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C ADERNOS S AÚDE C OLETIVA , R IO DE J ANEIRO , 14 (1): 113 - 140, 2006 – 113 A VIOLÊNCIA DO TRABALHO INFANTIL: ASPECTOS SANITÁRIOS, POLÍTICOS, JURÍDICO- LEGAIS E SOCIAIS - UMA REVISÃO DA LITERATURA The violence of the infantile work: aspects sanitary, political, juridical- legal and social -a revision of the literature Margarida Barros do Val 1 , Anamaria Testa Tambellini 2 RESUMO Trata-se de uma revisão da literatura sobre o trabalho infantil em que são abordados aspectos históricos, seus processos, origem e características do trabalho informal, fazendo uma análise crítica do trabalho infanto-juvenil. As autoras concluem, entre outras coisas que o trabalho infanto-juvenil pode ser comparado como marca da exploração e manutenção da economia de um país, bem como compromete a educação formal e a saúde de crianças e adolescentes. PALAVRAS-CHAVE Trabalho infanto-juvenil, saúde do trabalhador, violência, adolescência ABSTRACT The purpose of this paper is to review the literature on child labor, focusing on historical aspects, origins and characteristics of informal work, and to perform a critical analysis of the child and adolescent labor. The authors conclude that child and adolescent labor might be conceived as a sign of exploration and maintainance of a country economy. In addition, it restrains the access to formal education and the health of children. KEY WORDS Child labor, adolescent labor, health worker, violence, adolescence 1. INTRODUÇÃO Este texto trata de uma revisão bibliográfica com base na literatura nacional e pretende mostrar a importância do trabalho como elemento básico-criador da natureza humana de acordo com visões distintas sobre seu significado e conteúdo, até nossos dias quando emerge a questão do trabalho infanto-juvenil como elemento de preocupação das sociedades incidindo diretamente nos problemas de preservação da vida e da saúde das populações trabalhadoras. Esta revisão irá focar a caracterização do trabalho enquanto processo, de acordo com uma 1 Mestre em Saúde Coletiva. End.: Rua Capitão Jesus, 29 Meyer - Rio de Janeiro - RJ - Tels.: 9988- 8389/ 2201- 3020 (res.) - e-mails: [email protected] - [email protected] 2 Doutora em Saúde Coletiva. Professora Adjunta do Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva – UFRJ. e-mail: [email protected]

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CA D E R N O S S A Ú D E C O L E T I V A , R I O D E J A N E I R O , 14 (1 ) : 113 - 140, 2006 – 113

A VIOLÊNCIA DO TRABALHO INFANTIL: ASPECTOS SANITÁRIOS, POLÍTICOS, JURÍDICO-LEGAIS E SOCIAIS - UMA REVISÃO DA LITERATURA

The violence of the infantile work: aspects sanitary, political, juridical-legal and social -a revision of the literature

Margarida Barros do Val1, Anamaria Testa Tambellini2

RESUMO

Trata-se de uma revisão da literatura sobre o trabalho infantil em que são abordadosaspectos históricos, seus processos, origem e características do trabalho informal,fazendo uma análise crítica do trabalho infanto-juvenil. As autoras concluem, entreoutras coisas que o trabalho infanto-juvenil pode ser comparado como marca daexploração e manutenção da economia de um país, bem como compromete a educaçãoformal e a saúde de crianças e adolescentes.

PALAVRAS-CHAVE

Trabalho infanto-juvenil, saúde do trabalhador, violência, adolescência

ABSTRACT

The purpose of this paper is to review the literature on child labor, focusing on historicalaspects, origins and characteristics of informal work, and to perform a critical analysis ofthe child and adolescent labor. The authors conclude that child and adolescent labormight be conceived as a sign of exploration and maintainance of a country economy.In addition, it restrains the access to formal education and the health of children.

KEY WORDS

Child labor, adolescent labor, health worker, violence, adolescence

1. INTRODUÇÃO

Este texto trata de uma revisão bibliográfica com base na literatura nacionale pretende mostrar a importância do trabalho como elemento básico-criador danatureza humana de acordo com visões distintas sobre seu significado e conteúdo,até nossos dias quando emerge a questão do trabalho infanto-juvenil comoelemento de preocupação das sociedades incidindo diretamente nos problemasde preservação da vida e da saúde das populações trabalhadoras. Esta revisão iráfocar a caracterização do trabalho enquanto processo, de acordo com uma

1 Mestre em Saúde Coletiva. End.: Rua Capitão Jesus, 29 Meyer - Rio de Janeiro - RJ - Tels.: 9988- 8389/2201- 3020 (res.) - e-mails: [email protected] - [email protected]

2 Doutora em Saúde Coletiva. Professora Adjunta do Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva – UFRJ.e-mail: [email protected]

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interpretação de proposta marxista e a partir dela estabelecer os elementos quepossibilitam o entendimento do trabalho informal enquanto forma principal dotrabalho infanto-juvenil. Outro foco abordado é a revisão histórica da trajetóriado trabalho infanto-juvenil no mundo assinalando suas conseqüências sócio-sanitárias e apresentar criticamente a questão na atualidade brasileira.

2. ASPECTOS HISTÓRICOS

A criação do mundo é um problema que, muito naturalmente, desperta acuriosidade do homem, seu habitante. A mitologia grega nos fornece umainterpretação interessante e significativa sobre o trabalho como atividade humana enecessária à sobrevivência da humanidade. Segundo Bulfinch (2001, p 54-61),antes de serem criados o céu, a terra e o mar, tudo era uma confusa massa,denominada de caos, mas jaziam latentes as sementes das coisas. Um deus, quenão se sabe qual, fez a criação e ordenou as coisas e seus lugares, levantoumontanhas, escavou vales, distribuiu os bosques, os peixes tomaram posse do mar,as aves do ar e os quadrúpedes da terra. Tornara-se necessário, porém, um animalmais nobre, e foi feito o Homem.

“Não se sabe se o criador o fez de materiais divinos, ou se na terra, há tão pouco tempo

separada do céu, ainda havia algumas sementes celestiais ocultas. Prometeu tomou um

pouco dessa terra e, misturando-se com água, fez o homem à semelhança dos deuses.

Deu-lhe o porte erecto, de maneira que, enquanto os outros animais têm o rosto voltado

para baixo, olhando a terra, o homem levanta a cabeça para o céu e olha as estrelas”.

Na Terra, antes do homem, habitavam os titãs, entre eles, Prometeu e seuirmão Epimeteu, que foram incumbidos de fazer o homem e assegurar-lhe, e aosoutros animais, todas as faculdades necessárias à sua preservação. A primeiramulher criada chamava-se Pandora. Ela foi feita no céu, e cada um dos deusescontribuiu com alguma coisa para aperfeiçoá-la. Vênus deu-lhe a beleza, Mercúrioa persuasão, Apolo a música, entre outros dons. Assim dotada, a mulher foi mandadaà Terra e oferecida a Epimeteu, que de boa vontade a aceitou, embora advertidopelo irmão para ter cuidado com Júpiter e seus presentes.

Ainda segundo este autor, Prometeu, ao fazer o homem, deu-lhe somentequalidades divinas, deixando de lado todas os artigos malignos que a ele pudesseatribuir, estes foram guardados em uma caixa na casa de Epimeteu. Ao visitá-lo,

“Pandora foi tomada por intensa curiosidade de saber o que continha aquela caixa, e, certo

dia, destampou-a para olhar. Assim, escapou e se espalhou por toda a parte uma multidão

de pragas que atingiram o desgraçado homem, tais como a gota, o reumatismo e a cólica

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para o corpo, e a inveja, o despeito e a vingança para o espírito. Pandora apressou-se em

colocar a tampa na caixa, mas, infelizmente, escapara todo o conteúdo da mesma, com

exceção de uma única coisa, que ficara no fundo, e que era a esperança”.

Diversos estudiosos acreditam que é aí que começa a história da civilizaçãohumana, do mundo do trabalho e do homem.

Prometeu é discutido desde antes da cultura medieval, quando perde seu caráter

de rebelde criador e é interpretado como símbolo da potência divina. “Foi, dessa maneira,

freqüentemente cooptado pela religião” (Gama, 1986, p.2).Reinterpretamos tal contexto, entendendo que a criação do próprio Homem

se dá como um processo de trabalho dos deuses, e, desde aquele momento otrabalho aparecia sob forma socializada com um elemento da criação participandodos poderes divinos, ao mesmo tempo em que era um processo. A representaçãoda mulher, detentora de dons como a persuasão e a curiosidade, que pretende adescoberta do processo de criação cuja intenção fora considerada uma forma deburlar o criador e, assim sendo, submeteu toda a humanidade ao castigo divino,inclusive na forma do trabalho.

Nesse caso, podemos entender que a idéia de trabalho contém dois aspectosdistintos: castigo, porque demanda esforços mentais, físicos e afetivos, e se fazimprescindível para suprir necessidades básicas para a sobrevivência, e capacidadecriadora porque é atividade que por si só transforma a natureza e engendra novosobjetos, valores e maneiras de fazer.

Ao passar pelo Renascimento, Prometeu é considerado como a capacidadecriadora que só o homem possui.

É interessante lembrar o que escreve Gama (1986, p.2) sobre Prometeu,quando será mais fácil entender a descrição do mito nesta introdução:

“Com Prometeu os homens aprenderam a construir suas moradas, a regular sua vida pelo

ritmo dos céus; dele aprenderam as matemáticas, o alfabeto, a arte de domar cavalos e de

navegar nos oceanos; de seus ensinamentos deduziram a medicina, as artes da predição e

a extração dos metais preciosos escondidos nas entranhas da terra”.

3. O TRABALHO ENQUANTO PROCESSO

Gama (1986, p. 4), ao analisar a obra de Gramsci, aponta que este autorrecupera o mito de Prometeu, revestindo-o de importância ao considerá-lo comoarquétipo do homem consciente, ou melhor, como Homo faber, consciente de simesmo e do significado de sua obra.

Muitos autores pensam a relação homem/trabalho, mas Marx (1971, p. 202)teve especial cuidado quanto a esta questão quando escreveu seu livro O Capital.

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Descreve ele: “Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza,

processo em que o ser humano com sua própria ação impulsiona, regula e controla seu intercâmbio

material com a natureza”.

A visão marxista mostra que o trabalhador coloca em ação todas as forças deseu corpo para transformar a natureza a fim de apropriar-se de seus recursosconferindo-lhes utilidade à vida humana. O trabalho, no modo capitalista deprodução, é uma mercadoria que é adquirida no mercado como outra qualquer.Entretanto, é o trabalho que confere valor às mercadorias, é o agente do trabalho/trabalhador que cria o valor do produto, ou seja, este é a resultante do gasto deenergia (força de trabalho) do agente no processo de produção de mercadorias.

As considerações sobre as relações que se estabelecem entre os elementos doprocesso de trabalho estão subordinadas ao contexto social que lhes dá sustentoe devem levar em conta os critérios de necessidade, adequação e salubridade emrelação ao trabalhador, agente do processo. Os instrumentos para descrição eanálise do processo de trabalho são baseados na visão de Marx (1971, p. 202), queestabelece elementos componentes do processo de trabalho e sua dinâmica, a saber:

1 - Atividade adequada para um fim, isto é, o próprio trabalho;2 - A matéria que se aplica a um fim, o objeto do trabalho;3 - Os meios de trabalho, o instrumental para o trabalho;4 - O agente do processo, que é o próprio trabalhador.

É nas relações de troca homem/natureza e homem/homem que Marxconsubstancia o processo de trabalho, considerado não somente com o sentidofinanceiro da venda da força de trabalho, mas, como princípio instigador detodas as potencialidades humanas, desde o pensamento, criatividade e planejamentodas atividades até sua realização.

Reitera-se dessa forma, ser o trabalho parte fundamental na vida do homem,da Antigüidade à contemporaneidade, considerado em cada fase de uma formaespecífica que retrata a realidade do momento vivido, e sempre com o compromissodo “reconhecimento da utilidade, da habilidade, de inteligência, de talento pessoal, de originalidade,

até mesmo de beleza” do trabalho vivo, como se refere Dejours (2001, p.135). Enfim,definindo o pertencimento do ser humano-trabalhador a um grupo social.A partir do advento do capitalismo, passou-se por muitas fases históricas quemarcaram a transformação da relação homem/trabalho, desde o artesanato àautomação e/ou robotização de nossos dias.

Percebe-se uma visão ancorada no conceito da evolução da espécie, assumidaa proposta marxista, em texto de Rigotto (1993, p. 78), quando considera que arelação homem/trabalho data de quando ele se apercebe como parte da Natureza,

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enquanto Homo sapiens, com capacidade de adaptar-se às modificações ambientais,formar grupos e progressivamente modificar seu meio, possibilitando a sobrevivência,expansão e evolução da espécie.

Constata-se não só a diferente relação entre o tipo de produção de cadaépoca, e o estabelecimento de novas formas de produção e sobrevivência dotrabalhador, já que o mercado de trabalho não tem comportado em todos osmomentos históricos a população de trabalhadores disponíveis no mercado e umexército industrial de reserva poderia não ser mais necessário para a manutençãodo capitalismo, como já revela Marx (1971, p. 185).

Ao termos hoje um excesso do exército de reserva, que não mais podeparticipar desse cada vez mais restrito mercado capitalista de trabalho, surgemnovas formas de trabalho à margem do regime de salariato para que se possasuprir as necessidades das famílias e coletividades. Tais grupos populacionais,entretant,o parecem necessários ao processo de realização do capital, ou seja, sãonecessários enquanto consumidores, principalmente após a década de 70 quandose intensifica o processo de globalização, que “configura uma redefinição nas relações

internacionais em diferentes áreas da vida social, como a economia, as finanças, a tecnologia, as

comunicações, a cultura e a religião” (Scherer, 1997, p.114).Ao se deparar com uma nova realidade, a de não poder mais participar de um

grupo social estável, com garantias de carteira assinada, seguridade social, eprincipalmente não poder ser reconhecido orgulhosamente como “trabalhador”,o que desde o surgimento da classe operária se dá com a “glorificação do trabalho” (Arendt,1995, p.15), esse ser criativo – o trabalhador – que não quer ser dito e apontadocomo desempregado ou vagabundo, cria novas formas de trabalho, que ainda nãoestão totalmente definidas, mas que se tem nomeado como trabalho informal.

“O setor informal hoje abriga um imenso contingente de trabalhadores cujas atividades

encontram-se à margem de qualquer regulamentação ou controle do poder público” (Jakobsen,2000, p.5), o que traz à tona mais problemas de ordem social e política.

4. O TRABALHO INFORMAL - NOVO CONCEITO PARA ANTIGO TRABALHO

O termo “trabalho informal” passou a fazer parte do jargão oficial a partirde meados da década de 70, criado pela Organização Internacional do Trabalho– OIT, e apareceu como um novo instrumento explicativo para um velhofenômeno: a existência de atividades econômicas de baixa produtividade que sedesenvolviam à margem da legislação e nas bordas do mercado. O pequenocomércio de rua é uma atividade secular, assim como grande parte dos serviçospessoais, da produção artesanal e tantas outras. A diferença dos antigos usos destaexpressão é que a atual abordagem deste tipo de trabalho se faz via a aceitação

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da existência de uso que está fortemente associado “à intervenção, por meio de políticas

e programas de apoio levados a cabo inicialmente pelos governos e agências oficiais internacionais

– a própria OIT, mas também o Banco Mundial e o BID [Banco Interamericano deDesenvolvimento]. Surge assim uma nova vertente da ação do Estado” (Theodoro 2000, p. 7).

A idéia de um setor informal constitui-se em marco, principalmente porjustificar a avalizar uma nova postura institucional face ao problema dosubemprego. É a idéia de setor informal que vai servir de base para a açãoinstitucional em termos de políticas de apoio. Essa abordagem é essencialmente umaperspectiva de intervenção institucional, abrindo um novo campo de ação do Estado.

As particularidades da noção de setor informal começam na própria formacomo se deu sua concepção. Segundo Lautier (1994, p. 76), “trata-se de um caso

único: um conceito forjado no interior de uma instituição executiva e que a seguir invade os meios

acadêmicos”. Talvez isso explique porque não se tenha um conceito aceitouniversalmente, ou melhor, porque ele não poderia a rigor ser consideradocomo conceito, mas antes como uma definição operacional que qualifica novaforma de realização de atividade laboral que escapa ou se coloca à margem doregime do salariato, ou seja, que precisa de um contrato empregador/empregadoe que aumenta gradativamente seu contingente e sua importância econômica.Segundo Theodoro (2000, p. 8), trata-se de:

“um conceito teoricamente frágil mas ideologicamente forte. Sua disseminação possibilitou

uma avalanche de recursos e mesmo a montagem de uma rede de pesquisadores e

instituições de pesquisa, de ONGs, etc. A idéia de setor informal acabou por se tornar

uma importante mercadoria”.

O conceito de setor informal popularizou-se nos últimos trinta anos, e temsido objeto de muitos usos e debates no estudo do mercado de trabalho latino-americano durante a última década. Theodoro (2000, p. 6) cita em seu estudo oque escrevem Lopez e Monza, “o setor informal urbano, da mesma forma que as bruxas,

não é definido de forma rigorosa, mas que existe, existe”

Esta frase é ilustrativa da fase atingida pelo desenvolvimento do conceito,principalmente se levarmos em conta que se localiza no interior de um processode globalização econômica que requalifica a ordem da economia subvertendo alógica de produção.

5. ORIGEM DO TRABALHO INFORMAL

Em termos teóricos, ao assumir Marx, que descrevia o exército industrial de reservacomo população relativamente excedente, dado que excede momentaneamenteas necessidades do capital, ou seja, de uma diminuição da procura de mão de

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obra das empresas, Singer (2000, p. 11) diz: “No debate do trabalho informal, convém

lembrar que ele – como quer que o chamemos: subemprego, desemprego disfarçado, estratégia de

sobrevivência – é algo relativamente antigo datando dos primórdios da Revolução Industrial... Mas

ela (a população) de modo algum é excedente, no sentido de redundante, desnecessária à

economia como um todo, inclusive ao modo de produção capitalista”.Na verdade, os trabalhadores informais, na visão marxista, são o exército

industrial ativo e não de reserva, formado pelos sem-trabalho, pelos desempregadosno sentido estrito do termo. Os desempregados vivem do seguro-desemprego,por economias ou com ajuda dos membros da família, enquanto ficam procurandoemprego em tempo integral.

Muitos acabam por desistir dessa procura, por inúmeros motivos, como:

“por serem portadores de distúrbios da esfera psicossocial e psicossomática, por carência

alimentar e outras decorrências do processo de empobrecimento a que ficaram expostos,

agravamento da pobreza o que agravou a tentativa de um novo emprego, gerado por falta

de recursos para pagar os meios de transportes para deslocar-se em busca de trabalho, falta

de trajes adequados, até mesmo calçados, diminuição da resistência física, desgaste mental

expressado por desânimo e depressão” (Selligmann-Silva, 1977, p. 25 - 26 ).

Na maioria dos casos, os trabalhadores saem em campo, tentandoganhar a vida de qualquer maneira, assim, trabalham longas jornadas paraganharem um mínimo.

Os ganhos são incertos e muito variáveis nessas atividades que são precárias e quasetodas sujeitas à repressão policial, o que torna os ganhos extremamente instáveis.

“Uma das características do trabalho informal é que ele se restringe a poucos ramos de

atividade. A grande maioria deles se dedica ao pequeno comércio e a serviços de baixa

qualificação, inclusive o doméstico. Estes serviços muitas vezes exigem experiência e

conhecimento, mas não escolaridade elevada. Os mercados do trabalho informal são o

desaguadouro de toda a força de trabalho que desistiu de procurar emprego ou deixou de

contar com suporte material para fazê-lo. Por isso, em todos eles há excesso de oferta”

(Singer, 2000, p. 12)

O número crescente de trabalhadores e de tipos de ocupações informaistrouxe, do ponto de vista acadêmico, a necessidade de reflexão e teorizaçãotraduzidas em definições e classificações das relações de trabalho. Do ponto devista do controle político e social cresce a preocupação de organismos internacionaiscomo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), que se refere ao trabalhoinformal como o trabalho realizado em unidades econômicas caracterizadas. Estas unidades

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são caracterizadas pela produção em pequena escala, pelo baixo nível deorganização e pela quase inexistente separação entre capital e trabalho. Estecritério embasa os estudos realizados pelo Programa Regional de Emprego para aAmérica Latina e Caribe (PREALC) da OIT, e parte do pressuposto de que todosos trabalhadores ocupados nas unidades econômicas com as características referidassão informais, sem entrar no mérito de possíveis exceções.

5. O TRABALHO INFANTO-JUVENIL

No período da Revolução Industrial, há o recrudescimento do trabalho familiar,com as crianças participando da atividade dos pais, aprendendo seus ofícios eajudando na renda familiar ao mesmo tempo em que competiam com a mão-de-obra adulta. A exploração das crianças era tamanha que é desta época que sedescreve uma das primeiras legislações trabalhistas que vetava o trabalho noturnoe as jornadas de trabalho maiores que dez horas paras as crianças, na Inglaterra,segundo o Moral and Health Act, 1802 (Rosen, 1971, p. 160).

6. MAGNITUDE E CARACTERÍSTICAS DO PROBLEMA: OS DADOS OFICIAIS

Segundo a Organização Internacional do Trabalho (1998), 250 milhões decrianças, entre os 5 e os 14 anos de idade, trabalham arduamente em atividadeseconômicas, nos países em desenvolvimento, que representa cerca de 15% - 20%da população total de menores no mesmo grupo etário. Quase metade delas(ou 120 milhões) exercem trabalho em regime de tempo integral e as restantesem acumulação com as atividades escolares e outras não-econômicas. Dentre ascrianças que freqüentam a escola, 33% dos trabalhadores são de sexo masculinoe 42% de sexo feminino exercem também atividade econômica em tempo parcial.

As estimativas globais, que situam em 250 milhões as crianças que trabalham,não consideram aquelas que se ocupam regularmente nas atividades não-remuneradas, incluindo as crianças que executam serviços de natureza doméstica,no agregado familiar dos pais ou responsáveis.

Os dados estatísticos recolhidos em países onde se realizaram inquéritos(países estes, não identificados no texto da OIT mas referidos a regiões do mundoa saber: Ásia e, excluindo Japão, África, América Latina e Caribe, Oceania-excluindo a Austrália e Nova Zelândia, Camboja e Filipinas). Foram aplicadasmetodologias elaboradas e testadas, e os resultados mostram que há um númeromaior de meninos trabalhando do que meninas: três meninos para duas meninas,em média. Contudo, é necessário considerar que o número de meninas trabalhadoras,com freqüência, subestimado nos inquéritos estatísticos, os quais, geralmente, nãoconsideram a atividade econômica não remunerada, sendo esta ocupada pelasmeninas dentro e fora do núcleo familiar, (as empresas familiares incluídas).

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No Brasil, segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios(PNAD) (IBGE, 1995), a taxa de participação de crianças, na faixa etária de 5 à 9anos corresponde a 35,66 em cada 1000 crianças que trabalham e adolescentesde maior freqüência é a de 10 a 14 anos com 187,2 crianças trabalhadoras paracada grupo de 1000, a faixa de maior freqüência, e no grupo que reúne as duasfaixas etárias, de 5 a 14 anos, para cada 1000 crianças 114,1 trabalham.

Fonte: PNAD/95.

Tabela 1Distribuição regional das crianças que trabalham, por faixa etária.

Observa-se na Tabela 1 que a maior freqüência proporcional para o grupode 5 a nos cabe ao nordeste (51,72%) e para o grupo etário de 10 a 14 anos àregião Sul (73,83%). Os valores proporcionalmente mais baixos, para ambos osgrupos, correspondem à região Norte (4,38% e 4,51%).

Acredita-se que os baixos valores encontrados para a região Norte, comotambém para o Centro-Oeste, devam-se, em parte, às dificuldades de acesso àspopulações locais, dado que ambas as áreas possuem uma densidade populacionalas demais regiões , principalmente na região Norte um espaço de difícil penetraçãopara os meios de comunicação e transportes corriqueiros. Pelas condiçõessocioeconômicas de penúria da região Nordeste, já se podia prever a alta freqüênciade menores, no grupo de 10 a 14 anos, trabalhando, principalmente na agriculturae pecuária, com o objetivo de aumentar a renda familiar. Porém, o alto valor obtidopara a região Sul, onde as condições socioeconômicas são consideradas boas, colocao fato de ter-se tornado “normal” o trabalho juvenil, seja enquanto elemento deaprendizado profissional, seja enquanto elemento de composição da renda familiar.

Os dados do censo rápido do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística(IBGE, 1999) confirmam a situação e apontam que a população infanto-juveniltrabalhadora tem maior concentração na área rural do país com 2.194.360crianças trabalhadoras, perfazendo 58.9%; no comércio 12,38%; comoprestadores de serviço 10,11%; na indústria de transformação 8,65%; nosetor administrativo 1,48%; na área científica/artística 0,62%; no transporte/comunicação 0,49% e outras com 7,35%.

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Em setembro de 1990, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF)e o IBGE, atendendo à convocação da Organização das Nações Unidas, junto a139 países, traçaram 27 metas ligadas à sobrevivência, desenvolvimento e proteçãode crianças, adolescentes e suas mães, e comprometeram-se a alcançá-las até o finaldo ano 2000. Dez anos após a realização do Encontro da Cúpula e da Promulgaçãodo Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), o IBGE e a UNICEF compilaramindicadores completos e atualizados com o fim de colaborar com tal convocação.

O texto que trata desta compilação de indicadores publicados pela UNICEF/IBGE (IBGE, 1999; UNICEF, 2001), ainda que não descreva as metodologias ea forma de coleta das diversas unidades da pesquisa, aponta para a queda dosíndices de trabalho infantil no Brasil, descritos por ano e taxa de ocupação emgrupos etários: 1992 - 3,7% no grupo de 5 a 9 anos para 2,4% em 1999; nogrupo de 10 a 14 anos 20,4% em 1992 para 14,9% em 1999.

Para o ano de 2001, a PNAD (IBGE, 2001) informa que: em 2001, em relação

aos aspectos pesquisados em 1999, foi ampliado o conteúdo do tema domicílio e retirado o tópico

trabalho das crianças de 05 a 09 anos de idade...,, o que pode ter acontecido por problemasna coleta ou outros que não são descritos na pesquisa. Porém, fica patente queo número de crianças de 5 a 14 anos de idade ocupadas continuou apresentando tendência de

declínio, de 1999 para 2001, na região de 13,3% em média, havendo diferenças em relação dos

grupos etários (de, 2,4% para 1,8% para o grupo de 5 a 9 anos, de 14,9% para 11,6% para

o grupo de 10 a 14 anos e de 9,0% para 6,8% para o grupo de 5 a 14 anos).

Ao analisarmos os dados acima descritos, temos um perfil das crianças eadolescentes trabalhadores do país na última década, e através deles ressaltamos aqueda da atividade econômica de menores.

7. CONSEQÜÊNCIAS DO TRABALHO INFANTO-JUVENIL

O Ministério da Saúde (Brasil, 1998), através de estudos concluiu que:

“O trabalho precoce vem crescendo em todo o mundo e tem sido responsável pela exposição

de crianças e adolescentes a situações inaceitáveis de exploração e de extremo perigo, pelas

condições adversas a que são submetidas. A pobreza, a insuficiência das políticas públicas,

a perversidade da exclusão social e monetária provocadas pelo modelo de desenvolvimento

econômico dominante, os aspectos ideológicos e culturais podem ser relacionados como

prováveis causas do trabalho precoce.

Qualquer atividade produtiva no mercado formal ou informal, que retire a criança do convívio

com a família e com outras crianças e que prejudique as atividades lúdicas próprias da idade,

por comprometer o desenvolvimento cognitivo, físico e psíquico da criança, deve ser combatida

e constitui-se em situação de alerta epidemiológico em saúde do trabalhador. É importante

ressaltar que o setor que mais absorve crianças e adolescentes no trabalho é o agropecuário”.

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A V I O L Ê N C I A D O T R A B A L H O I N F A N T I L : A S P E C T O S S A N I T Á R I O S ,P O L Í T I C O S , J U R Í D I C O - L E G A I S E S O C I A I S - U M A R E V I S Ã O D A L I T E R A T U R A

Segundo a OIT (1998), as crianças, devido à sua fragilidade, estão mais sujeitasa acidentes e doenças de trabalho do que os adultos, em igualdade de circunstâncias.E também, porque não têm ainda a maturidade suficiente para perceberem osperigos possíveis que envolvem o exercício de sua atividade ou que existem nopróprio local de trabalho. Como resultado, grande número de crianças sofrevários acidentes __ um valor superior a 69% do seu total, em alguns países. Muitasdelas entre 5% a 20%, ou mais, sofrem acidentes e doenças que fazem com quealgumas deixem de trabalhar, completamente.

De acordo com a mesma fonte (OIT, 1998) dados internacionais revelamque uma elevada proporção de crianças sofreu acidentes ou adoeceu no trabalho.Nestas situações contam-se: ferimentos, membros fraturados, perda de partes docorpo, diminuição auditiva e visual, doenças respiratórias e gastrintestinais, febre,dores de cabeça provocadas pelo calor excessivo nas fábricas e nos campos. Grandeparte delas necessitou de cuidados médicos e outras tiveram de faltar ao trabalho,havendo até várias que deixaram de trabalhar para sempre.

Em valores absolutos, mais meninos do que meninas sofrem acidentes oudoenças, devido ao maior número de meninos que trabalham – a média entreos dois sexos é de três meninos para duas meninas. Para, além disso, como agrande maioria das meninas que trabalham se encontra nas zonas rurais,exercendo atividades agrícolas, o número de acidentes e doenças é acentuadamentemaior neste setor. Contudo, em determinadas atividades ou profissões, aincidência destes casos é significativamente maior nas meninas trabalhadorasdo que nos meninos.

Mesmo quando o número de crianças que trabalham, sobretudo numa dadaindústria ou profissão, é bastante reduzido, a probabilidade de acidentes de trabalhoou doenças afins pode ser relativamente elevada. Por isso, estes trabalhos deveriamser inacessíveis à mão-de-obra infantil, mesmo quando as crianças estão autorizadasa trabalhar. O número total de jovens que trabalha no setor agrícola representamais de 70% da totalidade das crianças trabalhadoras. Assim, os que ali sofrem deacidentes ou doenças, contribuem para a proporção consideravelmente elevada(70%) das crianças trabalhadoras com algum agravo. Por sexo e neste setor, aspercentagens são, aproximadamente, 76% do total dos meninos trabalhadores e57% do total das meninas trabalhadoras.

No inquérito realizado pela OIT (1998) para investigar sobre todas asvertentes do trabalho infantil no grupo etário dos 5 aos 17 anos, foramrecolhidas um largo conjunto de informações sobre as condições de proteçãoe saúde das crianças trabalhadoras. Os resultados revelaram que num total de3.67 milhões de crianças economicamente ativas, mais de 60% (ou 2,21 milhões)estavam sujeitas a situações de risco que incluíram casos de natureza biológica

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(19% da totalidade das crianças), química (26%) e ambiental (51%), provocadasdurante o exercício da atividade. Não só porque a grande parte das criançastrabalha na agricultura e atividades afins, mas também devido ao fato dasperigosas condições de trabalho, neste setor e na extração mineira, os casosde acidentes de trabalho e doenças aconteceram, majoritariamente, nas zonasrurais. Calcularam que dois terços das ocorrências são nas áreas rurais e umterço nos centros urbanos. Ainda, em resultado do seu maior número, muitosdos jovens sujeitos a situações de risco, foram meninos (aproximadamente70% do total das crianças trabalhadoras), mas, em números relativos, o totaldas situações era semelhante nos dois sexos - 64% dos meninos trabalhadores,em comparação com 53% das meninas trabalhadoras.

Dentre todas as crianças que corriam riscos no trabalho, 2,21 milhões, foiregistrado que 870.000 delas (39%) sofreram, em números semelhantes, tantoacidentes como doenças: 49% (426.000 crianças) no primeiro conjunto deocorrências – acidentes – e 51% (ou 444.000 crianças) no segundo-doenças.

Em termos numéricos, os acidentes mais freqüentes foram: cortes/ferimentos/feridas perfurantes que totalizaram perto de 600.000 (ou 69% detodos os acidentes). Contudo, houve acidentes com muito maior gravidade, masmenos freqüentes – por exemplo, queimaduras (57.500 equivalentes a 7% dosacidentes), fraturas/entorses (45.900 ou 5%), esmagamento (29.800 ou 3%), emesmo amputações/perda de partes do corpo (1.100 ou menos de 1%) – tudoisto num total de 134.300 casos, o que equivalem a uma percentagem superiora 15% do total de acidentes e cerca de quatro por cento da totalidade dascrianças economicamente ativas. Registraram-se, também, 135.000 casos(ou 16%) relacionados com acidentes: contusões, equimoses, hematomas e escoriações.Outro tipo de acidentes totalizou 12.400.

Dentre os casos de doença declarados, dores no corpo, de cabeça, no pescoço,na coluna foram os mais freqüentes (518.000, representando 57% de todas asdoenças), seguidos de doenças de pele (190.000 ou 21%). As situações mais gravesregistraram-se no foro gastrintestinal (48.100 ou 5%), respiratório (47.500 ou 5%),dificuldades de acomodação visual/déficit visual (31.300 ou 4%), déficit auditivo(10.100 ou 1%), e doenças não especificadas (61.500 ou 7%).

Em média, três crianças em cada 100 tiveram de deixar de trabalhardevido a acidentes de trabalho ou doenças profissionais, enquanto metade dasque trabalham foram obrigadas a interromper o trabalho e as restantes, 46%,continuaram a fazê-lo, apesar dos acidentes ou doenças de que foram vítimas.

Segundo o Ministério da Saúde, são considerados acidentes graves, qualqueracidente que ocorre com trabalhador de idade inferior a 18 anos, além de outrasespecificações de lesões graves aplicadas a todas as idades.

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8. BREVE TRAJETÓRIA DO TRABALHO INFANTO-JUVENIL NO BRASIL:UMA ANÁLISE CRÍTICA

A trajetória do trabalho infanto-juvenil no Brasil é dada de acordo com omomento histórico e como é visto na contemporaneidade. É interessante que seobservam as diferenças existentes entre a “infância burguesa” e a “infância dasclasses populares”, onde se estabelecem necessidades peculiares às classesestabelecidas, mostrando o enfoque diferencial sobre a problemática que a infância pobre adquiriu

e a mobilização dos setores sociais para “conservar”, “cuidar”, “proteger” a criança pobre

(Feitosa et al., 2001, p. 3).Alguns costumes educativos e práticas sócio-culturais vêm da França do século

XVIII, onde eram distintos os problemas das crianças burguesas, dos vividos pelascrianças das classes pauperizadas. Assim, o Estado e a medicina ofereceramestratégias diferentes para intervir nessas classes sociais. Na burguesia

“...a intervenção se voltou para uma proteção moral em maior liberdade física da criança.

A infância se caracterizou por uma liberdade protegida e por uma vigilância discreta” epara os menos favorecidos “ as intervenções eram mais no sentido de conter a

liberdade, o abandono das crianças e impedir a vagabundagem das mesmas. Tem-se, aqui,

a infância como uma liberdade vigiada” (Donzelot, 1986, p.43).

No Brasil, a cada momento histórico vivido, pode-se observar modificaçõesnas concepções de infância, como nas intervenções e mobilização das políticasem torno da criança pobre. No Brasil Colônia, a família ignorava a imagem dacriança, a qual se reconhece atualmente, e a estrutura familiar colonial favoreciaeste acontecimento, pois nesta fase histórica, a figura central da família era o pai,com o olhar de preservação do patrimônio de chefe da família, subestimando-seo lugar da criança.

Na passagem de Brasil-Colônia para Brasil-Nação, a criança deixou de sermanipulada pela Igreja ou pela família, passou a ser um valioso patrimônio da nação acriança passou a ser percebida como chave para o futuro, um ser em formação que tanto

poderia ser transformado em “homem de bem” (elemento útil para o progresso da nação) ou num

degenerado” (um vicioso inútil a pesar nos cofres públicos (Rizzini, 1997, p. 25).Segundo Abreu e Martinez (1997, p. 32), no Brasil dos séculos XIX e XX

...“inicialmente, a preocupação com as crianças estava relacionada com as discussões da

própria formação do povo e do cidadão brasileiro, e ainda assinalam que a lei do ventrelivre (setembro de 1971) foi um dos principais motores para a identificação da criança

pobre como problema social. A necessidade de formar trabalhadores livres e disciplinados

foram questões que marcaram as preocupações sociais com as crianças das classes populares”.

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Após a Proclamação da República em 1889, a problemática da infânciatomou novas dimensões, a criminalidade infanto-juvenil se tornou uma grandepreocupação social, principalmente nas grandes cidades. Assim, o poder judiciáriotoma a frente e faz da figura do juiz de menores sua autoridade máxima noassunto. Outros profissionais também contribuíram na construção da assistênciasocial à criança como médicos, pedagogos e filantropos.

Um dos marcos de uma legislação voltada à infância foi o 1º Código deMenores de 1927 que tinha como alvo organizar as formas de trabalho, a educação,a prevenção e recuperação dos criminosos e delinqüentes,

... pois aos olhos da elite eram as crianças pobres as que mais careciam de atenção e

precisavam de intervenções, pois os pobres com sua viciosidade, não se encaixavam no ideal

de nação, estando sempre associados à degradação moral. A criança pobre representava

uma ameaça ou perigo à sociedade, sendo portanto, identificada como um problema social

que demandava uma ação urgente. (Rizzini, 1997, p. 42)

Para moralizar o universo da pobreza, passou a considerar-se o trabalhocomo virtude e a ociosidade como origem dos vícios, uma condução àmarginalidade. Ainda segundo Rizzini (1997), antes do período republicano, otrabalho era visto como algo degradante, que se associava à pobreza e à escravidão,mas tendo em vista o processo de industrialização do século XVIII, deparava-secom uma nova concepção: a do trabalho dignificante e enobrecedor. Chegou-se mesmo a

considerar o trabalho como ‘salvação’ para as mazelas da sociedade, inclusive as morais.

Entre 1930 e 1940, durante o governo de Vargas, a reconstrução do Estado e aredefinição da nação, repercutiram diretamente na infância. Privilegiar a preservaçãoda raça, a manutenção da ordem e o progresso da nação surgiram como estratégia dogoverno. Estruturou-se a “política do menor”, que era a combinação da repressão,da assistência e da defesa da raça. Vargas exalta o trabalho e o cidadão trabalhador.

Encontra-se nesse período grande utilização do trabalho precoce, pois a criança trabalhadora

era vista como uma personagem importante, revestida de valorização. Este aspecto se revela

no discurso do presidente: Já colabora para a grandeza do Brasil, através da dignificação

do trabalho, do auxílio aos seus pais, num edificante exemplo de solidariedade na luta pelo

ganha-pão diário.” (Kramer, 1981, p. 63)

Com o golpe militar de 1964, a política de segurança nacional foi adotada comum discurso voltado para a prevenção da criminalidade e uma prática direcionada à política de

internamento do menores ‘indesejáveis’ (Abreu & Martinez, 1997, p. 31). Assim, as políticaspara a infância neste período foram marcadas por um caráter autoritário e excludente.

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Com a abertura para a democracia na década de 80, aconteceram discussõesampliadas sobre os direitos da criança e do adolescente e dos deveres do Estado.A denominação “menor” foi criticada por ser carregada de estigma e utilizada pracaracterizar uma distinção social e classista (Abreu & Martinez, 1997, p. 32), tendo oreconhecimento da criança como um sujeito de direitos, um cidadão (Feitosa, et al., 2001, p. 6).

Em 1989, após uma década de recessão para muitos países em desenvolvimento,a infância tinha um cenário desolador, exigindo atitudes de impacto por partedos governos e agência internacionais, assim, se deu a Convenção dos Direitos daCriança, que relatou:

Profoundly concerned that situation of children in many parts on the world remains

critical as a result of inadequate social conditions, natural disasters, armed conflicts,

exploitation, illiteracy, hunger and disability, and convinced that urgent and effective

national and international action is called for ... adopts and opens for signature, ratification

and accession the Convention on the Rights of the Children contained in the annex to the

present resolution (United Nations, 1959).

Inspirado na Convenção dos Direitos da Criança, o Brasil reconhece suafragilidade em relação ao que diz respeito às necessidades infanto-juvenis e faznascer o Estatuto da Criança e do Adolescente, com a Lei 8.069/90, substituindoo então, Código de Menores.

Como decorrência das postulações do Estatuto da Criança e do Adolescente,estruturou-se, ao longo da década de 90, uma rede de instituições com papéisdefinidos em suas esferas específicas para atenção à infância e adolescência, como osConselhos de direitos – Municipais, Estaduais e Nacional – e os conselhos Tutelares.

A assimilação das novas concepções pela sociedade e sua materialização em estruturas

institucionais e o desenvolvimento de ações em vários campos que dizem respeito aos

direitos de crianças e adolescentes são lentos e carecem de um período impossível de prever

sua maturação. Os resíduos de uma longa história de atitudes autoritárias e disciplinadoras

ainda persistem como obstáculos importantes para que a mudança discursiva se realize na

prática cotidiana (Ferreira, 2001, p. 5).

A preocupação com atividades laborais executadas por menores é recente,até os meados dos anos 80, o trabalho infantil não chegava a se constituir num tema que

despertasse o interesse da sociedade. Pensavam muitos, até então, que o trabalho de crianças era

uma alternativa positiva, disciplinadora e de ajuda à família. Em todo o mundo o tema despertava

mais apatia, indiferença ou cinismo do que preocupação (Maes apud Ferreira, 2001, p. 7),mas registramos que este pensamento ainda fulgura.

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9. A LITERATURA CIENTÍFICA NO ÂMBITO DA SAÚDE COLETIVA SOBRE O TRABALHO

INFANTO-JUVENIL NO BRASIL

O trabalho infanto-juvenil é pouco descrito em pesquisas científicas/acadêmicas no âmbito da Saúde Coletiva, por isso nossa preocupação em fazeruma revisão bibliográfica sobre o tema que gera tantas preocupações, angústias econstrangimentos. Encontramos como referências, textos variados e, é importanteressaltar, que cada trabalho é descrito sob uma ótica particular, já que o objeto étratado de forma a relacionar saúde/doença/acidentes com aspectos históricos,jurídico-legais, econômico-sociais, psicológicos, particulares ou gerais (Quadro 1).

Os textos serão apresentados segundo ordem cronológica de publicação.Maia (1994), em sua dissertação na área das Ciências Sociais, propõe que

existe um movimento circular na sociedade brasileira que vê o trabalho com um“antídoto” contra a entrada de crianças e adolescentes das classes populares nomundo do crime, que denota a existência de um estreito vínculo entre a pobrezae a criminalidade. Sua abordagem centra-se na experiência de formação para otrabalho, utilizando-se de dois tipos de fonte: a imprensa e o discurso direto decrianças e adolescentes inseridos em algumas dessas experiências no município doRio de Janeiro. O conteúdo proveniente das duas fontes de informações mostraque existe uma ênfase no objetivo de “ocupar o tempo ocioso” da populaçãoinfanto-juvenil dessas classes. Assim, nasceria uma “profecia” que parte de umfalso enunciado – a existência de um vínculo entre pobreza e criminalidade. Issoacaba por gerar um círculo vicioso no qual o trabalho aparece como a únicasaída do mundo do crime para as crianças e adolescentes das classes populares.

Falcão (1995) faz uma pesquisa histórica/legal. Trata da questão da formulaçãodas leis de proteção social aos menores no Rio de Janeiro, na década de vinte.Segundo o autor, tal legislação foi resultado de um processo de construção realizadopor atores de campos sociais diferenciados em interação numa dada conjunturahistórica. A análise centrou-se na reconstrução da trajetória social de um atorprivilegiado, o Juiz de Menores Mello Mattos, mostrando que o papel assumidopor ele não foi apenas de formulador de leis, mas também o de implementador efiscalizador de sua aplicação, articulando setores sociais identificados com a idéia depromover reformas sociais no sentido de uma maior intervenção do Estado nosproblemas afetos à infância. O autor ressalta que a atuação do Juiz Mello Mattosdestacou-se pela formulação de uma proposta nesta direção, formulando a criaçãodo Juizado de Menores, em 1924, e o Código de Menores, em 1927, e que,partindo de concepções higienistas, dominantes na época, o juiz transformou oconteúdo social do o projeto de defesa da criança, que enfrentou fortes resistênciasde setores industriais e deflagrou um debate com o setor têxtil, principal opositordo juiz quanto à aplicação dos dispositivos legais de proteção ao trabalho do menor.

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A V I O L Ê N C I A D O T R A B A L H O I N F A N T I L : A S P E C T O S S A N I T Á R I O S ,P O L Í T I C O S , J U R Í D I C O - L E G A I S E S O C I A I S - U M A R E V I S Ã O D A L I T E R A T U R A

A pesquisa de Pinheiro (1997), abrangendo bairros com característicasespecíficas, já que abrigam moradores de classe média alta e moradores decomunidades favelizadas.

Foi realizado estudo transversal em que se descreve e analisa a situação dotrabalho precoce em adolescentes (de 10 a 19 anos) matriculados em escolas darede pública municipal da Zona Sul do Rio de Janeiro no ano de 1995. Ouniverso de investigação foi constituído por 2144 menores, que apenas estudame que estudam e trabalham. Informações dos estudantes foram colhidas porentrevistas auto-aplicadas na própria escola e se referem à família (constituição,caracterização socioeconômica, ocupação dos pais, situação marital, local econdições de residência) e ao próprio aluno (características pessoais, escolares,ocupacionais). Àqueles identificados como trabalhadores foi aplicada entrevistasemi-estruturada a respeito de seu trabalho, expectativas de vida e dificuldades.

Dentre algumas conclusões da autora, pode-se citar: o trabalho da criança edo adolescente caracteriza-se pela desqualificação, subemprego e exploração damão-de-obra, estando presente em todos os setores da economia. Segundo aautora, foi observado que na categoria de ocupação Prestação de Serviços,na qual estão incluídas as profissões de babá e empregada doméstica, hápredominância do sexo feminino (68,6%) no grupo estudado, assim como nacategoria de Artistas a freqüência maior também cabe ao sexo feminino (82,3%).Por outro lado, os trabalhos nas ruas, na categoria de Ocupações Mal Definidos,são mais freqüentes no sexo masculino (75,2%), o mesmo acontecendo na Indústriade Transformação e Construção Civil, onde 90% são do sexo masculino. Quandoestudada a categoria de Funções Burocráticas e de Escritório, 91,8% são do sexofeminino. Já nas categorias Prostituição, Técnica e Transporte e Comunicações,100% são do sexo feminino e na de Contraventores 100% do masculino.

As categorias de ocupação dos pais abrangem a contravenção, a prostituição,o transporte, a comunicação e as atividades técnicas, relatadas por um reduzidonúmero de alunos e as demais categorias ligadas às indústrias de transformação,de construção civil, de artista e burocráticas; a situação de estudante - trabalhadorinfluencia no rendimento escolar, principalmente nas primeiras séries, existindoum atraso da idade, evidenciado pelas medianas de idade por série freqüentada,onde o respectivo desvio é maior para este grupo de alunos; o fato de residir como pai “protege” o estudante da inserção precoce no mundo do trabalho, doquando comparado com a residência com a mãe ou com ambos os genitores.

Entre os 2144 estudantes amostrados, 14% referiram não saber definir emque desejam trabalhar no futuro, aqueles que expressaram seu desejo em relaçãoà profissão futura o fizeram almejando ser alguém importante, independente, alguma coisa

que ajude a família, entre outros.

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A necessidade de intervenção em todos os níveis, e não somente para umprograma de vigilância à saúde dos menores trabalhadores, e que estejam voltadospara a erradicação do trabalho infantil, mesmo em nível global, é preconizadopor Minayo-Gomes e Meirelles (1997, p.140) em texto opinativo sobre ocompromisso da Saúde Coletiva nesta questão:

...torna-se necessário , portanto, uma política intersetorial envolvendo os órgãos públicos

(Ministério do Trabalho, Justiça, da Saúde e da Educação), os sindicatos, as ONGs e,

principalmente, as instâncias de proteção da infância e adolescência (Conselhos Municipais

da Criança e do Adolescente e Conselhos Tutelares). Essa atuação conjunta possibilitaria,

dentre outras ações, o desenvolvimento de um programa eficaz de vigilância à saúde desses

trabalhadores e à fiscalização da exploração do trabalho juvenil.

Cruz Neto e Moreira (1998, p. 438), em texto crítico sobre as propostasde avaliações, tomadas de posição e expectativas sociais relacionadas ao trabalhoinfanto-juvenil, considera que este trabalho é derivado de problemas sócio-econômicos, mas também observa que sua manutenção também interessa aomercado, uma vez que envolve gastos reduzidos e gera expressivos lucros.Dizem eles:

Em artigo intitulado “Trabalho de Menor Ajuda a Exportação”, recentemente veiculado

nos principais jornais do país, o assessor de comércio exterior da poderosa CNC –

Confederação Nacional do Comércio (cujos partícipes recebem vultosos subsídios do poder

público federal e isenção de impostos dos governos estaduais) defendia ardorosamente o

trabalho infanto-juvenil, afirmando que é considerável a contribuição do trabalho de

menores para a economia da região norte-nordeste, particularmente quanto à produção

para o mercado externo, ou até mesmo no industrializado São Paulo, não só na

colheita de laranja em Bebedouro, como também na própria fabricação de calçados.

Expostas desta maneira asséptica, tais afirmações parecem conferir ao trabalho infanto-

juvenil o caráter importante de uma atividade que retira o jovem das ruas e do ócio,

concentrando suas atenções e potencialidades em uma atividade nobre que contribui,

inclusive, para o desenvolvimento do país.

Confrontando com o exposto acima, os autores observam que crianças eadolescentes ‘contribuem’ para este desenvolvimento nacional sendo obrigadosa perder seus direitos reconhecidos legalmente, sendo prejudicados em seusrendimentos escolares, sofrendo seguidos agravos à saúde e não se constituindo nemem estudantes que trabalham, nem em trabalhadores que estudam conforme explicitado porSilva apud Cruz Neto e Moreira (1998, p. 438).

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A V I O L Ê N C I A D O T R A B A L H O I N F A N T I L : A S P E C T O S S A N I T Á R I O S ,P O L Í T I C O S , J U R Í D I C O - L E G A I S E S O C I A I S - U M A R E V I S Ã O D A L I T E R A T U R A

Meira (2000), em texto teórico sobre trabalho infantil, enfatiza a necessidadeda dimensão do lúdico na formação global do ser, enquanto pessoa e no processode identificação do que virá a ser no futuro por intermédio de ensaios queacontecem nas brincadeiras realizadas.

Segundo a autora: são nas brincadeiras de faz-de-conta que nos levam a uma fala a

respeito da forma que hoje se situam diante dos pais, dos semelhantes, da sexualidade, da escola, dos

objetos, dos ideais, do simbólico. Cita que “as crianças modernas” mostram hoje oquanto prevalece a escolha de objetos na própria operação do brincar, revelandouma repetição metonímica que encobre a dificuldade, mesmo das criançasneuróticas, de ascender a um lugar subjetivo, marcado pela produção metafórica.Revela também a dificuldade das escolas em adaptar-se (dias de hoje), e assim, ascrianças são convocadas a trabalhar muito nas escolas, mas sobre conteúdos light.Tudo para adaptar-se à inteligência própria da era tecnológica: de fácilmemorização, rápida assimilação, e sem muitas exigências de elaboração.

A autora discute que os pais das classes média e alta buscam, cada vez mais,suprir o que supõem ser as “fraturas escolares”, que se evidenciam nas alusões àsfalhas do ensino atual, com uma exacerbação de exigências extracurriculares.As crianças são chamadas a “trabalhar em dobro”, a se ocupar de inúmerasatividades sem encontrar tempo para exercer este que é o trabalho a que deveriamse dedicar: o brincar.

Ferreira (2001) faz uma revisão sobre textos oficiais, nacionais e internacionaise acadêmicos publicados, de interesse para o campo da psicologia.

O primeiro é do próprio Ferreira e se constitui em relatório final de pesquisaepidemiológica sobre acidentes de trabalho em Porto Alegre (1993 -1996)abrangendo 2800 casos registrados de trabalhadores urbanos, segurados do INSS,que evidenciava dois aspectos importantes sobre o trabalho precoce: a enormevariedade de inserções de adolescentes no mercado formal de trabalho e a fantásticamultiplicidade de tarefas a seu encargo, lidando com todo o tipo de tecnologia,tornando-os um grupo relevante de risco. Segundo o autor, atuam como fatoresdesfavoráveis o baixo nível de escolaridade, ausência de políticas de capacitaçãopara o trabalho e uma fluidez completa que lhes imprime a condição de trabalhadorgeneralista, pronto para qualquer tarefa. Esta característica justifica sua utilizaçãocomo “pau para toda obra”, condição em que o desvio de função é uma constante,levando-se em conta as razões alegadas para sua contratação em contraposiçãocom as funções que exerce.

Em seu artigo, o autor destaca que essa foi uma pequena amostra dosignificado real do trabalho precoce, na medida em que apenas parte do mercadode trabalho estava representado. Um dado importante é a presença significativade adolescentes, em atividades formais decorrente de uma legislação por cotas

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imposta às empresas de qualquer natureza que as obriga a empregar e matricularnos cursos mantidos pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial(SENAI), já que são admitidos como aprendizes; para isso, as indústrias devemter um número de aprendizes equivalentes a 5% e 15% dos operários existentesem cada estabelecimento.

A segunda pesquisa é o trabalho de Silva (dissertação de Mestrado defendidaem 2000) que foi realizada no meio rural de Santa Cruz do Sul. É uma pesquisaqualitativa no campo da Psicologia. Trabalhou com o processo de identidadefeminina em meninas de até 14 anos, que ingressaram precocemente no trabalho,seja na lida da lavoura do fumo, seja no apoio logístico que dão à família,realizando a maioria dos trabalhos domésticos, que inclui cuidar dos animais,arrumar a casa, cuidar de irmãos, fazer as refeições, entre outros.

Os achados da autora revelam com nitidez que as referências afetivas,principalmente em sua identificação com a figura materna, sofrem interferênciasseveras de sua condição de menina trabalhadora. Raros são os sinais de acolhimentoe proteção, com exacerbação do senso de responsabilidade e dever, anulandotodo o espaço para desenvolvimento do lúdico. A relação com as figuras paternasfaz-se exclusivamente por intermédio das expectativas e desempenhos que filhas epais colocam no trabalho. Os testes de percepção temática com figura de animaismostraram relações calcadas no medo da punição e desejos muito fortes de fugade casa e, mesmo, de morte dos pais. As expectativas de realização pessoal sãoreduzidas ao gerenciamento do espaço da casa e do matrimônio, com manifestaçõesfreqüentes de reconhecimento de uma incapacidade pessoal – principalmente noplano intelectual – que as impedem de desejar algo mais como estudar, chegar àuniversidade ou exercer ofícios que exijam algum aprimoramento intelectual.

O estudo de Feitosa et al. (2001) é exploratório, centrado na possibilidade deintervenção a partir do Programa de Saúde do Trabalhador existente no SUS(Secretarias de Saúde) na cidade de Natal – RN, bairro de Gramorezinho.O trabalho foi realizado através de entrevistas a famílias de moradores e técnicoscom o objetivo de investigar como estão funcionando estes serviços e como inserea questão do trabalho precoce.

Os resultados mostraram que o Programa de Saúde do Trabalhador doPosto de Saúde local, inicialmente, pretendia desenvolver ações voltadas àassistência e vigilância sanitária. Quanto à assistência, a SMS havia preconizadoque os usuários deveriam ter carteira assinada e que somente o trabalhadorformal receberia assistência. Atualmente, o que se constata é a inexistênciado PST. O programa conta apenas com um médico clínico, e diante dasdificuldades enfrentadas, encontra-se em vias de extinguir o programa. Essasdificuldades vão desde o não reconhecimento da Saúde do Trabalhador

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A V I O L Ê N C I A D O T R A B A L H O I N F A N T I L : A S P E C T O S S A N I T Á R I O S ,P O L Í T I C O S , J U R Í D I C O - L E G A I S E S O C I A I S - U M A R E V I S Ã O D A L I T E R A T U R A

como uma especialidade médica (por parte do Conselho Regional de Medicina)até a falta de material, equipamentos, de um corpo técnico que lhe permitisserespaldar a prática do programa.

Quanto ao Núcleo de Saúde do Trabalhador, que realiza apenas açõesvoltadas à vigilância sanitária, vem desenvolvendo, junto ao Núcleo de Alimentose o Distrito Sanitário Norte, atividades no projeto de avaliação da contaminaçãopor agrotóxico e microorganismos nas hortaliças cultivadas numa área entreExtremóz e Natal, área em que há presença de trabalho infantil. Esse projeto teveinício em 1997 devido à denúncia de utilização indiscriminada de agrotóxico,sem a utilização de equipamentos de proteção individual e pelo problema daágua contaminada da lagoa, que era usada para a irrigação das hortaliças. Emrelação ao uso de agrotóxico, 84,3% dos trabalhadores utilizavam-no e apenas21,5% destes usavam alguma proteção durante a aplicação. O projeto abrange249 trabalhadores (77,2% homens e 22,4% mulheres) exercendo atividades nahorta, segundo o cadastramento realizado em 1998 pela COVISA (Coordenaçãode Vigilância Sanitária de Natal). Há registros de crianças e adolescentes trabalhandona horta (1,6% entre 6 e 10 anos; 8,4% entre 11 e 15 anos e 23,6% entre 16 e20 anos). Os dados oficiais representam um número bastante inferior à realidadeobservada no local, pois os técnicos de saneamento do Distrito Norte informaramque, embora tivesse muita criança trabalhando na área, não houve umapreocupação em registrá-las e não havia programas ou atividades específicaspara os trabalhadores rurais expostos a agrotóxicos desta faixa etária.

As autoras concluem seu trabalho declarando a necessidade urgente dedesenvolver políticas públicas de saúde que incluam essa população (crianças eadolescentes) como objeto de estudo para que profissionais com capacitaçãoespecífica e comprometidos com a questão, possam pensar em estratégias para oenfrentamento do problema, como também para auxiliar essas comunidades econtribuir com possíveis mudanças nessa realidade.

Val (2003), em Dissertação de Mestrado, estudou o trabalho infanto-juvenilem uma comunidade favelizada da zona norte do município do Rio de Janeiro.Esta dissertação pressupõe três momentos que compõem metodologias e abordagensdistintas: Momento 1 – de caráter reflexivo - onde se buscou na literatura científicaos conceitos básicos deste estudo utilizando os sites: Medline, Lilacs, entre outros,e textos selecionados de Ciências Sociais, Saúde Coletiva, entre outros.

Momento 2 – de caráter descritivo/analítico – onde se deu a pesquisa empíricaatravés de questionários e observação de campo e avaliação dos resultados,implicando nas diversas atividades, cujos objetivos são selecionar, identificar ecaracterizar a população alvo e levantar os dados sobre o trabalho infanto-juvenil em suas características relacionadas ao par Saúde-Trabalho.

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A escolha da comunidade estudada foi feita seguindo o seguinte critério:

• Acesso: facilidade de chegar, transitar e permanecer na comunidade portempo necessário para realização do projeto;

• Segurança: ausência de tráfico de drogas e suas conseqüências; Disponibilidadede colaboração: confiança dos moradores e boas relações com as famíliase lideranças comunitárias;

• Familiaridade com o local e disponibilidade de informações.

Segundo estes critérios foi selecionada uma comunidade que havia sido objetode projeto anteriormente realizado com participação da autora (Lenzi et al., 2000).

O projeto acima referido, denominado Controle Participativo do Dengue, foirealizado pelo Departamento de Ciências Biológicas da Escola Nacional de SaúdePública – FIOCRUZ, no período entre 1997/2001, e teve como objetivo geral aconstrução e avaliação da eficácia do modelo alternativo para controle do dengue.Para atingir tal objetivo, realizou-se “um registro geográfico da área”, e a partirdaí foi selecionada uma amostra aleatória representativa correspondente a 165domicílios (20% das residências), distribuídos pelas 33 ruas existentes no local.Durante os meses de julho e agosto de 1997, foram aplicados questionáriospara levantamento de dados sócio-econômicos-culturais e comportamentais quecaracterizassem a comunidade.

Dos dados coletados, foram selecionadas as famílias que tinham entre seusmoradores crianças de 7 a 14 anos, idade de obrigatoriedade escolar, assim, 41famílias foram entrevistadas e destas 37 negaram a existência do trabalho infanto-juvenil no âmbito familiar, diferente do que foi observado pela pesquisadora emcampo. Uma hipótese para tal fato seria a veiculação de propaganda governamentalna mídia afirmando ser o trabalho infantil ilegal.

Mesmo assim, das famílias entrevistadas, três declararam a existência demenores trabalhadores (duas famílias com um menor e uma com dois menores)totalizando quatro trabalhadores no grupo etário de 7 a 14 anos.

Uma das famílias com menores trabalhando pode ser considerada “atípica”em relação à totalidade das famílias da população alvo, por ser a única com 12membros. As condições de vida estão entre as “piores”. A família declarou quehavia apenas um menor trabalhando, mas identificamos um outro, de 16 anostrabalhando, e também achamos oportuno incluí-lo na amostra, justificando suainclusão por este ser um estudo de caso, em que se utiliza análise qualitativa,fazendo-se apropriado que coletássemos o maior número de elementos que nospermitisse melhor entender a problemática do trabalho sob estudo.

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Na idade em que compreende a população de estudo (7 a 14 anos), há apredominância do 1º grau incompleto, que distribuída por sexo aponta 86,9% dosexo masculino e 93,9% do sexo feminino, justificável para a faixa etária, já queem geral o 1º grau é concluído ao completar ou com pouco mais de 14 anos,embora todos os menores que foram declarados trabalhadores sejam do sexomasculino, não estavam inseridos na rede de ensino e o único menor que estuda,o faz com uma “explicadora” e está sendo alfabetizado.

Todos os menores trabalhadores afirmaram que gostariam de estar estudando,para obter conhecimento e como forma de obter ascensão social.

A distribuição da renda mensal familiar é variada, foram encontradas famíliassem nenhuma renda, vivendo de ajuda de parentes e amigos e famílias com rendamensal familiar de mais de 10 salários mínimos, 19,51% das famílias têm de 1 a 3salários mínimos de renda mensal familiar, 29,27% têm de 3 a 5 salários mínimose 31,71% têm entre 5 e 10 salários mínimos de renda mensal familiar

As famílias justificam e aprovam o fato de os filhos trabalharem do ponto de vistada saúde: o trabalho faz bem à saúde e sua falta pode levar ao adoecimento; cultural: ospais também começaram suas atividades laborais cedo, e por não se sentiremprejudicados, acham natural que seus filhos menores trabalhem; econômico: o dinheirorecebido pelos menores contribui para a manutenção e sobrevivência familiar; social: otrabalho é a forma encontrada de retirar as crianças e adolescentes das ruas, do ócio,assim, evitando que sejam envolvidos pela marginalidade devido ao meio em que vivem.

Quadro 1Texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto.

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CONCLUSÕES FINAIS

Os dados estatísticos sobre o trabalho infantil são extremamente escassos eprecários. A razão desta falta de informação resulta de não haver uma metodologiaapropriada para aprofundar a questão do trabalho de menores o que faz que sejaeste um fenômeno oculto.

Estes dados oficiais apontam que a maior parte dos trabalhadores infantis,desse país, está na área rural, principalmente na região Nordeste e Sul, levantandoa hipótese por serem áreas de atividades agropecuárias, em sua maioria são dosexo masculino, embora o quantitativo do sexo feminino seja bastante representativo,assim como existe esse tipo de atividade em todas as regiões do Brasil.

Alguns fatores para a presença de crianças e adolescentes no mercado detrabalho: pobreza; estrutura do mercado de trabalho capitalista; baixo índice deescolaridade e evasão escolar pela necessidade de participar economicamentepara a sobrevivência do núcleo familiar.

Entre as conseqüências do trabalho infanto-juvenil: desgaste físico e mentalpela sobrecarga de tarefas; diminuição do tempo de lazer, vida em família,educação e sociedade o qual é pertencente.Agravos, doenças e acidentes detrabalho precoce para a idade, muitas vezes levando-os à incapacidade para otrabalho na vida adulta.

R E F E R E N C I A S B I B L I O G R Á F I C A S

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CA D E R N O S S A Ú D E C O L E T I V A , R I O D E J A N E I R O , 14 (1 ) : 113 - 140, 2006 – 139

A V I O L Ê N C I A D O T R A B A L H O I N F A N T I L : A S P E C T O S S A N I T Á R I O S ,P O L Í T I C O S , J U R Í D I C O - L E G A I S E S O C I A I S - U M A R E V I S Ã O D A L I T E R A T U R A

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140 – CA D E R N O S S A Ú D E C O L E T I V A , R I O D E J A N E I R O , 14 (1 ) : 113 - 140 , 2006

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