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O caso Bruna: preconceito motivado por ambiguidade de gênero e os discursos intolerantes

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O caso Bruna: preconceito motivadopor ambiguidade de gênero e os

discursos intolerantes

Ubirajara de None Caputo

O caso Bruna: preconceito motivadopor ambiguidade de gênero e os

discursos intolerantes

sem editora

Esta obra está sendo publicada pelo próprio autor.Se alguma editora tiver interesse em publicá-la,

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Capa desenvolvida pelo autor

(`)As bi, (`)as gay, (`)as trava e (`)as sapatão.Tá tudo organizada pra fazer revolução.

(grito de guerra tradicional do movimento de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais

– LGBT - no Brasil que, como se lê, propõe uma revolução “em feminino”. Crases do autor).

Foto disponível em: <migre.me/pHgHk>. Autor não citado.

Sumário

Apresentação - O caso Bruna (baseado em fatos reais)........9

Capítulo 1 - Uma introdução ao Preconceito......................20

Alguns fatores subjetivos...............................................28

Alguns fatores objetivos.................................................35

Capítulo 2 - Estigma, sexo e ambiguidade de gênero.........42

Capítulo 3 - Opinião pública...............................................59

Sujeito.............................................................................62

Análise semântica...........................................................66

Discursos intolerantes.....................................................96

Interdiscursividade.........................................................99

Considerações finais..........................................................112

Referências bibliográficas.................................................116

Apêndice imagético...........................................................123

Anexo I – A reportagem....................................................135

Anexo II – Os comentários................................................139

9

ApresentaçãoO caso Bruna (baseado em fatos reais)

Iiiiih meu amoooor [com o 'or' soando nagarganta e soprado, como numa exalaçãoofegante], minha vida dava um romance.(Bruna, 2011).

“dava” mesmo. Bruna nasceu no final da década

de 1960. Quando começou a frequentar a escola já

era um menino delicado. Falava baixo, era gentil com todos,

gesticulava lentamente e movia seus dedos longos ao falar. A pele

muito clara contrastava com o cabelo negro, com uma franjinha

curta. De estatura média, magro, tinha um rosto forte onde

costumava exibir um grande sorriso. Era aplicado nos estudos e o

mais jovem de sua turma. Quando seus colegas entraram na

puberdade, as coisas começaram a mudar. Passaram a

ridicularizá-lo e a chamá-lo de mariquinha. Aos poucos, na hora

do recreio, ele não sabia se deveria se aproximar dos rapazes, aos

quais temia, ou das meninas, o que poderia aumentar sua fama de

“mulherzinha”. Os professores e os inspetores de alunos

observavam tudo e riam. Quando queria usar o banheiro, os

garotos tentavam forçá-lo a beber a água da latrina. Bruna, então,

passou a evitar líquidos e teve algumas complicações no aparelho

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urinário que persistem até hoje. As humilhações no vestiário

tornaram-se tão insuportáveis que ele inventou que tinha um

problema cardíaco para não precisar mais fazer aulas de Educação

Física. O professor, mesmo sem comprovação alguma, aceitou a

justificativa, possivelmente por sentir pena dele. Com muita

vergonha, escondia-se na biblioteca da escola no intervalo das

aulas e aproveitava esse tempo para pensar no que poderia fazer

para evitar tudo aquilo. O que estaria fazendo, ou deixando de

fazer, que provocava aquele comportamento hostil? Ao mesmo

tempo, torcia para que seus pais não soubessem o que acontecia

na escola. Porém, um dos inspetores de alunos acompanhava o

caso com “especial” interesse. Começou a aproximar-se de Bruna

e a molestá-lo sexualmente ameaçando contar para sua família o

que se passava na escola. A crueldade psicológica, as dores

emocional e física, as humilhações e as imundices sofridas por

Bruna nessas ocasiões serão omitidas para o bem do leitor. Em

casa, seu sorriso se apagou e ele não queria mais ir à escola. Seus

pais acharam que era “coisa de adolescente” e foram severos.

Durante algum tempo, ele ficou entre os estupros recorrentes, as

humilhações dos colegas e a pressão dos pais, a quem não queria

decepcionar. Não aguentando mais a situação, começou a fugir da

escola. Assim que seus pais souberam do motivo das fugas,

passaram a humilhá-lo dizendo que ele deveria ser mais homem e

a espancá-lo “corretivamente”. Bruna então teve que escolher

entre os estupros e a vergonha constantes e as surras dos pais.

Sempre calado. Após algum tempo, ainda no início da

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adolescência, abandonou a escola, a família, a cidade e foi morar

nas ruas de uma grande metrópole até ser acolhido pela dona de

um meretrício, onde começou a prestar serviços domésticos.

Ainda jovem, começou a tomar hormônios e a usar roupas

femininas, assumiu o nome de Bruna e passou a se prostituir. Aos

dezoito anos já havia adquirido o vírus da AIDS (HIV) e, sozinha,

tentou acolhimento em várias casas de apoio mantidas por

entidades religiosas. Foi rejeitada em todas elas por não ter uma

aparência compatível com “os bons costumes”. Para que a

aceitassem, era necessário que cortasse os cabelos, escondesse os

seios e se comportasse como homem. Por fim, foi recolhida das

ruas pela Brenda Lee1, em cuja casa de apoio pôde se recuperar, e

passou a cuidar dos outros pacientes.

Muitos anos se passaram e, ao ouvir uma gargalhada,

Bruna ainda acha que é dela que se está rindo. Além disso, se

sente responsável por tudo o que aconteceu em sua infância e por

não ter conseguido encontrar uma solução para aquela situação.

Eu a conheci quando lhe aplicava um pré-teste de questionário

sobre homotransfobia, durante o ano de 2011. Ao perguntar se

desejava falar um pouco sobre sua história, ela bateu palma,

jogou a cabeça para trás, riu sacudindo os cabelos e emitiu a fala

citada no início deste capítulo. O questionário investigava danos

1 Brenda foi uma travesti que, no início da epidemia de AIDS, nosanos 1980, transformou sua própria casa, na cidade de São Paulo,em um centro de acolhimento para travestis, presidiários e demaisproscritos portadores do HIV. Para saber mais, acesse:<http://migre.me/pLLjR>. Acesso em: 28 jan. 2015.

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morais, sociais, psicológicos, físicos, sexuais e patrimoniais

decorrentes de preconceito motivado por orientação sexual e/ou

identidade de gênero. Durante as respostas ela reconheceu a

existência e intensidade dos danos sofridos e, ao perguntar-lhe

sobre os possíveis prejuízos patrimoniais, surpreendi-me com a

resposta. Bruna contou que ainda tinha notícias de alguns

ex-colegas dos tempos de escola e que eles haviam se tornado

médicos, administradores, advogados etc. e que ela, só

recentemente, havia conseguido sair da prostituição e encontrar

um emprego de telefonista numa entidade beneficente que lhe

rendia um salário-mínimo mensal. A visão dela sobre como o

preconceito determinou as condições de sua vida e lhe impôs

sérias restrições financeiras, me motivou a tentar compreender o

papel do preconceito nas relações de trabalho de pessoas que

apresentam ambiguidade de gênero.

Histórias semelhantes à de Bruna não são incomuns,

especialmente nas classes sociais mais pobres ou quando se perde

o apoio da família. No entanto, há processos diferentes. Há casos

em que a transição para outro gênero, embora intimamente possa

ter se estabelecido desde sempre ou ter levado vários anos para se

consolidar, manifesta-se socialmente na idade adulta, de forma

abrupta, quando essas pessoas já conquistaram uma posição na

sociedade. De certo, assumir publicamente outra identidade de

gênero implica adaptações, notadamente nos ambientes familiar e

profissional, mas, uma vez mantida a posição social conquistada,

essas pessoas não recebem o mesmo tratamento dispensado a uma

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travesti “de rua”, como foi o caso de Bruna.

Destacam-se duas características fundamentais no

processo que resultou no ostracismo social de Bruna: o

despreparo da escola e da família em lidar com sua delicadeza e o

acolhimento pelo meretrício como única opção de sobrevivência.

As famílias costumam experimentar sensação de fracasso e

vergonha pelos entes que julgam anormais. A escola, salvo poucas

exceções, não prepara bem os alunos para lidarem com a

diversidade. Nem de pensamento, nem religiosa e nem sexual. Ao

contrário, o ambiente escolar (incluindo professores, currículo,

métodos e recursos) é fortemente policiado de modo a formar

cidadãos que possam adaptar-se e reproduzir ideias e valores

daqueles que o policiam. Talvez a prova mais explícita dessa

vigilância tenha sido a suspensão da distribuição, por exigência

do setor conservador do Congresso Nacional, de material contra

homofobia que seria entregue aos professores do ensino médio de

escolas públicas, em 2011, pelo Ministério da Educação, sob a

alegação de que seria temerário fazer, nas palavras da presidente

da república Dilma Rousseff, “propaganda de opção sexual2”. O

acolhimento social que Bruna poderia ter recebido dos órgãos

oficiais de proteção à criança e ao adolescente, o levaria a ser

recolhido das ruas, mas o obrigaria a conviver em ambiente

possivelmente pior do que o de sua escola. O acolhimento pelo

2 A visão da sexualidade como opção e a ideia de risco de contágioforam desenvolvidas no século XIX, quando desejar sexualmentealguém do mesmo sexo era considerado doença.

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meretrício, nesses casos, é comum e certamente constituiu uma

experiência, não necessariamente boa ou má, mas marcante em

sua vida. Não é possível saber se Bruna teria, ou não, se tornado

uma travesti caso tivesse tido outras condições de vida. Tampouco

importa querer sabê-lo no intuito de descobrir se teria sido

possível evitar que isso acontecesse, já que não cabe juízo de

valor a qualquer situação de transgeneridade3. Entretanto, é

preciso ter em conta que essas condições de vida fazem parte de

uma problematização que resultou na forma como Bruna expressa

sua autopercepção de gênero, isto é, na sua travestilidade. As

condições familiares, educacionais e sociais da infância e

adolescência de Bruna integram um processo que faz com que

pessoas como ela - saudáveis, capazes (ou capacitáveis) e probas -

sejam apartadas da vida em sociedade e confinadas a condições

mínimas de sobrevivência. Investigar esse processo é tarefa

necessária para entender, ainda que parcialmente, o preconceito

que lastreia uma situação de vida tão desfavorável para

aqueles(as) que apresentam ambiguidade de gênero.

Um primeiro esforço nesse sentido, baseou-se na análise

de documentos normativos decorrentes de negociações coletivas

de trabalho, cujos resultados podem ser conhecidos no artigo

Relações de trabalho de homossexuais, bissexuais, transgêneros e

intersexuais no âmbito das negociações coletivas no Brasil4

(CAPUTO, 2014). Foram investigadas a base de dados do

3 Neste estudo, adotou-se o termo transgeneridade para expressar acondição de pessoas transgêneras e intersexuais, indistintamente.

4 Disponível em: <migre.me/pGQIX>. Acesso em: 17 fev. 2015.

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Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), contendo cerca de 260

mil documentos celebrados desde 2005, e a do Departamento

Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE)

que, na ocasião da coleta dos dados, registrava mais de 3500

documentos referentes a negociações de grande

representatividade, firmados a partir de 1992 e cobrindo todo o

território nacional. O estudo deixa claro que os interesses de

trabalhadores homossexuais e bissexuais aparecem nas

negociações coletivas de trabalho de forma diferente dos de

transgêneros e intersexuais. Enquanto 8,4% das negociações

realizadas em 2013 registradas pelo DIEESE tratavam de não

discriminação a homossexuais e bissexuais, reconhecimento de

união afetiva entre pessoas de mesmo sexo e cuidados com seus

filhos/família, o respeito à identidade de gênero do(a)

trabalhador(a) e o direito de não ser discriminado(a) na

contratação e na progressão profissional não foram mencionados.

Mesmo a base de dados do MTE, que deve registrar todas as

convenções e acordos coletivos celebrados no Brasil, possui

apenas três documentos em que a identidade de gênero é citada.

Os Acordos Coletivos do Sindicato dos Trabalhadores em

Entidades Sindicais no Estado do Espírito Santo celebrados com o

Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Espírito

Santo, nos anos de 2010 e 2012, e com o Sindicato dos

Trabalhadores em Empresas de Asseio, Conservação, Limpeza

Pública e Serviços Similares do Estado do Espírito Santo, em

2013, proíbem discriminação em razão de “gênero, de etnia, de

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orientação sexual, de idade, de estado civil, identidade de gênero,

de religião, de ter ou não filhos, de qualquer outra forma de

discriminação” e de “sexo e identidade de gênero, origem, raça,

etnia, orientação sexual, geracional, deficiência física, número de

filho (as) [sic] e estado civil.”, respectivamente. Além do

reconhecimento do direito constitucional à não discriminação, é

necessário que os ambientes profissionais estejam preparados

para acolher todos os trabalhadores e trabalhadoras, em geral, e

aqueles(as) que apresentam ambiguidade de gênero, em

particular. O uso do nome social, isto é, aquele escolhido pelo

trabalhador(a) de acordo com sua autopercepção de gênero,

independentemente de suas características somáticas, e a

utilização de instalações sanitárias destinadas a tal gênero, são

alguns exemplos de boas práticas no acolhimento a essa

população. Mas, principalmente, é preciso enfrentar o problema

de acesso ao mercado de trabalho formal por pessoas que

apresentam ambiguidade de gênero.

Sobre isso, se sabe muito pouco. O censo demográfico

brasileiro, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE), não capta o número de transgêneros e

intersexuais vivendo no Brasil, sua faixa de renda, escolaridade

etc. É presumível que essas pessoas tenham se “encaixado” nas

categorias masculino ou feminino disponíveis no questionário. As

pesquisas de emprego e desemprego, notadamente as realizadas

pelo IBGE e pelo DIEESE, não buscam identificar quantos desses

cidadãos e cidadãs estão em idade economicamente ativa e como

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estão atuando no mercado de trabalho. Os números disponíveis

são controversos e será preciso algum esforço para se obter uma

estimativa da quantidade de pessoas que apresentam ambiguidade

de gênero, isto é, aquelas que são potencialmente prejudicadas

pelo preconceito motivado por identidade de gênero, principal

objeto deste estudo. Para tanto, serão necessárias algumas

definições.

Pessoas transgêneras são aquelas cuja autopercepçãode gênero5 é discordante do gênero correlacionado aoseu sexo biológico. Essa autopercepção poderevelar-se através de elementos expressivos, como éo caso das travestis e crossdressers, e/ou identitários,como no caso das/dos transexuais6. Pessoasintersexuais7 possuem ambiguidade anatômicacongênita que não permite que sejam associadastotalmente a um gênero. Tanto pessoas transgênerascomo intersexuais quase sempre apresentam sinaisexteriores que em parte conflitam com o gênero

5 Não será possível discutir a grande produção acadêmica sobregênero no escopo deste trabalho. Entretanto, neste contexto, o termose refere à adequação social baseada no sexo biológico, conformedescrita pelo sistema sexo/gênero de Gayle Rubin: “o sistemasexo/gênero é um conjunto de arranjos através dos quais umasociedade transforma a sexualidade biológica em produtos daatividade humana, e na qual estas necessidades sexuaistransformadas são satisfeitas” (RUBIN apud SENKEVICS, 2012).

6 Para informações complementares, consulte a Associação Brasileira de Homens Trans. Disponível em: <http://migre.me/pGQQF>. Acesso em: 11 jun. 2014.

7 Para mais informações, consulte Intersex Society of North America.Disponível em: <migre.me/pJrFf>. Acesso em: 9 jun. 2014.

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masculino, em parte com o feminino. (CAPUTO,2014)

A prevalência de mulheres transexuais, isto é, que se

percebem mulheres em discordância do seu sexo biológico, é da

ordem de 1:500 e a de homens transexuais é cerca da terça parte,

ou seja, 1:1500 (CONWAY, 20028). A intersexualidade pode ser

caracterizada de inúmeras formas, no entanto a prevalência

sugerida pela Intersex Society of North America vai de 1:1500 a

1:2000. Não foi possível encontrar estimativa sobre a prevalência

de travestis e se considerará a mesma das mulheres transexuais.

Até aqui, mesmo sem considerar a quantidade expressiva de

homens efeminados e mulheres masculinizadas, o número de

pessoas apresentando ambiguidade de gênero contínua9, no Brasil,

já passa de um milhão. As políticas públicas destinadas a suprir as

necessidades educacionais e a inserção no mundo do trabalho

dessa população são raras e atendem uma ínfima parte das

pessoas que delas necessitam. A prefeitura da cidade de São

Paulo, através do Projeto Inserção Social Transcidadania10,

atendeu 23 pessoas de abril a dezembro de 2014. O Projeto

DAMAS11, da cidade do Rio de Janeiro, atende 20 usuárias a cada

seis meses.

8 Disponível em: <http://migre.me/q4Nt4>. Acesso em: 22 dez. 2014.9 Foram desconsiderados os casos de pessoas que se

vestem/comportam em discordância do seu sexo biológico apenaseventualmente porque essas pessoas não necessariamenteapresentam ambiguidade de gênero no ambiente profissional.

10 Disponível em: <migre.me/nGRgC>. Acesso em: 24 dez. 2014.11 Disponível em: <migre.me/nGT3p>. Acesso em: 24 dez. 2014.

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A história de Bruna, a exemplo de tantas outras, e os

elementos apresentados até aqui, caracterizam a resistência que a

sociedade tem em lidar com esse segmento populacional que, de

certo, repercute nos processos de contratação e progressão

profissional. Como essa resistência se manifesta? O que a

justifica? Essas são algumas questões que serão discutidas neste

trabalho a partir da situação apresentada a seguir.

No dia 4 de janeiro de 2014, Bruna foi com algumas

amigas ao Shopping Center 3, na Avenida Paulista, em São Paulo,

e precisou ir ao banheiro. Para ela isso não é algo simples, pois

sua aparência e trajes femininos causam grande constrangimento.

Elas entraram no banheiro feminino e se dirigiram aos reservados.

Pouco tempo depois, foram expulsas do banheiro pelos

seguranças que as encaminharam para a saída. Dessa vez, Bruna

resolveu falar. Convocou, por uma rede social, uma manifestação

de repúdio nesse shopping. A manifestação ocorreu no dia onze

do mesmo mês. O ato repercutiu na imprensa e o site G112

recebeu uma quantidade de comentários de internautas muito

acima do usual. Foram mais de 800 comentários em apenas três

dias. Tais comentários foram coletados e serão analisados à luz da

teoria da Análise do Discurso como forma de ilustrar o

preconceito por identidade de gênero em ação na sociedade

brasileira.

12 Disponível em: <migre.me/nH1Ir>. Acesso em: 24 dez. 2014.

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Capítulo 1Uma introdução ao preconceito

O que nóis faiz, que é o certo, eles acha queé errado. O que eles faiz, nóis acha que éerrado, mais eles acha que é certo.(anônimo, 2014).

trecho acima reproduz a fala que ouvi de um

transeunte, de aproximadamente 45 anos, às

pessoas que o acompanhavam (provavelmente esposa e filhos) ao

avistarem um casal de homens andando de mãos dadas na

Avenida Paulista, em São Paulo, no dia 1º de janeiro de 2014, às

15h. A intenção daquele senhor, claramente, era a de tentar

explicar o que eles haviam visto e sua fala não parecia censurar o

comportamento dos rapazes. Ao contrário, o senhor pareceu

querer mostrar que aceitava facilmente a relação do casal

observado e tentava cultivar nos que o ouviam valores

antidiscriminatórios. Por ora, não importa o objeto analisado por

ele, ou seja, a relação entre a moral sexual planejada para as

pessoas que o acompanhavam e a hipotética moral sexual dos

rapazes. Poder-se-ia estar tratando de diferentes escolhas

religiosas, por exemplo, e mesmo assim o trecho referido seria

útil para observar o tema do preconceito. Isso porque, conforme o

O

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