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C ADERNOS S AÚDE C OLETIVA , R IO DE J ANEIRO , 14 (1): 95 - 112, 2006 – 95 PROCESSO DE INOVAÇÃO TECNOLÓGICA EM SAÚDE: UMA ANÁLISE A PARTIR DA ORGANIZAÇÃO INDUSTRIAL Medical technology innovation process: an analysis from the industrial organization viewpoint Rosângela Caetano 1 , Cid Manso de Mello Vianna 2 RESUMO As últimas décadas têm presenciado um processo de transformação e de inovação tecnológica sem precedentes na área da saúde. Uma grande proporção das técnicas, instrumentos e recursos diagnósticos e terapêuticos hoje utilizados era desconhecida há trinta anos e, a cada ano, novos conhecimentos e produtos em saúde tornam-se disponíveis. Sua incorporação ao sistema de saúde tem produzido modificações importantes que vão desde mudanças significativas na prática médica cotidiana, nos processos de diagnóstico e de terapêutica utilizado, até alterações na forma de organização e reorganização dos serviços de saúde e, também, na organização industrial dos setores produtores dessas tecnologias médicas. Compreender melhor esses fatores e suas influências é necessário para a gestão e avaliação das tecnologias em saúde. Este artigo explora as relações entre tecnologia e organização industrial. Após examinar alguns conceitos sobre tecnologia e das relações existentes entre esta e a ciência, discutem-se alguns determinantes das atividades de inovação, os fatores que interferem na adoção e difusão das tecnologias nos meios econômicos e sociais, finalizando com uma pequena análise sobre sistemas setoriais de inovação e sistemas tecnológicos. Ao final, o texto volta-se para examinar o setor saúde, seus constituintes e sua dinâmica ao longo do tempo. PALAVRAS-CHAVE Tecnologia em saúde, difusão de inovações, complexo médico-industrial, sistema de inovações em saúde ABSTRACT In recent decades there has been an unprecedented process of technology transformation and innovation in the health area. A great deal of techniques, instruments, and diagnostic and therapeutical resources used today were unknown 30 years ago and new medical knowledge and products become available every year. Their incorporation into the health system has produced both important changes in quotidian medical practice, diagnoses and therapies, and alterations in health services organization and re-organization, as well as in the industrial organization of sectors which produce these medical technologies. 1 Doutora em Saúde Coletiva. Professora Adjunta do Instituto de Medicina Social-Universidade do Estado do Rio de Janeiro, End.: Instituto de Medicina Social-UERJ - Rua São Francisco Xavier, 524 - 7º andar - Blocos D e E - Maracanã - Rio de Janeiro /RJ - Brasil - 20550-900 Tel.: 055-21-25877303 e-mail: [email protected] 2 Doutor em Economia. Professor adjunto do Instituto de Medicina Social-Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

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PROCESSO DE INOVAÇÃO TECNOLÓGICA EM SAÚDE: UMA ANÁLISE A PARTIR DA

ORGANIZAÇÃO INDUSTRIAL

Medical technology innovation process: an analysis from the industrialorganization viewpoint

Rosângela Caetano1, Cid Manso de Mello Vianna2

RESUMO

As últimas décadas têm presenciado um processo de transformação e de inovaçãotecnológica sem precedentes na área da saúde. Uma grande proporção das técnicas,instrumentos e recursos diagnósticos e terapêuticos hoje utilizados era desconhecida hátrinta anos e, a cada ano, novos conhecimentos e produtos em saúde tornam-se disponíveis.Sua incorporação ao sistema de saúde tem produzido modificações importantes quevão desde mudanças significativas na prática médica cotidiana, nos processos dediagnóstico e de terapêutica utilizado, até alterações na forma de organização ereorganização dos serviços de saúde e, também, na organização industrial dos setoresprodutores dessas tecnologias médicas.Compreender melhor esses fatores e suas influências é necessário para a gestão eavaliação das tecnologias em saúde. Este artigo explora as relações entre tecnologiae organização industrial. Após examinar alguns conceitos sobre tecnologia e dasrelações existentes entre esta e a ciência, discutem-se alguns determinantes das atividadesde inovação, os fatores que interferem na adoção e difusão das tecnologias nos meioseconômicos e sociais, finalizando com uma pequena análise sobre sistemas setoriais deinovação e sistemas tecnológicos. Ao final, o texto volta-se para examinar o setorsaúde, seus constituintes e sua dinâmica ao longo do tempo.

PALAVRAS-CHAVE

Tecnologia em saúde, difusão de inovações, complexo médico-industrial, sistema deinovações em saúde

ABSTRACT

In recent decades there has been an unprecedented process of technology transformationand innovation in the health area. A great deal of techniques, instruments, and diagnosticand therapeutical resources used today were unknown 30 years ago and new medicalknowledge and products become available every year. Their incorporation into thehealth system has produced both important changes in quotidian medical practice,diagnoses and therapies, and alterations in health services organization and re-organization,as well as in the industrial organization of sectors which produce these medical technologies.

1 Doutora em Saúde Coletiva. Professora Adjunta do Inst i tu to de Medic ina Socia l-Univers idade doEstado do Rio de Janeiro, End.: Instituto de Medicina Social-UERJ - Rua São Francisco Xavier, 524 -7º andar - Blocos D e E - Maracanã - Rio de Janeiro /RJ - Brasil - 20550-900 Tel.: 055-21-25877303e-mai l : [email protected]

2 Doutor em Economia. Professor adjunto do Instituto de Medicina Social-Universidade do Estado doRio de Janeiro.

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A better comprehension of these factors and their influences is necessary for themanagement and assessment of medical technology. This paper analyzes the relationsbetween technology and industrial organization. After examining some technologyconcepts and the relations between science and technology, the text discusses somedeterminants of innovative activities, the factors that interfere in technology adoptionand diffusion among economic and social milieus, and then presents a brief analysis ofinnovation and technology sectorial systems. The paper concludes by analyzing thehealth sector, its constituents and dynamics over time.

KEY WORDS

Technology medical, diffusion of innovation, medical-industrial complex, healthinnovation system

1. INTRODUÇÃO

As últimas décadas têm presenciado um processo de transformação e deinovação tecnológica sem precedentes na área da saúde. Uma grande proporçãodas técnicas, instrumentos e recursos diagnósticos e terapêuticos hoje utilizadosera desconhecida trinta anos atrás e, a cada ano, novos conhecimentos e produtosem saúde tornam-se disponíveis.

Ao mesmo tempo em que a tecnologia médica se transformou e se multiplicou,os custos e sistemas de financiamento dos cuidados de saúde também se alterarambastante nos últimos anos. Os gastos com os cuidados de saúde vêm crescendosignificativamente em todas as nações industrializadas, particularmente nasúltimas duas décadas e em proporções bastante superiores ao crescimento de seusrespectivos PIB (Anderson & Poulier, 1999). Ainda que, na década de 90, atendência de aumento tenha sofrido uma desaceleração (resultado de processos dereforma dos sistemas de saúde que se expressaram em diversas medidas de contençãoe racionalização dos custos), os gastos continuam em ascensão e proporçõessubstanciais das rendas nacionais são anualmente comprometidas com essas despesas.

Uma parte importante dessa elevação nos gastos é atribuída à proliferação eincorporação de novas tecnologias em saúde, principalmente daquelas de customais elevado, ainda que a natureza e o grau dessa relação não sejam exatamenteclaros (Health Care Technology Institute, 1994). Além das mudanças no campoda tecnologia médica, considera-se que outros fatores contribuem para a elevação,a saber: a extensão horizontal (pela inclusão de novos segmentos como clientelados serviços de saúde) e vertical (a partir da complexificação e diversificação daoferta de serviços médico-sanitários, como a inclusão de assistência odontológica,terapias de alto custo, terapias alternativas, etc.) da cobertura, derivada dosprogramas de universalização; o envelhecimento da estrutura etária das populações;as transformações nas estruturas de morbimortalidade, com aumento da prevalênciadas doenças crônico-degenerativas; as estruturas securitárias, com aumento cada

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vez maior do seguro como elemento de indenização e proteção dos riscos deprestadores de serviços e indivíduos (medicina defensiva); e fatores socioeconômicose culturais (Médici, 1995).

O curso futuro desses gastos dependerá, entre outros fatores, da base científica,em contínua transformação e que modela o que a pesquisa é capaz de fazer, e deum variado conjunto de forças econômicas e sociais que moldam o mercado paraas novas inovações em saúde surgidas a partir da P&D médica. Independentementedesse futuro incerto, a ascensão já evidenciada nos custos e sua tendência a umcrescimento contínuo têm induzido os governos a tentativas de controle doscustos, uma grande parte das quais tendo as tecnologias como alvo específico.Nesses tempos de custos ascendentes, de reestruturação dos cuidados de saúdebaseada no mercado, de propostas de reformas de saúde e de possibilidade de umacesso aos cuidados de saúde restrito e (quiçá inadequado), a tecnologia permanececomo a essência do cuidado de saúde. Culpada ou não pela elevação dos custosde saúde, ela pode __ e deve __ ser regulada e mais bem gerida.

A demanda e oferta de tecnologia determinam grandemente tanto odesenvolvimento quanto a disseminação de novas tecnologias em saúde. Porém,não apenas essas, já que as forças subjacentes à mudança tecnológica são várias,incluindo o desejo de prover benefícios em saúde aos pacientes e de explorar edesenvolver pesquisas. A pesquisa biomédica é geralmente internacional e asinovações procedentes dessa comunidade de pesquisa não reconhecem fronteirasentre os países. A indústria biomédica é também crescentemente multinacional,operando e competindo em mercados globais.

O desenvolvimento de novas tecnologias médicas pode demorar anos mas,uma vez desenvolvida, seu produto torna-se quase imediatamente comercialmentedisponível em qualquer parte do mundo. Compreender melhor esses fatores esuas influências é necessário para a gestão e avaliação das tecnologias em saúde.

Orientado por esses objetivos, este artigo explora as relações entre tecnologiae organização industrial. Após o exame de alguns conceitos sobre tecnologia edas relações existentes entre esta e a ciência, discutem-se alguns determinantes dasatividades de inovação, os fatores que interferem na adoção e difusão das tecnologiasnos meios econômicos e sociais, finalizando com uma pequena análise sobresistemas setoriais de inovação e sistemas tecnológicos. Ao final, o texto volta-separa examinar o setor saúde, seus constituintes e sua dinâmica ao longo do tempo.

2. TECNOLOGIA E ORGANIZAÇÃO INDUSTRIAL

Uma das principais características da nossa sociedade tem sido o uso crescenteda tecnologia como instrumento de competição e dominação, não apenas defirmas e mercados, mas também de Estados e países.

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Estudos sobre o desenvolvimento e o progresso tecnológico devem considerarvários aspectos. Primeiro, existem dois níveis de compreensão que devem seridentificados e analisados separadamente: um deles está relacionado à idéia deartefato, isto é, o produto e o processo de produção que cada firma desenvolvee supre o mercado; o outro assinala a base de conhecimento, que inclui nãoapenas o saber científico aceito, mas também as idéias, conceitos e modos tácitosnecessários a uma produtividade particular.

Destes dois níveis, o estoque de conhecimento (EC) acumulado por umaorganização (ou país) é uma questão-chave no entendimento do processo demudança técnica. Este conhecimento é a lente com a qual se consegue “enxergar”o mundo externo. É a partir dele que as organizações podem identificar asoportunidades, alterações e até as ameaças a seu funcionamento. Mas ele temtambém outro importante papel, isto é, o de servir de espelho com o qual cadaorganização se vê internamente. A cultura organizacional e as rotinas de produçãosão produtos diretos do EC, assim como a inércia às modificações e adaptaçõesque se fazem necessárias no percurso diário.

Além disso, é preciso distinguir a natureza do conhecimento. Todo oconhecimento tem um determinado grau de especificidade, que pode ser baixaou alta. Assim, na medida em que vai aumentando essa especificidade, vai diminuindosua aplicabilidade universal, podendo no limite ser utilizado apenas por aquelesque tacitamente têm seu domínio. Depois, ele também pode ser público na formade publicações científicas ou técnicas, e estar à disposição de qualquer um parasua utilização, ou privado, onde os agentes econômicos detêm a sua propriedade.

Segundo, o progresso técnico tem caráter descontínuo e a evolução datecnologia não é produto do acaso, mas obedece a padrões determinados pelainter-relação entre ciência, tecnologia e outros fatores econômicos, institucionaise sociais. Em conseqüência, a atenção dos pesquisadores se direcionou não maispara uma inovação particular, mas sobre suas conexões e fatores estruturais.

Os determinantes da atividade de inovação são geralmente classificados emduas categorias: demand pull ou science / technology push. A diferença de conceitosvaria de acordo com o papel atribuído na capacidade de sinalização ex ante dasforças de mercado em moldar a direção do progresso técnico, relativo ao avançoautônomo da ciência e da tecnologia.

O modelo de science e technology push como esquema explicativo enfatiza aoferta do processo de desenvolvimento técnico-científico como mecanismo básico,isto é, o processo (e a taxa) de inovar é o resultado de um programa deinvestimentos e do estoque de capital relacionado à P&D. Ciência e tecnologiasão tratadas exogenamente, criando suas próprias demandas de inovações, têmcaráter neutro e seu desempenho é totalmente independente das forças do mercado.

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Na sua forma convencional, esse esquema sugere uma seqüência automáticade etapas da ciência básica à pesquisa aplicada, desenvolvimento e produçãoindustrial (Branscomb, 1994). O problema é que, embora esse modelo possadescrever razoavelmente bem a evolução ocorrida na indústria em áreas no limitedo conhecimento científico, como a biotecnologia e a engenharia genética, eletem pequena capacidade explicativa para indústrias maduras. Além disso,negligencia o fato de que os fatores econômicos são importantes na definição dadireção e da taxa do progresso técnico.

Os modelos de demand pull, por sua vez, estão preocupados com outrascaracterísticas do processo de inovação. Se a evolução tecnológica é umprocesso autônomo, como explicar as diferenças no tempo e no espaço daadoção de algum novo produto? A resposta é admitir a existência de forçassociais e institucionais, que, através do mercado, sinalizam para as firmas oscaminhos exigidos ao desenvolvimento. Neste contexto, a inovação podeser representada como escolha (ou alocação de recursos) de algum pontoda fronteira de possibilidades técnicas, de acordo com os sinais enviadospelo mercado.

Esse esquema tem, por sua vez, algumas deficiências, sendo as principais: (i)conceber a tecnologia como um conjunto de “caixas pretas”, apresentando-acomo estando livremente disponível, flexível e capaz de ser usada sempre que omercado exigir; (ii) não conseguir conciliar a existência de descontinuidadestecnológicas, presentes nas inovações radicais, ou seja, não explica o aparecimentode novos produtos e processos pelas necessidades da “demanda”, se nada similarexiste naquele momento no mercado; e, por fim, (iii) ser incapaz de explicar otiming correto do aparecimento de uma inovação particular.

Além disso, o argumento de que “a percepção do potencial da demanda”como motivação para o surgimento de inovações de sucesso não passa de umtruísmo. Isto porque, numa economia capitalista, a introdução de produtos eprocessos mais modernos só é realizada se as firmas acreditam obter lucro comelas por meio do mercado. Nesse sentido, essa é uma condição necessária, masinsuficiente para explicar todo o processo de mudança tecnológica.

A partir dos anos 80, ocorreu uma importante modificação na naturezae no significado dos imperativos do desenvolvimento tecnológico. Da discussãoda importância de uma inovação particular, cuja questão central era determinaro peso da demanda versus a capacidade da própria tecnologia em comandaro ritmo do progresso técnico, transitou-se para a visão mais ampla,centrada no valor da estrutura de cada tecnologia. Regimes, paradigmas,trajetórias e configurações de design tornaram-se os conceitos centraisdessa nova concepção.

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REGIMES, PARADIGMAS E TRAJETÓRIAS TECNOLÓGICAS

Nelson e Winter (1977), por exemplo, têm utilizado os termos regimetecnológico e trajetórias para se referir ao quadro intelectual que fornece abase das mudanças técnicas em um campo e período qualquer, associando-oinclusive à dinâmica interna do desenvolvimento de tecnologias específicas. Dosi(1982), por sua vez, tem empregado o termo paradigma tecnológico para sereferir à estrutura intelectual associada a um regime. Em outros termos, oparadigma delimita a heurística que condiciona a forma como os problemastécnicos e econômicos serão selecionados e resolvidos. A trajetória é aqui definidacomo o produto da atividade “normal” de pesquisa e de escolha de questõesrelevantes. Em síntese, o que esses atores pretendem estudar é a natureza doprocesso no qual surgem as inovações.

O processo de mudança tecnológica não está, portanto, restrito a uma únicainovação. Ele depende de várias inovações que acontecem em trajetóriasdeterminadas. Estas determinam, por meio de mecanismos competitivos, um designdominante que deve ser explorado (Utterback & Abernathy, 1975). Esse design éproduto de um bem-sucedido programa de pesquisa, que estabelece também aheurística com que os problemas serão atacados e resolvidos, referindo-se aosconjuntos de conhecimentos, hipóteses, métodos e parâmetros envolvidos nosprocessos de transformação de insumos em determinadas mercadorias.

O caráter crucial no aparecimento de inovações é a existência de atividadesseletivas, direcionadas e cumulativas. Nesse caso, o processo de desenvolvimentotecnológico cessa de ser observado como “caixa preta”, através da utilização demecanismos randômicos, ou apenas como dependente de demandas específicas etorna-se restrito a zonas fechadas que estão relacionadas à produção atual.

Em resumo, o processo de mudança tecnológica depende principalmente dasseguintes variáveis: (1) oportunidade, ou seja, a probabilidade de se conseguirinovar, dado um determinado esforço de pesquisa direcionado por um designdominante, a partir da base de conhecimento tecnológico e científico; (2)apropriabilidade, que depende da possibilidade de se apropriar os lucros de suainovação e protegê-las de imitadores. Alguns instrumentos que permitem umamaior apropriabilidade são patentes, segredo industrial, os altos custos e tempoenvolvidos no processo de duplicação, efeitos da curva de aprendizado, esforçode venda e eficiências originadas de economias de escala; e (3) cumulatividade,que se refere à condição em que o sucesso de várias inovações está seriamentecorrelacionado, dependendo da natureza cognitiva do processo de aprendizado,isto é, dos mecanismos de learning by doing, e da extensão do uso do estoque deconhecimento tecnológico. Neste contexto, a forma com que cada uma dessasvariáveis se diferencia estabelece regimes tecnológicos distintos.

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Inovações podem ser radicais ou incrementais. As primeiras referem-se aoaparecimento de novas formas de produção e produtos, de mecanismos degerenciamento e de venda de produtos e serviços, assim como a descoberta defontes alternativas de matérias-primas e mercado. Por exemplo, a descoberta dapenicilina, do tomógrafo, assim como o SUS e o processo de descentralização.A segunda diz respeito a mudanças em produtos, processo e serviços com a finalidadede aumentar a produtividade e as vendas. Estas inovações podem ter caráterobjetivo, quando significam mudanças reais, ou subjetivo, quando referem aalterações nas formas de apresentação de produtos ou serviços.

Até agora não se incluiu uma variável fundamental do desenvolvimentoeconômico e tecnológico __ a incerteza. A incerteza existe no processo econômicopor duas razões fundamentais: porque não existe informação suficiente e porquenão existe condição ou capacidade para processar as informações acumuladas.A incerteza torna-se um fator complicador na medida em que as ações de todosos agentes econômicos são irreversíveis. Uma decisão errada pode levar a grandesperdas de capital, inclusive promovendo a falência de organizações.

As incertezas podem também ser internas e externas às organizações. Asúltimas estão relacionadas à incapacidade de se saber efetivamente o que cadaconcorrente está fazendo internamente. Não é improvável que, ao mesmo tempoem que uma empresa está desenvolvendo um produto revolucionário, outrafirma esteja preste a levar ao mercado outro produto ainda mais avançado. Nestecaso, o risco de perder todo o investimento feito é bastante alto. Já as incertezasinternas resultam da possibilidade de se tornar decisões erradas, independentementedas informações acumuladas. Como a capacidade de calcular é limitada, nadagarante que as decisões que estão sendo tomadas sejam corretas.

Neste quadro, a competição pode ser vista como resultado de um duplomovimento realizado pelas organizações, por meio da necessidade de se estabelecerao mesmo tempo uma estratégia ofensiva e defensiva. Isto porque, a partir dahipótese de que os agentes econômicos se subdividem em firmas inovadoras eimitadoras, as estratégias de competição e as regras de comportamento de cadauma delas são antípodas. Para as primeiras, as mudanças tecnológicas representama possibilidade de impor ou promover assimetrias entre elas e seus competidores.O incentivo está na obtenção de lucros de monopólio e no domínio do mercadopelo maior período de tempo possível. Para essas firmas, a natureza datecnologia dos novos produtos define, ao menos parcialmente, suas estratégiasde comportamento. Na verdade, não só existe um novo mercado a ser explorado,como o diferencial de custo vis-à-vis outras empresas determina a margem demanobra no estabelecimento de preços e a “força” das barreiras à entrada deoutros competidores. Estas últimas dependem também diretamente, entre outros

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fatores, do coeficiente de aprendizado, do período entre o aparecimento deum novo produto e a sua imitação, e da taxa de inovações radicais.

Para as empresas imitadoras, o movimento é inverso, no qual se procuradiminuir todas as assimetrias existentes. A adoção de novas tecnologias dependedos retornos crescentes que é possível obter tendo em vista o aumento do númerode firmas que se iniciam em uma técnica de produção determinada. As principaiscaracterísticas desse processo são os graus variados de inflexibilidade, de não-previsibilidade, de ineficiência e de não-ergocidade, que se traduzem em modelosinstáveis, influenciados pela acumulação de eventos não-significativos, de pequenasheterogeneidades, ou de diferenças imperceptíveis durante o período em quecada decisão é tomada pelos agentes econômicos (Arthur, 1988).

A escolha de tecnologias específicas não é indeterminada e está condicionadapelo número de outras firmas que já deram início ao processo de produção. Já alucratividade depende não só do mercado constituído, mas também dos retornosfuturos esperados que cada técnica produtiva possa fornecer quando da suaadoção por outras empresas ao longo do tempo. As firmas não podem fugiraqui a um grau adicional de incerteza, resultante da possibilidade de o produto(ou processo) mais lucrativo hoje, não o ser nos próximos períodos, quando novasfirmas estiverem produzindo e competindo diretamente pelo mercado. Em suma,a decisão de se investir e de se adotar novas tecnologias depende não apenas dasexpectativas internas, mas também das externas e do comportamento esperado,com base na experiência anterior, das outras empresas.

Estratégias de competição, em resumo, dependem do papel que forças internase externas exercem sobre as firmas. Nas primeiras, importa o peso da inérciadiante das mudanças externas, em função dos sucessos alcançados no passado eda habilidade tecnológica adquirida e o papel da estrutura organizacional, quedefine a capacidade de reagir, desenvolver e explorar as oportunidades que emergemfora ou não da estratégia corrente de cada empresa. Essas forças refletem, emgraus variados, a cultura dominante (em termos de valores) das firmas quando daescolha das suas prioridades e opções de crescimento. Nas segundas, a pressãoexercida pela evolução direcional das áreas tecnológicas nas quais a firma seencontra inserida vai determinar o montante de novos investimentos necessários,a possibilidade de se apropriar (e se assegurar) de inovações e o design dominanteintrínseco a cada paradigma.

O processo de competição tecnológica assume assim um caráter dialético. Deum lado, as empresas procuram seguir um padrão produtivo semelhante, mediantea adoção de tecnologias já consagradas e cujos retornos potenciais tenham a maisalta expectativa possível. De outro, existe a necessidade de se almejar lucros demonopólio, pela diferenciação e reforço das assimetrias entre capacidade e

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eficiência das firmas, que devem traduzir em mecanismos rentáveis os investimentosem tecnologia e os esquemas de produção derivados. Em outros termos: as firmasdevem definir o escopo das suas operações na medida em que elas, na maioria dasvezes, não detêm a totalidade de conhecimentos exigidos por uma tecnologiaespecífica e não podem, portanto, atuar em toda a extensão da fronteira tecnológica.O resultado é que as firmas têm de distinguir e conhecer sua capacidade e optar emque áreas elas pretendem ser líderes na produção de tecnologia ou apenasseguidoras das inovações que aparecem no mercado. A competição é um processoturbulento, no qual existe uma pressão constante que pode levar à destruição doscapitais envolvidos, se não houver uma forma de se manter no jogo. Em umsistema capitalista, o mecanismo fundamental de garantia da sobrevivência é o daacumulação de capital. Capital é uma reserva que pode ser trocada ou vendida e,assim, permitir que uma organização possa continuar funcionando.

Nesse momento, pode-se então definir que um conjunto de firmas quebusquem um padrão semelhante de acumulação de capital compõe uma indústria.A acumulação de capital controla e organiza a base técnica e produtiva daeconomia, assim como suas instituições, e acontece fundamentalmente no campomercantil, financeiro, institucional e tecnológico.

Nesse quadro, é importante também verificar como ocorre o processo dedifusão e adoção de inovações tecnológicas. A difusão significa que novas tecnologiasestão se integrando ao sistema produtivo e provocando alterações estruturais, sejanas indústrias ou no comportamento de firmas e consumidores. Ela está relacionadaàs mudanças do papel econômico das inovações ao longo do tempo, isto é, asinfluências que as inovações produzem na produção industrial, como um todo,ou nas parcelas de mercado das várias firmas. Em contrapartida, a adoção, pelasfirmas, de novos produtos traduz a forma, o espaço de tempo e os mecanismos decomo essas tecnologias são incorporadas às suas atividades correntes.

A interligação entre esses dois processos depende das expectativas das empresassobre o padrão de competição e do sucesso ou não de suas respostas aos desafiosimpostos no passado, além de grande variedade de fatores, tais como: o aprendizadopelo uso e irradiação das informações, de modo que quanto mais uma tecnologiaé adotada, maior a probabilidade de que seu potencial seja compreendido eexplorado (Arthur, 1988); rede de usuários (Katz & Shapiro, 1986); economiade escala e de escopo; e mecanismos de inter-relacionamento, uma vez que,para cada tecnologia, existe uma grande variedade de outros produtos eprocessos de produção que têm de ser concomitantemente desenvolvidos ou criados.As principais diferenças observadas no tempo e nos setores, na taxa e no modopelo qual as inovações se distribuem, se difundem e são utilizadas refletem asoportunidades abertas por cada regime tecnológico; o grau de apropriação com

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que as firmas conseguem obter retornos econômicos; e o padrão de demanda e ascaracterísticas socioculturais dos consumidores.

O processo de difusão e/ou adoção não acontece em meios estáticos, nosquais as tecnologias permanecem constantes. Cada inovação é, na verdade, umestágio determinado das trajetórias que compõem os regimes tecnológicos. Astrajetórias estão sempre sujeitas à pressão competitiva, interna ou externa, pormelhoramentos adicionais, que representam alguns dos principais itens responsáveispelo crescimento da taxa de renovação tecnológica e do aparecimento de outrosusos para produtos antigos. A forma como evolui o padrão de difusão responde,nesse contexto, de como tecnologias rivais obtêm maior ou menor significadoeconômico. Em conseqüência, a estrutura de preço é redesenhada, de modo acondicionar favoravelmente ou não progressos posteriores.

O custo de difusão depende também dos ativos intangíveis que cada produtordeve possuir ou adquirir na aquisição de novas tecnologias. Normalmente, amaioria dos modelos e análise considera a tecnologia apenas como artefato. Aindaque essa característica tenha grande influência no custo atual das mercadorias(ou do processo de produção), deve-se reconhecer que as várias organizaçõesexistentes têm diferentes capacidades cognitivas e de assimilar o conhecimentotecnológico, além de possuírem direitos de propriedades e caminhos distintos deacessibilidade ao conhecimento público ou tácito de firmas específicas. A curva ea taxa de evolução das trajetórias dependem do ambiente no qual as firmas estãose “movendo” e interagindo.

A tecnologia (e as políticas a ela subordinadas) não pode se abstrair dascaracterísticas do sistema capitalista de inovação, ou seja: o seu caráter privado,no qual existe forte dependência ao lucro e às forças do mercado para seuaparecimento; a existência de múltiplas e independentes fontes rivais; e a subordinaçãoex post ao mercado, que seleciona novos produtos fabricados por diferentes firmas(Nelson, 1988).

O desenvolvimento econômico como função do diferencial de tecnologia éum processo de desequilíbrio e do surgimento de assimetrias, que responde a duasforças distintas: a inovação, que aumenta a distância e as diferenças de produtividade;e a difusão, que age no sentido contrário, reduzindo-a. Para as firmas, indústriasou países que se encontram atrasadas em relação à fronteira tecnológica, osucesso em reduzir o fosso de produtividade não depende apenas de seuspróprios esforços, mas também dos líderes de cada setor.

Fica evidente, do exposto acima, que o sucesso ou falência de uma inovaçãotecnológica é extremamente difícil de predizer no seu surgimento. Esforços depesquisa bem-sucedidos não conduzem, automaticamente, a um produtocomercializável e gradualmente incorporado ao sistema econômico, porque a

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incorporação dos resultados de pesquisa ao desenvolvimento de uma dadatecnologia e sua subseqüente difusão e disseminação na forma de um produto sãorepletas de incertezas. Outro conceito, também de origem evolucionista, o desistemas de inovação __ e suas variações, como sistema nacional de inovação, sistemassetoriais (no caso, de inovação em saúde) e sistemas tecnológicos __ pode ser útilpara realçar as complexidades e dificuldades inerentes a esse processo.

SISTEMAS DE INOVAÇÃO E SISTEMAS TECNOLÓGICOS

Considerando-se a mudança técnica como um processo endógeno ereconhecendo a variedade de produtos, processos, agentes econômicos e instituiçõesexistentes na economia e a interdependência destes múltiplos fatores, a dinâmicado processo de inovação pode ser apreciada em três planos: no planomicroeconômico, relacionado à ocorrência desse processo, suas diferenças e seuscondicionantes intrafirma; no plano intermediário, mesoeconômico, voltado paraas dinâmicas tecnológicas setoriais e a evolução intertemporal das trajetóriastecnológicas, bem como dos diversos tipos de relação entre as firmas; e, em umplano macroeconômico, que considera que a principal característica da economiacapitalista moderna é sua permanente transformação tecnológica, através de umconjunto de arranjos institucionais envolvidos no processo de inovação e difusãode tecnologias. É neste plano macro que se encaixam as várias abordagens desistemas de inovação, surgidas no campo da economia na última década.

A concepção de sistema de inovação parte do reconhecimento de que firmasdependem de uma variedade de ligações externas para adquirir os conhecimentos,informações e habilidades, tanto científicas quanto técnicas e organizacionais,necessárias para um processo inovador bem-sucedido. O sistema educacional ede treinamento, bem como uma ampla variedade de instituições como institutosde pesquisa, fontes de informação técnica, laboratórios governamentais, etc.exerceriam considerável influência no desempenho inovador das empresas.

Contudo, um sistema de inovação é muito mais que apenas o conjunto deinstituições de suporte de P&D. Ele envolve relações interfirmas e ligações devárias espécies entre usuários e produtores, bem como sistemas de incentivo eapropriabilidade, instituições financeiras, relações trabalhistas e uma ampla gamade instituições e políticas governamentais. Ele inclui também o sistema de difusãodas tecnologias e como as instituições e outros fatores influenciam ambos.

Existem duas concepções de sistemas de inovação na literatura sobre mudançatecnológica e inovação: a de sistemas nacionais de inovação e a de sistemastecnológicos (Edquist, 1997). A primeira considera as fronteiras geográficas dossistemas de inovação como dadas e analisa o variado conjunto de atores envolvidosnos processos de inovação e difusão __ firmas, universidades, escolas profissionais,

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centros de pesquisa e governo __ e suas relações em um espaço determinado, nãofocando sobre tecnologias ou indústrias específicas (Nelson, 1993).

A segunda abordagem, similar em vários aspectos e potencialmente mais útilporque é mais indústria e tecnologia-específica, é a de sistemas tecnológicos,definidos como uma “rede de agentes que interagem numa área econômica/industrial específica,

sob uma infra-estrutura institucional particular, com o propósito de gerar, difundir e utilizar

tecnologia” (Carlsson & Stankiewicz, 1991, p. 111).Sistemas tecnológicos difeririam de sistemas nacionais de inovação em três

aspectos básicos. Primeiramente, porque eles são definidos por campo tecnológicoe, nesse sentido, a abordagem é mais setorial que nacional. Depois, porque elespodem variar em caráter e extensão entre as diversas áreas tecnológicas dentrode um mesmo país, na medida em que o número, as características einterdependência dos atores; a infra-estrutura institucional; a concentraçãogeográfica; e o grau de internacionalização varia para as diferentes tecnologias.Finalmente, outra diferença reside na ênfase sobre o processo de difusão e deutilização de tecnologias, privilegiando uma abordagem mais micro, no sentidode delimitada temporal e espacialmente. O destaque nessa definição é colocadona forma como os grupos de firmas, tecnologias e indústrias estão relacionadas nageração e difusão de novas tecnologias, e nos fluxos de conhecimento queacontecem entre estes.

A abordagem de sistemas tecnológicos, ao realçar o papel desempenhado porfatores setoriais e tecnológicos específicos, tem alguns antecedentes nas noções deparadigmas e trajetórias tecnológicas anteriormente discutidas. Ela considera quealgumas características específicas da tecnologia respondem grandemente peladinâmica e pelas fronteiras espaciais de cada sistema tecnológico, definindoprescrições e trade-offs, modelando a natureza e a intensidade dos processos decompetição e seleção, e demarcando a distribuição geográfica das atividades deinovação e as fronteiras relevantes do processo de inovação. Embora fatoresespecíficos da tecnologia sejam muito importantes para a definição e modelagemde um dado sistema de inovação tecnológico, os diversos fatores institucionaistambém o são. Muito da especificidade institucional e organizacional do sistemade inovação relacionado a uma dada tecnologia é resultado de processos históricos(path-dependents) nos quais o acúmulo de competências pelas firmas, as ações deinstituições e organizações específicas e as políticas promovidas pelos governosdesempenham papel fundamental.

Ambas as abordagens têm um caráter holístico __ englobando um amploarranjo dos vários possíveis determinantes da inovação e não dando uma ênfaseprioritária a sistemas de P&D formais __ e interdisciplinar, dado que incluem nãoapenas os fatores econômicos, mas também os diversos fatores institucionais,

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organizacionais e políticos que influenciam a inovação. Uma grande importânciaé atribuída à dimensão histórica, seja porque inovações se desenvolvem ao longodo tempo e têm seu desenvolvimento influenciado por muitos fatores, seja pelocaráter de cumulatividade e de feedbacks envolvidos no processo. Elas consideramque as instituições também evoluem temporalmente, e esses processos são interligadose apenas podem ser capturados em um modelo de co-evolução dinâmica.

É possível, pelo exposto acima, desagregar um sistema de inovação emdiferentes setores, pois as características do progresso tecnológico e dos fluxosde informações científico-tecnológicas, bem como a rede de agentesintervenientes (e seus mecanismos de intervenção nos processos de inovação),variam consideravelmente entre os diversos setores.

No caso do setor saúde, a proximidade da relação entre ciência e tecnologiaé acentuada e inovações na área dependem muito de conhecimentos científicos eguardam relação muito próxima com as universidades e o resultado de suaspesquisas. Por sua vez, em um contexto de sistema de inovação, inovação emsaúde sofre influências das políticas macroeconômicas e seus impactos no setorsaúde; dos níveis de investimento doméstico e externo; das políticas e capacidadescientífico-tecnológicas e de políticas específicas do setor saúde. Ela é tambéminfluenciada pelos arranjos institucionais, tanto públicos quanto privados; pelasinstituições de financiamento e suporte; pela infra-estrutura física e por umarcabouço regulatório adequado. Esses fatores podem afetar tanto a oferta quantoa efetiva demanda por novas tecnologias, incluindo as tecnologias em saúde, sendoalguns dos possíveis fatores que condicionaram o surgimento e o modo deevolução desse conjunto de tecnologias.

A realidade resultante da interação entre os diversos agentes que atuamno setor saúde tem sido objeto de análise de vários pesquisadores, que têmprocurado entender aspectos particulares da lógica de comportamento decada um desses participantes. Poucos, no entanto, têm tentado produzir umaexplicação mais geral sobre o funcionamento do setor saúde. Uma das principaisé a utilização da idéia de complexo econômico, feita a partir dos anos 80,para explicar a racionalidade econômica e tecnológica interna à saúde, queserá explorada a seguir.

DO COMPLEXO MÉDICO-INDUSTRIAL AO COMPLEXO MÉDICO-FINANCEIRO

A caracterização de um setor produtivo qualquer pode ser feita de váriasformas e o conceito de complexo médico-industrial (Cordeiro, 1980), atualizadoà luz das mudanças sociais, econômicas e setoriais ocorridas nos últimos quinzeanos, pode ser uma opção proveitosa na caracterização do setor saúde no Brasil(Vianna, 1993; 2002; Gadelha, 2003).

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Esse conceito tem sido utilizado desde a década de 80, com o propósito deressaltar as múltiplas e complexas inter-relações estabelecidas entre os diversosatores do setor saúde e destes com os demais setores da economia. Inicialmenteconstruído para estudar as relações entre o Estado __ especialmente através desuas instituições de saúde __ e o complexo médico-empresarial, visando a melhorelucidar as origens e a dinâmica contraditória do desenvolvimento das empresasmédicas no Brasil (Cordeiro, 1980), o conceito depois passou, paulatinamente, aser concebido de modo ampliado, contemplando as diferentes articulações entrea assistência médica, as redes de formação profissional, a indústria farmacêutica ea indústria produtora de equipamentos médicos e de instrumentos de diagnóstico.

Todo complexo industrial __ e o complexo médico-industrial não constituiexceção __ traz, em si mesmo, o caráter único das relações que se estabelecementre seus membros e a forma pela qual cada um deles, em particular, e ocomplexo, no geral, se apropriam de uma parcela do excedente econômico.Assim, não basta somente analisar os vínculos existentes a partir dos fluxos de bense serviços, que poderiam ser adequadamente tratados a partir da idéia de cadeiasde produção. É preciso também entender o papel que os diversos agentes eelementos constituintes de um complexo industrial assumem na sociedade e comoas relações entre estes se processam ao longo do tempo.

No caso do complexo da saúde, é necessário entender que a dinâmica e aevolução dos sistemas de saúde dependem de duas racionalidades, uma internae outra externa ao sistema. A racionalidade interna é definida pela existência deum padrão de acumulação de capital, a partir de duas lógicas distintas __ umapública e outra privada. Já a racionalidade externa compreende o conjunto dasdemandas sobre o sistema de saúde que influenciam o modus operandi do sistemae de seus agentes.

A conformação e a dinâmica do complexo médico-industrial resultam dopróprio processo de desenvolvimento histórico do sistema de saúde, sendo,portanto, um de seus estágios particulares de evolução. Estágio este que seconstituiu, ao longo do tempo, como uma resposta à função que, de um lado,a medicina tem no mundo moderno e, de outro, ao papel que a tecnologiaassume na forma como se estabelecem às relações de produção e as trocasentre os componentes do setor, em particular após o advento da revoluçãotecnológica ocorrida nas indústrias farmacêutica e de equipamentos médicosapós a II Guerra Mundial.

Isto significou que o padrão de acumulação de capital na área da saúdeestava condicionado pelos avanços tecnológicos que ocorriam nesses setores. Parao setor privado, abriu-se uma enorme janela de oportunidades. Criaram-se váriastrajetórias tecnológicas que podiam ser exploradas com elevado grau de

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cumulatividade e apropriabilidade. Os retornos eram tão substanciais que, porexemplo, a indústria farmacêutica passou a ser o setor com uma das mais altastaxas de lucratividade da economia.

O setor prestador de serviços médicos também se adaptou rapidamente a essesnovos tempos. Novas práticas e especialidades foram abertas. Uma “boa medicina”já não mais podia ser exercida sem o auxílio de equipamentos de última geração eda solicitação de uma grande batelada de exames complementares. A saúde torna-se uma mercadoria para se vendida e comprada, normalmente a um custo elevado.

Para a população, em geral, este momento é também de grande transformação.A segunda metade do século XX é o do império da tecnologia. No imagináriocoletivo, a tecnologia é não apenas a vinculada ao setor saúde, passa a ser umobjeto de desejo. Todos, ou praticamente todos, buscam com avidez o últimomodelo de TV, de aparelho de som, de tomógrafo computadorizado, etc. Nasaúde, a tecnologia assume um papel simbólico importante. Ela é o conforto e agarantia de que o conhecimento humano foi utilizado no máximo do seu potencialatual na solução dos problemas individuais. O público demanda, exige que aprática médica seja calcada na “melhor” tecnologia disponível.

Constrói-se um cenário explosivo: de um lado, um crescimento vertiginoso daoferta; de outro, uma forte pressão de demanda cujo resultado é evidente. Os gastoscom a saúde aumentam de forma exponencial em praticamente todos os países.

O setor público encontra-se também preso a essa espiral. Sem poder controlaro desenvolvimento tecnológico e pressionado pela população, o Estado se põe areboque de uma lógica que lhe é totalmente externa. Ainda assim, dois modelosbásicos se desenvolvem: um americano, outro estatal. No primeiro, o Estado tembaixa participação e o mercado é que vai intermediar o processo de compra evenda da mercadoria saúde. No segundo, o Estado procura manter sua capacidadede regulação, estabelecendo regras de incorporação de tecnologia e de formas deprestação de serviços médicos.

O complexo médico-industrial é, pois, resultante de uma etapa particular dodesenvolvimento capitalista da área médica, no qual as práticas privadas ecapitalistas se tornaram hegemônicas e determinantes das funções e relações decada ator no interior do setor saúde. Nesse sentido, esse complexo não está sozinhovis-à-vis as outras práticas sociais do Estado e as necessidades de acumulação decapital do restante da economia. Ao contrário, ele depende __ em gênero, númeroe grau __ da integração orgânica que consegue estabelecer com o sistema deprodução que o delimita.

À medida que essas práticas capitalistas iam amadurecendo no interior dossistemas de saúde, o descompasso entre receita e despesa se acentuava. De umlado, devido aos gastos de investimentos em P&D serem elevados, a capacidade

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de acumulação de capital dependia de um crescente e constante aumento derecursos financeiros de todos os agentes econômicos privados. De outro, o fluxode renda das famílias que, via Estado ou recursos próprios, não conseguiaacompanhar e compatibilizar o crescimento da oferta com a taxa de risco dasdoenças a ela associada.

O resultado foi a criação de um novo e promissor mercado de valorização decapital. O sistema financeiro, como em praticamente todos os submercadoscapitalistas, assumiu a responsabilidade de financiar a oferta e a demanda. Oesquema empregado foi o da securitização do risco, por meio de planos de saúde.

O crescimento desse mercado foi muito forte, principalmente onde ocomplexo médico-industrial seguia o modelo americano. Mas não como resultadode uma evolução do antigo complexo médico-industrial, mas pela expansão degrupos financeiros como uma de suas áreas de acumulação de capital. Na realidade,não houve uma superação de um complexo pelo outro mas, ao contrário, umcrescente embate pela hegemonia no setor. Assim, por exemplo, grande parte domercado de medicamentos nos EUA já está sendo comandada por empresas deseguro-saúde, o que tem implicado na redução das margens de lucro da indústriafarmacêutica e um quadro de tensão e conflito com os grandes laboratórios(Mortimer, 1997).

O capital financeiro tem, no entanto, uma característica importante.Normalmente, ele é avesso ao risco e à incerteza inerente às atividades queestão sendo financiadas. Isto significa a necessidade de controlar e regular asatividades de produção, evitando imprevistos e competição predatória. Nessequadro, de forma crescente, os mecanismos de acumulação de capital passaram aser ordenados e regulados pelo capital financeiro. Uma conseqüência da crescenteparticipação do capital financeiro foi o aumento da importância de práticasassociadas ao managed care em diversos países, conduzindo a mudanças significativasna estrutura e no funcionamento do setor saúde, que se estendeu não apenas aosetor privado, mas também exerce forte influência no setor público.

Essas influências têm modificado a relação entre o prestador de serviçosmédicos e os usuários, o sistema de pagamento, o mercado de medicamentos e atéo próprio processo de desenvolvimento tecnológico do setor. Assim, o sistemamanaged care tem reduzido o reembolso de hospitais e médicos, limitado o usoextensivo de novos procedimentos e testes, e mantido sob controle o uso detecnologias mais complexas nas principais instituições dos EUA. A redução dalucratividade das novas inovações tem reduzido o ritmo com que elas têm sidoadotadas e desenvolvidas (Baker, 2000).

O capital financeiro, público e privado, tem assim caminhado a passos largospara impor suas regras e regular o mercado. Em conseqüência, entra-se em uma

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nova etapa do desenvolvimento capitalista na área da saúde, na qual o capitalfinanceiro se torna hegemônico, constituindo agora uma etapa que poderia serdenominada de complexo médico-financeiro.

Como visto acima, o setor saúde compreende uma estrutura abrangente earticulada, integrada pelo Estado, pelas instituições públicas e privadas prestadorasde serviços médicos, pelas indústrias farmacêutica, de equipamentos e de materiaismédicos, bem como pelo conjunto de empresas financeiras e não-financeirasatuantes no segmento de assistência médica.

Se, por um lado, a diversidade de padrões de avanço tecnológico e deincorporação posterior desses avanços no setor saúde pode ser explicada pelaamplitude de produtos e serviços envolvidos (desde a produção de seringas atomógrafos computadorizados e proteínas geneticamente manipuladas), por outro,sua variedade e velocidades diferentes de adoção e difusão são também produtodos diversos, e com freqüência conflitantes, atores e interesses que atuam nocomplexo antes médico-industrial e, hoje, cada vez mais médico-financeiro do setor.

É nesse espaço __ de diversidade, complexidade e conflito __ que o Estadoprecisa atuar para regular e gerir as tecnologias em saúde, tanto as existentes comoaquelas ainda em desenvolvimento ou por surgir. As características, os espaços deintervenção e as limitações acima apontadas precisam, contudo, ser compreendidose considerados em quaisquer tentativas de melhor gerir a tecnologia em saúde –seja no que se refere ao seu processo de desenvolvimento, no controle da incorporaçãode tecnologias ao sistema de saúde, na regulação da utilização ou ainda na buscade um uso mais racional e eficiente dos recursos tecnológicos disponíveis.

R E F E R Ê N C I A S B I B L I O G R Á F I C A S

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