Malformações congênitas de embriões de camundongas...

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ARTIGO ORIGINAL einstein. 2009; 7(1 Pt 1):52-7 Malformações congênitas de embriões de camundongas expostas ao álcool e à nicotinamida Congenital malformations in embryos of female mice exposed to alcohol and nicotinamide Natasha Soares Simões dos Santos 1 , Marjourie Dragoni de Arruda Biscaro 2 , Beatriz Christina Lorenzetti Santos 3 , Suzana Guimarães Moraes 4 RESUMO Objetivo: Comparar a incidência de malformações congênitas entre a prole de camundongas expostas ao álcool ou a este associado à nicotinamida. Métodos: Utilizaram-se camundongas C57BL/6J, sendo divididas em três grupos (G1, G2 e G3). No G1 administrou-se álcool (5 g/kg) em soro fisiológico (20% - v/v); no G2, 50 mg/ml de nicotinamida associada ao álcool e no G3, soro fisiológico, sendo em todos os grupos via intraperitoneal, no sétimo dia de prenhez. As camundongas prenhes foram sacrificadas em câmara de CO 2 no 18º dia de gestação. Avaliou-se o conteúdo uterino, foram contabilizados o número de fetos reabsorvidos e íntegros. Estes foram pesados, seu comprimento crânio- caudal medido e foram identificadas as malformações congênitas. Resultados: No G1 observou-se um maior número de malformações, sendo: micrognatia, implantação baixa de orelha, nariz hipertrófico, escoliose, atrofia de membro superior e inferior. Quanto ao estudo comparativo do peso encontrou-se uma diferença significativa entre os grupos (p = 0,0139), sendo que os do G1 possuíam um peso abaixo da média quando comparado aos do G3 (p = 0.3133). No estudo comparativo do comprimento, foram observados os menores valores no G2 e os maiores no G3. Nesta análise foi observado o contraste significativo entre os grupos (p = 0,0145). Conclusões: O etanol administrado durante a prenhez causou, de modo geral, teratogenia na prole de camundongas. Contudo, o comprimento dos fetos do G1, em média, foi maior quando comparado à medida observada nos demais grupos. A nicotinamida diminuiu o número de malformações podendo ser um possível protetor para amenizar os efeitos do álcool. Palavras-chave: Anormalidades congênitas; Alcoolismo; NAD ABSTRACT Objective: To compare the incidence of congenital malformations among the offspring of female mice exposed to alcohol or alcohol plus nicotinamide. Methods: Three groups of pregnant C57BL/6J mice were studied; G1 received alcohol (5 g/kg) in saline solution (20% - vol/vol); G2 received nicotinamide, 50 mg/ml associated to alcohol; and G3, only saline solution; all by intraperitoneal injection on the seventh day of pregnancy. The animals were killed in a CO 2 chamber on day 18 of pregnancy. The intrauterine content was assessed and the number of complete and reabsorbed fetuses was counted. The complete fetuses had their weight and crown-rump length measured and malformations were identified. Results: G1 showed the highest number of malformations: micrognathia, low set ears, hypertrophic nose, scoliosis, and atrophy of the lower and upper limbs. Weight was significantly different among the groups (p = 0.0139), and in G1 it was below average as compared to G3 (p = 0.3133). As for length, the lowest values were found in G2 and G3 showed the highest ones. There was a significant difference among the groups (p = 0.0145). Conclusions: Ethanol, when administered to pregnant mice was teratogenic. However, length of G1 fetuses was, in average, higher than that of other groups. Nicotinamide decreased the number of malformations and may be a possible protector against alcohol effects. Keywords: Congenital abnormalities; Alcoholism; NAD INTRODUÇÃO O álcool pode interferir na morfogênese de vários ór- gãos e levar a alterações físicas, cognitivas e comporta- mentais permanentes e irreversíveis, caracterizando a Síndrome Alcoólica Fetal (SAF) (1) . Os efeitos causados pelo álcool irão variar durante a gravidez, de acordo com diversos fatores como: níveis de alcoolemia atin- gidos, padrão de consumo, suscetibilidade da espécie e individual, entre outros (2) . Trabalho realizado na Faculdade de Medicina de Jundiaí – FMJ, Jundiaí (SP), Brasil. 1 Acadêmica da Faculdade de Medicina de Jundiaí – FMJ, Jundiaí (SP), Brasil. 2 Acadêmica da Faculdade de Medicina de Jundiaí – FMJ, Jundiaí (SP), Brasil. 3 Acadêmica da Faculdade de Medicina de Jundiaí – FMJ, Jundiaí (SP), Brasil. 4 Doutora, Professora Adjunta da Faculdade de Medicina de Jundiaí - FMJ, Jundiaí (SP), Brasil. Autor correspondente: Natasha Soares Simões dos Santos – Avenida Presidente Wilson, 23 – apto. 81 – Gonzaga – CEP 10065-200 – Santos (SP), Brasil – Tel.: 11 8868-7421 – e-mail: [email protected] Data de submissão: 9/1/2009 – Data de aceite: 18/1/2009

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einstein. 2009; 7(1 Pt 1):52-7

Malformações congênitas de embriões de camundongas expostas ao álcool e à nicotinamida

Congenital malformations in embryos of female mice exposed to alcohol and nicotinamideNatasha Soares Simões dos Santos1, Marjourie Dragoni de Arruda Biscaro2, Beatriz Christina Lorenzetti Santos3,

Suzana Guimarães Moraes4

RESUMOObjetivo: Comparar a incidência de malformações congênitas entre a prole de camundongas expostas ao álcool ou a este associado à nicotinamida. Métodos: Utilizaram-se camundongas C57BL/6J, sendo divididas em três grupos (G1, G2 e G3). No G1 administrou-se álcool (5 g/kg) em soro fisiológico (20% - v/v); no G2, 50 mg/ml de nicotinamida associada ao álcool e no G3, soro fisiológico, sendo em todos os grupos via intraperitoneal, no sétimo dia de prenhez. As camundongas prenhes foram sacrificadas em câmara de CO

2 no 18º dia de gestação.

Avaliou-se o conteúdo uterino, foram contabilizados o número de fetos reabsorvidos e íntegros. Estes foram pesados, seu comprimento crânio-caudal medido e foram identificadas as malformações congênitas. Resultados: No G1 observou-se um maior número de malformações, sendo: micrognatia, implantação baixa de orelha, nariz hipertrófico, escoliose, atrofia de membro superior e inferior. Quanto ao estudo comparativo do peso encontrou-se uma diferença significativa entre os grupos (p = 0,0139), sendo que os do G1 possuíam um peso abaixo da média quando comparado aos do G3 (p = 0.3133). No estudo comparativo do comprimento, foram observados os menores valores no G2 e os maiores no G3. Nesta análise foi observado o contraste significativo entre os grupos (p = 0,0145). Conclusões: O etanol administrado durante a prenhez causou, de modo geral, teratogenia na prole de camundongas. Contudo, o comprimento dos fetos do G1, em média, foi maior quando comparado à medida observada nos demais grupos. A nicotinamida diminuiu o número de malformações podendo ser um possível protetor para amenizar os efeitos do álcool.

Palavras-chave: Anormalidades congênitas; Alcoolismo; NAD

ABSTRACTObjective: To compare the incidence of congenital malformations among the offspring of female mice exposed to alcohol or alcohol plus

nicotinamide. Methods: Three groups of pregnant C57BL/6J mice were studied; G1 received alcohol (5 g/kg) in saline solution (20% - vol/vol); G2 received nicotinamide, 50 mg/ml associated to alcohol; and G3, only saline solution; all by intraperitoneal injection on the seventh day of pregnancy. The animals were killed in a CO2 chamber on day 18 of pregnancy. The intrauterine content was assessed and the number of complete and reabsorbed fetuses was counted. The complete fetuses had their weight and crown-rump length measured and malformations were identified. Results: G1 showed the highest number of malformations: micrognathia, low set ears, hypertrophic nose, scoliosis, and atrophy of the lower and upper limbs. Weight was significantly different among the groups (p = 0.0139), and in G1 it was below average as compared to G3 (p = 0.3133). As for length, the lowest values were found in G2 and G3 showed the highest ones. There was a significant difference among the groups (p = 0.0145). Conclusions: Ethanol, when administered to pregnant mice was teratogenic. However, length of G1 fetuses was, in average, higher than that of other groups. Nicotinamide decreased the number of malformations and may be a possible protector against alcohol effects.

Keywords: Congenital abnormalities; Alcoholism; NAD

InTRODUÇÃOO álcool pode interferir na morfogênese de vários ór-gãos e levar a alterações físicas, cognitivas e comporta-mentais permanentes e irreversíveis, caracterizando a Síndrome Alcoólica Fetal (SAF)(1). Os efeitos causados pelo álcool irão variar durante a gravidez, de acordo com diversos fatores como: níveis de alcoolemia atin-gidos, padrão de consumo, suscetibilidade da espécie e individual, entre outros(2).

Trabalho realizado na Faculdade de Medicina de Jundiaí – FMJ, Jundiaí (SP), Brasil.1 Acadêmica da Faculdade de Medicina de Jundiaí – FMJ, Jundiaí (SP), Brasil.2 Acadêmica da Faculdade de Medicina de Jundiaí – FMJ, Jundiaí (SP), Brasil.3 Acadêmica da Faculdade de Medicina de Jundiaí – FMJ, Jundiaí (SP), Brasil.4 Doutora, Professora Adjunta da Faculdade de Medicina de Jundiaí - FMJ, Jundiaí (SP), Brasil.

Autor correspondente: Natasha Soares Simões dos Santos – Avenida Presidente Wilson, 23 – apto. 81 – Gonzaga – CEP 10065-200 – Santos (SP), Brasil – Tel.: 11 8868-7421 – e-mail: [email protected]

Data de submissão: 9/1/2009 – Data de aceite: 18/1/2009

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Não existe cura para a SAF, mas ela pode ser evitada em 100% dos casos. Os profissionais da saúde não reco-mendam o uso de bebidas alcoólicas para as mulheres que pretendem engravidar ou as que possuem uma vida sexual ativa sem métodos contraceptivos. Isso ocorre porque segundo alguns estudos não há dose segura de álcool(3). Ocorrendo em 30 a 50% dos conceptos de mães alcoólatras, a incidência da SAF varia com a população estudada(4), estima-se 1-3:1000 nascidos vivos nos Estados Unidos(5), enquanto na Suécia a relação é de 1:600(6).

A falta de especificidade e a ausência de critérios diagnósticos definitivos tornaram as pesquisas e a clas-sificação desta síndrome difíceis(7). Segundo a Resear-ch Society on Alcohol durante a avaliação devem-se analisar três critérios: padrão específico de anomalias faciais, que inclui fissura palpebral pequena, ptose, hemiface achatada, narinas antevertidas, filtro do lá-bio superior liso e fino, micrognatia; deficiência pré e/ou pós-natal de crescimento; evidência de disfunções do sistema nervoso central que podem ser físicas ou comportamentais(8-9).

Devido à grande importância dessa síndrome, a co-munidade científica tem concentrado esforços em estu-dos para elucidar os mecanismos de ação do álcool no organismo fetal em desenvolvimento. Muito do que se sabe sobre a SAF e os efeitos de exposição pré-natais de álcool são resultado de trabalhos em modelos animais. O uso destes modelos tem contribuído para a compre-ensão dos mecanismos que levam às alterações morfo-lógicas e comportamentais de fetos expostos ao álcool, assim como tem sugerido algumas ações de prevenção da SAF. A forma de prevenção mais promissora é a ni-cotinamida, usada no tratamento de doenças autoimu-nes, recentemente descrita como uma potencial terapia para evitar o desenvolvimento da SAF(10-11).

A nicotinamida é uma vitamina solúvel do grupo B (vitamina B3), atua prevenindo o esgotamento de ni-cotinamida adenina de dinucleotídeo (NAD+) e pro-tegendo contra a produção diminuída de adenosina de trifosfato (ATP), além de possuir ação neuroprotetora contra lesões induzidas por toxinas neuroquímicas em cérebros de roedores. Esse medicamento foi estudado pela Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, que identificou que essa droga poderia ser usada para di-minuir os danos causados a crianças cujas mães bebem durante a gravidez(10-11).

OBJETIVODevido à SAF ser um grande problema de Saúde Pública e o conhecimento de sua prevenção ser ainda limitado, este estudo teve como objetivo comparar a incidência de malformações congênitas entre a prole de camundongas expostas ao álcool, ou a este associado à nicotinamida.

MÉTODOSAmostraNeste estudo foram utilizadas camundongas C57BL/6J provenientes do Centro de Bioterismo da Universi-dade Estadual de Campinas e mantidas no biotério da Faculdade de Medicina de Jundiaí. Os animais de ambos os sexos, de cerca de três a cinco meses de idade, foram acondicionados em gaiolas mantidas em ambiente de temperatura controlada (25 ± 2 °C) e expostos à luz por um período diário de 12 horas (das 7:00 às 19:00 horas). Os animais tiveram acesso ad li-bitum à água e ração comercial. O estudo teve autori-zação do Comitê de Ética da Faculdade de Medicina de Jundiaí. Foram constituídos três grupos: um Grupo Controle (30 animais); um grupo que recebeu álcool (35 animais); e um grupo que recebeu álcool + nico-tinamida (13 animais).

AcasalamentoAs camundongas C57BL/6J foram colocadas junto aos machos da mesma linhagem e a cada manhã foi obser-vada a presença do tampão vaginal. No dia em que o tampão foi identificado considerou-se o primeiro dia de prenhez.

Administração do álcool e da nicotinamidaAs fêmeas prenhes foram divididas nos três grupos de estudo descritos a seguir:• Grupo1(G1):administraçãodeálcoolviaintrape-

ritoneal, no sétimo dia de prenhez;• Grupo2(G2):administraçãodeálcoolassociadoà

nicotinamida via intraperitoneal, no sétimo dia de prenhez;

• Grupo3(G3):controle;administraçãodesorofisio-lógico via intraperitoneal, no sétimo dia de prenhez.

O G1 recebeu via intraperitoneal uma dose única de etanol (5 g/kg) em soro fisiológico (20% - vol/vol), enquanto que em G2 foi acrescentado 50 mg/ml de nicotinamida à dose do álcool. Em G3 foi oferecido apenas soro fisiológico (o mesmo volume dos outros grupos), simulando apenas o estresse da administra-ção da droga.

Coleta e análise dos fetosAs fêmeas prenhes foram sacrificadas por meio de câ-mara de CO2, no 18º dia de gestação (três dias antes do termo). O útero foi dissecado e transferido para uma placa de vidro contendo soro fisiológico. O conteúdo uterino foi avaliado, contabilizando-se o número de fe-

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tos íntegros e reabsorvidos. Os fetos íntegros foram pe-sados e seu comprimento crânio-caudal medido. Em se-guida foram identificadas as malformações congênitas, com ênfase em alterações crânio-faciais, de membros e coluna vertebral.

Análise e documentação fotográfica das amostrasOs fetos malformados foram fotografados com o auxílio de uma câmera fotográfica digital Canon Power Shot A80 (Figuras 1 a 10). Os dados obtidos foram tabulados, ana-lisados e apresentados em tabelas (Tabelas 1, 2 e 3). Serão apresentados: média, desvio padrão, mínimo e máximo.

Figura 1. Feto apresentando micrognatia (seta) (G1)

Figura 2. Feto apresentando laceração de boca (seta) (G2)

Figura 3. Normal (G3)

Figura 4. Feto apresentando implantação baixa de orelha (seta) (G1)

Figura 5. Normal, a implantação da orelha no nível dos olhos (seta) (G3)

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Figura 9. Feto apresentando hiperpigmentação do nariz (seta) (G3)

Figura 10. Normal (G3)Figura 7. Normal (G3)

Figura 8. Feto apresentando região paranasal pigmentada (seta) (G2)

Figura 6. Feto apresentando escoliose (G1)

A comparação do peso e comprimento entre os gru-pos experimentais foi realizada por meio de ANOVA, e como os resultados foram significativos, prosseguiu-se com o teste de comparações múltiplas de Tukey. O software utilizado para análise foi o SAS versão 9.02 e o nível de significância foi assumido em 5% (p < 0,05).

RESUlTADOSQuanto ao efeito teratogênico do etanol observaram-se as malformações: micrognatia, implantação baixa de orelha, nariz hipertrófico, atrofia de membro superior e inferior, alteração esquelética (escoliose). Os menores índices dessas alterações foram observados no G2.

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No grupo G2, obtiveram-se as maiores porcentagens de laceração de boca e hiperpigmentação da região pa-ranasal; já no grupo G3 foi representativa a hiperpig-mentação do nariz, não encontrada nos outros grupos. A respeito do número de fetos reabsorvidos observa-ram-se as maiores porcentagens no grupo G2.

O estudo comparativo do peso dos fetos encontrou diferença significativa entre os grupos (p = 0,0139). Dessa maneira seguiu-se com a análise fazendo o teste de comparações múltiplas de Tukey, e observou-se que G2 foi estatisticamente diferente de G3 (p = 0,0102).

Já os fetos de G1 possuíam um peso abaixo da média quando comparado ao G3 (p = 0,3133).

Quanto ao estudo comparativo do comprimento dos fetos, os animais de G1 tiveram os maiores valores e G2, os menores. Nessa análise foi observado o con-traste significativo entre os grupos (p = 0,0145). Por-tanto, deu-se seguimento à análise fazendo o teste de comparações múltiplas de Tukey, constatando-se que G2 foi estatisticamente diferente de G1 (p = 0,0363) e G1 também foi diferente de G3, apesar do valor de p ser próximo de 0,05, rigorosamente foi inferior a 0,05, portanto, significativo.

Sendo assim, G2 teve, de modo geral, uma diminui-ção da teratogênese quando comparado ao grupo ex-posto aos efeitos do álcool.

DISCUSSÃOHá vários estudos publicados na literatura que indicam os efeitos do etanol na prole de camundongas alcoo-lizadas para mostrar claramente a associação entre o alcoolismo na gravidez e os defeitos teratogênicos en-contrados no feto. As fêmeas da linhagem C57B/6J fo-ram escolhidas para este estudo devido a seu tamanho pequeno, baixo custo e fácil manuseio. A comparação entre os achados na prole de humanos e de camundon-gas expostas ao etanol no útero é bem consistente e confirma a escolha por essas espécies em estudos labo-ratoriais da SAF(12).

Quanto à teratogênese do etanol observou-se al-teração esquelética somente em G1, conforme a literatura(13), mostrando que o consumo de álcool du-rante a gravidez possui eventos adversos no desenvol-vimento esquelético dos fetos. Verificou-se ainda, nesse grupo experimental, maior porcentagem de microg-natia, sendo que esses achados vão de encontro aos de outros estudos(14). Pode-se admitir que a nicotinamida

Tabela 1. Descrição de freqüências absolutas e relativas de malformações nos fetos

SF (Grupo controle) Álcool Álcool com

nicotina

n = 30 n = 35 n = 13

n % n % n %Micrognatia 2 6,7 6 17,1 1 7,7Implantação baixa de orelha - - 7 20,0 2 15,4Nariz hipertrófico - - 1 2,9 - -Atrofia de membro superior - - 2 5,7 - -Atrofia de membro inferior - - 1 2,9 - -Alteração esquelética (escoliose) - - 2 5,7 - -Laceração de boca - - 1 2,9 1 7,7Feto reabsorvido 1 3,3 1 2,9 3 23,1Nariz pigmentado 5 16,7 - - - -Região paranasal pigmentada - - - - 1 7,7

Total de fetos 30 35 13Total de camundongas 4 5 3Número médio de fetos por camundonga 7.5 7.0 4.3

SF: soro fisiológico.

Tabela 2. Estudo comparativo do peso dos fetos

GruposPeso (g) Análise estatística

Média Desvio padrão Mínimo Mediana Máximo Valor de p

AnOVA Teste de Tukey

Nicotinamida 0,7667 0,1111 0,5921 0,7553 0,9753 0,0139 Nicotinamida versus soro 0,0102Soro fisiológico 0,8517 0,0636 0,6988 0,8507 0,9629 Nicotinamida versus álcool 0,1345Álcool 0,8206 0,091 0,6574 0,8195 0,9848 Álcool versus soro 0,3133

Tabela 3. Estudo comparativo do comprimento dos fetos

Grupos

Comprimento (cm) Análise estatística

Média Desvio padrão Mínimo Mediana Máximo Valor de p

AnOVA Teste de Tukey

Nicotinamida 1,877 0,130 1,700 1,900 2,200 0,0145 Nicotinamida versus soro 0,7821

Soro Fisiológico 1,903 0,125 1,500 1,900 2,100 Nicotinamida versus álcool 0,0363

Álcool 1,974 0,109 1,800 2,000 2,200 Álcool versus soro 0,0490

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tenha tido um efeito protetor, visto a redução no índice dessa malformação.

As demais alterações teratogênicas do álcool, como implantação baixa de orelha, nariz hipertrófico e atrofia de membro superior e inferior, apresentaram porcen-tagens menores no grupo de nicotinamida, revelando, também, um possível papel protetor dessa vitamina. Po-rém, no grupo de nicotinamida obtiveram-se as maiores porcentagens de laceração de boca e hiperpigmentação da região paranasal, a qual não é encontrada nos outros grupos. A escassez de trabalhos científicos que anali-sem esses parâmetros dificulta uma comparação entre os dados encontrados pelo presente estudo e a litera-tura, mas a presença de lacerações pode ser explicada, provavelmente, por um artefato originado no momento da coleta e manipulação dos fetos.

Em relação ao maior número de filhotes no G1, este não está de acordo com os achados da literatura(12). Além disso, os fetos do G1 possuíam um peso abaixo da média quando comparados ao G3, conforme constata-do por um estudo brasileiro(12), entretanto não corres-pondem aos resultados obtidos por outros estudos(14). Os fetos do G2 tiveram um peso menor que os outros dois grupos, fato que não correspondeu às expectativas iniciais deste projeto, mas que poderia ser devido ao pe-queno número de animais no grupo.

A respeito do número de fetos reabsorvidos, a presente pesquisa não corresponde aos achados da literatura(14), na qual os resultados mostraram viabili-dade fetal reduzida e aumento de fetos reabsorvidos, enquanto em nosso trabalho, G3 teve maior índice em relação ao G1. Porém as maiores porcentagens encon-tradas foram no G2.

Quanto ao estudo comparativo do comprimento dos fetos, os animais do G1 mostraram uma diferença sig-nificativa quando comparados ao G3, o que não corres-ponde aos resultados de outras pesquisas(14). Os menores comprimentos encontrados, contudo, foram no G2.

Finalmente, é importante destacar que o objeti-vo do trabalho não foi oferecer uma alternativa para a ingestão de álcool durante a gestação, mas sim uma possibilidade de diminuir o efeito dessa droga na prole quando a informação e o acompanhamento médico não são suficientes para evitar o uso de álcool pela gestante, como em casos crônicos de alcoolismo.

COnClUSÕESA nicotinamida diminuiu o número de malformações podendo ser um possível fator protetor para amenizar

os efeitos do álcool. Diante dos resultados obtidos por este estudo, a melhor proposta para evitar a SAF ainda é evitar o uso de bebidas alcoólicas na gestação. Maio-res estudos destinados ao estudo dos efeitos da nicoti-namida são uma possibilidade para aumentar o conhe-cimento sobre a atuação dessa vitamina.

AGRADECIMEnTOSOs autores deste projeto agradecem aos funcionários da Faculdade de Medicina de Jundiaí, ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e ao Dr. Herman Grinfeld.

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