REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO DISTRITO FEDERAL · José de Ribamar Caldas Furtado Conselheiro do...

200
ISSN – 0102-7751 REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO DISTRITO FEDERAL R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 32, t.1 jan./dez. 2006

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ISSN – 0102-7751

REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTASDO DISTRITO FEDERAL

R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 32, t.1 jan./dez. 2006

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TRIBUNAL DE CONTAS DO DISTRITO FEDERAL

COMPOSIÇÃO DE 2006

ConselheirosManoel Paulo de Andrade Neto - PresidenteAntônio Renato Alves Rainha - Vice-PresidenteRonaldo Costa CoutoMarli VinhadeliJorge CaetanoPaulo César de Ávila e SilvaAnilcéia Luzia Machado

AuditorJosé Roberto de Paiva Martins

Ministério PúblicoCláudia Fernanda de Oliveira Pereira - Procuradora-GeralMárcia Ferreira Cunha FariasDemóstenes Tres AlbuquerqueInácio Magalhães Filho

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REVISTA EDITADA PELA SEÇÃO DE DOCUMENTAÇÃOSUPERVISÃOVice-Presidente Conselheiro Antônio Renato Alves RainhaCOORDENAÇÃOVânia de Fátima Pereira(Chefe da Seção de Documentação)ORGANIZAÇÃOLilia Márcia Pereira Vidigal de Oliveira(Bibliotecária)REVISÃOCarmen Regina Oliveira de Souza Cremasco(Bibliotecária)

Toda correspondência deve ser dirigida a esta Seção -TRIBUNAL DE CONTAS DO DISTRITO FEDERAL - 70070-500- SEÇÃO DE DOCUMENTAÇÃO - Praça do Buriti - Ed Costa eSilva - Brasília-DF - [email protected]

Revista do Tribunal de Contas do DistritoFederal, nº 1 - 1975 -

Brasília, Seção de Documentação, 2006.

CDU 336.126.55(81)(05)

ISSN 0102-7751

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Sumário

DOUTRINA

JOSÉ DE RIBAMAR CALDAS FURTADOCréditos adicionais versus transposição, remanejamento ou transferência derecursos..........................................................................................................................9

MÁRCIA FERREIRA CUNHA FARIASO Direito urbanístico e o direito de propriedade norte-americanos:planejamento urbano e desapropriação para fins de interesse público apósa decisão no caso Kelo vs. City of New London..................................................17

CLÁUDIA FERNANDA DE OLIVEIRA PEREIRAA inelegibilidade de agentes públicos, na ótica do controle externo: umdebate crítico sobre a participação dos tribunais de contas.........................39

DEMÓSTENES TRES ALBUQUERQUEConsulta ao Tribunal de Contas e inconstitucionalidade de leis ..................69

INÁCIO MAGALHÃES FILHOEmpregos em comissão na administração indireta à luz da Constituição de1988..............................................................................................................................81

CAIO CÉSAR ALVES TIBURCIO SILVAO TCDF e as auditorias........................................................................................93

HUGO ALEXANDRE GALINDOLicitação – parcelamento do objeto.................................................................101

MARCOS AVELAR BORBOREMAO controle externo do pregão em face da Lei de ResponsabilidadeFiscal...........................................................................................................................111

CLÁUDIO HENRIQUE DE CASTROAnotações ao poder de sigilo do estado inscrito no art. 5º, inciso XXXIIIda Constituição Federal.........................................................................................119

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A comunicação institucional e a promoção pessoal: comentários de decisãoda Corte de Contas da Itália.................................................................................123

IVAN BARBOSA RIGOLINAdvocacia é serviço continuado (Lei nº 8.666/93, art. 57, II) a posição doe. TCU......................................................................................................................129Lei nº 11.196/05 modifica a Lei de Licitações.............................................137Previdência e regime próprio devolução administrativa de contribuiçõesindevidas apologia dos princípios de direito..................................................143Publicidade é contrato que nem sempre pode ser licitado..........................163

GINA COPOLAImprobidade administrativa - O elemento subjetivo do dolo...................169A necessária existência do dolo para a configuração de ato de improbidadeadministrativa - jurisprudência comentada.....................................................181O procedimento próprio das ações de responsabilidade por ato deimprobidade administrativa - jurisprudência comentada............................191

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DOUTRINA

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CRÉDITOS ADICIONAIS VERSUS TRANSPOSIÇÃO,REMANEJAMENTO OU TRANSFERÊNCIA DE RECURSOS

José de Ribamar Caldas FurtadoConselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Maranhão

Pelo princípio da proibição de estorno de verbas, é vedada atransposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de umacategoria de programação para outra ou de um órgão para outro, semprévia autorização legislativa (CF, art.167, VI). Por categoria deprogramação deve-se entender a função, a subfunção, o programa, oprojeto/atividade/operação especial e as categorias econômicas dedespesas.1

O constituinte de 1988 introduziu os termos remanejamento,transposição e transferência em substituição à expressão estorno de verba,utilizada em constituições anteriores para indicar a mesma proibição.2Em verdade, trata-se de realocações de recursos orçamentários de umacategoria de programação para outra, ou de um órgão para outro, sempredependendo de autorização a ser consignada por meio de lei específica.

J. Teixeira Machado Jr. e Heraldo da Costa Reis ressaltam que háuma profunda diferença entre os créditos adicionais e as técnicas detransposição, remanejamento e transferência de recursos orçamentários.No caso dos créditos adicionais, o fator determinante é a necessidade daexistência de recursos; para as demais alterações, é a reprogramação porrepriorização das ações o motivo que indicará como se materializarão.3Esses autores apontam quatro motivos que podem dar origem aoscréditos adicionais: a) variações de preço de mercado dos bens e serviços_____________1 Vide Portaria nº 42, de 14/4/99 (BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.

Portaria nº 42, de 14/04/1999. http://www.planejamento.gov.br/orcamento/conteudo/legislacao/portarias/portaria_42_14_04_99.htm - 05/12/05).

2 A Carta de 1967 já utilizou o termo transposição em seu artigo 61, § 1º, alínea a, ao proibir talprocedimento, sem prévia autorização legal, de recursos de uma dotação orçamentária para outra.

3 MACHADO JR., José Teixeira, REIS, Heraldo da Costa. A Lei nº 4.320 comentada. 30ª ed. Riode Janeiro: IBAM, 2000/2001, p. 109.

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a serem adquiridos para consumo imediato ou futuro; b) incorreção noplanejamento, programação e orçamentação das ações governamentais;c) omissões orçamentárias; d) fatos que independem da ação volitivado gestor. Por outro lado, os remanejamentos, transposições etransferências de recursos de uma dotação para outra ou de um órgãopara outro terão sempre um único motivo: repriorizações das açõesgovernamentais.4

Como se depreende, as figuras do artigo 167, IV, da Constituiçãoterão como fundamento a mudança de vontade do Poder Público noestabelecimento das prioridades na aplicação dos seus recursos, fatoque, pela própria natureza, demanda lei específica alterando a leiorçamentária. É o princípio da legalidade que exige, no caso, lei emsentido estrito; é o princípio da exclusividade que informa que ela éespecífica.

Nesse sentido, Hely Lopes Meirelles pontifica que, havendonecessidade de transposição de dotação, total ou parcial, seráindispensável que, por lei especial, se anule a verba inútil ou a sua parteexcedente e se transfira o crédito resultante dessa anulação.5 Esse autordiz que concorda com José Afonso da Silva6 quanto à tese de que aautorização genérica prevista no artigo 66, parágrafo único, da Lei nº4.320/647 é inconstitucional, uma vez que a prévia autorização legal, aque se refere o inciso VI do artigo 167 da Constituição Federal há de serconcedida em cada caso em que se mostre necessária a transposição derecursos.8

A verdade é que, conforme ensinam J. Teixeira Machado Jr. eHeraldo da Costa Reis, as anulações parciais ou totais de dotaçõesoriundas da LOA ou de créditos adicionais não têm a mesma conotaçãoe conceitos de remanejamentos, transposições e transferências por terem_____________4 MACHADO JR., José Teixeira, REIS, Heraldo da Costa. A Lei nº 4.320 comentada. 30ª ed. Rio

de Janeiro: IBAM, 2000/2001, p. 103.5 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 226.6 SILVA, José Afonso da. Orçamento-programa no Brasil. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais,

1973, p. 315.7 É permitida a redistribuição de parcelas das dotações de pessoal, de uma para outra unidade

orçamentária, quando considerada indispensável à movimentação de pessoal, dentro dastabelas ou quadros comuns às unidades interessadas, a que se realize em obediência à legislaçãoespecífica (Lei nº 4.320/64, art. 66, § único).

8 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 226.

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objetivos completamente diversos, ainda que possam ter comocaracterística comum a realocação de recursos orçamentários.9 Naessência, refletem fatos diferentes que podem, ou não, traduzir mudançasou modificações na estrutura do orçamento, dependendo,exclusivamente, da natureza da decisão administrativa e do seu efeitosobre a estrutura administrativa, sobre o elenco de ações que serãoexecutadas ou sobre o rol de recursos não financeiros – humanos,materiais, tecnológicos e outros – que serão utilizados na execuçãodaquelas ações.

Com efeito, os termos remanejamento, transposição e transferênciaevidenciam que na gestão das atividades das entidades de direito públicointerno (União, Estados, Distrito Federal, Municípios, autarquias edemais entidades de caráter público criadas por lei) podem ocorrermudanças ou modificações de natureza administrativa, econômica,social, financeira e patrimonial, com reflexos na estrutura original doorçamento e não apenas de natureza financeira ou patrimonial.

Destaque-se que a Constituição associa os termos remanejamento,transposição e transferência a duas situações: a) realocação de recursosde uma categoria de programação para outra, ou seja, deslocamento defundos em nível de função, subfunção, programa, projeto/atividade/operação especial e das categorias econômicas de despesas10; b)destinação de recursos de um órgão para outro.

Cumpre estabelecer a diferença entre remanejamento, transposiçãoe transferência:

a) remanejamentos são realocações na organização de um ente público,com destinação de recursos de um órgão para outro. Podem ocorrer,por exemplo, em uma reforma administrativa. A extinção de umórgão pode levar a Administração a decidir pelas realocações dasatividades, inclusive dos respectivos programas de trabalho, recursosfísicos e orçamentários, para outros órgãos, sejam da administraçãodireta, sejam da administração indireta. Nesse caso, não cabe a aberturade crédito adicional especial para cobertura de novas despesas, uma

_____________9 MACHADO JR., José Teixeira, REIS, Heraldo da Costa. A Lei nº 4.320 comentada. 30ª ed. Rio

de Janeiro: IBAM, 2000/2001, p. 110.10 Vide Portaria nº 42, de 14/4/99 (BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.

Portaria nº 42, de 14/04/1999. http://www.planejamento.gov.br/orcamento/conteudo/legislacao/portarias/portaria_42_14_04_99.htm -05/12/05).

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vez que as atividades já existem, inclusive os respectivos recursos nãofinanceiros. Entretanto, se houver a necessidade da criação de umcargo novo, a Administração deverá providenciar a abertura de umcrédito adicional para atender a essa despesa;

b) transposições são realocações no âmbito dos programas de trabalho,dentro do mesmo órgão. Pode acontecer que a administração daentidade governamental resolva não construir a estrada vicinal, jáprogramada e incluída no orçamento, deslocando esses recursos paraa construção de um edifício para nele instalar a sede da secretaria deobras, também já programada e incluída no orçamento, cujo projetooriginal se pretende que seja ampliado. Nesse caso, basta que a leiautorize a realocação dos recursos orçamentários do primeiro parao segundo projeto;

c) transferências são realocações de recursos entre as categoriaseconômicas de despesas, dentro do mesmo órgão e do mesmoprograma de trabalho. Ou seja, repriorizações dos gastos a seremefetuados. Pode ocorrer que a administração do ente governamentaltenha que decidir entre realocar recursos para a manutenção de umamaternidade ou adquirir um novo computador para o setoradministrativo dessa maternidade, que funciona relativamente bem,ainda que utilizando computadores antigos. A opção por recursospara a manutenção da maternidade se efetivará através de umatransferência, que não se deve confundir com anulações, parciais outotais, de dotações para abrir crédito adicional especial. Nastransferências, as atividades envolvidas continuam em franca execução;nos créditos adicionais especiais ocorre a implantação de umaatividade nova.

A realidade é que, desde a edição do Código de ContabilidadePública, em 8 de novembro de 1922, os créditos adicionais –suplementares, especiais e extraordinários – são tidos e havidos comoas únicas formas de alteração do orçamento no decorrer do exercíciofinanceiro, estando ainda em desuso as técnicas previstas no art. 167,VI, da Constituição Federal. A não-efetividade dessa normaconstitucional, e até mesmo o desconhecimento do seu significado, éimpulsionada pela facilidade que se tem na abertura de crédito adicionalsuplementar, cuja autorização pode estar prevista na lei orçamentária, oque não ocorre com os procedimentos de estorno de verba, que devem

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sempre ser autorizados por leis específicas. Acrescente-se que carece deregramento jurídico o procedimento de se autorizar, na própria LOA, aabertura de créditos suplementares. Em conseqüência, comuns são osabusos resultantes de autorizações sem critérios.

É necessário esclarecer que as figuras remanejamento, transposiçãoe transferência não estão previstas na Lei nº 4.320/64, visto que sugiramno Texto Constitucional posteriormente. Desse modo, os arts. 40 a 46da Lei nº 4.320/64 cuidam exclusivamente dos créditos adicionais(suplementares, especiais e extraordinários). Lá estão dispostas as regrasque devem ser observadas, relativamente à indicação dos recursosorçamentários e financeiros, por ocasião da autorização (por lei) eabertura (por decreto do Executivo) dos créditos adicionais.

Dispõe a Constituição Federal, art. 165, § 8º11, que a leiorçamentária não conterá dispositivo estranho à previsão de receita e àfixação da despesa, não se incluindo na proibição a autorização paraabertura de créditos suplementares12 e contração de operações de crédito,ainda que por antecipação de receita, nos termos da lei. A relação deexceções feita pelo constituinte nesse dispositivo é taxativa (numerusclausus). Isso significa que a LOA não pode dar autorização para oExecutivo proceder a remanejamentos, transposições ou transferênciasde um órgão para outro ou de uma categoria de programação para outra.Ou ainda, que os procedimentos previstos no artigo 167, VI, devem serautorizados através de lei específica.

Não custa nada lembrar que, quando se trata de alocação noorçamento em execução de recursos provenientes de superávit financeiroapurado em balanço patrimonial do exercício anterior, de excesso dearrecadação ou de operações de crédito (Lei nº 4.320/64, art. 43, § 1º,I, II e III, in fine), a via do crédito adicional suplementar não possuirestrição, salvo o limite estabelecido na própria lei orçamentária.13

Portanto, o problema reside apenas quando se faz realocação de recursos_____________11 A Lei nº 4.320/64 tem dispositivo semelhante (art. 7º, I).12 Isso quer dizer que a autorização para abertura de créditos suplementares pode ser dada na

própria lei entária, que deve fixar o limite de tal autorização em valores absolutos ou empercentuais. A lei que autorizar a abertura de crédito adicional especial também poderáautorizar a suplementação do respectivo crédito, observadas as mesmas normas e princípiosaplicáveis no caso da suplementação prevista na LOA.

13 Nesses casos, a alteração do orçamento se opera de forma quantitativa.

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resultantes de anulação parcial ou total de dotações orçamentáriasconstantes do orçamento (Lei nº 4.320/64, art. 43, § 1º, III, primeiraparte).14

Agora uma questão da maior importância para o sistemaorçamentário brasileiro: pode o Chefe do Executivo utilizar créditosadicionais suplementares ou especiais para realocar recursos nos casostípicos de remanejamento, transposição ou transferências? A resposta énão. É princípio basilar da hermenêutica jurídica que a lei não contémpalavras inúteis. Tratando-se de termos constantes na Lei Fundamental,esse argumento de interpretação fica ainda bem mais contundente. Ocerto é que, se diferente fosse, nenhum valor teriam os termos do artigo167, VI, da Constituição Federal.

Daí a conclusão de grande relevo: pelo sistema idealizado peloconstituinte de 1988, os créditos adicionais suplementares abertos combase na autorização concedida na própria lei orçamentária e comfundamento em aporte de recursos oriundos de anulação parcial ou totalde dotações orçamentárias (Lei nº 4.320/64, art. 43, § 1º, III) só podemocorrer quando se tratar de deslocamento de recursos dentro do mesmoórgão e da mesma categoria de programação.15 Ou seja, remanejamentosde recursos de um órgão para outro e transposições ou transferências deuma categoria de programação para outra, somente podem ser autorizadosatravés de lei específica, sob pena de antinomia com a Lei Maior.

Entretanto, as gestões orçamentárias brasileiras ainda nãoperceberam a vontade da Carta de 1988 nesse aspecto, fato que faz comque a prática da abertura de créditos adicionais suplementares, combase na autorização dada na LOA, seja utilizada como panacéia, àrevelia do artigo 167, III, da Constituição Federal.

Essa prática destrói a rigidez do orçamento público pretendidapelo ordenamento jurídico pátrio, com prejuízos para todo o sistemaconstitucional orçamentário que, enfraquecido, deixa de ser veículonecessário de planejamento das ações da Administração Pública, emdesfavor do regime de gestão fiscal responsável preconizado pelo art. 1º, § 1º,da Lei de Responsabilidade Fiscal._____________14 Exemplo: deslocamento de recursos orçamentários destinados a pagamentos de diárias para pessoal.15 Aqui a alteração no orçamento é qualitativa.

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Ressalte-se que incorre no denominado crime de desvio de verbas,tipificado no artigo 31516 do Código Penal, quem der às verbas públicasaplicação diversa da estabelecida em lei. Desvio de verba, ensina HelyLopes Meirelles, “é a transposição de recursos de determinada dotaçãopara outra sem prévia autorização legal, com infração ao disposto noart. 167, VI, da CF”.17 Se essa conduta for praticada por PrefeitoMunicipal, será enquadrada no artigo 1º, III, do Decreto-Lei nº 201/6718, que comina pena mais severa. Também constitui ato de improbidadeadministrativa influir de qualquer forma para a aplicação irregular de verbapública (Lei nº 8.429/92, art. 10, XI19).

_____________16 Dar às verbas ou rendas públicas aplicação diversa da estabelecida em lei: Pena – detenção, de

um a três meses, ou multa (CP, art. 315).17 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p.

227.18 São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipais, sujeitos ao julgamento do Poder

Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores desviar, ouaplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas (Decreto-lei nº 201/67, art. 1º, III). Oscrimes definidos neste artigo são de ação pública, punidos os dos itens I e II, com a pena dereclusão, de dois a doze anos, e os demais, com a pena de detenção, de três meses a três anos(§ 1º). A condenação definitiva em qualquer dos crimes definidos neste artigo, acarreta a perdade cargo e a inabilitação, pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública,eletivo ou de nomeação, sem prejuízo da reparação civil do dano causado ao patrimôniopúblico ou particular (§ 2º).

19 Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ouomissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamentoou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:(...) XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir dequalquer forma para a sua aplicação irregular (Lei nº 8.429/92, art. 10, XI). Independentementedas sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsávelpelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações: (...) II - na hipótese do art. 10,ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio,se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos decinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição decontratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios,direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sóciomajoritário, pelo prazo de cinco anos; (...) Parágrafo único. Na fixação das penas previstasnesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonialobtido pelo agente (Lei nº 8.429/92, art. 12, II e § único).

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O DIREITO URBANÍSTICO E O DIREITO DE PROPRIEDADE

NORTE-AMERICANOS: PLANEJAMENTO URBANO EDESAPROPRIAÇÃO PARA FINS DE INTERESSE PÚBLICO APÓS A

DECISÃO NO CASO KELO VS. CITY OF NEW LONDON

Márcia Ferreira Cunha FariasProcuradora do Ministério Público de Contas do DF

1. Introdução: Takings Clause na Constituição Norte-Americana.2. O caso Kelo v. City of New London. 3. A redefinição do conceito deinteresse público no Direito Administrativo Norte-Americano.4. Desapropriação para Desenvolvimento Econômico naJurisprudência da Suprema Corte. 4.1 Berman v. Parker. 4.2 Hawaiiv. Midkiff. 4.3. County of Wayne v. Edward Hatchcock. 5. Urban Renewal eDesenvolvimento Urbano. 6. Desdobramentos do Caso Kelo. 7. Conclusão.

1. INTRODUÇÃO: “TAKINGS CLAUSE” NA CONSTITUIÇÃO NORTE-AMERICANA

No person shall be held to answer for a capital, or otherwise infamouscrime, unless on a presentment or indictment of a Grand Jury, except incases arising in the land or naval forces, or in the Militia, when in actualservice in time of War or public danger; nor shall any person be subject forthe same offence to be twice put in jeopardy of life or limb, nor shall becompelled in any criminal case to be a witness against himself, nor be deprivedof life, liberty, or property, without due process, of law; nor shall privateproperty be taken for public use, without just compensation. (QuintaEmenda à Constituição dos Estados Unidos da América).1

Não há dúvida acerca da relação existente entre probreza edesenvolvimento urbano. Aquela favorece sobremaneira o crescimento_____________1 A última parte da Emenda, que se lê: “ nem será propriedade privada tomada para uso

público, sem justa compensação”, é conhecida como “the takings clause”, aplicável aosEstados por meio da Décima-Quarta Emenda.

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desordenado da cidade, fenômeno observado em todo os países emdesenvolvimento. O crescimento desordenado das cidades na AméricaLatina, por motivos políticos, econômicos e sociais, deixa espaço parauma série de movimentos descoordenados e inconseqüentes, e a faltade meticuloso planejamento urbano, que atenda aos anseios da populaçãolocal, é causa de diversos males, refletindo em índices de educação,criminalidade e saúde (inclusive mental), dentre outros.

É tarde para que o Brasil, inclusive o Distrito Federal, resgatem oEstado de Direito em matéria de desenvolvimento urbano, conferindocompetência de zoneamento e planejamento ao Poder Executivo, pormeio de mecanismos e de profissionais talhados para a tarefa e queconsiderem ampla participação da sociedade, cabendo ao PoderLegislativo traçar linhas mestras de desenvolvimento. Imperioso se faz,ainda, o efetivo florescimento das muito faladas parcerias público-privadas, importantíssimas nesta como em tantas outras áreas. São elas,ao lado de uma estrutura normativa e orçamentária, que dão forma e cor àpolítica de habitação Norte-Americana, aí compreendidos o desenvolvimentoeconômico das cidades e o redesenvolvimento urbano. É tarde, mas éabsolutamente necessário que não se pense a tarefa impossível.

O julgamento do controvertido caso Kelo vs. City of New London,pela Suprema Corte dos Estados Unidos, em 23 de junho de 2005, teveampla e estrondosa cobertura na mídia. O caso vem sendo consideradouma das mais importantes decisões da Corte em 2005 e uma das maissignificativas e polêmicas de toda a história da Corte Suprema em matériade Direito Administrativo, Direito de Propriedade e Desapropriação.De uma parte, para os defensores do direito de propriedade privada, ocaso vem sendo alardeado como a gota d’água, uma clara demonstraçãoda maioria dos integrantes da Corte contra a proteção da propriedadeprivada. De outra parte, para os governos locais, aos quais cabem asdecisões a respeito do planejamento urbanísitico, a decisão no caso Keloé maravilhosamente libertadora, um verdadeiro divisor de águas aclarificar, de uma vez por todas, quem manda em termos dedesenvolvimento e planejamento urbano.

O presente estudo tem o objetivo de demonstrar que o caso Kelo,a despeito das incisivas palavras da Ministra Sandra Day O’Connor2,nada mais é do que uma conseqüência de decisões anteriores da Corte_____________2 Relatora do voto dissidente.

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Suprema, uma mera contiunidade natural do pensamentoadministrativista norte-americano. Nem por isso deixa a decisão de serda mais suma relevância, pois revela definitiva tendência noplanejamento urbano, de costa a costa: aclara competências e serve deexcelente fonte de estudo no Direito Comparado. Particularmente, noque diz respeito ao conceito de interesse público e de função social dapropriedade, o caso lança luzes que refletem no Direito AdministrativoBrasileiro, merecendo detalhado e refletido exame.

2. O CASO KELO V. CITY OF NEW LONDON

New London é uma cidade histórica e portuária, situada à beirado Rio Thames, no sudeste do estado de Connecticut, na NovaInglaterra3, nordeste dos Estados Unidos, região formada pelos Estadosde Maine, New Hampshire, Vermont, Massachusetts e Rhode Island,além do já citado Estado. O voto do Ministro STEVENS4 no caso Kelodemonstra a situação sócio-econômica da cidade, no final do séculoXX: uma “municipalidade em frangalhos”5, que, em 1998, exibia taxade desemprego quase duas vezes maior do que a média estadual, com amaior emigração de habitantes desde 1920.

A área de Fort Trumbull era a que mais merecia atenção. A NewLondon Development Corporation (NLDC), uma sociedade sem finslucrativos, estabelecida para auxiliar o governo local a elaborar umapolítica de desenvolvimento econômico6, foi autorizada pelo Conselhoda Cidade de New London a formalmente submeter seus planos aogoverno estadual para revisão. O plano apresentado incluía oestabelecimento de um complexo de pesquisa pela Pfizer, Inc., que,esperava-se, atrairia novos negócios a fixarem-se na região, totalizando90 acres na área de Fort Trumbull. O Conselho da Cidade aprovou o_____________3 Região formada pelos Estados de Maine, New Hampshire, Vermont, Massachusetts, Rhode

Island e Connecticut. Boston é a capital financeira e cultural da região.4 John Paul Stevens, nomeado pelo Presidente Ford, entrou em exercício em 19 de dezembro

de 1975.5 a distressed municipality (todas as traduções para o português contidas neste estudo foram

feitas livremente pela autora.6 A NLDC tem como finalidade estabelecer parcerias público-privadas que sirvam de estímulo

ao desenvolvimento econômico da cidade de New London, aumentando a receita de tributos,fomentando a criação de empregos, e melhorando a qualidade de vida dos moradores dacidade (in http://www.nldc.org).

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plano em janeiro de 2000, designando a NLDC como o agenteresponsável por sua implementação. A NLDC foi também autorizada aadquirir propriedade para desenvolvimento do plano, inclusive por meiode desapropriação, em nome da cidade de New London. A maior partedos 90 acres foi adquirida, mas em relação aos autores da ação, asnegociações falharam, tendo sido iniciado o processo de desapropriaçãoem novembro de 2000.

Os nove autores da ação judicial mantinham quinze propriedadesem Fort Trumbull, dez das quais utilizadas para moradia dosproprietários ou de suas famílias, e cinco, mantidas como investimento.

Em dezembro de 2000, os autores da ação defenderam no Tribunalde Segunda Instância de New London7 que a desaproprieção de seusimóveis estaria em violação do conceito de interesse público contidona Emenda Cinco da Constituição norte-americana. O Tribunal concedeuaos autores segurança proibindo a desapropriação das propriedadeslocalizadas na zona 4A do projeto, mas não na zona 38.

Em seguida, ambas as partes apelaram à Corte Suprema do Estadode Connecticut, que julgou, por maioria, que as desapropriaçõestencionadas pelo governo local eram válidas. A decisão teve porfundamento o Capítulo 132 da Constituição Estadual, que reza que adesapropriação de áreas urbanas, ainda que construídas, como parte deum projeto de desenvolvimento urbano, é considerada no interesse públicoe revela um uso público. A Corte, portanto, manteve a decisão a quorelativamente à parcela 3, mas reformou a decisão, no que diz respeito

_____________7 New London Superior Court.8 O projeto dividia-se em sete parcelas, a saber:

Parcela 1 – designada para estabelecimento de um hotel à beira da água, centralizado emuma pequena vila urbana, na qual seriam estabelecidos restaurantes e um shopping center,assim como marinas para uso recreativo e comercial.Parcela 2 – nesta zona seriam construídas aproximadamente 80 novas residências,organizadas em uma comunidade urbana e ligadas por meio de um passeio público aorestante do projeto, com previsão de um parque estadual e um museu.Parcela 3 - 90.000 pés quadrados, ou mais, de área destinada a pesquisa e a escritórios.Parcela 4A – área de 2,4 acres a ser utilizada para suporte ao parque estadual, comoestacionamento e comércio varejista para visitantes, ou para suporte à marina.Parcela 4B – área destinada à marina, renovada, além de passeio público.Parcelas 5,6 e 7 – espaço destinado a escritórios e comércio varejista, estacionamento eusos comerciais relacionados ao rio.

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à parcela 4A, sob o argumento de que o uso pretendido da área haviasido suficientemente definido e havia merecido razoável atenção no cursodo processo de planejamento.

A Corte Suprema dos Estados Unidos recebeu os recursos doslitigantes (writ of certiorari) com o propósito de examinar se a decisãode um governo local de promover desapropriações para afinalidade de desenvolvimento econômico envolvia um interessepúblico, tal como requerido por força da Quinta Emenda daConstituição dos Estados Unidos da América.

Assim recapitulou o Ministro da Suprema Corte relator do processo9:when this Court began applying the Fifth Amendment to the

States at the close of the 19th century, it embraced the broader and morenatural interpretation of public use as ‘public purpose’ (…) Thedisposition of this case therefore turns on the question whether the City’sdevelopment plan serves a ‘public purpose’. Without exception, our caseshave defined that concept broadly, reflecting our longstanding policy ofdeference to legislative judgments in this field.

Os requerentes em Kelo argumentaram que: a) desenvolvimentoeconômico não poderia ser considerado interesse ou uso público; b) ouso do instituto de desapropriação nessas circumstâncias deturparia oconceito de interesse social; c) a transferência de propriedade de umcidadão a outro seria estimulada se o caso fosso decidido a favor dacidade de New London; d) uma razoável certeza de que os benefíciosao público iriam de fato ocorrer seria imperativa.

A Ministra O’Connor10 apresentou voto divergente, no que foiacompanhada pelos Ministros Renquist, Scalia e Thomas11 (o último_____________9 125 S. CT. 2655: “quando esta Corte começou a empregar a Quinta Emenda aos Estados no

final do século XIX, abraçou a mais ampla e mais natural interpretação de ‘uso público’como um ‘propósito público’ (...) A disposição deste caso volta-se a perguntas a respeito dese um plano de desenvolvimento de uma cidade presta-se ao conceito de ‘propósito público’.Sem exceções, as nossas decisões têm definido esse conceito de foma abrangente, refletindonossa política de deferência ao pensamento do legislativo nesse campo.”

10 A Ministra Sandra Day O’Connor tomou assento na Suprema Corte em 25 de setembro de1981 e foi nomeada pelo Presidente Reagan. Aposentou-se em 31 de janeiro de 2006.

11 O Ministro William H. Renquist foi nomeado pelo Presidente Nixon e tomou assento em 7de janeiro de 1972; foi ainda nomeado Chief Justice pelo Presidente Reagan em 25 desetembro de 1986, e faleceu no cargo em 3 de setembro de 2005. O Ministro Antonin Scalia

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apresentou declaração de voto). O entendimento esposado no voto daMinistra O’Connor é no sentido de que a Suprema Corte, por doisséculos, aplicara em suas decisões o princípio da limitação dos poderespúblicos, e que essa prática estaria a ser, com a decisão em debate,abandonada, para permitir a desapropriação de propriedade privada esua transferência para outro indivíduo ou entidade privada, apenas porqueos últimos seriam capazes de gerar mais benefícios à comunidade, ou,em última análise, maoir renda tributária. Desapropriação para fins dedesenvolvimento econômico, que constitui o caso em análise, seriainconstitucional para a corrente vencida por promover o bem públicoapenas incidentalmente; o voto dissedente da Ministra refuta, também,a pertinência da jurisprudência apontada, particularmente os casosBerman e Midkiff (adiante apresentados).

3. A REDEFINIÇÃO DO CONCEITO DE INTERESSE PÚBLICO NO DIREITO NORTE-AMERICANO

A cláusula Takings12, também conhecida como a:just compensation clause (cláusula da justa compensação), serves as a

limitation on the exercise of the police power (…) it is not essential thata majority of the public benefit from the governmental action or program.(…) In the process of expanding the definition of what was a public useby incorporating public benefit or purpose analysis, the definition ofpublic use became a legislative function. Thus, an action of a stateadministrative agency requires the authorization by the state legislature inorder to further a public use.13

O propósito público, ou o interesse público, é conceitomultifacetado. Por não ser facilmente identificado ou delimitado, não é_________________________________________________________________________

foi nomeado pelo Presidente Reagan e tomou assento em 26 de setembro de 1986; oMinistro Clarence Thomas foi nomeado pelo Presidente Bush e tomou assento em 23 deoutubro de 1991.

12 Takings é conceito mais amplo do que o de desapropriação, tal como conhecido no DireitoBrasileiro, pois inclui a desapropriação por utilidade pública, a desapropriação por interessesocial, e também a regulamentação administrativa (relativa a zoneamento urbano, porexemplo) considerada pelo Poder Judiciário como exorbitante. No caso em hipótese, contudo,que envolve physical takings, a tradução mais precisa seria o termo desapropriação.

13 BURKE, Barlow. Understanding the Law of Zoning and Land Use Controls. Newark: LexisNexis, 2002, pp.11, 15.

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conceito finito e objetivo. Deve-se compreender o conceito, portanto,em Direito Administrativo, por meio de uma ponderação dos interessesenvolvidos em cada caso concreto. Em busca de uma compreeensão dafunção social da propriedade, devem-se considerar direitos individuaise metaindividuais.14

A noção do conceito de interesse público, ademais, écaleidoscópica, porque alterna suas cores e configurações de acordocom quem a manipula. Para Marx, por exemplo, o interesse público eraum disfarce da burguesia. Mais recentemente, teóricos e filósofosfeministas argumentam que o interesse público é, invariavelmente,implicitamente condicionado a gênero.15

Historicamente, o conceito de interesse público é:serves as a limitation on the exercise of the police power (…) it is

not essential that a majority of the public benefit from the governmentalaction or program. (…) In the process of expanding the definition ofwhat was a public use by incorporating public benefit or purpose analysis,the definition of public use became a legislative function. Thus, an actionof a state administrative agency requires the authorization by the statelegislature in order to further a public use.16

Planejamento urbano hoje, é evidente, pressupõe muito mais doque a aludida burocracia entre quatro paredes. A epistemologia doplanejamento deve levar em consideração, ao menos, seis fatores: diálogo;experiência; conhecimento do ambiente local; conhecimento apreciativoou contemplativo; evidências simbólicas ou não-verbais; e planejamentode ação.17

_____________14 A respeito da função social da propriedade, cf. Farias, Marcia. Terras Públicas: alienação e uso.

Brasília: Brasília Jurídica, 2005, p. 94.15 SANDERCOCK, Leonie. Towards Cosmopolis: Planning for Multicultural Cities. Chichester:

John Wiley and Sons, p.197.16 BURKE, Barlow. Understanding the Law of Zoning and Land Use Controls. Newark: Lexis

Nexis, 2002, pp.11, 15: Historicamente, o conceito de interesse público “vem de umaestrutura de referência da teoria política liberal em que especialistas desinteressados,trabalhando no âmbito de instituições do Estado-Nação moderno, objetivam e racionalmenteanalisam um problema e alcançam uma solução de ‘interesse público’. [O conceito] presumiaa abilidade de um certo e escolhido grupo de especialistas posicionar-se fora dos processossociais e decidir o que era melhor para todos.”

17 SANDERCOCK, Leonie, ob.cit., p. 82.

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No que diz respeito ao conceito de uso público, é o termo públicoque está constantemente em mutação: a cidade ideal “é uma política deinclusão fundamentada no entendimento de que existem múltiplospúblicos, ou (...) um público heterogêneo”.18

Inicialmente, a jurisprudência americana limitava o conceito deuso público ao uso por todos, ou uso pelo público (Cole v. City of LaGrange), ea desapropriação que tomasse um imóvel particular para transferi-lo aoutro particular era inaceitável. (Karesh v. City Council, em que o governolocal tencionava desapropriar um imóvel para construção e exploração,por particulares, de um estacionamento e de um centro de convenções).

Sob a perspectiva de urban renewal19, contudo, o conceito de usopúblico passou a oferecer mais ampla compreensão. Isso porque essafunção do planejamento urbano recorria, em grande extensão, àdesapropriação da propriedade privada para regeneração de áreasurbanas desgastadas, transformando-as, na maioria das vezes, emdesenvolvimentos de uso misto (residencial e comercial). Nos projetosde desenvolvimento, o órgão governamental ou a entidade sem finslucrativos em parceria público-privada detinham a área desapropriadapor curto período de tempo, repassando-a a outros particulares apóssubdividi-la.

4. DESAPROPRIAÇÃO PARA DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO NA

JURISPRUDÊNCIA DA SUPREMA CORTE

Few issues have captured the attention of state legislatures in recentyears as dramatically as eminent domain has in the wake of last year’s U.S.Supreme Court ruling in Kelo v. City of New London. Various versions ofeminent domain reform are or have been considered in 45 states. Proposalsrange from broad, constitutional prohibitions to procedural changes inthe use of eminent domain. APA is closely monitoring state action onthis important planning issue. (…) APA believes states, not the federal

_____________18 Idem, p. 197.19 Técnica de planejamento urbano praticada nos Estados Unidos, sobretudo entre o final da

década de 40 do século passado e o início da década de 70, em que a desapropriação deimóveis de propriedade privada para implementação de projetos cívicos era amplamenteutilizada. Também conhecido na Inglaterra como urban regeneration, essa função deplanejamento urbano foi aplicada em cidades por todo o mundo.

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government, are the appropriate venue for redevelopment reform. Reformdone right will guarantee fairness while benefiting communities. However,legislation must be carefully crafted to avoid unintended consequencesthat threaten to hobble the ability of local citizens to improve theirneighborhoods and quality of life.20

A afirmação, feita no sítio da American Planning Association nainternet, é seguida de uma lista de projetos de lei estaduais provocadospela decisão da Suprema Corte no caso Kelo. A importância atribuída aKelo pela APA reflete a que juristas, políticos, funcionários públicos,engenheiros e arquitetos, e vários setores da sociedade civil, atribuíramà decisão. Ambientalistas também estão-se preocupando com possíveisefeitos negativos do caso sobre o meio ambiente: o desenvolvimentopropiciado por grandes empresas de construção e indústrias não podecompetir, em termos financeiros ( geração de receita de impostos e deempregos), com a preservação de áreas verdes, iniciativa, contudo,igualmente relevante.

A pergunta que se coloca é: Kelo, de fato, alterou tanto assim ajurisprudência da Suprema Corte? Em nosso ponto de vista, não. Aseguinte análise da jurisprudência aplicável ao caso demonstrará esta tese.

4.1. BERMAN V. PARKER

Em Berman v. Parker, o apelante era proprietário de um imóvelcomercial, no qual funcionava uma loja de departamentos. A propriedadeem si não apresentava sinais de desgaste, mas localizava-se em umaárea considerada desgastada.21 O caso definiu o conceito de propósitopúblico, em amplo sentido, a ser avaliado sob a perspectiva de cadacaso concreto.

O Decreto de Redesenvolvimento do Distrito de Columbia, de1945, foi considerado constitucional pela Suprema Corte:

as applied to the taking of [the] appellants’ building and land(used solely for commercial purposes) under the power of eminentdomain, pursuant to a comprehensive plan prepared by an administrativeagency for the redevelopment of a large area of the District of Columbia

_____________20 In http://www.planning.org/legislation/eminent domain/21 BURKE, ob. cit., p.15.

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so as to eliminate and prevent slum and substandard housing conditions— even though such property may later be sold or leased to other privateinterests subject to conditions designed to accomplish these purposes.22

No caso em análise, assim votou o Ministro Douglas23:Subject to specific constitutional limitations, when the legislature

has spoken, the public interest has been declared in terms well-nighconclusive. In such cases the legislature, not the judiciary, is the mainguardian of the public needs to be served by social legislation, whether itis Congress legislating concerning the District of Columbia or the Stateslegislating concerning local affairs. This principle admits of no exceptionmerely because the power of eminent domain is involved. The roleof the judiciary in determining whether that power is being exercised fora public purpose is an extremely narrow one. (…) We do not sit todetermine whether a particular housing project is or is not desirable. Theconcept of the public welfare is broad and inclusive. The values itrepresents are spiritual as well as physical, aesthetic as well as monetary. Itis within the power of the legislature to determine that thecommunity should be beautiful as well as healthy, spacious as wellas clean, well-balanced as well as carefully patrolled. In the presentcase, the Congress and its authorized agencies have made determinationsthat take into account a wide variety of values. It is not for us to reappraisethem. If those who govern the District of Columbia decide that theNation’s Capital should be beautiful as well as sanitary, there isnothing in the Fifth Amendment that stands in the way.24

_____________22 O Decreto foi considerado constitucional “enquanto aplicado à desapropriação do imóvel

construído do apelante e da área não construída (utilizados unicamente para fins comerciais),de acordo com um plano compreeensivo preparado pela agência administrativa para oredesenvolvimentode de uma extensa área do Distrito de Columbia, no intento de eliminare previnir favelas e condições de habitação inferiores – ainda que a propriedade possaadiante ser vendida ou alugada para outros interesses privados, sujeitos a condições designadasa atingir esses propósitos.” Berman v. Parker, 348 U.S. 26 (1954).

23 William O. Douglas tomou assento em 17 de abril de 1939. Foi nomeado pelo PresidenteFranklin Roosevelt e aposentou-se em 12 de novembro de 1975.

24 Sujeito a limitações constitucionais específicas, quando o Poder Legislativo já deliberou, ointeresse público foi declarado em termos bastante conclusivos. Em casos que tais, oLegislativo, não o Judiciário, é o maior guardião das necessidades públicas a serem servidaspela legislação social, seja quando o Congresso legisla para o Distrito de Columbia, sejaquando os Estados legislam a respeito de assuntos locais. Esse princípio não admite

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O requisito de uso público em Berman foi aplicado a toda a áreaem que o plano de urban renewal estava sendo desenvovido. O fato deque o lote comercial em que a loja de departamentos estava localizadanão apresentava desgaste não foi considerado pela Corte, que rejeitouo argumento de que o requisito de uso público deva ser satisfeitoimóvel a imóvel25:

If owner after owner were permitted to resist these redevelopmentprograms on the ground that his particular property was not being usedagainst the public interest, integrated plans for redevelopment wouldsuffer greatly. The argument pressed on us is, indeed, a plea to substitutethe landowner’s standard of the public need for the standard prescribedby Congress. But as we have already stated, community redevelopmentprograms need not, by force of the Constitution, be on a piecemeal basis— lot by lot, building by building.26

Berman serve de reforço à teoria segundo à qual, em termos depoder de polícia, inclusive em matéria de desapropriação, não deve oPoder Judiciário analisar o mérito do ato administrativo, no que pertineà maior ou menor conveniência de sua prática para o bem-estar comum,substituindo-se o Poder Legislativo pelo Poder Judiciário. O casodemonstra, ainda, que a organização e o planejamento da cidade cabem_________________________________________________________________________

nenhuma exceção meramente porque o poder de desapropriação está em questão.O papel do Judiciário em determinar se o poder [ de desapropriação] está sendo exercidopara um propósito público é extremamente estreito. (...) Nós não nos sentamos para determinarse um projeto de habitação em específico é ou não desejável. O conceito de bem-estarpúblico é amplo e inclusivo. Os valores por ele represetados são espirituais tanto quantofísicos, estéticos tanto quanto monetários. É no âmbito desse poder que o Legislativodeterminará se a comunidade deve ser bonita, além de saudável; espaçosa, alémde limpa; equilibrada, além de cuidadosamente patrulhada. No caso presente, oCongresso e as agências autorizadas tomaram deliberações que consideram uma grandevariedade de valores. Não é nosso papel reavaliá-las. Se aqueles que governam o Distritode Columbia decidem que a Capital da Nação deve ser bonita, além de sanitária,não há nada na Quinta Emenda que o impeça. (Berman v. Parker).

25 Berman v. Parker.26 Se proprietário após proprietário fossem autorizados a resistir os programas de

redesenvolvimento sob o argumento de que o seu imóvel em particular não estava sendousado contra o interesse público, os planos integrados para redesenvolvimento sofreriarmenormemente. Mas, como já afirmado, programas de redesenvolvimento econômico nãonecessitam, pela força da Constituição, ser em fatias – lote por lote, prédio por prédio.

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ao Poder Legislativo e ao Poder Executivo; e que particulares que sejamproprietários de imóveis em áreas objeto de projetos de desenvolvimentoeconômico (incluindo-se, nesse conceito, habitação digna), não podemopor seu direito ao plano elaborado pelo Poder Público, ainda que seusimóveis sirvam, isoladamente, a um propósito público lato sensu (geraçãode empregos e de impostos; embelezamento da área combalida etc.).

4.2. HAWAII V. MIDKIFF

A terra, no Estado do Havaí, era concentrada nas mãos de poucos,que alugavam suas propriedades. O Poder Legislativo local tencionourequerer aos proprietários que vendessem suas terras aos inquilinos, mas,devido à forte carga tributária federal, os proprietários recusaram-se avender suas terras. Entretanto, ao desapropriar os imóveis, o PoderLegislativo tornaria as vendas involuntárias, reduzindo, assim, asconseqüências tributárias. Como a mediação falhara no processo devenda, os proprietários ajuizaram a ação, requerendo que a norma quepermitiu a desapropriação das terras fosse considerada inconstitucional.

O Tribunal de Primeira Instância temporariamente obstou oEstado a proceder contra as propriedades privadas. Em dezembro de1979, o Tribunal declarou que os objetivos da norma encontravam-senos limites do poder de polícia, e que os meios que o Estado haviaescolhido para alcançar esses objetivos não eram arbitrários, capciososou escolhidos de má fé.27

O Tribunal de Apelação (Court of Appeals), considerou a normacomo “a naked attempt on the part of the the state of Hawaii to takethe private property of A and transfer it to B solely for B’s private useand benefit”.28

A Corte Suprema decidiu que a norma havaiana era constitucional,porque objetivava corrigir deficiências no mercado imobiliário, e essaera uma hipótese de uso público, legitimadora, portanto, da desapropriaçãoproposta.

_____________27 Citação extraída do voto da Ministra O’ Connor.28 Idem; “uma tentativa explícita da arte do Estado do Havaí de tomar a propriedade privada

de A e transferi-la a B unicamente para seu próprio uso privativo e benefício”.

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4.3. POLETOWN NEIGHBORHOOD COUNCIL V. CITY OF DETROIT

Em Poletown, a Suprema Corte do Estado de Michigan examinouum caso de redesenvolvimento urbano na cidade de Detroit. PoletownNeighborhood Council, uma associação civil, e mais dez residentes daregião de Poletown, em Detroit, ajuizaram ação contra a cidade deDetroit e sua Empresa de Desenvolvimento Econômico (EconomicDevelopment Corporation) para obstar a desapropriação de terras queseraim posteriormente transferidas à General Motors Corporation paraa construção de novas fábricas de montagem em linha.

O caso discute a questão de se os governos locais podemdesapropriar imóveis para depois transferi-los a uma empresa privadaem nome de desenvolvimento econômico. A Corte decidiu que o usodo instituto da desapropriação - eminent domain – para fins deredesenvolvimento econômico é legítimo, ainda que, ao fim eincidentalmente, a empresa também aufira benefícios. Poletown reafirmaque o benefício público há de ser claro e significativo, mas nãonecessariamente garantido.

O voto dissidente no processo, proferido pelo Ministro Fitzgerald29,argumenta no sentido de que, no caso em análise, a transferência depropriedade à General Motors após o decreto expropriatório, não poderiaser considerada incidental em relação à desapropriação, porque forajustamente por meio da aquisição e do uso da propriedade por parte daGeneral Motors que o propósito público de promover novos empregosseria atingido. O voto também menciona que a jurisprudência citada nadiscussão do processo (referente a casos nas Cortes de Maryland e deMinnesota) não guardava identidade com Poletown porque, em Poletown,a localização da propriedade não fora escolhida pelo município, mas, aocontrário, indicada como desejável pela General Motors.30 Argui-se, emcontraposição a esse entendimento, que as observações do votodissidente são irrelevantes, porque o projeto de redesenvolvimento deveestar muito bem estruturado e seguir uma série de formalidades, bemcomo ser discutido em diferentes fóruns e arenas; a localização dapropriedade, ainda, não é aprovada se não apresentar relevantes_____________29 Ryan Fitzgerald, Ministro da Suprema Corte do Estado de Michigan.30 Poletown Neighborhood Council v. City of Detroit, 410 Mich. 616.

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benefícios ao redesenvolvimento, independentemente de quem a defineou sugere.

4.4. COUNTY OF WAYNE V. EDWARD HATCHCOCK

Neste caso, a Suprema Corte do Estado de Michigan reverteu seuentendimento em relação a Poletown, adotando interpretação mais restritada cláusula takings na Constituição Estadual, ao contrário de suadeliberação em Poletown, em que a inconstitucionalidade arguída foraem relação à Constituição Federal.

O caso em foco tratava de uma renovação do AeroportoMetropolitano no condado de Wayne, a qual envolvia a aquisição depropriedades lindeiras, por meio de um processo voluntário. Nem todosos proprietários, contudo, aderiram ao programa voluntário, e as terrasadquiridas resultaram num formato de tabuleiro de xadrez, o que tornoua continuidade do projeto impossível. Assim, o condado precisou iniciaruma série de desapropriações.

A Suprema Corte de Michigan estabeleceu três testes no corpodessa decisão para determinar se as desapropriações para fins dedesenvolvimento econômico seriam admissíveis.

Primeiramente, necessidade pública extrema31 deve requerer uma açãocoletiva.

Em segundo lugar, a propriedade adquirida por meio dedesapropriação deve permanecer sob a supervisão do município apóstransferência a uma entidade privada (com cláusula de aplicação aoprojeto, por exemplo). Por último, a propriedade deve ser selecionadaem consideração a fatos de significância pública independente32, e não escolhidapela entidade privada beneficiária.

Como Hatchcock apresentara restrições inexistentes najurisprudência relativamente ao uso de eminet domain para fins dedesenvolvimento econômico, a atenção da comunidade jurídica, do setorpúblico, dos defensores do direito de propriedade, dos planejadoresurbanos, e da sociedade como um todo, voltou-se a Kelo, com todointeresse, quando o caso subiu à Suprema Corte._____________31 “public necessity of the extreme sort”.32 “facts of independent public significance”.

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5. “URBAN RENEWAL” E DESENVOLVIMENTO URBANO

Urban renewal, conceito já definido acima, é processo de larga escalaque objetiva eliminar decadência por meio de eminent domain (espécie dedesapropriação). Uma das mais fervorosas críticas de urban renewal, nosanos 50, foi Jane Jacobs, escritora e ativista, falecida em 25 de abril de2006.

My attack, escreveu ela, (...) is based on the principles and aims thathave shaped modern, orthodox city planning and rebuilding. (…) Thereis a wistful myth that if only we had enough money to spend (…) wecould wipe out all our slums in ten years, reverse decay in the great, dull,gray belts that were yesterday’s and day-before-yesterday’s suburbs, anchorthe wandering middle class and its wandering tax money, and perhapseven solve the traffic problem.33

Eminent domain é ferramenta utilizada em projetos de urban renewalpara desenvolvimento econômico, para revitalizar bairros em decadênciae para a expansão de serviços governamentais voltados à comunidade.Alguns exemplos do uso dessa ferramenta em projetos urbanos nosEstados Unidos incluem:

• o Lincoln Center for the Performing Arts (Nova Iorque);• a revitalização do Times Square (Nova Iorque);• o complexo do Boston Convention and Exhibition Center (Boston);• a revitalização da região de baixa-renda de Dudley Street (Boston).Community Development (desenvolvimento comunitário) é o conceito

que tomou forma em contraposição ao urban renewal. Nesse diapasão, ogoverno federal criou, em 1974, o Community Development Block Grant(CDBG), um programa de governo que oferece recursos financeiros àscomunidades para a resolução de uma vasta gama de problemas urbanos.O programa é gerido pelo Department of Housing and Urban Development_____________33 JACOBS, Jane. The Death and Life of Great American Cities. New York: Vintage

Books, Random House, Inc., 1961, p.4.“Minhas críticas (…) estão baseadas nos princípios e objetivos que deram forma ao modernoe ortodoxo planejamento urbano (...) Há um mito esperançoso de que se apenas nóstivéssemos dinheiro suficiente para gastar (...), então poderíamos acabar com todas asfavelas em dez anos; reverter a decadência no grandes e cinzentos cinturões que foramontem e antes-de-ontem nossos subúrbios; ancorar a classe média viajante e sua receitatributária viajante; e talvez até resolver o problema do trânsito”.

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(HUD), aproximadamente o equivalente ao Ministério das Cidadesbrasileiro. Os recursos públicos são repassados por meio de uma fórmulaespecificada em norma federal a 1180 unidades de governo local(municípios ou consórcios de municípios) e estadual.

O desenvolvimento comunitário é fomentado de várias formas.Uma delas é por meio de regeneração com base em uma determinadacultura, ou seja, o desenvolvimento baseado em um grupo cultural ouétnico (bairros étnicos). Outra forma de abordar o desenvolvimento é apartir de um determinado evento revitalizador, como os Jogos Olímpicos,a Copa do Mundo, o Carnaval. Recentemente, nos Estados Unidos, torna-se popular o redesenvolvimento centrado em projetos de uso misto(residencial e comercial) em torno de pontos de trânsito de grandecirculação (como estações de trem ou metrô).34

6. DESDOBRAMENTOS DO CASO KELO

Kelo foi estampado em todas as manchetes. Alguns argumentamque a Corte Suprema decidiu o caso mal, por uma série de razõesdiferentes. E por razões diferentes este estudo busca demonstrar que ocaso não apresenta modificação no pensamento da Corte, no que dizrespeito à cláusula takings ou à aplicação da Quinta Emenda. Osargumentos mais utilizados por aqueles que se opõem à decisãomajoritária da Suprema Corte são a seguir demonstrados e refutados.

Kelo favorece um sistema perverso em que propriedadesprivadas de pessoas de baixa e média renda e de minoriassão entregues a poderosos

O primeiro argumento assacado contra a decisão da Suprema Corteé que os mais prejudicados por ela serão os economicamente frágeis; ouque os maiores beneficiários da decisão serão provavelmente os cidadãosde desproporcionada influência e poder no processo político decisório,neste conceito incluídos grandes empresários e construtoras.35

_____________34 Um bom exemplo desse tipo de projeto é o que está sendo construído em torno da estação

de metrô de Woodland, na linha verde do Massachusetts Transit Authority (MBTA), comprevisão de residências, escritórios, lojas e estacionamento. Tais projetos têm forte apeloambiental, pois diminuem o trânsito de veículos, ao colocar moradores, empregos e serviçospróximos uns dos outros, e promove, ainda, uma série de direitos civis, como justiça ambientale moradia para pessoas de baixa e média renda.

35 ORNE, Christian M. Kelo v. New London: An Opportunity Lost to Rehabilitate the Takings Clause.6 Nev. L.J. 272.

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Sob a perspectiva sócio-econômica, o desenvolvimentocomunitário, tal como praticado hoje, não irá surtir os efeitos temidospelos defensores do direito de propriedade. O processo judiciárioenvolveu apenas 15 propriedades, embora o projeto inteiro englobasse90 acres de terra urbana. Essas 15 propriedades, como já mencionado,pertenciam a 9 peticionários – que não constituíam necessariamentefamílias de baixa renda ou minorias; é de lembrar que 5 das propriedadeseram mantidas a título de investimento. É importante relembrar que aaquisição de propriedade por meio de desapropriação é mais onerosa,política e economicamente, do que a aquisição direta, sempre preferida.A especulação imobiliária que muitos temem, portanto, provavelmentenão se concretizará.36

A American Planning Association – APA, um dos amicus curiae nocaso Kelo, em apoio aos recorridos, assim se manifestou:

communities should use incentives – such as increased developmentdensities and favorable zoning policies – as their primary redevelopmenttool, and should resort to eminent domain only as a tool of last resortwhen incentives are insufficient to implement redevelopment plans.37

O argumento de que a propriedade privada agora está muito maisvulnerável nos Estados Unidos, que será tomada à força de uns para serdada a outros, no objetivo de aumentar a receita de impostos para ogoverno, é exagerado, e não pode ser atribuído a Kelo. Isso porque, comoa Trial Court (o Tribunal a quo) concluiu, o fato de a Pfizer ter sidobeneficiada não pode ser considerado como a motivação principal oumesmo o efeito do projeto de redesenvolvimento. Essa motivação eesse efeito foram, na verdade, a vantagem que o governo localvislumbrou em auferir vantagem para a população de New London,como um todo, do interesse manifestado pela empresa em estabelecer-se na área de North Trumbull._____________36 Cf. http://www.planning.org/amicusbriefs/pdf/kelo.pdf37 Idem. As comunidades devem usar incentivos – tais como densidades de desenvolvimento

maiores e políticas de zoneamento mais favoráveis – como suas ferramentas primárias deredesenvolvimento, e devem recorrer à desapropriação apenas como uma ferramenta deúltimo recurso, quando os incentivos forem insuficientes para implementar os planos deredesenvolvimento.

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Os governos municipais (locais) e estaduais agora sentir-se-ão à vontade para utilizar amplamente o eminentdomain em seus projetos de desenvolvimento econômico

Os que imaginaram que a decisão da Suprema Corte serviria deincentivo para que os governos locais e estaduais se sentissem livres aforçar cidadãos americanos a abrir mão de suas propriedades,conquistadas a duras penas, erraram, de longe, em suas previsões.38 Naverdade, exatamente o oposto ocorreu: os Legislativos estaduais correrama propor e a aprovar leis protetoras da propriedade privada nos limitesde seus Estados.

Até a data de 17 de agosto de 2006, em que este artigo foisubmetido a publicação, a legislação restritiva do uso de eminent domainnos Estados encontrava-se assim39:

• Estados que já tiveram leis e emendas constitucionaispromulgadas: Alaska, Colorado, Florida, Georgia, Idaho,Illinois, Indiana, Iowa, Kansas, Kentucky, Louisiana, Maine,Minnesota, Missouri, Nebraska, New Hampshire, Pennsylvania,South Carolina, South Dakota, Tennessee, Utah, Vermont,West Virgina e Wisconsin (24 Estados);

• Estados aguardando sanção ou veto do Governador: NorthCarolina;

• Estados em que tais normas foram vetadas pelo Governador:Arizona, Iowa e New Mexico;

• Estados em que a proposta legislativa foi aprovada em umadas Casas mas ainda não na outra: New Jersey;

• Estados em que propostas legislativas restritivas foramabortadas nas comissões legislativas: Alabama, Connecticut,Havaí, Maryland, Mississippi, Nova Iorque, Oaklahoma, RhodeIsland, Virginia, Washington, Wyoming (11 Estados);

• Estados em que propostas legislativas foram introduzidas:California, Massachusetts, Ohio.40

_____________38 Cf, a título de exemplo, Fuhrmeister, Ashley J. In the name of economic development:

reviving public use as a limitation on the eminent domain power in the wake of Kelo v. Cityof New London. 54 Drake Law Rev., 71.

39 In http://www.planning.org/legislation/eminentdomain/edlegislation.htm#140 Total de Estados que já propuseram propostas administrativas (aprovadas, rejeitadas, em

curso, abortadas): 43, de um total de 50.

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O Legislativo Federal também passa por um momento de reflexão.Muitas propostas legislativas foram apresentadas em ambas Casas, masa iniciativa principal é da Câmara, H.R. 4128, de autoria do DeputadoJames Sensenbrenner (Republicano de Wisconsin). Essa proposta,aproada em novembro de 2005 por 376 votos a 38, foi encaminhada àComissão Judiciária no Senado. A norma proposta busca limitar o usodo instituto de eminent domain de forma contundente: o Estado oumunicipalidade que promover, por meio de desapropriaçã, a transferênciade propriedade de um particular a outro não receberá verbas do governofederal para desenvolvimento econômico por dois anos.41

O Congresso já aprovou outra proposta legislativa a respeito doassunto. Trata-se de uma emenda a uma lei federal (P.L. 109-115) queproíbe o uso de verbas federais apropriadas nos termos da lei paraprojetos de desenvolvimento econômico que beneficiem,primordialmente, particulares. A norma, promulgada em 30 denovembro de 2005, determina, ainda, a realização de estudos peloGeneral Accountability Office – GAO sobre o uso de eminent domainpara fins de desenvolvimento econômico, conferindo ao órgão um anopara apresentação de seu relatório (novembro de 2006).42 As conclusõesdo GAO serão de suma relevância para o destino do emprego do institutode desapropriação para fins de desenvolvimento econômico, e, ainda,para a definição do conceito de interesse público. O relatório do GAO,contudo, só estará disponível após sua apresentação ao Congresso.43

O governo proponente de um plano de redesenvolvimentodeve apresentar prova de que o plano terá sucesso

No que diz respeito à necessidade de prova do sucesso projetado deum plano de redesenvolvimento, a decisão concluiu que o governo local fezuma séria projeção dos benefícios esperados, e submeteu-se a todas asregras e condições necessárias. Mais certeza do que isso seria exigênciairracional, o que, por si só, causaria uma incerteza.

A decisão é contrária à jurisprudência anteriorNo que diz respeito à jurisprudência envolvida, Hatchcock pode

ter induzido expectativas que levaram a um horizonte de mudança na_____________41 “ Kelo and Counting”, Planning, American Planning Association, v. 72 n. 6 Jun. 2006, p. 27-28.42 Idem, p. 28.43 Além disso, o GAO não está sujeito ao FOIA Act (Freedom of Information Act), como os

demais Ministérios e Agências do governo.

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jurisprudência da Suprema Corte, relativamente à desapropriação (physicaltakings) e ao conceito de uso ou interesse público (public use requirement).Muitos aguardavam, em Kelo, uma decisão por testes (tests-like decision),tal como ocorreu em Hatchcock. A frustação que se sucedeu provocouuma comoção sem precedentes na história recente de decisões daSuprema Corte em casos de Direito Administrativo.

7. CONCLUSÃO

Kelo não alterou décadas de precedentes da Suprema Corte, masconsolidou o entendimento da Corte a respeito do conceito de interessepúblico, motivo pelo qual definitivamente merece a discussão quepromoveu. A decisão é também um marco para o planejamento urbano:o voto do Relator menciona a palavra plan (plano, projeto), ou termosequivalentes mais de quarenta vezes. O voto enfatiza ainda o quanto aexcelência no planejamento é fundamental para o uso constitucional doinstituto de desapropriação (eminent domain).44

Outra conseqüência importante da decisão refere-se ao papel deplanejadores urbanos e funcionários públicos em decisões pertinentesao desenvolvimento e ao planejamento da cidade. Um projeto bem feitoe tendo como fim o interesse público (em seu sentido lato) é capaz dejustificar os diferentes meios empregados pelo governo na aquisição deterras.

Por fim, é preciso lembrar que a revitalização de áreaseconomicamente destruídas por meio de projetos de redesenvolvimentoeconômico e aquisição de propriedades é prática comum fora dosEstados Unidos. Projetos de redesenvolvimento urbano por meio dedesapropriações foram executados com sucesso em Berlin, Wittenberg,Ruhr, Nuremberg e Munique (Alemanha); em Utrecht (Holanda) e emViena (Áustria), dentre outras cidades.45

No Brasil, o caso Kelo pode ser aplicado a uma série de ações eprojetos de governo. O conceito de interesse público, na hipótese do_____________44 DOWLI NG, Timothy, et al. The Good News About Takings. Chicago: American Planning

Association, 2006, p. 44.45 KUSHNER, James. Comparative Urban Planning Law: An Introduction to Urban Land Development

Law in the United States through the Lens of Comparing the Experience of Other Nations. Durham,North Carolina: Carolina Academic Press, p. 425-446.

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planejamento urbano e relativamente ao desenvolvimento econômico,traduz-se num propósito de revitalização, de acordo com criteriosoplanejamento dos setores governamentais envolvidos, desde que asaudiências públicas previstas sejam amplamente divulgadas e haja, defato, participação da sociedade. Essa participação, contudo, nãoconduzirá, necessariamente, à conclusão do Poder Público, mas deveráser considerada no processo decisório. As sugestões oferecidas, acatadasou não, deverão merecer, nas decisões adotadas, justificativas claras eprecisas. Por fim, o caso merece ainda estreita observação, sobretudono que diz respeito às informações e conclusões que vierem a serapresentadas no relatório do GAO.

ANEXO 1

Sede mundial de Pesquisa e Desenvolvimento da Pfizer, Inc.,inaugurada em New London em junho de 2001. A Pfizer gastou $7,7milhões em pesquisa em 2004. A empresa identifica a “comunidade”como um dos seus nove valores centrais. O Centro de Pesquisa trouxe aNew London 1.600 novos empregos e contabilizou em 2004 $2.3 milhõesem receita de tributos. A base do imposto sobre propriedade territorialurbana é atualmente de 60% do valor dos imóveis, de acordo com oprojeto de desenvolvimento, e passará a 100% a partir de 2010.

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ANEXO 2

Mapa do Projeto de Desenvolvimento Econômico de FortTrumbull, New London, Connecticut

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A INELEGIBILIDADE DE AGENTES PÚBLICOS,DA ÓTICA DO CONTROLE EXTERNO:

UM DEBATE CRÍTICO SOBRE A PARTICIPAÇÃO

DOS TRIBUNAIS DE CONTAS

Cláudia Fernanda de Oliveira PereiraProcuradora do Ministério Público de Contas do DF

1. INTRODUÇÃO

Muito se tem falado sobre a necessidade de combater a corrupção,mal esse que assola todo o mundo. Segundo Pieth, a corrupção é mesmouniversal.1

Mas que exatamente quer dizer corrupção?Marcos Fernandes Gonçalves da Silva, em seu livro A Economia

Política da Corrupção no Brasil, recorda que a palavra corrupção tem origemlatina (corruptione), que denota não só putrefação, como tambémdesmoralização, sedução e suborno. Segundo o autor, existe uma miríadede definições e classificações, adotando aquela segundo a qual acorrupção pode ser dividida em transativa (envolve transferências derenda a serem repartidas entre as partes envolvidas), extorsiva (associadaao pagamento de propina para evitar algum tipo de prejuízo maior aopagador), defensiva (envolve o pagamento de propina via coerção),preventiva (o pagamento ou a entrega de presente visando algum favorno futuro), nepotista (refere-se à indicação de parentes e amigos),autogerativa (envolve um ato para beneficiar o próprio agente público)e de apoio (praticada para encobrir a corrupção já existente).2_____________1 PIETH, Mark. Cooperação Internacional de combate à corrupção. In A corrupção e a economia

p. 199. Em semelhante sentido, Kimberly Elliott afirma: “o comportamento corrupto permaneceubíquo. Ele ocorre tanto em democracias quanto em ditaduras militares, em todos os níveis dedesenvolvimento e também em todos os tipos de sistemas econômicos, de economias de capitalismoaberto, como a dos Estados Unidos, por exemplo, até economias de planejamento central,como a da ex-União Soviética.” ELLIOTT, Kimberly Ann (org.), introdução, op. cit. p. 17.

2 SILVA, op. cit., pp. 22 e 24, nota de rodapé nº 9.

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Em sentido semelhante, segundo José Eduardo Cardozo, a palavratem muitas acepções e significados; três pelo menos:

O primeiro, de natureza estritamente jurídica ou legal, associa acorrupção ao desvio de um agente público dos deveres decorrentes doexercício da função pública por buscar vantagens indevidas para si ou paraterceiro. No segundo, de perfil econômico, a corrupção passa a designar autilização da função pública como forma de maximização da renda pessoaldaquele que a exerce. E, finalmente, o terceiro, talvez mais calcado noplano da ética das relações entre o Estado e as pessoas privadas, busca darà palavra corrupção o sentido de qualquer violação do interesse comumou coletivo, em função da preocupação com ganhos particulares.3

Mas é do mesmo autor que se pode extrair um conceito repleto desimbolismo e bastante real:

A corrupção é uma doença perigosa. Um pequeno foco, um corpoindefeso, cresce pouco a pouco, se agiganta. Vai tomando conta de tudopor onde passa. Transforma, da noite para o dia, células sadias em tumormaligno. Seu combate exige terapias violentas, radicais. Um tratamentodado em intensidade menor do que a necessária, além de não exterminaro mal, torna mais difícil seu combate futuro. As células cancerosas ficammais resistentes e a cura cada vez mais remota. Quando a corrupção tomaconta de um setor da administração pública, o membro atingido tem queser prontamente amputado. Uma amputação parcial não resolve. Qualquerponto deixado a salvo voltará a se multiplicar, ainda com mais força. Até,por metástase, tomar conta de tudo. Na luta contra essa doença não hámeio-termo. Ou ela morre, ou mata.4

Para além da busca de uma definição, estudos os mais variadospretendem conhecer as causas e efeitos desse mal, para, então, combatê-lo.

Segundo Cardozo, o Brasil perde algo em torno de 100 bilhõespor ano com a corrupção, nas três esferas de governo: isso equivale adez vezes o orçamento inteiro da cidade de São Paulo, a maior cidadebrasileira e da América Latina.5

_____________3 CARDOZO, op. cit. pp. 16-17.4 CARDOZO, op. cit. p. 112.5 O impacto da corrupção no emboprecimento do país. Disponível em http://

www.golrh.com.br. Acesso em 1/set/2003.

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Fica fácil perceber, portanto, que somente com a ajuda de todosserá possível triunfar. É preciso de fato combater, com força, energia eveemência. Em duas palavras: fraternidade e solidariedade entre os entespúblicos e a sociedade.

Seguramente, não se terá uma nação forte sem que fortes sejamas suas instituições, e, para que as instituições sejam fortes, necessitamunir-se nessa missão, já que todo esse estado de impunidade e corrupção,grassando solto, ameaça o próprio Estado Democrático de Direito. Alémdisso, o poderes constituídos juntos passam a ser, num contexto comoesse, apenas instrumentos legitimadores, diante da pouca ou nenhumaeficácia de suas ações. De fato, a corrupção solapa a legitimidade dasinstituições públicas e atenta contra a sociedade, a ordem moral e ajustiça, bem como o desenvolvimento integral dos povos.6

Hoje, a Administração Pública vive uma verdadeira revolução,em que as relações são lateralizadas, o que evidencia a tendência àpluralização das instituições participativas. Essas profundastransformações da sociedade passam a demandar, também,transformações do Estado. A Administração passa a ser vista como umserviço, prestado ao público, que necessita da cooperação e colaboraçãode todos, tornando-se eficiente e mais legítima.

É Diogo de Figueiredo Moreira Neto quem resume esse fenômenoem seu livro Mutações de Direito Administrativo. A seu ver, deve-sesempre optar pela consensualidade que se justifica pelas seguintes razões:pelo potencial criativo e operativo dos próprios entes da constelaçãoestatal (cooperação); pelo potencial criativo e operativo dos própriosentes da constelação social (colaboração); pela redução dos custos parao Estado e sociedade (economicidade); pela simplificação da máquinagestora do Estado (agilidade); pelo reforço da máquina reguladora doEstado (publicização) e pela racionalização da atribuição decompetências entre as entidades e órgãos dos Estados (subsidiariedade).7

Nesse contexto, é de suma relevância a participação dos Tribunaisde Contas, notadamente no campo da inelegibilidade dos agentespúblicos. Esse é um exemplo marcante de como instituições juntaspodem atuar tempestivamente no controle dos atos da administração_____________6 Preâmbulo da Convenção Interamericana no Combate à Corrupção.7 MOREIRA NETO, Diogo Figueiredo. Mutações de direito administrativo. p. 28.

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pública, prevenindo ou, às vezes, ao menos remediando, a atuação deagentes públicos ímprobos e corruptos.

Esse artigo visa a relatar, assim, a experiência que o MinistérioPúblico, que atua junto ao TCDF, iniciou, há muitos anos, quase umadécada, até evoluir para o oferecimento de uma representação do parquetno ano de 1998, finalmente analisada no exercício de 2001. Visa, ainda,a debater, criticamente, os efeitos da atual prática então encetada nocampo da inelegibilidade dos agentes públicos e a real colaboraçãoprestada pelas Cortes de Contas.

2. O CONTROLE EXTERNO

Como é sabido, os Tribunais de Contas são uma instituição secular,prevista, por iniciativa de Rui Barbosa, por meio do Decreto no. 966-A/90, e, mais tarde, inserida na primeira Constituição Republicana de1891. De lá para cá, as Cortes de Contas sofreram algunsaperfeiçoamentos, até redundar, no seu apogeu, com a Carta atual de1988, por meio da qual o Tribunal de Contas vem previsto na Seção IX,artigos 70 a 75, atinente à Fiscalização Contábil, Financeira eOrçamentária, exercendo, ao lado do Congresso Nacional, o controleexterno, um controle de natureza técnico-política.

Registre-se que, na bem lançada página de José Afonso da Silva, aatuação do Legislativo pode ser considerada um controle de naturezapolítica, mas, mesmo assim, “sujeito à prévia apreciação técnico-administrativa do Tribunal de Contas competente, que, assim, seapresenta como órgão técnico, e suas decisões são administrativas, nãojurisdicionais”.8 O mestre não se deixa impressionar, nesse aspecto, pelaexpressão julgar contas, disposta no artigo 71, II da Constituição Federal,como de competência dos referidos Tribunais: “A mesma expressão étambém empregada no art. 49, IX, em que se dá ao Congresso nacionalcompetência para julgar anualmente as contas prestadas pelo presidenteda República e nem por isso se dirá que ele exerce função judicante.”

Certo, também, que o Tribunal de Contas, por seu um órgão decontrole, não está subordinado ao Poder Legislativo. Nem tampoucocompõe o Poder Judiciário. É órgão sui generis que realiza o chamado_____________8 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 635.

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controle externo, já que o controle interno é de natureza administrativa,exercido dentro da própria estrutura interna de cada poder, de formaintegrada, com a justa finalidade de apoiar o controle externo.9

Tramitam, contudo, várias propostas de Emenda à ConstituiçãoFederal, tendentes a extinguir os Tribunais de Contas, sob inúmerosargumentos, dentre eles, a completa ineficiência destas Cortes, quegastariam bem mais do que os supostos benefícios que trariam para opaís, além de fatos outros lamentáveis, envolvendo a prática de corrupçãode vários de seus próprios membros, o que a mídia tem veiculado. Tudoisso gerou também a criação de uma CPI sobre os Tribunais de Contasno Congresso Nacional.

Para além dessas críticas, outras giram em torno da ineficácia dasdecisões dos Tribunais de Contas, visto que não se conseguem atingircom seus provimentos os efeitos almejados.10

Sobre os Tribunais de Contas, citem-se Trevisan e outros:Como, na maioria das vezes, os aspectos formais são observados

cuidadosamente pelos fraudadores, o Tribunal, ao aprovar as contas doMunicípio, passa atestado de idoneidade a um grande número de corruptose exime publicamente de culpa quem desvia dinheiro público no país. Naforma como atua hoje, os TC’s não contribuem significativamente para ofim da corrupção.11

_____________9 Percebe-se aqui que não se está a falar do tão em voga e controvertido controle externo da

Magistratura e do Ministério Público, os quais são objeto da EC nº 45, que criou os ConselhosNacionais do MP e de Justiça. Lamentavelmente, os Tribunais de Contas não estão submetidosà jurisdição deste, conforme entendimento do próprio Conselho Nacional de Justiça (Pedidode Providências nº 248/06). Visando corrigir tal distorção, está em trâmite no CongressoNacional o PL nº 6151/05.

10 De minha parte, tiver oportunidade de afirmar: “De qualquer sorte, as críticas devemcontribuir para aperfeiçoar o sistema de controle e cobrar efetivamente a boa e escorreitaatuação dessas Cortes de Contas, sem, contudo, extingui-las. O Direito Comparado (...)fornece práticas para aperfeiçoar o controle, que não encontram eco na nossa legislação. Sãoalgumas delas: a participação dos membros do staff ou servidores no próprio Conselho,reduzindo critérios de indicação meramente política; a recorribilidade das decisões doTribunal, para órgão diverso; a legitimidade do Ministério Público Especial quanto às açõesde responsabilidade, como no Tribunal de Contas da Itália; e o fortalecimento das Cortes deContas com a delimitação das matérias sobre as quais exerceria jurisdição única. De qualquerforma, é preciso que as decisões dos Tribunais de Contas sejam respeitadas, eliminado ocontrole meramente formal e burocrático, para dar lugar a um controle moderno e eficaz, comtotal independência.” PEREIRA, Cláudia Fernanda de Oliveira. Reforma Administrativa: oEstado, o serviço público e o servidor. p. 80).

11 TREVISAN, Antoninho Marmo et alli. O combate à corrupção nas prefeituras do Brasil. p. 23.

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Um aspecto de particular relevância neste debate é a discussão dainelegibilidade dos agentes públicos, matéria que será tratada a seguir.

3. OS EFEITOS DAS DECISÕES DOS TRIBUNAIS DE CONTAS NO CAMPO DA

INELEGIBILIDADE

É a Lei Complementar nº 64/90, no artigo 1º, I, alínea g12, quedispõe sobre a inelegibilidade daqueles que tiverem suas contas relativasao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidadeinsanável e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se aquestão houver sido ou estiver sendo submetida à apreciação do PoderJudiciário, para as eleições que se realizarem nos cinco anos seguintes,contados a partir da data da decisão.

A esse respeito, leciona Joel Cândido:A decisão irrecorrível a que se refere o legislador é a do órgão

administrativo que, no caso, são os Tribunais de Contas da União, dosEstados ou Tribunais de Contas ou Conselhos de Contas do Município,onde houver.13

Mas a lei em questão não esclarece, com clareza, a que vícioinsanável se refere, já que o julgamento pelas Cortes de Contas podeabranger contas regulares com ressalvas, que não causem dano ao Erário,mas que podem conter falhas. A princípio, este tipo de julgamento nãoconduziria à inelegibilidade, porque a decisão não foi pela irregularidade.

Haveria que se questionar ademais a subjetividade do termoirregularidades insanáveis, encontrado na citada Lei Complementar, poisencerra a possibilidade, muitas vezes comum, de o administradorressarcir o dano pelo qual é considerado responsável, a fim de dar porencerrado o processo de apuração, não havendo julgamento de mérito._____________12 Art. 1º São inelegíveis:

I - para qualquer cargo: (...)g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadaspor irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se aquestão houver sido ou estiver sendo submetida à apreciação do Poder Judiciário,para as eleições que se realizarem nos 5 (cinco) anos seguintes, contados a partir da data dadecisão;” (não consta o grifo no original).

13 CÂNDIDO, Joel. Direito eleitoral brasileiro, p. 126.

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Para o TCU é hipótese que confere ressalvas nas contas:O simples ressarcimento do débito apenas repara lesão material

causada ao Erário, bastando, por si só, para fundamentar o julgamentopela regularidade com ressalvas, se não for acompanhado da indispensávelprestação de contas ou de razões que justifiquem, de forma aceitável, aomissão ou a ocorrência anteriormente impugnada (Acórdão nº 63/94).

Joel Cândido parece discordar:A questão não é pacífica na jurisprudência. Essa irregularidade

insanável deve se erigir em improbidade administrativa, e não secircunscrever só a erro de aspecto formal (...)

(...) Deve-se esclarecer que eventual ressarcimento, de parte doinvestigado, aos cofres públicos, não impedirá sua inelegibilidade. Oressarcimento tem natureza retributiva; a inelegibilidade tem naturezamoral.14

Por outro lado, as decisões proferidas pelas Cortes de Contastambém admitem recursos, que podem variar muito, até o esgotamentofatal. Isso ocorre se os recursos não forem interpostos ou, acasooferecidos, já tenham sido todos examinados. Nessa hipótese, a decisãotorna-se irrecorrível, podendo dar-se a sua revisão em casosextremamente limitados. No TCU e no TCDF a hipótese é de recursode revisão, que pode ser interposto até 5 (cinco) anos após o julgamento.

Da mesma forma que sucede no processo civil ordinário, o recursode revisão assemelha-se à ação rescisória, e não se trata, portanto, deum tipo de recurso, mas, sim, de uma nova relação jurídico-processual.De conseguinte, em nenhuma hipótese, poder-se-á aguardar o transcursodaquele prazo (repita-se, de 5 anos, normalmente), para, então, só apartir daí, ser considerado irrecorrível a decisão, para os efeitos da LeiComplementar nº 64/90.15

Além desses questionamentos, outros devem citados, como osque serviram de base para que os Tribunais de Contas de todo o país,reunidos em 2003 na Paraíba, elaborassem a Carta de João Pessoa, assim:_____________14 Idem, Ibidem.15 A jurisprudência do TSE coincide com o ora defendido, como por exemplo a Rec. 12.007-PA,

Ministro Pádua Ribeiro: “Creio que não se pode considerar revisão como sendo recurso paratornar o julgado do Tribunal de Contas não definitivo, por pendente de uma nova decisão”.

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A primeira medida a enfocar seria a revogação da disposição legal(artigo 1º, letra “g”, da Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990) quedeclara inelegíveis os administradores que tenham suas contas rejeitadas,na parte que lhes possibilita obter o registro de suas candidaturas, desdeque comprovem que estão contestando, judicialmente, a legitimidade dareprovação de suas contas. O que se exige não é a demonstração de que ascontas estejam corretas. Basta, simplesmente, o oferecimento, em juízo,de razões, mesmo desprovidas de fundamento. Em outras palavras, aexigência que se faz é meramente cartorial, satisfeita com uma breve certidão,passada por escrivão competente, dizendo estar em trâmite ação refutatóriada viabilidade da decisão impugnada. Com isso, escancaram-se as portas àcorrupção, à malversação, ao locupletamento. A revogação do dispositivolegal apontado é exigência da sociedade.

3.1 A EXPERIÊNCIA DO TCDF

O MP de Contas do DF há algum tempo se ressentia de umaanálise mais acurada nesse campo.

Por meio das Representações nºs 16, 17, 18, 19 e 20, todas elasde 1993, o parquet visou a debater, no TCDF, denúncias envolvendo aatuação de uma Associação sem fins lucrativos e órgãos do GDF.Verificou-se, segundo Relatórios produzidos pelo MPDFT, a utilizaçãode suprimento de fundos de forma indevida; a utilização de notas fiscaisfrias; desvio de recursos, etc.

Naquela ocasião, a Representação nº 16 (Processo nº 6.475/93),as de nº 17, 18 e 19 (Processo nº 6.476/93) e a de nº 20 (6.479/93)foram arquivadas, em virtude da existência dos Autos nº 5.603/92. OMinistério Público de Contas do DF recorreu, sem êxito.

Digno de registro que os Autos nº 5.603/92 foram igualmentearquivados.

Correlatamente, os Autos nº 7.344/93, que deveriam cuidar daTomada de Contas Especial (TCE) instaurada para apurar todas essasirrregularidades, seguiu a sorte de todos os anteriores, vez que aAssociação-beneficiária resolveu ressarcir os cofres públicos. Nadaobstante, o Corpo Técnico e o MP tentaram, em vão, demonstrar queapesar de a Associação haver reparado o prejuízo causado aos cofres

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públicos, não poderiam ser consideradas corretas e bem prestadas ascontas apresentadas pela entidade filantrópica em questão, pelo fato deque os documentos comprobatórios de despesas continhamimpropriedades, inclusive alterações fraudulentas, e até grosseiras,configurando ilícito penal.

Vale a pena transcrever parte do parecer ministerial:

Lamentável, ao ver do Ministério Público, a atitude de imoralidadeque os autos espelham. Pior ainda, quando se vê que ditos acontecimentosdatam de 1991, e que o Processo nº 5.603 é do ano de 1992 e que só agoraem 1994, chegou-se à conclusão de que as acusações levadas a efeito pelaPromotoria são pertinentes. Paira sobre a Associação terrível pecha sobrea lisura de seus atos, estando presidida à época por Parlamentar Local quealmeja a reeleição.

A Associação dos Deficientes limita-se a pagar os cofres públicos,como se tal atitude pudesse recompor a moralidade ofendida. Traiu-se aconfiança do ordenamento jurídico local.

(...)

Ao ver do Ministério Público, o pagamento do prejuízo, queequivale ao reconhecimento claro da infração, em nada modifica o quadro;recompõe apenas uma parte do patrimônio lesado.

Sem querer incorrer em repetições inúteis, o Ministério Públicoconcorda inteiramente com a Instrução (...) e propõe a citação dosresponsáveis (...)

(...) requer o Ministério Público que a Corte se manifeste, ainda,sobre a possibilidade de lançar mão do instituto da inelegibilidade (...)

No entanto, a decisão foi mantida, com o seguinte registro deindignação:

nas duas únicas oportunidades de eleições no DF, esta Corte deContas, no fiel desempenho de suas prerrogativas e obrigaçõesconstitucionais e legais, prestou ao órgão competente as informaçõesatinentes, o que demonstra, de maneira insofismável, a preocupação destaCasa com o assunto (Decisão nº 5.433/94).

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De semelhante modo foi a decisão do TCU, posto existirem emparte recursos federais, julgando-se regulares com ressalvas as contas.16

Pois bem, somente quase dez anos após, o parlamentar em questão,que hoje ainda ocupa uma cadeira na Câmara Legislativa do DF, foi,enfim, condenado pelo Superior Tribunal de Justiça:

Ação Civil Pública. Entidade beneficente. Lesão causada emdecorrência de desvio de verbas. Lucros sociais cessantes.

1. Comprovado o desvio de verbas e o prejuízo, incluída aconduta dolosa, e uma vez indicado na inicial a natureza da lesão, cabe,perfeitamente, o pedido de indenização de lucros sociais cessantes, apuradoem liquidação de sentença por artigos.

2. Recurso especial conhecido e provido.17

Vejamos a respeito também a esclarecedora matéria jornalísticapublicada no Correio Braziliense de 03 de julho de 2003:

O presidente da Câmara Legislativa (...) pode responder a oitoprocessos criminais no Tribunal de Justiça do Distrito Federal. O ConselhoEspecial do TJDF, formado pelos 15 desembargadores mais antigos,decidiu que o deputado distrital poderá ser processado sem a autorizaçãoprévia dos colegas parlamentares.

_____________16 Acórdão 243/97. “Vistos, relatados e discutidos estes autos de Tomada de Contas Especial

de responsabilidade do (...) ex-Presidente da Associação dos Deficientes de Brasília (...)Considerando que o responsável apresentou (...) razões de justificativa (...) recolheu,tempestivamente, parte do débito que lhe foi imputado e apresentou, sobre esse procedimento,justificativas capazes de caracterizar a sua boa-fé; Considerando que não restou comprovado,nos autos, dano ao Erário, ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União (...)julgar (...) as presentes contas regulares com ressalva e dar quitação ao responsável.”

17 RESP nº 411.130-DF. O relator consignou, então: “O que existe é a comprovação daresponsabilidade solidária dos réus nos prejuízos sofridos pela entidade beneficente, incluídoo desvio de verbas e a conduta dolosa de um dos réus, a surrupiar indevidamentevalores destinados aos deficientes físicos. Como assinalou o parecer da ilustreSubprocuradora-Geral da República, Dra. Gilda Pereira de Carvalho, a ‘entidade com osilícitos praticados pelos seus administradores sofreu tripla lesão, uma com o desvio dasverbas, outra porque apesar de não ter sido efetivamente beneficiada com os recursosrepassados foi onerada com a devolução da verba ao FNDE, haja vista que a restituiçãofoi realizada com recursos da própria entidade, quando deveria ter sido comrecursos do prestador de contas. Por fim, perdeu a oportunidade de otimizar os resultadossociais com a correta aplicação dos recursos, o que se traduz em lucros sociais cessantes’”(trechos do acórdão).

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As denúncias (...) estavam paradas na Justiça desde 1995 (...)

(...) Agora, o Conselho Especial do TJ terá de decidir se aceita ounão as denúncias contra o parlamentar, o que deve ocorrer logo.18

Sete dos processos criminais que o deputado poderá respondersão por denúncias de desvio de verbas da Associação dos DeficientesFísicos de Brasília (ADFB). Os crimes teriam acontecido quando Benícioera Presidente da ADFB, em 1994. Segundo o Ministério Público, eledesviava recursos recebidos do Fundo Nacional de Desenvolvimento deEducação (FNDE). A verba deveria ser usada para comprar leite, reformaro prédio da associação, treinar professores e comprar material didático. (...)

As denúncias ainda renderam outros quatro processos (...) na JustiçaCível. Ao contrário da área criminal, onde é lento o andamento das ações,na área cível o presidente da Câmara já foi condenado duas vezes. Uma dassentenças foi noticiada pelo Correio: o Superior Tribunal de Justiça (STJ)o condenou a devolver cerca de R$ 9,3 mil à ADFB. O relator do processofoi o ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Para ele, houvecomprovação, nos autos do processo, dos prejuízos sofridos pela entidadee seus beneficiados.

A outra condenação do deputado foi determinada pela 1ª VaraCível Pública do TJDF. O processo 21389/94, em fase de execução, obrigao deputado e outros dois assessores da época a pagar mais de R$ 52 mil àADFB. ‘Condeno o pagamento do prejuízo equivalente a 18,900 litros dotipo ‘C’ não distribuídos a 220 deficientes mentais durante seis meses’,diz a sentença.

residente da Câmara ainda responde por improbidade aosprocessos 24.938/94, também na 1ª Vara Cível do TJDF, e 1.334/96, noFórum de Sobradinho.

Em contraponto ao caso que acabou de ser citado, vale a penatrazer à colação outro processo, que foi objeto de análise nos autos nº450/94, quando foi instaurada TCE com a finalidade de ser apurada aresponsabilidade pela autorização para a prestação de serviços sem adevida competência legal. O TCDF, então, multou os responsáveis, os_____________18 No dia 30/06/04, o TJDF decidiu arquivar quatro denúncias contra o Presidente da CLDF,

em virtude da ocorrência de prescrição.

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quais, logo após, quitaram seus débitos. Na seqüência, o agentecompetente ratificou os atos questionados. Mas, ainda assim, osresponsáveis foram incluídos em lista de inelegíveis.

Naquela ocasião, o Ministério Público salientou que a hipótesesob exame pode gerar situações de arrematada desigualdade. No casoda imposição de multa, por exemplo, o fato, por si só, pode não ensejara inelegibilidade, bastando que o tema não tenha sido tratado em processode tomada de contas, como no caso de denúncias, análises de contratos,etc. Há, ainda, a possibilidade de ser apenado em TCE quem não éordenador, por exemplo, na hipótese de solidariedade, pois somentenaquele caso, o fato terá influência em suas contas.

O TCDF, por meio do relator, já havia debatido a questão nosautos do Processo nº 2.412/98:

Data maxima venia, mencionados critérios legais são injustos. Tantoo ato de gestão ilegal quanto o causador de prejuízo podem ter origemculposa ou dolosa, de modo a ser levada em consideração pelo Tribunalno exercício de sua competência de julgar contas.

(...)

Penso que, em razão das novas conseqüências do julgamento dascontas, principalmente no aspecto da inelegibilidade (...) contém dispositivoque permite ao administrador a possibilidade de sanear suas contas (...)

Assim entendo (...) pode ser aplicado, por analogia, aos casos emque haja o recolhimento tempestivo de multas aplicadas em decorrênciade atos de gestão ilegal, ilegítimo ou antieconômico, de que não resulteprejuízo aos cofres públicos, quando não comprovada a má-fé ouqualquer outra irregularidade nas contas, as quais deverão ser julgadasregulares com ressalvas.

Destarte, o TCDF reviu a sua decisão para considerar as contasregulares com ressalva, por não ter ficado caracterizada a má-fé, dando-seconhecimento ao MP Eleitoral e à Corregedoria Eleitoral “para asprovidências que entenderem pertinentes ao resguardo dos direitos políticosdos envolvidos”. Na ocasião, o MP, presente à sessão plenária, registrou:

Discordo, frontalmente, do posicionamento do E. Plenário (...)contas julgadas irregulares pelo Tribunal de Contas não se transformam

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em regulares ou em regulares com ressalvas por força do pagamento dodébito ou multa imputados (...) A Lei orgânica do TCDF, contudo, repito,não autoriza o Plenário a julgar regulares contas anteriormenteconsideradas irregulares apenas porque houve recolhimento de débito oumulta.19

No TCU, essa questão também envolve polêmica. O Acórdão n°05/1994, ao examinar e julgar irregulares contas da Universidade Federaldo Ceará, mandou aplicar aos responsáveis multa e ato-contínuo ainclusão do nome do responsável em lista específica para efeito deinelegibilidade. Em 1997, novo acórdão n° 05/97 confirmou aqueladecisão e não deu provimento ao recurso do interessado com vistas àexclusão de seu nome da mencionada lista. Na oportunidade,acrescentou-se que não compete ao Tribunal qualquer exame de méritoa respeito, mas, sim, através de ato meramente administrativo e depoisde transitada em julgado decisão que deu pela irregularidade de contas,fazer a remessa do nome do responsável.

Já a Decisão nº 663/94 fez consignar que o Tribunal, ao julgarirregulares as contas, não deve fazer referência no Acórdão a respeitoda aplicação da LC nº 64/90, vez que o processo deve aguardar osprazos regimentais para o oferecimento do recurso. Tal não ocorrendo éque se comunicará ao Ministério Público próprio o resultado dojulgamento.

E mais especificamente a respeito da questão posta, tem-se oAcórdão 2/1995, que, ante o recolhimento da multa, deu quitação aoresponsável, mantendo a irregularidade das contas. Nesse caso, oresponsável recolheu a importância devida e formulou, sem êxito, pedidode exclusão de seu nome da lista de inelegíveis. Entendeu-se, contudo,de conformidade com novo entendimento, de não mais mencionar noacórdão a inclusão do responsável em lista específica.20

Há que se falar, também, e, ainda que ligeiramente, dapossibilidade de a infração indicada guardar relação com a Lei de_____________19 Sessão Ordinária nº 3.666, de 06 de junho de 2002, Decisão nº 2.218/2002.20 Segundo o ex- Ministro Carlos Átila, do TCU, seria necessária Proposta de Emenda, a fim de

conter a seguinte redação: “As decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito oude multa terão eficácia de título executivo, ficando o respectivo responsável inelegível einabilitado para praticar atos de natureza patrimonial, enquanto não comprovar peranteo Tribunal o ressarcimento do débito e pagamento da multa’. (...) Dessa forma, o

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Improbidade administrativa, nº 8.429/92, por meio da qual sãoexemplificados atos passíveis de apenação, causem ou não dano aopatrimônio público. Essa hipótese reclama que tais fatos sejamencaminhados, também, aos respectivos Ministérios Públicos.

De fato, a Constituição Federal reza no artigo 37, parágrafo 4ºque os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dosdireitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dosbens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei,sem prejuízo da ação penal cabível. E, especificamente no campoeleitoral, a Carta Magna preceitua no art. 14, parágrafo 4º que LeiComplementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazosde sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, amoralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressado candidato, a normalidade e legitimidade das eleições contra ainfluência do poder econômico ou abuso do exercício de função, cargoou emprego na administração direta ou indireta. Complementando essesdispositivos, o artigo 15, inciso V da Constituição deixa claro que avedação da cassação de direitos políticos, por meio de perda oususpensão, é afastada nos casos de improbidade administrativa.

Correlatamente, as Leis, Complementar nº 64/90 e ordinária nº9.504/97, possuem vários pontos de contato com a Lei 8429, sendofacilmente enquadrados aqueles atos vedados pela legislação eleitoralcomo sendo atos de improbidade.

Sobre a necessária comunicação dos fatos ao Ministério Público21,manifestei-me certa vez:_________________________________________________________________________

faltoso ficaria sob verdadeiro cerco patrimonial, o que o compeliria a quitar o débito, pararessarcir o prejuízo causado ao erário, e a pagar a multa que lhe tiver sido aplicada”. (Decisãonº 747/94).

21 No entanto, esta não é ainda uma questão pacífica no TCDF. Nos autos do processo nº 213/01, o Relator, Conselheiro Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, afirmou: “(...) as Cortes deContas também julgam ‘além da lei’ (...) não vislumbro indícios de improbidade (...)”. Esobre a obrigação de comunicar ao MPDFT foi textual: “(...) não posso e não devo procederà remessa por outros entenderem que tal fato ou ato ocorreram, porque o peso da toga só ésentido por aqueles que a usam.” Registre-se, ainda, que o Deputado Distrital Paulo Tadeupropôs a edição de projeto de lei dispondo sobre a comunicação direta, à Câmara Legislativado DF e ao Ministério Público competente, dos fatos apurados no decorrer dos procedimentosde fiscalização perante o TCDF, sob pena de responsabilidade solidária. O Parlamentarsugere que a tramitação morosa dos processos no Tribunal acaba por permitir que crimes eatos de improbidade alcancem a prescrição.

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A conhecida Lei de Improbidade, nº 8.429/92, completou dezanos, promulgada que foi em 02.06.1992, ironicamente sancionada peloentão Presidente da República, Collor de Mello, algum tempo após afastadodo cargo em virtude de ‘impeachment’. Pende contra referida lei a Adin nº2182-6 ao argumento de que, durante o processo de votação, no CongressoNacional, não foi observada a bicameralidade exigida.

(...)

A Lei nº 8.429/92 prevê, respectivamente, nos artigos 9º, 10º e 11º,três categorias de ato de improbidade: os que importam enriquecimentoilícito; os que causam prejuízo ao erário e os que atentam contra osprincípios da administração pública. Nessas condições, cada artigo trazcondutas detalhadas que podem configurar a prática de atos deimprobidade. O artigo 9º conta com doze possíveis hipóteses; o seguinte,com treze e o último com sete. São apenas alguns parâmetros casuísticospara auxiliar na identificação da improbidade, já que a norma não poderiaprever toda a infinidade de situações que ela comporta; tanto é assim, queo ‘’caput’ de cada um desses artigos consigna a palavra “notadamente”.Não obstante, há quem defenda que a interpretação deve ser restritiva, nãosendo possível ampliar esse rol.

(...)

Mesmo passados dez anos, ainda se discute se a Lei de Improbidadeexige a comprovação do dolo, comportamento desonesto, má-fé, ou sejase o agente deliberada e comprovadamente pretendeu violar o Direito ealcançar os resultados proibidos. Para outros, não; bastaria apenas verificarse existe a potencial consciência da ilicitude, sendo igualmente punido oagente, que não tendo querido praticar o ato (dolo), tenha incorrido emculpa. Seja como for, ato assim ilegal ou imoral não pode ficar à margemdo ordenamento. Para os que defendem a primeira corrente, seria cabível,ao menos, a propositura de ação popular pelo cidadão ou ação civil públicapelo MP, pelos entes da Federação, pessoas jurídicas da administraçãodireta e indireta ou por associação constituída há pelo menos um ano comfinalidades institucionais compatíveis com o bem protegido pela norma.

De qualquer modo, todas as autoridades que tiveremconhecimento de fatos que possam ensejar a propositura dessas açõesdevem remeter peças ao Ministério Público para as providências

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cabíveis, pena até mesmo de poderem ser enquadradas na próprialei de improbidade, deixando de praticar atos por dever de ofício, alémde atentarem contra os princípios constitucionais da administração pública,sendo ainda possível, dependendo do caso, a tipificação nas penas docrime de prevaricação ou de contravenção penal (art.66 do DL nº 3.688/41). É que, como se viu, cabe ao MP verificar, dependendo do caso, qualas providências cabíveis: instauração de ação criminal, de improbidade ouação civil pública, de tal modo que não podem demais autoridadespreviamente definir o destino a ser dado diante de um ato passível, emtese, de censura por qualquer uma dessas normas. Por certo, o MinistérioPúblico saberá o que fazer com as peças recebidas, respondendo,obviamente, por seu ato. Essa parece ser a melhor interpretação que seextrai da Lei de Ação Civil Pública (art. 7º), da Lei de Ação de Improbidade(art.22 e art. 11 caput) ou do CPP (art.40). Além do mais, o encaminhamentotardio ao MP pode gerar a prescrição, tanto na esfera penal, como na esferada lei de improbidade, o que é inconcebível.

A Lei de Improbidade é, sem dúvida, um importantíssimoinstrumento de controle dos atos da administração pública, tendo surtidoefeitos variados, redundando no afastamento de inúmeros agentespúblicos ímprobos por esse país afora. Mas para que possa ser, de fato,ainda mais eficaz, é necessária a integração de todos os órgãos e instituiçõesde controle e da sociedade.

Nessa verdadeira cruzada, os Tribunais de Contas e os MinistériosPúblicos que neles atuam têm papel importantíssimo, seja colaborandocom o “parquet” legitimado, seja recebendo dele peças igualmenterelevantes, que influenciam diretamente as contas que irão julgar. Oresultado será um ganho qualitativo: processos e instituições fortes,respeitados e bem formados, em todos os sentidos.22

Corroborando transcrito entendimento, o Conselheiro RenatoRainha votou, nos autos nº 2.3252/05,23 pela imediata comunicação aoMP de indícios de crimes._____________22 PEREIRA, Cláudia Fernanda de Oliveira. A Lei de Improbidade e sua atualidade. Jornal

Correio Braziliense, Suplemento Direito e Justiça. Brasília, 08 de julho de 2002.23 Vencido o Conselheiro Jacoby Fernandes, o TCDF por maioria, decidiu nos termos do voto do

Relator, acompanhado pelos Conselheiros Manoel de Andrade, Ronaldo Costa Couto, JorgeCaetano, Paulo César de Ávila e Silva e pelo Conselheiro-Substituto, José Roberto de Paiva

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Isso não quer dizer, contudo, que seja possível à Justiça Eleitoralmanifestar-se sobre questões de improbidade, mediante pedido incidentalem face das ações eleitorais. Quem isso explica é Pádua Cerqueira:

(...) o Tribunal Superior Eleitoral tem entendido que é incabível adecretação incidental de improbidade administrativa, em sede de processode registro de candidato, ação de impugnação de mandato eletivo, ação deinvestigação judicial ou recurso contra a diplomação, na medida em que aimprobidade administrativa é da competência da Justiça Comum e não daJustiça Eleitoral (....)

Assim, se durante o tramitar do processo eleitoral, por um de seusinstrumentos jurídicos, for constatado que um ato é causa de improbidadeadministrativa, o Promotor Eleitoral deverá remeter cópias ao Promotorde Justiça (Ministério Público Estadual) ou Procurador da República(Ministério Público Federal) para ajuizar a ação civil pública na JustiçaComum.24

Tudo isso só reforça, portanto, a importância do controle quedeve ser efetuado pelas Cortes de Contas.

Forte nesses argumentos, em 1998, mais uma vez o MP de Contasdo DF ofereceu duas representações, de nºs 02/98 e 03/98, ambasjuntadas aos Autos nº 883/98.

A primeira propôs que a Corte concedesse caráter prioritário atodos os processos que envolvem candidatos a pleitos eleitorais, paraque possa julgar as suas contas, certamente sem atropelos e comobservância de todos os princípios gerais e constitucionais, comantecedência. Assim, caso julgadas irregulares as contas com recursointerposto válido tempestivamente, deve ser estabelecido prazo fatalpara o seu julgamento, com prioridade a todos os demais processos, afim de que possa dar resposta à sociedade pronta e efetiva antes dopleito eleitoral, afastando a possibilidade de eventual recurso serinterposto com o só fim de impedir os efeitos da decisão da Corte. Por_________________________________________________________________________

Martins: “I - firmar entendimento no sentido de que o momento adequado para o envio dedocumentos que apontem a existência de indícios de atos tipificados como crime comum oude responsabilidade, ou de improbidade administrativa, ao Ministério Público do DistritoFederal e Territórios e a outros órgãos e instituições é o do conhecimento da documentaçãopelo Plenário; II - autorizar o arquivamento dos autos.”

24 CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes Luz de Pádua. Direito eleitoral brasileiro, p. 638.

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fim, sugeriu-se a comunicação ao MP Eleitoral de todos os processos quena Casa envolvem candidatos a cargos políticos, incluídos os que seencontram em grau de recurso, já que é privativo da Justiça Eleitoral ojulgamento da inelegibilidade, “de tal sorte que não é efeito de julgamentode contas irregulares a declaração em questão; assim, eventual recurso,mesmo com efeito suspensivo, não pode ter o condão de suspender umefeito que inexiste nas decisões proferidas pelas Cortes de Contas.”

A segunda, a par de evidenciar quais os dispositivos da Lei nº9.504/97 têm relação direta com a atividade do TCDF na fiscalizaçãoda escorreita aplicação do dinheiro público, sugeriu a formação de autosapartados para ver estudada e normatizada a possibilidade de controleespecificamente relacionado com a despesa pública e o período eleitoral.

Verifica-se, assim, que a intenção é inverter a cultura, até entãoexistente, de os Tribunais de Contas funcionarem como mero banco dedados, contendo nomes para comunicação e envio à Justiça Eleitoral,mas de funcionarem como um importantíssimo aliado no combate àcorrupção, a fim de fornecer subsídio àquela justiça especializada, emmatéria de inelegibilidade. Esse desiderato repele a comunicaçãomeramente formal, ou a simples exclusão de nomes da lista daquelesque ofereceram recurso tempestivo, ainda não julgado.

É contrário a esse entendimento o TCDF, que, por meio daResolução nº 105/98, determina que o responsabilizado, caso recorra,em processo de contas, não terá seu nome incluído na lista a ser enviadaà Justiça Eleitoral, e caso já tenha sido incluído, será providenciada aretirada referida.25

Procedimento semelhante é adotado no TCU26, como se pode ver a seguir:_____________25 Art. 3º Para a finalidade prevista no artigo 1º, inciso I, alínea g, e no art. 3º, ambos da Lei

Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, e no art. 11, caput e parágrafo 5º, da Lei nº 9.504,de 30 de setembro de 1997, o Tribunal deve enviar à Corregedoria Regional Eleitoral e aoMinistério Público Eleitoral relação contendo os nomes dos responsáveis por contas que tenhamsido julgadas irregulares, nos cinco anos imediatamente anteriores à realização de cada eleição.Parágrafo 1º A relação deve ser organizada pela 5ª ICE e enviada pela Presidência doTribunal até o dia 5 de julho do ano em que se realizarem eleições, bem assim às vésperas dopleito, como também nos meses de abril e novembro de cada ano ou em qualquer outroperíodo a pedido dos órgãos competentes, dando ciência, a posteriori, ao Plenário.§ 2º não devem constar da relação os nomes dos responsáveis por contas apreciadas peloTribunal cujas decisões estejam suspensas por interposição de recursos ou sejam aindarecorríveis, nas modalidades e prazos previstos nos arts. 31, 33, 34 e 35 da Lei complementarnº 01, de 09 de maio de 1984.

26 TC - 013.965/94-8. Conferir a esse respeito, também, a Resolução nº 113/98, em vigor que“Estabelece procedimentos para envio à Justiça Eleitoral de relação de nomes de responsáveis

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(...) O Tribunal de contas da União, ao julgar contas irregulares,comunica o fato, depois de transitar em julgado a sua decisão, ao MinistérioPúblico da Unidade Federada respectiva, para as providências que julgarcabíveis.

(...) o processo deve ser envidado à respectiva SECEX, a fim deaguardar a apresentação de recurso. Tal não ocorrendo nos prazosestabelecidos no Regimento Interno, o processo será encaminhado àSECON, que comunicará ao Ministério Público próprio o resultado dojulgamento.

No entanto, o Corpo Técnico do TCDF reconhece que “fatospendentes nos autos sob exame ou em outros, em tramitação, poderãofazer com que o julgamento definitivo das contas demore mais do que oesperado.”27

Assim sendo, a fim de minimizar esses inconvenientes, o CorpoTécnico sugeriu:

a) quando da elaboração do Plano Geral de Ação, incluam, no bojode suas atividades e fiscalizações que abranjam período de eleição, averificação tempestiva do cumprimento das vedações contidas na LeiEleitoral nº 9.504/97;

b) em relação ao ano em curso, adotem imediatas providênciaspara, por intermédio de suas atividades de acompanhamento, verificar ocumprimento da citada Lei nº 9.504/97, representando ao Tribunal, se foro caso, a existência de alguma irregularidade;

(...)

d) dêem tratamento prioritário aos recursos interpostos contradecisões do Tribunal tomadas em processos relativos a PCA/TCA/TCE.

E assim foi feito (Decisão nº 6.792/98). Naquele mesmo ano, oTCDF decidiu expedir a Resolução nº 107/98, para considerarprioritários recursos interpostos contra decisões adotadas, genericamente,em qualquer processo de prestação de contas, tomada de contas anual etomada de contas especial._________________________________________________________________________

que tiveram suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas porirregularidade insanável e por decisão irrecorrível”, artigo 4º.

27 Processo nº 883/98, p. 39.

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O MP solicitou ainda a reinstrução dos autos com base na Lei nº9.840/99, que alterou a de nº 9.504/97.

Em 2000, nova manifestação do MP de Contas do DF demonstrouque aquela Resolução havia sido revogada pela de nº 118/00, sendonecessário que a alteração fosse providenciada. Em março de 2001,então, expediu-se Resolução de semelhante teor.

Recentemente, o MPC/DF, para o exercício de 2006, aprovouseu Planejamento Estratégico, propondo:

Nesse contexto, então, o MPC/DF dará prioridade aoacompanhamento das ações dos administradores em período eleitoral,envolvendo as matérias de competência do controle externo. Para tanto, oBoletim Eletrônico do MPC/DF passou a destacar, a partir de janeiro,com prioridade, a disposição do parquet para acompanhar e receberdenúncias afetas a esse tema.

Quanto ao acompanhamento das ações alusivas a essa estratégianº 1, prioritária, deverão ser destacados os seguintes temas:

• atos de pessoal,

• atos de despesa e

• julgamentos de Tomadas de Contas envolvendo candidatos apleitos eleitorais.

(...)

Os exemplos mais recentes do período eleitoral de 2002, bemassim a demora na conclusão de processos relevantes, apontando para umtotal descompasso entre o intuito do MPC/DF ao proferir um parecer ouuma Representação e a tramitação dos feitos, só podem requerer um novoplanejamento estratégico dessas atribuições, que, por sua vez, não estaráperfeito e acabado. Antes, representa um processo contínuo, sujeito arevisões para seu melhor aperfeiçoamento.

Complementando a atuação do parquet de contas, foi oferecida aRepresentação nº 1/06 ao Corregedor do TCDF, a respeito dos artigos21 e 42 da LRF28, acrescentando:_____________28 Art. 21 – É nulo de pleno direito o ato que provoque aumento da despesa com pessoal e não atenda:

I - as exigências dos arts. 16 e 17 desta Lei Complementar, e o disposto no inciso XIII do art.37 e no § 1o do art. 169 da Constituição;

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Ademais, é dever do TCDF manter um “pool” de analistas deprontidão, para apurar o cumprimento das legislações que tratem dematérias do Controle Externo, como por exemplo: LC 101, artigo 24 daLei Eleitoral, Lei 4320/64, no que toca o uso da “máquina administrativa”e de despesas públicas, com interesses eleitoreiros, em ofensa à moral e àlegalidade administrativas. A esse específico respeito, o MPC/DF opinano sentido de que a Corte viabilize até mesmo a criação de um sistema deautuação distinto, que pode ser até de uma nova cor de capa de processo,como sói acontecer no Judiciário, ou com tarja que realmente faça distinçãoda matéria.

4. CONCLUSÃO

Vê-se, assim, que a participação das Cortes de Contas em episódiotão relevante para a Nação, como é o sufrágio, é ainda muito tímida,mormente se considerarmos que são os Tribunais de Contas que cuidamde analisar a gestão de todos aqueles responsáveis por dinheiro, bens evalores públicos da Administração.

Não é possível ignorar, insista-se, que a decisão dos Tribunais deContas, em face da interposição de recurso suspensivo, não pode atribuirefeitos que não possui o decisum. No mesmo passo, a Lei Complementarnº 64/90, inclusive o artigo 1o, I, é repleta de situações que podemperfeitamente, ao crivo do MP Eleitoral, suscitar a ocorrência dainelegibilidade. E não há que se falar em desrespeito ao contraditórioou a ampla defesa, pois, é certo, que na Justiça Eleitoral o fato serátratado com o devido rigor, até porque será passível do controle judicial.

Aliás, o próprio TCU, paradoxalmente, oferece a solução:A inclusão de nomes de responsáveis em listas a serem enviadas

ao Ministério Público Eleitoral é ato meramente declaratório deste Tribunal,___________________________________________________________________________

II - o limite legal de comprometimento aplicado às despesas com pessoal inativo.Parágrafo único. Também é nulo de pleno direito o ato de que resulte aumento da despesacom pessoal expedido nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato do titular dorespectivo Poder ou órgão referido no art. 20.Art. 42 - É vedado ao titular de Poder ou órgão referido no art. 20, nos últimos doisquadrimestres do seu mandato, contrair obrigação de despesa que não possa ser cumpridaintegralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte semque haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito.

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cabendo à Justiça Eleitoral a competência exclusiva de declarar ainelegibilidade, nos moldes da mencionada Lei Complementar. Assim,uma vez enviada a citada lista, apenas no caso de reforma dojulgamento das contas anteriormente julgadas irregulares, poderiaa Corte cientificar aquela Procuradoria, objetivando a exclusão donome do respectivo responsável.29

O que não se pode é, diante do descalabro a que chegou aAdministração Pública, com índices proibitivos de comprometimentobasilar da moral administrativa em práticas de corrupção, assistir-se inerteà nomeação de candidatos que bem poderiam, tivessem sido adotadasas providências cabíveis, ser considerados inelegíveis pelo único podercompetente para tanto, a Justiça Eleitoral.

Relembre-se que há diversas formas de se coonestar com acorrupção:

(...) têm existido em nossa história governantes - federais, estaduaisou municipais - que, em decorrência de princípios éticos, ou premidos poroutras razões momentâneas, se empenham decididamente em nãopermitir falcatruas ou desmandos em suas ações administrativas. Algunsbuscam até assumir como ação organizada de governo o combate àcorrupção. Outros, mais tímidos, limitam-se a tentar evitar que os clássicosmodelos de favorecimentos e desvios se produzam com a sua conivência.

Mas há também aqueles que apenas fecham os olhos, permitindoque a caudalosa corrente que herdamos de nossos colonizadores continuea correr solta, sem obstáculos. Não a alimentam diretamente, mas tambémnão criam quaisquer barreiras que impeçam seu livre curso.Episodicamente, quando ocorre algum escândalo que tenha forterepercussão na opinião pública, um pouco a contragosto, eles são forçadosa tomar medidas pontuais, buscando evitar um dano maior a sua“imagem”. Seus agentes se beneficiam, ou permitem que outros sebeneficiem, no ritmo característico de nossa “normalidade” histórica.

Há, porém, os que não se contentam com a mera cumplicidade daomissão. Utilizam toda sua energia governamental para alimentar e azeitara máquina da corrupção. Elegem prioridades de governo na perspectiva defavorecê-la e ampliá-la. Tomam medidas administrativas que têm por

_____________29 TC 299.035/90-2, Acórdão 5/1997.

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destino único dar maior eficiência, coordenação e produtividade ao tumorque alimentam. Centralizam e planificam as ações, combatendo os atos decorrupção difusa que não se inserem no “esquema” comandado pelonúcleo central de governo. Diante de denúncias ou escândalos nada fazem,utilizam defesas retóricas ou, em casos extremos - em que existe fortepressão dos órgãos da imprensa -, forjam apurações internas que nuncaidentificam culpados nos escalões hierárquicos mais elevados. Com estasposturas, buscam maximizar todo o potencial corruptor estrutural quenossas condições históricas oferecem de bandeja aos administradorespúblicos em geral.30

Digno de registro que a ninguém mais parece estranho falar-se emTribunal de Contas como órgão garantidor dos valores político-constitucionais do Estado Democrático de Direito:

porque exerce funções indispensáveis ao funcionamento dosprincípios republicano e democrático, no tocante a um dos mais delicadosaspectos de qualquer complexo juspolítico, que é, desde a Magna Carta, agestão fiscal, com a disposição político-admininistrativa dos recursosretirados impositivamente dos contribuintes.31

Mas, como bem alerta Augustín Gordillo, “De nada vale que laspersonas digan que son democráticas y están al servicio de laConstitución, si sus acciones no respaldan tales afirmaciones.”32

Bem por isso, o STF, sopesando várias vezes interesses e princípiosem conflito, forneceu como melhor caminho a realização do princípioconstitucional. É a hipótese do MS nº 24369, quando entendeu passívelde apuração pelo TCU denúncia anônima. Na ocasião, o julgadoponderou, de um lado, a vedação constitucional do anonimato, e, dooutro, a obrigação igualmente constitucional, ética-jurídica deinvestigação de condutas funcionais desviantes, por parte do órgãoestatal, imposta pelo dever de observância dos postulados da legalidade,da impessoalidade e da moralidade administrativa. “Colisão de direitosque se resolve, em cada caso ocorrente, mediante ponderação dos valorese interesses em conflito.”_____________30 CARDOZO, op. cit., p. 29.31 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. O Parlamento e a Sociedade como destinatários

do trabalho dos Tribunais de Contas, in O novo Tribunal de Contas, p. 61.32 GORDILLO, op. cit., p. 65.

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Oportunas são as lições do professor Carlos Mário Velloso, Ministrodo STF: “Há de prevalecer, no choque entre os dois princípios, aqueleque, de forma imediata, é garantidor do direito consagrado naConstituição e que, se não prevalecesse, tornaria letra morta a liberdadepública.” (EAC 39.153-SC).

Nessas condições, cabe indagar:Qual o prejuízo para a Nação caso os Tribunais de Contas

comuniquem ao MP Eleitoral a existência de processos envolvendocandidatos a pleitos eleitorais, inclusive o andamento?

Qual o prejuízo para o candidato que comunicação como essaseja feita?

Vê-se que em ambas as perguntas, a resposta será sempre:NENHUM, pois o candidato terá foro próprio para o debate, e a Naçãoterá acautelado tempestivamente a possibilidade de declarar ainelegibilidade, ou não, de um candidato a cargo político.

De outra banda, invertendo-se a pergunta, chega-se claramente àuma situação de injustificável prejuízo para a Nação, permitindo que,em situações que tais, referidos candidatos venham a alcançar um cargopúblico.

Não se pode, para evitar “constrangimentos” aos interessados,em virtude da divulgação prévia de matéria que ainda não “transitouem julgado”, admitir-se a preclusão.

Como é sabido, na fase preparatória do processo eleitoral queantecede à votação, há duas medidas judiciais que podem por fim àcandidatura de quem, tendo seu nome escolhido e aprovado emconvenção partidária, aspira a concorrer a um cargo eletivo. Antes daeleição, há, pois, a ação de impugnação de pedido de registro decandidatura e a investigação judicial eleitoral. Depois da eleição, há orecurso contra a diplomação e a ação de impugnação de mandato eletivo.

Esse tema tem profunda relação com a atuação das Cortes deContas. Quem sobre isso alerta é Joel Cândido:

esses fatos, a princípio, precluem ou ficam fulminados pelacoisa julgada decorrente da sentença que apreciou o pedido de registro decandidato (...) esses fatos não podem mais ser arguídos como regra (...) Aexceção a esse princípio (...) ocorre em duas únicas hipótese: 1 emcaso de fatos supervenientes; e 2 se a hipótese versar sobre matéria

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constitucional. Por fatos supervenientes se entendem fatos novos,ocorridos após um momento determinado. Fatos que já haviamocorrido e que apenas não se conheciam não são fatos supervenientes.São fatos pretéritos de conhecimento posterior, o que é diferente,diferença essa relevante para se aceitar ou não com fundamentopara reargüição judicial eleitoral. Estes últimos precluem como aprimeira decisão, mormente se havia razoável possibilidade deconhecimento público como, v.g., (...) desaprovação de contas degestão administrativa pelo Tribunal de Contas; fatos veiculados pelaimprensa, etc. Já por matéria constitucional para efeito de preclusão sehaverá de entender, exclusivamente, aquela prevista diretamente no textoda Constituição e não a delegada à lei complementar sobre inelegibilidade.33

Foi preciso esse longo debate para concluir, então, que ainelegibilidade por julgamento de contas irregulares emitidas pelosTribunais de Contas, porque está em lei complementar federal, e, não,na Constituição Federal, é típica hipótese que pode precluir, caso oTribunal de Contas não julgue em tempo todos os processos queenvolvam candidatos principalmente em ano eleitoral e seus eventuaisrecursos. Além de os prazos dos recursos e ações citadas, na JustiçaEleitoral, serem exíguos, o não conhecimento pelo Ministério PúblicoEleitoral, que não tem a obrigação de acompanhar diariamente asdecisões dos Tribunais de Contas, notadamente as que julgarem contasirregulares, por impossível, faz com que os recursos e ações não possammais ser ajuizados.

Percebe-se, nessas condições, que a não decisão do Tribunal deContas, aliada à não comunicação ao Ministério Público Eleitoral de_____________33 CÂNDIDO, Joel. Op. cit., p.239. De fato, segundo o art. 259 do Código Eleitoral, “são

preclusos os prazos para interposição de recurso, salvo quando neste se discutir matériaconstitucional.” Em semelhante sentido, são, por exemplo, as seguintes jurisprudências:“Recurso de Diplomação. Inelegibilidade. Fato superveniente. Matéria constitucional. 1.Sendo preexistente ao registro do candidato, não pode a condenação servir para argüição deinelegibilidade do diplomado, se não houve oportuna impugnação ao registro. 2. O motivode inelegibilidade é que deve ser superveniente ao registro, não ao conhecimento dele pelosinteressados. 3. Matéria de ordem constitucional, para efeito de preclusão, é aquela previstadiretamente no texto da Constituição, e não a delegada à lei complementar sobreinelegibilidades” (TSE, DJU no. 79/83). Ou, ainda, “Inelegibilidade decorrente de motivoanterior ao pedido de registro não argüído no momento oportuno. Preclusão: recurso ordinárionão conhecido” (BTSE no. 239/740).

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todos os fatos cujo exame tenha levado à irregularidade de contas, aindaque pendente de recurso, pode esvaziar a força atribuída à multireferidaLei Complementar nº 64/90. Não impressiona aqui o fato de a lei aludira contas irrecorríveis, pois a remessa proposta não será feita em razãodo artigo 1º, alínea g, antes transcrito.

Frise-se que o Ministério Público Eleitoral participa de todas asfases e instâncias do processo eleitoral, desde a preparatória, de eleição,passando pelo escrutínio, até a diplomação, estando incumbido da defesado regime democrático. É mesmo possível dizer que não existe, emDireito Eleitoral, qualquer ato que seja realizado distante da atuaçãodo Ministério Público, seja como fiscal da lei, seja como parte.34

Assim sendo, em momento profundamente delicado por quepassam as Cortes de Contas, sobre as quais têm pesado severas críticas,com ameaça inclusive de extinção, não parece ser conveniente que sepossa prescindir do cumprimento, na essência, da Lei de Inelegibilidadesem questão.

Relembre-se que a Justiça considerou que o ato irregular por si sónão dá azo à inelegibilidade. No RE 132.747, foi dito que, cuidando-sede chefes do Executivo, apenas a rejeição de suas contas pelo Legislativo,não os pareceres ou decisões sobre atos específicos dos Tribunais deContas, é que pode gerar a inelegibilidade do artigo 10, I, g, da LeiComplementar nº 64/90.

Em conclusão, urge que as Cortes de Contas assenhorem-seimediatamente de suas funções constitucionais de um órgãoverdadeiramente de controle e avancem, rumo com outras instituições,numa verdadeira cruzada de combate à corrupção. Para tanto, deverãodar início a um controle efetivo, real, despindo-se de um papel meramentepostal, de órgão comunicador, para influir efetivamente numa verdadeiracampanha, justa e leal, de combate à malversação de recursos públicos,o que, em nosso país, só ocorrerá, se os agentes políticos, à frente dagestão pública, forem verdadeiramente honrados, íntegros e probos._____________34 Órgão da lei eleitoral, fiscal de sua execução, defensor da ordem jurídica, do regime

democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, tem o Ministério Público,como escopo especial nessa atividade, ainda, a defesa ou a fiscalização dos interessesextrapartidários; vale dizer, dos assuntos que estiverem fora da restrita esfera ideológica deinteresse dos partidos políticos, coligações e candidatos. (CÂNDIDO, op. cit. p. 64).

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Desta feita, é imperioso que as Cortes de Contas concedam caráterprioritário e urgente a todos os processos que envolvem candidatos apleitos eleitorais, para que possa julgar as suas contas, certamente sematropelos e com observância de todos os princípios gerais econstitucionais, como o da ampla defesa, com antecedência, para finsda Lei Complementar nº 64/90. E mais, acaso julgadas irregulares contascom recurso interposto válido tempestivamente, estabeleça prazo fatalpara o seu julgamento, com prioridade sobre todos os demais processos,a fim de que possa dar resposta pronta e efetiva à sociedade, antes dopleito eleitoral; com isso, afasta-se a possibilidade de eventual recursoser interposto com o só fim de impedir os efeitos da decisão da Corte,pois a astuta manobra não alcançaria os seus propósitos; afasta-se de umavez por todas a possibilidade de recurso interposto, por exemplo, comantecedência do pleito eleitoral, mas não analisado pela Corte em tempo.

E, enfim, caso não seja, apesar de tudo, possível prever-se umjulgamento tempestivo, os Tribunais de Contas devem fazer acomunicação ao Ministério Público Eleitoral, e, em qualquer caso,inclusive das contas julgadas regulares com ressalvas, ainda que objetode quitação, para que o parquet avalie a possibilidade de ajuizar ações ereclamações cabíveis, com o que se precata a investidura de candidatoímprobo e desonesto.

O TCPE adota semelhante procedimento. A Lei nº 12.600/04(Lei Orgânica do TCPE), art. 41, remete a adoção do “processo deDestaque”, a qual contém relatório de auditoria, objetivando a avaliaçãode possível adoção de medidas cautelares e a representação à autoridadecompetente, inclusive com remessa de peças ao Ministério PúblicoEstadual. Esse procedimento permitiu a realização de auditorias rápidase eficazes em obras públicas, notadamente em período eleitoral, e, deconseguinte, o ajuizamento de tempestivas ações pelo MinistérioPúblico, impedindo-se que autoridades se valessem de seus cargos paraatingimento de fins indesejados pelo Ordenamento.

Foram vistos aqui, no início deste texto, dois casos que bemexemplificam a necessidade de alteração do atual modelo. Em um, houveirregularidade de grave monta, mas que ensejou o julgamento regulardas contas com ressalvas. Em outro, houve mera irregularidade formalpor vício de incompetência, após saneada pela autoridade possuidorade atribuições legais, inclusive, com o pagamento de multa. Nada

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obstante, nesse caso, as contas foram, em um primeiro momento,consideradas irregulares, e o apontado responsável, incluído em lista deinelegíveis.

Cumpre também atentar para as disposições legais vigentes emrelação ao pleito eleitoral, como a Lei nº 9.504/97, que traz váriosdispositivos diretamente relacionados com a atividade das Cortes deContas na fiscalização da escorreita aplicação do dinheiro público,devendo ser incluídos como objeto de análise prioritária e específica.Exemplo disso é o artigo 24 da norma que veda a candidato ou partidoreceber diretamente ou indiretamente doação em dinheiro ou estimávelem dinheiro, inclusive por meio de publicidade, procedente de órgão daadministração pública.

Esses são alguns dos dispositivos entre os vários que apontampara a necessária inserção ativa dos Tribunais de Contas no cenáriopolítico-eleitoral do País, como órgão de controle externo, no exercíciode atividades compatíveis com a competência constitucional definidano art. 70 e seguintes da Lei Maior.

Seja como for, é aconselhável que o próprio Ministério PúblicoEleitoral tome a iniciativa de indagar às Cortes de Contas a respeitode todos processos em trâmite envolvendo cidadãos que aspirama concorrer às eleições.

Como bem ressalta Joel Cândido, em Simpósio realizado em Belémdo Pará:

(...) em todas as atividades da Justiça Eleitoral em que há violaçãode lei, decretos e atos emanados dos poderes públicos, ou cujos legítimosinteresses forem prejudicados sem falar na perpetração de crimes, aí estarásempre presente o Ministério Público para as providências legais cabíveis,acionando, se necessário, o mecanismo judiciário eleitoral (ou até mesmooutro juízo ou tribunal, se for o caso), no desempenho de sua nobremissão’.35

Somente assim, estar-se-á colocando em prática o desejo expressona Carta de João Pessoa (PB), quando os Tribunais de Contas do Brasildeliberaram:_____________35 CÂNDIDO, op. cit. p. 66.

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Também relevante é que os Tribunais de Contas estabeleçam estreitaintereção com a sociedade a que servem (...)

Ainda é importante ressaltar a indispensabilidade de uma parceriade todos os Tribunais de Contas com o Ministério Público Comum. Orelacionamento, igualmente estreito e permanente, com o parquet fortaleceo controle e a repressão daqueles comportamentos não aceitáveis, no tratoda coisa pública, possibilitando uma pronta reação, com a condenação civilou penal dos seus autores. Essa é, ainda, uma exigência da sociedade.

Sem a adoção dessas medidas e ações, por parte do poder Publicoou dos Tribunais de Contas, conforme o caso, não será possível a estes seintegrarem nos novos tempos e nos novos caminhos que se abrem diantede um Brasil cansado de ver os sucessivos desmandos que se praticamcontra o patrimônio público, contra a moralidade administrativa, contra ointeresse público.36

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 32, t.1 : 69-79, 2006 69

CONSULTA AO TRIBUNAL DE CONTAS EINCONSTITUCIONALIDADE DE LEIS

Demóstenes Tres AlbuquerqueProcurador do Ministério Público de Contas do DF

1. INTRODUÇÃO

A estrutura do Estado brasileiro dada pela Constituição Federalde 1988 privilegiou, sobremaneira, as funções de controle daAdministração Pública. A transparência da gestão da coisa pública éobjetivo central do modelo de organização estatal, de modo a permitiro pleno exercício da cidadania.

Dentro deste contexto, ganha realce o relevante papel reservadoaos diferentes órgãos envolvidos no controle externo dos atosadministrativos, independentemente da esfera em que atuem. AoMinistério Público conferiu-se plena autonomia, retirando-lhe a funçãode defender o Estado em juízo, ao tempo em que lhe conferiu importantemissão institucional de zelar pela manutenção do Estado Democráticode Direito, atuando, sempre, como fiscal da lei.

Função primordial que tem por principal objetivo verificar se avontade do titular do poder – o povo (art. 1º, parágrafo único, da CF/88) – emanada por meio das normas legitimamente editadas por seusrepresentantes, está sendo respeitadas, inclusive por aqueles que,momentaneamente, estão no comando das funções administrativas, emqualquer das esferas de Governo.

Se o Ministério Público ganhou figura de destaque na organizaçãodo Estado, foram os tribunais de contas que tiveram maior aumento departicipação no exercício da missão fundamental de controlar os gastospúblicos. Ganhou relevância, a partir da nova Constituição, a atuaçãomaterial das cortes de contas, no sentido de se apurar não somenteaspectos formais dos atos administrativos, mas, principalmente, compreocupação na eficiência da gestão da coisa pública.

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O controle finalístico, de resultados, deve ser perseguido pelosórgãos de fiscalização da máquina administrativa. Há que se destacarque o constituinte conferiu aos tribunais de contas o dever de averiguara atuação dos administradores sob a ótica não apenas da legalidade estrita,mas também da economicidade, da eficácia e da eficiência.

Esta ampliação das atribuições dos tribunais de contas conferiu-lhes, também, maior responsabilidade no atingimento do interessepúblico adjacente às normas que regem a Administração Pública. Pode-se extrair diretamente do Texto Político as principais funçõesinstitucionais reservadas aos tribunais de contas. Cumpre destacar quenão se pode, nem se deve extrair determinada função típica e específicadas cortes de contas sem que se tenha uma visão abrangente da verdadeiramissão dos órgãos de controle.

Nesse contexto, dividem-se suas atribuições, basicamente, em seteatividades específicas, diferenciadas, porém umbilicalmente relacionadas.Em síntese, correspondem à atuação fiscalizadora, consagrada nosincisos III, IV, V e VI do art. 71 da Constituição Federal, abrangendo opoder-dever de realizar inspeções e auditorias de natureza contábil,financeira, orçamentária, patrimonial e operacional, esta com enfoqueespecial sobre o desempenho e resultados dos entes públicos.

Também exercem os tribunais de contas função informativa, aoprestarem as informações requeridas pelos respectivos órgãos do PoderLegislativo acerca das atividades fiscalizadoras que exercem.

Destaque especial conferiu o constituinte originário à funçãojudicante dos tribunais de contas. Conferiu-lhes competência exclusivapara julgar as contas dos administradores e demais responsáveis porbens públicos da administração direta e indireta, bem como daquelesque derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade que resulteprejuízo ao erário, consoante estabelecido no inciso II do art. 71 daConstituição Federal.

Realizada a fiscalização ou apreciando as contas dos responsáveis,para fins de julgamento, as cortes de contas podem se deparar comsituação em que se verifica conduta culposa do agente público que sesubsome a hipótese legalmente descrita como passível de sofrer sançãoadministrativa. Nesse contexto, tem os tribunais de contas o dever deaplicar, na justa medida, as penas previstas pelo ordenamento ao caso

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específico, conforme se extrai da leitura do inciso VIII do art. 71. Exerce,nesta hipótese, função sancionadora o tribunal de contas respectivo.

Assim, verificada a existência de irregularidades graves, não bastaaplicar a sanção correspondente ao gestor, mais importante para o bemcomum é a correção das falhas apuradas. Correção esta que tambémdeve ocorrer incontinenti nas situações em que não se mostra devida aaplicação da sanção, ainda que existente a falha. Devem os tribunais decontas, nestes casos, determinar aos órgãos ou entes sob sua jurisdiçãoque adotem as medidas necessárias para corrigir as falhas apuradas, nostermos dos incisos IX, X e XI do mencionado dispositivo constitucional.

Desempenham importante papel dentro do desenvolvimentopolítico-institucional do Estado, ao analisarem tecnicamente as contasdos respectivos chefes do Executivo, a fim de subsidiar o julgamentodestas contas, de competência exclusiva dos Legislativoscorrespondentes. Exerce, nesta situação, verdadeira função consultiva.

Por fim, da leitura do Texto Político, pode-se extrair outro relevantepapel dos tribunais de contas para a sociedade, ao servirem deverdadeiros depositários da confiança do cidadão em ter a corretautilização dos recursos públicos, basicamente oriundos de tributos quesão extraídos da sociedade. Dispõe o § 2º do art. 74 da ConstituiçãoFederal que qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicatotem legitimidade para denunciar aos tribunais de contas irregularidadesque demandem sua atuação. Configuram-se, portanto, repositários doexercício pleno da cidadania daqueles que buscam a correta utilizaçãodas verbas públicas. Nesse contexto, pode-se afirmar que as cortes decontas também desempenham papel de ouvidoria.

Estas, portanto, as principais atividades exercidas pelos tribunaisde contas decorrentes diretamente do Diploma Básico. Não esgotam,contudo, as suas atribuições. Outras funções relevantes decorrem dosdiversos normativos infraconstitucionais. Cabe destacar, para o estudoque ora se desenvolve, função de conteúdo cooperativo imposta aoTribunal de Contas do Distrito Federal pela Lei Complementar nº 01/94.

Trata-se, também, de função consultiva, com caráter tambémnormativo, que tem como objetivo propiciar uma atuação tempestivado controle, ao mesmo tempo em que orienta a administração públicasobre a correta forma de atuar. É, portanto, a consulta relevante

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instrumento para a concretização das atividades do controle externo,conferindo-lhe maior eficiência na sua atuação.

2. OS PROCESSOS DE CONSULTA NO TRIBUNAL DE CONTAS DO DISTRITO

FEDERAL

Dispõe o art. 1º, inciso XV, da Lei Orgânica do Tribunal de Contasdo Distrito Federal que compete à Corte decidir sobre consulta que lheseja formulada por autoridade competente, a respeito de dúvida naaplicação de dispositivos legais e regulamentares referentes a matériade sua competência. O § 2º do referido artigo determina que a respostaa consulta tenha caráter normativo, constituindo prejulgamento da tese.

Complementando a Norma Legal, o Regimento Interno do TCDFdisciplina os processos de consulta, estabelecendo, inclusive, os requisitosde admissibilidade próprios deste tipo de feito, em obediência ao dispostona parte final do citado inciso XV do art. 1º da Lei Complementar nº 01/94.

Nesse sentido, o art. 194, caput, relaciona as autoridadeslegitimadas a formular consulta perante esta Corte, quais sejam: oGovernador do Distrito Federal, os Secretários de Governo, os dirigentesde órgãos relativamente autônomos e de entidades da administraçãoindireta. Apesar de não indicar expressamente o Presidente da CâmaraLegislativa do Distrito Federal e do próprio Tribunal como tambémlegitimados a propor consulta, evidente que também podem iniciar estetipo de processo, em uma interpretação extensiva do citado dispositivoregimental.

A mesma razão jurídica existente para justificar a legitimação dasautoridades distritais elencadas existe para embasar a aceitação dosPresidentes da Casa Legislativa e do Tribunal de Contas. Ademais, opróprio art. 194 permite que dirigentes de órgão relativamente autônomopossa apresentar consulta, com mais razão, ainda, os representantesmáximos de órgãos independentes e autônomos, com espequeconstitucional, como é o caso da CLDF e do TCDF. Por conseguinte,também se admite que tais autoridades possam perfeitamente formularconsultas ao Tribunal.

O § 1º do dispositivo em tela determina que as consultas devamversar sobre direito em tese, indicar com precisão seu objeto e seracompanhadas de parecer técnico-jurídico da Administração. Evidenteque a matéria da consulta tem que estar inserta no rol de atribuições do

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Tribunal. Não pode a Corte de Contas tratar de questão que refoge àsua competência constitucional e às atribuições que lhes são incumbidaspela Lei Orgânica do Distrito Federal. Configuraria, à toda evidência,desvio de finalidade admitir-se que o Tribunal decida processo, comeficácia para toda a administração pública distrital, cuja matéria não lhecabe apreciar.

Ponto relevante neste tipo de processo diz respeito à vedaçãocontida tanto na Lei quanto no Regimento Interno acerca doconhecimento de consulta que verse acerca de caso concreto. Tal institutoconfere poder normativo a certas decisões do Tribunal e tem por objetivoevitar que a administração pública venha a aplicar normas legais eregulamentares de forma colidente com o entendimento do órgão decontrole externo.

Tem caráter pedagógico e profilático, uma vez que busca evitar aprática de condutas irregulares por parte dos agentes públicos pelasimples interpretação equivocada do ordenamento jurídico. Vai aoencontro da tendência atual que se verifica nas Cortes de Contas de nãoapenas agir de forma repressora, mas também buscar orientar osjurisdicionados a atuar corretamente no zelo pela coisa pública.

Nesse contexto, os requisitos de admissibilidade devem serexaminados de forma a evitar que questões formais de menor relevânciapara o deslinde da questão objeto da consulta, muitas vezes de extremarelevância para a prática administrativa, venham a impedir a atuaçãoprofilática da Corte de Contas.

Evidente que não se pode conhecer de consulta que versem sobrecaso concreto, por vedação expressa da Lei. Evita-se, com isso, que oTribunal aprecie de forma antecipada questão que poderá vir a ser objetode análise em feito específico. Busca-se, também, com esta medidaimpedir que o órgão de controle externo atue como verdadeiro agenteadministrativo típico, imiscuindo-se na atividade gerencial dos demaisPoderes, atuando em substituição ao administrado, quando o constituintelhe reservou o fundamental papel de exercer o controle dos atos e nãode executor destes atos.

Ademais, não se permite que decisão específica sobre um únicocaso venha a ser extrapolada para toda a administração, vinculando órgãose entidades distritais, em decorrência do caráter normativo que possuemas decisões do Tribunal em sede de consulta.

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Todavia, há que se admitir que as teses jurídicas levantadas pelosconsulentes perante a Corte não surgem da abstração administrativados gestores públicos. Evidente que, antes de encaminhar determinadaquestão a ser enfrentada pelo Tribunal em processo de consulta, oadministrador enfrentou, pelo menos uma vez, a matéria diante de umcaso concreto que teve que decidir.

Não é razoável supor que os gestores públicos, após repentinainspiração acadêmica, criem determinada tese jurídica para sersolucionada pelo Tribunal. Claro que, ao formular a indagação, hipótesesconcretas já foram sobejamente examinadas anteriormente, e a soluçãojurídica ideal, a correta aplicação do Direito ao caso concreto, mostra-se bastante duvidosa, a ensejar o questionamento junto ao Tribunal.

Por conseguinte, a simples menção às hipóteses fáticasefetivamente ocorridas que serviram de motivação para a formulaçãoda tese jurídica a ser enfrentada pelo Tribunal não evidencia que está ase tratar de caso concreto. Ao contrário, a consulta remetida a esta Cortenão busca, expressamente, solucionar esta ou aquela situação. Procuraindagar desta Casa acerca da possibilidade de aplicação de determinadaNorma Legal a certa hipótese fática.

Este, ademais, é o objetivo final dos processos de consulta,esclarecer qual a correta aplicação de normas legais e regulamentares diantedos diversos suportes fáticos que podem servir de base para a incidênciadas referidas normas. Por conseguinte, ao examinar cada consultaformulada, antes de se concluir imediatamente pelo seu não conhecimentopor tratar de caso concreto, há que se verificar se, da questão indagada,não se pode extrair determinada tese jurídica a ser enfrentada pelo Tribunal,sem que isso implique análise de um caso específico.

3. A APRECIAÇÃO DA CONSTITUCIONALIDADE DE LEIS EM PROCESSOS DE

CONSULTA

Nos termos do § 2º do art. 1º da Lei Complementar nº 01/94, aresposta à consulta tem caráter normativo e constitui prejulgamento datese. Significa dizer que a decisão a ser adotada em sede de consulta deveser obedecida pelos órgãos sujeitos à jurisdição do Tribunal e que venham,de qualquer forma, a ser abrangidos pela matéria objeto do feito.

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Assim, por exemplo, se a consulta versar sobre a correta aplicaçãode determinado dispositivo legal afeto à toda a Administração Diretado Distrito Federal, a resposta do Tribunal não obrigará apenas ao órgãoconsulente, mas estender-se-á a todos os demais órgãos que integram arespectiva Administração Direta distrital, bem como às entidades daAdministração Indireta que, porventura, também estejam subordinadasà hipótese tratada no processo. Este o alcance do caráter normativo deque trata o citado dispositivo legal.

Tais processos apresentam, por conseguinte, verdadeira eficáciaerga omnes, pelo menos no que pertine à administração pública sujeitaà matéria objeto da consulta. Ademais, por possuir caráter normativo,tem força vinculante em relação aos jurisdicionados. Estão obrigados aseguir a orientação emanada pelo Tribunal, sob pena de ser consideradairregular a conduta contrária ao que decidido em sede de consulta.

A propósito, cabe trazer à baila decisão do Pretório Excelso que,confirmando o caráter abstrato e genérico das decisões adotadas peloTribunal de Contas da União em sede de consulta, admitiu a interposiçãode Ação Direta de Inconstitucionalidade para impugnar decisão daquelaCorte Federal de Contas adotada em sede de consulta, consoante sedepreende da ementa a seguir transcrita:

ADI-MC 1691 / DF - DISTRITO FEDERALMEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DEINCONSTITUCIONALIDADERelator(a): Min. MOREIRA ALVESJulgamento: 30/10/1997 Órgão Julgador: Tribunal PlenoPublicação: DJ 28-11-1997 PP-65613 EMENT VOL-01893-02 PP-00264REPUBLICAÇÃO: DJ 12-12-1997 PP-65613EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. Pedido de liminar.Decisão nº 819/96 do Plenário do Tribunal de Contas da União nos autosdo Processo nº TC-007.925-4. - As decisões do Tribunal de Contas daUnião proferidas em consultas têm caráter normativo e constituemprejulgamento da tese, nos termos do § 2º do artigo 1º da Lei nº 8.443/92.São, portanto, atos normativos. - Relevância da argüição deinconstitucionalidade da acumulação de proventos e vencimentos, quandoa acumulação de vencimentos não é permitida na atividade. Precedentesdo Plenário do S.T.F. - Conveniência da concessão da liminar. Medida

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liminar deferida para suspender a eficácia, “ex tunc”, da Decisão nº 819/96prolatada pelo Plenário do Tribunal de Contas nos autos do Processo nºTC-007.925/96-4, até o julgamento final da presente ação direta deinconstitucionalidade.

Neste particular, surge a indagação a que se propõe debater nestetrabalho. Se a matéria objeto da consulta versar a respeito daconstitucionalidade de determinada norma, como deverá agir o Tribunal?A dúvida se justifica na medida em que se verifica que, qualquer queseja a conclusão final do feito, estar-se-á, na verdade, determinando aosjurisdicionados que apliquem ou deixem de aplicar determinada normapor ser constitucional ou não.

Nesta situação, em que o objetivo da consulta é exatamentedeliberar-se sobre a constitucionalidade de determinada norma, oTribunal proferirá decisão com eficácia erga omnes e efeito vinculantedeliberando sobre a constitucionalidade de normas em abstrato. Estará,à toda evidência, usurpando competência constitucional que não detém,qual seja, o controle abstrato de normas, ainda que de efeitos restritos.

Se a decisão da consulta afirmar a inconstitucionalidade da norma,seu caráter normativo acarretará a obrigatoriedade de os órgãos sujeitosà jurisdição do Tribunal não a aplicarem. O efeito prático será a suspensãoda eficácia da norma objeto da consulta, o que não pode ser realizadopelo TCDF. Reconheça-se que pode a Corte examinar aconstitucionalidade de leis, no exercício de sua missão institucional,porém apenas para decidir o caso concreto, ou, nas hipóteses derepresentações com este fim específico, ocasião em que suas decisõesnão terão eficácia erga omnes, mas apenas indicam o norte a ser seguidopelo jurisdicionado, sem obrigá-los nem vinculá-los ao que for decidido.

Não pode, porém, o Tribunal pronunciar acerca daconstitucionalidade de normas quando este for o único e exclusivo objetode processo cuja decisão possua efeito normativo, como é o caso deconsulta.

Consoante estabelecido pelo constituinte originário, noordenamento jurídico nacional apenas o Poder Judiciário (SupremoTribunal Federal em relação à Constituição Federal e Tribunais de Justiçaem referência às Constituições Estaduais e à Lei Orgânica do DF) podeexercer o controle abstrato e concentrado de normas.

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Legítimo seria o exame da constitucionalidade de norma por partedo Tribunal, em sede de consulta, caso não fosse este o objeto principaldo feito. Perfeita a atuação da Corte, nas situações em que, parafundamentar a decisão final, deixa de aplicar determinada norma porconsiderá-la inconstitucional, desde que sua resposta não seja no sentidode se considerar o ato normativo contrário à Constituição, mas apenasapontar que a situação objeto da indagação deve ter esta ou aquelasolução.

A propósito, o Supremo Tribunal Federal vem restringindo apossibilidade de, em sede de Ação Civil Pública, os juízes exercerem ochamado controle difuso de constitucionalidade, exatamente pelo fatode que determinadas sentenças produzidas em sede de tais açõespossuírem eficácia erga omnes. A respeito do tema, cumpre trazer alição de Alexandre de Moraes, ao analisar diversas decisões do PretórioExcelso:

Assim, o que se veda é a obtenção de efeitos erga omnes nasdeclarações de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo em sede deação civil pública, não importa se tal declaração consta como pedido principalou como pedido incidenter tantum, pois mesmo nesse a declaração deinconstitucionalidade poderá não se restringir somente às partes daqueleprocesso, em virtude da previsão dos efeitos nas decisões em sede de açãocivil pública dada pela Lei nº 7.437 de 1985. (in Direito constitucional. 12.ed. São Paulo : Atlas, 2002, p. 594).

Não se está aqui a defender a impossibilidade de o Tribunalapreciar, em abstrato, a constitucionalidade de normas, como o fazcontinuamente ao analisar representações formuladas exatamente comeste objetivo. Neste caso, a Corte, no pleno exercício de sua competência,aprecia a compatibilidade material e formal da norma objeto do processocom a Constituição Federal e/ou com a Lei Orgânica do Distrito Federal,para, ao final, alertar aos jurisdicionados que eventuais atos praticadoscom espeque na norma impugnada não terão respaldo no Tribunal, casoseja considerada inconstitucional a norma em questão. Esta, ademais, aorientação que emana da Súmula nº 347 do E. Supremo Tribunal Federal.

Neste caso, está a Corte, também em caráter profilático,pedagógico, colaborando com a administração pública local, buscando,

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de forma antecipada, evitar que atos concretos sejam praticados combase em norma nula por contrariar as leis fundamentais que regem oEstado brasileiro e o Distrito Federal. Não têm tais decisões eficáciaerga omnes nem possuem efeito vinculante. Não têm os jurisdicionadoso dever de seguir, incondicionalmente, a orientação do Tribunal, podendo,perfeitamente, aplicar a norma caso divirjam do entendimento emanadapela Corte.

Diferente, portanto, das hipóteses de consulta, em que a eficáciageral das decisões do Tribunal obrigam os jurisdicionados a seguirem asrespectivas orientações que se extraem de tais processos. Nesta hipótese,portanto, não se pode analisar a constitucionalidade da norma, casoeste seja o objeto da consulta.

4. CONCLUSÃO

Verifica-se que a consulta é um relevante instrumento de atuaçãodo órgão de controle externo para atuar de forma profilática, buscandoevitar que os gestores da coisa pública pratiquem atos tidos por irregularespelo Tribunal de Contas em razão de equivocado entendimento acercade determinada matéria.

Propicia a atuação cooperativa das cortes de contas, uma vez quese permite que, de forma antecipada, sejam dadas as orientações corretasaos administradores de como agir diante de determinada situaçãohipotética. Representa relevante fator de incentivo à ação pedagógicados tribunais de contas.

Não obstante a relevância da atuação orientadora emanada dasdecisões adotadas em sede de consulta, é vedado às cortes de contasdeliberarem sobre tais processos, quando tiverem como objeto principalindagação acerca da constitucionalidade de determinado ato normativo.Nesta hipótese, a eficácia erga omnes e o verdadeiro efeito vinculanteque possuem as decisões dos tribunais de contas em feitos da espécieobstaculizam a admissão da consulta, uma vez que sua respostaimplicaria invasão de competência constitucional reservada aos órgãosdo Poder Judiciário (STF e Tribunais de Justiça) para realizar controleabstrato de constitucionalidade de normas.

Nada impede, contudo, que, mesmo em sede de consulta, ostribunais de contas deixem de aplicar determinada norma por considerá-

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la inconstitucional, desde que o faça como fundamento para a conclusãofinal do processo. Não sendo a conclusão da inconstitucionalidade danorma a resposta à consulta, mas apenas a razão para explicar oentendimento da matéria pelos tribunais de contas, perfeito será o juízoformulado acerca da questão constitucional.

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EMPREGOS EM COMISSÃO NA ADMINISTRAÇÃO

INDIRETA À LUZ DA CONSTITUIÇÃO DE 1988

Inácio Magalhães FilhoProcurador do Ministério Público de Contas do DF

A temática envolvendo a possibilidade jurídica de criação deempregos na Administração Indireta, sem a exigência do concurso públicoe sem previsão expressa em lei, antepõe teses antagônicas: uma,entendendo plausível a existência de tal instituto; outra, que compreendeo emprego em comissão como figura estranha à Carta Mor.

Antes de adentrar o mérito jurídico do problema ora enfrentado,mister se faz voltar os olhos à forma com que o Estado moderno vemtratando as questões atinentes à sua atuação no convívio social. Issoporque, em linhas gerais, a interpretação a que se procede de um preceitolegal é sobejamente influenciada pela dinâmica estatal.

Desvencilhar-se do patrimonialismo foi, sem dúvida, um dos pilaresda Constituição de 1988. Nota-se, em diversas passagens da Lex Mater, a intenção clara do legislador em liberar as amarras que prendiam oEstado à prática de políticas que submetiam o interesse público aosinteresses particulares de poucos.

Nesse sentido, percebe-se que a Constituição dispensou, no artigo37, série de preceitos que dão contornos rígidos à atuação daAdministração Pública, legiferando, como exemplo, sobre forma decriação de cargos, vencimentos de servidores e regras para compras debens e serviços pelo Estado. Pontificaram-se, inclusive, cinco princípiosbasilares aos quais está submetida a Administração, donde ressai o dalegalidade a funcionar como escudo às investidas vetustas dopatrimonialismo.

A Administração Pública burocrática surge, na metade do séculoXIX, como uma tentativa de combater a corrupção e o nepotismoinerentes ao patrimonialismo. Em realidade, esse modelo concebido por

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Max Weber representava um conjunto de princípios orientadores queimpessoalizam a relação entre administradores e servidores, na exatamedida em que estes passam a compor uma burocracia, ou seja, umcorpo de funcionários profissionais, alheios às indicações políticas,voltados unicamente para o serviço público, tendo por base o exercíciode um poder legitimamente definido em lei.

Dentro da perspectiva abalizada no modelo burocrático, a atuaçãodo Estado passa a ser completamente vinculada a procedimentos rígidos,daí, talvez, exarcebando-se a interpretação muito restrita das normasconstitucionais. De fato, a burocracia weberiana pregava a Administraçãocomo um corpo neutro e impessoal. Todavia, passava a ser extremamenteautoreferida, ou seja, não preocupada com o resultado da atuação estatal.

É de se ver, contudo, que o modelo burocrático sofreu diversascríticas ao longo dos anos1, culminando com a reforma do aparelho doEstado que conduziu a Administração a uma fase que pode serdenominada de gerencial, cujo foco passou a ser o controle dos resultadosda ação estatal.

Nasce dessa nova concepção da Administração Pública o conceitode permitir ao legislador que torne mais flexível a condução da máquinapública. Deriva daí a idéia de adotar, no campo jurídico, interpretaçãosistemática, de forma a permitir mais agilidade aos entes públicos,notadamente aos pertencentes à órbita da Administração Indireta, quenecessitam mais desses ingredientes do que aqueles da AdministraçãoDireta. Evidentemente, tal forma de agir não pode prescindir do liameindevassável da legalidade.

Não obstante a realização de concurso público seja regra parainvestidura em cargos e empregos públicos, a própria Constituição fazressalvas quanto a essa imperatividade.

De fato, dispõe o inciso II, do Artigo 37, da CF que:a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação

prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordocom a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista

_____________1 Segundo Fernando Luiz Abrucio (1996), em resposta à crise do modelo burocrático, surgiram

três teorias, que, ao tempo que se complementavam, se seguiram no tempo, a saber: ogerencialismo puro, o consumerism e o Public service orientation- PSO. Esta última fase preocupa-se em defender as virtudes de políticas de descentralização.

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em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declaradoem lei de livre nomeação e exoneração (destacou-se)

É bem verdade que o texto legal não faz explícita menção aoemprego em comissão. Nem precisava. Veja-se que, se para o cargo emcomissão (oriundo da administração direta) o próprio constituintepossibilitou exceção, qual seria o motivo para não estender esta aplicaçãoaos entes da Administração Indireta, sabidamente mais flexíveis quantoao controle que sobre eles exerce o poder público?

Quer parecer que o conceito de cargo expresso na norma está emseu sentido lato, aí abrangendo também o emprego em comissão.

Discutindo sobre o tema, José Eduardo Martins Cardozo2 analisa:embora o artigo 37, II, da Constituição Federal não inclua

expressamente na exceção que estabelece ao princípio do concurso públicoos empregos de confiança em empresas públicas e sociedades de economiamista, estas hipóteses devem ser por analogia consideradas incluídas nestecampo de excepcionalidade. A mesma ratio que justifica a exceçãoconstitucional para os cargos públicos da Administração Direta e autárquicaaponta para a necessidade desta ser estendida também para as atividadesfuncionais de confiança nas entidades de direito privado.

Questão importante para mapear o debate diz respeito àinterpretação do preceito constitucional. Nesse aspecto, é cediço nadoutrina que a interpretação literal de uma norma não é o caminho maiseficaz para subtrair-lhe a essência. De fato, há que ponderar princípiosde interpretação constitucional para garantir maior correção.

Sob esse prisma, cabe obtemperar que a valoração desses princípiosdeve ser feita caso a caso, observando-se limites e condicionamentosrecíprocos. Trata-se de harmonizar o texto constitucional, porquantodele não pode advir antinomia.

A norma encontrada no artigo 37, da CF, portanto, não podediscrepar de outros normativos insculpidos no próprio textoconstitucional. Tal assertiva decorre, primacialmente, do princípio daunidade da Constituição, que, como defendido por diversosdoutrinadores, sempre sobrepõe-se às regras. De fato, o princípio_____________2 Texto retirado do sítio www.jus.com.br sob o título As empresas públicas e as sociedades de economia

mista e o dever de realizar concursos públicos no Direito brasileiro, consultado em 18/11/2005.

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mencionado resulta em que todas as normas constitucionais devem serinterpretadas de tal maneira que se evitem contradições com outrasnormas também de caráter constitucional.

O princípio da unidade da Constituição impõe ao intérprete, naspalavras de Canotilho3, “buscar harmonizar os espaços de tensãoexistentes entre normas constitucionais a concretizar”. O hermeneutadeve entender a Carta Magna como um sistema unitário de normas eprincípios.

Convém trazer à discussão o tema da interpretação, porque emdiferentes artigos da CF/88 tem-se claramente que o poder constituinteoriginário permitiu a existência do emprego em comissão.

No artigo 54, tem-se que:Art. 54. Os Deputados e Senadores não poderão:

I - desde a expedição do diploma:

a) firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público,autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresaconcessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer acláusulas uniformes;

b) aceitar ou exercer cargo, função ou emprego remunerado, inclusiveos de que sejam demissíveis ad nutum, nas entidades constantes da alíneaanterior.

Ora, vê-se na alínea “b” que a menção a emprego remunerado sópode referir-se a emprego em comissão na Administração Indireta:primeiro, porque o próprio inciso faz remissão à alínea anterior, a qualtrata de empresa pública e sociedade de economia mista; segundo, porquesó tem sentido falar-se em demissão ad nutum para emprego nessasentidades, eis que na iniciativa privada, salvo exceções como aestabilidade provisória, a regra é exatamente a da demissão a qualquertempo, a juízo do empregador.

Se não bastasse o dispositivo citado, cabe também trazer à baila oenunciado do artigo 19, § 2º, do Ato das Disposições ConstitucionaisTransitórias, que, pela clareza, bem elucida o caso:_____________3 Texto retirado da apostila: SOUZA, João Ricardo C. de. Curso avançado de direito constitucional.

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R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 32, t.1 : 81-91, 2006 85

Art. 19. Os servidores públicos civis da União, dos Estados, doDistrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica edas fundações públicas, em exercício na data da promulgação daConstituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenhamsido admitidos na forma regulada no art. 37, da Constituição, sãoconsiderados estáveis no serviço público.

(...)

§ 2º - O disposto neste artigo não se aplica aos ocupantes decargos, funções e empregos de confiança ou em comissão, nem aosque a lei declare de livre exoneração, cujo tempo de serviço não serácomputado para os fins do caput deste artigo, exceto se se tratar deservidor

A tese ora defendida encontra amparo também na Corte de ContasFederal, segundo se pode observar neste excerto advindo do Processonº 010.987/2004-8:

(...)

28. O raciocínio desenvolvido pelo Analista da Serur, citando trechoda manifestação do Analista da Secex/RJ que atuou inicialmente noprocesso, é de que os tais assessores externos não podem constituir funçõesde confiança porque estas são exclusivas dos servidores ocupantes decargo efetivo. Também não são cargos em comissão, porque estesdependem de lei para serem criados. Assim, conclui que não há previsãonormativa para a contratação desses assessores sem concurso público.

29. Entendo que tal interpretação não é a mais adequada.Inicialmente, cabe observar que a redação dos citados dispositivosconstitucionais emprega uma terminologia que usualmente se utiliza paraa administração direta. Fala-se em cargos e servidores (com relação àadministração indireta, os termos utilizados seriam empregos eempregados ou funcionários).

30. A aplicação literal e isolada desses dispositivos com relação àsentidades da administração indireta não se mostra pertinente. Elaconduziria a uma das duas hipóteses: a primeira seria que tais entidadesnão poderiam ter “cargos” em comissão de livre exoneração; a segunda,que tais “cargos” precisariam ser criados por lei. Nenhuma dessas hipóteses

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R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 32, t.1 : 81-91, 200686

é razoável, nem guarda consonância com outros dispositivosconstitucionais.

31. No caso da primeira, é pouco razoável concluir pelainviabilidade de que empresas, sujeitas ao regime privado, e assim,submetidas a menos amarras que os órgãos da administração direta, nãopossam ter esses “cargos” de livre nomeação e exoneração, ao passo queos órgãos mencionados tenham tal prerrogativa. Também há algunsdispositivos da própria Constituição que afastam essa interpretação:

- o art. 19, §2º do Ato das Disposições Constitucionaistransitórias estabelece que o disposto no caput do artigo não se aplicaaos ocupantes de “cargos, funções e empregos de confiança ou emcomissão, ...”. Vê-se que aqui se fala de emprego de confiança ouemprego em comissão, terminologia mais apropriada em relação àadministração indireta, mas que não é utilizada no art. 37. O uso dessaexpressão, todavia, denota que a Constituição reconhece a existênciade ‘emprego em comissão’ (em contraposição a cargo em comissão).

- o art. 54, inciso I, alínea ‘a’ da Carta Magna estabelece que osdeputados e senadores, desde a expedição do diploma, não podem“aceitar ou exercer cargo, função ou emprego remunerado, inclusiveos que sejam demissíveis ad nutum, nas entidades constantes da alíneaanterior”. Entre as entidades referidas na alínea anterior, constam asempresas públicas e as sociedades de economia mista, denotando,mais uma vez, que o constituinte admitiu a existência de empregos,demissíveis ad nutum, nas entidades da administração indireta.

Superada a questão da possibilidade de existência do emprego emcomissão, outro ponto interessante para reflexão diz respeito ànecessidade de lei para a criação de tais empregos. Segundo entendimentojá externado, crê-se que a nomeação do empregado, sem concurso, emempresa pública, é válida desde que, tendo como exemplo do DF, osempregos em comissão estejam previstos no Plano de Carreira Cargos eSalários da Entidade, autorizado pelo Conselho de Política de RecursosHumanos – CPRH , da Secretaria de Gestão Administrativa do GDF edevidamente homologado pelo Governador do Distrito Federal, apósaprovação da Diretoria Colegiada e referendum do Conselho deAdministração.

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R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 32, t.1 : 81-91, 2006 87

Em síntese, não há necessidade de lei para criação do empregoem comissão. Afinal, seria desarrazoado admitir a necessidade de leipara criação de emprego em comissão, quando a própria criação deempresa pública ou sociedade de economia mista prescinde de lei, estritosenso. De fato, apenas a autorização da instituição desses entes dependede lei. É o que diz o comando do artigo 37, XIX, CF, verbis:

somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizadaa instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e defundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreasde sua atuação.

Tal entendimento é alicerçado também no posicionamento do TCUacerca do tema (Processo nº 010.987/2004-8):

(...)

32. A segunda hipótese, de que a criação de “cargos” em comissãonas entidades da administração indireta teria que ser feita por lei tambémnão encontra respaldo. O art. 61, §1º, inciso II, alínea ‘a’, da ConstituiçãoFederal estabelece que são de iniciativa privativa do Presidente da Repúblicaas leis que disponham sobre criação de cargos, funções ou empregospúblicos na administração direta e autárquica ou aumento de suaremuneração. Portanto, a Constituição não prevê a elaboração de lei para acriação de empregos na administração indireta, exceto quanto às autarquias.Se não há necessidade de lei para a criação dos empregos que são providosmediante concurso público, não seria razoável entender que seria exigidalei para a criação de ‘empregos em comissão’, em muito menor número.Dessa forma entendeu o Tribunal quando da prolação da Decisão nº 158/2002 - Plenário.

Note-se que o entendimento externado pelo TCU baseou-se noartigo 61, § 1º, II, a, da Constituição Federal:

(...)

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe aqualquer membro ou comissão da Câmara dos Deputados, do SenadoFederal ou do Congresso nacional, ao Presidente da República, ao SupremoTribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador Geral da Repúblicae aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

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R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 32, t.1 : 81-91, 200688

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República asleis que :

II - disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos naadministração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração.

Claro está que nas disposições da norma não se encontra qualquerreferência à criação de emprego, quer de caráter permanente, quer emcomissão, nas empresas públicas ou sociedades de economia mista,podendo-se afirmar, logo, a inexigibilidade de lei para este mister.

Ponto fundamental nessa análise empreendida diz respeito à clara enecessária utilização do instituto do emprego em comissão. Em realidade,ao defender a tese da possibilidade jurídica da existência do emprego emcomissão, não se está, ao revés, difundindo sua livre utilização.

O administrador público deve ter sempre em mente que não sepode tratar uma exceção como regra, com o fim sombrio de burlar oprincípio da impessoalidade, entranhado na exigência constitucional doconcurso público. Não há liberdade irrestrita para a definição do empregoem comissão. Somente situações funcionais que exijam absolutaespecialização podem assim serem tratadas. É o exemplo de exercíciode funções de assessoria, direção ou chefia, consagradas no textoconstitucional no artigo 37, V.

A esse respeito, inclusive, cabe salientar que o Ministério Públicodo Distrito Federal e Territórios - MPDFT ajuizou Ação Direta deInconstitucionalidade contra os artigos 1º, 2º e 3º da Lei distrital nº2.916/024, pelo fato de que citados dispositivos previam a criação decargos em comissão na Secretaria de Saúde do DF (DFA – 14), a seremocupados por médicos que, em realidade, deveriam ser ocupados porservidores efetivos.

Soam elucidativas as ponderações do MPDFT, constantes dacitada ação:

14. Assim, vislumbra-se inconstitucionalidade no ato de criaçãoartificiosa e indiscriminada de cargos em comissão, que, tal como pretende

_____________4 Esta lei criava 1.500 (mil e quinhentos) cargos comissionados de médico na Secretaria de

Saúde do DF. O Tribunal de Justiça do DF, ao examinar a Adin, suspendeu liminarmente osdispositivos questionados.

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R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 32, t.1 : 81-91, 2006 89

a lei impugnada, na verdade, prestar-se-ia a contornar a regra do concursopúblico. A respeito, veja-se o entendimento do Prof. Márcio Cammarosano(Direito administrativo na Constituição de 1988. MELLO, Celso antônio, coord.São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 173):

• Também a indiscriminada criação de cargos em comissão,por definição de livre provimento e exoneração, prestou-se a contornar a regra do concurso público. Como efeito,está implícito no sistema constitucional que não sãoquaisquer cargos que podem ser declarados de livreprovimento e exoneração, mas apenas aqueles que a naturezadas atribuições cometidas a seus titulares justifica sejamocupados por pessoas de absoluta confiança dasautoridades superiores, como os de assessoria e algumaschefias. Os demais, de cujos titulares nada se deva exigir senãoo escorreito exercício de atividade estritamente profissional,regulamentada ou não, como são, v.g., os cargos de médico,procurador, desenhista, fiscal de obras, auxiliar administrativo,devem ser cargos de provimento em caráter efetivo,observado o necessário e prévio concurso público. (Grifosacrescentados).

15. Igualmente, os atualizadores da monumental obra de HelyLopes Meirelles (Direito administrativo brasileiro, 25. ed., São Paulo:Malheiros, 2000, pág. 382), ao se referirem ao inciso V do artigo 37 daConstituição Federal, na redação que lhe foi dada pela EmendaConstitucional nº 19, promulgada em 4 de junho de 1998, não se olvidaramde que os cargos em comissão destinam-se “apenas às atribuições dedireção, chefia e assessoramento (CF, art. 37, V)”.

16. Portanto, Lei que cria cargos públicos de provimento emcomissão, dispensando o concurso público, quando a natureza dasatribuições a serem exercidas não se caracterizam como estritamentede “confiança”, é inconstitucional, uma vez que consubstancia afrontaaos princípios constitucionais do concurso público, da isonomia, daimpessoalidade, da moralidade, da razoabilidade, da motivação e dointeresse público, insculpidos no artigo 37, inciso II, da Constituição daRepública e reproduzidos no artigo 19 da Lei Orgânica do Distrito Federal.Nesse sentido podem ser colacionadas decisões várias do Supremo

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Tribunal Federal, proferidas, inclusive sob o regime da ConstituiçãoFederal de 1967, na qual não havia uma previsão clara como a do atualinciso V do artigo 37, acerca da destinação dos cargos em comissão(destaques no original).

Exsurge, assim, por evidente analogia, a convicção de que somentepodem ser criados empregos em comissão para funções de assessoria,direção e chefia.

De notar que o TCU também perfilhou esse entendimento,conforme se vê no seguinte excerto, ainda do Processo nº 010.987/2004-8, no qual o Ministro Ubiratan Aguiar assim esclarece:

(...)

34. Entendo relevante ressaltar que não estou a defender que asempresas públicas e as sociedades de economia mista criem, sem quaisquerparâmetros, empregos de livre nomeação. A criação desses empregos estásujeita aos princípios da moralidade, da impessoalidade e tem que seraprovada pelas instâncias competentes. Além disso, eles devem estarrestritos a funções de chefia, direção e assessoramento. No caso em tela,constata-se que foram criados dois cargos por diretor (são seis as diretorias).Considero que esse número se situa dentro de um patamar derazoabilidade, não se vislumbrando que tenha havido algum intuito deburla à regra geral do concurso público.

Há de recordar, ainda, que a usurpação do instituto do empregoem comissão também pode sofrer fiscalização do Ministério Público doTrabalho - MPT e dos Tribunais de Contas, como forma de garantir aaplicação restrita aos termos constitucionais.

O que se pretende com esse raciocínio é preservar o instituto emsi, pois apresenta validade incontestável para o perfeito funcionamentodas entidades da Administração Indireta. Não se pode negar, é verdade,que possam existir abusos. A resolução desse problema, todavia, nãoparece dar-se pelo caminho da inconstitucionalidade do emprego emcomissão.

Dentro da tese até aqui defendida, cabe alinhavar as seguintesconclusões a respeito da matéria:

• a criação de empregos em comissão, na Administração Indireta, nãofere a Constituição Federal, porquanto prevista sua existência no

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próprio texto constitucional, ex-vi dos artigos 37, II; 54, I, “b” ; e 19,§ 2º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias;

• independe de lei, estrito senso, a criação de empregos em comissão,sendo válida tal prática desde que obedecidos os requisitosestabelecidos nos normativos de cada ente federado;

• é pressuposto de existência do emprego em comissão a necessáriaespecialização em funções de assessoria, direção ou chefia, consagradasno texto constitucional no artigo 37, V.

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O TCDF E AS AUDITORIAS

Caio César Alves Tibúrcio SilvaAnalista de Finanças e Controle Externo do TCDF

O Controle é uma função administrativa essencial, assim como oPlanejamento, a Organização, a Direção, a Coordenação.

A palavra controle decorre da contração de dois termos doFrancês: estar defronte (contre) a papéis desempenhados por agentes (rôle).Portanto, controlar é acompanhar o movimento daquele que desempenhaum papel.

O Controle, como não poderia deixar de ser, está presente naConstituição Federal e, por conseguinte, nas constituições estaduais,nas leis orgânicas.

Assim, no que tange ao Distrito Federal, leis maiores definiramque o Tribunal de Contas do Distrito Federal – TCDF, tem funçãoexclusiva de julgar as contas dos responsáveis por dinheiros ou benspúblicos distritais. O TCDF tem, ainda, jurisdição própria e privativasobre: pessoas (físicas ou jurídicas) que utilizem, arrecadem, guardem,gerenciem ou administrem dinheiros, bens e valores públicos ou pelosquais o Distrito Federal responda ou que, em nome deste, assumamobrigações de natureza pecuniária; aqueles que derem causa a perda,extravio ou outra irregularidade de que resulte dano ao Erário; osdirigentes ou liqüidantes das empresas encampadas ou sob intervenção.

Para o cumprimento da função institucional do TCDF, atividadese instrumentos são utilizados, tais como: parecer prévio sobre as Contasdo Governo; análise e julgamento de tomadas e prestações de contasanuais, especiais e extraordinárias; apreciação de atos de admissão depessoal e de concessão de aposentadorias, reformas e pensões; análisesde editais de licitação; consultas e exame de ajustes (contratos,convênios, acordos, termos de cooperação ou outros instrumentos damesma espécie); sistemas administrativos, contábeis, financeiros,orçamentários, patrimoniais e operacionais e respectivas demonstrações;

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sistemas de informação e recursos computacionais, inclusive os utilizadospelo órgão ou entidade fiscalizado; determinação de diligênciassaneadoras; realização de inspeções e de auditorias.

Cabe, aqui, destaque às auditorias. Primeiramente, faz-senecessário distinguir a auditoria da inspeção, atividades que exigem, namaioria das vezes, a presença de servidores do TCDF junto ao órgão ouà entidade.

A inspeção é procedimento de fiscalização com assunto pré-definido. Em tese, é menos complexa do que a auditoria. Comumente,demanda menos tempo e recursos do que a auditoria. Em geral, à luz doRegimento Interno do Tribunal, destina-se a: verificar o cumprimentode deliberação do Tribunal; suprir omissões ou esclarecer dúvidasrelativas a processos e a documentos; obter informações ou dados iniciaisa respeito de denúncias ou representações. Pode ser autorizada peloTribunal, pelo Presidente do Tribunal ou pelo Relator de um processo;e, no caso de exames de editais de licitação, de concessões de serviços,de inexigibilidade e de dispensa de licitação, em face da necessidade deatuação tempestiva e orientadora do Tribunal, a inspeção pode serordenada pelo chefe da unidade técnica, hoje denominada Inspetoria deControle Externo.

Por seu turno, a Auditoria é o exame analítico que, em princípio,envolve questões de maior porte e complexidade. A Auditoria destina-se a constatar, por exemplo, se os procedimentos estão em conformidadecom objetivos e metas fixados no Planejamento (função administrativaessencial) e no Orçamento; e avaliar os resultados da execução (quantoa eficácia e/ou a eficiência e/ou economicidade). Tem por objetivoverificar se a atividade ou projeto ou programa está sendo executadoconforme determinado em leis e em normas (princípios e regras); se hálegalidade e legitimidade nas ações. Por meio de uma Auditoria, pode-se, também, fiscalizar a utilização de bens ou recursos públicos porentidades de direito privado ou por particulares.

As auditorias do TCDF classificam-se em Programadas e Especiais.As Programadas são aprovadas pelo Tribunal para cada exercício, combase em diretrizes estratégicas e operacionais, por meio do Plano Geralde Ação - PGA, instrumento de planejamento geral consolidado. Utiliza-se, para a definição das auditorias e dos respectivos escopos, um ou

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mais dos seguintes critérios: irregularidades verificadas nas contas ouem inspeções e auditorias anteriores, bem como outras de conhecimento;indícios de deficiência nos controles internos; representação deautoridade competente ou denúncia; e, ainda, o resultado dolevantamento decorrente da Matriz de Risco. As auditorias Especiaisdecorrem de demandas específicas, como a denominação indica, quenecessitam de respostas rápidas, não sendo recomendada a espera paraa inclusão do assunto no PGA de um próximo exercício.

A metodologia denominada Matriz de Risco, utilizada para adefinição das Auditorias Programadas, está sendo aprimorada. A Matrizde Risco é um instrumento que utiliza variáveis passíveis de mensuração,no caso informações sobre cada órgão ou entidade. O objetivo é verificaronde devem ser realizadas auditorias em um determinado ano, arelevância e a oportunidade delas.

Segundo critérios e normas da Matriz de Risco, são conferidaspontuações para itens de verificação: materialidade (valores globais dosorçamentos; ativo ou passivo); relevância do órgão ou entidade (inclusiveo papel social); interdependência alta, média ou inexistente em relaçãoa outros órgãos; intervalo de auditorias realizadas na unidade; existênciaou adequação de normas e procedimentos em áreas críticas; existênciaou não de auditoria Interna; inadequação ou inexistência de organizaçãoque proporcione a segregação de funções entre a execução operacional,a guarda de bens patrimoniais e a contabilização; falta ou inadequaçãode sistema e de procedimentos de escrituração que possibilite controlessobre o ativo, passivo, receitas, despesas, custos; pessoal com adequadaqualificação técnica e profissional; mecanismos de avaliação dedesempenho; qualificação da direção (formação e experiênciaprofissional); situação dos administradores em relação ao TCDF (contasanuais e especiais, pendências, multas); rotatividade da Administração;natureza e complexidade das atividades; existência, em período nãoauditado, de transações complexas ou não usuais, materialmenterelevantes, de que se teve notícia; alteração recente e significativa daestrutura administrativa ou do negócio; atividade sujeita a alto grau dediscricionariedade; descumprimento reiterado de determinações doTCDF; e o resultado de auditoria anterior, que contemplou erros e/ouirregularidades significativos.

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O resultado das pontuações conferidas aos referidos itens deverificação é consolidado sob os seguintes títulos: Intervalo de Auditoria,Risco Inerente, Risco de Controle, Desempenho, Integração, Relevância,Materialidade. Ao final, chega-se a um resultado, com a classificaçãodos órgãos e entidades merecedores de trabalho de auditoria emdeterminado exercício.

No exercício do Controle Externo, o TCDF adota as seguintesmodalidades de auditoria: de Regularidade, de Desempenho e Integrada.A Auditoria de Regularidade volta-se para o exame do cumprimento,pela unidade auditada, de leis e normas. A Auditoria de Desempenhotem como objetivo avaliar a economicidade, a eficiência e a eficácia daexecução de recursos, programas, projetos, atividades, sistemasgovernamentais; é também conhecida como auditoria de gestão (para ocaso do setor público) ou auditoria operacional (trabalhos voltados parauma atribuição/atividade específica). A Auditoria Integrada destina-sea avaliar uma instituição, um programa ou uma atividade em toda a suaextensão: processos; sistemas; controles; prestação de contas dos recursosfinanceiros, humanos, materiais e de informação; observância aosprincípios da efetividade, eficácia, eficiência e economicidade e às leis,princípios e regras.

Em regra, uma auditoria possui etapas, a começar pela coleta,estudo e assimilação de informações sobre o órgão ou entidade, oprograma ou o objeto a ser auditado. Esses elementos são recolhidos naliteratura, na legislação, em processos e decisões de tribunais, em sistemasinformatizados, em visita preliminar ao próprio jurisdicionado.

Para a escolha da área, programas ou setores a serem auditados,bem como para se definir a abrangência, o aprofundamento e as amostrasa serem utilizadas, procede-se a uma avaliação dos controles internosdo Jurisdicionado; e ao levantamento dos registros da Pasta Permanentedo órgão/entidade, que cada Divisão de Auditoria do TCDF mantém(notícias, Decisões anteriores, normas). Com base nesse levantamento,elabora-se um Plano de Auditoria, contendo, além das informaçõescolhidas inicialmente, os objetivos geral e específicos, o cronogramados trabalhos, os valores a serem auditados, os recursos a seremempregados.

Durante a auditoria, são elaborados outros Papéis de Trabalho(roteiros; formulários; listas para verificações). Pode-se, a partir de

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problemas identificados, fazer a inter-relação de cada questão a seresclarecida com: informações requeridas; fontes; técnica e metodologiade trabalho (questionários; entrevistas; observação; exame físico;correlações; checagem de dados e informações, inclusive em processos,nos locais da execução e em meios diferentes); e o resultado aguardado.Esclarecimentos necessários são requeridos por meio das conhecidasNotas de Auditoria; solicita-se também informações que deveriamconstar dos processos, tendo em conta os Princípios do Formalismo eda Publicidade.

Alguns mandamentos acerca de auditoria, constantes em leis enormas, podem ser destacados: é proibido ao auditado sonegar processo,informação ou documento; devem ser garantidas condições materiaispara os trabalhos, inclusive conferir prioridade às requisições de cópias,de documentos, de informações; é vedado aos servidores encarregadosda auditoria divulgar elementos sobre os trabalhos; e as irregularidadesde maior gravidade, para providências por parte do TCDF, devem sercomunicadas pelos servidores do Tribunal às chefias imediatas.

O produto final da Auditoria é estampado no Relatório daAuditoria. O Relatório normalmente contém, de início, elementosextraídos do Plano da Auditoria: objetivos; informações e dados sobrea unidade auditada; fiscalizações anteriores e processos relacionados aotema; identificação de valores e da amostra; abordagem e técnicasutilizadas; legislação; e os denominados Achados da Auditoria.

Os Achados de Auditoria são os desvios constatados durante ostrabalhos, ao se comparar os critérios definidos previamente (quanto àlegalidade, legitimidade, economicidade, eficácia, efetividade) com assituações reais. Devem, os Achados, ser: relevantes; úteis para asconclusões; devidamente comprovados; confiáveis; convincentes;documentados.

Ao final do Relatório, os signatários apresentam Sugestões para aDecisão do Plenário do Tribunal. O Relatório é revisado pelas chefiasimediatas da equipe de auditoria e encaminhado ao Relator dos autos.O Relator, nesta primeira fase, pode submeter o trabalho ao crivo doMinistério Público de Contas do DF, cujo representante também faz-sepresente nas Sessões Plenárias.

O Tribunal, quando for o caso, comunica às autoridadescompetentes o resultado da auditoria, usualmente com o envio de cópias

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do Relatório da Auditoria, do Voto do Relator dos autos e da Decisãoadotada pela Corte de Contas, para as medidas corretivas e outrasprovidências; esses documentos, ainda, estão disponíveis na página doTribunal na Internet - http://www.tc.df.gov.br, vinculados ao Processoe à Decisão respectivos, desde que os autos não sejam sigilosos. Pode,ainda, a Corte de Contas, determinar providências imediatas, solicitaresclarecimentos de dúvidas, autorizar diligências ou futura inspeção,remeter cópia dos autos a outras instituições. Em consideração aoPrincípio da Ampla Defesa, é conferido às pessoas arroladas o direitode apresentar outros elementos, antes do julgamento definitivo.

De posse das informações encaminhadas, à luz da Lei Orgânicado TCDF, a autoridade administrativa competente, sob pena deresponsabilidade solidária, tem o dever de adotar providências para aapuração dos fatos, a identificação dos responsáveis e a quantificaçãodo dano (tomada de contas especial). As medidas devem ser tomadasquando a autoridade está ciente, por exemplo, da omissão no dever deprestar contas de recursos públicos; e/ou é sabedora de irregularidades(não-comprovação da aplicação de recursos repassados a outras pessoaspelo Distrito Federal; desfalque ou desvio de dinheiros, bens ou valorespúblicos; prática de ato ilegal, ilegítimo ou antieconômico de que resultedano ao Erário).

Por fim, acerca do servidor que participa de trabalhos de auditoria,espera-se dele: criatividade; discrição; urbanidade; perspicácia; ousadia;atenção; independência; espírito de equipe; zelo profissional; capacitaçãotécnica, às vezes multidisciplinar. Deve, o servidor, ter em conta que ostrabalhos têm como diretriz a melhoria da gestão pública, a melhoriados serviços prestados à população.

A Auditoria, portanto, é procedimento de fiscalização comcaracterísticas próprias, relevante para o Controle.

BIBLIOGRAFIA

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília :Senado Federal, 1988. Disponível em <http://www.tc.df.gov.br/silegispages/ta_02_inter.asp>

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LICITAÇÃO – PARCELAMENTO DO OBJETO

Hugo Alexandre GalindoAnalista de Finanças e Controle Externo do TCDF

Mediante Decisão nº 25/1998, o Tribunal de Contas do DistritoFederal – TCDF redirecionou seus esforços de fiscalização, antesvoltados para a análise de contratos administrativos, para o exame doseditais de licitações promovidas pela administração pública local. Essamudança de rumo mostrou-se acertada, pois, a partir do exame desseseditais, tornou-se possível determinar alterações em instrumentosconvocatórios de licitações públicas que se mostrassem em dissonânciacom a Lei de Licitações ou com os princípios constitucionais que devemnortear as contratações públicas.

Essa linha de atuação possibilitou que fosse ampliada a discussãoacerca de diferentes aspectos da Lei nº 8.666, de 21.6.1993, muitosdeles controversos. Assim, diversas decisões do TCDF, que decorreramde exames promovidos nos editais de licitação do complexoadministrativo distrital, esclareceram dúvidas acerca da aplicação daLei de Licitações, auxiliando a Administração na adequada interpretaçãode diversos dispositivos dessa lei.

Neste trabalho, procuramos trazer uma síntese do posicionamentodo TCDF acerca de um desses dispositivos – o art. 23, § 1º, da Lei deLicitações – que versa sobre o parcelamento do objeto do certame, verbis:

Art. 23. As modalidades de licitação a que se referem os incisos Ia III do artigo anterior serão determinadas em função dos seguintes limites,tendo em vista o valor estimado da contratação:

............................................................................................................................................

§ 1° As obras, serviços e compras efetuadas pela administraçãoserão divididas em tantas parcelas quantas se comprovarem técnica eeconomicamente viáveis, procedendo-se à licitação com vistas ao melhoraproveitamento dos recursos disponíveis no mercado e à ampliação da

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competitividade, sem perda da economia de escala. (Redação dada pela Leinº 8.883, de 1994)

Muito se discutiu acerca do alcance desse dispositivo legal antesde, no âmbito dos Tribunais de Contas, ter sido pacificada a questão nosentido da obrigatoriedade do parcelamento do objeto do certame sempreque essa providência não incorrer em perda de economia de escala. Aesse respeito, cabe destacar, dentre diversas decisões nesse sentido,excerto da Decisão nº 3.530/031 do Tribunal de Contas do DistritoFederal, nos seguintes termos:

III - considerar que o edital de licitação da CP nº 21/2002-CAESBnão guarda conformidade com a Lei nº 8.666/93 e por conseguintedeterminar à CAESB, com fulcro no art. 45 da LC nº 01/94, que:

a) promova o parcelamento do objeto da CP nº 21/2002, na formaprevista no § 1º do art. 23 da Lei nº 8.666/93, com vistas a propiciar aampla participação de licitantes que, embora não dispondo de capacidadepara a execução da totalidade do objeto, possam executar parte do todo,devendo as exigências de habilitação adequar-se a essa divisibilidade.

Como depreendemos do disposto nessa decisão e no própriodispositivo legal em exame, o parcelamento do objeto a ser licitadoconstitui regra, devendo ser adotado sempre que se mostrar técnica eeconomicamente viável. Esse entendimento encontra-se emconsonância com o da Corte de Contas Federal, conforme verificamosdo excerto do Acórdão nº 2561-47/04-2, transcrito a seguir:

9.3.10. adote a adjudicação por itens e não pelo preço global, emdecorrência do disposto nos arts. 3º, § 1º, inciso I, 15, inciso IV, e 23, §§ 1ºe 2º, todos da Lei nº 8.666/93, nas licitações para a contratação de obras,serviços e compras, e para alienações, onde o objeto seja de naturezadivisível, sem prejuízo do conjunto ou complexo, com vistas a propiciara ampla participação dos licitantes que, embora não dispondo de capacidadepara a execução, fornecimento ou aquisição da totalidade do objeto,possam, contudo, fazê-lo com referência a itens ou unidades autônomas,devendo as exigências de habilitação adequarem-se a essa divisibilidade,em consonância ao entendimento deste Tribunal consubstanciado naDecisão nº 393/94 - Plenário - TCU (Ata nº 27/94, DOU de 29.06.94);

_____________1 Sessão Ordinária nº 3762 de 15/07/2003, DODF de 28/07/2003, págs. 15 a 19

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Também a doutrina se alinha a essa tese. Nesse sentido, oadministrativista Marçal Justen Filho2 ensina:

O art. 23, § 1º, impõe o fracionamento como obrigatório. A regraretrata a vontade legislativa de ampliar a competitividade e o universo depossíveis interessados. O fracionamento conduz à licitação e contrataçãode objetos de menor dimensão quantitativa e econômica. Isso aumenta onúmero de pessoas em condições de disputar a contratação, inclusive pelaredução dos requisitos de habilitação (que serão proporcionais à dimensãodos lotes). Trata-se não apenas de realizar o princípio da isonomia, mas daprópria eficiência. A competição produz redução de preços e se supõe quea Administração desembolsará menos, em montantes globais, através darealização de uma multiplicidade de contratos de valor inferior do que pelapactuação de contratação única.

Embora, ao menos aparentemente, o assunto não comportecontrovérsia no âmbito legal, observamos que a correta aplicação dodispositivo em exame constitui enorme desafio para a Administração.Isso decorre da dificuldade em se mensurar os aspectos econômicos dasalternativas de divisão ou não do objeto a ser licitado e, especialmente,da incerteza acerca de qual modelo proporcionará melhores resultadospara o órgão ou entidade contratante.

A primeira dificuldade consiste em identificar a existência deeconomia de escala no objeto a ser contratado. Cabe ressaltar que, pordefinição, a economia de escala é inerente ao incremento da quantidadeproduzida:

Existe economia de escala quando a expansão da capacidade deprodução de uma firma ou indústria causa um aumento dos custos totaisde produção menor que, proporcionalmente, os do produto. Comoresultado, os custos médios de produção caem, a longo prazo. (Bannocket alii, 1977). (18)

Assim, via de regra, grandes empresas que produzem bens, obrasou serviços em grande quantidade, obtêm economia de escala na sua_____________2 Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, São Paulo: Dialética, 2004,

p. 209.

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produção. Numa análise simplificada, quando do aumento da produção,os custos fixos são diluídos em um número maior de unidades produzidas,assim, os custos médios – que constituem o somatório dos custos fixose dos custos variáveis – tendem a ser menores a cada nova unidadeproduzida.

Entretanto, a existência de economia de escala não implica,necessariamente, menores preços para o consumidor ou, no caso emexame, para a Administração. Afinal, a redução de custos decorrente doincremento da escala de produção poderá tanto ser repassada para opreço final do produto quanto ser utilizada para incremento do lucro doprodutor. A opção por uma ou outra alternativa, ou mesmo por umaterceira intermediária entre as duas, irá decorrer, basicamente, do nívelde concorrência existente no segmento de mercado em que se processara venda.

Assim, para que a Administração possa auferir ganhos em suascontratações de maior vulto é necessário que a economia de escala sedê em um ambiente concorrencial, no qual o fornecedor de bens, obrasou serviços seja impelido a repassar os seus ganhos de escala para osseus preços, sob pena de perder a venda para os concorrentes.

A existência ou não de economia de escala no objeto a sercontratado, os diferentes níveis de concorrência em cada segmento domercado de bens, obras ou serviços demandados e as eventuaisexpectativas quanto a atratividade do certame para empresas de outraspraças constituem aspectos a serem observados quando da decisão doparcelamento ou não do objeto. Como se vê, a complexidade dessasvariáveis torna extremamente difícil a decisão a ser adotada nesse quesitoe requer que o administrador público conheça profundamente ospotenciais concorrentes nos diversos segmentos de mercado.

Desse modo, quaisquer estudos que possam ser realizados comvistas a identificar incremento de competitividade ou a projetar eventualeconomia de escala, decorrentes da divisão ou não do objeto a serlicitado, serão limitados em suas conclusões. Essa limitação advém danatural dificuldade em se formular prognósticos e da multiplicidade dedados a serem avaliados.

Esse quadro indica que só o mercado – representado pelaspropostas dos licitantes interessados – pode, efetivamente, demonstrar

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a conveniência da divisão do objeto a ser contratado, de modo a auferiro benefício econômico decorrente do incremento de competição nocertame, ou, alternativamente, da manutenção do objeto como um todo,com vista a tirar proveito da economia de escala que resultaria dessaforma de contratação.

Diante desse quadro, defendemos, quando do exame do ProcessoTCDF nº 1.503/02, alternativa para a solução da questão que ora seapresenta, pois permite à Administração deixar que o mercado indiquea melhor alternativa de parcelamento do objeto a ser licitado:

20. Deve-se reconhecer, no entanto, as dificuldades em se dividir oobjeto de modo ao ‘melhor aproveitamento dos recursos disponíveis nomercado e à ampliação da competitividade, sem perda da economia deescala’, nos termos do art. 23, § 1º, da Lei nº 8.666/93. Essas dificuldadesdecorrem, principalmente, em razão do desconhecimento pela contratantedos custos dos potenciais ofertantes de bens e serviços no mercado.

21. Em determinados tipos de licitações, envolvendo diferentesserviços ou bens, esse problema é facilmente resolvido mediante aadjudicação do objeto por itens. Desse modo, potenciais interessadospodem concorrer no certame apresentando propostas para um, alguns outodos os itens licitados. Entretanto, quando o serviço é único, como nopresente caso, a questão é mais complexa.

22. Esse problema foi enfrentado pelo Decreto nº 3.931, de 19 desetembro de 2001, que regulamentou o Sistema de Registro de Preçosprevisto no art. 15 da Lei nº 8.666/93, e dispôs:

Art. 5º A Administração, quando da aquisição de bens oucontratação de serviços, poderá subdividir a quantidade total doitem em lotes, sempre que comprovado técnica e economicamenteviável, de forma a possibilitar maior competitividade, observado,neste caso, dentre outros, a quantidade mínima, o prazo e o localde entrega ou de prestação dos serviços.

Parágrafo único. No caso de serviços, a subdivisão se daráem função da unidade de medida adotada para aferição dosprodutos e resultados esperados, e será observada a demandaespecífica de cada órgão ou entidade participante do certame. Nestescasos, deverá ser evitada a contratação, num mesmo órgão e

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entidade, de mais de uma empresa para a execução de ummesmo serviço em uma mesma localidade, com vistas aassegurar a responsabilidade contratual e o princípio dapadronização.23. Como se vê, essa norma reconheceu situação fática em que a

divisão de um mesmo serviço em lotes seria tecnicamente inviável. Assim,nesse parcelamento, o número de lotes não poderá ser maior do que aquantidade de endereços da entidade.

24. A mesma norma, no artigo seguinte, busca solucionar a questãoao permitir a cotação parcial de item ou lote, verbis:

Art. 6º Ao preço do primeiro colocado poderão serregistrados tantos fornecedores quantos necessários para que, emfunção das propostas apresentadas, seja atingida a quantidade totalestimada para o item ou lote, observando-se o seguinte:...

25. Ambas as regras, entretanto, não permitem, por si só, umasolução satisfatória para a questão que ora se enfrenta. Isso porque oserviço que se pretende contratar abrange 57 diferentes locais a serematendidos e, há que se reconhecer, que a divisão do objeto em tantos lotespoderia ser antieconômica, pois custos adicionais na administração dessescontratos poderiam suplantar eventual redução de preços contratados.

26. Da essência da norma pode-se, no entanto, extrair orientaçãopara solucionar o caso concreto aqui examinado. Afinal, o Decreto nº3.931/01 estabeleceu regras que permitem ao próprio mercado informar àAdministração acerca da viabilidade econômica da divisão do objetolicitado, vez que permitiu que esse objeto fosse adjudicado tantoparcialmente quanto de forma integral.

27. Feitas as devidas adaptações, o modelo poderia ser tambémadotado na licitação que ora se examina, pois, entende-se não haverimpedimento em serem licitados lotes de serviço e, no mesmo certame,ser admitida oferta global para todo o objeto licitado. Desse modo, garantir-se-ia o melhor aproveitamento dos recursos disponíveis no mercado e aampliação da competitividade, sem perda da economia de escala.

28. Assim, bastaria à Caesb proceder ao estudo da viabilidadetécnica da divisão do objeto do certame, de modo a evitar excessivo

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parcelamento que acarrete custos administrativos injustificáveis. Feito isso,do exame das propostas ofertadas no certame concluir-se-ia acerca daviabilidade econômica desse parcelamento.

29. Esse modelo, quando consideradas as duas hipóteses aventadaspela jurisdicionada em sua pesquisa de mercado – lote único ou quatro lotes,poderia ter duas soluções possíveis: se a soma das propostas de menor preço,apresentadas para cada um dos quatro lotes, for inferior à proposta de menorpreço para o lote único, dividir-se-á o objeto do certame, caso contrário, não.Assim, a viabilidade econômica do parcelamento seria demonstrada pelomercado, assim como eventual prejuízo à economia de escala.

30. A possibilidade de flexibilização das condições do certame jáfoi admitida no âmbito do Processo TC 005.147/95-6, pelo Tribunal deContas da União. Não obstante a tese defendida naquela oportunidadeter se referido à duração dos contratos de prestação de serviços contínuos,questão já superada nestes autos, seu alcance transcende essa matéria,conforme se depreende do teor do Decisão n° 695/96 – Plenário, transcritaa seguir :

2 - Firmar o entendimento de que:

a) a duração dos contratos de que trata o art. 57, inciso II,da Lei nº 8.666/93, deve ser, já de início, dimensionada de modoinequívoco, definitiva e incondicionada, com base na ponderaçãode dados técnicos e objetivos que assegurem que a duração fixada(2 anos, 3 anos, etc.) seja a que melhor se preste à obtenção dascondições mais vantajosas para a Administração, inclusive quantoao preço. Dimensionada esta duração, somente em caráterexcepcional, devidamente justificado e mediante autorizaçãosuperior, o prazo poderá ser prorrogado em até 12 (doze) meses,nos termos do § 4º do referido art. 57 da Lei nº 8.666/93, alteradapela de nº 8.883/94 e pela Medida Provisória nº 1.081/95;

b) nada impede - aliás, é recomendável - que o própriocertame licitatório seja utilizado para se aferir objetivamente quala duração contratual que propicia condições mais vantajosas paraa contratação, inclusive quanto ao preço. Para isso, é bastante quea Administração exija no edital que os licitantes formulem

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propostas alternativas de preços, e, se for o caso, de outrascondições contratuais para as hipóteses de a duração do ajuste, aser firmado ulteriormente, vir a ser fixada (“dimensionada”) em1, 2, 3, 4 ou 5 anos’.

31. As alíneas ‘a’ e ‘b’ acima foram posteriormente excluídas pelaDecisão n° 827/96 – Plenário. Essa medida decorreu da alteração do incisoII do art. 57 da Lei n° 8.666/93, promovida inicialmente pela MedidaProvisória n° 1.500/96, e posteriormente consolidada na Lei n° 9.648, de27.5.98. O fato, no entanto, não prejudica a remissão ao precedente umavez que esse foi invocado apenas com o intuito de exemplificar apossibilidade de flexibilização das regras do certame.

Essa proposição, por encontrar-se fora do objeto principal dediscussão no Processo nº 1.503/2002, acabou não sendo objeto dedeliberação do eg. Plenário do TCDF. Entretanto, posteriormente obteveacolhida dessa Corte, mediante Decisão nº 6.513/20053, proferida noProcesso nº 32.065/2005, oportunidade em que foi recomendado àCaesb que avaliasse a conveniência da adoção do modelo proposto.Naqueles autos, além do arrazoado acima, acrescentamos os seguintesargumentos:

12. Trazida para estes autos, a tese defendida naquela feita torna-semuito oportuna. Afinal, a Caesb embora disponha de estudos técnicosque permitam a divisão do objeto a ser contratado de diferentes maneiras,não dispõe de estudos econômicos que permitam uma melhor avaliaçãode qual seria o melhor modelo para parcelamento da obra. Mesmo queesses estudos houvessem sido feitos, provavelmente seriam muitolimitados, dada a natural dificuldade em se fazer prognósticos sobre osreflexos dos possíveis modelos a serem adotados nos preços a seremcontratados.

13. Entende-se que somente um modelo de licitação quepossibilite ao próprio mercado oferecer diferentes alternativas paracontratação poderá permitir a Caesb contratar com maior eficiência,aproveitando o que de melhor o mercado tem a oferecer. Com esse modelo,seria possível à Caesb tornar atrativa a licitação às grandes empresas

_____________3 Sessão Ordinária nº 3.972 de 13/12/2005.

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nacionais, como pretende, sem, com isso, impossibilitar a participação nocertame de empresas menores, que também poderiam atender a contentoas suas necessidades. Para isso, bastaria um maior parcelamento do objetoe o estabelecimento da possibilidade de apresentação de propostas paragrupos de lotes, que teriam seus valores cotejados com o somatório daspropostas individuais para os lotes que comporiam o grupo.Exemplificando: se para três lotes, pertencentes a um mesmo grupo, aspropostas de menor preço fossem, individualmente, de dez milhões dereais, a soma desses valores seria cotejada com a proposta de menor preçoapresentada para o mesmo grupo. Esta, por sua vez, se sagraria vencedoracaso consignasse valor inferior ao somatório dos menores preços ofertadospara cada um dos lotes que integram o grupo, neste exemplo, trinta milhõesde reais.

14. O precedente estabelecido pelo Tribunal de Contas da Uniãono Processo TC 005.147/95-6, acima citado, demonstra que modelosalternativos como o proposto não constituem afronta ao princípio dalegalidade, pelo fato de não haverem sido expressamente previstos na Leinº 8.666/93. Isso porque a Lei de Licitações, ao estabelecer tanto alternativasde prazos quanto de parcelamento do objeto, não disciplinou a formacomo tais quesitos constariam dos editais de licitação. Desse modo, osmodelos usualmente utilizados pela Administração também não constamexpressamente da Lei de Licitações.

Em que pese a acolhida pelo Plenário do Tribunal de Contasdo Distrito Federal da tese ora defendida, o modelo apresentado aindanão foi posto em prática, o que, esperamos, ocorra em breve. Isso porque,conforme demonstrado, essa forma alternativa de parcelamento de objetoem licitações de maior vulto tem o mérito de garantir a plena observânciado art. 23, § 1º, da Lei de Licitações, proporcionando o melhoraproveitamento pela Administração das condições oferecidas pelomercado.

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O CONTROLE EXTERNO DO PREGÃO EM FACE DA

LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL

Marcos Avelar BorboremaAnalista de Finanças e Controle Externo do TCDF

O Pregão consiste numa nova modalidade de licitação que se destinaà aquisição de bens e serviços comuns, os quais são definidos como deprestação padronizada e tendo o desempenho e a qualidade que possamser estabelecidos de forma objetiva, ou seja, sem alternativas técnicas dedesempenho dependentes de tecnologia mais complexa e específica.

A origem do Pregão, como ensinam alguns doutrinadores, remontaàs Ordenações Filipinas de 1592 e, no Brasil, inicialmente, a sua criaçãofoi prevista apenas para a esfera federal, mediante a Medida Provisórianº 2.026, de 4 de maio de 2000. Somente, em 17 de julho de 2002, foiestendida para os demais entes federativos, com a conversão da Medidaem lei, qual seja, a lei nº 10.520/02. No âmbito do Distrito Federal, oDecreto nº 23.460, de 16 de dezembro de 2002, regulamentou a matéria.

Há quem diga ser o pregão nada mais do que a modalidade delicitação denominada leilão, só que realizada de trás para frente. Talassertiva fundamenta-se no fato de que, no Pregão, a disputa pelofornecimento é feita em sessão pública, por meio de propostas e lancesem ordem decrescente (inversa ao leilão), até que se classifique o licitanteque conseguir oferecer a proposta de menor preço possível para aprestação do serviço ou fornecimento do bem pretendido pelaAdministração.

Entendemos que, quando bem utilizado, o Pregão seja uma dasmodalidades que possibilita maior vantagem para a Administração, umavez que em outras modalidades, o preço ofertado não é necessariamenteo menor possível suportado pelo licitante, configurando-se apenas opreço com o qual ele espera ganhar o certame. Ocorre que, nessamodalidade, se uma série de requisitos não for obedecida o procedimentolicitatório estará comprometido.

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R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 32, t.1 : 111-117, 2006112

Assim, o administrador apenas poderá utilizar o Pregão quando asituação se enquadrar nos termos do § 2º do art. 2º do Decreto nº 23.460/02: “§2º Consideram-se bens e serviços comuns aqueles cujos padrões dedesempenho e de qualidade possam ser, concisa e objetivamentedefinidos no edital, com base nas especificações usuais do mercado.”

Do dispositivo transposto, apreende-se que o desempenho e aqualidade dos bens ou serviços devam ser concisa e objetivamentedefinidos no edital, com base nas especificações usuais do mercado, deforma tal que não haja espaço para alternativas técnicas de desempenhodependentes de tecnologia sofisticada.

Convém, a título de ilustração, trazer o enunciado da Súmula nº177 do Tribunal de Contas da União que assim dispõe:

A definição precisa e suficiente do objeto licitado constitui regraindispensável da competição, até mesmo como pressuposto da igualdadeentre os licitantes, do qual é subsidiário o princípio da publicidade, queenvolve o conhecimento, pelos concorrentes potenciais das condiçõesbásicas da licitação, constituindo, na hipótese particular da licitação paracompra, a quantidade demandada uma das especificações mínimas eessenciais à definição do objeto do pregão.

Devido às características específicas da modalidade Pregão, o beme serviço comum precisam identificar-se com aqueles que poderiam seradquiridos no mercado sem dificuldades e sem maiores investigaçõesacerca do fornecedor. Em outras palavras, a interpretação do conceitode bem ou serviço comum deve fazer-se em função das exigências dointeresse público e da própria natureza da mencionada modalidade.

A grande particularidade dessa nova modalidade consiste em que,enquanto nas outras previstas na Lei nº 8.666/93, a ordem a ser seguidaé de primeiramente se realizar a fase de habilitação e depois, a fase declassificação; no Pregão, ocorre a ordem inversa. Melhor explicitando,primeiramente são apresentados dois envelopes, um contendo aspropostas escritas e outro, a documentação de habilitação. A primeirafase (classificação das propostas) caracteriza-se pela disputa por meiode lances verbais entre o licitante que apresentou a proposta de menorpreço e aqueles cujas propostas estiverem, no máximo, num valor 10%(dez por cento) acima daquela. A segunda fase, a habilitação, é posterior

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a da classificação, da qual participa apenas a vencedora do respectivoPregão.

Logo, torna-se claro que em não se chamando todos os licitantesa participarem da fase de disputa de lances, as planilhas prévias, quefornecem os preços estimados pelo administrador, devem conter valoresos mais próximos possíveis dos de mercado, sob pena de prejuízo para aprópria administração e ofensa ao princípio da igualdade.

Desse modo, enquanto nas demais modalidades de licitação daLei nº 8.666/93, a administração já escolhe a menor proposta, no Pregão,esse preço é obtido ao final da disputa de lances, sendo que somenteparticipam dessa fase a menor proposta ofertada e aquelas que estiverem10% (dez por cento) acima daquela. Se o preço estimado pelaAdministração para o objeto de tal modalidade estiver,comprovadamente, abaixo dos preços de mercado, o preço final obtidoapós os sucessivos decréscimos poderá impossibilitar o cumprimentodo contrato.

Seguindo os ensinamentos de Marçal Justen Filho: “a instauraçãoda licitação, mesmo na modalidade de pregão, pressupõe a elaboraçãode orçamento por parte da Administração. Essa é a base primordial paraavaliação da inexeqüibilidade.” E acrescenta:

Logo, a apuração da inexeqüibilidade tem de fazer-se caso a caso,sem possibilidade da eleição de uma regra objetiva padronizada e imutável.Isso significa que a Administração tem de conhecer o mercado, a composiçãode custos e as características pertinentes ao objeto licitado, de molde aavaliar genericamente o limite da inexeqüibilidade. Mas esse limite terá deser testado no caso concreto 1.

Realmente, ao se seguir a corrente que entende ser o Pregão asolução de todos os problemas do administrador público contratante,esbarra-se em dois grandes riscos a saber.

O primeiro deles consiste em que a sucessiva seqüência de lancescada vez menores pode gerar uma proposta inexeqüível, implicando suadesclassificação nos termos do artigo 48 da Lei nº 8.666/1993 que prevê:_____________1 JUSTEN FILHO, Marçal. Pregão (Comentários á legislação do pregão comum e eletrônico). 3ª ed.

ver. e atual. de acordo com a Lei Federal nº 10.520/2002 . São Paulo: Dialética, 2004,p. 132/133.

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Art. 48. Serão desclassificadas:

I – as propostas que não atendam às exigências do ato convocatórioda licitação;

II – propostas com valor global superior ao limite estabelecido oucom preços manifestamente inexeqüíveis, assim considerados aqueles quenão venham a ter demonstrada sua viabilidade através de documentaçãoque comprove que os custos dos insumos são coerentes com os de mercadoe que os coeficientes de produtividade são compatíveis com a execução doobjeto do contrato, condições estas necessariamente especificadas no atoconvocatório da licitação.

Tal procedimento acarretaria um maior prejuízo para o órgão ouentidade pública que realizou o certame licitatório, considerando queno futuro seja inevitável a rescisão do contrato e a necessidade de novoprocedimento licitatório com todos os custos e esforços correspondentes.

Esclarecendo melhor esse risco, pode ocorrer que na ânsia de sesagrar vencedora, a empresa licitante diminuiria tanto o preço que opatamar atingido não garantiria nem os pagamentos das obrigaçõesbásicas das quais ela não poderia abrir mão, quais sejam, pagamento depessoal, materiais e outras despesas relativas à execução do serviço.

O segundo risco, intimamente ligado ao primeiro, está no fato deque a diminuição excessiva do preço licitado poderia afrontar a LeiComplementar nº 101/2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Essa afronta não é plenamente identificada, uma vez querenomados doutrinadores, habituados a estudarem a Lei de Licitações,nem sempre identificam todos as inovações trazidas pela LRF noscertames licitatórios.

Então vejamos, o artigo 13 da LRF prevê que o Poder Executivodesdobre as receitas previstas em metas bimestrais de arrecadação, coma especificação, em separado, quando cabível, das medidas de combateà evasão e à sonegação. Além disso, o artigo 14 do mesmo diploma legalprevê que a concessão ou ampliação de incentivo ou benefício denatureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estaracompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro noexercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes.

Tais artigos a princípio não teriam relação direta com as licitações.Ocorre todavia, que a intenção da LRF foi de dar maior transparência e

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responsabilidade, sobretudo às despesas efetuadas pelos Poderes daUnião, Estados, Municípios e Distrito Federal. Assim, percebe-se quese uma proposta inexeqüível, obtida na modalidade Pregão para acontratação de serviços pelo administrador público, puder ser executadamediante a sonegação de impostos e contribuições sociais devidas pelaempresa vencedora do certame, os artigos 13 e 14 citados estariamimplicitamente ofendidos, gerando a nulidade do respectivo processolicitatório.

Não bastassem tais restrições, o art. 15 da LRF prevê que “Serãoconsideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público a geraçãode despesa ou assunção de obrigação que não atendam o disposto nos arts. 16 e17”. Considerando que o art. 16 exige a declaração do ordenador dadespesa de que o aumento tenha adequação orçamentária e financeiracom a Lei Orçamentária Anual - LOA e compatibilidade com o PlanoPlurianual - PPA e com a Lei de Diretrizes Orçamentárias - LOA comocondição prévia para empenho e licitação de serviços, fornecimento debens ou execução de obras; decorre que as novas restrições da LRFdeverão constantemente ser observadas em todas as fases doprocedimento licitatório.

Verifica-se um crescimento substancial nas funções das Cortes deContas. Antes da Lei de Responsabilidade Fiscal, as licitações só eramanalisadas quanto à obediência aos princípios administrativos e aosditames da Lei nº 8.666/93. Agora, não basta somente essa análisejurídico-administrativa. Far-se-á também uma análise financeiro-orçamentária, consistente na nova função atribuída aos Tribunais deContas de responsáveis pela identificação de possíveis sonegações ouevasões dos tributos legalmente exigíveis quando das licitações, bemcomo da compatibilidade das novas despesas efetuadas para cada órgãoe entidade pública (desde que submetidas aos rigores da LRF) em facedos instrumentos orçamentários previstos do Plano Plurianual, da Leide Diretrizes Orçamentárias e da Lei Orçamentária Anual. E mais,mesmo que se alegue que determinados tributos não seriam decompetência do ente ao qual a licitação se subordina, é nítida na LRF aintenção de haver uma maior cooperação entre os entes da Federação eentre as entidades dotadas de poder fiscalizatório para que a evasão e/ou sonegação de receitas sejam combatidas.

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O Tribunal de Contas do Distrito Federal abordou algumas dasquestões aqui apresentadas no curso do Processo nº 2145/03, no qualtivemos oportunidade de tecer considerações quanto aos riscos depropostas inexeqüíveis na modalidade Pregão. Por intermédio da Decisãonº 3.670/04, esta Corte decidiu2:

II - determinar, com fulcro no art. 113 da Lei nº 8.666/93 e no art.5º, LV, da Constituição Federal: a) a notificação da empresa licitantevencedora, Matrix Serviços Especializados Ltda., do teor desta deliberação,para, querendo, no prazo de (15) quinze dias, trazer aos autos elementosem defesa do interesse decorrente da escolha de sua proposta,principalmente no tocante à exeqüibilidade, consoante Decisão precedentede nº 245/2004, exarada no Processo nº 1237/2003; b) a notificação doagente citado no § 2º de fl. 210, para trazer esclarecimentos com vistas àregularidade do certame, mormente no que diz respeito à exeqüibilidadeda proposta vencedora, posto que a legalidade da licitação em telaharmoniza-se à diretiva do princípio da eficiência;

Após a análise dos esclarecimentos apresentados pela empresavencedora do certame e pelo pregoeiro, este Tribunal, por meio daDecisão nº 285/053, resolveu:

II - autorizar a Subsecretaria de Compras e Licitações da Secretariade Estado de Fazenda dar prosseguimento ao Pregão nº 357/2003,condicionado à comprovação da aceitabilidade da proposta de menor preçopor meio do exame das composições de custos que expressem os valoresofertados, em observância ao inciso XI do art. 4º da Lei do Pregão,ressaltando que este procedimento dependerá da conveniência eoportunidade da Administração, além da anuência das firmas licitantesem renovarem suas propostas, nos termos do art. 64, § 3º da Lei nº8.666/93, devendo serem comunicadas ao Tribunal as medidas adotadascom a devida motivação;

Verifica-se, portanto, que se compararmos com outros temas, cujasdiscussões já movimentam a doutrina administrativa há muitos anos, amodalidade do Pregão com todas as suas particularidades, que não vinhaocupando um espaço relevante na jurisprudência das Cortes de Contas,_____________2 Sessão Ordinária nº 3.860 de 19/08/2004, DODF de 06/09/2004, págs. 11.3 Sessão Ordinária nº 3.897 de 01/03/2005, DODF de 10/03/2005, págs. 15.

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começa a reverter esse quadro, exigindo, desse modo, maior atenção porparte das entidades de controle.

Ao nosso ver, o próximo passo na busca de um controle externomais efetivo das despesas públicas será uma análise integrada pelasCortes de Contas do País da legislação administrativa e da legislaçãofiscal, sobretudo ilustrada na Lei Complementar nº 101/2000, para queseja ressaltada a importância dos instrumentos orçamentários (PPA,LDO e LOA).

Finalmente, entendemos que o Pregão é uma modalidade quepossibilita inúmeras vantagens para a Administração Pública. No entanto,tal modalidade não pode ser vista como uma solução absoluta, uma vezque a mesma não pode ser utilizada em todas as situações (apenas sedestinando a bens e serviços comuns). E, mesmo que se pudesse utilizá-la, restaria às Cortes de Contas o exame pormenorizado quanto àobediência às restrições previstas na Lei nº 8.666/93 e na LRF que asua utilização implicaria, para que algo, que a princípio pudesse se mostraraltamente vantajoso, não se tornasse meio ainda mais danoso para aAdministração Pública e, de conseqüência para toda a sociedade.

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ANOTAÇÕES AO PODER DE SIGILO DO ESTADO INSCRITO NO

ART. 5º, INCISO XXXIII DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Cláudio Henrique de CastroAssessor Jurídico no TCEPR

1. INTRODUÇÃO

Recentemente foi editada a Lei nº 11.111 de 05 de maio de 2005que regulamenta o inciso XXXIII do art. 5º da Constituição Federal,verbis:

Art. 5º (...) XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãospúblicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivoou geral, que serão prestadas no prazo de lei, sob pena de responsabilidade,ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança dasociedade e do Estado; (grifamos)

O art. 5º da lei infraconstitucional dá poderes ao Tribunal deContas da União para disciplinar internamente a manutenção dasinformações produzidas e pelo princípio da simetria constitucionaltambém se aplica aos Tribunais de Contas dos Estados:

Art. 5º Os Poderes Legislativo e Judiciário, o Ministério Público daUnião e o Tribunal de Contas da União disciplinarão internamentesobre a necessidade de manutenção da proteção das informaçõespor eles produzidas, cujo sigilo seja imprescindível à segurança dasociedade e do Estado, bem como a possibilidade de seu acesso quandocessar essa necessidade, observada a Lei nº 8.159, de 08 de janeiro de 1991e o disposto nesta Lei. (grifamos)

Por sua vez a Lei nº 8.159/91 (antecedida pela Medida Provisórianº 228/2004) dispõe sobre a política nacional de arquivos públicos eprivados e dá outras providências, no que foi exaustivamenteregulamentada pelo Decreto nº 4.553/2002.

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O prazo para a restrição de acesso é de 30(trinta) anos que poderáser prorrogado por igual tempo a teor do § 2º do art. 23 da Lei nº 8.159/91 ou até permanecer confidencial indefinidamente nos termos do § 2ºdo art. 6º da Lei nº 11.111/05, leia-se ad eternum dependendo do tema.

2. DO SIGILO DE ESTADO

O imperador Constantino, mesmo depois de convertido, aborreciaos juízes católicos por se negaram a pronunciar a pena de morte, fiéis aoprincípio do “não matarás”, naquela ocasião o saber dos juristas foipara descobrir os caminhos direitos, pelas vias mais tortas.1 Assim é atarefa de trabalhar com o tema tão sinuoso e delicado do direito aosigilo num Estado que se intitule de Direito e Democrático.2

Inegavelmente os Estados possuem serviço de inteligência e noBrasil sua criação oficial foi em abril de 1956 pelo Presidente JuscelinoKubitschek, denominando-o de Sfici (Serviço Federal de Informaçõese Contra-informação), inspirado no serviço secreto dos Estados Unidosda América e na polarização EUA-URSS no pós-guerra e na doutrina daSegurança Nacional que justificou governos não democráticos naAmérica Latina.3 Desta forma, historicamente, o Estado brasileiro nãose acostumou ao uso democrático dos serviços de informações nainstância pública do poder. A partir de 1988 a democracia bate na portaquerendo entrar.

A questão que se põe é a seguinte: existem sigilos estratégicos deEstado para salvaguardar a própria existência do Estado? A respostainexoravelmente é afirmativa.

Há, por óbvio, escolhas dos setores em que o Estado irá atuar parasalvaguardar sua soberania, interna e externamente. Em outras palavras,a decisão está nas mãos do Executivo e sendo este eleito,democraticamente, está legitimado para fazê-lo. Evidentemente há limites.

Tais limitações envolvem a técnica de ponderação,4 isto é, a técnicade decisão jurídica aplicável a casos difíceis (hard cases)._____________1 CUNHA, Paulo Ferreira da. A Constituição do crime: da substancial constitucionalidade do

Direito Penal. Coimbra: Ed. Coimbra. 1998, p. 97.2 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estado de direito. Coimbra: Gradiva, 1999. Pois o

Estado de Direito observa o princípio de justa medida porque se estrutura em torno de umprincípio material vulgarmente chamado princípio da proibição do excesso.

3 FIGUEIREDO, Lucas. Ministério do silêncio: a história do serviço secreto brasileiro deWashington Luís a Lula (1927-2005). São Paulo: Record, 2005, p. 63.

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3. POSSIBILIDADES DE ATUAÇÃO DO ESTADO E SIGILO DAS DESPESAS

Recentemente a Polícia Federal tem demonstrado muito vigor nocombate a quadrilhas dos mais variados delitos, esta escolha de atuaçãoé por óbvio uma estratégia de Estado em repressão a certos segmentos,inclusive das elites.

Esta é uma escolha de atuação na eterna busca das mãosmanchadas, é Raskolnikov de Crime e Castigo, são quase todos em Asmãos sujas de Sartre e Os Justos de Camus.5

Pode-se, por exemplo, eleger o combate aos crimes do colarinhobranco6 (white-collar crime) possibilidade que deita raiz na RevoluçãoFrancesa que instituiu a igualdade do direito e afastou a impunidadedas classes dominantes, clero e nobreza. Em síntese, a elite não estariaimune à aplicação da lei penal, um sonho ainda para alguns países emdesenvolvimento.7

Com efeito, qualquer que seja o desiderato do serviço deinformações da União e dos aparelhos repressivos policiais da União eEstados-membros no desempenho das suas funções, reflexamente suasdespesas, conforme o caso e o grau de sigilo, ensejarão reserva depublicidade, pois igualmente envoltas por Argus,8 nos termos do art. 5º,_____________4 BARROSO, Luís Roberto. Temas de direitos constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, T.

3, p. 90 Ver ainda: CANOTILHO, Jose Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital. Fundamentos daConstituição. Coimbra: Coimbra ed. 1991, p. 47-50; ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios:da definição à aplicação dos princípios. São Paulo: Malheiros, 2003 e FARIAS, EdilsomPereira. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdadede expressão e informação, Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1996.

5 CUNHA, Paulo Ferreira da. A Constituição do crime: da substancial constitucionalidade doDireito Penal. Coimbra: Ed. Coimbra. 1998, p. 93-94.

6 SANTOS, Cláudia Maria Cruz. O crime do colarinho branco: da origem do conceito e suarelevância criminológica à questão da desigualdade na administração da justiça penal. Stvdiaivridica 56. Boletim da Faculdade de Direito. Coimbra: Coimbra Ed., 2001, p. 33 e ss.

7 SANTOS, Cláudia Maria Cruz. idem, p. 63 e ss: Cabe assinalar que os crimes de colarinhobranco sempre tiveram a idéia do tradicional funcionamento diferenciado da justiça penal,seja pelo julgamento e pelas penas. Assinale-se o tratamento diferenciado quanto às classesdominantes, ver ainda: O Atlas da exclusão social, volume 03: os ricos no Brasil / MarcioPochmann et alii (organizadores). São Paulo: Cortez, 2004, v. 3. p. 25: “As chamadas classessuperiores tendem a ocupar os principais postos-chave na estrutura de comando do poderpolítico econômico, e desfrutam, por conseqüência, de elevado status social.” Isto as imunizaao Direito Penal.

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R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 32, t.1 : 119-122, 2006122

inciso XXXIII da Constituição Federal e sua disciplinainfraconstitucional.

4. CONCLUSÕES

A guisa de concluir, na brevidade que comporta o presente artigo,vislumbramos algumas incertezas, todavia, das convicções podemosdestacar que:

1. as despesas que se relacionem diretamente com tarefas de sigilode Estado possuem publicidade contábil restrita e/ou restringível,alcançadas pelo inciso XXXIII do art. 5º da Constituição Federal e sualegislação infraconstitucional;

2. a regularidade das despesas observará o princípio da justamedida, da razoabilidade e da proporcionalidade, no tripé: adequação,proporcionalidade e proibição de excesso, em decorrência do devidoprocesso legal (substantive due process of law) do inciso LIV do art. 5º daConstituição Federal;

3. não são inexpugnáveis as despesas relacionadas aos serviços deinformação e sigilo do Estado, contudo não devem seguir os processos decomprovação convencionais visto que a atuação do Estado é diferenciadanestas tarefas, nos termos do inciso XXXIII do art. 5º e do §7º do art. 144combinados com o inciso II do art. 71 da Constituição Federal.

_____________8 Argus: semideus do Olimpo que Júpiter encarregou de vigiar os deuses, tinha cem olhos e

numa outra versão possuía um terceiro olho na testa, esta última foi adotada nos papéis doServiço de Inteligência brasileiro, sobretudo nas décadas de 70 e 80, sendo abandonada em2000 in FIGUEIREDO, Lucas. Ministério do silêncio: a história do serviço secreto brasileirode Washington Luís a Lula (1927-2005). São Paulo. 2005, p. 11-13.

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A COMUNICAÇÃO INSTITUCIONAL E A PROMOÇÃO PESSOAL:COMENTÁRIOS DE DECISÃO DA CORTE DE CONTAS DA ITÁLIA

Cláudio Henrique de CastroAssessor Jurídico no TCEPR

1. INTRODUÇÃO

A liberdade de expressão compreende um conjunto de direitosfundamentais insertos na categoria genérica de liberdades comunicativasou liberdades de comunicação.1

Contudo, a proteção constitucional não assenta no postulado deque a comunicação é sempre inócua e inofensiva, esta proteção pode sejustificar em casos em que a comunicação se reveste de carátersocialmente provocatório, ofensivo e mesmo danoso.2 A comunicaçãoinstitucional, espécie do gênero comunicação, é restrita, pois estáduplamente limitada no caput do art. 37, pelo princípio da impessoalidade,e especificamente no §1º do mesmo artigo na Constituição Federal quedetermina seu caráter educativo, informativo e de orientação social:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dosPoderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípiosobedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

§ 1º - A publicidade dos atos, programas, obras, serviços ecampanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo,informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes,símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridadesou servidores públicos. (grifamos)

_____________1 CANOTILHO, J.J. Gomes e MACHADO, Jónatas E. M. “Reality shows” e liberdade de

programação. Coimbra: Coimbra Ed. 2003, p. 14.2 Idem, p. 15-16.

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2. RECENTE DECISÃO DA CORTE DE CONTAS DA ITÁLIA

Partindo da constatação que em ano eleitoral aumentam os gastoscom publicidade e, em conseqüência a exaltação dos Poderesconstituídos, recolhemos recente decisão da Corte de Contas da Itália,consubstanciada na Sentença nº 645/2005 de 20 de outubro de 2005,proveniente da Seção Jurisdicional da Lombardia.3

Em síntese, o Sindaco (espécie de Prefeito que, de regra, não recebesubsídio ou remuneração do Estado) endereçou carta aos cidadãos dacomuna (município) de Rovato no ano eleitoral de 2002 (13.655 cartas),sendo que em outros anos o número foi bastante inferior (4163 em 2001;4386 em 2003), relativamente a tributo municipal.

O Sindaco não poderia concorrer na eleição de 2002, pois estavano seu segundo mandato, mas concorria o vice-Sindaco que nacorrespondência foi enaltecido.

A norma aplicada foi o art. 1º da Lei nº 150 de 07 de junho de2000 que dispõe sobre a atividade de informação e comunicação quetem por finalidade: a) ilustrar e favorecer o conhecimento das disposiçõesnormativas com o fim de facilitar sua aplicação; b) dar conhecimento àsatividades das instituições e seu funcionamento; c) favorecer e promovero acesso aos serviços públicos; d) promover o conhecimento e aprofundaros temas de relevante interesse público e social; e) favorecer os processosinternos de simplificação dos procedimentos e de modernizar o aparatoestatal dos procedimentos administrativos; f) promover a imagem dasAdministrações, não somente na Itália, mas também da Europa e nomundo, noticiando e dando visibilidade aos eventos de importância local,regional, nacional e internacional.

O Tribunal considerou injustificado o gasto público, pois onerouo erário com interesse particular e assim houve a condenação de

3 .095,84 (Euros) para o ex-Sindaco.4_____________3 SEZIONE GIURISDIZIONALE REGIONE LOMBARDIA Presidente: G. Nicoletti –

Relatore: A. Corsetti. Così deciso in Milano, nella camera di consiglio del 22 settembre2005. Depositata in Segreteria il 20.10.2005.

4 CAPELLA, Juan Ramón. Fruto proibido: uma aproximação histórico-teórica ao estudo do Direito edo Estado. Trad. Gresiela Nunes da Rosa e Lédio Rosa de Andrade. Porto Alegre: Livraria doAdvogado, 2002, p.266: anota o autor espanhol: “A mescla do privado e do público nosespaços parasitação do público por sujeitos particulares, assim como a cessão de capacidade

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R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 32, t.1 : 123-128, 2006 125

3. DECISÕES DO TCU E TSE

Neste continente, no Tribunal de Contas da União há decisão naqual se imputou multa pelo desvio dos objetivos institucionais de autarquia:

Acórdão n° 293/2000 – Plenário - Ementa: Auditoria. BACEN.Verificação da economicidade, eficiência e eficácia dos gastos com publicidadee propaganda do Governo Federal e apuração de denúncia acerca do assunto.Veiculação de campanhas desconectadas dos objetivos institucionaisda autarquia. Campanhas comemorativas do Plano Real sem oconhecimento das peças básicas orientadora dos gastos dos recursos peloBACEN e sem autorização expressa da Secretaria de Comunicação daPresidência da República. Utilização de meios de comunicação de massainadequados ao esclarecimento do Programa PROER, com o objetivo dedirecionar a opinião pública no sentido de amenizar a imagem negativado Programa. Celebração de termo aditivo para pagamento de diárias epassagem vedado pelo contrato original. Celebração de termo aditivo paraprorrogação da vigência de contrato para realização de serviços que jádispunham de valor global para execução. Acolhimento das justificativasapresentadas por alguns responsáveis. Alegações de defesa do ex-DiretorAdministrativo do BACEN rejeitadas, em parte. Multa. Determinação.Juntada às contas. Processo nº 000.526/1998-3 (grifamos)

In casu, observou-se o desvio de finalidade e não propriamente apromoção pessoal da campanha informativa.

Outrossim, quando há propaganda institucional, nos três meses queantecedem o pleito, a interpretação do Tribunal Superior Eleitoral é espartana:

Acórdão n° 5304 – Pleno. Recurso Especial. Agravo de Instrumento.Seguimento negado. Agravo regimental. Art. 73, VI, b, da Lei nº 9.504/97. Autorização e veiculação de propaganda institucional. Art. 74 da Lei nº9.504/97. Desrespeito ao princípio da impessoalidade. Basta a veiculaçãode propaganda institucional nos três meses anteriores ao pleito paraque se configure a conduta vedada no art. 73, VI, b, da Lei nº 9.504/97, independentemente de a autorização ter sido concedida ou nãonesse período. Precedentes. O desrespeito ao princípio da impessoalidade,

_________________________________________________________________________de decisão da esfera pública à esfera privada, são características da legalidade adotada pelanova economia política, em condições de debilidade dos sujeitos sociais (como fica dito,cidadãos, trabalhadores, consumidores).”

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na propaganda institucional, no período de três meses anteriores ao pleito,com reflexos na disputa, configura o abuso e a violação ao art. 74 da Lei nº9.504/97. Em Recurso Especial, é vedado o reexame de provas. AgravoRegimental não provido. (grifamos)

4. REFLEXÕES

Entrelaçando as decisões apresentadas, e por amor à brevidade,podemos afirmar e/ou refletir:

1. Na decisão da Corte de Contas da Itália se demonstra o exameprofundo e a investigação técnica sobre os gastos públicos;

O mérito da despesa é enfrentado pela Egrégia Corte de Contasda Itália, exame que no Brasil se tem plenas condições de ser feito5 poiso texto constitucional6 dá os motivos e a finalidade da comunicaçãoinstitucional: “caráter educativo, informativo ou de orientação social”.Entrementes, o vocábulo “promoção pessoal” não é indeterminado a pontode se escusar o enfrentamento da questão.7 Em suma, todos os conceitosda norma têm densidade normativa e não exclusivamente política;8_____________5 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988.

São Paulo: Atlas, 2001, p. 77: assinala a ilustre autora: “Segundo Consuelo Sarria, quando aautoridade administrativa avalia as conseqüências dos fatos e as medidas pertinentes para ocumprimento de suas funções, de acordo com as competências que lhe foram atribuídas pelalei e com vista em lograr os fins de interesse público que lhe são próprios, está avaliando aoportunidade, a conveniência e o mérito de sua própria decisão, quer dizer, está utilizandosua discricionariedade administrativa, tendo a possibilidade de decidir se atua ou não, ou, seo faz, de escolher uma ou outra decisão, “sendo todas válidas para o direito”.

6 BIELSA, Rafael. Los conceptos jurídicos y su terminologia. 3.ed. Buenos Aires: Depalma, 1993,p. 24-25, (tradução livre): “Definir, de de e finire, significar terminar, da fim a uma obra etambém dar limites (finis) a uma coisa, daí o neologismo delimitar como determinar (terminis)(...) As definições são necessária para compreender e diferenciar os conceitos, sobretudoeste último. É também uma exigência da metodologia do Direito.” Ver por todos CARRIÓ,Genaro R. Sobre el concepto de deber jurídico. Argentina: Abeledo Perrot, 1966, p. 13: (traduçãolivre) “Há a linguagem dos textos formalmente revestidos de autoridade, v.g.: os códigos, asleis, as regras administrativas, as regulamentações oficiais de outro tipo, as decisões judiciaisetc..., que se apresentam como a linguagem do Direito.

7 TÁCITO, Caio. Temas de direito público (estudos e Pareceres). Rio de Janeiro: Renovar, v.1. p.488: “O princípio de legalidade se aperfeiçoou na medida em que se passou a exercer avigilância sobre o respeito à finalidade da lei.”

8 DI PIETRO, idem, p. 78: “Após essa reconstituição analítica do ato administrativo, Caio Tácitoconclui que “o poder discricionário é a faculdade concedida à Administração de apreciar ovalor dos motivos e determinar o objeto do ato administrativo, quando não o preestabeleça aregra de direito positivo.” Assim entendemos que, na hipótese em tela, do conteúdo do atodeve ser afastada terminantemente a promoção pessoal, por imposição constitucional.

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Apesar do preceito constitucional (art. 37, caput e §1º C.F.) sersuficiente, há carência da legislação infraconstitucional,9 pois semprehá margem para múltiplas interpretações10 não obstante a clareza dospreceitos;11

2. Questão pouco discutida é a da troca de símbolos quecaracterizam cada gestão governamental, tanto na União, Estados eMunicípios e na Administração Indireta, pois quando advém novogovernante (administrador), é praxe a troca dos símbolos pela novaadministração para “marcar” as características da “gestão”.

3. O aumento das despesas com publicidade nos anos eleitorais,salvo o trimestre proibitivo imposto pelo Egrégio Tribunal SuperiorEleitoral (art. 73, VI, b, da Lei nº 9.504/97) demanda profundo estudo,mormente na eventual regularidade formal dos gastos e o contrapontoda garantia da igualdade de condições no pleito eleitoral com oscandidatos que estão fora da máquina administrativa;12

4.Finalmente, podemos lembrar do dito popular: “quem não évisto, não é lembrado” (out of sight, out of mind), que, em se tratando de_____________9 MORAES, Antonio Carlos Robert. Ideologias geográficas: espaço, cultura e política no Brasil. São

Paulo: Hucitec, 1996, p. 117-118, assevera o autor: “Os consensos restritos, os processoconciliatórios, e o alto grau de transformismo, recortam nossa formação. De Bernardo deVasconcelos (“é preciso parar o carro revolucionário”) a Antônio Carlos de Andrada (“façamosa revolução antes que o povo a faça”) observa-se um profundo acomodamento autoritáriodas elites brasileiras. Daí a grande acolhida das teses conservadoras.”

10 ANDRADE, Manoel A. Domingues de. Ensaio sobre a teoria de interpretação das leis. 4ª ed.Coimbra: Armênio Amado,1987, p.187: assinalou o doutrinador português: “Pois o juiz nãoé autómato de decisões; é um homem pensante, inteligente, e partícipe de todas as idéias econhecimentos que formam o patrimônio intelectual e a experiência do seu tempo. Aojulgar, portanto, o juiz utiliza, e deve utilizar, conhecimentos extra-jurídicos que constituemelementos ou pressupostos do raciocínio.”

11 Ver por todos: ROSENN, Keith S. O jeito na cultura jurídica brasileira. São Paulo: Renovar,1998. E ainda, o fenômeno da mutação constitucional em: FERRAZ, Anna Cândida daCunha. Mutação, reforma e revisão das normas constitucionais In Revista dos Tribunais.Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política. Instituto Brasileiro de DireitoConstitucional. Ano 2, nº 5, out./dez. 1993, p. 5-24. Vide também no Supremo TribunalFederal as decisões: Brasil, Supremo Tribunal Federal, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº1484; Brasil, Supremo Tribunal Federal, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 466.

12 Deixamos para outra oportunidade as interessantes discussões sobre o financiamento públicodas campanhas eleitorais e a reeleição dos poderes Executivo e Legislativo com o vantajosoauxílio da superestrutura do Estado.

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comunicação institucional, não pode se fazer à custa do erário, a exemploda singela decisão da Corte de Contas da Itália.

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ADVOCACIA É SERVIÇO CONTINUADO

(LEI Nº 8.666/93, ART. 57, II)A POSIÇÃO DO TCU

Ivan Barbosa Rigolin

I – O serviço de advocacia pode ou deve ser considerado comode natureza continuada, conforme a expressão da lei nacional delicitações, art. 57, inc. II, ou por outro lado não apresenta essacaracterística de continuidade na sua prestação?

Essa dúvida vez que outra é suscitada na rotina diária daAdministração pública, e o motivo do questionamento é a necessidadede definir a duração dos contratos que o poder público firma, com grandefreqüência, com escritórios de advocacia ou com profissionaisadvogados, autônomos.

Se for contínuo o serviço, a teor do inc. II, do art. 57, da lei delicitações, o prazo da contratação pode ser fixado originariamente comode até cinco anos, ou pode ser menor de início, e o contrato podendoprorrogar-se por iguais e sucessivos períodos até completar cinco anos,em qualquer hipótese admitida outra excepcional prorrogação por atémais um ano além dos cinco, como se lê do § 4º, do mesmo art. 57.

Se não for contínuo o serviço de advocacia, então o prazo nãopode ser aquele, devendo o contrato ser firmado até o final do exercícioou 31 de dezembro (art. 57, caput), ou então, se o objeto corresponder aou inserir-se em alguma meta ou diretriz do plano plurianual do entefederado que contrata (União, Estado, DF ou Município), então poderáser firmado por qualquer prazo compreendido no prazo da meta no PPA,e depois poderá ser prorrogado se e enquanto a mesma meta do PPA forprorrogada, nas renovações anuais da lei do PPA.

II – Serviços continuados são aqueles que, pela sua natureza deindispensabilidade e de essencialidade para a manutenção dos serviçospúblicos, são exercidos durante todo o tempo da contratação, ou então

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aqueles exercidos sem predeterminação dos momentos porém postos àdisposição do contratante a todo tempo em regime de prontidão ousobreaviso, e que correspondem sempre a necessidades permanentes, enesse sentido estáveis, da Administração. Em geral se questiona quem osprestará mas não se serão ou não prestados, pois que isso é inquestionável.

Diferenciam-se dos demais serviços não continuados porque essesem geral se dividem em módulos, fases, etapas, segmentos ou partes, ouentão correspondem a um escopo predeterminado e objetivamentelimitado, enquanto que os serviços continuados são prestados sem essacompartimentabilidade ou essa limitação de objeto.

Desse modo, o serviço de pintura de um prédio não pode ser tidocomo contínuo, pois que corresponde a um escopo que, encerrado,dispensa o serviço até não se imagina quando; o trabalho de estendera fiação elétrica de um ambiente até outro enquadra-se nesse mesmotipo, pois que uma vez encerrado elimina por completo a necessidadeque existia do serviço, e até data incerta no futuro.

Diferentemente, a manutenção de máquinas ou de equipamentos;o aluguel, a locação, o arrendamento ou o leasing do que quer que seja;o trabalho permanente de vigilância, limpeza ou conservação do querque seja; o serviço de propaganda institucional; o serviço de polícia, desaúde à população, de bombeiros, de transporte coletivo; o serviço detelefonia, de gás, de fornecimento de energia elétrica, de água, de acessoà internet, de seguro, de defesa civil, de segurança nacional, e tantosmais, são serviços que precisam existir permanente, inalterável edefinitivamente, correspondendo a necessidades incontornáveis ou doserviço público ou da população – e a esses a lei de licitações denominouserviços continuados.

Visto isso, repete-se a pergunta inicial: em qual hipótese seenquadra o contrato de advocacia: na do inc. II, do art. 57, como serviçocontinuado, ou na do caput e inc. I, do mesmo art. 57 da lei de licitações,de serviço não-continuado?

III – Antes de avançar é preciso ter presente que a advocacia, comodefinida no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, a Lei nº 8.906,de 4 de julho de 1.994, art. 1º, compreende além da postulação noJudiciário (inc. I) as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas(inc. II).

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Quanto a esses últimos serviços, é de imaginar que não possaexistir dúvida alguma sobre a natureza continuada e ininterrupta quesempre cerca a sua prestação.

Não existe consultoria ou assessoria, se contratada pordeterminado tempo ou sem predeterminação de tempo e não pordeterminadas horas de trabalho ativo, que não seja continuada,permanente, ininterrupta, sempre à disposição do contratante, oprestador sempre pronto a prestar o serviço e a atender. Não importa seé mais ou se é menos demandado o prestador, porque o que interessa aocontratante é tê-lo à disposição sempre que necessário, e isso só em sijá caracteriza a continuidade da prestação.1

Não existe consultoria ou assessoria descontínua ou por etapas,fases ou módulos; sempre que contratada por determinado tempo, epaga a cada período certo, durante todo esse tempo é prestada de modocontinuado, na medida em que se pressupõe indispensável a todo tempo.

O que chama a atenção é o primeiro e mais conhecido aspecto daadvocacia, ou seja o trabalho de postulação em juízo, consistente em, emnome do constituinte, mover ações, ou defendê-lo em ações contra elepropostas.

IV – O poder público com freqüência contrata escritórios deadvocacia para prestar objetos como:

serviços técnicos profissionais de advocacia especializada na áreacível (ou trabalhista, ou administrativa, ou constitucional, ou tributária),para atendimento em toda instância judicial, na defesa da entidade,compreendendo as atuais ações em curso e as que vierem a ser propostas.

Não se trata de esbanjamento de dinheiro público em contrataçõesinúteis. Em geral, contratações assim se dão porque existem ações àscentenas envolvendo o órgão contratante e em tramitação na justiça, emuito amiúde é certo que outras ações serão propostas a todo tempocontra o mesmo ente público – e quanto a isso as ações trabalhistas emmuitos casos são mais certas do que ao dia suceder a m noite, e emgrande profusão. A necessidade pública é gritante em casos que tais._____________1 O serviço de bombeiros, que oxalá nunca precisasse ser convocado, é sempre contínuo,

como o é o de saúde à população, prestado pelos órgãos públicos e mesmo por entesparticulares.

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Por outro lado, sabe-se por informações recebidas de entidadespúblicas federais que o e. Tribunal de Contas da União, conformerelatórios de fiscalizações que realiza junto àquelas entidades, entendeque tais serviços de advocacia contenciosa não se enquadram na modalidadede serviços contínuos, esposando a tese de que serviços contínuos sãoaqueles “auxiliares e necessários à Administração”, e “cuja contrataçãodeva estender-se por mais de um exercício financeiro”.

Entende ainda o e. TCU que “A Administração deve definir emprocesso próprio quais são os seus serviços contínuos”. Nesse sentidofoi a manifestação do agente de fiscalização da mais alta corte de contasem uma empresa estatal da União.

Com todo o respeito pelo e. TCU, entidade que muito admiramosdesde longo tempo pelos serviços que presta à nação, e cujos ilustresacórdãos com freqüência constituem vastas lições do melhor direito, esem a mínima intenção de instaurar uma isolada e pouco proveitosapolêmica em torno do tema, o fato é que é preciso tecer algum comentárioàquela conceituação de serviço contínuo expedida pela mais alta corte decontas do país, assim como, de nossa parte, procurar equacionarracionalmente esse assunto.

V - Os exemplos clássico dos serviços continuados são, comoentende o e. TCU, manutenção, vigilância, limpeza, conservação, porémé evidente que esses não são os únicos serviços contínuos existentes.

Vimos que serviços outros, como assessoria, fiscalização, polícia,saúde, bombeiros, ambulâncias e serviços paramédicos, transportecoletivo como ônibus ou transporte público como táxis, seguro, aluguel,locação ou arrendamento, coleta de lixo urbano, fornecimento de água,eletricidade, telefone, gás, internet, serviços de correio, comunicaçãoradiofônica, radar, defesa aérea, todos esse e incontáveis outros serviçosmais, são tam,bem serviços contínuos, imprescindíveis e indispensáveistanto à Administração quanto a todos os administrados. Mas não sepára por aí.

Quanto à advocacia contenciosa, tal qual aqueles serviços restavirtualmente inimaginável que seja descartada da categoria de serviçocontínuo, porque enquanto durar uma ação o advogado constituídoprecisa, por força da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994 - o Estatuto daOrdem dos Advogados do Brasil -, art. 34, inc. XI, prestar seus serviços

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ao cliente que o constituiu, sob pena de denúncia e instauração processoadministrativo disciplinar por abandono da causa, processo aquele quepode resultar até mesmo na exclusão, do profissional, dos quadros daOrdem dos Advogados.

Enquanto durar uma ação, o advogado permanece em regime deprontidão e de sobreaviso para atuar nos autos, o que se não fizerimplicará em negligência punível com suspensão e até, como se disse,exclusão do quadro dos advogados da Seccional da OAB.

Como poderia, então, o serviço de advocacia ser considerado não-contínuo, se a ação judicial é necessária e eminentemente contínua atéo seu trânsito em julgado – o que com freqüência consome 20 (vinte)anos no Brasil?

VI – Se os órgãos públicos que contratam serviços de advocaciasofrem inúmeras ações ao longo dos anos e do prazo do contrato, e se osadvogados sempre têm trabalho a realizar - apenas variando a cada diaa quantidade de petições, de audiências e de outros trabalhosadvocatícios a realizar -, então só o que se pode imaginar é que o serviçode acompanhamento e de patrocínio dessas ações será demandadocontinuada e incessantemente por longos anos, a julgar pelo ritmo deandamento dos processo judiciais no país. Existirá serviço maiscontinuado e permanente do que esse? Pode existir?

Observa-se, aliás, que os serviços advocatícios litigiosos sãocontinuados por força de lei, que é o Estatuto da OAB. Ou seja: enquantodurar a ação, precisa durar o mandato, e o trabalho, do advogado patrono.

Serviço não continuado em advocacia seria, por exemplo, umasustentação oral e nada mais; a elaboração de um recurso e nada maisque isso; a confecção isolada de um parecer, ou de um memorial, ou deuma única petição de outra natureza e nada além disso. Concluídos essestrabalhos casuísticos e pontuais, estaria terminado o serviço, queportanto nada teria de continuado.

Jamais, entretanto, se pode admitir que a pesadíssima advocaciageral, com centenas ou milhares processos em curso, commovimentadíssima atividade em todos os dias de expediente forense aolongo do ano, possam ser tidos como serviços não contínuos. Sãocontínuos do minuto em que o advogado é constituído até o dia em que a açãotermine, ou em que o advogado saia da ação.

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Repita-se: o patrocínio de uma só ação é serviço contínuo porexigência da lei dos advogados – como de resto da mais pura essênciada profissão -, e durará continuadamente enquanto dure a ação. Mas seao invés de uma se cuida inúmeras ações ao ano, isto torna difícil imaginarsequer que a questão tenha sido mesmo suscitada.

Existe evidentemente a possibilidade de a Administração contrataradvocacia externa para uma só ação, e a esse contrato se pode denominarde escopo certo e determinado, porque o objeto nada mais compreende queo patrocínio daquela única, certa e bem delimitada ação, porém mesmonessa hipótese se está diante de serviço continuado, pois que, repita-se,enquanto durar a ação não se imagina como se possa desligar da prestaçãodo serviço o advogado ou o escritório contratado.

Nem se imagina como se poderia dividir esse objeto de patrocíniode ação única em fases ou etapas – ainda que as ações pela sua naturezacontenham distintas fases e etapas dentro da sucessividade de atospraticados em cada instância judicial -, porque para os efeitos de sesaber e se o serviço é ou não continuado não pode existir dúvida de queo trabalho do advogado é continuado do instante em que é constituídoaté o trânsito em julgado da ação, ou até acaso ser desconstituído.

Em resumo, ação judicial é essencial e inseparavelmente, porqualquer prisma sob que se o focalize, e até por força da lei regedora daprofissão do advogado, um serviço continuado, e por causa disso dosmais bem caracterizados nesse sentido, a tal ponto que dificilmente sepoderia indicar exemplo mais perfeito.

VII – Data maxima venia do e. TCU, não nos parece que o serviçopara ser contínuo precise avançar para além do exercício financeiro,porque pode perfeitamente a Administração contratar, em janeiro, oserviço contínuo diário de limpeza ou de vigilância, ou de manutençãoelétrica, de um prédio que ocupa provisoriamente por cinco meses, apósos quais se instalará definitivamente em outra sede. O serviçoevidentemente foi contínuo, mas não avançou pelo outro exercício.

Não nos parece, também, e respeitosamente, que a Administraçãodeva relacionar expressa e previamente todos os seus serviços contínuos,pois que algum novo serviço contínuo – como por exemplo a manutençãode máquinas que nunca existiram antes – pode revelar-se necessário deum dia para outro, e jamais esteve previsto nem sequer suspeitado.

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Por fim, ainda que não seja um serviço-fim do ente público que ocontrata, a advocacia contratada pelo poder público a terceiros constituipara ele um serviço auxiliar e necessário à entidade pública que sempre sevê no papel de ré ou reclamada em juízo, revelando-se muita vezimprescindível até mesmo à solvabilidade ou viabilidade financeira doente da Administração.

No caso das empresas estatais, pode depender desse serviçocontratado até mesmo a sua sobrevivência financeira como empresa,sabendo-se que os passivos trabalhistas no país têm sido historicamenteresponsáveis pela falência, pela inviabilização e pelo encerramento demilhares e milhares de empresas ao longo dos anos.

VIII - Em conclusão, pelo exposto parecem-nos inquestionavelmenteenquadrados nos serviços contínuos, ou prestados de forma continuada,os serviços de advocacia permanente que o poder público contrata aterceiros, visto o movimento anual permanente e incessante da demanda,e a necessária continuidade, até por força da lei dos advogados, queesse serviço obrigatoriamente apresenta.

E, sendo serviço continuado por excelência como já deve terrestado claro, o prazo aplicável às respectivas contratações, licitadas ounão – e a licitação de escritório de advocacia é tema macabro em direitoadministrativo, tão razoável quanto a quadratura do círculo, a geraçãoespontânea, o geocentrismo do sistema solar ou a platitude do planeta-, poderá ser livremente exercitado dentre as possibilidades que o inc.II, e o § 4º, ambos do art. 57 da lei nacional de licitações, ensancham àAdministração pública brasileira.

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LEI Nº 11.196/05MODIFICADA A LEI DE LICITAÇÕES

Ivan Barbosa Rigolin

I – A lei nacional das licitações e dos contratos administrativos, aLei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, foi novamente alterada, desta vezpela Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005, autêntica metralhadoragiratória a atirar em todas as direções e com isso a modificar um sem-número de leis sobre os assuntos mais diversos.

Sem muita importância, nem relevância quase alguma para o temaespecífico das licitações, alteraram-se três artigos da Lei nº 8.666, sejamos arts. 3º, 17 e 24. Mas é sobretudo em decorrência da alteração ao art.24, que versa sobre as taxativas hipóteses de contratações com licitaçãodispensável, a preocupação deste rápido artigo.

II – O art. 3º, da Lei nº 8.666, teve acrescido, ao seu § 2º, o inc.IV, com a seguinte redação: “IV – produzidos ou prestados por empresasque invistam em pesquisa e no desenvolvimento de tecnologia no País.”

O § 2º daquele art. 3º cuida das hipóteses e dos critérios de desempatedas licitações, e já se tem afirmado que rarissimamente algum daquelestrês antigos critérios (art. 3º, § 2º, incs. I a III), agora quatro, alguma vezderam resultado prático, e conseguiram desempatar alguma licitação.

Com efeito, os antigos três critérios já eram em verdade apenasdois, pois que o inc. II mencionava “empresas brasileiras de capitalnacional”, o que era um conceito do art. 171 da Constituição. Com arevogação daquele art. 171 constitucional pela Emenda nº 6, de 15 deagosto de 1995, desaparecendo o conceito desapareceu com ele a eficáciado inc. II, do § 2º, do art. 3º, da Lei nº 8.666, de modo que após a EC nº6/95 restaram somente dois critérios para desempate no art. 3º, os quais,agora com a Lei nº 11.196/05, voltaram a ser três.

Sejam dois, três ou quatro, entretanto, pouco têm servido os incisosdo § 2º, do art. 3º, pois que praticamente sempre as licitações se

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desempatam por sorteio, conforme determina o art. 45, § 3º, da lei delicitações, sempre que falhar o art. 3º. E falha sempre desde a edição daLei nº 8.666, já que é praticamente impossível acontecer na práticaalguma hipótese dos agora quatro incs. do § 2º, do art. 3º, da lei delicitações.

III – Mesmo assim, o comentário que se pode tecer ao novo inc.IV é o de que se ocorrer de em alguma licitação, na modalidade que for,do tipo que for e do valor que for, empatar o julgamento de propostasrelativas a bens produzidos, ou a serviços prestados, por duas ou maisempresas, e se alguma das empatadas porventura puder demonstrar queinveste em pesquisa no país, ou que investe no desenvolvimentotecnológico brasileiro, então a licitação se desempatará obrigatoriamenteem favor dessa, independentemente do que prescreve o art. 45, § 3º,sobre sorteio, pois que nesse caso prevalece o critério do art. 3º, peloque se lê da combinação dos §§ 2º e 3º, do art. 3º, da lei de licitações.

E se então, após a proclamação da empresa vencedora, restaremmais empresas empatadas, o sorteio será a única forma de classificar apartir do segundo colocado até o último, o que é sempre necessárioproceder já que é preciso ordenar todas as empresas classificadas, daprimeira à última, em qualquer licitação que se realize, pois que,observada a ordem, a segunda, a terceira, e até a última, poderão vir aser convidadas a contratar, em caso de fracassar, por algum motivo, ocontrato com a primeira.

A hipótese é remotíssima de se conseguir empregar o art. 3º paradesempatar alguma licitação no país como se disse, porém, de qualquermodo, todo meio de prova de que a empresa empatada se enquadra nodisposto do inc. IV, do a § 2º, do art. 3º, poderá ser por ela utilizada emseu favor, se o improvável empate se der.

IV – A alteração ao art. 17 foi vasta, e como praticamente tudoque se refere ao art. 17, é rigorosamente inexplicável na lei de licitações.E está cada vez pior o panorama, porque o legislador federal ampliou amatéria do art. 17, que constitui um verdadeiro corpo estranho dentroda lei – algo como um cancro ou um quisto maligno e positivamenteindesejável.

O assunto do art. 17 é uso e alienação de bens públicos, e essamatéria jamais deveria constar da lei de licitações, porque a licitação nesse

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caso constitui apenas um detalhe de quinta importância, ou menor queisso, já que as demais regras de alienação, que são o que realmenteimporta disciplinar, devem constar de outros diplomas organizacionaisdos diversos entes federados, como a Constituição Federal e leis de usode bens federais para a União, as Constituições e as leis estaduais paraos Estados (e os equivalentes diplomas distritais para o Distrito Federal),e as leis orgânicas do Municípios para esses entes da federação.

A inadequação do art. 17 é tanta, na lei de licitações, que alicitação para a venda de bens imóveis pouquíssimo tem a ver com a Leinº 8.666, como por exemplo no tocante à habilitação. Como se imaginaralguém se habilitar para comprar um imóvel? Habilitar quanto a quê, eno quê? E a classificação das propostas, para que serviria senão parainformar qual a proposta vencedora?

As licitações para venda de imóveis precisariam ser objeto delegislação específica, que nada tenha com as regras gerais de licitaçãopara aquisição, da Lei nº 8.666, e talvez desse modo a ordem jurídicaseria menos agredida pelos medíocres e ignorantes autores e modificadores doart. 17 da lei de licitações, que continuadamente agridem a consciênciajurídica nacional.

IV – Tão ruim é o art. 17 que até o dia de hoje vigora contra a suaeficácia uma medida liminar deferida pelo Supremo Tribunal Federal naADIn nº 927-3, no dia 3 de novembro de 1993, prestes a comemorar seudécimo-terceiro aniversário. Essa liminar, a única medida judicial deferidacontra a Lei nº 8.666 até o dia de hoje, suspende a execução de quatrodispositivos do art. 17 para Estados, DF e Municípios, por afronta dalei à autonomia organizacional dessas entidades federadas.

Em verdade é muito mais que isso, pois que todo o art. 17 não tema mínima aplicabilidade para Estados, Distrito Federal e Municípios, por aquelasrazões de invasão de competência legislativa na auto-organização dos entes federadosque não a própria União. E mesmo para a União o artigo é terrivelmenteruim, qualidade de que somente o legislador federal não se apercebe,pois que com a Lei nº 11.196/05 acaba de aperfeiçoar e rematar agrandíssima barafunda que já existia.

De licitação pouco tem a Lei nº 11.196/05, mencionandolegitimação de posse na al. g, ao inc. I, do art. 17, que introduziu; no § 2ºcuida de título de propriedade e direito real de uso de imóveis, informando

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dispensada a licitação nas duas hipóteses que menciona nos incs. I e II;introduzindo o § 2º-A, que nada diz sobre licitação mas apenas sobredispensa de autorização legislativa, e também, como se a desgraça anteriorfora pouca, introduzindo também o § 2º-B, que lembra direito agrário,mas nunca licitação.

Na lei de licitação, dificilmente alguma modificação poderia serpior. Trata-se de obra de verdadeiros alienados do direito, tanto quantoos autores do art. 17, que como aqueles não fazem a mais remota idéiado que seja a separação de matérias em uma lei estatutária ounormatizadora de um único assunto, como a Lei nº 8.666. Lendo o art.17, o aplicador consciente sente na pele o que é ter vergonha de serbrasileiro.

Todo o péssimo art. 17, repita-se, aplica-se apenas à União, e não aosoutros entes federados, cuja fonte de direito para uso de bens é sempreregra sua peculiar e específica, jamais a lei nacional de normas geraissobre licitação.

V – Mas a mais importante modificação da Lei nº 8.666 pela Leinº 11.196/05 foi a inclusão de mais um inciso ao art. 24, o inc. XXVII,acrescido pelo art. 118 da lei de 2005.

Por este inciso a lei de licitações passou a declarar dispensável alicitação “para o fornecimento de bens e serviços, produzidos ouprestados no País, que envolvam, cumulativamente, alta complexidadetecnológica e defesa nacional, mediante parecer de comissãoespecialmente designada pela autoridade máxima do órgão.”

Tal significa que sempre que a União – e apenas a União, porquedefesa nacional é tema exclusivamente respeitante à União – pretendercontratar serviços, ou contratar o fornecimento de bens, ambos nacionais enão estrangeiros, destinados a algum objeto concernente à defesa nacional,e sempre que esse objeto envolver alta tecnologia, então a autoridade máximado órgão contratante deverá designar uma comissão especial que ofereçaparecer sobre o atendimento e de todos esses requisitos; feito isso, poderácontratar a empresa indicada, ou o profissional respectivo, com dispensade licitação.

A autoridade máxima, referida no dispositivo, variará de Poder paraPoder – se bem que qualquer ato de gestão da defesa nacional incumbeprecipuamente ao Executivo, como não poderia ser diferente –, ou ainda,

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se for o caso, variará conforme a natureza da entidade autárquica,fundacional ou empresarial (paraestatal) contratante, cada qual delascom sua estrutura e sua chefia máxima pré-estabelecidas. O parecerdaquela comissão especial deverá pronunciar-se afirmativamente ao menosquanto a dois aspectos: primeiro, que a questão de fato envolve ou afetaa defesa nacional, e, segundo, que o objeto pretendido, seja serviço,sejam bens, envolve alta ou complexa tecnologia. Para isso último, seaquela constatação não for óbvia e notória, então a comissão precisarácontar com laudos, pareceres, atestados, certidões ou quaisquer outrosdocumentos demonstrativos da natureza complexamente tecnológicado objeto.

Assim, caso o objeto pretendido for estrangeiro, ou caso nãoenvolva alta tecnologia ao menos em parte, ou caso não se refira a defesanacional, em ocorrendo qualquer dessas hipóteses então não se aplicaráeste inc. XXVII, que exige a cumulatividade de tudo aquilo para poderser exercitado. A competência da autoridade máxima, facilmente sedepreende do texto, é indelegável para determinar a contratação.

Por fim, por inexigência do texto, nenhuma relação necessária coma aplicação deste inciso tem o Conselho de Defesa Nacional, referidono art. 91, da Constituição, e de resto também na Lei nº 8.666, art. 24,inc. IX; aplica-se este inc. XXVII, portanto, sem obrigatória oitiva doCDN, o que não deixa de oferecer curioso contraste entre este inc. XXVIIe aquele inc. IX, ambos deste art. 24, um dispositivo a exigir a oitiva doCDN e o outro não, sendo que ambos têm em vista objetivos estratégicos,pois que relativos à defesa nacional.

VI – Com mais este inciso reforça-se a tese de que a Lei nº 8.666é a lei da não-licitação, ou da licitação excluída, quase justicando amodificação da própria Constituição Federal, art. 37, inc. XXI, para quepasse a prescrever que “a licitação é dispensável, salvo quando a lei nãose lembrou de fazê-lo”. E que, positivamente e em definitivo, licitaçãonão interessa ao governo.

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PREVIDÊNCIA E REGIME PRÓPRIO – DEVOLUÇÃO

ADMINISTRATIVA DE CONTRIBUIÇÕES INDEVIDAS –APOLOGIA DOS PRINCÍPIOS DE DIREITO

Ivan Barbosa Rigolin

Previdência. Contribuições sobre parcelas não permanentes nem incorporáveisà base de cálculo da aposentadoria. Antijuridicidade. 1. Se já não tinhacabimento nem mesmo anteriormente à EC nº 20/98 e à EC nº41/03, muito menos se admite, após o advento de tais emendasconstitucionais, qualquer desconto previdenciário, em regimepróprio de servidor público, que incida sobre parcela que não seráutilizada no cálculo da futura aposentadoria. 2. Está definitivamenteconsagrado na Constituição o princípio da contraprestação, segundoo qual não pode ser imposto ao segurado desconto sobre base quenão o aproveite nos futuros benefícios, pois que nessa matériaprevidenciária não se admite contribuição sem proveito aocontribuinte.

I – A questão que e propõe, em resumo, é a seguinte: pode serdevolvido administrativamente aos segurados contribuintes de um institutoprevidenciário próprio de um Município, e aos respectivos entes patronais, o montantedas contribuições que incidiram à ocasião sobre o total da remuneração daquelessegurados, a qual incluía vantagens transitórias que jamais serão utilizadas nocálculo das suas aposentadorias ?

O caso é real, e no Município em questão ocorreram descontossobre verbas não permanentes e não incorporáveis ao vencimento dossegurados, como horas extras, funções gratificadas, remuneração decargos em comissão, adicional de risco de vida auxílio-alimentação.

Todas essas verbas, transitórias e impermanentes por definição eem essência, pelo atual regramento constitucional jamais serão aproveitadaspelos contribuintes - que servidores ocupantes de cargos de provimentoefetivo - para fins de aposentadoria, porém mesmo assim, por força de

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uma lei local que depois foi modificada, foram consideradas paraincidência de contribuição previdenciária ao regime próprio.

Aqueles servidores, que haviam contribuído sobre aquela baseampla e indiscriminada, após a modificação da lei passaram a pleitear adevolução administrativa daquelas contribuições, mesmo sem autorizaçãode lei, por entendê-las indevidas.

Assim, se por uma lei incidiu a contribuição ampla e indiscriminada,e se por outra lei cessou de incidir, poderia agora, administrativamente esem lei específica a autorizar a medida, ser devolvido tanto aos seguradosc quanto aos seus entes patronais o excesso inaproveitável de contribuição?

II – Por ousado ou temerário que possa parecer, e desde já, simnos parece ser a resposta, pelo que se passa a expor.

III – Esta questão proposta se resolve não pela aplicação de literaisdisposições da Constituição ou de leis, porém pela incidência deimportantíssimos princípios de direito, tanto constitucionais quanto legais,e quanto ainda doutrinários, extraídos de regras constitucionais e legais.

Tais princípios sujeitam a Administração pública de modopermanente, incondicional, incontornável e inafastável, vale dizer demodo absoluto. E neste momento se torna compreensível por que autorestão ilustres quanto, dentre outros, Wladimir Novaes Martinez e MauroRoberto Gomes de Mattos concentraram sua atenção sobre os princípiosde direito, o primeiro escrevendo soberbamente sobre os princípios dedireito previdenciário, e o segundo, com não menos empolgamento, sobreos princípios de licitação. O tema dos princípios de direito merece, defato, atenção maximamente concentrada.1

Com todo efeito, o conjunto dos princípios constitui um arcabouçojurídico instransponível, um sólido ordenamento só em si, um amploconglomerado de imposições comportamentais, um complexo normativoque, por mais abstrato que de início ou visto de soslaio possa parecer,em verdade se constitui no mais denso e rígido regramento de condutaque se possa conceber.

IV – Não é por acaso que desde tempo imemorial toda a melhordoutrina do direito público, em uníssono e sem jamais pestanejar,_____________1 Cf. de MARTINEZ, Wladimir Novaes. Os Princípios de direito previdenciário. 3ª ed. São Paulo :

LTr, 1995, e de MATTOS, Mauro Roberto Gomes de Mattos. A Licitação e seus princípios najurisprudência. Rio de Janeiro : Lumen Juris, 1999.

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proclama aos quatro ventos e a todos os quadrantes do universo jurídicoque é mais grave transgredir um princípio que violar uma norma.

Poder-se-ia procurar o pai dessa inigualável formulação, mas essaseria uma inútil empresa porque sínteses assim tão magistrais, e tãoprofundamente concebidas a abarcantes, nunca têm apenas um pai, masantes uma legião de autores a disputar a gloriosa autoria.

O fato é que diversos juristas da maior qualidade emprestam atodo o tempo sua inteligência e seu discernimento para fundamentar aassertiva, e dentre esses podem-se selecionar alguns como DiógenesGasparini, que citando Celso Antônio assim disserta sobre o tema:

Os princípios são mandamentos nucleares de um sistema, seuverdadeiro alicerce, disposição fundamental que se irradia sobre diferentesnormas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exatacompreensão, ensina Celso Antônio Bandeira de Mello (RDP.15:284).Sendo assim é certo que “violar um princípio é muito mais grave quetransgredir uma norma. A desatenção ao princípio ofensa anão a umespecífico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos.É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme oescalão do princípio violado, porque representa insurgência contra todo osistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissívela seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra”, afirma essenotável administrativista (RDP, 15:284). Mesmo assim sua aplicação não éabsoluta, nem se pode afirmar que entre eles há hierarquia. (In Direitoadministrativo. 10. ed. São Paulo : Saraiva, 2005, p. 7)

Observe-se a ênfase deste autor citado, Celso Antônio, aopretender que afrontar princípio representa insurgência contra todo o sistema,subversão de sus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouçológico e corrosão de sua estrutura mestra. Não poderia ser mais eloqüente,nem revelar-se mais inconformado com eventual desatenção a princípiode direito.

V – José Afonso da Silva é outro que cita Celso Antônio, paraquem princípio é

mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele,disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas,compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensãoe inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema

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normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.” (InCurso de direito constitucional positivo, 17. ed. São Paulo : Malheiros, 2000, p. 95,nota de rodapé),

sendo que o próprio José Afonso ensina que “Os princípios sãoordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas” (mesmaobra, p. 96), e transcreve a lição de Canotilho e Vital Moreira, paraquem os princípios de direito constituem “núcleos de condensações nosquais confluem valores e bens constitucionais” (mesma obra, p. 96).

VI – Leonardo Motta Espírito Santo em importante artigointegrante de obra conjunta, ensina que

Princípio enseja a idéia de principal, primeiro em importância,proposição diretiva, às quais se subordinam todo o desenvolvimentoulterior. Neles, estão inseridas as diretrizes do ordenamento jurídico. Sãoas bases nas quais se alicerçam os institutos e normas jurídicas. (In Direitoadministrativo, na obra Curso prático de direito administrativo, coordenada porCarlos Pinto Coelho Motta. 2. ed. Belo Horizone : Del Rey, 2004, p. 11).

Esse autor menciona ainda, sobre o mesmo tema, outrosdoutrinadores do naipe de Diogo de Figueiredo Moreira Neto e GeraldoAtaliba, assim:

Diogo de Figueiredo Moreira Neto, sobre a observância dosprincípios, posiciona-se: “como os princípios são normas portadoras dosvalores e dos fins genéricos do direito, em sua forma mais pura, explica-seporque sua vedação tem repercussão muito mais ampla e grave, do queuma transgressão de normas preceituais, que os aplicam às espéciesdefinidas pelos legisladores, venha ou não, tais princípios, expressosexplicitamente na ordem jurídica, bastando que nela sejam expressosimplicitamente.

O notável Mestre Geraldo Ataliba discorre com perfeição:Princípio é, pois, por definição, mandamento nuclear de sistema,

verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobrediferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para asua exata compreensão e inteligência, precisamente porque define a lógicae a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhes a tônica que lhedá sentido harmônico. (mesma obra, p. 11/2)

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VII – O mesmo Leonardo Motta Espírito Santo, citando aindaAgustín Gordillo, Hans Kelsen, José Afonso da Silva e Juan ManuelTeran prossegue no deslindar dos princípios até mesmo em nota derodapé, tão rico à reflexão se revela esse assunto:

Agustín Gordillo – notável mestre de Direito argentino – ensinaque o princípio é ao mesmo tempo norma e diretriz do sistema,informando-o visceralmente (Introducción al Derecho Administrativo, vol. I.p. 176), e demonstra que mesmo as normas constitucionais não têm igualeficácia, mas, pelo contrário, se estruturam de forma piramidal, comoentende a escola de Viena, liderada pelo incomparável Kelsen. Aliás, JoséAfonso da Silva (Aplicabilidade das normas constitucionais) dá a melhordemonstração prático-teórica da robustez desse postulado. O princípioaponta a direção, o sentido em que devem ser entendidas as normas queneles se apóiam e ressalta não poder o intérprete extrair conclusão quecontrarie um princípio, lhe comprometa as exigências, ou lhe negue asnaturais conseqüências. Por isso, Juan Manuel Teran compara o princípioao alicerce de um edifício, já que suporta e lhe dá consistência. (mesmaobra, p. 12, em nota de rodapé).

Maria Sylvia Zanella Di Pietro é mais uma notável cultora dodireito público para quem

Sendo o direito administrativo de elaboração pretoriana e nãocodificado, os princípios representam papel relevante nesse ramo do direito,permitindo à Administração e ao Judiciário estabelecer o necessárioequilíbrio entre os direitos dos administrados e as prerrogativas daAdministração. (In Direito administrativo, 12. ed. São Paulo : Jurídico Atlas,2000, p. 67).

VIII – E ainda Maria Sylvia, prestigiando a definição de CretellaJr., cita-o importantemente para o tema dos princípios de direito:

Princípios de uma ciência são as proposições básicas, fundamentais,típicas que condicionam todas as estruturações subseqüentes. Princípios,neste sentido, são os alicerces da ciência. É o conceito de José CretellaJúnior (Revista de Informação Legislativa, v. 97:7, in mesma obra, p. 66,com destaque original).

E, para encerrar um rol de doutrinadores que poderia prosseguirquase até o infinito neste riquíssimo tema dos princípios de direito e de

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seu significado na condução da Administração pública, Celso RibeiroBastos sente que

Nos sistemas normativos é possível fazer a identificação de doistipos de normas. Algumas são simples regras jurídicas, limitando-se areger a hipótese para a qual foram elaboradas. Outra, porém em razãosobretudo do grande teor de abstração que assumem, funcionam comoautênticos princípios, isto é, têm o seu raio de atuação distendido porsobre uma sem-número de normas-regras.

Por exemplo: o dispositivo que confere maioridade civil aos vintee uma anos é uma norma-regra. Já aquele que diz que o Brasil é umaRepública encerra um autêntico princípio. É uma norma-princípio. Istosignifica que ela subjaz a uma série de outra normas que, no fundo, sãoimplementadoras do princípio. A eletividade dos governantes, aperiodicidade dos mandatos , são todas regras que dão concretitude aoprincípio republicano. Não há hierarquia jurídica entre as meras normas e osprincípios. Aquelas, contudo, hão sempre de ser interpretadas de molde adar a maior eficácia possível ao princípio a que se encontram sujeitas.

Os textos constitucionais, via de regra, contêm diretrizes básicas aguiar todo o ordenamento jurídico de um Estado. Essas diretrizescorporificam,. de fato, os princípios constitucionais, que se irradiam portodo o sistema constitucional, conferindo-lhe racionalidade e norteandoo processo de interpretação da Lei Maior. (In Curso de direito financeiro e dedireito tributário. São Paulo : Saraiva, 1991, p. 106).

IX – Podem ser desde logo extraídas algumas conclusões acercado que em síntese pensam os autorizadíssimos juristas transcritos sobreprincípios de direito, como por exemplo as seguintes, em palavras livrementeenunciadas:

a) princípios são mandamentos nucleares de um sistema jurídico. Nadapode ser mais importantes do que isso, nem mais relevante para ditar asnormas integrantes do próprio direito, do próprio sistema s jurídico. Osprincípios estão na base das normas concretas e objetivas, informando-as de seu conteúdo principal e orientando a sua elaboração e a suaproliferação dentro do ordenamento positivo;

b) se os princípios são ordens nucleares de um sistema, com issoe por isso constituem o regramento primigênio, ancestral, basilar e

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matricial de todo o direito escrito. Integram e compõem o arcabouçodas regras que se lhes seguem a informação originária, indivisível, eimaterialmente oniabarcante;

c) os princípios constituem o alicerce ideal de toda norma,responsável pela sua higidez e autonomia dentre as instituições jurídicas,e como numa qualquer construção representam o seu projeto e a linha-mestra de condução daquelas. São-lhes o fio condutor – o leitmotif dosalemães –, sem o qual nenhuma regra objetiva se sustenta no mundosocial ao qual jurou servir o direito, e para o que este concretamenteexiste;

d) na criação jurídica, e muito especialmente dentro do direitopúblico, é obrigatório observar a seqüência princípio-regra, segundo aqual qualquer regra objetiva precisa se originar de um princípio, ouprecisa materializar um princípio, ou em outras palavras precisa darexeqüibilidade prática a um princípio, ou a vários deles imbricadamenteconsiderados. Não se concebe a regra normativa divorciada do seuprincípio informativo, nem, muito menos, disposta a negá-lo, a contrariá-lo ou a vilipendiá-lo. Isso significa, antes, a negação do direito, e adecretação da inutilidade da norma jurídica;

e) os princípios dão toda a lógica e a racionalidade do sistemajurídico objetivo, que por isso não pode prescindir da sua abstrata masinterpenetrante substância, que agrega todas as células e os componentes,por mais sutis, da regra normativa que disciplina o convívio humano naface do planeta. Sem a informação dada pelo princípio dificilmente sedivisaria alguma norma que só por si se justificasse senão como jogoliterário, ou vazio exercício de palavras;

f) um princípio é uma supranorma, que acaso precede, preenche ejustifica a existência da regra concreta e objetiva. Sem se filiar aosprincípios nenhuma norma encontra motivo ou razão de ser, pois que odireito não é folguedo ocupacional nem gratuito exercício dehumanidade, mas ferramenta da ordem e da realização social, que acada momento da história descobrem os princípios que as aglutinam, econsagram os princípios que as norteiam;

g) o princípio, precisamente, constitui a aglutinação do ideário queantecede qualquer elaboração legislativa, ou de outro modo normativa.Representa a síntese indivisível e essencial do pensamento do qualbrotam as normas mais variadas e mais prolíferas;

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h) o princípio é a causa, da qual as normas concretas são o efeito.E, tal qual inexiste efeito sem causa, inexiste efeito diferente da causa, porimpossibilidade lógica e material.

E assim precisa ser, como na natureza um dia precisa suceder aooutro, ou como ao dia sucede a noite invariavelmente.

Já em direito, ai da norma que não seguir esse figurino!X – Os princípios de direito e de administração pública ganharam

destaque e relevância toda especial em nosso país a partir de promulgadaa Constituição de 1988. Deixaram de ser construção meramentedoutrinária – por mais ilustre que fosse – para converter-se em regrasescritas e com isso dotadas de objetiva exigibilidade – tudo issonaturalmente sem perder sua essencial imaterialidade, sua abstraçãonatural ante as normas concretas.

Mas o fato é que após editada a Carta de 1988 muitíssimos julgadosde todo nível, inumeráveis em seus milhares e que se multiplicam acada dia, são fulcrados principalmente não no artigo tal da lei qual, masno princípio tal, referido no artigo qual da Carta, ou da lei, ou ainda emdiversos princípios mútua e complementarmente considerados, expressae explicitamente constantes dos mesmos diplomas.

A Carta de 1988 menciona, no art. 37, cinco princípios sujeitadoresda Administração pública: legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidadee eficiência. Antes, no art. 5º, destacara o princípio da igualdade de todosperante a lei, esteio do estado democrático. No art. 70 condiciona aação do Congresso Nacional também aos princípios da legitimidade,economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receita.

No art. 4º a Carta de 1988 já explicitara que o Brasil se rege, nassuas relações internacionais, por dez outros princípios, sejam aindependência nacional; a prevalência dos direitos humanos; a autodeterminaçãodos povos; a não-intervenção; a igualdade entre os Estados; a defesa da paz; asolução pacífica dos conflitos; o repúdio ao terrorismo e ao racismo; a cooperaçãoentre os povos para o progresso da humanidade, e a concessão de asilo político.

No art. 194, parágrafo único, a discorrer sobre seguridade social,estão elencados sete objetivos que nada mais são que plenamentecaracterizados princípios de administração, sem dizer do art. 193, adeterminar que a ordem social em nosso país tem como base o primadodo trabalho – e eis aí um sólido e grandioso princípio de condução davida nacional, magnificamente sintetizado.

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Antes de tudo isso, porém, é sempre preciso recordar adenominação do Título I da Constituição Federal, que contém os arts.1º a 4º: “Dos Princípios Fundamentais”. A Constituição não encontrouassunto mais importante a destacar ao seu início e como base de tudoquanto segue que os princípios fundamentais que alicerçam e dão as basesinstitucionais da Republica Federativa do Brasil.

A própria Constituição Federal, portanto, parece não tervislumbrado nada mais importante que evocar princípios para sobre elesedificar a estrutura institucional e política que deu a nosso país.

XI – Mas nem de longe a Constituição está isolada na sua consagraçãode princípios de administração como norte na conduta da nação.

As Constituições estaduais não se revelaram insensíveis aoelencamento dos princípios de administração, e nesse sentido a Cartado Estado do Rio de Janeiro assim dispôs: “Art. 77 - A administraçãopública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes doEstado e dos Municípios, obedecerá aos princípios da legalidade,impessoalidade, moralidade, publicidade,interesse coletivo e, também, aoseguinte” (grifamos).

A Constituição do Estado de São Paulo, para citar apenas maisum exemplo, e de redação muito similar, reza:

Art. 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional,de qualquer dos Poderes do Estado e dos Municípios, obedecerá aosprincípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade,finalidade, motivação e interesse público. (Grifamos).

Observa-se que o Rio de Janeiro inovou ante a Carta federal porelencar o princípio do interesse coletivo, enquanto que São Paulo tratouesse princípio por interesse público, e ainda acresceu ao rol os princípiosda razoabilidade, da finalidade e da motivação.

São criativos os Estados, portanto, nessa matéria mais importanteque quase todas as demais, que são os princípios de administração.

XII – E não foram apenas as Constituições que se esmeraram emelencar princípios de administração, aos quais vivem assujeitados todosos Poderes do Estado, todos os entes e todos os órgãos públicos.

Incontáveis leis, da mais variada natureza e de todo nível degoverno, referem destacadamente diversos princípios de administraçãoe de conduta, e desse imenso rol apenas algumas serão aqui mencionadas.

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No plano federal, o estatuto dos servidores, ou a lei do regimejurídico único federal, a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, no art.153 assegura o princípio do contraditório aos servidores indiciados emprocesso administrativo, em atenção, de resto, ao que preconiza a Carta,art. 5º, inc. LV, a consagrar esse princípio como garantia a todo acusado.

A lei nacional de licitações e contratos administrativos, a Lei nº8.666, de 21 de junho de 1993, refere, no art. 3º, além dos princípiosconstitucionais, os princípios da probidade administrativa, da vinculação aoinstrumento convocatório, do julgamento objetivo e “dos que lhes são correlatos”.

A Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, que instituiu o rito punitivode atos de improbidade, prescreve no seu art. 11, até com muito exagero,que constitui ato de improbidade aquele que atente contra os princípiosda administração pública, tais quais atos de desonestidade, parcialidade,deslealdade às instituições.

A Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o processoadministrativo federal, elenca, no art. 2º, além de outros já referidos tambémos princípios da ampla defesa, da proporcionalidade e da segurança jurídica.

Existem tantos exemplos que não se faz necessário prosseguirneste elencamento, senão para recordar o caso das leis orgânicas deincontáveis Municípios brasileiros, que amiúde reiteram para o seuâmbito de abrangência aqueles tradicionais princípios constitucionaisde administração, com variações maiores ou menores.

XIII – Falando agora especificamente da legislação previdenciária,nesse ramo jurídico os princípios de direito assumem peculiar eextraordinária importância, e passam a deter uma objetividade raramentevisualizável em outros terrenos do direito.

Ingressa-se a esta altura na legislação da previdência nacional, acargo do INSS, que não se aplica ao caso do instituto consulente masque dá todas as bases da legislação instituidora e regedora dos regimes próprios deprevidência social, aplicáveis aos servidores estatutários ocupantes decargos efetivos. Sim, porque a Lei federal nº 9.717, de 27 de novembrode 1998, a qual dá as normas gerais para instituição dos regimes própriosde previdência social como é o Instituto consulente, está inteiramentecalcada nos princípios, nos critérios, nos objetivos e nas diretrizesestruturadoras do Regime Geral de Previdência Social, a cargo do INSS,delas não se distanciando em momento algum.

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Assim, observa-se que os dois principais diplomas da previdênciasocial brasileira, que estruturam todo o Regime Geral de PrevidênciaSocial a cargo do INSS – referido inicialmente no art. 40, § 13, daConstituição, e disciplinado a partir do art. 194 e até o art. 204, todosda Constituição Federal –, que são a Lei nº 8.212, de 21 de julho de 1991,a lei orgânica da seguridade social, e a Lei nº 8.213, da mesma data, a leidos planos de benefícios da previdência social, cada qual delas enumerauma respeitável série de princípios e diretrizes de direito previdenciário domais imediato interesse para o deslinde desta questão proposta.

A Lei nº 8.212/91, a LOSS, elenca os seguintes princípiosregedores da seguridade social, logo no parágrafo único do art. 1º, nasals. a a g: (I) universalidade da cobertura e do atendimento; (II)uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populaçõesurbanas e rurais; (III) seletividade e distributividade na prestação dosbenefícios e serviços; (IV) irredutibilidade do valor dos benefícios; (V)eqüidade na forma de participação no custeio -– e o destaque é nosso -; (VI)diversidade da base de financiamento, e (VII) caráter democrático edescentralizado da gestão administrativa (...).

Observa-se que toda a seguridade social brasileira – integradapor ações e prestações de previdência, saúde e assistência, na forma doart. 194 da Constituição – está toda inteira calcada e alicerçada em princípiosde direito, que dão as bases ideológicas e operacionais de todas as regrasque seguem enunciadas na legislação. Antes os princípios – dispôs a lei –,e depois, na forma dos princípios, as regras objetivas e concretas deatuação do sistema previdencial.

XIV – Mas foram destacados daqueles dois elencos dois princípios,um de cada lei básica da previdência nacional, que merecem particularatenção nesta presente questão: são o princípio da eqüidade na forma departicipação no custeio (Lei nº 8.212/91, art. 1º, par. único, al. e), e o princípiodo cálculo dos benefícios considerando-se os salários-de-contribuição corrigidosmonetariamente (Lei nº 8.213/91, art. 2º, inc. IV).

O primeiro deles, eqüidade na forma de participação no custeio, significaque o custeio do sistema de previdência, e dos benefícios que ofereceaos segurados, deve pautar-se e reger-se pela regra da eqüidade.

Eqüidade é substantivo merecedor três acepções no dicionário NovoAurélio que exigem transcrição:

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2. Conjunto de princípios imutáveis de justiça que induzem o juiza um critério de moderação e de igualdade, ainda que em detrimento dodireito objetivo. 3. Sentimento de justiça avesso a um critério de julgamentoou tratamento rigoroso e estritamente legal. 4. Igualdade, retidão,equanimidade. (Aurélio Século XXI. Rio de Janeiro : Nova Fronteira,1999, p. 782).

Assim, se o custeio, ou o financiamento, ou o aporte de recursosda seguridade social precisa pautar-se pela eqüidade como manda a lei, ese estiver correta a definição de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira –e obviamente está -, então isso significa que o custeio dos benefícios daprevidência social precisa ser igualitário, reto, equânime, pautado pelamoderação e pelo sentimento de justiça acima do direito objetivo.

Pelo segundo princípio que se destacou, cálculo dos benefíciosconsiderando-se os salários-de-contribuição corrigidos monetariamente, aprevidência social se obriga a calcular os benefícios em dinheiro, comopor exemplo os proventos de aposentadorias, levando em conta ossalários-de-contribuição, que são a base financeira sobre a qual incidemas contribuições, corrigidas monetariamente.

Salário-de-contribuição é uma expressão clássica e tradicional daprevidência social nacional, a significar, segundo o art. 28, da Lei nº8.212/91, inc. III, para o contribuinte individual, “a remuneraçãoauferida em uma ou mais empresas (...)” observado o limite máximoestabelecido em lei.

A importância de se saber o significado daquela expressão salário-de-contribuição é o fato de que ela conduz a outra fundamental expressãoprevidenciária, o salário-de-benefício, que é valor final a ser recebido comobenefício pelo segurado do INSS, e que vem explicitado no art. 28 daLei nº 8.213/91, cujo § 3º precisa ser transcrito:

§ 3º Serão considerados par cálculo do salário-de-benefício osganhos habituais do segurado empregado, a qualquer título, sob formade moeda corrente ou de utilidades, sobre os quais tenham incidido contribuiçõesprevidenciárias, exceto o décimo-terceiro salário (gratificação natalina).(Grifamos)

XV – Observe-se que pela legislação previdenciária nacional ovalor do benefício pago ao segurado leva em conta apenas as parcelassobre as quais incidiu contribuição previdenciária (até o limite legal máximo).

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Isso significa que, tendo incidido contribuição previdenciária sobreuma base financeira, então essa base precisará ser considerada quando docálculo do benefício.

A legislação da previdência social brasileira, portanto, não admiteque, se incidiu contribuição previdenciária, essa incidência sejadesconsiderada para o cálculo do benefício a que se dispôs – exatamentecomo a legislação de nosso Município por dois anos, desconsiderou.

A legislação do INSS, portanto, não permite ao INSS proceder comoprocedeu o instituto previdenciário municipal em questão, por força de uma leimunicipal que durou alguns anos - e depois foi corrigida por outra leipara se igualar, quanto a isso, à legislação previdenciária nacional.

Desse modo, e transportando a linguagem do RGPS para o regimepróprio de nosso Município, o “salário-de-contribuição” no regimepróprio municipal não serviu de base para o cálculo do “salário-de-benefício”, oque na legislação previdenciária nacional, que dá a base institucionalpara todos os regimes próprios de previdência, é simplesmente proibido.

XVI - Observe-se que neste momento aqueles dois princípios,assim qualificados nas leis previdenciárias nacionais nºs 8.212 e 8.213,ganharam corpo de verdadeiras normas de conduta, e deram lugar a regrasconcretas a impedir que a) a participação no custeio do benefício sejainjustamente suportada pelo segurado sem equanimidade e semeqüidade, e b) que o cálculo do benefício desconsidere a base financeirasobre a qual incidiu a contribuição.

Nesse momento, e a esta altura, torna-se fácil concluir que nãomais se trata de meros princípios abstratos, porque traduzem normaçõesobjetivas que simplesmente impedem que o benefício seja calculado deoutro modo que não o por eles prescrito.

Os ditos princípios nesse momento se materializam, portanto,como verdadeiras normas, e a qualquer aplicador resta muito mais difícilignorá-los, ou esquivar-se à sua precisa orientação.

XVII – Mas um derradeiro golpe à idéia de que poderia existircontribuição previdenciária sem proveito ao segurado contribuinte foidado pela própria Constituição através de duas emendas, a EC nº 20, de15 de dezembro de 1998, e a EC nº 41, de 19 de dezembro de 2003.

A EC nº 20/98 assim dispôs no § 1º de seu art. 3º:

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O servidor de que trata este artigo, que tenha completado asexigências para aposentadoria integral e que opte por permanecer ematividade fará jus à isenção da contribuição previdenciária até completar as exigênciaspara aposentadoria contidas no art. 40, § 1º, III, a, da Constituição Federal.(Grifamos)

E a EC nº 41/03, muito similarmente, previu que:Art. 3º (...) § 1º O servidor de que trata este artigo que opte por

permanecer em atividade tendo completado as exigências paraaposentadoria voluntária e conte com, no mínimo, vinte e cinco anos decontribuição, se mulher, ou trinta anos de contribuição, se homem, fará jusa um abono de permanência equivalente ao valor da sua contribuição previdenciáriaaté completar as exigências para aposentadoria compulsória contidas noart. 40, § 1º, II, da Constituição Federal.

Trata-se de duas disposições autônomas de emendas constitucionais,que não integram o corpo da Constituição mas que têm a mesmahierarquia das demais disposições constitucionais.

Por alguma forte razão ambas, em rigoroso uníssono, fizeram porconsagrar um princípio que se poderia denominar o da contraprestação,segundo o qual não pode ser instituída contribuição previdenciária quenão corresponda a alguma utilidade para o segurado contribuinte, ouseja, sem que haja a correspondente contraprestação do regimeprevidenciário por aquela contribuição recebida.

Nada pode ser mais justo, porque não tem o menor cabimentoadmitir-se espoliar o contribuinte em favor de algum ente previdenciário,que apenas existe para lhe garantir benefícios na velhice, na doença e nainvalidez, sem retorno pela contribuição.

XVIII – Um regime de previdência é um sistema que arrecadacontribuições, investe-as em aplicações rentáveis, capitaliza-as da melhorforma e com o produto de tudo isso constitui e mantém um fundo com quepossa pagar-lhe os benefícios em dinheiro que instituiu. Se é assim, não sepode conceber que esse sistema arrecade dinheiro, de contribuinte, quesomente sirva para “engordar” o fundo, sem contraprestação ao contribuinte.

Contribuição previdenciária é a que garante a previdência dealguém, e não apenas a riqueza ou a solvabilidade do fundo que a arrecada– isto é, em suma, o que se precisa concluir da leitura dos últimos

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dispositivos constitucionais transcritos, o art. 3º, § 1º, da EC nº 20/98,e no mesmo exato sentido o § 1º, do art. 3º, da EC nº 41/03, ambos adeterminar a seguinte regra: quem não puder tirar proveito da contribuição,não precisa contribuir.

Se existir contribuição, para alguma finalidade de interesse docontribuinte precisará ser destinada; inexistindo essa finalidade, ou essadestinação, então não poderá ser instituída contribuição.

XIX – A lei que instituir contribuição previdenciária, arrecadadade alguém, sem indicar o correspondente proveito em favor deste,contraria, dentre outros que se poderiam elencar, os seguintes princípiosconstitucionais e legais:

a) contraprestação, do art. 3º da EC nº 20/98 e do art. 3º da EC nº 41/03;b) moralidade, do art. 37 constitucional, pois que por completo

carece de qualquer conteúdo mínimo de moralidade impor contribuiçãoa alguém que não pode tirar proveito dessa contribuição;

c) finalidade (Constituição do Estado de São Paulo, art. 111,inaplicável diretamente ao caso fluminense mas que jamais pode serignorado por se constituir num dos mais importantes princípios deadministração) – padece de desvio de finalidade arrecadar contribuição dealgum segurado de regime previdenciário e não a destinar para cobrirbenefícios previdenciários de ninguém. Isso configura o denominadoenriquecimento sem causa, ou o locupletamento ilícito da Administração,modalidades de desvio de finalidade do poder público;

d) motivação (CESP, art. 111) – não se pode atinar com a motivaçãode um órgão arrecadar contribuição para a previdência do seguradocontribuinte, e essa contribuição de nada lhe valer. Existe no caso desviotambém de motivação, a confundir-se com desvio de finalidade;

e) interesse público ou interesse coletivo, da Constituição do Estado doRio de Janeiro, art. 77, da do Estado de São Paulo, art. 111. Não podeexistir maior interesse coletivo, nem maior interesse público, que o deque o poder público cumpra as regras constitucionais e legais aplicáveis acada específica atividade que desenvolva. Não se confunde o interessepessoal do instituto previdenciário local, que é o de arrecadar tantoquanto possa, com o interesse coletivo de que esse instituto cumpra o seupapel constitucional, legal e institucional de garantir corretamente a contraprestação

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das contribuições previdenciárias dos seus segurados, dentro e segundo as basesjurídicas sobre as quais deve estar e está estruturado;

f) razoabilidade (CESP, art. 111). É de todo desprovido derazoabilidade um regime de previdência cobrar contribuições sem ofereceralgo em troca, porque isso é proibido num regime de previdência, quenão é um fim em si mesmo mas existe apenas para assegurar direitosaos seus segurados. Transformar instituto de previdência em entearrecadador de contribuição desvinculada de contraprestação é idéiaque desborda por completo de qualquer noção de razoabilidade;

g) eqüidade na forma de participação no custeio, do art. 1º, parágrafoúnico, al. e, da Lei Orgânica da Seguridade Social, a Lei nº 8.212/91.Uma contribuição que apenas sirva aos cofres do instituto de previdêncianão se pauta pela eqüidade, nem pela justiça, nem pela equanimidade,porque não é eqüitativo retirar contribuição do segurado da previdênciapara nada. Eqüitativa é a contribuição de que resulta proveito proporcionale equivalente ao contribuinte;

h) cálculo dos benefícios considerando-se os salários-de-contribuição, do art.2º, inc. IV, da Lei nº 8.213/91. É a base financeira sobre a qual incidea contribuição, exatamente essa, o valor que deve servir para o cálculodo benefício, e não outro. Se incide contribuição sobre determinadasverbas remuneratórias, então essas verbas devem integrar o valor dobenefício; se não integrarem, então sobre elas não poderá incidircontribuição;

i) proporcionalidade, do art. 2º, da lei federal do processoadministrativo, que no entender dos tribunais tem disposições aplicáveisindistintamente a todo e qualquer órgão público brasileiro, tal a suageneralidade principiológica.2 É desproporcional o benefício que nãoleva em conta a base de contribuição que utilizou.

XX – E não comove nenhuma argumentação em contrário baseadaem princípios como o da solidariedade, pois que a solidariedade não podecontrariar a regra básica de qualquer regime de previdência, que é a dearrecadar contribuições para proporcionalmente a isso pagar benefícios, e_____________2 Conforme o Superior Tribunal de Justiça, no MS nº 6.566 – DF, julgado em 15 de maio de

2000, e no mesmo sentido o Recurso Especial nº 628.524 – RS.

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solidariedade alguma existe, nem pode existir como princípio, para lesardireito de contribuinte, ou se converte em anti-solidariedade.

Nem se aleguem razões como a do equilíbrio atuarial para negar adevolução, uma vez que se ocorre desequilíbrio entre arrecadação ebenefícios então a solução será aumentar alíquotas, e não arrecadarcontribuições que só interessem ao erário do instituto, e de que oscontribuintes não se beneficiem. Também a regra do necessário equilíbrioatuarial dos órgãos de previdência encontra seu limite no direito alheio,o dos segurados.

XXI – O Município de que aqui se cuida reconheceu o erro dasua lei que fazia incidir contribuição sobre tudo quanto o segurado recebiaao final do mês – inclusive indenizações e ressarcimentos, que nadatêm com remuneração. Tanto é verdade que a corrigiu poucos anos apóster sido editada, por outra lei que colocou a base de contribuição nosseus constitucionais e legais patamares, tudo conforme o que até aquise considerou.

Se reconhece o erro da legislação que existia, seu dever é o decorrigir aquela impropriedade, que contrariava todos os princípios, oscânones, os objetivos, as diretrizes e os critérios da Constituição Federal,da Constituição do Estado (como da de outros Estados da federação),e, muito particularmente, das duas leis máximas da previdência socialbrasileira, conforme se demonstrou.

Se é assim, pode o Instituto corrigir administrativamente o erroque sua malfadada lei praticou, e que lesou direito de um sem-númerode contribuintes, os quais contribuíram sem proveito por força de umalei que depois, reconhecidamente errada, foi alterada pela atual.

A Súmula nº 473 do Supremo Tribunal Federal informa que aAdministração: “pode anular seus próprios atos, quando eivados devícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos”.

A Lei nº 9.784/99, a lei do processo administrativo federal –aplicável generalizadamente à Administração de todo nível -, no seuart. 53, diz mais: “A Administração deve anular seus próprios atos (...)”,e o mesmo diz a lei nacional de licitações, a Lei nº 8.666/93, no art. 49.

XXII – Assim, não se pode conceber que os descontosprevidenciários baseados que incidiram sobre a totalidade daremuneração dos segurados estivessem revestidos do princípio da

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legalidade, porque uma lei que tinha esse defeito, que com isso contrariavainúmeros princípios constitucionais e legais, e diversas regras objetivasda legislação previdenciária nacional, não podem ser tidos comoprotegidos pela legalidade.

Exemplificando aleatoriamente, se uma lei municipal criar a moedaprópria do Município, então essa moeda formalmente terá fundamentoem uma lei, porém acaso alguém postularia que estivesse protegidapelo princípio da legalidade?

Em outro exemplo, um Estado-membro da federação,incomodadíssimo com a crescente e irrefreável criminalidade em seuterritório, resolve, por lei estadual, adotar a pena de morte - assim comofazem os Estados Unidos num sistema constitucional absolutamentediferente do nosso.

Legalidade formal então essa pena de morte estadual terá, porémdentro de nosso sistema jurídico será o que alguém denominarialegalidade de fachada, de aparência ou de araque, pseudolegalidade, falsae falaciosa legalidade, tão artificial e impraticável quanto a quadraturado círculo, simplesmente porque legalidade antijurídica não é legalidade, masautêntico deboche ao direito.

XXIII – Ora, se no caso presente o próprio Município reconheceuo erro da lei e por isso a modificou dois anos após por outra lei, entãonão se concebe, em sã consciência, que neste momento esteja proibidode corrigir administrativamente o erro que uma sua lei cometeu, e queoutra lei corrigiu.

Não tem nenhuma lógica a idéia de a Administração reconhecer aantijuridicidade de seus atos e não os poder corrigir mesmo administrativamente,sem necessidade de lei ou de autorização judicial. De que valeria àAdministração, em casos assim, reconhecer o erro praticado?

A Súmula nº 473, do Supremo Tribunal Federal, serve comofundamento para essa correção administrativa, sem dizer dos inúmerosprincípios de direito, e das regras constitucionais e legais, que ao longodesta peça se alinhavaram de modo sistemático.

A lei municipal que corrigiu a anterior podia perfeitamente, semdúvida, ter autorizado a devolução do que fora arrecadado em desacordocom as regras informadoras da previdência social, mas mesmo não otendo feito não se pode pretender que essa devolução, agora procedida

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administrativamente, está proibida, porque o desconto foi, todo ele,isso sim, completamente irregular, como seria irregular a moeda criadapor lei municipal, ou a pena de morte da lei estadual.

XXIV – O poder público por princípio não carece de lei paracorrigir um erro de uma lei inconstitucional e ilegal, a qual depois dedois anos por essa mesma razão foi corrigida por outra lei.

Outra lei autorizando a devolução evidentemente poderia existir,porém em absoluto parece necessária para este caso – até porque, senão fosse aprovada pelo Legislativo, esse fato estaria tornando definitivaa injustiça e a grave irregularidade arrecadatória praticada contra ossegurados e contra os entes patronais, o que é intolerável por tudo quantoaté aqui se indicou.

Sim, porque restaria muito pouco razoável devolveradministrativamente uma verba cuja devolução foi negada pela rejeição deuma lei, e a pergunta inevitável, nesse então, seria a de que, se era possíveldevolver administrativamente, então por que lei para autorizá-lo?

O regime próprio não pode se locupletar à custa de contribuiçãogratuita do segurado e dos entes patronais, porque isso configuraenriquecimento ilícito e sem causa, e para reparar esse erro do passado não sepode imaginar que seja necessária lei, ou, muito menos, decisão judicial,porque em princípio, repita-se, o poder público não precisa de lei paracorrigir seus erros confessos e manifestos.

Se é mais grave violar um princípio que transgredir uma norma,então prece ser no mínimo gravíssimo a uma lei municipal transgrediruma dezena de princípios constitucionais e legais diretamente aplicáveis aocaso de que se cuida.

Assim, se faltava legalidade a algum diploma, pensamos, era à leimunicipal que autorizava incidir a contribuição sobre base artificialmentealargada.

Legalidade como aquela, desconforme com o direito como opróprio Município reconheceu, em verdade não era legalidade alguma,pois que não pode ser tida como observante do princípio da legalidadeuma lei que desatende a todo o direito aplicável à matéria que disciplina,e a todo o sistema normativo e principiológico que o informa e o mantémde pé.

Ou, de outro modo, se legalidade for apenas a observância dequalquer lei formal – que destoe do sistema jurídico que integra -, então

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a hipotética moeda municipal, criada por lei, também estará protegidapelo princípio da legalidade, como também o estará a pena de morteque o Estado-membro altaneiramente instituiu.

XXV – Em conclusão, entendemos perfeitamente possível adevolução administrativa aos segurados, corrigida segundo índicesoficiais aplicados pelo próprio Instituto partícipe da situação descrita, ,de todos os valores arrecadados dos mesmos segurados sobre as verbasremuneratórias (ou mesmo indenizatórias como auxílio-alimentação) quenão são computadas para cálculo dos benefícios que o Instituto paga.

Os valores a serem devolvidos haverão, nesse caso, de sercalculados individualizadamente e nominalmente identificados,historiando-se a devolução no respectivo expediente administrativo.

Quanto às cotas patronais, também podem ser devolvidasobservando-se os mesmos critérios, ou então compensadas das futurascontribuições dos entes patronais, sempre corrigidamente.

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PUBLICIDADE É CONTRATO QUE NEM

SEMPRE PODE SER LICITADO

Ivan Barbosa Rigolin

I – Não foram poucas as vezes em que, em nossa profissão, sesuscitou a questão trazida à baila tanto pelo art. 1º, caput, quanto peloinc. II, do art. 25, ambos da Lei nº 8.666/93, na parte de ambos queindica uma aparente proibição de o poder público contratar publicidadediretamente e com inexigibilidade de licitação.

O último suscitamento que tivemos foi de uma Câmara Municipalpaulista em cujo Município existem apenas duas emissoras de televisãoque interessam como meio publicitário, eis que as demais desatendempor completo as exigências de audiência e penetração, revelando-seimprestáveis àquele propósito. Mas o problema, como se disse, repete-se amiúde.

II – O art. 2º, caput, da lei nacional de licitações e contratosadministrativos, estatui que contratos de publicidade deverão sernecessariamente licitados, e o extenso inc. II, do art. 25, em dadomomento pretende proibir alegação de inexigibilidade para contratos depublicidade.

Por tais dispositivos, considerados em conjunto ou separadamente,à primeira mirada parece impossível a contratação direta de serviços depublicidade, dentre os quais se insere o de transmissão televisiva depublicidade de campanhas institucionais ou de programas oficiais dedireto interesse da população, sob a alegação de que a licitação éinexigível.

Será tão inviável, entretanto, essa contratação?Em resposta, já tivemos ensejo de escrever que

A propósito da vedação - casuística e indicativa de uma preocupaçãoquase doentia da lei, algo como uma obsessão que psiquiatra algum

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R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 32, t.1 : 163-168, 2006164

conseguiu curar, de “inexigibilidade para serviços de publicidade edivulgação”, apesar da redação simplesmente péssima – tal qual seinexigibilidade fosse uma entidade autônoma, dotada de personalidade,compreende-se o sentido da ordem: é proibido alegar-se inexigível a licitaçãopara a contratação desses serviços. A insistência francamente infantil comque a lei tratou “publicidade” (v. os arts. 1º e 2º) parece indicar que esseserviço enseja corrupção nos contratos, e apenas ele; os demais não. Sejacomo for, quaisquer serviços de publicidade e de divulgação – e apenasassim se deve entender a palavra publicidade aqui: divulgação, e não aelaboração de campanhas publicitárias, que constituem obra artística –precisarão ser licitados, não podendo prosperar alegação ou justificativano sentido de se excluir o procedimento.

Quanto à contratação de campanhas publicitárias, entendemospor inteiro inaplicável a vedação constante do inc. II, do art. 25, parte final,visto que, conforme declinado, esse serviço é artístico, e portanto não écomum nem descritível em edital, restando absolutamente impossível alicitação, onde apenas se comparariam coisas diferentes; exemplificando:uma campanha de algum governo estadual, pretendendo incentivar oturismo no Estado, não tem como licitar-se. Nesse caso, o que o editalpoderia descrever como objeto pretendido? Qual o critério de julgamentopossível, se não se tratar de um concurso de projetos? Que objetividadepoderia nortear uma tal competição? O fundamento da contratação diretadeve ser, em tal hipótese, o art. 25, caput, a não ser que se licite a campanhapor concurso, o que ensejaria outras dificuldades, algumas sem paralelo,pelo que não se recomenda adotar precipitadamente essa solução. A regrada licitação por mero princípio não pode exigir soluções impossíveis àAdministração, nem malabarismos insanos que nunca se justificam doplano técnico.1

Assim efetivamente nos parece, diferentemente do fenômeno queocorre à lei de licitações, que simplesmente não é o que parece.

III – A Lei nº 8.666/93 é tida e havida no Brasil, a iniciar peloentendimento de ex-Ministros de Administração e prosseguindo pelode todas as categorias profissionais envolvidas com o tema, comoservidores públicos aplicadores da lei, autoridades homologadoras eadjudicadoras das licitações, agentes políticos fornecedores de material,_____________1 In Manual prático das licitações. 5ª ed. São Paulo : Saraiva, 2005, p. 331/2.

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empresas de construção civil, prestadores de serviços, estudiosos,acadêmicos, magistrados, professores, agentes de fiscalização, auditorese outras categorias sem fim, como a pior lei do mundo.2

É inviável ter presente todo o universo de leis existentes no planetapara confirmá-lo, mas se não for, tecnicamente, a pior lei já editadaem nação institucionalizada sobre o planeta ao menos deve ostentaressa triste primazia no Brasil. Em nosso direito não se conhece nadasequer parecido, em tempo algum, que já ensejou cerca de 250 livros decomentários, em geral divergindo em pontos essenciais e aparentementesem paz à vista entre os autores.

Com efeito, o estudioso que verta sua atenção sobre a Lei nº 8.666/93 logo perceberá que dificilmente poderá existir maior nem maispretensioso conglomerado de atecnias, contradições internas,deficiências de clareza e de objetividade, heterogeneidade de tratamentoa institutos os mais semelhantes e homogeneidade de tratamento ainstitutos os mais díspares e desencontrados, falta de sistematicidade,inutilidades rematadas e absolutamente irrelevantes (como toda a SeçãoI, do Capítulo V, que reúne os arts. 81 a 85, e que em seu conjuntointeiro não servem para absolutamente nada), devaneios, ilusões deutilidade, e todos os mais variados defeitos que alguém um dia poderiainserir em um texto legislativo.

IV – A Lei nº 8.666/93, além de todos os defeitos que uma únicalei possa comportar, também não coibiu a corrupção nos negóciospúblicos como pretendia, mas em verdade permitiu e permite, e permitiráenquanto infelizmente ainda existir, a mais deslavada tredestinação deverbas públicas que já se registrou na história do país, dia após dia, horaapós hora a cada ano que se sucede - inobstante toda a fiscalização dosTribunais de Contas, do Ministério Público, das auditorias internas eexternas, dos autores populares e de tutti quanti se prestem a esse heróicomas ingratificado papel.

Em um tal lúgubre panorama não é de estranhar a fixação,absolutamente infantil, como em dispositivos como o art. 2º, caput, e oart. 25, inc. II, na idéia de que todo contrato de publicidade deva ser licitado._____________2 Não nutrimos, com efeito, muito apreço pela lei nacional de licitações. A propósito, v. nosso

artigo Licitações e contratos em face da Constituição – a lei mais abjeta até hoje, no ordenamentojurídico brasileiro, in Revista L&C nº 30, dez. 2000, p. 16.

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É de duvidar até mesmo que o legislador se tenha dado conta dequão múltiplas são as acepções da palavra publicidade, como por exemplosão as de (I) concepção de campanhas publicitárias de programas de governo;(II) divulgação dessas campanhas na mídia impressa, televisiva, radiofônica,de informática; (III) contratação de agências de publicidade para distribuiraquela divulgação; (IV) publicação de atos oficiais; (V) concepção edivulgação de publicidade institucional, e outras inúmeras facetas esubespécies dessas espécies.

V – O absurdo da idéia de que é proibida a celebração direta decontratos de publicidade sejam quais forem, e de que é proibida ainvocação de inexigibilidade de licitação para essa hipótese, revestidade um moralismo rasteiro e desinformado pela absoluta falta deimaginação, não resiste a nenhuma análise por quem detenha o mínimode raciocínio lógico.

Se o fundamento da inexigibilidade é a inviabilidade decompetição; se em um Município, perdido na selva amazônica porexemplo, somente é captada a imagem de uma emissora de televisão, ese esse Município precisa anunciar algum programa de governo natelevisão, então licitará o quê ? Com quem? Com Emissoras que não sejamcaptadas no Município? Com emissoras de grande audiência em Marte,ou na capital federal, a dois mil quilômetros de distância?

Se nesse mesmo hipotético Município se captem duas emissoras,e se interessa ao governo local transmitir uma campanha publicitáriaem ambas, então essa comuna licitará o quê, e com quem, se precisados únicos dois prestadores de serviço existentes?

Se algum Município tem um só jornal, e uma só emissora de rádio,e neles precisa divulgar seus atos governamentais – dando-lhes publicidade–, assim como suas campanhas publicitárias de cunho social, educativo,sanitário e de imediato interesse comunitário, então licitará os respectivoscontratos de publicidade com quem? Quem então imagina queparticipará de um tal certame, acaso jornais da Venezuela, ou de MachuPichu? Imagina que acorrerão emissoras de rádio do Caribe, ou dosEstados Unidos?

Talvez o autor da forma final do caput, do art. 1º, e da previsão doinc. II, do art. 25, tenha a resposta.

VI – Nada mais é preciso ventilar, sequer como hipótese, paraque reste claro o essencial absurdo da – injustificável, obsessiva e quase

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paranóide, ilógica, sem pé nem cabeça – obstinação da lei de licitaçõesem pretender proibir o que em certos casos, como nos exemplos dados,é pura e simplesmente obrigatório.

Sim, porque a contratação com as únicas pessoas que existem, asexclusivas existentes que atendem o objeto necessário aos propósitosdo interesse público, e de resto que atendem ao imperativo constitucional depublicidade, que se lê no art. 37, acaba sendo obrigatória ao poder público,ou de outro modo ele simplesmente ficará privado do serviço institucionalde que necessita.

Com todo máximo efeito, insista-se: a lei diz proibidos contratos diretosde publicidade, com alegação de inexigibilidade; em verdade, os contratosdiretos, sem licitação, naqueles exemplos dados, mais do que simplesmentepermitidos, fazem-se obrigatórios com os únicos possíveis fornecedores, ou de outromodo o poder público não poderá dar publicidade a seus atos oficiais, nemter suas campanhas sociais, nem seus programas governamentais,perfeitamente constitucionais e lícitos, divulgados por publicidade.

Alguém imagina argumento, ou algo, em contra?Somente se a ciência da lógica for reescrita.VII – Vertendo agora esse raciocínio linear e primário para o caso

concreto da consulta que por último nos foi suscitada, então a) se emdado Município apenas duas emissoras de televisão são transmitidas àaudiência que interessa – eis que as demais ensejariam despesa comcontratos, porém demonstradamente não dariam retorno algum que em volumee significância interessasse ao poder público, sendo dinheiro público perdidoportanto –, e b) se o órgão público precisa divulgar atos e campanhasem televisão, então a conclusão necessária é a de que evidentementeaquele órgão precisará contratar as duas únicas emissoras que interessamaos seus objetivos publicísticos e institucionais, devendo fazê-lo poróbvio diretamente, sem licitação, que resta inexigível porque inviável acompetição das únicas duas empresas consigo mesmo.

A competição neste caso é inviável porque apenas as duasinteressam, e ambas em conjunto interessam. Uma apenas não atendeintegralmente os propósitos da entidade pública interessada, mas apenas oconcurso das duas o faz. Houvesse mais emissoras com a penetração ea audiência daquelas duas, então também interessariam, e não poderiamser excluídas da contratação. Mas como licitar, é o que se questiona, emhipótese assim?

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O único comportamento que se pode exigir da Administração emcaso semelhante é o de poder demonstrar a insuficiência técnica,material,organizacional ou institucional das demais emissoras de TVpara bem atender este objeto, além das duas emissoras até aqui referidascomo suficientes nesses aspectos.

Uma vez isso demonstrado, não se imagina - se ambas são as únicasque servem, e se ambas são necessárias –, como se poderia licitar umobjeto como esse, que não enseja nenhuma possível competição.

Ambas as emissoras, que em seu conjunto constituem o completouniverso dos possíveis fornecedores do serviço, podem e devem nestecaso ser contratadas, podendo ser ao seu preço de tabela caso o poderpúblico delas não consiga algum desconto – é o que se pode depreendercom absoluta clareza.

VIII – E por fim, a melancólica consideração quanto à pretensaproibição de contratação direta de toda e qualquer sorte de publicidade,constante da lei de licitação, art. 1º e art. 25, é a de que se a deve ter comoinaplicável em certas hipóteses e em certos casos, porque nesses casos se revelamaterialmente absurda e, com isso, destituída de qualquer sentido jurídico.

O que não faz sentido no mundo material não pode ter lugar nemguarida no mundo jurídico, e se ali existe então apenas representa maisuma das tantas aberrações que lamentavelmente povoam o direito.

A lei não pode conduzir ao absurdo – ainda que se trate de algo comoa Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.

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IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – O ELEMENTO SUBJETIVO

DO DOLO – AS MODALIDADES DE ATO DE IMPROBIDADE

ADMINISTRATIVA PREVISTAS NO ART. 11, DA LEI DE

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Gina CopolaAdvogadaEspecialista em Direito Ambiental Administrativo, Constitucional e Previdenciário

1. INTRÓITO

O tema concernente à probidade administrativa e aos princípiosadministrativos – assim como quase que a íntegra da Lei nº 8.429, de 2de junho de 1992, que é a lei contra a improbidade administrativa – temensejado acaloradas discussões entre os aplicadores do direito.

Uma importante ressalva de ordem técnica, porém, merece serelaborada desde já, e diz respeito à denominação da lei, porque grandeparte da doutrina e dos aplicadores do direito denomina a lei em questãocomo “Lei da improbidade Administrativa”, sendo que a denominaçãocorreta da lei é “Lei contra a improbidade Administrativa”, uma vezque tal lei tenta impedir ou sancionar os agentes que pratiquem atoreputado como de improbidade administrativa, portanto, a lei é contra aimprobidade, não lei da improbidade administrativa.

Tal fato, porém, em nada modifica a aplicação ou o estudo da lei, porconstituir apenas uma conclusão técnica à respeito da denominação da lei.

Por outro lado, e sobretudo, o assunto, que é apaixonante, nosconduz às mais variadas reflexões, e à forçosa conclusão de que a Lei nº8.429/92, lamentavelmente, é mal elaborada, lacunosa, não observa oprincípio da eqüidade, e, por isso, referida lei tornou-se passível deseveras críticas, as quais, aliás, tem reiteradamente recebido dosprofissionais do direito.

Sim, porque o legislador misturou conceitos básicos, além de redigirartigos de caráter eminentemente aberto para aplicar as rigorosas penasque constam da mesma lei. Tais fatos ensejam, como não poderia ser deoutra forma, aplicações equivocadas dos dispositivos da lei, além de

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ocasionar condenações que não encontram fundamento no sistemajurídico brasileiro, uma vez que algumas decisões judiciais que envolvemtal controvertido tema decorrem de interpretações de um texto legalincongruente, lacunoso, e absolutamente mal elaborado.

E, nesse contexto, observa-se que condutas puramente irregularestêm sido condenadas com rigor e de forma severa, e reputadas comoatos de improbidade administrativa, em injustificável exagero.

Diante de toda essa problemática surgida a partir de um textolegal mal redigido, resta imperioso aos aplicadores do direito a tentativade interpretar a lei da forma mais eqüitativa possível.

É o que pretendemos realizar agora com relação ao art. 11, da leicontra a improbidade administrativa.

2. O CAPUT, DO ART. 11, DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

É de império ter em mente, ab initio, e antes de qualquerconsideração sobre o dispositivo em comento, que estão sujeitos aostermos da LIA, conforme se lê do art. 2º, da Lei:

todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou semremuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualqueroutra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função...administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderesda União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território,de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cujacriação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais decinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual.

Está sujeito aos termos da Lei, também, “aquele que, mesmo nãosendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato deimprobidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta”,conforme reza o art. 3º, da Lei nº 8.429/92.

De tal sorte, todos os referidos nos arts. 2º, e 3º, da LIA, devemrespeitar os princípios da moralidade , da legalidade, daimpessoalidade, da publicidade, previstos pelo art. 37, caput, daConstituição Federal, e conforme reza o art. 4º, da Lei nº 8.429/92.

Não é só.Reza o art. 11, caput, da Lei de Improbidade:

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Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atentacontra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissãoque viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, elealdade às instituições, e notadamente: (....)

De tal sorte, aqueles mesmos agentes expressamente elencadosnos arts. 2º, e 3º, da LIA, devem observar também os atributos humanos– que não são princípios, conforme ensinam Marino Pazzaglini Filho,Márcio Fernando Elias Rosa, e Waldo Fazzio Júnior1 – da honestidade,da imparcialidade, e da lealdade, previstos no art. 11, da LIA, quetambém fez menção expressa ao princípio da legalidade.

Com todo efeito, a prática de qualquer ato atentatório àhonestidade, à imparcialidade e à lealdade, e ao princípio da legalidade,constitui ato de improbidade administrativa, nos termos ditados peloart. 11, da indigitada Lei.

Os autores Pazzaglini Filho, Elias Rosa, e Waldo Fazzio ensinam,ainda, em irrepreensível lição, que a lei, em seu art. 11, seria mais corretase simplesmente aludisse aos princípios elencados no seu art. 4º, que,por sua vez, já estão todos expressos no art. 37, da Constituição Federal.2

O referido dispositivo recebeu crítica, também, de MarceloFigueiredo, ao prelecionar que não é possível “de uma só penada,equiparar coisas, valores e conceitos distintos. O resultado é o arbítrio.”3

Sim, porque o legislador pátrio, em lamentável equívoco, equiparouos conceitos de lealdade, imparcialidade e honestidade, que são apenasatributos da conduta humana, ao conceito de legalidade, que, conformeé cediço em direito, constitui basilar princípio constitucional.

E, pior que isso, o dispositivo possui caráter aberto, ao rezarque constitui ato de improbidade administrativa “qualquer ação ouomissão”, dando azo à interpretações das mais variadas.

Nesse sentido, ensina com absoluta propriedade Mauro RobertoGomes de Mattos, em obra elucidativa, e da qual se lê:

Há que se ter temperamentos ao interpretar a presente norma,pois o seu caráter é muito aberto, devendo, por essa razão, sofrer a devidadosagem de bom sendo para que mera irregularidade formal, que não se

_____________1 In Improbidade administrativa. São Paulo : Atlas, 1996, p. 112.2 In ob. e pág. cit.3 In Probidade administrativa. São Paulo : Malheiros, 1995, p. 60.

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configura como devassidão ou ato ímprobo, não seja enquadrado napresente lei, com severas punições.4

Afora tal impropriedade do dispositivo legal, é de império analisarseus efeitos jurídicos, seus limites, e sua aplicabilidade, assim como asmodalidades de conduta previstas no texto do próprio dispositivo.

2.1. A NECESSIDADE DA EXISTÊNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO DO DOLO

A configuração do ato de improbidade administrativa – previstosnos arts. 9º, 10 e 11, da LIA - necessita, obrigatoriamente, da ocorrênciado dolo, não bastando, portanto, a culpa do agente, sendo que talposicionamento doutrinário e jurisprudencial é o majoritário. Sem afigura do dolo, portanto, é virtualmente impossível a caracterização deimprobidade administrativa.

Com todo efeito, tanto na doutrina quanto sobretudo najurisprudência é majoritário o entendimento segundo o qual nas açõesde improbidade administrativa deve ser demonstrado que o agentepúblico – ou os terceiros que concorreram para a prática do ato – utilizou-se de expediente que possa ser caracterizado como de má-fé, coma nítida intenção de beneficiar-se pela lesão ao erário, e apenas assim,portanto, poderá ser alegada a improbidade administrativa.

O elemento subjetivo dos tipos contidos nos arts. 9º, 10 e 11, detal sorte, é o dolo e apenas o dolo, decorrente da vontade do agentepúblico em locupletar-se às custas do erário, enriquecendo-se emdetrimento do Poder Público.

Nesse exato diapasão, era o entendimento do saudoso Hely LopesMeirelles. Vejamos:

Embora haja quem defenda a responsabilidade civil objetiva dosagentes públicos em matéria de ação de improbidade administrativa, parece-nos que o mais acertado é reconhecer a responsabilidade apenas na modalidadesubjetiva. Nem sempre um ato ilegal será um ato ímprobo. Um agentepúblico incompetente, atabalhoado ou negligente não é necessariamenteum corrupto ou desonesto. O ato ilegal, para ser caracterizado como atode improbidade, há de ser doloso ou, pelo menos, de culpa gravíssima.5

Nesse sentido, é a lição, também, de Mauro Roberto Gomes deMattos, para quem_____________5 In Mandado de Segurança. 26ª ed. São Paulo : Malheiros, 2004, p. 210/211.

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A má-fé, caracterizada pelo dolo, comprometedora de princípioséticos ou critérios morais, com abalo às instituições, é que deve serpenalizada, abstraindo-se meros pecados veniais, suscetíveis de correçãoadministrativa.6

O eminente constitucionalista José Afonso da Silva, ensina, de formaelucidativa, que “O ímprobo é o devasso da Administração Pública.”7

E, ainda, no mesmo diapasão, é o entendimento de MarinoPazzaglini Filho, Márcio Fernando Elias Rosa, e Waldo Fazzio Júnior,ao professarem:

Deve ser enfatizado que as condutas enumeradas nos sete incisosdo art. 11 não autorizam cogitar do elemento subjetivo que as motiva,sendo todas presumidamente dolosas. Aliás, pela redação dos tipos seevidencia que tais atitudes pressupõem a consciência da ilicitude e a vontadede realizar ato antijurídico.8

E a jurisprudência corrobora com o entendimento doutrinário.Vejamos entendimento do e. Superior Tribunal de Justiça ao decidir queos atos de improbidade apenas caracterizar-se-ão se houverdemonstração da má-fé do agente público ou do terceiro, como severifica no seguinte julgado:

Administrativo. Improbidade Administrativa. Cessão de empresadode empresa estatal. Ônus pra a empresa cedente. Possibilidade. Decreto nº99.955/90. Verbas indenizatórias. Mudança de domicílio. Percepção porservidor da União ou por nomeado para cargo em comissão ou funçãopública. Legalidade. Lesão ao erário. Inexistência. Recurso Provido.

I – A qualificação jurídica das condutas reputadas ímprobas, ouseja, a subsunção dos atos praticados à norma de regência, Lei nº 8.429/92, constitui questão de direito, viabilizadora da análise do recurso especial.Inaplicabilidade da Súmula 07/STJ.

II – Lei nº 8.429/92. Fixação do âmbito de aplicação. Perspectivateleológica. Artigos 15, inc. V e 37, § 4º, da CF. O ato de improbidade, a

_____________6 In ob. cit., p. 383.7 Curso de Direito Constitucional Positivo. 19ª ed. São Paulo : Malheiros, 2003, p. 388.8 In ob. cit., p. 112.

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ensejar a aplicação da Lei nº 8.429/92, não pode ser identificado tãosomente com o ato ilegal. A incidência das sanções previstas na lei carece deum plus, traduzido no evidente propósito de auferir vantagem, causandodano ao erário, pela prática de ato desonesto, dissociado da moralidade edos deveres de boa administração, lealdade, boa-fé. (STJ, Rel. Min. LauritaVaz, 2ª T., REsp n. 269683/SC, julgado em 06/08/02).

No mesmo sentido, cite-se r. acórdão do e. Superior Tribunal deJustiça, rel. Ministro Franciulli Neto, REsp nº 242.632, DJU de30.06.2003; e, ainda, do mesmo e. STJ, rel. Min. Garcia Vieira, RESPnº 213994/MG, 1ª T., DJ de 27.09.99, p. 59; e, também, do e. STJ, Rel.Min. Luiz Fux, RESP 480387/SP, 1ª T., DJ de 24.05.2004, p. 163.

Com todo efeito, a lei não pretende punir o administrador que agecom descuido, mas, sim, aquele que age com má-fé, com a intenção deser desleal, desonesto, ignóbil.

A única ilação que se pode retirar até aqui, portanto, é no sentidode que é absolutamente imperiosa a existência do dolo para aconfiguração de ato por improbidade administrativa, nos termos regidospela Lei federal nº 8.429/92.

3. AS MODALIDADES PREVISTAS NOS INCISOS DO ART. 11, DA LEI Nº 8.429/92

O art. 11, da LIA, em rol aberto, e extensivo – porque faz constarde sua cabeça o verbete “notadamente”, e assim permite a inclusão deoutras hipóteses ou modalidades de ato de improbidade –, prevê setemodalidades de prática de ato por improbidade administrativa,conforme se passa a analisar.

I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento oudiverso daquele previsto, na regra de competência.

Nessa hipótese de ato de improbidade administrativa, o agenteatua com desvio de finalidade, ou seja, o administrador age em benefíciopróprio, e tem por objetivo finalidade diversa da prevista em lei. Sim,porque nessa modalidade de conduta ímproba, o administrador pretendefavorecer seus interesses pessoais, relegando, com isso, o interessepúblico, que fica em segundo plano.

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Ocorre, porém, e conforme ensina Mauro Roberto Gomes deMattos, o legislador iguala ilegalidade com improbidade administrativa,sendo que a primeira nem sempre será tida como tipificadora da segunda.9

Afora mais essa incongruência da lei, é ímprobo o agente que nãoobserva o prescrito em lei, agindo com desvio de finalidade – porémnão basta que o agente se divorcie do previsto em lei, pois é imperiosoque ele tenha o animus de alcançar algum benefício com tal conduta.

Marino Pazzaglini Filho, Márcio Fernando Elias Rosa, e WaldoFazzio Júnior exemplificam atos de improbidade administrativa pordesvio de finalidade ou de poder. Vejamos:

Age com óbvio desvio abusivo de poder, por exemplo, o agentepúblico que orienta a entidade que administra para fim estranho a seuobjeto estatutário ou de modo a favorecer interesses particulares emdetrimento dos interesses sociais.

Também assim no caso do agente público diretor de sociedade deeconomia mista ou empresa pública que promove emissão de valoresmobiliários em prejuízo de acionistas minoritários ou adota políticaadministrativa em distonia com os objetivos da empresa, ou ainda, decidesem consulta ao Conselho de Administração sobre matéria que reclama aaprovação daquele órgão deliberativo.10

II – retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício

Refere-se tal modalidade à prevaricação, hipótese em que o agenteprotela ou não pratica ato de ofício. Tal conduta também constitui crimeprevisto no art. 319, do Código Penal.

É elemento normativo do tipo o advérbio “indevidamente”, ouseja, para a configuração do ato de improbidade, é necessário que aprotelação ou omissão seja praticada de forma indevida. Dessa forma,e por necessária conclusão, se o retardamento ou a omissão foremdevidamente justificados por motivo plausível, o ato de improbidadenão restará configurado._____________9 In ob. cit., p. 393.10 In ob. cit., p. 114.

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III – revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão dasatribuições e que deva permanecer em segredo

Trata o dispositivo de violação de sigilo funcional, que tambémconstitui crime, previsto no art. 325, do Código Penal.

Conforme ensina Mauro Roberto Gomes de Mattos, ao trazer àcolação definição constante do festejado Vocabulário Jurídico elaboradopor De Plácido e Silva, o sigilo funcional nada mais é do que “o deverimposto ao funcionário público para que não viole nem divulgue segredode que teve conhecimento em razão de sua função.”11

Dessa forma, violar essa obrigação de não divulgar segredo sabidopor força do cargo ou função ocupado, constitui ato de improbidade.

IV – negar publicidade a atos oficiais

A publicidade é princípio constitucional contido no art. 37, caput,da Constituição Federal, e é também princípio contido no art. 4º, da Leide Improbidade Administrativa.

A lei pune, portanto, o agente que de forma deliberada eintencional, infringe o princípio da publicidade. Sim, porque não podehaver segredos, ou sigilos na Administração Pública, que precisa sercristalina, e transparente.

É de império ressaltar, porém, que a publicidade e a transparêncianão podem constituir devassa na Administração Pública. Além disso,os atos de publicidade não podem ter o condão de revelar segredos esigilos de forma a configurar a violação contida no inc. III, do art. 11, daLIA, que se refere à violação de sigilo funcional.

V – frustrar a licitude de concurso público

Os certames e concursos públicos devem observar o princípioda isonomia ou da igualdade, de modo a proporcionar tratamento eoportunidades iguais a todos os participantes. Sim, porque em concursospúblicos o tratamento dado aos interessados deve ser indistinto eimpessoal._____________11 Ob. cit., p. 427.

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Assim, qualquer ato que viole o princípio da isonomia em concursopúblico constitui ato de improbidade administrativa.

Com todo efeito, a intenção da lei é reprimir a burla ao princípioda igualdade em concurso, bem como reprimir qualquer tentativa defrustrar a competitividade em tais certames.

Além disso, o objetivo da lei é assegurar a legalidade, a moralidade,a legitimidade, e a impessoalidade do concurso público, que temfundamento no art. 37, inc. II, da Constituição Federal.

Mauro Roberto Gomes de Mattos, em perfeita dicção sobre oconteúdo da norma, professa que

Manobras dolosas, como eliminação do candidato em examemédico, físico ou psicotécnico ou outras, com vontade de prejudicar omais bem colocado no certame para que o candidato menos habilitadopossa ser investido na função pública, sem que haja causa legal, configuramato de improbidade administrativa, pois a competição fica frustrada pelaconduta ilegal do agente público.12

VI – deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo

O inciso ora em comento trata da omissão indevida na prestaçãode contas, sendo que a obrigatoriedade de tal prestação está previstano art. 70, parágrafo único, da Constituição Federal.

Além disso, é cediço em direito que os administradores estãosujeitos às tomadas de contas realizadas pelos Tribunais de Contas,conforme se depreende da leitura do art. 71, da Constituição Federal.

A omissão na prestação de contas pode ensejar, também, aintervenção da União nos Estados, conforme reza o art. 34, inc. VII, al.d, da Constituição Federal.

E, ainda, a omissão indevida na prestação de contas configuracrime de responsabilidade de Prefeitos e ex-Prefeitos, nos termos doart. 1º, inc. VII, do Decreto nº 201, de 27 de fevereiro de 1967.

Os ordenadores de despesas devem, ainda, observar comfidelidade o princípio da publicidade com relação às contas prestadas,ou seja, os administradores devem dar ampla divulgação, e, com isso,absoluta transparência – a transparência na gestão fiscal é obrigação_____________12 Ob. cit., p. 448.

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determinada pelo art. 48, da Lei de Responsabilidade Fiscal - a todas asreceitas e despesas realizadas durante a gestão.

De tal sorte, e para concluir o administrador que deixar de prestarcontas nos termos determinados pela Constituição Federal praticará atode improbidade administrativa.

VII – revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro,antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política oueconômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço

A última e derradeira modalidade de ato de improbidadeadministrativa prevista no art. 11, da Lei, é espécie da hipótese previstano inc. III, do mesmo dispositivo, que, por sua vez, se refere à violaçãode sigilo funcional.

Na hipótese do inc. VII, porém, a violação deve se referir à teor demedida econômica ou política capaz de afetar preço de mercadoria, sendoque tal disposição tem inspiração no dever de lealdade, previsto no § 1º,do art. 155, da Lei federal nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, quedispõe sobre as Sociedades por Ações, e que reza que o “administradorde companhia aberta deve guardar sigilo sobre informação que ainda nãotenha sido divulgada para conhecimento do mercado.”

É de império ter em mente que se a conduta do agente deve produzirresultado capaz de afetar o preço do bem ou serviço, porque, de modoinverso, e se o resultado previsto na lei não for obtido, então a condutaconsistente em apenas revelar informação sigilosa, não será reputadacomo ato de improbidade administrativa, porque não haverá acaracterização do ato improbidade, nos termos do dispositivo em comento.

E, por fim, o mesmo ilustre Mauro Roberto Gomes de Mattosdissipa qualquer dúvida sobre essa modalidade de ato de improbidadeadministrativa ao ensinar, exemplificando, que:

A revelação, com a transferência de informações sigilosas, conhecidasem razão de ofício, para terceiros, de medida política ou econômica, capazde afetar o preço do bem ou serviço é combatida no presente inciso, porser vital o segredo. É a hipótese, por exemplo, de um congelamento depreços, onde vazamentos de informações oficiais possibilita ao mercado,antes de pronunciamento oficial, reajustar o valor do bem ou do serviço,

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para que a medida a ser implementada não encontre o preço já acrescido.Essa estória já foi vista por todos nós em várias oportunidades.13

4. CONCLUSÃO

É forçoso concluir, pelo exposto, e conforme entende a maisautorizada doutrina, que a Lei de Improbidade de ImprobidadeAdministrativa é eivada de algumas falhas e incongruências, e, sendoassim, sua aplicação depende de demorada reflexão, o que ensejadointerpretações diversas a respeito do conteúdo de suas normas.

Destacam-se no contexto legal as condutas previstas nos art. 9º,10, e 11, e reputadas como ato de improbidade, que necessitam deelemento determinante, que é o dolo do agente, e, nesse sentido, repita-se, para concluir, o ensinamento de José Afonso da Silva, para quem “oímprobo é o devasso da Administração Pública.”14

O art. 11, em específico, e que foi redigido em péssima técnica,mistura conceitos básicos ao igualar os atributos humanos da lealdade,da imparcialidade, e da honestidade, ao princípio constitucional dalegalidade. Além disso, tal dispositivo legal possui caráter aberto, dandomargem a interpretações, conclusões, e aplicações equivocadas da norma.

Diante de todas essas considerações, observa-se que para a perfeitaaplicação das normas contidas no art. 11, da Lei nº 8.429/92, que é aLIA, deve ser observado o princípio da eqüidade, assim como todos oslimites constitucionais e principiológicos aplicáveis.

_____________13 Ob. cit., p. 468.14 Curso de direito constitucional positivo. 19ª ed. São Paulo : Malheiros, 2003, p. 388.

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A NECESSÁRIA EXISTÊNCIA DO DOLO PARA ACONFIGURAÇÃO DE ATO DE IMPROBIDADE

ADMINISTRATIVA – JURISPRUDÊNCIA COMENTADA

Gina CopolaEspecialista em Direito Ambiental Administrativo, Constitucional e Previdenciário

1. DA EMENTA DA DECISÃO

O e. Superior Tribunal de Justiça, em Recurso Especial nº 480.387-São Paulo (2002/0149825-2), rel. Min. Luiz Fux, julgado em 16.03.04,e publicado in DJ de 24.05.04, decidiu, de forma irrepreensível, temaconcernente à probidade administrativa, com a seguinte ementa:

AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIADE MÁ-FÉ DO ADMINISTRADOR PÚBLICO.

1. A Lei nº 8.429/92 da Ação de Improbidade Administrativa, queexplicitou o cânone do art. 37, § 4º, da Constituição Federal, teve comoescopo impor sanções aos agentes públicos incursos em atos deimprobidade nos casos em que: a) importem em enriquecimento ilícito(art. 9º); b) que causem prejuízo ao erário público (art. 10); c) que atentemcontra os princípios da Administração Pública (art. 11), aqui tambémcompreendida a lesão à moralidade administrativa.

2. Destarte, para que ocorra o ato de improbidade disciplinadopela referida norma, é mister o alcance de um dos bens jurídicos acimareferidos e tutelados pela norma especial.

3. No caso específico do art. 11, é necessária cautela na exegese dasregras nele insertas, porquanto sua amplitude constitui risco para ointérprete induzindo-o a acoimar de ímprobas condutas meramenteirregulares, suscetíveis de correção administrativa, posto ausente a má-fédo administrador público e preservada a moralidade administrativa.

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4. In casu, evidencia-se que os atos praticados pelos agentes públicosconsubstanciados na alienação de remédios ao Município vizinho emestado de calamidade, sem prévia autorização legal, caracterizam aimprobidade strictu senso, uma vez que ausentes o enriquecimento ilícitodos agentes municipais e a lesividade ao erário. A conduta fática nãoconfigura a improbidade. (....)

6. É cediço que a má-fé é premissa do ato ilegal e ímprobo.Consectariamente, a ilegalidade só adquire o status de improbidade quandoa conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da AdministraçãoPública coadjuvados pela má-fé do administrador. A improbidadeadministrativa, mais que um ato ilegal, deve traduzir, necessariamente, afalta de boa-fé, a desonestidade, o que não restou comprovado nos autospelas informações disponíveis no acórdão recorrido, calcadas, inclusive,nas conclusões da Comissão de Inquérito. (....)

11. Recursos especiais providos.

2. OS COMENTÁRIOS AO R. ACÓRDÃO TRANSCRITO

2.1. A NECESSÁRIA EXISTÊNCIA DO DOLO

A configuração do ato de improbidade administrativa necessita,obrigatoriamente, da ocorrência do dolo, não bastando, portanto, a culpado agente, sendo que tal posicionamento doutrinário e jurisprudencial éo majoritário.

Com todo efeito, sem a figura do dolo é virtualmente impossível acaracterização de improbidade administrativa, porque o ímprobo éaquele que teve a vontade, a intenção, ou o animus de causar lesão ouprejuízo ao erário público, bem como aos princípios constitucionais quenorteiam a Administração.

Tanto na doutrina quanto sobretudo na jurisprudência émajoritário o entendimento segundo o qual nas ações de improbidadeadministrativa deve ser demonstrado que o agente público – ou osterceiros que concorreram para a prática do ato - utilizou-se de expedienteque possa ser caracterizado como de má-fé, com a nítida intenção deprejudicar o interesse público, e apenas assim, portanto, poderá seralegada a improbidade administrativa.

O elemento subjetivo dos tipos contidos na LIA, de tal sorte, é odolo e apenas o dolo, decorrente da vontade do agente público causar

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dano ou prejuízo à Administração Pública. Sim, porque a intenção doímprobo é alcançar benefício próprio ou de terceiro, em detrimento dointeresse público.

Com efeito, “a lei alcança o administrador desonesto, não o inábil.”,conforme já decidiu o e. STJ, Rel. Min. Garcia Vieira, RESP nº 213994/MG, 1ª T., DJ de 27.09.99, p. 59.

Ninguém, portanto, é ímprobo por acaso, nem desonesto porimperícia, nem velhaco por imprudência, nem inidôneo se não quisersê-lo ostensiva e propositadamente. Com todo efeito, sem o elementovolitivo presente; sem a vontade de delinqüir, de lesar, de tirar ilegítimoproveito, de locupletar-se indevidamente, de enriquecer ilicitamente,ninguém pode ser inquinado de improbidade, uma vez que essa pechasomente tem sentido técnico-jurídico, e mesmo lógico, se e quandoimputada ao mal-intencionado, ao desonesto de propósitos, ao golpista,ao escroque. Quem não se enquadra n’alguma dessas infames categoriasserá tudo no planeta - menos praticante de ato de improbidade.

Improbidade é figura que, em direito penal, civil ou administrativo,exige a essencial intencionalidade delitiva, a vontade ativa e efetiva depraticar ato sabidamente inadmitido pelo direito. Trata-se da má-féplenamente caracterizada, é a má intenção do agente.

De tal sorte, ausente o elemento volitivo, então nenhumaimprobidade jamais poderá ser imputada a ninguém.

A improbidade não pode ser atribuída a quem apenas esquece demera formalidade, ou comete pequenas irregularidades, sendo que taisatos não têm, nem poderiam ter, o condão de causar lesão aos cofrespúblicos ou aos princípios constitucionais que devem reger aAdministração Pública, e, por isso, não podem ser reputados como atosímprobos.

O magnífico e festejadíssimo Vocabulário jurídico, de De Plácidoe Silva, atualizado por Nagib Slaibi Filho e Geraldo Magela Alves,consigna a definição de ímprobo como sendo:

Do latim, in e probus, entende-se mau, perverso, corrupto,devasso, desonesto, falso, enganador. É atributivo da qualidade detodo homem ou de toda pessoa que procede atentando contra os princípiosou as regras da lei, da moral e dos bons costumes, com propósitos

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maldosos ou desonestos. O ímprobo é privado de idoneidade e de boafama.1

Com todo efeito, conduta ímproba é aquela praticada de formaconsciente pelo agente público, que tem a intenção de causar qualquerforma de lesão ou prejuízo à Administração Pública.

2.2. A PATENTE INCONSTITUCIONALIDADE CONTIDA NOS ARTS. 5º E 10, DA LIA

Rezam os arts. 5º, e 10, da LIA:Art. 5º Ocorrendo lesão ao patrimônio público por ação ou omissão,

dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro, dar-se-á o integralressarcimento do dano.

Art. 10 Constitui ato de improbidade administrativa que causalesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que ensejeperda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidaçãodos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, enotadamente: (....) (Grifamos)

Ocorre, porém, que a forma culposa de improbidade não seenquadra na definição de improbidade administrativa contida no art.37, § 4º, da Constituição Federal, e, portanto, a improbidadeadministrativa na forma culposa resta absolutamente inconstitucional.

Sim, porque os dois citados dispositivos contidos na LIAexorbitam, extrapolam, excedem, ultrapassam os limites impostos pelaLei Maior, sendo passíveis, dessa forma, de anulação pelo e. PoderJudiciário.

Nesse exato sentido, ensina Mauro Roberto Gomes de Mattos2, oex-Procurador Geral da República Aristides Junqueira Alvarenga3, eMarcelo Figueiredo.4_____________1 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 18. ed. Rio de Janeiro : Forense, 2001, p. 416,

com grifos originais.2 MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. O Limite da Improbidade Administrativa. Rio de

Janeiro: América Jurídica, 2005, p. 256.3 ALVARENGA, Aristides Junqueira. Improbidade administrativa - questões polêmicas e atuais.

São Paulo: Malheiros, 2001, p. 89.4 FIGUEIREDO, Marcelo. Probidade Administrativa – Comentários à Lei 8.429/92 e legislação

complementar. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 50.

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2.3. A VASTA DOUTRINA SOBRE O TEMA

A mais autorizada doutrina pátria existente sobre o tema em focoé vasta e majoritária no sentido de que sem o dolo não há ato deimprobidade administrativa.

Nesse exato diapasão, é a lição do saudoso mestre Hely LopesMeirelles, atualizada por Arnoldo Wald e pelo Ministro Gilmar Mendes,merecendo destaque:

Embora haja quem defenda a responsabilidade civil objetiva dosagentes públicos em matéria de ação de improbidade administrativa, parece-nos que o mais acertado é reconhecer a responsabilidade apenas namodalidade subjetiva. Nem sempre um ato ilegal será um ato ímprobo.Um agente público incompetente, atabalhoado ou negligente não énecessariamente um corrupto ou desonesto. O ato ilegal, para sercaracterizado como ato de improbidade, há de ser doloso ou, pelo menos,de culpa gravíssima.5

Lê-se, portanto, que o incompetente, ou o negligente não podereceber a pecha de ímprobo, porque, em tais casos, o agente públiconão é necessariamente desonesto, ou desleal.

Nesse sentido, é a irrepreensível lição Mauro Roberto Gomes deMattos - como de regra são as lições desse nobre advogado –, para quem

A má-fé, caracterizada pelo dolo, comprometedora de princípioséticos ou critérios morais, com abalo às instituições, é que deve serpenalizada, abstraindo-se meros pecados veniais, suscetíveis de correçãoadministrativa.6

São, ainda, lições de Mauro Roberto de Mattos: “Pecados veniaisou equívocos que não tragam prejuízo econômico ao Poder Público nãopoderão ser atacados pela ação de improbidade administrativa.7”

O professor e Conselheiro da OAB/MG, Adriano Perácio de Paula,em artigo intitulado Sobre a Lei 8.429, de 1992, e a atuação do_____________5 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 210/

211. Grifamos.6 MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. ob. cit., p. 383.7 MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. ob. cit., p. 100.

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Ministério Público nas ações de improbidade no processo civil,professara que:

Antes de mais avançar, é preciso assentarmos que a ação civil deresponsabilidade somente é viável constatando-se a existência de prejuízopara a vítima, seja esta um particular ou o Estado. Além disso, épreciso que se verifique sobre o nexo de causalidade entre o atoomissivo ou comissivo do agente e aquele prejuízo propriamentedito. Somente após proceder à análise da presença desses dois pressupostoshaverá que se falar em ação de indenização.

Tal como a responsabilidade do Estado em relação ao administrado,não basta a ilegalidade do ato de improbidade em si; há que haver umdireito subjetivo que seja atingido, pois somente quando o ato do agentepúblico, servidor ou não, importar dano direito, então, é que se haverá quefalar em indenização. A equação para se apurar a responsabilidadehaverá sempre de passar por uma constante: a verificação de prejuízoe o nexo causal.8

E, ainda, no mesmo sentido são, ainda, as lições de Pedro da SilvaDinamarco, em artigo intitulado Requisitos para a procedência dasações por improbidade administrativa. Vejamos: “Na verdade, a Leide Improbidade Administrativa “alcança o administrador desonesto, nãoo inábil”.9

E, em nota de rodapé, anota acórdão, por votação unânime, do e.Superior Tribunal de Justiça em abono e supedâneo do que afirma: “8.Cf. STJ, 1ª T. Resp 213.994-MG, rel. Min. Garcia Vieira, j. 17.8.1999,v.u.” (ob. cit., p. 333)

Com todo efeito, mais uma vez se afirma e se consagra que oadministrador ímprobo é tão-só aquele desonesto, o que causaprejuízo aos cofres públicos.

Ainda no mesmo diapasão, é o ensinamento do Juiz de Direitoaposentado do TRF da 2ª Região, Sérgio de Andréa Ferreira, em Semináriosobre Improbidade Administrativa, promovido pela Editora NDJ –Nova Dimensão Jurídica. Vejamos:_____________8 PAULA, Adriano Perácio de. Improbidade administrativa - questões polêmicas e atuais. São Paulo:

Malheiros, 2001, p. 45. com grifos nossos9 DINAMARCO, Pedro da Silva. Improbidade administrativa - questões polêmicas e atuais. São

Paulo: Malheiros, 2001, p. 333. com grifos nossos

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O ímprobo é o desonesto, portanto isso atinge a sua honra, é umaforma degradante, desqualificadora e desqualificante de se qualificar ou dese caracterizar a conduta de alguém; é o dolo qualificado por esse sentimento,esse desejo do ilícito, sob uma forma de desonestidade.10

Cite-se, ainda, no mesmo diapasão, ensinamento de Ivan BarbosaRigolin, para quem “Ninguém pode ser ímprobo por simples culpa, (....).Sem a vontade expressa, ou a ciência da responsabilidade por ato irregulare desonesto, não existe improbidade.11

E, por fim, o constitucionalista José Afonso da Silva, tivera ensejode ensinar, de forma elucidativa, que “O ímprobo é o devasso daAdministração Pública.12

É forçoso concluir, portanto, que o ímprobo é o desleal, odesonesto, o ignóbil. Desse modo, o agente não pode ser qualificadocomo ímprobo, se observada a ausência de desonestidade na condutapor ele praticada.

2.4. A JURISPRUDÊNCIA EXISTENTE

A jurisprudência também é majoritária no sentido de que sem aocorrência do dolo não há ato de improbidade administrativa. Vejamosr. acórdão do e. STJ, que corrobora com o entendimento do acórdãotranscrito ab initio. Trata-se do Recurso Especial nº 269683/SC, rel.Min. Laurita Vaz, julgado em 06.08.02, de onde se lê:

Administrativo. Improbidade Administrativa. cessão de empresaestatal. Ônus pra a empresa cedente. Possibilidade. Decreto nº 99.955/90.Verbas indenizatórias. Mudança de domicílio. Percepção por servidor daUnião ou por nomeado para cargo em comissão ou função pública.Legalidade. Lesão ao erário. Inexistência. Recurso Provido. I – A qualificaçãojurídica das condutas reputadas ímprobas, ou seja, a subsunção dos atospraticados à norma de regência, Lei nº 8.429/92, constitui questão dedireito, viabilizadora da análise do recurso especial. Inaplicabilidade da

_____________10 FERREIRA, Sérgio de Andréa. Improbidade Administrativa, in Boletim de Direito

Administrativo, 2005, p. 1.098.11 RIGOLIN, Ivan Barbosa. Manual prático das licitações. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 118.12 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 19. ed. São Paulo: Malheiros,

2003, p. 388.

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Súmula 07/STJ. II – Lei nº 8.429/92. Fixação do âmbito de aplicação.Perspectiva teleológica. Artigos 15, inc. V e 37, § 4º, da CF. O ato deimprobidade, a ensejar a aplicação da Lei nº 8.429/92, não pode seridentificado tão somente com o ato ilegal. A incidência das sançõesprevistas na lei carece de um plus, traduzido no evidente propósitode auferir vantagem, causando dano ao erário, pela prática de atodesonesto, dissociado da moralidade e dos deveres de boaadministração, lealdade, boa-fé. (Grifamos)

Cite, mais uma vez, e nesse mesmo sentido, r. acórdão do e. STJ, Rel.Min. Garcia Vieira, RESP nº 213994/MG, 1ª T., DJ de 27.09.99, p. 59.

Ainda no mesmo sentido, é o entendimento do e. TJ/MG, Rel.Des. Célio César Paduani, Processo nº 1.0024.94.075670-3/001(1), 4ªCC, DJ de 08.11.2005, de onde se lê:

Direito Administrativo. Ação Civil Pública. ImprobidadeAdministrativa. Sanções previstas pela Lei nº 8.429/92. Atipicidade dofato em relação à improbidade. Inexistência de conduta intencional oudolosa. Apelação não provida. A improbidade administrativa é uma espéciede moralidade qualificada, tendo por elemento caracterizador adesonestidade. E a desonestidade, por sua vez, pressupõe a existência deconduta intencional, dolosa, ou seja, para configurar improbidadeadministrativa, é necessário que haja, no mínimo, a voluntariedade doagente público, não se contemporizando com a mera conduta culposa.(Grifamos).

Nesse exato diapasão, já decidiu o e. Tribunal de Justiça do MatoGrosso, rel. Des. Benedito Pereira do Nascimento, AI nº 8368/2002, 2ªCC, julgado em 20.08.02, de onde se lê que: “Para que seja tipificada aimprobidade administrativa, faz-se necessário que tenha havido acaracterização inequívoca de dolo, ou seja, de que houve vontadedeliberada do agente em fraudar a lei.”

Cite-se, ainda, r. acórdão do e. Tribunal de Justiça de Minas Gerais,rel. Des. Jarbas Ladeira, Apelação Cível 1.0000.00.332094-2/000, 6ªCC, DJ de 03.10.03, que reza: “Como não houve indícios de dolo oumá-fé, nem foi causado prejuízo financeiro aos cofres públicos, afastadaestá a hipótese de improbidade administrativa. Sentença confirmada.”

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3. BREVE CONCLUSÃO

A Lei de Improbidade Administrativa - que é lacunosa, incongruente,e não observa os imperiosos e relevantes princípios da eqüidade e daproporcionalidade - contém dispositivos manifestamente inconstitucionais,a exemplo dos supracitados art. 5º, e 10, caput, da Lei.

Tais referidos dispositivos, conforme se observa pela sua simplesleitura, admitem a forma culposa por ato de improbidade administrativa.

Ocorre, porém, que a mais autorizada doutrina pátria, e sobretudoa jurisprudência, em boa técnica, e de forma consciente, inadmite aforma culposa para atos de improbidade administrativa.

É o que se lê dos excertos acima transcritos, que dissipam qualquerdúvida sobre o tema, e fazem coro no sentido de que sem dolo não háimprobidade administrativa. Essa construção doutrinária ejurisprudencial denota a absoluta lucidez com que nossos tribunais, etambém os aplicadores do direito, têm encarado e interpretado a LIA.

E, para concluir, citemos irrepreensível ensinamento do Juiz deDireito aposentado Sérgio de Andréa Ferreira, ao professar que a LIAdeve ser aplicada: “dentro dos princípios, da técnica e da ciência jurídica,porque, fora disso, nós é que seremos ímprobos no cometimento degraves injustiças contra aqueles que, inocentes, sejam acusados deimprobidade.14

4. DA BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

1. BUENO, Cássio Scarpinella e PORTO FILHO, Pedro Paulo deRezende (coordenadores). Improbidade administrativa - questõespolêmicas e atuais. São Paulo: Malheiros, 2001.

2. SILVA, De Plácido e.Vocabulário Jurídico. 18.ed. Rio de Janeiro: Forense,2001.

3. FERREIRA, Sérgio de Andréa, Improbidade Administrativa. Boletimde Direito Administrativo, NDJ, 2005, p. 1.098.

4. FIGUEIREDO, Marcelo. Probidade administrativa – comentários à Lei8.429/92 e legislação complementar. São Paulo: Malheiros, 1995.

_____________14 FERREIRA, Sérgio de Andréa. Palestra sobre Improbidade Administrativa. BDA – Boletim

de Direito Administrativo 2005, p. 1.101/2.

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5. MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. O Limite da improbidadeadministrativa. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2005.

6. MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança. 26. ed. São Paulo:Malheiros, 2004.

7. RIGOLIN, Ivan Barbosa. Manual prático das licitações. 5. ed. São Paulo:Saraiva, 2005.

8. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional Positivo. 19. ed.São Paulo: Malheiros, 2003.

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O PROCEDIMENTO PRÓPRIO DAS AÇÕES DE

RESPONSABILIDADE POR ATO DE IMPROBIDADE

ADMINISTRATIVA - JURISPRUDÊNCIA COMENTADA

Gina CopolaEspecialista em Direito Ambiental Administrativo, Constitucional e Previdenciário

1. DA EMENTA DA DECISÃO

O e. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, emApelação Cível nº 7000567112, rel. Des. Ângelo Maraninchi Giannakos,1ª Câmara Especial Cível, julgado em 25/8/03, decidiu sobre a necessáriacitação do réu em ação de improbidade administrativa, para o fielcumprimento ao disposto no art. 17, § 7º, da Lei federal nº 8.429, de 2de junho de 1992, que é a LIA.

Reza a ementa do r. acórdão:

Apelação Cível. Ação Civil Pública. Improbidade administrativa.Ausência de licitação. Município de Capão da Canoa. Citação inválida.Ausência de prévia notificação dos requeridos, conforme o disposto noart. 17, § 7º, da Lei nº 8.429/92, alterado pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 04.09.2001.

Prescrição reconhecida na origem. Sentença de extinção. Negaramprovimento à apelação.

Lê-se, portanto, que o e. TJRS, em decisão irreparável, determinouinválida a irregular citação do réu, para, dessa forma, determinar ocumprimento do disposto no § 7º, do art. 17, da LIA, e, afinal, julgouextinta a ação de improbidade administrativa.

2. DOS COMENTÁRIOS AO R. ACÓRDÃO TRANSCRITO

Reza o art. 17, § 7º, da LIA:

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Art. 17 (....)

§ 7º - Estando a inicial em devida forma, o Juiz mandará autua-lae ordenará a notificação do requerido, para oferecer manifestação por escrito,que poderá ser instruída com documentos e justificações, dentro do prazode 15 (quinze) dias.

Lê-se do dispositivo da LIA que recebida a inicial, o Juiz devenotificar o requerido para que apresente manifestação por escrito. Talreferida manifestação, que é de imperiosa relevância, é a defesa préviaou preliminar, que pode, e até mesmo deve, ser ofertada pelo requerido,no prazo de quinze dias, e com o fim de demonstrar o descabimento daação proposta, ou a inexistência de ato de improbidade, ou até mesmo aimprocedência, quanto ao mérito, da ação civil proposta.

A defesa prévia ou preliminar apresentada pelo requerido podeperfeitamente ser acompanhada de documentos, além das pertinentes ecabíveis razões de defesa. Com todo efeito, trata-se da oportunidadeconcedida ao requerido a fim de demonstrar que as alegações lançadaspelo autor da ação são desarrazoadas, ou infundadas, ou insubsistentes,e não encontram guarida no procedimento escolhido.

A relevância da defesa prévia em ações de improbidadeadministrativa, já foi ressaltada pelo advogado e professor CássioScarpinella Bueno, em importante artigo intitulado O procedimentoespecial da Ação de Improbidade Administrativa (MedidaProvisória 2.088), ao ensinar que devem ser observados os §§ 6º, 7º e8º, da LIA, que dão oportunidade à apresentação de defesa prévia aoacusado. E diz:

Os documentos, as justificações, as escusas e a conduta de quempretende tipificar ato (s) de improbidade administrativa serão analisadosnão só no decorrer do procedimento (mais aprofundadamente na faseinstrutória), mas receberão um juízo de admissibilidade expresso e bastanteprofundo (até mesmo exauriente, quando a hipótese é de declaração dainexistência do ato de improbidade ou de improcedência da ação) logoapós o estabelecimento do prévio contraditório, na forma comodisciplinam os precitados §§ 7º e 8º.

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E conclui, de forma elucidativa: “Daí porque a petição inicial daação de improbidade administrativa deve ser proporcionalmente maissubstancial do que a das outras ações que não têm esta fase preliminarde admissibilidade da inicial.1”

A citação do requerido para a apresentação de defesa preliminarnos termos dos §§ 7º e 8º, da LIA, conforme se denota, restaimprescindível ao regular prosseguimento do feito, e o devido processolegal, e dessa forma, a sua ausência gera vício insanável, que acarreta anulidade do processo, conforme tem decidido a jurisprudência, a exemplodo r. acórdão supratranscrito.

Nesse exato sentido, também decidiu o e. TJGO, rel. Des. LeobinoValente Chaves, AI nº 32666-8/180, 1ª CC, por v.u., DJ de 09.12.03,livro 1.143, com a seguinte ementa:

Apelação cível. Ação civil pública. Improbidade administrativa.Ausência de licitação. Município de Capão da Canoa. Citação inválida.Ausência de prévia notificação dos requeridos, conforme o disposto noart. 17, § 7º, da Lei nº 8.429/92, alterado pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 04.09.2001.

Prescrição reconhecida na origem. Sentença de extinção. Negaramprovimento à apelação.

Observa-se, portanto, que a ação proposta foi extinta por falta decitação válida para apresentação de defesa prévia ou preliminar.

Ainda no mesmo sentido, cite-se r. acórdão do e. TJMG, rel. Des.Hyparco Immesi, AI nº 1.0000.00.279325-5/000, 4ª CC, DJ de 8/10/2003.

Com todo efeito, tal significante oportunidade oferecida aorequerido concernente à apresentação de defesa prévia não tem o condãode exaurir toda a defesa a ser apresentada nos autos, uma vez que talapresentação de defesa preliminar possibilita tão-somente o prévio juízode admissibilidade da ação.

Sim, porque se não for devidamente demonstrada em defesa préviaa inocorrência do alegado ato de improbidade administrativa, ou que aação é improcedente, ou, ainda, que a via eleita pelo autor restouinadequada, então o Juiz, nos termos do § 8º, do art. 17, da LIA, receberá_____________1 BUENO, Cássio Scarpinella. Improbidade administrativa – questões polêmicas e atuais. São Paulo:

Malheiros, 2001, p. 145, com grifos originais.

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a ação proposta, em decisão devidamente fundamentada; e o requerido,então, que passará a receber a pecha de réu na ação, terá oportunidadepara apresentar sua contestação.

Sobre a necessária fundamentação que deve conter o r. despachoque recebe a ação de improbidade, existe recente decisão proferida peloe. TRF-5ª Região, Ag. 62.991-CE (2005.05.00.019739-7) – 2ª T. Rel.Des. Federal Napoleão Nunes Maia Filho, e publicado no DJU 2 de09.02.06, com a seguinte ementa:

Constitucional. Processual Civil. Ação de improbidadeadministrativa. Necessidade de fundamento da decisão que recebe a suainicial. 1. A exigência constitucional de fundamentação de todas as decisõesjudiciais (art. 93, XIII) se reflete na Lei de Improbidade Administrativa(Lei nº 8.429/92), impondo ao Juiz que declare, tanto ao receber, como aorejeitar a inicial, as razões de fato e de direito que lhe formaram a convicção.2. O recebimento da ação de improbidade, pelo Juiz, se dará após a préviaouvida do requerido (art. 17, § 8º, da Lei nº 8.429/92), de modo quedeverá explicitar as razões pelas quais decidiu pelo recebimento da inicial epela rejeição da defesa do requerido, inclusive para ensejar eventual recursocontra esse ato. 3. AGTR provido.

E o voto do relator é ainda mais esclarecedor, ao rezar queTambém é sabido que o mero recebimento da inicial em uma

Ação de Improbidade Administrativa já traz inúmeros malefícios à honrae ao conceito que a pessoa reveste frente à sociedade, o que apenas corroboraa necessidade de que tal decisão seja clara, objetiva e minuciosa, vale dizer,fundamentada.

É forçoso concluir, portanto, que a oportunidade concedida aorequerido para apresentação de defesa prévia revela-se absolutamenteimprescindível ao regular prosseguimento do feito, e, por isso, não podeser subtraída do processo. Além disso, tal defesa deve ser apreciada deforma acurada pelo Juiz, que, poderá, diante dos termos da defesaapresentada, arquivar a ação, ou, de outro modo, convencendo-se danecessidade do prosseguimento do feito, poderá receber a ação, emdecisão que deve ser fundamentada, conforme tem decidido ajurisprudência.

Ademais, e conforme se depreende da simples leitura do art. 17, §7º, da LIA, não é admissível que se confunda a apresentação de defesa

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prévia com a oportunidade de apresentação de contestação, sendo quea última é inerente a todo processo judicial.

Além disso, é possível qualquer aplicação de penalidade aorequerido – dentre eles a decretação de indisponibilidade de bens –somente após o oferecimento das razões de defesa preliminar, momentoem que o Juiz, se convencido do cabimento da ação, poderá recebê-la edeterminar as providências necessárias.

Com todo efeito, não há possibilidade de se decretar aindisponibilidade de bens do requerido em sede de ação cautelar deimprobidade, ou de medida liminar ou tutela antecipada eventualmenteconcedida em tal espécie de ação. Nesse sentido, cite-se a brilhantelição de Mauro Roberto Gomes de Mattos.2

Não é só.Não é possível a propositura de ação civil pública, nos termos da

Lei federal nº 7.347, de 24 de julho de 1985, para pedir a condenaçãodo requerido nas penas constantes da Lei de Improbidade Administrativa,que é a Lei federal nº 8.429, de 2 de julho de 1992. As duas espécies deações não se misturam, uma vez que a LIA estabelece procedimentopróprio e específico para as ações de responsabilidade por ato deimprobidade administrativa, ou seja, tem um momento processual inicialespecial, com oportunidade de apresentação de defesa prévia, apossibilitar o prévio juízo de admissibilidade da ação, para somente apósser adotado o rito ordinário. A LACP, por outro lado, não contém talprevisão relevante.

Tal mescla ou combinação de fundamentos legais não éprocessualmente aceitável, porque a ação ou é baseada na lei da açãocivil pública, ou é baseada na lei da (ou contra a) improbidadeadministrativa, em outra ação, toda especial e absolutamente diversa.

Repita-se que existe um procedimento próprio e especial para açõesde improbidade administrativa. Dessa forma, e em decorrência do princípioda indisponibilidade de procedimento, não pode haver confusão, mistura,nem sequer mescla entre os procedimentos da LIA e da LACP.

Além disso, ao Juiz cabe o poder-dever de decretar a escolha davia processual inadequada, e, com isso, extinguir a ação sem julgamento_____________2 MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. O limite da improbidade administrativa. Rio de Janeiro:

América Jurídica, 2005, p. 618/9.

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de mérito, para que outra, dentro dos limites legais impostos, sejaregularmente proposta.

Sobre o tema, já ensinou o eminente processualista e ex-Procurador de Justiça Vicente Greco Filho, ao citar r. acórdão do e.TJSP, conforme se denota em palestra promovida pela Editora NDJ, no6º Seminário Nacional de Direito Administrativo, em São Paulo, no dia09 de novembro de 1999:

Uma questão um pouco mais técnica, e já há um acórdão relatadopelo Des. Sérgio Pitombo, em que ele não admite, tem razão, cumularcom a Ação Civil Pública. Ou seja, a Ação de Improbidade é umasancionatória que tem por finalidade a aplicação das sanções previstas naLei de Improbidade, não é Ação Civil Pública, da Lei nº 7.347. Aliás, nãoé de lugar nenhum, é Ação de Improbidade. E este é um defeito quetenho constatado em todas as ações de improbidade que tenho visto; elassão fundamentadas, também na Lei nº 7.347, Lei de Ação Civil Pública, ese pede muitas vezes a nulidade do ato ou do contrato cumulandocom a aplicação das sanções. Com o perdão da palavra, ficasimplesmente uma “zorra”, porque não se sabe quem é réu de que,não sabe quem é o réu. Por quê? Se eu estou propondo uma ação, eu,Ministério Público, estou propondo uma ação, visando a nulidade de umcontrato, quem é réu? (....) Réu são aquelas pessoas que teriam praticadoo ato imputado de improbidade. Esse acórdão relatado pelo Des. Pitombodeclarou o pedido juridicamente impossível, quando cumulado com aAção Civil Pública, de nulidade de um ato administrativo ou do contrato;e, de outro lado, a aplicação das sanções da Lei de Improbidade. (.....)

É o de que, em se tratando de uma ação para imposição de sanções,como nós sabemos, severíssimas, têm de se aplicar à Ação de Improbidadeos princípios do processo penal. Ou seja, descrição definida do ato decada um. O Ministério Público tem colocado tudo num saco e diz: “Vocêssão ímprobos.” Mas não diz: “Você praticou isso, você praticou isso evocê praticou aquilo.3

No mesmo diapasão, é o magistério de Toshio Mukai declinadonaquele referido Seminário. Assim se pronunciou:_____________3 GRECO FILHO, Vicente. BDA - Boletim de Direito Administrativo, NDJ, jun. 2000. p. 394/5,

com negritos nossos.

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Como se sabe, as ações atinentes à espécie que dizem respeito àaplicação da Lei de Improbidade Administrativa são, como disse o Dr.Vicente Greco, fundadas na Lei da Ação Civil Pública combinada com a Leide Improbidade Administrativa, respectivamente, a Lei nº 7.347/85, e8.429/92. Ao estudarmos para contestações, apelações etc., essa nova lei,nos deparamos com diversos defeitos; é uma lei desastrosa, na suaformação e na sua aplicação. Esses pontos criticáveis da lei, a meu ver, sãoseis: inconstitucionalidade material e formal da Lei nº 8.429/92; nulidadedo conseqüente procedimento judicial; impossibilidade da cumulaçãode Ação Civil Pública com a Lei nº 8.429, decorrente disso,impossibilidade jurídica do pedido . Outros dois aspectosfundamentais, que eu gostaria de salientar: a concessão de liminar nobojo da Ação Civil Pública, o que é absolutamente ilegal, como já referiu oProf. Vicente Greco; e, finalmente, a questão do bloqueio de bens eoutras sanções. (....)

Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça, em decisão publicadana Revista do STJ 65, p. 352, estatuiu que a Lei nº 7.347/85, conferelegitimidade ao Ministério Público para propor a Ação Civil Pública, nascondições estabelecidas no seu art. 1º, acrescido do inc. IV, pelo Código doConsumidor. Não se inserindo nas condições previstas na referidalei a ação de ressarcimento de possíveis danos ao erário municipal.Por essa razão, o Ministério Público não pode cumular a Ação CivilPública para este fim específico. Em conseqüência disso, existe aimpossibilidade jurídica do pedido. (....) Além disto, existe agora açãoespecífica para formular pedido de ressarcimento de danos decorrentes deato de improbidade administrativa. Nesse sentido, esclarece Marcelo deFigueiredo, um dos comentadores da Lei nº 8.429, em referência ao art. 17,que é fundamental no caso: Cremos, ainda, que não se mostra viável,naquelas ações (popular ou civil pública), vincular pedido deressarcimento de dano, por ato de improbidade que cause dano aoerário público - art. 10. Diante da previsão específica da presente lei, quecontempla e inaugura uma nova ação, a ação civil de reparação de danocausada pela improbidade. Em decisão recentemente proferida nos autosda Apelação Cível nº 30.947-5/4, a 7ª Câmara de Direito Público do Tribunalde Justiça do Estado de São Paulo examinou a possibilidade de o e.Ministério Público promover Ação Civil Pública, para atacar e punir alegadosatos de improbidade administrativa capitulados na Lei nº 8.429. Acabou

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por reconhecer a carência da ação, em razão da impossibilidadejurídica do pedido.4

O Juiz de Direito aposentado do e. TRF da 2ª Região, Sérgio deAndréa Ferreira, em palestra sobre improbidade administrativa,promovida pela Editora NDJ – Nova Dimensão Jurídica, tivera ensejode prelecionar sobre a impossibilidade de propor ação civil pública paracondenação por atos de improbidade administrativa. Vejamos asirrepreensíveis lições proferidas:

O patrimônio, no sentido que nós temos de propriedade, de direitoreal, pessoal, de natureza econômica não está aqui embutido; portanto, oMinistério Público não pode propor ação de ressarcimento para obter aindenização em prol do erário; isso cabe à advocacia da pessoa jurídicainteressada. Por quê? Porque a própria Constituição nos diz, no inciso IXdo art. 129, que é vedada a ele a representação judicial das entidades públicas.Para isso existe a advocacia pública em cada uma dessas entidades.

Portanto, o que o Ministério Público pode fazer em termos de atode improbidade é propor a ação que está no art. 17 da Lei 8.429/92, a açãoque ela chama de “principal”, ou seja, a ação para a aplicação das sançõespunitivas que estão na Constituição e na lei. Se houver necessidade,pertinência de ressarcimento, ou a pessoa político-federativa ou outrainteressada entra como litisconsorte ativo – isso se admitir a cumulaçãodas ações – ou aplica-se o § 2º, do art. 17, que diz que “A Fazenda Pública,quando for o caso, promoverá as ações necessárias à complementação doressarcimento do patrimônio público. (....)

O Ministério Público não tem essa legitimidade; quando ele propõeAção de Improbidade, ele não está propondo Ação Civil Pública, da Lei7.347/85; ela é uma ação pública mas não é civil; ela é punitiva, é de DireitoPunitivo, e não de Direito Reparatório ou Indenizatório.

E conclui a palestra para dizer queNós temos que nos lançar de corpo e alma contra a improbidade,

mas dentro dos princípios, da técnica e da ciência jurídica, porque, foradisso, nós é que seremos ímprobos no cometimento de graves injustiçascontra aqueles que, inocentes, sejam acusados de improbidade.5

_____________4 MUKAI,Toshi. in ob. cit., p. 397/9, com grifos nossos.5 FERREIRA, Sérgio de Andréa. Plestra sobre Improbidade Administrativa. BDA – Boletim

de Direito Administrativo. NDJ, 2005, p. 1.101/2.

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E a jurisprudência pátria corrobora com o entendimento doutrinário.Nesse sentido é o r. acórdão do e. Tribunal de Justiça do Estado de SãoPaulo, 7ª Câmara de Direito Público, na Apelação Cível nº 030.947-5/4-SP, j. em 8/3/99, que já deliberou sobre a sensível diferença existenteentre ação civil pública e ação civil de responsabilidade por ato deimprobidade, para, afinal, julgar extinta sem julgamento de mérito açãocivil pública contendo pedidos constantes da LIA.

Marcelo Figueiredo também entende que ação civil pública nãose confunde com ação de responsabilidade por ato de improbidadeadministrativa, conforme se lê de lição que elaborou em artigo intituladoAção de Improbidade Administrativa, suas peculiaridades einovações. Vejamos:

A ação de improbidade é por si só apta a veicular um pedido dereparação de danos pela prática de atos de improbidade. Esse é um primeiroponto: a ação de improbidade é uma ação de responsabilidade por atos deimprobidade que não se confunde com a ação civil pública. São duas açõesabsolutamente distintas. Aliás, a ação civil de improbidade tem maiorproximidade com a ação popular.6

3. BREVE CONCLUSÃO

A LIA, em seu art. 17, prevê procedimento próprio e específicopara ações de responsabilidade por ato de improbidade administrativa,com a concessão de oportunidade para apresentação de defesa prévia,nos termos do § 7º, do indigitado dispositivo.

Na defesa prévia, o requerido pode, com alegações de defesa ejuntada de documentos, demonstrar a inocorrência do alegado ato deimprobidade administrativa, ou que a ação proposta revela-seimprocedente, ou, ainda, que a via eleita pelo autor restou inadequada.

A ação de responsabilidade por ato de improbidade que nãoconceder tal relevante oportunidade de apresentação de defesa prévia,conforme entende a jurisprudência, contém vício insanável, que acarretaa nulidade de todo o processo judicial proposto._____________6 FIGUEIREDO, Marcelo. Improbidade administrativa – questões polêmicas e atuais. São Paulo:

Malheiros, 2001, p. 287.

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A ação de improbidade deve respeitar o procedimento impostopela LIA, e, portanto, não é possível a propositura de Ação Civil Pública,nos termos da Lei federal nº 7.347/85, contendo pedidos da LIA, porqueas duas ações não se misturam. Trata-se do princípio da indisponibilidadede procedimento, que não pode ser relegado por quem quer que seja.