MEDIA+Igual - Boletim 8 - Abril 2014

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Boletim Informativo Integra uma selecção de notícias publicadas de 1 a 30 de Abril de 2014, a partir da monitorização de nove títulos de imprensa escrita portugue- sa: - dois de âmbito regional: As Beiras Diário de Coimbra - sete de âmbito nacional: Correio da Manhã Diário de Notícias Público Caras Maria Happy Woman Mens Health Nesta edição: 1. Editorial 2/3. Em análise: representações do 25 de Abril 4/5. Pela positiva 6/7. Assimetrias: política formal 8/9. Violência doméstica 10. Assimetrias várias 11. Em poucas palavras 12. A fechar/ Agenda/ Ler+ Boletim Informativo Escrita Igualitária nos Media Abril de 2014 08 MEDIA +igual Em recta final do projecto MEDIA+Igual, a monitorização de imprensa do mês de Abril é indissociável das comemorações da Revolução dos Cravos. Foi pela positiva que notámos que, entre os vários artigos jornalísticos sobre o tema, a questão da igualdade de género não foi esquecida— sendo abordada numa perspectiva de evolução nas últimas 40 décadas. No entanto, não podemos deixar de notar que, no percurso desta evolução, a igualdade de género surge como uma questão já alcançada e normalizada. É com preocupação que olha- mos para essa perspectiva, que remete para a sombra mediática todas as assi- metrias ainda existentes. Fora da esfera temática do 25 de Abril, os artigos ligados à violência doméstica continuam a marcar a agenda mediática no que diz respeito a questões de igualdade de género. Não obstante, foi possível analisar também a forma como os jornais monitorizados apresentaram vários aspectos de política formal no âmbito do projecto MEDIA+Igual . Foi disso exemplo a cobertura da proposta de legislação sobre maternidade de substituição; mas também da formação, por indicação do Governo, de uma equipa de especialistas destinada a traba- lhar políticas de promoção da natalidade, como pode ser lido nas páginas se- guintes.

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Os boletins mensais do projecto MEDIA + Igual apresentam uma selecção de notícias dos media portugueses monitorizados pelo projecto e as respectivas as análises, consensualizadas no âmbito de reuniões periódicas entre os parceiros da ULAI - Unidade Local de Análise de Imprensa. O projecto MEDIA + Igual é promovido pelo IEBA Centro de Iniciativas Empresariais e Sociais e apoiado pela UE-FSE / Governo de Portugal / QREN / POPH-GIG.

Transcript of MEDIA+Igual - Boletim 8 - Abril 2014

Boletim Informativo

Integra uma selecção de notícias

publicadas de 1 a 30 de Abril de 2014,

a partir da monitorização de nove

títulos de imprensa escrita portugue-

sa:

- dois de âmbito regional:

As Beiras

Diário de Coimbra

- sete de âmbito nacional:

Correio da Manhã

Diário de Notícias

Público

Caras

Maria

Happy Woman

Men’s Health

Nesta edição:

1. Editorial

2/3. Em análise: representações do 25

de Abril

4/5. Pela positiva

6/7. Assimetrias: política formal

8/9. Violência doméstica

10. Assimetrias várias

11. Em poucas palavras

12. A fechar/ Agenda/ Ler+

Boletim Informativo Escrita Igualitária nos Media Abril de 2014 08

MEDIA +igual

Em recta final do projecto MEDIA+Igual, a monitorização de imprensa do mês

de Abril é indissociável das comemorações da Revolução dos Cravos. Foi pela

positiva que notámos que, entre os vários artigos jornalísticos sobre o tema, a

questão da igualdade de género não foi esquecida— sendo abordada numa

perspectiva de evolução nas últimas 40 décadas. No entanto, não podemos

deixar de notar que, no percurso desta evolução, a igualdade de género surge

como uma questão já alcançada e normalizada. É com preocupação que olha-

mos para essa perspectiva, que remete para a sombra mediática todas as assi-

metrias ainda existentes.

Fora da esfera temática do 25 de Abril, os artigos ligados à violência doméstica

continuam a marcar a agenda mediática no que diz respeito a questões de

igualdade de género. Não obstante, foi possível analisar também a forma como

os jornais monitorizados apresentaram vários aspectos de política formal no

âmbito do projecto MEDIA+Igual. Foi disso exemplo a cobertura da proposta

de legislação sobre maternidade de substituição; mas também da formação,

por indicação do Governo, de uma equipa de especialistas destinada a traba-

lhar políticas de promoção da natalidade, como pode ser lido nas páginas se-

guintes.

02

Por ocasião do 40.º aniversá-

rio da revolução de 25 de Abril

de 1974, a presença do tema

no espaço mediático foi con-

tante. Das várias abordagens e

perspectivas encontradas du-

rante a monitorização do mês

de Abril, ganhou destaque os

artigos que enfatizaram, parti-

cularmente, os direitos das

mulheres e a evolução dos

mesmos nos 40 anos de demo-

cracia portuguesa.

Nos exemplos encontrados, nota

positiva para a relevância dada à

igualdade de género no quadro da

análise à democracia portuguesa.

No entanto, não podemos deixar de

notar — e dar um parecer negativo

— à forma como esse enquadra-

mento é feito. Nomeadamente, no

que concerne à disseminação de

uma mensagem de que a igualdade

plena na sociedade é uma realidade

incontestável, mas também no que

diz respeito a um discurso jornalís-

tico que recai em estereótipos de

género para analisar os impactos da

democracia na vida das mulheres

portuguesas.

No caso do artigo abaixo apresenta-

do, “Igualdade do género conquis-

tada aos poucos” (Diário de Coim-

bra, edição de 25 de Abril), a análi-

se aos 40 anos de democracia é fei-

ta, exclusivamente, sob o foco da

igualdade de género. Neste âmbito,

é pertinente e positivo que sejam

elencadas discriminações de género

existentes antes de Abril de 1974 e,

também, o “demorado caminho pa-

ra a igualdade de género” em Por-

tugal. O discurso mediático dá tam-

bém destaque às várias conquistas

alcançadas na esfera pública

(quotas para mulheres nas listas

eleitorais ou maior presença em

empresas e no ensino superior).

Não obstante, a mensagem que se

pode concluir deste artigo é a de

que a igualdade plena já foi alcan-

çada e que há até certas áreas em

que a desigualdade pende agora a

benefício das mulheres. Tal é notó-

rio no destaque escolhido do artigo:

“mulheres estão hoje em maioria na

vida profissional e académica e são

as que mais resistem ao abandono

escolar”. Desta forma, o discurso

mediático remete à invisibilidade as

assimetrias ainda existentes, não

contrapondo, a título de exemplo,

que apesar da maior presença das

em análise: representações do 25 de Abril

03

em análise: representações do 25 de Abril

mulheres na vida profissional,

continuam a existir profundas de-

sigualdades a nível salarial entre

homens e mulheres.

Também a revista Maria colocou o

tema da igualdade de género no

centro da cobertura do aniversário

da Revolução de Abril. Sob o título

“40 anos de vitórias”, este artigo

de quatro páginas descreve as mu-

danças para as mulheres portu-

guesas trazidas pelas quatro déca-

das de democracia, abordando um

leque de temas mais diversificados

do que o artigo do Diário de Coim-

bra. O texto retoma, no entanto,

os mesmos problemas já enuncia-

dos: a invisibilidade perante as

assimetrias existentes leva à con-

clusão de que estes “40 anos de

vitórias” levaram a uma igualdade

plena.

Além disso — e de forma também

problemática —, as categorias de

análise do artigo da revista Maria

reduzem-se, na sua maioria, a es-

tereótipos de género, através dos

quais é reduzida a realidade das

mulheres em Portugal. É disso

exemplo a recorrente associação

das mulheres à esfera privada (na

sua relação de maternidade e ges-

tão da casa), mas também a ques-

tões de imagem e consumo. Aliás,

as imagens existentes ao longo do

artigo (crianças, saltos altos e

compras) reforçam essas conota-

ções estereotipadas de género, que

associam o universo feminino a

áreas e ocupações específicas, ao

invés de apostar numa abordagem

mais plural e diversificada.

Estes aspectos problemáticos são

reforçados ao longo do artigo, so-

bretudo no que diz respeito à legi-

timação de estereótipos entre o

género feminino e a preocupação

com o aspecto físico (“a busca da

perfeição é o objectivo da maioria

das mulheres, numa era em que a

beleza ocupa um lugar de desta-

que” / “a imagem é uma das gran-

des preocupações da mulher do

século XXI”). Trata-se da manu-

tenção de visão limitadora e gene-

ralizadora da mulher, que a asso-

ciam a um conjunto de estereóti-

pos inquestionáveis. Repare-se

que, mesmo quando são elencados

os avanços tecnológicos das últi-

mas décadas, os mesmos acabam

por vincar este discurso estereoti-

pado (“[...] desde informações so-

bre como proceder em certas situ-

ações com os filhos, até formas,

entre blogs e sites, de se mante-

rem na moda”). Estamos, por isso,

perante um retrato mediático re-

dutor das mulheres portuguesas.

04

Na edição de Abril da Happy

Woman, o artigo “The Rain-

bow families” destaca-se pela

positiva, ao desconstruir um

conjunto de estereótipos as-

sociados à parentalidade de

casais homossexuais, contri-

buindo assim para diminuir

preconceitos na opinião pú-

blica. É, no seu global, um ar-

tigo inclusivo, que transmite

uma visão plural sobre o te-

ma, procurando a opinião de

diversos/as especialistas.

Ao longo de várias perguntas, ela-

boradas em função de várias ideias

discrimatórias e estereotipadas a

que se associam os pais/as mães

homossexuais, o discurso jornalís-

tico vai procurando respostas. Seja

com recurso a fontes documentais

ou a especialistas nacionais e es-

trangeiros/as, o artigo desconstrói

mitos através de factos, sem preju-

dicar a abordagem jornalística do

tema.

É também positiva a inclusão de

uma referência específica à reali-

dade portuguesa. Através de uma

entrevista à ILGA Portugal, a

Happy apresenta um testemunho

de uma associação da sociedade

civil que representa o universo

LGBT e, desta forma, cria um dis-

curso na primeira pessoa (ao invés

de optar apenas por um artigo que

trata do tema na terceira pessoa).

Desta forma, reforça-se o carácter

inclusivo do texto.

Nota final para as imagens que,

como já notado em anteriores arti-

gos da revista Happy, não se ade-

quam à informação veiculada.

pela positiva

Áo longo de duas páginas, o jornal

Público apresentou, a 14 de Abril,

uma entrevista à investigadora em

estudos de género Maria do Mar

Pereira. Pela visibilidade que traz

ao tema da (des)igualdade de gé-

nero, revela-se um artigo positivo,

uma vez que elenca várias assime-

trias existentes, desde questões

relacionadas com educação até

estereótipos e papéis de género

transversais à sociedade.

Apesar do propósito do projecto

MEDIA+Igual incidir sobre o

discurso jornalístico—e não sobre

opiniões veiculadas através da im-

prensa — considera-se que, inde-

pendentemente das considerações

em nome próprio de Maria do Mar

Pereira, é particularmente relevan-

te que este tema tenha chegado à

agenda jornalística do jornal Pú-

blico, que lhe confere importância.

O mote da reportagem surge com

o Prémio Internacional para o Me-

lhor Livro em Investigação Quali-

tativa, atribuído exactamente a

Maria do Mar Pereira. Contudo, a

entrevista acaba por não se focar

apenas na investigação e no pré-

mio recebido. Tal é notório, por

exemplo, em perguntas como “Há

diferenças entre Inglaterra e Por-

tugal no que respeita às questões

de género?” ou “Na adolescência

nunca se sentiu contaminada pelas

representações que existem na so-

ciedade?”. Esta abrangência na

escolha das perguntas — tanto so-

bre temas mais vastos, como sobre

a própria experiência pessoal da

investigadora na sua adolescência

— permite, de certa forma, que a

igualdade de género deixe de ser

apresentada somente como tema

de uma investigação académica e,

em termos de representação me-

diática, passe a ser elencada como

uma questão socio-cultural.

Não obstante, esta proximidade,

na maneira como a entrevista é

conduzida, entre o percurso pesso-

al de Maria do Mar Pereira e a in-

vestigação que tem feito, resulta

também num ponto problemático.

A forma como a questão relaciona-

da com diferenças biológicas é

elencada (“Há estudos científicos

sobre a diferença entre o cérebro

das mulheres e dos homens. [...]

Estas conclusões acerca das dife-

renças biológicas entre homens e

mulheres incomodam-na?”) de-

monstra uma atitude crítica da

jornalista perante o tema, numa

formulação que remete para uma

‘provocação’ à entrevistada, en-

trando no campo pessoal. Além

disso, a jornalista assume estes

estudos biológicos como categóri-

cos, dando-lhes legitimidade me-

diática, muito embora as suas con-

clusões tenham sido controversas

na comunidade científica.

03

05

pela positiva

A votação de uma proposta

legislativa conjunta do PS e

PSD na Assembleia da Repú-

blica, que permite a materni-

dade de substituição a casais

heterossexuais, deu origem a

vários artigos sobre o assun-

to, na imprensa diária. Exem-

plo disso são estes dois arti-

gos do Diário de Notícias e do

Público, que permitem leitu-

ras diversas do tema, do pon-

to de vista da igualdade de gé-

nero.

Em “‘Barriga de aluguer’ mais per-

to de ser legalizada em Portu-

gal” (Diário de Notícias, edição de

29 de Abril) a imagem ilustrativa

representa uma mulher dentro de

um carrinho de compras. Trata-se

de uma alegoria com leituras ne-

gativas para o tema da igualdade

de género, uma vez que assemelha

a mulher a um produto de super-

mercado, menorizando o seu papel

(reforçando a objectificação do seu

corpo) e retirando seriedade ao

tema. A própria expressão ‘barriga

de aluguer’ - sendo notoriamente

reconhecida ao nível do senso co-

mum para abordar a temática da

materidade de substituição — aca-

ba por potencializar leituras nega-

tivas ao nível da objectificação da

mulher. Seria importante proble-

matizar, ao nível do discurso jor-

nalístico, quais as implicações do

uso desta expressão na formação

da opinião pública em relação ao

corpo da mulher — e ponderar o

uso de novos referenciais mais in-

clusivos, como por exemplo a no-

menclatura ‘maternidade de subs-

tituição’. De referir, ainda, que no

artigo é dada visibilidade positiva à

abrangência possível da materni-

dade de substituição a mulheres

solteiras e casais do mesmo sexo.

No entanto, esta questão só é men-

cionada no contexto de uma pro-

posta alternativa feita pelo Bloco

de Esquerda, dois anos antes, fal-

tando uma problematização real

da heteronormatividade vinculada

pela proposta legislativa.

Por outro lado, o artigo

“Legalização de ‘barrigas de alu-

guer deverá ser votada em

Maio” (Público, edição de 21 de

Abril) apresenta uma imagem me-

nos problemática para ilustrar o

artigo. Não obstante, registe-se

que o artigo mantém o uso inques-

tionável da expressão ‘barrigas de

aluguer’ e omite qualquer referên-

cia à exclusão de casais homosse-

xuais e mulheres solteiras na pro-

posta, remetendo este tema à invi-

sibilidade mediática.

assimetrias: política formal

06

assimetrias: política formal

07

No artigo do Diário de Notí-

cias “Mulheres dominam

equipa de natalidade do

PSD”, de 04 de Abril, verifica-

mos que continua a existir a

tendência, no discurso mediá-

tico, para a categorização das

mulheres em cargos públicos

em função do seu género.

Desta forma, num tema que

se foca na política formal –

nomeadamente a nomeação,

por parte do Governo, de uma

equipa encarregue de debater

a promoção da natalidade –

assiste-se à completa menori-

zação do perfil profissional

dos membros da equipa face

ao género.

Tal foco é notório tanto no título

escolhido, como na entrada, que

reforça a composição da equipa

por géneros: “seis mulheres e qua-

tro homens”.

Para além desta assimetria eviden-

te na forma como o masculino e o

feminino são retratados no discur-

so dos media, a opção por este tí-

tulo é particularmente problemáti-

ca no tema em causa.

Tratando-se de uma equipa que vai

analisar tendências de natalidade,

a importância atribuída ao género

dos/as especialistas/as vai, clara-

mente, reforçar estereótipos entre

natalidade e maternidade, associa-

do a mulher ao papel de mãe.

No entanto, a leitura do artigo na

íntegra acaba por contrariar o títu-

lo escolhido, na medida em que o

foco, ao longo do texto, acaba por

residir no percurso profissional de

cada um/a dos participantes da

equipa. Nesse sentido, considera-

se que seria mais relevante terem

sido escolhidos aspectos deste con-

texto profissional para figurar no

título do artigo.

Uma alternativa viável, por exem-

plo, seria referir no título a ten-

dência, na escolha dos membros

da equipa, para percursos ligados à

defesa da família tradicional e con-

servadora. Uma vez que 0 posicio-

namento profissional dos/as espe-

cialistas tem impacto directo na

orientação de políticas para a pro-

moção da natalidade e a sua rela-

ção com a parentalidade, a intro-

dução no título da notícia dos per-

cursos e valores defendidos pelos/

as profissionais seria mais relevan-

te do que a menção redutora ao

género predominante na equipa.

No dia 15 de Abril, o jornal

Público dedicou uma página

da sua edição diária ao artigo

“Baixos níveis de glucose po-

dem ser uma causa de violên-

cia doméstica”. A notícia re-

flecte os resultados de um es-

tudo que conclui que a dimi-

nuição de glucose no sangue

contribui para uma maior ir-

ritabilidade e propensão para

a violência nos indivíduos da

amostra, sublinhando que es-

ta questão pode mesmo ser

uma das razão para a violên-

cia doméstica.

Trata-se de um artigo problemáti-

co, que, ao enfatizar um suposto

papel da glucose como ‘gatilho’ da

violência doméstica, remete à invi-

sibilidade questões sócio-culturais

de desigualdade de género. Trata-

se, por isso, de um reforço de es-

tigmas e pressupostos estereotipa-

dos ligados à problemática (à se-

melhança, por exemplo, do que

acontece quando se refere, errone-

amente, o alcoolismo como causa

da violência doméstica, ignorando-

se as assimetrias sociais na forma

como a relação entre géneros é as-

sumida), que não desconstrói estes

factores como potencializadores (e

não causadores per si) da violên-

cia, agindo com base em assimetri-

as já existentes.

Nesse sentido, a generalização pre-

sente no título pode contribuir pa-

ra a invisibilidade da violência do-

méstica como problemática social.

Além disso, o próprio subtítulo

contribui para aligeirar o tema nu-

ma linguagem de pendor cómico,

retirando-lhe seriedade (“se for-

mos ter uma conversa difícil com a

nossa cara-metade, talvez conve-

nha comer qualquer coisa primei-

ro”).

O texto carece ainda de uma análi-

se genderizada aos resultados do

estudo descrito. Ou seja, se os

comportamentos agressivos verifi-

cados na amostra científica foram

atestados independentemente do

género do individuo.

Esta questão seria importante nu-

ma abordagem à violência domés-

tica tendo em conta a (des)

igualdade de género. Mesmo que

tal análise genderizada não conste

do estudo descrito no artigo, seria

relevante que o discurso mediático

problematizasse esta eventual au-

sência – como forma de promover

um maior espírito crítico nos/as

leitores/as em relação ao tema da

violência doméstica e das assime-

trias de género.

violência doméstica

08

violência doméstica

09

Numa perspectiva por norma

invisível nas páginas do jor-

nal, da violência doméstica, o

Diário de Notícias dedicou

um artigo à realidade do pós-

encarceramento dos agresso-

res. Intitulada “Vítimas de

maus-tratos fazem visitas ín-

timas aos agressores” (10 de

Abril), a notícia expõe, sobre-

tudo, a realidade complexa

entre vítimas e a agressores,

É de realçar, pela positiva, a visibi-

lidade dada ao tema e o esforço, ao

longo da construção discursiva,

para não apresentar uma perspec-

tiva única sobre o tema. Perante o

“fenómeno de visitas recorrentes

[das vítimas] aos seus agressores”,

como o jornal descreve o tema, há

uma tentativa de ouvir – e trans-

mitir aos/às leitores/as – diversas

perspectivas sobre o caso, não ad-

mitindo respostas e julgamentos

únicos à situação. Desta forma,

realça-se, como já adiantado, a

complexidade destas relações, em

que não é possível tecer soluções

que sirvam todos os casos identifi-

cados.

Denunciando que, em “alguns ca-

sos”, há uma continuidade de

agressões nos estabelecimentos

prisionais, ao abrigo da privacida-

de de que são dotadas as visitas

conjugais, o DN problematiza qual

será a solução a adoptar. O discur-

so apresenta primeiro a posição da

Procuradoria-Geral Distrital de

Lisboa, que defende a possibilida-

de da proibição de contactos entre

agressor e vítima. Não obstante, a

jornalista não se contenta com a

visão institucional e procura tam-

bém a perspectiva da APAV – As-

sociação Portuguesa de Apoio à

Vítima, pela ‘voz’ do técnico Daniel

Cotrim. Nesta diversidade de fon-

tes, destaque para a posição da as-

sociação que esta “não é uma rela-

ção normal entre criminoso e víti-

ma”, já que está ligada “a contex-

tos de intimidade”. É, portanto,

um reforço da não-linearidade da

problemática da violência domésti-

ca, que ganha – de forma positiva

– espaço no discurso mediático.

É também importante valorizar a

informação contextualizada que

enriquece o conteúdo do artigo. A

encimar o artigo, uma caixa de tex-

to pormenoriza a legislação em

vigor para visitas íntimas nos esta-

belecimentos prisionais. Mas há

também informação adicional so-

bre estatísticas pós-queixa de vio-

lência doméstica, com destaque

para dados sobre o número de

condenados em 2013, de presos

preventivos, de agressores com

pulseira electrónica e de tele-

-assistências a vítimas de maus-

tratos. O conjunto destas informa-

ções permite, desta forma, um arti-

go mais aprofundado sobre o tema

da violência doméstica.

assimetrias várias

10

O artigo “Anúncios oferecem

casas para arrendar a troco

de sexo” (Diários de Notícias,

19 de Abril) apresenta uma

visibilidade positiva sobre a

vulnerabilidade económica

das mulheres em altura de

crise— e de como tal dá ori-

gem a este tipo de situações

assimétricas de género e de

poder. No caso específico des-

ta notícia, é retratada prática

de anúncios de arrendamento

de casa a troco de favores se-

xuais.

Perante a problemática, o discurso

jornalístico apresenta um conjunto

diverso de fontes e perspectivas.

Nesse contexto, são citados juris-

tas que reforçam a legalidade da

prática, mas também associações

da sociedade civil e especialistas

em sociologia. É por isso positivo o

balanço feito a esta construção jor-

nalística, que tenta ser inclusiva e

plural nos pontos de vista apresen-

tados.

Nesta pluralidade presente no dis-

curso jornalístico, há que enfatizar

o contributo de Ana Cristina San-

tos, do Centro de Estudos Sociais

da Universidade de Coimbra (e

também da “Não te Prives”, uma

das entidades integrantes do pro-

jecto MEDIA+Igual), que explica

que o verdadeiro problema desta

questão não é a prestação de servi-

ços sexuais, mas a assimetria de

poder e a vulnerabilidade econó-

mica. “Não se trata de um contrato

laboral entre iguais, mas sim de

uma actividade não regulada, mui-

to permeável a riscos de explora-

ção”, em que a carência económica

“tem um impacto considerável so-

bre a capacidade individual de de-

cidir sobre o seu próprio corpo e os

usos que dele se entende fazer”,

afirma Ana Cristina Santos, citada

pelo Diário de Notícias, numa

perspectiva importante que assim

ganha visibilidade nos media.

em poucas palavras

11

O título reforça, de forma redundante, o termo

“gay”, quando a palavra “amante” bastaria para

descrever uma relação passional. A opção usada é,

sem dúvida, mais sensacionalista. Por outro lado,

há uma construção discursiva negativa reforçada

pelo uso repetido do verbo “engatar”, ao longo do

texto, que não torna claro o tipo de relação em cau-

sa: se uma relação fortuita ocasional ou um caso de

prostituição. Não que essa distinção seja relevante

para o crime, mas é notória a diferença de trata-

mento noticioso, em termos de linguagem, perante

relações homossexuais e heterossexuais.

Mais uma vez,

assistimos a

uma generali-

zação de com-

portamentos,

expectativas e

objectivos das

mulheres (e,

consequemen-

te, dos ho-

mens) no dis-

curso da Men’s

Health. Neste caso específico, reforça-se o estereó-

tipo abusivo de que ‘as mulheres se fazem difíceis’,

mas que isso seria uma estratégia para “conhecer o

grau de compromisso” dos homens e “aumentar a

atracção sexual”. Acaba por ser um estereótipo

sexista perigoso, já que promove o desrespeito pe-

lo “não” das mulheres, visto como um subterfúgio,

potencializando casos de assédio e abuso sexual.

Este artigo é ilustrado

com uma foto da

agressora em bikini,

numa objectificação

do seu corpo (não re-

lacionada com a notí-

cia). Por outro lado, a

redução da vítima ao

seu estatuto económi-

co origina uma série

de conotações relacio-

nadas com o motivo

do crime, que não es-

tão provadas. No tex-

to, as diferenças eco-

nómicas aliadas às di-

ferenças de idades da

agressora e vítima ser-

vem também para cri-

ar um retrato estereo-

tipado dos factos.

É irrelevante a menção específica a “prostituta”

no título deste artigo. A vítima não foi burlada

nesse contexto e, portanto, está a ser reduzida na

sua identidade à categorização de “prostituta” -

um uso da linguagem que pode até contribuir pa-

ra a sua menorização pública e da queixa que

apresentou. Uma vez que estamos perante várias

vítimas de um esquema criminoso de burla e que

apenas esta actividade de prostituição foi nomea-

da, conclui-se que o título foi escolhido apenas

por uma questão de sensacionalismo.

Correio da Manhã, 03/04/2014 Men’s Health, Abril 2014

Correio da Manhã , 11/04/2014 Correio da Manhã, 13/04/2014

042

na internet Siga-nos no Facebook, em: www.facebook.com/mediamaisigual Conheça outras iniciativas IEBA: www.ieba.org.pt/

créditos

Edição: IEBA—Centro de Iniciativas Empresariais e Sociais, Abril 2014 Revisão: ULAI—Unidade Local de Análise de Imprensa - APPACDM Coimbra, APAV, GRAAL, NÃO TE PRIVES, SOS RACISMO, UMAR Contactos: IEBA Parque Industrial Manuel Lourenço Ferreira, Lote 12—Apartado 38, 3450-232 Mortágua | [email protected]

08

a fechar

A violência doméstica ganhou

destaque principal na impren-

sa diária nacional no mês de

Abril, com contornos dramá-

ticos. Tratou-se do caso de

Manuel Pinto Baltazar, que

disparou sobre a ex-

companheira, a filha e outras

duas familiares destas, fugin-

do às forças policiais durante

vários dias.

O caso, pela cobertura mediática

de que foi alvo e dimensão nacio-

nal que obteve, é sintomático da

forma como a violência doméstica

é retratada no discurso mediático.

Rapidamente aquele que foi um

caso de violência doméstica — em

contexto de violência continuada—

foi retratado pelos media na sua

vertente de perseguição policial.

Desta forma, a tendência por uma

narrativa romanceada e pelo exa-

cerbar do sensacionalismo acabou

por predominar nas páginas dos

jornais, remetendo à invisibilidade

as assimetrias socio-culturais, ine-

rentes à violência doméstica, e o

próprio contexto de violência. Nota

final para a nomenclatura

“monstro”, que, usada predomi-

nantemente nos jornais, contribui

para uma visão distorcida dos

agressores de violência doméstica

como seres atípicos.

agenda

Seminário Final MEDIA+Igual

30 de Junho Coimbra

ler +

“Homoparentalidades: Perspetivas Psicológicas”

Da autoria de Jorge Gato, o livro “Homoparentalidades: Perspectivas Psicológicas” é pioneira em

examinar as atitudes em Portugal face à homoparentalidade. A análise, resultante de uma tese de

doutoramento, permitiu investigar as atitudes de futuros profissionais das áreas do direito, saúde

e educação, bem como da população geral, no que concerne à homoparentalidade, desconstruindo

mitos e estereótipos.

Publicado pela editora Almedina e com uma abordagem científica no campo da psicologia, o livro

foi apresentado a 30 de Junho, em Coimbra.