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Mec ˆ anica Cl ´ assica II (cap. 1. Oscilac ¸˜ oes / 1) Jos´ e Pinto da Cunha universidade de coimbra 2015

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Mecanica Classica II

(cap. 1. Oscilacoes / 1)

Jose Pinto da Cunha

universidade de coimbra

2015

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Conteudo

1 Oscilacoes /1− conceitos essenciais 51.1 Introducao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6

1.1.1 Equacoes de Euler-Lagrange . . . . . . . . . . . . . . . 81.2 Equacoes diferenciais lineares de coeficientes constantes . . . . 9

1.2.1 Equacoes diferenciais homogeneas . . . . . . . . . . . . 101.2.2 Equacoes diferenciais completas . . . . . . . . . . . . . 111.2.3 Solucoes da equacao diferencial x+ ax+ bx = 0 . . . . 12

1.3 Analise da queda de um corpo no ar . . . . . . . . . . . . . . 141.4 O oscilador linear e livre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161.5 A energia do oscilador linear . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171.6 O oscilador linear amortecido . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

1.6.1 Analise da energia de um oscilador . . . . . . . . . . . 231.7 O oscilador forcado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

1.7.1 Ressonancia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 291.8 Osciladores acoplados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33

1.8.1 Analise das oscilacoes da molecula de CO2 . . . . . . . 401.8.2 Modos de oscilacao molecular . . . . . . . . . . . . . . 43

1.9 Osciladores acoplados e forcados . . . . . . . . . . . . . . . . . 451.10 Osciladores acoplados - transicao para o contınuo . . . . . . . 47

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4 CONTEUDO

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Capıtulo 1

Oscilacoes /1− conceitos essenciais

Este texto foi escrito para a cadeira de Mecanica Classica II do Depar-tamento de Fısica da Universidade de Coimbra. Nao dispensa a leitura dabibliografia de referencia.

Notacao⋄ os vectores sao representados a bold ;

⋄ ha soma implıcita sobre os ındices repetidos: xiyik ≡∑

i xiyik;

⋄ f ≡ dfdt; f ≡ d2f

dt2; ∂xf ≡ ∂f

∂x; ∂2

xf ≡ ∂2f∂x2 ; ∂

2xyf ≡ ∂2f

∂x∂y; ∂2

ijf ≡ ∂2f∂xi∂yj

.

Bibliografia de referenciaLandau e Lifshitz, Mechanics.

Goldstein, Classical Mechanics, 3 ed.

Morion e Thornton, Classical Dynamics.

Esta primeira parte tem uma exposicao elementar, mais focada nos con-ceitos essenciais e na discussao dos aspectos fısicos, deixando-se para maistarde uma abordagem mais formal e completa das pequenas oscilacoes.

c© j. pinto da cunha, Mecanica Classica II, Departamento de Fısica da Universidade de

Coimbra, 2015.

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6 CAPITULO 1. OSCILACOES /1 − CONCEITOS ESSENCIAIS

1.1 Introducao

As leis de Newton da Fısica Classica sao suficientes para descrever o movi-mento da materia, desde corpos simples ate aos sistemas mais complexos1,porque sistematizam a experiencia concreta mais elementar:

i) A 1a lei estabelece que o movimento e sempre relativo ao observador,nao sendo pois um conceito absoluto. Um corpo livre (de forcas)mantem constante a sua velocidade, pois havera um observador livrepara o qual esse corpo estara em repouso e assim permanecera (Galileu,1632)2.

ii) A 2a lei estabelece que a variacao do estado de movimento requer umaforca e enuncia a relacao de causa-efeito entre as forcas e os seus efeitos:as forcas sao as causas que alteram as velocidades dos corpos sobreos quais agem, em cada intervalo de tempo (Newton, 1687)3. Isto e,causa −→ efeito, sendo o O efeito em cada partıcula e proporcional arespectiva causa; i.e., a mesma forca tem efeitos diferentes num corpode pouca massa e noutro muito massivo, sendo

dv

dt=∑

k

F k/m

onde m e a massa do corpo em causa. E pois claro que se houver causaha efeito, que e a alteracao da velocidade, e vice-versa, pois qualquervariacao da velocidade tem subjacente uma forca que lhe deu causa.

iii) A 3a lei e mais subtil, representa a nossa experiencia concreta de queum corpo nao age sobre si proprio, interage com a sua vizinhanca.Traduz a constatacao de que nao ha auto-acoes, apenas interacoes. Apalavra inter-acao pressupoe a existencia de uma acao repartida entredois entes que inter agem - um nao age sobre o outro, interage comele. Se a acao se traduz numa forca, F , isso significa que, o ato deinter-agir, se fara sentir em cada um dos inter-venientes, sendo a acaosimetrica num e no outro. Se da interacao resultar uma forca F sobre

1Se as velocidades forem muito menores que a velocidade da luz no vazio e excluirmossistemas quanticos.

2Dialogo sopra i due massimi sistemi del mondo, 1632.3PhilosophiæNaturalis Principia Mathematica, 1687.

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1.1. INTRODUCAO 7

Figura 1.1: Forcas de interacao entre dois corpos.

o ente A, entao havera certamente uma forca −F sobre o ente B (verfig.1.1).4 Todavia, os efeitos dessas forcas poderao ser dramaticamentediferentes em A e em B, consoante a massa de cada um deles.

Toda a mecanica classica pode ser construıda sobre as leis fısicas basicassistematizadas por Newton. As interacoes traduzem-se por forcas, que saber-emos ou nao escrever consoante o conhecimento que tenhamos das interacoessubjacentes e que, em geral, dependem das posicoes dos corpos. Assim, asegunda lei de Newton expressa-se na forma de equacoes diferenciais de se-gunda ordem no tempo,

mr =∑

i

F i(r) (1.1)

A descricao da posicao do corpo em cada instante, r(t), e da sua velocidade,r(t), dependem portanto da resolucao destas equacoes. Todavia, dependendodas forcas em presenca, essa tarefa pode revelar-se complicada, e em geral enecessario resolve-las numericamente.

Como e sabido, da teoria das equacoes diferenciais, a solucao de umaequacao diferencial de segunda ordem ha de depender sempre de duas con-stantes de integracao, sendo pois necessario adequar essa solucao geral a

4Usa dizer-se que as forcas existem sempre em pares acao-reacao. Mas e uma designacaoinfeliz, pois faz supor uma relacao consequente: acao reacao. Porem, esta nao pode serestabelecida porque nao parece possıvel distinguir a acao da reacao, pois uma nao existesem a outra, nem ocorre depois da outra mas, ao inves, com ela.

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8 CAPITULO 1. OSCILACOES /1 − CONCEITOS ESSENCIAIS

situacao fısica particular, nomeadamente a posicao e velocidade do corponum certo instante. Estes conceitos tornam-se mais claros quando aplicadosa casos concretos.

Paradoxalmente a dificuldade primeira que se nos depara ao analisar umasituacao fısica concreta e a de escrever corretamente a equacao causal de New-ton, eq. 1.1. Ha que identificar quais as interacoes que estao presentes e terem mente que qualquer forca e sempre parte de uma interacao; que se ha umasobre um elemento havera certamente uma forca simetrica a agir sobre o outroelemento interveniente na interacao. Ha que identificar inequivocamente ascausas das forcas que julgamos estarem a ser exercidas num qualquer corpo,i.e., que elementos da sua vizinhanca estao a interagir com ele, pois as forcastraduzem interacoes e todas as interacoes sao locais. Um corpo so interageportanto com a sua vizinhanca imediata, eventualmente com o campo queexista nesse lugar (por exemplo, o peso e o resultado da interacao entre ocorpo e o campo gravıtico existente na posicao em que esse corpo esta; naoha acoes a distancia).

Em geral, nomeadamente se um sistema tiver muitos graus de liberdadepor onde possa evoluir, torna-se mais conveniente formular as equacoes difer-enciais de movimento a partir das equacoes de Euler-Lagrange, uma por cadagrau de liberdade do sistema fısico.

1.1.1 Equacoes de Euler-Lagrange

Talvez seja util rever aqui a questao, cingindo-a por ora aos aspectos essen-ciais, deixando a discussao mais aprofundada para o capıtulo seguinte.

Pensemos num caso simples em que o sistema e um corpo pontual demassa m, cujos graus de liberdade sao as tres coordenadas do espaco carte-siano tridimensional. Este corpo tem por hipotese uma certa energia poten-cial, V , e energia cinetica, T = m

2

∑k x

2k.

Neste corpo atuam, por hipotese, a forca F = −∇V = −∑k ∂xkV xk e

um conjunto de outras forcas nao conservativas, F ′. Supomos a priori queV e funcao apenas da posicao (e portanto nao depende da velocidade, comoe geralmente o caso). Ora, visto que mr = d

dt

∑k ∂xk

T xk, entao

mr − F = F ′ → d

dt∂xk

T + ∂xkV = F ′

k, k = 1, 2, 3 (1.2)

Ou seja, como V = V (r) por hipotese, entao, em termos do Lagrangeano do

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1.2. EQUACOES DIFERENCIAIS LINEARES DE COEFICIENTES CONSTANTES9

sistema, L = T − V , tem-se

d

dt∂xk

L− ∂xkL = F ′

k, k = 1, 2, 3 (1.3)

Estas sao as equacoes de Euler-Lagrange para uma partıcula pontual, semrestricoes de movimento, expressas em variaveis cartesianas.

Podemos estender este resultado a sistemas constituıdos por muitaspartıculas, somando para todas as partıculas (pois a equacao anterior e linearnas energias e nas forcas), e para outros graus de liberdade. Se o sistemade N partıculas tiver K restricoes, tera entao apenas f = 3N −K graus deliberdade e sera descrito por f variaveis independentes, qj, j = 1, . . . , f .As posicoes das partıculas sao portanto funcoes de qj, p.ex., a coordenadak da partıcula i escreve-se xki = xki(q1, q2, . . .). Operando a respectiva trans-formacao de variaveis na eq. 1.3, usando para o efeito as regras da derivacaocomposta em cadeia5, obtem-se, (multiplicando por ∂qjxki e depois somando),

d

dt∂xki

L ∂qjxki − ∂xkiL ∂qjxki = F ′

ki ∂qjxki

k = 1, 2, 3; j = 1, 2, . . . , f ; i = 1, 2, . . . , N

Visto que xki = xki(q1, q2, . . .), entao δxki = ∂qjxki δqj, o que implica quexki = ∂qjxki qj e que, portanto, ∂qj xki = ∂qjxki. Sendo assim, entao,

d

dt∂qjL− ∂qjL = Qj, j = 1, 2, . . . , (1.4)

onde Qj = F ′k ∂qjxki representa as forcas nao conservativas (generalizadas).

Estas sao as equacoes de Euler-Lagrange. Voltaremos a este assunto noproximo capıtulo.

1.2 Equacoes diferenciais lineares de coefi-

cientes constantes

Vamos aqui rever brevemente alguns conceitos fundamentais acerca dasequacoes diferenciais mais simples, i.e., as equacoes diferenciais ordinarias,lineares e de coeficientes constantes. Visto que as equacoes de Newton saoequacoes de segunda ordem no tempo, abordaremos apenas equacoes difer-enciais desse tipo.

5Derivacao composta, ou em cadeia: ∂f∂xk

=∑

j∂f∂uj

∂uj

∂xk, ou simplesmente, na nossa

notacao, ∂xkf = ∂uj

f∂xkuj .

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10 CAPITULO 1. OSCILACOES /1 − CONCEITOS ESSENCIAIS

1.2.1 Equacoes diferenciais homogeneas

Seja a equacao diferencial homogenea

x+ ax+ bx = 0 (1.5)

com a e b constantes. Esta equacao diz-se homogenea pois o segundo membroe nulo. Definindo o operador derivada, δ ≡ d

dte, a partir deste, o operador

polinomial, Ω = δ2+aδ+b, podemos escrever a equacao diferencial na formasimbolica,

Ωx = 0

onde Ω e o operador que representa todas as operacoes a efetuar sobre x.O polinomio que representa Ω tem duas raızes, r1 e r2, e pode ser fator-

izado na forma,

Ω = (δ − r2)(δ − r1)

Portanto,

Ωx = (δ − r2) [(δ − r1)x] = (δ − r1) [(δ − r2)x] = 0

donde ou

(δ − r1)x = 0(δ − r2)x = 0

qualquer das duas equacoes da dxx

= r dt e tem solucao do tipo x = Aert,com A constante. Por conseguinte, a solucao geral da eq. 1.5 e

x(t) = Aer1t + Ber2t (1.6)

onde A e B sao duas constantes de integracao. Como se ve pois, o numerode constantes de integracao e igual a ordem da equacao diferencial.

O argumento anterior falha no caso em que r1 = r2 = r. Nesse caso, peloargumento anterior, (δ2 − r)2x = 0 x = Aert + Bert = Cert. Todavia,esta solucao so depende de uma constante de integracao pelo que esta poiscertamente incompleta. No caso vertente, a solucao geral e do tipo

x = (A+ Bt)ert (1.7)

ja que a equacao 1.5 fica (δ − r)(δ − r)(A+Bt)ert = (δ − r)Bert = 0.

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1.2. EQUACOES DIFERENCIAIS LINEARES DE COEFICIENTES CONSTANTES11

As raızes r1 e r2 podem ser reais ou complexas. Em qualquer caso, asolucao fısica de um problema real sera obviamente sempre real, sendo emgeral dada pela parte real da solucao matematica.6

As duas constantes de integracao de um caso concreto obtem-se obrigandoa solucao geral da equacao diferencial a satisfazer condicoes especıficas desseproblema concreto - as chamadas condicoes de fronteira -, p.ex. determinadasvalores da posicao e velocidade iniciais.

1.2.2 Equacoes diferenciais completas

A equacao diferencial diz-se nao homogenea ou completa se o segundo mem-bro for nao nulo. No caso mais geral o segundo membro da equacao e umafuncao do tempo, e tem-se

Ωx = f(t) (1.8)

A solucao geral desta equacao e entao

x(t) = xG(t) + xP (t) (1.9)

onde xG e a solucao geral da correspondente equacao homogenea, ΩxG =0, cuja forma foi acima discutida, e xP e a solucao particular da equacaocompleta, ΩxP = f(t). E facil de perceber que x = xG + xP e de facto asolucao da eq.1.8, ja que

Ω (xG + xP ) = ΩxG︸ ︷︷ ︸=0

+ΩxP = f(t)︸ ︷︷ ︸eq.1.8

A solucao particular pode ser formalmente escrita como

xP = Ω−1f(t) (1.10)

onde Ω−1 e o operador inverso de Ω, tal que ΩΩ−1 = 1 (i.e., Ω−1 repre-senta a operacao inversa de Ω, sendo por isso uma especie de operacao deintegracao7).

6Se a solucao for uma funcao complexa, x(t) = x1(t)+ix2(t), entao, visto que a equacaodiferencial e linear, as partes real e imaginaria da solucao sao tambem solucoes da equacaodiferencial. Qualquer delas e uma funcao real e pode portanto representar a solucao deum problema fısico descrito por essa equacao.

7Assumimos sem discussao que o operador inverso existe em todo o domınio de Ω.

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12 CAPITULO 1. OSCILACOES /1 − CONCEITOS ESSENCIAIS

Concluımos assim que a solucao mais geral da equacao completa deveincluir tambem a solucao da equacao homogenea. A solucao tera portanto,obviamente, tambem duas constantes de integracao que sao determinadaspelas condicoes fronteira (e.g., iniciais) do problema.

1.2.3 Solucoes da equacao diferencial x+ ax+ bx = 0

Analisemos agora as solucoes da equacao diferencial,

x+ ax+ bx = 0, ou seja: (δ2 + aδ + b)x = 0 (1.11)

com a e b constantes e δ ≡ d/dt. As raızes do polinomio simbolico (carac-terıstico) sao

δ′ = −a

2± 1

2

√a2 − 4b

sendo a solucao da equacao diferencial dada pelas expressoes 1.6 ou 1.7,consoante o caso, como vimos.

E conveniente discutir separadamente os casos, em funcao do argumentoda raiz quadrada, c2 = a2 − 4b. Ha portanto tres casos a discutir, consoante:i) c2 > 0; ii) c2 = 0; ou iii) c2 < 0.

i) c2 > 0. No caso em que c2 > 0, a solucao da eq. 1.11 e do tipo

x(t) = e−a2t(Ae

c2t + Be−

c2t)

A forma generica desta solucao esta representada na fig.1.2a.

ii) c2 = 0. No caso de c2 = 0, as duas raızes sao iguais, pelo que a solucaotem a forma

x(t) = (A+ Bt)e−a2t

Esta solucao esta representada na fig.1.2b.

iii) c2 < 0. Se c2 < 0 as duas raızes sao complexas. Por conveniencia faze-mos c2 = −4ω2 = 4i2ω2, com ω2 = (b− a2/4) > 0, e i =

√−1. Deste

modo, ±12

√a2 − 4b = ±iω. Assim,

x(t) = e−a2t(Aeiωt + Be−iωt

)(1.12)

Obtem-se neste caso uma solucao complexa, cujas constantes de inte-gracao podem tambem elas ser numeros complexos.

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1.2. EQUACOES DIFERENCIAIS LINEARES DE COEFICIENTES CONSTANTES13

t

x(t)

t

x(t)

t

x(t)

a) b) c)

Figura 1.2: Solucoes da equacao diferencial de movimento, nos casos: a)c2 > 0; b) c2 = 0; c) c2 < 0, discutidos.

A parte complexa da solucao, z = Aeiωt + Be−iωt, pode sempre ser es-crita na forma z = |z|ei(ωt+ϕ), mesmo que as constantes sejam numeroscomplexos8. Podemos pois escrever a solucao numa forma que tem umaleitura mais intuitiva,

x(t) = x0e−a

2tei(ωt+ϕ) (1.13)

onde x0 e ϕ sao constantes reais arbitrarias.

Um problema fısico descrito pela equacao diferencial 1.11 sera como sedisse descrito pela parte real da solucao anterior (mas pode tambemser descrito pela parte imaginaria, pois ambas as funcoes ℜx e ℑxsao solucoes da equacao, obviamente). Isto e, x(t) = xfis. = ℜex,(mas habitualmente omite-se a mencao a ℜx, ficando implıcito),

x(t) = x0e−a

2t cos(ωt+ ϕ) (1.14)

A solucao que se obtem e manifestamente oscilatoria, com frequenciaangular ω, e amplitude amortecida, porque tende exponencialmentepara zero (ver fig.1.2c).

8Se A e B forem reais, |z| =√(A+B)2 + (A−B)2 e ϕ = atanA−B

A+B, se nao forem

entao estas expressoes sao mais complicadas, mas isso nao tem qualquer relevancia, porquese trata da combinacao de constantes arbitrarias a dar outras constantes arbitrarias.

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14 CAPITULO 1. OSCILACOES /1 − CONCEITOS ESSENCIAIS

1.3 Analise da queda de um corpo no ar

Com vista a concretizar o que se acabou de dizer analisemos primeiramenteo movimento de um corpo de massa m que cai no ar com atrito viscoso(laminar), proporcional a velocidade. A aceleracao da gravidade e g, sendoa A posicao do corpo e descrita em cada instante pelo vector x = xx (verfig.1.3).

Atuam no corpo as forcas: o peso, P = mg x, onde g e a aceleracao dagravidade, e a forca de atrito, que e por hipotese do tipo F a = −γx x, comγ uma constante (a forca de atrito opoe-se a velocidade, v = x = xx).

A equacao de Newton e

mg x− γx x = mx x, isto e x+γ

mx = g (1.15)

A solucao desta equacao diferencial e portanto da forma x = xG + xP . Asolucao da equacao homogenea, xG, obtem-se das raızes do polinomio, δ2 +γmδ = 0, com δ = d/dt,

δ′ = − γ

2m± γ

2me, portanto,

xG = Ae−γ

2t + B

A solucao particular pode ser escrita na forma xP =(δ2 + γ

mδ)−1

g, e pode serobtida procedendo por tentativa e erro a operacoes de derivacao-integracao(lembra-se como faz/fazia a divisao),

g

∣∣∣∣δ2 +

γ

0gm

γt

e obtem-sexP =

gm

γt

Por conseguinte, a solucao geral da eq. 1.15 e

x(t) = Ae−γ

mt + B +

gm

γt

com A e B constantes, e a velocidade e

x(t) = −Aγ

me−

γ

mt +

gm

γ

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1.3. ANALISE DA QUEDA DE UM CORPO NO AR 15

v

P

Fi

x

Figura 1.3: O movimento de um corpo em queda livre, com atrito viscoso,F a = −γv.

t

x(t)

t

x(t)

a) b) c)

t

x(t).. .

Figura 1.4: Posicao, velocidade e aceleracao do corpo em queda livre comatrito viscoso.

As constantes de integracao, A e B, sao determinadas pelas condicoes iniciaisdo problema. Supondo por hipotese que em t = 0, x = 0 e x = 0, entao

t = 0 :

A+ B = 0 ⇒ A = −B

−Aγm

+ gmγ

= 0 ⇒ A = m2gγ2

A posicao, velocidade e aceleracao do corpo em causa sao pois dados emcada instante por (ver fig.1.4),

x(t) =mg

γ

m

γ

(e−

γ

mt − 1

)+ t

(1.16)

x(t) =mg

γ

(1− e−

γ

mt)

(1.17)

x(t) = ge−γ

mt (1.18)

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16 CAPITULO 1. OSCILACOES /1 − CONCEITOS ESSENCIAIS

A aceleracao tende para zero com o decorrer do tempo, pois a forca de atritovai crescendo durante a queda proporcionalmente ao aumento da velocidadeate se equivaler ao peso que o faz cair. Por isso a velocidade tende para umvalor constante − a velocidade terminal9.

1.4 O oscilador linear e livre

Analisemos agora o caso em que uma mola de massa desprezavel e constanteelastica K, com uma extremidade fixa e a outra presa a um corpo de massam (ver fig. 1.6). Supoe-se por hipotese que a mola tem um comprimentonatural ℓ0. Qualquer variacao desse comprimento traduz uma perturbacaoda mola, sendo x = ℓ− ℓ0 a medida da perturbacao (supoe-se que x ≪ ℓ0).

A mola representa aqui de facto um sistema elastico linear qualquer. Umoscilador linear caracteriza-se por ter uma forca de interacao diretamente pro-porcional a perturbacao a que o sistema for sujeito. Isto e, a forca elastica eF = −Kx, onde x mede a perturbacao eK e a constante elastica do sistema.Neste caso, a perturbacao x e representada pelo vector posicional da extrem-idade da mola, medida em relacao a sua posicao natural, nao perturbada.Esta e no essencial a lei de Hooke (1678).

Nao havendo atrito, a eq. de Newton e mx = F , i.e.,

x+K

mx = 0

Esta equacao toma a forma (δ2 + ω2)x = 0, com ω2 = K/m, e tem comosolucao

x = Aeiωt + Be−iωt

A solucao fısica e dada pela parte real, na forma

x = x0 cos(ωt+ ϕ)

com x0 e ϕ constantes de integracao.

Se a mola anterior for pendurada e posta a oscilar na vertical, a equacaodiferencial de movimento emx+Kx = mg e portanto a solucao e x = xG+xP ,

9Nao fora isso e as gotas de chuva na cabeca... pim! (ai!).

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1.5. A ENERGIA DO OSCILADOR LINEAR 17

F

P

i

x

O

l

x

o

mg

K

x(t)

t

Figura 1.5: O movimento de um corpo suspenso de uma mola vertical, cujamassa e desprezavel.

onde xP = (δ2 + ω2)−1g = gω2 . A solucao10,

x =mg

K+ x0 cos(ωt+ ϕ) (1.19)

apresenta portanto uma oscilacao em torno do ponto mgK, que e a posicao de

equilıbrio estatico do sistema corpo-mola (ver fig.1.5).

1.5 A energia do oscilador linear

Seja um oscilador livre e sem atrito (ver fig. 1.6). A forca, F , exercida pelamola no corpo da fig. 1.6 ao longo do percurso elementar dx, faz variar asua energia cinetica, de dT = F · dℓ; fazendo-a aumentar se a forca for nadirecao do movimento. Visto que F = p, e que dℓ = vdt, entao

dT = mdv

dt· dx = mv · dv

donde se conclui que11 T =∫ v0 mv dv = mv2

2.

10Fazendo como atras,

g∣∣δ2 + ω2

0g

ω2

isto e xP = gω2 .

11Nota, v = vv, e dv = dvv+ vdv, sendo dvdtv a aceleracao tangencial e v dv

dta aceleracao

normal (pois dv ⊥ v). Logo v · dv = v dv + 0.

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18 CAPITULO 1. OSCILACOES /1 − CONCEITOS ESSENCIAIS

F

xx O xoo

E

Ek

p

EE

mec

i

x xxo O o

a) b)

Figura 1.6: a) Oscilador simples sem atrito. b) A energia cinetica e potencialdo oscilador em funcao amplitude de oscilacao.

Pode-se tambem definir uma energia potencial elastica para o sistema,visto que num percurso de vaivem,

∮C F · dx =

∫ x2

x1F · dx +

∫ x1

x2F · dx′ = 0

(pois em cada ponto dx = −dx′ mas a forca e igual). Como e sabido, aenergia potencial e uma especie de ”energia em potencia” que, armazenadano sistema, se libertara em resultado da interacao com ele (neste caso atravesda forca elastica). Isto e, a forca elastica ha de ser sempre de molde afazer baixar a energia potencial do sistema, transferindo-a neste caso para omovimento do corpo12,

−dV = F · dxAssim, dV = Kx · dx, e portanto

V (x) = V (0) +Kx2

2

E frequente referir a energia potencial elastica relativamente a posicao deequilıbrio, fazendo V (0) = 0. Fica entao simplesmente V (x) = Kx2

2.

Vemos pois que a energia potencial de um oscilador linear e uma funcaoparabolica da perturbacao, e que a oscilacao se da em torno do mınimo de en-ergia. Podemos pois antecipar desde ja que em geral, um sistema com variosmınimos de energia potencial, podera oscilar em torno de quaisquer dessesmınimos, a que correspondem pontos de equilıbrio estavel. Esta conclusao ede sobremaneira importante na analise de sistemas complexos. De facto, umsistema se for perturbado oscilara em geral em torno do mınimo de energia

12Note-se que fica d(T + V ) = 0 e que portanto T + V = const. = Emec, pois nao haatrito.

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1.5. A ENERGIA DO OSCILADOR LINEAR 19

ro

E

ro

p

rO

Figura 1.7: Energia potencial tıpica de um sistema ligado. Se for perturbado,o sistema oscila em torno do mınimo de energia, em r = r0.

em que se encontre, em equilıbrio estavel. Mas tal nao faz desse sistema nec-essariamente um oscilador linear, com energia potencial parabolica (ver fig.1.7). O perfil da funcao de energia potencial pode ter evidentemente umaforma qualquer, nomeadamente na regiao do mınimo (ou mınimos). Porem,na vizinhanca imediata do mınimo, a energia potencial e quasi parabolica, oque significa que as pequenas oscilacoes do sistema serao aproximadamenteharmonicas: - no regime de pequenas oscilacoes qualquer sistema se com-porta como um oscilador linear. Este argumento e valido em geral, paraqualquer sistema, mecanico ou nao. Todavia, se a amplitude de oscilacao foraumentada, em geral o oscilador e anarmonico, com oscilacoes assimetricas.

Na fig. 1.7 representa-se a forma tıpica da curva de energia potencialde um sistema ligado em funcao da distancia, cuja curva e caracterıstica devarios tipos de interacoes atomicas e moleculares. Neste caso, mesmo nao setratando de um oscilador harmonico, a energia potencial e aproximadamenteparabolica em torno do mınimo, e portanto o sistema tem um comportamentode oscilador harmonico para pequenas oscilacoes. De facto, expandindo V (x)em serie de Taylor a volta do mınimo, com x = r − r0, temos

V (x, . . .) = V (0) +

(∂V

∂x

)

0

x+

(∂2V

∂x2

)

0

x2

2+ · · · (1.20)

Se x for pequeno pode-se truncar a serie, fica-se com a aproximacaoquadratica

V (x) ≈ V (0) +Kx2

2; com K =

(∂2V

∂x2

)

x=0

(1.21)

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20 CAPITULO 1. OSCILACOES /1 − CONCEITOS ESSENCIAIS

U(eV)

0

−2

−4

−6

6

2

4

r.5 1 1.5

ro

(nm)

Figura 1.8: Energia potencial da molecula de NaCl (a energia do infinito enecessaria para ionizar o Na e o Cl).

ja que em x = 0 ha um mınimo e portanto(∂V∂x

)0= 0. Esta conclusao e muito

importante: − a analise da curva de energia do sistema permite-nos extrairinformacao acerca das suas caracterısticas elasticas, e portanto da frequenciade oscilacao (podendo falar-se de uma constante elastica equivalente aindaque esta nao tenha nada a ver com molas, ou sequer com sistemas mecanicos.

Visto que se trata de um mınimo entaoK =(∂2V∂x2

)0> 0. Para alem disso,

dado que no limite das pequenas oscilacoes o potencial e aproximadamenteparabolico, e visto que F = −∇V = −Kxx, entao o oscilador e linear, sendopor isso tambem lineares as equacoes de movimento. Daı a importancia quee dada as pequenas oscilacoes.

Exemplo

Seja a molecula diatomica de NaCl (que forma uma ligacao ionica do tipoNa+ Cl−). O mınimo de energia desta molecula ocorre para a distancia in-teratomica r0 = 0.193 nm (ver 1.8)13. Em primeira aproximacao a energia po-

tencial para r∼> r0 segue de perto a energia eletrostatica entre as duas cargas

efetivas, Na+ e Cl−, sendo

V =1

4πǫ0

e2

r

13A curva de energia potencial resulta essencialmente da atracao coulombiana entre osioes (dominante a distancias r > r0) e da repulsao entre os dois nucleos atomicos, quedomina quando eles ficam proximos, para r < r0 (e se veem um ao outro despidos darespectiva nuvem de e−). Se for perturbado, este sistema oscilara em torno de r0.

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1.6. O OSCILADOR LINEAR AMORTECIDO 21

e portanto V (r0) =1

4πǫ0e2

r0≈ −7.45 eV. Alem disso,

(d2V

dr2

)

r0

=1

2πǫ0

e2

r30= K

e portanto K ≈ 564.78 N/m. Assim, no limite das pequenas oscilacoes, a moleculatem oscilacoes harmonicas de frequencia

ω =

√K

µ(1.22)

onde µ e a massa reduzida (efetiva)14. Substituindo valores obtem-se f = ω/2π ∼1013 Hz. Esta frequencia e caracterıstica da radiacao do infravermelho. Em geral,as moleculas tem frequencias vibracionais na banda do infravermelho e, por isso,tem elevada interacao com esta radiacao. Pelo facto de as frequencias seremproximas ha ressonancia e e elevada transferencia de energia entre a radiacao dabanda do infravermelho e as moleculas, aumentando assim a sua energia vibra-cional, e por essa via a temperatura do corpo de que fazem parte. Esta e a razaopor que nos aquecemos usando o fogo, ao inves de uma lampada fluorescente (cujaluz e bem mais energetica).

A frequencia acima calculada, ainda que obtida no estrito domınio da fısicaclassica (i.e., apesar de nao se usar a mecanica quantica), da, apesar disso, aordem de grandeza correta das frequencias vibracionais moleculares.

1.6 O oscilador linear amortecido

Trata-se aqui de considerar um oscilador linear, com atrito. Analisaremos somenteo caso em que a forca de atrito e proporcional a velocidade, Fa ∝ −v.

14A interacao entre dois corpos, 1 e 2, pode ser descrita em funcao do movimento relativoentre eles. As forcas de interacao que atuam em cada um deles sao simetricas uma da outra,F = F 2 = −F 1. A posicao relativa e r = r2 − r1, e portanto r = r2 − r1. O movimentorelativo dos dois corpos e entao equivalente ao de uma massa reduzida, µ, que tenha essaaceleracao r, isto e,

F

µ=

F 2

m2

− F 1

m1

; donde,1

µ=

1

m2

+1

m1

e portanto essa massa reduzida e

µ =m1m2

m1 +m2

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22 CAPITULO 1. OSCILACOES /1 − CONCEITOS ESSENCIAIS

i

FF

O

x

a

lo

x

Figura 1.9: O oscilador amortecido.

Vamos entao estudar o oscilador linear da fig. 1.9, constituıdo por uma molade constante elastica K e massa desprezavel, a que esta ligado um corpo de massam. O movimento faz-se por hipotese no plano horizontal com atrito viscoso, emque F a = −γv, com γ uma constante e sendo v a velocidade em cada instante (aforca e oposta a velocidade em cada ponto). A perturbacao x mede o afastamentoem relacao a posicao de equilıbrio estavel (posicao natural da mola distendida).

As forcas relevantes estao representadas na figura 1.9. A lei de Newton escreve-se

mx = F a + F = −γx−Kx

com x = x x, x = x x e x = x x. Isto e,

x+γ

mx+

K

mx = 0 (1.23)

Fazendo Γ = γ/m e ω20 = K/m, a equacao diferencial fica

(δ2 + Γδ + ω20)x = 0

As raızes do polinomio simbolico caracterıstico sao δ′ = −Γ2 ±

√Γ2/4− ω2

0, e as

solucoes da equacao diferencial sao, (com η2 = (Γ2/4− ω20)),

i) x(t) = e−Γ

2t(Aeηt +Be−ηt

); se η2 > 0 (1.24)

ii) x = (A+Bt)e−Γ

2t ; se η2 = 0 (1.25)

iii) x = e−Γ

2t(A1e

iωt +A2e−iωt

)se η2 < 0 (1.26)

com ω = iη =√ω20 − Γ2/4; sendo a parte real,

x = Ae−Γ

2t cos(ωt+ ϕ) (1.27)

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1.6. O OSCILADOR LINEAR AMORTECIDO 23

t

x(t)

t

x(t)

t

x(t)

a) b) c)

Figura 1.10: Solucoes de um oscilador amortecido. a) amortecimento rapido;b) amortecimento crıtico; c) solucao oscilatoria.

mg

K

a) b)

x(t)

t

Figura 1.11: Exemplo de um oscilador amortecido sujeito a uma forca deatrito viscoso. b) A oscilacao em funcao do tempo.

As solucoes da equacao estao representadas na fig.1.10. Todas as solucoes de-crescem exponencialmente com o tempo, tendendo para zero devido ao atrito.Nos casos i) e ii) o amortecimento e muito rapido, especialmente no caso ii), cujoamortecimento e crıtico. E esse esse comportamento que se pretende que tenhamnomeadamente os amortecedores de automoveis. Porem, a solucao mais interes-sante, que nos interessa aqui considerar, e a solucao iii), porque so essa que corre-sponde a oscilacoes (amortecidas) do objecto preso a mola (fig.1.11). A frequencia

de oscilacao e ω =√ω20 − Γ2/4. Esta frequencia e ligeiramente menor do que a

frequencia do oscilador livre correspondente.

1.6.1 Analise da energia de um oscilador

E possıvel obter as equacoes de movimento de um oscilador (ou sistema de os-ciladores) com base em consideracoes acerca da sua energia. Se nao houver atrito,

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24 CAPITULO 1. OSCILACOES /1 − CONCEITOS ESSENCIAIS

i

FFF

O

a

lo

x

e

Figura 1.12: O oscilador forcado.

a energia de um sistema deixado a si proprio e constante; se existir atrito, a en-ergia tende para zero porque vai sendo dissipada (por atrito) ao longo do tempo.A analise destas consideracoes deve conduzir-nos as respectivas equacoes de movi-mento.

Por exemplo, seja por hipotese um oscilador unidimensional, amortecido poracao de uma forca de atrito F a = −γx (ver fig.1.12). A energia do oscilador emcada instante e E = T + V ,

E =Kx2

2+

mx2

2(1.28)

A variacao de energia e igual ao trabalho da forca de atrito quando x → x+ δx,

δE = F a · δx (1.29)

Logo, diferenciando a eq. 1.28 em ordem a x vem (note que δx = dxdt δt = xδt),

Kxδx+mxxδt = −γxδx ou seja, Kxx+mxx = −γxx (1.30)

Obtem-se assim como resultado da equacao de energia a equacao diferencial demovimento do oscilador (cf. eq. 1.23),

mx+ γx+Kx = 0 (1.31)

Porem, em geral e mais conveniente utilizar as equacoes de Euler-Lagrange.

1.7 O oscilador forcado

Um oscilador pode interagir e ser forcado por uma acao exterior periodica, defrequencia ω. Para concretizar, suponhamos que o oscilador e constituıdo por uma

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1.7. O OSCILADOR FORCADO 25

mola de massa desprezavel, a que se encontra preso um corpo de massa m, quese move com atrito viscoso, sendo Fa ∝ −v. Por hipotese, o corpo e solicitadoem cada instante por uma forca periodica do tipo F (t) = F0 cosωt, sendo ω afrequencia da acao exterior, que pode ser qualquer, dependendo da interacao emcausa (ver fig.1.12). As forcas que atuam no corpo sao entao: a forca elastica,F e = −Kx, a forca de atrito, F a = −γx e a forca de excitacao F = F0 cosωt x,com K, γ e ω constantes. A lei de Newton escreve-se

x+γ

mx+

K

mx =

F0

mcosωt (1.32)

Fazendo Γ = γm , a0 = F0/m e ω2

0 = Km (onde ω0 e a frequencia natural do sistema

sem atrito), tem-se (δ2 + Γδ + ω2

0

)x = a0 cosωt

As raızes deste polinomio sao δ′ = −Γ2 ± η, com η =

√Γ2/4− ω2

0, podendo esteser real ou imaginario. A solucao da equacao 1.32 e pois x = xG + xP , onde

xG(t) = ℜe e−Γ

2t(Aeηt +Be−ηt

)

xP (t) = ℜe(δ2 + Γδ + ω2

0

)−1 (a0e

iωt)

isto e15

xP = ℜe

a0 eiωt

−ω2 + iΓω + ω20

= a0ℜeeiωt

[(ω20 − ω2

)− iΓω

](ω20 − ω2

)2+ Γ2ω2

=a0(

ω20 − ω2

)2+ Γ2ω2

ℜe|Z|ei(ωt−ϕ)

onde se fez Z =(ω20 − ω2

)− iΓω = |Z|e−iϕ. Ou seja,

xP (t) = A cos(ωt− ϕ) (1.33)

15Note que a operacao inversa da derivacao e a primitivacao e que∫eαxdx = 1

αeαx.

Aplicando por tentativa e erro a derivacao-primitivacao:

eiωt∣∣δ2 + Γδ + ω2

0

0eiωt

−ω2 + iωΓ + ω20

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26 CAPITULO 1. OSCILACOES /1 − CONCEITOS ESSENCIAIS

t

x(t)

t

x(t)

tx(t)

b)

c)

a)

Figura 1.13: A oscilacao de um oscilador forcado em funcao do tempo.Identificam-se claramente o regime transiente, que rapidamente se extingue,e o regime estacionario, que persiste. O sistema refila mas faz.

onde

A = A(ω) =F0/m√(

ω20 − ω2

)2+ Γ2ω2

(1.34)

e

tanϕ =Γω

ω20 − ω2

(1.35)

e onde Γ = γ/m e o coeficiente de atrito.A solucao da equacao de movimento do oscilador forcado 1.32 e assim con-

stituıda por duas parcelas,

x(t) = e−Γ

2t(Aeηt +Be−ηt

)+A cos(ωt− ϕ) (1.36)

A primeira parcela representa o comportamento transitorio, ou transiente do sis-tema, o qual tende exponencialmente para zero e rapidamente se extingue. Asegunda parcela representa o regime estacionario. Decorrido tempo suficiente, osistema oscila com a frequencia do oscilador exterior de modo permanente, en-quanto essa acao persistir16 (ver fig. 1.13). A amplitude de oscilacao (eq. 1.34)e fortemente dependente da frequencia de excitacao externa. Quando ω ∼ ω0, aamplitude atinge o valor maximo. Esse comportamento e bem visıvel na fig. 1.14,

16Isto e, o sistema de inıcio protesta mas depois cala-se e faz o que lhe mandam! (ondee que ja vi isto?...).

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1.7. O OSCILADOR FORCADO 27

o

A( )A

ω

18

14

10

8

6

4

2

Q=30

Q=10

Q=3

ωoω

0 0.2 0.4 0.6 1.0 1.4 1.8

Figura 1.14: A amplitude de oscilacao de um oscilador forcado em funcao dafrequencia da acao externa, para diferentes valores do parametro de atrito,Q = ω0

Γ. O coeficiente Q e infinito se nao houver atrito e tende para zero

se ele for muito elevado. Se o atrito for muito baixo e ω ∼ ω0, a amplitudedispara e o sistema pode entrar em rotura e ser destruıdo.

onde A(ω) e representado em funcao do espectro de frequencias da acao externa.17

A diferenca de fase entre a acao externa e a oscilacao e π/2 quando A(ω) e maxima(ver fig. 1.15)18.

Quando ω ≈ ω0 dizemos que ha ressonancia. A importancia do atrito estapatente na fig.1.14, em funcao do parametro adimensional Q = ω0/Γ, conhecidocomo fator de Qualidade ou figura de merito. Nao havendo atrito, Γ = 0, eA(ω = ω0) = ∞. Isto e, se Γ for muito pequeno, quando ω → ω0 da-se a disrupcaodo oscilador.

Como se pode observar, o valor maximo de A(ω) nao ocorre exatamente emω0, mas em ω′

0 = κω0, onde κ = (1 − Γ2/4ω20) = (1 − 1/4Q2); mas geralmente

κ ≈ 1 e essa diferenca e muito pequena e ignora-se. Na fig. 1.16 representam-se

17Note que so onde ω ∼ ω0 e que A(ω) e significativa, e portanto, como ω2 − ω20 ≈

2ω0(ω − ω0),

A(ω) ≈ F0

2mω0

1√(ω − ω0)2 + Γ2/4

18Convem pensar um pouco nesta questao ate perceber porque e que quando o osciladortem maxima oscilacao a diferenca de fase e π/2. Note que quer a oscilacao quer a forcasao sinusoidais, ambas com a mesma frequencia. Em condicoes otimas, de maxima trans-ferencia de energia, no instante em que o oscilador esta na posicao de maxima amplitudee inicia o movimento de retorno, a forca externa deve ser nula, crescendo a partir daı ateatingir o seu valor maximo quando x = 0.

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28 CAPITULO 1. OSCILACOES /1 − CONCEITOS ESSENCIAIS

ωoω

0 0.2 0.4 0.6 1.0 1.4 1.8

Q=3

Q=10

Q=30ϕ(ω)

π2

Figura 1.15: A diferenca de fase entre a acao externa e a oscilacao para variosvalores do parametro de atrito, Q = ω0

Γ, em funcao da frequencia dessa acao

externa.

1

0

2

3

4

0.6 0.80

90

180

0.4 1.21.0

o

o

o

(Hz)

A(w)(cm)

ω

ϕ

Figura 1.16: Curvas de ressonancia observadas em sistema fısicos. Amplitudede oscilacao e diferenca de fase medidas para um oscilador mecanico semel-hante ao da fig. 1.11 (adaptado de French, Vibrations and Waves, 1971.)

medidas experimentais efetuadas com um oscilador forcado19.

O fenomeno de ressonancia e seguramente dos conceitos mais importantes daFısica, estando presente nos mais diversos domınios quer da Fısica Classica querda Mecanica Quantica. Com efeito, como desta analise se depreende, a capacidadede interacao com um sistema e a resposta que resulta dessa interacao dependemfortemente da frequencia com que excitarmos esse sistema.

19in French; Vibration and Waves, 1971.

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1.7. O OSCILADOR FORCADO 29

1.7.1 Ressonancia

Analisemos agora como e que varia a potencia que e transferida para um oscilador(forcado) atraves da interacao com o exterior, no regime estacionario. Da definicaode potencia20,

P =dw

dt=

F · dxdt

= F · x = F0 x cosωt

No regime estacionario, x = A cos(ωt−ϕ) e portanto x = −Aω sin(ωt−ϕ). Apotencia media (media temporal) transferida pela interacao e pois

〈P 〉 = −F0Aω 〈cos(ωt) sin(ωt− ϕ)〉= −F0Aω 〈cos(ωt) (sin(ωt) cosϕ− cos(ωt) sinϕ)〉= F0Aω

⟨cos2(ωt) sinϕ

⟩+ 0

pois cosωt sinωt e uma funcao ımpar.21 Visto que ϕ nao depende do tempo e que〈cos2 ωt〉 = 1/2, fica

〈P 〉 =F0Aω

2sinϕ

=F 20ω

2m

1√(ω20 − ω2

)2+ Γ2ω2

Γω√(ω20 − ω2

)2+ Γ2ω2

=mω2

2ΓA2 (1.37)

Isto e, a potencia associada a interacao com o sistema e proporcional ao quadradoda amplitude de oscilacao, e e maxima para frequencias na vizinhanca de ω0, emuito pequena fora dessa regiao. Na zona em que 〈P 〉 e significativo, tem-seω ∼ ω0, e portanto ω2

0 − ω2 = (ω0 + ω)(ω0 − ω) ≈ 2ω0(ω0 − ω) e, portanto,

〈P 〉 ≈ F 20Γ

8m

1

(ω0 − ω)2 + Γ2

4

(1.38)

Esta expressao descreve uma curva conhecida como funcao de Cauchy, ou curvaLorentziana (ver fig. 1.17). O maximo da curva de potencia, para ω = ω0, significaque a essa frequencia e maxima a transferencia de energia por unidade de tempopara o oscilador, vinda do exterior. Em regime estacionario, a amplitude de os-cilacao mantem-se constante se ω for constante (cf. eq. 1.34), o que significa quea energia dissipada e compensada pela energia injetada no sistema por unidade detempo.22

20Como vimos, no regime estacionario, a oscilacao da-se na direcao da forca e com amesma frequencia desta; x e F tem pois a mesma direcao, (os sentidos dependem de ϕ).

21O valor medio de uma funcao f(t) sobre o perıodo T = 2π/ω e 〈f〉 = 1

T

∫ T

0dt f(t).

22Note-se que 〈P 〉 ∝ Γ e que, consequentemente, se Γ = 0 entao 〈P 〉 = 0; tal sistema e

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30 CAPITULO 1. OSCILACOES /1 − CONCEITOS ESSENCIAIS

fmax

fmax

x

f(x)

µ

Γ 12

Figura 1.17: Uma curva de ressonancia, tem geralmente a forma de umafuncao de Cauchy (ou curva Lorentziana), f(x) = 1

πΓ/2

(x−µ)2+Γ2

4

onde µ e a

media e Γ a largura a meia altura. Trata-se de uma curva semelhante a umaGaussiana, mas com caudas comparativamente mais longas. Escolheu-se ofator de normalizacao 1/π tal que a area da curva seja

∫+∞−∞ f(x)dx = 1.

A forma Lorentziana da curva e caracterıstica de qualquer ressonancia. Defacto, ela observa-se geralmente em todas os fenomenos de ressonancia, querse trate de interacoes mecanicas macroscopicas, quer sejam interacoes atomicas,subatomicas, etc. Isso e patente, por exemplo, nos espectros moleculares, nas riscasatomicas, ou na seccao eficaz de interacao de producao de partıculas sub-atomicas.Todos estes casos evidenciam o mesmo padrao de ressonancia (ver figs. 1.16, 1.18 e1.19), com larguras intrınsecas que se relacionam com o fenomeno correspondente,mas a forma e bem descrita por uma curva Lorentziana. Mas porque, se essesfenomenos sao tao diferentes?

ainda a ressonancia

Convem analisar a questao da ressonancia de um ponto de vista geral para secompreender porque e que a respectiva curva e uma Lorentziana independente-mente dos fenomenos que estao envolvidos. A interacao com um sistema fısicotraduz-se numa transferencia de energia e, na sequencia da interacao, o sistemamanifestara em geral um comportamento transiente, efemero, com um tempo derelaxacao caracterıstico, seguido de uma fase estacionaria. O tempo de relaxacao,como o nome sugere, e o tempo medio que o sistema leva a desexcitar, i.e. alibertar para a vizinhanca a energia transferida pela interacao. A interacao comum sistema fısico traduz-se pois de algum modo numa perturbacao do sistema e

tao seletivo que nao ha transferencia de energia e portanto ressonancia. Isto e, para quepossa haver interacao nao se pode ser excessivamente seletivo!

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1.7. O OSCILADOR FORCADO 31

NH NH3

CO2−

+

3000 2000 1000 k(1/cm)

N−HC−HCO

2

Figura 1.18: Curvas de ressonancia observadas em sistema fısicos. Espectrode absorcao de uma substancia no infravermelho; os picos de absorcao corre-spondem a curvas de ressonancia e sao caracterısticos de oscilacoes molecu-lares bem definidas, algumas estao identificadas.

0

E (GeV)

Ωσ

d

d

cm

88 90 92 94

10

20

30

e e + − Z ν νo

Figura 1.19: Curvas de ressonancia observadas em sistema fısicos. Seccaoeficaz da reacao de aniquilacao e+e− → Z0 → νν (colisao electrao-positrao,com criacao de um estado intermedio, e posterior decaimento num neutrinoe num antineutrino), em funcao da energia do centro de massa (cm). A

interacao da-se na escala sub-atomica,∼< 10−15 m.

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32 CAPITULO 1. OSCILACOES /1 − CONCEITOS ESSENCIAIS

consequentemente nalguma forma de oscilacao, que se extinguira com um tempode decaimento caracterıstico (ver fig. 1.20),

ξ(t) = ξ0e−t/τeiω0t, com t ∈ [0,∞] (1.39)

sendo τ o tempo medio de relaxacao do sistema. Isto acontece nomeadamente emresultado de uma perturbacao, mais nao seja por ter havido interacao com ele.O valor medio do tempo de decaimento da oscilacao e efetivamente (definicao devalor medio)

t = limT→∞

∫ T0 ξ(t)t dt∫ T0 ξ(t) dt

= τ (1.40)

O espectro de Fourier (ou espectro de potencia) que descreve esta oscilacao amorte-cida e dado pela transformada de Fourier,

A(ω) =1

∫ +∞

−∞ξ(t)e−iωtdt =

ξ02π

∫ +∞

−∞ξ(t)e−[

1

τ+i(ω−ω0)]t dt (1.41)

=ξ02π

11τ + i(ω − ω0)

[e−[

1

τ+i(ω−ω0)]t

]∞0

(1.42)

=ξ02π

11τ + i(ω − ω0)

(1.43)

A curva de potencia que caracteriza a resposta do sistema a interacao com ele e,como vimos acima, proporcional ao quadrado da amplitude. Por conseguinte,

P ∝ |A|2 = ξ204π2

1

(ω − ω0)2 + Γ2/4(1.44)

onde Γ = 2τ e a largura a meia altura da curva de ressonancia (ver fig. 1.20b).

Esta expressao diz-nos claramente que, independentemente da interacao, a curvade resposta e uma Lorentziana, com um maximo em ω = ω0 e largura inversamenteproporcional ao tempo de relaxacao. O argumento que aqui nos trouxe e geral eaplica-se independentemente da interacao especıfica estar no domınio da mecanicaclassica ou da mecanica quantica.

Conclui-se pois que quanto mais rapido for o transiente mais larga e a dis-tribuicao de frequencias, sendo Γ = 2

τ . Como a curva de ressonancia so e significa-tiva no intervalo |ω−ω0| ≈ Γ

2 , entao ∆ωτ ≈ 1, onde ∆ω = ω−ω0. Esta conclusaotem enorme importancia porque expressa o princıpio de incerteza de Heisenberg.De facto, na forma mais habitual relativa a um sistema quantico em que E = hω,tem-se ∆Eτ ≈ h.

Outra conclusao interessante desta analise e que um sistema que oscile comamortecimento (na pratica todos oscilam assim) nao e bem representado por uma

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1.8. OSCILADORES ACOPLADOS 33

o

A( )ω

ω ω

x(t)

t

Figura 1.20: Uma oscilacao com tempo medio de relaxacao, τ , e representadapor uma distribuicao de frequencias harmonicas (sinusoidais), que tem aforma de uma curva Lorentziana, com largura a meia altura, Γ = 2

τ.

funcao sinusoidal, mas requer um conjunto frequencias que se distribuem com umaforma conhecida em torno de um valor medio, com uma largura que e tao maiselevada quao mais curto for esse tempo de decaimento.

1.8 Osciladores acoplados

Em geral os osciladores nao existem isolados, interagem com outros osciladores,nomeadamente os que fizerem parte de um mesmo sistema. Se o sistema forconstituıdo por varios osciladores que interagem uns com os outros eles nao podemser considerados isoladamente. O acoplamento de osciladores e pois um aspectode grande importancia na analise dos osciladores de sistemas (complexos).

Cada oscilador tem a sua propria equacao de movimento, que nao ha de serindependente das equacoes dos restantes osciladores seus vizinhos, com os quaisinteratua. No limite das pequenas oscilacoes os osciladores sao lineares e as re-spectivas equacoes formam pois um sistema de equacoes lineares. Por conseguinte,em princıpio deve ser possıvel combinar essas equacoes de movimento e construirnovas coordenadas que sejam combinacoes lineares das coordenadas originais, esatisfacam equacoes diferenciais desacopladas. Tais coordenadas designam-se porcoordenadas normais. Associado a cada uma dessas coordenadas deve existir ummodo de vibracao que ha de ser independente dos restantes, pois nessas coorde-nadas as equacoes sao independentes umas das outras (estao desacopladas).

Deve haver pois um modo de vibracao por cada uma das coordenadas normais,a que correspondera um modo distinto de oscilar. Esses modos, designam-se pormodos normais de vibracao ou tambemmodos proprios de vibracao ou de oscilacao.Nao sabemos ainda como serao esses modos, pois ainda nao analisamos a questao,

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34 CAPITULO 1. OSCILACOES /1 − CONCEITOS ESSENCIAIS

mas podemos antecipar que em qualquer deles todas as partes do sistema oscilamcom a mesma frequencia e em fase, visto que as coordenadas normais ja naodescrevem o movimento de qualquer das suas partes, mas o sistema propriamentedito, globalmente − sao modos colectivos de oscilacao.

Na fig. 1.21 ilustram-se os modos normais de sistemas diferentes com os-ciladores acoplados. A questao e agora a de saber como obter esses modos normaisa partir das equacoes de movimento dos osciladores considerados per se.

Um sistema constituıdo por N osciladores acoplados − havera um por cadagrau de liberdade do sistema − e descrito por N equacoes diferenciais e teraportantoN modos normais (colectivos) de oscilacao. Olhando agora para o sistemaa partir dos seus modos normais, concluımos que cada um dos osciladores per sepode ser representado na forma de uma sobreposicao dos seus modos proprios,pois as coordenadas originais de cada oscilador devem-se poder escrever comocombinacoes lineares das coordenadas normais23, visto que estas ultimas descrevemoscilacoes colectivas de frequencia bem definida. Esta conclusao, de grande alcanceteorico, foi primeiramente expressa por Bernoulli, em 1753.

Se o sistema for iniciado num dos seus modos normais assim continuara, naointeragindo com os outros modos, pois eles sao independentes. Todavia, o movi-mento de oscilacao pode-se iniciar numa outra configuracao qualquer, e a energiadisponıvel sera distribuıda entre os diferentes modos normais do sistema.

Por ser de mais facil apreensao, analisemos primeiramente um caso concreto.A figura fig.1.22 representa dois osciladores iguais, constituıdos por uma mola deconstante K ligada a uma massa m, acoplados entre si por uma mola de constanteelastica Kc. Ignoramos o atrito e o peso das massas e vamos apenas considerarmovimentos longitudinais. Devemos pois ter duas equacoes diferenciais acopladas.

Pese embora o facto de se tratar da analise de um sistema particular, astecnicas, os conceitos envolvidos e as conclusoes a que chegarmos sao de alcancebem mais geral.

Num certo instante, sejam xa e xb as perturbacoes relativamente a posicao deequilıbrio de cada bola, respectivamente. As forcas que atuam sao F a = −Kxa,F b = −Kxb e F c = −Kc(xa − xb) (ver fig. 1.22). As equacoes de movimento sao

23As coordenadas normais sao combinacoes lineares das coordenadas originais, sendoestas uma especie de combinacoes lineares inversas daquelas.

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1.8. OSCILADORES ACOPLADOS 35

a)

b)

c)

d)

e)

f)

Figura 1.21: Modos normais de oscilacao de dois osciladores acoplados. a) eb) modos longitudinais; c) e d) modos transversais; e) e f) modos de oscilacaode dois pendulos acoplados.

xa

F FF F

xb

c a cbK K Kc

Figura 1.22: Acoplamento de dois osciladores.

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36 CAPITULO 1. OSCILACOES /1 − CONCEITOS ESSENCIAIS

pois,24 mxa = −Kxa −Kc(xa − xb)mxb = −Kxb +Kc(xa − xb)

(1.46)

Obtem-se portanto duas equacoes diferenciais acopladas que, por estarem acopladas,nao sao independentes uma da outra e nao podem ser resolvidas separadamente.

Supomos por hipotese a priori que ha dois modos normais de vibracao, comfrequencias ω1 e ω2. Por modo normal entende-se aquele em que todas as partesdo sistema oscilam com a mesma frequencia, em movimentos sincronizados. Aposteriori verificaremos a consistencia desta hipotese.

Querendo obter a configuracao dos modos normais nada melhor do que suporque o sistema esta a oscilar num modo normal e observar o seu comportamentonesse estado. Suponha-se pois a priori que o sistema esta a oscilar num certomodo normal, generico. Entao, o movimento de qualquer dos seus elementos (asbolas) deve ser, por hipotese, da forma,

xa = a cos(ωt+ ϕ) ;

xb = b cos(ωt+ ϕ) ;

xa = −ω2a cos(ωt+ ϕ)

xb = −ω2b cos(ωt+ ϕ)(1.47)

com a, b e ϕ constantes. Nesse caso, as eqs. diferenciais 1.46 dao lugar a equacaomatricial,

(−(K +Kc) Kc

Kc −(K +Kc)

)(ab

)= −mω2

(ab

)(1.48)

Esta equacao e de facto uma equacao de valores proprios do tipo, Au = λu, ondeu representa as amplitudes de cada um dos elementos osciladores e λ os valores

24Embora o sistema considerado seja muito simples, como e evidente, podıamos terusado as equacoes de Euler-Lagrange para obter as equacoes de movimento, partindo dorespectivo Lagrangeano, L = T − V , com

T =m

2(x2

a + x2b); V =

Kx2a

2+

Kx2b

2+

Kc

2(xa − xb)

2

Tambem se podia ter considerado a variacao de energia do sistema, E = T + V , pois, sematrito, em cada instante,

δE = 0 ⇒

mxa +Kxa +Kc(xa − xb) = 0

mxb +Kxb −Kc(xa − xb) = 0(1.45)

que sao as eqs. 1.46; (note que δx = xδt e v = x).

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1.8. OSCILADORES ACOPLADOS 37

proprios da matriz A. A solucao nao trivial desta equacao e dada pela equacaosecular |A− λI| = 0, pois se u 6= 0,

(A− λI)u = 0 → |A− λI| = 0 (1.49)

Os valores proprios da matriz, e os vectores proprios correspondentes, obtem-seresolvendo a equacao secular. No caso em apreco, a equacao secular e

∣∣∣∣∣(K +Kc)− ω2m −Kc

−Kc (K +Kc)− ω2m

∣∣∣∣∣ = 0 (1.50)

o que da

(K +Kc −mω2)2 −K2c = 0 K +Kc −mω2 = ±Kc

donde

ω =րց

ω1 =√

Km

ω2 =√

Km + 2Kc

m

(1.51)

Obtem-se assim, tal como previsto, dois valores possıveis para a frequencia deoscilacao. Ou seja, existem dois modos normais de oscilacao com frequencias ω1 eω2, que sao por isso designadas como frequencias normais ou frequencias proprias(ou frequencias ressonantes), caracterısticas do sistema. Mas falta ainda sabercomo e que sao esses modos normais, i.e., qual e a sua configuracao.

As amplitudes relativas dos dois osciladores em cada um dos modos normaissao descritas pelos vectores proprios da matriz. Assim:

a) Se ω = ω1, entao da eq. 1.48 obtem-se(

−(K +Kc) +K Kc

Kc −(K +Kc) +K

)(ab

)= 0 =

(a− ba− b

)(1.52)

Isto significa que a = b. Ou seja, o modo com frequencia ω1 =√K/m

caracteriza-se pelo facto de as duas bolas oscilarem para o mesmo lado,em fase e com a mesma amplitude. A mola central e neste caso um meroespectador, pois nao contribui para o movimento.

b) Se ω = ω2, entao da eq. 1.48 tem-se(

−(K +Kc) +K + 2Kc Kc

Kc −(K +Kc) +K + 2Kc

)(ab

)= 0 (1.53)

e portanto, neste caso, a = −b. Ou seja, no modo com frequenciaω2 =

√K/m+ 2Kc/m, as bolas oscilam em cada instante com movimentos

opostos, com a mesma amplitude.

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38 CAPITULO 1. OSCILACOES /1 − CONCEITOS ESSENCIAIS

Os estados proprios que acabamos de obter sao precisamente os modos deoscilacao que estao representados na fig. 1.21a e b. Os modos proprios sao poismodos colectivos de oscilacao, nos quais todas as partes do sistema oscilam emfase, todas com a mesma frequencia. Quando o sistema esta num desses estadosde oscilacao, os outros estados proprios tem amplitude zero.

A solucao mais geral das oscilacoes do sistema e uma combinacao linear dosestados proprios, os quais formam uma base ortogonal de vectores25.

xa = A1 cos(ω1t+ ϕ1) +A2 cos(ω2t+ ϕ2)xb = B1 cos(ω1t+ ϕ1)︸ ︷︷ ︸

modo 1

+B2 cos(ω2t+ ϕ2)︸ ︷︷ ︸modo 2

(1.54)

sendo as constantes tais que B1 = A1 e B2 = −A2, de acordo com a configuracaodos modos proprios respectivos, e ϕ1 e ϕ2 duas fases constantes. Como seria deesperar, ha quatro constantes de movimento, que correspondem eventualmenteas velocidades e posicoes das duas bolas, num certo instante. O significado dasequacoes anteriores e o de que se pode de facto descrever o sistema de osciladoresacoplados como uma combinacao linear dos modos normais do sistema de quefazem parte, como se antecipou no inıcio desta discussao.

As coordenadas normais sao, como se disse, as combinacoes lineares das co-ordenadas originais, xa e xb, que tornam as equacoes diferenciais independentesumas das outras. Assim, se ζ1 e ζ2 forem as coordenadas normais, entao

ζ1 = A1xa +B1xbζ2 = A2xa +B2xb

=

ζ1 = A1(xa + xb)ζ2 = A2(xa − xb)

(1.55)

25Em geral, nos casos com significado fısico, a matriz A e hermıtica, (i.e., A = A†, com

A† ≡ A∗), o que significa que os valores proprios sao numeros reais e os vectores propriossao ortogonais entre si (valores proprios degenerados, os correspondentes vectores propriosde valores proprios degenerados podem ser combinados e ortogonalizados). Sejam doisvectores proprios: Auj = λjuj e Auk = λkuk, com j = 1, 2, . . . e k = 1, 2, . . ., entao

u†kAuj = λju

†kuj

u†jAuk = λku

†juk

mas, se A = A†, (u†jAuk)

∗ =∑

ℓn

(u∗ℓjAℓnunk

)∗=∑

ℓn u∗nkA

∗ℓnuℓj = u†

kAuj . Entao,

u†kAuj = λ∗

ku†kuj e

(λj − λ∗k)u

†kuj = 0

րց

se j = k ⇒ λ = no realse j 6= k ⇒ uk ⊥ uj

(e.g., vide Mathews Walker; Mathematical Methods of Physics).

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1.8. OSCILADORES ACOPLADOS 39

onde se fez A1 = B1, A2 = −B2, de acordo a configuracao dos modos 1 e 2,respectivamente.26 Podemos verificar que somando e subtraindo as eqs. 1.46 seobtem de facto as equacoes diferenciais desacopladas,

mζ1 = −Kζ1mζ2 = −(K + 2Kc)ζ2

(1.57)

a que correspondem oscilacoes com as frequencias ω1 e ω2.

Exemplo

Seja o sistema da fig. 1.22. Por hipotese, no instante inicial, t = 0, o sistemasatisfaz as condicoes fronteira iniciais

t = 0 :

xa = A , xa = 0xb = 0 , xb = 0

(1.58)

Nesse caso podemos determinar todas as constantes de integracao, obtendo-se asequacoes que descrevem totalmente os movimentos das bolas. As eqs. 1.54 devempois satisfazer as seguintes condicoes iniciais:

A = A1 cosϕ1 +A2 cosϕ2

0 = A1 cosϕ1 −A2 cosϕ2

0 = A1ω1 sinϕ1 +A2ω2 sinϕ2

0 = A1ω1 sinϕ1 −A2ω2 sinϕ2

Portanto, 2ω1 sinϕ1 = 0 ⇒ ϕ1 = 0 ; ⇒ ϕ2 = 0; o que significa que

A1 +A2 = AA1 −A2 = 0

⇒ A1 =A2

A1 = A2

26Formalmente, renormalizando as variaveis ζ1 e ζ2, (o fator de normalizacao e irrele-vante), tem-se (

ζ1ζ2

)=

(1 11 −1

)

︸ ︷︷ ︸A

(xa

xb

)(1.56)

onde A e a matriz modal, constituıda pelos vectores proprios, u1 =

(11

)e u2 =

(1−1

).

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40 CAPITULO 1. OSCILACOES /1 − CONCEITOS ESSENCIAIS

a

b

x

x

t

Figura 1.23: A oscilacao de cada um dos osciladores acoplados da fig. 1.22pode apresentar batimentos. Neste caso a energia do sistema oscila alter-nadamente entre um oscilador e o outro.

Por conseguinte, as equacoes de movimento sao neste caso,

xa(t) =

A2 (cosω1t+ cosω2t)

xb(t) =A2 (cosω1t− cosω2t)

(1.59)

as quais podem ser escritas na forma,27

xa(t) = A cos

(ω1−ω2

2 t)cos

(ω1+ω2

2 t)

xb(t) = A sin(ω1−ω2

2 t)sin(ω1+ω2

2 t) (1.60)

Estas equacoes representam duas funcoes sinusoidais moduladas periodicamente(ver fig. 1.23). Ou seja, em casos como o presente, devido a sobreposicao demodos de vibracao, pode surgir um efeito de batimentos (ver fig. 1.23). A energiado sistema, que e proporcional ao quadrado da amplitude de oscilacao, oscila entaoentre os varios osciladores. Ou seja, a amplitude de oscilacao da bola a baixa ate seanular, quando a da outra aumenta ate ser maxima e vice-versa, periodicamente.Este interessante efeito pode ser observado facilmente na pratica, nomeadamenteem sistemas com modos de oscilacao com frequencias proximas.

1.8.1 Analise das oscilacoes da molecula de CO2

Para ilustrar os conceitos e as tecnicas acima discutidas vamos analisar as oscilacoeslongitudinais de uma molecula triatomica, linear, simetrica, como e a molecula deCO2. O facto de ser um sistema linear simplifica muito o problema, pois sao

27cos(α+ β) + cos(α− β) = 2 cosα cosβ.

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1.8. OSCILADORES ACOPLADOS 41

Mm mK K

ξ 1 ξ ξ 32

Figura 1.24: A molecula de CO2.

mais faceis de obter as equacoes de movimento. Na configuracao de equilıbrio,a molecula tem 2 atomos simetricamente dispostos em relacao ao atomo central,a uma certa distancia de equilıbrio, r0 (ver fig.1.24). As massas sao m = m1 =m3 = mO e M = m2 = mC . As variaveis de posicao obvias sao as coordenadas decada massa, x1, x2 e x3, respectivamente. Para simplificar consideramos apenas asvibracoes longitudinais ao longo do eixo da molecula28. Como vimos antes, parapequenas amplitudes as oscilacoes sao aproximadamente harmonicas; podendo-se-lhes associar uma constante elastica, K, ainda que o potencial interatomico sejamais complicado.

Os desvios em relacao as posicoes de equilıbrio sao ξ1, ξ2 e ξ3, respectivamente(ver fig.1.24). O Lagrangeano desta molecula pode entao ser escrito como

L(ξ1, ξ2, ξ3) = T − V =m

2(ξ21 + ξ23) +

M

2ξ22 −

K

2(ξ2 − ξ1)

2 − K

2(ξ2 − ξ3)

2 (1.61)

Aplicando as equacoes de Euler-Lagrange obtem-se

mξ1 −K(ξ2 − ξ1) = 0

Mξ2 +K(ξ2 − ξ1) +K(ξ2 − ξ3) = 0

mξ3 −K(ξ2 − ξ3) = 0

(1.62)

Pondo o sistema a oscilar num modo proprio de oscilacao, generico,

ξ1 = aei(ωt+ϕ)

ξ2 = bei(ωt+ϕ)

ξ3 = cei(ωt+ϕ)

(1.63)

obtem-se a equacao matricial, Aξ = 0,

K − ω2m −K 0−K 2K − ω2M −K0 −K K − ω2m

ξ1ξ2ξ3

= 0 (1.64)

28Ha tambem os modos de vibracao transversais que sao mais difıceis de calcular, masque se obtem pela mesma tecnica. Na analise espectral de substancias que contenham ogrupo molecular CO2 observam-se ambos os modos de oscilacao.

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42 CAPITULO 1. OSCILACOES /1 − CONCEITOS ESSENCIAIS

ω

ω

ω

a)

b)

c)

1

2

3

Figura 1.25: Modos de oscilacao longitudinal da molecula de CO2.

cuja equacao secular e |A| = 0. O calculo do determinante da a equacao cubicaem ω2,

ω2(K − ω2m)[K(M + 2m)− ω2Mm

]= 0

cujas raızes sao

ω1 = 0 ; ω2 =

√K

m; ω3 =

√K

m

(1 +

2m

M

)(1.65)

A primeira solucao, com ω1 = 0, e aparentemente surpreendente, mas correspondede facto ao movimento de translacao rıgida da molecula, como um todo. As outrasduas solucoes correspondem a dois diferentes modos de oscilacao (ver fig. 1.25).

Os estados proprios com a configuracao dos modos de oscilacao sao dados pelosvectores proprios do sistema de equacoes 1.64

K − ω2jm −K 0

−K 2K − ω2jM −K

0 −K K − ω2jm

abc

= 0 (1.66)

para j = 1, 2, 3.

Assim, se:

i) ω1 = 0, obtem-se a = b = c. Ora, isto e de facto um movimento detranslacao da molecula (ver fig.1.25a).

ii) ω2 =√K/m, neste caso os factores K − ω2

2m anulam-se e fica b = 0 ea = −c. Neste modo, o atomo central esta parado e outros vibram simetri-camente, como na fig.1.25b.

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1.8. OSCILADORES ACOPLADOS 43

iii) ω3 =√K/m(1 + 2m/M), neste caso a 1a e 3a eqs. dao a = c. As contas

dao entao

a = c =1√

2m(1 + 2m/M); b =

1√2M(2 +M/m)

(1.67)

Este modo de oscilacao esta representado na fig. 1.25c.

Os estados proprios de oscilacao da molecula tem pois a forma

u1 =

aaa

; u2 =

a0−a

; u3 =

aba

; com

b

a= −2m/M

O movimento geral dos atomos desta molecula em torno das posicoes de equilıbrioe pois descrito por uma combinacao linear dos estados proprios anteriores,

ξ1 = A1ei(ω1t+ϕ1) +A2e

i(ω2t+ϕ2) +A3ei(ω3t+ϕ3)

ξ2 = B1ei(ω1t+ϕ1) +B2e

i(ω2t+ϕ2) +B3ei(ω3t+ϕ3)

ξ3 = C1ei(ω1t+ϕ1) + C2e

i(ω2t+ϕ2) + C3ei(ω3t+ϕ3)

(1.68)

com A1 = B1 = C1, A2 = −C2, B2 = 0, A3 = C3 e B3 = −2mMA3 (mas em

que a primeira parcela e uma constante). As solucoes fısicas sao evidentementedadas pela parte real destas solucoes, ξfisj = ℜeξj. Estas equacoes contem seisconstantes de integracao, correspondentes as posicoes e velocidades iniciais de cadamassa, a uma dimensao. Isto e, se nos disserem as posicoes e velocidades iniciaisde cada atomo, saberemos descrever completamente (do ponto de vista classico!)os seus movimentos em qualquer instante posterior.

1.8.2 Modos de oscilacao molecular

Num sistema comN osciladores a 1 dimensao cada massa pode ter 3 deslocamentosindependentes, segundo x, y e z. Um tal sistema tem pois 3N graus de liberdade,e possui 3N modos de vibracao independentes, que sao os seus modos proprios(ver fig. 1.28).

Suponha-se que uma molecula e constituıda por um conjunto de N atomos,ligados entre si por forcas que mantem o sistema em equilıbrio. Cada atomo erepresentado por uma massa pontual que possui 3 graus de liberdade, pois podedeslocar-se em x, y e z. A molecula tem pois 3N graus de liberdade. Todavia,estes graus de liberdade nao correspondem todos eles a oscilacoes internas damolecula: − ja que a molecula pode efetuar como um todo 3 movimentos detranslacao e 3 rotacoes independentes, nos quais as distancias interatomicas semantem constantes, o numero de modos de oscilacao de uma tal molecula e entao

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44 CAPITULO 1. OSCILACOES /1 − CONCEITOS ESSENCIAIS

CO O

CO O

CO O

CO O

a)

b)

c)

d)

Figura 1.26: Modos de vibracao das moleculas de CO2. a) e b) modoslongitudinais; c) e d) modos transversais. No modo d) a oscilacao da-seno plano perpendicular a c), com a mesma frequencia que esta ultima (estarepresentado em perspectiva).

efetivamente 3N − 6 modos proprios (i.e., ha seis movimentos com frequencianula). Todavia, se a molecula for linear o numero total de modos de oscilacao(longitudinais e transversais) e de apenas 3N − 5, pois essa molecula tem simetriaaxial e apenas 2 movimentos de rotacao em torno seu centro de massa. A rotacaoaxial, em torno do eixo da molecula, nao e distinguıvel, pelo que nao constitui umarotacao fısica.

Se a molecula for planar, com os seus N atomos da molecula todos num mesmoplano, ha 2N graus de liberdade, incluindo 2 translacoes e uma rotacao nesseplano. Esta molecula tera entao 2N − 3 modos em que a oscilacao e no plano e(3N − 6)− (2N − 3) = N − 3 modos que vibram fora do plano.

Se a molecula for linear ha N graus de liberdade sobre o eixo, incluindo umatranslacao. Esta molecula tem poisN−1 modos longitudinais e (3N−5)−(N−1) =2N−4 modos transversais. Contudo, os modos transversais sao todos degeneradose ha apenasN−2 frequencias transversais diferentes (pois, por simetria, cada modotransversal tem outro exatamente igual no plano perpendicular, com a mesmafrequencia).

A molecula de CO2 que ja consideramos e um bom exemplo de uma moleculalinear: - tem quatro modos de oscilacao, sendo dois longitudinais e dois transversais(ver fig. 1.26), com frequencias angulares ω1 = 4.4278 × 1014 Hz; ω2 = 2.616 ×1014 Hz e ω3 = ω4 = 1.2573× 1014 Hz, respectivamente.29

A molecula da agua e outro exemplo com interesse. Tem 3 modos propriosde oscilacao, todos no plano da molecula (fig. 1.27), a que correspondem as 3

29in Landau; Mechanics, 1960.

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1.9. OSCILADORES ACOPLADOS E FORCADOS 45

H

O

H H

O

H H

O

H

a) b) c)

Figura 1.27: Modos vibracionais da molecula de H2O. As frequencias sao a)ω2 = 6.714 × 1014 Hz, b) ω1 = 3.001 × 1014 Hz, e c) ω3 = 7.080 × 1014 Hz,respectivamente.

frequencias caracterısticas distintas30,

ω1 = 3.001× 1014 Hz ; ω2 = 6.714× 1014 Hz ; ω3 = 7.080× 1014 Hz

O calculo destes modos faz-se do mesmo modo que atras fizemos. Desta vez poreme bem mais complicado escrever as equacoes de movimento e sobretudo resolve-las.

Todas as frequencias acima referidas estao na zona do infravermelho. Ao in-teragir com o espectro de radiacao da banda do infravermelho, a molecula da aguadeixa bem visıvel a sua assinatura no espectro de absorcao na forma de picos deabsorcao, naquelas frequencias proprias, ω1, ω2 e ω3 (tambem chamadas por issofrequencias ressonantes). Esta e de facto a base teorica por detras das tecnicas deanalise instrumental tao em voga. Por exemplo, a molecula de naftaleno, C10H8,tem 48 frequencias proprias. Uma base de dados contendo a informacao de todasestas frequencias permite depois identificar tracos da presenca dessa substancianuma amostra de composicao desconhecida. Trata-se afinal de localizar os picosde ressonancia caracterısticos e de estimar a sua importancia relativa, comparati-vamente a outras de referencia.

1.9 Osciladores acoplados e forcados

Referiu-se acima a interacao da radiacao electromagnetica com a molecula da aguae a observacao de espectros de absorcao caracterısticos. Trata-se de facto daobservacao das oscilacoes forcadas de um sistema com varias frequencias proprias,i.e., da ressonancia num sistema de osciladores acoplados sujeitos a uma acao

30in A. Finn; Fısica, vol. 1, 2a ed.; 1967.

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46 CAPITULO 1. OSCILACOES /1 − CONCEITOS ESSENCIAIS

externa periodica (no caso, a forca electrica e F = eE, sobre os electroes, em queE = E0 cos(ωt) e o campo electrico da radiacao electromagnetica).

Consideremos o sistema da fig. 1.22 (ainda, novamente). Suponhamos porhipotese que uma das bolas, p.ex. a bola a, e solicitada externamente com umaforca periodica, Fe = F0 cosωt. As equacoes de Newton sao

−Kxa −Kc(xa − xb) + F0 cosωt = mxa−Kxb +Kc(xa − xb) = mxb

(1.69)

Fazendo a transformacao de variaveis, para as coordenadas normais do sistema,ζ1 = xa + xb e ζ2 = xa − xb, as equacoes supra tornam-se desacopladas (ver eqs.1.55), i.e.,

−Kζ1 + F0 cosωt = mζ1−Kζ2 − 2Kcζ2 + F0 cosωt = mζ2

(1.70)

ou seja, ζ1 + ω2

1ζ1 =F0

m cosωt

ζ2 + ω22ζ2 =

F0

m cosωt(1.71)

Chegamos assim a uma conclusao muito interessante, que e a seguinte:as equacoes dos modos proprios estao desacopladas, mas ambos os modos sao igual-mente sujeitos a acao da forca exterior, apesar de a forca poder so estar a seraplicada num dos osciladores (na bola a).

As equacoes 1.71 sao ambas equacoes de oscilador forcado - qualquer delas.Logo, no regime estacionario (apos a fase transitoria inicial)31 o sistema ha deoscilar como um todo, com a frequencia da acao externa, ω. Isto e, podemosantever a priori que em regime estacionario,

ζ1 = A1 cosωtζ2 = A2 cosωt

(1.72)

donde −ω2A1 cosωt+ ω2

1A1 cosωt =F0

m cosωt

−ω2A2 cosωt+ ω22A2 cosωt =

F0

m cosωt(1.73)

Resulta destas equacoes que A1 e A2 devem pois ser

A1 =F0/m

ω21 − ω2

; e A2 =F0/m

ω22 − ω2

(1.74)

31Apesar de, por simplicidade, nao considerarmos atrito, havera certamente algum atritoe uma fase transiente.

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1.10. OSCILADORES ACOPLADOS - TRANSICAO PARAO CONTINUO47

Por conseguinte, xa e xb oscilam em regime estacionario ambos com a frequenciada forca externa, ω, sendo

xa = A cosωt = A1+A2

2 cosωt

xb = B cosωt = A1−A2

2 cosωt(1.75)

com amplitudes dadas por,

A = F0

2mω2

1+ω2

2

(ω2

1−ω2)(ω2

2−ω2)

B = F0

2mω2

2−ω2

1

(ω2

1−ω2)(ω2

2−ω2)

(1.76)

Como neste caso nao consideramos o atrito, as amplitudes de ressonancia divergemquando ω = ω1 ou ω = ω2. Em tais condicoes, sem atrito ou com atrito reduzido,o sistema pode entrar de facto em ruptura, e ser destruıdo devido a acao externa,tal como vimos para um oscilador simples.

Conclui-se desta historia que ha ressonancia sempre que a frequencia de ex-citacao se abeirar de qualquer das frequencias proprias de um sistema. Por isso,estas frequencias sao tambem por vezes designadas como frequencias ressonantes.

Isto e, podemos excitar os modos normais de um sistema do mesmo modo comose excita um oscilador simples − o processo de ressonancia e o mesmo.

1.10 Osciladores acoplados - transicao para o

contınuo

Seja o sistema representado na fig.1.28. Por hipotese, o sistema e constituıdo porN massas, com N ≫ 1, igualmente espacadas, sendo as molas todas iguais, comconstante elastica K. Consideramos por hipotese desprezaveis as massas das molase o atrito. Este sistema e portanto uma generalizacao do sistema da fig. 1.22 eaproxima-se do contınuo quando N → ∞.

As leis de Newton dao um sistema de N equacoes diferenciais acopladas,

. . .

mξp = −K(ξp − ξp−1)−K(ξp − ξp+1) , com p = 1, 2, . . . , N. . .

(1.77)

Em princıpio este sistema de equacoes resolve-se da mesma maneira que antes:e necessario resolver a equacao de valores proprios da matriz N × N , da qual seobterao N valores proprios de frequencia e N estados proprios de oscilacao.

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48 CAPITULO 1. OSCILACOES /1 − CONCEITOS ESSENCIAIS

p+1pp−1

l

ξ ξ ξ

Figura 1.28: Sistema de N osciladores unidimensionais acoplados, sendo ξpperturbacao do elemento p, com p = 1, 2, 3, . . .

Porem, o nosso interesse esta agora focado em analisar o sistema contınuo, oque corresponde a fazer-se N → ∞, mantendo constante a massa total do sistema(i.e., vamos distribuindo a massa mais e mais ate ao limite do contınuo). Nesselimite, o sistema pode ser visto como uma unica mola de comprimento L, cujamassa esta distribuıda uniformemente por todo o seu comprimento.

Se N → ∞, entao ℓ δx ≪ 1; m δm; e ξp(t) ξ(x, t), com x = pℓ. A eq.1.77 torna-se entao,

δm

Kξ(x, t) = − (ξ(x)− ξ(x− δx))− (ξ(x)− ξ(x+ δx)) (1.78)

Podemos desenvolver ξ(x, t) em serie de Taylor,

ξ(x± δx, t) = ξ(x, t)± ∂xξ δx+1

2∂2xξ δx

2 ± · · ·

e conclui-se que

∂2t ξ =

(K δx2

δm

)∂2xξ (1.79)

Esta equacao e a equacao de uma onda - a famosa equacao de D’Alembert de umaonda a uma dimensao,

∂2t ξ = v2∂2

xξ (1.80)

em que v e a velocidade de propagacao da onda. Ou seja, quando se passa para ocontınuo, as perturbacoes do sistema expressam-se como ondas que se propagamatraves dele (circunscritas certamente as suas dimensoes). Este resultado e deverasinteressante; diz-nos que: as oscilacoes (ou perturbacoes) de um sistema contınuoconstituem e propagam-se como ondas.

Por outro lado, este resultado vem-nos lembrar que uma onda e efetivamenteuma perturbacao a propagar-se de cada ponto para a sua vizinhanca, e assimsucessivamente, com uma certa velocidade (que e caracterıstica do meio).

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1.10. OSCILADORES ACOPLADOS - TRANSICAO PARAO CONTINUO49

Figura 1.29: Modos transversais de oscilacao de um sistema de N osciladoresacoplados. No limite em que N → ∞ as configuracoes dos modos proprios deoscilacao sao, para todos os efeitos, as ondas estacionarias permitidas paraesse sistema.

No contınuo, cada elemento de massa e δm = µδx, onde µ e a densidadelinear (i.e., a massa por unidade de comprimento). Por conseguinte, a velocidadede propagacao de uma perturbacao atraves do sistema elastico que e a mola, e

v =√

Kδxµ . Mas, ao irmos para o contınuo, δx → 0, e portanto esta expressao nao

e satisfatoria. Repare-se porem, que a constante da mola considerada no seu todoe Ke, equivalente as N + 1 pequenas molas em serie, e nao K. Portanto,

1

Ke=

N+1∑

p=1

1

K=

N + 1

K=

L

Kℓ

Ou seja, KeL = Kℓ → Kδx, pelo que a velocidade e,

v =

√KeL

µ(1.81)

onde Ke e a constante da mola (contınua) e L o respectivo comprimento.32

32Parece estranho a velocidade depender do comprimento da mola. Note-se contudo,que o produto da constante de uma mola vezes o seu comprimento e uma quantidade car-acterıstica dela, pois KL = const.; se a partirmos a meio ficamos com duas com constanteK ′ e comprimento L′, mas KL = K ′L′.Se o comprimento da mola for todo consequencia de ela estar esticada, entao T = Kδx

e a tensao media da mola, a que qualquer dos seus elementos infinitesimais esta sujeito, e

a velocidade e v =√

Tµ. Este e o resultado bem conhecido da velocidade das ondas numa

corda tensa; facto que nao surpreende pois tambem ela e um meio elastico.

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50 CAPITULO 1. OSCILACOES /1 − CONCEITOS ESSENCIAIS

Vimos que um sistema com N osciladores acoplados, tem N modos propriosde oscilacao (ver fig. 1.29). Vemos agora que quando N → ∞, esse sistema tendepara o contınuo e as oscilacoes do sistema dao origem a ondas. O que e feito entaodos modos proprios, com frequencia e configuracao bem definidas? E que ondassao estas?

As ondas que se formam no meio elastico nao sao quaisquer, sao efetivamenteondas estacionarias.33 Os estados proprios correspondem justamente as ondasestacionarias do sistema contınuo, como esta representado na fig. 1.29 (mostram-seos modos transversais por serem mais faceis de visualizar). As ondas estacionariassao de facto modos colectivos a oscilar, a escala de todo o sistema, nos quais, talcomo em qualquer modo proprio de oscilacao, todas as partes do sistema oscilamem fase, com a mesma frequencia. Os modos proprios do sistema contınuo saoportanto as ondas estacionarias desse sistema, confundem-se com elas.

Os sistemas contınuos tem um numero infinito de modos proprios, porque onumero de graus de liberdade tambem tende para infinito. Todavia, os modossao discretos e enumeraveis, com frequencias bem definidas e configuracoes car-acterısticas, como se depreende da fig. 1.29. Tambem neste caso, e tal como nossistemas discretos, as oscilacoes podem ser descritas como combinacoes linearesdos estados proprios do sistema.

Estas conclusoes tem aplicacao em qualquer sistema, e nao somente numa molacom massas. Estes conceitos sao por exemplo extensivamente usados na mecanicaquantica. A interacao com um sistema quantico e descrita como uma interacaocom uma sobreposicao dos seus estados proprios, cada qual com a sua energia(i.e., frequencia) e a sua configuracao; a evolucao do sistema e a evolucao dessacombinacao de estados proprios. Mas essa e outra historia.

33Formam-se ondas estacionarias porque o sistema tem fronteiras e condicoes fronteirabem definidas em qualquer instante, as quais restringem a liberdade das ondas. Assim,no caso analisado, a oscilacao e sempre nula na fronteira; os zeros da funcao de ondanao dependem portanto do tempo. Ou seja, a funcao esta necessariamente fatorizada noespaco e no tempo, ξ(x, t) = ξ0 cos(kx + ϕ) cos(ωt) e portanto nao se propaga. Comoξ(0, t) = 0 = ξ(L, t), entao ϕ = π/2 e kL = nπ, n = 1, 2, . . . Por conseguinte, estas ondassao sempre estacionarias e sao enumeraveis, pois so sao possıveis as ondas de comprimentode onda que satisfaca as condicoes da fronteira, no caso vertente, λ = 2π/k = 2L/n, (fig.1.29).