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Universidade Católica Portuguesa
Escola das Artes
Sara Carvalho Coutinho
Joalharia no Corpo Urbano
Tese de Mestrado em Design de Ourivesaria
Porto 2011
Agradecimentos
Agradeço ao meu orientador, Professor Doutor Gonçalo Vasconcelos e Sousa e à
minha co-orientadora pelo franco positivismo que transmite, Mestre Maria João Costa.
Profissionalmente, agradeço ainda, à Professora Doutora Isabel Cardoso pela
explicação clara e simples sobre o funcionamento do ADN; à Professora Doutora
Alexandra Gago da Câmara que me recebeu em Lisboa centrando-me a pesquisa
azulejar. De uma forma particular agradeço ao Engenheiro Jorge Cardoso, que
implementou o código no projecto desenvolvido, proporcinando que este saísse do
espaço virtual para o espaço real e material.
Afectivamente agradeço à Arminda e ao Laurindo, meus pais; ao Francisco, meu
irmão; à Filipa, amiga desde sempre; à Isabel e ao Paulo, o excelente jantar; à Ana e ao
Bito, a estada; ao Jorge, companheiro para a vida.
4
Resumo
A nossa proposta projectual é implementar, através de técnicas de design
computacional e de fabricação industrial, a tendência contemporânea de incluir
individualidade na joalharia. Para tal utilizamos o ADN do utilizador ao qual faremos
corresponder variáveis que alteram a geometria da peça. Esta é gerada automaticamente
por um programa de computador – Gerador de Identidade, depois de introduzidos os
códigos biométricos (www.saracoutinho.com/geradoridentidade/adn). O seu resultado
culmina numa peça única e desenhada especificamente para aquela pessoa, que pode ser
fabricada também automaticamente – criando um molde por prototipagem rápida e
posterior fabricação por fundição, ou através de impressão 3D.
Neste projecto preocupamo-nos também em compreender de que forma se está a
processar a passagem de arte decorativa, carregada de manualidade, para o design
industrial e dar também uma contribuição para este processo. Com esse objectivo, o
conceito desenvolvido em torno da jóia assenta na herança histórica da urbanidade
portuguesa – o azulejo, particularmente, o pombalino.
Neste projecto a peça nasce através da informação genética do utilizador, sendo
portadora de dados pessoais – o objecto gerado só pode pertencer à pessoa que o faz
gerar. Desta forma, não é apenas personalizável, mas eleva esta fronteira - é único e
intransmissível, tal como o corpo a que se destina. A evolução do corpo ajuda a
entender a evolução da jóia, nosso objecto a projectar. Entendemos que é no corpo que
vive, e o seu desenvolvimento nada tem de trivial, é pleno de empatia e emoção. No
desígnio duma jóia devem ser conhecidas as suas fronteiras para que haja uma
construção consciente das extensões do corpo.
Propusemo-nos a este desafio sobretudo pelo desejo em testemunhar com
sensibilidade território frágil.
Abstract
Our project proposal is to implement, using computational design and industrial
fabrication techniques, the contemporary tendency of including individuality in jewelry
design. For this, we use the user’s DNA, to which we map several variables that alter
the piece’s geometry, which is automatically generated by a computer program – the
Identity Generator – after the biometric codes are inserted into it
(www.saracoutinho.com/geradoridentidade/adn). The result is a unique piece, designed
specifically to a person, which can also be automatically fabricated – by creating a cast
using rapid prototyping and then fusion fabrication, or by 3D printing processes.
In this project, we were also interested in understanding the ways in which the
transition of decorative art, highly manual, to industrial design is taking place, and also
to contribute to this process. With that purpose, the concept developed around the
jewels rest on the Portuguese historic urban heritage – the tile, particularly, the
pombaline tile.
In this project, the piece is born through the genetic information of the user,
which carries personal data – the generated object can only belong to the person that
generated it. In this way, it is not just costumizable, but breaks this boundary – it is
unique and intransmissable, just like the body that will carry it.
The evolution of the body helps to understand the evolution of jewlery. We
believe that it lives in the body, and its development is not trivial, it is full of empathy
and emotion. For a conscious construction of the extensions of body to happen during
the design of a jewel, we must understand the body’s boundaries.
We set out this challenge mainly by the desire to testify sensitively fragile
territory.
Sumário
Introdução 8
1ª Parte – Joalharia, Corpo, Raiz Urbana
I. A jóia
1. Significado 15
2. Tipologia 17
3. Localização e interacção 18
4. Design da jóia 26
4.1 Designers 28
4.2 Designers de jóias 29
4.3 Designers de moda 30
4.4 Artistas 31
4.5 Indústria 32
II. Corpo urbano
1. O corpo e o seu limite 35
2. Malha urbana e malha corporal: a rede 36
3. Identidade = Corpo + Construção Pessoal 41
III. Raiz urbana: O azulejo português
1. Origem e importância 45
2. Período pombalino: Enquadramento histórico e social 47
3. Centros produtores e autores de azulejaria pombalina 49
4. Enquadramento estético do azulejo pombalino 50
5. Malha azulejar pombalina e sua integração arquitectónica 55
5.1 Espaços interiores 61
5.1.1 Átrios, entradas e vestíbulos 62
5.1.2 Escadas e corredores 63
5.1.3 Salão nobre, casas de jantar, camâras e ante-camâras 64
5.1.4 Cozinhas 65
5.2 Espaços exteriores 66
5.2.1 Fachadas 67
5.2.2 Tanques e fontes 67
5.2.3 Alegretes, bancos e pérgulas 68
5.2.4 Alpendres 68
5.2.5 Terraços e Varandas 69
5.2.6 Escadas 69
2ª Parte – Gerador de identidade
I. Raiz histórica
1. O azulejo: Estética, forma e integração 71
2. Exemplos de azulejos relevados 74
II. Memória justificativa
1. Design do corpo 77
2. Customização 82
2.1 Pensamento criativo do artesanato e do design 83
2.2 Designer / Usuário / Autor 85
2.3 Exemplos de customização 86
III. Desenvolvimento do Projecto
1. Joalharia e corpo urbano 89
2. ADN: Correspondência ao projecto 91
3. Estrutura do projecto 94
4. Variáveis 106
4.1 1ª Variável: Largura 109
4.2 2ª Variável: Diâmetro 110
4.3 3ª Variável: Malha – Curva 1 115
4.4 4ª Variável: Malha – Curva 2 116
4.5 5ª Variável: Hereditariedade 118
4.6 6ª Variável: Relevo 122
4.7 7ª Variável: Resolução 127
5. Desenho técnico 128
6. Implementação do projecto 133
Conclusão 143
Fontes e Bibliografia 145
Introdução
A falta de projectos experimentais que conduzam a novas formas de pensar
joalharia no âmbito das competências do design industrial foi o primeiro impulso para a
iniciação deste estudo. Outro factor foi perceber quais as abordagens contemporâneas já
realizadas de forma a perspectivar qual a evolução da joalharia. Partimos do princípio
que integrará cada vez mais uma componente tecnológica uma vez que esta é a
tendência global em praticamente todas as áreas. Pretende-se compreender de que forma
se está a processar esta metamorfose – a passagem de arte decorativa carregada de
manualidade para o design industrial – e que benefício traz à disciplina do design o
processo criativo em específico do artesanato.
A nossa proposta projectual é implementar industrialmente a tendência
contemporânea de incluir singularidade na joalharia. Temos por objectivo utilizar o
ADN do utilizador ao qual faremos corresponder variáveis que vão alterando a
geometria da peça. As variáveis terão intervalos previamente definidos onde, depois de
introduzidos os códigos do ADN, a peça será gerada automaticamente. O seu resultando
culmina numa peça única e somente para aquela pessoa – Gerador de Identidade.
Através das múltiplas pesquisas realizadas, parece-nos que este contributo à joalharia
será efectivamente inovador. Por si só, a inovação não é uma vantagem, mas em
concordância com o mercado, acaba por decifrar o desejo do contexto cultural de
unicidade. Este projecto não pretende ser apenas personalizável, mas elevar esta
fronteira. Tenciona ser único e intransmissível, de forma idêntica aos dados biométricos.
Nasce através da informação genética do utilizador, sendo portador de dados pessoais –
o objecto gerado só pode pertencer à pessoa que o faz gerar.
Entendemos como desafios à realização deste projecto a gestão, adaptação e
interpretação de várias linguagens, pois esta só é possível com o contributo de
diferentes disciplinas, fundamentalmente do design industrial, biologia e engenharia
informática. Não podemos também esquecer que para a sua sustentação conceptual e
contextualização cultural, absorvemos conhecimentos da sociologia, da ciência e da
história.
A estrutura deste estudo está organizada por duas partes distintas, a primeira,
denominada de Joalharia, Corpo, Raiz urbana, apresenta estudos relacionados com a
investigação proposta, a segunda, Gerador de identidade, mostra uma investigação mais
direccionada para desenvolvimento prático do nosso projecto final.
O capítulo I da primeira parte começa por introduzir o conceito de jóia e os
significados que lhe são atribuídos por diferentes entidades, quer do foro subjectivo,
quer do objectivo. Seguidamente introduzimos a enunciação de tipologias
desenvolvidas actualmente, assim como propostas já realizadas no âmbito do
posicionamento e interacção do corpo com a jóia. Finalizamos este capítulo com uma
abordagem do design enquanto método projectual, a qual completamos com exemplos
retirados das visões de jóia por designers, designers de jóias, designers de moda, artistas
e pela indústria. Seguidamente, no capítulo II abordamos o corpo como referêncial da
jóia, e especulamos sobre o seu limite. Procuramos perceber se este corpo
contemporâneo é também matéria-prima a aperfeiçoar. Sendo que o acesso humano ao
mundo se dá através do corpo, iremos reflectir sobre o poder das extensões corporais
como médiuns informativos. Neste contexto tentaremos perceber de que forma se
constrói a identidade pessoal. O capítulo III, está dedicado ao elemento ornamental
escolhido, o azulejo. Documentamos a sua evolução pela importância que tem no
contexto português. Pretendemos apreender quais os pólos industriais que se
desenvolveram na época escolhida – a pombalina. Faremos o enquadramento estético do
azulejo pombalino e sua integração arquitectónica em espaços interiores e exteriores.
A segunda parte inicia-se com o entendimento da gramática do azulejo, capítulo
I. Esta compreensão será aplicada na definição da malha que irá revestir a aliança a
projectar. O nosso estudo segue no capítulo II, onde pensaremos o design de joalharia
juntamente com a tendência contemporânea do design do corpo e iremos investigar um
procedimento para aplicar unicidade à joalharia industrial. Terminamos com a
realização do projecto de joalharia – Gerador de Identidade, capítulo III. A nossa
proposta será estabelecer no projecto simetria com o ADN do usuário. Definiremos
variáveis que serão introduzidas no painel azulejar a criar, as quais serão modeladoras
do traçado final da peça concebida. Temos por objectivo que a aliança gerada seja
editável num ficheiro de leitura para impressão 3D. Numa primeira etapa revelaremos
como se comportam as metamorfoses nas variáveis que predeterminamos, e iremos
fazer uma impressão 3D do resultado obtido em prototipagem rápida.
Realizaremos um video onde será possível visualizar as manipulações,
www.saracoutinho.com/geradoridentidade. Finalizaremos com um exemplo prático,
onde introduziremos um código simulado de ADN e registaremos a geração da aliança:
www.saracoutinho.com/geradoridentidade/adn.
É nosso propósito fazer uso das tecnologias produtivas e de impressão 3D,
convergindo o design de joalharia e o design de produto.
15
1ª Parte – Joalharia, Corpo, Raiz Urbana
I. A jóia
1. Significado
Vamos iniciar este estudo com a enunciação de distintas definições que
circunscrevem a jóia quanto à matéria, ao local de adorno e significação, provenientes
de diferentes entidades. Parece-nos importante absorvermos várias interpretações, que
tomamos como base, para que possamos construir um pensamento sustentado pela
comunicação entre áreas e assim estendê-lo.
- Dicionário da língua portuguesa:
“Objeto de adorno (de matéria preciosa ou que a imita)."1
- Dicionário ilustrado de joalharia:
“Jewel. An article of JEWELRY that is of substantial value and intended to be worn on
the person decoratively or usefully, being usually composed of a precious metal and/or
a gemstone or gemstones, and made with artistry or superior craftsmanship. The term
would ordinarily exclude those articles of jewelry intended to be carried on the person
but not be worn, as well as such OBJECTS OF VERTU that, even though intended for
some purpose closely identified with an individual’s convenience or pleasure rather than
primarily some utilitarian purpose, are not articles to be worn on some part of the
body.”2
- Contrastaria Portuguesa:
“Capítulo 1; Artigo 1.º; (...)
1 Vd. In http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=j%u00f3ia (24/10/2009; 22h). 2 Vd. NEWMAN, Harold - An Illustrated Dictionary of Jewelry. Londres: Thames and Hudson, 1981, p.
13.
16
3- Consideram-se metais preciosos a platina, o ouro e a prata, bem como o irídio,
quando ligado à platina, e designa-se genericamente por metal pobre qualquer dos
restantes metais.
4- Consideram-se artefactos de ourivesaria: a) Os objectos feitos total ou parcialmente
de um ou mais metais preciosos de toque não inferior a 375%, adornados ou não com
pedras, pérolas ou esmaltes, com exclusão dos que se destinem a usos ou aplicações
científicas, industriais, laboratoriais ou medicinais;
b) Os relógios de uso pessoal com caixas de metal precioso de toque não inferior a
375%, adornados ou não com pedras, pérolas ou esmalte.”3
- Alessandro Mendini:
“A jewel is a piece of the body of the person who wears it, forming part of it,
emphasizing it, isolating it, penetrating it, encircling it…”4
- José Manuel Bártolo:
“Uma jóia não vale tanto pela sua função de uso mas pela sua dimensão simbólica.
Como todo o símbolo, a jóia é a presença de uma ausência, algo que está no “lugar de”,
uma evocação de qualquer coisa que não está presente, um contracto civil ou um
sentimento, a pertença a uma linhagem ou uma memória, um desejo, um clamor, um
suplício.”5
A materialidade e utilidade do adorno coexistem como capacidade de construir
uma narrativa tendo o corpo como suporte categórico. O acto de adornar é um acto
consciente. A joalharia serve para definir identidade, tanto na actualidade como no
passado. É portadora de crenças, de valor afectivo, faz parte dos nossos rituais mais
tradicionais ou contemporâneos. A construção desta identidade é uma necessidade
primária que coabita com a afecção para gerar o mundo material da joalharia. Excluem-
se objectos não usados no corpo, impelindo-nos assim a rever os limites corpóreos.
Assiste-se ao aumento do nosso espaço corporal, sendo que a construção da jóia é feita
em torno do e sobre o corpo. Uma necessidade de corpo e mente que constrói para si 3 Cfr. INCM – Departamento de Contrastarias 4 Vd. CAPPELLIERI, Alba; ROMANELLI, Marco - Il design della gioia: Il gioiello fra progetto e
ornamento. Milão: Fondazione Triennnale di Milano, 2004, p. 25. 5 Vd. IDEM, Ibidem.
17
próprio as “coisas” à sua imagem tornando a jóia numa porta entre o mundo privado e o
público. O nosso estudo irá centrar-se no design de joalharia percebendo o valor desta
enquanto signo comunicante. Entendemos que o significado de uma jóia é também o
significado de usar uma jóia.
2. Tipologia
De uma forma muito sintética tentaremos dar a conhecer várias formas de olhar
o design de joalharia. Inicialmente referenciamos a joalharia produzida em larga escala.
É fácil de usar, ergonómica e prática, sendo simples o seu reconhecimento enquanto
joalharia. É construída com elementos padrão, pré-fabricados, materiais preciosos ou
semi preciosos6, com preço de mercado demasiado oscilante para se circunscrevermos
num intervalo. Vendida em joalharias, department stores e lojas de roupa, torna-se uma
joalharia esteriotipada associada ao mercado da moda, e por isso tende a tornar-se
ubíqua.
Seguidamente, verificamos o mercado de marcas de joalharia onde “prestige is
the Keyword”7, profundamente marcada por campanhas de marketing. Temos como
exemplos destas marcas, a Bvlgari, Tiffany ou Chanel. A marca com a componente
mais criativa, inovadora e original, pensamos que seja a Niessing.
Em paralelo haverá sempre os mercados alternativos mais reduzidos, por vezes
com artigos especializados, assim como ourivesarias com pequenas oficinas capazes de
produzirem elas próprias alguns dos produtos a serem comercializados. Neste contexto
somos confrontados com a noção de peça única e a relação personalizada com o
utilizador que as peças adquirem.
Noutra direcção, consideremos a produção de joalharia de arte ou joalharia de
autor, uma vez que é este quem decide o conceito a evocar. Esta forma de produzir
joalharia tem origem nos anos 60. A experimentação tomou de assalto os criadores de
joalharia e do design de joalharia. Podemos perceber que as possibilidades se tornaram
mais amplas sob o ponto de vista da exploração técnica, produtiva, material e na relação
com o corpo “...anything became possible. Jewellery could be a statement, a mass-
6 Ainda é polémica a aceitação de joalharia produzida por materiais não nobres. 7 Vd. ASTFALCK, Jivan - New Directions in Jewellery. Londres: Black Dog Publishing, 2005, p. 11.
18
produced product, an accessory, a DIY kit, a clothing addition, a photographic proposal,
wearable sculpture, a costume or stage pieces.”8. Como principais centros produtores
referenciaremos: Inglaterra, Holanda, Alemanha, Suiça, Áustria. Neste contexto a
joalharia posiciona-se mais como forma de arte, isolada do design e da moda.
Uma outra vertende é a indústria tecnológica, com empresas como a IDEO ou a
IBM a interessarem-se pela joalharia, produzindo o que podemos designar por jóias
tecnológicas.
Concluiremos este ponto afirmando que a joalharia tem um campo de acção
aberto, “jewels in jeweler’s shops, artist jewelry, ceremonial jewelry, bijouterie, and
even piercing and tattooing… Jewelry as a diffuse entity, but more than that: jewelry as
a non-temporal entity.”9
3. Localização e interacção
Comecemos com a premissa de que a lógica do corpo é o referêncial da jóia. “A
razão é muito clara: a existência de um corpo é a condição de possibilidade da
existência de uma jóia, o corpo é o espaço onde a jóia se concretiza…”10 A relação de
proximidade entre o uso da peça de joalharia com o corpo incorpora intimidade e
convida ao espaço privado, quer pela interacção física com o objecto quer pela
localização da sua colocação no corpo. Entendemos que não há áreas no corpo pré
definidas para o uso da jóia. Importa-nos salientar que o uso da jóia está associado à
experiência obtida desse mesmo uso, traduzido num diálogo intimista.
Passamos a apresentar alguns exemplos que foram selecionados pela capacidade
de romperem com conceitos adquiridos, pela integração de disciplinas transversais à
joalharia e provenientes de bases muito diferentes, inovadoras pelas novas formas de
projectar que propõem. A fronteira entre a jóia e o corpo, é simultaneamente
modeladora e modelada, e necessita do reconhecimento deste intervalo, que é também
corpo. Perceber estes limites, estes intervalos enquanto entidades autónomas, é o
8 Vd. IDEM, Ibidem. p. 12. 9 Vd. CAPPELLIERI, Alba; ROMANELLI, Marco - Ob. cit, p. 16. 10 Vd. BÁRTOLO, José - Corpo e Sentido, Estudos Intersemióticos, In
http://www.livroslabcom.ubi.pt/pdfs/bartolo-jose-corpo-e-sentido.pdf, (10/10/2010; 21h).
19
reconhecimento de transparências. Estamos a falar então de um ser-objecto. Este
intervalo de espaço entre o corpo e os extra-corpos, esta zona baliza pode ser também
ela considerada corpo, realizada, por um lado de materialidade unitária e por outro,
dotada de uma volatilidade e de poder de movimento. Deste “pensar o espaço como
corpo”11 apontamos como exemplo o projecto Mouth Ligth (figura 1). O trabalho da
autora não reporta somente o corpo mas sobre o corpo em si - adorna o espaço em
negativo. Segundo as palavras da própria, Naomi Filmer assume-se como designer de
joalharia e não joalheira, uma vez que não quer estar preocupada com as tradições da
joalharia.
Figura 1 - MouthLight por Naomi Filmer
Dos objectos que se colocam no corpo, aos objectos que nascem do corpo,
passando pelos objectos que se colocam no corpo nascidos do corpo, Angiogenetic Body
Adornment (figura 2) é expoente máximo da mutabilidade e da indefinição dos limites
do ser-corpo-objecto. Norman Cherry apresenta-nos esta ideia que colocamos em
oposição às características individuais da jóia como a impermanência e exterioridade
apontadas pelo autor Manuel Castro Caldas.
11 Vd. IDEM, Ibidem.
20
Figura 2 - Angiogenetic Body Adornment por Norman Cherry
Levantamos aqui as seguintes questões: será incorporação de objectos no corpo
ou a fixação de corporeidade nos objectos? Serão seres-objectos que crescem do corpo e
dos seus códigos de ADN? Assumindo esta possibilidade, que códigos, para além dos
simbólicos, transportará a joalharia? O ciclo de vida do ser-objecto é programado a
priori ou integrado no ciclo de vida do corpo? É o acrescento no corpo que define o seu
tempo de vida, ou será a efemeridade diferente para corpo e acrescento?
“Está hoje em vigor uma nova economia de aproveitamento e de reciclagem dos
produtos do corpo como matéria de construção do próprio corpo. Para esta tendência
contribui, também, a joalharia como se confirma através da análise dos projectos de
biojoalharia. Aparentemente, a joalharia não escapa a esta lógica de retroacção, lógica
cibernética por excelência, que acaba sempre por se traduzir ao nível das práticas do
corpo e dos discursos do corpo.”12 Survival Kit (figura 3) é exemplo de biojoalharia,
menos preocupada com o adorno e mais interventiva. A poposta deste projecto é a
transformação da urina em água bebível, tendo em conta a escassez de água a nível
global.
12 Vd. BARTOLO, José - Ob. cit, (10/10/2010; 21h).
21
Figura 3- Survival Kit por Teresa Milheiro
Blister Ring (figura 4) é também uma viagem pela mutabilidade efémera do
corpo-objecto. A joalharia como narrativa de continuidade e memória rompe-se, sendo
provocado um corte de identidade através das experiências que joalharia contemporânea
propõe.
Figura 4 - Blister Ring por Tiffany Parbs
A joalharia tatuada proposta pela Flambeau Luxury Trading and Precious Skin
(figura 5), propõe identidades efémeras através da utilização de materiais nobres,
integrando o mundo da moda e das tendências.
22
Figura 5 - Joalharia tatuada por T.J. Holmes13
Quando as formas são adaptativas e não intrusivas, constatamos que só quando
são removidas é que a sua presença se torna opaca. O projecto Rec Contacts (figura 6),
embora de uma forma metafórica, torna-se espelho do que sensorialmente é feito e do
que tecnologicamente é passível de o ser. Espelha o eu através do outro, em antítese ao
mito de narciso, onde se espelha o outro através do eu. No entanto continua a ser
necessária a entrada de um terceiro elemento para desbloquear a sucessão de
espelhamentos. Por paradoxo, e estabelecendo um paralelo à cultura material, podemos
afirmar que inicialmente a transparência foi usada para mostrar o esqueleto, as
entranhas do objecto, como que a um corpo lhe retirássemos por sucessão pele,
músculos, etc, o que nos mostra que a ubiquidade é acessória. O desejo de transparência
é uma escolha cultural. Será a anamorfose e o segredo da intrusão do ser-objecto no
13 Vd. Imagem retirada do video produzido pela CNN. Nadia Bilchik entrevista T.J. Holmes sobre a
tendência crescente do uso de joalharia tatuada no Dubai. Estas são jóias produzidas em ouro de 24 Klt,
platina e brilhantes.
In http://edition.cnn.com/video/data/2.0/video/world/2010/11/14/bilchik.dubai.gold.tattoos.cnn.html
(14/11/2010; 16h)
23
corpo sem ocupar espaço, a cegueira - espelho deixa-nos sem noção de espaço, só
tempo, uma tentativa de extensão transparente?
Figura 6 - Rec Contacts por Klara Jirkova
“Como sublinham Peter Dormer e R. Turner, a joalharia contemporânea é
indissociável desta intenção de tornar a jóia numa interface comunicativa, performativa,
dinâmica, que se dá, não apenas a ser usada […] mas, sobretudo, a ser sentida e
pensada.”14 Todos somos autores próprio corpo. Neste contexto pensamos que o tacto é
o dispositivo sensorial mais visceral – tocar é ser tocado. O tacto está ainda protegido e
seduzido por todos os outros dispositivos sensoriais, transportando emoções. O projecto
Light Brooch (figura 7) é reflexo da expressão da comunicação humana através da
relação exploratória do tacto e convida à acção/reacção. Através da partilha das peças,
gestos privados tornam-se públicos. Projectar a interacção entre utilizador e visualizador
é projectar para a experiência. A experiência coreografada tem sempre fendas, o pré
definido é só a introdução. O corpo é nosso maior processador de histórias. Como
qualquer outro programa gera sequências desconhecidas, não previstas, bugs.
14 Vd. BARTOLO, José - Ob. cit, (10/10/2010; 21h).
24
Figura 7 - Light Brooch por Nicole Gratiot Stöber
Com estes exemplos temos presentes os conceitos de reprodutibilidade, uma
noção elementar do design, e da tradução de linguagens computacionais e tecnológicas,
que pela escala entendemos que a joalharia com afinidade poderá incorporar as
nanotecnologias. Para já, a miniaturização15 e a mobilidade que lhe está associada,
assim como a ubiquidade, são a ponte relacional e automática para a integração da
tecnologia digital na joalharia. Corpo, sua extensão e remediação do corpo – sistema
receptor e informador, novo nómada que não se desloca sem a bagagem digital, onde
estabelece relações emocionais das quais a joalharia sempre se alimentou. Os projectos
Ring Phone e GPS Toes (figura 8) propostos pela Technojewelry for IDEO e Without
Tought e-fashion (figura 9) pela IDEO representam esta adaptação, mudando a
experiência composicional e espaço-temporal. Exploram a tecnologia vestida, cremos,
com alguma sensualidade e emoção. Que experiência se retira quando estes dispositivos
GPS vibram ou se iluminam? Divertimento ou irritação? A analogia empírica
relacionada com a mímica infantil de representação do uso do telefone é neste projecto
tornado real.
15 Vd. Esta forma de projectar design torna-se, em certos momentos, incompatível com a escala humana.
25
Figura 8 - Ring Phone & GPS Toes pela IDEO
Figura 9 - Without Tought e-fashion por Naoto Fukasawa para a IDEO
O projecto Vanity Ring (figura 10) representa um exemplo do nosso depósito
digital. Será a nossa importância contemporânea atribuída pelo número de espelhos que
possuímos? Ou será simultaneamente este depósito uma fuga ao anonimato
contemporâneo? Quantas janelas temos quando um momento equivale a n experiências?
Sendo a interface uma geradora de experiência pelos dispositivos perceptivos que
aparelha, como pode a vida da jóia existir através do corpo apossado ou da jóia para
posse do corpo? Deixamos em aberto as questões propostas.
Figura 10 - Google Vanity Ring por Markus Kison
A joalharia estendeu o seu vocabulário a novos materiais e novas percepções,
integrando experiência ao utilizador e resultando num processo interactivo entre o
sujeito e o seu corpo. O corpo torna-se interface, espelho e janela, e a sua
26
adaptabilidade reflecte e redefine-se enquanto corpo, em verdadeiro estado de work in
progress.
4. Design da jóia
Começamos este capítulo com a pergunta “What is design?”16 e com a resposta
de Ron Arad “Well, if you ask me like that, I’d say that maybe design is the act of one
imposing one’s will on materials to perform a function…”17 A nossa opção de resposta
do designer de produto Ron Arad prende-se no reconhecido exercício de design com
experiência multifacetada e também especializada no domínio dos metais.
O desígnio primeiro do design é cumprir uma função. Funcionalidade será
sempre implícita no trabalho mental de um designer, onde se acrescenta empatia e
identidade, sendo que só dessa forma o design funcionará. Entendemos que
funcionalidade não é, no entanto, similar a utilidade, e também que o percurso uníssono
da jóia e do design é relativamente recente. A joalharia esteve sempre mais próxima do
artesanato, seguidamente tida como expressão artística, e só mais recentemente utiliza o
design como disciplina. Parece-nos que enquanto se aproxima do design, tem tendência
em afastar-se do artesanato.18
A dificuldade em projectar uma jóia prende-se com uma razão: jóia é corpo19.
Podemos questionar se o valor decorativo da jóia ultrapassa o seu uso no corpo. Cremos
que não, que a empatia e afecto serão componentes decisivas para o seu uso, mas tendo
sempre o corpo como linha guia para o design da jóia. Esta estabelece de forma
comunicante uma relação social, é o elo de ligação entre quem usa e quem observa,
comunica o privado tornando-o público. A especificidade do design da jóia prende-se
16 Vd. ARAD, Ron; COLLINGS, Matthew – Ron Arad e Matthew Collings. Londres: Phaidon Press,
2004, p. 12.
Questão colocada por Mattew Collings a Ron Arad. 17 Vd. IDEM, Ibidem. Para a compreensão da resposta de Ron Arad é necessário que a palavra “função”
não deverá ser confundida com o “ser prático”. 18 Sobre este tema decidimos fazer uma clarificação maior uma vez que estas questões serão pretinentes
na 2ª Parte do nosso estudo, capítulo III – Desenvolvimento Projectual. 19 Vd. CAPPELLIERI, Alba; ROMANELLI, Marco - Ob. Cit, p. 25.
27
com a ambiguidade do simbólico, do social e da mutabilidade, “ investment or amulet,
status symbol or fashion accessory, sculpture or ornament, (…)”20. São características
fundamentais na joalharia, a preciosidade, a beleza ou a narrativa. Sabemos que a jóia
atravessa disciplinas como o design ou a arquitectura, a pintura e a escultura, as artes
decorativas, a moda, a antropologia ou a sociologia, entre outras, e que as fronteiras
disciplinares são cada vez menos estáticas. Entendemos que a ergonomia estará sempre
implícita pela atenção ao gesto e ao movimento. Mas o design da jóia, ainda que
transversal às disciplinas enunciadas, não é um mero escalamento da arquitectura,
escultura ou design industrial.
Forma, corpo, matéria, decoração, replicação, são elementos igualmente
presentes num projecto de design de uma jóia. A forma unirá os mundos conceptuais da
moda, arte, design e indústria, tornando a ideia em realidade. O corpo é o lugar onde
habita a jóia - corpo material mais o espaço que este ocupa e onde este se projecta. A
matéria condiciona a forma na sua dimensão física e atribui à jóia as suas propriedades.
Pode ser composta por materiais simples, compósitos, materiais luminescentes e
materiais com memória de forma. Estes definem o seu ciclo de vida. O autor Gio Ponti
não distingue a importância das várias tipologias de materiais, mas sim a exactidão da
utilização do material certo para determinado projecto. A introdução de materiais não
valiosos na esfera simbólica do luxo contaminou e confundiu as fronteiras, deixando no
ar a questão do que é precioso. Como resposta podemos tentar adivinhar que será
sempre mais do que o ornamento em si, mas sim a sua função. A função do ornamento
consiste em gerar encantamento, função que podemos designar como pura emoção. A
replicação ou não depende dos objectivos produtivos, materiais, e do uso de técnicas
muito distintos. Se na tradição permanece o conceito de peça única, o século XX
triunfou com a produção em massa de joalharia pelas “brand names”. No entanto não
poderíamos deixar de explanar que a replicação serve a democratização. A exemplo da
democratização do luxo, a Cartier apresentou em 1973 “Must de Cartier” e a Bvlgari
“Bzeronno”, ressaltando que a moda entra directamente no mundo da joalharia a partir
dos anos 90 com as marcas Chanel e Gucci.
O design de uma jóia é sempre um projecto emocional, uma vez que a joalharia
pode ser entendida como uma linguagem que traduz rapidamente os desejos do eu.
Expomos portanto três aspectos de um objecto emocional: o visceral, o comportamental
20 Vd. IDEM, Ibidem.
28
e o reflexivo. O aspecto visceral está relacionado com a aparência; o comportamental
com a forma de uso e o prazer que isso representa; o reflexivo comporta o racionalismo
e a intelectualização do produto – “Can I tell a story about it? Does it appeal to my self-
image, to my pride?”21 Os objetos são muito mais do que “material possessions”22.
A personagem de Audrey Hepburn afirmava no filme Breakfast at Tiffany’s de
1961 “I don’t want to own anything until I find a place where me and things go
together.” A sensibilidade simbólica do século XX está representada nesta frase,
segundo a autora Silvana Annicchiarico. E no século XXI, que sensibilidade nos pode
representar?
4.1 Designers
Os irmãos Fernando e Humberto Campana projectam objectos com a
intencionalidade de trazer sonho, pretendem gerar ligação emocional com a vida
quotidiana. Utilizam materiais e técnicas que impulsionam a quebra de fronteiras pré-
formadas, trazendo a ironia como parte dos seus projectos. O projecto Ispirazione
(figura 11) expande-se ou retrai-se conformeo desejo do utilizador, reproduzindo a
grelha geométrica dos elevadores antigos.
Figura 11 - Ispirazione pelos irmãos Campana
Como projecto isolado possuidor da ambição de inovar a joalharia ou processo
de design, apontamos a fundação “Chi ha paura...?” da qual enunciamos o projecto Not
21 Vd. NORMAN, Donald - Emotional Design. Nova Iorque: Basic Books, 2005, p. 5. 22 Vd. IDEM, Ibidem, p. 6.
29
Made By Hand, Not made in china (figura 12) pelo seu grau de inovação tecnológica. É
um projecto realizado por Ron Arad primeiramente apresentado na exposição “Salon
del Mobile” em Abril de 2000, Milão.
Figura 12 - Not made by hand, not made in China por Ron Arad
4.2 Designers de Jóias
Salientaremos o projecto The Data Jewel (figura 13) do designer e joalheiro
Christoph Zellweger uma vez que nos parece caracterizar a era digital por ser gerado a
partir da tradução de linguagens “computer generated drawing”. Estaremos perante a
ideia de que o que não for possível de ser traduzido em linguagem computacional, não
terá lugar no plano material futuro.
Figura 13 - The Data Jewel por Christoph Zellweger
Peter Chang é simultaneamente designer de joalharia e escultor. O projecto
apresentado na figura 14 combina uma estrutura geométrica com elementos
30
morfogénicos, resultando numa peça semi-orgânica. O anel parece possuir vida própria
e utiliza o usuário como casa onde permanece imóvel.
Figura 14 - Sem nome por Peter Chang
4.3 Designers de moda
O designer de Florian Ladstätter opta por mostrar as suas peças em feiras de
moda e de acessórios, desta forma, e nas palavras do próprio “find a way that people
make my jewellery part of their lives”. Escolhemos este autor pela versatilidade
projectual que apresenta. É também produtor de joalharia de autor e joalharia
escultórica. No entanto a partir de 2009 optou pela produção de joalharia na moda
(figura 15) e não pelo conceito artístico. A sua escolha reside no facto de acreditar que a
joalharia artística está mais ligada ao nível conceptual e de manifesto na maior parte das
vezes, e que produz objectos que o público não deseja nem integra no seu dia-a-dia.
Utiliza o mundo da moda como forma de projectar o seu trabalho.
Figura 15 - Rope por Florian Ladstätter
31
Walid Al Damirji projecta as peças pensando no enquadramento global da sua
inserção no corpo e no vestuário (figura 16). Pensa os seus projectos de joalharia como
ornamento capaz de recuperar o encanto histórico. O projecto que mostramos de
seguida, foi realizado manualmente com técnicas artesanais, sendo que possíveis falhas
que daí ocorram são consideradas qualidades de ser único e não erro.
Figura 16 – CoutureLab por Walid Al Damirji
4.4 Artistas
Os trabalhos de Ted Noten, autor da peça New Tiara (figura 17), situam-se entre
o design industrial e a arte. Procurando significado no banal e nos objectos do dia-a-dia,
Noten reinventa-os, dotando-os de significado reflexivo e critico relativamente à
sociedade actual.
Figura 17 - New Tiara para Maxima Helmet por Ted Noten
32
Motivada pela paixão da ilusão, do movimento e da sombra, Victoria Archer
projecta objectos para ocuparem os espaços em branco. As peças produzidas tornam-se
escultóricas e necessitam do auxílio da fotografia para a sua total percepção. Fascina-a a
forma como a joalharia altera os contornos do corpo do usuário, estendendo-o para o
espaço envolvente. Com a captura de imagens este contorno é perpetuado. Na série
Rear Head Pieces (figura 18) cria a ilusão de uma mesma cabeça ter dois perfis olhando
para lugares opostos.
Figura 18 - Rear Head Pieces por Victoria Archer
4.5 Indústria
António Bernardo concilia vanguarda e tradição. Produz com excelência a
joalharia artesanal em simbiose com processos industriais. O anel Puzzle Curvo (figura
19), vem na sequência do anel Puzzle, onde se combinam experimentação, sensibilidade
empírica e rigor produtivo, passando por um processo de construção e desconstrução,
apelando ao jogo e criando interactividade com o usuário. É composto por 8 peças que
se encaixam, e só desta forma o anel fica composto. Quando usado, o anel fica travado,
sendo impossível desmontar. Este projecto recebeu o prestigiado prémio Red Dot
Design em 2010.
33
Figura 19 - Puzzle Curvo por António Bernardo
A peça Trinity da Cartier (figura 20) surge como exemplo da intemporalidade de
um objecto. Inicialmente encomendada a Louis Cartier por Jean Cocteau, que acreditava
que o principal adorno para homens e mulheres eram os anéis. O anel da Cartier que
hoje é considerado um clássico simboliza o "amor absoluto", e segundo a análise de
Jean Cocteau, consiste em três componentes - a amizade (a ouro branco), fidelidade (a
ouro amarelo) e amor (a ouro rosa).
Figura 20 – Trinity por Cartier
Especializada desde a sua fundação em alianças, a Meister, reorganizou as suas
linhas de alianças em cinco grupos. Classics, Phantastics, Individuals, Simbolics e
Futures. Numa lógica produtiva prolongou a linha Simbolics (figura 21) para anéis de
formas mais fluidas mas que traduzem igualmente o valor do símbolo e da sua
expressão unitária, que nas peças abaixo exemplificadas, tal qual o nome indica,
comunicam a proposta de projectar o céu estrelado.
34
Figura 21 - Starry Sky por Meister
A empresa Niessing produziu o colar Polymer (figura 22) composto por 24
elementos em espiral que juntos produzem um movimento flexível. O facto de ser
produzido em poliamida branca torna-o num colar extremamente leve e de textura
transparente. A nossa escolha reside nos atributos técnicos a que o projecto recorreu.
Desenvolvido em sistema CAD e produzido por sinterização a laser, tanto a peça como
a sua embalagem levou este projecto a receber o prémio de design Red Dot Best of the
Best em 2008. A joalharia da Niessing não é projectada para dominar, é projectada para
reforçar a personalidade de quem a usa.
Figura 22 - Polymer por Niessing
35
II. Corpo urbano
1. O corpo e o seu limite
O estudo da jóia obriga ao estudo do corpo23. Corpo como seu suporte, corpo na
forma de uso, corpo na sua proximidade. Que outra forma artística vive do corpo e tão
proxima e dependente deste? O virus jóia que parasita no corpo e que deste se
alimenta24. Corpo é a pessoa versus corpo é pertença á pessoa.
“O corpo é um objecto imperfeito, um rascunho a ser corrigido.”25 A joalharia é
feita para o corpo que se “inter-dá junto à pele”26A pele, zona limite e zona de
separação, “contorno da corporeidade”27, a visibilidade do corpo. É também neste
espaço entrecruzado que se permite o ritmo das afecções, o corpo com função de
registo, armazenamento e transmissão, como qualquer outro dispositivo electrónico. A
anatomia é a matéria-prima para acrescento e aperfeiçoamento. Sobre-significamos o
corpo28 com vários eus. Segundo o raciocino de Didier Anzieu, citado por Maria
Augusta Babo29, o eu vive na fronteira, e é na pele que se contém todo o fluxo sígnico.
É portanto a interface do corpo, modeladora da experiência e autónoma. É o canal
comunicante entre o Eu e o Outro, interno ao eu ou externo ao eu mas sempre
comunicador com o outro. A pele é portadora de uma potência pela capacidade de se
estender. Pela ergonomia estendemo-nos segundo estes limites da corporeidade, que são
colocados em causa pela capacidade que temos de formar corpo. “Para muitos
contemporâneos, o corpo tornou-se uma representação provisória, um gadget, um lugar
ideal de encenação de “efeitos especiais””.30 A pele, o maior órgão humano, será por 23 Temos que a visão deste corpo será sempre sob o ponto de vista da cultura ocidental. 24 Vd. GUEDES DE OLIVEIRA, Leonor – Joalharia, Corpo e Design, [S.l.: s.n.], 2008. Dissertação de
Mestrado em Design Industrial apresentada na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e
Escola Superior de Artes e Design, p. 87. 25 Vd. LE BRETON, David - Adeus ao corpo: Antropologia e sociedad. São Paulo: Papirus, 2003, p. 10. 26 Vd. BÁRTOLO, José - Ob. cit, (11/10/2010; 22h). 27 Vd. BABO, Maria Augusta - Para uma semiótica do corpo. Lisboa: Relógio d’Água. Revista de
Comunicação e Linguagens. Nº 29, 2001, p. 259. 28 Vd. LE BRETON, David - Ob. cit., p. 26. 29 Vd. BABO, Maria Augusta - Ob. cit., p. 260. 30 Vd. LE BRETON, David - Ob. cit., p. 27.
36
força da biónica também a mais estendida? Estabelecendo que o seu conteúdo é a
epiderme, os layers médium-extensão-metamorfose-prótese-mensagem, representaram
quantas dermes até ao fundo? Em que cardinal versus ordinal estamos (aglomeração de
dermes sem uma ordem específica)? A pele humana não é revestida por extensões
externas, mas sim vestida. A pele das extensões é igual à pele humana, com
sensibilidade e emoção. A pele é a capacidade de transparecer, o veículo condutor para
o interior. Em paralelo a joalharia “atrai necessariamente o espelho do outro, é ingénuo
pensar ou dizer que eles são apenas feitos para si [...] a pele torna-se uma tela e exige
espectadores”31. Uma das suas propriedades é a impresença. Podemos questionar então
qual é o espaço da pele? Do chavão, olhos espelho da alma, designamos a pele como
espelho do corpo.
A primeira necessidade de extensão terá sido a reprodução, no entanto agora
reproduzimos extensões. A ideia de estender a uma existência de um eu extensão duplo,
que pode ser um eu extensão triplo, infinitamente multiplicado sem que o eu central se
perca, é tornar metaforicamente real as sete vidas até agora propriedade exclusiva dos
gatos, correspondendo à fragmentação última de uma extensão; analogamente à forma
pitoresca de quem fuma um cigarro ou fala ao telemóvel enquanto conduz um qualquer
veículo. Encurtamos cada vez mais a relação Espaço-Tempo-Movimento. Somos
aglomerados porque cada parte do corpo é capaz de se estender. Somos corpo-eu-
espaço, capazes de conter outros espaços num paralelismo às matrioscas.
Habitam mais extensões que humanos. Então, que relações se estabelecem entre
si e como se processa o ciclo de vida destes organismos32? Através de que critérios será
aplicada a lei natural de sobrevivência? Como será feita a selecção - pelo mais
informativo ou pelo mais emotivo? Pelo mais orgânico ou pelo mais potente? Pelo mais
camaleão33? O corpo tornar-se-á naturalmente obsoleto e os organismos estendidos do
ser humano morrerão por si, ou viverão para além do corpo? Serão mais objectivos e
concretos, germens que vibrarão nas células e que irão permitir que quando a forma se
extinga, se transportarão com informação e memória? A trilogia
Tempo/Espaço/Movimento reúne simultaneamente o finito, o contíguo, o contínuo, o
31 Vd. LE BRETON, David – Sinais de Identidade: Tatuagens, piercings e outras marcas corporais.
Lisboa: Miosótis, 2004, p. 152. 32 Entenda-se por organismos toda a cultura material, com todas as suas extensões e metamorfoses. 33 Analogia às propriedades do réptil uma vez que permitem que este se transfigure por interacção com a
luz solar ou por vontade própria. A melhor adaptação relativa ao contexto que integra.
37
fragmentado e o ilimitado. Percebemos então que o corpo para além de funções de
registo e armazenamento tem também funções de transmissão34. O corpo é um medium.
Será a concentração dos médiuns num novo Ser-Dispositivo – o Nómada Digital?
Corpo passa a ser visto como produtor dele mesmo e como investimento
individual. Os órgãos valem dinheiro, é um valor a ser segurado! O corpo é também
status porque é acima de tudo comunicante. O encontro entre corpos é o valor mais
poderoso da comunicação actual. As normas de inserção de grupos que regulamentam a
decoração do corpo, aproximam-se talvez de comportamentos primitivos e parecem-nos
mais ténues do que poderíamos desejar... Como esta jóia é dependente do corpo,
comunica velozmente os seus desejos... O corpo sonhado, sem limites ou sem doença,
quantas vidas diferentes nos poderá fazer viver? O Homem quer, o homem sonha, o
homem nasce, a máquina permite e constrói – esta seria a adaptação que faríamos hoje
do poema de Fernando Pessoa. Homo simultaneamente sapiens, sens e ipsi-faber35.
A integração da tecnologia digital é um elemento estruturante em todos os
sectores da sociedade. Introduz-se tecnologia de forma naturalizada na anatomia e
também noutras áreas da biomedicina, uma vez que todas elas compreenderam também
as suas vantagens. Funcionam como novos acessos ao mundo natural, têm como
intenção controlar os dados genéticos, e podem ser consideradas como os novos
engenheiros da biologia, o biopoder. Até que ponto são/estão trespassados os corpos?
Este desenvolvimento exige ao corpo novas interacções com o mundo material,
percebendo-se que a fronteira entre humano e máquina é cada vez mais ténue. O
fenómeno de hibridismo só existe por necessidade de categorização e delimitação destes
espaços.
Como lado B especula-se “o fim do corpo, ou melhor, o fim da fisicalidade e da
organicidade, ou pelo menos, a dominância radical da mente e do sistema nervoso
central”36 como mais uma hipótese entre as várias hipóteses a serem enunciadas. O
corpo, transporte dos genes é ”para o ser temporal, infelizmente, o único suporte de vida
para o cérebro […] especulações sobre como lhe por à disposição um outro veículo, um
outro género de sistema de suporte de vida, dispensando o corpo humano […] para
34 Vd. BABO, Maria Augusta - Ob. cit., p. 34. 35 Reunimos conceitos dos autores Moura [2005] e Christoph Zellweger [2008]. 36 Vd. BABO, Maria Augusta - Ob. cit., p. 35.
38
permitir o florescimento do cérebro […] sem toda esta carne redundante”37 colocando-
nos perante a presença de um cérebro-sem-corpo, viável e operativo.
A reflexão sobre o corpo implica também uma divisão clara entre o corpo e
alma, uma vez que é necessário sair do corpo para reflectir sobre o próprio corpo.
“Posso dizer: não situo a alma na cabeça, ou no coração, porque a alma não pode estar
num sítio objectivo; ou dizer: tenho de supor que a alma está num lugar deste corpo que
vejo porque quando o vejo, vejo mais que um corpo, vejo uma pessoa.”38
“O corpo aparece dessa maneira como limite insuportável do desejo, sua doença
incurável.”39 Sendo esta reciprocidade igualmente verdadeira, o corpo urbano sou eu e o
ambiente onde me encontro, e quero que se movimente comigo. “Sonhar com a minha
pele”40, “pensar com o meu corpo”41.
2. Malha urbana e malha corporal: a rede
O corpo como acesso ao mundo e o corpo como acesso a si.
Se tomarmos em conta factores económicos, pede-se sobretudo eficácia e
produtividade; pelos factores políticos pede-se igualdade; pelos factores culturais
pedem-se o hedonismo, ócio, prazer, jogo, humor.
O sobre investimento no corpo é fundamental para a relação com o outro. O
corpo é visto como imagem do ideal onde se traça um paralelo entre a superfície dos
objectos e a superfície do homem, potenciado pelos media que divulgam corpos
perfeitos associados a vidas de prazer. A imagem do corpo é a imagem do eu. O
dualismo imagem/corpo que não se opõe à alma, mas sim aparelha-se. O corpo é um
“kit e a peça principal de afirmação pessoal”42. Estamos perante a plasticidade do corpo,
que se marca e apropria do seu ambiente. A inscrição do lugar redobra o seu sentido de
pertença. O corpo, na relação com o meio e na relação com o próprio, ajuda à
construção de identidade pelo processo de personalização. “Na minha opinião o eu não 37 Vd. GUARDA, D.; Urbano, J. (org.) - Corpo fast forward, Número Magazine, [S.l.: s.n.], 2001, p. 37. 38 Vd. GIL, José - Metamorfoses do corpo. Lisboa: Relógio D’Água, 1997, p. 151. 39 Vd. LE BRETON, David - Ob. cit., Adeus ao corpo: Antropologia e sociedade. p. 14. 40 Vd. GIL, José - Fernando Pessoa ou a metafísica das sensações. Lisboa: Relógio d’Água, p. 83. 41 Vd. IDEM, Ibidem. 42 Vd. GUEDES DE OLIVEIRA, Leonor A. - Ob. cit., p. 87.
39
é um ponto, é um espaço onde confluem relações e onde o sujeito as sintetiza. Este
espaço permite heterogeneidades e tem uma forma muito maleável, podendo mudar
instantaneamente. Só um espaço assim poderá abarcar um sujeito que é feito de um
material heterogéneo (biotécnico) e que está para além do seu limite material,
distribuindo-se, espalhando-se acentrada e instantaneamente por um tecido. Esse tecido
cuja malha o sujeito constitui, e da qual é constituído, tem uma forma incerta e mutável
também.”43 Exige ao sujeito uma adaptação e incorporação constante e imediata das
forças e virtudes do ser-objecto, através dos veículos: pele e mente que fazem a viagem
interna ao corpo do corpo. Dada a diversidade cultural, o corpo é então máquina a
conhecer que, dessacralizado, permite muitas mais opções. É propriedade do eu e é
também lugar de experimentação.
A integração de objectos no corpo funciona como aparelhamento da
sensibilidade, como prolongamento do seu ser na sociedade. A maquinação do corpo
deriva em experiências fabricadas que derivam em afecções produzidas. Os dispositivos
sensoriais (interfaces) fazem a mediação da experiência sensível, observamos uma
modelação da sensibilidade e dos afectos por dispositivos técnicos. O ideal será o que a
mente representa, o real o que o corpo apresenta e a interface será a fronteira a cada
instante… interface, pele, ossos, carne - corpo! A afecção encurta distância entre
corporalidade e espiritualidade, que no seu auge “tem como finalidade prioritária
circunscrever o corpo e as suas experiências, apenas na medida em que ele surge como
lugar radical do “ser tocado”, isto é, de uma experiência onde não há distância,
mediação, ou relação, mas sim impressão, contacto, ligação.”44 A urbe e orbe humana
são espelho do real e tendem a corrigir até o ideal, que em última instância é esperança,
clivagens entre o real e a nossa imagem do real.
Se os médiuns são extensões humanas e também são mensagem, e sendo estes
ambiente, logo os médiuns são eles próprios o ambiente, que é produto das nossas
extensões. Inevitavelmente o ambiente está pensado e projectado para as nossas
extensões e ao ser ele próprio extensão humana, é porque este intervalo existe em tempo
e espaço. Tomando como exemplo a electricidade e o facto de esta ser um médium
invisivelmente instalado, ainda mais camuflado pela ausência de conteúdo como
descrito por McLuhan, o intrínseco desejo humano de repetição e de espectralidade, este 43 Vd. SÁ, Cristina. 2005 - A Travessia do Interface nas Artes Tecnológicas. [Vila Nova de Cerveira]:
Artech. (2005), p. 6. 44 Vd. BABO, Maria Augusta - Ob. cit., p. 35.
40
encurtamento de tempo e espaço, o nunca fim, o corte de tempo da sequência linear para
a passagem à sequência circular.
Não podemos deixar de pensar na evidente debilidade presente na dependência
física que a electrónica apresenta, pelo que se anuncia que esta venha a ser substituída
pela biónica como extensão simbiótica. Esta substituição não é mais do que a tentativa
de uma nomenclatura mais comparável à dos organismos vivos que demonstram a
capacidade de se regerem por normas básicas que constituem a natureza. A biónica e o
recurso a processos energéticos naturais e nómadas assim como a utilização de bio-
sistemas, irá permitir uma diminuição/anulação dos recursos sedentários.
O Homem tende a desejar ubiquidade nas extensões geradas, culminando até na
falta de reconhecimento destas. A pele será por nós considerada uma extensão a qual
torna o humano ubíquo. Podemos adivinhar que as extensões do nosso corpo serão
traduzidas em sistemas de informação, permitindo a transmissão de sensações
impossíveis de transportar, que podem dar origem a novos sentidos metamorfoseados. O
aqui e agora pode enquadrar um sétimo sentido sensorial (imaginando que o sexto já
existe!) que aparece por mutação da sensibilidade, porque tanto maior é a capacidade de
comunicar quanto maior é o seu nível relacional. É o homem metamorfoseado pelas
suas extensões. O início da metamorfose é sempre uma mescla humana e uma mescla
metamorfoseada, sendo que uma metamorfose nunca é completa.
Pareceu-nos adequado traçar um paralelo com a obra literária A Metamorfose de
Kafka, para tentar compreender sensitivamente as nossas extensões, também elas
metamorfoses. A germinação de uma extensão e metamorfose é sempre acompanhada
de uma desterritorialização gradual em duplo sentido: a imposta pelo homem e a que é
proposta pela extensão. Uma extensão é um circuito devir-homem da extensão e devir-
extensão do homem. No entanto esta desterritorialização do homem acaba por tornar-se
total; a extensão não permanece em dualidade, afirmando-se, uma vez que a sua
existência é objectiva, mesmo que invisível. Esta força regular está em constante
mudança; a metamorfose é contrária à metáfora já que não se trata de uma semelhança,
nem totalmente artefacto nem totalmente homem, ou artefacto-artefacto, homem-
extensão. Estão desterritorializados ambos por entremeio um para com o outro.
41
Uma extensão/metamorfose que possa ser embrionário, pode também atirar-nos
para um “lugar ainda sem nome”, como diria Bacon, “uma antecipação da
linguagem”45.
3. Identidade = Corpo + Construção Pessoal
O homem arcaico possuía o mesmo corpo que o homem contemporâneo,
apresentando o mesmo desejo de transformar as bases do seu corpo, de forma a
completá-lo e “torná-lo conforme à ideia que dele faz.”46 Ao compreender o corpo é
possível compreender também as questões relativas aos objectos que por este são
desejados e para este são projectados. Sem metamorfoses físicas, o corpo foi sempre
insuficiente para as suas próprias aspirações. Agora, somos designers amadores do
nosso próprio corpo, e geramos, por sucessão, identidades renovadas. Somos novas
fábricas em potência de múltiplas refabricações do eu. O consumismo tornou possível
comprar outras identidades, por via da industrialização. Corpo passa a ser gerado,
alterado geneticamente. Modificar o corpo é garantir um eterno significante de si. O
corpo orgânico é elemento material da presença, mas não de identidade pois esta é só
reconhecida depois da sobre-significação. Só através desse processo é que o eu é
resgatado. A herança do património genético fragilizou-se - o gene pode ser replicado, o
neurónio convertido num eléctrodo. A preservação da espécie humana poderá então
passar pela incorporação simultânea de património humanizado e pós-humanizado?
Revivalismo do homo sapiens faber.
“O corpo vivido como acessório da pessoa, artefacto da presença, implicando em
uma encenação de si que alimenta uma vontade de se reapropriar de sua existência, de
criar uma identidade provisória mais favorável.”47 A auto construção de um humano
único (e nunca a uniformização da espécie) foi sempre movida pela vontade individual.
Ao intervir no corpo, o sujeito tem a pretensão de intervir na vida, de se apropriar de
outras vidas. A este período de apropriação efectiva de propriedades, entendemos
45 Vd. DELEUZE, Gilles; GUATARI, Félix – Kafka, para uma literatura menor. Lisboa: Assírio &
Alvim, 2003, p. 54. 46 Vd. LE BRETON, David - Ob. cit., Adeus ao corpo: Antropologia e sociedade. p. 22. 47 Vd. IDEM, Ibidem.
42
designar como era camaleónica pelas suas evidentes características de absorção. Mudar
o corpo é modificar o sentimento de identidade, ampliando-a até ao limite de
identidades. Individualismo versus comunidade parece ser chave para uma interpretação
do corpo fora do corpo. Dualidade entre individualidade privada e individualidade
pública – a relação privada e o espaço público são assentes num ponto onde a
demarcação do território individual poderá ser entendida como procura de liberdade.
A identidade que sempre foi unificada pelo sentido de unidade, essência ou
verdade de um sujeito de conhecimento, passa a ser edificada pela multiplicidade,
velocidade, experiência e sistemas integrados de empatias. No entanto esta construção
de novas identidades pode tornar-se uma dependência. Que desvantagens existirão em
se possuir identidades mutáveis?
“Se a máquina está-se humanizando, o homem está-se mecanizando.”48
Entregar as responsabilidades unicamente às nossas extensões priva-nos de uma
verdadeira responsabilização de actos, o que com alívio dilata a nossa capacidade de
libertação. Nesta perspectiva, o fundamental será nunca esquecer que as nossas
extensões têm poder retórico, e um devir-extensão é sempre rico em articulações e
derivações. Será, no entanto, possível controlar o processo só porque fazemos parte
dele? Seguindo o raciocínio de Marshal McLuhan, sabemos que o conteúdo de um
médium é outro médium. Por dedução simples, entendemos que a cada um destes
médiuns corresponde uma extensão/metamorfose e que o seu conteúdo será outra
extensão/metamorfose, independentes entre si. Se as extensões/metamorfoses tendem a
reportar-se a extensões do sistema nervoso central humano, e sabendo que ainda pouco
se conhece acerca deste, dedutivamente pouco se saberá acerca do decurso das
extensões humanas. Os dispositivos reflectivos e os dispositivos-prótese têm funções
diferentes. Os primeiros amplificam ou potenciam, os segundos produzem.
Uma relação simbiótica é tratada a um nível químico, que permite uma melhor
adaptação ao meio que lhe está associado por oposição ao habitual distanciamento
homem/universo artificial. Pelo facto de estas extensões serem prolongamentos, são
próteses; ao serem activas e possuírem propriedades transformadoras, são mutantes; por
reagirem quimicamente, são interactivas; e ao se deslocarem com o humano, são
nómadas.
48 Vd. IDEM, Ibidem, p. 24.
43
A extensão Espaço-Tempo-Movimento miniaturizou novas extensões
atribuindo-lhes novos valores - portabilidade e mobilidade – e convertendo os espaços
privados em públicos pelo desvanecimento das fronteiras, surgindo dai uma hibridação
e a dualidade de espaço público/relação privada. Mas o que fazer quando este processo
de redução se torna incoerente face à escala humana? A esta mudança está associado um
comportamento: o novo nómada não se desloca (nem pode) sem as suas extensões.
Todas estas extensões pretendem comunicar valores, tornando-se activas e móveis,
procurando vida no homem, não se conseguindo adivinhar se existem para nos servir ou
para serem servidas. “Instead of asking which came first, the chicken or the egg, it
suddenly seemed that a chicken was an egg’s idea for getting more eggs.”49 - Esta é
uma constatação demasiado traiçoeira e hipnótica. “...for it ignores the nature of the
medium, of any and all media, in the true Narcissus style of one hypnotized by the
amputation and extension of his own being in a new technical form.”50 Cada ser possui
o seu duplo multiplicado até ao indefinido - os duplos potenciam o auto-conhecimento,
são reflexos, espelhos que exploram a fusão entre o visível e o visualizante, admiram
tudo aquilo que inspira admiração. Têm a capacidade de se transmitirem, de se
repercutirem por sucessivas reflexões. A sucessão de espelhamentos conduz às várias
identidades, ao eu camaleão, onde cada eu é naturalmente um médium por si.
O humano vive num universo de significados, pela vontade de alargar o seu
território simbólico - “hoje, a identidade pessoal nunca está acabada”51, “da pele da
cidade à do corpo”52. As fronteiras do corpo, que são simultaneamente os limites de
identidade de si, estão fragmentadas. O corpo espaço da afecção mutável e
indeterminada, sempre em metamorfose, deixa em aberto o que invasão faz de si. A
afecção pressupõe uma disponibilidade para a relação. Relação que se pode tornar em
ligação e por isso em síntese. “Os afectos são, pois, estados de potência onde germina
uma força vinculativa.”53 O eros contém a mais poderosa força de afecção, e no
contacto com o outro expomos a nossa ânsia de sermos amados.
49 Vd. MCLUNHAN, Marshal - Understanding Media. In
http://homepage.mac.com/allanmcnyc/textpdfs/mcluhan.mediummessage.pdf (13/01/2011; 23h) 50 Vd. IDEM, Ibidem. 51 Vd. LE BRETON, David - Ob. cit., Sinais de Identidade: Tatuagens, piercings e outras marcas
corporais, p. 252. 52 Vd. IDEM, Ibidem, p. 75. 53 Vd. BABO, Maria Augusta - Ob. cit., p. 36.
44
Tudo é fragmento, o nosso corpo, as nossas extensões, a nossa percepção. O
conceito de unidade/identidade é substituído pelos de reunião, composição, compósito.
No entanto, quanto mais artificial e distante se torna o mundo, mais intrínseca e
premente é a necessidade de reaproximação ao contexto natural. Uma vez que a
natureza é invadida pela artificialidade, a sua reconciliação com o homem efectiva-se
com a necessidade de produção de realidade sensível, a autenticidade das emoções. E
não somos tão mais autênticos quando nos tornamos aquilo que sonhamos? O homo
ludens e o universo infantil emergem, bem como a recriação do jogo e da
experimentação. A procura de novos heróis do imaginário, do eu super-herói, é a
efectivação da criação de fábricas de sonhos. A valorização das relações pressupõe uma
mensagem mais doce e generosa. O humano não-acabado tenta assim a sua fuga ao
anonimato contemporâneo.
45
III. Raiz urbana: O azulejo português
1. Origem e importância
No ano de 1498 o rei de Portugal D. Manuel I viaja até Espanha e interessa-se
pelos interiores mouriscos e pela complexidade cromática dos revestimentos
arquitectónicos. Ao edificar a sua residência, importa o azulejo hispano-mourisco à
semelhança dos edifícios visitados em Saragoça, Toledo e Sevilha. Deste primeiro
conjunto de importações azulejares, apresentamos como expoente máximo o Palácio
Nacional de Sintra.
Foram introduzidas as técnicas mais básicas na concepção do azulejo - alicatado,
corda-seca e aresta - assim com os elementos decorativos tradicionais islâmicos de
composições geométricas complexas. No entanto, esta importação pelo facto de chegar
a Portugal via Espanha, já está aculturada ao costume europeu do gótico, visível através
dos motivos vegetalistas. A originalidade das aplicações parietais de revestimentos
cerâmicos no nosso país é percepcionada tendo em vista a autonomização em relação
aos revestimentos espanhóis, e especificamente, em relação ao padrão hispano-mourisco
produzido em Sevilha. Ou seja, segundo o pensamento do investigador Santos Simões,
não foi necessário esperar por uma produção portuguesa para se conceberem caminhos
novos para azulejaria. Estes foram seguidos, desde muito cedo, pela aplicação inovadora
de exemplares sevilhanos. Como pôs em destaque [Santos Simões] “(...) ainda que os
primeiros azulejos fossem importados e que só, praticamente no último terço do século
XVI, se possa considerar a existência de uma fabricação portuguesa de azulejos, o certo
é que a sua aplicação diferia daquelas seguidas dos centros produtores. Precisamente
teria sido o reconhecimento das possibilidades rítmicas do azulejo o que levou os
portugueses a considerá-los como unidade e, como tal, a utilizar estes ladrilhos para
composições ornamentais, à margem daquelas que, por simples repetição de um mesmo
azulejo, se obtinha nas paredes de Sevilha””54.
Foi ininterrupta a utilização lusa do azulejo durante cinco séculos, alargando a
actividade azulejar à Madeira, Açores e às antigas colónias portuguesas como o Brasil,
54 Vd. MONTEIRO, João Pedro - Azulejaria em Portugal nos Séculos XV e XVI. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkien, 1969, p. 93.
46
Angola, Cabo Verde e Goa. O império ultramarino português ao contactar directa e
prolongadamente com os então territórios coloniais, permite à azulejaria portuguesa
adaptar motivos e elementos artísticos ornamentais com maior criatividade pela
sucessão e interpenetração de culturas. O uso da monocromia “de pureza equivalente à
da porcelana chinesa e de possível influência holandesa”55 sendo uma das mais originais
expressões da azulejaria portuguesa, porque retira o realismo mimético e introduz de
certa forma um carácter abstractizante. O modo de aplicação do azulejo em Portugal
também assume especial importância sendo o elemento que estrutura as arquitecturas,
pelos grandes revestimentos no interior dos edifícios e nas suas fachadas, “aproveitado e
utilizado á escala monumental em Portugal desde os inícios do século XVI, impôs
sempre ao espaço que revestia um carácter modelador e regularizador, para além do
sentido decorativo. Torna-se hoje inquestionável o valor material e patrimonial deste
objecto nas encenações que projectou, nas mensagens que veiculou, ganhando e
adquirindo actualmente um estatuto privilegiado de arte pública”56. A articulação do
azulejo com a arquitectura forma uma característica especificamente portuguesa. Muitos
dos programas estruturadores do azulejo foram pensados, concebidos e realizados
exclusivamente para uma determinada arquitectura. A organização estrutural e a noção
de espacialidade fundem-se reciprocamente entre a arquitectura e o azulejo. Pode-se
entender a azulejaria como arte urbana, matéria “colorida e sensível à luz”57. É de
salutar o carácter individualizante do azulejo que não se assume só como arte
decorativa, mas como tela onde se regista a renovação cultural de valor plástico
autónomo.
“É sintomático também, da importância atribuída em Portugal à utilização de
azulejos, que algumas das melhores produções europeias se encontrem aplicadas neste
país, encomendadas em várias épocas, e que esta utilização siga as características de
integração e complementaridade referidas para o azulejo português, e contrárias às
tradições dos países de origem.”58 “Lisboa foi (...) grande centro produtor e exportador
do azulejo, inventando uma forma muito especial de viver com ele, multiplicando as
suas hipóteses decorativas e significativas que vão evoluindo ao mesmo tempo que as
55 Vd. MECO, J - O azulejo em Portugal. Lisboa: Europa-América, 1993, p. 16. 56 Vd. CÂMARA, Maria Alexandra Trindade Gago da. - Azulejaria do século XIII – Espaço lúdico e
decoração na arquitectura civil de Lisboa. Porto: Civilização Editora, 2007, p. 28. 57 Vd. ARRUDA, Luísa - O Caminho do Oriente – Guia do Oriente. [S.l.: s.n.] 1998, p. 7. 58 Vd. MECO, J. - Ob. Cit, p. 11.
47
mentalidades e as preocupações da sociedade. Lisboa produziu e consumiu quantidades
prodigiosas de azulejos, sobretudo nos séculos XVII, XVIII e XIX (...)”59. O azulejo
revela-se também sob o ponto de vista funcional tendo sido extremamente bem
adaptado ao clima de influência mediterrânica que Portugal possui, arquitectonicamente
com poucas aberturas e com volumetria compacta a qual necessita de materiais leves
para a sua integração e complemento a esta.
Não podemos deixar de ser sensíveis à afirmação do investigador José Meco - “a
arte rica de um país de recursos escassos”60 e perceber a inteligência e habilidade do
reverter da utilização de um material convencionalmente pobre, transformando-o num
legado cultural. Assume-se o azulejo como herança cultural portuguesa, que “em
nenhum outro país do continente europeu recebeu um tratamento tão expressivo e
original”61, tendo no período pombalino o mais representativo de uma das maiores fases
produtivas da azulejaria portuguesa.
2. Período pombalino: Enquadramento histórico e
social
O período pombalino situa-se no reinado de Dom José I, o Reformador. Foi 25.º
rei de Portugal, pertencente à Dinastia de Bragança, tendo iniciado o seu reinado a 31 de
Julho de 1750 e terminado a 24 de Setembro de 1777.
A 1 de Novembro de 1755, ocorreu um violento terramoto em Portugal, com
mais intensidade em Lisboa, Setúbal e no Algarve. Em Lisboa seguiu-se um maremoto
que destruiu o Terreiro do Paço e incêndios subsequentes com a duração de 6 dias que
devastaram a cidade.
Já se haviam sentido terramotos em 1724 e em 1750, contudo com o terramoto
de 1755, ruíram edifícios, como o Teatro da Ópera, o Palácio do Duque de Cadaval, o
Palácio Real e o Arquivo da Torre do Tombo. Ficariam destruídos cerca de 10 000
edifícios e terão morrido cerca de 15 000 pessoas. À época, este cenário de destruição
59 Vd. ARRUDA - Ob. Cit, p. 7. 60 Vd. MECO, J. - Ob. Cit, p. 27. 61 Vd. IDEM, Ibidem, p. 11.
48
foi tema literário, como é exemplo o poema de Voltaire Le Désastre de Lisbonne
(1756).
Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal, secretário de Estado
dos Negócios Estrangeiros e da Guerra do Reino de D. José I ficou responsável pela
reconstrução da cidade, período em que a família real se ausentou da capital. O Marquês
de Pombal, recorreu ao Engenheiro-Mor do reino, mestre de campo general Manuel da
Maia, à época com 80 anos, que juntamente com o arquitecto Eugénio dos Santos e
Carvalho e o engenheiro e arquitecto Carlos Mardel, compõem o cérebro de toda a
reconstrução da nova Lisboa, iniciada a 4 de Dezembro de 1755. São colocadas as
hipóteses de construir uma nova cidade sobre os escombros da antiga ou construir uma
nova cidade em Belém, zona menos sujeita a abalos sísmicos, mas sempre com a
orientação expressa de que esta nova cidade fosse capaz de resistir a futuras catástrofes.
Escolhida a primeira das soluções, foi adoptado um modelo de proibição de obras de
iniciativa particular; os proprietários dos terrenos foram obrigados a reconstruir segundo
o plano geral decretado para um espaço de 5 anos, sob pena de serem obrigados a
vender os terrenos. Como forma de reacção aos medos provenientes do sismo, novas
técnicas de construção foram apuradas. A técnica da “gaiola pombalina”, surge como
inovador método anti-sísmico, respondendo à directriz de resistência estabelecida.
“De um total de 6 plantas traçadas pelos colaboradores de Manuel da Maia, a
escolhida foi a de Eugénio dos Santos, arquitecto do Senado da cidade, que chefiou os
trabalhos até 1760, altura em que faleceu e foi substituído por Carlos Mardel, arquitecto
húngaro imigrado em Portugal.
À cidade medieval de ruas estreitas deu lugar um traçado racional de linhas
rectilíneas em que os prédios obedecem a uma normativa comum. De toda a cidade
pombalina, assim designada por ter resultado da iniciativa do marquês de Pombal,
destaca-se a praça do Comércio, com a estátua equestre de D. José I, monarca da altura,
da autoria do escultor Machado de Castro.
Como meio capaz de animar a arquitectura que, pela urgência da reedificação, se
tornara muito depurada e funcional, Marquês de Pombal incentivou a produção de
azulejos de padrão, que constituíam um material barato, higiénico e resistente. A
produção seriada procurava minimizar os custos, acelerando o processo de construção.
Pela situação económica agravada pela diminuição dos rendimentos das colónias,
Marquês de Pombal deu um grande incremento à indústria nacional numa tentativa de
reduzir as importações. Em 1770 proíbe a entrada de loiça de fora do reino, à excepção
49
da que viesse em navios portugueses, da China e da Índia. “A diminuição da extração
do ouro brasileiro, a crise económica acumulada e os gastos sumptuários mantidos até
ao terramoto obrigaram a uma contenção de despesas e à programação rigorosa e
planificada das diversas actividades, [...], segundo o espírito racional dominante na
Europa.”62
Os vestíbulos e escadas da baixa lisboeta foram então revestidos com azulejos de
padronagem policroma: com desenhos simples mas extremamente decorativos, que
ficaram definitivamente ligados à arquitectura pombalina; com os temas religiosos nas
igrejas que tiveram grande divulgação em pequenos painéis de devoção; ou com
registos colocados nas fachadas dos edifícios como protecção contra as grandes
catástrofes. As imagens que aparecem com mais frequência são as de Sto. António,
protector da cidade, e São Marçal, o santo invocado contra os incêndios.
3. Centros produtores e autores de azulejaria
pombalina
Do centro produtor de Lisboa, que durante o ciclo pombalino foi o primeiro
centro produtor do país, podemos referenciar a Real Fábrica da Louça, fundada em 1767
pelo Marquês de Pombal. Foi centro produtor de azulejaria para grande parte dos novos
edifícios projectados para a Baixa Pombalina, produzindo faiança fina tendo sido essa a
sua primeira função. Numa segunda fase produziu também azulejos, incentivada pelo
espírito manufactureiro pombalino que visava uma independência nacional, ou pelo
menos diminuição das importações de azulejos e também pelo grande consumo azulejar
destinado ao Brasil. Com a contratação em permanência do pintor Francisco de Paula e
Oliveira em 1774 os azulejos ganharam alguma expressão individual, este autor
pretende o lugar de mestre na Real Fábrica da Louça, sendo despedido em 1820.
Activos neste ciclo estão também os autores Pereira Cão, Alberto Nunes e Nicolau
Freitas. Ainda deste centro produtor foi fundada em 1741 a Fábrica Sant'Anna, esta
fábrica ainda se mantém activa produzindo azulejo e faianças através de processos
inteiramente manuais. Podemos referir ainda a fábrica da Calçada da Senhora do Monte,
62 Vd. MECO, J. - Ob. Cit, p. 237.
50
a fábrica da Travessa da Bela Vista, na Lapa, e a Fábrica da Bica do Sapato, onde
Francisco Paula de Oliveira esteve também activo “entre 1808 e 1818, época em que a
Fábrica do Rato esteve fechada devido às conturbadas condições vividas durante as
invasões francesas.”63 Francisco Jorge Costa é igualmente pintor durante o mesmo
período.
A escola de Coimbra tem início no ano de 1556, mas como produtora de
azulejos só se assume mais tarde, no século XVII. Será neste período a fase de maior
notoriedade na arte do azulejo, devido à prolixidade decorativa e à ingenuidade da
concepção, tornando-se o segundo centro produtor do país. É caracterizada pela força
cromática e densidade ornamental, influência directa de gravuras alemãs e da azulejaria
coeva em Valência e Catalunha. A trabalhar neste período estão os pintores Salvador de
Sousa e Sousa Fialho.
A Fábrica do Juncal, em Porto de Mós, fundada em 1770 também produziu
faiança fina e azulejos com o modelo fabril semelhante à Real Fábrica da Louça em
Lisboa, a escolha do local prende-se à abundância de barro de boa qualidade. Os
azulejos desta fábrica distinguem-se pela matéria-prima, que depois de cozida toma uma
tonalidade amarela férrea e/ou vermelha assim como a cor roxa que se torna única por
ser obtida a partir de um seixo abundante nesta região.
O modelo fabril de Lisboa foi igualmente adoptado pela Real Fábrica de
Estremoz assim como a Fábrica da Viúva Antunes situada também em Estremoz, a
operar no mesmo período. Distinguem-se ambas mais pela produção estética do que
técnica continuando a linguagem do rococó na sua fase final.
Aveiro também foi centro produtor, que se iniciou nesta época embora com
menos preponderância.
4. Enquadramento estético do azulejo pombalino
Com o início do século XVIII a sociedade portuguesa adopta uma gramática
decorativa influenciada pelo estilo Regência, e sobretudo pelo Rococó. Verifica-se uma
preferência por formas orgânicas, sendo a mais comum o concheado irregular que
63 Vd. ARRUDA, Luísa. - Ob. Cit, p. 111.
51
metamorfoseando-se, se assume mais leve e gracioso, perdendo grande parte da sua
massa volumétrica e assumindo-se a assimetria em motivos de flores e folhas. As
composições apresentam-se mais delicadas e os efeitos decorativos adoptam uma
policromia em dois tons contrastantes de azul, e depois pelo uso de várias cores
(amarelo, verde e violeta) – esta será a fase extrema de policromia. As composições
evoluem para cenas centrais em monocromia de roxo/manganés ou azul, convivendo
paralelamente num breve período com a policromia anteriormente mencionada. Quanto
à temática são representadas cenas galantes, bucólicas e idílicas. A utilização
monocrómica sobre fundo branco, deve-se ao gosto de influência atribuído em parte à
porcelana chinesa que se fez sentir nos vários centros produtores de azulejaria da
Europa. Daí ressalta uma pintura que vive unicamente de manchas de claro/escuro, uma
pintura de luz em azul e branco ou em roxo/manganés. A necessidade de simplificação
de mão-de-obra e dessa forma estabilizar a produção, conseguindo com isso um efeito
plástico próprio do azulejo, apresenta-se também como uma das razões para o abandono
da policromia. A escolha preferencial do azul deve-se ao comportamento estável deste
ser pigmento. Os exemplos importados da Holanda demonstram uma superioridade
técnica no traço, evidente em autores como Willem van der Kloet e Jan van Oort. Por
reacção, o século XVIII português fica conhecido pelo ciclo dos Mestres – o pintor de
azulejo volta a assumir o estatuto de artista assinando com frequência, os seus painéis.
Estes tornam-se mais livres no contorno do desenho, abrindo-se a uma pintura mais
espontânea e criativa nas composições de azulejos ajustadas aos espaços
arquitectónicos. Esta liberdade deve-se também ao facto de se verificar a introdução da
monocromia, o que possibilita uma especialização maior do pintor na “obtenção de tons
esbatidos, que permitiram o desenvolvimento de uma pintura própria do azulejo
português, que juntamente com o modo de utilização o diferenciou acentuadamente das
produções estrangeiras.”64 Podemos aqui destacar os nomes de António Pereira, Manuel
dos Santos (este mais próximo da estética holandesa pelo uso de desenho), o
monogramista anónimo PMP (mais descritivo e com economia de meios que sugeriu
sombras e volumes), António de Oliveira Bernardes e o seu filho Policarpo de Oliveira
Bernardes (que se distinguiram ambos por uma estética mais ornamental com
pinceladas, esfumados, manchas e transparências). ““Ferreira das Tabuletas”, não
64 Vd. MECO, J. - Ob. Cit, p. 64.
52
ignorava a presença das juntas ao pintar caras ou mãos, fazendo-o de tal modo que o seu
desenho ficasse harmonicamente interrompido pelas verticais e horizontais da malha”65.
A partir do segundo quartel assistiu-se a um aumento no fabrico de azulejos,
muito impulsionado pelas encomendas chegadas do Brasil. Ficou conhecido pelo
período da Grande Produção Joanina66 que correspondeu aos melhores exemplos de
painéis historiados executados em Portugal. O aumento sem precedentes da produção
conduziu obrigatoriamente à repetição de figurações. A produção recorreu ao auxílio de
motivos seriados tais como: uso de albarradas com a simplificação na pintura de cenas
que poderiam ser: bucólicas; mitológicas; religiosas – bíblicas; marianistas; de caça e
guerreiras; do quotidiano cortesão (figuras de convite); alegóricas; uso de bordaduras e
cercaduras que pelo carácter excessivo podem ter quase tanto peso como as cenas que
envolvem, obtendo grande importância cenográfica, estando presentes tanto em igrejas
como em palácios, onde se observam o jogo de côncavos e convexos; concheados;
palmetas; flores; frutos; cartuchos; entrelaçados; putti; baldaquinos e asas de morcego.
Durante este ciclo o azulejo de figura avulsa não tem grande preponderância.
Esta estética ainda está influenciada pelo barroco, onde os motivos representados
assumem um aspecto teatral, muitas vezes em técnica de trompe l’œil de tradição
renascença e barroca. Como exemplo as igrejas são cobertas na totalidade das suas
superfícies observando-se um complemento estético entre a talha dourada do período
barroco e as molduras ondulantes do azulejo. O cobalto puro foi substituído por aguadas
azuis com alguns apontamentos de azul mais concentrado adaptando-se a uma estética
amaneirada das cenas temáticas pintadas durante este período. A policromia ressalta
novamente em alguns apontamentos de cor amarela como sugestão de ouro. Uma vez
que esta é opaca coabitam outras cores por forma a representar volume e contraste,
como castanhos e laranjas, utilizando frequentemente como técnica o raspado67. Os
autores que mais se evidenciam pela qualidade da obra neste ciclo que vai até ao
terramoto de 1755 num continuado pintor/artista são Nicolau de Freitas, Teotónio dos
Santos ou Valentim de Almeida e Bartolomeu Antunes. Esta introdução de cor
pressagia uma renovação estética recuperando mais croma e integrando elementos do
estilo Regência com a temática Rococó até o terramoto de Lisboa.
65 Vd. NERY, E. - Apreciação Estética do Azulejo. Lisboa: [s. n.], 2007. p. 66. 66 Em parte coincidente com o reinado de D. João V (1706-1750). 67 Técnica que por meio de uma navalha é retirada a primeira camada de cor aplicada antes da cozedura.
53
Sebastião José de Carvalho e Melo após o terramoto, incentiva a produção de
azulejos pela sua ampla possibilidade de utilização, e num carácter mais racional
tenciona adaptá-los ao contexto de reformulação/renovação da cidade. “Antes do
cataclismo de 1755, Lisboa era uma cidade insalubre, confusa, fruto de várias camadas
urbanísticas orgânicas de raiz medieval. As suas ruas estreitas com edifícios
amontoados estrangulavam a capital, que se apresentava desactualizada face às restantes
congéneres europeias. O terramoto apresentou-se como uma oportunidade única para a
renovação da cidade. (...) As novas vias, mais largas e regulares, permitiam à cidade
“respirar”. Os interiores da segunda metade de setecentos reflectem o gosto da época,
onde os principais elementos decorativos são os lambris de azulejos (geralmente de
padrão, mas também figurativos, em casos particulares), as guarnições dos vãos
(recortadas ao nível da verga), as pinturas murais e os tectos de madeira (com pranchas
sobrepostas cercadas por moldura).”68
A produção pombalina faz a recuperação decorativa da azulejaria seiscentista
quanto à utilização do padrão. O aparecimento dos primeiros esquemas de “caixilho”
remonta do século XVII, e segundo Santos Simões, apresentam a substituição “dos
elementos brancos quadrados”69 por azulejos de padrão, dando origem ao que designa
por “caixilho compósito” e gradualmente ao uso de “tapetes”, mantendo o ritmo
decorativo diagonal. “ [século XVI até aproximadamente 1630] época das aplicações de
azulejos para composições ditas “de caixilho”, e aparecimento dos primeiros “tapetes”
de padronagem policroma.”70 A forma em tapete é própria da azulejaria de padrão onde
é potenciada a “monumentalidade da sua aplicação e a forma original de estruturar
arquitecturas”71. Decorativa e tecnicamente manteve-se próximo da linguagem rococó
com derivados de concheados volumosos e sinuosos, e ornatos mais estereotipados e
repetitivos, como figurações; caçadas; volutas; albarradas; florões e marmoreados de
pinceladas espessas. As “volutas são importantes referências arquitectónicas de forma a
consolidar o limite da figuração em linhas verticais”72. Quando a função do azulejo é
68 Vd. LUÍS, Tiago Costa - Reabilitação Urbana Baixa Pombalina: Bases para uma intervenção de
salvaguarda. A importância da conservação dos interiores da Baixa Pombalina. [Lisboa]: Direcção Geral
dos Edificios e Monumentos Nacionais. 2004, p. 54. 69 Vd. MONTEIRO, João Pedro - Ob. Cit, p. 159. 70 Vd. IDEM, Ibidem, p. 13. 71 Vd. IDEM, Ibidem, p. 157. 72 Vd. CÂMARA, Maria Alexandra Trindade Gago da - Ob. Cit, p. 21.
54
estritamente ornamental verifica-se o uso de albarradas, taças floridas, jarros, cestos de
flores e alguns ornatos secundários, como: golfinhos, sereias, putti, jarros de menores
dimensões. Como ornatos de ligação são utilizados festões, grinaldas e argolas. Utiliza
de uma forma paralela a monocromia em azul ou roxo vinoso – manganés, onde
predominam composições figurativas centrais em painéis aplicadas em forma de silhar
de espaldar recto e revestimento em altura, e a policromia com pintura marmoreada em
amarelo, manganés, azul e verde; e esponjada em manganés, amarelo e azul,
frequentemente utilizado em rodapés ou como base a outros painéis, servindo ainda
como fundo a composições mais complexas. Nas edificações religiosas recorre-se com
frequência ao uso de “agrupamentos de painéis dilatados, [...] com espaldares recortados
e entremeados por urnas e vasos”73, já nas construções civis é frequente a utilização de
medalhões figurativos em formato irregular, inseridos nas composições ornamentais,
cujos fundos se socorrem do uso de diagonais e gradeamentos dinamizando o espaço e
vulgarmente associados a silhares, principalmente no ciclo seguinte, o neoclássico.
Como principais aplicações azulejares no espaço interno no período setecentista
observamos em entradas, vestíbulos, salas, antecâmaras, gabinetes, cozinhas. Em
ambiente exterior, é nos possível observar em bancos, alegretes, fontes, pérgulas,
muretes, colunatas, arcos, rodapés, fachadas, embasamentos, almofadas, varandas,
terraços, alpendres, pátios, jardins. Entende-se o espaço exterior como social, “(...)
exteriores que impõem uma teatralidade inerente ao espaço de habitar, valorizando-se
um gosto pela transitoriedade cenográfica.”74
As figuras individualizadas do pintor/artista perdem força dando lugar a
produções seriadas, semi-industriais impulsionadas pela fundação de fábricas cerâmicas.
Por influência da Escola de Coimbra, este ciclo ganhou uma policromia dura, que
evolutivamente se abriu a tons avinhados e castanhos resultantes de manganés diluído,
verdes-cobre em contornos e formas contrastando com amarelos e laranjas mais densos.
A utilização do azulejo dinâmica a decoração dos edifícios agora racionalmente
depurados. O período pombalino faz a transição para a linguagem neoclássica pelo uso
de azulejos padronados75 e elementos seriados, resultado de uma pintura mais rápida
que se torna mais leve e espontânea, sofrendo ainda estilizações mais profundas na
linguagem rococó, perdendo em parte, mas não totalmente os ornatos volumétricos 73 Vd. MECO, J. - Ob. Cit, p. 238. 74 Vd. CÂMARA, Maria Alexandra Trindade Gago da. - Ob. Cit, p. 21. 75 No período pombalino podem ser incluídos em padronagem vasos e florões.
55
característicos do período anterior. Esta tipologia de azulejo utilitário não apresenta a
delicadeza nem a individualidade criativa da fase rococó inicial, caracterizando-se por
pinceladas mais espessas e ornatos relativamente estereotipados, derivados de
concheados, embora no aspecto decorativo mantenha uma grande eficácia e força. No
período pombalino, recorreu-se frequentemente aos azulejos chamados "de pedra torta",
com pintura marmoreada, de vários tons (amarelo, manganés, azul, verde), utilizados
sobretudo em rodapés ou a servir de base a outros painéis. Plasticamente o azulejo de
padrão possui efeito pétreo.
5. Malha azulejar pombalina e sua integração
arquitectónica
Iremos falar neste ponto da integração do azulejo pombalino na arquitectura
civil, com a excepção referente ao Convento de S. Francisco de Xabregas, sempre
circunscrito ao concelho de Lisboa. O contexto azulejar civil setecentista é o nosso
referencial para este trabalho, uma vez que memoriza ambientes da época, retratando a
vivência e os modelos sociais, colocando o azulejo como o meio de animação
arquitectónica e forma de estruturar espaços. Estaremos sempre em diálogo com o
espaço de habitar. Faremos distinção entre interior e exterior da habitação sem no
entanto diferenciar a aplicação azulejar aos vários modelos tipológicos - palácio, casa
nobre, quinta de recreio. Na explanação realizada, as tipologias mais referenciadas serão
a casa nobre, pertencente ao meio urbano; e a quinta de recreio, pertencente ao meio
rural.
Optámos por dividir em duas partes os exemplos que se seguem: a primeira é
referente à aplicação azulejar no interior de arquitecturas; a segunda é referente à sua
aplicação no exterior. Ambas as situações são pertença a edifícios com naturezas e
funções distintas.
Vamos seguir a visão da investigadora Maria Alexandra Trindade Gago da
Câmara no que diz respeito à relação entre azulejo e arquitectura. A autora faz uma
56
avaliação onde distingue três dimensões: arquitecturalidade, funcionalidade e
artificialidade.
� Por arquitecturalidade entende-se a construção pictórica de arquitecturas
e figurações no suporte azulejar, “criando arquitecturas na arquitectura”76 resultando
daí uma metamorfose espacial. A cenografia promove-se na terceira dimensão com o
uso de “cor, textura, brilho, decoração”77. No entanto a sua linguagem aproxima-se a
uma função bidimensional.
� A funcionalidade será o resultado da reunião da forma arquitectónica e o
motivo pictórico no suporte azulejar. Esta simbiose regula os espaços e indica a que se
destinam, observando-se deste modo a sua dimensão social. Percebemos pelo estudo da
autora que a avaliação da dimensão social torna-se complexa uma vez que muitos
exemplares se encontram fora do contexto original. No contexto português “regista-se
uma grande descontinuidade entre os espaços interiores da casa.”78 Foi dada uma maior
preocupação em marcar e distinguir os espaços entre si do que os unificar em transições
mais suaves.
� Artificialidade será o resultado “do artifício da luz, do brilho e da
textura”79. A habitação setecentista é lugar social, de aparato, de apresentação e
representação. Assim acontece o entendimento arquitectónico com a “componente
expressiva da azulejaria como elemento e espaço de comunicação entre a realidade e a
aparência, entre o vivido e o projectado.”80 A aplicação azulejar é adjectivo qualitativo
no revestimento de grandes superfícies, pela figuração, adaptabilidade e decoração
possíveis. “Azulejo e Arquitectura são duas palavras que se associam e interligam, (...)
leitura artística pela interacção entre suporte e veículo artísticos”81. Salientamos a
capacidade do azulejo se reenquadrar noutras arquitecturas, com outros programas,
outros espaços, outras funções. Camaleonicamente, adapta-se.
O programa arquitectónico azulejar poderá ser dividido entre espaço privado,
semi-privado e público, estando ainda seccionado entre as áreas femininas e as
76 Vd. CÂMARA, Maria Alexandra Trindade Gago da. - Ob. Cit, p. 33. 77 Vd. IDEM, Ibidem. 78 Vd. IDEM, Ibidem, p. 42. 79 Vd. IDEM, Ibidem. 80 Vd. IDEM, Ibidem, p. 13. 81 Vd. IDEM, Ibidem, p. 31.
57
masculinas. Parte do objectivo da integração do azulejo depende das mensagens que o
azulejo civil de setecentos quer transmitir. “A atenção que o átrio e escadaria merecem
deriva também do significado social que lhes é atribuído. [...] as funções de recepção e
representação da família nobre decorrem no interior dos palácios no espaço que flui do
átrio, pela escadaria até aos salões do andar nobre, assim muitas vezes o átrio e
escadaria são dotados de azulejaria com um tema comum, habitualmente padronizado,
que permite unificar, nobilitar e enriquecer este conjunto. Aos salões nobres
correspondem normalmente outros temas ou outros padrões. O que nos interessa
entender e que os azulejos mostram claramente (como também a sucessão de salões
comunicantes) é o facto de que nesta época a casa nobre ou o palácio é o lugar de
representação da Casa, no sentido de família.”82 Parece-nos importante salientar a
importância que o azulejo pode adquirir de visualmente se sobrepor à arquitectura “O
painel de azulejo fragiliza o desenho da escadaria transformando-o numa forma
suspensa e ambígua em relação à fachada.”83
O azulejo pombalino é caracterizado por ser um azulejo de padrão, realizado no
processo de edificação dos novos prédios com directriz do Marquês de Pombal,
cumprindo critérios de funcionalidade. A designação de pombalino não é circunscrita
apenas ao período operacional do Marquês de Pombal. Na área da baixa pombalina não
se encontram azulejos anteriores a 1775-1780, sabendo que a maior parte do edificado
foi construído entre 1780 e 1800. Actualmente, dada a reorganização espacial interior, a
estrutura inicial já não existe, sendo os azulejos recolocados seguindo critérios
decorativos. É também possível observar azulejos in situ. Podem-se encontrar azulejos
exuberantes e rococó, funcionais e de padrão, ou de gosto neoclássico, como uma
componente intrínseca à arquitectura pombalina84. Na baixa pombalina, o que existe na
actualidade, são conjuntos completos datados dos finais do século XIII e inicio do
século XIX, e na sua maioria, neoclássico no que respeita às composições ornamentais e
figurativas. Sendo a característica mais profunda o padrão, no caso do pombalino, este
torna-se peculiar por se apresentar como que um azulejo “avulso”. Ou seja, funciona
independente do sítio onde é colocado, sem possuir uma arquitectura ou temática
82 Vd. ARRUDA, Luísa. - Ob. Cit, p. 43. 83 Vd. IDEM, Ibidem, p. 45. 84 Parece-nos pertinente salientar que o periodo da arquitectura pombalina não corresponde
cronologicamente ao azulejo pombalino, este que abrange os reinados de D. José e D. Maria I, sendo a
produção azulejar entre o rococó e o neoclássico.
58
específica. Desta forma permite estabelecer uma relação com o espaço arquitectónico de
forma livre e integrante, e só numa situação de desajuste de escala é que a sua
integração poderá ser conflituosa. “A criação mais típica do período pombalino
encontra-se na padronagem, cuja concepção revela a rotura com a anterior padronagem
de tradição seiscentista, pela forma como as preocupações estéticas se interligam com
conceitos utilitários e funcionais. Anunciando a estética neoclássica, os ornatos
reduziram-se a coloridas e leves sugestões gráficas e superficiais, espontaneamente
realizadas através de pinceladas leves e sensíveis, com sombras discretamente sugeridas
por traços mais carregados ou por apontamentos roxos, cujo efeito ornamental se
apresenta altamente dinâmico”85.
A característica do azulejo “avulso” (figura 23), é conter uma flor central de
forma a se poder combinar com qualquer outro azulejo, ou entre si.
Figura 23 - Azulejos do período cronológico entre 1755-1780
Os exemplos que se seguem apresentam igualmente a característica “avulsa”
(figura 24), compostos por uma flor central, com pétalas, corda ou linhas em diagonal
que assim permitem potenciar o seu ritmo.
Figura 24 - Azulejos do período cronológico entre 1755-1780
Exemplo de uso de esponjados, efeito de “pedra torta” (figura 25).
85 Vd. MECO, José - Azulejos de Lisboa. [Lisboa]: Revista Monumentos nº21, 2004, p. 63.
59
Figura 25 - Azulejo do período cronológico século XVIII
Exemplo de padrões pombalinos obtidos a partir de um só módulo (figura 26).
Com o uso de um só módulo, o ritmo em diagonal surge pela composição que se
prolonga até aos cantos do mesmo.
Figura 26 - Azulejos do período cronológico entre 1755-1780
Por regra o uso de cores frias tende a “fazer buraco”86 e as cores quentes a
“avançar sobre nós”87. O mesmo padrão utilizando cores diversas obtém resultados
perceptivos completamente distintos (figura 27). O espaço ilusório poderá ser
igualmente dado pelas estilizações dominantemente tridimensionais.
86 Vd. NERY, Eduardo - Ob. Cit, p. 52. 87 Vd. IDEM, Ibidem.
60
Figura 27 - Paineis de azulejos do período cronológico do séc. XVIII (2ª metade)
Com dois módulos, sendo um destes avulso, consegue-se fazer uma infinita
sucessão do padrão pela ligação entre ambos através da diagonal que atravessa o
módulo (figura 28). Pelos exemplos seguintes poderá ver-se um movimento em
diagonal e circular.
Figura 28 - Paineis de azulejos do período cronológico entre 1755-1780
O uso de tapetes para enquadramento arquitectónico obriga a um raciocínio
quanto ao efeito óptico de forma a manter a leitura dos ornatos. Quando este “ultrapassa
em altura os limites da possibilidade visual. Punham-se, portanto, problemas de
perspectiva óptica (...) sempre que as paredes excediam, no sentido da altura, o “pé
direito” normal e humano.”88 As soluções passam pelo enquadramento (guarnições) dos
tapetes através de: frisos, cercaduras (cantos, contracantos, cruzetas, tês, contratês),
barras.
88 Vd. MONTEIRO, João Pedro - Ob. Cit, p. 64.
61
As composições de tapetes formados por um ou dois módulos são “(...)
teoricamente infinitos – daí o seu valor decorativo” 89. A figura 29 mostra painéis de
azulejos pombalinos em combinação com azulejos “avulsos”, sendo um dos azulejos de
ritmo diagonal.
Figura 29 – Paineis de azulejos do período cronológico entre 1770-1775
Exemplo de painéis compostos por três módulos diferentes com um elemento
ornamental central (figura 30).
Figura 30 – Paineis de azulejos do período cronológico entre 1755-1780
5.1 Espaços interiores
Iremos também mostrar alguns exemplos de azulejaria pombalina pertencente à
Baixa Pombalina. A Baixa Pombalina abrange cerca de 235 620 metros quadrados no
centro de Lisboa. Compreende a rede de ruas a norte da Praça do Comércio, entre o Cais
89 Vd. IDEM, Ibidem, p. 20.
62
do Sodré e do bairro de Alfama, abaixo do Castelo de Lisboa, e estende-se em direcção
ao Rossio, Praça da Figueira e da Avenida da Liberdade.
Em cozinhas, caixas de escadas, ou em outros lambris interiores, era utilizado o
azulejo policromático em painéis decorativos ou simplesmente branco. Em rodapés e
guarda-chapins era comum o recurso a chacotas esponjadas não vidradas. A existência
de silhares ou rodapés de azulejo é cada vez mais rara, sobretudo nos prédios devolutos.
Estas referências são válidas para os exemplos azulejares pertencentes à Baixa
Pombalina.
São observáveis exemplos deste período de grande proliferação azulejar, sendo
que o seu em maior número surge no interior dos edifícios do que no seu exterior90,
(figura 31).
Figura 31 - Revestimento de pintura mural organizado em dois registos.
5.1.1 Átrios, entradas e vestíbulos
Caracterizam-se por serem espaços de circulação, recepção e transição, a
primeira passagem para o interior da habitação. A função social do azulejo torna-se
proeminente na mostra do aparato, “receber, parecer e mostrar”91 A azulejaria ritmada,
tanto figurativa como seriada ou padronada aparecem nestas áreas (figura 32).
90 Podemos observar que os motivos serão idênticos aos da pintura mural. 91 Vd. CÂMARA, Maria Alexandra Trindade Gago da - Ob. Cit, p. 52.
63
Figura 32 - Átrio e corredor com figura de convite recortada sobre padrão pombalino.
Pode-se compreender um estudo (de escalas e proporções) prévio no efeito que o
azulejo vai produzir no observador, uma vez que o pé direito das paredes foi atenuado
pelo recurso da padronagem adequada.
5.1.2 Escadas e corredores
A escadaria apresenta-se como articulação da casa nobre, espaço de passagem
entre a recepção e o andar nobre. São áreas secundárias, zonas de continuidade de
passagem (figura 33 e 34). São a distribuição da habitação, sabendo que nem todas as
habitações possuem zonas de acesso. Espaço neutro, aberto para receber, quando
azulejado possui um efeito teatral pela sumptuosidade. Os corredores aparecem no
andar nobre distribuindo em eixo horizontal os quartos (a vida privada) e o salão nobre
(o espaço social de excelência) “Para estes espaços domésticos secundários produziram-
se azulejos denominados de ordinários, (...), de composição repetitiva, diversificadas
padronagens, barras e cercaduras simples, azulejos esponjados, ou simulando cantaria
com relevo em trompe l’œil de altura variada”92 A integração azulejar nestes espaços é
fortemente pensada quanto à sua colocação. O corte dos azulejos é adaptado aos
desníveis da escadaria, mantendo a sua ligação azulejar. Nos corredores “os brilhos
“aquáticos” dos azulejos persistem (...) ao longo do século XVIII, espaços
aparentemente simples, sem acidentes arquitectónicos com excepção das portas.”93 A
92 Vd. IDEM, Ibidem, p. 56. 93 Vd. IDEM, Ibidem, p. 71.
64
azulejaria pombalina é mais despretensiosa que a barroca, cujos padrões são marcados
pelos movimentos diagonais, dos exemplos abaixo retira-se da casa nobre da Quinta
Leite de Sousa Castro um dos raros exemplos de movimento vertical “o padrão dos
hexágonos articulados com outros elementos de forma a obter-se uma expressão que
dominam as verticais”.94
Figura 33 – Paineis de azulejos em escadaria do período cronológico do séc. XVIII
Figura 34 - Paineis de azulejos em corredor do período cronológico do séc. XVIII
5.1.3 Salão nobre, casas de jantar, câmaras e
antecâmaras
O salão nobre era o espaço de excelência da habitação nobre, onde o espaço
envolvente era planeado a partir desse pressuposto (figura 35). A temática escolhida
94 Vd. ARRUDA, Luísa. O Caminho do Oriente - Ob. Cit, p. 90.
65
está ligada à sociabilidade “o universo dos prazeres”95, funcionando como “os modelos,
as regras, os protótipos, em suma funcionaram como uma espécie de compêndio
normalizador onde tudo se ensinava pela imagem”96. Nas palavras da investigadora
Alexandra Gago da Câmara: funcionalidade cenográfica do azulejo. Toda a azulejaria
nesta área entra em profundo “diálogo com o mobiliário e os têxteis (...), sedas, das
pratas e da talha dourada”97. Temáticas exóticas são também representadas, aculturadas
pelo gosto ocidental, brasões e temas bélicos podem igualmente fazer parte da temática
retratada.
Figura 35 - Painel em salão nobre de composições figurativas sob fundo pombalino do período
cronológico do séc. XVIII
A representação de arquitecturas e paisagens introduz o efeito “espelho” e
amplia o espaço físico real (figura 36).
Figura 36 - Silhares ornamentais pombalinos do período cronológico do séc. XVIII e séc. XIX
95 Vd. CÂMARA, Maria Alexandra Trindade Gago da - Ob. Cit, p. 77. 96 Vd. IDEM, Ibidem, p. 77. 97 Vd. IDEM, Ibidem, p. 73.
66
5.1.4 Cozinhas
O interior da casa nobre apresentava grandes preocupações
funcionais/higiénicas. A colocação do azulejo abrange “a totalidade das paredes, este
contorna janelas, bancadas, lavabos, arcos e portas”98. A temática representa muitas
vezes a cozinha dentro da cozinha criando com isso um efeito de terceira dimensão. O
azulejo muitas vezes é de figura avulsa de influência holandesa (figura 37).
Figura 37 - Revestimento em cozinha do período cronológico do séc. XVIII
5. 2 Espaços exteriores
Encontramos azulejaria de fachada e de transição do exterior/interior/exterior da
casa, contando com o mobiliário de jardim. Muita da arquitectura e integração azulejar
terá sido pensada na relação do azulejo com a água, ambas superfícies espelhadas que
ampliam os espaços fomentando uma “relação entre a vivência da espacialidade exterior
e a sua própria representação”99. De uma forma geral a arquitectura da água tem a sua
temática, como o próprio nome indica, ligada a actividades aquáticas, cenários
bucólicos, situações lúdicas, temas mitológicos e temas de natureza profana, erudita ou
pagã.
98 Vd. IDEM, Ibidem, p. 96. 99 Vd. IDEM, Ibidem, p. 122.
67
Toda a arte azulejar neste cenário apela ao deslumbramento sensorial. Na sua
maioria, as imagens são de Claude Vernet, pintor cujas gravuras circulavam nas
principais oficinas de Lisboa à época.
5.2.1Fachadas
Na figura 38 Pode observar-se um silhar do Palácio do Marquês de Pombal em
Oeiras, onde “o azulejo foi neste lugar considerado prioridade absoluta”100 (todo o
percurso do palácio está revestido de azulejo).
Figura 38 – Revestimento em fachada do período cronológico do séc. XVIII
5.2.2 Tanques e Fontes
Estes ambientes ao ar livre são caracterizados por espaços de lazer e possuem
uma espacialidade assumidamente virtual (figura 39).
Figura 39 - Revestimento em fonte do período cronológico do séc. XVIII
100 Vd. IDEM, Ibidem, p. 127.
68
5.2.3 Alegretes, bancos e pérgulas
O equipamento de jardim/mobiliário está muito presente em casas nobres,
quintas e palácios. Aqui o “poder dos sentidos e valores intimistas”101 mantém-se muito
presente (figura 40).
Figura 40 - Revestimento em banco do período cronológico (1750-1760)
5.2.4 Alpendres
São espaços transitórios, situados no primeiro piso da casa. Por exemplo, na
Quinta do Barão de Moçamedes em Carcavelos verificam-se duas Estações que se
assemelham a figuras de convite assentes em almofadas de padrão (figura 41).
Figura 41 - Revestimento em alpendre do período cronológico do séc. XVIII
101 Vd. IDEM, Ibidem, p. 127.
69
5.2.5 Terraços e Varandas
Os “terraços avarandados ou terraços-varandas”102 que podem ter cobertura ou
não, são uma constante do projecto das casas nobres, palácios e quintas (figura 42).
Preocupações climatéricas em associação à arte de bem receber, têm como pano de
fundo a observação dos jardins.
Figura 42 - Revestimento em terraços do período cronológico do séc. XVIII
5.2.6 Escadas
Servem de ligação entre os diferentes patamares dos jardins e de ligação à
habitação (figura 43). São espaços transitórios com a preocupação pela visualização de
quem sobe ou desce.
Figura 43 - Revestimento em escadas do período cronológico do séc. XVIII
102 Vd. IDEM, Ibidem, p. 131.
71
2ª Parte – Gerador de identidade
I. Raiz histórica
1. O Azulejo: Estética, forma e integração
“O azulejo é essencialmente uma presença, um brilho... o azulejo não se vê, mas
sente-se... a maior parte das pessoas não vê as paredes, mas sente-as... isso é que é
verdadeiramente importante”103
Tomamos como referência o azulejo pombalino pelo seu enquadramento num
período caracteristicamente fértil e renovador na azulejaria portuguesa.
Azulejo é o elemento ornamental que relata cinco séculos de história portuguesa,
ressaltando a sua capacidade comunicativa em aculturar-se e em aculturar territórios. É
um elemento urbanizador de extrema empatia.
“O azulejo é um suporte e enquanto tal é um material neutro e indiferente”104.
Desta significação traçamos um paralelismo quanto à ideia de tela que aqui obedece a
uma métrica de forte sentido cenográfico e descritivo.
O azulejo é entendido como peça cerâmica de espessura variável105 mas paralela,
de superfície vidrada e brilhante. Quando recebe relevos é vitrificada em uma das faces
- a nobre, onde mais tarde recebe a decoração, tornando-o impermeável. É constituído
por argila e por norma a sua forma é quadrada106, tendo como dimensão média
14x14cm (se tratados artisticamente), e 10x10cm ou 20x20cm (se tratados
industrialmente), com reticulas a variar entre 1 a 2mm. A criação de reticulas, no global,
deixa uma grelha com bastante peso visual, não devendo esta ser tratada com
103 Vd. IDEM, Ibidem, p. 3. 104 Vd. NERY, Eduardo - Ob. Cit, p. 10. 105 Sendo os de colocação parietal mais finos que os de colocação em pavimentos. 106 Embora e mais especificamente os de revestimento de pavimentos possuam mais tipologias formais,
como a hexagonal.
72
ignorância. Para ser considerado azulejo107 terá que se integrar numa malha formada por
muitas peças iguais e que sejam identificadas rapidamente entre si. A regularidade
geométrica e continuidade das peças mais as suas reticulas confirmam a presença de
azulejos, e esta malha ordenadora que não permite falhas. Os seus limites podem variar,
interessando para a validação enquanto azulejo a unidade interna dos mesmos.
Segundo Santos Simões, a compreensão da decoração do azulejo assenta na
observação da escala e ritmo. Da análise do mesmo autor, quando se utilizam azulejos
de duas cores diferentes em alternância obtêm-se o denominado enxaquetado. “O ritmo
linear é alterado na sua direcção e as linhas de força já não são apenas produzidas pela
junção de azulejos, mas pelo efeito das diagonais. É a primeira passagem de um ritmo
rectilíneo para um ritmo espacial em que o azulejo como que se liberta da sua
quadratura para adquirir uma área.”108 As linhas de força, lineares ou cromáticas,
provocam os ritmos e estabelecem a escala. Os ritmos lineares, orientados
diagonalmente provocam uma mudança de direcção, contrariando as linhas ortogonais.
Percebemos que o azulejo mesmo não incluindo ornatos determina ritmos decorativos
pelo seu reticulado, onde se determinam linhas de força. “O formato do azulejo,
comanda e determina a sua potencialidade decorativa. O reticulado obtido pelo
agrupamento superficial dos azulejos é o seu maior valor plástico.”109
Pode-se desta forma interpretar que o azulejo, tanto é arte própria ou
complemento a outras artes. No nosso estudo o azulejo estará subordinado ao corpo a
revestir.
Forma, estilo, composição, luz, mancha, cor, espaço plano ou espaço ilusório,
serão os campos de apreciação estética azulejar e as características exploratórias do
azulejo; o volume dado pelo relevo; cor e cintilação dada pela pintura e capacidade de
reflexão de luz pela vitrificação (vidrada ou por esmalte). Possui as funções, decorativa,
criativa e informativa, tende a informar sendo simultaneamente expressão artística.
Quanto à concepção do azulejo, foram fundamentais três influências, a têxtil, a pintura
ornamental e a gravura.
Pensar no azulejo é pensar igualmente na sua integração. Iremos no presente
estudo utilizar a integração arquitectónica para traçar um paralelismo com a arquitectura 107 Aceitamos as definições de Eduardo Nery no conceito de azulejo. 108 Vd. MONTEIRO, João Pedro. - Ob. Cit, p. 92. 109 Vd. IDEM, Ibidem. p. 92.
73
do corpo. O azulejo integrado na arquitectura, e se colocado sobre argamassa, terá mais
capacidade elástica compensando as oscilações arquitectónicas do que colocado sobre
cimento onde terá tendência para abrir fendas. É sempre um meio de qualificação
estética de espaços urbanos e espaços internos de edifícios, elemento transformador e
ordenador já que comporta, “a desmaterialização superficial e a animação parietal,
como formas de alcançar a transformação do espaço, através da criação de um espaço
fictício ilusoriamente sugerido pela ornamentação, absorvendo: da arquitectura, a
organização estrutural, a noção de espaço e o papel dos suportes e das superfícies; das
artes eruditas, o sentido de proporção, a construção ilusória da perspectiva e da
representação tridimensional do espaço fictício; da arte mourisca, o sentimento das
superfícies inteiramente decoradas e o conhecimento geométrico das formas,
fundamental na decomposição e recomposição do espaço.”110
O impacto do azulejo na escala arquitectónica é efectivado em duplo sentido.
Pelas suas dimensões, concede-se autonomia enquanto elemento isolado ou então em
composição, visto que também pode ser assumida em painel. Dessa forma verifica-se
um enquadramento arquitectónico diversificado e polivalente, ainda que não livre,
sempre sujeito à superfície a revestir. A colocação oblíqua do azulejo origina “um dos
efeitos visuais mais fortes e perturbadores entre as artes ornamentais subordinadas à
arquitectura”111. Esta relação e escolha para integração com a arquitectura pode ser
motivada pela fácil manutenção, pelo carácter utilitário e decorativo com ou sem
sentido simbólico e pela função regularizadora dos espaços; ainda que esta última possa
actuar com a mesma força em sentido contrário, e tornar-se desestruturante do espaço
arquitectónico, iludindo alguns dos seus elementos arquitectónicos pelo uso de
diagonais e da técnica de trompe l'œil. Este absorve da arquitectura os valores
organizacionais de estrutura espacial e da pintura pela cor, desenho e grafismo a noção
de proporção e perspectiva112.
110 Vd. MECO, J. - Ob. Cit, p. 19. 111 Vd. IDEM, Ibidem, p. 25. 112 Em especial a noção de paralaxe.
74
2. Exemplos de azulejos relevados
Iremos seguidamente mostrar exemplos de azulejos relevados (figura 44), que
embora não se centrem no período histórico que seleccionámos, são exemplos
importantes para salientar desde já a nossa intenção de trabalhar o relevo. O azulejo
pombalino é fundamentalmente plano e trabalha o espaço ilusório, nós ocuparemos esse
espaço ilusório com fisicalidade.
Em Portugal a utilização de azulejos com relevo é mais frequente no século XIX,
pelas fábricas de Vila Nova de Gaia e das Caldas da Raínha. Os casos apresentados são
de azulejos seriados moldados à prensa ou em produção industrial.
Figura 44 - Azulejos do período cronológico entre 1900 - 1960
Este último caso apresentado pode não ser considerado azulejo (figura 45), mas
sim placas cerâmicas prismáticas. No nosso estudo são apresentadas uma vez que
segundo o próprio autor, Filipe Nery, são mais ligadas à estética azulejar do que à
escultura em alto-relevo, já que a estrutura se baseia num módulo de repetição, e neste
caso de superfície relevada.
75
Figura 45 - Azulejos do período cronológico entre 1993-1994
77
II. Memória justificativa
1. Design do corpo
“The body becomes an artefact, a luxury product (…) because it becomes a
matter of design”113. Entendemos o corpo como produto cultural e social pelo modo
como nos relacionamos no mundo e pela forma como o redesenhamos. São
metamorfoses que o corpo recebe, resultado da auto-construção e da sua construção fora
do corpo. Metamorfoses movidas pelo desejo de alteração radical e optimização do
corpo natural – bodydesign. Acessórios, apêndices e extensões são anacronismos, até
mesmo a ideia da integridade do corpo humano é obsoleta, um valor nostálgico.
A self-transformation no trabalho de Zellweger não é física, toca o mundo da
imaginação. Uma peça de joalharia do autor comporta-se em relação ao corpo humano
como uma prótese se comporta na estrutura do esqueleto. A construção de prótese é a
função determinante nas suas peças. O adorno no corpo serve a comunicação,
transforma a função do corpo num corpo de significado. Na perspectiva do autor, o ser
humano é homo ipsi faber, inventando-se a si próprio (figura 46). “[Christoph
Zellweger] this jeweler recognizes that the shape of our existence lies in the delicated
interrelationship between nature and technology and while scientists and technologists
are responsible for progressing this, artists can reflect, commentate and dispute.”114
113 Vd. ZELLWEGER, Christoph – Foreign Bodies/Jewellery as Prosthesis, Design Research Quaterly
V.3.4. [S.l.: s.n.], 2008, p. 10. 114 Vd. IDEM, Ibidem, p. 6.
78
Figura 46 - Foreign Bodies / Jewellery as Prosthesis por Christoph Zellweger
A realidade está em movimento, “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo
se transforma” – Lei de Lavoisier da conservação da massa. Falamos da metamorfose
humana no mundo em tempo real, da simulação do real e a ambiguidade da vivência no
nosso corpo. Falamos da fusão do corpo com o ambiente circundante.
“Man made extensions of itself make it difficult, if not impossible to clearly
distinguish between a foreign body and its own body.”115 Será o impulso do self-design
um esforço após a omnipotência, uma expressão narcísica? Os humanos quererão viver
eternamente ou simplesmente não querem morrer? São zonas cinzentas da clarificação
do que serão próteses, serão sempre aumentos de valor ao corpo.
115 Vd. MORANDI, Pietro - Jewellery as Prostheses – Body design in bio-political discourse. In
http://www.christophzellweger.com/wp-content/uploads/2008/02/cz-042-059_text.pdf (29/06/2011; 16h)
79
A joalharia como extensão do corpo é certamente uma prótese, colocando-se a
questão se estrangeira ou integrada no corpo, ocupando dessa forma a insuficiência de
identidade. O corpo humano não é especializado nem adaptado a nenhum nicho
ecológico, daí a dependência efectiva de próteses. Do filme Habla con ella de Pedro
Almodovar (2002) quisemos ressalvar a seguinte afirmação: Somos autênticos quando
nos tornamos aquilo que sonhamos. Assim, verificando-se a falta de ser, condiciona
inevitavelmente à construção do self, optimização e perfeição.
Na linha de pensamento de Zellweger a joalharia reduz o trabalho de adaptação
do humano uma vez que revela o self comunicando-o. Entendemos que a joalharia,
como qualquer outra prótese, deixa de ser complemento para ser elemento. Muita desta
construção de corpo torna-se ubíqua, incorpórea. Como espectro de significados da
joalharia na singularidade pessoal apresentamos: adorno, cicatriz, tatuagem, moda,
costume, hierarquia social, piercing, branding, escarificação, laceração, fabricação de
cicatrizes em relevo, stretching, implantes subcutâneos e bodydesign.116
“In 21st century, as Zellweger extends the term, jewellery as prostheses is also
making an impact and often particularly so when it is worn concealed, i.e., on or even
within the body, because now the body itself has become the thing to be designed; the
body become jewell on or even within the body, because now the body itself has
become the thing to be designed; the body become jewellery.”117 A colecção Ossarium
Rosé do mesmo autor supra citado redesenha o esqueleto humano e revela uma
mortalidade que surpreendentemente tenciona ser sedutora. A forma estrutural dos ossos
nem sempre é anatómica e pretende mostrar a possibilidade de um corpo futurista.
Questiona ainda se estes ossos serão relíquias do futuro e o que encontraremos nos
corpos mortos do futuro. O que fica do corpo? A sua prótese. As próteses do corpo
revelam o contraste entre este e a vontade mental. Por ser objecto inacabado e
imperfeito deve ser completado pelo seu usuário. Por meio do corpo encontramos o
parceiro complacente e cúmplice.
O humano é colector de experiências. Haverá impossíveis para o corpo?
116 Apresentamos como autores do seu corpo: Fakir Musatas, que iniciou os primitivos modernos e Tatto
Mike que tem o corpo quase inteiramente tatuado. 117 Vd. MORANDI, Pietro - Ob. Cit, (29/06/2011; 16h)
80
Wright118 faz uma análise da obtenção da experiência em várias camadas: pela
composição, através das partes que compõem o todo, as suas relações, as opções de
acção; pela sensualidade, atribuída pelas qualidades físicas da identidade objectual
percepcionadas sensorialmente; pela emoção, englobando a experiência através de
sistemas de empatias; e a relação espaço-tempo com a capacidade perceptiva da
experiência, mutável em função do espaço público, ou privado. No entanto estas
fronteiras estão diluídas, o espaço público tornou-se por via tecnológica em relação
privada, através dos vários layers de experiência incorporados no ser-objecto. O
designer torna-se autor de uma actividade partilhada.
Talvez o desejo de transparência seja a procura do ideal/verdadeiro, a ideia de
que melhor é possível, a procura da autenticidade de emoções. A transparência de um
ambiente imaginado, como janela e/ou espelho, é metáfora do real. A espelho/janela da
minha fantasia, o meu eu super-herói. A realidade existe só depois do testemunho de um
médium, sendo um paradoxo a possibilidade de manipulação do real e da sua
acreditação.
Dotados de uma bateria completa de sentidos, vivemos no espaço e no tempo,
nosso desejo era (talvez) viver em espaço sem tempo, aglutinando experiências. Não há
tempo para as vidas que se quer viver.
Inovar a joalharia/prótese pode passar por propor “a new enjoyment of the
object”119. A integração tecnologia poderá ser um dos caminhos possíveis, uma vez que
esta se consolidou em praticamente toda e qualquer actividade. A tecnologia
miniaturizada e biocompatível actua como uma instalação no corpo, é implante. A
biologia é ciência de informação, e através do biopoder somos máquinas de
comunicação onde as fronteiras se misturam. Transpomos o mundo físico para mundos
de pura imaginação.
“A biologia alcança a informática em seu terreno; nela se inspira para uma
metáfora fundadora do organismo vivo como mensagem. Para F. Jacob, qualquer
estrutura material (viva ou inerte) é comparável a uma mensagem (...) no sentido de que
a natureza e a posição dos elementos que a constituem, átomos ou moléculas, resultam
118 Vd. FURTUNATI, Leopoldina - Mediating the Human Body: Technology, Communication and
Fashion. Londres: Lawrence Erlbaum Associates Publishers, 2003, p. 17. 119 Vd. CAPPELLIERI, Alba; ROMANELLI, Marco - Ob. Cit, p. 30.
81
de uma escolha entre a profusão de possíveis. Por transformação isomorfa de acordo
com o código tal estrutura pode ser traduzida num outro jogo de simbolos.”120
O gene tornou-se um ícone cultural e é também lugar-comum (figura 47).
Tratamos o ADN como fetiche de carácter mitológico e naturalista, portador de todo o
conhecimento. O corpo torna-se ele próprio feixe de informações condensadas. O gene
em sentido simbólico torna-se património da humanidade, 100 mil genes constituem
este património individual. Igualamos o indivíduo ao seu património genético. Que
código transportamos? Os objectos/próteses redesenhados são mescla da biologia, da
cultura, do social, da tecnologia, são objectos “sociobiotecnológicos”. Não será o
“adeus ao corpo”, será identidade acrescentada. “O corpo torna-se simultaneamente
arquivo de si numa estética de vida quotidiana”121.
Figura 47- Moldura produzida pela empresa DNA11
As influências recebidas modelam a identidade. A construção e aquisição de
história pessoal, identidade exclusiva. A identidade é uma igualdade que a sua
construção pretende distinguir. Temos toda a experiência do mundo vinculado a nós,
incorporada. “A história de cada homem é única e inesgotável, é tecida na
singularidade por meio de seu confronto com o mundo e com os outros ao longo de sua
história pessoal.”122
120 Vd. LE BRETON, David - Ob. Cit, p. 102. 121 Vd. IDEM, Ibidem, p. 152. 122 Vd. IDEM, Ibidem, p. 132.
82
2. Customização
A produção massiva de produtos deixa “little space for the individuality and
poetic quality of craft-based production.”123 Após a tendência de uniformização dos
objectos a par da sua produção em massa verificada ao longo do século XX com a
utilização aos recursos tecnológicos, entrámos há uns anos numa lógica progressiva de
customizar os objectos e integrá-los num diálogo intimista com o utilizador, onde este
se reconheça no objecto, recuperando assim unicidade. Podemos apontar a Feira de
Tendências de Frankfurt de 2002 como demonstradora dos primeiros projectos
enquadrados neste tipo de pensamento, nomeadamente com a consultora em design
Vogt and Weizenegger. Esta apresentou um projecto inovador denominado
“Sinterchair”, integrado no projecto mais vasto “A Factory of the Future”. Nesse
trabalho propunha-se ao visitante simular uma compra de cadeiras produzidas à medida
dos seus próprios desejos. “(…) you walk into a shop, tell the assistant what you are
looking for, have him draw out something corresponding to your individual wishes on
his computer and he manufactures it for you on the spot. You receive a one-off product
tailored to your personal taste and your requirements that is ready for you to take home
with you within 24 hours.”124 É também possível assistir ao processo CAD e CAM para
obtenção da customização. Outro projecto que combina as tecnologias acima
mencionadas é o “Future Factories125” de 2003, da autoria de Paul Atkinsons, com
design de Lionel Theodore Dean e desenvolvido na Universidade de Huddersfield. Este
projecto apresenta-nos formas complexas podem ser geradas através da combinação de
algoritmos informatizados, deixando ao critério do consumidor que tipo de mutação irá
sofrer a forma. A concepção dos produtos é virtual e tira o maior proveito das
tecnologias digitais.
A produção pós industrial procura perceber a relação entre as pessoas e os
objectos que escolhem possuir e simultaneamente produzir. Estas tecnologias alteram as
fronteiras e a noção dos territórios do artesanato, do design e da arte.
123 Vd. BUNNEL, Katie - Craft and digital technology. In
http://www.autonomatic.org.uk/team/kb/craft%20and%20digital%20technology.pdf, (03/11/2009; 22h) 124 Vd. IDEM, Ibidem. 125 Vd. ATKINSON, Paul – Future Factories. In http://www.futurefactories.com/ (05/11/2009; 22h)
83
Seguindo o raciocínio de Paul Atkinson126, verificamos que inicialmente a
utilização de software para gerar aleatoriamente formas para joalharia era pouco
utilizada, e quando era efectivamente utilizada, após a obtenção das formas em formato
digital, estas davam lugar à concepção do objecto de forma manual utilizando técnicas
de fabrico tradicionais. O grupo de pesquisa PIM desenvolveu sistemas que geram
configurações únicas igualmente de forma aleatória, as quais são produzidas utilizando
prototipagem rápida. Este tipo de tecnologia que aparece disponível na web, permite ao
usuário criar os seus projectos para joalharia, manipulando modelos pré-formados de
interactivamente. Os objectos gerados deste processo são posteriormente enviadas por
correio para o usuário/designer. Com este cenário, cada pessoa é simultaneamente o
designer e o artesão, podendo mesmo falar de um universo criativo em open source. Os
sistemas CAM127 ainda permanecem elevados para o consumo doméstico, apesar de se
verificar que actualmente os custos tendem a baixar. Lionel Theodore Dean aponta que
a curto prazo a produção de peças estará acessível de uma forma globalizada,
possibilitando uma produção no local do destinatário. Podemos especular que serão as
tecnologias de prototipagem rápida disponibilizadas ao consumo doméstico passíveis de
ser usadas na generalidade128.
2.1 Pensamento criativo do artesanato e do design
Entendemos ser necessário fazer uma breve análise entre o pensamento criativo
do artesanato e do design, para um melhor entendimento da customização dos produtos
industriais. O design de joalharia integra também muito do seu pensamento criativo a
partir do pensamento criativo do artesanato.
126 Vd. ATKINSON, Paul – Boundaries? What Boundaries? The Crisis of Design in A Post-Professional
Era. [S.l.]: The Design Journal, 13 (2), 2010, p. 137. 127 Sigla para Computer Aided Manufacturing. 128 Apresentamos exemplos de impressoras 3D com custos baixos e comercializadas na web em:
http://store.makerbot.com/makerbot-thing-o-matic.html, assim como serviços on line de impressão 3D em
vários materiáis em: http://www.shapeways.com/upload/about. Entendemos que estas tecnologias estão a
dar os primeiros passos, mas assim que forem integradas no uso doméstico, questionamo-nos sobre a
actividade profissional do designer e sobre o futuro do artesanato? No entanto são questões que iremos
deixar em aberto uma vez que o nosso estudo não se centra neste sentido.
84
O artesanato, especialidade rural e patrimonial, foi durante muitos séculos o
comum da oferta. Entra no mercado contemporâneo dos bens de consumo sem a
habitual imagem de folclore, e podemos pensar que este desenvolve a identidade
cultural recuperando a desumanização da cultura material. Iremos adoptar a definição de
artesanato da autora Katie Bunnell: “(...) craft as an essentially human and humanizing
process (...)”129. Deixa sempre o cunho manual na produção material, sendo
simultaneamente processo projectual e produto. Estamos a falar de uma geração de
objectos do território das artes populares e por isso, dotados de amadorismo. Utilizar o
pensamento criativo e de raiz cultural do artesanato pode ter especial importância para a
personalização de produtos. A customização de produtos leva-nos a pensar que o
processo criativo do artesanato será extremamente compensatório e crucial para entrar
no espaço do design. “Crafts practitioners already know a great deal about creating
individuality in products. The real question is perhaps how, or if they can use this
knowledge in tandem with digital technologies to develop more commercial forms of
customization that meet the demands of 21st century culture.”130 A metodologia do
artesanato integrada nas interfaces digitais como o CAD131 pode incorporar
autenticidade nos objectos na cultura pós-industrial. A cultura globalizada sofre uma
perda da identidade, integrando-se dessa forma “the mass customization of products to
individual need”132. Questionamos: será necessária a componente manual, o saber fazer
para projectar joalharia? Entendemos que o saber pensar, o reconhecimento das
técnicas produtivas, das matérias e do corpo são os elementos necessários para o
exercício do design de joalharia.
Os autores Coyne e McCullough acreditam que os processos de pensamento,
padrões de trabalho e atitudes mentais dos artesãos podem ser úteis e relacionados com
a execução e exploração de novos desenvolvimentos tecnológicos. “These ideas about
the relationships between craft, technology and in particular digital technology would
suggest that crafts practitioners have a lot to offer in the development of new cultures of
design production.”133
129 Vd. BUNNEL, Katie - Craft and digital technology. In
http://www.autonomatic.org.uk/team/kb/craft%20and%20digital%20technology.pdf, (03/11/2009; 22h) 130 Vd. IDEM, Ibidem. 131 Sigla para Computer Aided Design. 132 Vd. BUNNEL, Katie - Ob. Cit. 133 Vd. IDEM, Ibidem.
85
2.2 Designer/Usuário/Autor
Paul Atkinson134 explora e procura reconhecer as fronteiras135 do design cada
vez mais interligado a outras disciplinas. Para este autor, a fronteira mais significante
será a questão do usuário/autor (designer). A fronteira entre o amador e o profissional
está a ser desmantelada, uma vez que o desejo de personalização de objectos e sua
customização projectam e desenvolveram ferramentas para que simultaneamente o
usuário seja também designer. “Recent design methodology has stressed the importance
of taking a user-centred approach, but has not envisioned a position where designer and
user are essentially one and the same.”136 Sabendo que o design e o uso da tecnologia
nele envolvida se tornaram mais especializados, poderíamos pensar que não haverá
lugar para o amadorismo. Este mesmo desenvolvimento conjuntamente com as
tendências individualizantes, possibilita igualmente uma menor dependência
profissional na produção de produtos, oferecendo potencialidades produtivas
tecnologicamente avançadas. Designer e usuário são desta forma um bloco unitário,
estabelecendo-se um diálogo íntimo entre os dois com o material, o processo e a forma.
O uso da prototipagem rápida é talvez o desenvolvimento tecnológico que mais
aproxima o usuário ao designer, sendo que nesse processo o nível de envolvimento do
usuário é profundamente intimista, as decisões do objecto são feitas conjuntamente e o
seu resultado sempre imprevisível. Cremos que o design profissional passará por
desenvolver procedimentos para o envolvimento efectivo do usuário na produção. De
uma forma mais integrada, o pensamento de design deverá ser explorado numa relação
entre função, estética e produção personalizada.
Promover a supremacia do homem será o significado último de tecnologia. O
conhecimento do processo de fabrico potência a informação criativa e eficaz para uso
das tecnologias CAD/CAM. Observar a cultura material do século XX é saber projectar
para o século XXI.
134 ATKINSON, Paul - Ob. Cit. 135 Vd. IDEM, Ibidem. 136 Vd. IDEM, Ibidem.
86
2.3 Exemplos de customização
Como exemplos da flexibilidade produtiva e customizada, apresentamos a marca
Nike e grupo Nervous System, que utilizando como recursos as tecnologias digitais 2D
e 3D, conseguem obter uma relação mais precisa da oferta e da procura. Esta
personalização pertence assim ao território democratizado, não sendo privilégio de um
trabalho artesanal único, mas incluindo o pensamento artesanal ao serviço de uma
unicidade. Ambas as situações, com mais ou menos complexidade, permitem dentro de
variáveis estipuladas uma escolha que se pretende reflexo do usuário.
Na imagem abaixo mostramos (figura 48) como personalizar o produto. São
necessárias cerca de dez partes em média por modelo para realizar o “protótipo”
escolhido, sendo tangíveis de manipulação a cor, materiais e texto identificativo.
Figura 48 – Simulação realizada no sítio da Nike
A proposta do grupo Nervous System é conceber peças de joalharia ao mesmo
estilo da Nike, das quais exemplificamos um anel (figura 49). Este pode ser
personalizado no software interactivo disponível online no sítio do grupo. É possível
manipular a estrutura pré definida pela torção e acrescentar subdivisões, transformando
87
a malha. Estas peças tornam-se reais por impressão 3D. A impressão resulta em cera, e
através de fundição em cera perdida, obtém-se o anel final em metal. O grupo Nervous
System apresenta-se inovador, constrói joalharia que explora as capacidades de
impressão 3D, produzindo formas impossíveis de serem geradas pelos métodos mais
tradicionais.
Figura 49 - Simulação realizada no sítio do grupo n-e-r-v-o-u-s
Temos presente que os projectos acima mencionados exploram mais a
customização do que a individualização. Estes vários tipos de adaptação às preferências
do utilizador ainda não “exploit the full potential that digital technologies offer for
creating unique, hybrid, individually designed forms.”137
Apresentamos de seguida um exemplo que integra dados do meio externo para a
formulação de uma peça de joalharia (figura 50). Mitchell Whitelaw propõe uma
pulseira que armazena dados meteorológicos de Camberra durante 365 dias, traduzindo
esses valores numa forma 3D. A correspondência feita está representada em cada
pedaço onde a altura máxima simboliza a temperatura máxima, a altura mínima
simboliza a temperatura mínima e a precipitação é representada com buracos. Esta
137 Vd. BUNNEL, Katie - Ob. Cit.
88
pulseira é uma base de dados usável sendo produzida pelo serviço disponível online do
grupo Shapeways.
Figura 50 – The teeming void por Mitchell Whitelaw
89
III. Desenvolvimento do Projecto
1. Joalharia e Corpo Urbano
A joalharia actua (quase) sempre como desejo, uma forma de luxúria
concentrada, sendo agente metamorfoseante. ”L’objet qui se transforme et le corps qui
est transforme”138. A percepção da relação de extensão extrínseca da joalharia com o
corpo é imediata, pois é para ele que é projectado. Extravasar é garantir o alívio, é a
fuga ao finito.
O design de jóias é o design de afecções, pressupõe a disponibilidade para o
simbólico. “A jóia é, alias, o lugar simbólico do contacto, o seu simulacro, na medida
em que apresenta o corpo sem que seja necessário o toque.”139 Lugar que nos torna
amantes e amados com o ser objecto que nos toca e é tocado. A revelação da jóia é a
exposição da ânsia em sermos amados, demonstra a capacidade humana de manipular
símbolos, a necessidade de mostrar identidade. Este lugar de contacto é fronteira. José
Gil140 diz-nos que entrar em contacto é misturar substâncias pelo conhecimento e
afecto. O contacto atravessa um outro interior através do interior próprio afectivo.
Comunicar é tornar-se exterior pelo interior, mediado na fronteira – pele que transporta
o ser-objecto-jóia. Neste sentido entendemos não ter uma só pele, mas sim várias. E se
de várias peles falamos, é porque estamos na presença de várias interfaces, tradutoras
sensoriais. A ligação emocional é essencial para a longevidade do projecto de design,
que pretende ser tão mutável quanto mutável é a vida de quem o possui. Pretende
traduzir a experiência pessoal pelo carácter hedonístico, espiritual e histórico.
Projectar a interacção entre utilizador/autor e visualizador é projectar para a
experiência. O corpo aporta para si partes de toda a experiência, todo o mundo sensível
com o qual se relaciona. A jóia existe porque existem significados e é desta forma que o
homem se relaciona com o mundo. No nosso estudo, o mundo urbano traduz-se num
corpo urbano. Joalharia como prótese, não no seu sentido metafórico mas real. Homem
que se reinventa e se constrói. 138 Vd. CAMPOS, Ana; REAL, João (ed.) – 2nd Skin. Senhora da Hora: ESAD – Escola Superior de
Artes e Design, 2007, p. 102. 139 Vd. BÁRTOLO, José – Corpo e Novas Tecnologias na Joalharia Contemporânea - Ob. Cit. 140 Vd. GIL, José - Metamorfoses do corpo - Ob. Cit, p. 18.
90
A experiência coreografada tem sempre fendas, o pré-definido é (talvez) só a
introdução. O corpo humano é organicamente pré-determinado para sentir, cheirar,
ouvir, ter paladar e ver. O corpo é nosso maior processador de histórias. Como qualquer
outro programa gera sequências desconhecidas, não previstas, bugs. Com a
naturalização das tecnologias geramos um contexto criativo, hibridizado com a
possibilidade de o eu poder ser vários eus. Ao experienciar, acrescento novos órgãos
sensoriais ou novas formas de sentir? Projectamos “emoções que procuram maneiras de
sentir”141. Sentir passivo e sentir activo, a convergência de todas as sensações num
único dispositivo.
O humano é um produtor de informação, um médium por natureza. O ser-objecto
gérmen alojado no corpo ganha vida sempre neste mesmo corpo. Estará o ecossistema
da relação ser-objecto/corpo a entrar em desequilíbrio? Supomos que duma relação
comensal para uma relação de protocooperação até uma relação simbiótica, chegará a
uma relação de parasitismo? Deixamos estas questões em aberto. Jóia-Corpo e Jóia-a-
ser-Corpo. Em quantas layers de adorno terá também aumentado a nossa capacidade de
armazenamento de informação?
No nosso projecto começamos por planear uma aliança. A escolha prende-se
pelo seu envolvimento com o corpo, porque nos parece ser a mais singular e a mais
poderosa de todas as peças de joalharia, tendo mesmo dado nome à parte do corpo que a
transporta. A forma circular pré estabelecida, lembra um dos desejos mais antigos do
homem, o de repetição, a intemporalidade. “The Ring of the Way has no beginning and
no end. It is the repeating of experience lived “here and now” which bears eternity
within it.”142
A aliança é um objecto revelador que parece estar ao serviço da sociedade,
expressando conceitos humanos fundamentais tais como: identidade, protecção,
alegoria, ostentação, religião, simbolismo, assinatura, metáfora, amor, comemoração,
ornamentação e poder. “These small, easy-to-use objects were, above all, aids to
meditation, but also reflected the search for a new Identity.”143
141 Vd. GIL, José – Fernando Pessoa ou a metafísica das sensações - Ob. Cit, p. 66. 142 Vd. CUTSEM, Anne van - A World of Rings. [S.l.]: Skira Editore S.p.A., 2000, p. 7. 143 Vd. IDEM, Ibidem,. p. 71.
91
2. ADN – Correspondência ao Projecto
É nossa intenção construir um projecto que não seja simplesmente customizado,
mas que seja único tal como é o seu utilizador. Para além da unicidade requerida,
desejamos a sua interligação ao espaço urbano. Estabelecendo uma analogia com os
metais, tencionamos efectivar uma espécie de liga do humano com o espaço que este
habita. Neste sentido, necessitamos analisar como podemos reunir a informação do
humano/utilizador com o ambiente humano.
Comecemos pela informação humana. Os dados biométricos não são
susceptíveis de apropriação por outrem nem susceptíveis de serem perdidos, estão
ligados intrinsecamente à própria pessoa. Iremos utilizar este tipo de análise para a
construção do nosso projecto. Os dados biométricos dividem-se em fisiológicos e
comportamentais. As impressões digitais, a leitura da retina, a íris, os padrões faciais, de
veias da mão ou a geometria da palma da mão, representam exemplos de características
físicas, sendo considerados dados estáticos; entre os exemplos de características do
comportamento incluem-se a assinatura, o passo e o dígito, considerados dados
dinâmicos. A leitura da voz é considerada uma mistura de características físicas e do
comportamento, ainda que de alguma forma, todos os rasgos biométricos compartilhem
aspectos físicos e comportamentais.
No nosso projecto iremos simular dados provenientes de ADN144, dados
estáticos, e fazer corresponder o mapeamento genético à síntese do azulejo recolhido do
ambiente urbano português. A leitura do código genético é proveniente dos
cromossomas herdados, 46 no total - 23 provenientes da mãe e 23 provenientes do pai.
Estes cromossomas perfazem uma longa sequência de ADN que contêm sequências
menores, os genes. Gene é o elemento chave da hereditariedade, existindo entre 20 000
a 25 000 genes nos cromossomas humanos.
A estrutura física do ADN é normalmente em forma de uma espiral dextrogira,
como uma dupla hélice sendo estabilizada por pontes, bases, presas às duas cadeias. São
quatro as bases encontradas no ADN, a adenina (A), citosina (C), guanina (G) e timina
144 ADN - Sigla para Ácido Desoxirribonucleico.
92
(T). Cada tipo de base numa cadeia forma uma ligação com apenas um tipo de base na
outra cadeia.
A transmissão da informação dos genes é conseguida pela complementaridade
do emparelhamento das bases que por sua vez, define uma ou mais sequências. Sendo
quatro bases as possíveis, em combinações de 3 letras, existem 64 possibilidades
combinatórias diferentes (4^3).
Apesar da maioria das sequências de ADN serem comuns entre humanos, a
impressão genética faz uso de sequências repetitivas altamente variáveis, chamadas
VNTR145. Estas localizações específicas, loci, são altamente similares entre humanos
muito relacionados, mas suficientemente variáveis para que seja extremamente
incomum, humanos pouco relacionados terem os mesmos alelos. Uma repetição em
série é uma sequência curta do ADN que é repetido na forma designada de “head-to-
tail” num locus cromossómico específico. As repetições em série são evidenciadas ao
longo de todo o genoma humano; sendo que algumas sequências são encontradas em
somente um local – um único locus – e o número de unidades repetidas varia entre
indivíduos. Os loci VNTR nos seres humanos são sequências de 17 pares de bases do
ADN repetida entre 70 e 450 vezes no genoma. O número total de pares de bases neste
locus pode variar de 1190 a 7650. O número de repetições em cada série pode ser
altamente variável na população, nomeadamente, de 4 a 40 em diferentes indivíduos.
Devido à variabilidade nesta sequência em cada locus, os indivíduos herdam
diferenciadamente dos seus progenitores, de tal modo que dois indivíduos diferentes
nunca contêm o mesmo par de sequências.
Para percebermos como fazer corresponder estes dados, tomamos como exemplo
a técnica de análise PCR - Reacção de Polimerização em Cadeia. Esta técnica utiliza
como molde qualquer forma de ADN de cadeia dupla, como o ADN genómico (fio de
cabelo, gota de sangue, sémen, etc.). Consiste na amplificação exponencial selectiva de
uma quantidade reduzida de ADN de uma única célula. Depois de obtida a extração da
sequência precisa de ADN, esta sofre uma amplificação controlada por enzimas,
obtendo-se dessa forma milhões de cópias do fragmento de ADN de interesse.
145 VNTR - Sigla para Variable Number of Tandem Repeats. O VNTR é uma metodologia que se baseia
na existência de uma sequência repetitiva específica activa em diferentes indivíduos de uma população ou
nos dois homólogos diferentes do cromossoma num indivíduo diplóide.
93
Quando analisada a variabilidade de 5 a 10 loci VNTR diferentes, a
probabilidade de dois indivíduos diferentes possuírem os mesmos moldes genéticos é,
aproximadamente, 1 em 10 biliões.
Iremos estabelecer simetrias com o nosso projecto da seguinte forma:
introduziremos variáveis nos azulejos criados que correspondem aos loci VNTR
diferentes. Este número de variáveis por nós criadas, situa-se simbolicamente entre os 5
a 10 lugares do ADN são onde se encontram os locais específicos de maior
variabilidade nos humanos.
Dentro de cada variável criada determinamos mais mutações, no intervalo de 4 a
40. Este número de mutações simboliza o número de repetições dentro de cada série de
ADN isolado no lugar VNTR, uma vez que sabemos que dois indivíduos diferentes
nunca contêm o mesmo par de sequências. A figura 51 tem como objectivo percebermos
o ambiente gráfico desta técnica de análise do ADN, duma forma intuitiva e da qual
faremos uso no nosso projecto.
Figura 51 - Análise de impressões digitais na investigação forense. Técnicas de análise de
ADN aplicadas a diagnóstico. Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, Departamento
de Biologia Celular e Molecular.
94
De seguida, apresentamos a representação gráfica (tabela 1) que será adoptada
para o nosso projecto.
Intervalo das Mutações nas
Variáveis Projectuais
Variáveis Projectuais e sua
Representação Gráfica
40
(...)
4 Tabela 1 - Representação gráfica do projecto Gerador de Identidade
3. Estrutura do Projecto
O azulejo escolhido para realizar o nosso projecto corresponde ao período
Pombalino, entre os anos de 1755-1780 (figura 52). Este foi escolhido pela
característica “avulsa” de se poder combinar com qualquer outro azulejo, ou entre si,
pelo facto de conter linhas em diagonal o seu ritmo é potenciado. As dimensões do
azulejo são de 14,2 cm de lado e 1 cm de espessura. Iremos transcrever uma breve
descrição do azulejo selecionado: “Azulejo monocromático: manganês e branco.
Elemento de módulo de padrão, decorado com motivo floral, sobre fundo branco.
Elemento central formado por quadrifólio, de núcleo circular manganês e pétalas
manganês e brancas, em disposição cruciforme, colocado sobre linhas diagonais.”146
146 Vd. IMC – Azulejo Pombalino. In http://www.matriznet.imcip.pt/ipm/MWBINT/MWBINT00.asp
(21/12/2009 11h)
95
Figura 52 - Azulejo Pombalino
Estruturamos o nosso pensamento da seguinte forma:
1º- Dividimos o azulejo pombalino em 4 quadrantes (figura 53). Uma vez que
apresenta a característica “avulsa”, cada quadrante é igual ao outro. Se considerarmos
um qualquer quadrante a 0º os outros quadrantes diferem na sua posição pela rotação de
90º, 180º e 360º.
Figura 53 - Divisão em 4 quadrantes
2º- Extraímos as linhas estruturantes do quadrante superior direito (figura 54)
através de uma síntese por nivelamento.
96
Figura 54 - Extração das linhas estruturantes
3º- Preenchemos as linhas estruturantes do desenho. O representado em sombra
definimos com cor solida, o que está representado em luz por linha definindo o
contorno (figura 55).
Figura 55 – Preenchimento das linhas estruturantes
4º- Repetimos o quadrante para reunir o azulejo novamente (figura 56), já com
as linhas estruturantes.
Figura 56 - Reunião dos quadrantes estilizados
97
5º- Geometrizamos toda a estrutura estilizada e eliminamos as linhas secundárias
no quadrante superior direito (figura 57).
Figura 57 – Geometrização das linhas secundárias
6º- Repetimos o quadrante para reunir o azulejo final. Estilizado, geometrizado e
somente com as linhas de estrutura principais (figura 58).
Figura 58 - Reunião final dos quadrantes
7º- Decomposemos a estrutura do azulejo em 4 elementos, designados por A
(figura 59), B (figura 60), C (figura 61) e D (figura 62).
Simultaneamente atribuímos volumetria aos elementos. Alto-relevo e baixo-
relevo, os quais mostramos seguidamente, sempre no seu máximo.
Figura 59 - Elemento A – Alto e baixo-relevo
98
Figura 60 - Elemento B – Alto e baixo-relevo
Figura 61 - Elemento C – Alto e baixo-relevo
Figura 62 - Elemento D – Alto e baixo-relevo
8º- Simulamos um painel azulejar com os elementos A (figura 63).
Apresentamos o seu máximo de baixo-relevo; o seu máximo de alto-relevo; o seu
intermédio com cota nula e um exemplo aleatório de baixo-relevo e alto-relevo.
Figura 63 – Simulação dum painel azulejar com elementos A
99
9º- Simulamos um painel azulejar com os elementos B (figura 64).
Apresentamos o seu máximo de baixo-relevo; o seu máximo de alto-relevo; o seu
intermédio com cota nula e um exemplo aleatório de baixo-relevo e alto-relevo.
Figura 64 - Simulação dum painel azulejar com elementos B
10º- Simulamos um painel azulejar com os elementos C (figura 65).
Apresentamos o seu máximo de baixo-relevo; o seu máximo de alto-relevo; o seu
intermédio com cota nula e um exemplo aleatório de baixo-relevo e alto-relevo.
Figura 65 - Simulação dum painel azulejar com elementos C
11º- Simulamos um painel azulejar com os elementos D (figura 66).
Apresentamos o seu máximo de baixo-relevo; o seu máximo de alto-relevo; o seu
intermédio com cota nula e um exemplo aleatório de baixo-relevo e alto-relevo.
100
Figura 66 - Simulação dum painel azulejar com elementos D
12º- Aos elementos A, B, C, D, os quais designamos por azulejos base, iremos
estabelecer reuniões por forma a gerar mais elementos e formar famílias.
Faremos reuniões em 2 níveis:
� A 1ª reunião será o somatório dos elementos base, A+B=AB (figura 67);
dos elementos A+C=AC (figura 69); dos elementos A+D=AD (figura 71); dos
elementos B+C=CB (figura 73); dos elementos B+D=BD (figura 75); dos elementos
C+D=CD (figura 77). Simulamos para cada um dos somatórios obtidos um painel
azulejar com os elementos base que os geraram. Painel AB, A, B (figura 68); painel AC,
A, C (figura 70); painel AD, A, D (figura 72); painel BC, B, C (figura 74); painel BD,
B, D (figura 76); painel CD, C, D (figura 78).
� A 2ª reunião é gerada a partir do resultado obtido da 1ª reunião, os
elementos constituídos por 2 letras serão somados entre si, não sendo possivel reunir
estes elementos directamente com os elementos base. Obteremos o resultado do
somatório dos elementos AB+AC=ABC (figura 79); dos elementos AB+AD=ABD
(figura 81); dos elementos AB+CD=ABCD (figura 83); dos elementos AC+AD=ACD
(figura 85); dos elementos BD+CD=BCD (figura 87). Simulamos de igual forma para
cada um dos segundos somatórios obtidos um painel azulejar com os elementos
constituídos por duas letras que os geraram. Painel ABC, AB, AC (figura 80); painel
ABD, AB, AD (figura 82); painel ABCD, AB, CD (figura 84); painel ACD, AC, AD
(figura 86); painel BCD, BD, BD (figura 88).
Entenderemos sempre para todas as reuniões que (x)+(y)=(y)+(x). Todos os
exemplos são simulados no seu máximo de baixo-relevo ou alto-relevo e/ou no seu
intermédio com cota nula.
101
1ª Reunião:
Figura 67 – Resultado da reunião dos elementos A e B: AB
Figura 68 - Simulação dum painel azulejar com elementos A, B, AB
Figura 69 - Resultado da reunião dos elementos A e C: AC
Figura 70 - Simulação dum painel azulejar com elementos A, C, AC
102
Figura 71 - Resultado da reunião dos elementos A e D: AD
Figura 72 - Simulação dum painel azulejar com elementos A, D, AD
Figura 73 - Resultado da reunião dos elementos B e C: BC
Figura 74 - Simulação dum painel azulejar com elementos B, C, BC
Figura 75 - Resultado da reunião dos elementos B e D: BD
103
Figura 76 - Simulação dum painel azulejar com elementos B, D e BD
Figura 77 - Resultado da reunião dos elementos C e D: CD
Figura 78 - Simulação dum painel azulejar com elementos C, D, CD
2ª Reunião:
Figura 79 - Resultado da reunião dos elementos AB e AC: ABC
104
Figura 80 - Simulação dum painel azulejar com elementos AB, AC, ACB
Figura 81 - Resultado da reunião dos elementos AB e AD: ABD
Figura 82 - Simulação dum painel azulejar com elementos AB, AD, ABD
Figura 83 - Resultado da reunião dos elementos AD e BC: ABCD
105
Figura 84 - Simulação dum painel azulejar com elementos AD, BC, ABCD
Figura 85 – Resultado da reunião dos elementos AC e AD: ACD
Figura 86 - Simulação dum painel azulejar com elementos AC, AD, ACD
Figura 87 - Resultado da reunião dos elementos BD e CD: BCD
106
Figura 88 - Simulação dum painel azulejar com elementos BD, CD, BCD
Dos 4 azulejos base é possível gerar 6 azulejos de características diferentes que
por sucessão geraram mais 5 azulejos, fechando o ciclo de famílias (figura 89). No total
será praticável gerar 15 azulejos.
Figura 89 – Ciclo total de famílias
4. Variáveis
A atribuição de unicidade no projecto é concedida pela inclusão de variáveis, as
quais iremos fazer corresponder ao ADN do utilizador. Estabeleceremos equivalências,
explanadas nos pontos correspondentes a cada variável, de forma que a probabilidade de
se obter uma aliança igual seja 1 em 10 biliões aproximadamente, tal qual a
probabilidade de 2 pessoas possuirem o mesmo ADN.
Determinamos 7 variáveis: Largura; Diâmetro; Malha – Curva 1; Malha – Curva
2; Hereditariedade; Relevo; Resolução. Destas variáveis, 5 são directamente
correspondidas ao ADN do utilizador e 2 variáveis estão dependentes das características
107
físicas do utilizador. Apresentamos na tabela 2 as variáveis e qual a sua
correspondência.
Variáveis Correspondência
Largura ADN
Diâmetro Características Físicas
Malha – Curva 1 ADN
Malha – Curva 2 ADN
Hereditariedade ADN
Relevo ADN
Resolução Características Físicas
Tabela 2 – Variáveis do projecto e sua correspondência
As variáveis Largura e Diâmetro estão intrínsecamente ligadas, uma vez que é a
relação entre ambas que nos permite conhecer o número de azulejos com que cada
aliança será revestida. O número de azulejos tem influência directa nas variáveis
Hereditariedade, Relevo e Resolução. Deste número de azulejos se calculará as
possibilidades de sucessões em Hereditariedade, a quantidade e variância de azulejos
em Relevo e a atribuição percentual na Resolução.
Estabelecemos uma ordem, a qual a implementação do código seguirá. As
primeiras quatro variáveis, 1ª Largura, 2ª Diâmetro, 3ª Malha – Curva 1 e 4ª Malha –
Curva 2 definem a estrutura da aliança, as seguintes, 5ª Hereditariedade, 6ª Relevo e 7ª
Resolução revestem a aliança. Indicamos a ordem estabelecida para cada variável e os
respectivos parâmetros na tabela 3. Nos pontos seguintes explicaremos cada um dos
parâmetros detalhadamente.
Ordem Variável Parâmetros
1ª
Largura
(mm x nº de
alinhamentos
dos azulejos)
4.5 x 1 4.5 x 2 10 x 1 4.5 x 3 7.25 x
2
15.5 x
1
108
2ª Diâmetro 12 14 16 18 20
3ª
Malha –
Curva 1
Intervalo
[mín ; máx]
Intervalo [18 mm ; 120 mm]
4ª
Azulejo –
Curva 2
Intervalo
[mín ; máx]
Intervalo [23 mm; 67 mm]
5ª Hereditarieda
de
AB=B
A
AC=C
A
AD=D
A
BC=C
B
BD=D
B
CD=D
C
6ª Relevo Alto Baixo
Alto e
Baixo
(1)
Alto e
Baixo
(2)
7ª Resolução Alta Média
Alta
Média
Baixa Baixa
Tabela 3 - Ordem de cada variável e parâmetros
Erros na geração do código serão entendidos como naturais, apontamos como
exemplo a geração de uma aliança que na variável Largura será de 15.5 mm, revestida
por azulejos de 15.5 mm e na qual em Hereditariedade ocorre uma falha na geração.
Dos 3 azulejos que revestem a aliança, 1 será representado por um fosso, o que neste
exemplo implica não existir, assim inviabiliza a concepção dessa mesma aliança. É
nossa opção não resolver essas situações, o erro, a malformação faz parte do código
humano, desta forma também do projectual.
Na tabela 4 mostramos a correspondência gráfica das variáveis acima
determinadas com o ADN do utilizador. Nas variáveis Malha – Curva 1 e Malha –
109
Curva 2, dividimos o intervalo estabelecido em 2 partes ocupando duas barras gráficas
independentes. Esta divisão foi necessária dada a grandeza do intervalo em ambas as
variáveis.
Variáveis Intervalo de Mutações Correspondência Gráfica
Largura
Hereditariedade
Relevo
Malha – Curva 1
Malha – Curva 1
Malha – Curva 2
Malha – Curva 2
[ 1 – 6 ]
[ 1 – 6 ]
[ 1 – 4 ]
[ 18 – 70 ]
[ 71 – 120 ]
[ 23 – 45 ]
[ 46 – 67 ]
Tabela 4 – Correspondência gráfica e intervalos das variáveis
4.1 1ª Variável: Largura
Memória Afectiva
A largura implica uma extenção do revestimento, do toque. Mais largura, mais
contacto. Quanta pele será revestida? A aliança a revestir o corpo, mais do que o seu
impacto visual, é sentida.
A extenção em largura permite que o azulejo se liberte da quadratura e ganhe
área, desta forma movimento e ritmo e assim estabelecida a escala.
Memória Descritiva
A variável Largura será definida pelo ADN do utilizador.
110
Predefinimos 4 dimensões de azulejos, que farão variar as alianças na sua
largura total em 3 dimensões diferentes. No total contaremos com 6 possibilidades entre
as dimensões dos azulejos que revestem a aliança e a largura total da aliança (tabela 5).
O espaçamento entre azulejos na sua largura será de 1 mm. Cada aliança só poderá
contar com um tipo de dimensões de azulejos predefinidos, nunca haverá diferentes
medidas de azulejos numa mesma aliança. É possivel no entanto rotações nos azulejos
em 0º, 90º, 180º, 270º, geradas aleatoriamente.
Largura
Total da
Aliança
(mm)
4.5 10 15.5
Dimensão
Unitária do
Azulejo
(mm)
4.5 4.5 10 4.5 7.25 15.5
Nº de
Alinhament
os
1 2 1 3 2 1
Tabela 5 – 1ª variável: Largura
4.2 2ª Variável: Diâmetro
Memória Afectiva
O azulejo não tem um enquadramento livre, está sujeito à superfície a revestir,
neste caso também á usabilidade. Pensar no azulejo é pensar na sua integração, saber
que este tem uma função regularizadora.
Memória Descritiva
A variável diâmetro fará correspondência ao diâmetro do dedo (tabela 6).
Usaremos a norma europeia EN 28653 (ISO 8653:1986) como referencial às medidas
111
anelares designadas por: 12, 14, 16, 18, 20. Esta informação é obtida com base nas
características físicas do utilizador.
Esta variável conjuntamente com a variável largura define o número de azulejos
presentes em cada anel. O conhecimento do número de azulejos por aliança determina
as gerações das variáveis seguintes, como Hereditariedade, Relevo e Resolução.
O espaçamento dos azulejos em perímetro está igualmente determinado sendo
equidistante, sendo excepção a base da aliança onde optamos por aumentar este
espaçamento com intenção de permitir algum possível reajuste á mesma. No diâmetro, o
espaçamento está sujeito á variação da medida anelar do utilizador. A diferença
existente entre a soma do espaçamento estabelecido e o lado do azulejo na totalidade do
seu perímetro, corresponde ao intervalo da base. A determinação do espaçamento serve
a construção da aliança em sistema CAD e a implementação do código geracional.
O número de azulejos por aliança situa-se no intervalo de 3 a 33 unidades.
Indicaremos na tabela 6 o número de azulejos por aliança tendo em consideração
somente o diâmetro.
� Diâmetro 12
Azulejo de 4.5
(mm)
Azulejo de
7.25 (mm)
Azulejo de 10
(mm)
Azulejo de
15.5 (mm)
Nº de Azulejos
por Aliança 9 6 4 3
� Diâmetro 14
Azulejo de 4.5
(mm)
Azulejo de
7.25 (mm)
Azulejo de 10
(mm)
Azulejo de
15.5 (mm)
Nº de Azulejos
por Aliança 10 7 5 3
112
� Diâmetro 16
Azulejo de 4.5
(mm)
Azulejo de
7.25 (mm)
Azulejo de 10
(mm)
Azulejo de
15.5 (mm)
Nº de Azulejos
por Aliança 10 7 5 3
� Diâmetro 18
Azulejo de 4.5
(mm)
Azulejo de
7.25 (mm)
Azulejo de 10
(mm)
Azulejo de
15.5 (mm)
Nº de Azulejos
por Aliança 11 7 5 3
� Diâmetro 20
Azulejo de 4.5
(mm)
Azulejo de
7.25 (mm)
Azulejo de 10
(mm)
Azulejo de
15.5 (mm)
Nº de Azulejos
por Aliança 11 8 5 3
Tabela 6 – 2ª Variável: Diâmetro
Apresentamos imagens 90, 91 e 92 que simultaneamente simulam a variação em
diâmetro das 5 diferentes medidas anelares mais as 6 possibilidades de resultados
obtidos em largura.
113
Figura 90 - Dimensão do azulejo de 4.5 mm, na largura total de 4.5 mm nas 5 medidas
anelares: 12, 14, 16, 18, 20
Figura 91 - Dimensão do azulejo de 4.5 mm e 10 mm, na largura total de 10 mm para as 5
medidas anelares: 12, 14, 16, 18, 20
Figura 92 - Dimensão do azulejo de 4.5 mm, 7.25 mm e 15.5 mm, na largura total de 15.5 mm
para as 5 medidas anelares: 12, 14, 16, 18, 20
Definimos na tabela 7 a síntese do número de azulejos possíveis para cada um
dos diâmetros previstos, considerando em simultâneo os alinhamentos de azulejos nas
larguras predefinidas.
114
Diâmetro
do
Dedo
EN28653
Diâmetr
o
Interior
(mm)
Número de Azulejos por Aliança
Largura
Total de
4.5 (mm)
Largura Total de
10 (mm) Largura Total de 15.5 (mm)
Azulejo
de 4.5x1
(mm)
Azulej
o de
4.5x2
(mm)
Azulejo
de 10x1
(mm)
Azulejo
de 4.5x3
(mm)
Azulejo
de
7.25x2
(mm)
Azulejo
de15.5x
1 (mm)
12 16.56 9 18 4 27 12 3
14 17.2 10 20 5 30 14 3
16 17.83 10 20 5 30 14 3
18 18.47 11 22 5 33 14 3
20 19.21 11 22 5 33 16 3
Tabela 7 - Número de azulejos possíveis para a 2ª variável: Diâmetro
Na tabela 8 sintetizamos a partir do número de azulejos possíveis para cada um
dos diâmetros previstos, o espaçamento necessário entre azulejos.
Diâmetro
do Dedo
EN28653
Diâmetro
Interior
(mm)
Espaçamento Aproximado entre Azulejos no
Diâmetro da Aliança
Azulejo de
4.5 (mm)
Azulejo de
7.25 (mm)
Azulejo de
10 (mm)
Azulejo de
15.5 (mm)
12 16.56 1.3 1.3 3 1.8
14 17.2 0.9 0.7 0.8 1.8
16 17.83 1.1 1 1.2 3
18 18.47 0.8 1.3 1.6 3.8
20 19.21 1 0.7 2.6 4.6
Tabela 8 – Espaçamento necesário entre azulejos para a 2ª variável: Diâmetro
115
4.3 3ª Variável: Malha – Curva 1
Memória Afectiva
É uma clara alusão às retículas, uma vez que a grelha deixada por estas ocupa
bastante peso visual. Introduzimos movimentos na estrutura da aliança que deforma a
característica ortogonal e ritmos lineares do azulejo. Propomos ritmos mais sinuosos,
mais próximos do humano.
Memória Descritiva
Prevemos alterações na estrutura da aliança, com a designação de Malha – Curva
1 e Malha – Curva 2 (4º variável, esclarecidada no ponto seguinte).
O movimento acontecerá na estrutura correspondente ao diâmetro. Partimos de
uma malha ortogonal, neste sentido estabelecemos um intervalo onde a malha poderá
curvar, no seu mínimo o raio de curvatura será de 18 mm e no seu máximo o raio de
curvatura será de 120 mm. Foi necessário criar um raio limite máximo uma vez que uma
linha paralela em Y daria um raio infino prejudicando a implementação do código.
Mantemos o intervalo dos raios de curvatura iguais para todos os diâmetros
estabelecidos. Esta correspondência é feita pelo ADN do utilizador e é teoricamente
uma variável infinita.
Ilustraremos (figura 93) como foi estabelecido o intervalo da curvatura, que do
ponto de vista construtivo será um raio de curvatura no eixo Y.
Figura 93 – 3ª Variável: Malha – Curva 1, Intervalo da curvatura em Y
116
Este movimento, no seu máximo aumentará em largura cerca de 2,5 mm, este
aumento não prejudica a usabilidade da aliança mesmo na sua largura máxima, 15 mm,
uma vez que as articulações das falanges proximais não são afectadas.
Na figura 94 apresentamos a deformação na estrutura Malha – Curva 1 no raio
de curvatura no seu máximo - 120 mm, na figura 95 é mostrada a deformação na
estrutura Malha – Curva 1 no raio de curvatura no seu mínimo - 19 mm.
Figura 94 – 3ª Variável: Malha – Curva 1, curvatura no seu máximo - 120 mm
Figura 95 – 3ª Variável: Malha – Curva 1, curvatura no seu mínimo - 19 mm
4.4 4ª Variável: Malha – Curva 2
Memória Afectiva
Á semelhanda da variável anterior, iremos alterar o reticulado provocado pela
junção entre azulejos, combinando outro ritmo, adicionando novas linhas de força á
estrutura da aliança. Á semelhança da disposição física do ADN que é em forma de
espiral dextrogira, mantivemos a cadência da curvatura sempre na mesma direcção. O
formato do azulejo comanda a definição do reticulado, acrescentando maior valor
plástico, expondo a estrutura onde se integra o azulejo. É esta estrutura que queremos
mais elástica como a pele que a aliança azulejo irá revestir.
117
Memória Descritiva
Na estrutura, e partindo do mesmo princípio de ortogonalidade prevemos ainda
outra alteração denominada Malha – Curva 2. Esta variável irá deformar o paralelismo
no eixo X referido no ponto acima. Da mesma forma estabelecemos um intervalo para o
grau de curvatura que no seu mínimo será de 23 mm e no seu máximo 67 mm. O
intervalo máximo foi necessário estabelecer uma vez que a linha estruturante ao ser
paralela em X iria obter um raio infino prejudicando de igual forma a implementação do
código.
Na figura 96 ilustraremos o grau de curvatura referido em planificação.
Figura 96 - 4ª Variável: Malha – Curva 2, Intervalo da curvatura em X
O intervalo possível dos raios de curvatura será igual em todas as larguras
preestabelecidas. Esta deformação não tem qualquer implicação no seu uso uma vez que
permanece circuncrita aos limites impostos pela largura. Estabelecemos uma só
direcção para a curvatura, cuja a deformação no seu mínimo será de 23 mm (figura 97)
e no seu máximo será de 67 mm (figura 98).
Figura 97 - 4ª Variável: Malha – Curva 2, curvatura no seu mínimo - 19 mm
118
Figura 98 - 4ª Variável: Malha – Curva 2, curvatura no seu máximo - 67 mm
Apresentamos como exemplo (figura 99) uma deformação na estrutura Malha –
Curva 2, raio de curvatura no seu mínimo, 23 mm, counjuntamente com a deformação
na estrutura Malha – Curva 1, raio de curvatura no seu mínimo, 19 mm.
Figura 99 – 3ª e 4ª Variável: Malha – Curva 1 e 2, deformação para ambas variáveis no seu
mínimo
4.5 5ª Variável: Gerador de Hereditariedade
Memória Afectiva
Uma das funções do azulejo é a informativa, queremos que assim continue e que
esta aliança contenha através dos seus azulejos a mesma informação genética do seu
proprietário.
São quatro as bases encontradas no ADN, são quatro os azulejos que
determinamos como base. Cada tipo de base forma apenas uma ligação com outro tipo
de base. A transmissão da informação surge através do par de bases ligado, que por sua
vez gera uma ou mais sucessões.
119
Memória Descritiva
Definimos 4 azulejos base, A, B, C e D, os quais se poderão ligar entre si
somente num par. Seguidamente ao par base ligado sucedem-se reuniões de azulejos
ordenados em 4 níveis. No 1º nível estão situados os azulejos base (designada por uma
letra), no 2º nível encontram-se as reuniões entre os azulejos base (designada por 2
letras), no 3º nível serão as reuniões resultantes das reuniões provenientes do 2º nível
(designada por 3 letras), e no 4º nível será a soma de todas as reuniões (designada por 4
letras). Para qualquer reunião entre os azulejos será sempre considerado que x+y=y+x.
A 1ª reunião entre os azulejos base terá correspondência com o ADN,
seguidamente á reunião estará atribuída uma percentagem diferente por cada nível de
forma decrescente em função da complexidadede da sucessão das reuniões, do 1º para o
4º neis percentuais estão dependentes do número total de azulejos que a aliança vai
conter (definida na 1ª e 2ª variáveis). Os azulejos pertencentes a um mesmo nível têm
uma percentagem atribuída globalmente gerida aleatoriamente.
Atribuição de Percentagens:
Nível Percentagem (%) Nº de Azulejos por Nível
1º 30% 2
2º 40% 5
3º 25% 4
4º 4% 1
Tabela 9 - 5ª Variável: Gerador de Hereditariedade
Vamos contemplar que para qualquer reunião possa ocorrer uma falha na
geração, atribuindo 1% de hipótese na totalidade dos azulejos da aliança. Esta será
representada por um fosso com as mesmas dimensões dos restantes azulejos que
compõem a aliança.
Nas figuras 100, 101, 102, 103, 104 e 105 mostraremos todas as combinações
possíveis dos azulejos base A, B, C e D com a respectiva hereditariedade.
120
Figura 100 - União AB = BA e respectiva hereditariedade
Figura 101 - União AC = CA e respectiva hereditariedade
Figura 102 - União AD = DA e respectiva hereditariedade
121
Figura 103 - União BC = CB e respectiva hereditariedade
Figura 104 - União BD = DB e respectiva hereditariedade
Figura 105 - União CD = DC e respectiva hereditariedade
122
4.6 6ª Variável: Relevo
Memória Afectiva
À ideia de tela já referênciada no ponto Raiz Histórica propomos neste projecto
uma maior exploração da característica métrica dada pelo volume. Desta forma
ocupamos o espaço ilusório que o azulejo inicial sugeria com matéria real.
Memória Descritiva
Propomos a alteração do relevo de cada azulejo em altura, eixo Z, podendo ser
positiva ou negativa.
Determinamos 4 alternativas: Alto-relevo, Baixo-relevo, Alto e Baixo-relevo (1)
e Alto e Baixo-relevo (2). As 4 alternativas farão correspondência com o ADN do
utilizador, as opções dentro de cada alternativa terão uma percentagem atribuída, sendo
que a definição da variação dos seus elementos constituintes do azulejo serão atribuídos
aleatoriamente. Na tabela 10 mostramos as dimensões previstas, assim como a
percentagem atribuída dentro das 4 alternativas acima mencionadas.
Percentagem Atribuída
Dimensões (mm)
-0.6 mm -0.3 mm 0 mm 0.3 mm 0.6 mm
Alto-relevo 0% 0% 10% 45% 45%
Baixo-relevo 45% 45% 10% 0% 0%
Alto e Baixo-
relevo (1) 24% 24% 4% 24% 24%
Alto e Baixo-
relevo (2) 24% 24% 4% 24% 24%
Tabela 10 - 6ª Variável: Relevo
� Alto Relevo
A variação será sempre positiva, definida em 3 momentos (0 mm, 0.3 mm e 0.6
mm). Esta variação prevê que o alto-relevo esteja na totalidade dos azulejos que formam
a aliança.
123
A variação individual de cada azulejo que compõe a aliança é aleatória, sendo
que em cada azulejo os elementos estaram no mesmo nível de altura.
A tabela 11 mostra os azulejos base, A, B, C e D nas dimensões acima descritas.
No caso particular do azulejo A ao atingir o nivel de 0.6 mm, a sua extremidade
ficará suprimida, deixando o seu centro perfurado.
Dimensõe
s (mm)
Azulejos
A B C D
0 mm
0.3 mm
0.6 mm
Tabela 11 – Exemplo de deformações na 6ª Variável: Relevo (alto-relevo)
� Baixo-relevo
A variação será sempre negativa, definida em 3 momentos (0 mm, -0.3 mm e -
0.6 mm).
Esta variação prevê que o baixo-relevo esteja na totalidade dos azulejos que
formam a aliança.
A variação individual de cada azulejo que compõe a aliança é aleatória, sendo
que em cada azulejo os elementos estaram no mesmo nível de altura.
Os exemplos da tabela 12 mostram os azulejos base, A, B, C e D nas alterações
acima descritas. Não faremos os exemplos das reuniões sequênciais dos azulejos base.
No caso particular do azulejo A ao atingir o nivel de -0.6 mm, a sua extremidade
ficará suprimida, deixando o seu centro perfurado.
124
Dimensões
(mm)
Azulejos
A B C D
0 mm
- 0.3 mm
- 0.6 mm
Tabela 12 – Exemplo de deformações na 6ª Variável: Relevo (baixo-relevo)
� Alto e Baixo-relevo (1)
A variação será positiva e negativa, definida em 5 momentos (-0.6 mm, -0.3
mm, 0 mm, 0.3 mm e 0.6 mm).
Esta variação prevê que o alto e baixo-relevo esteja na totalidade dos azulejos
que formam a aliança.
A variação individual de cada azulejo que compõe a aliança é aleatória, sendo
que em cada azulejo os elementos estaram no mesmo nível de altura.
Os exemplos da tabela 13 mostram os azulejos base, A, B, C e D nas alterações
acima descritas. Não faremos os exemplos das reuniões sequênciais dos azulejos base.
No caso particular do azulejo A ao atingir o nivel de -0.6 e 0.6 mm, a sua
extremidade ficará suprimida, deixando o seu centro perfurado.
125
Dimensões
(mm)
Azulejos
A B C D
- 0.6 mm
- 0.3 mm
0 mm
0.3 mm
0.6 mm
Tabela 13 – Exemplo de deformações na 6ª Variável: Relevo (alto e baixo relevo 1)
� Alto e Baixo-relevo (2)
A variação será positiva e negativa, definida em 5 momentos (-0.6 mm, -0.3
mm, 0 mm, 0.3 mm e 0.6 mm).
Esta variação prevê que o alto e baixo-relevo estejam na totalidade dos azulejos
que formam a aliança.
A variação individual de cada azulejo que compõe a aliança é aleatória, sendo
que em cada azulejo os elementos poderam estar em níveis diferentes de altura.
126
Os exemplos da tabela 14 mostram os azulejos base, A, B, C e D nas alterações
acima descritas. Não faremos os exemplos das reuniões sequênciais dos azulejos base.
No caso particular do azulejo A ao atingir o nivel de -0.6 e 0.6 mm, a sua
extremidade ficará suprimida, deixando o seu centro perfurado.
Dimensões
(mm)
Azulejos
A B C D
- 0.6
- 0.3
0
0.3
0.6
Tabela 14 – Exemplo de deformações na 6ª Variável: Relevo (alto e baixo relevo 2)
127
4.7 7ª Variável: Resolução
Memória Afectiva
O azulejo entregue á urbanidade sofre desgaste, como uma pele está sujeito ao
envelhecimento. Como exemplos pensamos nas oscilações na estrutura que o contém,
intervenções urbanas como grafítis e colocação de pósteres, e agressões externas como
o tempo.
Estabecemos desta forma um paralelo com a vida da pele humana onde desde a
sua geração sofre desgaste na definição e renovação.
Memória Descritiva
Estabelecemos 4 diferentes tipos de resolução: Alta Resolução, Média Alta
Resolução, Média Baixa Resolução, Baixa Resolução nos azulejos das alianças geradas,
tendo como base a idade do utilizador.
Na tabela 15 apresentaremos limite máximo de percentagem atribuída para as
diferentes resoluções, assim como indicaremos o intervalo de idades compreendido.
A escolha dos azulejos a conter as diferentes resoluções será atribuída
aleatoreamente para cada aliança.
Designação Idade
Percentagem Máxima
Alta
Resolução
Média Alta
Resolução
Média
Baixa
Resolução
Baixa
Resolução
Idade I 0 - 20 100% 0% 0% 0%
Idade II 21 - 35 100% - 90% 10% 0% 0%
Idade III 36 - 50 100% - 86% 10% 4% 0%
Idade IV 51 – (�) 100% - 84% 10% 4% 2%
Tabela 15 - 7ª Variável: Resolução
Na tabela 16 mostraremos um exemplo de como poderá ficar o azulejo ABD em
Alta Resolução, Média Alta Resolução, Média Baixa Resolução e Baixa Resolução.
128
Exemplo Azulejo ABD Resolução
Alta Resolução
Média Alta Resolução
Média Baixa Resolução
Baixa Resolução
Tabela 16 – Exemplos de deformação da 7ª variável: Resolução
5. Desenho Técnico
Foi realizado somente para os Azulejos Base: A, B, C e D, nos 4 tamanhos
definidos, 15.5 mm, 10.0 mm, 7.25 mm e 4.5 mm.
Desenhamos os azulejos na sua versão ortogonal, ainda por revestir a estrutura
da pele uma vez que a introdução das variáveis definidas no ponto anterior iria tornar
todos os azulejos volúveis, com possibilidades ilimitadas, tornando impossível a
execução do seu desenho técnico.
129
4.50
1 5 . 5 0
0 . 6 0
2 . 0 0
7 . 2 5
2 . 0 0
0.90
1 . 4 0
2.00 2.00
0 . 6 0
4 . 5 0
0.90
1.30
1.00
1.30
7.25
7 . 2 5
0 . 6 0
0 . 6 0
2.00
1.40
1 0 . 0 0
0 . 6 0 1 . 4 0
15.502 . 0 0
3.00
7.25
15.50
10.00 10.00
1 0 . 0 0
4.50
1 5 . 5 0
1 . 4 0
0.60
3.00
2.00
2 . 0 0
0.60
0 . 6 0
1.40
1.00
4 . 5 01 . 4 00 . 6 0
0 . 6 0
130
2 . 2 52 . 2 53 . 6 2 5 3 . 6 2 5
5 . 0 0 5 . 0 07 . 7 57 . 7 5
2 . 0 0
7 . 2 5
0 . 6 00 . 6 0
4.50
Ø4.00
4.00
1 0 . 0 0
0 . 6 02 . 0 0
4 . 5 0
0 . 6 0
7 . 2 5
7.25
0 . 6 0
15.50
1 . 4 0
1 5 . 5 010.0010.00
15.50
7.25
1 0 . 0 0
4.50
1 . 4 0
1 5 . 5 0
1 . 4 0
2 . 0 0
0 . 6 0
0 . 6 0 1 . 4 0
4 . 5 0
0 . 6 04.00
2 . 0 0
Ø4.00
Ø2.60
2.60
Ø2.60
2.60
Ø2.00
2.00
Ø2.00
2.00
Ø1.20
1.20
Ø1.20
1.20
131
4 . 5 0
Ø0.80Ø0.50
Ø0.90Ø1.20
0 . 8 52 . 2 5
Ø0.80Ø0.50
Ø0.90
0 . 8 52 . 2 5
Ø1.20
1 . 1 4
2 . 6 2 5
1 . 1 4
2 . 6 2 57 . 2 5
1 0 . 0 05 . 0 01 . 5 6
4 . 5 0
Ø0.85
Ø1.45Ø1.30
Ø1.90
Ø0.85
Ø1.45
Ø2.00Ø2.00Ø2.60Ø1.80Ø1.40Ø1.40
Ø1.80
Ø1.30
7 . 2 5
Ø1.90
Ø2.60
Ø3.00Ø3.00
1 . 5 65 . 0 0
1 0 . 0 01 5 . 5 0
7 . 7 5 Ø1.80Ø2.80
Ø4.00
2 . 4 42 . 4 4
7 . 7 5 Ø1.80
Ø4.00
Ø2.80
0 . 6 0
2 . 0 00 . 6 0
0 . 6 02 . 0 00 . 6 0
0 . 6 0 2 . 0 0 1 . 4 00 . 6 0
0 . 6 0
4.50
1 . 4 0
7.25
15.50
10.00 10.00
4.50
1 . 4 0
1 5 . 5 0
7.25
1 . 4 0
15.502 . 0 00 . 6 0
132
4 . 5 0 2 . 2 5
3 . 2 6 5 3 . 2 6 57 . 2 5
1 0 . 0 0
5 . 0 0
1 . 4 02 . 0 0
2 . 0 0 1 . 4 0
5 . 0 0
2 . 0 0 1 . 4 0
7 . 7 57 . 7 5
1 . 4 0 1 . 4 0
1 5 . 5 0
15.5015.50
1 5 . 5 0
4.50
1 0 . 0 0
0 . 6 0
0 . 6 0
4 . 5 0
0 . 6 0
0 . 6 00 . 6 0
0 . 6 0
0 . 6 0
4.50
10.0010.00
7.25
7 . 2 5
7.25
0 . 6 0
2 . 2 5
133
6. Implementação do projecto
O projecto foi implementado através de uma aplicação de computador
desenvolvida na linguagem de programação Processing (http://processing.org). A
aplicação está estruturada em três quadros que permitem, respectivamente, manipular
azulejos individualmente, manipular cada uma das variáveis estabelecidas para a aliança
e gerar a aliança através do ADN, objectivo do nosso projecto. Apenas o último quadro
é necessário para criar a aliança; os dois primeiros serviram apenas para ajudar a
visualizar os resultados durante a implementação do projecto.
Sendo um protótipo inicial, a implementação do código não contém todas as
variáveis definidas no projecto. Este protótipo não permite: gerar alianças da família do
azulejo base C, este inclusive; a variável Relevo, não se encontra totalmente completa,
faltando o intervalo para Alto e baixo relevo (2) – variação do relevo entre elementos
que formam o mesmo azulejo.
1º Quadro: Manipulação de um Azulejo
O primeiro quadro (figura 106) permite visualizar os vários tipos de azulejos e
manipular as suas propriedades. Podemos ver a interface para escolher o tipo de azulejo,
a sua resolução e relevo, para além do botão para gerar o azulejo escolhido. As figuras
107 e 108, mostram como exemplo o azulejo AD gerado com o máximo de resolução,
em alto e baixo-relevo, respectivamente.
134
Figura 106 - Descrição da interface para manipular as propriedade dos azulejos
Figura 107 - Azulejo AD em alto-relevo, no máximo de resolução
135
Figura 108 - Azulejo AD em baixo-relevo, no máximo de resolução
2º Quadro: Manipulação de uma Aliança
O segundo quadro da aplicação (figura 109) permite manipular manualmente
todas as variáveis da aliança. Ilustra a interface que permite parametrizar a aliança
através das variáveis: Malha Curva 1, Malha Curva 2, Diâmetro, Largura,
Hereditariedade, Relevo e Resolução. A interface permite gerar a aliança (botão inferior
do lado esquerdo, a vermelho) e exportar o resultado para um ficheiro .DXF para a
execução em protótipagem rápida (botão inferior do lado direito). A figura 110 ilustra
como as várias possibilidades para cada variável são apresentadas. Nas figuras 111 e
112 mostramos como exemplo duas alianças geradas com propriedades diferentes.
Editamos um video para o sítio: www.saracoutinho.com/geradoridentidade que
permite visualisar as metamorfoses para cada variável definida.
.
136
Figura 109 - Descrição da interface para controlar as propriedade da aliança
137
Figura 110 - Ecrã com as possibilidades para cada variável
Figura 111 - Aliança gerada para uma medida anelar de 16, hereditariedade CD, largura de
15.5 mm formada por azulejos de 4.5 mm, com baixo e alto-relevo, curva 1 a meio do seu
intervalo total, curva 2 no seu máximo e em alta resolução
138
Figura 112 - Aliança gerada para uma medida anelar de 16, hereditariedade AD, largura de
15.5 mm formada por azulejos de 7.25 mm, em baixo-relevo, curva 1 no seu máximo, curva 2
no seu máximo e em alta resolução
Quadro Final: Geração da Aliança através do ADN
O último quadro da aplicação permite gerar alianças tendo por base o resultado
de um teste de ADN, o objectivo do nosso projecto. A interface permite simular o teste
de ADN manipulando as bandas coloridas da zona esquerda da interface. A figura 113
ilustra a interface deste quadro: através da introdução do resultado simulado de um teste
de ADN, da escolha do número de aliança do utilizador (variável diâmetro) e da
introdução da idade (variável resolução), é possível gerar a aliança equivalente ao ADN
do seu corpo. Esta figura indica também a que variáveis corresponde graficamente o
ADN para que tenhamos uma percepção da variância destas. Depois de gerada a aliança
é necessário exportar o ficheiro .DXF para a execução em protótipagem rápida. As
figuras 114, 115 e 116 ilustram alianças geradas para diferentes testes de ADN,
obtendo-se logicamente diferententes resultados.
Foi igualmente editado um video, que permite visualisar a geração e exportação
num ficheiro .DXF de uma aliança através de um ADN simulado, para o sítio:
www.saracoutinho.com/geradoridentidade/adn, que permite visualisar o nosso projecto.
139
Figura 113 - Descrição da interface para gerar alianças através do ADN
140
Figura 114 - Exemplo de uma aliança gerada a partir da simulação de um teste de ADN para
uma medida anelar de 16 e idade entre 21 e 35 anos
Figura 115 - Exemplo de uma aliança gerada a partir da simulação de um teste de ADN para
uma medida anelar de 16 e idade entre 21 e 35 anos
141
Figura 116 - Exemplo de uma aliança gerada a partir da simulação de um teste de ADN para
uma medida anelar de 16 e idade entre 21 e 35 anos
Finalizamos o nosso projecto com a exportação dos resultados das gerações das
Figuras 114 e 116 em .DXF. Seguidamente importamos em sistema CAD e enviamos os
modelos para prototipagem rápida. Na Figura 117 podemos vizualizar o resultado em
cera depois de prototipado.
Figura 117 – Prototipagem rápida das figuras 114 e 116
143
Conclusão
A joalharia abarca um conjunto de significações pela sua capacidade informativa
e aptidão comunicante. As significações referem-se á matéria, ao local de adorno, á
utilidade do adorno e à sua poesia enquanto objecto. A jóia é marcada pelo seu carácter
mutável, característica ligada á mobilidade, que se altera semanticamente de acordo
com o contexto e as condições em que é vista. Tentamos compreênde-la como forma de
comportamento humano e qual a sua expansão para outras formas de adornar e
comunicar. Pretendemos uma visão recente do mundo da joalharia, como consequência
concentramo-nos em exemplos que se reportam a partir do ano de 2000, com a
excepção da peça Trinity da empresa Cartier.
O estudo da jóia englobou uma reflexão sobre o corpo, pois é neste que ela vive.
Estas reflexões têm em conta a cultura ocidental e a sua visão na contemporaneidade. O
corpo não somente como suporte da jóia mas também como elemento construtivo desta.
A jóia será prolongamento do corpo, contrariando o sentido de impermanência, que
poderá já não ser verdadeiro. Para um entendimento global do corpo será necessário um
enquadramento transversal com conteúdos do foro das ciências, do social e da filosofia.
Com esta abrangência tentamos perceber o que é o corpo hoje, e de que forma as novas
propostas de joalharia o exploram. O corpo é arquivo, é memória, é experimentação, é
afecção, é imagem. É através deste que experienciamos o mundo. Pensar sobre o corpo
e suas extensões representa um desafio open-ended pela certeza de que cada corpo finito
contém o infinito. Destacaremos e aceitamos como base aos nossos estudos, a
investigação quer projectual quer teórica do autor Cristoph Zelleweger sobre o tema do
corpo e joalharia. Ainda dentro desta temática o nosso estudo tentou perceber de que
forma o ambiente urbano se vai ligar ao corpo na forma de joalharia. Onde se localiza a
jóia e de que forma se acrescenta ao corpo. Como é que a raiz histórica interage com o
comportamento humano e se agrega ao corpo na era da globalização. O meio envolvente
que importância apresenta na identidade pessoal que construímos e que queremos
incorporar sob a forma de joalharia.
Com a leitura do corpo encontramos o património genético do indivíduo. É neste
património o que de mais singular existe em cada um de nós, os dados biométricos.
Estes, não são susceptiveis de apropriação por outrem nem podem ser perdidos, estão
ligados intrinsecamente à própria pessoa. Os dados biométricos dividem-se em
144
fisiológicos e comportamentais. O nosso estudo fez uso destes dados, nomeadamente do
foro fisiológico, falamos do ADN.
Esta decisão prende-se na necessidade de garantir que cada projecto seja único.
Foi nossa intenção construir um projecto que não seja simplesmente costumizado mas
sim, singular tal qual o utilizador. Para além da unicidade requerida, já referimos o
nosso desejo na interligação com o espaço urbano. Tomamos por intenção tomar como
referência o azulejo, por se tratar de um elemento ornamental que relata cinco séculos
de história portuguesa, ressaltando o paralelismo com a jóia pela sua capacidade
comunicativa em aculturar-se e aculturar territórios. É igualmente um elemento
urbanizador de extrema empatia, particularmente, o azulejo pombalino.
Para o nosso projecto estabelecemos simetrias da seguinte forma: introduzir
variáveis no painel azulejar criado, que corresponderam ao lugar do ADN que nos
distingue entre os demais.
Projectamos joalharia que será gerada automaticamente por um programa de
computador – Gerador de Identidade (www.saracoutinho.com/geradoridentidade/adn),
tendo por base o ADN do utilizador que desta forma simultaneamente se coloca na
posição de também ser autor do seu objecto. Compreendemos desta forma, e utilizamos
em parte o pensamento criativo do artesanato, carregado de gesto, de persona,
transportando-o para o design industrial. As variáveis introduzidas vão influênciar a
geometria da jóia, metamorfoseando-a; a peça final será como que revestida por uma
malha azulejar que sofre alterações dependentemente do código introduzido, não só
torna a peça única como cada pessoa só poderá gerar uma peça sem que haja outra com
a mesma informação. A joalharia gerada guardará por correspondência a informação do
ADN do seu usuário.
Decidimos usar tecnologias industriais em CAD e CAM e técnicas de design
computacional, as quais foram contributos decisivos para implementar singularidade no
nosso projecto. Permitiu novas formas de pensar o projecto de design em joalharia, que
se torna mais fluído e livre; permitiu estabelecer as regras, mas não conhecer o seu
resultado final. Depois de obtida a aliança em ficheiro .DXF é possível o seu fabrico
também de forma automática, através de impressão 3D. Esta forma de fabrico,
pensamos, será no futuro igualmente trivial ao ter contemporaneamente uma impressora
2D, o que permitirá um fabrico imediato e as que as futuras fábricas estejam associadas
às residências de cada usuário / designer.
145
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