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  • 8/13/2019 Texto Peca Atores - Eleuthria - Samuel Beckett - Direcao VI - Edney Ferreira da Luz - DRE 110038535

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    ELEUTHRIADe Samuel Beckett

    Traduo:Ins Cavalcanti

    Direo VI:Edney Ferreira da Luz

    DRE:110.038.535

    1 Ato

    Personagens:

    Sr. Krap (Henrique Krap)Sra. Krap (Violeta Krap)Esposa do Sr. KrapSra. Meck (Joana Meck)Amiga da Sra. KrapDr. Piouk (Andr Piouk)Mdico, marido de MargaridaSra. Piouk (Margarida Piouk)Irm da Sra, KrapSrta. Skunk (Olga Skunk)Namorada do filho dos KrapJacquesMordomo da casa dos Krap

    MariaEmpregada da casa dos Krap, noiva de Jacques

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    Eleuthria - Samuel Beckett

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    LUGAR : Paris.

    TEMPO : Uma tarde de inverno.

    (Um canto da salinha na casa dos Krap. Mesa redonda, quatro cadeiras de poca,

    poltrona club, abajur de p alto, aplique na parede com abajur.Fim de uma tarde de

    inverno. Sra. Krap sentada diante da mesa. Imobilidade da Sra. Krap. Algum bate.

    Silncio. Algum bate de novo.)

    1. SRA. KRAP - (com um sobressalto.) Entre. (Entra Jacques. Ele apresenta Sra.Krap uma bandeja sobre a qual se encontra um carto de visitas.Ela pega o carto, olha, recoloca na bandeja.) ? (Incompreenso

    de Jacques.) ? (Incompreenso de Jacques.) Mas que burro!

    (Jacques abaixa a cabea.) Eu achava que tinha dito que no estava

    para ningum, menos para a Sra. Meck.

    2. JACQUES - Sim, senhora, mas a senhora irm da senhora, ento achei...

    3. SRA. KRAP - Minha irm!

    4. JACQUES - Sim, senhora.

    5. SRA. KRAP - Voc impertinente. (Jacques abaixa a cabea) Me mostre essecarto. (Jacques apresenta de novo a bandeja, a Sra. Krap retoma o

    carto.) Desde quando minha irm se chama Sra. Piouk?

    6. JACQUES - (Embaraado) Eu acho...

    7. SRA. KRAP - Voc acha?

    8. JACQUES - Se a senhora virasse o carto. (A Sra. Krap vira o carto e l.)

    9. SRA. KRAP - No podia ter dito logo?

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    10. JACQUES - A senhora me desculpe.

    11. SRA. KRAP - No seja to humilde. (Silncio de Jacques.) Pense no seu sindicato.

    12. JACQUES - Brincadeira da senhora.

    13. SRA. KRAP - Mande entrar. (Jacques comea a sair.) Mande vir a Maria.

    14. JACQUES - Sim, senhora. (Sai. Imobilidade da Sra. Krap. Entra Jacques.) Asenhora Piouk. (Entra a Sra. Piouk, precipitadamente. Jacques sai.)

    15. SRA. PIOUK - Violeta!

    16. SRA. KRAP - Margarida! (Elas se beijam.)

    17. SRA. PIOUK - Violeta!

    18. SRA. KRAP - Desculpa eu no me levantar. Estou com dor no... tanto faz. Senta.Eu achava que voc estava em Roma.

    19. SRA. PIOUK - (se senta) Como voc est abatida!

    20. SRA. KRAP - Voc tambm no est muito viosa.

    21. SRA. PIOUK - Foi a viagem.

    22. SRA. KRAP - Quem (olha o carto), esse Piouk?

    23. SRA. PIOUK - Ele mdico.

    24. SRA. KRAP - No estou perguntando o que ele faz. (Algum bate.) Entre. (EntraMaria.) Pode servir o ch.

    25. MARIA - Sim, senhora. (Ela comea a sair.)

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    26. SRA. PIOUK - Para mim no.

    27. SRA. KRAP - Maria!

    28. MARIA - Senhora?

    29. SRA. KRAP - Sirva o ch quando a senhora Meck chegar.

    30. MARIA - Sim, senhora. (Sai.)

    31. SRA. PIOUK - Voc no me oferece outra coisa?

    32. SRA. KRAP - Por exemplo?

    33. SRA. PIOUK - Vinho do Porto.

    34. SRA. KRAP - a hora do ch.

    35. SRA. PIOUK - Como vai o Henrique?36. SRA. KRAP - Mal.

    37. SRA. PIOUK - O que ele tem?

    38. SRA. KRAP - No sei, ele no urina mais.

    39. SRA. PIOUK - a prstata.

    40. SRA. KRAP - Ento voc se casou.

    41. SRA. PIOUK - Casei.

    42. SRA. KRAP - Na sua idade!

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    43. SRA. PIOUK - A gente se ama.

    44. SRA. KRAP - E da? (Silncio da Sra. Piouk) Mas voc deve... quer dizer... vocno deve mais... afinal... enfim...

    45. SRA. PIOUK - Ainda no.

    46. SRA. KRAP - Parabns.

    47. SRA. PIOUK - Ele quer um filho.

    48. SRA. KRAP - No!

    49. SRA. PIOUK - Sim!

    50. SRA. KRAP - loucura.

    51. SRA. PIOUK - Como vai o Victor?

    52. SRA. KRAP - Sempre o mesmo, sempre l no buraco dele. A gente nunca v ele.(Pausa) Nem falemos nisso.

    53. SRA. PIOUK - Voc est esperando a Sra.Meck?

    54. SRA. KRAP - Com calma.

    55. SRA. PIOUK - Aquela bruxa.

    56. SRA. KRAP - Voc no quer ver ela?

    57. SRA. PIOUK - Preferia no ver.

    58. SRA. KRAP - Mas ela gosta de voc.

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    59. SRA. PIOUK - Que nada! tudo teatro.

    60. SRA. KRAP - , provavelmente. (Pausa) Ela vai chegar de uma hora para a outra.

    61. SRA. PIOUK - Ento eu vou embora.

    62. SRA. KRAP - Teu marido no est com voc?

    63. SRA. PIOUK - (se senta de novo) Ah, como eu queria que voc visse ele! Ele todoce, to inteligente, to...

    64. SRA. KRAP - Ele no est com voc?

    65. SRA. PIOUK - Ele foi para o hotel.

    66. SRA. KRAP - Que hotel?

    67. SRA. PIOUK - No sei.

    68. SRA. KRAP - Quando que voc vai saber?

    69. SRA. PIOUK - Ele vem me buscar aqui.

    70. SRA. KRAP - Quando?

    71. SRA. PIOUK - Ah, daqui a uma meia hora, acho.72. SRA. KRAP - Ento voc no pode ir embora.

    73. SRA. PIOUK - Eu teria ficado esperando ele no salo.

    74. SRA. KRAP - Que tipo de medicina ele faz?

    75. SRA. PIOUK - Ele no tem especialidade. Quer dizer...

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    76. SRA. KRAP - Ele faz de tudo.

    77. SRA. PIOUK - Ele se interessa pela humanidade.

    78. SRA. KRAP - Onde que ele assola?

    79. SRA. PIOUK - Ele conta clinicar aqui.

    80. SRA. KRAP - E at agora?

    81. SRA. PIOUK - Um pouco em toda parte.

    82. SRA. KRAP - Eu nem te dei os parabns. (Estende uma face que a Sra.Pioukbeija.) Voc podia ter me prevenido.

    83. SRA. PIOUK - Eu queria te mandar um telegrama, mas o Andr me disse que...

    84. SRA. KRAP - Enfim, nada disso tem importncia. (Algum bate.) Entre.

    (Entra Jacques.)

    85. JACQUES - A senhora Meck. (Entra a Sra. Meck, mulher voluminosa,pesadamente carregada de peles, capas, guarda-chuva, bolsa, etc.

    Jacques sai.)

    86. SRA. MECK - Violeta!87. SRA. KRAP - Joana! (Elas se beijam. A Sra. Meck se senta, se descarrega, se

    arruma.) Desculpa eu no me levantar.

    88. SRA. MECK - Ainda est doendo?

    89. SRA. KRAP - Cada vez mais Voc conhece minha irm?

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    90. SRA. MECK - (se virando para a Sra. Piouk) Mas a Rosa!

    91. SRA. KRAP - No, a Margarida.

    92. SRA. MECK - Querida Margarida! (Estende a mo, que a sra. Piouk segura). Vocapareceu! Eu achava que voc estava em Pisa.

    93. SRA. KRAP - Ela se casou.

    94. SRA. MECK - Casada!

    95. SRA. KRAP - Com um mdico que se interessa pela humanidade.

    96. SRA. MECK - Me d um beijo. (A sra. Piouk se deixa beijar.) Casada! Oh! (comum movimento indescritvel) Como estou feliz!

    97. SRA. PIOUK - Obrigada.

    98. SRA. MECK - Qual o nome dele?99. SRA. KRAP - (olha o carto) Piouk, Andr.

    100. SRA. MECK - (em xtase) Senhora Andr Piouk!

    (Algum bate.)

    101. SRA. KRAP - Entre. (Entra Maria, com a bandeja de ch que ela deposita namesa.) O senhor Krap j voltou?

    102. MARIA - No, senhora.

    103. SRA. KRAP - Mande vir o Jacques.

    104. MARIA - Sim, senhora. (Sai.)

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    105. SRA. PIOUK - ( Sra. Meck) A senhora no acha que minha irm est abatida?

    106. SRA. MECK - Abatida?

    (A Sra. Krap serve o ch, oferece ch irm, que recusa.)

    107. SRA. KRAP - Ela prefere vinho do Porto.

    108. SRA. MECK - Vinho do Porto! s cinco horas!

    109. SRA. KRAP - Ela tem razo. Estou exausta.

    110. SRA. PIOUK - Qual o problema?

    (Algum bate.)

    111. SRA. KRAP - Entre. (Entra Jacques.) Ah, Jacques.

    112. JACQUES - Madame.113. SRA. KRAP - O senhor Krap j voltou ?

    114. JACQUES - No, senhora. Ainda no.

    115. SRA. KRAP - Voc diz a ele, logo que ele voltar, que eu quero falar com ele.

    116. JACQUES - Sim, senhora.

    117. SRA. KRAP - Pode acender.

    118. JACQUES - Sim, senhora. (Ele acende o abajur de p alto.)

    119. SRA. KRAP - A outra tambm.

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    120. JACQUES - Sim, senhora (Ele acende a lmpada mural.)

    121. SRA. KRAP - S isso.

    122. JACQUES - Sim, senhora. (Sai.)

    123. SRA. MECK - Como vai ele?

    124. SRA. KRAP - Quem?

    125. SRA. MECK - Henrique.

    126. SRA. KRAP - Mal.

    127. SRA. MECK - Oh.

    128. SRA. KRAP - Ele no mija mais.

    129. SRA. MECK - Ai.130. SRA. PIOUK - a prstata.

    131. SRA. MECK - Coitado. Ele to alegre, to...

    132. SRA. KRAP - Alm disso ele fica remoendo.

    133. SRA. MECK - normal.

    134. SRA. KRAP - Por causa do Victor.

    135. SRA. MECK - Alis, como que ele vai?

    136. SRA. KRAP - Quem?

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    137. SRA. MECK - Teu Victor.

    138. SRA. KRAP - Nem falar.

    139. SRA. MECK - Eu tambm no vou bem.

    140. SRA. PIOUK - O que voc tem?

    141. SRA. MECK - o baixo-ventre. Parece que ele est caindo.

    142. SRA. KRAP - Que nem eu. S que o meu j caiu.

    143. SRA. PIOUK - No tem nada para beber nessa casa?

    144. SRA. KRAP - Beber?

    145. SRA. MECK - No meio da tarde!

    146. SRA. PIOUK - O Henrique no mija mais, o Victor nem falar e a senhora?! Asenhora est com o baixo-ventre caindo.

    147. SRA. KRAP - E voc se casou.

    148. SRA. MECK - Isso razo para beber?

    149. SRA. KRAP - Nem adianta.150. SRA. MECK - Nosso pequeno Victor! Que histria! Ele to alegre, to vivo!

    151. SRA. KRAP - Ele nunca foi alegre nem vivo.

    152. SRA. MECK - Como no! Ele foi a alma da casa durante anos.

    153. SRA. KRAP - A alma da casa! Que exagero.

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    154. SRA. PIOUK - Ele ainda mora na travessa do Menino Jesus?

    155. SRA. KRAP - Ainda.

    156. SRA. PIOUK - Temos que sacudir ele.

    157. SRA. KRAP - Ele no sai mais da cama. Outra xcara?

    158. SRA. MECK - Metade. Ele no sai mais da cama, voc disse?

    159. SRA. PIOUK - Ele est doente.

    160. SRA. KRAP - Ele est em perfeita sade.

    161. SRA. MECK - Ento, por que ele no sai mais da cama?

    162. SRA. KRAP - De vez em quando ele sai.

    163. SRA. MECK - Ele sai da cama, ento, de vez em quando.164. SRA. KRAP - Quando acaba a comida. A ele procura no lixo. Ele vai at Passy. O

    porteiro o viu.

    165. SRA. MECK - Que coisa! No lixo de Passy!

    166. SRA. PIOUK - horrvel.167. SRA. KRAP - No ?

    168. SRA. PIOUK - Mas voc d dinheiro a ele?

    169. SRA. KRAP - Todo ms. Eu mesma levo.

    170. SRA. PIOUK - E o que ele faz com o dinheiro?

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    171. SRA. KRAP - Sei l. Vai ver que no tem bastante.

    (Entra o Sr. Henrique Krap.).

    172. SR. KRAP - Boa tarde, Joana. Olha quem est a, Margarida. (Se beijam.) Eupensava que voc estava em Veneza.

    173. SRA. KRAP - Tua mulher tambm est aqui. (Sr. Krap beija sua mulher.) Elacasou.

    174. SRA. MECK - Com um mdico.

    175. SRA. KRAP - Que ama a humanidade.

    176. SR. KRAP - (tristemente) Parabns.

    177. SRA. KRAP - Senta.

    178. SR. KRAP - No, eu no vou ficar.179. SRA. KRAP - Vai sim, ora essa.

    180. SR. KRAP - Voc acha? (Se senta penosamente na poltrona.) um erro. (Seincrustra.) No vou poder mais me levantar.

    181. SRA. KRAP - No diga bobagens.182. SR. KRAP - Minha liberdade diminui cada dia mais. Daqui a pouco eu no vou

    mais ter o direito de afastar os maxilares. Eu que contava desbundar

    at as portas da morte.

    183. SRA. MECK - O que que ele tem?

    184. SRA. KRAP - Ele se alivia como pode.

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    185. SR. KRAP - , agora eu cheguei, agora que tarde demais. Nimis sero, imberserotinus. A paz pertence aos escravos. (Pausa. Caretas da Sra.

    Meck.) Eu sou a vaca que, na frente da grade do abatedouro, entende

    todo o absurdo dos pastos. Teria sido melhor pensar mais cedo, l,

    no capim alto e tenro. Azar. Ainda falta o ptio para atravessar. Isso,

    ningum lhe poder negar.

    186. SRA. KRAP - No liguem, ele pensa que est no Crculo.

    187. SR. KRAP - E estou. No nono. (Mudana de tom.) Pois bem, Margarida, agoravoc uma mulher respeitvel.

    188. SRA. PIOUK - Lisonjeador!

    189. SR. KRAP - Parabns.

    190. SRA. KRAP - Voc j parabenizou.

    191. SR. KRAP - verdade.192. SRA. PIOUK - Henrique.

    193. SR. KRAP - Pois no?

    194. SRA. PIOUK - Sou capaz de beber alguma coisa.

    195. SR. KRAP - Claro. (Para a Sra. Krap) Toca.

    196. SRA. KRAP - Voc sabe muito bem que eu no posso me levantar.

    197. SR. KRAP - verdade. Alis, no vale a pena. Ele vem sozinho.

    198. SRA. KRAP - No conta muito com isso. Faz trs minutos que estamos tranquilas.

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    199. SR. KRAP - Ento, Margarida, se voc quiser se dar ao trabalho de tocar.

    (Sra. Piouk se levanta, toca, se senta de novo.)

    200. SRA. KRAP - Ontem, ele ficou um bom quarto de hora sem vir ver. Pensei que eletinha morrido. (Batem.) Entre.

    (Entra Jacques.)

    201. SR. KRAP - Eu me pergunto por que ele bate sempre na porta. Faz quinze anosque ele bate e a gente diz para entrar, e ele continua batendo.

    202. SRA. MECK - uma questo de educao.

    203. SR. KRAP - ( Sra. Piouk) O que voc quer beber?

    204. SRA. PIOUK - Qualquer coisa, vinho do Porto.

    205. SR. KRAP - (a Jacques) Vinho do Porto.206. JACQUES - Sim, senhor. (Sai)

    (Silncio.)

    207. SRA. PIOUK - A gente estava falando do Victor.

    208. SR. KRAP - Ah.

    209. SRA. KRAP - Existe outro assunto? Eu me pergunto.

    210. SRA. MECK - Coitado!

    211. SRA. KRAP - (com violncia) Cale-se!

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    212. SRA. PIOUK - Violeta!

    213. SRA. MECK - O qu que deu nela?

    214. SRA. KRAP - No aguento mais ouvir lamentarem esse crpula, e o tempopassando!

    215. SRA. PIOUK - Crpula!

    216. SRA. MECK - Teu filho!

    217. SR. KRAP - Dois anos j! S dois anos!

    218. SRA. KRAP - (no cmulo da excitao) Ele que v embora do bairro, da cidade doestado, do pas, que v se estrepar em... nos Blcs! (Batem) Eu...

    219. SRA. PIOUK - Entre.

    (Entra Jacques.)

    220. SR. KRAP - O que que voc quer?

    221. JACQUES - O senhor tocou?

    222. SR. KRAP - No. O vinho do Porto.

    223. JACQUES - J, j, senhor. (Sai.)

    (Silncio.)

    224. SRA. MECK - Vocs estavam dizendo?

    225. SRA. KRAP - Lavo minhas mos. (Se levanta penosamente.) No aguento mais.(Vai penosamente at a porta.) Chega. (Sai.)

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    226. SRA. PIOUK - assim que ela no consegue se levantar.

    227. SRA. MECK - Aonde ela vai?

    228. SR. KRAP - (suspirando) No banheiro, provavelmente. Ela vai de vez emquando.

    (Silncio.)

    229. SRA. MECK - Voc est com uma cara tima.

    230. SRA. PIOUK - Ela no est falando srio.

    231. SRA. MECK - Como?

    232. SRA. PIOUK - Violeta. da boca para fora.

    233. SRA. MECK - Claro. Se lavar as mos! O filho nico! Vocs imaginam?

    (Batem na porta.)

    234. SR. KRAP - (baixo demais) Entre.

    235. SRA. MECK - Uma me, fazer isso!

    (Batem de novo.)

    236. SRA. PIOUK - Entre! (Entra Jacques, carregando uma bandeja. Ele procura umlugar para pous-la.) Ponha na cadeira. (Ele pe a bandeja na

    cadeira da Sra. Krap.) Na outra! (Ele a coloca na outra.) Diga

    Maria para vir tirar.

    237. JACQUES - Sim, senhora. (Sai.)

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    238. SRA. PIOUK - Quando a gente tem empregados, perde a intimidade.

    239. SRA. MECK - Mas precisamos de empregados.

    (Silncio.)

    240. SRA. PIOUK - Faz tanto tempo que no tenho notcias. Alguma novidade, nessahistria?

    241. SR. KRAP - Que histria?

    242. SRA. PIOUK - Nessa histria do Victor.

    243. SR. KRAP - Nenhum elemento novo.

    244. SRA. MECK - Dizem que ele vai at a Rua Spontini catar lixo.

    245. SR. KRAP - Ningum me disse nada.

    246. SRA. PIOUK - Parece que voc acha graa.

    247. SR. KRAP - mesmo?

    248. SRA. MECK - Eu nunca entendi nada dessa histria.

    249. SR. KRAP - Do ponto de vista dramtico, a ausncia da minha mulher no temserventia.

    (As senhoras Piouk e Krap se olham. Batem na porta.)

    250. SRA. PIOUK - Oh, entre! (Entra Maria. Jogo de bandejas. Maria sai.) Vocsquerem?

    251. SRA. MECK - Uma gotinha.

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    252. SRA. PIOUK - Voc, Henrique?

    253. SR. KRAP - Obrigado.

    (A Sra. Piouk serve a Sra. Meck.)

    254. SRA. MECK - Oh, demais! Vou ficar alegrinha! (Bebe.) forte! (A Sra. Piouk seserve, esvazia o copo de um trago e o enche de novo.) Ela

    demorada.

    255. SRA. PIOUK - Como?

    256. SRA. MECK - Violeta demorada.

    257. SR. KRAP - Voc acha?

    258. SRA. PIOUK - Mas temos que fazer alguma coisa! A gente no pode deixar eleassim.

    259. SR. KRAP - Assim como?

    260. SRA. PIOUK - Nessa... nessa inrcia srdida.

    261. SR. KRAP - Mas se ele quer.

    262. SRA. PIOUK - Mas uma vergonha para a famlia!263. SRA. MECK - Ele no est na idade.

    264. SRA. PIOUK - Violeta vai morrer disso.

    265. SR. KRAP - Voc no conhece ela.

    (Silncio.)

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    266. SRA. PIOUK - ( Sra. Meck) Como vai o general? (Silncio) Ou devo dizer: omarechal?

    (Leno da Sra. Meck.)

    267. SR. KRAP - Ora essa, Margarida, pensa no que voc est dizendo.

    268. SRA. PIOUK - No entendo.

    269. SR. KRAP - Entre o luto e o chic existe uma nuance.

    270. SRA. PIOUK - Oh, pobre Joana, eu no sabia, estou aflitssima, me perdoe, meperdoe.

    271. SRA. MECK - (se inspirando na tradio militar) O ltimo suspiro dele foi pelaFrana.

    (Algum bate na porta.)

    272. SRA. PIOUK - Mas est impossvel.

    273. SR. KRAP - Seria melhor deixar a porta aberta, ou suprimir ela de vez.

    (Batem de novo.)

    274. SRA. PIOUK - Mas entre logo, ora essa!(Entra Jacques.)

    275. JACQUES - Doutor Piouk.

    276. SR. KRAP - No conheo.

    277. SRA. PIOUK - Andr! (Sai precipitadamente.)

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    278. SR. KRAP - Quem?

    279. SRA. MECK - O marido dela.

    280. SR. KRAP - (para Jacques) Voc viu madame?

    281. JACQUES - Madame saiu, senhor.

    282. SR. KRAP - Saiu!

    283. JACQUES - Sim, senhor.

    284. SR. KRAP - A p?

    285. JACQUES - Sim, senhor.

    286. SR. KRAP - Ela no disse aonde ia?

    287. JACQUES - Madame no disse nada, senhor.288. SR. KRAP - T bom.

    (Jacques sai.)

    289. SRA. MECK - Viva a Frana! Depois entrou em coma.

    290. SR. KRAP - Perdo?

    291. SRA. MECK - Eu estava revivendo os ltimos instantes do Ludovico.

    292. SR. KRAP - E ento?

    293. SRA. MECK - Se apoiando bruscamente no traseiro, ele gritou: Viva a Frana!Depois caiu para trs e comeou a estertorar.

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    294. SR. KRAP - Ele conseguiu se apoiar no traseiro?

    295. SRA. MECK - Conseguiu, para espanto de todos.

    (Entram a Sra. E o Dr. Piouk. um homem horroroso. Silncio embaraado.

    Apresentaes. O Dr. Piouk se senta.)

    296. SRA. PIOUK - Um pouco de vinho do Porto, querido?

    297. DR. PIOUK - Obrigado.

    298. SRA. PIOUK - Obrigado sim ou obrigado no?

    299. DR. PIOUK - Obrigado no.

    300. SR. KRAP - O senhor vai me desculpar por eu no me levantar. Estou com umpouco de dor no... estou cansado.

    301. DR. PIOUK - O senhor est doente?302. SR. KRAP - Morrente.

    303. SRA. MECK - Ora, ora, Henrique, se acalme.

    304. SR. KRAP - E eu pretendo no espantar ningum.

    305. SRA. MECK - Henrique!

    306. SR. KRAP - Me apoiando no traseiro.

    307. SRA. PIOUK - Cad a Violeta?

    308. SR. KRAP - No toucador. Ha! Ha!

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    325. SRA. MECK - (continuando seu pensamento) Sem ver ela na imaginao, todaensanguentada, atropelada por um caminho.

    326. SR. KRAP - ela que atropela os caminhes.

    327. DR. PIOUK - (se levantando) Querida...

    328. SR. KRAP - Querido, querida.

    329. DR. PIOUK - Est na hora de irmos.

    330. SR. KRAP - Joana.

    331. SRA. MECK - Henrique.

    332. SR. KRAP - Lembra os primeiros tempos do meu casamento com a Violeta?

    333. SRA. MECK - Se lembro!

    334. SR. KRAP - Antes de aprendermos a nos apreciar.

    335. SRA. MECK - Eram bons tempos.

    336. SR. KRAP - Eu a chamava de querida?

    337. SRA. MECK - Vocs ronronavam.338. SR. KRAP - Incrvel.

    339. DR. PIOUK - (ainda em p) Margarida.

    340. SRA. PIOUK - J vai querido.

    341. SR. KRAP - Minha mulher vai sentir muito, vai ficar inconsolvel.

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    357. SR. KRAP - Have a cigar.

    358. DR. PIOUK - Obrigado.

    359. SR. KRAP - Obrigado sim ou obrigado no?

    360. DR. PIOUK - Eu no fumo.

    (Silncio.)

    361. SRA. MECK e SRA. PIOUK - (juntas) Eu...

    362. SRA. MECK - Oh, desculpe. Voc ia dizendo?

    363. SRA. PIOUK - Nada, nada. Continue.

    (Silncio.)

    364. SR. KRAP - Ento, Joana, pe para fora.365. SRA. MECK - (depois de pensar) Deus, eu no sei mais.

    366. SR. KRAP - Incapaz de pensar sozinho, meus rgos se encarregam disso. como senhor, doutor, que eu estou me esforando por entrar em

    comunicao.

    367. DR. PIOUK - Ah, o senhor sabe, eu no falo muito.

    368. SRA. PIOUK - Ele pensa tanto!

    369. SR. KRAP - Porm, o que acabo de dizer no desprovido de inteligncia.

    370. DR. PIOUK - No tem sentido.

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    371. SR. KRAP - Em que sentido?

    372. DR. PIOUK - O senhor os seus rgos e os seus rgos so o senhor.

    373. SR. KRAP - Eu sou os meus rgos?

    374. DR. PIOUK - Perfeitamente.

    375. SR. KRAP - Voc me d medo.

    376. SRA. MECK - (farejando a consulta grtis) E eu, doutor, eu tambm sou os meusrgos?

    377. DR. PIOUK - Sem nenhum resduo, minha senhora.

    378. SR. KRAP - Que prazer encontrar enfim um homem inteligente!

    379. SRA. PIOUK - (em xtase) Andr!

    380. SR. KRAP - Continue, por favor. Desenvolva esse pensamento grandioso.

    381. DR. PIOUK - No o momento.

    382. SR. KRAP - Antes da volta desse monte de rgos fora de uso que a minhamulher.

    383. SRA. PIOUK - Henrique!

    384. DR. PIOUK - Por favor.

    385. SR. KRAP - O senhor vai me obrigar a lhe fazer uma consulta.

    (Batem na porta.)

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    386. SRA. PIOUK - Entre.

    (Entra Jacques.)

    387. JACQUES - A senhorita Skunk.

    (Entra a Srta. Skunk, moa provocante. Saudaes, emburradas da parte dela. Jacques

    sai.)

    388. SRA. PIOUK - Voc se lembra de mim?

    389. SRTA. SKUNK - Claro.

    390. SRA. PIOUK - Foi em Evian, h dois anos.

    391. SRTA. SKUNK - O que que eu estava fazendo l?

    (Silncio.)

    392. SRA. PIOUK - Lhe apresento meu marido, o doutor Piouk. (a Srta. Skunk se sentano lugar da Sra. Krap)

    393. SRA. MECK - Voc est com uma cara tima.

    394. SRA. PIOUK - Um pouco de vinho do Porto?

    395. SRTA. SKUNK - Pode ser.

    396. SR. KRAP - Doutor.

    397. DR. PIOUK - (arrancado dos seus pensamentos, num sobressalto ostensivo)Algum me chamou?

    398. SR. KRAP - Me pergunto para qu voc vai servir nessa comdia.

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    399. DR. PIOUK - (aps madura reflexo) Espero poder ser til.

    400. SRA. MECK - (preocupada) No estou entendendo.

    401. DR. PIOUK - E voc, caro senhor, seu papel est bem determinado?

    402. SR. KRAP - Ele acabou.

    403. DR. PIOUK - Mas voc continua em cena.

    404. SR. KRAP - Parece.

    405. SRA. MECK - Eu tenho mesmo que ir.

    406. SR. KRAP - Vai, vai querida Joana, vai, j que voc tem mesmo que ir. Noprecisamos de voc.

    407. SRTA. SKUNK - Cad a Violeta?

    408. DR. PIOUK - (para o Sr. Krap) Com um pouco de esforo voc conseguiria talvezdivertir os passantes.

    409. SR. KRAP - Voc acha sinceramente?

    410. DR. PIOUK - Digo o que penso.

    411. SR. KRAP - Eu no tinha visto essa possibilidade.

    412. SRTA. SKUNK - Cad a Violeta?

    413. SRA. MECK - Est ficando preocupante.

    414. SR. KRAP - O que voc disse?

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    415. SRA. MECK - A Olga perguntou onde est Violeta e eu disse que est ficandopreocupante.

    416. SR. KRAP - O qu est ficando preocupante?

    417. SRA. MECK - Essa ausncia desmedida.

    418. SR. KRAP - Essa ausncia desmedida! S a Joana para encontrar palavras assim.

    419. SRTA. SKUNK - Onde ela foi?

    420. SRA. MECK - No sabemos.

    421. SR. KRAP - Obedecendo a no sei que impulso sbito, ela saiu de casa a p.Durante muito tempo ns pensamos que ela estava no banheiro.

    isso, doutor?

    422. DR. PIOUK - Muito fino. Persevere.

    423. SRTA. SKUNK - Ela me pediu para passar antes do jantar.

    424. SR. KRAP - Ela queria falar com voc?

    425. SRTA. SKUNK - Queria, sobre coisas que no podiam esperar.

    426. SR. KRAP - Eu tambm, ela queria falar comigo, parece. Alis a nica razopela qual eu estou com vocs, vocs podem facilmente imaginar. E

    no entanto ela ainda no me disse nada.

    427. SRA. MECK - (para Srta. Skunk) Voc viu o Victor?

    428. SR. KRAP - Sou eu que vou falar com ela, agora.

    429. SRTA. SKUNK - Semana passada.

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    430. SR. KRAP - (para o Dr. Piouk) A Srta. Skunk a noiva do meu filho;

    431. DR. PIOUK - Homem feliz.

    432. SRTA. SKUNK - (amargamente) Ele no se controla, de tanta alegria.

    (O Doutor Piouk acende um cigarro.)

    433. SR. KRAP - Eu pensei que voc no fumava.

    434. DR. PIOUK - Eu menti.

    435. SRA. MECK - Eu vou ter que ir embora.

    436. SR. KRAP - Voc no vai comear de novo.

    437. SRA. MECK - Como fazer?

    438. SR. KRAP - O tempo que a gente perde com as pessoas! Vai embora. A gente tetelefona.

    439. SRTA. SKUNK - Eu vou com voc.

    (Ouve-se uma voz violenta.)

    440. SR. KRAP - Olha ela a.441. SRA. MECK - Enfim!

    442. DR. PIOUK - (para a Srta. Skunk) A senhorita francesa?

    443. SRTA. SKUNK - No, meu senhor.

    444. SRA. MECK - Voc tem certeza que ela?

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    445. SR. KRAP - Absoluta.

    446. DR. PIOUK - Escandinava?

    (Batem na porta.)

    447. SRA. PIOUK - Entre.

    (Entra Jacques.)

    448. JACQUES - Madame quer monsieur.

    449. SR. KRAP - Parece os classificados. Madame quer monsieur.

    450. SRA. MECK - Madame no sofreu nada ?

    451. SR. KRAP - Diga a madame que... (muda de idia). Me ajudem a ressuscitar.(Jacques se precipita, ajuda o Sr. Krap a se levantar, quer sustent-

    lo at a porta. O Sr. Krap lhe faz sinal para se afastar. Uma vez na

    porta, ele se vira.) Esto vendo: uma vez de p, eu ando sozinho! Eu

    saio! (Sai. Entra.) Eu entro! E saio de novo! (Sai, seguido de

    Jacques.)

    452. SRA. PIOUK - Henrique mudou muito.

    453. DR. PIOUK - No me diga que a senhorita inglesa.454. SRA. MECK - Se sentindo condenado, ele no se controla mais.

    455. SRA. PIOUK - prtico.

    456. DR. PIOUK - (desencorajado) um homem notvel.

    457. SRA. PIOUK - Voc acha mesmo?

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    474. DR. PIOUK - A gente nota, pela maneira como o senhor se exprime.

    475. SRA. PIOUK - Onde ela foi?

    476. SRA. MECK - Ela vai nos dizer.

    477. SR. KRAP - Vou ser franco. Eu eraescritor.

    478. SRA. MECK - Ele membro do Instituto!

    479. SR. KRAP - O senhor v.

    480. DR. PIOUK - Que gnero?

    481. SR. KRAP - No percebo.

    482. DR. PIOUK - Estou falando se seus escritos. Qual era o gnero de sua preferncia?

    483. SR. KRAP - O gnero merda.484. SRA. PIOUK - Realmente?

    485. DR. PIOUK - Em prosa ou verso?

    486. SR. KRAP - s vezes uma s vezes outro.

    487. DR. PIOUK - E o senhor acha que agora sua obra est completa.

    488. SR. KRAP - Deus me evacuou.

    489. DR. PIOUK - Um livrinho de Memrias no lhe tenta?

    490. SR. KRAP - Isso estragaria minha agonia.

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    491. SRA. MECK - Confesse que uma maneira estranha de tratar os convidados.

    492. SRTA. SKUNK - Extremamente curiosa.

    493. SR. KRAP - Margarida, voc no se importa de trocar de lugar com a Olga?

    494. SRA. PIOUK - Eu estou bem aqui.

    495. SR. KRAP - Eu sei. Ns estamos todos bem aqui. Muito, muito bem. Infelizmenteno se trata do nosso bem-estar.

    496. SRA. MECK - Que mania nova essa?

    497. SR. KRAP - Veja Margarida, j que eu tenho que te dizer tudo, voc ser vista ouno, no tem, digamos, a menor importncia. Se voc desaparecesse

    agora mesmo, eu, quanto a mim, no veria o menor inconveniente. A

    Olga, ao contrrio, s tem lugar entre ns na medida em que ela

    exibe os atrativos dela, falo dos seios e das pernas, j que o rosto

    bastante banal.

    498. SRA. PIOUK - Como malandro voc est fazendo progressos.

    499. SR. KRAP - No se ofenda Margarida. Como cunhado, eu gosto muito de voc,muito, e ficaria tristssimo de ver voc se afastar. Mas como... como

    direi... (Ele estala os dedos.)

    500. DR. PIOUK - Hierofante.

    501. SR. KRAP - Pode ser.

    (Silncio.)

    502. DR. PIOUK - Mas termine sua frase.

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    503. SR. KRAP - O que que eu estava dizendo?

    504. DR. PIOUK - Como cunhado, voc gosta dela; como hierofante...?

    505. SR. KRAP - (com a voz entrecortada) No tenho famlia.

    506. SRA. PIOUK - Ele est chorando!

    507. DR. PIOUK - Faz o que ele est pedindo, Margarida.

    (Sra. Piouk e Srta. Skunk trocam de lugar.)

    508. SR. KRAP - ( Srta. Skunk) Abre um pouco a jaqueta. Cruza as pernas. Suspendea saia. (Ele a ajuda.) Pronto. No se mexa.

    509. DR. PIOUK - Isso o que ns chamamos uma fraqueza passageira.

    510. SR. KRAP - Eu tenho muito.

    511. SRA. MECK - (explodindo) No aguento mais!

    512. SR. KRAP - Ningum aguenta mais. O problema no esse.

    513. SRA. MECK - Para mim esse. (Se levanta maciamente e recolhe seus inmerosapetrechos. Remexe dentro da enorme bolsa, tira finalmente um

    carto e l:) Tenho que te encontrar. Venha para o ch amanh.Tenho mil coisas para te dizer. Estaremos sozinhas. (Ela espera a

    mensagem fazer efeito.) No gosto que faam pouco de mim.

    514. SR. KRAP - As pessoas so mesmo extraordinrias.

    515. DR. PIOUK - a natureza humana.

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    529. SRA. PIOUK - Agora eu vejo ela.

    530. SRTA. SKUNK - O que esse arame? (Ela mostra um fino fio de arame farpado que,preso na beirada da mesa, desce at o cho).

    531. SRA. PIOUK - Arame?

    532. SRTA. SKUNK - (tocando no arame) Tem pontas! Olha.

    (A Sra. Piouk se levanta e se inclina por cima da mesa.)

    533. SRA. PIOUK - Como possvel eu no ter notado?

    534. DR. PIOUK - Minha mulher no muito sensvel ao macrocosmo.

    535. SR. KRAP - Mas ela reagiu lmpada.

    536. DR. PIOUK - porque ela estava realmente sofrendo.

    537. SRTA. SKUNK - Mas o que significa esse fio?

    538. SR. KRAP - o lugar do Victor.

    539. DR. PIOUK - Seu filho?

    540. SR. KRAP - . Agora eu tenho a certeza.541. DR. PIOUK - Ele ocupava muito espao?

    542. SR. KRAP - Ocupava, ele ocupava muito espao nesta casa.

    543. SRTA. SKUNK- No entendo.

    544. SR. KRAP - O que voc no entende, pequena Olga?

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    556. SRA. PIOUK - Ele louco.

    557. SR. KRAP - Uma enorme besteira, doutor. Porque importante sorrir do prpriosorriso.

    558. DR. PIOUK - Voc tem razo, Margarida.

    (Entra a Sra. Krap.)

    559. SR. KRAP - Eis algo slido.

    560. SRA. PIOUK - Andr, essa a minha irm. Violeta, eu...

    (O Dr. Piouk se levanta.)

    561. SR. KRAP - Desculpe, eu no me levantar. Est doendo um pouco no...

    562. SRA. KRAP - Margarida, voc pegou o meu lugar.

    563. SRA. PIOUK - (se levantando com vivacidade) Pode sentar.

    (A Sra. Krap se senta no seu lugar, a Sra. Piouk no lugar da Sra. Meck.)

    564. SRA. KRAP - Boa tarde, Olga.

    565. SRTA. SKUNK - Boa tarde. Voc queria me falar comigo?566. SRA. KRAP - Queria. Quem esse homem?

    567. SRA. PIOUK - o meu marido. (Ela se levanta.) Vamos, Andr?

    568. SRA. KRAP - (com fora) Sente-se!

    (A Sra. Piouk hesita.)

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    569. SR. KRAP - Seja prudente.

    (A Sra. Piouk se senta de novo.)

    570. SRA. KRAP - Doutor... como mesmo...

    571. DR. PIOUK - Piouk. (Ele se inclina e se senta.)

    572. SRA. KRAP - Margarida nos contou que voc amava a humanidade. Isso possvel?

    573. SRA. PIOUK - Voc est distorcendo, as minhas palavras.

    574. DR. PIOUK - Eu no a amo.

    575. SRA. PIOUK - Ele se interessa por ela. E ponto final.

    576. SRA. KRAP - O senhor se interessa pela humanidade?

    577. DR. PIOUK - Ela no me indiferente.

    578. SRA. KRAP - O senhor no comunista.

    579. DR. PIOUK - Minha vida ntima meu problema.

    580. SR. KRAP - No envenene as coisas, doutor.581. SRA. PIOUK - Onde voc estava? Ns estvamos preocupados. Andr no queria

    esperar. Mas quando eu disse a ele o quanto voc queria conhecer

    ele...

    582. SRA. KRAP - O problema espinhoso.

    583. DR. PIOUK - Qual?

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    584. SRA. KRAP - O da humanidade.

    585. DR. PIOUK - primeira vista, sim.

    586. SR. KRAP - Os melhores pensadores se atracaram com ele.

    587. DR. PIOUK - No tenho a pretenso de t-los ultrapassado.

    588. SRA. KRAP - E qual a sua soluo?

    589. DR. PIOUK - Minha soluo?

    590. SR. KRAP - Em duas palavras.

    591. SRA. KRAP - (severa) O senhor tem uma, espero.

    592. DR. PIOUK - Ela no tem muito charme.

    593. SR. KRAP - Claro.594. DR. PIOUK - Ser o bom momento?

    595. SR. KRAP - Ele quer que peamos de joelhos...

    596. SRA. KRAP - Cale-se.

    597. SR. KRAP - Para resolver a situao do gnero humano.

    598. DR. PIOUK - O momento no me parece apropriado.

    599. SRA. KRAP - nosso problema.

    600. SR. KRAP - Faa o seu dever.

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    601. DR. PIOUK - Bom, o que eu faria...

    602. SR. KRAP - H algo a fazer?

    603. DR. PIOUK - Sou um esprito prtico.

    604. SRA. KRAP - Voc quer calar a boca!

    605. SR. KRAP - T, Violeta, t bem, eu quero.

    606. SRA. KRAP - Estamos ouvindo.

    607. DR. PIOUK - o seguinte. Eu proibiria a reproduo. Aperfeioaria a camisinha eoutros dispositivos e generalizaria o uso deles. Criaria corpos de

    abortadores sob controle do Estado. Condenaria morte todas as

    mulheres culpadas de parto. Afogaria os recm-nascidos. Militaria

    pelo homossexualismo e daria eu mesmo o exemplo. E, para

    incrementar as coisas, encorajaria por todos os meios a eutansia,

    sem no entanto torn-la obrigatria. So as grandes linhas.

    608. SRA. KRAP - Eu nasci cedo demais.

    609. SR. KRAP - Cedssimo demais.

    610. DR. PIOUK - No tenho a pretenso de ser original. uma questo deorganizao. Nisso que eu dou um passo frente. Em dois anos,tudo estar perfeito. Infelizmente, minhas foras esto declinando.

    Meus recursos tambm.

    611. SRA. KRAP - E esse filho que o senhor quer?

    612. DR. PIOUK - Quem disse que eu quero um filho?

    (Silncio.)

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    613. SRA. PIOUK - ( Sra. Krap) Voc odiosa.

    614. SRA. KRAP - Voc vai mat-la, doutor.

    615. DR. PIOUK - Eu quero um filho, primeiro, para distrair meus lazeres, cada vezmais curtos e desoladores; segundo, para que ele receba a tocha de

    minhas mos, quando elas no a puderem mais empunhar.

    616. SR. KRAP - , com efeito, a vantagem dos filhos.

    617. SRA. KRAP - Mas voc vai mat-la.

    618. DR. PIOUK - Eu debati durante muito tempo essa questo com sua irm, minhasenhora, tanto antes quanto depois da nossa unio. No ,

    Margarida?

    619. SRA. PIOUK - Voc foi perfeito.

    620. DR. PIOUK - Nas semanas deliciosas e terrveis que precederam nossoengajamento, enquanto ns errvamos pela Campagna, de mos

    dadas, ou quando, nos terraos de Tvoli, ns pedamos conselhos

    lua, nossa conversa versou quase unicamente sobre essa questo.

    No , Margarida?

    621. SRA. PIOUK - Quase unicamente, querido.

    622. SRA. KRAP - (ao Sr. Krap) Por que voc fica rindo socapa?623. SR. KRAP - Eu estava pensando na lua a quem ns pedamos conselhos, voc e

    eu.

    624. DR. PIOUK - Noivos enfim, ns passamos por horas atrozes que eu, quanto a mim,no gostaria de reviver por nada nesse mundo.

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    625. SR. KRAP - O que voc quer, os noivos humanos so assim. Eu me lembro dumatarde em Robinson. Violeta chegou na rvore antes de mim, eu

    garanto a vocs...

    626. SRA. KRAP - Cale-se!

    627. DR. PIOUK - E desde a nossa coabitao oficial e aberta e, digamos de passagem,abenoada por Sua Santidade, quantas noites ns gastamos, at o

    galo cantar, pesando os prs e os contras, incapazes de tomar uma

    deciso!

    628. SR. KRAP - Tinha que ir em frente sem pensar.

    629. DR. PIOUK - Foi o que ns fizemos... (Tira a agenda do bolso e a folheia)esperem... na ltima noite de sbado para domingo. (Vira algumas

    pginas, anota alguma coisa, recoloca a agenda no bolso.) Viram?

    Estvamos cansados de enrolar. (Gesto expressivo.) Agora estamos

    esperando. (Se levanta.) Est nas mos de Deus.

    630. SRA. KRAP - O que deu em voc?

    631. DR. PIOUK - O que deu em mim?

    632. SRA. KRAP - Voc est indo embora?

    633. SR. KRAP - Eu os convidei para jantar, mas eles esto mortos de vontade de ficarsozinhos.

    634. SRA. KRAP - Convidou para jantar! Com o qu?

    635. SR. KRAP - No sei. O cordeiro de ontem.

    636. SRA. KRAP - O cordeiro! O carneiro, voc quer dizer. Que digo, o carneiro, ocarneiro, a casa inteira ficou cheirando a l e cpula.

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    637. DR. PIOUK - Fico tentado. Infelizmente, esto nos esperando.

    638. SR. KRAP - Ponha-se no lugar deles.

    639. SRA. KRAP - Se eu tivesse cinquenta, no, demais, quarenta anos a menos,doutor, eu iria com voc para os cantos, embora sua pessoa

    propriamente dita me cause pouco efeito. Mas quando voc fala...!

    (ao Sr. Krap) O que que voc diz disso?

    640. SR. KRAP - Nada. Eu tive um arrepio.

    641. SRA. PIOUK - Esto nos esperando.

    642. DR. PIOUK - No vamos exagerar querida.

    643. SRA. KRAP - Vamos ao Terminus.

    644. DR. PIOUK - A Srta. Skunk no diz nada.

    645. SRTA. SKUNK - O que quer que eu diga? Estou esperando para saber por que fuiconvocada.

    646. SRA. KRAP - Voc vem com a gente. Ns vamos nos embebedar.

    647. DR. PIOUK - Eu adoro as comilanas.

    648. SR. KRAP - E o seu baixo-ventre?

    649. SRA. KRAP - Vou falar disso como doutor. Posso doutor?

    650. DR. PIOUK - Antes do queijo no, minha senhora.

    651. SRA. KRAP - Malicioso, hein!

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    652. SRA. PIOUK - ( Sra. Krap) Seu passeio deu bom resultado.

    (Silncio.)

    653. DR. PIOUK - A senhorita vem?

    654. SRTA. SKUNK - No tenho nenhum compromisso.

    655. SRA. KRAP - Decidido. Daqui a meia hora no Terminus.

    (Todos se levantam, menos o Sr. Krap e a Srta. Skunk.)

    656. DR. PIOUK - (para o Sr. Krap) At j. Tenho muitas coisas para te dizer.

    657. SR. KRAP - Desculpe eu no me levantar, est doendo um pouco no...

    658. SRA. KRAP - Eu levo vocs. Voc vem, Olga?

    659. SRTA. SKUNK - Eu vou com voc. No estou com vontade de trocar de roupa.660. DR. PIOUK - (para a Srta. Skunk) Sem falta, hein?

    661. SRA. KRAP - (para a Srta. Skunk) Como voc quiser.

    (Saem a Sra. Krap, Sra. Piouk e Dr. Piouk. Silncio bastante longo.)

    662. SR. KRAP - Abre um pouco a jaqueta.

    663. SRTA. SKUNK - Estou com frio.

    664. SR. KRAP - No faz mal. Suspende a saia. Mais. Pronto. Agora, fica quieta.Respira. (Srta. Skunk pe a cabea nas mos, se dobra ao meio e

    chora. Soluos a sacodem.) Porra! (A crise continua.) Pra! (Srta.Skunk solua mais ainda.) Est chorando que nem uma empregada

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    que no toma banho. (Eleva o tom da voz.) Voc feia. Olga est me

    ouvindo, feia de vomitar. Estamos fodidos. (Srta. Skunk se acalma

    aos poucos, levanta o rosto desfeito, cruza as pernas que a tristeza

    tinha descruzado, suspende a saia, etc.) Voc bonita! Quem te

    ensinou a chorar que nem uma... (no quer se repetir) que nem

    uma... (no encontra outra imagem) que nem na vida? Voc est

    esquecendo onde voc est.

    665. SRTA. SKUNK - Voc sabe muito bem.

    666. SR. KRAP - O qu?

    667. SRTA. SKUNK - Quem me ensinou.

    668. SR. KRAP - No esse o problema. E eu, voc acha que eu no tenho vontade degritar? S que eu, se eu... (se interrompe, com uma suspeita atroz)

    Voc nunca perdeu o controle assim na frente dele, ao menos?

    669. SRTA. SKUNK - No.670. SR. KRAP - Jura?

    671. SRTA. SKUNK - Juro.

    672. SR. KRAP - Ento, nem tudo est perdido.

    673. SRTA. SKUNK - Eu devia, com certeza.

    674. SR. KRAP - O qu?

    675. SRTA. SKUNK - Ter chorado que nem na vida na frente dele.

    (Silncio.)

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    691. SRTA. SKUNK - O qu? (Pausa.) Eu te chamei de pai?

    692. SR. KRAP - Acho que sim.

    693. SRTA. SKUNK - (confusa) Oh! (Seus lbios tremem.)

    694. SR. KRAP - No comea de novo. (Srta. Skunk se controla) Voc vai chorarquando estiver sozinha.

    695. SRTA. SKUNK - T bom.

    (Silncio.)

    696. SR. KRAP - No pra de escutar. Estou pondo as idias em ordem. Elas estoesparsas. Como num campo de batalha. (Pausa) Ateno. Vou

    comear.

    697. SRTA. SKUNK - No vai rpido demais.

    698. SR. KRAP - (num tom doutrinal) O erro querer viver. impossvel. No hnada para se viver, na vida que nos emprestam. Como bobo!

    699. SRTA. SKUNK - .

    700. SR. KRAP - No ? Vou continuar. uma questo de materiais. Ou tem demais ea gente no sabe por onde comear, ou tem de menos e nem vale a

    pena comear. Mas mesmo assim a gente comea, com medo de

    ficar sem fazer nada. A gente at acha s vezes que terminou. Isso

    acontece! Depois a gente v que era um blefe. A a gente recomea,

    no demais e no de menos. Por que a gente no aceita uma vida que

    puro blefe? Deve ser a origem divina. Eles dizem que a vida isso,

    comear e recomear. Mas no, s medo de ficar sem fazer nada. A

    vida impossvel. Estou me exprimindo mal.

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    701. SRTA. SKUNK - No estou entendendo nada.

    702. SR. KRAP - Esse mdico imbecil, com os abortos e eutansias. Voc ouviu?

    703. SRTA. SKUNK - No prestei muita ateno.

    704. SR. KRAP - Um mecnico da mais vil espcie.

    705. SRTA. SKUNK - Eu no sei o que voc quer dizer quando voc fala da vida e de viver.O Victor tambm, eu no entendo nada do que ele diz. Eu me sinto

    viver. Por que voc quer que tenha um sentido?

    706. SR. KRAP - Meu Deus! Essa coisinha ousa pensar tambm!

    707. SRTA. SKUNK - Voc no pode simplesmente dizer o que voc quer?

    708. SR. KRAP - O que eu teria querido?

    709. SRTA. SKUNK - Se voc prefere.710. SR. KRAP - Eu teria querido ser contente, durante um instante.

    711. SRTA. SKUNK - Mas contente de qu?

    712. SR. KRAP - Contente de ter nascido e no ter morrido ainda. (Silncio) Vouconcluir rapidamente, porque sinto que ela se aproxima.

    713. SRTA. SKUNK - Teu fim?

    714. SR. KRAP - Minha MULHER. Essa catstrofe.

    715. SRTA. SKUNK - Mas...

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    727. SRTA. SKUNK - T bom, t bom, eu prometo.

    728. SR. KRAP - Voc no entendeu.

    729. SRTA. SKUNK - Prometo, prometo.

    (Silncio.)

    730. SR. KRAP - Voc no gostaria de me beijar? (Srta. Skunk recomea a chorar)No faz mal. Voc tem razo. Sobretudo no chora. Espera...

    (Entra a Sra. Krap.)

    731. SR. KRAP - Espera ficar sozinha.

    732. SRA. KRAP - Est pronta, Olga?

    733. SRTA. SKUNK - Num instante. (Se levanta)

    734. SR. KRAP - Aonde voc vai?

    735. SRTA. SKUNK - Me arrumar. (Sai)

    736. SR. KRAP - Ela entendeu.

    737. SRA. KRAP - Rpido Victor.738. SR. KRAP - Victor? Eu no me chamo Victor.

    739. SRA. KRAP - Rpido. Voc nem se barbeou.

    740. SR. KRAP - Eu no vou sair.

    741. SRA. KRAP - (pegando-lhe no brao) Anda, eia, levanta.

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    742. SR. KRAP - No me obrigue a te matar, Violeta.

    743. SRA. KRAP - Me matar! Voc! Me matar! Eu! (Ri gostosamente.)

    744. SR. KRAP - (tirando uma navalha do bolso) Me ajuda a me levantar. (Sra. Kraprecua) Teria sido melhor (tenta se levantar) eu deixar voc morrer

    do cncer. Azar. (Se levanta pela metade).

    745. SRA. KRAP - (recuando em direo porta) Voc est completamente louco!

    746. SR. KRAP - (ainda afundado na poltrona) Uma vez de p, o resto fcil.

    747. SRA. KRAP - (percebendo que ele no consegue se levantar) Velho impotente!(Volta para ele) E pensar que tive medo um segundo!

    748. SR. KRAP - (se deixando cair) Nada cmodo, se apoiar no traseiro, mesmo paramatar sua mulher.

    749. SRA. KRAP - Crpula!750. SR. KRAP - Eu tambm?

    751. SRA. KRAP - Estrume!

    752. SR. KRAP - Alis, voc no perde por esperar. Vou te estrangular de noiteenquanto voc ronca.

    753. SRA. KRAP - (apavorada com as perspectivas assim descortinadas e talvezespecialmente com a de passar uma noite preocupada em meio aos

    convidados) Henrique, no fique assim! Volte a si! Pense em tudo o

    que ns passamos juntos! Na nossa grande tristeza! Sejamos amigos!

    754. SR. KRAP - (afvel) Senta um instantinho. (Sra. Krap se senta) Voc viu oVictor?

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    755. SRA. KRAP - Juro que no. Fui s passear. Eu estava nervosa. J disse.

    756. SR. KRAP - O que que ele te disse?

    (Entra a Srta. Skunk)

    757. SRA. KRAP - Me espera um instante, Olga. J vou.

    (Srta. Skunk sai.)

    758. SR. KRAP - Voc no precisa confessar que est mentindo, nem se desculpar. Mediz s o que ele te disse.

    759. SRA. KRAP - (com esforo) Ele me disse que no queria mais me ver.

    760. SR. KRAP - E voc, como esteve?

    761. SRA. KRAP - Como eu estive? No entendo.

    762. SR. KRAP - Voc fez a me preocupada.

    763. SRA. KRAP - Eu estou terrivelmente preocupada.

    764. SR. KRAP - Depois ameaadora. Depois chorosa. (silncio) Pela centsima vez.(Silncio) Implorou, gritou, chorou. (Silncio. Com violncia.)

    Responde!

    765. SRA. KRAP - Claro, Henrique, voc sabe muito bem.

    766. SR. KRAP - (tranquilizado) Perfeito. (Sra. Krap se levanta.) Um momento. (Sra.Krap senta de novo) Voc ameaou cortar os vveres?

    767. SRA. KRAP - Ameacei, disse que no podia continuar assim.

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    768. SR. KRAP - Isso indito.

    769. SRA. KRAP - Eu j tinha deixado ele prever.

    770. SR. KRAP - Mas sem imprensar ele na parede?

    771. SRA. KRAP - .

    772. SR. KRAP - Era hoje que voc tinha que levar o dinheiro?

    773. SRA. KRAP - Era.

    774. SR. KRAP - Ento, por que voc convidou a Joana?

    775. SRA. KRAP - Eu queria que ela fosse comigo.

    776. SR. KRAP - A chegou a Margarida?

    777. SRA. KRAP - .778. SR. KRAP - Voc no disse nada a ela?

    779. SRA. KRAP - No. Ela ficou furiosa.

    780. SR. KRAP - Voc deu pra ele?

    781. SRA. KRAP - Como?

    782. SR. KRAP - Voc deu pra ele o dinheiro?

    783. SRA. KRAP - No.

    784. SR. KRAP - O que que ele disse?

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    785. SRA. KRAP - Que no fazia mal.

    786. SR. KRAP - E que ele no queria mais te ver?

    787. SRA. KRAP - .

    788. SR. KRAP - Muito bem, muito bem. (Esfrega as mos. Sra. Krap chora. Leno.Ela se controla.) U, j acabou?

    789. SRA. KRAP - A gente no deve perder o controle

    790. SR. KRAP - No, no, ao contrrio, ... (Se interrompe, com um pensamentopenoso.) Mas e agora, o que voc vai fazer?

    791. SRA. KRAP - O que eu vou fazer?

    792. SR. KRAP - Voc no vai mais l?

    793. SRA. KRAP - No sei.794. SR. KRAP - Mas voc perdeu o trunfo.

    795. SRA. KRAP - A gente inventa outra coisa. Isso no pode continuar assim.

    796. SR. KRAP - Bravo!

    797. SRA. KRAP - No ?

    798. SR. KRAP - Claro, a gente vai inventar outra coisa. (Sra. Krap se levanta.) Paraisso continuar assim.

    799. SRA. KRAP - O qu?

    800. SR. KRAP - Mais uma perguntinha e terminei.

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    801. SRA. KRAP - (sentando de novo) Estou atrasada.

    802. SR. KRAP - Eles podem esperar. (Silncio.) Quantas vezes voc tentou tirar ele?

    803. SRA. KRAP - (em voz baixa) Trs vezes.

    804. SR. KRAP - E no deu em nada?

    805. SRA. KRAP - S passei mal.

    806. SR. KRAP - S passou mal! (Pausa) A voc disse... como ... qual foi aquelalinda frase que voc disse?

    807. SRA. KRAP - Linda frase?

    808. SR. KRAP - ... como ... J que ele est aqui.

    809. SRA. KRAP - Vamos ficar com ele, j que ele est aqui.

    810. SR. KRAP - (animado.) isso! isso: Vamos ficar com ele, j que ele estaqui! (Pausa) A gente estava andando de barco. Tinha uma pena no

    seu chapu. Eu tinha parado de remar. A gua ninava a gente.

    (Pausa) Ele tambm, a gua ninava ele. (Pausa) Voc tem certeza

    que ele meu?

    811. SRA. KRAP - (depois de pensar) Tem... humm... setenta por cento de chances.812. SR. KRAP - Minha cota est aumentando.

    813. SRA. KRAP - Acabou?

    814. SR. KRAP - Acabou.

    815. SRA. KRAP - (se levantando) Voc no est mais chateado comigo, Henrique?

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    816. SR. KRAP - Chateado? Ao contrrio. Estou muito contente com voc, Violeta,muito contente. Voc esteve realmente muito bem, completamente

    natural.

    817. SRA. KRAP - Passe uma boa noite. (Vai sair)

    818. SR. KRAP - Violeta!

    819. SRA. KRAP - (parando) Sim?

    820. SR. KRAP - Voc no quer me beijar?

    821. SRA. KRAP - Agora no Henrique, estou to atrasada.

    822. SR. KRAP - verdade.

    823. SRA. KRAP - (gaiata) E depois, sabe, eu ainda estou com medo da sua faca. (Sai)

    (Silncio bastante longo.)

    824. SR. KRAP - Distrair os passantes!

    (Silncio. Batem na porta. Silncio. Batem de novo. Silncio. Entra Jacques.)

    825. JACQUES - Est na mesa, senhor.

    826. SR. KRAP - O que voc quer agora?

    827. JACQUES - Est na mesa, senhor.

    828. SR. KRAP - Pode dizer.

    829. JACQUES - O senhor prefere que eu sirva aqui?

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    830. SR. KRAP - Servir o qu?

    831. JACQUES - O jantar, senhor.

    832. SR. KRAP - Ah, o jantar. (Pensa) Eu no vou jantar.

    833. JACQUES - O senhor no vai tomar nada?

    834. SR. KRAP - Hoje no.

    835. JACQUES - O senhor no est se sentindo bem?

    836. SR. KRAP - Como sempre.

    (Silncio.)

    837. JACQUES - O senhor quer ouvir um pouco de msica?

    838. SR. KRAP - Msica?839. JACQUES - s vezes faz bem ao senhor. (Silncio) Est dando o Quatuor Kopek,

    senhor. A gente consegue sintonizar da copa. Muito bom programa,

    senhor.

    840. SR. KRAP - O qu?

    841. JACQUES - Schubert, senhor. (Silncio) Eu poderia ligar no salo e deixar asportas abertas, o senhor no gosta quando o som est alto demais.

    842. SR. KRAP - Faa como quiser. (Jacques sai. Msica. o andante do Quatuor eml bemol. Durante um bom minuto, se possvel. Agitao crescente

    do Sr. Krap. Depois, com toda a fora:) Jacques! Jacques! (Tenta se

    levantar. Msica.) Jacques! (Msica. Entra Jacques correndo.) Pra!

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    Pra! (Jacques sai. Msica. A msica pra.) Que coisa abominvel!

    (Entra Jacques.)

    843. JACQUES - O senhor no gosta? (Agitao decrescente do Sr. Krap) Mildesculpas, senhor. (Silncio.) O senhor no deseja nada?

    844. SR. KRAP - No me deixe sozinho.

    845. JACQUES - No, senhor.

    846. SR. KRAP - Fale um pouco comigo.

    847. JACQUES - Tem alguma coisa que interesse o senhor mais que outras?(Silncio.) O senhor viu os jornais?

    848. SR. KRAP - Vi ontem.

    849. JACQUES - O que que o senhor acha do novo ministrio?

    850. SR. KRAP - No, no, isso no.

    (Silncio.)

    851. SR. KRAP - Quando o casamento?

    852. JACQUES - O senhor quer dizer, a Maria e eu?853. SR. KRAP - .

    854. JACQUES - Ns pensamos daqui a um ms ou dois, senhor.

    855. SR. KRAP - Vocs j fazem amor?

    856. JACQUES - Ns... humm... eu... humm... no exatamente amor, senhor.

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    871. SR. KRAP - Voc desligou?

    872. JACQUES - Desliguei, senhor, achei que devia.

    (Silncio.)

    873. SR. KRAP - Jacques.

    874. JACQUES - Senhor?

    875. SR. KRAP - Eu queria que voc me beijasse.

    876. JACQUES - Mas claro, senhor. Na bochecha?

    877. SR. KRAP - Onde voc quiser.

    (Jacques beija o Sr. Krap.)

    878. JACQUES - Mais, senhor?879. SR. KRAP - Obrigado.

    880. JACQUES - Est bem, senhor. (Se endireita)

    881. SR. KRAP - Toma. (Lhe d uma nota de cem francos)

    882. JACQUES - (pegando a nota) Oh, no precisava, senhor.

    883. SR. KRAP - Voc espeta.

    884. JACQUES - O senhor tambm espeta um pouco.

    885. SR. KRAP - Voc beija bem.

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    886. JACQUES - Eu fao o melhor que posso, senhor.

    (Silncio.)

    887. SR. KRAP - Eu devia ter sido homossexual. (Silncio.) O que que voc acha?

    888. JACQUES - De qu, senhor?

    889. SR. KRAP - Do homossexualismo.

    890. JACQUES - Eu acho que deve ser mais ou menos a mesma coisa, senhor.

    891. SR. KRAP - Voc cnico.

    (Silncio.)

    892. JACQUES - Devo ficar perto do senhor?

    893. SR. KRAP - No, pode me abandonar.894. JACQUES - No seria melhor o senhor ir se deitar? (Silncio.) Tem alguma outra

    coisa que eu possa fazer pelo senhor?

    895. SR. KRAP - No. Sim. Apague essa luz horrvel.

    896. JACQUES - Est bem, senhor. (Apaga o abajur) Vou deixar a lampadazinhaacesa, senhor. (Silncio.) Boa noite, senhor.

    897. SR. KRAP - Boa noite. (Jacques vai saindo) Deixe as portas abertas.

    898. JACQUES - Est bem, senhor.

    899. SR. KRAP - Para voc ouvir meus gritos.

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    900. JACQUES - Est bem, se... O qu, senhor?

    901. SR. KRAP - Deixe aberto.

    902. JACQUES - Est bem, senhor. (Sai, preocupado.)

    (Imobilidade do Sr. Krap.)

    903. SR. KRAP - Cortina.

    (Imobilidade do Sr. Krap.)

    CORTINA

    F IM DO 1 ATO