Rudolf Steiner - As Manifestações do Carma

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    Rudolf Steiner

    As manifestaes do carma

    Os aspectos decisivos do destino humano

    Onze conferncias proferidas em Hamburgo,de 16 a 28 de maio de 1910

    Traduo:Rudolf Lanz

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    16 de maio de 1910

    Natureza e significado do carma

    Este ciclo de conferncias versar sobre questes do mbito da Cincia Espiritual

    profundamente incisivas na vida. Das diversas exposies feitas no passado, j sabemosque a Cincia Espiritual no deve constituir uma teoria abstrata, uma mera doutrina ouensinamento, e sim um manancial para a vida e o desempenho nela s cumprindo suatarefa quando, mediante os conhecimentos que propicia, flui para nossas almas algo capazde tornar nossa vida mais rica e mais compreensvel e nossas almas diligentes e ativas.Ora, se quem aderir a esta nossa cosmoviso mantiver diante de si esse ideal queacabamos de caracterizar em poucas palavras, procurando verificar o quanto capaz derealizar nesta vida o que lhe aflui da Antroposofia1, talvez sua impresso venha a ser bempouco satisfatria; pois ao considerarmos despreconcebidamente tudo o que hoje o mundoacredita saber e que impele os homens atuais a determinados sentimentos ou atos,poderamos dizer que tudo isso infinitamente distante das idias e dos ideaisantroposficos, e que o antropsofo no tem possibilidade alguma de intervir diretamentena vida com o contedo haurido das fontes da Cincia Espiritual. Contudo, essa seria umaconsiderao bem superficial superficial porque, em tal considerao, no teria sidolevado em conta algo que temos de extrair de nossa prpria cosmoviso, de forma a dizero seguinte: se realmente as foras que assimilamos por meio da Antroposofia foremsuficientemente vigorosas, tambm elas encontraro a possibilidade de intervir no mundo;caso, porm, nada se fizesse para intensific-las cada vez mais, sua interveno no mundoseria impossvel.

    Contudo, existe ainda outra coisa que, por assim dizer, pode trazer-nos consolo

    mesmo que fiquemos desconsolados por tal observao: trata-se justamente do que nosresultar das consideraes efetuadas neste ciclo de conferncias consideraes sobre ochamado carma humano e sobre o carma em geral; pois a cada hora que aqui passarmos,mais claro nos ficar que nunca ser suficiente o nosso empenho em criar oportunidadespara intervirmos na vida com foras antroposficas; e veremos que, acreditando epersistindo seriamente no carma, teremos de presumir que cedo ou tarde o prprio carmanos far enfrentar situaes que apelem a essas foras. Se viermos a supor ainda nosermos capazes de empregar as foras obtidas de nossa cosmoviso, ser porque ainda noas teremos fortalecido o bastante para permitirem que o carma nos possibilite intervircom elas no mundo. Portanto, estas palestras no devero conter apenas uma soma deconhecimentos sobre o carma; cada uma delas dever despertar mais confiana nele, ou

    seja, a certeza de que, no momento oportuno amanh, depois de amanh ou dentro demuitos anos , nosso carma nos trar tarefas na medida em que tivermos de execut-lascomo adeptos de nossa cosmoviso. O carma se nos apresentar como uma doutrina noapenas nos dizendo como certos fatos se comportam no mundo, mas tambm qual satisfa-o e elevao da vida ela prpria nos pode trazer simultaneamente aos esclarecimentosproporcionados.

    Contudo, se ao carma cabe cumprir tal tarefa, a lei que lhe implcita deve serexaminada mais profundamente em sua, por assim dizer, abrangncia universal. Para tanto necessrio algo que, em verdade, no costumo fazer em minhas consideraes

    1Nesse ano de 1910, o Autor ainda se referia Cincia Espiritual como Teosofia. Nesta traduo, o termoTeosofia sempre substitudo por Antroposofia, conforme empregado por ele nos anos posteriores. (N.T.)

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    espirituais: dar uma definio, uma explicao vocabular. No costumo fazer isto, pois, viade regra, explicaes vocabulares no resolvem muito. Em nossas consideraes,geralmente iniciamos descrevendo fatos; e, estando estes corretamente agrupados e or-denados, surgem espontaneamente os conceitos e representaes mentais. Se, para asquestes mais abrangentes que teremos de discutir nos prximos dias, quisssemos seguir

    um caminho semelhante, deveramos dispor de muito mais tempo do que nos oferecido.Da ser necessrio darmos, para melhor compreenso, se no uma definio, ao menosuma espcie de descrio do conceito que nos ocupar por mais tempo. Definies s tmpor objetivo a compreenso do sentido inerente a este ou aquele termo que se emite ouexprime. Nesta linha, darei uma caracterizao do conceito carma para sabermos do queestaremos falando quando, nestas conferncias, a expresso carma for utilizada.

    A partir de todo tipo de consideraes, certamente cada um de ns j formou umconceito de carma. Uma noo bastante abstrata de carma consiste em consider-lo comolei espiritual de causalidade, lei segundo a qual certas causas situadas na vida espiritualseriam seguidas de certos efeitos. Contudo, este um conceito por demais abstrato decarma, por ser em parte muito estreito e, em parte, demasiadamente amplo. Sequisermos considerar o carma uma lei de causalidade, equiparemo-lo ao que, no mundo,chamamos normalmente de lei da causalidade ou lei de causa e efeito. Entendamo-nos umpouco acerca do que normalmente compreendemos por lei causal no mbito genrico,quando ainda no falamos em fatos e acontecimentos espirituais.

    Atualmente se insiste em afirmar, com bastante freqncia, que o verdadeirosignificado da cincia exterior reside no fato de esta se basear na ampla lei dacausalidade, reconduzindo, em qualquer rea, efeitos a causas correspondentes. Arespeito de como ocorre essa reconduo de efeitos a causas , os homens tm idias bemmenos claras pois ainda hoje certamente possvel encontrar, em livros que se cremeruditos e pensam estar expondo conceitos de forma claramente filosfica, afirmaes

    como esta: Um efeito aquilo que decorre de uma causa. Contudo, ao se afirmar queum efeito decorre de uma causa, fala-se com desconhecimento total dos fatos. Se, porexemplo, considerarmos o raio solar que incide sobre uma chapa de metal e a fazesquentar, falaremos ento de causa e efeito no mundo exterior; mas acaso poderemosdizer alguma vez que o efeito o aquecimento da chapa metlica tem como causa oquente raio solar? Se o raio solar j tivesse em si tal efeito, no existiria o fato, j que oraio no aquece uma chapa de metal sem encontr-la em seu caminho. No mundo dosfenmenos inorgnicos ao nosso redor, para um efeito se seguir a uma causa semprenecessrio que algo venha ao encontro desta; se isso no ocorrer, nunca se poder dizerque um efeito se segue a uma causa. No suprfluo partirmos de tal observao,aparentemente bastante filosfica e abstrata; pois se quisermos progredir frutiferamente

    no campo da Antroposofia, teremos de acostumar-nos a conceber conceitos bem definidos,e no da maneira negligente como, s vezes, eles so concebidos nas outras cincias.

    Entretanto, ningum poderia falar em carma no caso de um efeito simples como oaquecimento de uma chapa de metal por um raio de sol. A existe realmente acausalidade, a relao entre causa e efeito, mas nunca chegaramos a um conceitoconveniente de carma falando de carma somente nessa rea. No podemos, pois, falar decarma quando existe uma mera relao de causa e efeito.

    Agora podemos prosseguir e formar um conceito mais elevado da relao entre causae efeito. Se, por exemplo, tivermos um arco, esticarmos este arco e, com ele,arremetermos uma flecha, a ao de estic-lo produzir um efeito. Esse efeito da flechaarremetida, em relao sua causa, tampouco poder ser denominada com a expressocarma, como no caso anterior. Entretanto, se considerarmos outro aspecto desse

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    processo j estaremos, de certa forma, aproximando-nos do carma, embora ainda no comum entendimento de seu conceito: basta imaginarmos que o arco, tendo sido esticadomuitas vezes, torna-se frouxo; ento ao que o arco faz, ao que acontece com ele, segue-se no-apenas um efeito dirigido para fora, mas um efeito que retroage sobre o prprioarco. Pelo tensionamento contnuo do arco, algo acontece ao prprio arco algo

    resultante do tensionamento recai, por assim dizer, sobre o prprio arco; portanto, alcanado um efeito que recai sobre o objeto causador desse efeito.

    Bem, isto j faz parte do conceito de carma. Sem ser produzido um efeito que recaiasobre o objeto ou ente causador desse efeito, sem essa propriedade da retroao doefeito sobre o ente causador, no se pode conceber o conceito de carma. Portanto, j nosacercamos mais do conceito de carma medida que compreendemos o fato de o efeitocausado por um objeto ou ente retroagir sobre o prprio objeto ou ente. Mas mesmo assimo afrouxamento do arco, decorrente de seu contnuo tensionamento, no pode serchamado de carma do arco, e pelo seguinte motivo: se esticarmos com bastantefreqncia o arco durante trs ou quatro semanas e ele se tornar frouxo, teremos nelealgo totalmente diferente do arco bem tenso de quatro semanas atrs; o arco veio a seroutro, deixou de ser o mesmo. Portanto, se o efeito retroativo altera totalmente o objetoou ente, fazendo do objeto ou ente algo completamente diverso, no podemos ainda falarem carma. S podemos falar em carma quando a retroao atingiu o mesmo ser e quandoele, ao menos em certo sentido, permaneceu o mesmo.

    Com isto nos acercamos um pouco mais do conceito de carma; mas, no fundo,teremos uma idia bem abstrata de carma se quisermos descrever seu conceito destemodo. Ainda assim, se quisermos conceb-lo abstratamente nos ser difcil conceb-lo demaneira mais precisa do que a recm-empregada; s que ao conceito de carma teremosde acrescentar ainda um aspecto: quando o efeito retroativo sobre o ente ocorre demaneira simultnea, ou seja, quando a causa e o efeito retroativo ocorrem ao mesmo

    tempo, dificilmente podemos falar em carma. que neste caso o ente emissor do efeitoteria desejado, no fundo, produzi-lo de forma imediata, prevendo o efeito e conhecendotodos os elementos que conduzem a ele. Sendo este o caso, no falemos em carma. Assim,por exemplo, no falaremos em carma se diante de ns um indivduo cometerdeterminado ato tencionando um resultado previsto, e se este ou aquele efeito segundosua inteno ocorrer como ele desejou. Isto significa que entre a causa e o efeito deveexistir algo que se subtraia imediatamente ao ente quando da produo da causa: arelao entre causa e efeito existe de fato, mas sem ser propriamente tencionada peloprprio ente. No havendo, de parte deste, a inteno dessa relao, a razo de existiruma ligao entre causa e efeito reside em outro lugar, e no nos propsitos do ser emquesto. Isto significa que essa razo reside num conjunto de leis. Portanto, tambm faz

    parte do carma o fato de a relao entre causa e efeito estar sujeita a um conjunto deleis que ultrapassa as intenes imediatas do ser.

    Reunimos, assim, alguns elementos capazes de esclarecer-nos o conceito de carma.Temos, porm, de integrar todos esses elementos ao conceito de carma, e nopermanecer numa definio abstrata caso contrrio no poderemos compreender asmanifestaes do carma nos diversos mbitos do mundo. Cabe-nos, inicialmente, procuraressas manifestaes onde pela primeira vez nos defrontamos com o carma: na vidahumana individual.

    Ser que podemos, e quando, encontrar na vida individual do homem o queacabamos de expor com nossa elucidao do conceito de carma?

    Encontraramos tal aspecto se, por exemplo, ocorresse em uma experincia da qualpudssemos dizer: esta experincia que nos surge agora tem uma certa relao com outra

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    experincia anterior, da qual participamos e qual ns mesmos demos ensejo. Tentemos inicialmente pela pura observao da vida constatar se tais situaes existem.Coloquemo-nos agora no ponto de vista da pura observao exterior. Quem no se dispe arealizar tais observaes nunca chegar a conhecer uma relao regida por leis na vida;ele o conseguir to pouco quanto um indivduo que, no observando o choque de duas

    bolas de bilhar, pode conhecer as leis que regem o choque elstico. A observao da vidapode, de fato, conduzir-nos observao de uma relao regida por leis. Escolhamos logouma relao especfica.

    Digamos que um jovem de dezoito anos haja sido excludo, por um acontecimentoqualquer, da carreira profissional que at ento parecia traada. Imaginemos que at talponto esse jovem houvesse seguido seus estudos, preparando-se para uma conseqenteprofisso; e que agora, talvez devido a um acidente sofrido por seus pais, ele tenha sidoexcludo desses estudos e, aos dezoito anos, haja ingressado na profisso de comerciante.Quem, na vida, observar tais casos com um olhar imparcial com o mesmo olhar com oqual se considera, na fsica, o fenmeno do bolas elsticas constatar, por exemplo,que as experincias da atividade comercial imposta quele jovem podem ter, de incio, umefeito estimulante: ele cumpre com seus deveres, aprende algo e talvez at se tornebastante eficiente. Mas tambm ser possvel observar que, aps algum tempo, terocorrido um fato bem diverso: uma certa relutncia, uma certa insatisfao. Essedescontentamento no aparecer logo. Se a mudana de profisso ocorreu aos dezoitoanos de idade, os anos seguintes talvez transcorram calmamente. Contudo, talvez aoredor dos 23 anos fique ntido que algo se estabeleceu na alma, algo que se manifesta demodo inexplicvel. Continuando a pesquisa, pode-se frequentemente observar desdeque se trate de um caso inequvoco que a insatisfao verificada cinco anos aps amudana de profisso encontra sua explicao por volta da idade de treze ou catorzeanos; pois muito freqentemente teremos de procurar as causas de tal sintoma num lapso

    de tempo, antes da mudana de profisso, igual ao tempo decorrido da mudana at amanifestao da ocorrncia descrita. Pode ser que o indivduo em questo tenha tido aostreze anos, durante sua poca de estudante portanto, cinco anos antes da mudana deprofisso , uma vivncia, no mbito de seus sentimentos, que lhe haja causado certafelicidade interior. Suponhamos que a mudana de profisso no tivesse ocorrido; a oimpulso assimilado aos treze anos teria encontrado sua plena realizao na vida posterior,produzindo os mais diversos frutos. Todavia ocorreu a mudana de profisso, queinicialmente interessou ao jovem e lhe cativou a alma. O que penetrou dessa forma emsua vida anmica reprimiu o que j se encontrava nela. Tal represso pode ser suportadadurante algum tempo; mas medida que ocorre, o elemento reprimido adquire no ntimoum vigor especial, acumulando, por assim dizer, energia. como se comprimssemos uma

    bola elstica: podemos comprimi-la at certo limite, quando ento ela oferece resis-tncia; e se lhe for permitido restabelecer a forma original, ela o far com energia tantomaior quanto maior tenha sido a fora com que a tivermos comprimido. Vivncias do tipoque acabamos de mencionar, assimiladas por um jovem em seu ano de vida e consolidadasat mudana de profisso, tambm podem, de certa maneira, ser reprimidas mas apsalgum tempo surge na alma uma resistncia. Pode-se ento constatar como essa resis-tncia se fortalece o suficiente para mostrar seu efeito. Como falta alma o que ela teriacaso no houvesse surgido a mudana de profisso, o que ficou reprimido se faz valer,vindo tona a insatisfao e o fastio em relao ao que o mundo ambiente oferece.

    Temos aqui, portanto, o caso de um indivduo que teve uma vivncia, fez algo naidade dos treze aos catorze anos e fez mais tarde algo diferente, mudando de profisso.Vemos como essas causas atuam de modo que seus efeitos recaiam, retroajam sobre o

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    mesmo ser. Em tal caso, deveramos aplicar o conceito de carma primeiramente vidaindividual do homem. No cabe aqui a objeo alegando o conhecimento de casos em quetais conseqncias no apareceram! Isso pode acontecer; mas tampouco um fsico,empenhado em investigar as leis que regem a queda de uma pedra caindo nesta ounaquela velocidade, dir que tais leis no seriam corretas caso a pedra fosse desviada de

    sua direo por meio de um choque. Precisamos aprender a observar corretamente eexcluir os fenmenos que no concorrem para a formao da lei. Decerto o indivduo queaos 33 anos sentisse, na ausncia de os fatos, os efeitos das impresses de seu 13 ano devida como tediosos, no chegaria a esse tdio se, por exemplo, tivesse se casado nessenterim. Mas a estaramos lidando com um fato sem influncia no estabelecimento da leibsica. O importante encotrarmos os fatores que nos possam conduzir a uma lei. Aobservao, por si, ainda nada significa. S a observao sistemtica nos leva aoreconhecimento da lei. Trata-se, portanto, de tambm estabelecer de maneira corretatais observaes sistemticas. Suponhamos, a fim de vir a conhecer o carma individual dehomem, que um duro golpe do destino atinja algum em seu 25 ano de vida, causando-lhe dor e sofrimento. Nunca chegaremos ao conhecimento da relao crmica sepermanecermos na mera observao, empenhando-a simplesmente no duro golpe fatalque irrompeu na vida de tal pessoa e a preencheu de dor e sofrimento; mas seprosseguirmos com a observao, consderando o que aos cinqenta anos acontece pessoa que aos 25 sofreu o referido golpe do destino, talvez se nos oferea um quadropossvel de ser descrito da seguinte forma:

    O indivduo em questo tornou-se uma pessoa ativa e aplicada, que enfrenta a vidacom habilidade. Examinando agora sua vida passada, descobriremos que aos vinte anos deidade ele ainda era um indolente, nada querendo fazer, e que aos 25 foi atingido pelo durogolpe do destino. Podemos agora dizer que ele teria continuado a ser um indolente nofora o golpe do destino que, desse modo, constituiu a causa do dinamismo e da habilidade

    que encontramos em tal indivduo na idade de cinqenta anos.Um fato como esse nos ensina que incorreramos em erro considerando o golpe dodestino aos 25 anos como mero efeito; perguntando-nos a ns mesmos o que ele causou,no podemos permanecer na mera observao. Porm, caso no consideremos tal golpecomo efeito colocando-o no fim de uma seqncia de fenmenos precedentes , mas osituemos no comeo dos acontecimentos subseqentes considerando-o como causa,aprenderemos reconhecer a possibilidade de at mudarmos substancialmente nossojulgamento emocional e sentimental a respeito desse golpe do destino. Talvez fiquemostristes ao encar-lo apenas o efeito; mas, ao contrrio, considerando-o como causa do queveio depois, talvez fiquemos alegres e contentes com ele pois poderemos dizer que ofato de o indivduo se haver tornado uma pessoa decente deve-se quele golpe do destino.

    Vemos, pois, que algo de nossos sentimentos pode mudar substancialmente conformeconsideremos um fato da vida como efeito ou como causa. Portanto, no indiferenteconsiderarmos algo que atinge algum na vida como mero efeito ou como causa. E lgicoque, se fizermos nossa observao no momento de o fato doloroso ocorrer, ainda nopoderemos constatar o efeito direto; mas se houvermos configurado a lei do carma apartir de observaes semelhantes, essa prpria lei do carma nos far sentir que umacontecimento talvez nos seja doloroso, no momento, por manifestar-se como meraconseqncia de algo precedente, mas que tambm poder ser encarado como ponto departida para algo posterior. A poderemos pressentir o seguinte: o ponto inicial a causade efeitos que colocam o assunto sob uma luz bem diferente! Assim, a prpria lei docarma pode tornar-se a fonte de um consolo. No haveria consolo se tivssemos o hbitode colocar um evento somente no fim, e no no incio de uma seqncia de fenmenos.

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    Trata-se, portanto, de aprendermos a observar a vida de modo sistemtico e arelacionar adequadamente os fatos como efeito e causa. Se ordenarmos tais observaesde maneira realmente eficiente, resultados que ocorrem com uma certa regularidade navida de um indivduo nos ficaro bvios, vindo a surgir outros que nos pareceroirregulares nessa mesma vida. Assim, quem observar a vida humana um pouco alm de seu

    nariz haver de encontrar nela notrias inter-relaes. Infelizmente, hoje em dia osaspectos da vida humana so observados apenas quanto a curtos lapsos de tempo, edificilmente quanto a um perodo de alguns anos. E no existe o hbito de estabelecer arelao entre algo surgido aps um maior nmero de anos e algo que pudesse ter existido,no passado, como causa. Por isso, hoje em dia s poucas pessoas estabelecem uma certaligao entre o comeo e o fim da vida humana. No obstante, tal ligao extremamente reveladora.

    Suponhamos termos educado uma criana durante os primeiros sete anos de sua vidasem fazer o que de hbito, ou seja, partir do dogma segundo o qual, para ser umindivduo decente, ela deveria possuir tais e tais qualidades e corresponder incondicionalmente imagem que fazemos de um indivduo decente. Caso contrrio,incutiramos minuciosamente na criana tudo o que, a nosso ver, faria dela uma pessoadecente. Porm, se partirmos do reconhecimento de que existem muitas maneiras dealgum ser uma pessoa decente, no sendo ainda absolutamente necessrio fazerqualquer idia de como um ser que ainda desabrocha como criana deve tornar-se umapessoa decente segundo sua predisposio pessoal, diremos o seguinte: seja qual for meuconceito de uma pessoa decente, o ser humano que vier a surgir dessa criana deverformar-se pelo desabrochar de suas melhores aptides e isso constitui um enigma cujasoluo talvez caiba a mim descobrir! Cumpre reconhecer, ento, que carece deimportncia o fato de estarmos comprometidos com este ou aquele preceito e coisas dognero. A prpria criana deve sentir a necessidade de fazer isso ou aquilo! Se eu quiser

    desenvolv-la conforme suas disposies individuais, procurarei estimular e desenvolver osanseios predispostos nela, de modo que antes de mais nada lhe surja a necessidade derealizar seus atos de acordo com seus impulsos prprios. Como se v, existem dois mto-dos totalmente diferentes para se atuar sobre uma criana nos primeiros sete anos de suavida.

    Ao observarmos a vida posterior da criana, durante muito tempo no nos ser dadover qual o efeito mais notvel do que incutimos nela, desse modo, durante os primeirosanos. A observao da vida demonstra, na verdade, que os verdadeiros efeitos do que foiincutido como causa na alma infantil s se manifesta em ltimo lugar, ou seja, no fim davida, O ser humano poder manter uma mente gil at o fim de sua vida se o educarmos,como criana, da forma recm-descrita: levando em conta sua vida anmica, ou seja, tudo

    o que reside vivamente em seu interior. Se houvermos trazido luz e desenvolvido tudo oque est disponvel nela em matria de foras interiores, veremos os frutos aparecer navelhice sob forma de uma rica vida anmica. Em compensao, o que fizermos de incorretoao ser humano em sua primeira infncia se manifestar numa alma pobre e estril e, namesma medida, tambm em enfermidades corpreas j que, conforme veremos maistarde, uma alma estril atua tambm sobre o corpo. Vemos a uma relao entre causa eefeito que, de certa forma, se manifesta na vida humana regularmente, sendo vlida paraqualquer pessoa.

    Assim, poderamos descobrir tais relaes tambm quanto aos perodos medianos davida, aos quais ainda dedicaremos nossa ateno. Nossa maneira de tratar um jovem entreos sete e os catorze anos mostrar seus efeitos no penltimo perodo de sua vida. Vemos,pois, causa e efeito transcorrer ciclicamente, como num circuito. As causas que existiram

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    mais cedo surgem como os mais tardios efeitos. Mas no so apenas tais causas e efeitosque existem na vida humana individual; h tambm um processo linear, paralelo aocclico.

    Em nosso exemplo, em que o 13 ano pode interferir no 23, vimos como causa eefeito se relacionam na vida humana de modo tal que o contedo vivenciado pelo homem

    dentro de si produz efeitos que retroagem sobre o mesmo ser humano. dessa forma queo carma se realiza numa vida humana individual. Todavia, no chegaremos a explicar avida humana procurando relaes entre causa e efeito apenas dentro dessa vidaindividual. Nas prximas palestras veremos como essa idia pode ser fundamentada edesenvolvida. Nesta altura, quero apenas apontar algo j conhecido: o fato de a CinciaEspiritual mostrar como a vida humana entre o nascimento e a morte a repetio devidas humanas anteriores.

    Ora, se procurarmos o aspecto caracterstico da vida entre o nascimento e a morte,poderemos consider-lo o fato de uma mesma conscincia ao menos em tese seestender por todo esse perodo. Relembrando as primeiras fases de nossa vida, constata-remos que existe um momento inicial para nossas reminiscncias, o qual no coincide como nascimento, sendo um pouco posterior a ele. Toda pessoa no-iniciada relatar isso,acrescentando que sua conscincia s remonta at esse momento. No fundo, algo muitoparticular o perodo entre o nascimento e a morte em relao ao incio das reminiscnciasde vida; ainda voltaremos a esse aspecto, que nos haver de esclarecer coisassignificativas. No levando, porm, isso em considerao, diremos que o aspectocaracterstico da vida entre o nascimento e a morte o fato de uma conscincia seestender por todo esse perodo.

    Embora na vida normal o homem no procure em perodos anteriores da vida ascausas de um acontecimento que o atinge em idade mais avanada, ele poderia faz-lo seprestasse a necessria ateno e investigasse tudo. Ele seria capaz de faz-lo com a

    conscincia que tem sua disposio sob forma de conscincia recordativa; e casoprocurasse, pela recordao, a relao entre o anterior e o posterior no sentido do carma,chegaria ao seguinte resultado, dizendo, por exemplo: Vejo que certos acontecimentosocorridos comigo no teriam sobrevindo sem este ou aquele evento num momento anteriorda vida. Talvez ele dissesse: Agora tenho de expiar o que minha educao provocou emmim. Mesmo que reconhea apenas a relao entre o pecado cometido no por ele,mas contra ele e acontecimentos posteriores, isso j poder servir-lhe de ajuda. Eleencontrar mais facilmente meios e caminhos para compensar prejuzos que lhe tenhamsido causados. O reconhecimento de tal relao entre causa e efeito, em cada um dosperodos de nossa vida possveis de abrangermos com nossa conscincia comum, pode serextremamente proveitoso para ns. Adquirindo esse conhecimento, talvez possamos fazer

    ainda outra coisa. Se um indivduo, tendo chegado aos oitenta anos, olharretrospectivamente para o que deve ser procurado na primeira infncia como causas paraacontecimentos no octogsimo ano de idade, talvez lhe seja bem difcil encontrarantdotos para compensar o que lhe haja sido feito; e mesmo que ele aprenda algumacoisa com isso, tal fato no lhe ser de muita ajuda. Todavia, se buscar tal informaomais cedo e detectar o que tiver sido feito de errado com ele e, digamos, j aos quarentaanos tomar providncias, talvez ainda tenha tempo para adotar certas contramedidas.

    Vemos, portanto, que cabe instruirmo-nos no apenas sobre os aspectos imediatos docarma, mas acima de tudo sobre o que este e significa como conjunto de leis inter-relacionadas. Isso poder ser proveitoso para nossa vida. Porm, o que faz um homemque, aos quarenta anos, empreende algo para evitar prejuzos resultantes de certos errosque, por exemplo, hajam cometido contra ele ou ele prprio haja cometido aos doze anos?

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    diga A dor existe e tu sofres por causa dela, s considerando a dor pelo efeito, para aconscincia que abrange o perodo entre a morte e o novo nascimento a procura da dor oude uma infelicidade qualquer poderia residir precisamente na inteno.

    Isso nos fica efetivamente bvio ao considerarmos a vida humana de um ponto devista mais elevado. Ento podemos ver que na vida humana surgem acontecimentos do

    destino apresentando-se no como efeitos de causas situadas no decorrer de uma s vida,e sim como sendo causados por uma outra conscincia: aquela situada do outro ladonascimento e que deu continuidade nossa vida em tempos anteriores nossa vinda aomundo. Compreendendo corretamente tais pensamentos, diremos que a princpiopossumos uma conscincia extensvel a todo o perodo entre o nascimento e a morte aqual chamaremos de conscincia da personalidade individual, sendo que designamos porpersonalidade individual o processo decorrente entre o nascimento e a morte. Veremos,em seguida, como pode atuar alm do nascimento e da morte uma conscincia que ohomem desconhece em seu estado de conscincia comum, mas que pode ser to atuantecomo esta. Foi por isso que em primeiro lugar descrevemos como a prpria pessoa assumeseu carma e aos quarenta anos, por exemplo, compensa algo para no ser atingida pelasconseqncias de seu 12 ano de idade. A ela assimila carma em sua conscincia de perso-nalidade individual. Ao contrrio, quando uma pessoa impelida a ir a um lugar qualqueronde poder sofrer uma dor, a fim de compensar algo e tornar-se um indivduo melhor, issotambm se origina nela s que no provm de sua conscincia de personalidadeindividual, mas de uma conscincia mais ampla, que abrange tambm o perodo entre amorte e o novo nascimento. Ao ser que, no homem, abrangido por esta conscincia maisampla, chamaremos sua individualidade; e a essa conscincia constantementeinterrompida pela conscincia da personalidade chamaremos conscincia individual, emoposio conscincia da personalidade individual. Vemos, pois, o carma ativo em relaoindividualidade do homem.

    Contudo, mesmo assim no compreenderamos a vida humana se focalizssemosapenas a seqncia dos fatos, tal como fizemos at aqui, considerando somente o que, emtermos de causas, est contido no homem por fora dele prprio e procurado emefeitos. Basta considerarmos um caso simples, que ser apresentado de maneira a ficarmais eloqente, e logo veremos no ser possvel compreendermos a vida humana levandoem conta apenas o que acaba de ser dito. Tomemos um inventor ou descobridor porexemplo, Cristvo Colombo ou o inventor da mquina a vapor, ou qualquer outro. Adescoberta implica num determinado feito ou ato. Se encararmos esse ato tal como ohomem o realizou, procurando a causa para ele o ter praticado, sempre haveremos deencontrar causas situadas dentro do critrio invocado at agora. O motivo pelo qualColombo, por exemplo, foi Amrica, tendo em dado momento tomado tal deciso, reside

    em seu carma individual e pessoal. No entanto, podemos perguntar: ser que a causadever ser procurada apenas no carma pessoal e individual? E acaso devemos considerar aao como efeito vlido apenas para a individualidade que atuava em Colombo? O fato deter descoberto a Amrica produziu certo efeito para ele. Por esse meio ele se elevou,tornou-se mais perfeito. Isso se manifestar no desenvolvimento de sua individualidade navida seguinte. Contudo, que efeitos esse ato teve ainda para outras pessoas? No devera-mos tambm consider-lo como causa, que interveio em inmeras existncias humanas?

    Porm essa ainda uma considerao bastante abstrata, em se tratando de umassunto que poderemos apreender muito mais profundamente se considerarmos a vidahumana por grandes perodos de tempo. Suponha-se que observemos a vida humana talcomo se desenrolou na poca egipto-caldaica, que precedeu a greco-latina. Seexaminarmos esse perodo quanto ao que proporcionou aos homens e ao que estes ento

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    experimentaram, algo muito peculiar se revelar. Comparando essa poca com a nossaprpria, constataremos que os acontecimentos atuais esto relacionados com o que sepassou no perodo cultural egipto-caldaico. O perodo greco-latino situa-se entre ambos.Determinadas coisas no ocorreriam em nossa poca se certas outras no tivessemacontecido na cultura egipto-caldaica. Se a cincia moderna obteve este ou aquele

    resultado, sem dvida isso tambm decorre de foras desenvolvidas a partir da almahumana; mas as almas humanas que atuam em nossa poca tambm estavam encarnadasno perodo egipto-caldaico, tendo l assimilado certas vivncias sem as quais nopoderiam realizar o que hoje realizam. Se os discpulos dos sacerdotes dos templos doantigo Egito no houvessem assimilado a astrologia egpcia, que versava sobre as relaescelestes, no poderiam ter penetrado mais tarde nos segredos do Universo; e certas almasde nossa poca no disporiam das foras que conduziram a humanidade atual aos espaoscelestes. Como foi, por exemplo, que Kepler2 chegou s suas descobertas? Ele o conseguiupor ter vivido nele uma alma que, no perodo egipto-caldaico, assimilara as foras para asdescobertas que faria no quinto perodo ps-atlntico. Causa-nos satisfao interior veraflorar, em espritos individuais, uma espcie de reminiscncia do fato de os germes desuas realizaes atuais terem sido plantados no passado. Um desses espritos, Kepler, quedeu passosimportantes na pesquisa das leis celestes, diz de si prprio:

    Sim, fui eu quem roubou os vasos de ouro dos egpcios, para com eles erguer ao meuDeus um santurio longe das fronteiras do Egito. Se me perdoardes, ficarei contente seestiverdes irados contra mim, suport-lo-ei; estou jogando o dado e escrevo este livrotanto para o leitor de hoje como para o do futuro que importa? E se ele tiver deesperar por seu leitor durante cem anos, pois bem: o prprio Deus esperou durante seismil anos por aquele que contemplasse reconhecidamente sua obra.3

    Eis uma recordao que esporadicamente aflorava em Kepler a respeito do que ele

    assimilara como germe para suas realizaes em sua existncia pessoal como Kepler.Poderamos citar centenas de exemplos semelhantes. Contudo, ainda vemos a algo almdo simples fato de aflorar em Kepler alguma coisa que efeito de vivncias de uma vidaterrena anterior. Vemos aflorar algo que se manifesta, para toda a humanidade, como oefeito ordenado de alguma coisa que foi igualmente importante para ela numa pocaanterior; vemos como o homem colocado em determinado lugar a fim de realizar algopara a humanidade inteira; vemos existir no s na vida humana individual, mas em toda ahumanidade, relaes de causa e efeito que se estendem por longos perodos. Dissopodemos inferir que as leis do carma individual se cruzam com as leis que podemoschamar de leis crmcas da humanidade. s vezes esse cruzamento , em verdade, poucotransparente. Imaginem o que teria sido de nossa astronomia se em dado momento no

    houvesse sido inventado o telescpio. Basta acompanhar a evoluo da astronomia paraver que muitssimo se deve inveno do telescpio. Ora, sabido que o telescpio foiinventado quando algumas crianas, ao brincar numa oficina tica com lentes, juntaramalgumas delas por acaso, de tal maneira que algum imaginou poder resultar disso algocomo um telescpio. 4

    Imaginem em que profundezas se deve procurar para chegar ao carma individual dascrianas e ao carma da humanidade, visto que num momento preciso se deu a descoberta

    2Johannes Kepler (15711819), matemtico, fsico e astrnomo. Com base no sistema planetrio copernicanoe observaes de seu professor Tycho de Brahe, estabeleceu as trs leis planetrias com as quais definiu suateoria heliocntrica. Vide tambm observaes sobre Kepler em R. Steiner, A direo espiritual do homem e

    da humanidade, trad. Lavnia Viotti (2. ed. So Paulo: Antroposfica, 1991). (N.E.)3Johannes Kepler, Harmonices mundi (vol. 5, prefcio). (Cf. N.E. orig.)4Fato ocorrido por volta de 1608 na Holanda. (N.E. orig.)

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    Sabemos que certos seres remanesceram no nvel da antiga evoluo lunar, tendoassim permanecido a fim de ensinar ao homem da Terra qualidades bem definidas. E noapenas seres remanesceram na antiga poca lunar da Terra, mas tambmsubstancialidades. No nvel da Lua permaneceram seres que atuam em nossa existnciaterrena como seres lucifricos. Por motivo desse atraso e da atuao em nossa existncia

    terrestre, ocorrem nessa mesma existncia efeitos cujas causas j foram estabelecidas naexistncia lunar. Porm algo se consuma tambm substancialmente. Ao considerarmoshoje nosso sistema solar, vemos que ele composto por corpos celestes cujos movimentosdemostram certa coerncia interior. No entanto encontramos outros corpos celestes que,por assim dizer, rompem com as leis normais do sistema solar, embora tambm semovimentem com certo ritmo: so os cometas. Ora, a substncia de um cometa no dotipo que segue leis como as existentes em nosso habitual e regular sistema solar, e sim leiscomo as que existiram no perodo da antiga Lua. De fato, na existncia dos cometas semanteve o conjunto de leis da antiga existncia lunar. J mencionei vrias vezes que esseconjunto de leis foi apontado pela Cincia Espiritual antes que houvesse surgido umaconfirmao da Cincia Natural. Em 1906, em Paris, chamei a ateno para o fato de quedurante a existncia da antiga Lua certas combinaes de carbono e nitrogniodesempenhavam uma funo semelhante das atuais combinaes de oxignio e carbonona Terra cido carbnico, dixido de carbono, etc. Estas ltimas combinaes contmalgo de mortfero. Funo semelhante foi desempenhada por combinaes do cidociandrico, combinaes do tipo cido prssico, durante a antiga existncia lunar. Essefato foi apontado pela Cincia Espiritual em 1906. Tambm em outras palestras me referiao fato de a existncia cometria trazer as leis da antiga existncia lunar para o nossosistema solar; portanto, no s os seres lucifrios ficaram para trs, mas tambm oconjunto de leis que rege a antiga substncia lunar e que atua irregularmente em nossosistema solar. Alm disso, sempre foi dito que a existncia cometria deve implicar, ainda

    hoje, em algo como combinaes de cido ciandrco na atmosfera dos cometas. Somentemuito depois de essa informao ter sido anunciada pela Cincia Espiritual, somente nopresente ano [1910] que foi encontrado o espectro do cido ciandrico na existnciacometria, por meio da anlise espectral.

    Aqui os Senhores tm uma das provas para o caso de lhes dizerem: Mostre-nos comose pode realmente descobrir algo por meio da Cincia Espiritual! Existem mais coisascomo esta; basta observ-las.

    Vemos, pois, que algo da nossa antiga existncia lunar atua em nossa atual existnciaterrestre.

    A esta altura perguntamo-nos: acaso se pode afirmar que exista algo espiritualsubjacente aos fenmenos sensoriais exteriores?

    Para quem reconhece a Cincia Espiritual, bvio que por detrs de todas asrealidades sensoriais existe tambm o espiritual. Quando algo substancial da antigaexistncia lunar atua em nossa existncia terrestre, quando o cometa ilumina nossa exis-tncia terrestre, h tambm algo espiritual agindo por detrs. Poderamos at indicar quetipo de espiritualidade se manifesta, por exemplo, atravs do cometa Halley. 6A cada vezque penetra na esfera de nossa existncia terrestre, o cometa Halley a expressoexterior de um novo impulso em direo ao materialismo. Isto poderia parecersupersticioso ao mundo de hoje; mas ento bastaria os homens se conscientizarem decomo eles mesmos deduzem efeitos espirituais de constelaes estelares. Ou, ento,quem no concordaria em afirmar que o esquim um homem de tipo diferente do hindu,

    6 Designao em homenagem ao astrnomo ingls Edmund Halley (16561742), que constatou suaperiodicidade em 1682 e previu, com acerto, sua reapariao em 1759. (Cf. N.E. orig.)

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    por exemplo, porque os raios solares incidem de ngulos diferentes nas regies da Terra?Em todo lugar, tambm os cientistas atribuem a constelaes estelares efeitos espirituaisna humanidade. Um impulso espiritual em direo ao materialismo acompanha, pois, ocometa Halley. Esse impulso pode ser demonstrado: a apario do cometa Halley em 1835foi seguida daquela corrente materialista que se pode qualificar como o materialismo da

    segunda metade do sculo XIX; a apario anterior fora seguida do luminismo materialistados enciclopedistas franceses. Eis a relao.

    Para que determinadas coisas surgissem na existncia terrestre, as causas tiveram deser estabelecidas antes, fora da existncia da Terra. E aqui se trata at mesmo de umcarma universal. Ora, por que na antiga Lua houve uma segregao de elementosespirituais e substncias? Para que determinados efeitos pudessem refletir-se nos seresque produziram essa segregao. Os seres lucifricos foram excludos e tiveram de passarpor uma evoluo diferente, a fim de poder surgir, para os entes situados na Terra, o livre-arbtrio e a possibilidade de optar pelo mal. Temos a algo que, em efeitos crmicos,ultrapassa nossa existncia terrestre: um panorama do carma universal.

    Hoje tivemos oportunidade de falar sobre o conceito de carma, sobre seu significadopara a personalidade individual, para o indivduo e para a humanidade inteira, no mbitodos efeitos para a Terra e para alm dela, e ainda encontramos algo que podemosdenominar carma universal. Descobrimos a lei do carma, qual nos podemos referir comouma lei da relao entre causa e efeito, mas de maneira tal que o efeito retroage sobre acausa e, ao retroagir, ainda mantm a essncia, permanecendo o mesmo. Encontramosesse conjunto de leis crmicas por toda parte no mundo, na medida em que consideremoso mundo como algo espiritual. Pressentimos que o carma se manifestar das mais diversasmaneiras nas mais diferentes reas. E pressentimos como as diferentes correntes crmicas carma pessoal, carma da humanidade, carma da Terra, carma do Universo e assim pordiante se cruzaro e, precisamente por isso, nos proporcionaro as concluses de que

    necessitamos para compreender a vida; e a vida s poder ser entendida em seus pontosisolados se soubermos encontrar a atuao conjunta das mais diferentes correntescrmicas.

    17 de maio de 1910

    Carma e reino animal

    Antes de abordar nossas questes crmicas humanas propriamente ditas, temos detecer uma srie de consideraes preliminares, s quais pertence o que foi tratado ontem:

    uma espcie de descrio do conceito de carma. A elas pertence tambm o que ser ditohoje a respeito de carma e reino animal. O que poderamos chamar de provas exterioresda realidade das leis crmicas ser encontrado, no decorrer deste ciclo, naqueles pontosem que for oportuno especificar tais provas exteriores. Nessas ocasies, os Senhoresencontraro tambm a oportunidade de falar sobre a fundamentao da idia de carmaem conversas com terceiros, que lhes faro perguntas sobre este ou aquele ponto porserem cticos em relao a toda essa idia de carma. Todavia, para tudo isso sonecessrias algumas consideraes preliminares.

    Uma pergunta que logo surge a seguinte: como se comporta a vida animal, odestino animal em relao ao que denominamos decurso do carma humano, no qualencontramos encerradas conforme ainda veremos as mais importantes e profundasquestes existenciais do homem?

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    A relao, na Terra, dos homens com o mundo animal diferente conforme a poca etambm conforme os diferentes povos. E certamente no deixa de ser interessante vercomo, nos povos que conservaram o que havia de melhor na remota sabedoria sagrada dahumanidade, tomou lugar uma maneira de tratar os animais plena de compaixo e decarinho. No mbito do mundo budista, por exemplo, que conservou partes relevantes de

    antigas cosmovises tais quais os homens as possuam em pocas vetustas, encontramosuma atitude profunda e plena de compaixo para com os animais um modo de trat-los,bem como sentimentos perante o mundo animal, que muita gente na Europa ainda incapaz de entender. Mas tambm em outros povos basta lembrarmos o rabe, namaneira como trata seu cavalo , mormente quando conservam algo das antigasconcepes, surgidas aqui e acol como antigas heranas, encontramos uma espcie deamizade pelos animais, algo como um tratamento humano deles. Em compensao,pode-se certamente dizer que naquelas regies onde se prepara uma espcie decosmovso do futuro, nas regies ocidentais, instalou-se pouca compreenso relativa aessa compaixo pelo mundo animal. E caracterstico o fato de, no decorrer da IdadeMdia e tambm em nosso tempo, justamente em pases onde a cosmoviso crist seexpandiu, poder ter surgido a concepo de que os animais no devem, de modo algum,ser considerados seres com uma vida anmica prpria, e sim uma espcie de autmatos. Etalvez no seja injustificado termos chamado a ateno embora nem sempre contandocom grande compreenso para o fato de tais concepes, freqentementerepresentadas pela filosofia ocidental em que os animais seriam autmatos desprovidos devida anmica prpria, terem-se infiltrado nas camadas populares isentas de qualquercompaixo e freqentemente desconhecedoras dos limites ao tratamento cruel dispensadoaos animais. A coisa chegou a ponto de Descartes, um grande filsofo moderno, ter sidototalmente mal-interpretado em seus pensamentos sobre o reino animal. 7

    Devemos, naturalmente, estar cnscios de que os espritos realmente significativos

    do desenvolvimento cultural do Ocidente nunca representaram a opinio segundo a qual osanimais so apenas autmatos. Descartes tampouco a representou, embora se possa lerem muitos livros de filosofia que ele teria opinado desse modo. No verdade; quemconhece Descartes sabe que ele, com efeito, no atribui aos animais uma alma capaz dedesenvolver-se para, a partir da conscincia prpria do eu, chegar a uma prova daexistncia de Deus; no obstante, ele afirma que o animal permeado, animado pelosassim chamados espritos vitais, que entretanto no constituem uma individualidade tounitria como o eu do homem, mas mesmos assim atuam na natureza animal como alma. Eo aspecto caracterstico justamente ter-se podido interpretar erroneamente Descartes aesse respeito, pois isso nos mostra que nos sculos passados do nosso desenvolvimento oci-dental existia a tendncia a atribuir aos animais algo meramente automtico; e essa

    tendncia foi identificada at mesmo onde no poderia t-lo sido caso se houvesseestudado a obra conscienciosa-mente, ou seja, em Descartes. O desenvolvimento dacultura ocidental tem como particularidade o fato de ter precisado realizar-se a partir deelementos do materialismo. Pode-se at mesmo dizer que a ascenso do cristianismo seconsumou tendo esse significativo impulso da evoluo da humanidade sido primeiramentetransplantado para uma mentalidade materialista ocidental. O materialismo dos temposmodernos apenas uma conseqncia do fato de tambm o credo religioso maisespiritualizado, o cristianismo, ter podido encontrar primeiro no Ocidente uma concepomaterialista. Talvez se pudesse dizer que destino humano dos povos ocidentais o fato deeles terem de superar-se pelo trabalho a partir de bases materialistas e, precisamente

    7 Rene Descartes, Discours de la mthode (5 parte), Trait de lhomme e Primae cogitationes circagenerationen animalium. (Cf. N.E. orig.)

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    mas tambm os que se revelam ao seu pensamento combinatrio. A ele se depara com umfenmeno que tambm os cientistas salientam sem, todavia, saber explic-locorretamente: o fenmeno de o homem ter de aprender as atividades mais elementares.No decorrer de sua histria ele teve de aprender o uso dos instrumentos mais primitivos, eainda hoje nossas crianas precisam aprender as coisas mais simples, para o qu precisam

    empregar um certo tempo. necessrio esforo para ensinar algo ao ser humano, comosimples habilidades, fabricao de ferramentas e instrumentos, etc. Contrariamente,olhando para os animais, temos de concordar que eles esto muito melhor nesse sentido.Imaginemos como o castor executa sua construo complicada e engenhosa: ele noprecisa aprend-lo ele o sabe, na medida em que traz essa capacidade como leiintrnseca, tal como ns, homens, trazemos conosco a possibilidade, a habilidade detrocar os dentes por volta dos sete anos de idade. Ningum de ns precisa aprend-la. Eassim que os animais trazem consigo uma aptido como a do castor para construir suacasa. E se passarmos em revista o reino animal, veremos que os animais trazem consigohabilidades bem determinadas, por cujo intermdio podem realizar algo que supera,eemm uito, a habilidade que o homem, no obstante seu orgulho, alcanou.

    Ora, pode surgir a seguinte pergunta: por que o homem, ao nascer, menos apto doque, por exemplo, uma galinha ou um castor? Por que deve aprender penosamente o queesses seres j trazem em si? Eis aqui uma grande pergunta. E o fato de essa ser umagrande pergunta deve ser aprendido antes de mais nada; pois, naquilo que o indivduodeve ganhar para sua cosmoviso, importa muito menos apontarmos fatos significativos doque sabermos formular perguntas importantes. Fatos podem ser corretos, mas nemsempre precisam ser valiosos para nossa cosmoviso. Embora desejemos abordar aindahoje as causas desses fenmenos sob o enfoque da Cincia Espiritual, iramos muito longese quisssemos expor suas razes em todos os detalhes; no entanto, podemos indic-lasinicialmente em poucas palavras.

    Retrocedendo, do ponto de vista da Cincia Espiritual, evoluo humana at umpassado bem remoto, descobriremos que os elementos e foras disponveis para o castorou outros animais, a fim de eles trazerem em si tais aptides ao mundo, tambm estavamdisponveis para o homem. No que num passado remoto o homem tivesse simplesmenteassimilado em sua constituio a inabilidade, deixando ao animal a aptido primitiva. Eleassimilou tambm essa aptido e, no fundo, em escala bem maior do que os animais pois embora os animais tragam em si determinadas e grandes habilidades ao mundo, estasso, de fato, unilaterais na vida. No fundo o homem no sabe absolutamente coisa algumaao iniciar a vida, tendo primeiramente de aprender tudo o que diz respeito ao mundoexterior. (Exprimo isso em termos um tanto radicais, mas viremos a entender-nos.)Quando, porm, o homem aprende, logo se evidencia que seu desenvolvimento poder ser

    mais rico e variado, quanto a certas habilidades, etc., do que o caso do animal.Portanto, originalmente o homem trazia em si uma riqueza de disposies que, noentanto, no possui mais hoje em dia. Evidencia-se ento a particularidade de origi-nalmente o homem e o animal terem sido dotados das mesmas disposies. E seremontssemos ao Antigo Saturno, descobriramos que ainda no havia ocorrido umadiferenciao entre o desenvolvimento do homem e o do animal. Ambos tinham aptidestotalmente iguais. O que ocorreu ento, nesse nterim, para que o animal trouxesse suaexistncia todas as habilidades possveis, enquanto o homem se tornou um companheirode existncia terrena to incapaz? Como se comportou verdadeiramente o homem, nessemeio tempo, para repentinamente no mais possuir tudo de que era dotado? Ser queinsensatamente dissipou, no decorrer da evoluo, o que os animais, como usurios maisparcimonosos, preservaram? Tal pergunta pode ser lanada a partir da constatao dos

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    fatos reais.No, o homem no esbanjou as disposies de que o animal desfruta hoje como

    habilidade exterior; ele tambm as utilizou, mas para algo diferente do que fizeram osanimais. Os animais exprimem-nas em habilidades exteriores: o castor e a vespa cons-troem suas moradas. As mesmas foras que os animais assim exteriorizam, o homem as

    interiorizou e usou em si mesmo. Com elas ele realizou o que chamamos de sua naturezahumana supenor. Para que o homem viesse a ter hoje seu andar ereto, um crebro maisperfeito e sobretudo um mais perfeito substrato interior, havia necessidade de certasforas e trata-se das mesmas que o castor usa para erguer sua construo. Se o castorconstri sua casa, o homem empregou as foras em si prprio, em seu crebro, em seusistema nervoso, etc. Por isso ele nada guardou para, da mesma forma, atuarexteriormente. Portanto, o fato de hoje andarmos com uma natureza mais perfeita emmeio aos animais decorre de havermos empregado em nossa estrutura interior, no decursoda evoluo, o que o castor emprega exteriormente. Temos interiormente nossa casa decastor, no mais podendo, por isso, dirigir essas foras igualmente para fora. Atendo-nos,pois, a uma cosmoviso homognea, veremos de onde provm as diversas disposiesexistentes nos seres e como elas se nos apresentam hoje. Tendo o homem utilizado essasforas sua maneira,em sua evoluo terrestre se lhe tornou necessria uma naturezamuito especial, que j conhecemos em parte.

    Por que motivo foi preciso empregar, no interior da natureza humana, as foras deque acabamos de falar e que se manifestam, nas diferentes espcies e ordens do reinoanimal, em atividades exteriores? Porque somente tendo conseguido estruturar suanatureza interior que o homem pde tornar-se o portador do que hoje constitui o eu ecaminha de encarnao em encarnao. Uma outra natureza no poderia tornar-se talsuporte do eu; pois o fato de uma individualidade dotada de um eu poder ou no atuar naexistncia terrestre depende inteiramente do envoltrio exterior. Ela no poderia faz-lo

    caso a estrutura exterior no fosse adequada individualidade do eu. Portanto, tudoconvergiu para adequar a estrutura exterior a essa individualidade do eu. Para tal, umanatureza especial tinha de ser criada; j a conhecemos em seu aspecto essencial.

    Sabemos que nossa evoluo terrestre foi precedida pela evoluo lunar, esta pelaevoluo solar e esta ltima por uma evoluo saturnina. Quando a evoluo da Antiga Luachegou ao seu fim, o homem se encontrava, em sua existncia exterior, num nvel quepoderamos chamar de humanidade animal. Mas quela altura tal natureza humanaexterior ainda no se achava suficientemente desenvolvida para tornar-se portadora deuma individualidade caracterizada por um eu. Somente o desenvolvimento terrestre dohomem teve a tarefa de incorporar o eu a essa natureza. Entretanto, tal s podiaacontecer mediante uma configurao muito particular dos acontecimentos de nossa

    evoluo terrestre.Terminada a evoluo da Antiga Lua, tudo se dissolveu, por assim dizer, num caos.

    Deste voltou a surgir, aps um correspondente perodo de crepsculo csmico, o novocosmo de nossa evoluo terrestre. Nesse cosmo da evoluo terrestre achava-se entocontido tudo o que hoje est ligado a ns e Terra como nosso sistema solar. A partirdesse contexto, dessa unidade csmica, que ento se desprenderam todos os outroscorpos celestes de nossa Terra propriamente dita. No precisamos detalhar aqui a maneiracomo os outros planetas Jpiter, Marte, etc. se separaram. Cumpre apenas realarque nossa Terra e nosso Sol se separaram em determinado momento do ciclo terrestre. Jtendo o Sol se separado, atuando de fora sobre a Terra, esta ainda se encontrava unida atual Lua, de modo que as substncias e foras espirituais atualmente inerentes Luaainda permaneciam ligadas nossa Terra naquela poca.

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    Vrias vezes se questionou o que teria acontecido caso o Sol no se tivesse separadoda Terra e passado atual situao de atuar de fora sobre ela. Uma vez que nicialmente aTerra e o Sol ainda se achavam ligados, todo o sistema csmico e tambm os precursoresda natureza humana estavam unificados sob condies totalmente diferentes. Seriaabsurdo argumentar, com base nas condies atuais: Que tolice dos antropsofos; todos

    os seres constitudos se teriam incendiado! Ora, esses seres eram de tal natureza quepodiam subsistir nas condies de ento, naquela unidade csmica to diferente. Caso oSol tivesse permanecido em ligao com a Terra, energias diferentes, muito mais violen-tas, teriam permanecido ligadas a ela, e em conseqncia todo o desenvolvimento daTerra teria progredido rpida e impetuosamente, a ponto de no ser possvel naturezahumana evoluir como deveria. Da a necessidade de a Terra dispor de um ritmo mais lentoe de foras mais densas. Isso s se viabilizou pelo fato de as foras tempestuosas eveementes terem-se retirado dela. Assim, as foras do Sol passaram a exercer umainfluncia atenuada, principalmente por atuarem agora do exterior e distncia. Isso,porm, trouxe outra conseqncia. A Terra se encontrava num estado em que os homenstampouco podiam evoluir corretamente. As condies passaram a ser muito densas,endurecedoras, ressecadoras para toda e qualquer vida; o homem teria sido, mais umavez, impossibilitado de chegar ao seu desenvolvimento caso essa situao houvessepermanecido. O alvio se deu por meio de um arranjo especial: algum tempo aps a sadado Sol, a Lua atual tambm abandonou a Terra, levando consigo as foras retardantes queaos poucos teriam conduzido a vida morte. Desse modo a Terra ficou entre o Sol e a Lua,escolhendo a velocidade apropriada para que a natureza humana realmente pudesseacolher um eu como portador da individualidade que passa de encarnao em encarnao.Tal como hoje, a natureza humana no poderia ter sido plasmada, a partir do Cosmo,por qualquer outra circunstncia a no ser pela ocorrncia das separaes, primeiro do Sole a seguir da Lua.

    Algum poderia alegar: Fosse eu o Criador, teria procedido de maneira diferente;teria logo produzido uma mescla tal que a natureza humana pudesse progredir da maneiraapropriada. Por que a necessidade, primeiro, da separao do Sol e, depois, de uma novasada da Lua?

    Quem pensa assim raciocina de maneira excessivamente abstrata. No lhe vem mente que para se produzir, na ordem do Universo, uma diversidade interior como anatureza humana, necessria uma disposio especial para cada parte isolada, no sepodendo transformar em realidade o que a mente humana excogita em suas divagaes.Tudo pode ser pensado abstratamente; mas na autntica Cincia Espiritual precisoaprender a pensar concretamente, reconhecendo que a natureza humana no algo tosimples. Ela consiste num corpo fsico, num corpo etrico e num corpo astral. Esses trs

    membros precisavam primeiramente ser levados a um determinado equilbrio, em quecada uma das partes estivesse em correta inter-relao com as demais. Tal s podiaocorrer por meio do seguinte processo trplice: primeiramente, a formao do Cosmounificado, de toda a unidade csmica compreendendo juntamente a Terra, o Sol e a Lua.Em seguida, devia-se consumar algo capaz de exercer um efeito retardante sobre o corpoetrico humano, que do contrrio teria consumido toda a evoluo de maneiratempestuosa e isso se realizou com a separao do Sol. E finalmente a Lua precisava serafastada, pois do contrrio o corpo astral teria levado a natureza humana a umperecimento. Esses trs acontecimentos precisaram advir pelo fato de o homem possuir,em sua natureza, trs componentes.

    Vemos, pois, que o homem deve sua existncia e suas qualidades atuais a umacomplexa disposio do Cosmo. Mas sabemos tambm que o desenvolvimento de todos os

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    nela tal qual as partculas mais densas na gua. Deixamo-las submergir ao fundo e, assim,elevamo-nos acima delas. Isso facultou nosso desenvolvimento. Baixando, portanto, nossoolhar aos trs remos da natureza em redor, constatamos em tudo algo que teve deconstituir-se em nossa base para possibilitar nosso desenvolvimento. Essas entidadesdesceram ao fundo para que pudssemos subir. essa a maneira correta de olharmos para

    os reinos inferiores da natureza.Ao observarmos agora a evoluo terrestre, esse processo se nos poder apresentar

    ainda mais claramente em seus detalhes. Devemos ter em mente que todos os fatoscontidos em nossa evoluo terrestre possuem determinadas condies e relaes. Comovimos, o fato de o Sol e a Lua se separarem da Terra ocorreu, em verdade, a fim depermitir organizao humana atingir, durante a evoluo da Terra, o nvel em quepudesse tornar-se uma individualidade; tal era necessrio para submeter a organizaohumana como que a um processo de catarse. Mas, uma vez que tais separaes noUniverso ocorreram por causa do homem, essa profunda alterao em todo o nossosistema solar exerceu tambm uma influncia sobre os trs outros reinos da natureza mor-mente sobre o reino animal, que nos est mais prximo. E se quisermos entender essainfluncia exercida sobre o reino animal, decorrente dos processos de separao do Sol eda Lua, obteremos a seguinte explicao a partir da pesquisa espiritual:

    O homem se encontrava em determinado grau de seu desenvolvimento quando o Solse separou. Se tivesse de conservar-se no nvel que possura durante a ligao da Lua coma Terra, no teria atingido sua natureza atual; teria como que murchado e ressecado. Eraprimeiramente necessrio que as foras lunares se retirassem. A natureza humana s setornou possvel graas circunstncia de o homem ter conservado, durante a ligao daLua com a Terra, uma estrutura que ainda podia ser emolda pois poderia ter acontecidode seu organismo j se ter tornado to rgido que a sada da Lua teria sido intil. Nessenvel, em que a estrutura ainda podia ser emolida, encontravam-se efetivamente s os

    precursores do homem. A Lua teria, pois, de retirar-se em determinado momento. O queocorreu, ento, at que isso acontecesse?A estrutura humana tornava-se cada vez mais rstica. O homem no chegou a ter o

    aspecto da madeira essa seria uma imagem grosseira demais. A estrutura daqueletempo, apesar de sua rusticidade, era ainda mais refinada do que a atual; mas paraaquela poca era to rstica que a parte mais espiritual do homem vivendo tambm a,de certo modo, ora com, ora sem o corpo fsico , na poca situada entre a sada do Sol ea da Lua, havia finalmente chegado ao ponto de, ao procurar novamente seu corpo fsico,encontr-lo to denso em virtude dos acontecimentos da Terra que no tivera maisqualquer possibilidade de adentr-lo e utiliz-lo como habitculo. Foi tambm por essa ra-zo que a parte psico-anmica de muitos precursores do homem abandonou a Terra e,

    durante um certo tempo, procurou evoluir em outros planetas do nosso sistema solar. Sum nmero muito diminuto de corpos fsicos continuou sendo aproveitvel e atravessouesse perodo a salvo. J expus repetidas vezes que a grande maioria das almas humanassaram para o espao celeste, e que a corrente ininterrupta da evoluo foi mantida porpequeno nmero, ou seja, pelas almas humanas mais robustas, capazes de suportar esuperar essa situao. Tais almas mais robustas salvaram a evoluo, atravessando operodo crtico.

    Durante todo esse processo, ainda se tratava propriamente do que chamamos de euhumano, de individualidade humana. Predominava ainda o carter de alma da espcie. Aoretornar, as almas dirigiam-se alma da espcie.

    Ento sobreveio a retirada da Lua e, com isso, novamente a possibilidade de oorganismo humano se aperfeioar, podendo voltar a acolher as almas anteriormente

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    evadidas. Essas almas desceram de volta pouco a pouco at durante a poca atlntica ocupando os corpos humanos. Mas ainda assim ficaram para trs determinados organismosdesenvolvidos durante o perodo crtico. Eles se haviam reproduzido ao longo desseperodo, s no podendo ser portadores de almas humanas. Eram organismos rsticos,remanescentes do perodo crtico da Terra aps haverem coexistido com aqueles que mais

    tarde puderam aperfeioarse. Tornaram-se, ento, os precursoras de uma estrutura maisrstica, decorrendo da que, ao lado dos organismos aptos a tornar-se portadores deindividualidades humanas, tambm se reproduziam esses organismos incapazes disso,descendentes daqueles abandonados por almas humanas na poca em que o Sol j se haviaafastado e a Lua ainda estava unida Terra. Vemos, portanto, constituir-se ao lado dohomem um reino de organismos que, por guardarem o carter lunar, tornaram-se incapaci-tados para portar individualidades humanas. Esses organismos so, em essncia, osorganismos de nossos animais atuais. Poderia parecer surpreendente que esses organismosmais rsticos dos animais atuais possam, por seu lado, ter determinadas aptides capazesde atuar no mundo at mesmo com sabedoria, como no exemplo da casa do castor. Isto,porm, pode ser explicado caso no tenhamos idias por demais simplistas, e simestejamos cnscios de que precisamente os organismos dessas entidades no ocupadas poralmas humanas formaram as estruturas exteriores da constituio animal, como as de umcerto sistema nervoso e similares, as quais lhes possibilitavam colocar-se em perfeitasintonia com as leis da existncia terrestre. Ora, as entidades que ficaram incapacitadaspara receber almas humanas haviam permanecido, durante todo o perodo, ligadas Terra. Os demais organismos, que mais tarde se aperfeioaram ao ponto de poder acolherindividualidades humanas, em verdade tambm se encontravam na Terra; mas, comotinham de passar por futuras transformaes depois da retirada da Lua, perderamprecisamente o que haviam adquirido at ento, pelo efeito de se haverem aperfeioado,de terem precisado passar por essas transformaes.

    Tenhamos, pois, em mente: quando a Lua se separou da Terra, nesta havia certosorgansmos que simplesmente se reproduziram na mesma linha anteriormente seguida emseu nascimento, ocorrido enquanto Terra e Lua ainda se encontravam unidas. Essesorganismos permaneceram rsticos, conservaram as leis que possuam e tornaram-se torgidos que, com a sada da Lua, no lhes era possvel sofrer qualquer transformao. Sim-plesmente continuaram a reproduzir-se de maneira rgida. Os outros organismos,destinados a tornar-se portadores de individualidades humanas, tinham de transformar-se,no podendo reproduzir-se rigidamente. Sua transformao se deu a ponto de possibilitara influncia de entidades que, nesse entretempo, sequer estavam ligadas Terra, tendoestado em lugar bem diverso e s ento precisando unir-se novamente a ela. Eis a adiferena entre as entidades que continuaram mantendo o rgido carter da Antiga Lua e

    as que se transformaram. Em que consistiu essa transformao?Quando as almas afastadas da Terra retornaram, principiaram por reestruturar o

    sistema nervoso, o crebro e assim por diante. As foras de que dispunham eram usadas,por assim dizer, para a reorganizao interior. Nenhuma mudana podia ainda ser efetuadanas outras entidades, que se haviam enrijecido. Destes ltimos organismos se apoderaramoutras entidades que ainda no intervinham neles haviam estacionado em etapasevolutivas anteriores, no sendo capazes de intervir no organismo mas atuando de fora,como as almas de espcies animais. Assim, aqueles organismos aptos para tal receberem aalma humana aps a sada da Lua; ento essas entidades plasmaram o organismo a pontode lev-lo perfeita estrutura humana. Os organismos que permaneceram rijos durante operodo lunar no podiam mais ser modificados. Deles se apoderaram as almas insufi-cientemente evoludas para penetrar numa individualidade, tendo permanecido paradas

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    no nvel da Lua e desenvolvido tudo o que era alcanvel nesse estgio apossando-seagora, por isso, desses organismos na condio de almas grupais.

    Assim se explica a diferena entre homem e animal a partir dos processo csmicos. Eprecisamente por meio dos acontecimentos csmicos durante a evoluo da Terra que senos evidenciam dois tipos de organismos. Se tivssemos sido forados a permanecer no

    nvel estrutural das entidades imediatamente inferiores ao homem, teramos agora depairar com nosso eu em redor da Terra, pois os organismos se teriam tornadoexcessivamente rgidos. No poderamos descer e, embora nos houvssemos tornado seresmais perfeitos, deveramos permanecer onde se encontram as almas das espcies animais.Mas como nossos organismos puderam aperfeioar-se, pudemos penetr-los usando-oscomo moradas, ou seja, pudemos descer Terra em incorporaes carnais. As almas dasespcies no sentiram tal necessidade; elas atuam nos seres a partir do mundo espiritual.

    Vemos, portanto, no reino animal em redor de ns algo que hoje tambm seramoscaso no devssemos nosso organismo ao processo descrito. Perguntemo-nos agora: comofoi que os animais, inferiores a ns, chegaram Terra com seus organismos enrijecidos?Eles desceram por nosso prprio intermdio! Eles so os descendentes daqueles corpos queno mais queramos habitar aps a retirada da Lua por se haverem tornadodemasiadamente rsticos. Ns abandonamos esses corpos para mais tarde encontraroutros. No teramos podido encontrar outros corpos depois caso ho houvssemos,naquela poca, abandonado os primeiros, pois tnhamos de buscar nosso progresso naTerra aps a sada do Sol. A temos exatamente o processo em que, por assim dizer,abandonamos abaixo de ns certas entidades para podermos encontrar a possibilidade dens mesmos subirmos a um nvel superior. Para elevar-nos, tivemos de emigrar para outrosplanetas e deixar nossos corpos deteriorar-se l embaixo. Ao que l ficou devemos, decerto modo, o que somos. Essa situao de devedores pode ser descrita com maispormenores. Podemos perguntar-nos: como tivemos a possibilidade de abandonar a Terra

    durante o perodo crtico? No possvel que, sem mais nem menos, um ser possa ir paraonde quiser.Ora, durante a evoluo da Terra surgiu pela primeira vez algo que novamente

    devemos aos espritos lucifricos. As entidades lucifricas eram nossos guias, que noperodo crtico nos afastaram do desenvolvimento terrestre. como se nos houvessemdito: A embaixo est-se aproximando agora uma poca crtica; deveis abandonar aTerra! E foi sob a direo dos espritos lucifricos que deixamos a Terra os mesmosespritos que introduziram em nosso corpo astral de ento o princpio lucifrico, o pendorpara tudo o que chamamos de possibilidade do mal em ns, mas simultaneamente tambma possibilidade da liberdade. Se eles, naquela poca, no nos houvessem retirado daTerra, teramos permanecido sempre presos ao organismo ento criado por ns, podendo

    hoje, no mximo, pairar sobre nossa forma fsica sem nunca poder habit-la. Assim, osseres lucifricos levaram-nos para longe e ligaram seu prprio ser ao nosso.

    Tendo isso em vista, fica-nos agora compreensvel que, indo embora, assimilamos asinfluncias lucifricas. As entidades que na poca no compartilharam desse destino ode serem conduzidas a regies muito especiais do Universo , tendo permanecido ligadas Terra, ficaram embaixo sem a influncia lucifrica. Elas tinham de partilhar conosco osdestinos da Terra, mas no puderam partilhar conosco nosso destino celeste. Quandoretornamos Terra, tnhamos em ns a inciso lucifrica, mas aqueles outros seres no;com isso se nos tornara possvel conduzir a vida dentro de um corpo fsico e tambm umavida independente dele, e assim tambm pudemos transformar-nos cada vez mais emautmatos com relao a esse corpo. Porm os outros seres, que no continham ainfluncia lucifrica, representavam o que havamos feito deles; representavam o que

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    nossos corpos eram no perodo intermedirio entre as retiradas do Sol e da Lua portanto, aquilo de que nos havamos livrado. Observando os animais, podemos dizer oseguinte: tudo o que os animais apresentam de crueldade, de voracidade, de outrasdesvirtudes animalescas ao lado da habilidade que possuem, tudo isso teramos em nscaso no houvssemos conseguido expeli-lo! Devemos a libertao do nosso corpo astral

    circunstncia de todas as qualidades astrais mais rsticas terem ficado no reino animal daTerra. Podemos, pois, afirmar: para o nosso bem que no as possumos mais dentro dens a crueldade do leo, a astcia da raposa , que tudo isso se tenha desprendido dens e, fora de ns, possua agora uma existncia autnoma.

    Assim, os animais possuem em comum conosco aquilo que o nosso corpo astral,tendo, por isso, a possibilidade de sentir dores; mas, precisamente pelo motivo recm-mencionado, no alcanaram, por meio da dor e da superao da dor, a possibilidade deelevar-se cada vez mais. que eles no possuem individualidade alguma e, por isso, estoem situao muito pior do que a nossa, nesse aspecto. Ns temos de suportar as dores,mas para ns cada dor um meio para nos aperfeioarmos; superando-a, elevamo-nosgraas a ela. Deixamos para trs os animais como algo que, embora possuindo a faculdadede sentir dor, no possui o que poderia elev-lo acima dela e por cujo intermdio elesuperasse a dor. esse o destino dos animais. Eles nos evidenciam nossa propria estruturana fase em que ramos capazes de sentir dor mas ainda no podamos, por sua superao,transform-la em algo sanador para a humanidade. Assim devemos aos animais, no decursoda evoluo terrestre, nossa pior parte, sendo que eles nos circundam como sinalizao dofato de havermos atingido uma perfeio maior. Ns no nos teramos livrado do resduosem deixar para trs os animais.

    No devemos aprender a encarar tais fatos como teorias, e sim com um sentimentouniversal csmico. Devemos dirigir o olhar aos animais com a seguinte sensao: A foraesto vocs, animais. Quando vocs sofrem, sofre algo que beneficia a ns, homens. Ns,

    homens, temos a possibilidade de superar o sofrimento; vocs tm de padec-lo. Nsdeixamos para vocs o sofrimento e ficamos com a capacidade de super-lo!Quando desenvolvemos esse sentimento csmico para alm da teoria, ele se

    transforma na abrangente compaixo pelo mundo animal. Onde, portanto, o sentimentocsmico nasceu da sabedoria primitiva da humanidade, onde os homens ainda conserva-ram uma reminiscncia do conhecimento primitivo, que revelava a cada um a essncia dascoisas por meio de uma clarividncia brumosa, conservou-se tambm a compaixo paracom o mundo animal, a qual se manifesta intensamente. Essa compaixo voltar quandoos homens se acostumarem a assimilar a sabedoria espiritual, quando compreenderemcomo o carma da humanidade est ligado ao carma do Universo. Nos tempos que, porassim dizer, constituam os tempos das trevas, em que o pensamento materialista se

    instalou, no se poderia ter a noo exata dessas relaes. A s se olhava para o que estsituado lado a lado no espao, sem levar em conta que essa diversidade tem uma origemunificada e s se separou durante a evoluo. Naturalmente, tampouco se sentia o queune o homem aos animais. E em todas as regies da Terra onde se teve a misso deacobertar a conscincia da relao do homem com o mundo animal, onde em lugar dessaconscincia s entrou a que se limita ao espao fsico exterior, o homem retribuiu demaneira singular, aos animais, o que lhes deve: comendo-os.

    Essas coisas nos mostram, ao mesmo tempo, como as cosmovises se relacionam como mundo das sensaes e sentimentos humanos. Sensaes e sentimentos, em ltimaanlise, so resultados das cosmovises e, na medida em que as cosmovises econhecimentos se transformarem, as sensaes e sentimentos tambm se transformaro,no contexto da humanidade. O homem no podia seno ter uma evoluo ascendente;

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    tinha de precipitar outros seres no abismo, a fim de elevar-se ele prprio. No podiaconceder aos animais uma individualidade que lhes compensasse, no carma, ossofrimentos que eles tm de padecer; s lhes podia entregar a dor, sem poder dar-lhes oconjunto de leis crmicas da compensao. Contudo, o que no pde dar-lhes no passadoele lhes dar quando houver chegado liberdade e abnegao em sua individualidade.

    Ento captar tambm nesta rea, conscientemente, a lei do carma, dizendo: Devo aosanimais o que sou. O que no posso mais dar a cada um dos entes animais, que desceramde uma existncia individual para uma existncia sombria aquilo de que, por assimdizer, sou culpado frente aos animais , preciso agora retribuir pelo tratamento que possodispensar a eles! Por esse motivo, com o progresso do desenvolvimento por meio daconscincia das relaes crmicas surgir tambm uma melhor relao do homem com oreino animal do que a existente agora, sobretudo no Ocidente. Sobrevir um tratamentodos animais pelo qual o homem, que precipitou os animais nas profundezas, ir al-losnovamente s alturas.

    Assim vemos, pois, o carma e o reino animal numa certa inter-relao. No podemoscomparar ao carma humano o que o animal vive como destino, sob pena de criarmos umagrande confuso. Mas considerando toda a evoluo da Terra e o que teve de acontecerpelo bem da humanidade e de seu desenvolvimento, veremos que se pode falar de umarelao entre o carma da humanidade e o mundo animal.

    18 de maio de 1910

    Doena e sade em relao ao carma

    Consideraes como as que nos ocuparo hoje e nos prximos dias podem muitofacilmente estar sujeitas a mal-entendidos. Trataremos de vrias questes sobre doena e

    sade do ponto de vista do carma, e, devido controvrsia entre correntes de opiniocontemporneas justamente neste terreno, facilmente poder ocorrer uma interpretaoerrnea das bases da Cincia Espiritual quando este captulo a relao entre doena esade e o carma for abordado. Como os Senhores sabem, quando questes de sade edoena entram em considerao, a discusso agita at os crculos mais distantes combastante veemncia e paixo. Todos os Senhores sabem que, tanto por parte de leigoscomo tambm de certos mdicos, toma-se partido contra o que chamamos de medicinacientfica. De outro lado, pode-se facilmente observar que os representantes da medicinacientfica so provocados justamente por alguns ataques talvez injustos; e, sendo assim,no s incorrem numa espcie de paixo quando se trata de intervir em favor do que acincia tem a dizer e seu legtimo direito faz-lo , mas tambm se empenham em

    luta bem severa contra o que de algum modo possa ser dito, a partir de pontos de vistadiferentes dos representados pela medicina oficial, a respeito da rea que iremosconsiderar. A Antroposofia ou Cincia do Esprito s poder fazer jus a suas elevadastarefas se mantiver um juzo isento e objetivo em tal campo freqentemente obnubiladopelas discusses. Quem j ouviu conferncias semelhantes, por mim proferidas, sabe queno pretendo de modo algum juntar-me ao coro dos que pretendem desacreditar achamada medicina acadmica. A Cincia Espiritual no quer, nem de longe, identificar-secom esta ou aquela tendncia.

    guisa de introduo, seja-me permitido enfatizar que o trabalho relativo aos fatos epesquisas efetivas dos fenmenos, justamente na rea da enfermidade e das questes desade humana nos ltimos anos e decnios, merece realmente os mesmos louvores, oreconhecimento e a admirao que os outros numerosos resultados obtidos pela cincia.

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    E, a respeito do que foi efetivamente realizado nessa rea, pode-se tambm dizer oseguinte: se h algum que possa alegrar-se com o que a medicina realizou nos ltimosanos, esse algum justamente a Cincia Espiritual. De outro lado, necessrio enfatizaralgo vlido justamente para as cincias: as conquistas e os efetivos conhecimentos e des-cobertas encontram, s vezes, interpretaes e explicaes muito pouco corretas e

    satisfatrias de parte das atuais opinies cientficas. O que mais se salienta em nossapoca, com relao a muitas reas da pesquisa cientfica, que as opinies, as teorias,no esto desenvolvidas altura das descobertas e fatos que, s vezes, so maravilhosos.S a luz que emana da Cincia Espiritual ir esclarecer o que foi conquistado nessa readurante os ltimos anos.

    Aps esta prvia observao, ficar patente que no se trata aqui de concordar comargumentos baratos invocados para combater o que hoje possa ser realizado no terreno damedicina cientfica. Mas tambm deve ser dito que os fatos descobertos, admirveis emsi, no podem tornar-se, em nossa poca, frutferos para o bem da humanidade porque,de outro lado, justamente opinies e teorias de matizes francamente materialistas inibemessa frutificao. Por isso, para a Antroposofia melhor expressar despretensiosamente oque tem a dizer do que intrometer-se numa luta partidria qualquer. Dessa maneira seroexaltadas muito menos paxes do que j o so hoje.

    Se quisermos chegar a um ponto de vista acerca das questes que nos deveroocupar, precisaremos ter em mente que as causas mais prximas e mais distantes paraum fenmeno qualquer devem ser procuradas das mais diversas maneiras; e que, em setratando de buscar causas crmicas para questes de sade, a Antroposofia dedicaralguma ateno s causas mais distantes, no situadas na superfcie. Esclareamos isso pormeio de uma analogia: ao refletirem sobre ela, os Senhores chegaro ao que de fato sequer dizer.

    Suponhamos que algum se posicione achando quo magnificamente avanados

    estamos hoje8

    nesse domnio, desprezando totalmente as opinies que surgiram nossculos passados acerca de sade e doena. Se os Senhores tentarem obter um panoramaacerca de questes de doena e sade, tero a impresso de que os representantes dessarea normalmente julgam o seguinte: as novidades desse campo nos ltimos vinte a trintaanos constituem uma espcie de verdade absoluta que, embora possa ser completada,nunca pode sofrer um julgamento negativo do tipo que esses mesmos crticos infelizmenteemitem acerca da maior parte dos pensamentos humanos antecedentes nesse mesmocampo. Por exemplo, comum se dizer que justamente nesse campo que encontramos,em tempos passados, as supersties mais crassas, sendo citados, a seguir, exemplosbastante repulsivos de como antigamente se procurava curar uma doena ou outra. E aspessoas ficam particularmente chocadas ao esbarrar em expresses cujo significado antigo

    foi perdido pela conscincia atual mas que, mesmo assim, se insinuaram nela, embora ohomem moderno no saiba o que fazer com as mesmas em sua atual maneira de pensar.Alguns exclamam: Houve pocas em que toda doena era atribuda a Deus ou ao Diabo!A coisa no to grave como tais crticos do a entender, pois eles no sabem a quecomplexo de concepes se aludia por meio de um conceito como Deus ou Diabo.Podemos esclarecer o assunto mediante uma analogia.

    Imaginemos duas pessoas conversando; uma diz outra: Acabo de ver uma salacheia de moscas; algum me disse que isso era natural, e a explicao me parecia correta,pois a sala estava muito suja, facilitando a proliferao das moscas. totalmenteexplicvel que se aceite isso como motivo para a existncia das moscas, e, creio, tambmter toda a razo quem disser que no haver mais moscas na sala se esta sofrer uma boa

    8Palavras do fmulo Wagner no Fausto, de Gethe (1 parte, Noite). (N.T.)

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    limpeza! Nessa altura, porm, um outro teria afirmado conhecer ainda uma outra causapara a presena de tantas moscas na sala; e ele no poderia atribuir a causa a outra razoseno ao fato de que h muito tempo a sala era habitada por uma dona-de-casa terrivel-mente preguiosa. Vejam agora que imensa superstio essa: a de que a preguiapoderia ser uma espcie de personalidade que, por um mero aceno, fizesse as moscas

    entrar! Nesse caso, a outra explicao muito mais correta, ao esclarecer a presena dasmoscas pelo acmulo de sujeira!

    A situao no muito diferente numa outra rea, quando se diz: Se algum foiacometido de doena, por ter sido vtima de uma infeco provocada por uma espciequalquer de bacilos; expulsam-se os bacilos e tem lugar a cura. Ora, no entanto h aindapessoas que falam de uma causa espiritual qualquer, situada mais profundamente! Mas no preciso fazer outra coisa seno expulsar os bacilos! Falar de uma causa espiritual paradoenas e reconhecer todo o resto no superstio maior do que no caso em que aorigem da presena das moscas vista na preguia de uma dona-de-casa. No h motivopara protestar se algum disser que no haver mais moscas caso se faa uma limpeza.No se trata de combater um ao outro, mas de ambos aprenderem a compreender-semutuamente e aprofundar-se no que cada qual quer. Deve-se levar isso inteiramente emconta ao querer falar, com razo, das causas imediatas e das causas mais remotas. Oantropsofo objetivo no se colocar, de modo algum, em posio de dizer que bastaria apreguia fazer uma espcie de aceno para que as moscas entrassem na sala; ele saberque, no caso, entram em considerao tambm outros fatores materiais, mas sabertambm que todo fato expresso na matria tem seus fundamentos espirituais, e que essesfundamentos espirituais devem ser procurados para o bem da humanidade. Contudo, osque gostam de entrar em contenda precisam tambm ser lembrados de que as causasespirituais nem sempre podem ser entendidas ou mesmo combatidas da mesma formacomo o so as causas materiais comuns. Tampouco se pode pensar que o combate s

    causas espirituais dispense o combate s causas materiais; senao, bastaria deixar a salasuja, investindo apenas contra a preguia da dona-de-casa.Ao considerarmos o carma, torna-se mister falar de relaes entre acontecimentos,

    tal como estes sobrevieram vida humana numa poca passada e como demonstram seusefeitos sobre o mesmo ser humano numa poca posterior. Ao falarmos de sade e doenado ponto de vista do carma, isso nada mais significa do que abordar as seguintes questes:como podemos imaginar que o estado de sade ou de doena de um indivduo tenha suacausa em atos e vivncias anteriores desse indivduo? E como podemos imaginar que seupresente estado de sade ou de doena se relacione com efeitos futuros que retroagirosobre o mesmo ser?

    O homem atual prefere acreditar que uma doena s tenha relao com as causas

    mais prximas. Ora, em todos os domnios o centro nervoso de nossa cosmoviso atual abusca de como didade, e ficarmos circunscritos s causas mais prximas algo cmodo.Por isso, justamente no caso de enfermidades s se levam em conta as causas maisimediatas e quem mais pensa assim so os prprios doentes. Pois como se poderia negarserem os prprios doentes propensos a praticar esse comodismo? Por tal circunstncia pela crena de que a doena deve ter causas muito prximas, a serem descobertas pelomdico experiente , d-se origem a muito descontentamento; e se o mdico noconsegue ajudar, deve ter realizado algo malfeito. Desse julgamento comodista advmmuito do que hoje de diz nesse terreno. Quem souber discernir o carma em seus efeitosextensamente ramificados ampliar cada vez mais sua viso, remontando, a partir do queocorre hoje, a eventos relativamente longnquos no passado; e, antes de mais nada,ganhar a convico de que o conhecimento profundo de uma situao afetando uma

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    pessoa s possvel quando se pode estender o olhar para eventos mais afastados, dopassado. Esse particularmente o caso em pessoas doentes.

    Ao falarmos de pessoas doentes e tambm de sadias, logo se impe a pergunta: comopodemos ter um conceito do estado de doena?

    Com o concurso da viso clarividente, a pesquisa espiritual sempre constatar, no

    caso de enfermidades do homem, anomalias no s em seu corpo fsico como tambm nosmembros superiores da entidade humana no corpo etrico e no corpo astral. E opesquisador clarividente ter sempre de trazer considerao em cada caso de doena,de um lado, qual parte cabe ao corpo fsico e, de outro, qual cabe ao corpo etrico e aocorpo astral; pois todos os trs membros essenciais do homem podem ter sua parte naenfermidade. Ora, pergunta-se: que conceitos podemos adquirir acerca do como dadoena? A maneira mais fcil de acercar-se do assunto considerando quo longe podemosestender o conceito doena. Temos de deixar falar os que se comprazem em usar todasorte de conceitos alegricos e simblcos mesmo sendo imprprios , ainda que falemde doenas em minerais ou metais, dizendo, por exemplo, que a ferrugem que corri oferro uma doena do ferro. Apenas temos de ter em mente que tais conceitos abstratosno nos podem levar a uma compreenso realmente til da vida; pode-se chegar apenas auma espcie de conhecimento tolo dela, mas no a um a conhecimento que realmentepenetre nos fatos. Quem quiser chegar a um conceito real de doena, e tambm a umconceito real de sade, dever evitar falar que minerais e metais tambm podem adoecer.

    A coisa j diferente quando passamos ao reino vegetal. A podemos certamentefalar de doenas das plantas. Mas logo as doenas das plantas so de interesse bemespecial, e de importncia bem especial para a real compreenso da idia doena. Nocaso das plantas, caso no se queira proceder de maneira tola no se poder falarfacilmente de causas patognicas internas. Enquanto se pode falar de causas internas dedoenas no animal e no homem, no se pode dizer o mesmo com respeito a plantas. As

    doenas no reino vegetal sempre sero explicadas por causas exteriores: uma ou outrainfluncia nociva do solo, iluminao insuficiente, este ou aquele efeito do vento ououtras influncias dos elementos e da natureza; ou ento essas doenas sero explicadaspor influncias de parasitas que se instalam nas plantas e as prejudicam. Diremos, e comrazo, que o conceito de causa patognica interna no tem legitimidade alguma nombito do reino vegetal. Naturalmente, por no me caber falar sobre esse tema durantemeio ano, no me ser possvel fornecer inmeras provas para o que ac