava de medicamento algum para manter meu controle, mas devido ao meu

histórico tinha muito medo de que minha “sanidade” fosse posta a prova. Para minha

surpresa meu próprio psiquiatra admitiu que por estar a tanto tempo sem medicação

e sem registro de qualquer surto psicótico ou coisa do tipo, ele precisava rever o

diagnóstico anterior e que possivelmente todos os episódios de crise começaram

devido a alguma reação adversa dos medicamentos, ou seja, que a Ritalina, no

princípio, teria sido o gatilho para tudo isso.

Dessa experiência me reconheço hoje em dia como uma pessoa que busca se

conhecer profundamente, estar no controle de suas ações e não fazer nada que não

esteja estritamente de acordo com suas convicções. Provavelmente devido a essa

trajetória, sinto uma forte necessidade de questionar o peso que a sociedade nos

impõe em preservar as aparências. Somos condicionados a nos adaptar a um estilo

de vida estressante e que limita a criatividade e expressão da individualidade.

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ANEXO – REGISTRO DA EXPOSIÇÃO “EU LATENTE”

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