Sangue de Inocentes

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A epopeia da Guerra dos Farrapo presente no vale do rio três Forquilhas.PALAVRAS AO LEITORNo primeiro volume, em “De Pés e a Ferros”, na Palavra ao Leitor, registrei a motivação que encontrei para a produção desta seqüência literária.Volto a explicar que semelhante aos diálogos que então tive com a figueira, assim são também os diálogos dos personagens que surgem em Sangue de Inocentes, sempre elaborados a partir do espírito criativo do autor. O objetivo é o de conceder mais vida para as narrativas. Porém o fundo de toda a obra é baseado em fatos reais da história e com personagens verdadeiros, de gente que construiu a Colônia Alemã de Três Forquilhas. Foram quase quarenta anos de pesquisas, no envolvimento contínuo com a vida destes personagens. Fui desvendando a alma deste povo. Fui me familiarizando com o sentimento deles e com o modo de pensar e crer, independente do sobrenome que levavam. Hoje vemos descendentes destes imigrantes que carregam em seu sangue uma herança genética de dez, doze ou mais genearcas da Colônia. Tomo por exemplo a minha esposa Doris, e isso, em conseqüência, vale para os nossos filhos Carlos Augusto e Cristiane e para os nossos netos Arthur, Lucas, Amanda, Stephanie e Vincenzo. A avó paterna de Doris foi a Guilhermina Mittmann que casara com Carlos Luis Bobsin. A avó materna foi a Maria Justo que casara com Adolfo Voges. Assim sendo, Doris, bem como os nossos filhos e netos, carregam no sangue a carga genética dos Bobsin, Mittmann, Voges e Justo, além dos Schmitt, Jacoby, Brehm, Justin, Marlow, Diefenthaeler, Knewitz, Helbig ou Helwig, Wetter, Diehl, Eigenbrodt e Vollbrecht. Voltando a enfocar a figueira que fala, ela permanece atenta ao que se passa... Ela se eleva altaneira no meu Sítio, em Itati – RS. Encontro pessoas que não acreditam que ela saiba se comunicar. No entanto ela tem falado comigo. E confesso que as lições recebidas são de grande valor. Um dos últimos ensinamentos que ela me concedeu foi a respeito de solidariedade e acolhimento. Ela me mostrou de modo muito claro que cada qual, de nós, se tiver disposição, pode dar muito de si mesmo em favor dos outros. É isto que desejo também fazer. Por isto passei a produzir as “Memórias da Figueira”, para transmitir às novas gerações, as lições que esta árvore vem me transmitindo. Convido o leitor sugerindo que passe, pelo menos, algumas horas com a figueira, no meu “Sítio da Figueira” em Itati. Com certeza sairá com uma convicção firmada: - O que escrevi sobre a figueira que se comunica com as pessoas, é a mais pura realidade. Certamente, no contato com a figueira, haverão de constatar. Ela concede abrigo. Ela estende sua proteção para todos que a procuram. Os leitores haverão de se encantar com a sombra acolhedora que ela proporciona, para todos que a buscam. De modo semelhante ao da figueira, almejo que as páginas desta Coleção das Memórias da Figueira também sejam portadoras de aconchego. Que as páginas deste 2º volume, Sangue de Inocentes, permitam aos leitores, um envolvimento pleno com as palavras dos personagens. Que os leitores possam, neste contato com a fala dos antigos, renovar o espírito e a vontade de viver e de lutar, por uma boa causa. Em 2009 faz 170 anos que o vale do rio Três Forquilhas sentiu o efeito direto do embate entre caramurus e farrapos, dando origem ao episódio de Sangue de Inocentes e que serve de pano de fundo para esta obra literária. Em minhas pesquisas procurei conhecer melhor cada personagem. Conhecer não só o nome, mas saber um pouco mais da história pessoal e coletiva deles. Procurei diagnosticar a realidade social, na qual eles viviam e vivem. Na conversa, junto às “Fontes da História Oral”, é que me foi possibilitada a identificação do contexto sócio-histórico e cultural. Persegui a necessidade de uma maior compreensão das relações institucionais ali existentes, das relações de grupos e das relações comunitárias. Observei a situação

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ELIO EUGENIO MÜLLER

Sangue de InocentesColeção Memórias da Figueira

Volume: II

Editora – AVBL2009 

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Índice para catálogo sistemático:1. Contos: Literatura Brasileira - CDD-869.93

Copyright © - ELIO EUGENIO MÜLLER  [email protected] - [email protected]

SANGUE DE INOCENTESColeção Memórias da Figueira - Volume: II

ISBN: 978-85-98219-50-9

Direitos reservados segundo legislação em vigorProibida a reprodução total ou parcial

sem a autorização do autor.

EDITORA AVBLwww.editora.avbl.com.br

e-mail: [email protected]

MÜLLER, Elio Eugenio

 “Sangue de Inocentes – Coleção Memórias da Figueira– Volume: II” – Elio Eugenio Müller -- Curitiba/PR.Editora AVBL, 2009. -- Bauru/SP150p. il. 14,8 X 21 cm.

ISBN: 978-85-98219-50-9

1. Contos: Literatura Brasileira. I. Título.

11-09-09 CDD-869.93

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“SANGUE DE INOCENTES” Coleção Memórias da Figueira

Volume: II

Episódio da Revolução Farroupilha

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ÍNDICE

- AGRADECIMENTOS 6

- PALAVRAS AO LEITOR 7- A REZA DE UM GENERAL FARRAPO 11

- O ataque dos farrapos 17- Sangue e morte na casa dos Bobsin 19

- UMA NOITE DE MUITA DOR E DE PRANTOS 24

- CONTANDO COM A PROVIDÊNCIA DIVINA 27

- O sepultamento dos inocentes 36- Isso dá pra matar? 42

- CARROÇAS ABANDONADAS PELOS FARRAPOS 46- O sonho do templo de pedra 50- Lucrando com a Revolução 53

- EM NOSSAS FLORESTAS EXISTE ATÉ (...) 60- Um relato sobre a troca de esposas 64

- FARRAPOS RONDAM OUTRA VEZ (...) 71- Barata e Loré, guias do efetivo de Bento (...) 72- A tropa de Bento tenta escapar. Barata e (...) 74- Em meio ao luto ajudem uns aos outros 80

- METADE DA TROPA DE BENTO SE RENDEU 86- Os dois batedores farrapos na companhia (...) 87

- BRINCANDO DE REVOLUÇÃO 91

- A SITUAÇÃO DA PATRULHA SERRANA 94

- UMA AÇÃO DE GRAÇAS NATALINA 100

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- O ENCONTRO DA CLAREIRA 111- QUEM FOI CORONEL CALDWELL? 117

- CONCLUSÃO 

121- TRAGÉDIA E COMÉDIA, LÁGRIMAS E RISOS 121- A IDADE DE SER FELIZ 123

- NOTAS EXPLICATIVAS 125- FIGURAS em “Sangue de Inocentes”  127- FONTES DE CONSULTA 128- COLEÇÃO MEMÓRIAS DA FIGUEIRA 130

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus fonte da vida e de toda a boainspiração, que me permitiu a realização desta obra. Queestas memórias sirvam como um instrumento para aedificação do Seu Reino sobre a terra.

À Doris, minha esposa, pelo permanenteincentivo, como companheira valorosa, ao longo destes40 anos de pesquisa e trabalho, que me ajudou alocalizar e dar vida aos personagens, muitos dos quais

parentes dela, que viveram esta saga contada em"Memórias da Figueira".

À Profa. Dra. Solange T. de Lima Guimarães (SolKarmel), amiga e conselheira, pela avaliação da obra eorientação.

Ao publicitário Rodrigo Sounis Saporiti pelaorientação, na fase inicial, para a escolha do formatoliterário da obra.

À escritora Maria Inês Simões, Presidente daAcademia Virtual Brasileira de Letras - AVBL, pelaorientação na fase de publicação do livro. 

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PALAVRAS AO LEITOR 

No primeiro volume, em “De Pés e a Ferros”, naPalavra ao Leitor , registrei a motivação que encontreipara a produção desta seqüência literária.

Volto a explicar que semelhante aos diálogos queentão tive com a figueira, assim são também os diálogosdos personagens que surgem em Sangue deInocentes, sempre elaborados a partir do espíritocriativo do autor. O objetivo é o de conceder mais vida

para as narrativas. Porém o fundo de toda a obra ébaseado em fatos reais da história e com personagensverdadeiros, de gente que construiu a Colônia Alemã deTrês Forquilhas.

Foram quase quarenta anos de pesquisas, noenvolvimento contínuo com a vida destes personagens.Fui desvendando a alma deste povo. Fui mefamiliarizando com o sentimento deles e com o modo depensar e crer, independente do sobrenome que levavam.

Hoje vemos descendentes destes imigrantes quecarregam em seu sangue uma herança genética de dez,doze ou mais genearcas da Colônia. Tomo por exemplo aminha esposa Doris, e isso, em conseqüência, vale paraos nossos filhos Carlos Augusto e Cristiane e para osnossos netos Arthur, Lucas, Amanda, Stephanie e

Vincenzo. A avó paterna de Doris foi a GuilherminaMittmann que casara com Carlos Luis Bobsin. A avómaterna foi a Maria Justo que casara com Adolfo Voges.Assim sendo, Doris, bem como os nossos filhos e netos,carregam no sangue a carga genética dos Bobsin,Mittmann, Voges e Justo, além dos Schmitt, Jacoby,Brehm, Justin, Marlow, Diefenthaeler, Knewitz, Helbig ouHelwig, Wetter, Diehl, Eigenbrodt e Vollbrecht.

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Voltando a enfocar a figueira que fala, elapermanece atenta ao que se passa... Ela se elevaaltaneira no meu Sítio, em Itati – RS.

Encontro pessoas que não acreditam que ela saibase comunicar. No entanto ela tem falado comigo. Econfesso que as lições recebidas são de grande valor.

Um dos últimos ensinamentos que ela meconcedeu foi a respeito de solidariedade e acolhimento.Ela me mostrou de modo muito claro que cada qual, denós, se tiver disposição, pode dar muito de si mesmo em

favor dos outros. É isto que desejo também fazer.

Por isto passei a produzir as “Memórias daFigueira”, para transmitir às novas gerações, as liçõesque esta árvore vem me transmitindo.

Convido o leitor sugerindo que passe, pelo menos,algumas horas com a figueira, no meu “Sítio da Figueira” em Itati. Com certeza sairá com uma convicção firmada:- O que escrevi sobre a figueira que se comunica com aspessoas, é a mais pura realidade.

Certamente, no contato com a figueira, haverãode constatar. Ela concede abrigo. Ela estende suaproteção para todos que a procuram. Os leitores haverãode se encantar com a sombra acolhedora que elaproporciona, para todos que a buscam.

De modo semelhante ao da figueira, almejo queas páginas desta Coleção das Memórias da Figueira também sejam portadoras de aconchego. Que as páginasdeste 2º volume, Sangue de Inocentes , permitam aosleitores, um envolvimento pleno com as palavras dospersonagens. Que os leitores possam, neste contato com

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a fala dos antigos, renovar o espírito e a vontade deviver e de lutar, por uma boa causa.

Em 2009 faz 170 anos que o vale do rio TrêsForquilhas sentiu o efeito direto do embate entrecaramurus e farrapos, dando origem ao episódio deSangue de Inocentes e que serve de pano de fundopara esta obra literária.

Em minhas pesquisas procurei conhecer melhorcada personagem.

Conhecer não só o nome, mas saber um poucomais da história pessoal e coletiva deles.

Procurei diagnosticar a realidade social, na qualeles viviam e vivem. Na conversa, junto às “Fontes daHistória Oral” , é que me foi possibilitada a identificaçãodo contexto sócio-histórico e cultural.

Persegui a necessidade de uma maiorcompreensão das relações institucionais ali existentes,das relações de grupos e das relações comunitárias.

Observei a situação desta população do vale do rioTrês Forquilhas, desde os primórdios da colonização,desde 1826.

E, finalmente, declaro ser o herdeiro espiritual de

pastor Carlos Leopoldo Voges, ou como costumava medizer a bisneta dele, Othilia Voges Bobsin: - “Du bist unser geistlicher Guardian”  (Tu és o guardião espiritual  do povo deste vale).

Nesta condição tão particular recebi a missão decompartilhar com todos um pouco do muito saber  queme foi dado, nestes quase quarenta anos de pesquisas.

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Desejo a todos uma boa leitura, ou “leitoremsalutem” conforme diziam os latinos. 

ITATI (RS), 20 de setembro de 2009.

Elio Eugenio Müller Membro da Academia Virtual Brasileira de Letras – AVBL

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A REZA DE UM GENERAL FARRAPO

-  “Padre. O General Davi Canabarro

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está aqui,diante de sua capela. Ele pede para falar com o senhor” -disse o oficial farrapo que adentrara a igreja.

Pastor Voges, postado diante do altar, revelavatranqüilidade. O oficial tirou o boné e, agora, ainda maisrespeitoso, insiste em dizer: - “O General Davi Canabarroestá lá fora e pede para falar com o senhor”. 

Era o mês de novembro de 1839. O sul do Brasilestava em plena Revolução Farroupilha.

Voges olhou com curiosidade para o militarempoeirado, e o acompanhou.

Próximo à porta do templo, estava parado umhomem forte e corpulento, ares de enérgico e resoluto,com olhar firme e penetrante. Quase que não se podiamais distinguir a cor da sua farda, empoeirada. O militarestava acompanhado por diversos oficiais, Coronéis,certamente integrantes do Estado-Maior do efetivo daCavalaria.

Quando Voges chegou diante do general, estetirou o boné e falou: -  “Padre. Passando aqui com aminha tropa, vi a sua capela aberta. Fiquei com vontade

de rezar. Peço a sua licença para entrar e fazer a minhaprece...” .

-  “A minha humilde capela está ao seu dispor,general. Tenha a bondade de me acompanhar até oaltar”  - respondeu o pastor Voges, de propósito, nãocorrigiu o engano que ocorrera, ao ser identificado comosendo um padre católico. Considerou que seria melhor

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para a sua segurança que o confundissem com umpadre, uma vez que a grande maioria dos farrapos deviaser do credo católico.

Canabarro chegou diante do altar. Olhou em tornocomo que a procura de alguma coisa em particular. Deviaestar em busca da imagem de Nossa Senhora da qual eleera devoto. Finalmente, postou-se diante do crucifixosobre o altar, onde se via a figura do Cristo Crucificado.O general inclinou a cabeça e, em silêncio, começou arezar. Os integrantes do seu Estado-Maior estavampostados a certa distância também em postura de

recolhimento e devoção.

General Canabarro estava ali, na Colônia Alemãde Três Forquilhas, rezando diante do Cristo Crucificadopedindo pelo amparo divino para a tarefa de conter oavanço do General Labatut, da Força Caramuru, que seencontrava nas proximidades de São Francisco de Paula.

A missão do General Labatut era de alcançar PortoAlegre, para atrapalhar os planos dos Farrapos. Asituação presente é que Bento Gonçalves também seguiaa Porto Alegre, através de Viamão, e enfrentaria umaameaça muito séria, caso os reforços de Labatutconseguissem chegar até a Capital.

O Comandante Farrapo permaneceu ali,silencioso, por mais de cinco minutos. Depois, girando

sobre os calcanhares, causando um leve tilintar dasesporas, aproximou-se do pastor e falou: -  “Padre. Querodar uma oferta para o santo de sua capela...” .

Voges estendeu a mão aberta e recebeu duasmoedas de ouro. Agradeceu por esta generosidade eacompanhou o militar até a saída.

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Canabarro e seus Oficiais montaram em seuscavalos. O General girando sobre a sela, recomendou: -

 “Padre. Não me esqueça em suas preces. Rogue sempre

a Deus para que ele proteja a vida de nossos soldados eque nos seja concedida a vitória, amanhã, lá na Serra”. 

Enquanto o General se afastava levantandopoeira, Voges ainda permaneceu ali, parado, observandoo efetivo farroupilha passando. Já fazia mais de meiahora que o movimento iniciara. No início haviam sidoalguns batedores. Depois carroças puxadas a cavalo.Agora iam passando cavaleiros. Tratava-se do efetivo da

Cavalaria sob o comando de Canabarro.

FIGURA 1 – Pastor Carlos Leopoldo Voges 1º pastor da Colônia de Três ForquilhasFonte: Foto do Arquivo da Família Voges

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Quando finalmente o pelotão da retaguardasumiu, na curva, em direção do Passo do Cemitério,chegaram à galope Johann Nicolaus Mittmann e seu

vizinho o cervejeiro Schneider.-  “Que grande  susto que tivemos nesta tarde”  -

diz Mittmann, ao apear e cumprimentar o pastor.

Voges respondeu prontamente: - “E te digo que oGeneral Canabarro, comandante deles, parou aqui.Apeou e pediu para fazer suas orações...”. 

- “E você permitiu? - quis saber Mittmann.

-  “Por  que não haveria de permitir?”  - disseVoges.

Mittmann, contrariado, explicou:  -  “Mas nóssomos fiéis ao nosso Imperador”. 

Voges olhou para o seu amigo, demoradamente eentão explicou: - “Caro Mittmann. Pensei que tivéssemosdeixado bem claro em nossa reunião de 1835, quandorompeu a Revolução, que a nossa posição aqui naColônia seria da neutralidade. Estamos desprotegidos,sem ninguém em condições de garantir a nossasegurança. Por isto combinamos que, quem quiser, podeir e vestir a farda, seja dos Farrapos ou seja a doImpério... Mas decidimos que aqui na Colônia não

formaríamos um Exército nem para este e nem paraaquele lado...”. Voges continuou: -  “O Michel Eberhardtse alistou com os Farrapos e seguiu com eles. Vocêtambém pode se alistar. Pode vestir a farda doscaramurus, se quiser combater ao lado deles...” .

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Mittmann decidiu mudar de assunto. Perguntouentão ao pastor: - “Alguém veio aqui, te avisar que umatropa estava para chegar?” .

-  “Sim. Teu menino apareceu aqui, ofegante, emcompanhia do Jacob Feck, num galope adoidado.Agradeço pela atenção. Tomei providências imediatas.Minha esposa e crianças e da vizinhança, foram todospara o mato. Eles tangeram as vacas e levaram bois ecavalos com eles. Teu filho ficou aqui e o Feck seguiuadiante, para avisar os demais até o Passo de Cemitérioe não regressou ainda. Devem estar ainda, no mato...”. 

Mitmann ouviu com satisfação as palavras dopastor e então relatou os acontecimentos: - “Pastor. Eu emeus filhos estávamos cortando pasto para as vacas,quando escutei o som distante de um trote de muitosanimais. Olhei na direção das “terras de areia” e vi umaintensa nuvem de poeira que se levantava até além dosmorros. Falei para meu mais velho: “Isso é sinal de coisaruim. Estamos em Revolução e pode ser uma grandetropa de Farrapos. Dei ordens para que avisassem minhamulher e filhas. Eles levaram toda a nossa criação comeles, para escondê-los na invernada da mata, perto datrilha dos jesuítas. Em seguida mandei meu filho avisar oComandante Schmitt... Como meu filho não voltou, fiqueipreocupado e vim atrás, para ver o que aconteceu comele”. 

O pastor colocou a mão sobre o ombro deMittmann e falou: -  “Amigo. Já falei que dei ordens aoteu filho para ficar aqui. Ele se escondeu junto comminha família. Só posso te garantir uma coisa... Vocêagiu corretamente. Acredito que o aviso foi muitoimportante para todos nós, pois pudemos esconder asmulheres e crianças, o gado e os cavalos”. 

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Mittmann continuou: -  “Mas espera, pastor, queainda não contei tudo. Dez minutos depois da saída domeu filho apareceram soldados Farrapos, dizendo que

eram batedores. Chegaram diante de minha casagritando < Não tenham medo. Vamos passar em paz. Ogeneral Canabarro mandou dizer que deu ordens para atropa, de não molestar o povo deste lugar > Imagine,que apenas os cachorros, amarrados nos fundos da casa,latiram para eles. Nós todos estávamos muito bemescondidos...”. 

Pela primeira vez Schneider participou da

conversa, dizendo: - “Lá em casa foi a mesma coisa. Osfarrapos que vinham na frente, gritaram e disseramestas mesmas palavras. Apenas tiveram a resposta doscachorros...” .

-  “E os demais moradores? Quando vieram paracá, notaram alguma coisa errada?” - quis saber Voges.

Mittmann disse: -  “Não vi nenhuma pessoa. Ascasas estavam todas fechadas. Não havia nem cavalos enem gado à vista. Parece que todos foram avisados e seesconderam”. 

A conversa de Mittmann foi repentinamenteinterrompida por um tiroteio que vinha do outro lado dorio. Voges e os demais apuraram os ouvidos. - ”Isso éda imediação das casas dos Sparremberger ou talvez dos

Mauer ou Bobsin. O que poderia estar acontecendo?” .Não se passou muito tempo, veio à galope, das

bandas do Passo do Cemitério o ferreiro Sparremberger,acompanhado pelos vizinhos Witt e Klippel, munidos comsuas armas de cano longo. O ferreiro aflito diz: - “Estoumuito preocupado com todos os meus parentes que

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moram lá do outro lado. Creio que eles estão sendoatacados”. 

Mittmann se escusou dizendo: - “Não sou homemde armas. Mas vou avisar o Hellwig e outros dasredondezas para que também se armem para irem atrásde vocês. Vocês já podem ir e ver se algum bandidodesgarrado ficou por aqui para fazer maldades...” .

Mais alguns tiros foram pipocando, Sparrembergermeteu as esporas na sua montaria e pediu que os amigoso acompanhassem. Desceram até o passo, que ficava a

uns cem metros adiante, para alcançar os moradores donúcleo nordeste.

O ataque dos farrapos

Voltemos novamente para observar a tropa deCanabarro. A coluna da frente, com pressa, já sedeslocara pelos caminhos da Serra do Pinto. Enquantoisso, alguns dos integrantes do pelotão de retaguarda, osúltimos a passarem pelo Passo do Cemitério pararampara descansar.

O Sargento falou: - “Estou com fome e os nossossuprimentos estão lá longe, no meio da tropa que vaiacampar na subida da Serra. Não vou ficar de barriga

vazia, nesta noite”. - Os demais soldados farrapos orodearam, concordando. O Sargento continuou: -  “Pelocaminho ao longo da vila só vimos casas fechadas ecachorros ladrando. Creio que estão escondidos. Por issome acompanhem. Vamos descer por este outro lado dorio, onde certamente existem outras casas de colonos.Podemos pegá-los em casa, desprevenidos...” .

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Figura 2 - Farrapos atacam Três ForquilhasGravura feita pelo autor .

Eram oito soldados. Cavalgando estrada abaixo,foram se aproximando da casa do velho GeorgSparremberger. Ele estava, nesse instante, na intençãode levar as vacas para o rio. Era hora de saciar a sededelas, antes de irem para o estábulo, para passarem anoite. Vendo a aproximação dos estranhos, o velhoespantou os animais, fazendo-os correr estrada abaixo,rumo aos vizinhos. Os soldados farrapos apressaram oscavalos. Quatro entraram na propriedade deSparremberger e o agarraram aos safanões, dizendo: -

 “Queremos comida, queremos charque, queremosfarinha...”.

Georg não entendeu o que eles queriam. Começoua gritar, pedindo que a esposa e a nora com as criançasfossem para o mato. A neta Catharina de doze anospegou a maninha Susana, recém nascida, no colo e saiu

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pelos fundos. A esposa de Georg pegou Jacobina de cincoanos e pediu que Georg e Johann Peter a seguissem.Conseguiram sair, todos, pelos fundos, entrando pelo

canavial, rumo ao mato.Quando os quatro farrapos entraram na casa,

arrastando Georg, já não encontraram mais ninguém.Georg respirou com alívio. Porém o sofrimento dele nãoacabara. Passou a ser espancado. Os soldados farrapospediam charque e comida. Ele, por sua vez, imaginouque os invasores do seu lar queriam o dinheiro. E,gritava: - “Nein! Nein! Ich habe kein Gold”! (Não, não. Eu

não possuo ouro).

Um dos soldados falou: -  “Esse homem écaramuru. Ele está negando comida para nós?” .

A raiva dos soldados aumentou. Deram algumascoronhadas na cabeça do colono, que desmaiou. Um dossoldados encontrou o charque, num canto penduradonuma tira de couro, estendida entre dois barrotes e comum pano por cima, como proteção contra as moscasvarejeiras.

Os quatro ouviram o som de tiros. Pegaram ocharque e tomando seus cavalos, saíram galopandonaquela direção.

Sangue e morte na casa dos Bobsin

Enquanto aqueles quatro ficaram envolvidos como “Velho Sparremberger”, os demais galoparam, estradaabaixo, para tentar pegar uma das vacas. A idéia quepassou pelas cabeças deles, foi de abater uma, para tiraruma boa manta de carne. Poderiam depois, mais adiante,

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no chegar da noite, assar um churrasco. Os animais,porém espantados correram muito. Em fuga desabalada,passaram por diversas propriedades e entraram pelo

pasto, diante da propriedade de Johann Bobsin. Ossoldados farrapos seguraram o galope, por um momento.

Bobsin viu os estranhos armados e uniformizadose gritou aos filhos: -  “Alguém busque a minha arma.Digam para a mãe que ela fuja para o mato. Estarei aquino canto do estábulo”. 

O pequeno Peter Friedrich, de dez anos, foi buscar

a arma do pai, enquanto Thron foi em busca do vizinhoStollenberg, que tinha uma das melhores armas daColônia.

Os Farrapos foram avançando lentamente, para opátio da casa de Bobsin. Este estava à espreita,observando-os. Era apenas um contra quatro... Umhomem desarmado, contra quatro armados.

Na frente do grupo de Farrapos vinha o Sargento,que gritou: -  “Oh de casa. Queremos charque...queremos farinha, queremos comida...” . - Bobsin nãoentendia o que eles queriam. Imaginou que não poderiaser nada de bom, para virem com armas na mão.

Neste momento o pequeno Peter saindo pela portados fundos, passou correndo na direção do pai, para

entregar-lhe a arma.O Sargento, vendo o menino armado, correndo na

direção do estábulo, imaginando que mais pessoasarmadas deviam estar por ali, mirou e abateu o pequenocom um tiro certeiro. A criança caiu, já sem vida, pertodos pés do pai que deu um urro de dor e deinconformidade, vendo o filho no estertor da morte, se

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esvaindo em sangue, tão pertinho, quase ao alcance damão. Conseguiu alcançar a arma, com o braço estendido.Empunhou a arma e mirou cuidadosamente... Conseguiu

abater o sargento farrapo, que caiu por terra,mortalmente ferido. Os outros três recuaram serefugiando junto ao barranco. Eles não sabiam quantaspessoas poderiam estar ali escondidas e armadas.

Nesse meio tempo Thron vinha vindo com opadrinho Viking. A situação tornou-se complicada para osFarrapos, pois ficaram entre dois fogos. Atiraram nadireção do Viking. Mas não eram bons de mira. Já o

Viking, exímio atirador, voluntário da Guerra Cisplatina,mirou com cuidado e eliminou outro farrapo.

FIGURA 3 - O colono, com certeiro tiro,derrubou mais outro farrapo.

Gravura feita pelo autor.

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Os dois, considerando estarem em desvantagemsubiram nos cavalos e saíram em disparada em buscados demais companheiros. Estes que já haviam ouvido os

disparos vinham em socorro dos amigos.Agora o Viking e o menino Thron ficaram entre

dois fogos. O Viking ordenou: - “Menino, vá contornandopelo valão d’água e volte para junto do teu pai. Eu voume entrincheirar aqui, para resistir...”. 

Bobsin, porém, vendo a dificuldade em que oViking se encontrava já vinha contornando pelo valão. Ao

deparar com o filho disse: -  “Vá até junto de tua mãe.Diga apenas que eles machucaram teu mano”. 

A situação estava novamente a favor dos doiscolonos. O Viking com outro certeiro tiro, derrubou maisum soldado farrapo.

Finalmente chegaram outros vizinhos. JostSparremberger, que ouvindo os tiros, viera às pressas dalavoura. Encontrou o pai morto, pelas coronhadasrecebidas. Pegou uma espingarda de um esconderijo nacasa e saiu correndo, sedento por uma desforra. Alémdele, vinham também o Eigenbrodt, Carl Maschmann,João Beck e João Hoffmann, todos armados. Eles foramcercando os farrapos. Houve intenso tiroteio. Era otiroteio ouvido no outro lado do rio, por pastor Voges,Mittmann e pelo Schneider.

Os soldados desesperados atiravam, agora, emdiversas direções. Um deles acertou o Viking,perfurando-lhe o braço. Jost Sparremberger tambémlevou um tiro, que lhe atravessou o músculo da coxa.

Os soldados estavam em situação muito difícil.Não podiam mais escapar rumo ao norte, pois ali

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estavam postados entrincheirados diversos colonosarmados. Rapidamente subiram nos cavalos e galoparampara o sul, na tentativa de encontrar um passo de rio e

tentar retomar o rumo da Serra para se juntarem aoefetivo do general Canabarro. Eles sabiam que haviamdescumprido uma ordem expressa do Comandante, quedissera com muita energia: -  “Ninguém moleste osmoradores das vilas pelas quais haveremos de passar. Adesobediência para esta ordem, será severamentepunida”. 

Eles não conseguiram ir longe. Uns cem metros

abaixo estavam escondidos, na espreita, os colonosAdam Marlow, Carl Witt, Klippel, o ferreiro JohannAndreas Sparremberger, irmão de Jost e o Hellwig. OAdam Marlow alertou: -  “São eles. Aí vêm os nossosagressores Farrapos em fuga”. 

Pipocaram mais alguns tiros e todos os soldadosfarrapos estavam mortos.

O silêncio repentino que se fez foi, logo de novo,quebrado. Os gritos de dor de Charlotta e de sua mãeMaria Marlow se faziam ouvir. Elas haviam retornado domato.

Carl Witt falou: - “É da casa dos Bobsin. Será queos farrapos mataram alguém?” .

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UMA NOITE DE MUITA DOR E PRANTOS

Os colonos do núcleo nordeste reuniram-se dianteda casa do Johannes Bobsin para determinar asprovidências mais urgentes. Um grupo de colonos seguiuaté a casa de Georg morto a coronhadas. Precisavamajudar a viúva a preparar o velório. Outro grupo decidiupermanecer ali, na casa de Bobsin, para apoiá-lo no quese fizesse necessário. Carl Maschmann foi para a casa doViking para ver a ferida e fazer-lhe um curativo. Elecomentou, ao sair: -  “Quanta falta faz o Dr. Elias em

nossa Colônia...” .

FIGURA 4 - A mãe ao lado do menino morto, sendo confortada.

Fotomontagem feita pelo autor.

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Eigenbrodt foi à casa dos Sparremberger, atenderJost que se queixava de fortes dores no ferimento à bala,recebido na coxa direita. Para fazer um novo curativo.

Hellwig retornou até o outro lado do rio.Inicialmente foi até a casa do pastor relatar sobre osucedido. Mittmann e Schneider, aflitos, ainda estavampor ali, à espera de informações sobre o tiroteio havido.

O pastor pediu: -  “Mittmann e Schneider, vocêspodem ir avisando aos moradores que encontrarem,pedindo que venham para uma reunião aqui na igreja, já

no raiar do dia? Avise, em particular, o ComandanteSchmitt!” . Os dois se despediram, para atender osolicitado.

Voges e Hellwig ficaram examinando a situaçãopara ver outras providências que se faziam necessárias.

Hellwig perguntou: -  “O que faremos com os oitocadáveres insepultos. Não podemos deixá-los lá”. 

-  “Neste momento temos que deixá-los, sim.Existem coisas bem mais urgentes. Amanhã veremos oque se pode fazer...” .

Hellwig continuou: -  “O Johannes Bobsin pediuque eu providenciasse os caixões para o filho dele e parao Jost”. 

Voges orientou: -  “Vá então até a casa docarpinteiro Johannes Dresbach, no núcleo sudeste. Já fazquase dois anos que ele está residindo aqui na Colônia.Desde então ele assumiu a confecção de caixões. Eletrabalha bem e é rápido. Além disso, ele poderá pedir aajuda do filho Casper Dresbach, se ele necessitar deajuda. Por isto, vá logo... E, faça mais um favor. Avise o

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vizinho dele, o Paul König a respeito do ocorrido. Tenhocerteza que o Paul irá avisar os demais vizinhos. Quevenham todos para uma reunião, amanhã cedo, no raiar

do dia. Explique que temos um problema de extremagravidade, para ser resolvido, no tocante a oitocadáveres de soldados farrapos, que jazem insepultos,na margem da estrada entre as casas do falecido Jost edos Marlow”. 

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CONTANDO COM A PROVIDÊNCIA DIVINA

- “Vivemos situação de muita gravidade. Temos oscadáveres de oito soldados farrapos insepultos. O quepodemos fazer?” falou o Comandante Schmitt, ao abrir areunião ao nascer do sol, na igreja.

Voges respondeu: -  “Na condição de pastor destaComunidade digo que devemos sepultá-los. Que seja nonosso cemitério”. 

Sucedeu-se um burburinho de vozes. Alguémdizia: - “No nosso cemitério não...” .

Outra voz dizia: -  “Joguem os corpos aosurubus...”.

Ouviu-se mais outra voz: -  “Bandido em nossocemitério, jamais...” .

O pastor levantou-se e olhou demoradamentepara os presentes e comentou: -  “Nós matamos oitosoldados farrapos. Pesa sobre nós este ato. Imaginem oque fará o Exército dos Farrapos, quando souber disto?Acreditarão que houve a necessidade de eliminá-los?Poderemos sofrer uma represália coletiva. O mínimo queos Farrapos esperam é que tenhamos respeito pelosmortos e lhes concedamos um enterro correto...” .

O burburinho acabou de vez. Olhavam espantadospara o pastor. Ele dissera, nós matamos? Ele nemestivera lá? Por que ele falava em represália coletiva?

Comandante Schmitt, mesmo sentado, em virtudede seus problemas de saúde, falou: - “O pastor levantouuma questão muito delicada. Temos oito cadáveres de

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soldados farrapos insepultos. Proponho que a nossaprimeira medida deva ser a de recolher esses corpos,com uma carroça e traze-los para as proximidades do

cemitério. Sugiro uma cova comum, seja dentro docemitério ou mesmo fora dos muros, mas nós é quedevemos sepultá-los”. 

Enquanto estavam neste dilema, na espera porvoluntários dispostos a recolher os cadáveres, Feck foiaté o lado de fora para ver uma estranha movimentaçãoque ocorria na estrada. Parecia o som de muitos cascosde cavalos e vozes. –  “Será que os farrapos voltaram?”,

perguntou alguém.

Feck voltou e dirigindo-se ao ComandanteSchmitt, falou: -  “Estão aí na estrada muitos soldadoscom armas, carroças... É uma tropa bem numerosa quenão acaba na curva, lá embaixo...” Instalou-se umgrande silêncio. Via-se grande temor, desenhado norosto da maioria dos colonos.

Hellwig perguntou ansioso: - “São os Farrapos?” .

Feck adiantou: - “Parece que não. Eles são muitodisciplinados e bem uniformizados...” .

-  “Devem ser Imperiais”, disse o ComandanteSchmitt com satisfação.

Nisto ouviram-se vozes, vindas do lado de fora, ealguém chamando: - “Está aqui o Coronel John Caldwell,do Exército de Sua Majestade. Ele deseja falarconvosco!”. 

Pastor Voges foi até a porta da igreja. Ali estavaum oficial, com galões, que devia ser o tal de Coronel do

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Exército Imperial do Brasil. Trajava um uniforme vistosoe apresentava no rosto um ar de muita tranqüilidade.

FIGURA 5 - Coronel João Frederico Caldwell Fonte: Foto em “Ministros da Guerra do Brasil: 

1808 – 1946. (Oficinas Gráficas Pongetti Rio de Janeiro – RJ, 1947)

O pastor convidou: - “Entre e venha participar denossa reunião. Estamos tratando de graves problemasque nos afligem neste momento...” .

O militar recebeu uma cadeira e tomou acentoentre os colonos reunidos.

Voges explicou: -  “Somos integrantes da ColôniaAlemã de Três Forquilhas. Aqui estamos, instaladosoficialmente, desde 1827. Saudamos a sua vinda, nobreoficial do Exército de Sua Majestade. Recebemos a sua

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chegada como uma ação da Providência Divina, diante deum grave problema que pesa sobre todos nós...” .

O militar agradeceu pela acolhida recebida evoltou a se apresentar: -  “Sou o Comandante desteefetivo do Exército Imperial Brasileiro que está às portasdeste vosso templo. Estamos chegando em missãourgente para fechar a trilha da Serra do Pinto. O GeneralCanabarro, dos Farrapos, deverá ser contido em seusmovimentos. Por aqui ele não mais deverá descer...” .

Pastor Voges foi traduzindo as palavras do oficial.

Foi possível constatar um visível alívio a se desenhar nafisionomia de todos.

Coronel Caldwell continuou: -  “Alguém pode medescrever o grave problema que vos aflige? Em que oucom o que podemos socorrê-los?” .

Voges explicou: - “Sou o único aqui que domina oportuguês e inclusive o francês. Portanto serei eu mesmoa fazer um relato da nossa difícil situação, surgida natarde de ontem...” .

O pastor traduziu o assunto em andamentopermitindo aos colonos, para que se situassem naconversa. Dirigiu-se novamente ao militar, dizendo: -

 “Ontem, após o meio dia, passou por aqui um efetivo doExército Farroupilha. Deviam ser quase dois mil homens.

O General Canabarro interrompeu por breves instantes asua jornada rumo à Serra onde pretende conter o avançode um tal General Labatut. Canabarro esteve aqui diantedeste altar e fez suas preces. Depois agradeceu,ofertando duas moedas de ouro, para a nossa igreja”. -Voges mostrou as duas moedas de ouro. Os olhos detodos voltaram-se ao pastor e, ele traduziu aos presenteso que estava ocorrendo. Voges continuou: -  “Depois que

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a tropa toda se foi, passaram por aqui diversossoldados”. 

Caldwell explicou: - “Estes deviam ser integrantesde um pelotão de retaguarda. Isso é de praxe durante amovimentação de um efetivo militar...” .

Voges agradeceu e voltou ao assunto: -  “Faziatalvez meia hora que eles por aqui passaram, quandoouvimos tiros, vindos do outro lado do rio, onde existeum núcleo de colonos, à margem de outra estrada quetambém leva para a Serra. Recebemos a notícia que eles

mataram dois dos nossos e feriram outros dois. Porém osoito soldados farrapos foram mortos...” . E o pastorenfatizou: -  “Nós os matamos. E eles estão lá, jogadosno ponto onde tombaram, insepultos. Eis aí o nossograve problema...” .

Caldwell olhou surpreso para o pastor e explicou:- “Se este é o vosso grave problema, já não o é mais. Oproblema agora é meu e do meu efetivo. Nós assumimosa identificação dos cadáveres. Nós faremos orecolhimento dos corpos e os levaremos até o vossocemitério para um sepultamento que será sem honras,porém com todo o respeito pelos adversários mortos...” .

Voges traduziu as palavras do militar. Entre ospresentes podia ser ouvido agora um burburinho devozes, denotando satisfação pelo encaminhamento da

situação. Caldwell continuou: -  “Tenho um médico nomeu efetivo. Ele irá ver os vossos feridos...” .

Comandante Schmitt levantou-se e disse: - “EinDoktor? Vielen Dank!” . (Um médico? Somos gratos...).

Voges traduziu as palavras do ComandanteSchmitt e aproveitou para esclarecer que a Colônia

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perdera o seu único médico, o Dr. Jorge Elias Zinckgraf,pelo fato de o Governo ter cessado de conceder amparofinanceiro. Além disso, ele fora acometido de uma

enfermidade delicada. O médico seguira então a PortoAlegre e conforme notícias recebidas viera a falecer naCapital, no dia 17 de abril de 1835, portanto antes doromper da Guerra dos Farrapos.

Voges apresentou o Comandante Schmitt,dizendo: -  “Este é o nosso Comandante Philipp PeterSchmitt, o nosso líder administrativo local”. 

Coronel Caldwell levantou, estendeu a mãoesquerda ao Comandante Schmitt, dizendo: -  “SenhorSchmitt. Receba os meus cumprimentos pela suaimportante tarefa para a condução administrativa destaColônia. Conte com a minha ajuda e com a ajuda do meuefetivo, para fazermos tudo o que estiver ao nossoalcance, na garantia de vossa segurança e para a vossatranqüilidade, enquanto aqui permanecermos”. 

O pastor traduziu as palavras de Caldwell.

O militar pediu licença, para sair da reunião, poisdesejava tomar providências imediatas a respeito doproblema existente no outro lado do rio. Pastor Voges oacompanhou, recomendando aos colonos reunidos: -

 “Continuem com a reunião. Vejam as providências paraos sepultamentos de hoje à tarde” .

Caldwel, reunindo os seus oficiais, deu diversasordens. Ordenou que o grosso do efetivo seguisse rumonorte, para fechar as trilhas da Serra. Em seguidaordenou a formação de um grupamento e mais duascarroças para se deslocarem até o outro lado do rio. Omédico iria com eles. Receberam a tarefa de identificar erecolher os cadáveres dos soldados farrapos mortos.

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Deveria ser feito um laudo não só dos farrapos, mastambém dos dois mortos da Colônia. Pastor Vogesindicou o colono Hellwig para servir de guia e anunciar,

no outro lado do rio, a chegada deste efetivo de socorro.Foi valiosa a presença de Hellwig, pois pode ir

alertando os moradores do núcleo, anunciando em altavoz que estava chegando um efetivo do ExércitoImperial.

Em cada ponto onde viam cadáveres de soldadosfarrapos, uma das carroças parava. Soldados

examinavam os bolsos dos mortos em busca do cartãode identificação que, de praxe, ia no bolso direito dodolman2. O médico aproveitava as paradas para fazer umrápido exame cadavérico, para detalhar a causa damorte. No final do percurso identificaram sete soldados eum sargento.

O médico foi, em seguida, à casa de Bobsin.Examinou o cadáver do menino e redigiu o laudo denecropsia. Seguiu então até a casa de GeorgSparremberger, com idêntico procedimento. Foi ainda àsresidências dos dois feridos. Verificou os ferimentos econcedeu-lhes medicação. Realizada a tarefa ogrupamento retornou até a igreja. O médico entregoudez laudos de necropsia que Coronel Caldwell examinouminuciosamente.

A carroça com os cadáveres dos soldadosinsepultos estava agora ali, com um pano jogado porcima. Caldwell solicitou que a carroça fosse conduzidapara um local mais distante, à sombra de uma árvore,para aguardar o sepultamento.

Voges e o comandante Schmitt que já haviamconcluído a reunião com os colonos, aproximaram-se de

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Caldwell e convidaram: -  “Pedimos que o senhor e seusoficiais fiquem aqui conosco, para o almoço. Já tomamosprovidências para isto...” .

O Coronel aceitou o convite. Porém chamou seusdois cozinheiros, que integravam seu grupamento,dando-lhes rápidas instruções. Estes foram até o localonde a Professora Elisabetha, esposa do pastor, com oauxílio de Frau Schmitt, Frau Feck e Frau Hellwigestavam envolvidas com trempes e panelas, preparandoo almoço. Os cozinheiros já haviam contado o número depessoas presentes e agora examinaram o conteúdo dos

panelões. Retornaram até o carroção de mantimentos ecom o auxílio de dois soldados retiraram charque, farinhae outros ingredientes. Levaram mais trempes3 panelões.Com rapidez o equipamento foi instalado, fogo aceso, eos alimentos colocados nos panelões. Um aroma gostosodos cozidos passou a se espalhar pelo ar.

Este almoço foi algo jamais imaginado peloscolonos que permaneceram no local. Misturados entreoficiais caramurus que eles não entendiam e nemconheciam, viram-se fartamente servidos, com autilização de pratos de metal e talheres, que os militareshaviam trazido.

Após o almoço, Coronel Caldweel dirigiu-se aopastor: -  “Quero afirmar que com a nossa chegada, amorte destes oito soldados farrapos já não é mais

problema vosso. Nós assumimos tudo, com os devidoslaudos e procedimentos. Nós é que faremos osepultamento que deverá ocorrer, de forma bem simplese antes do enterro dos vossos entes queridos. Apenasqueremos contar com alguma prece, que o pastor queirafazer por estes defuntos”. 

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Pastor Voges prontamente respondeu: -  “Comcerteza vos acompanharei até o cemitério, que fica logoadiante” O pastor indicou para a direção do Passo do

Cemitério. Passada em torno de uma meia hora, depoisdo descanso pós almoço, o Coronel deu ordens parareunir os homens e movimentar a carroça com oscadáveres.

Chegados ao cemitério ali já podia ser vista, numcanto, uma enorme cova que alguns colonos haviamaberto, conforme a recomendação do pastor. Os farraposmortos foram então colocados na sepultura, com

cuidado.

Pastor Voges abriu o Novo Testamento, emportuguês, daqueles que recebera do Reverendo Main, daSociedade Bíblica Britânica e leu, de forma pausada, oSalmo 23: - “O Senhor é o meu pastor, nada me faltará”. Jogou então terra sobre os defuntos invocando o Deustriuno. Pediu que Cristo, por seu ato Salvador da Cruz,cobrisse estes mortos com a sua compaixão, para lhesdar entrada no Reino Eterno. Finalizando o breve atofúnebre, Voges fez um sinal aos soldados coveiros paraque fechassem a sepultura. Uma singela cruz foi entãofincada sobre a terra fofa, para marcar o local de repousodestes oito soldados farrapos, que perderam as vidas,pelo simples fato de terem descumprido a ordem doGeneral Canabarro.

É provável que o Exército Farroupilha jamaissoube do fim que tiveram estes inditosos soldados. Quemsabe eles passaram por desertores, por não maisestarem presente junto ao efetivo. Ou, quem sabe, foramcontados como desaparecidos, depois de algum confrontoposterior.

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O sepultamento dos inocentes

- “Vamos sepultar dois inocentes que nada tinhama ver com esta revolução”. - Foi assim que pastor Vogesdesignou os dois mortos, o menino Peter Bobsin e GeorgSparremberger. Saíram da igreja onde haviam feitoalgumas orações e dali foram caminhando rumo aocemitério, sem utilização de carroças. O campo santoficava a aproximadamente quatrocentos metros, no rumoao passo do norte, pela estrada que leva à Serra. Vogesacrescentou ainda: -  “O sangue destes inocentes clama

aos céus, pedindo por um final para toda esta barbárie epara tanta violência inútil entre irmãos brasileiros...”. 

Chegando ao cemitério encontravam-se ali maisalgumas famílias que não haviam estado na igreja edesejavam despedir-se dos falecidos. Os dois caixõesforam colocados sobre dois blocos de pedra que seencontravam próximos da entrada. O choro das mulheresvoltou a ecoar pela planície e alguns pássaros queestavam sentados em galhos de árvores esvoaçaram,desaparecendo na mata próxima.

Enquanto as pessoas iam passando diante doscaixões, para a despedida, Frau Schmitt puxouElisabetha, esposa do pastor, para um lado e falou, emvoz baixa: -  “Que falta que eu sinto da tua irmãCatharina. Tantas vezes e em tantos cultos, ela tocou

aquela flauta, para nos conceder conforto espiritual”.Catharina Petersen falecera fazia pouco mais de meioano, em 28 de abril de 1839. Fora em virtude de umparto mal sucedido. Não só ela, mas a criança tambémhavia perecido. Depois do primeiro parto que Catharinativera nesta Colônia de Três Forquilhas, em 1827, naépoca ainda contando com a assistência médica doDoutor Elias, ela perderia, em seqüência, duas outras

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crianças. Quando em 1832 ficara novamente grávida,insistiu com o marido, para regressarem imediatamentea Campo Bom, onde pelo menos haveria um bom médico

à disposição. O barqueiro teve que abandonar o seuempreendimento de navegação pela Lagoa Itapeva. Já oestavam chamando, em Torres, de Barqueiro da Itapeva.Porém a ida para o vale do rio dos Sinos fora necessária,para o bem de Catharina. Entretanto, mesmo contandocom toda a ajuda médica possível, o parto do pequenoPeter Friedrich Petersen Júnior, em janeiro de 1833, foramuito difícil.

Frau Schmitt quis saber:  -  “Onde ficou essemenino?” .

-  “Mas o que é isso? Não te lembras do pequenoPeter que eu e o pastor estamos criando, juntamentecom minha Catharina e meu Adolfo Felipe. É aquelemenino de cabelos escuros, que ainda hoje corria lá pelaigreja. Aquele foi o menino que Catharina teve emCampo Bom e que foi confiado a nós, logo depois dofalecimento de minha irmã?” .

Frau Schmitt continuou com as perguntas e quissaber: -  “Mas onde anda o pai do menino? Porque elenão ficou com a criança?” .

-  “O meu cunhado foi se estabelecer em CampoBom. Ele acha que lá existem melhores oportunidades no

ramo da navegação. Preciso explicar... Ele ficou muitoabalado com a morte de Catharina. Agora, ele seconsidera culpado pela morte dela, por tê-la deixadoengravidar em 1838. Ele começou a beber... É difícilencontrá-lo sóbrio... Por isto o Carlos aceitou a guarda domenino, trazendo-o para cá, na última viagem a SãoLeopoldo”. 

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Frau Schmitt ficou muito emocionada. Lágrimasdeslizaram pela sua face, pois ela devotara grandeestima e admiração pelo casal Petersen. Enquanto as

pessoas ainda iam passando diante dos caixões, sedespedindo, Frau Schmitt fez uma última pergunta: - “Onde ficou a tua sobrinha Elisabeth, a primeira que osPetersen tiveram aqui na Colônia e das primeiras queaqui foram batizadas?” .

- “Ela foi confiada à minha mãe, em Campo Bom.Lá ela tem muito carinho e todo o cuidado, para receberuma boa educação. Eu simplesmente não vi condições de

ficar com os dois filhos da mana Catharina, pois já tenhoos meus para criar...”.

-  “Nisso você está mais que certa”  - disse FrauSchmitt.

A esposa de Voges continuou: -  “A minha irmãlamentavelmente foi chamada tão cedo, pela morte, e olar dela se desintegrou. Ela mal completara trinta e trêsanos de idade. Mas agora, olho para este meninoinocente, dos Bobsin, inerte naquele caixão. Um meninoque era tão forte e saudável e sempre alegre e disposto aajudar em tudo. Ele foi tirado do nosso meio de formamuito cruel e estúpida. Isso me deixa revoltada... Estourevoltada com a nossa sociedade e com a nossa políticabrasileira. O que será que sentem os Bobsin nesta hora?E olhe para os Sparremberger? O Georg que deixou a

viúva tão aflita e família tão numerosa...”. Ouviu-se a voz do pastor. Fez-se silêncio. Ele

convidou todos para seguirem com os caixões até o localdas sepulturas. Eram duas covas bem próximas uma daoutra. Voges declamou o Salmo 42  –  “A minha almaanela por Deus”. Proferiu então um breve sermãofúnebre, dizendo: -  “O espanto tomou conta das nossas

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mentes e dos nossos corações, diante de mais umatragédia causada pela Revolução. Além de duas pessoastão queridas e conhecidas de todos nós, mais outras oito

vidas de soldados para nós desconhecidos, devem serlamentadas”. - O pastor apontou então com a mãodireita na direção dos morros, dos fundos da propriedadede Johannes Bobsin e dos demais moradores do núcleonordeste e perguntou -  “Elevo os meus olhos para osmontes: de onde me virá socorro?” (Salmo 121, 1).Depois indicou para a cruz de madeira que se levantavaacima da cabeça de todos, no cemitério, e falou: -  “Omeu socorro vem do Senhor, que fez o céu e a terra” 

(Salmo 121, 2). - Acrescentando outra pergunta: - “Aquele que não poupou o Seu próprio Filho, antes portodos nós o entregou, porventura não nos darágraciosamente com Ele todas as coisas?” . (Romanos 8,32). - Voges concluiu: -  “A ressurreição de Jesus seja oconsolo de todos nós, crendo que o Deus vivo está aqui,também agora. Ele, em meio a toda esta nossa dor, estápresente para socorrer e para confortar. Com Elesuperamos a morte. Assim como Ele vive, nós tambémviveremos. Por este motivo temos a confiança deentregar os nossos queridos falecidos e, porque não, asnossas próprias vidas, e o nosso futuro, em Suas mãos,na esperança da ressurreição para a vida eterna, poisque Jesus, nosso Senhor, é o herói da sepultura vazia.Ele nos conclama para a paz. Ele afirma que os mansosherdarão a terra e os pacíficos são chamados de filhos deDeus.”. 

Em seguida, o pastor convidou o Grupo de Canto,regido por Christian Mauer, integrado pelos casaisMittmann, Dresbach, Maschmann, Schmitt, Justin,Jacoby, König, que entoaram um hino de consolo.

Os caixões foram baixados à sepultura. O pastor jogou três vezes um pouco de terra sobre os caixões

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dizendo: - “De terra fostes formados e à terra tornareis,porém Jesus Cristo nosso Salvador vos ressuscitará noúltimo dia”. - O pastor passou a apresentar os dados dos

falecidos. Iniciou com Georg, dizendo: -  “GeorgSparremberger nasceu em 1773 em Wendelsheim/Hessen. Casou com Sofia Sparremberger e tiveram trêsfilhos: André, Jost e Johannes, casados e que deramnoras e netos ao casal e que aqui se encontram. Ofalecido alcançou a idade de 66 anos. Era conhecido portodos como “O Velho”. 

Forte choro das mulheres passou a ser ouvido. A

família Sparremberger era bastante numerosa.

O pastor leu em seguida os dados do menino:  - “Peter Friedrich Wilhelm Bobsin, nascido aqui em TrêsForquilhas no dia 03 de maio de 1829, filho de JohannesBobsin e Charlotta Marlow Bobsin. Ele alcançou a idadede dez anos, seis meses e quinze dias”. 

As covas foram cobertas de terra e uma cruz demadeira com os nomes dos mortos foi fincada, paraidentificação. Mais tarde as famílias haveriam de fazeralguma lápide de granito ou mármore.

Após o sepultamento, alguns colonos curiososforam até a cova dos oito soldados farrapos. Daquelecanto do cemitério, olhando sobre a cerca de pedra, elespodiam ver o passo do rio Três Forquilhas e as águas

correndo, em sua melodia viva e característica.O ferreiro Johann Andréas Sparremberger que

morava ali, em frente ao cemitério, comentou: -  “Aságuas continuam correndo. A terra continua girando... Anossa vida segue em frente, como as águas, comcerteza, correm até a Lagoa. Também teremos que partiralgum dia...”. 

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Todos olharam para o colono filósofo. Carl Wittcomentou: -  “Ferreiro. Não sei falar bonito assim... Souum homem rude... Mas estou de acordo com o que

disseste. Nossa vida é isso mesmo!”. O ferreiro Sparremberger disse: -  “Imaginem

estes oito soldados que ontem atravessaram por aquelepasso do rio...”. Sparremberger indicou para o passo, tãopróximo. E continuou: -  “Estes soldados esqueceram deir em frente para cumprir a missão recebida. Tiveram ainfeliz idéia de voltar, ali pelo outro lado, para causartanta tragédia e dor. Foi o fim deles e o fim de dois

inocentes, como o pastor tão bem explicou. Doisinocentes que nada tinham a ver com a briga destarevolução...” .

-  “Isso é verdade”  - disse Jost Sparremberger - “eu, por exemplo, não estaria, agora, com essa dorhorrível em minha perna, varada à bala. Mas, o quesignifica a minha dor diante da situação da minha mãeou diante, da situação dos Bobsin que perderam ummenino tão cheio de vida e de alegria”. 

Aqueles homens rudes enxugaram lágrimas queteimavam aparecer no canto de seus olhos.

Carl Witt mudou de assunto e quis saber: - “Comoanda o Viking?” .

Andréas explicou: -  “Ele não está nada bem. Oferimento dele foi feio. Hoje pela manhã, acordou comfebre e ficou em casa repousando, conforme arecomendação do médico”. 

O Viking nunca mais se recuperou plenamente dasferidas.

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“Isso dá pra matar?”  

Uma iniciativa inteligente da parte do CoronelCaldwell foi a de mandar o médico Dr. Josué Abreu eSilva, do Corpo de Saúde do seu efetivo, para fazervisitas a pessoas doentes da Colônia. A população ficouagradecida por este zelo do Exército Imperial. PastorVoges teve que fazer companhia ao médico, para servirde intérprete.

O problema mais sério constatado pelo médico,

foi, certamente, o estado de saúde do ComandanteSchmitt. Já na primeira visita, o doutor explicou com aajuda do pastor Voges: -  “Está se formando um típicocaso de hidropisia, no seu organismo”. 

Voges explicou a palavra hidropisia4 , dizendo quese tratava de contenção de água no organismo.

Frau Schmitt perguntou: -  “Qual a origem desteproblema?” .

O médico explicou: -  “Pode ser o maufuncionamento dos rins, talvez também problema dofígado e do coração”. 

- “Isso dá pra matar?” - quis saber o Comandante.

O médico sorriu diante desta pergunta e falou: - “Vou lhe contar uma história muito antiga, senhorSchmitt. O meu professor de medicina nos contou esta.Diz que o caso ocorreu na Grécia com o filósofo gregoHeráclito, de Éfeso. Esse indivíduo viveu durante muitosanos numa gruta. Comia somente verduras. Aos 60 anosde idade ele foi acometido pela hidropisia. Preocupadoele deixou a gruta. Foi para a cidade buscar tratamento.

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Chegando lá quis saber do povo se eles conheciamalguém com a capacidade de transformar um aguaceironuma seca. Todos riram dele, dizendo que não tinham

resposta. Ninguém imaginou que o filósofo, na verdade,queria a ajuda de um médico. Heráclito foi para casa. Portrês dias, logo após as refeições ia até o pátio para tomarbanho de sol. Deitava no sol quente. Ele imaginou que oforte calor ajudaria a evaporar a água que ficava retidano seu organismo. No terceiro dia, ele morreu. Comcerteza deu resultado, pois ele se livrou da hidropisia”. 

Comandante Schmitt deliciou-se com este humor

do médico e riu e gargalhou a ponto de as lágrimasencherem os seus olhos.

O médico continuou: -  “Heráclito escolheu ohorário mais impróprio para tomar sol. Devia ter sidoapenas um bom banho de sol diário, pela manhã, maiscedo. O sol quando nasce, faz bem para a saúde. Todosnós precisamos pegar sol”. 

O médico certamente disse isso por verificar queComandante Schmitt estava muito branco, como alguémque não pega sol, jamais. Nisto Frau Schmitt seaproximou do marido e ralhou: -  “Tu ouviste isto, Peter.Só queres sombra. De hoje em diante vais pegar o sol,bem cedinho...” .

O Comandante, agora bem sério, quis saber do

médico: -  “O senhor tem aí algum remédio paracombater a hidropisia?” .

-  “Não”  - disse o médico. -  “Não tenhoconhecimento de algum medicamento para taltratamento. Apenas aprendi alguma coisa sobre o regimealimentar que deve ser seguido pelo paciente”. 

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Frau Schmitt interessou-se. Buscou um papel,tinteiro e pena e pediu: - “Doutor. Isto me interessa. Faleque irei anotar, para cuidar daquilo que Peter vai comer

de hoje em diante”. O médico orientou: - “Evite comer carne de gado.

Se comer, coma pouca. Prefira comer peixe. Evite tomarleite diariamente. De vez em quando até faz bem. Evitesal e pimenta. Coma frutas. Aqui no vale do TrêsForquilhas vi a pacova. Coma pacova, no café da manhãou duas pacovas como jantar. Faça um suco com asfolhas de aipo. É preciso cozinhar as folhas. Tome duas

xícaras por dia, como se fosse um chá. É disto que merecordo neste momento. Se eu me lembrar de maisalguma coisa, vou anotar e entregar para Frau Schmitt”. 

Pastor Voges teve muitas dificuldades para servirde intérprete, com tantas perguntas e explicações ecomentou: -  “Ainda bem que é somente aqui que omédico recebe tantas perguntas e fornece tantasexplicações. Nas demais casas onde já estivemos omédico é que precisa perguntar e dar explicações. Édifícil arrancar de um doente alguma coisa sobre o quesente ou sofre”. 

Comandante Schmitt animado, falou: -  “Se éassim então vou aproveitar para mais uma questão queme enche de dúvida. Eu gostaria de saber quanto tempode vida ainda me resta...” .

Desta vez o médico teve que rir e respondeu: - “Senhor Schmitt. Eu não sou Deus. Ninguém de nós sabeo quanto de tempo de vida lhe resta. No seu caso,senhor Schmitt, a hidropisia que está se anunciando, nãodeveria atrapalhar os seus planos de vida. Faça planospara dezenas de anos. Isso é importante para as suasidéias...” .

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- “Obrigado”, disse Schmitt. “Então posso criar asminhas filhas e filho e vê-los casar”. 

O pastor deu algumas leves palmadas nas costasdo Comandante, dizendo: -  “Deus te ajude. Ele teconceda a alegria de viver e de ver os filhos crescendo, aalegria de vê-los entrar na vida de adultos, para, nofuturo, tomarem o nosso lugar, pois todos teremos quepartir algum dia”. 

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CARROÇAS ABANDONADAS PELOS FARRAPOS

-  “Trago esta carroça e mais dois cavalos dosFarrapos, para o serviço em favor de sua igreja”, disse oCoronel Caldwell, em visita ao pastor Voges. O militarcontinuou: - “Está aqui comigo o Sargento João Patrulha,da Guarda da Serra. Foi ele quem nos indicou oesconderijo das carroças. Foram seis veículosabandonados, utilizados pelo General Canabarro”. OGeneral Farrapo certamente fora informado de que atrilha da Serra não daria trânsito para a passagem das

carroças. Apenas havia a possibilidade de passagem decavalos, cargueiros de mulas e pessoas a pé. Além domais, Canabarro tencionava retornar por este caminho,caso necessário.

Pastor Voges saudou o jovem João Patrulha eperguntou: -  “Não foi você quem batizou a pequenaCristina, faz uns cinco meses?”. - Patrulha fez sinalpositivo com a cabeça.

O pastor foi então examinar a carroça. Era bemleve e com acomodação para levar em torno de novepessoas, confortavelmente sentadas. Existiam bancosremovíveis. Eles possuíam molejo, proporcionando umgrande conforto. Havia ainda um encosto em cada bancoe que garantia a segurança dos ocupantes. Eramcarroças, quando com carga plena, podiam ser puxadas

por quatro cavalos. Portanto ótimo meio para carregar,ao invés de pessoas, alguma carga. Voges lembrou-se deter visto inúmeros destes veículos quando da passagemda tropa do General Canabarro, todas carregadas desoldados, certamente oficiais.

Coronel Caldwell falou: - “Pastor. Deixo aqui maisoutra carroça e mais dois cavalos dos Farrapos. Será

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uma doação ao senhor Pedro Schmitt que, na condiçãode administrador local, necessita de mais conforto erecursos para o trabalho com este povo. Notei que ele

possui somente uma carreta de bois. Quanto ao restantedas carroças, terei que enviá-las ao meu Comando, parauso militar”. 

Pastor Voges agradeceu pelas doações recebidas,porém insistiu com o Coronel Caldwell argumentando queele, na qualidade de Comandante do efetivo, devia fazera entrega ao Comandante Schmitt. Voges explicou: -

 “Coronel Caldwell. Considero que será de maior

significado que o senhor Schmitt possa receber estadoação de suas mãos...” .

O militar concordou e seguiu com o pastor até apropriedade do Comandante Schmitt. Este decidiu fazerum verdadeiro discurso, em forma de agradecimento: -

 “Nobre Coronel, nobre representante do Exército de SuaMajestade. A sua presença neste vale transformou-se emum fato memorável que marcará para sempre a nossarecordação e desperta a nossa perene gratidão. A suapresença devolveu ao nosso povo o ânimo para lutar epara ter esperança, apesar da insegurança que ora noscerca, apesar da violência que nos enche de tristeza eapesar da escassez de perspectivas de mercado para anossa produção agrícola. O senhor trouxe esperançaquando com o seu efetivo promoveu bons negócios paramuitos colonos, quando decidiu buscar em nosso meio o

abastecimento para a sua tropa, com produtos na nossaColônia. Eu soube que o seu oficial administrativo passoucom diversas carroças por todos os núcleos para comprarcharque, farinha de mandioca, mandioca, milho, galinhase ovos. O moleiro Mauer me falou ter vendido oito sacosde fubá. E tudo foi pago com moeda e com preço justo.Não fosse tudo isto de grande importância para nossaColônia, agora o senhor vem e faz a doação de duas

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carroças, uma para o trabalho da igreja e outra para otrabalho da minha administração. Além da carroça doisbons cavalos para a igreja e mais dois cavalos para a

administração. Devo fazer este agradecimento em nomede todo o povo da nossa Colônia de Três Forquilhas, poresta inestimável ajuda que o Exército de Sua Majestadenos proporcionou. Muito obrigado, Coronel”. 

Pastor Voges passou dificuldade para servir deintérprete para um discurso tão longo, pois surgiramalgumas palavras difíceis, para a tradução ao português.

Coronel Caldwell com sua costumeira calma etranqüilidade, estendeu a mão esquerda ao ComandanteSchmitt, apresentando-lhe votos de progresso para aColônia. Anunciou que recebera ordens de sair destalocalidade nos próximos dias, pois General Canabarrotomara outro rumo, sem condições de voltar por TrêsForquilhas.

A notícia trouxe, por um lado, alívio, pois oscolonos temiam que os Farrapos pudessem retornar e sevingar da morte dos oito soldados. O alívio consistia nacomunicação de que General Canabarro não teria maisnenhuma possibilidade de retornar ao vale. E, por outrolado, a notícia da saída do Exército Imperial trouxetristeza, pois a presença da tropa passara a significaruma oportunidade de bons negócios, para a venda deprodutos agrícolas, sempre pagos com moeda sonante.

Coronel Caldwell seguiu com o pastor rumo norte,pois tinha que retornar para a posição da tropa, ao pé daSerra. Durante a cavalgada até diante do templo ficaramconversando. O militar mostrou interesse para conhecerdetalhes a respeito da Colônia. Em certa altura daconversa, perguntou: -  “Pastor Voges. O senhor ésubvencionado pela coroa?” .

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- “Já fui subvencionado. Isto foi até ser assinada alei de 15.12.1830, quando o Governo Imperial cortoutodo e qualquer subsídio para a imigração e colonização

alemã. O meu auxílio financeiro e o do nosso médico Dr.Zinckgraf, foram cortados, abruptamente. Fiquei emsituação muito difícil, como homem casado e com umcargo público, sem ter retorno financeiro. Entre os anosde 1831 até 1833 fui morar em Campo Bom e depois SãoLeopoldo. Constatando o rumo da política e seguindoconselhos do meu amigo Coronel e Dr. Hillebrand, de SãoLeopoldo, decidi retornar para cá. Creio que fiz bem.Mesmo com grandes dificuldades financeiras, estou

conseguindo reorganizar a minha vida doméstica e o meutrabalho pastoral”. 

Caldwell escutou com grande atenção. Depoiscomentou: -  “Caro senhor Voges. Também passei pormomentos difíceis quando D. Pedro I voltou a Portugal.Os Regentes não depositaram nenhuma confiança emmim, pois servi com o Coronel Bento Gonçalves durantea Guerra Cisplatina. Passei a ser suspeito de seradmirador da causa do Farrapos, o que jamais ocorreu.Sou um militar fiel a D. Pedro II, o nosso meninoImperador”.

Voges mostrou-se muito interessado no assuntoque Caldwell explicava. O militar continuou: - “No postode major, no início da Revolução Farroupilha, fuidesligado do Exército, por breve tempo. Vim ao RioGrande do Sul e me dediquei ao comércio. Sugiro que o

senhor faça algo semelhante, enquanto a sua situaçãofinanceira estiver difícil. Tenho observado que nestenúcleo, em volta do seu templo não existe nenhumestabelecimento comercial que se preze. Por que nãoabre um pequeno comércio de artigos trazidos daCapital?” .

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O assunto interessou muito ao pastor e elerespondeu: - “Coronel Caldwell, posso lhe assegurar queisto já passou pela minha idéia. Apenas temo a reação da

Comunidade...” .- “Neste caso sugiro que o pastor faça um começo

bem discreto. Aproveite as suas viagens à Capital e assuas idas a São Leopoldo, para atuar como umintermediário dos colonos. Compre os produtos deles,para comercializar. No retorno traga artigos e gênerosque eles não encontram aqui. Será um comércio comgarantias de sucesso. Terá em mãos um capital

disponível, ao natural. O senhor compra os produtos doscolonos para somente pagar quando do seu retorno. Osvende na Capital, recebe o pagamento. Aproveita osrecursos financeiros que terá em mãos, para comprar osartigos que os colonos necessitam e desejam adquirir. Noseu retorno poderá talvez fazer o pagamento aoscolonos, com mercadorias, sempre tirando a suapercentagem de lucro. Tem tudo para dar certo...”. 

Voges agradeceu pelas sugestões. Chegandodiante do templo ele convidou o militar para chegar etomar um chá ou café. Coronel Caldwell aceitou oconvite.

O sonho do templo de pedra

Parados diante do templo de madeira, Caldwellquis saber: -  “O que pretende construir ali, ao lado doseu templo?” O coronel indicou para um fundamento quepodia ser visto no lado sul da casa igreja. Enormes blocosde pedra haviam sido colocados, para servirem de basepara uma construção bem sólida.

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Voges respondeu: -  “É o nosso sonho, de termosum templo de pedra, que dure no tempo. Mas aRevolução acabou com tudo. Além disso, faltaram

recursos e a tranqüilidade para uma construção desseporte”. O pastor convidou Caldwell e seguiram até olocal. Na verdade, ali já não era mais propriedade deVoges. Não houvera mais espaço em suas terras. Foraentão que o seu cunhado Petersen ofereceu um pedaçodo seu terreno, na divisa, próximo ao templo. Istoocorrera já em 1830. No entanto, Petersen, desiludidovendera a propriedade para Karl Klein, que viera paraintegrar a Colônia. O preço da terra fora de pequeno

valor, pois ninguém vinha com muito dinheiro. Por istoPetersen colocara a condição de ficar resguardado oespaço para o templo de pedra. O colono Klein concordoue manteve a doação. Em fins de 1834, quando Vogesretornara de modo definitivo para a Colônia de TrêsForquilhas é que as obras começaram. Fora feito olançamento da pedra fundamental e tudo parou. Omotivo foi o clima de intranqüilidade que se instalara como romper da Revolução Farroupilha.

Caldwell examinou minuciosamente aquelefundamento. Quis saber quem era o construtor. Vogesinformou: -  “Na verdade não temos nenhum mestrepedreiro aqui, na Colônia. Este fundamento foi feito pelospróprios colonos, em particular com o trabalho infatigáveldos Sparremberger. Com muito sacrifício elesprepararam estas pedras para arrastá-las até aqui,

trazidas de longa distância”. Caldwell muito interessado sugeriu: -  “Caro

pastor. Quando acabar esta Revolução, vá até PortoAlegre, na Rua da Praia. Lá sempre surgem profissionaisa procura de serviço. Certamente não lhe será difícilencontrar algum pedreiro competente”. 

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Voges explicou: - “A necessidade de pedreiro nãoresolve todos os nossos problemas. O pior de tudo é quenão encontro pessoas dispostas a quebrar pedras. Alguns

colonos antes de virem ao Brasil foram reclusos saídos deprisões de Mecklemburgo e Rostock, na Alemanha... Elesfomentaram uma revolta, alegando que quebrar pedra éserviço de prisioneiro ou de escravo”. 

Caldwell sorriu e falou: -  “Compreendo. Elesdevem ter péssimas recordações da prisão. Mas falandoem escravos, o senhor poderá encontrar, em PortoAlegre, negros competentes que entendem deste tipo de

trabalho. Certamente o senhor, na qualidade de pastor,deve ser contrário à escravatura. Por isso sugiro quecompre escravos, mas sem colocá-los em regime deescravidão. Conceda-lhes a vida digna de peões ouempregados, com toda a dignidade da qual eles sãomerecedores. Deste modo, o seu pior problema estaráresolvido...” .

O pastor mostrou muito interesse pelasexplicações de Caldwell. Agradeceu pelas orientações eentão convidou o militar para chegar até o templo, ondeuma mesa estava posta para um café. Voges explicou: -

 “Começamos a colher o nosso próprio café. É umanovidade para nós”.

Os dois ficaram conversando por mais algumtempo, quando coronel Caldwell pediu licença: - “Senhor

Voges. A conversa foi muito boa, mas o dever mechama”. Acompanhado pelo pastor ele foi até um local,onde diversos de seus Oficiais estavam reunidosconversando.

Os militares subiram nas montarias e seguirampela trilha da Serra, rumo ao norte, para junto da ForçaImperial ali estacionada.

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Lucrando com a Revolução? 

-  “Temos gente lucrando com a Revolução,enquanto outros choram as suas perdas e prejuízos” - dizMittmann, em visita que ele fez ao Comandante Schmitt.

- “A que te referes, amigo Mittmann” - perguntouSchmitt.

-  “Refiro-me ao pastor Voges. Ele recebeu duasmoedas, dadas pelo General Canabarro e ouvi hoje que

ele acabou de receber mais outro presente. Me contaramque se trata de uma carroça bem inovada e mais doiscavalos, como um presente do Governo Imperial”  -completou Mittmann.

Naquele momento Schmitt convidou o visitantepara seguir com ele até o quintal. Mostrou-lhe a carroçaque também recebera, em forma de doação do Governo,e perguntou: -  “Você veio aqui para me dizer quetambém recebi, de presente, uma carroça inovada e doislindos cavalos?. Pois lhe asseguro que o Coronel veiopessoalmente fazer a entrega destes bens e me garantiuque se tratava de uma doação para conceder melhorescondições de administração, da nossa Colônia?”. 

Mittmann caminhou em torno do veículo emostrou-se admirado com a tecnologia utilizada na

fabricação do mesmo. Depois falou: -  “Parabéns,Comandante Schmitt. O senhor que se encontra enfermorealmente necessita de bons meios de locomoção. Davadó vê-lo seguindo na carreta de bois. Concordo que, comeste veículo, o senhor recebe melhores condições deatender os interesses do nosso povo”. 

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-  “E o pastor? Não atende ele também o nossopovo? Considero que ele tem feito muito mais do que euem favor da administração da nossa Colônia. Isso é

inegável. Ele está fazendo muita coisa que eu gostaria defazer, mas não posso em virtude de minha saúdeprecária e do desconhecimento da língua nacional”.Schmitt continuou: -  “Caro amigo Mittmann. Devesrecordar muito bem o vai-vem do pastor, nos anos de1826 e 1827 fazendo uma verdadeira ponte entre onosso acantonamento em Torres e os voluntários que meacompanharam para a abertura de roçados e núcleos,para ser feita a base da nossa então futura Colônia.

Notaste a incansável presença do pastor? E agora quandochegaram aqui os Imperiais. O pastor ainda estáacompanhando o médico que está passando pelas casasdos colonos onde existem pessoas doentes. Ele esteveaqui comigo, apoiando o médico e servindo de intérprete.Voges também percorreu os nossos núcleos decolonização em companhia do oficial administrativo datropa do Caldwell. Compraram produtos agrícolas, doscolonos, tudo na base da moeda sonante. Mas porquefalo tudo isso? Preciso eu fazer a vez da defesa dopastor?”  - Schmitt, um líder bem falante e que gostavade fazer discursos, continuou: -  “Diga, amigo Mittmann.Vendeste produtos agrícolas aos militares imperiais?Voges estava com eles?” .

-  “É verdade. O pastor estava com eles, servindocomo intérprete. Confesso que fiz bons negócios. Num só

dia, em minha propriedade eles encheram duas carroças.Vendi charque, mandioca, farinha de mandioca, feijão,milho, galinhas e ovos...”  - Mittmann ficou refletindocoçando a barbicha. Depois continuou: -  “Vendi duasnovilhas gordas para abate e vendi uma carga de canade açúcar, penso que era para o consumo dos animaisdeles”. 

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Schmitt, agora com ares de autoridade maior,insistiu: - “Meu amigo Mittmann. Tu és dos colonos maisesforçados que temos aqui na Colônia. São poucos os

que podem querer se igualar contigo. Tens das lavourasmais lindas do vale. E isso que as tuas terras nem são asmais férteis. Vendes muito, pois plantas muito, trabalhasmuito e muito também tens colhido. Tenho ouvidovizinhos que parecem ter inveja da tua capacidade. Emtuas mãos parece que cada semente se transforma. Seriaisto resultado da tua grande fé que dizes ter em Jesus?” .

Mittmann estufou um pouquinho o peito. Agora o

Comandante havia tocado num ponto que eleconsiderava fundamental para a vida e respondeu: -  “Éisso mesmo, caro amigo Schmitt. A fé em Jesus fazdiferença em tudo, na família, no trabalho e na vida detoda a Colônia. E é nisto que o nosso pastor vivepecando. Ele não é suficientemente firme e forte nasprédicas dele. Parece que ele só quer agradar pessoas enão martela com força, nas pregações que faz. Depoistem o problema da disciplina na Comunidade. Ele permiteque tudo aconteça, sem punições...”. 

- “O teu ranço com o pastor Voges é por causa dedoutrina e pregação?” - quis saber Schmitt.

- “Caro Comandante Schmitt. Na verdade não erasó isso. Eu tinha saído de casa para dizer ao pastor quehavia gente na Colônia se aproveitando para terem lucro

com a Revolução. Porém depois das suas ponderaçõesreconheço que fui exagerado. Não quero fazer injustiçaspara ninguém. No entanto com relação aos assuntos deVida em Comunidade de Fé preciso falar, pois é para mima coisa mais séria que existe. O pastor vem recebendopara a Santa Ceia pessoas que não têm condições dechegar diante do altar...”. 

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Frau Schmitt que até ali estava metida nocantinho da casa, que servia de cozinha, entretida comsuas panelas a fazer o almoço, puxou o avental para

secar as mãos e se intrometeu na conversa: -  “Queridosenhor Mittmann. Até agora fiquei aqui no meu cantotrabalhando e só escutando a conversa de vocês. Fiqueide boca fechada, do jeito que a maioria de vocês homensquerem. Já que tenho certeza que o meu marido não tedará uma resposta adequada para o que acabas de dizersobre tua acusação sobre o relaxamento do nosso pastore do modo como ele trabalha, preciso dizer alguma coisa.O meu marido que me perdoe por esta intromissão na

conversa de ambos...”. 

Tanto Comandante Schmitt como Mittmannolharam surpresos para Frau Schmitt postada ali, com asmãos nos quadris, algo que ela fazia quando ficavaincomodada. Ela era tida como uma mulher muito alegree divertida, sempre com alguma palavra pronta paradespertar o bom humor, com o seu jogo de palavras editos jocosos. Agora ela estava postada que até pareciater os cabelos em pé. Mittmann a encarou com interesse,pois gostava de ser desafiado em assuntos de Bíblia e fé,para uma discussão. Isto era algo que o pastor jamaisfizera com ele, sempre afável e contemporizando, atéconcordando, mas continuando a trabalhar do mesmo

 jeito, sem dar duro nas pessoas com uma vida errada.

Mittmann quis saber: -  “Frau Schmitt. A senhora

considera que o pastor Voges está servindo corretamentea Comunidade? O que ele fez diante do grave problemados dois membros da Comunidade que trocaram suasesposas? Faz já alguns anos que isso aconteceu, masnunca ouvi dele uma palavra de condenação para talconduta. E desses casalzinhos que se juntam, não casame aparecem para batizar as crianças que vão nascendo?Que disciplina que ele aplica? Podem ser batizadas

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crianças em tais circunstâncias? Vejo gente indo à SantaCeia, mas que brigam e criam inimizade com os vizinhose fazem conversa inconveniente, difamando. Já perdi

muitas noites de sono... Acho que já perdi alguns dosmeus pêlos da barbicha, de tanto coçá-la... Essa situaçãoque vejo em nossa Comunidade me deixa incomodado...” - Mittmann coçou a barbicha rala e continuou: -  “UmaComunidade de Fé para ser fiel a Jesus precisa serdisciplinada com muito rigor, com base na Palavra deDeus. Quando vou a Santa Ceia e vejo ao meu ladopessoas sem a mínima preparação, sem um pouco derespeito do sagrado, fico com vontade de berrar e

protestar, ali mesmo, diante do altar. Acho que temos ossinais claros que o fim dos tempos está chegando sobrenós...”. 

O inconformismo de Mittmann com relação aopastor era sincero. Ficava evidente em suas palavras.Frau Schmitt e o Comandante perceberam que a questãoentre Voges e Mittmann estava ficando casa vez maisséria. E o pastor nem parecia se importar com asarengas e reclamações. Já o haviam ouvido concordarcom Mittmann, dizendo que este tinha razão e que umdia as coisas haveriam de ser diferentes, com um futuromelhor que estava por chegar para todos.

Frau Schmitt agora com voz calma e amistosa,ponderou: -  “Querido senhor Mittmann. Preciso lheconfessar que é pouco o meu conhecimento sobre esta

tal de disciplina conforme a Palavra de Deus. Não posso enem quero discutir isso com o senhor que entende doassunto como ninguém. Por isto penso que o melhorseria que o senhor procurasse novamente o pastorVoges. Trate com ele estas suas preocupações. Faça issode modo pessoal e bem particular e longe doscuriosos...” .

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Comandante Schmitt interveio: -  “Mittmann. Oque a minha esposa acaba de lhe dizer é a coisa maiscerta que já escutei em minha vida. Você precisa

começar a falar com o pastor em particular e não nafrente dos outros, como vem fazendo. Na frente dosoutros o pastor vai contemporizar. Ele é um mestrenisso, sempre muito atencioso com todas as pessoas.Porém em particular, creio que ele não fugirá de umdebate. Vá até a casa do pastor. Com todo o carinho,faça as suas ponderações. Converse com o pastor arespeito destas suas dúvidas...”. 

Mittmann levantou-se. Parecia ouriçado. Dissecom voz ríspida: -  “Comandante. Não estou comnenhuma dúvida a respeito de tudo isso que lhe falei.Estou convicto do que falo. Tenho certeza. É a certezaque a Palavra de Deus me concede. Disso eu não abromão. Essa história de contemporizar é uma falha efraqueza do pastor. É falta de preparo, na base daPalavra de Deus. Se o pastor fica agradando e alisandoas pessoas é por não saber o que ele deve dizer e fazer.Por que ele foge de um debate diante de outros. Osdemais membros devem e podem discutir estes assuntosque, eu digo, que estão errados na Igreja”. 

-  “Pois bem, senhor Mittmann”  - disse FrauSchmitt. Está aí mais um motivo para que o senhorconverse este assunto com o pastor, pois eu não vejoerro nele. Estou muito satisfeita com o casal. Agora,

ainda mais... Observe a esposa do pastor. Ela é umcoração, que está aqui só pensando nos outros. Ela sededica às crianças, que dela recebem aulas. Ela dáatenção às mulheres que vão a casa dela para receberconselhos e aprender a fazer as coisas no lar, comocozinhar e cuidar de um recém nascido. Elisabeth Vogesé uma professora e, uma boa esposa de pastor. Ela émuito competente. E ele? Ele é um pastor que se

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preocupa com tudo e com todos. Por isto penso. A nossaComunidade está de parabéns. Este casal é umapreciosidade...”. 

Mittmann não ficou satisfeito com os elogios queFrau Schmitt fez ao Voges. Despediu-se dizendo ir até acasa pastoral para ver se encontrava o pastor em casa,para uma conversa entre amigos.

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“EM NOSSAS FLORESTAS EXISTE ATÉCANELA FEDIDA” 

Mittmann chegou à casa do pastor e sem muitosrodeios foi direto ao que vinha. Disse ele em tom dereclamação: -  “Pastor. Faz algum tempo que euprecisava levar uma boa conversa contigo, a respeito dasituação de nossa Comunidade”. 

O pastor, como sempre fazia, foi contemporizandoe respondeu: - “Faz bem. É bom colocar para fora o que

tranca na garganta. Você é uma pessoa que pode falarsobre a igreja, pois tem revelado amor por ela. Lembrocom gratidão dos quase três anos, entre 1831 a 1833,quando atendeu com muita atenção as necessidades deserviço deste nosso povo. Realizou diversos batismos eenterros, sempre prestativo. Vamos sentando, paratomar um café, que já está pronto. Acabou de sair oCoronel Caldwell que me concedeu a satisfação de suavisita além de muitos e bons conselhos e idéias quepoderão servir de apoio para o meu serviço pastoral” .

- “O que um militar católico poderá ter ensinado aum pastor evangélico” - quis saber Mittmann.

-  “Caro Mittmann. Os bons conselhos que ele meconcedeu, nem vem ao caso, neste momento. Sãoassuntos para o futuro de nossa Comunidade e sobre o

meu futuro. Apenas quero deixar claro que este homemtraz, de suas origens familiares, uma admiração pelosanglicanos e pelos protestantes da Inglaterra. Ele éviajado... Ele conhece o mundo bem melhor do que nós.No entanto, caro Mittmann, vamos ao que nesta hora otrouxe aqui.”. 

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Mittmann ficou coçando a barbicha,demoradamente. Depois decidiu contar, que ele jáestivera na casa dos Schmitt: -  “Pastor. Confesso que

estive há pouco na casa do Comandante. Troquei idéiascom ele, a respeito da situação de nossa Comunidade.Eles me aconselharam a chegar até aqui para termosuma conversa em particular”. 

- “Fale!” - disse Voges.

Mittmann parecia estar confuso. Não sabia bempor onde iniciar. Finalmente foi direto a um dos

problemas que ele considerava mais grave e foiexplicando: -  “Vou começar com a questão da vidadesenfreada de muitos membros, que não atentam paraa Lei de Deus e que são aceitos na Santa Ceia como seestivesse tudo em ordem. Como exemplo eu aponto parao problema do Maschmann e do Becker, que trocaramsuas mulheres. O senhor aceita que casais possam trocaras esposas entre si?”. 

-  “Mittmann. Isso é modo para falar de umproblema da vida particular de dois casais?” - perguntouVoges. E continuou: -  “Além do que, esta troca ocorreuno período em que estive ausente de Três Forquilhas.Naquela época você estava respondendo pelos serviçospastorais na nossa Comunidade. Poderia ter feito algopara evitar o ocorrido? Eles pediram conselho de alguém?Simplesmente fizeram... Quando cheguei de retorno,

logo me foi contado o fato. O que poderia ser feito? Elesme apareceram com crianças para batizar, cada casalcom a nova esposa, adquirida por troca mútua e tendofilhos com a nova companheira. Pensei bastante e concluí que não me era permitido recusar o batismo. Avisei queregistraria as crianças, mas mencionando que elashaviam nascido fora dos sagrados laços matrimoniais.(De fato, no Registro de Batismos, o pastor escreveu a

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palavra alemã unehelich fora do matrimonio, ou sobinfidelidade conjugal)”.

- “Pastor. O senhor nem os ameaçou de exclusãoda Santa Ceia? Não tentou aplicar uma disciplina maisrigorosa neles?”. 

-  “Mittmann. Vou te contar uma coisa. Um diadestes, entrei na floresta, que ainda conservo nos fundosda minha propriedade. Fiquei olhando para as árvoresque ali tenho. E notei que a floresta não tem somenteárvores belas e perfeitas. Tem árvores de todo o tipo e

de todo o tamanho. A gente olha para as árvores e vêalgumas que são tortas e deformadas. Mas precisoaceitar de que elas fazem parte da minha floresta... Nãofui eu quem as plantou. Eu cuido da floresta e dasárvores que nela existem e quero que elas sedesenvolvam. Preciso aceitar que ali existem árvores dediferentes espécies, mesmo aquelas, das quais nãogosto. Não tenho só madeira de lei ao meu dispor...Concluí ainda de que não me cabe eliminar a floresta sóporque existem árvores tortas e feias ou de madeirafraca! Vi até a canela fedida5... Veja se concorda comigo:no final sempre temos uma boa serventia para a canelafedida!”.

Mittmann ficou em silêncio. Gostava de escutar opastor, quando este começava a fazer sua pregação.Agora mesmo era uma dessas situações. Estava

encantado com a história. Lembrou-se então dasparábolas que Jesus contava. Os Evangelhos continhaminúmeras parábolas e eram tão instrutivas... -  “Éverdade! Em nossas florestas temos até canela fedida” -anuiu Mittmann. Despediu-se. Enquanto cavalgava deretorno ao seu lar ficou remoendo a conversa que elemantivera com o pastor. E, não estava nem um poucosatisfeito com o resultado. Saíra do encontro como quem

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concordou. Esquecera de levantar os diferentesproblemas que o incomodavam. Problemas que segundoele, feriam profundamente a vida da Comunidade. Agora

lembrou-se do caso de Jacob Gross Esse homemabandonara a esposa e fugira com a cunhada. Umhomem que largou a esposa lá em Lomba Grande, pertode São Leopoldo, para vir se esconder no meio do mato,ao pé da Serra, no chamado Passo do Josaphat.Mittmann estava mais incomodado era com o fato de oJacob Gross ter recebido atendimento pastoral, da partede Voges. Como o pastor pode fazer isto? Será que elenão sabe que uma batata podre faz feder um paiol todo?

Mittmann ficou agora se recriminando. Decidiu finalmenteque, algum outro dia ele haveria de retornar à casa dopastor para dizer-lhe isto, com todas as letras.

Chegando em casa, Mittmann foi logodesabafando com a esposa: -  “Não suporto esse pastor.Ele me faz sentir pequeno e derrotado...” .

- “Vocês discutiram...” - quis saber ela.

-  “Até hoje não consegui discutir com essehomem. Ele vai me envolvendo com a conversa dele...Se tivéssemos discutido eu me sentiria bem melhor. Masveja só. Mais uma vez ele me convenceu e saí pensandoque ele é que estava certo e eu enganado”. 

- “Não fique assim, querido. Isto só te faz mal...”. 

- “Se eu tivesse recebido a oportunidade de ser opastor desta Comunidade, eu teria a oportunidade derevelar o jeito como deve ser uma Comunidade de Fé!” -concluiu Mittmann.

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Um relato sobre a troca de esposas

Quando Mittmann saiu, Elisabetha perguntou aomarido: -  “O que ele queria contigo? Ele parecia estarbastante agitado e nervoso?”. 

- “Ele veio para reclamar do meu serviço pastoral.É a mesma ladainha de sempre, exigindo maior disciplinasobre os membros da Comunidade. Agora ele veioimplicar com os dois que andaram trocando as mulheresentre si...” .

Elisabetha sorriu e explicou: -  “Em 1834 quandovoltamos em definitivo para a Colônia de Três Forquilhastambém fiquei um tanto chocada ao saber dessa trocaque esses dois homens fizeram, logo ainda tomandocerveja, lá no Schneider. Mas agora são passados quasesete anos e noto que os novos casais que eles formaram,estão vivendo felizes e em harmonia”. 

O pastor mostrou acentuado interesse pelasexplicações da esposa e pediu: -  “Querida. Poderias mecontar de novo a conversa que vocês tiveram na últimareunião das senhoras da Comunidade, que foi realizadaaqui na igreja? A mulher do Mittmann também estevepresente?” .

- “A mulher dele não veio. Ela tem alegado que a

morada deles fica muito distante do templo e que elaprecisa cuidar dos filhos e do marido e que não sobratempo para participar das nossas reuniões periódicas.Mas vieram lá de baixo, a Anna Maria do CasperDresbach. Isso que ela está com nenê nascido no anopassado. Talvez até por este motivo ela faça questão devir, para fazer perguntas sobre os cuidados com o nenê eoutros assuntos de mulher. De lá veio também a Clara,

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esposa do cervejeiro Schneider, que também está comcriança pequena, de dois anos mais ou menos. Foi lá nacervejaria dos Schneider que aqueles dois agricultores

trocaram suas mulheres... Deves lembrar que osSchneider já têm quatro filhos. E, mesmo assim, ela veioe até trouxe as crianças com ela...” .

Voges, muito interessado respondeu: -  “É claroque lembro das crianças. Eu que as batizei...”. 

Elisabetha continuou: -  “Têm vindo em torno devinte a vinte e cinco mulheres para participarem das

minhas reuniões. Vem gente do outro lado do rio, emparticular dos Bobsin e dos Sparremberger que agoraenfrentam esse grande sofrimento pela morte que osFarrapos trouxeram para eles...” .

Voges interrompe a esposa. Ele queria maioresdetalhes sobre a troca de esposas. Por isto pediu: -

 “Querida. Lá do outro lado veio a Gertrudes Maschmann?E deste lado, veio a jovem Maria Christina Gross, agorado Becker. Vieram as duas mulheres que foram trocadaspelos maridos?”. 

Elisabetha sorriu: -  “Essas duas jamais faltam àsminhas reuniões. Elas até fazem questão de serem vistas

 juntas... Parece que elas querem mostrar para aComunidade, que a troca foi boa para ambas... Elasparecem felizes e conformadas com o ato dos

maridos...” .A esposa do pastor continuou no relato: -  “A

Gertrud, agora do Maschmann, sempre vem emcompanhia da mamãe dela, a Margaretha Klippel. AGertrud já teve agora o quinto filho com o JohannMaschmann, além dos dois que ela já tivera com oBecker e que ela levou para criar, como mãe muito

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amorosa que ela é. Essa é uma boa  parideira. O filhomenor da Gertrud deve ter apenas quatro meses.Lembras do pequeno Johannes que batizaste aqui na

igreja em julho deste ano...” .- “Claro que lembro...” - disse o pastor.

Elisabetha continuou: -  “A Maria Christina Grossque agora é do Heinrich Becker na verdade não tiveranenhum filho com o Maschmann. Ela está agora com asegunda filha, com o Becker. São duas meninas que elatem. A menor nasceu no ano passado. E ela se queixa

que o marido quer filho homem dentro de casa. Eles vãocontinuar tentando fazer filho até que venha o homemesperado...” .

Pastor Voges riu, à vontade. Achou engraçado omodo como à esposa falava sobre estas questões dasfamílias. Abraçou Elizabetha com força e pediu: -

 “Continue com este teu relato. Preciso saber de cadadetalhe que é importante, se mais outras pessoascomeçarem a fazer algum coral 6  com o Mittmann arespeito dessa troca de esposas, ocorrida na minhaausência. E mesmo que eu tivesse estado aqui, atuandono meu serviço pastoral, o que eu poderia ter feito paraevitar o ocorrido?”. 

-  “Você não teria feito nada, pois a troca ocorreulá na Cervejaria Schneider. Esses dois homens não

pediram conselho a ninguém, para fazer o que fizeram...” - disse Elisabetha. continuando: -  “A Clara, esposa docervejeiro Schneider, me contou em detalhes a troca queocorreu. O marido dela teve que servir até comotestemunha do acerto”. 

-  “Fale, Elisabetha. Isso me interessa...”  - disseVoges.

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FIGURA 6 - Elisabetha Diefenthaeler Voges, esposa do

 pastor Voges. Foto do Arquivo da Família Voges.

Ela continuou: - “A Frau Schneider me explicouque o fato ocorreu o ano de 1832. Heinrich Becker quegosta muito de tomar cerveja, como já se acostumara afazer, foi até a cervejaria do Schneider comprar uma pipado precioso líquido. Nisto também apareceu, lá, outrocolono, o recém chegado à Colônia, JohannesMaschmann. Este não era só novo na Colônia, mas

também casado fazia pouco tempo, com uma jovem dedezessete anos de idade, a Maria Christina Gross. Esta édas moças ainda nascidas na Alemanha. Era de 1815 eque chegara em Torres em 1826, em companhia do pai,o carpinteiro Philipp Peter Gross. É conhecida comosendo uma moça muito faceira e alegre que gosta dedanças e festas. Ela detesta o trabalho da lavoura. Já oJohannes Maschmann além de religioso, calmo e

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paciente, é de uma dedicação integral ao trabalho,fazendo muito gosto em ter lindas roças, bem cuidadas.Ele não se conformava com a rebeldia da jovem esposa,

que não queria acompanhá-lo no trabalho”. Voges interrompeu a esposa e falou: -  “Nisso a

Frau Schneider está muito acertada. O Maschmann e a jovem Gross realmente não combinavam, nem nosinteresses e nem quanto ao temperamento...” .

Elisabetha continuou a relatar o que FrauSchneider havia contado: -  “Enquanto os dois colonos

faziam a compra da cerveja, aproveitaram para tambémbeber umas e outras, oferecidas como cortesia, pelocervejeiro. Passaram a se deliciar com a bebida. Com istoa conversa também passou a rolar cada vez mais solta.Passaram a desabafar. Um falando das virtudes damulher do outro. O outro falando dos defeitos da própriaesposa. De repente, ambos silenciaram. Um olhou nosolhos do outro e, ao mesmo tempo, falaram as mesmaspalavras: < “Porque não trocamos, entre nós, as nossasmulheres?”.> Novamente silenciaram. Pediram outrocopo de cerveja. Procuraram ganhar mais um pouco detempo para raciocinar. A coisa era muito séria, masdeixava ambos muito excitados.  Johannes Maschmannparecia preocupado com alguma coisa. Becker,entretanto, se mostrava mais ansioso e perguntou: <  “Oque atrapalha as tuas idéias? Porque não trocamos logoas nossas mulheres? ” . > Maschmann desabafou: <

“Você pensa por acaso que sou algum bobo? A minhamulher é bem jovem e muito bonita. Ela tem apenasdezessete anos de idade. Ela nem teve filhos ainda .. .No mano a mano não aceito.”. > Becker concordou como amigo. Realmente cabia uma indenização. A mulher doamigo valia esse gasto. Prontamente ofereceu uma porcaque dera cria fazia poucos dias e mais uma gamela nova,de madeira, que ele também confeccionara fazia poucos

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dias. Maschmann coçou a cabeça. Considerou que aoferta não era o suficiente. Queria mais alguma coisa.Becker arriscou nova proposta. Mostrou-se disposto a

incluir mais um saco de batatas, recém colhidas.Maschmann finalmente entrou em acordo. Chamou ocervejeiro para servir como testemunha”. 

O pastor interrompeu a esposa e perguntou: - “Querida. Por acaso Frau Schneider soube dizer algumacoisa sobre o que disseram as duas mulheres, quandosouberam do negócio?”. 

Elisabetha acrescentou: -  “O certo é que ambasdevem ter ficado satisfeitas, uma que elas prontamenteconsumaram a troca, acertada pelos maridos. Se agoraelas chegam às minhas reuniões e fazem questão demostrar, em público, de que estão felizes na novasituação, então é porque aprovaram o acerto feito pelosantigos maridos. Não estão elas vivendo com muito amore felicidade, na nova união, até que a morte os separe?Por isso, Carlos. Sou de opinião que elas deveriamreceber a benção da Igreja, sobre essa nova situação queelas vivem. A Gertrudes que é muito religiosa, e tambéma mãe dela ainda mais religiosa, vem insistindo comigo,pedindo que eu as ajude a preparar a tua cabeça, paraesse desejo que elas tem, de receberem a benção deDeus para a nova união, que se consumou com essatroca. Já faz, agora, sete anos que isso sucedeu...”.

O pastor ficou agora pensativo. Finalmenterespondeu: -  “A minha cabeça já estava preparada paraessa idéia de uma benção para eles. Não irei mais anotarno Livro do Registro de Batismos essa questão dainfidelidade, caso vierem a fazer comigo o batismo dealguma outra criança. Aceito que a troca foi definitiva.Além disso, concordo que os dois casais estão emharmonia e vivendo corretamente. Por isso creio que

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recebi uma lição com esses dois casais. No meu entendera moral da história é que a incompatibilidade de gêniosatrapalha muitos casais, para viverem o dia a dia da vida

conjugal. Por isto, convém que eu fale com toda aclareza, em minhas prédicas, que é melhor pensar umpouco antes de noivar ou então antes de pensar emcasar, para não cair na separação, que depois seapresenta como inevitável”. 

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FARRAPOS OUTRA VEZ RONDAM TRÊSFORQUILHAS.

O médico da Força Imperial chegou à casapastoral. Era o dia 15 de dezembro de 1839. Ele viera sedespedir do pastor: -  “Pastor Voges. Ainda hoje estareideixando a nossa posição ao pé da Serra. Os pelotões devanguarda já começaram a subida, pela manhã. Após oalmoço o próprio Coronel Caldwell e o grosso do efetivotambém avançarão. Por isto ele ordenou que eu viesseaté a sua casa e vos transmitisse um pedido de

desculpas dele. Pessoalmente ele pretendia fazer estadespedida.” .

-  “Doutor. Entendo a situação dele”  - disse opastor. E comentou: -  “Até cheguei a pensar que ele játivesse ido, pois passaram muitas tropas diante de minhacasa, rumo à praia”. 

O médico explicou: - “A tropa que passou aqui eraa do Major José Inácio Ourives. Ele foi reforçar a posiçãode Sanga Funda. Eles foram dar combate a BentoGonçalves”. 

Voges mostrou espanto: -  “O próprio BentoGonçalves anda aqui perto?” .

- “Bento Gonçalves saiu de Viamão já no dia 12 de

dezembro, disse o médico. Nossas tropas fecharam apassagem de Conceição do Arroio. Também a trilha deMaquiné que sobe a Serra, estava bem guarnecida.Soubemos que o General Bento evitou combates e nãoquis abrir caminho por ali. Ele desviou para Tramandaí eprossegue pela estrada que vai entre as lagoas e o mar.Com certeza ele pensa poder entrar através dosangradouro da Lagoa do Inácio7 , para tomar a trilha que

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passa aqui pela Colônia de Três Forquilhas. Por estemotivo Coronel Caldwell reforçou a nossa posição naentrada deste vale”. 

Voges demonstrou preocupação: - “Vão acontecercombates na entrada para Três Forquilhas?”. 

O médico tranqüilizou o pastor: -  “O perigo decombates existe. Bento Gonçalves está evitando...Descobrimos que ele tem pouca gente. São apenas unsseiscentos ou setecentos homens. É um terço da forçaque o General Canabarro tinha, quando passou por

aqui.” .

A situação do General Bento Gonçalves eraextremamente difícil. O final da Revolução Farroupilhaparecia se aproximar.

Barata e Loré, guias do efetivo de BentoGonçalves

A tropa do general Bento Gonçalves contava comdois eficientes guias, bons conhecedores de toda estaregião do Litoral Norte. Eram eles, o colono Miguel Baratae o pedreiro Jorge Loré. Eles haviam sido voluntáriosalemães na Guerra Cisplatina, que em 1827, a partir deTorres, seguiram com D. Pedro I, e até chegaram a lutar

sob o comando de Bento Gonçalves. Agora estavamalistados no Exército da República do Piratini, sob aliderança desse mesmo chefe militar riograndense. Nasituação de batedores, Barata e Loré não usavam farda.Apresentavam-se como sendo dois colonos alemães,interessados em conseguir terras na região. Elesentraram pelo sangradouro da Lagoa do Inácio, rumandopara Três Forquilhas. Ao chegarem próximo a Sanga

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Funda depararam com o forte efetivo do ExércitoImperial, sob o comando de Major Rodrigo.

Barata e Loré foram barrados e um dosguardas quis saber:-  “Alto lá. Quem são vocês? Paraonde pretendem ir?” .

Barata explicou: -  “Somos colonos alemães deSão Leopoldo. Estamos em busca da área de colonizaçãodas proximidades de São Pedro das Torres. Queremosver se ainda existem terras para nós. Gostaríamos detrazer as nossas famílias para cá...” .

O guarda orientou: -  “Por aqui vocês chegam àColônia de Três Forquilhas. Caso o interesse de vocêsseja somente em Torres, então voltem. Peguem ocaminho entre a Lagoa e o mar que é melhor e maisprático”. 

Barata quis saber ainda: - “Não existe o perigo detopar com os Farrapos?” .

-  “Ainda não”  - disse o guarda -  “Mas o GeneralBento Gonçalves parece que vem vindo de Tramandaí.Com certeza ele vai tentar passar por aqui, para subirpela trilha da serra de Três Forquilhas”. Sugiro que seapressem. Peguem o caminho para Torres,imediatamente. Aqui, as coisas irão esquentar, dentroem breve”. 

Barata e Loré agradeceram e foram ao encontrodo efetivo Farroupilha. Descreveram a situação paraBento Gonçalves. O general farrapo ordenou entãomarcha acelerada, rumo a Torres. A cavalaria foi sedistanciando. Ficou evidente que a artilharia e ainfantaria teriam dificuldade para acompanhar o general.

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O comandante farrapo ordenou então: - “Providenciem duas montarias mais descansadas parameus dois batedores. Eles terão que chegar ao vale do

Mampituba para descobrir o caminho mais seguro.Precisamos subir a Serra se quisermos salvar a nossacausa republicana”. 

Barata e Loré receberam novas montarias. Saíramem galope forçado. Tinham pressa para cumprir a missãorecebida.

 A tropa de Bento tenta escapar Barata e Loré recebem nova missão

Miguel Barata e Jorge Loré constataram que aúnica passagem ainda totalmente livre era mesmo oPasso do Rio Verde. Quando Bento Gonçalves finalmentechegou com a cavalaria, ordenou aos dois batedores: -

 “Quero que desviem dos Imperiais e encontrem algumcaminho para São Leopoldo. Levem um comunicado,informando que estou subindo a Serra pelo Passo do RioVerde. Mas a minha infantaria e a minha artilhariadificilmente conseguirão me acompanhar. Não sei o queserá deles. Talvez combaterão até o último homem, ali,diante de Torres”. 

Barata e Loré pegaram dois outros cavalos, pois

que os deles estavam em estado sofrido de tanto galoparpelo vale do Mampituba. Quando iam se despedindo deBento Gonçalves, este ordenou ainda: -  “Consigamencontrar algum efetivo em condições de ir ao meuencontro, lá no alto da Serra. Necessito de reforços, comurgência...” .

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Os dois batedores se despediram. Foram pelocaminho dos campos da Itapeva. Notaram muita poeira,na altura de São Pedro de Alcântara. Esconderam-se. O

forte efetivo de Major Rodrigo passou em marchaacelerada. Os caramurus haviam descoberto que BentoGonçalves seguira para a direção do Passo do Rio Verdee desejavam interceptá-lo antes da subida da Serra.Quando os últimos homens da tropa caramuru sumirampelo caminho, Barata e Loré retornaram a estrada,buscando o rumo de Três Forquilhas.

Não encontraram mais nenhum obstáculo pela

frente. Pernoitaram numa gruta. No raiar do novo dia,colocaram-se novamente a caminho. Porém, já próximodo vale do rio Três Forquilhas, começou a chover forte.Chuva rápida de verão. Por isso decidiram parar emalgum lugar. Estavam chegando à Colônia AlemãProtestante, de Três Forquilhas, que eles conheciammuito bem. Vinham pelo lado direito do rio Estavampassando pelo núcleo sudeste. Pararam na ferraria doSchütt. Foram atendidos pelo jovem ferreiro WilhelmBrehm, enteado do ferreiro, já com seus quatorze anosde idade.

O menino perguntou: -  “Vocês não toparam comos soldados imperiais?” .

- “Vimos sim” - disse Barata. “Seguiram no rumode Santa Catarina, pelo jeito...” .

- “Vão pegar o Bento Gonçalves” - disse o menino.

Loré e Barata riram.

- “Não acreditam?” - quis saber o jovem Brehm.

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Eles informaram: - “Bento já deve estar lá no altoda Serra. Esse? Eles não o pegarão mais...” - Barata fezmais algumas perguntas, sobre as famílias da Colônia. O

menino foi respondendo com desenvoltura.Quando a chuva amainou, os dois batedores se

despediram. Tomaram o rumo do núcleo nordeste nocaminho para a Serra. Passaram diante da casacomercial do Jacoby. Viram ali o König descarregandoalgum produto da lavoura. Os dois não pararam paraconversar, pois estavam com muita pressa. Passaramcomo se fossem dois colonos alemães, em andança pela

localidade e sumiram pela estrada.

Chegaram diante da casa de Johannes Bobsin.Barata falou para Loré: -  “Tenho que parar aqui. Querover como anda o meu grande amigo Bobsin, o colonomais f orte que um touro. Quero dar um abraço nele”. 

Loré era de pouca conversa. Fez apenas um sinalafirmativo. Entraram pela porteira e Barata assobiou, pordiversas vezes. Era um código deles. Era um assobiobem característico deles, para avisar a chegada de algumamigo e conhecido.

Frau Bobsin assomou discretamente a janela paraespiar.

Ela perguntou: - “Quem é?” .

- É o Miguel Eberhardt em companhia do pedreiroLoré. Estamos só de passagem rumo a São Leopoldo”. 

-  “Vá lá para os fundos”  - orientou ela. “O Johannes está envolvido lá no paiol, fazendo umtrançado de corda de couro. É uma encomenda dopastor. O nosso pastor vende os laços lá na Serra”. Os

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dois visitantes alcançaram o paiol. Barata assobiounovamente.

Ouviu-se a voz forte de Bobsin, dizendo: - “Venham chegando! Estou aqui na minha oficina de laçose de artefatos de couro...”  - Grande foi a surpresa deBobsin quando reconheceu o seu amigo Eberhardt. Foi aoencontro dele de braços estendidos, para um aperto bemdemorado e caloroso. Bobisn largou algumas tiras decouro e convidou: -  “Quanto tempo... Venham... Vamoslá em casa... Charlotta fará alguma refeição para vocês...Até parecem que são dois mortos de fome, pela cara que

vocês tem”. 

- “É verdade” - disse Loré - “Estamos sem comer,desde ontem, quando saímos das proximidades do Passodo Rio Verde. Paramos para dormir, de estomago vazio.Somente tomamos água numa fonte, que deparamos emnosso caminho”. 

- “Quem é esse” - quis saber Bobsin - “Parece quenão o conheço?” .

- “Conhece sim” - respondeu Barata. “É o pedreiroLoré, que foi comigo para a Cisplatina. Lá ficou doente.Veio para cá e recebeu um lote de terra. Depois desistiue se mandou para São Leopoldo onde havia deixado amulher e os filhos...” .

-  “Agora lembro dele. É o pedreiro que tantoprecisávamos aqui. Continuamos sem pedreiro, aqui naColônia...” .

Os três amigos entraram pela porta dos fundos eforam sentando em torno da mesa. Charlota já seencontrava diante do fogão, preparando um café para osvisitantes. Ela foi explicando? -  “Temos o nosso próprio

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café, colhido de alguns pés que plantamos no meio dopomar”. - O aroma gostoso do café chegou até osvisitantes. Estavam famintos. Olharam para a mesa

posta. Viram pão fatiado, queijo, lingüiça, manteiga emelado. Já seria uma farta alimentação para alguém queestava com o estomago roncando.

Bobsin porém recomendou para a esposa: - “Charlota. Veja um charque e farinha. Ou melhor, nãosobrou daquela costela de porco, do almoço? E feijão?Esquenta tudo, pois estes aí estão sem o almoço do meiodia”. 

Com muita disposição, esta dona de casa, ágil,preparou uma refeição reforçada.

Os dois visitantes não tiveram mais disposiçãopara conversar. Com uma verdadeira sofreguidão foramse servindo, mastigando e servindo de novo. Estavammesmo precisando de uma refeição quente. Finalmentesatisfeito, Barata passou a manga do paletó surrado peloqueixo e pelos cantos da boca. Um pouco de gordura dascostelas de porco, quase lhe pingava do queixo. Baratagirou a cadeira para ficar de frente ao Bobsin. Perguntoucurioso: -  “Vocês aqui em Três Forquilhas, trabalhandomuito? E a família? Sempre com saúde e felizes?” .

Ouviram-se soluços. Era Charlota que rompera emprantos.

Barata e Loré olharam espantados para a mulher.

Johannes Bobsin explicou: -  “Os farraposatacaram o nosso núcleo. Mataram um dos meusmeninos, o Peterchen”  (diminutivo de Peter, ou seja,Pedrinho, em português ). 

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Barata ficou pálido. Quis saber detalhes.Levantou-se e chegou diante do casal. Ajoelhou-se diantedeles. Pegou as mãos dos dois e as colocou contra a sua

testa. Começou a chorar.Bobsin puxou o amigo pela mão e disse: -

 “Levanta daí, amigo Barata. Não inventa querer chorartambém...”. 

Eberhardt levantou-se. Indicando para Loré efalou: - “Somos soldados farrapos. Decidimos apostar asnossas vidas pela causa da República do Piratini.

Queremos ajudar a construir uma terra de liberdade e debem-estar para todos”. 

Charlota retraiu-se assustada, como se elapudesse buscar algum refúgio no canto do fogão.

Bobsin falou : - “Amigo Eberhardt. Eu já sabia quevocê é Farroupilha. O pastor explicou isso, lá na igreja.Respeito a sua escolha. E digo mais. Eu não soucaramuru. Não o culpo pela morte do meu filho. Foramelementos desclassificados que não souberam honrar acausa. Só souberam fazer este estrago em nosso meio”.- Bobsin ficou conversando com os visitantes por maisuns trinta minutos. Contou detalhes sobre o ataque dosfarrapos e do modo como os oito foram eliminados. Falouainda a respeito do enterro. Mencionou que o pastorfizera muita ênfase para denunciar que o sangue de

inocentes era derramado nesta Revolução.Bobsin foi falando até que Loré se levantou

impaciente e falou: -  “Barata. Precisamos tomar aestrada. Temos uma missão urgente para cumprir”. 

-  “É verdade” disse Barata. - Levantou-setambém. Agradeceu pela hospitalidade e pela refeição.

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Finalmente despediu-se do casal com muitas palavras decarinho. Buscaram os cavalos e tomaram o rumo daSerra.

Em meio ao luto, ajudem uns aos outros...

O médico do Exército Imperial apareceu diante daigreja batendo palmas. Quando o pastor apareceu, elefalou: -  “Pastor Voges. O coronel Caldwell ordenou queeu me apresentasse ao senhor, pelo fato que ainda hoje,

estarei deixando a posição ao pé da Serra, Ele quer que, juntos, eu e o senhor, façamos mais algumas visitas aosdoentes. Serão visitas que o senhor considerarnecessárias”. 

O pastor refletiu por um instante e sugeriu: - “Vamos até o outro lado do rio para ver a situação dosferidos e dos enlutados, que foram vítimas dosFarrapos?”. 

- “O senhor é quem manda” - disse o médico.

Foram à cavalo. O médico bem falanteargumentava sobre a expectativa que ele tinha, com umfim rápido para a Revolução. Relatou sobre os planos queele alimentava para algum dia conseguir lugar na Corte,para ali clinicar.

A primeira casa em que chegaram foi a da famíliaBobsin. Entrando na cozinha, viram que a mesa aindaestava posta, como se recém tivessem almoçado. Omédico e o pastor não podiam imaginar que faziamapenas alguns breves instantes, que os dois farrapos,Barata e Loré haviam saído dali.

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O casal Bobsin nada falou sobre a passagem dosdois. Revelavam apenas um abatimento muito grande.Charlota fazia ouvir os seus lamentos e suspiros. E

Johannes passou a contar do quanto doía a falta domenino alegre e trabalhador que fora tirado deles demodo tão absurdo.

O pastor orientou: -  “Essa dor é cruel. Em geraldemora bastante tempo para passar. Por isso, nestahora, de dor tão recente, só posso pedir que olhem paraos filhos que aí estão ao redor de vocês. Quando a dorparecer grande demais, abracem estes filhos, com todo

aquele amor que gostariam de dar para aquele que sefoi. Lembrem também de visitar, de vez em quando, aviúva Sparremberger. Ela enfrenta uma dor semelhante emuito grande. A vida das famílias continua, apesar detudo isso que aconteceu”. 

- “Obrigado, pastor” - disse Johannes. “Ainda bemque podemos contar com as suas visitas e sua palavrasde conforto”. 

Voges reuniu a Família Bobsin à sua volta, impôsentão as mãos, em sequência, sobre a cabeça de cadaum. Invocou a presença e a benção de Deus para cadapessoa.

Em seguida, o médico aproximou-se pedindo paraexaminar Charlotta Bobsin. Ele disse: - “A senhora está

bem, físicamente. O seu problema, por ora será a dor e atristeza. Para isso só o remédio para a alma que o pastordeverá vos ministrar”. 

Seguiram então até a moradia de Hans ThronStollenberg. O Viking não estava nada bem. A ferida nobraço, próximo ao ombro, estava infeccionada. O médicoprocedeu na limpeza da mesma e aplicou uma pomada,

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que ele trouxera em sua maleta. Concedeu entãoinformações sobre procedimentos futuros e os cuidadosnecessários para ajudar no fechamento da ferida e para

uma boa cicatrização. O pastor foi traduzindo todas asorientações e depois acrescentou: - “Caro Hans Thron. Asua coragem foi fundamental para não termos maismortes a lamentar. A sua resistência naquela trincheira,perto do valo d’água foi fundamental para que o socorrodos outros colonos chegasse até vocês. Mesmo feridovocê continuou na defesa destas famílias”. 

Voges teve que chamar pelo médico. Este fora dar

de beber para o seu cavalo, num cocho de água, que seencontrava perto do estábulo das vacas. Seguiram até apropriedade da viúva Sparremberger. O filho Andréas,apesar de ferido também se encontrava ali, com amulher e os filhos, na intenção de levar consolo para amãe. Quando ela viu o pastor chegando em companhiade um militar fardado, ela colocou as mãos na cabeça epassou a gritar em desespero: -  “Pastor... Oh, pastor!Essa gente me matou. A minha vida acabou, quandoacabaram com a vida do meu marido...” .

O pastor apeou do cavalo e foi até a varanda.Colocou as mãos sobre a cabeça desta mulher quecontinuava chorando, em desespero. Voges permaneceuassim, talvez por dois minutos, impondo as mãos sobreela. A mulher foi então se acalmando. Finalmente paroude chorar. Voges falou: - “Essa dor é muito forte. É uma

dor que cortou o seu coração. Por isto devo orar com asenhora e pela senhora. Peço que Deus a ajude e aconsole por meio de Jesus, que deu a vida por nós”. 

-  “Sim, é isto, pastor. Preciso desta força que,bem sei disso... Força que somente Deus pode medar...”. 

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Voges concluiu: -  “Frau Sparremberger. Estouchegando da casa dos Bobsin. Lá a dor também é muitogrande. Por isto peço um favor. Quando a senhora sentir

que Deus está renovando as suas forças, olhe para osseus filhos, noras e netos. Eles ainda necessitam do seuamor. Ou então, vá até a casa dos Bobsin. Em meio aoluto, procurem ajudar uns aos outros... Deus estáconvosco para vos consolar”. 

O médico aproximou-se de Jost Sparremberger eexaminou o ferimento à bala, que este recebera na coxa.O médico falou: -  “A ferida fechou bem. Não ocorreu

nenhuma infecção. Em breve restará apenas umapequena cicatriz como uma amarga lembrança destaRevolução”. 

Pastor Voges colocou a mão sobre o ombro deJost e falou: -  “Amigo Jost. Você foi corajoso. Esta suacoragem foi decisiva para que chegasse o socorro deoutros colonos. Você e o Viking colocaram as vidas emrisco, para proteger as famílias”.

O médico e o pastor se despediram. Retornaram edesceram pelo outro lado do rio até a casa doComandante Schmitt. O pastor explicou que o médicoviera se despedir. Os últimos integrantes da ForçaImperial já estavam se aprontando para sair da áreadesta Colônia.

Frau Schmitt foi rapidamente até a cozinha.Buscou uma cuca de banana e outros doces que elaacabara de fazer e pediu ao pastor: -  “Diga ao médicoque esta cuca é especialmente feita para ele. Aorientação que ele nos concedeu foi muito importante. OPeter já me parece bem melhor. Cada manhã eu o façosentar no sol. Veja a cor que ele tem. Não está ficandosaudável?” .

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Voges riu e transmitiu as informações ao médico.Este também riu, mas insistiu que desejava levar areceita da cuca de banana, para oferecer à mãe dele.

Frau Schmitt buscou um papel, o tinteiro e a penae pediu que o pastor fosse anotando: Ingredientes = 2xícaras de farinha de trigo, 1 pitada de fermento, 1pitada de sal, 1 pitada de açúcar, 2 ovos, ½ copo deágua e 3 colheres das de sopa de manteiga. Amassartodos os ingredientes. A massa deve ficar mais mole doque dura. Colocar numa forma, espalhando a massa.Para fazer o recheio que vai por sobre a massa = 7

bananas (pacovas) picadas em rodelas de 1 cm degrossura. Bater 3 ovos e 3 colheres de manteiga, para jogar sobre as bananas. Finalmente, polvilhar canela eaçúcar sobre este recheio. Colocar em forno bem quente,durante 50 minutos.

O médico apertou a mão do Comandante e deFaru Schmitt e agradeceu efusivamente pelo presente.Prometeu saborear a cuca, antes de partirem.

O pastor e o médico subiram nas montarias.Tomaram o rumo norte. Chegando próximo à igreja, omédico falou: -  “Não posso chegar. Preciso retornar aonosso acampamento, ao pé da Serra. Coronel Caldwell jáseguiu rumo a Torres. Mas o pastor tenha certeza deuma coisa. O meu comandante tem um grande apreço eadmiração pelo senhor e pela sua Comunidade de Fé.

Farei um relato para ele, a respeito da situação dosf eridos e dos enlutados, de Três Forquilhas”.

Voges estendeu a mão ao médico e se despediu: - “A sua passagem e a passagem da Força Imperial pelanossa Colônia nesta ocasião tão difícil jamais seráesquecida. Guardaremos em nossa memória a gratidão aDeus, pelo socorro que Ele nos concedeu com a vossa

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chegada. Ele vos guie sempre no bom caminho e vosproteja em meio aos perigos que vos rondam”. 

- “Amém” - disse o médico.

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METADE DA TROPA DE BENTO SE RENDEU

Quando o médico ia girando o cavalo para seguircaminho, ouviu-se o tropel de diversos cavalos. Erammilitares caramurus. Vendo o médico, pararam paracumprimentá-lo: -  “Bom dia doutor. Estamos levandoimportante notícia para Coronel Caldwell. É que a metadeda tropa de Bento Gonçalves se rendeu, na área do altodo rio Mampituba...” .

O pastor e o médico demonstraram alívio. A

notícia poderia significar o final da Revolução. O médicoquis saber: - Bento Gonçalves então se rendeu?” .

-  “Não”  - disse o oficial -  “O homem conseguiuescapar com a cavalaria dele”. 

O oficial caramuru passou então a contar de modoresumido, outros detalhes importantes. Explicou quemais uma vez não haviam ocorrido combates. BentoGonçalves conseguira apressar a marcha do seu efetivo.Ele fora mais rápido que Major Rodrigo, que seatrapalhara com a série de passos de rio, quedificultaram a progressão do efetivo. Desta maneiraBento Gonçalves chegara um pouco antes, ao Passo doRio Verde.

Na verdade Bento Gonçalves chegara antes, pelo

fato de ter colocado sua tropa em marcha acelerada.Porém isto lhe custara bem caro. Tivera que se desfazerde carroças com munição, de todos os canhões e dosvíveres. Tudo foi jogado nas águas da Lagoa Itapeva.

Com esta manobra desesperada, Bento Gonçalvese sua Cavalaria conseguiram cruzar o Passo do Rio Verdecom uma antecedência de talvez apenas trinta minutos,

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pois quando o Major Rodrigo alcançou o local, apenasconseguiu ainda interceptar a Infantaria dos farrapos,retardatária, que foi tomada de assalto. Estes se

renderam, sem nenhuma disposição, para o combate.Foram feitos aproximadamente trezentos e cinqüentaprisioneiros.

Major Ourives que chegou um pouco mais tardeao Passo do Rio Verde, foi quem deu início naperseguição a Bento Gonçalves. A trilha era difícil. Ogeneral farrapo notando que estava sofrendoperseguição, ordenou que a cavalhada, que levava, fosse

tocada de volta rumo ao Passo do Rio Verde. O objetivoera bem claro. Queria era atrapalhar a perseguiçãomovida pelos imperiais. E a estratégia deu resultados. Oefetivo de Major Rodrigo teve que se envolver com essesanimais que vinham chegando em disparada. Os cavaloschegavam em disparadas e desviavam pelas ribanceiras.Só restou a alternativa de captura dos animais.Recolheram mais de mil e duzentos cavalos. Quandofinalmente o caminho ficou livre, Bento Gonçalves jáestava longe.

O oficial, porém garantiu: -  “A perseguição aBento Gonçalves continuará. Major Rodrigo está agoraseguindo por aquela trilha do Passo do Rio Verde, rumo aSerra. Ele espera ter o privilégio de prender oComandante dos Farroupilhas, se houver oportunidade”. 

Os dois batedores farrapos na companhiados caramurus

Ocorreu um fato jamais imaginado. Barata e Loré,chegando ao pé da Serra depararam com o pelotão deretaguarda dos caramurus. O próprio Comandante e o

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grosso do efetivo já deviam estar quase chegando ao altoda Serra. O guarda interpelou os recém chegados: -

 “Alto lá. Quem são vocês e para onde querem ir?” .

-  “Somos dois colonos”  - disse Barata - “Gostarí amos de seguir até São Leopoldo, mas temosmedo de cair nas mãos dos farrapos”. 

O guarda garantiu com firmeza: -  “Por aqui nãotem nenhum Farrapo. Eles estão muito longe. Nósdominamos tudo nesta região do Litoral até o Cima daSerra”. O guarda continuou: -  “Por que vocês não

esperam pelo nosso médico? Ele deve estar chegando deTrês Forquilhas e então subiremos a Serra com ele”. 

Os dois batedores farrapos agradeceram pelaatenção. Desmontaram para deixar os cavalos pastando.

Não demorou muito tempo, apareceu o médicoem companhia do grupamento que trazia notícias doPasso do Rio Verde para ser transmitida ao Comandante.Como este já estava distante, desmontaram porinstantes, para comentar as novidades com os presentes.Barata e Loré ficaram na escuta, curiosos pelas notícias.Souberam assim que Bento Gonçalves tivera êxito econseguira escapar rumo à Serra. Triste, porém era ainformação sobre a Infantaria que caíra prisioneira, semoferecer nem combate e nem resistência.

O médico aproximou-se dos dois colonos e quissaber: -  “Vocês desejam subir à Serra? Os guardas mefalaram... Não querem ir comigo?”  - Barata agradeceupela gentileza. O médico quis saber: -  “Conheço bem aColônia de Três Forquilhas. Visitei muitos doentes nacompanhia do vosso pastor. Onde ficam as propriedadesde vocês?” .

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Barata explicou: -  “A minha propriedade fica ameio caminho do Passo do Cemitério rumo à igreja”. 

O médico revelou satisfação e comentou: - “Entãoeu passei diante de sua casa, faz pouco tempo. Estivecom o pastor, visitando doentes e enlutados. Estive lá dooutro lado do rio, visitando os Bobsin e os Spange. Vimde lá agora”. 

Barata teve vontade de dizer que tambémestivera na casa do Bobsin e que até haviam almoçadolá. Mas não convinha dar bandeira para o inimigo.

O médico voltou-se então a Loré e quis saber: - “Onde afinal fica a sua casa?” .

Loré ficou nervoso e gaguejou. Barata foi emsocorro dele e explicou: -  “O meu amigo não é colono.Ele é um pedreiro e de pouca conversa. Se atrapalhaquando perguntam alguma coisa para ele. E o pior, ele épedreiro, do tipo de ferreiro que faz churrasco comespeto de pau”. 

O médico deu risada.

Barata continuou: - “O Loré deixou a esposa e osfilhos em São Leopoldo e ainda não tem casa aqui naColônia. Ele cuida de fazer casa para os outros e nem foicapaz de construir pelo menos um ranchinho para si

mesmo”. O médico ainda quis saber: -  “Vocês dois não

quiseram se alistar com o nosso Exército Imperial?” .

Barata respondeu: -  “Estamos cansados daguerra. Fomos voluntários em 1826 e acompanhamos D.Pedro I. Lutamos na Guerra Cisplatina. Agora queremos

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sossego. Chega de guerra, mais ainda, porque quemmais sofre são os inocentes. Não foi sobre isso que opastor falou no enterro do menino Pedrinho Bobsin? O

pastor denunciou que é o sangue de inocentes que estásendo derramado nesta guerra entre irmãos brasileiros”. 

O médico permaneceu em silêncio, pensativo.Enquanto isso, o grupamento que viera de Torres já saíraapressado, fazia algum tempo. Eles tinham pressa paralevar as notícias para ao comandante deles.

O médico em companhia de Barata e Loré e o

pelotão de retaguarda finalmente também semovimentaram. Iam sem nenhuma pressa

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BRINCANDO DE REVOLUÇÃO

Durante mais de trinta dias as aulas na Colônia deTrês Forquilhas haviam ficado suspensas com o temor dealgum confronto entre caramurus e farrapos. Finalmenteno dia 20 de dezembro de 1839 o pastor decidiu que asaulas poderiam ser retomadas, na Escola daComunidade. A ameaça do choque bélico ficara afastada,por enquanto.

No enorme pátio atrás do templo, crianças

começaram a chegar aos poucos, para a hora marcadapara início das aulas. Os que vinham aproveitavam parabrincar um pouco. Em dado momento um deles propõe:- “Vamos brincar de revolução?” .

Todos acharam interessante a brincadeira evieram correndo. Uns pegavam um pedaço de pau ediziam ser uma arma de fogo. Outros quebravam umavara, de algum arbusto próximo e alardeavam quetinham uma espada. Foram então se dividindo entrecaramurus e farrapos. A maioria foi para as fileirasimperiais. Os farrapos estavam em menor número eforam se esconder entre os arbustos próximos. Osimperiais teriam que procurá-los.

Nisto seguiu para o centro do pátio o pequenoAdolfo Felipe, filho do pastor Voges gritando: -  “Sou

Coronel Caldwell! Vou defender Três Forquilhas! Quemme ajuda?”. - Ele ainda estava para fazer cincos anos deidade. Mas já mostrava liderança sobre os demais, poistodos o cercaram. Em instantes ele estava acompanhadopor todos os meninos caramurus. E ele gritou: - “Vamosperseguir o Bento e o Davi. Vamos acabar com essaRevolução”. - Todos levantaram os paus e as varas,fazendo sinais de luta.  Estavam apenas brincando de

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revolução. Como era de mentira, eles não podiam baterem ninguém.

O pequeno Adolfo Felipe falava grosso porquesabia que ninguém viria enfrentá-lo de verdade.

Finalmente apareceu Dona Elisabetha, esposa dopastor e ordena: -  “Chega de revolução. Vamos, agora,brincar de Escola. Quem me acompanha? Façam filaaqui” .

As meninas mais próximas e que não quiseram

brincar de revolução, foram as primeiras a se enfileirardiante da professora.

Neste instante chegou o pastor Voges que insistiu:- “Meninos. Mais ligeiro... Vocês estão perdendo para asmeninas!” . - Com um pouco de alarido eles também seapressaram. Largaram os paus e as varas e entraram emfila, com rapidez. Nisto vinha chegando uma menina quelhes parecia retardatária. Ela estava em companhia damãe. E um dos meninos gritou: -  “Nós é que vencemos,pastor. Já estamos prontos e as meninas ainda tem umaque está lá, fora de fila”. 

Dona Elisabeth sorriu. Aproximando-se dosmeninos, explicou: - “Meninos. Vocês pensam que são osmais espertos? Essa menina que chegou, é nova. Ela nãoirá entrar em fila. Ficará com a mãe, esperando, para

falar comigo”. Os meninos fizeram outra zoeira pela decepção e

responderam: -  “Isso não vale, professora. A senhoraestá ajudando as meninas...”. 

Pastor Voges permaneceu por um brevemomento, em silêncio, fazendo uma reflexão a respeito

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da brincadeira das crianças e concluiu:  “No mundoinfantil uma revolução não causa vítimas e não ocorrederramamento de sangue. Porém no mundo dos grandes,

no mundo adulto, a situação muda. Não que na face daterra não houvesse possibilidades de promoveremrevoluções sem derramar sangue. Com certeza é aganância humana que causa situações limite onde umaparcela da sociedade (a reprimida) não conseguesuportar por mais tempo o opressor, e então resolvefazer alguma coisa, definitiva, para mudar a situação. Emúltima análise não era isso também que acontecia com osFarrapos do sul do Brasil? Eles não suportaram mais a

situação vigente, vendo-se oprimidos, com o totaldescaso da política nacional... Será que por isso essaRevolução não se fazia necessária, para que o Rio Grandedo Sul obtivesse o respeito merecido?”. 

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A SITUAÇÃO DA PATRULHA SERRANA

O pastor decidiu aproveitar a presença de JoãoPatrulha que estava por perto, na casa da mãe. Elerecebera alguns dias de folga. O soldado viera emcompanhia da esposa e, em particular, da filhinha, sópara fazer a alegria da avó.

A Viúva Anna Maria Menger, que na realidade nãoera viúva, pois que viera da Alemanha, já unida comFranz Strach. A casa dela distava aproximadamente

trezentos metros da igreja, perto do local onde morara ocomerciante Philipp Leonhard Niederauer, que fecharaseu comércio e fora embora.

João Patrulha mostrou muita alegria com a visitado pastor e disse bem alto, abrindo os braços: - “Mamãe,venha só pra ver quem veio nos visitar...”. 

Sentaram debaixo de uma árvore de sombra quefora deixada quando da derrubada da floresta. Teve iníciouma animada conversa. João Patrulha aproveitou paracontar ao pastor a respeito da passagem recente dogrande efetivo do Exército Farrapo. Foi explicando: -

 “Quando ouvi a barulheira daquela tropa, ordenei aosmeus homens para se esconderem no mato. Sempreestaríamos em risco de sofrer alguma violência, pois quevestimos a farda do Exército Imperial. Recebemoscomunicação dos Farrapos de que a nossa patrulha seria

respeitada por considerarem que nós concedemosapenas proteção para os viajantes e comerciantes quepassam pela trilha da Serra. Nós não fazemos combates.Mas fica na gente o forte receio que algum dia apareçaalgum farrapo malvado, como foi ali no outro lado do rio,onde até mataram um colono e uma criança indefesa...”. 

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Voges fez sinal de estar concordando e perguntou:-  “Como foi esta história das lindas carroças que osFarrapos abandonaram ou até esconderam, ao pé da

Serra”. João Patrulha explicou: - “O meu grupo estava ao

pé da Serra. Existe um outro lá no alto, onde é a nossasede da Patrulha, sob o comando do Sargento JoãoSilístrio. Somos quatro homens cá embaixo, eu, o meupadrasto, mais o Tilo Fabrício com família e o Zeca Florcom família. Os quatro lá no alto são: nosso SargentoSilistrio, mais o José Cândido com esposa e filhos, o

Tonho Cabeleira com família e o índio Esteban dosSantos, missioneiro, com família. Estávamos, tanto os cáembaixo bem como os lá no alto, todos muito bemescondidos, quando os farrapos chegaram. Nós cáembaixo, vimos tudo. Eles pararam por algum tempo ediscutiram a respeito das carroças. Aí veio o Comandantedeles e ordenou que escondessem todas elas, pois quenão teriam trânsito pela trilha. O problema é que elesmesmos, os farrapos, fizeram o estrago em nossa trilha auns tempos atrás, para impedir que os caramurustivessem passagem com canhões e carretas”. 

A conversa continuou animada. A certa altura opastor perguntou: -  “Como andam o teu sogro, ocarpinteiro Pedro Gross. Já estiveste lá embaixo, nooutro lado do rio, para visitá-lo?” .

- “O meu sogro trabalha muito, construindo casasde madeira e galpões. Ele cria gado e cavalos, fazcharque para vender e curte couro...” .

Voges aproveitou para especular um pouco maissobre os integrantes da Patrulha Serrana.

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João passou então a contar um pouco de sua vidae perguntou ao pastor: -  “O senhor sabe qual é meunome verdadeiro? Por aí todos só me conhecem por João

Patrulha!”.O pastor respondeu prontamente: - “Claro que sei

o teu nome. Batizei a tua filhinha faz pouco tempo. Vocêé Johannes Menger, nascido em Distellsheim, naAlemanha e é um filho da viúva Ana Maria Menger. Vocêtem uma irmã, a Cristina, sentada ali ao lado da tuaesposa”. 

-  “O senhor sabia que a minha mãe casou denovo, lá na Alemanha?” .

Anna Maria Menger que estava atenta na conversado filho veio mais perto e corrigiu: - “Não casei, não. Nósnos juntamos e tivemos um casal de filhos”. - Dirigindo-se ao pastor ela explicou: -  “Veja lá estão a Anna e oMiguel. Eles são nascidos na Alemanha, ela em 1820 eMiguel em 1824”. 

-  “Onde está o seu companheiro”  - quis saberVoges.

-  “Ele é Franz Strach, o “França Estraque”, daPatrulha. É meio católico. O senhor já o viu por aqui. Elesempre anda fardado. Ele também é da patrulha daSerra”. 

O pastor se recordava que Maria Menger haviasido incluída para receber um lote de terras em TrêsForquilhas, como integrante da segunda leva de colonos.Ela se fizera de esperta. Fora incluída na relação dosprotestantes e conseguira, no sorteio, um ótimo terreno,no núcleo da igreja. Um núcleo que agora passava a serdisputado e valorizado.

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A viúva que não era viúva, explicou: -  “O FranzStrach serviu como soldado no Baluarte Ipiranga, emTorres. Ele levou o meu filho Johannes e o apresentou ao

Coronel Franz Paul. O coronel aceitou o meu Johannes,que então passou a ser preparado como soldado”. 

João interrompeu a mãe e explicou: -  “Em 1835quando rebentou a Revolução, eu já tinha vinte e quatroanos. Fui enviado, com o meu padrasto para ficarmossob o comando do Sargento João Silistrio, integrando apatrulha da trilha da Serra de Três Forquilhas”. 

Conforme já falamos, a missão desta patrulhaconsistia em acompanhar e dar segurança aos viajantesque tivessem que transitar por aquela trilha da Serra.Não se tratava de ação contra os farroupilhas. Estestambém respeitavam esse grupo de homens, como umvalioso instrumento de proteção para todos os patríciosdesprotegidos que se viam obrigados a fazer uma viagempor aquela área. Esta foi a forma encontrada por PaulaSoares, para manter as atividades comerciais, notransporte de produtos coloniais e aquisição de produtosessenciais para a vida dos colonos de Três Forquilhas, daColônia São Pedro e da Vila de Torres. O transporte maiscomum era de pólvora, sal, tecidos e medicamentos, osquais atraíam mais a cobiça dos ladrões”. 

Esta conversa do pastor com João Patrulhaaconteceu na segunda quinzena do mês de dezembro de

1839, quando da passagem do efetivo de GeneralCanabarro e posterior chegada de Coronel Caldwell. Jáfazia quatro anos que João Patrulha e seu grupamento aliatuavam.

O pastor dirigiu a conversa para descobrir maisum pouco sobre a família de João Patrulha. Eleperguntou: - “Então faz mais ou menos um ano que você

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convidou a Maria Catharina Gross para ser tuacompanheira?”.

-  “Sim. Eu estava cansado de viver sozinho. Amaioria dos meus companheiros tinha levado a família epodiam ter um rancho próprio. Eu era solteiro e moravacom o meu padrasto, no rancho dele. Certo dia passandoaqui pela Colônia conheci a filha do Gross, a MariaCatharina. No ano passado, criei coragem e a convideipara que ela me acompanhasse. Eu também queria ter omeu rancho próprio, naquele platô, no início da Serra”.

-  “E o sogro e a sogra Gross, deixaram a moçapartir?” - perguntou Voges.

-  “Eles não colocaram dificuldades. Deixaram sima filha partir comigo...”. 

Conforme já foi mencionado João Patrulha e MariaCatharina não casaram. A moça simplesmenteacompanhou esse soldado, para ser a sua companheira.Cada soldado construía o seu próprio rancho,particularmente quando tinha uma companheira e filhos.Devia ser deprimente ficar sozinho naquela solidão, mêsapós mês e ano após ano.

Pastor Voges foi recordando quando em 1839nascera a primeira filha de João Patrulha. Este vieraprocurá-lo. Desejava acertar o batismo da pequena. Aí 

teve que dar um conselho:-  “Johannes. Por que não aproveitas o dia do

batismo para logo casar e colocar a união em ordem,conforme a vontade de Deus”. 

João Patrulha resistira: -  “Quero deixar ocasamento para mais tarde, quando esta Revolução

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acabar. Prometi fazer uma linda festa para ela efamiliares dela e para todos os meus familiares”.

A insistência do pastor não dera resultados. JoãoPatrulha manteve-se resoluto, para deixar o casamentopara após a Revolução. Por este motivo, o pastor, ao sedespedir, aproveitou mais esta oportunidade paraorientar este membro da Comunidade. Ao dar a mão,falou: -  “Tomara que a Revolução acabe logo. Tenhocerteza que terei diversos casamentos para oficiar, desdeo de João Patrulha, mais da mãe dele com o soldado JoãoStrach. Existe mais alguém aqui, em condições de

receber a benção do matrimônio?” .

Todos riram. O pastor saiu a pé, caminhando atéa igreja.

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UMA AÇÃO DE GRAÇAS NATALINA

No dia 25 de dezembro de 1839, em pleno dia deNatal, festejado por toda a cristandade no mundo, pastorVoges decidiu também realizar um encontro comunitário,que ele denominou de “Uma ação de graças natalina”. Pela manhã, oficiou um culto solene, na igreja, para asfamílias. Iniciou, explicando o motivo para a realizaçãoda programação: - “Precisamos aproveitar este momentode relativa tranqüilidade para reorganizarmos as nossasvidas, a nossa Comunidade e para avaliar a situação da

nossa Colônia. Parece que neste momento a Revoluçãoentrou numa calmaria... Tomara que o conflito encontrelogo um final. Farei este culto e depois o ComandanteSchmitt continuará com uma reunião com todos osmembros da nossa Comunidade de Fé. Ao meio diateremos um almoço natalino, para as famílias que seinscreveram e que ajudaram nos preparativos. Será umalmoço para recordar com gratidão, o nosso primeiroNatal, que aqui conseguimos comemorar em 1826, comnosso pequeno grupo de pioneiros, mais os soldados que,naquela época, nos acompanhavam. Não podemos nosesquecer dos índios que estavam conosco e que nospresentearam com a construção das nossas primeiraschoupanas. À tarde o Comandante Schmitt fará umareunião com todos os habitantes da Colônia queatenderam o nosso convite”. 

O templo estava lotado. Vozes de satisfação porreencontros, com abraços e demonstrações de alegria,ecoavam pelo recinto. Famílias de todos os núcleosestavam ali. Dona Elisabeth Voges contara com a ajudade seu grupo de senhoras. Haviam enfeitado a igreja.com ramos de “ripeira”. Sobre o altar estavam colocadasflores silvestres. O cenário era festivo e acolhedor. Ascrianças, principalmente os alunos da escola comunitária,

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corriam pelo corredor, fazendo zoeira. As mães tentavamacalmá-los, em vão. Somente quando o pastor retomou apalavra, o silêncio também retornou ao recinto. Voges

convidou os alunos para que sentassem sobre oassoalho, junto dele, em torno do altar. Outras criançasmenores também se aproximaram, procurando acompanhia de algum irmão ou irmã que ali estivessemsentados. O pastor os queria, todos, ali, para abençoá-losno final do culto, com a imposição das suas mãos sobrecada um.

O pastor desenvolveu a liturgia natalina, de

praxe. Leu em seguida, o texto do Evangelho de João, 3,16: “Tanto amou Deus ao mundo que deu o Seu FilhoUnigênito para que todo o que n’Ele crê não pereça mastenha a vida eterna”. - Em seu sermão enfocou: - “Adádiva do amor divino, veio ao mundo, para habitar comtodas as famílias da terra. Um amor que parece tersumido em meio aos conflitos entre irmãos brasileiros,que se combatem de modo tão feroz, causando vítimaspor toda parte... Causando dor, luto e muito pranto. Mastudo isso terá o seu final. Olhemos em frente, comesperança, acreditando que o entendimento e o respeitoentre as famílias irão vencer. Todos precisam abrir osseus corações para o amor. O amor que quer morar emnosso meio. Amor que significa respeito e consideraçãopelos que são fracos e os que mais padecem diante dochoque dos que se consideram fortes. Vamos nestamanhã receber o amor também em nossas famílias, em

nossos corações, para termos o Natal que Deus preparoupara a humanidade”. 

O hino que mais animou os presentes foi ocostumeiro, cantado na época de Natal: “Eu venho a vósdos altos céus...” Diversas mulheres, particularmente asmais idosas não se contiveram. Caíram em pranto e com

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lágrimas, recordando do primeiro culto de natal que elashaviam vivenciado.

O pastor intercedeu em favor dos dois exércitosem conflito, os caramurus e os farrapos, pedindo queDeus concedesse a eles disposição para buscar umentendimento, e colocar um fim ao derramamento desangue. Chamou então os familiares enlutados, asfamílias Bobsin e Sparremberger, para a fixação de duascoroas fúnebres, na parede do templo, contendo o nomedessas duas vítimas da Revolução.

Após o culto as crianças, os jovens e as mulheresforam liberados. O recinto ficou exclusivamente para oschefes de família. Comandante Schmitt foi até uma mesae falou: -  “No meu cargo de Dirigente da Comunidade,assumo a condução da reunião. Peço que o meu

 protocolista8, o pastor Voges registre as nossas decisões.Quero também a presença do nosso caixa de finanças, osenhor Johann Peter Jacoby”. 

Pastor Voges pediu a palavra e corrigiu: - “BruderSchmitt, eu acredito que sou um escrevente e não umprotocolista”.

Muitos dos presentes riram. A maioria riu, semsaber direito o que poderia ser um escrevente e muitomenos o que fazia um protocolista. Comandante Schmittsorriu e falou: -  “Quero que o senhor escreva, como

sempre, o que aqui vamos tratar e decidir. Faz tantotempo que não mais fizemos reuniões que até já esqueciquais os cargos que temos em nossa Comunidade”. 

O pastor pegou algumas folhas de papel, umtinteiro e a sua pena.

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Peter Schmitt continuou: -  “Quero tratar hojealguns assuntos que são necessários para o progresso danossa igreja. O primeiro problema que deve preocupar a

todos é que, em virtude desta revolução, a nossa novaigreja de pedra, ficou parada no fundamento. Na Colônia,nós não temos nenhum mestre pedreiro e nem mestre decantaria para conduzir a obra. A falta de pedreiro nosdeixou mal desde o início da Colônia. Nossas casastiveram que ser construídas de pau-a-pique”. 

Pastor Voges pediu a palavra e propôs: - “Coloco-me à disposição para procurar um mestre pedreiro em

Porto Alegre ou então em São Leopoldo, assim que arevolução acabar”. Todos aceitaram a proposta. Diversoscolonos se pronunciaram dizendo também tereminteresse na vinda de um mestre pedreiro, para terem apossibilidade de construir uma casa nova, todos dandopreferência ao estilo enxaimel.

Comandante Schmitt apresentou então o segundoassunto, referente aos apoiadores de cada núcleo, paraauxiliarem nos serviços da Comunidade. O colono PhilippKnewitz, pediu para ser integrado aos apoiadores donúcleo sudeste, onde ele passara a residir. Knewitz eracunhado de Johann Nicolaus Mittmann.

Karl Kellermann pediu a palavra e falou: -  “Eu emeus vizinhos somos moradores novos da Colônia. É oFriedrich Strassburg, mais o Johann Dahl e eu. Estivemos

conversando e decidimos formar um trio de apoiadores,da nossa área, que fica entre a igreja e a sedeadministrativa. É permitido?” .

Comandante Schmitt sorriu e explicou: -  “Osapoiadores sempre serão bem vindos, independente daárea onde moram. Nós convidamos, a princípio, apenasdois, para liderar cada núcleo no apoio para os trabalhos

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que se fazem necessários, seja para a construção daigreja, ou seja, nos assuntos do interesse da nossaColônia. Claro que vocês três são bem vindos e podem se

integrar com os apoiadores da sede, onde eu moro”. Levantou-se o moleiro Christian Mauer, regente

do grupo de canto da Comunidade. Ele falou: -  “Todosgostam quando nos cultos, em enterros ou noscasamentos, podemos estar presentes para cantar eanimar o povo. Porém preciso alertar que somos poucos.Aproveito para convidar casais, para se unirem ao nossogrupo de canto. Nossos encontros de ensaio acontecem

quinzenalmente, nos domingos à tarde, aqui na nossaigreja”. 

Comandante Schmitt falou: -  “Os assuntos quetenho para serem tratados sãos estes. As demaisquestões serão, deixadas para hoje à tarde, uma vez quese referem a uma avaliação da nossa Colônia. Casoalguém ainda queira tratar de algum assunto que dizrespeito ao trabalho religioso em nossa comunidade,pode falar agora. Pois em seguida teremos uma pausapara o nosso almoço natalino, aqui mesmo, na igreja.

Nicolaus Mittmann levantou-se e pediu a palavra.Ele disse: - “Tenho uma solicitação a ser feita”. 

Pastor Voges olhou para o seu auxiliar, com umleve olhar de constrangimento. Temia as intervenções de

Mittmann, principalmente que ele pudesse vir a abordarpublicamente alguma questão mais delicada, dedisciplina eclesiástica, como era o caso da troca deesposas, que fora feita por dois colonos, há sete anos.

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Figura 7 – Dirigentes da ComunidadeEvangélica de São Pedro de Alcântara das Três

Forquilhas. Fonte: Arquivo da Família VogesDirigente: Felipe Pedro SchmittSecretário: Pastor Carlos Leopoldo VogesTesoureiro: João Pedro Jacoby Sênior

Grupo de Apoiadores (auxiliares):Noroeste: João Bobsin e João Maschmann.Igreja: Carlos Klein e Henrique Becker.Sudeste: Paul König e Valentim JustinSul: Martim Schneider e Gaspar Dresbach

Coral: Cristiano Mauer (regente)Cemitério: João Sparremberger e Carlos WittEscola da Comunidade: professoraElisabetha Diefenthaeler VogesPastor: Carlos Leopoldo VogesAuxiliar: João Nicolau Mittmann

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Mittmann, porém devia saber muito bem de seupapel de colaborador eclesiástico. O assunto que elelevantou, deixou o pastor aliviado e tranqüilo. Mittmann

disse: -  “O que tenho para reclamar não é nada grave.Só quero explicar que não gostei dessa história dadisputa no pauzinho, que o pessoal está espalhando pelaColônia. Nunca aconteceu nada disso. Nunca pretendi sero pastor da Comunidade. Existem serviços que eu nuncame dispus a realizar, como casamentos, por exemplo.Até hoje, nunca oficiei uma benção matrimonial, mesmonos dois anos que o pastor foi para Campo Bom e SãoLeopoldo. Apenas servi de auxiliar, para enterros e

batismos. Os cultos também não são do meu papel, poistodos sabem que não recebi o dom da oratória”. 

Comandante Schmitt sorriu de modo amistoso eexplicou: - “Bruder Mittmann. Essa história da disputa nopauzinho é apenas um sinal do quanto às pessoasconfiam na sua ajuda e presença na nossa Comunidade.Não existe nenhuma maldade nesta anedota que alguéminventou...” .

Karl Kellermann levantou-se e quis saber: -  “Masque anedota é esta que ainda não ouvi? Que disputa nopauzinho foi esta? Nós novatos, o Strassburg, o Dahl eeu estamos aqui querendo entender a conversa, mas nãoconseguimos. Alguém pode explicar isso melhor?” .

O colono Brusch também se levantou e falou: - “A

minha turma de colonos, neste nosso cantinho, o Triesch,o Führ e eu, também somos novos na Colônia e nuncaouvimos nada sobre essa anedota. Alguém brigou com onosso amigo Mittmann?” .

Comandante Schmitt sorriu e tranqüilizou os doisgrupos de novatos e falou: - “Bruder Mittmann. Peço que

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o senhor explique essa história da disputa no pauzinho,para estes que nada ainda sabem, dessa anedota”. 

Quem agora ficou constrangido foi NicolausMittmann. Ele respondeu: - “Não. Eu não sei contar essaanedota. Aliás, eu não sei contar nenhuma anedota. Quefale aquele que a inventou... Que fale o Valentim, meucunhado, pois sei que partiu dele essa história”. 

Valentim Justin deu uma gostosa gargalhada.Levantou-se, abriu o peito e se pôs a falar: - “É verdade.Eu inventei essa anedota. Era apenas para mexer com o

meu estimado cunhado. Como eu sabia que ele às vezesé sério demais, em alguns assuntos da nossa igreja,inventei essa história, só para animá-lo um pouco. Erapara ele rir conosco, para ele se alegrar conosco, poistodos nós damos muito valor para o bom serviço que eledesempenhou, durante a ausência do pastor, lá por voltade 1831 a 1833”. 

Friedrich Strassburg interveio: -  “Agora que oMittmann levantou a lebre sobre essa disputa dopauzinho, queremos saber mais. Por favor, Justin, contalogo de vez, essa anedota”. 

Valentin Justin levantou-se novamente efinalmente apresentou a anedota, com aquele seu jeitopeculiar e jocoso de animar algum encontro ou reunião.Ele falou: - “O fato ocorreu lá por volta do ano de 1833.

O pastor Voges havia se ausentado e aqui apareceu sópoucas vezes, em rápidas visitas. O pastor havia deixadoo meu cunhado, responsável para fazer os batismos erealizar os enterros, que se fizessem necessários. O meucunhado, o nosso querido “Bibelmann” se saiu muitobem. Não deixou de batizar as crianças que precisavamde batismo e não deixou de enterrar quem precisasse serenterrado”.

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Mittmann sorriu e mostrou satisfação com essefloreio de palavras do seu cunhado.

Valentim Justin continuou: -  “Quando Vogesvoltou e disse: < aqui estou. Agora eu serei o pastor >, oMittmann não gostou. Ele se acostumara com o trabalhode ser um pastor. Estavam ali, os dois frente a frente. OVoges querendo o pastorado de volta. O meu cunhadoMittmann, não queria entregar o cargo, de jeitonenhum...”. 

Mittmann levantou-se e reclamou: -  “Ouviram

isso. É mentira dele. Eu não pretendi, jamais, ser opastor de Três Forquilhas”. 

O Comandante Schmitt interveio: - “Isso faz parteda anedota. Todos sabemos que o Justin enfeitou ahistória, para deixá-la bem interessante”. 

Brusch levantou-se e pediu: -  “Poderiam fazer ofavor de deixar que a anedota seja concluída?” .

Valentim Justin continuou a falar: -  “QuandoVoges e Mittmann estavam nessa lenga-lenga, cada umquerendo ser o pastor, veio o Comandante Schmitt. Elesempre teve e até hoje sempre encontra uma saída, atémesmo para os problemas mais difíceis. O ComandanteSchmitt foi até um arbusto, quebrou dois pedacinhos depau, um mais comprido e o outro menor. E então

explicou: < vamos já decidir quem de vocês dois será onosso pastor. Venham os dois aqui, diante de mim. Naminha mão tenho dois pauzinhos. Aquele que puxar omaior será o nosso pastor” >.

A gargalhada que ecoou pelo recinto da igreja, foiunânime. Alguém reclamou: - “Conte logo. Como acaboua história?” .

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Valentim Justin falou: -  “Será que preciso contarcomo terminou essa história? Quem é o pastor aqui? É oVoges. Ele, cheio de sorte, como sempre, deixou o

Mittmann puxar primeiro. E o Mittmann, bem naquele jeito que ele tem, eufórico puxou, e levantou o pauzinhodele. Oh, como era pequenino. Só que ele nem olhoupara ver. Já foi dizendo: < ganhei... >.”. 

Outra gargalhada sonora, de muitos, em uníssonoecoou pela igreja. E Justin completou: -  “Voges foi lá epuxou o outro pauzinho. Era enorme. Não precisou maisdizer coisa alguma. E assim resolveu-se essa complicada

disputa, na nossa Colônia, para finalmente sabermosquem é o pastor aqui”. 

FIGURA 8 – Voges e Mittmann na disputa do pauzinho. Fonte: Gravura de Elio Müller. Ano 1970.

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Mittmann estava agora sorrindo. Tudo indicavaque ele desejava ser lembrado pelo Comandante e pelaComunidade. Realmente, havia faltado uma referência ao

papel que ele, com tanto zelo, exercera e aindadesempenhava, nas eventuais substituições ao pastor.

Da mesma forma, também não fora mencionadaElisabeth Voges, a professora da Escola da Comunidade.Na verdade, o ensino, de modo mais regular, somentepassara a ocorrer com a chegada dela, já que o pastorviajava muito e ficava envolvido com inúmeras questõeseclesiásticas e administrativas.

A reunião foi interrompida, para dar espaço para oalmoço de confraternização natalina, da Comunidade. Opastor comunicou: -  “Teremos agora a nossa refeiçãocomunitária. À tarde voltaremos a nos reunir. Asmulheres ocuparão o espaço do templo. Nós iremos até obosque, nos fundos de minha casa”. Voges rindoconcluiu: - “Iremos realizar o encontro da clareira. Afinal,o dia está lindo e agradável e sem nenhum sinal dechuva”.

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O ENCONTRO DA CLAREIRA

Durante o Encontro na Clareira foram tratados osseguintes assuntos, considerados de grande importânciapara a vida administrativa da Colônia e para aorganização da Comunidade Evangélica.

1 – Famílias que saíram da Colônia,desde 1827:  Dezessete famílias da Colônia deTrês Forquilhas abandonaram os seus lotes deterra desde o início da colonização.

2 – Famílias novas que chegaramdesde 1827: Dezesseis famílias chegaram após oano de 1827. Em 1828 chegaram JohannMaschmann e Philipp Knewitz (cunhado de JohannNikolaus Mitmann). Em 1830 chegaram Karl Klein(que adquiriu o lote de Philipp Peter Petersen, aolado da igreja). Em 1833 chegaram JohannDresbach, Casper Dresbach, Christian FriedrichKraemer e Karl Hammer. Após 1835 chegaramHeinrich Wilhelm Brusch, Karl Kellermann,Friedrich Strassburg, Heinrich Georg Triesch, KarlFühr, Johann Teisinger, Johann Dahl, HeinrichGehrmann e Johann Schwartzhaupt.

3 - Inclusão do nome de ChristianMauer como auxiliar do pastor, para serviços

de emergência. Pastor Voges propôs que omoleiro Christian Mauer fosse designado, ao ladode Johann Nikolaus Mittmann, para servir deauxiliar na prestação de eventuais serviços deemergência, tais como batismos e enterros, naComunidade. A mesma foi aprovada porunanimidade.

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4 - O medo dos índios. Os índiosficavam cruzando pelos fundos das propriedades,na trilha que seguia ao pé do morro, rente à

floresta, de Três Pinheiros até a área das Pacovas,seguindo pela área das Limeiras e desembocandona área de caça dos índios, na Pedra Branca. Osíndios já transitavam por ali, desde bem antes dachegada dos colonos. Porém, os moradores deTrês Forquilhas, agora começavam a criarobstáculos. Não queriam mais que os índiostransitassem pelas propriedades. Colonos vindosrecentemente trouxeram histórias tristes, de

casos ocorridos no interior de São Leopoldo comrelatos, dando conta sobre o roubo de crianças eda destruição de casas e lavouras de colonos. NaColônia de Três Forquilhas não houvera, desde1826 nenhum caso de violência. Apenas relatossobre bugres que colheram milho em lavouras doscolonos, assim como os colonos haviam passado acolher o pinhão, as pacovas e limas, dos índios.Afinal, o índio sempre coletara da natureza, osfrutos e a caça que esta oferecia prodigamente.Surgiu, no entanto, um clima de mal estar entreíndios e colonos. Os índios se mostravamcontrariados quando eram impedidos de coletaralgumas espigas de milho. Assumiam gestoshostis, quando alguém tentava impedi-los, maisainda de querer impedi-los de seguir pela trilha,pelos fundos das propriedades dos colonos, que

afinal sempre lhes pertencera. Os colonos, vendoos índios andando com arcos, flechas e facões,não saíam mais de casa sem levar a espingarda atiracolo”. 

5  – Os colonos alemães elevados acidadãos riograndenses. Comandante Schmittexplicou aos presentes que a cidadania brasileira

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sempre fora uma grande esperança acalentadapelos imigrantes alemães, desde 1824, desde ocomeço da colonização. Esta fora uma promessa

do Governo Imperial. Schmitt leu então o Decretobaixado por ordem de Bento Gonçalves, redigidonos seguintes termos: Piratiní, 18 de Dezembro de1838 - Terceiro da Independência e da RepúblicaRio-grandense. Tomando na mais sériaconsideração os relevantes serviços prestadospelos Colonos de São Leopoldo, e das TrêsForquilhas na presente luta de nossaIndependência política. E, outrossim, a

necessidade de empregar o que mais se temdistinguido no Exército, e nas diferentesComissões, de que tem sido encarregados, comoCidadãos da República, o que de muito solicitamos referidos Colonos, bem como aquelesestrangeiros, que a semelhança destes têmservido no Exército, Marinha e Comissõesdiversas: o Presidente do Estado, depois de ouviro Conselho de Ministros Decreta: Art. 1°. OsColonos de São Leopoldo e Três Forquilhas, desde

 já são considerados Cidadãos da República, ecomo tais no gozo de todos os direitos civis, epolíticos a estes concedidos. Art. 2°. Sãoigualmente Cidadãos da República, e consideradosna fruição daqueles mesmos direitos todos osestrangeiros, que têm trabalhado, e passam parao diante trabalhar na defesa da Liberdade,

independência, e prosperidade deste País,provando: § 1°. Constância, e permanênciacontinuada por mais de um ano no serviço doExército, Marinha, ou Comissões diversas. § 2°.Terem definitivamente fixado sua residência noEstado. § 3°. Terem introduzido objetos bélicospara munição, e aparelho de Exército, e umgênero de indústria qualquer. § 4°. Terem no

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Estado o Capital de quatro contos de reis emestabelecimento industrial ou comercial, ou nelesexerça alguma profissão útil, ou viva

honestamente de seu trabalho. § 5°. Teremcasado com Cidadão Rio-Grandense, ou adaptadoa um Rio-Grandense de qualquer dos sexos, § 6°.Terem os conhecimentos indispensáveis paraserem admitidos ao Magistério das Universidades,Licêos, Academias, ou Cursos Jurídicos do Estado.Art. 3°. Para as provas exigidas no Artigo anteriorsão suficientes justificações produzidas perante osJuízes Municipais do Termo, e julgadas pelo Juiz

de Direito da Comarca, onde elas tiverem origem,Art. 4° Ficam revogadas as Leis, e disposições emcontrário. Domingos José de Almeida, Ministro eSecretário de Estado dos Negócios do Interior eFazenda, interinamente encarregado doexpediente dos da Justiça o tenha assimentendido, e faça executar com os despachosnecessários. Bento Gonçalves da Silva - DomingosJosé de Almeida - Registre-se, imprima-se, epublique-se. Secretaria era ut supra Almeida.Registrado no Livro 1° dos Decretos. Era ut supra– No impedimento do Oficial Maior, o EscriturárioMiguel José de Campos Junior". (DECRETO DE BENTO GONÇALVES, DECLARANDO OS ALEMÃES,CIDADÃOS RIO-GRANDENSES. Jornal "O Povo"N°32, 1838, 19 de dezembro de 1838).

6 - Colonos de Três Forquilhasintegrados no Exército Farroupilha.

Johann Bobsin aproveitou o momentodessa reunião para informar que Barata e Loréhaviam passado pela Colônia, rumo a Serra.Ocorreu uma reação da parte de Johann NikolausMittmann: -  “O Eberhardt teve a coragem de

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passar por aqui depois da barbaridade que elescometeram contra os Sparremberger e os Bobsin,no núcleo nordeste? Ele devia ser proibido de

pisar em nossa Colônia”. Bobsin reagiu -  “Quemvos fala é alguém que perdeu um filho, morto poralguns farrapos desclassificados. Mas o Eberhardtnão teve nenhuma culpa pelo ocorrido, pois tenhocerteza que até nos teria defendido caso estivesseaqui. Creio que ele tem todo o direito de retornarà propriedade dele, quando bem entender e maisainda, quando terminar a Revolução.”. Mittmanninsistiu: -  “Creio que ele não deve mais pisar

aqui... Vamos votar esta questão?” . - ComandanteSchmitt interveio, avisando que isto não eraassunto para ser decidido no voto. Explicou queMichel Eberhardt estava em situação privilegiadano Exército dos Farrapos, Integrado à Cavalariado próprio General Bento Gonçalves. Isto eramuito bom para a Colônia de Três Forquilhas, paraser considerada e respeitada pelos Farroupilhas.Eberhardt teria assegurada a posse de sua terra,independente dessa posição política, pois, afinalde contas, muitos outros colonos de TrêsForquilhas não eram também farrapos? Apenasnão tinham a coragem de Miguel Barata, deassumir uma posição de modo público e notório,quem sabe, com medo de represálias. O lote deterra do Eberhardt se situava a aproximadamentetrezentos metros da igreja, rumo ao norte. Quem

cuidava da propriedade era o colono HenriqueGeb, sogro do Barata, que estava ali sentado,apenas escutando, em silêncio.

7  – A passagem de Coronel JohnCaldwell pela Colônia.  O Comandante Schmittrelatou a respeito da breve estada de CoronelCaldwell no vale do Rio Três Forquilhas. Fez os

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seguintes destaques: a) – Coronel John Caldwelltrouxe apoio num momento muito difícil para aColônia, no dia em que oito soldados farrapos

desgarrados causaram uma tragédia e forammortos pelos colonos. b) – Coronel Caldwellproporcionou atendimento médico para pessoasdoentes da Colônia e adquiriu produtos agrícolas,pagos com moeda. c) – Coronel Caldwell doouduas carroças, uma para o pastor Voges e outrapara o administrador local. Diante disto faz oregistro como sinal de gratidão ao ilustre militar,pelo socorro prestado à Colônia.

COLONOS DE TRÊS FORQUILHAS, MORTOSPELOS FARROUPILHAS

1 – Georg Sparremberger,  morto em suapropriedade, na Colônia de Três Forquilhas, emnovembro de 1839.

2 – Heinrich Peter Müller, ferreiro, que sealistou no Exército Imperial, foi morto emcombate, em Lomba Grande, em 26.06.1836.

3 – Peter Friedrich Wilhelm Bobsin, mortodiante do pai, em sua propriedade, na Colôniade Três Forquilhas em novembro de 1839.

Estava para fazer 11 anos.

4 – Johann Diefenbach, sogro de Johann JostSparremberger,  feito prisioneiro na região deSão Leopoldo, e depois degolado, em10.07.1836.

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QUEM FOI CORONEL CALDWELL?

Coronel Caldwell   ou João Frederico Caldwell, tinhaa mesma idade do pastor Voges. Seus cabelos eramlevemente avermelhados, puxando mais para o castanho.

A informação mais remota que Coronel Caldwellpossuía a respeito de suas origens davam conta que osseus antepassados haviam saído de um lugarejo dasproximidades de Glasgow. Eram dedicados à vida

pública. Um seu antepassado, de nome John Caldwell,fora membro do Parlamento Escocês, um Laird 9. Outrosforam militares, que chegaram a ocupar altos postos nahierarquia militar, como súditos do Reino Britãnico, evinculados à Igreja Anglicana. Entre estes constava o seupai, o general Frederick Caldwell, que, já antes de 1800,se colocara à serviço da Coroa Portuguesa, passandoporém a esconder os seus vínculos evangélicos.

Portanto, o Coronel João Frederico Caldwell, doExército Imperial do Brasil, era de uma estirpe demilitares de valor.

Ele assentara praça no 1° Regimento deCavalaria, no Rio de Janeiro.

Em 1817, foi enviado para combater a Revolução

Pernambucana. Retorrnou ao Rio de Janeiro, no mesmoano.

Em 1821 foi promovido a capitão e novamenteenviado a Pernambuco para sufocar a RevoluçãoRepublicana. No ano seguinte, após breve passagem pelacorte, partiu para o Rio Grande do Sul, para onde jáhavia ido o 1° Regimento de Cavalaria. Participou de

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combates na Guerra Cisplatina. Serviu sob o comando deBento Gonçalves da Silva, sendo por este elogiado.

Finda a Guerra Cisplatina ele retornou à corte, noRio de Janeiro. Em 1834, já no posto de major, retornouao Rio Grande do Sul, com a sua familia.

Pelo fato de ter servido sob as ordens de BentoGonçalves, por ocasião da Guerra Cisplatina, ficou sob asuspeição dos Regentes. Atuou, por breve tempo, comocomerciante, em Porto Alegre. Ao romper a RevoluçãoFarroupilha, ao não aderir aos Farrapos, ele foi

convocado pelo Governo Imperial para acompanhar, emviagem à corte, o presidente da província AntônioRodrigues Fernandes Braga, deposto pelos Farrapos.

Em 1836 já no posto de Tenente Coronel foinovamente enviado ao Rio Grande do Sul recebendo oComando Militar de Rio Grande.

Participou da Batalha de Seival onde foi ferido namão direita e feito prisioneiro. Ele perdeu a mão ferida.Conseguiu escapar do campo de prisioneiros.

Caldwell passou uma temporada na corte paratratamento de saúde. Retornou ao Rio Grande do Sul eem novembro de 1839, combateu a tropa do GeneralCanabarro expulsando-o da área de Torres. Com sucessofechou a retaguarda dos Farrapos, ao pé da Serra do

Pinto, no vale do rio Três Forquilhas, impedindo aosFarrapos um retorno para o Litoral Norte.

A presença do Coronel João Frederico Caldwell emTrês Forquilhas foi de grande importância, num dosmomentos mais difícieis vividos pelos colonos alemães,ali radicados.

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Caldwell era um homem calejado em combates,maneta, mas muito experiente, soube captar a confiançada Comunidade Alemã Protestante de Três Forquilhas.

Caldwell era um militar vivido com livre trânsitona Côrte, apresentando uma afinidade secreta com osprotestantes. Ele tinha à disposição recursos e meios,para fazer um trabalho de alcance social. Ajudou aquelescolonos deprimidos, num dos momentos mais adversos.Ele os ajudou a levantar a cabeça, para novamente lutare acreditar que a construção de um mundo melhor erapossível.

Coronel Caldwell concentrou especial atenção napessoa de Carlos Leopoldo Voges, pastor de TrêsForquilhas. Viu no pastor um líder, capaz de conduziraquele povo. Não escondia a sua admiração pelo pastor.Um pastor que escolhera uma região tão remota e tãoisolada do progresso, e se mostrava disposto a tudo,para ajudar estes colonos, na prestação da tãonecessária assistência espiritual.

Já somente o fato de permitir que Vogestransitasse como intérprete, ao lado do médico da tropa,para o contato com os colonos, foi decisivo para firmardefinitivamente a liderança do pastor, na Colônia. Aindamais que o médico foi de casa em casa, levandoorientação e medicação, para os enfermos.

Além disso Caldwell ordenou que o seu oficialadministrativo, com diversas carroças e militares, fôsse atodos os nucleos de moradores, em companhia dopastor. Certamente havia a necessidade de umintérprete. O fato de ser realizada a aquisição deprodutos agrícolas com pagamento em moeda, foi de umefeito altamente positivo. Possivelmente nesta horapastor Voges foi despertado para assumir um papel de

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intermediário dos colonos, para a comercialização dosprodutos. Afinal Coronel Caldwell também chegara atrabalhar como comerciante por breves anos e entendia

do ramo. De uma forma subliminar conseguiu influenciaro pastor, a também atuar nesta área de atividades.Orientou também o pastor para buscar a mão de obra denegros (na época escravos), mas com capacitação paratalhar pedras, para ,assumirem o trabalho que os colonosalemães não se propunham a realizar.

Seria somente ao final da Revolução Farroupilha,que o pastor haveria de assumir plenamente o vazio

deixado pelos Irmãos Niederauer, no Nucleo da Igreja.Voges passou a levar produtos dos colonos em suasviagens a São Leopoldo e Porto Alegre e também passoua trazer encomendas que lhe faziam, de artigos que nãoestavam à venda na Colônia

A breve estada de Coronel João Frederico Caldwellno vale do rio Três Forquilhas foi de elevada importânciapara a Colônia.. Ele é merecedor do nossoreconhecimento. O seu nome deve ser registrado, aolado do Coronel Francisco de Paula Soares Gusmão e doCoronel João Niederauer Sobrinho, entre os militares deescol, que deixaram suas marcas no meio do povo daColônia de São Pedro de Alcântara das Três Forquilhas.

João Frederico Caldwell, no final de sua carreiramilitar chegou a ocupar o cargo de Ministro da Guerra,

entre 29 de setembro e 10 de novembro de 1870, noposto de Marechal do Exército. (Fonte Bibliográfica:Silva, Alfredo P. M. Os Generais do Exército Brasileiro,1822 a 1889, M. Orosco & Co, Rio de janeiro, 1906, vol.1, página 949). 

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CONCLUSÃO

TRAGÉDIA E COMÉDIA, LÁGRIMAS E RISOS 

Sangue de Inocentes mostra que, onde hápersonagens em meio aos conflitos de uma guerra, atragédia se faz inevitável.

Surgem personagens que se enganam sobreatitudes que lhes foram atribuídas. Homens que se

equivocam a respeito do fim que os espera. Sãopersonagens, que em seus caminhos deixam um rastrode sangue e de lágrimas, para pessoas queabsolutamente nada deveriam ter, ou a ver, com a brigadeles.

Em meio a esta mesma tragédia, no entanto,surgem também personagens que sabem revelar suasgrandes virtudes. Homens e mulheres que demonstramuma inteligência superior, uma elegância, que é amanifestação da nobreza de espírito. Há umaconcordância, uma convergência harmoniosa em vista deatos e de palavras, que nos sugerem: sempre ainda podeser buscado o domínio do sujeito sobre os danos e sobreestragos, que são encontrados em cada trágica situação.

Sangue de Inocentes revela, não apenas

tragédias ou lágrimas. Revela também que a vida segueem frente... Revela que o riso tende a retornar ao rostoantes anuviado pela dor, para que a comédia receba, denovo, o lugar que a ela pertence. Tragédia e comédia,lágrimas e risos, se entrecruzam no dia a dia daspessoas, dos povos e do mundo todo e, também nestaobra literária.

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Dizia Charles Chaplin: “A vida é uma tragédiaquando vista de perto, mas uma comédia quando vistade longe” . E Chaplin insistia, revelando a sua grande veia

de comediante, mas também de alguém que soubeobservar, com grande sensibilidade, a vida dos seussemelhantes: “A vida é uma peça de teatro que não

 permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e vivaintensamente, antes que a cortina se feche e a peçatermine sem aplausos”. 

“O próprio viver é morrer, porque não temos umdia a mais na nossa vida que não tenhamos, nisso, um

dia a menos nela” - escreveu Fernando Pessoa. 

Li, também, um dia destes em algum lugar, que avida de uma pessoa pode ser vista de várias maneiras:com os olhos, com a mente, com a intuição. Mas que avida só é verdadeiramente conhecida por aqueles quefalam e ouvem a linguagem do coração. 

Constatei isso, e acredito que todas as vidas têmum significado... Mesmo aquelas vidas que tiveram umabreve existência ou então aquelas que apenas por brevetempo conviveram conosco... Por isto importa queaprendamos a ver e ouvir de uma forma nova ediferente.

Eu, também tive que aprender isso, paraconseguir escrever estes sete volumes que compõe a

Coleção Memórias da Figueira.Tive que aprender a enxergar cada personagem

diante das múltiplas facetas da vida. Elas, as facetas davida, podem estar escondidas... Às vezes vem em umaroupagem muito simples e comum, ou mesmo até emmeio de situações de brutalidade ou insensibilidade, ondetudo parece estar ruindo sob os pés de uma família ou de

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uma coletividade maior. Outras vezes podem chegar emmeio a atos e gestos bem pensados, de pessoas queobservam, de pessoas que sentem e notam todo o

drama, que notam a dor dos seus semelhantes e agempara modificar o rumo das coisas.

Felizmente ainda existem pessoas que se dispõe asocorrerem, prontas para ajudar, e aliviar as doresproduzidas por uma sociedade convulsionada pelaviolência.

Por que seria tão importante, aprendermos a ver e

a ouvir a linguagem, que vem do coração? Porquesomente ela é capaz de alcançar, com mais intensidade,os corações da nossa gente.

Eis aqui descrito o meu objetivo, ao reunir osdiálogos dos diferentes personagens que esta coleção das“Memórias da Figueira”  deseja revelar aos leitores. Oobjetivo é de alcançar não apenas a mente, mas detambém tocar o coração dos leitores.

Para finalizar quero deixar uma homenagem aogrande poeta Mário Quintana com suas tocantes palavrasem  A Idade de Ser Feliz .

A IDADE DE SER FELIZMário Quintana

Existe somente uma idade para a gente ser feliz,somente uma época na vida de cada pessoa em que épossível sonhar e fazer planos e ter energia bastantepara realizá-los a despeito de todas as dificuldadese obstáculos.

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Uma só idade para a gente se encantar com avida e viver apaixonadamente e desfrutar tudo com todaintensidade sem medo nem culpa de sentir prazer.

Fase dourada em que a gente pode criar e recriara vida à nossa própria imagem e semelhança e vestir-secom todas as cores e experimentar todos os sabores eentregar-se a todos os amores sem preconceito nempudor.

Tempo de entusiasmo e coragem em que tododesafio é mais um convite à luta que a gente enfrenta

com toda disposição de tentar algo NOVO, de NOVO ede NOVO, e quantas vezes for preciso.

Essa idade tão fugaz na vida da gente chama-sePRESENTE e tem a duração do instante que passa.

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NOTAS EXPLICATIVAS

(

1

) Página 11 - GENERAL CANABARRO: Davi José MartinsCoelho, era o seu nome de batismo. Nasceu a22.08.1776 em Taquari – RS, filho de José MartinsCoelho e de Dona Mariana Inácia de Jesus. Passou aassinar Canabarro depois de trabalhar por algum tempocom o seu tio Antonio Ferreira Canabarro, Lutou naGuerra Cisplatina, na Guerra dos Farrapos foiFarroupilha. Lutou na Guerra do Paraguai. Alcançou oposto de General.

Bibliografia: PORTO-ALEGRE, Achylles. Homens Illustres do RioGrande do Sul. Livraria Selbach, Porto Alegre, 1917.

(2) Página 33 – DOLMAN: em nossos dicionários consta,hoje, como dolmã – Trata-se de um casaco ou jaquetacurta, que fazia parte do uniforme militar. Hoje éconhecido como túnica do militar.

(3) Página 34 – TREMPE: termo gaúcho, utilizado paradesignar uma armação composta de três varas de ferrofixadas por uma correia e uma corrente de ferro comgancho para suspender a panela ou chaleira sobre ofogo.

(4) Página 42 – HIDROPISIA: do latim: hydropisis; dalíngua grega: hýdrops., Os médicos a denominam deAnasarca. É a acumulação anormal de fluido nascavidades naturais do corpo ou no tecido celular. Ahidropisia por si só não leva a morte. Geralmente é adoença que a causou que mata. Pode ser por falênciarenal, insuficiência hepática são algumas e as maisgraves que matam por não eliminar todas as toxinas docorpo humano e porque os órgãos não realizam suasfunções adequadamente. O tratamento deve ser dadoença que causou a hidropisia.

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(5) Página 61 - CANELA FEDIDA: a canela possuidiversas espécies e que fornecem madeira de excelente

qualidade. A espécie conhecida como canela-bosta(Nectandra sp.) era utilizada pelos índios para finscurativos e como medicamento. Em estudos recentesdescobriu-se que a canela bosta , Nectandra sp., éfundamental para a prevenção de doençasdegenerativas, como doença arterial coronariana ecâncer, pois estimula o sistema imunológico e age comoantioxidante. A canela bosta exala um fedor que seassemelha às fezes humanas. O cheiro desagradável

desta espécie de canela, levava os madeireiros a rejeitá-la da finalidade em construções de moradias ou móveis.

(6) Página 65 – FAZER ALGUM CORAL: uma alusão aocanto coral. Os integrantes do coral elevam as vozes, emconjunto, para executar algum cântico ou melodia.

(7) Página 70 - LAGOA DO INÁCIO: hoje Lagoa dosQuadros, que tem início no atual município de Terra deAreia.

(8) Página 100 – PROTOCOLISTA: termo indevidamenteutilizado, pois um protocolista, em geral serve numarepartição pública e apenas arquiva documentos. Hoje otermo utilizado para aquele que redige uma ata deassembléia ou reunião de membros, de uma igreja. é o

secretário. O dirigente é o presidente. O caixa étesoureiro. Todos integram o que hoje denominamos dePresbitério de uma Comunidade.

(9) Página 115 – LAIRD: é um termo escocês quesignifica Lord, em inglês, portanto designação para anobreza da Escócia.

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FIGURAS em “Sangue de Inocentes”  

FIGURA 1: Página 13 - Pastor Carlos Leopoldo Voges -1º pastor da Colônia de Três Forquilhas. Fonte: Foto doArquivo da Família Voges.

Figura 2: Página 18 - Farrapos atacam Três Forquilhas. Fonte: Gravura feita pelo autor, 2009.

FIGURA 3: Página 21 - O colono, com certeiro tiro,derrubou mais outro farrapo.  Fonte: Gravura feita pelo

autor, 2009.

FIGURA 4: Página 24 - A mãe ao lado do menino morto,sendo confortada. Fonte: Fotomontagem feita pelo autor,2009.

FIGURA 5: Página 29 - Coronel João Frederico Caldwell Fonte: Foto em “Ministros da Guerra do Brasil – 1808 – 1946. Oficinas Gráficas Pongetti – Rio de Janeiro – RJ,1947).

FIGURA 6: Página 66 - Elisabetha Diefenthaeler Voges,esposa do pastor Voges.  Fonte:  Foto do Arquivo daFamília Voges.

Figura 7: Página 103 - Dirigentes da Comunidade. Fonte: Arquivo da Família Voges

FIGURA 8: Página 107 - Voges e Mittmann na disputa dopauzinho. Fonte: Gravura de Elio Müller. Ano 1970.

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FONTES DE CONSULTA

Acervo documental do Pastor CARLOS LEOPOLDOVOGES. Pastas de documentos, livros, relatórios,fotografias e papéis avulsos.

Theodorico Lopes Gentil Torres. em MINISTROSDA GUERRA DO BRASIL – 1808 – 1946. Oficinas GráficasPongetti – RIO DE JANEIRO - RJ, 1947

Livros do Registro Eclesiástico da COMUNIDADE

EVANGÉLICA DE TRÊS FORQUILHAS, em Itati – RS.(Registro de Batismos, Casamentos e Óbitos).

Arquivo pessoal do escrivão ALBERTO SCHMITT ede seu pai, o escrivão CHRISTOVAM SCHMITT.Depoimentos de Alberto Schmitt vindos da tradição oral.

Arquivo pessoal de BALDUINO MITTMANN, comacervo de fotos. Depoimentos de Balduino Mittmann combase na tradição oral.

Depoimentos de EUGENIO BOBSIN, commemórias sobre os seus antepassados Eberhardt eBobsin. Eugenio Bobsin foi criado pelo avô CristianoEberhardt, com o qual colheu memórias valiosas sobre ahistória da Colônia de Três Forquilhas.

Depoimentos de JACÓ MAUER, sobre apersonalidade do pastor Voges e as relações do pastorcom o povo do vale do rio Três Forquilhas.

Memórias de OTHILIA VOGES BOBSIN efotografias do “Arquivo da Família Voges”. Vovó Othiliaconfiou ao autor, em 1970, uma foto do pastor Voges,

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depois publicada pelo historiador Dr. Carlos H. Hunsche,que esqueceu de mencionar a origem da mesma.

ELIO E. Müller, em “TRÊS FORQUILHAS 1826 – 1899”, Fonte Gráfica e Editora Ltda, Curitiba, 1992.

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COLEÇÃO MEMÓRIAS DA FIGUEIRAAutor: Elio Eugenio Müller

Volume: I “De Pés e a Ferros”  

O nascer da Colônia de Três Forquilhas.

Volume: II “Sangue de Inocentes”  

Episódio da Revolução Farroupilha.

Volume: III “Dos bugres aos pretos”  A tragédia de duas raças.

Volume: IV “Amores da Guerra”  Histórias da Guerra do Paraguai.

Volume: V “Face Morena”  A miscigenação na Colônia de Três Forquilhas.

Volume: VI “Os Peleadores”  Um episódio da Revolução Federalista.

Volume: VII

 “E a vida continua...”  O drama humano diante do flagelo da epidemia.

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