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3768 O DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE E A EQUIDADE NO ACESSO À ATENÇÃO EM SAÚDE THE FUNDAMENTAL SOCIAL RIGHT TO HEALTH AND THE EQUITY IN THE ACCESS TO HEALTH CARE Osmir Antonio Globekner RESUMO O presente estudo visa proporcionar uma análise da discussão doutrinária que se trava sobre o problema da efetivação do direito social fundamental à saúde em vista da escassez de recursos materiais e da necessidade de equidade no acesso aos mesmos. Tentaremos evidenciar, em um primeiro momento, a identidade existente entre direito à saúde e direito à atenção sanitária e os problemas que decorrem da existência de limites materiais à promoção dessa atenção. Apresentaremos o contexto histórico da afirmação do direito fundamental à saúde no Brasil e a problemática de sua efetivação. Logo após se apresenta uma crítica à concepção do direito à saúde como um direito absoluto, conforme doutrina que irá contrapor tal direito a outros direitos e princípios fundamentais. Neste ponto, também analisaremos os limites normalmente opostos ao provimento das demandas judiciais concretas por atenção em saúde. Por fim, serão analisados: o problema da escassez em sua repercussão específica no campo sanitário e critérios propostos no sentido da promoção da equidade no processo de efetivação da atenção à saúde. PALAVRAS-CHAVES: DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL Á SAÚDE; EFETIVIDADE; EQUIDADE ABSTRACT The present study aims to provide an analysis on the theoretical discussion concerned the problem of the fundamental right to health’s effectiveness from the standpoint of the scarcity and the necessary fairness on the access to health resources. We will try to demonstrate, in a first moment, the identity among right to health and right to health care and the problems that emerge from the existence of material limits to such care. We will present the historical context of the of health right’s development in Brasil and the challenging problem of provide right’s effectiveness in such area. Then, we present a critical understanding of the health right as an absolute right, by the legal doctrine that will confront health right related to other fundamental rights and principles. Here we Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília – DF nos dias 20, 21 e 22 de novembro de 2008.

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O DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE E A EQUIDADE NO ACESSO À ATENÇÃO EM SAÚDE

THE FUNDAMENTAL SOCIAL RIGHT TO HEALTH AND THE EQUITY IN THE ACCESS TO HEALTH CARE

Osmir Antonio Globekner

RESUMO

O presente estudo visa proporcionar uma análise da discussão doutrinária que se trava sobre o problema da efetivação do direito social fundamental à saúde em vista da escassez de recursos materiais e da necessidade de equidade no acesso aos mesmos. Tentaremos evidenciar, em um primeiro momento, a identidade existente entre direito à saúde e direito à atenção sanitária e os problemas que decorrem da existência de limites materiais à promoção dessa atenção. Apresentaremos o contexto histórico da afirmação do direito fundamental à saúde no Brasil e a problemática de sua efetivação. Logo após se apresenta uma crítica à concepção do direito à saúde como um direito absoluto, conforme doutrina que irá contrapor tal direito a outros direitos e princípios fundamentais. Neste ponto, também analisaremos os limites normalmente opostos ao provimento das demandas judiciais concretas por atenção em saúde. Por fim, serão analisados: o problema da escassez em sua repercussão específica no campo sanitário e critérios propostos no sentido da promoção da equidade no processo de efetivação da atenção à saúde.

PALAVRAS-CHAVES: DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL Á SAÚDE; EFETIVIDADE; EQUIDADE

ABSTRACT

The present study aims to provide an analysis on the theoretical discussion concerned the problem of the fundamental right to health’s effectiveness from the standpoint of the scarcity and the necessary fairness on the access to health resources. We will try to demonstrate, in a first moment, the identity among right to health and right to health care and the problems that emerge from the existence of material limits to such care. We will present the historical context of the of health right’s development in Brasil and the challenging problem of provide right’s effectiveness in such area. Then, we present a critical understanding of the health right as an absolute right, by the legal doctrine that will confront health right related to other fundamental rights and principles. Here we

Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília – DF nos dias 20, 21 e 22 de novembro de 2008.

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will also analyze the limits to the right usually argued in sues for health care. Lastly, the problem of scarcity will be analyzed in its specific implication to sanitary care and will be analyzed some criteria proposed in order to promote equity in the process of health care implementation.

KEYWORDS: FUNDAMENTAL SOCIAL RIGHT TO HEALTH; EFFECTIVENESS; EQUITY

INTRODUÇÃO

A afirmação da força normativa da Constituição e a busca pela efetivação dos direitos sociais no Brasil tiveram momento marcante no Brasil com a promulgação da Constituição de 1988. Esta, por sua vez, trouxe uma série de conseqüências para a tutela jurisdicional do direito à saúde que desde ali se implantou.

A doutrina constitucional se desenvolveu no sentido de afirmar o caráter jurídico e vinculante de todas as normas constitucionais, afastando-se assim a tese da não aplicabilidade imediata dos dispositivos contidos nas normas programáticas. Ademais, o direito fundamental à saúde passou a ser reconhecido como um direito público subjetivo, correspondente a uma obrigação correlata por parte do Estado e apto a permitir o exercício, individual ou coletivo, da correspondente pretensão, com fins de obtenção concreta e direta da ação ou serviço de saúde específico. Afastou-se assim também a tese de que o direito subjetivo haveria de ser direcionado unicamente à elaboração de políticas públicas, não podendo ser manejado para a obtenção da prestação em concreto.

A tais construções doutrinárias e jurisprudenciais, entretanto, foi crescentemente sendo oposto o problema da limitação dos recursos materiais disponíveis para a consecução dos fins almejados e vivemos, hoje, uma fase, bastante evidente, de intensa crítica ao modelo de prestação jurisdicional na tutela do direito fundamental social à saúde.

A expansão significativa das decisões judiciais, tanto em sede de ações individuais quanto em sede de ações coletivas, impondo ao Estado a obrigação de oferecer tratamentos e medicamentos específicos, poderia, segundo essa crítica, inviabilizar a atuação do Estado nas políticas sociais, findando por significar a negação dos direitos sociais que se pretende implementar.

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O objeto deste estudo é o de analisar algumas formulações doutrinárias que vem sendo postas para o equacionamento da tensão entre a necessidade de efetivação de direitos sociais e a limitação dos recursos existentes para esse fim, focando-nos no papel do Direito na promoção do acesso eqüitativo aos recursos sanitários escassos.

1) OS LIMITES MATERIAIS À IMPLEMENTAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS E A OPONIBILIDADE DESTES AO ESTADO

Sobre o desafio oferecido à sociedade e ao Estado pela assunção dos direitos sociais, afirma Celso Fernandes CAMPILONGO:

Os direitos sociais agregam ao estado de direito um considerável aumento de complexidade. O sistema legal de garantias liberais era altamente seletivo e impermeável a conteúdos materiais. O modelo jurídico do Estado social é compensatório dos déficits e desvantagens que o próprio ordenamento provoca. Os direitos sociais lidam com uma seletividade inclusiva. O desafio do Judiciário, no campo dos direitos sociais, era e continua sendo conferir eficácia aos programas de ação do Estado, isto é, às políticas públicas, que nada mais são do que os direitos decorrentes dessa "seletividade inclusiva"[1]. (grifo nosso)

Os grandes óbices opostos à efetivação e, mesmo, ao reconhecimento dos direitos sociais sempre giraram em torno das questões relativas à possibilidade de sua realização fática e às questões relativas ao papel do Estado na sua consecução.

A teoria dos direitos fundamentais e a sua veiculação através de princípios, na forma como desenvolvida por Ronald DWORKIN e por Robert ALEXY, vai oferecer um arcabouço instrumental para o tratamento jurídico da questão dos limites dos direitos sociais prestacionais.

A distinção das categorias normativas entre regras e princípios vai permitir a gradação de imperatividade destes últimos, permitindo um mecanismo de ponderação de princípios não possível no campo das regras. Os princípios serão entendidos como direitos prima facie, regidos pela dimensão de pesos, ao contrário das regras, regidas pela dimensão do tudo ou nada, do válido ou inválido. Assim, aos princípios deixa de ser aplicado o processo da subsunção a que se sujeitam as regras, para sujeitar-se ao processo de ponderação dos pesos.

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De acordo com ALEXY, princípios são mandamentos ou comandos de otimização[2], sua aplicação ocorrendo na lógica da maximização, isto é, buscar-se-á a máxima efetividade, dentro de circunstâncias dadas. Essa formulação torna possível reconhecer que há limites, tanto fáticos, quanto jurídicos, que conformam a aplicação dos princípios em que expressos os direitos sociais. Os limites jurídicos sendo dados pelos demais princípios que são confrontantes com aquele cuja aplicação está sendo ponderada.

É útil ainda ao nosso escopo de entendimento dos limites dos direitos sociais, mencionar as considerações sobre o “sistema de posições jurídicas fundamentais” presente na doutrina dos Direitos Fundamentais de ALEXY. De acordo com o qual, teríamos: 1) direitos a algo; 2) direitos a liberdades; e 3) direitos a competências. Na posição de direitos a algo; teríamos direitos a ações negativas (direitos de defesa), e direitos a ações positivas (direitos de proteção). Estes últimos se subdividindo ainda em: direitos a ações positivas fáticas e direitos a ações positivas normativas[3].

ALEXY identifica, na diversidade dessa estrutura, a razão fundamental para que a justiciabilidade dos direitos e ações negativas (direitos de defesa) seja menos problemática do que a dos direitos a ações positivas (direitos de proteção)[4].

Ao tratar das normas que prevêem direitos a prestações em sentido estrito, ALEXY concebe uma estrutura em que tais normas são ordenadas segundo três critérios: primeiro, pelo fato de: conferir direitos subjetivos ou obrigar ao Estado apenas objetivamente; por serem vinculantes ou não vinculantes; e, por fundamentarem direitos e deveres definitivos (regras) ou prima fácie (princípios).

A proteção mais forte, segundo essa doutrina, é a outorgada pelas normas vinculantes que garantem direitos subjetivos definitivos a prestações; a mais débil, as normas não vinculantes que fundamentam um mero dever objetivo prima facie do Estado a prover prestações[5].

Na doutrina nacional, com relação ao papel do Estado na consecução dos direitos sociais e na linha da “seletividade inclusiva” a que se referiu CAMPILONGO, vejamos a definição de Paulo Gilberto Cogo LEIVAS para direitos fundamentais sociais:

São, em sentido material, direitos a ações positivas fáticas, que, se o indivíduo tivesse condições financeiras e encontrasse no mercado oferta suficiente, poderia obtê-la de particulares, porém, na ausências destas condições e, considerando a importância destas prestações, cuja outorga ou não outorga não pode permanecer nas mãos da simples

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maioria parlamentar, podem ser dirigidas contra o Estado por força de disposição constitucional. [6]

A definição de LEIVAS enfatiza a oponibilidade dos direitos sociais ao Estado, o que constituiria a razão de ser de sua fundamentalidade. É direito fundamental, porque, por sua escassez, isto é, por seu alto custo ou por sua indisponibilidade no mercado, e por sua importância, adquire esse status e adquire esse status a fim de que se viabilize a oponibilidade acima referida.

Entendemos de maneira ligeiramente diversa já que, convém frisar, a oponibilidade dos direitos sociais está referida a toda a sociedade e não apenas ao Estado. De fato este tem um papel de destaque na sua realização, mormente no caso do direito à saúde, quer no papel de provedor de serviços públicos, quer no papel de regulador da atividade econômica, através da qual, direitos sociais, em extensão, maior ou menor, a depender do grau de emancipação da sociedade, também podem ser providos. A oponibilidade contra Estado ou contra terceiros, entretanto, encontra, de fato, fundamento na essencialidade (ou importância) do bem da vida de que tratamos e da necessidade do acesso igualitário ao mesmo (em um contexto de escassez), como afirmado por LEIVAS.

Na seara de realização dos direitos sociais, parece-nos que as responsabilidades hão de ser compartilhada por toda a sociedade, já que a questão de fundo é a repartição dos encargos sociais, o que poderá ocorrer pela via do planejamento estatal, mediante a tributação e a realização da despesa pública; mas também poderá ocorrer, com as vantagens e desvantagens correspondentes, pela via dos mecanismos liberais da divisão social do trabalho e pelos mecanismos distributivos (ou “concentradores”) da economia de mercado, que promoverão a repartição do ônus através do preço[7].

Ademais, como observa Andréas J. KRELL: “Os Direitos Fundamentais Sociais não são direitos contra o Estado, mas sim direitos através do Estado, exigindo do poder público certas prestação materiais”[8] (grifos do autor), cujo custo será repartido socialmente. A oponibilidade contra o Estado, de toda forma, não infirmaria o fato de os direitos fundamentais sociais vincularem também a particulares[9].

Entendemos, na linha do que acima foi exposto, que a efetividade de um direito fundamental está diretamente ligada às possibilidades de sua exigibilidade através dos instrumentos pelo Direito disponibilizados para a sua defesa e proteção. Buscar a efetividade de direito social é buscar os meios para a sua exigibilidade e realização. Reconhecer as limitações fáticas e jurídicas, imanentes à natureza do direito social é, nessa linha, um dos requisitos para a sua efetivação.

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Sendo certo, por outro lado, que este reconhecimento não exime o aplicador do Direito e toda a sociedade de buscar a transcendência desses mesmos limites, eis que os direitos sociais são metas, sempre dirigidas ao futuro. Metas nunca integralmente atingíveis por completo, inclusive porque em constante evolução; mas, certamente, das quais sempre podemos lograr uma maior aproximação.

A consciência a ser desenvolvida por toda a coletividade relativamente à implementação dos direitos sociais deve significar a consciência da necessidade de prover e distribuir os meios materiais necessários para tanto.

2) CONTEXTO HISTÓRICO DA AFIRMAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE NO BRASIL

Para compreendermos o momento atual em relação ao direito fundamental à saúde é necessário traçar algumas referências quanto ao contexto histórico da constitucionalização do direito à saúde no Brasil.

O direito à saúde, ao tornar-se, entre nós, direito fundamental com o art. 196 da Constituição de 1988; vinha de ganhar veemência no contexto global com a realização da Conferência Internacional organizada pela OMS e pela UNICEF sobre Cuidados Primários de Saúde, na capital do Kazaquistão, em setembro de 1978. Dessa Conferência resultou a Declaração de Alma-Ata[10], documento que a par de reafirmar a saúde como um direito do homem[11], afirmou a essencialidade da sua promoção e de sua proteção para o desenvolvimento econômico e social dos povos e estatuiu ainda a responsabilidade dos governos pela promoção e proteção à saúde de seus cidadãos, responsabilidade somente realizada mediante adequadas medidas sanitárias e sociais.

É dizer, no referido documento, afirmou-se não um mero direito abstrato do indivíduo à saúde, mas, também, um direito concreto de acesso a cuidados em saúde[12]; em correspondência com um dever imposto aos governos do mundo de prover os referidos cuidados.

Giovanni BERLINGUER[13] aponta que os propósitos estabelecidos em Alma-Ata em 1978 voltavam-se, primordialmente, à garantia da atenção primária em saúde. A ênfase nesse nível de atenção era de grande relevância, quer por sua natureza estratégica em relação aos demais agravos à saúde, quer pela sua universalidade, já que tal nível de

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atenção seria passível de disseminação uniforme em praticamente todas as populações, independentemente de suas condições sócio-econômicas[14].

Não obstante, ainda de acordo com o sanitarista italiano, no período que se seguiu àquela Conferência, subverteram-se os propósitos ali assumidos, em função do que o autor denomina “a globalização enviesada” com importantes repercussões em termos da saúde pública. Nas suas palavras:

Ao mesmo tempo que o mundo se transformava, começava a era do neoliberalismo: uma corrente de pensamento e de ação propensa a considerar a saúde como uma mercadoria, a criticar os sistemas públicos de saúde como obstáculos à iniciativa privada, [...] A partir dos anos 80, o objetivo da saúde para todos os seres humanos afastou-se do horizonte político. À idéia de que pode ser uma finalidade do desenvolvimento, um multiplicador dos recursos humanos e uma prioridade do compromisso público, opôs-se a tese de que os sistemas universais de cuidados de saúde são um peso para as finanças dos Estados e um obstáculo para o crescimento da riqueza.

Mencionamos aqui considerações de um sanitarista, não apenas pela relação que estas possuem com os argumentos opostos à efetivação de uma atenção em saúde universalista, mas também para introduzir uma questão de ordem fática, com imensas repercussões na tutela jurisdicional do direito à saúde, que é a assunção da saúde como uma “mercadoria”.

Abstrairemos aqui a possível crítica à razoabilidade dessa assunção, atendo-nos a reconhecer o fato de que tal assunção foi, de certo modo, feita também pelo legislador constituinte brasileiro, em 1988, ao reconhecer a legitimidade da exploração dos serviços de saúde à iniciativa privada lucrativa, conquanto tenha, por assim dizer, conferido a tal “mercadoria” um caráter especial, ao cunhar a expressão “serviço de relevância pública” (art. 197) para designar os serviços de saúde, prestados pelo poder público ou pelos entes privados.

A mercantilização está na raiz da tecnologização medicina, já que repercute na eleição das trajetórias tecnológicas que serão trilhadas no desenvolvimento das ciências da saúde. Ao entregar ao mercado esta seleção, não se pode esquecer que serão negligenciadas as atenções menos rentáveis, embora, muitas vezes, de maior impacto em termos de saúde coletiva.

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Não se poderá garantir que as trajetórias tecnológicas eleitas dessa forma sejam as que favoreçam uma racionalidade sanitária, já que a racionalidade adotada será da exploração econômica, lucrativa, as quais não são necessariamente coincidentes[15].

O sistema de incorporação tecnológica se imbrica com o sistema de atenção social à saúde e esta imbricação não pode ser negligenciada no tema da efetivação do direito à atenção em saúde. A proteção jurisdicional do direito a saúde não pode ficar alheia a tais considerações, fazendo com se torne particularmente relevante discutir “qual atenção” se pretende tutelar quando tratamos da efetivação do direito à saúde: a atenção primária ou a atenção tecnológica que emerge no contexto de mercantilização da medicina e da atenção em saúde[16].

Se, por um lado, a afirmação internacional do direito à saúde, como acima mencionado, impôs aos governos a obrigação de prover os cuidados em saúde; por outro, a forma de implementação desses cuidados poderá diferir grandemente de país para país. Alguns vão se valer do mercado para a alocação dos recursos na maior extensão possível, circunscrevendo a atuação estatal à regulação do mercado e à assistência a grupos populacionais ou segmentos da atenção relativamente restritos (o paradigma deste modelo é os Estados Unidos da América). Outros optarão por um modelo de atenção sanitária universalista a cargo do Estado (Grã-Bretanha, França, Espanha são países que adotam este modelo)[17].

Assim, há fundamentalmente dois modelos puros de prestação da atenção: o de natureza pública e o de natureza privada, que marcam, por sua vez, as distinções entre o modelo liberal-capitalista e o modelo público-socialista. Os sistemas reais serão híbridos, colocados em diferentes posições entre esses dois extremos. Porém, em tese, em ambos os sistemas, se presume que deverá haver condições de acesso garantidas a toda população pelo Estado. Ao menos, é este o consenso que emerge da Conferência de Alma-Ata.

A par desse contexto internacional, a constitucionalização do direito à saúde no Brasil resultou, também, imediata e fortemente, de um movimento popular bastante significativo, que se forma na sociedade civil brasileira a partir da década de 70 e que passou a ser designado Movimento da Reforma Sanitária. Deve-se, praticamente, a este Movimento, o sistema de saúde delineado na Constituição, o qual emergiu como proposta na VIII Conferência Nacional de Saúde realizada, realizada em março de 1986 em Brasília [18].

A atenção em saúde até então era vista no Brasil em três contextos distintos: o contexto empresarial, florescente a partir das décadas de 60 e 70, com a “privatização da

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assistência médica promovida pelo Estado” [19] e com o advento das empresas de medicina de grupo, o contexto da previdência social, e o contexto da caridade.

Com a Constituição de 1988, o país adere ao modelo de atenção universalista em saúde pública. Isto é, a atenção em saúde é assumida como responsabilidade do Estado, o qual deve prover políticas públicas voltadas à promoção, proteção e recuperação da saúde, através de ações e serviços públicos de acesso universal.

O desafio que se pôs de imediato quando da promulgação da “Constituição Cidadã”, foi o da efetivação dos dispositivos voltados à garantia dos direitos fundamentais sociais. O que, no campo da saúde, implicava a estruturação e efetivação do Sistema Único de Saúde - SUS, já constitucionalmente delineado no art. 198 daquele texto constitucional[20].

A efetivação do direito fundamental social a saúde, entretanto, passou pela necessidade de sua tutela jurisdicional, no controle das omissões do poder público, por um lado, e, por outro, na disciplina das relações no setor econômico-privado da saúde.

As esferas pública e privada da saúde sempre compartilham, ao menos em parte, algumas de suas problemáticas. Por exemplo, a da incorporação tecnológica em saúde, comum aos sistemas público e privado de saúde; ou a da repartição de encargos sociais, que, em um caso, na vertente pública, ocorre por meio dos instrumentos fiscais de tributação e realização de despesa pública; e em outro, na vertente privada, por meio dos custos do seguro, entre os segurados.

Ademais, se observa uma convergência de temas. Eis que, por exemplo, aspectos assistenciais preventivos, que até a pouco só ocupavam as reflexões no espaço público; passaram a ocupar a pauta do seguro privado de saúde[21]. Por outro lado, a racionalização de custos, que sempre foi objeto das preocupações do seguro privado de saúde, em vista da competitividade do mercado, passou a ocupar a pauta do sistema público, em razão de ir se impondo, também a este setor, a necessidade de eficiência administrativa[22].

Entendemos que, em termos de seus fundamentos, a discussão sobre a realização do acesso à atenção em saúde, bem como efetivação do direito à saúde em caráter universal deva prescindir da prévia consideração sobre a natureza do modelo de atenção adotado, público ou privado, permitindo que a mesma seja encetada, tanto em países de tradição liberal quanto em países de tradição social, dicotomia que há de ser ultrapassada,

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quando menos, neste tema específico de prover a atenção à saúde, nos termos em que declarado em Alma-Ata.

3) A CRÍTICA À CONCEPÇÃO DE DIREITO À SAÚDE COMO UM DIREITO ABSOLUTO

No Brasil, o argumento de tratar-se o direito à saúde de um direito absoluto foi muitas vezes invocado, com objetivo de garantir sua efetividade, quando contraposto às limitações orçamentárias, administrativas e jurídicas, por ocasião do provimento jurisdicional das demandas associadas a esse direito.

Assumiremos neste estudo, entretanto, a concepção de que o direito à atenção à saúde, tal como qualquer outro direito fundamental, dada a sua natureza principiológica, deva ser garantido apenas na sua condição de direito prima facie e que, portanto, deverá, ao ser aplicado, ser submetido a um processo de ponderação, onde será confrontado com outros direitos e princípios. Restaria-nos, então, o problema de conhecer que direitos e princípios são esses e em que medida poderiam limitar a tutela jurisdicional do direito à saúde.

Não caberia, em um estudo como este, uma tentativa de análise exaustiva. Impede-nos a extensão da tarefa, além do fato de sua provável inutilidade prática, já que, de acordo com a teoria dos princípios assumida, a aplicação efetiva da ponderação ocorrera sempre pelo critério da proporcionalidade diante das circunstâncias do caso concreto. O que não nos impede de cogitar, em abstrato, de alguns dos direitos e princípios que, ao lado do direito à saúde, conformariam a tutela jurisdicional deste.

É possível, assim, mencionar os princípios normalmente contrapostos ao exercício do direito fundamental social à atenção sanitária. Poderíamos sintetiza-los em dois ramos principais: o princípio democrático, que deve reger a decisão política, alocativa, pressuposta nas prestações fáticas que serão oferecidas pelo Estado, e o princípio da equidade, já referido, que deve presidir o acesso a tais prestações.

As fórmulas mais freqüentes em que esses princípios são contrapostos é através do argumento da separação das funções estatais e a chamada “cláusula da reserva do possível”.

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Pelo primeiro argumento, o exercício da pretensão, bem como o seu provimento pelo Judiciário não deveria violar as decisões alocativas, previamente assumidas, pelos órgãos estatais constitucionalmente previstos para tanto, o Parlamento e o Poder Executivo. Já a cláusula da reserva do possível, pretenderia materializar o limite da exeqüibilidade fática e jurídica (mencionado na doutrina de ALEXY), expresso no limite orçamentário, o qual também corresponde à materialização de uma decisão alocativa na esfera política.

Há que se observar, entretanto, que a utilização desses argumentos há de ser cuidadosa. A separação de funções estatais e reserva do possível não podem se converter em uma fórmula automaticamente agitada quando das demandas concretas, pois que, como princípios, também hão de ser ponderados em vista da circunstância concreta.

Assim, o argumento da separação das funções estatais não pode ser utilizado visando afastar o exercício pelo Judiciário do controle das omissões dos poderes públicos e da legalidade e constitucionalidade dos atos dos demais poderes. A doutrina da separação das funções estatais vem sendo mitigada para reconhecer a legitimidade democrática do Poder Judiciário, inclusive para as decisões de cunho alocativo aqui tratadas.

Segundo Dirley da CUNHA JÚNIOR, a existência de um direito subjetivo público à legislação, autoriza a atuação normativa da Jurisdição: “O direito à proteção, quando reconduzido a um direito à proteção por meio de atos normativos, suscita um direito subjetivo à emanação de normas”. Assim, satisfeitos certos pressupostos objetivos (existência do dever de proteção consistente no dever objetivo de legislação, violação estatal desse dever de proteção legislativa) e subjetivos (violação dos direitos fundamentais como conseqüência da omissão legislativa) a proteção ensejaria “a providência judicial supridora da omissão”.

Em síntese, em virtude das atribuições que o constitucionalismo moderno conferiu à Jurisdição, a caracterização tradicional de sua função, posta na atuação do direito como terceiro imparcial, adstrita lei, deixa de ser plenamente descritiva da mesma; acrescida que foi, à Jurisdição, a possibilidade de editar norma geral e abstrata com o fito de suprir omissão dos demais poderes. Tal atuação, como a dos demais poderes estaria adstrita unicamente à norma constitucional.

Tudo isto resulta em que o afastamento das decisões alocativas da possibilidade de provimento jurisdicional, em razão do princípio democrático, também dependerá da ponderação de princípios, mormente em função da avaliação da incidência, no caso concreto, de omissão dos demais poderes constituídos.

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A cláusula da reserva do possível normalmente tem sido bipartida em possível fático e possível jurídico. Poderíamos imaginar uma esfera em que a prestação almejada seja absolutamente impossível no plano fático, por razões técnicas ou econômicas. A impossibilidade fática absoluta fugiria ao escopo da discussão jurídica, já que o Direito não pode dispor senão sobre a conduta possível.

Mas também é possível a invocação da impossibilidade resultante de decisões alocativas prévias, materializada no orçamento e nas políticas públicas. Estas, como decisões técnico políticas, estariam, entretanto, sujeita ao controle, inclusive com respeito à sua constitucionalidade e legitimidade democrática[23].

A cláusula da reserva do possível oposta ao provimento jurisdicional não pode se referir unicamente a um limite orçamentário, que diria pouco, inclusive porque este poderia ser questionado em sua constitucionalidade e respeito aos Direitos Fundamentais e, também, porque poderiam ser questionados os instrumentos de formação da vontade democrática através do instrumento do orçamento. É dizer, o déficit de legitimidade democrática na elaboração do orçamento pode ser ainda maior do que o déficit alegado em função da alocação judicial.

Entendemos que, pairando como fundamento mais profundo no tema dos limites do provimento jurisdicional para as prestações fáticas relacionadas ao direito à saúde, estaria o limite ético, dado pela necessidade de equidade no acesso aos recursos escassos. É dizer, o critério jurídico limitador fundamental da decisão judicial alocativa nas questões de acesso à atenção à saúde seria o da preservação da equidade no acesso, ou seja, toda atenção necessária é devida, na medida em que não signifique a anulação do acesso eqüitativo.

Embora entendamos que deva este ser um critério fundamental, não significa que daí se possa derivar critérios de fácil e imediata aplicação. Critérios e diretrizes suplementares hão de ser deduzidos com o objetivo de especificar e detalhar esse critério fundamental, visando tornar possível a sua aplicação no caso concreto.

Em termos dessa fundamentação ética dos limites de que aqui tratamos, isto é, os opostos à exigibilidade de prestações estatais correspondentes á efetivação do direito à atenção em saúde, queremos trazer as considerações de Ronald DWORKIN.

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Ronald DWORKIN faz uma crítica[24] ao modelo que ele denomina “modelo clássico ou do isolamento”, que confere à saúde um caráter absoluto e que possui como pressupostos: a) a saúde é o bem mais importante do indivíduo; b) o critério de sua distribuição é o acesso pela necessidade, independente do custo; c) o que implica para a sociedade o que chama a “regra do resgate”, pela qual não se tolera que alguém venha a sofrer ou morrer, quando se pode, de alguma maneira, aliviar o sofrimento ou postergar a morte.

DWORKIN questiona esse modelo e propõe um outro, que vai afirmar que há outros bens que competem com a saúde em importância, como educação, segurança, previdência e assistência social, etc; que o critério da necessidade se torna complexo em face da interpretação do que seja, de fato, uma necessidade; e, por último o critério do resgate, choca-se com muitas das nossas intuições sobre prioridades sanitárias (o autor exemplifica com a manutenção de enfermos terminais, sem chances de sobrevida, etc.). Seria ingênuo e, mesmo imoral, segundo o autor, em um contexto de inevitável de escassez de recursos, menosprezar os custos reais de nossas decisões alocativas. Assim, propõe um modelo alternativo de justiça sanitária derivada de sua teoria da igualdade de recursos.

Considera, assim, que se os indivíduos fossem adquirir todas as prestações atinentes à atenção em saúde no mercado, adquiririam, não segundo um critério de necessidade, mas, sim, segundo um critério de prudência. O mercado obriga as pessoas a que se responsabilizem por suas escolhas. Se o acesso é igualitário (porque parte de condições iniciais igualitárias) então o resultado do escolhido pelas pessoas é moralmente justo.

O pacote que a média das pessoas compraria, deveria determinar o que os sistemas sanitários públicos se encarregariam de marcar como limites do direito de atenção sanitária. Pressupõe-se que algumas prestações ficariam excluídas da cobertura universal: por exemplo: manutenção de vida vegetativa, intervenções em situação de demência, custos elevados para garantir poucas semanas de vida, doenças da velhice e tratamento muito custoso ou em relação aos quais as pessoas não decidiriam investir a sua renda.

A teoria de DWORKIN reflete, obviamente, um ideário liberal. Muitas seriam as críticas passíveis de serem feitas ao modelo e, fundamentalmente, é intuitivo que ele se tornaria tão mais iníquo e problemático, quanto maiores sejam as desigualdades observadas na sociedade, devido a que desigual serão as necessidades e as expectativas em uma sociedade econômica e socialmente desigual.

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Entretanto, colocamos aqui a teoria, por duas razões: primeiro, para ilustrar a contestação do caráter absoluto conferido ao direito à saúde; segundo, para indicar a possibilidade de se discutir direitos sociais e justiça social no contexto liberal. A análise de DWORKIN pode ser entendida, inclusive, no contexto de uma crítica interna do liberalismo norte-americano, uma vez que a teoria exposta objetiva encontrar formas de justificar a intervenção estatal no campo da satisfação de necessidades sociais que, em tese, poderia ser, equivalentemente, proporcionada pelos agentes econômicos em uma economia privada. Cogitar dessa intervenção, em si, já significa uma crítica ao Estado liberal clássico.

A crítica ao caráter absoluto do direito à saúde, entretanto, pode ser encontrada, também no âmbito do Estado social, na confrontação com outros direitos sociais.

Se não entendemos absoluto o direito à saúde, devemos, ao menos, entende-lo como um direito prevalente, pela sua contigüidade com o direito a vida ou pelo fato de constituir-se em um direito-condição para o gozo dos demais direitos sociais. Mas, mesmo nos atendo ao âmbito do direito à saúde, ainda assim, seria impossível a satisfação integral de todas as necessidades de atenção sanitária emergentes, tornando-se necessária uma hierarquização em relação às prestações a serem consideradas. Ainda neste campo restrito direito à atenção em saúde, estaremos no campo da alocação seletiva dos recursos escassos, responsabilidade indeclinável de uma sociedade que se pretenda solidária.

4) O PROBLEMA DA ESCASSEZ E SUA REPERCUSSÃO NO DIREITO À SAÚDE

De acordo com Norberto BOBBIO, a implementação de direitos sociais significaria o consumo adicional de recursos materiais, um maior aporte de recursos públicos, em relação à mera implementação dos direitos de liberdade, ou primeira geração de direitos humanos. Este é um problema adicional que agrava o reconhecido e criticado descompasso entre teoria e prática na afirmação de direitos humanos.

É supérfluo acrescentar que o reconhecimento dos direitos sociais suscita, além do problema da proliferação dos direitos do homem, problemas bem mais difíceis de resolver [...]: é que a proteção destes últimos requer uma intervenção ativa do estado, que não é requerida pela proteção dos direitos de liberdade, [...]. Enquanto os direitos de liberdade nascem contra o superpoder do Estado - e, portanto, com o objetivo de limitar o poder -, os direitos sociais exigem, para sua realização prática, ou seja, para a passagem da declaração puramente verbal à sua proteção efetiva, precisamente o contrário, isto é, a ampliação dos poderes do Estado[25].

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O principal argumento oposto aos direitos do homem, em especial os sociais, é, segundo o autor, o da sua inexeqüibilidade. BOBBIO reconhece, assim, que o problema fundamental desses direitos, seria, hoje, não o de justifica-los, mas o de protege-los, tratando-se já não de um problema filosófico, mas sim político[26].

Entre nós, Luís Roberto BARROSO, também encarece a necessidade de se reconhecer os limites materiais na implementação de direitos sociais. Chega mesmo a criticar a ambigüidade da expressão “direito” no texto constitucional, propondo que o ideal seria que o texto constitucional só utilizasse o vocábulo “direito” no sentido nas hipóteses que investem o jurisdicionado no poder jurídico de exigir prontamente uma prestação, exercendo a via judicial na hipótese de resistência.

[...] afigura-se de todo recomendável que uma Constituição reserve o vocábulo direito, com exclusividade, para designar as situações jurídicas [...] que propiciam a exigibilidade efetiva de determinada conduta, correspondente a um dever jurídico de outrem, realizável por prestações positivas ou negativas[27].

Não é o que ocorre, segundo aquele constitucionalista, quando a Constituição veicula normas programáticas: “onde se cuidar de um simples programa de ação futura, não será utilizada por via direta ou indireta, a palavra direito”[28].

Não será supérfluo salientar que não está o autor negando o caráter jurídico dessas normas, tampouco seu caráter vinculante[29], mas, tão somente, reconhecendo que há limites materiais à efetividade a serem reconhecidos em benefício da própria lógica sistêmica do ordenamento. Nas palavras do autor: “Uma regra que preceitue um fato que de antemão se saiba irrealizável, viola a lógica do sistema. Não pode, portanto, integrá-lo validamente”[30].

Nessa mesma linha de entendimento é a doutrina de Ingo Wolfgang SARLET[31], segundo o qual: as normas que veiculam os direitos sociais, possuem, em regra, a característica das normas-programa, são comandos que prescrevem a realização de determinados fins e tarefas. Se, por um lado, há que se rechaçar a teoria que nega o caráter jurídico das chamadas normas programáticas, atribuindo-lhe caráter meramente político, não vinculativo; temos, por outro lado, que “a eficácia dos direitos fundamentais sociais a prestações materiais depende naturalmente dos recursos públicos disponíveis”[32]. O desafio na implementação, entretanto, não pode implicar a negação da possibilidade de que se reconheça qualquer tipo de obrigação ao Estado, sob pena de renúncia de reconhece-los como verdadeiros direitos.

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Recentemente, a partir final da década de 90, portanto, com o mundo mergulhado no contexto do que se convencionou chamar neoliberalismo, o problema dos custos envolvidos na efetivação de direitos foi tratado, nos Estados Unidos, por HOLMES e SUSTEIN[33], com entendimento um pouco diverso do acima exposto, contido na doutrina de BOBBIO e de BARROSO, uma vez que, diferentemente destes, não distinguem aqueles autores, no enfrentamento do problema da escassez, entre direitos de primeira e de segunda geração. A doutrina dos autores norte-americanos veio influenciar, no Brasil, Gustavo AMARAL[34] e Flávio GALDINO[35].

HOLMES e SUSTEIN, tomando o mote a DWORKIN, advertem: “Taking rights seriously means taking scarcity seriously”[36] (“Levar direitos a sério significa levar a sério a escassez”). Esses autores, na busca por uma abordagem mais realista da implementação de direitos humanos, salientam a estreita relação entre a proteção à liberdade e o investimento público, criticam o caráter absoluto que formalmente se pretende dar a determinados direitos, desconsiderando-se o fato de que implementar quaisquer tipos de direitos envolve custos e que, também por esse motivo, os direitos concorrem entre si e que não há que falar em direitos, sem que se mencione, concomitantemente, a necessidade dos meios ou recursos materiais para sua promoção, bem como a necessidade de alocação dos mesmos.

Implementar direitos, segundo os autores, significa distribuir recursos. Interessante frisar, mais uma vez, que, para os autores, não importa mesmo se falamos de direitos de primeira ou de segunda geração, já que, para usar uma das expressões dos autores “Watchdogs must be paid” (“Cães de guarda devem ser pagos”), ou seja, mesmo os direitos de primeira geração, implicam custos crescentes, a serem socialmente repartidos[37].

No Brasil, Gustavo AMARAL, analisa o problema da escassez focando-se na perspectiva da tutela jurisdicional do direito à saúde:

Tomada individualmente, não há situação para a qual não haja recursos. Não há tratamento que suplante o orçamento da saúde ou, mais ainda, aos orçamentos da União, de cada um dos Estados, do Distrito Federal ou da grande maioria dos municípios. Assim, enfocando apenas o caso individual, vislumbrando apenas o custo de cinco mil reais por mês para um coquetel de remédios, ou de cento e setenta mil reais para um tratamento no exterior, não se vê a escassez de recurso [...][38].

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Ponderam, entretanto, os autores, que, ao multiplicarem-se os provimentos jurisdicionais, entraríamos no campo das chamadas “decisões trágicas” (citando Guido CALABRESI e Philip BOBBIT):

Firmado que há menos recursos do que o necessário para o atendimento das demandas e que a escassez não é acidental, mas essencial, toma vulto a alocação de recursos. As decisões alocativas são, como bem citado por Calabresi e Bobbit, escolhas trágicas, pois em última instância, implicam na negação de direitos que, no campo da saúde, podem redundar em grande sofrimento ou mesmo em morte[39].

AMARAL propõe em sua obra um critério prático para orientar as decisões judiciais na matéria. Ao apreciar pretensões positivas, o julgador deveria ponderar o grau de essencialidade da pretensão, em função do mínimo existencial e da excepcionalidade da situação, que possa justificar uma decisão alocativa por parte do Poder Judiciário, que confronte a que, em tese, foi assumida pelo Estado Administração, ao negar ou omitir- a prestação concreta pleiteada, ensejando o recurso à via jurisdicional[40].

Tal proposta é, de certa maneira, restritiva em relação às possibilidades de provimento jurisdicional, pois o admite apenas em situações de excepcionalidade. A utilização prática do critério, não deixa de ser problemática, pois pressupõe a definição de um mínimo existencial e pressupõe a avaliação quanto à essencialidade da pretensão deduzida. Tarefa nada simples, se considerarmos que são avaliações referidas à saúde humana, cuja própria definição apresenta-se extremamente complexa, dependendo não apenas de conhecimentos técnico-científico, mas também de considerações sociais e culturais.

5) A PROMOÇÃO DA EQUIDADE NO ACESSO

Lembramos a advertência de CAMPILONGO, já mencionada neste estudo, de que a função dos direitos sociais é compensar déficits e desvantagens gerados pelo próprio ordenamento e o desafio do Judiciário é promover uma “seletividade inclusiva”. Nesse sentido, no campo da saúde, a efetivação do direito se voltaria a promover o acesso eqüitativo aos bens e serviços que conformam a atenção à saúde. Ocorre que este também é um desafio bastante grande.

A equidade no acesso à saúde é um problema global e recoloca à sociedade contemporânea o problema da justiça distributiva. O recrudescimento da desigualdade no contexto da globalização e do neoliberalismo é assim retratado por BERLINGUER:

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A esperança de vida no nascimento varia entre os 34 anos na Serra Leoa e os 82 anos no Japão; A probabilidade de uma pessoa morrer entre os 15 e os 60 anos é de 8% na Suécia, de 46% na Rússia e de 90% no Lesoto; A esperança de vida nos países desenvolvidos varia entre 5 a 10 anos, de acordo com as diferenças de rendimento, de educação e condições de trabalho; A prevalência de incapacidades, a longo prazo, entre homens europeus com idade superior a 80 anos é de 58% para os de baixa educação versus 40% para os de uma educação elevada; A taxa de mortalidade materna na Indonésia é quatro (4) vezes mais elevada entre os pobres, quando comparados com os ricos; Na Inglaterra, um trabalhador não qualificado vive, em média, menos 7 anos do que um profissionalizado[41].

Conforme mostrado por BERLINGUER, observa-se que a desigualdade não ocorre apenas entre países, embora seja essa uma desigualdade importante, mas também internamente a cada país, em função da existência de diferentes estratos sociais na população.

Obviamente, a situação no Brasil não é diversa da do restante do mundo. Pelo contrário, em nosso país, entre os de maior desigualdade social no ranking mundial[42], a universalização da saúde proposta na Constituição de 1988 obviamente encontrou seus percalços.

O fato é que a atual desigualdade revelada nos indicadores de saúde da população brasileira reflete não apenas as deficiências relativas aos fatores sociais determinantes da saúde (moradia, saneamento, educação, etc.), mas também a falta de equidade no acesso à atenção em saúde (ações e serviços de saúde)[43]. A referida desigualdade no Brasil, assim como no resto do mundo, é um dado da realidade que cabe transformar, repensando eticamente o tema da equidade no acesso.

O modelo jurisdicional que resultou do processo de afirmação do direito à saúde a partir da Constituição de 1988, entretanto, apresenta-se problemático na promoção da equidade no acesso, apesar de ser este um dos princípios que regem o sistema público de saúde constitucionalmente delineado[44].

O sistema público, ao oferecer atenção integral, engloba procedimentos de alta complexidade, muitas vezes não cobertos pelo seguro privado de saúde, ou cuja cobertura não é desejada em face do seu alto custo. É o caso, por exemplo, dos transplantes, que são realizados quase exclusivamente pelo Sistema Único de Saúde -

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SUS[45] e da assistência farmacêutica, prestada unicamente por esse Sistema e que abrange tratamentos de alta complexidade e custo[46].

São tratamentos que competem por recursos com os demais níveis de atenção. Fato que possui claras implicações sobre a equidade no acesso, em face dos diferenciais de acesso observáveis na população, inclusive pela via jurisdicional, a essas prestações de alto custo não cobertas pelo seguro privado e que competirão com a atenção primária, que atende basicamente a população excluída daquele mercado.

O princípio da integralidade, entretanto revela-se de extrema importância para o Sistema, por um lado, pela sua própria racionalidade sanitária, que não possui apenas o aspecto assistencial, mas também outros diferentes aspectos, como o do desenvolvimento e incorporação de tecnologia médica e da formação de recursos humanos. Do ponto de vista ético jurídico, mitigar o princípio da integralidade ou estabelecer, de forma apressada ou irrefletida, a priorização da atenção básica ou primária à saúde, pode voltar-se contra a equidade no acesso.

Atenção especial parece necessária, precisamente sobre a tutela jurisdicional oferecida. O direito à saúde, possui uma dimensão individual e uma dimensão coletiva. O modelo atual de tutela jurisdicional do direito à saúde no Brasil têm privilegiado a tutela jurisdicional individual, provavelmente em face da matriz do direito processual no contexto histórico-político liberal de privilégio da individualidade.

As perguntas que nos ocorrem em relação a tal configuração são basicamente duas: 1) a adequada tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais pode prescindir das ações individuais e da teoria do direito público subjetivo até agora utilizado? 2) poderiam ser construídos, em sede de processo individual, instrumentos que, mitigando o individualismo da via, pudessem contemplar a tutela do interesse coletivo que ali subjaz?

Entendemos que a própria estrutura da afirmação do direito social como direito subjetivo, constituindo mero reflexo da estrutura processual acima referida, finda por impor ao destinatário do direito fundamental, o cidadão usuário do sistema de saúde, o ônus de demandar, que como sabemos constituirá um obstáculo diferenciado ao acesso, segundo o extrato sócio-econômico do destinatário. O socialmente excluído em relação à atenção em saúde, muito provavelmente também o será em relação à assistência judiciária que a tutela jurisdicional do direito pressupõe.

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A questão não se resume, obviamente, aos aspectos processuais. A harmonização entre os princípios da universalidade, integralidade e igualdade do acesso há de ser pensada também no campo de uma teoria dos direitos fundamentais sociais e esse é um campo que apenas começamos a trilhar, havendo, todavia, algumas propostas no campo doutrinário.

Uma ponderação é a oferecida por Daniel SARMENTO[47]: “A reserva do possível fática deve ser concebida como a razoabilidade da universalização da prestação exigida, considerando os recursos efetivamente existentes”. Socialmente justo, seria a prestação passível de ser universalizada, portanto, passível de promover a inclusão social, pela generalização da oferta à sociedade.

A questão segue sendo complexa, pois a universalização formal, por si, não garante a universalização substancial, onde se promova as compensações dos déficits sociais no acesso. Falamos de uma universalização inclusiva ou de uma universalização excludente.

Entendemos que a “universalização excludente”[48] que resulta de uma tutela formalmente universal, por dizer respeito a todos, mas que, na prática, implica o favorecimento de camadas da população já detentoras de um acesso privilegiado no acesso aos serviços de saúde. Este fenômeno resulta, em parte, na linha que vimos expondo neste trabalho, ao lado de outros fatores, de um provimento jurisdicional acrítico às demandas individualizadas.

Essa “universalização excludente” está na contramão da função primeira dos direitos sociais, concebidos como forma de promover a inclusão social, compensando as desigualdades existentes na sociedade ou, nas palavras de CAMPILONGO, citadas no início desta discussão, compensando os “déficits e desvantagens que o próprio ordenamento provoca”[49].

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A realidade fática da escassez dos recursos, contraposta às necessidades humanas, ao lado da necessidade de equidade no acesso a tais recursos, constituem os principais fatores a serem tomados em consideração no tema dos limites da efetivação do direito fundamental social à saúde.

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A escassez é um dado do mundo fático, matéria ordinariamente objeto das ciências econômicas, e que corresponde, na esfera do dever-ser, ao problema ético-jurídico da alocação justa dos recursos. A racionalidade econômica da alocação está inextricavelmente entrelaçada com a questão ética, daí porque a matéria é afeta ao Direito em sua dimensão normativo-axiológica.

A filosofia moral deve fundamentar a responsabilidade a ser compartilhada entre indivíduo, sociedade e Estado no que diz respeito à utilização racional e eqüitativa dos recursos escassos disponíveis para a consecução das prestações positivas associadas à efetivação do direito fundamental social à saúde. Podendo oferecer, ao Direito, o preenchimento dos aspectos valorativos do comportamento social a ser por ele regrado.

A aplicação de critérios jurídicos para alocação de recursos escassos sanitários, em face da complexidade dos aspectos sócio econômicos e técnico sanitários, não pode prescindir da análise sob ponto de vista do problema concreto, isto é, privilegiando a abordagem tópica a fim de que, em uma abordagem teleológica, se contemplem os objetivos perseguidos com o direito social fundamental à saúde.

A aptidão do Direito, nesse contexto fático, se revela na possibilidade de, ao apreender os fatos e valores que informam a alocação ética e justa de recursos sanitários escassos, direcionar, através de preceitos normativos amplo senso, regras e princípios, e da técnica jurídica, a organização da solidariedade social, de forma a que se possa distribuir ônus e benefícios de forma a compensar as diferenças substanciais existentes entre os indivíduos, promovendo desse modo um eqüitativo acesso à atenção em saúde.

A atuação do Direito na efetivação do direito à atenção sanitária deve voltar-se, assim, à compensação das desigualdades de condições geradas pelas imperfeições alocativas do sistema de economia de mercado. Compensação esta que constitui a razão de ser dos direitos sociais.

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[1] CAMPILONGO, Celso Fernandes. O Judiciário e a Democracia no Brasil. Dossiê Judiciário, n. 21, pp. 116-25, mar.-mai./1994. Disponível em: http://www.usp.br/revistausp/n21/fcelsotexto.html. Acesso em: 27.02.2002.

[2] “O ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras colidentes.” ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p 90.

[3] Idem, ibidem, p 203.

[4] Idem, ibidem, p 461.

[5] Idem, ibidem, p 499-503.

[6] LEIVAS, Paulo Gilberto Cogo. Teoria dos Direitos Fundamentais Sociais. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2006, p 89

[7] No campo da saúde, é muito evidente essa dupla possibilidade de repartição dos encargos sociais, isto é, por mecanismos públicos ou por mecanismos privados. Isto em função da imperatividade, nesse setor, do mecanismo econômico do seguro a fim de se fazer frente ao financiamento da atenção em saúde, abrindo as possibilidades do “seguro social”, público, ou do “seguro contratual”, privado.

[8] KRELL, Andreas Joachim. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p 19.

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[9] Sobre a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais: SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos Fundamentais e Direito Privado: algumas considerações em torno da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais. In A Constituição Concretizada: construindo pontes com o público e o privado. Org. Ingo Wolfgang Sarlet. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000.

[10] Declaration of Alma-Ata. Disponível em: http://www.who.int/hpr/NPH/docs/declaration_almaata.pdf. Acesso em 14/07/2008.

[11] O direito à saúde, anteriormente, já vinha reconhecido no artigo XXV da Declaração Universal dos Direitos do Homem: “Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle”. Também no preâmbulo do ato de Constituição da OMS temos uma afirmação de princípios atinentes à saúde humana. Disponível em http://www.who.int/governance/eb/constitution/en/index.html. Acesso em 14.07.2008.

[12] Para uma distinção entre direito à saúde e direito à atenção em saúde: GONZÁLEZ, Ángel Puyol. Ética, Derechos y racionamiento sanitario. In Doxa, n. 22, 1999, p 584.

[13] BERLINGUER, Giovanni. Globalização, Equidade e Saúde. Conferência proferida no II Fórum Regional de Saúde do Algarve sob o tema “Globalização e Saúde em 29 de maio de 2008.

[14] A atenção primária normalmente se caracteriza pelo baixo custo por unidade de atenção. É definida na Declaração de Alma-Ata como: “Atenção essencial à saúde baseada em tecnologia e métodos práticos, cientificamente comprovados e socialmente aceitáveis, tornados universalmente acessíveis a indivíduos e famílias na comunidade por meios aceitáveis para eles e a um custo que tanto a comunidade como o país possa arcar em cada estágio de seu desenvolvimento, um espírito de autoconfiança e autodeterminação. É parte integral do sistema de saúde do país, do qual é função central, sendo o enfoque principal do desenvolvimento social e econômico global da comunidade. É o primeiro nível de contato dos indivíduos, da família e da comunidade com o sistema nacional de saúde, levando a atenção à saúde o mais próximo possível do local onde as pessoas vivem e trabalham, constituindo o primeiro elemento de um processo de atenção continuada à saúde”. Tradução de Declaration of Alma-Ata. Disponível em: http://www.who.int/hpr/NPH/docs/declaration_almaata.pdf. Acesso em 14/07/2008.

[15] A racionalidade econômica, na verdade não é avessa a outras racionalidades ou à ética, a propósito da interdependência entre Ética e Economia: SEN, Amartya. Sobre Ética e Economia. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

[16] Para a discussão do problema da incorporação tecnológica em medicina, e as interações entre sistema de inovação em saúde e sistema de bem-estar social: ALBUQUERQUE, E.; CASSIOLATO, J. As Especificidades do Sistema de Inovação

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do Setor Saúde: uma resenha da literatura como introdução a uma discussão sobre o caso brasileiro. Estudos FESBE I. São Paulo: USP, 2000.

[17] Para uma comparação desses modelos: FAVERET FILHO, Paulo e OLIVEIRA, Pedro Jorge de. A Universalização excludente: Reflexões sobre as tendências do Sistema de Saúde. In Planejamento e Políticas Públicas, v 1, n 1, jun/1989, Brasília: IPEA.

[18] Para um histórico do Movimento Sanitário Brasileiro e dos antecedentes à Constituinte na matéria saúde: RODRIGUEZ NETO, Eleutério. Saúde: Promessas e Limites da Constituição. Rio de Janeiro: Ed Fiocruz, 2003.

[19] CASTRO, Marcus Faro de. Dimensões políticas e sociais do direito sanitário brasileiro. In: ARANHA, Márcio Iório. (Org.). Direito Sanitário e Saúde Pública. Brasília: Ministério da Saúde / Faculdade de Direito da Universidade de Brasília / Escola Nacional de Saúde Pública, v. 1, p. 82-104, 2003.

[20] COHN, Amélia e ELIAS, Paulo Eduardo. Saúde no Brasil – Políticas e organização de serviços. 4 ed, São Paulo: Cortez:CEDEC, 2001.

[21] Por um lado premidos diretamente por parâmetros exigidos pela regulação do setor de saúde suplementar e, por outro, pela transparência que a regulação traz ao segmento, permitindo a comparação entre distintos produtos, as empresas estão incorporando progressivamente ações assistenciais preventivas, objeto de resistência em um momento anterior em razão de não haver a garantia de “fidelização do consumidor”, o que limitavam os investimentos nessas ações. Conferir em: BRASIL. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Tendências e Desafios dos Sistemas de Saúde nas Américas / Agência Nacional de Saúde Suplementar. - Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, 2002.

[22] O princípio da eficiência inserto pela EC 19/98, art. 37, caput, da CF, certamente à de reger a Administração Pública, quando voltada à atuação do Estado na prestação do serviço público de saúde.

[23] Nesse sentido, a decisão do Ministro Celso de Mello no julgamento da Medida Cautelar na ADPF n.45: “a cláusula da reserva do possível – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido essencial de fundamentalidade.” (Julg. 29/04/2004, DJU 04/05/2004).

[24] Os argumentos aqui apresentados estão contidos no artigo: “Justice in the Distribution of Health Care”, McGill Law J. 1993;38(4):883-98. Disponível em: http://www.journal.law.mcgill.ca/abs/vol38/4dwork.html. Acesso em 13/04/2007.

[25] BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campos, 1992, p 72.

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[26] Idem, ibidem, p 24.

[27] BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas – Limites e Possibilidades da Constituição Brasileira. 4ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000 p 111.

[28] Idem, ibidem, p 113.

[29] O que resta claro Capítulo IV “A efetividade das Normas Constitucionais”. Idem, ibidem, p 75-89.

[30] Idem, ibidem, p 114.

[31] SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos Fundamentais e Direito Privado: algumas considerações em torno da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais. In A Constituição Concretizada: construindo pontes com o público e o privado. Org. Ingo Wolfgang Sarlet. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000.

[32] Idem, ibidem, p 22.

[33] HOLMES, Stephen e SUNSTEIN, Cass R. The cost of rights: Why Liberty Depends on Taxes. New York – London: W.W.Norton & Company, 1999.

[34] AMARAL, Gustavo. Direito, Escassez e Escolha: em busca de critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

[35] GALDINO, Flávio. Introdução à teoria dos custos dos Direitos. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2005.

[36] HOLMES, Stephen e SUNSTEIN, Cass R. The cost of rights: Why Liberty Depends on Taxes. New York – London: W.W.Norton & Company, 1999, p 94.

[37] “That the costs of these arrangements [the system of criminal justice], indispensable for the protection of basic rights must be publicly defrayed has theoretical as well as financial significance. Such costs bring into sharp relief the essential dependency of rights-based individualism on state action and social cooperation.” Idem, Ibidem, p 113.

[38] AMARAL, Gustavo. Direito, Escassez e Escolha: em busca de critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas. Rio de Janeiro: Renovar, 2001., p 146-147.

[39] Idem, Ibidem, p 147.

[40] Idem, Ibidem, p 228.

[41] BERLINGUER, Giovanni. Globalização, Equidade e Saúde. Conferência proferida no II Fórum Regional de Saúde do Algarve sob o tema “Globalização e Saúde” em 29 de maio de 2008.

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[42] O Brasil era, em 2004, o oitavo país em desigualdade social, na frente apenas da latino-americana Guatemala, e dos africanos Suazilândia, República Centro-Africana, Serra Leoa, Botsuana, Lesoto e Namíbia, segundo o coeficiente de Gini, parâmetro que mede a concentração de renda. Em 2006 era o 10º mais desigual numa lista com 126 países e territórios, à frente de Colômbia, Bolívia, Haiti e cinco países da África Subsaariana. A posição do país melhorou em 2007 /2008, mas continua entre os mais desiguais do mundo. De acordo com os Relatórios de Desenvolvimento Humano, publicados pela ONU. Disponível em: http://www.pnud.org.br/rdh/ Acesso em: 13/09/2008.

[43] Para informações estatísticas, consultar os anexos 1 e 2 do estudo coordenado pelo Instituto de Economia (IE) e pelo Núcleo de Políticas Públicas (NEPP) da UNICAMP: NEGRI, Barjas, DI GIOVANNI Geraldo. (Org.). Brasil: Radiografia da Saúde. Campinas - SP: Instituto de Economia da UNICAMP, 2001.

[44] Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

[45] Segundo informação do Ministério da Saúde, o Brasil tem o maior sistema público de transplantes do mundo. Só perdendo para os Estados Unidos em número global de procedimentos realizados – incluindo privados. Em 1995, a rede pública respondia por 85% dos procedimentos, em 2004, por 92%. http://portal.saude.gov.br/portal/aplicacoes/noticias/noticias_detalhe.cfm?co_seq_noticia=12445.

[46] A assistência farmacêutica não é coberta pelo seguro saúde (art. 10, VI, Lei nº 9.656 de 03 de junho de 1998), mas sim pelo sistema público (art. 6º, I, a, da Lei 8.080 de 19 de setembro de 1990), incluindo medicamentos denominados de dispensação em caráter excepcional, pelo alto custo, uso contínuo ou raridade da patologia (Política Nacional de Medicamentos, Portaria n.º 3.916, de 30 de outubro de 1998).

[47] SARMENTO, Daniel. A proteção Judicial dos Direitos Sociais: Alguns Parâmetros Ético-Jurídicos. Cópia de artigo ainda não publicado oferecido pelo autor.

[48] A expressão é de FAVERET FILHO, Paulo e OLIVEIRA, Pedro Jorge de. A Universalização excludente: Reflexões sobre as tendências do Sistema de Saúde. In Planejamento e Políticas Públicas, v 1, n 1, jun/1989, Brasília: IPEA.

[49] CAMPILONGO, Celso Fernandes. O Judiciário e a Democracia no Brasil. Dossiê Judiciário, n. 21, pp. 116-25, mar.-mai./1994. Disponível em: http://www.usp.br/revistausp/n21/fcelsotexto.html. Acesso em: 27.02.2002.