Ricardo Arôxa - Ensino de Violão - Do Modelo a Mudança

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Abstract o ENSINO DE VIOLAo: DO MODELO A MUDAN~A Ricardo Alexandre de Melo Aróxa I Professor do Es(olo de Músico da UFBA. Resumo o enslno de instrumento em nIvel profisslonal rern sido considerado um desafio por várlas questóes, entre elas, minimizar Influénclas negativas do modelo ·conservatorlal" a favor de uma forma~áo musical mals hollstlca de que demanda o mercado de trabalho. Dentre as competénclas necessárias a esse mercado est~ o conheclmento de uma pluralidade de géneros, estilos de música, saber lidar com prazos e perfis de Instrumentista e os requeridos conhecimentos técnko-muskals inerentes a comuntcacác de sua arte. O presente uabalho constltul-se um recorte de pesquisa de mestrado em Educa~Ao Musical e se prop6e a discutir práticas pedagógicas presentes no ensino de Instrumento em geral e no ensino sistemático do vloláo. Como resultado percebemos que o modelo "conservatorlat" tem sido adaptado aos poucos, em suas caracterlstkas negativas, através de práticas pedagógicas que prlorizam a contextuallzacáo do en sino do qual o aluno é simbolizado como lndtvíduo cada vez mals aUvo no seu aprendizado. Palavras-chave: Enslno de vloláo. Enslno de instrumento musical. Pr~ticas pedagógicas. The Instrument musical teaching on a professlonal level has been consldered a challenge fur several Issues, among them, mlnlmize negatlve Influences from the "conservatorial" model In favor of a more hollstic and musical approach that demands the Job market. Among the skllls for thls market Is the knowledge of a plurality of genres, musical styles, dealing with deadlines and instrumentalist profiles In addltion to those already requlred technlcal and musical knowledge inherent to communication of his arto This paper presents a small part from a master research in Music Educatlon and alms to discuss about pedagoglcal practlces present In the instrument musical teachlng and In the systematic teachlng of the classlcal guitar. As a result we could see that the "conservatoria ,. model has been adapted gradually, In their negative characteristks, through pedagogical practlces that emphaslze the contextualization of learnlng in which the student is symbolized increasingly as active Individual in hls learning. Keywords: Guitar teachlng. Instrument musical teaching. Pedagoglcal practices.

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Ricardo Arôxa - Ensino de Violão - Do Modelo a Mudança

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  • Abstract

    o ENSINO DE VIOLAo:DO MODELO A MUDAN~ARicardo Alexandre de Melo Arxa

    I Professor do Es(olo de Msico da UFBA.

    Resumo

    o enslno de instrumento em nIvel profisslonal rernsido considerado um desafio por vrlas questes,entre elas, minimizar Influnclas negativas domodelo conservatorlal" a favor de uma forma~omusical mals hollstlca de que demanda o mercadode trabalho. Dentre as competnclas necessriasa esse mercado est~ o conheclmento de umapluralidade de gneros, estilos de msica, saberlidar com prazos e perfis de Instrumentista e osj requeridos conhecimentos tcnko-muskalsinerentes a comuntcacc de sua arte. O presenteuabalho constltul-se um recorte de pesquisa demestrado em Educa~Ao Musical e se prop6e adiscutir prticas pedaggicas presentes no ensinode Instrumento em geral e no ensino sistemtico dovlolo. Como resultado percebemos que o modelo"conservatorlat" tem sido adaptado aos poucos, emsuas caracterlstkas negativas, atravs de prticaspedaggicas que prlorizam a contextuallzacodo ensino do qual o aluno simbolizado comolndtvduo cada vez mals aUvo no seu aprendizado.

    Palavras-chave: Enslno de vlolo. Enslno deinstrumento musical. Pr~ticas pedaggicas.

    The Instrument musical teaching on a professlonallevel has been consldered a challenge fur severalIssues, among them, mlnlmize negatlve Influencesfrom the "conservatorial" model In favor of a morehollstic and musical approach that demands theJob market. Among the skllls for thls market Is theknowledge of a plurality of genres, musical styles,dealing with deadlines and instrumentalist profilesIn addltion to those already requlred technlcal andmusical knowledge inherent to communicationof his arto This paper presents a small part from amaster research in Music Educatlon and alms todiscuss about pedagoglcal practlces present In theinstrument musical teachlng and In the systematicteachlng of the classlcal guitar. As a result wecould see that the "conservatoria ,. model has beenadapted gradually, In their negative characteristks,through pedagogical practlces that emphaslze thecontextualization of learnlng in which the studentis symbolized increasingly as active Individual in hlslearning.

    Keywords: Guitar teachlng. Instrument musicalteaching. Pedagoglcal practices.

  • Introdu~io

    ovasto campo da educaco musical na atualidade aponta para uma diversidade dequestes que envolvem tanto as diferentes maneiras de ensinar eaprender msica,como os diversificados espacos e contextos socioculturais em que processos esituaces educativo-musicais acontecem. sabido na contemporaneidade queh muitas perspectivas e estratgias de forrnaco musical, sendo que, cada umadelas, atende a objetivos delineados pelo universo cultural em que est inserido.

    o contexto do en sino de instrumento tem recebido um gradual reconhecimentoacadmico por subsidiar o dilogo de reflexes oriundas da Educaco Musical edas Prticas Interpretativas, constituindo-se no que conhecemos recentementecomo a Pedagogia do Instrumento. Nessa via, o en sino de violo mostra-seequitativamente diverso tanto como campo de pesquisa em mltiplos contextos,quanto meio de transrnlsso e aprcpriaco de msica, por sua dupla participacocomo instrumento solista e acompanhador, revelando, com isso, peculiaridadesque permeiam o ensino e aprendizagem do aluno que escolhe este instrumento.

    Em sua vertente solista o processo de ensino e aprendizagem do vlolo tem sidoextensamente refletido a partir de prticas negativas do que se conhece comomodelo "conservatorial" Este modelo continua sendo fortemente influente noprocesso de forrnaco do instrumentista no Brasil, visto que o dominio tcnicoe dedkaco prioritria ao instrumento ainda fazem parte do perfil do intrprete.Todavia, como adaptaco ao mundo moderno e contemporneo de mltiplossuportes de apoio as diferentes linguagens artstica e especialmente a msica,outras perspectivas pedaggicas emergiram de prticas musicais diversas, comoa msica popular urbana e a ascenso das tecnologias, que fomentaram novasestratgias de ensino e aprendizagem da msica, constituindo, assim, novasbases para a pedagogia da performance instrumental. Nesse contexto, o presentetrabalho constitu-se um recorte de pesquisa de mestrado em Educaco Musicalsobre a leitura a primeira vista noviolo e, se prope a discutir prticas pedaggicaspresentes no ensino de instrumento em geral e no en sino sistemtico do violo.

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  • Do "modelo" a mudan~a

    Com vistas a lidar com essa realidade no mercado de trabalho, o ensino deinstrumento tem sido frequentemente investigado nao apenas sob a tica daPerformance Musical, mas tambm da Psicologia Cognitiva e da Educaco Musical,principalmente, a fim de incitar reflexes e, consequentemente, a produco desubsidios pedaggicos para o aperfeicoamento das habilidades necessrias aexpenise' da performance musical. Pesquisas essas que impulsionaram a crlacodos cursos de ps-qraduaco em msica e das duas maiores associaces depesquisa em msica no Brasil: aAssocaco Brasileira de Educaco Musical (ABEM),e a Associaco Nacional de Pesquisa e Ps-Graduaco em Msica (ANPPOM). Estasfomentam a reexo sobre todas as relaces que o homem cria com a msica ea partir dela, mesmo que no Brasil ainda significativa a escassez de trabalhosque venham aliar o estudo sistemtico da performance ao estudo de processospedaggicos relacionados com a mesma (DEL-BEN; SOUZA, 2007, p. 7).

    ~ possvel visitar algumas prticas pedaggicas no ensino de instrumento e,possivelmente, verificar rnudancas nas prticas oriundas do ensino do modelo"conservatorial" nesses espacos.

    De forma mais ampla, Souza (2001) discute uma forrnaco baseada nascompetencias, enquanto "conjunto de conhecimentos [...], habilidades [...], eatitudes [...]" a favor de um ensino mais pleno e colaborativo. E para exemplificar,ele demonstra paradigmas que se pretende superar a favor de outros, que sepretende implantar, como ilustrado abaixo (Tab.l):

    Pressupostos para forma~o por competnciasParadigma em supera~.lo Paradigma em Implanta~o

    Teoria versus prtlca Conrextuezeco

    Professor especialista Professor facilitador

    UsareiO termo expertlse como sinnimo de 'alto desempenho'

    11 S

  • Contedo Competncia

    Avalla~ao Acompanhamento

    ~h.__Registro de notas Registo de resultados

    TABELA 1: Pressupostos para a formsco de competncias. Fonte: SOUZA, 2001, p.3.

    Com essa proposta, j se percebe uma concepco de transferencia "vertical" doconhecimento a ser superada - ou, nas palavras de Freire na sua obra "Pedagogiado Oprimido" (1987), uma espce de "educaco bancria": em contraposlcoa outra "horizontal'; a ser implantada. Alm desse ponto, poder-se-la levantaroutros que corroboram com uma sensfvel mudanca, como "Professor facilitador';"Contextuallzaco" "Aprender a aprender". Essa transferencia "vertical': comomostrado, indica uma prtlca em que a aula centrada no professor, quando 0-ideal seria "um professor de instrumento cujo modelo de aula seja mais centradono aluno" (HALLAM, 2006, p.165). E um modelo centrado no aluno, pode sersinnimo de: fazer suqesto de repertrio e deixar que ele escolha (NASClMENTO,2006, p. 765); considerar suas potencialidades e respeltar suas limltat;es (RAMOS;MARINO, 2002, p. 1); e que de alguma forma possibilite a autonomia de criaco(SANTOS, 2009, p. 1179).

    Em se tratando de repertrio, Ramos e Marino (2002) entendem que "essencial que o professor valorize a fase anterior a leitura [...), [buscando uma)melhor adequaco do repertrio e da crlaco de atividades para que o ensinodo instrumento seja prazeroso e esteja em consonancia com cada etapa dodesenvolvimento motor e cognitivo do aluno, [...) inclusive fazendo uso delmtaco como auxilio" (p. 1). Nesse sentido Matos (2007), defende em sua tesede doutorado uma possibilidade de forrnaco do instrumentista a partir de umapreparaco tcnica por meio da prtica do Choro, evidenciando a relevancia deque generos populares tambm podem fornecer recursos tcnico-musicais e fazerparte da constitulco do material didtico para ensino do instrumento, que nesse

    2 "Na concepco 'bancria' [...] a educaco o ato de depositar, de transferir, detransmitir valores e conhecimentos [...l" (FREIRE, 1987, p. 34).

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    caso o violo. Sabemos que a lnlciaco ao violo solo est consistentementeestruturada na construco de um repertrio musical europeu que, at certo ponto,pode no satisfazer as expectativas motivacionais dos alunos e, essas alternativas,alm de ampliar as possibilidades de seleco das obras musicais, podem tornar oaluno mais interessado pelo estudo do instrumento.

    Outra prtica que parece ter mostrado bons resultados a adaptaco dessesgeneros populares em forma de arranjo para o instrumento direcionado asnecessidades do aluno, visto que, na tica de Ricardo Freire, Mendonca e SandraFreire (2004), "a elaboraco do arranjo nao uma atividade descontextualizada,pois o arranjador necessita imaginar a capacidade tcnica do instrumentista queir executar a msica e antever as possibilidades nos processo de aprendizagem"(p. 2). Essa prtica exige que o professor conheca ainda mais do que o gostopelo qual o aluno se interessa mais. necessrio que ele conheca as facilidadese dificuldades do aluno para que planeje as escolhas que far na confecco doarranjo.

    Ao ser transmitido pelo mesmo suporte do ensino tradicional, a partitura, essesarranjos possivelmente lncltaro a curiosidade do aluno em tentar relacionar ossignos que se encontram durante uma leitura musical a sua referencia sonorada msica antes do estudo. Inclusive, quanto a leitura, atualmente j se verificauma consciencia significativamente distinta do "modelo conservatorlal'; em que tratada com um "cdigo abstrato que se esgota em si mesmo" (PENNA, 1995,p.88). Santos (2002) mostra como a leitura musical se d concomitante a outrosprocessos cognitivos, ratificando a importncia do elo visual-aural para umaprtica mais completa do ensino de msica:

    Acredita-se que a leitura musical engloba modalidades de escutainterna, podendo esta ser efetuada por leitura silenciosa, por ernissovocal, ou ainda por execuco Instrumental, bem como combnacese integra~es dessas modalidades. (SANTOS, 2002, p.1)

    A partir da consciencia de que os processos cognitivos nao acontece m de formaisolada na execuco musical, torna-se til imprimir uma abordagem interdisciplinarno ensino de instrumento, a fim de aperfekoar equilibrada mente as vriashabilidades necessrias na performance. Nesta dtreco Nascimento (2006) utilizaem sua prtica, alm de questes tcnico-idiomticas do instrumento, "exerdcios

  • de percepco meldica, rtmica e harmnica de forma analftica e reflexiva"; e"reflexes sobre o contexto histrico e esttico das cornposlces abordadas':com vistas em uma "formaco musical mais completa, onde os educandospodem adquirir um maior leque de possibilidades para atuaco [...] (seja em nivelprossional, ou apenas como lazer)" (NASClMENTO, 2006, p. 765).

    A prtica no ensino de instrumento tambm observado a partir do ponto de vistamecnico que a performance musical exige do corpo, porm a autoconscnciade quem os planeja e executa que resulta na otirnizaco do ensino, como mostraPvoas (2002):

    [...] otimizar o desempenho flsico-motor durante o periodo depreparaco do repertrio em termos de dispndlo de tempo detrabalho, de gasto energtico e de resultados sonoros prope-se, como procedimento de sustentaco da atlvldade mslco-Instrumental, a reexo anaHtica (PVOAS,2002, p.1).

    A reflexo sobre questes tcnico-idiomticas normalmente sao nquetaces deinstrumentistas que, ao se veem docentes, buscam conhecer melhor os lmitesdos alunos e compartilhar ferramentas pedaggicas com os pares.

    Um paradigma aparentemente superado de que essas questes nao seesgotam nos aspectos puramente tcnicos, como mostra Queiroz (2010, p. 200).Ele elenca, alm dos aspectos tcnicos, vrios tpicos que considera relevantede se desenvolver na forrnaco do violonista, dentre eles: concentraco,estabelecimento de metas exequveis, constante autoavaliaco, uso de estratgiasflexveis, e vsualzaco de um plano global. Uma das fragilidades dessaspublkaces sobre prticas pedaggicas instrumentais que em se tratando depossvels soluces para problemas tcnicos, autores, inconscientemente ou nao,por vezes expressam suas prtcas como superiores a outras, deixando implcitoum tom de discurso normativo.

    Grande contribuko, que nao se constituiu em uma rnudanca em si, mas forneceuo suporte para possveis reflexes na execuco das prticas a ascenso das novastecnologias. Se antes a forma de interpretar e de transmitir o conhecimento deseu professor incentivava a "copi-lo'; agora o aluno tem acesso a vdeos de vriasreferencias de professores do instrumento ministrando aulas e/ou interpretando,

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    possivelmente, a mesma obra que ele est estudando. Outra lnovaco sao oscursos de msica a distancia, sendo que as plataformas de compartilhamento dearquivos, assim como o moodle, servem de sala de aula virtuais para muitos quenao podem ir at as capitais e/ou a grandes centros estudar msica. A ttulo deexemplo pode-se citar os trabalhos de Gian Mendes e Paulo Braga (2007)3, e, maisrecente mente, de Bruno Westermann (2010)4.

    Em virtude dos fatos mencionados acredito que os contextos de en sino deinstrumento vivem um perodo de transico, Enquanto o modelo "conservatorial"permanece nas prticas de professores, em cuja qeraco nao se podia usufruir dosuporte cientfico de pesquisas que ternos hoje, os alunos destes demonstramprticas pedaggicas que prezam nao apenas pelos aspectos tcnicos, mastambm humanos e contextualistas. Estas prtlcas, por sua vez, nao se encaixammais na concepco de "modelo" enquanto conjuntos de prticas fixas, visto quesao pautadas conforme o contexto e as asplraces do aluno.

    o processo de aprendizagem do violo a partir de experiencia discente edocente

    fo panorama do ensino e aprendizagem de instrumento tem apontado para anecessidade de uma forrnaco mais ampla do professor e cada vez mais prximado contexto e interesse do aluno. Todava, ainda enquanto aluno e curioso pelaspossibldades de performance que me haviam de apresentado atravs do violoclssico, surgiu o interesse pelo objeto de pesquisa a que me propus dissertar napesquisa da qual este trabalho faz parte: a leitura a primeira vista no violo.

    Aps uma iniciaco atravs da vertente acompanhadora do violo, tambmconhecido como vlolo popular, interessei-me pela guitarra eltrica como boaparte dos jovens, pelas possibilidades de executar solos de artistas que me

    3 MENDES, G.; BRAGA, P.Estrutura de programa e recursos tecnolgicos numcurso de violo a distancia. IN: CONGRESSODA ASSOClAC;AONACIONAL DE PESQUISA EPS-GRADUAC;AO EM MSICA, 17.,2007, Sao Paulo. Anais ...Sao Paulo: ANPPOM, 2007. p.1-12.4 WESTERMANN, B.Sobre o en sino de instrumentos musicais a distancia e aautonomia do aluno. IN: I Simpsio Brasileiro de Ps-Graduandos em Msica. Anais ... Riode Janeiro: SIMPOM, 2010. p.148-156.

  • serviam de exemplo e improvisar. Um colega que j tocava guitarra aconselhou:: Se voc quiser aperfekoar na guitarra, precisa estudar violo clssko" Hojepercebo que nao foi um conselho incomum. Algum tempo depois, aproveitei urnaoportunidade e ingressei em um conservatrio de msica. Nesse espaco logopercebi a dlferenca entre a forma de apropriaco da msica. Antes eu basicamenteaprendia de ouvido ou atravs de cifras e nesse momento me vi na sltuaco de lerurna partitura pela primeira vez, sem nunca te-la escutado. Passado esse primeirocontato observei que o consenso do aprendizado da performance no violo erao estudo repetitivo de trechos musicais at que se memorizasse toda a msica edepois outra, etc.

    Na preparaco para o exame vestibular para o curso superior, dei-me conta quehaveria, dentre as provas especficas de msica, uma de leitura a primeira vista.Ainda sem saber o que significava fui orientado por outro colega a ler grandesquantidades de msica para desenvolver a habllidade. Depois do certame e Jcomo universitrio senti curiosidade por descobrir os motivos pelos quais fossenecessrio que os ingressos possussem alguma eptdo nessa habilidade. Nessemomento entrei em contato com as primeiras questes que delatavam lacunasna formaco superior que eu havia buscado. Apesar de se exigir a hablidade noexame vestibular, nao havia disciplina para desenvolver a habilidade.

    Nessa instltuko, percebi que meu professor de instrumento lia partitura muitobem a primeira vista, praticamente tudo que Ihe fosse posto a frente. Expus minhadvida e nto me disse que apesar de ter uma disciplina para lsso, ele incentivavaque os alunos praticassem leitura musical diariamente, alegando como objetivo,que se poderia conhecer muito mais msica e que o tempo em que se passapreparando cada peca inversamente proporcional ao nvel de desenvolvimentoda habilidade da leitura. Assim, percebi alguma importancia para esta, pormainda nao conhecia nada alm da prtica assistemtica de ler o maior nmeropossvel de obras musicais, como estratgia de aprendizagem. Como se o tempofosse o nico meio para sperfeko-la.

    Durante todo o curso percebi urna abordagem de ensino muito mais reflexiva doque antes, em praticamente todas as disciplinas - e, paralelo a isso, reavaliava tu doo que tinha aprendido no conservatrio - tornando meus estudos no instrumento

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  • muito mais imbuIdos de questes do tipo: "como fazer melhor?" "porque fazermelhor?" e "o que tocar melhor?" Incitando-me a estudar vrias horas por dia echegar a um objetivo mais rpido, consciente e mais eficaz. Hoje entendo como abusca pela prtica detioerado" e metacoqnicao",

    Depois de formado, ingressei atravs de concurso pblico como docente desteinstrumento no mesmo conservatrio que outrora e coincdentemente fuialuno. Percebi como a tradlco conservatorial continuava presente nas prticaspedaggicas desse contexto.

    Como se tratava de aulas de instrumento procurei caminhos mais pertinentes paracada aluno, por vezes "ensinando como me enslnararn" outras vezes utilizandoferramentas didticas que acumulei por meio dessas prticas deliberadas emetacoqnko (como numa "autodescoberta da tcnica"), a depender do perfil doaluno, aliado sempre a questes de histria, esttica, teoria e percepco musical.

    Como docente identifiquei o perfil desinteressado do aluno desta institukoque muitas vezes nao visava fins profissionais com a msica e percebi que esteindiretamente direcionava minhas prticas. Ao mesmo tempo minhas prticasrompiam com o prprio currculo do curso, cujo repertrio constitui-se de obraseuropeia e norte-americana. Percebi essa distancia entre realidades e assim, faziacom que os alunos se desmotivassem mais facilmente com a continuidade doestudo instrumental. Nesse sentido concordamos com Moura (2007) ao afirmarque "atualmente, sua escolha [do repertrio] tem dependido das necessidadese expectativas das novas demandas sociais" (p. 1), ento resolvi buscar outroscaminhos de ensino.

    Talvez a proposta de arranjos de msicas populares para vloo solo poderia serproveitosa nesse caso, mas a prpria habilidade de ler nao permitia que os alunosdegustassem a msica. Esta tarefa se tornava rdua e fragmentada, sem o mnimode fluncla na leitura. Ento me perguntei por que nao tentar encontrar meios

    5 "atlvldades altamente estruturadas com a meta explicita de testar algumaspecto da performance" (WILlfAMON; VALENTINE,2000, p. 355, traduco nossa).6 "pensar sobre o prprio pensamento"; "aprender a aprender" (HACKER,1998,p.3, traduco nossa).

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  • pedaggicos eficientes para proporcionar uma aproxirnaco mais gil do alunocom a notaco musical?

    Ao procurar subsidios cientficos a respeito da leitura musical, alm dos jcitados, encontrei em Regina Antunes Teixeira dos Santos um referencialbrasileiro para o que eu ainda nem entendia como 'pedagogia do instrumento:mas que j compartilhava de vrias prticas e que, por coincidencia, estudousobre o desenvolvimento da leitura musical. Enquanto aluno, j imaginava quea autoconscincla das prticas e exercfcios era uma boa chance de obter xitoem algo, mas como professor, precisava buscar a "conscientizaco do aluno paraengajar-se em seu prprio processo de aprendizagem, sendo ao mesmo tempoatuante e observador crtico desse processo" (SANTOS, 2002, p. 1).

    Ao se ter em mente que o contexto musical, aspiraces pessoais, o tempode estada do aluno na lnstituico sao variveis; que o "professor tem o papelfundamental de intermediar a busca do conhecimento pela factlltaco daaprendizagem" (HALLAM, 1998, apud HARDER, 2008, p.128); que "uma primeirameta educacional de qualquer disciplina o desenvolvimento de um aprendizindependente" (GREGORY, 1972, p. 1, traduco nossa); inevitavelmente passe avislumbrar a "Ieitura musical como componente Indispensvel para a conquistada autonomia musical do aluno" (SANTOS, 2002, p. 1).

    Convicto da necessidade de iniciar trabalhos preliminares e, por enquanto,intuitivos do en sino para o desenvolvimento da leitura a primeira vista, percebique a visa o dos alunos e de vrios professores da instituico verossmil comas do modelo "conservatorial"; o aluno que pensa ser necessrio ter dom paraler partitura com relativa fluncia e a do professor que prega a expertlse naperformance como sinnimo de tocar de memra.

    Dessa postura resultam prticas de encarregar o aluno de estudar uma obra,encarando a representaco grfica como um cdigo, um enigma, que deve serdesvendado sem um prazo fixo. Comecei a motivar os alunos a praticar leituracom exerccios meldicos bsicos em solfejo e depols, no instrumento. Sugeriuma pequena seleco de exerccios sabendo que j Ihes seria difcil de memorizartudo, ento reforcei que escolheria aleatoriamente tres deles para fazer leitura em

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  • sala de aula semanalmente. Desta forma pretendia que nao memorizassem umasequncia de melodias. Para isso se faz necessrio ter previamente uma leiturapanormica do material, sem repetir notas que tenha errado eventualmente,tentando manter o anda mento e os olhos na partitura, dentre outras dicas.

    Apesar de uma prtica intuitiva e sem saber dos provveis resultados, tinhaem mente que a memria de curto prazo (ou memria de trabalho) dos alu nosprecisava ser aqucada, com um fluxo de nformaces (ritmo, melodia, harmonia,expresso) progressivamente maior, para que o fizesse "capaz de interpretarqualitativamente a msica expressa atravs de smbolos em uma partitura enao apenas execut-Ia de maneira mecnica" (SANTOS, 2002, p. 1) e tivesse maisautonomia para ler e escolher as obras que Ihe interessasse mais. A mim, comoprofessor, coube contribuir tanto quanto possivel, com aspectos tcnicos emuslcais nas devidas proporces para tentar mante-los equilibrados no objetivofinal do semestre. Nessa dlreco, concordamos com Keith Swanwick (2011) quandodiz que "temos que ensinar o aluno a dominar tecnicamente o instrumento, mastambm temos que ajud-Io a tocar de forma musicalmente expressiva" (p.l), ouseja, utilizar a tcnica a servco da musicalidade. Definitivamente nao concordamoscom o Irreflexivo modelo "conservatorial" em que est presente uma "transmlssodo conhecimento que deve ser rigorosamente lgico, sistematizado e ordenado,expressando 'verdades' que pairam sobre a sociedad e e os individuos" (CAMPOS,2009, p. 52), pois cada aluno exigir uma estratgia de aprendizagem, mesmo quealgumas delas possam, por vezes, servir a mais de um.

    Concluso

    Concluimos essa breve discusso sem a pretenso de esgot-Ia mostrando que oensino de instrumento passa por um periodo de translco e que acreditamos serpara melhor. Cada vez mais percebemos abordagens contextualistas no ensinode instrumentos tradicionais, mesmo que o violo, no Brasil, seja um caso a partecomo traz Figueiredo e Cruvinel (2001):

    Sendo um instrumento sempre ligado ao popular. o violo foiexcluldo por vrias dcadas das escolas especializadas e das salasde cencerro. Com lsso,o violo era aprendido e enslnado quase queem sua totalidade de manelra autodidtlca (FIGUEIREDO;CRUVINEL,2001, p. 2).

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  • Entendemos que a formaco instrumental em alto nivel exige maiores empenhosdos alunos, mas tambm cabe ao professor os esforcos para buscar e proporcionarmeios pelos quais seja possvel tornar a transmisso musical o mais motivadorapossvel. Nesse contexto, a otirnizaco do processo de aprendiz.agem da leituramusical contribui, principalmente, com a autonomia do aluno.

    o uso do repertrio predominantemente europeu no ensino do violo temmostrado resultados significantes e a abordagem mais contextual de utilizarmsicas populares como matria prima do estudo tem-se revelado urnaalternativa eficaz. Todava, acreditamos que o ensino pode ser tornar mais eficaze motivador se houver a cornplernentaco dessas duas fontes e que o sentidode contextuallzaco do ensino se encontra no entendlmento da necessidade doaluno, seja tcnica, musical, social ou emocional. Saber IIdar com as idiossincrasiasdo pensamento e comporta mento humano, desejos e asplraces, frente aocontexto cultural em que ele est inserido ao transmitir e se apropriar da msicaest no cerne dos ideas da Educat;o Musical contempornea e estes tm sidogradualmente absorvidos pela Pedagoga do Instrumento.

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  • Refernclas

    CAMPOS, Regina Maria Grossi. Conservatrios musicals de londrina: umestudo em histria da educaco (1930-1965). Dissertaco (Mestrado emEducaco). Universidade Estadual de Londrina. Londrina, 2009.

    DEL-BEN, Luciana; SOUZA Jusamara. Pesquisa em Educaco Musical e suasinteraces com a sociedade: um balance da produco da ABEM. In: ENCONTROANUAL DA ASSOClA

  • 2007, Campo Grande. Anais ... Campo Grande: ABEM, 2007. p. 1-11.

    MENDES, G.; BRAGA, P.Estrutura de programa e recursos tecnolgicos num cursode violo a distancia. In: CONGRESSO DA ASSOClA

  • SANTOS, Regina Antunes Teixeira dos. Anlise da proposta de desenvolvimentode leitura musical atravs do solfejo de Davidson & Scripp. In: ENCONTROANUALDAASSOCIAC;Ao BRASILEIRADE EDUCAC;AOMUSICAL, 11.,2002, Natal. Anais . Natal: ABEM, 2002. p. 1-7.

    SOUZA, Zilmar Rodrigues de. Curso Tcnico de Msica: Formaco porCompetencias. In: ENCONTROANUAL DA ASSOClAC;AOBRASILEIRADEEDUCAC;Ao MUSICAL, 10.,2001, Uberlndla. Anais ... Uberlndia: ABEM, 2001. p.1-5.

    SWANWICK, Keith. Ensino instrumental enquanto enslno de msica. Atravez- Associaco artstico cultural. Traduco de Fausto Borm de Oliveira. Disponvelem: . Acessoem: 10jun. 2013.

    WESTERMANN, B.Sobre o ensino de instrumentos musicais a distancia e aautonomia do aluno.ln: Slmpslo Brasileiro de Ps-Graduandos em Msica, 1,Rio de Janeiro. Anals ... Rio de Janeiro: SIMPOM, 2010. p. 148-156.

    Data de envio: 27 de junho de 2013.

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  • aREVISTA DE PESQUISA EM MSICA

    NMERO 42013/2

    FACULDADE DE MSICA DO EspfRITO SANTO liMA URfClO DE OLlVEIRA"VITRIA- ES

  • a tempo - REVISTA DE PESQUISA EM MSICA. Coordenaco de p6s-gradua~o / Faculdade deMsica do Espirito Santo. V.4, n.4 Uul/dez 2013).

    Vitria, ES:DIO/ES, 2013

    Semestral

    1. Msica - Peridicos.

    ISSN 2237-7425

    (00:780.7

    TIragem: 500 exemplares

  • 091 Editorial

    11 I A cultura musical trovadoresca no cancioneiro de ElomarFigueira Mello

    Maria da Gloria Lemos de Ledezma

    291 Embusca de sons:educaco musical inclusiva para pessoascom deficiencia

    Luzinete Taylor Diniz e Paula Maria Lima Galama

    45 1 O pianista acompanhador: panorama histrico e relato deexperiencia

    Cludia de Arajo Marques e Salomea Gandelman

    571 Asdemandas corporais do fazer musical e suas irnpllcacespara pedagogia do instrumento

    Barbara Brazil Nunes

    77 I Aproxmaces entre Van Gogh e Chopin atravs deKurosawa: O episdio nmero cinco dos $onhos

    Izaura Serpa Kaiser e Rubya Lizardo Rocha

    97 ICario Gesualdo e a Msica do Maneirismo: Um estudosobre a redassificaco da obra do compositor

    Rafael Garbuio e Carlos Fernando Floriru

    113 I O ensino de volo: do modelo a mudancaRicardo Alexandre de Melo Arxa

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