IN MEMORIAM PATRIS MEI (1938-2009)livros01.livrosgratis.com.br/cp154139.pdfthe Second Punic War....

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Henrique Modanez de Sant‟Anna ENTRE REIS, TIRANOS E GENERAIS: IMITATIO ALEXANDRI E DISPOSITIVOS TÁTICOS NO OCIDENTE HELENÍSTICO, 323-255 A.C. Tese de Doutorado Programa de Pós-Graduação em História Universidade de Brasília Orientador: Prof. Dr. Vicente Dobroruka Brasília, janeiro de 2011

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Henrique Modanez de Sant‟Anna

ENTRE REIS TIRANOS E GENERAIS IMITATIO

ALEXANDRI E DISPOSITIVOS TAacuteTICOS NO OCIDENTE

HELENIacuteSTICO 323-255 AC

Tese de Doutorado

Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria

Universidade de Brasiacutelia

Orientador Prof Dr Vicente Dobroruka

Brasiacutelia janeiro de 2011

Livros Graacutetis

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IN MEMORIAM PATRIS MEI (1938-2009)

iv

Haacute somente duas fontes das quais qualquer vantagem pode ser

retirada os nossos proacuteprios infortuacutenios e aqueles de

outros homens

Poliacutebio 135

v

RESUMO

A histoacuteria poliacutetica do mundo heleniacutestico natildeo era

formada unicamente por comandantes secircniores do exeacutercito de

Alexandre o Grande sob os Diaacutedocos contava-se uma seacuterie

de ex-oficiais de poder menor ou aventureiros que

desempenhavam funccedilotildees importantes em regiotildees controladas

pelos ex-generais do rei macedocircnico ou mesmo em territoacuterios

que natildeo haviam sido previamente subjugados Juntamente com

os Diaacutedocos tais comandantes de poder menor moldaram a

poliacutetica do mundo heleniacutestico e transformaram de maneira

relevante a sociedade na qual estavam inseridos

contribuindo para a formaccedilatildeo da imitatio Alexandri e de seu

impacto na arte da guerra do periacuteodo heleniacutestico Este era

o caso de Agaacutetocles de Siracusa e em seguida Pirro do

Epiro (com poder obviamente maior que o de Agaacutetocles) que

a despeito das diferenccedilas na esfera de poder e do viacutenculo

com Alexandre tiveram papel fundamental na concretizaccedilatildeo

das inovaccedilotildees poliacuteticas e militares no ocidente

heleniacutestico

Esta tese de doutorado apresenta duas hipoacuteteses em

primeiro lugar que a monarquia de Agaacutetocles era de

natureza ldquoheleniacutesticardquo e que essa ldquoinovaccedilatildeordquo poliacutetica se

dirigiu agraves suas tropas mercenaacuterias e natildeo agrave cidade de

Siracusa onde sua magistratura compulsoacuteria era uma simples

formalidade em segundo lugar que a expediccedilatildeo africana de

Agaacutetocles e a experiecircncia militar de Pirro na Magna Greacutecia

e na Siciacutelia provocaram inovaccedilotildees militares em Cartago

primeiramente em niacutevel estrateacutegico e em seguida jaacute na

invasatildeo africana liderada pelos romanos em niacutevel taacutetico

Tais inovaccedilotildees por fim teriam transformado o exeacutercito

cartaginecircs numa autecircntica arma heleniacutestica

vi

ABSTRACT

The political history of the Hellenistic world was not

composed only of the senior commanders of Alexander the

Great under the Diadochi both a number of his minor

officers and adventurers played important roles They were

active both in territories ruled by former generals of

Alexander and even in territories which had not been

subdued by the Macedonian King With the Diadochi such

commanders with minor power molded the politics of the

Hellenistic world and shaped their society thus

contributing to the imitatio Alexandri as well as to its

impact on the art of war in Hellenistic period This was

the case of Agathocles of Syracuse and after him Pyrrhos

of Epirus both fundamental to the concretization of

political and military innovations in the western

Hellenistic world despite their differences in power and

their connection with Alexander

This DPhil thesis presents two hypotheses First of

all Agathocles‟ monarchy was of ldquoHellenisticrdquo nature and

such political ldquoinnovationrdquo was proposed to his mercenary

troops instead of the city of Syracuse where his power was

a mere formality Secondly the African expedition led by

Agathocles and the military experience of Pyrrhos in Magna

Graecia and Sicily fomented military innovations in

Carthage These innovations were in the first place at

the logistical level and after that during the African

invasion led by the Romans at the tactical level Such

innovations in the end would have changed the

Carthaginian army into an authentic Hellenistic weapon

vii

AGRADECIMENTOS

Primeiramente os agradecimentos de ordem

institucional Ao Professor Vicente Dobroruka pela

confianccedila inabalaacutevel e por toda dedicaccedilatildeo Ao Professor

Erich Gruen pelo comprometimento com o trabalho de co-

orientaccedilatildeo realizado em agradaacuteveis reuniotildees ao longo do

meu estaacutegio em Berkeley Aos Professores Celso Fonseca

Maria Filomena Carmen Liacutecia e Anderson Vargas por todas

as criacuteticas conselhos e auxiacutelio com o aprimoramento da

pesquisa Aos funcionaacuterios do PPGHIS da UnB e agrave coordenaccedilatildeo

do Programa pela seriedade com que trataram as minhas

frequumlentes solicitaccedilotildees Ao Projeto de Estudos Judaico-

Heleniacutesticos por tudo que ele representa na academia

brasileira Aos financiadores da minha pesquisa

nomeadamente CNPq (bolsa de doutorado no paiacutes) e Capes

(bolsa de doutorado no paiacutes com estaacutegio no exterior) por

terem me dado suporte financeiro em todo o doutoramento

Aos funcionaacuterios colegas e amigos que tive o prazer de

conhecer na Fundaccedilatildeo Hardt em Genebra Aos funcionaacuterios e

colegas da Universidade da Califoacuternia Berkeley pela

receptividade e paciecircncia com o meu sotaque Aos

Professores Angelos Chaniotis Joe Manning Joatildeo Gouveia

Monteiro Delfim Leatildeo Barry Strauss e Gianluca

Tagliamonte pelos conselhos declaraccedilotildees e cartas de

recomendaccedilatildeo escritas

Por fim os agradecimentos pessoais Aos meus pais por

toda educaccedilatildeo que me deram Espero que eu tenha a essa

altura os deixado orgulhosos de alguma forma Agrave Carolina

my Bride to be por todo suporte emocional em momentos

difiacuteceis principalmente com o falecimento do meu pai Aos

meus amigos Neyller e Fabiacuteola que satildeo tambeacutem parte da

minha famiacutelia e ao meu afilhado Iacutecaro Aos outros amigos

colegas de profissatildeo ou das mais diversas origens luacutedicas

viii

SUMAacuteRIO

Agradecimentos vii

Abreviaturas xi

Lista de figuras xiv

Mapas xv

Introduccedilatildeo 17

Capiacutetulo 1 ndash Novas taacuteticas outra guerra as ldquoinovaccedilotildees

tebanasrdquo e o exeacutercito reformado de Filipe II e Alexandre 27

1 Epaminondas e o princiacutepio da batalha de Leuctra 29

2 ldquoNegoacutecios de famiacuteliardquo como Filipe e Alexandre

transformaram a guerra grega 38

21 A infantaria macedocircnica 38

211 Hipaspistai pezetairoi e asthetairoi 40

212 Taxis syntagma lochos e uso da sarissa 44

22 A ldquoCavalaria dos Companheirosrdquo 48

Capiacutetulo 2 ndash Os desenvolvimentos da guerra heleniacutestica no

tempo dos Diaacutedocos 53

1 Guerra como ofiacutecio as condiccedilotildees de serviccedilo e os tipos

de mercenaacuterio 53

11 Mercenariato profissionalizaccedilatildeo e crise econocircmica

53

12 Mercenariato basileia e doriktetos chora 60

2 Os exeacutercitos dos Diaacutedocos 64

21 Macedocircnios xenoi misthophoroi e pantodapoi 66

22 Os elefantes de combate 70

3 As Guerras dos Diaacutedocos 75

31 Eumenes versus Craacutetero 75

ix

32 Antiacutegono versus Eumenes 77

33 Antiacutegono versus Ptolomeu Seleuco Cassandro e

Lisiacutemaco 86

Capiacutetulo 3 ndash Poder monaacuterquico e arte da guerra na Magna

Greacutecia e na Siciacutelia heleniacutestica 89

1 Agaacutetocles e a introduccedilatildeo da basileia heleniacutestica 89

2 O embate pela preservaccedilatildeo da unificaccedilatildeo poliacutetica da

morte de Agaacutetocles a Pirro do Epiro 101

3 Pirro e o problema da monarquia heleniacutestica 105

4 Agaacutetocles Pirro e a imitatio Alexandri em campo de

batalha 111

41 A expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles 111

411 O exeacutercito de Agaacutetocles 115

412 Agaacutetocles general como Alexandre 117

42 A expediccedilatildeo de Pirro do Epiro 123

421 O exeacutercito de Pirro 125

422 O exeacutercito republicano romano 127

423 A batalha de Heracleia (280 aC) 132

424 A batalha de Aacutesculo (279 aC) 137

Capiacutetulo 4 ndash As duas fases das inovaccedilotildees militares em

Cartago 141

1 ldquoNenhum tirano destruiraacute nossa cidaderdquo controle

oligaacuterquico e fracasso da tirania em Cartago 310-255

aC 141

2 O exeacutercito cartaginecircs 155

3 As primeiras inovaccedilotildees militares em Cartago

heleniacutestica ou a transformaccedilatildeo logiacutestica frente agrave ameaccedila

grega 310-307 aC 161

x

4 As uacuteltimas inovaccedilotildees militares em Cartago no periacuteodo

preacute-Baacutercida ou a transformaccedilatildeo taacutetica frente agrave ameaccedila

romana 255 aC 168

41 A Primeira Guerra Puacutenica 264-241 aC 168

411 A particularidade da primeira guerra cartaginesa

contra os romanos 168

412 ldquoComo Aacutegatocles noacutes romanos devemos invadir a

Aacutefricardquo o princiacutepio estrateacutegico da expediccedilatildeo africana

de Reacutegulo 256-255 aC 182

413 Xantipo e a adoccedilatildeo do princiacutepio taacutetico

heleniacutestico 255 aC 187

Conclusatildeo 194

Bibliografia 199

Anexos 212

Anexo 1 ndash Uma cronologia do mundo heleniacutestico 323-241

aC 212

Anexo 2 Figuras 216

xi

ABREVIATURAS

AALG ndash MILNS Robert ldquoThe Army of Alexander the Greatrdquo in

REVERDIN Oliver Entretiens sur l‟Antiquiteacute Classique

Alexandre le Grand image et realiteacute Vandoeuvres-Genegraveve

Fondation Hardt 1976 pp87-136

AHR - The American Historical Review

AJA - American Journal of Archaeology

ALG1 - TARN William W Alexander the Great Cambridge

Cambridge University Press 1950 2 vols Vol1

ALG2 ndash TARN William W Alexander the Great Cambridge

Cambridge University Press 1950 2 vols Vol1

Apiano ndash Apiano Guerras Estrangeiras

Arist Pol ndash Aristoacuteteles Poliacutetica

Arr Anab ndash Arriano Anaacutebasis de Alexandre Magno

Austin AUSTIN Michel The Hellenistic World from Alexander

to the Roman Conquest A Selection of Ancient Sources in

Translation Cambridge MA Cambridge University Press

2008

CA ndash Classical Antiquity

Chaniotis WHW CHANIOTIS Angelos War in the Hellenistic

World Malden Oxford Blackwell 2005

Consolo Langher - Sebastiana Consolo Langher Agathocle Da

capoparte a monarca fondatore di un regno tra Cartgagine

e i Diadochi Messina Pelorias 2000

CQ ndash Classical Quarterly

Cuacutercio ndash Quinto Cuacutercio Histoacuteria de Alexandre Magno

Daly ndash DALY Gregory Cannae the experience of battle in

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Diod ndash Diodoro Biblioteca Histoacuterica

Caacutessio Dio ndash Caacutessio Dio Histoacuteria Romana

Dioniacutesio ndash Dioniacutesio Antiguidades Romanas

Estrabatildeo ndash Estrabatildeo Geografia

Eutroacutepio ndash Eutroacutepio Breviaacuterio de Histoacuteria Romana

xii

Frontino Frontino Estratagemas

Goldsworthy Punic Wars ndash GOLDSWORTHY PUNIC WARS Adrian

The Punic Wars London Cassell 2000

GRBS - Greek Roman and Byzantine Studies

Griffith GRIFFITH Guy T The Mercenaries of the

Hellenistic World Chicago Ares 1935

Hdt ndash Heroacutedoto Histoacuterias

Isoc Pan Isoacutecrates Panegiacuterico

Isoc Isoacutecrates Da Paz

JHS ndash Journal of Hellenic Studies

JNG - Jahrbuch fuumlr Numismatik und Geldgeschichte

Justino ndash Justino Epiacutetome da Histoacuteria Filiacutepica de Pompeius

Trogus

Lazenby First Punic War ndash LAZENBY FIRST PUNIC WAR John

Francis The First Punic War a military history London

UCL Press 1996

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LSJ ndash Liddell-Scott-Jones Greek-English Lexicon

Meister CAH 7 ndash MEISTER K Agathocles WALBANK FW

ASTIN AE The Cambridge Ancient History Vol 7 (1)

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Miles ndash MILES Richard Carthage Must be Destroyed The

Rise and Fall of an Ancient Mediterranean Civilization

London Allen Lane 2010

Oroacutesio ndash Oroacutesio Histoacuteria contra os pagatildeos

Parke PARKE Howard W Greek Mercenaries Soldiers

Chicago Ares 1933

Plut Ages ndash Plutarco Vida de Agesilau

Plut Alex ndash Plutarco Vida de Alexandre

Plut Dem ndash Plutarco Vida de Demeacutetrio

Plut Eumenes ndash Plutarco Vida de Eumenes

Plut Pelop ndash Plutarco Vida de Peloacutepidas

Plut Tim ndash Plutarco Vida de Timoleatildeo

xiii

Polib ndash Poliacutebio Histoacuterias

Polieno ndash Polieno Estratagemas

Pliacutenio ndash Pliacutenio Histoacuteria Natural

Sil Pun ndash Siacutelio Itaacutelico Puacutenica

Tito Liacutevio ndash Tito Liacutevio A Histoacuteria de Roma (AB VRBE

CONDITA LIBRI)

TLG ndash Thesaurus Linguae Graecae

Tucid ndash Tuciacutedides Histoacuteria da Guerra do Peloponeso

Xen Hel ndash Xenofonte Helecircnica

Zambon Hellenistic Sicily - ZAMBON Efrem Tradition and

Innovation Sicily between Hellenism and Rome Stuttgart

Fraz Steiner Verlag 2008

Zonaras - Zonaras Epitome historiarum

xiv

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Estatueta de Alexandre o Grande Origem

Herculaneum (regiatildeo da Campacircnia) 330-320 aC In Andrew

Stewart Faces of Power Alexander‟s Image and Hellenistic

Politics Berkeley and Los Angeles University of

California Press 1993

Figura 2 (a) Tetradracma de prata de Ptolomeu I Soter do

Egito (315-305 aC) Previamente no mercado suiacuteccedilo (b)

Estater de ouro de Agaacutetocles de Siracusa (310-305 aC)

Vienna In Stewart op cit

Figura 3 Vista panoracircmica de Cartago reconstruccedilatildeo feita

pelo Museacutee Nacional Cartago In Richard Miles Carthage

Must be Destroyed the Rise and Fall of an Ancient

Civilization London Allen Lane 2010 P175

Figura 4 Batalha de Tuacutenis (255 aC) In Yann Le Bohec

Histoire militaire des guerres puniques Monaco Editions

du Rocher 1996 P90

xv

MAPAS

Siciacutelia agrave eacutepoca da Primeira Guerra Puacutenica In Nigel Bagnall The

Punic Wars Rome Carthage and the Struggle for the Mediterranean

London Hutchinson 1990 P 50

xvi

Mediterracircneo ocidental no iniacutecio da Segunda Guerra Puacutenica Note a

expansatildeo africana e hispacircnica dos cartagineses apoacutes a Primeira Guerra

Puacutenica e a hegemonia romana na Siciacutelia dois dos grandes resultados da

Primeira Guerra Puacutenica In Gregory Daly Cannae the experience of

battle in the Second Punic War London and New York Routledge 2002

P7

17

INTRODUCcedilAtildeO

Apoacutes a morte de Alexandre o Grande os seus generais

rapidamente trataram de dividir os territoacuterios imperiais na

Europa na Aacutesia e no Egito de maneira a produzir uma

configuraccedilatildeo poliacutetica completamente ineacutedita ao mundo

antigo Dois princiacutepios baacutesicos regeram a ascensatildeo dos

novos monarcas e a construccedilatildeo de suas dinastias a

apropriaccedilatildeo da imagem puacuteblica de Alexandre (imitatio

Alexandri) e o ldquodireito da lanccedilardquo ou doriktetos chora

Portanto para se tornar um reclamante digno dos

territoacuterios imperiais era preciso em primeiro lugar se

igualar a Alexandre em feitos copiando as suas realizaccedilotildees

militares (postura ofensiva taacuteticas movimentos e

velocidade) e ateacute a sua ligaccedilatildeo com as divindades o que

poderia ser sugerido em variadas oportunidades a exemplo

da cunhagem poacutestuma de moedas com a iconografia do monarca

Em segundo lugar como consequumlecircncia oacutebvia da imitatio

tornava-se necessaacuterio conquistar territoacuterios pela forccedila das

armas o que natildeo restringia o rei a apenas uma regiatildeo ou

povo mas o instigava a governar o que fosse capaz de

subjugar em campanhas militares Como observou Gruen o

fato de os reis heleniacutesticos natildeo portarem ldquotiacutetulos

eacutetnicosrdquo a exemplo de ldquorei dos macedocircniosrdquo indicava que

eles haviam se tornado reis do que pudessem conquistar1

Chaniotis WHW em seu recente livro sobre a guerra no

mundo heleniacutestico completa a interpretaccedilatildeo de Gruen ao

afirmar que ldquoesta vagueza era um convite agrave conquistardquo2

Torna-se evidente portanto que a guerra era parte

fundamental da ideologia do rei heleniacutestico caracterizando

1 Erich Gruen ldquoThe Coronation of the Diadochoirdquo In J W Eadie and

Josiah Ober The Craft of the ancient historian essays in honor of

Chester G Starr Lanham MD University Press of America 1985 pp

253-271 2 Chaniotis WHW p57

18

natildeo somente suas funccedilotildees como general mas tambeacutem boa parte

de suas accedilotildees como poliacutetico

O cenaacuterio heleniacutestico em seus primoacuterdios natildeo era

contudo formado somente pelos comandantes secircniores do

exeacutercito de Alexandre ao lado dos Diaacutedocos contava-se uma

lista de ex-oficiais de poder menor e de ldquoaventureirosrdquo sem

qualquer ligaccedilatildeo direta com o rei macedocircnio mas que de

algum modo procuravam se inserir no cenaacuterio poliacutetico

heleniacutestico Este era o caso de Agaacutetocles de Siracusa

responsaacutevel por uma tentativa de introduccedilatildeo planejada da

monarquia de tipo heleniacutestico na Siciacutelia grega Como

veremos ao longo desta tese Agaacutetocles natildeo deve ser

considerado um tirano como seus antecessores siciliotas

ainda que mantivesse algumas das caracteriacutesticas poliacuteticas

tradicionais uma vez que as inovaccedilotildees por ele inicialmente

conduzidas durante a expediccedilatildeo africana podem ser cotadas

como verdadeiramente ldquoheleniacutesticasrdquo3

Diante de uma tentativa de encerramento da guerra pelos

cartagineses com o bloqueio dos portos de Siracusa e do

cerco agrave cidade Agaacutetocles liderou uma expediccedilatildeo inesperada

ao territoacuterio africano o que foi baseado de acordo com

Diodoro no perfeito conhecimento da situaccedilatildeo cartaginesa

na Aacutefrica4 De modo geral o siracusano pretendia inverter

a grande estrateacutegia da guerra e assolar o territoacuterio

inimigo decisatildeo estrategicamente ousada mas baseada na

dificuldade que Cartago teria para mobilizar ndash ou

simplesmente liderar ndash um exeacutercito capaz de derrotar homens

ldquotreinados na escola do perigordquo (πὸ τν ἐνηθληκότων τοῖς

δεινοῖς)5 Durante a batalha de Tuacutenis em 310 aC Agaacutetocles

parece ter organizado uma guarda pessoal em imitaccedilatildeo aos

hipaspistas de Alexandre da mesma forma que utilizado

taacuteticas muito similares agravequelas adotadas pelo rei macedocircnio

3 A melhor abordagem para o assunto eacute Zambon Hellenistic Sicily 4 Diod 201-18 5 Diod 203

19

em Gaugamela em 331 aC Alguns anos depois encontramos

evidecircncia de Agaacutetocles representado como Alexandre na

iconografia de um estater de ouro cunhado entre 310-305

aC em imitaccedilatildeo aos tetradracmas de Ptolomeu I (314-313

aC) o qual fazia referecircncia agrave vitoacuteria obtida pelo

siracusano em Tuacutenis Em 307 aC proacuteximo agrave cunhagem do

referido estater registra-se a contenccedilatildeo de uma revolta do

exeacutercito mercenaacuterio devido agrave falta de pagamento ocasiatildeo em

que Agaacutetocles surgiu com toga puacuterpura (siacutembolo do poder

reacutegio) sendo as suas vestimentas consideradas pelas tropas

como ldquoadequadas ou pertencentes ao seu poderrdquo (τὸν προσήκοντα

κόσμον)6 Tais evidecircncias ilustram como sistematicamente

apresentado no capiacutetulo 3 a construccedilatildeo de uma monarquia

que teraacute logo apoacutes a autoproclamaccedilatildeo dos Diaacutedocos

caracteriacutesticas tipicamente heleniacutesticas natildeo se adequando

mais agraves exigecircncias ou agrave estrutura organizacional de uma

poacutelis Sob Agaacutetocles de Siracusa e depois sob Pirro do

Epiro as vitoacuterias de Alexandre no Oriente (assim como a

longa rivalidade entre gregos e persas a qual foi tomada

pelos macedocircnios como justificativa para a invasatildeo do

Impeacuterio Persa) ganharatildeo vida nova no conflito entre

Siracusa e Cartago7 A histoacuteria siciliana constituiacutea algo

peculiar natildeo sendo um apecircndice da histoacuteria grega

continental como observou Finley8 mas o sentimento grego

de hostilidade ao elemento ldquobaacuterbarordquo seja ele persa ou

cartaginecircs foi constantemente revisto primariamente sob a

lideranccedila poliacutetica de Siracusa A imitatio Alexandri a

partir da oposiccedilatildeo ao elemento ldquobaacuterbarordquo na Siciacutelia

heleniacutestica era portanto algo historicamente viaacutevel

desde que houvesse um homem capaz de forjar uma ligaccedilatildeo com

Alexandre bem como liderar os gregos da Siciacutelia contra seu

6 Diod 2034 7 Argumento desenvolvido por Richard Miles Carthage Must be Destroyed

The Rise and Fall of an Ancient Mediterranean Civilization London

Allen Lane 2010 P145 8 Moses Finley A History of Sicily London Chatto amp Windus 1979

20

inimigo estrangeiro tradicional Cartago Como sustento

nesta tese Agaacutetocles mostrou-se intencionalmente esse

homem ainda que seus planos de formaccedilatildeo dinaacutestica tenham

falhado e que a audiecircncia para a legitimaccedilatildeo de seu poder

natildeo fosse composta com exceccedilatildeo de Ophellas por

macedocircnios

O impacto do projeto monaacuterquico heleniacutestico de

Agaacutetocles no entanto natildeo se restringiu agrave Siciacutelia grega

Cartago encontrava-se envolvida diretamente com os

desdobramentos militares das inovaccedilotildees poliacuteticas lideradas

pelo siracusano de modo que seu exeacutercito sofreu

modificaccedilotildees consideraacuteveis frente agrave presenccedila grega em seu

territoacuterio Pouco tem sido dito sobre o exeacutercito cartaginecircs

antes da ascensatildeo dos Baacutercidas o que se justifica pela

natureza fragmentada das fontes para a histoacuteria

heleniacutestica mas uma anaacutelise cuidadosa desses fragmentos

deveraacute ilustrar alteraccedilotildees sensiacuteveis na disposiccedilatildeo do

exeacutercito em campo de batalha processo iniciado durante a

expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles O tirano provocou

portanto a necessidade de inovaccedilotildees militares entre os

cartagineses o que corresponderia ao iniacutecio de um processo

formado por duas fases tendo o seu fim na transformaccedilatildeo

das tropas cartaginesas numa verdadeira forccedila heleniacutestica

cerca de 50 anos apoacutes a invasatildeo africana pelos gregos Ao

confiar a defesa dos territoacuterios sicilianos aos exeacutercitos

mercenaacuterios Cartago promoveu a falta de treinamento de

suas tropas ciacutevicas as quais eram empregadas somente em

casos extremos isto eacute de perigo para a proacutepria cidade

bem como manteve o baixo niacutevel de conhecimento logiacutestico no

norte da Aacutefrica talvez por que os cartagineses nunca

haviam sofrido ameaccedila similar a de 310 aC o que resultou

no envio completo dos soldados sem quaisquer forccedilas de

reserva (cruciais para a defesa da cidade no caso de uma

derrota decisiva em campo de batalha ou mesmo para a

21

reparticcedilatildeo das tropas no caso de um ataque simultacircneo) Do

mesmo modo o controle oligaacuterquico quanto aos generais

cartagineses dispostos no comando das tropas mercenaacuterias na

Siciacutelia impediu a formaccedilatildeo de uma ldquoescola taacutetica

atualizadardquo situaccedilatildeo que somente seraacute revertida em 255

aC com a contrataccedilatildeo de um general mercenaacuterio de formaccedilatildeo

espartana (Xantipo) e com o prosseguimento de sua reforma

por Amiacutelcar Barca

Entre a reforma provocada pela expediccedilatildeo de Agaacutetocles e

a reforma liderada por Xantipo haacute portanto um intervalo

de aproximadamente cinco deacutecadas o que pode ser

justificado pela carecircncia de evidecircncias mais detalhadas

sobre a histoacuteria poliacutetica e militar de Cartago Todavia

nada indica que entre 307 e 255 aC uma transformaccedilatildeo no

sistema de treinamento do exeacutercito tenha ocorrido a julgar

pela postura assumida por Xantipo em 255 aC

Ao liderar o exeacutercito para fora da cidade em boa ordem

e comeccedilar a manobrar algumas partes dele em falange e

dar as palavras de comando de acordo com os costumes

(ὡς δ ἐξαγαγὼν πρὸ τς πόλεως τὴν δύναμιν ἐν κόσμῳ παρενέβαλε καί τι καὶ κινεῖν τν μερν ἐν τάξει καὶ παραγγέλλειν κατὰ νόμους ἤρξατο)9

Feitas as consideraccedilotildees acima podemos nos perguntar o

que as duas fases de inovaccedilatildeo do exeacutercito cartaginecircs tecircm em

comum Preliminarmente cabe dizer que ambas ocorreram em

momentos de extremo perigo para os cartagineses quando o

inimigo (grego e sem seguida romano) encontrava-se jaacute em

territoacuterio africano saqueando cidades e com numeroso

exeacutercito a um passo de tomar a proacutepria cidade de Cartago

As referidas inovaccedilotildees do exeacutercito cartaginecircs (as quais

9 Polib 132 παραγγέλλειν κατὰ νόμους pode ser traduzido tambeacutem como ldquonos termos militares ortodoxosrdquo ἐν τάξει pode ser traduzido por ldquoda forma corretardquo como faz W R Paton tradutor da Loeb mas nesse caso a

expressatildeo parece mesmo indicar algo proacuteximo do modelo grego a julgar

pelo equipamento das infantarias cartaginesa e liacutebica (ver capiacutetulo 4

e figuras em anexo) podendo tambeacutem indicar algo como ldquoem marcha

ordenadardquo (no caso do uso da espada como primeira arma)

22

seratildeo sistematizadas ao longo do capiacutetulo 4 a partir das

evidecircncias disponiacuteveis) no primeiro seacuteculo de histoacuteria

heleniacutestica aparentam ter sido portanto respostas de

natureza distinta (uma logiacutestica e outra taacutetica) ao mesmo

problema tendo a primeira delas se mostrado uma

consequumlecircncia do projeto monaacuterquico de Agaacutetocles

Aleacutem de elucidar aspectos da histoacuteria siciliota e

cartaginesa o enfoque proposto contribui pontualmente para

a retirada da histoacuteria de Cartago da sombra da expansatildeo

romana de fato a derrota dos cartagineses para uma

confederaccedilatildeo latina em guerras traumaacuteticas para ambos os

lados somada ao eco da ldquogrande e justa vitoacuteria romanardquo em

sua tradiccedilatildeo literaacuteria10 resultou natildeo somente na

incorporaccedilatildeo posterior (irrefletida) da concepccedilatildeo de fides

Punica mas tambeacutem na reduccedilatildeo da histoacuteria cartaginesa a

apenas um capiacutetulo do chamado ldquoimperialismo defensivordquo

romano Ao aceitar uma unilateralidade da narraccedilatildeo de tais

eventos o que parece cocircmodo devido agrave natureza (favoraacutevel

aos romanos) dos relatos antigos sobre as Guerras Puacutenicas

o historiador finda por repetir um discurso que exclui uma

parte importante da histoacuteria do Mediterracircneo heleniacutestico

ou na melhor das hipoacuteteses submete tais histoacuterias agrave

cronologia da transformaccedilatildeo da Repuacuteblica Romana em Impeacuterio

Os romanos contudo natildeo foram os primeiros a rotular

os cartagineses com adjetivos desfavoraacuteveis (tais como

desleais crueacuteis mentirosos gananciosos e arrogantes)11

os gregos da Siciacutelia seacuteculos antes dos romanos haviam

engajado numa guerra sem fim com Cartago pela hegemonia da

ilha sendo a famosa caracterizaccedilatildeo do ldquooutrordquo como

ldquobaacuterbarordquo tambeacutem um traccedilo da cultura grega na Siciacutelia natildeo

10 Um caso ldquoclaacutessicordquo eacute o poema eacutepico de Siacutelio Itaacutelico (Pun 2395-

456) ldquoum rico senador romano com pretensotildees literaacuteriasrdquo (Miles op

cit p6) que no final do seacutec I dC via a fides Punica como causa

primordial das guerras anteriores com os cartagineses reduzindo

portanto o papel da ambiccedilatildeo romana como motor dos conflitos 11 Benjamin Isaac The Invention of Racism in Classical Antiquity

Princeton University Press 2004 pp 325-335 Miles op cit p7

23

se restringindo unicamente agrave experiecircncia grega nas guerras

contra os persas ao longo do seacutecV aC Os romanos no

entanto puderam varrer a presenccedila cartaginesa (e

posteriormente a grega) da Siciacutelia e fazer triunfar a sua

versatildeo da histoacuteria a qual deveria incluir

obrigatoriamente uma representaccedilatildeo factiacutevel de Cartago jaacute

que a autoridade e a credibilidade da historiografia romana

se iniciaram na eacutepoca das Guerras Puacutenicas

As duas hipoacuteteses desta pesquisa insinuam-se no

interior das questotildees apresentadas anteriormente Em

primeiro lugar sustento que a basileia de Agaacutetocles

dirigia-se agraves suas tropas e natildeo agrave cidade de Siracusa para

a qual o reconhecimento de seu poder natildeo parece ter sido

mais do que uma formalidade Durante a expediccedilatildeo africana

veremos natildeo somente a progressiva identificaccedilatildeo de seu

poder com uma monarquia de tiacutetulo intencionalmente vago

que seraacute em seguida comparada com a dos Diaacutedocos devido agrave

suposta paridade de suas forccedilas (ldquoem poder militar

territoacuterios e feitosrdquo) Aleacutem disso haacute que se notar tambeacutem

a constituiccedilatildeo de uma nova audiecircncia para o poder de

Agaacutetocles o qual estava cada vez menos baseado no

reconhecimento do demos de Siracusa e cada vez mais voltado

aos seus experientes mercenaacuterios12 A mudanccedila da audiecircncia

para o exeacutercito mercenaacuterio parece inclusive indicar a

tentativa de criaccedilatildeo de uma versatildeo dos hipaspistas de

Alexandre como parte da imitatio Alexandri em campo de

batalha

Em segundo lugar argumento a favor da existecircncia de

dois periacuteodos de inovaccedilatildeo militar de natureza distinta no

exeacutercito cartaginecircs sendo ambos provocados por situaccedilotildees

de perigo extremo para a cidade de Cartago O primeiro

deles se deu como dito antes contra os gregos entre 310-

12 Sou imensamente grato ao Professor Gruen pela sugestatildeo desta

hipoacutetese apoacutes ouvir e ponderar as minhas consideraccedilotildees por horas a

fio sempre com seriedade e gentileza

24

307 aC e parece ter tido caraacuteter logiacutestico assumindo

como ponto de partida o fiasco da batalha de Tuacutenis (310

aC) O segundo deles ocorreu num momento decisivo da

Primeira Guerra Puacutenica (255 aC) e apresentou mudanccedilas no

niacutevel de treinamento do exeacutercito ciacutevico e na atualizaccedilatildeo da

ldquoescola taacuteticardquo cartaginesa Em ambos os casos os

prejuiacutezos ao desenvolvimento militar cartaginecircs impostos

pelo vasto uso dos mercenaacuterios na Siciacutelia (o que inibia a

construccedilatildeo de uma cultura militar ciacutevica) e pelo controle

oligaacuterquico em Cartago (responsaacutevel pela ruptura das linhas

de desenvolvimento do generalato) parecem ter sido

ultrapassados o que poderaacute ser confirmado apoacutes anaacutelise

sistemaacutetica dos dispositivos taacuteticos cartagineses em 255

aC

Para isso a tese divide-se em quatro capiacutetulos O

primeiro capiacutetulo intitulado ldquoNovas taacuteticas outra guerra

as ldquoinovaccedilotildees tebanasrdquo e o exeacutercito reformado de Filipe e

Alexandrerdquo traz uma introduccedilatildeo aos antecedentes da arte da

guerra heleniacutestica apresentando uma anaacutelise das condiccedilotildees

de funcionamento do exeacutercito macedocircnico bem como dos

elementos adaptados das taacuteticas tebanas (particularmente a

coluna alongada) A arte da guerra heleniacutestica em seus

primoacuterdios e suas implicaccedilotildees poliacutetico-sociais

(nomeadamente a universalizaccedilatildeo do estatuto mercenaacuterio das

tropas e a construccedilatildeo de um novo tipo de monarquia)

dependem do entendimento correto sobre as unidades taacuteticas

do exeacutercito macedocircnico no caso dos generais que haviam

combatido com Filipe e de uma generalizaccedilatildeo do modelo

macedocircnico a partir do que se difundiu com a expediccedilatildeo

asiaacutetica de Alexandre O segundo capiacutetulo (ldquoOs

desenvolvimentos da guerra heleniacutestica no tempo dos

Diaacutedocosrdquo) um desdobramento loacutegico e direto do primeiro

apresenta um estudo minucioso da situaccedilatildeo geral do

mercenariato nos primoacuterdios do periacuteodo heleniacutestico e da

25

arte da guerra tal qual experimentada pelos Diaacutedocos no

embate pela divisatildeo do Impeacuterio de Alexandre Aleacutem da

anaacutelise da manutenccedilatildeo das taacuteticas macedocircnicas de cavalaria

e das novas armas empregadas (inclusive como siacutembolo de

poder militar no caso dos elefantes) pelos Diaacutedocos o

capiacutetulo se ocupa com os eventos relacionados agraves Guerras

dos Sucessores dando atenccedilatildeo especial agrave alteraccedilatildeo do

princiacutepio de aniquilamento pelo envolvimento completo do

inimigo o que resultou no recrutamento massivo de tropas

de infantaria derrotadas (e por vezes intactas) apoacutes o

choque da cavalaria

Os dois uacuteltimos capiacutetulos deslocam o foco da tese para

o ocidente heleniacutestico e seus esforccedilos orientados sob

Agaacutetocles para uma imitatio Alexandri em campo poliacutetico e

militar e sob os cartagineses para duas fases de

inovaccedilotildees militares que se enquadram no formato da arte da

guerra heleniacutestica em seus primoacuterdios Em ambos os casos

contudo notamos um processo de integraccedilatildeo do ocidente

heleniacutestico ao mundo dos Diaacutedocos tenha ele ocorrido com

as inovaccedilotildees poliacuteticas do monarca siracusano ou com as duas

respostas dos cartagineses aos casos de maior perigo para a

cidade de Cartago nos primeiros 90 anos de histoacuteria

heleniacutestica momentos antes portanto do iniacutecio da guerra

com Aniacutebal Barca

No capiacutetulo 3 intitulado ldquoPoder monaacuterquico e arte da

guerra na Magna Greacutecia e Siciacutelia heleniacutesticardquo apresento

uma sistematizaccedilatildeo possiacutevel das evidecircncias favoraacuteveis agrave

caracterizaccedilatildeo do poder monaacuterquico de Agaacutetocles como

ldquoheleniacutesticordquo da mesma forma que desenvolvo argumentos

acerca de uma identificaccedilatildeo provaacutevel das tropas e taacuteticas

de Agaacutetocles durante a sua expediccedilatildeo africana com algumas

unidades e planos de batalha relacionados agrave expediccedilatildeo

asiaacutetica de Alexandre o Grande Devido agrave sensiacutevel queda do

nuacutemero de textos antigos que nos chegaram para o periacuteodo

26

bem como agrave natureza plural dos relatos (incompletos) sobre

Agaacutetocles evidecircncias de outra natureza (epigraacutefica e

numismaacutetica) satildeo tambeacutem consideradas numa perspectiva

instrumental de paridade metodoloacutegica procurando

estabelecer na medida do possiacutevel narrativas baseadas no

estudo comparado de tais fontes

O capiacutetulo 4 (ldquoAs duas fases da reforma militar em

Cartagordquo) traz uma anaacutelise das inovaccedilotildees militares

cartaginesas ocorridas entre 307 e 255 aC das alteraccedilotildees

de caraacuteter logiacutestico encaminhadas durante a expediccedilatildeo

africana de Agaacutetocles agraves modificaccedilotildees quanto ao treinamento

e agraves taacuteticas lideradas por Xantipo (255 aC) Um estudo

das relaccedilotildees entre a oligarquia em Cartago e seus generais

na Siciacutelia deveraacute elucidar em detalhes a repressatildeo

oligaacuterquica em direccedilatildeo ao desenvolvimento de uma ldquoescola

taacutetica atualizadardquo da mesma forma que uma mudanccedila

temporaacuteria nesse comportamento diante de duas ameaccedilas

potencialmente fatais agrave cidade

Os textos antigos usados nesta tese seguem quando

possiacutevel a ediccedilatildeo da Loeb Quando a ediccedilatildeo natildeo existe a

exemplo dos Estratagemas de Polieno emprega-se a ediccedilatildeo de

referecircncia (normalmente uma traduccedilatildeo para a liacutengua

inglesa) A leitura de tais textos deu-se inicialmente em

inglecircs sendo todos os trechos citados (ou de relevacircncia

pontual para a tese) lidos tambeacutem em grego ou latim usando

como recursos o TLG e o LSJ

27

CAPIacuteTULO 1 ndash NOVAS TAacuteTICAS OUTRA GUERRA AS

ldquoINOVACcedilOtildeES TEBANASrdquo E O EXEacuteRCITO REFORMADO DE

FILIPE II E ALEXANDRE

As influecircncias tebanas no pensamento militar macedocircnico

satildeo um dado haacute muito aceito na historiografia levando em

consideraccedilatildeo a aproximaccedilatildeo de Filipe com Epaminondas13

Todavia cabe perguntar quais seriam detalhadamente os

elementos desta relaccedilatildeo entre as taacuteticas tebanas e a

composiccedilatildeo do exeacutercito integrado macedocircnico Pode-se

postular ainda a existecircncia de inovaccedilotildees tipicamente

tebanas na guerra grega e em particular na reforma do

exeacutercito de Filipe e Alexandre

Conforme mostrarei neste capiacutetulo alguns princiacutepios

empregados na maior batalha travada entre Tebas e Esparta

em Leuctra (371 aC) quando a falange lacedemocircnia foi

derrotada num choque de hoplitas apresentaram-se

explicitamente no exeacutercito reformado macedocircnico mas

precisam ser cuidadosamente reavaliados Assim a batalha

de Leuctra eacute importante (1) por seu impacto histoacuterico - a

falecircncia da hegemonia espartana em campo de batalha e (2)

porque o uso da coluna alongada e da formaccedilatildeo obliacutequa (com

uma das alas hesitante) foi consolidado com a

profissionalizaccedilatildeo do exeacutercito macedocircnico ocorrida a

partir do serviccedilo contiacutenuo e do estabelecimento de

treinamento superior (ambos caracteriacutesticos do soldado

profissional)

Aleacutem disso a partir da adoccedilatildeo das manobras de

cavalaria como etapa ofensiva principal das taacuteticas de

campo adotadas por Filipe II e Alexandre podemos notar na

guerra grega uma contribuiccedilatildeo estritamente macedocircnica natildeo

sendo possiacutevel atribuir a Epaminondas ou a outros tebanos

13 Plut Pelop 267

28

esta modificaccedilatildeo decisiva14 Por uacuteltimo como desdobramento

deste toacutepico a destruiccedilatildeo das defesas inimigas nas alas e

o consequumlente aniquilamento do inimigo por manobra de

envolvimento algo elaborado pelos macedocircnios no mundo

grego e comum aos persas ao menos desde a invasatildeo de

Alexandre teria sido tambeacutem a maior caracteriacutestica das

batalhas na Guerra dos Diaacutedocos15 natildeo fosse a incorporaccedilatildeo

das tropas vencidas ao contingente vitorioso praacutetica mais

condizente com a lideranccedila militar heleniacutestica Embora

novos fatores tenham emergido nas Guerras dos Diaacutedocos como

legado do impeacuterio de Alexandre (a exemplo do emprego dos

elefantes de guerra16) as manobras de cavalaria

permaneceram um dos traccedilos fundamentais aos primeiros

cinquumlenta anos da tradiccedilatildeo militar heleniacutestica primando

no entanto pela submissatildeo das tropas vencidas ao centro da

formaccedilatildeo

14 Ainda que os tessaacutelios fossem excelentes cavaleiros sua eficiecircncia

foi comprovada e difundida apenas sob o comando macedocircnico 15 Daiacute a relevacircncia deste mapeamento histoacuterico como etapa analiacutetica

anterior ao estudo da guerra heleniacutestica 16 Ambos seratildeo tratados no capiacutetulo dois desde sua ldquomatrizrdquo

macedocircnica

29

1 Epaminondas e o princiacutepio da batalha de Leuctra

Desde o estabelecimento do ldquodilema tebanordquo isto eacute a

problemaacutetica em torno de suas intervenccedilotildees militares na

Beoacutecia e de sua inserccedilatildeo na Liga Ateniense como ldquotebanosrdquo

(e natildeo como ldquobeoacuteciosrdquo o que limitava seu raio de accedilatildeo na

regiatildeo) a situaccedilatildeo natildeo se manteve tranquumlila entre ambas as

poacuteleis (Atenas e Tebas) Apesar de um acordo de paz firmado

em 375 aC (que exigia respostas oficiais para qualquer

incidente de cunho militar e estabelecia diretrizes para a

relaccedilatildeo das cidades mencionadas os tebanos insistiam na

restauraccedilatildeo de Oropos cujo controle havia sido perdido17

Aleacutem disso a destruiccedilatildeo de Plateacuteia e Thespiai duas

cidades beoacutecias que haacute pouco haviam se aliado a Atenas

entrou no rol dos desentendimentos entre as cidades gregas

O grande problema estava justamente na recusa em reconhecer

a ldquoConfederaccedilatildeo beoacuteciardquo (na qual Tebas exercia funccedilatildeo de

comando) ainda que esta continuasse a funcionar

paralelamente

Como observa Buckler18 tal situaccedilatildeo indicou acima de

tudo uma ldquomudanccedila no balanccedilo do poder na Greacuteciardquo

Definitivamente os tebanos mostraram-se capazes de

defender seus proacuteprios interesses num contexto de restriccedilatildeo

econocircmica da lideranccedila poliacutetica ateniense e a construccedilatildeo

das embarcaccedilotildees de guerra bem como sua manutenccedilatildeo

inviabilizaram qualquer reaccedilatildeo ateniense frente ao

crescente poder tebano

Aleacutem disso os espartanos enfrentaram problemas ainda

mais seacuterios que os atenienses se pensarmos em termos mais

17 Xen Hel 63 18 John Buckler The Theban Hegemony 371-362 BC Cambridge

MALondon Harvard University Press 1980 P46

Importante lembrar que o uacuteltimo tratamento dado ao periacuteodo antes do

claacutessico escrito por Buckler foi dado por Ernst von Stern em sua

obra Geschichte der spartanischen und thebanishen Hegemonie (Tartu

University of Tartu 1884)

30

relacionados ao que estaacute sendo proposto nesta tese O

melhor exemplo da dificuldade espartana em manter seu poder

foi aleacutem da reduccedilatildeo de sua influecircncia na Jocircnia o fracasso

na tentativa de subjugar Tebas De fato os tebanos estavam

decididos a manter seu domiacutenio na Beoacutecia mesmo que para

isso fosse necessaacuteria a disposiccedilatildeo de seu exeacutercito em campo

de batalha seguindo o tradicional modelo grego do choque

de hoplitas bem como a tentativa de resolver o conflito

num choque decisivo

Para complementar a tensatildeo poliacutetica acima detalhada

Epaminondas dirigiu-se a Agesilau sobre sua delegaccedilatildeo em

termos aacutesperos ao niacutevel de aceitaccedilatildeo espartana

argumentando que Tebas possuiacutea tanto direito de intervenccedilatildeo

na Beoacutecia quanto Esparta na Lacocircnia Tratava-se da

imposiccedilatildeo da Confederaccedilatildeo beoacutecia e de sua caracterizaccedilatildeo

como a uacutenica unidade poliacutetica possiacutevel na regiatildeo

diferentemente da symmachia da Segunda Confederaccedilatildeo

Ateniense O isolamento de Tebas estava entatildeo

anunciado19 de modo que a batalha decisiva tornou-se o

caminho mais provaacutevel para a resoluccedilatildeo do desentendimento

entre as poacuteleis

Quanto agrave documentaccedilatildeo referente agrave batalha existe uma

tendecircncia por parte dos especialistas em recusar (ou ao

menos reduzir a relevacircncia) do relato de Xenofonte20 o

uacutenico contemporacircneo da batalha devido agrave falta de detalhes

e ao seu posicionamento excessivamente proacute-espartano Os

demais relatos embora posteriores fornecem informaccedilotildees

mais detalhadas e estatildeo apoiados noutras evidecircncias

contemporacircneas Como observa Hanson21 apesar das

diferenccedilas em muitos aspectos dos relatos sobre Leuctra

19 Xen Hel 63 Plut Ages 27 284 Diod 1550 20 Xen Hel 64 21 Victor D Hanson ldquoEpameinondas the Battle of Leuktra (371 BC)

and the bdquoRevolution‟ in Greek Battle Tacticsrdquo CA 7 190-207 1988

P191

31

Plutarco22 e Diodoro

23 ldquopartilham dois princiacutepios

fundamentais que permanecem inquestionaacuteveisrdquo Primeiro a

inserccedilatildeo de algo totalmente novo em Leuctra por Epaminondas

e segundo o caraacuteter insatisfatoacuterio do relato de

Xenofonte especificamente em relaccedilatildeo a sua incompletude e

ao silecircncio (provavelmente intencional) no que respeita agraves

manobras tebanas

Uma vez decididos pela guerra Epaminondas eleito

comandante entre os boiotarchoi24 aguardou com seu

exeacutercito em Queroneacuteia onde poderia facilmente bloquear o

avanccedilo de Cleombroto desde Phokis25 Embora os outros

boiotarchoi com exceccedilatildeo de Peloacutepidas que apoiava

Epaminondas desde o iniacutecio de seu plano de batalha

estivessem receosos da decisatildeo em campo aberto optando

pela corrente estrateacutegia tebana (recuar ateacute uma

fortificaccedilatildeo e laacute oferecer resistecircncia) o temor em perder

o apoio das outras cidades beoacutecias os encorajaram a fazer

frente ao exeacutercito de Cleombroto26

Com aproximadamente 10000 soldados de infantaria e

1000 cavaleiros os espartanos dispuseram de acordo com

Xenofonte a cavalaria agrave frente dos hoplitas27 para que a

falange pudesse realizar seus movimentos secretamente fora

do campo de visatildeo do inimigo Cleombroto estava agrave direita

justamente com os demais espartanos sendo que o

contingente aliado a Esparta estava disposto agrave esquerda

Em resposta ao ataque inicial dos espartanos

Epaminondas enviou sua cavalaria provavelmente superior

agravequela do inimigo28 no intuito de fazer frente ao ataque

que abriu a batalha A formaccedilatildeo adotada pelos tebanos

22 Plut Pelop 2023 23 Plut Pelop 1552-56 24 Uma das principais magistraturas da Liga Beoacutecia segundo o LSJ 25 Plut Pelop 1552 26 Xen Hel 64 Diod 1553 Plut Pelop 203 27

Xen Hel 64 [] προετάξαντο μὲν τς ἑαυτν φάλαγγος οἱ Λακεδαιμόνιοι τοὺς ἱππέας [] 28 Xen Hel 64

32

estreita mas profunda era tambeacutem invertida Contrariando o

que comumente executavam os gregos o ataque principal

seria desferido pela ala esquerda liderada pelo ldquobatalhatildeo

sagradordquo operando na ocasiatildeo como unidade individual sob o

comando de Peloacutepidas O restante das tropas estava disposto

na ala direita fazendo frente ao contingente aliado

espartano

De acordo com Plutarco29 Cleombroto se viu forccedilado

quando observou que o ataque principal tebano seria

executado pela ala esquerda e natildeo pela direita a solicitar

que sua linha de frente agrave direita fosse estendida e

abaulada (τὸ δεξιὸν ἀνέπτυσσον καὶ περιγον) jaacute que assim poderia

envolver a coluna alongada dos tebanos e atacar o proacuteprio

Epaminondas O uacutenico problema eacute que existiria aiacute um espaccedilo

agrave esquerda do rei que deveria ser protegido de alguma

maneira provavelmente pela cavalaria Uma vez perdido o

combate pela cavalaria espartana Cleombroto teve que

enfrentar abertamente os tebanos sem chance de completar

sua manobra e ainda com um agravante a cavalaria em fuga

se chocou com a infantaria em avanccedilo causando grande

confusatildeo na formaccedilatildeo espartana30 Naquele momento o

Batalhatildeo Sagrado se destacou das demais unidades e desferiu

o principal ataque eliminando qualquer possibilidade de

reordenamento espartano Encerrada pelo rompimento da

formaccedilatildeo a batalha estava decidida

O episoacutedio de Leuctra assinala portanto para a maior

parte dos historiadores antes de Hanson de Buckler31 a

Ducrey32 ou Tuplin

33 uma revoluccedilatildeo no modo grego de fazer a

guerra34 Natildeo eacute sem razatildeo frente agrave tradiccedilatildeo

29 Plut Pelop 232 30 Xen Hel 6413 Plut Pelop 233 31 Buckler opcit 32 Pierre Ducrey Warfare in Ancient Greece New York Schocken 1985 33 John Tuplin ldquoThe Leuctra Campaign some outstanding problemsrdquo in

Klio 69 72-107 1987 34 Paul Cartledge (Peace of Antalkidas to Battle of Leuktra In _____

Agesilaos and the crisis of Sparta London Duckworth 1987 P380)

33

historiograacutefica que Adcock afirmou em The Greek and

Macedonian Art of War que ldquodevido agraves suas inovaccedilotildees

[Epamonindas] havia vencido sua primeira grande batalha

Leuctra antes da mesma ser iniciadardquo35 Existe no

entanto um posicionamento tradicionalmente contraacuterio agraves

entatildeo chamadas inovaccedilotildees de Epaminondas trata-se da

tradiccedilatildeo historiograacutefica que remonta ao argumento

desenvolvido por Hanson em 1988 em seu provocativo artigo

sobre Epaminondas e a batalha de Leuctra36

Em primeiro lugar Hanson refere-se a uma lista de

casos anteriormente estudados por Pritchett37 nos quais a

coluna alongada havia sido empregada De fato aprofundar a

quantidade de hoplitas numa das alas aumentava a

autoconfianccedila e adicionava poder de choque agrave coluna

hopliacutetica mas reduzia a extensatildeo da linha de frente

expunha o flanco mais facilmente (facilitando o

envolvimento por parte do inimigo) e exigia mais da ala

desfavorecida devido ao deslocamento de homens para a outra

parte da formaccedilatildeo Os tebanos jaacute haviam se utilizado da

coluna alongada com 16 escudos38 (εἰς ἑκκαίδεκα βαθεῖαν)39 mas eacute

vaacutelido lembrar que existe com Epaminondas uma

radicalizaccedilatildeo deste princiacutepio jaacute conhecido pelos gregos

levando ao extremo o nuacutemero de soldados dispostos em

coluna

Em seguida a inversatildeo da coluna alongada da ala

direita para a esquerda40 onde os soldados inimigos natildeo

menciona que as taacuteticas de Epaminondas foram ldquobrilhantemente

inovadorasrdquo 35 Franz Adcock The Greek and Macedonian Art of War Berkeley and Los

Angeles California University Press 1967 P89 36 Hanson opcit 37 William Pritchett Ancient Greek Military Practices (I) Berkeley

Los Angeles London University of California Press 1971 P135 Os

casos satildeo detalhadamente Delion (424 aC Tucid 493) Siracusa

(415 aC Tucid 667) Peiraieus (403 aC Xen Hel 24) Rio

Nemeacuteia (394 aC Xen Hel 42) 38 Xen Hel 42 Plut Pelop 172 39 Xen Hel 42 40 Xen Hel 64 Diod 1555 Plut Pelop 231

34

contavam com a proteccedilatildeo dos escudos41 foi planejada por

Epaminondas com a intenccedilatildeo de destruir a tropa de elite

espartana o mais raacutepido possiacutevel Embora tal praacutetica - a da

inversatildeo da principal tropa de choque da direita para a

esquerda - jaacute fosse conhecida pelos gregos pelo menos desde

as Guerras Meacutedicas como nos lembra Hanson42

especificamente no episoacutedio da batalha contra o persa

Mardocircnio43 natildeo existe meio de saber precisamente porque

Epaminondas adotou tal formaccedilatildeo uma vez que o histoacuterico

desta inversatildeo taacutetica natildeo ilustra mais sucessos do que

fracassos quando aplicada Talvez Epaminondas tenha

ldquomeramente orquestrado uma colisatildeo brutal e decisivardquo44

como outros comandantes gregos jaacute o tinham tentado mas natildeo

haacute como saber quais motivos especiacuteficos o levaram a adotar

tal formaccedilatildeo ao inveacutes daquela tradicional Por fim ainda

com relaccedilatildeo agrave inversatildeo das alas basta dizer que a

eliminaccedilatildeo da hipoacutetese pautada na defesa da ldquogenialidade

taacuteticardquo de Epaminondas nos leva de acordo com o argumento

de Hanson a uma evidente reduccedilatildeo na sua capacidade de accedilatildeo

imediata mas ainda assim sem descartar uma questatildeo

importante a combinaccedilatildeo radical destes dois fatores (a

coluna alongada e invertida) foi indiscutivelmente decisiva

na derrota dos espartanos em Leuctra

Outra questatildeo fundamental diz respeito ao uso integrado

(ou mesmo a ausecircncia) da cavalaria especialmente na ala

direita tebana Apenas Xenofonte45 menciona a existecircncia de

tropas montadas em Leuctra sem fazer referecircncia sequer ao

movimento de flanqueamento por parte da cavalaria de

41 Deve-se lembrar que o hoplita da esquerda era protegido pelo escudo

do soldado agrave sua direita avanccedilando juntos ombro a ombro O soldado

situado agrave extrema direita contava entatildeo apenas com sua lanccedila jaacute que

seu escudo deveria proteger o lado direito do soldado situado agrave sua

proacutepria esquerda 42 Hanson opcit p194 43 Hdt946 44 Hanson opcit p194 45 Hel 64 [] οἱ τν Φωκέων πελτασταὶ καὶ τν ἱππέων Ἡρακλεται []

35

Epaminondas Pelo contraacuterio os espartanos eacute que teriam

iniciado a batalha enviando seus cavaleiros agrave frente dos

hoplitas Entatildeo os tebanos em resposta ao ataque

espartano teriam feito o mesmo Natildeo existe informaccedilatildeo

sobre um possiacutevel retorno agraves posiccedilotildees originais ou mesmo em

direccedilatildeo agraves alas o que poderia sugerir uma lacuna no relato

de Xenofonte no que se refere agraves manobras de cavalaria ao

longo de toda a batalha tanto pelo lado espartano quanto

pelo lado tebano

Buckler e Tuplin46 concordam que as manobras adotadas

por Cleombroto derivaram de uma accedilatildeo inesperada por parte

dos tebanos Ora se de fato os espartanos pretendiam

distrair Epaminondas com um ataque frontal e inicial da

cavalaria enquanto a ala direita comandada pelo proacuteprio

Cleombroto pudesse avanccedilar para aleacutem da ala esquerda

tebana e recobrar a proteccedilatildeo do flanco com o retorno das

tropas montadas que iniciaram a batalha entatildeo Epaminondas

provavelmente sabia o que fora realizado por seus inimigos

na batalha do rio Nemeacuteia47 quando um envolvimento se

tornou possiacutevel exatamente a partir de tais manobras

Poreacutem admitindo-se que Cleombroto iniciou mesmo a batalha

ordenando o avanccedilo da cavalaria estaria correto o relato

de Plutarco (no qual Buckler e Tuplin basearam sua anaacutelise)

com relaccedilatildeo agrave sequumlecircncia das manobras48 Noutras palavras a

uacutenica maneira de afirmar que Cleombroto teria modificado

46 Buckler opcit p64 47 Xen Hel 42 48 O questionamento parte tambeacutem da comparaccedilatildeo entre a reputaccedilatildeo de

Plutarco e Xenofonte O primeiro nunca teve pretensotildees a historiador

embora o relato de Leuctra tenha sido provavelmente baseado nos textos

de Eacuteforo (FGrH 70) enquanto o segundo aleacutem das intenccedilotildees de

prosseguimento da obra de Tuciacutedides tinha declarada experiecircncia

militar O fato de que Xenofonte seria parcial em sua anaacutelise digo

interessado apenas em sustentar que tudo teria dado errado para os

espartanos naquele dia em contraposiccedilatildeo agrave sorte dos tebanos fez com

que a historiografia ateacute o artigo escrito por Hanson sequer

atentasse para uma importante declaraccedilatildeo de Xenofonte (ldquoos espartanos

iniciaram a batalhardquo) o que definitivamente abre o leque de

possibilidades explicativas especialmente para o questionamento do

testemunho de Plutarco

36

sua formaccedilatildeo devido agrave ldquosurpresardquo em relaccedilatildeo agraves manobras de

Epaminondas eacute atraveacutes do relato de Plutarco Entretanto se

admitirmos que a cavalaria espartana (e natildeo a tebana)

iniciou o ataque como sugeriu Xenofonte eacute possiacutevel supor

tambeacutem que Cleombroto contava desde o iniacutecio com o retorno

de sua cavalaria para proteger o flanco aberto durante a

execuccedilatildeo da manobra (planejada antes mesmo de iniciada a

batalha) com a qual pretendia envolver a coluna alongada

dos tebanos Como sua cavalaria natildeo foi capaz de vencer a

tebana o proacuteprio rei teria permanecido agrave mercecirc do choque

comandado por Peloacutepidas consequumlecircncia da falha da cavalaria

espartana e natildeo fruto de um plano preacute-elaborado por

Epaminondas

A criacutetica de Hanson dirigida agraves interpretaccedilotildees da

batalha de Leuctra parece totalmente correta e de fato uma

reavaliaccedilatildeo das chamadas ldquoinovaccedilotildees tebanasrdquo constitui uma

etapa necessaacuteria a este estudo para que se torne evidente

que a inserccedilatildeo da cavalaria tal como empregada no exeacutercito

de Alexandre natildeo estava disponiacutevel na guerra grega antes

de Filipe49 Pelo contraacuterio o uso integrado das diversas

seccedilotildees do exeacutercito configurou em seu estaacutegio avanccedilado uma

contribuiccedilatildeo tipicamente macedocircnica Noutras palavras os

gregos jaacute haviam assimilado algumas taacuteticas cuja execuccedilatildeo

dependia de certo niacutevel de integraccedilatildeo entre as sessotildees do

exeacutercito como possivelmente ocorrera em Leuctra pelo lado

espartano mas o enraizamento do soldado-cidadatildeo como

principal figura dos exeacutercitos gregos dos seacutecsV e parte do

IV aC deixaram a consolidaccedilatildeo desta inovaccedilatildeo para um

reino de fronteira a Macedocircnia cuja aristocracia dava

grande importacircncia ao uso dos cavalos na guerra

49 A reforma do exeacutercito macedocircnico tornou-se um assunto por demais

polecircmico uma vez que as fontes satildeo bastante confusas a esse respeito

No entanto posiciono-me a favor de uma reforma iniciada com Alexandre

II e seguida por Filipe II de acordo com os argumentos que

apresentarei mais abaixo

37

A uacuteltima questatildeo acerca do que Epaminondas realizou em

Leuctra diz respeito ao ataque obliacutequo quando a falange

foi trazida sob formaccedilatildeo em crescente (μηνοειδὲς τὸ σχμα τς

φάλαγγος πεποιηκότες)50 Apoacutes 371 aC esta formaccedilatildeo foi

novamente empregada com grande sucesso em Gaugamela (331

aC) por Alexandre o Grande

Desse modo o argumento de Hanson acerca da suposta

revoluccedilatildeo nas taacuteticas gregas a partir de Epaminondas

precisa ser levado em consideraccedilatildeo na medida em que retira

a proeminecircncia de um uacutenico e genial comandante tebano

salientando a ligaccedilatildeo entre as transformaccedilotildees ocorridas na

guerra grega desde o conflito poliacuteada no Peloponeso e o

exeacutercito reformado de Filipe da Macedocircnia

50 Diod1555

38

2 ldquoNegoacutecios de famiacuteliardquo como Filipe e Alexandre

transformaram a guerra grega

21 A infantaria macedocircnica

Dada a sua posiccedilatildeo de fronteira em relaccedilatildeo ao universo

poliacuteada e em particular apoacutes a esmagadora derrota para os

iliacuterios51 os esforccedilos militares dos reis macedocircnicos

direcionaram-se para a formulaccedilatildeo de uma nova maacutequina de

guerra a saber a combinaccedilatildeo equilibrada entre um tipo de

falange de piqueiros de excelente cavalaria e de um

aparato completo de maacutequinas de cerco a partir do qual

Alexandre obteve os recursos taacuteticos necessaacuterios para a

realizaccedilatildeo de sua campanha na Aacutesia Mas eacute possiacutevel dizer

precisamente em que momento tal reforma teve lugar na

histoacuteria da Macedocircnia antiga

Momigliano52 apoiado num trecho decisivo do fragmento

da Filiacutepica de Anaxiacutemenes de Lampsaco53 afirmou que esta

teria comeccedilado jaacute com Alexandre o Fileleno (498-454 aC)

devido agrave referecircncia a um novo grupo de soldados de

infantaria chamados pezetairoi os quais teriam sido

organizados em companhias (τοὺς πεζοὺς εἰς λόχους) por um certo

Alexandre considerado por Momigliano como sendo o primeiro

rei deste nome de que se tem notiacutecia

A referecircncia feita a Anaxiacutemenes tornou-se decisiva

desde entatildeo mas nesta tese opto pela hipoacutetese de

Bosworth54 que combinando o trecho de Anaxiacutemenes a uma

importante citaccedilatildeo de Tuciacutedides55 sobre a formaccedilatildeo

macedocircnica desloca a reforma do exeacutercito macedocircnico para

Alexandre II (370-368 aC) Ainda que o tempo de reinado

51 Diod 162 52 Arnaldo Momigliano Filippo il Macedone saggio sulla storia greca

Del IV secolo AC Firenze Felice Le Monnier 1934 53 FGrH 72 F4 54 Albert Bosworth ldquoASTHETAIROIrdquo in CQ 23 245-253 1973 P250 55 Tucid 4124 ldquomacedocircnios [] e outra multidatildeo de poderosos

baacuterbarosrdquo (Μακεδόνων []καὶ ἄλλος ὅμιλος τν βαρβάρων πολύς)

39

de Alexandre II tenha sido bastante curto se comparado aos

44 anos de governo do primeiro Alexandre a descriccedilatildeo de

Tuciacutedides deve ser considerada a partir do seguinte

criteacuterio se a formaccedilatildeo macedocircnica da forma como

apresentada pelo historiador ateniense foi fidedignamente

narrada cerca de trinta anos apoacutes Alexandre o Fileleno a

atribuiccedilatildeo da reforma como sendo uma accedilatildeo de seu governo eacute

incorreta Se de fato a reforma fora realizada por um

Alexandre este soacute pode ser por exclusatildeo o seguinte

Alexandre (II)

A reconstruccedilatildeo das origens do exeacutercito macedocircnico

reformado eacute entatildeo bastante polecircmica ainda que a

tendecircncia seja localizar o seu iniacutecio cerca de dez anos

antes do reinado de Filipe II Aleacutem disso a histoacuteria de

sua organizaccedilatildeo e accedilatildeo em campo de batalha nos eacute acessiacutevel

somente a partir da campanha de Alexandre quando o uso de

Arriano e de alguns fragmentos o mapeamento filoloacutegico de

termos condizentes agrave infantaria e o estudo das unidades

taacuteticas conhecidas (e de suas subdivisotildees) auxiliam na

tarefa de estabelecer as diretrizes para o entendimento de

parte do exeacutercito macedocircnico56

56 Breves reconstruccedilotildees como a elaborada por Billows (Kings and

Colonists Aspects of Macedonian Imperialism LeidenNew YorkKoumlln

Brill 1995 Pp11-20) natildeo satildeo satisfatoacuterias pois ignoram diversos

aspectos da reforma como por exemplo os problemas advindos do uso

de Diodoro para o estabelecimento do nuacutemero aproximado das tropas A

melhor introduccedilatildeo para o assunto eacute ainda Robert Milns AALG

40

211 Hipaspistai pezetairoi e asthetairoi

Segundo Tarn57 e Milns

58 somente atraveacutes do relato de

Arriano podemos elaborar uma reconstruccedilatildeo segura da

terminologia e do desenvolvimento de parte das tropas

macedocircnicas Isso se deve ao fato de que por um lado

tanto Diodoro quanto Cuacutercio empregaram fontes apenas

indiretamente preocupadas com o exeacutercito macedocircnico Por

outro lado Ptolomeu a principal fonte de Arriano era

assim como seu leitor entendido nos assuntos militares e

conhecedor de sua terminologia Ainda que 500 anos

separassem os dois o relato de Arriano tornou-se o mais

apropriado para a anaacutelise das tropas macedocircnicas e de sua

aplicaccedilatildeo taacutetica em campo de batalha

Analisemos entatildeo os principais termos referentes agrave

organizaccedilatildeo do exeacutercito Pezetairoi que agrave primeira vista

indica a infantaria macedocircnica em sentido mais amplo em

Arriano ora faz referecircncia a toda a falange ora apenas a

parte dela59 Certamente trata-se de um termo anterior a

Filipe se aceitarmos as informaccedilotildees sobre os pezetairoi de

Alexandre II contidas no relato de Anaxiacutemenes de

Lampsaco60 podendo tambeacutem de acordo com Teopompo de

Quios61 fazer referecircncia unicamente agrave ldquoGuarda Realrdquo

(ἐδορυφόρουν τὸν βασιλέα) Apesar dessas divergecircncias uma

coisa permanece inquestionaacutevel o termo pezetairoi no tempo

de Alexandre referia-se essencialmente a toda a falange de

piqueiros

Existem aleacutem disso duas variaccedilotildees que devem ser

observadas pezoi por vezes indicando a falange62 ou mesmo

toda a infantaria e φάλαγξ que pode significar a falange

57 ALG2 P135 58 Robert D Milns ldquoThe hypaspists of Alexander some problemsrdquo in

Historia 20 186-195 1971 P88 59 Arr Anab 1283 2232 4231 5226 661 6213 7113 60 FGrH 72 61 FGrH 115 F348 62 A falange indica o conjunto de todos os batalhotildees ou brigadas dos

πεζέταιροι

41

propriamente dita ou apenas um uacutenico batalhatildeo da falange

bem como os hipaspistai e a formaccedilatildeo em linha de batalha

quando usado para fazer referecircncia a outras tropas (ἐπὶ

φάλαγγος em oposiccedilatildeo a κατὰ κέρας por exemplo)63

Com a ampliaccedilatildeo do termo para a definiccedilatildeo de toda a

falange (ou de sua parte em destaque) abre-se tambeacutem uma

nova questatildeo introduzida por Bosworth64 a partir de uma

releitura de Arriano qual seria a vinculaccedilatildeo dos

pezetairoi com os hipaspistai e os asthetairoi65

Em primeiro lugar o que jaacute se discute desde Tarn66

Muitas informaccedilotildees vitais acerca dos hipaspistai satildeo

impossiacuteveis de se obter basicamente por duas razotildees ambas

derivadas de problemas advindos das proacuteprias fontes Em

primeiro lugar os historiadores gregos natildeo estariam

interessados em ldquodetalhes militares teacutecnicosrdquo de uma tropa

macedocircnica mesmo quando esta desempenhava funccedilatildeo

importante na campanha Em seguida Ptolomeu provavelmente

por estar familiarizado com todos esses detalhes teacutecnicos

em seu dia-a-dia simplesmente natildeo desenvolveu nada a

respeito da disposiccedilatildeo e equipamentos desta tropa67

Sabemos que os hipaspistai foram uma forccedila criada a

partir de uma seleccedilatildeo dos pezetairoi sendo provavelmente a

primeira na histoacuteria da Macedocircnia de caraacuteter profissional

cujo serviccedilo era ininterrupto e cuja lealdade estava ligada

particularmente agrave figura do rei O termo aparece apenas em

Arriano tendo designaccedilatildeo equivalente em Diodoro

(δορυφόροις)68 o que sugere ter sido hipaspistai o termo

63 Esta discussatildeo encontra-se em detalhes em ALG2 p135-142 64 Bosworth opcit p245 65 Segundo Bosworth (opcit p246) existem ainda traduccedilotildees que

simplesmente substituem o termo asthetairoi por pezetairoi 66 ALG2 67 Milns opcit p186 68 Diod 1777 [] ἔπειτα τοὺς ἐπιφανεστάτους τν Ἀσιανν ἀνδρν δορυφορεῖν ἔταξεν []

42

empregado por Ptolomeu e por deduccedilatildeo pelos proacuteprios

macedocircnios69

Basicamente formavam um contingente de 3000 homens e

encontravam-se divididos em trecircs quiliarquias de

aproximadamente 1000 homens cada70 Diferentemente do

restante da falange os hipaspistai eram selecionados pelo

proacuteprio rei e integravam sua guarda pessoal

Qual seria por uacuteltimo o equipamento militar do

hipaspistes Existe uma tendecircncia geral em definir seu

equipamento como sendo mais leve que aquele dos demais

falangistas ou algo situado entre o equipamento do

falangista e do peltasta No que diz respeito a essas

suposiccedilotildees Tarn71 eacute incisivo

Em relaccedilatildeo ao armamento eles eram infantaria pesada

tatildeo pesadamente armada quanto a falange a diferenccedila

entre os dois corpos residia em sua histoacuteria

recrutamento e manutenccedilatildeo natildeo no armamento A crenccedila

de que eles eram armados como peltastas ou que seu

armamento era algo intermediaacuterio entre aquele do

falangista e do peltasta natildeo encontra evidecircncia para

lhes dar suporte e natildeo precisa ser informado

Haacute por outro lado suposiccedilotildees com relaccedilatildeo ao

equipamento do hipaspistes que podem sugerir uma

proximidade com o peltasta A melhor delas insinua-se a

partir de uma marcha forccedilada do exeacutercito macedocircnico na

qual Alexandre teria utilizado os hipaspistai juntamente

com a infantaria levemente armada dos agrianos Nesta

ocasiatildeo os demais soldados da falange teriam sido deixados

para traacutes72 o que poderia declarar uma diferenccedila entre o

equipamento dos hipaspistai e dos falangistas em geral

69 Embora Arriano empregue o mesmo termo que Plutarco algumas vezes

como em 317 ldquoατὸς δὲ ἀνα λαβὼν τοὺς σωματοφύλακας τοὺς βασιλικοὺς []rdquo 70 Arr Anab 430 71 ALG2 P153 72 Arr Anab 43 321 323 citado por Badian durante o debate da

conferecircncia de AALG p 134

43

Nesta ocasiatildeo de acordo com Badian73 quando podemos

observar soldados levemente armados (hipaspistai e agrianos)

em contraste com aqueles que os seguiram ἐν τάξει a deduccedilatildeo

mais correta eacute a de que se desfizeram dos armamentos para a

perseguiccedilatildeo e natildeo eram como comumente afirmado

regularmente armados como infantaria ligeira Poreacutem o que

temos de mais concreto parece ser mesmo uma semelhanccedila nos

armamentos dos hipaspistai e dos demais falangistas dado

que durante toda a campanha ambos partilharam as mesmas

funccedilotildees taacuteticas

Ainda no esforccedilo de distinguir os termos cruciais para

o entendimento da falange macedocircnica gostaria de encerrar

este toacutepico com uma breve anaacutelise dos asthetairoi cuja

apariccedilatildeo na historiografia se deu a partir da milimeacutetrica

observaccedilatildeo de Bosworth Como dito anteriormente o termo

asthetairoi foi por vezes substituiacutedo por pezetairoi nas

traduccedilotildees ou ediccedilotildees modernas da Anaacutebasis de Arriano74 Da

mesma forma que hipaspistes satildeo termos distintos e

provavelmente natildeo foram usados com o mesmo propoacutesito

Bosworth75 entende que se tratava de um termo teacutecnico

usado para definir o contingente que ldquochegou

posteriormenterdquo isto eacute fruto das campanhas na Alta

Macedocircnia Assimilados posteriormente agrave formaccedilatildeo da falange

macedocircnica propriamente dita tais soldados precisavam de

um novo termo que os diferenciasse dos demais e o seu

desenvolvimento desde a palavra original manteve o

significado de ldquoproacuteximos aos Companheirosrdquo o que

concentrou tanto a condiccedilatildeo atual de macedocircnios quanto sua

independecircncia anterior agrave assimilaccedilatildeo pela monarquia76

73 AALG P134 74 As passagens satildeo Arr Anab 223 423 522 66 621 72 75 Opcit p247 76 Bosworth opcit p251

44

212 Taxis syntagma lochos e uso da sarissa

Sabemos que com Alexandre na Aacutesia a infantaria

macedocircnica era formada por ateacute seis batalhotildees (taxeis)

cada um deles compondo uma unidade taacutetica autocircnoma (que

poderia ser empregada em conjunto obviamente) Tal ponto

de partida permite que o foco do estudo sejam as

subdivisotildees dos batalhotildees as quais assegurariam maiores

niacuteveis de flexibilidade nas manobras A unidade baacutesica de

infantaria na falange era a syntagma formada por 16 lochoi

de 16 homens77 Sob o comando do syntagmatarches o batalhatildeo

era capaz de executar manobras que exigiam intensivo

treinamento militar a exemplo da formaccedilatildeo em linha reta

obliacutequa ou crescente em seta ou em quadrado Aleacutem disso eacute

ainda provaacutevel que o lochos seja uma criaccedilatildeo de Filipe jaacute

que suas primeiras apariccedilotildees ocorrem na fase inicial da

carreira de Alexandre78

Diante da organizaccedilatildeo militar da falange a sarissa

(com aproximados 5 metros) representou a inovaccedilatildeo material

macedocircnica mais importante a qual fez da falange uma forccedila

frontalmente imbatiacutevel ateacute o surgimento da legiatildeo romana

Para explicar o efeito que uma tropa armada com a sarissa

provocaria no inimigo Griffith79 utilizou o seguinte

exemplo ldquonuma escala mais proacutexima era como a embarcaccedilatildeo

que atacava um oponente forccedilando-o a correr grandes riscos

antes de conseguir se aproximar e revidarrdquo

Em companhia agrave poderosa sarissa o falangista contava

com a pelte suspensa ateacute o pescoccedilo contrastando a pesada

aspis do hoplita poliacuteada A eficiecircncia do equipamento do

falangista residia na vantagem do primeiro choque dada

pelo uso da sarissa Embora natildeo fosse um soldado

77 O syntagma era uma unidade autocircnoma fixa em oposiccedilatildeo agraves eventuais

apariccedilotildees na histoacuteria poliacuteada 78 Arr Anab 210 [] ldquoἀλλὰ καὶ ἰλάρχας καὶ λοχαγοὺς ὀνομαστὶ καὶ τν ξένων τν μισθοφόρων []rdquo 79 Nicholas Hammond e Guy Griffith A History of Macedonia 550-336

(V2) Oxford Oxford University Press 1979 P421

45

pesadamente armado tal vantagem concedia aos macedocircnios

certa superioridade taacutetica frente aos demais exeacutercitos

gregos Como consequumlecircncia do aumento no tamanho da lanccedila o

elmo macedocircnico tornou-se bastante diverso daquele usado

pelo hoplita conhecido como ldquocoriacutentiordquo Ao contraacuterio do

hopliacutetico o elmo do falangista era menos caro de fabricar

e aberto na face Por fim quanto agraves grevas estas eram

usadas apenas nas primeiras fileiras

Existe uma questatildeo delicada em relaccedilatildeo ao falangista

que natildeo pode ser ignorada aqui embora jaacute seja consenso

entre os historiadores Transformando numa interrogaccedilatildeo

seria o falangista macedocircnico uma derivaccedilatildeo simples e

direta do peltasta traacutecio De fato Best80 em 1969

afirmou que ldquoseu equipamento [o do peltasta] eacute

caracterizado pela longa lanccedila (sarissa) e a pelterdquo

sugerindo abertamente que natildeo havia diferenccedila alguma no

equipamento do peltasta e do falangista Entretanto

gostaria de apresentar duas observaccedilotildees sobre tal hipoacutetese

A primeira delas segue o que foi proposto por Lendon81

De modo geral a partir do seacutecIV aC o termo peltasta

passou a indicar a infantaria levemente armada (sem a

pesada aspis) tendendo a uma generalizaccedilatildeo mais do que

propriamente agrave definiccedilatildeo exclusiva do soldado que portava a

pelte Natildeo seriam portanto ldquopeltastas macedocircniosrdquo mas

algo proacuteximo de ldquosemi-hoplitasrdquo82

A segunda estaacute de acordo com uma diferenccedila apresentada

por Hammond83 em relaccedilatildeo agrave lanccedila do peltasta traacutecio e a

sarissa a uacuteltima natildeo era definitivamente empregada

apenas com uma das matildeos assim como natildeo era usada para

80 Jan Best Thracian Peltasts and their influence on Greek Warfare

Groningen Wolters-Noordhoff 1969 81 Jon Lendon Soldiers and Ghosts A History of Battle in Classical

Antiquity New HavenLondon Yale University Press 2005 pp412-413 82 Embora algumas vezes Arriano se refira a eles como hoplitas a

exemplo de 11 83 Nicholas Hammond ldquoWhat may Philip have learnt as a hostage in

Thebesrdquo in GRBS 38 355-372 1997

46

arremesso diferenciando-se totalmente portanto da lanccedila

do peltasta Similares aos peltastas quanto ao peso de seu

equipamento os falangistas macedocircnios atuavam em campo de

batalha como hoplitas

Outra questatildeo relevante quanto ao equipamento do

falangista macedocircnio eacute a ausecircncia do peitoral Tal questatildeo

reflete no entanto mais os aspectos sociais e econocircmicos

de sua condiccedilatildeo do que propriamente uma caracteriacutestica

taacutetica De fato a Macedocircnia parece ter se organizado em

torno do ethos e natildeo da poacutelis o que impossibilitou o

surgimento do ldquoideal militar hopliacuteticordquo Com Filipe ou

talvez um pouco antes observamos a intervenccedilatildeo monaacuterquica

na concessatildeo do armamento e sendo a Macedocircnia ainda um

pequeno reino - portanto sem grandes recursos para a

guerra - eacute plausiacutevel que a sarissa arma que compensava a

ausecircncia do peitoral e da aspis tenha sido produto deste

contexto Qualquer tentativa de hierarquizaccedilatildeo ou

atribuiccedilatildeo de uma causa uacutenica para a explicaccedilatildeo do por que

a sarissa foi introduzida entre os macedocircnios seria um

equiacutevoco Sabemos que natildeo se trata unicamente do produto de

uma concepccedilatildeo taacutetica assim como natildeo podemos reduzir esta

inovaccedilatildeo agrave deficiecircncia econocircmica do reino A criaccedilatildeo de um

exeacutercito nacional por Filipe no entanto conferiu uma

unidade agraves regiotildees de fronteira forccedilando os dinastas

independentes a se unirem aos macedocircnios servindo como

aliados e tendo seus filhos muitas vezes como a proacutexima

geraccedilatildeo de comandantes em treinamento84

Por uacuteltimo aleacutem dos macedocircnios propriamente ditos

temos outras etnias compondo a infantaria de Filipe e

Alexandre ora como aliados ora como mercenaacuterios Embora

existam ainda distinccedilotildees claras entre ambas as condiccedilotildees

estas tenderatildeo a desaparecer na guerra heleniacutestica

84 Duncan Head Armies of the Macedonian and Punic Wars 359 BC to 146

BC organization tactics dress and weapons Sussex Wargames

research group 1982 P11

47

conforme mostrarei no capiacutetulo seguinte Infelizmente as

informaccedilotildees que nos chegaram sobre as tropas auxiliares do

exeacutercito macedocircnico natildeo explicam praticamente nada sobre

sua atuaccedilatildeo na guerra ou mesmo acerca de sua disposiccedilatildeo

geral exceto por algumas menccedilotildees na Anaacutebasis de Alexandre

O maior nuacutemero de informaccedilotildees sobre o exeacutercito macedocircnico

incide sem duacutevida sobre seus dois alicerces taacuteticos a

falange da qual apresentei uma breve anaacutelise e a

ldquoCavalaria dos Companheirosrdquo acerca da qual me ocuparei

mais agrave frente argumentando sobre a transformaccedilatildeo do papel

da cavalaria nas batalhas e de sua persistecircncia durante a

Guerra dos Diaacutedocos

48

22 A ldquoCavalaria dos Companheirosrdquo

Gostaria de iniciar este item com uma pequena mas

fundamental observaccedilatildeo sobre o ldquoEsquadratildeo Real dos

Companheirosrdquo (ἴλῃ βασιλικῆ ou algumas vezes ἄγημα85) Eacute

notaacutevel o acreacutescimo τν ἑταίρων a esta unidade de elite de

modo que a ldquoGuarda de Alexandrerdquo com exceccedilatildeo dos

hipaspistai passou a ser sinocircnimo de sua cavalaria

macedocircnica mesmo quando referida somente como ἄγημα mas

por que a condiccedilatildeo de cavaleiros lhes foi conferida

A resposta mais provaacutevel parece ser porque os reis

macedocircnios (e especialmente Alexandre) quase sempre

combatiam a cavalo como revela a insistecircncia de alguns

autores antigos em tentar posicionar Alexandre no comando

de sua cavalaria na batalha de Isso A ldquoGuarda Pessoalrdquo do

rei se tornou historicamente sinocircnimo de uma cavalaria de

elite a ldquoCavalaria dos Companheirosrdquo Esta forccedila de elite

cresceu bastante apoacutes Alexandre cruzar o Helesponto quando

7 esquadrotildees (ἰλας) foram acrescentados ao primeiro

original distinto dos demais apenas por sua procedecircncia (o

esquadratildeo real par excellence)86 Sabemos que formavam oito

esquadrotildees na batalha de Gaugamela 87 sendo que o

esquadratildeo real estava sob comando de Cleito o Negro e os

demais sob o comando de Filotas filho de Parmecircniordquo88

85 Arr Anab 25 31 38 86 ALG2 p154 87 Arr Anab 311-12 88 Aleacutem dos Companheiros temos outros 4 esquadrotildees de cavalaria

ligeira os ldquoscoutsrdquo (πρόδομοι) ou lanceiros (σαρισοφόροι) Brunt

(ldquoAlexander‟s Macedonian cavalryrdquo JHS 83 27-46 1963 Pp27-8)

recorda o debate entre Berve e Tarn acerca da procedecircncia eacutetnica

(macedocircnia para o primeiro e traacutecia para o segundo) desses quatro

esquadrotildees de lanceiros Brunt parece estar correto ao escolher a

versatildeo de Berve uma vez que no relato de Arriano (Anab 112 141 e

146 29 312 182 201 212) apenas os hipaspistai e os

regimentos de falange natildeo satildeo descritos como ldquomacedocircniosrdquo em oposiccedilatildeo

aos demais ldquocuidadosamente classificados como peocircnios mercenaacuterios ou

agrianos no mesmo contextordquo Entretanto natildeo penso que seja possiacutevel

dizer se apoacutes 329 aC quando os lanceiros desaparecem dos relatos

foram enviados de volta para casa ou incorporados aos Companheiros

49

Sendo a elite da cavalaria macedocircnica a qual era

empregada em pontos decisivos das taacuteticas executadas em

campo de batalha natildeo poderia existir em grande nuacutemero mas

seu papel em contrapartida natildeo deveria ser de

coadjuvantes quando entrassem em accedilatildeo Assim qual era o

nuacutemero dos cavaleiros que integravam os Companheiros de

Alexandre

Uma vez mais Tarn89 recorda que a discussatildeo em torno

do nuacutemero de cavaleiros que Alexandre tomou quando de sua

partida para a Aacutesia foi travada pela historiografia a

partir dos dados obtidos no relato de Diodoro90 e que

algumas das fontes utilizadas pelo historiador siciliano

natildeo permitiram a precisatildeo desejada com relaccedilatildeo agraves tropas

macedocircnicas A equivalecircncia do contingente disponiacutevel a

Alexandre e a Antiacutepatro (que o rei havia deixado como

representante na Europa) ambos com 12000 soldados de

infantaria (3000 hipaspistai e 9000 falangistas) eacute

incorreta senatildeo absurda91 A contagem das tropas montadas

a partir de Arriano se faz portanto necessaacuteria

Outro questionamento importante diz respeito agrave

organizaccedilatildeo da Cavalaria dos Companheiros Originalmente

recorda Brunt92 os Companheiros estavam divididos em ilas

mas a partir de 331 aC em Susa Alexandre formou dois

lochoi com cada ile que consequumlentemente passou a ser

comandada por lochagoi Esta alteraccedilatildeo era ineacutedita

conforme nos relata Arriano93 e representou o inchaccedilo no

nuacutemero dos Companheiros jaacute que as ilas natildeo mais

satisfaziam como divisatildeo das unidades Em contrapartida

apoacutes a execuccedilatildeo de Cleito o Negro (330 aC) surgiram as

89 ALG2 p 153 90 Diod 1717 91 Especialmente devido agrave duplicaccedilatildeo do nuacutemero de hipaspistai 92 Brunt opcit p28 93 Arr Anab 316

50

ipparchias94 e segundo Tarn

95 o proacuteprio Alexandre teria

assumido aquela pertencente a Cleito somando 4 esquadrotildees

sob seu comando e outros 4 sob Hefesto No entanto Tarn

pode ter se equivocado com o fato de que Alexandre teria

assumido o comando de uma ipparchia96

De acordo com Tarn o termo foi empregado apenas a

partir de 326 aC no Indo quando novos contingentes ndash

orientais - passaram a compor o exeacutercito de Alexandre As

menccedilotildees anteriores de Arriano agraves ipparchias seriam entatildeo

confusotildees e anacronismos de seu proacuteprio tempo Brunt por

outro lado chama a atenccedilatildeo para a coincidecircncia de dois

fatores os quais permitiriam uma compreensatildeo modificada

das ipparchias a desconfianccedila de Alexandre com relaccedilatildeo aos

seus principais oficiais e a divisatildeo da ldquoCavalaria dos

Companheirosrdquo nas novas unidades o que amenizaria a

possibilidade de motins (jaacute que estavam divididos e com

poderes reduzidos) concedendo-lhes em contrapartida um

tiacutetulo de bastante prestiacutegio antes pertencente apenas a um

ou dois oficiais Se Brunt97 estiver correto o surgimento

das ipparchias foi possivelmente anterior ao que Tarn

propocircs (de 326 aC para 328 aC) e a inserccedilatildeo de

orientais na Cavalaria dos Companheiros um fator

independente para a organizaccedilatildeo das novas unidades98

Por uacuteltimo cabe indagar sobre a relevacircncia desta

preocupaccedilatildeo com o crescimento do contingente dos

Companheiros (de um esquadratildeo para oito ao cruzar o

Helesponto em nuacutemero de 2000 em Gaugamela e divididos em

94 As ipparchias podem ter sido um novo nome para as ilai modificadas

pelo contexto explicado a seguir ou algo totalmente novo uma vez que

o termo substituiu outro plenamente consolidado na praacutetica militar

grega 95 ALG2 p 164 96 Brunt opcit p29-30 97 Brunt opcit p45 98 Sua inserccedilatildeo na Cavalaria dos Companheiros (provavelmente em 324)

certamente posterior a criaccedilatildeo das ipparchias tem muito a dizer

tambeacutem sobre a poliacutetica que Alexandre adotou com relaccedilatildeo aos assuntos

orientais

51

ipparchias quando da campanha na Iacutendia)99 O que exatamente

pode significar esta ampliaccedilatildeo e quais seus desdobramentos

no mundo heleniacutestico

A resposta reside na transformaccedilatildeo das funccedilotildees da

cavalaria em campo de batalha isto eacute a partir de

Alexandre o Grande (e de seu exeacutercito reformado) as tropas

montadas passaram definitivamente a desferir o ataque

principal legando aos falangistas o papel de forccedila de

apoio necessaacuteria mas sem caraacuteter decisivo ou por

princiacutepio ofensivo Tal caracteriacutestica da cavalaria

macedocircnica pode ser observada por exemplo na batalha de

Gaugamela quando o nuacutemero dos Companheiros foi elevado ao

maacuteximo e a taacutetica remodelada a partir da tradiccedilatildeo grega

ilustra a relevacircncia da decisatildeo pelas manobras das tropas

montadas

A modificaccedilatildeo de sua funccedilatildeo taacutetica veio acompanhada de

duas grandes inovaccedilotildees A primeira delas eacute a ldquoformaccedilatildeo em

setardquo que facilitava o rompimento da formaccedilatildeo inimiga pela

ampliaccedilatildeo da carga desferida se comparada agravequela executada

pela ldquoformaccedilatildeo em quadradordquo Basicamente ao manter os

olhos fixos no liacuteder posicionado agrave frente da formaccedilatildeo

cavaleiros organizados em seta eram capazes de romper com

uma formaccedilatildeo defensiva desferindo assim o golpe

principal100

A segunda delas diz respeito agrave exploraccedilatildeo dos espaccedilos

entre os batalhotildees de falangistas Como salientou Tarn101

apresentar ao inimigo um bloco coeso com diversas pontas de

lanccedila e manter esta formaccedilatildeo sem espaccedilos entre os batalhotildees

eram coisas completamente distintas A partir do momento em

que a cavalaria passou a desferir o golpe principal a

questatildeo dos espaccedilos se tornou de maacutexima importacircncia como

99 Algo em torno de 200 homens 100 Griffith opcit p414 101 William W Tarn Hellenistic Military and Naval Developments

Cambridge Cambridge University Press 1930 P13

52

pode ser visto em Gaugamela e no periacuteodo heleniacutestico em

Paraitakene (Eumenes versus Antiacutegono) Por uacuteltimo ainda

que natildeo seja cotada como uma inovaccedilatildeo das taacuteticas de

cavalaria o envolvimento pelo uso de tropas montadas se

tornou praacutetica comum entre os macedocircnios Numa batalha em

que ambos os comandantes tivessem disposto a cavalaria nas

alas a vitoacuteria dependeria abertamente da capacidade do

exeacutercito em manter seus flancos protegidos do envolvimento

inimigo Ainda que esta fosse uma praacutetica comum entre os

persas foi com os macedocircnios que ocorreu a combinaccedilatildeo do

ataque montado com o avanccedilo da falange frontalmente

impenetraacutevel exceto pelos espaccedilos abertos durante o avanccedilo

ou o ataque

53

CAPIacuteTULO 2 ndash OS DESENVOLVIMENTOS DA GUERRA

HELENIacuteSTICA NO TEMPO DOS DIAacuteDOCOS

1 Guerra como ofiacutecio as condiccedilotildees de serviccedilo e

os tipos de mercenaacuterio

11 Mercenariato profissionalizaccedilatildeo e crise econocircmica

Em 334 aC onze anos antes da morte de Alexandre

havia cerca de 20000 mercenaacuterios a serviccedilo do Grande Rei

Em 329 aC cinco anos mais tarde podemos contar

praticamente 50000 somente no lado macedocircnico102

O periacuteodo

heleniacutestico assistiu na sequumlecircncia ao aumento ligeiro do

nuacutemero de mercenaacuterios recrutados acompanhando os

requisitos das guerras constantes e cada vez menos

decisivas

De acordo com Parke103 autoridades contemporacircneas

(primeira metade do seacutecXX) concluiacuteram que as pressotildees

econocircmicas levaram a tal situaccedilatildeo o colapso da concepccedilatildeo

de dever militar ciacutevico e a emergecircncia do grande nuacutemero de

mercenaacuterios disponiacuteveis teriam sido ambos provocados pela

pobreza iminente das poacuteleis fruto do desastre da guerra

entre gregos no seacutecV aC O argumento do desgaste

econocircmico no mundo grego toma como principal fonte

Isoacutecrates notadamente a partir do momento em que a sua

preocupaccedilatildeo com as razotildees poliacuteticas do mercenariato104 (o

grande nuacutemero de cidadatildeos em exiacutelio essa ldquomassa de

fugitivos e exilados que estavam mais do que dispostos a

oferecer seus serviccedilos como mercenaacuteriosrdquo105

) cede lugar ao

relato dos problemas econocircmicos gregos106

102 Parke p198 103 Parke p228 104 Isoc Pan 64 e 168 105 Chaniotis WHW p80 106 Isoc 24 e 44

54

Entretanto ainda que os conflitos poliacuteticos e a

pressatildeo econocircmica possam ter estimulado grande nuacutemero de

cidadatildeos sem perspectiva a oferecer seus serviccedilos

militares as guerras constantes produziram um dos

principais fatores para o outro lado da moeda isto eacute o

recrutamento de mercenaacuterios a equivalecircncia entre oferta e

procura por soldados temporariamente pagos e que estivessem

dispostos a combater durante todo o tempo que o confronto

levasse natildeo importando as razotildees ciacutevicas (quando existiam)

pelas quais o sangue havia sido derramado

Haacute que se considerar ainda as diversas realidades de

recrutamento das tropas que compuseram os exeacutercitos dos

Diaacutedocos nem sempre vinculadas diretamente ao cenaacuterio de

crise das poacuteleis Este eacute o caso basicamente do

recrutamento das tropas provinciais muito mais conectadas

aos direitos do governante local em formar um exeacutercito a

partir das possibilidades oferecidas por sua satrapia do

que propriamente agrave pobreza ou exiacutelio de cidadatildeos gregos

Por isso a crise econocircmica grega natildeo pode ser vista

como instrumento de anaacutelise universal na explicaccedilatildeo do

mercenariato heleniacutestico uma vez que exclui as

particularidades das condiccedilotildees de recrutamento

especialmente no que respeita agrave tradiccedilatildeo asiaacutetica e

oferece respostas somente em relaccedilatildeo ao aumento da oferta

do serviccedilo mercenaacuterio grego A guerra contudo foi uma

constante no periacuteodo natildeo importando a regiatildeo e consolidou

de modo irreversiacutevel apesar das especificidades do

mercenarismo a relaccedilatildeo oferta-procura107

De fato o mundo

heleniacutestico foi marcado por certa ldquoonipresenccedila da guerrardquo

do modo como chamou Chaniotis considerando-se que tanto a

sua gecircnese (323 aC) quanto o seu fim (31 aC) foram o

resultado de conflitos armados do mesmo modo que

dificilmente se encontra alguma aacuterea que natildeo estivesse

107 Chaniotis WHW p80

55

direta ou indiretamente como em tantos outros momentos na

Antiguidade afetada pela guerra

O cenaacuterio de crise explica ao lado das condiccedilotildees

especiacuteficas de recrutamento e da ampliaccedilatildeo do quadro geral

das guerras o porquecirc da relaccedilatildeo oferta-procura ter se

fixado como sendo de grande relevacircncia no estudo da

misthotikeacute heleniacutestica mas natildeo basta todavia para

explicar o estreitamento dos laccedilos entre o cenaacuterio de

profissionalizaccedilatildeo crescente da guerra e o uso de tropas

mercenaacuterias

Noutras palavras a progressiva profissionalizaccedilatildeo no

interior dos exeacutercitos ciacutevicos gregos deve tambeacutem ser um

fator considerado particularmente ateacute o momento em que a

combinaccedilatildeo da guerra como ofiacutecio a ser aprendido e o

mercenarismo como condiccedilatildeo geral dos exeacutercitos heleniacutesticos

minimizou o impacto do sentimento ciacutevico em grande parte

dos soldados

Tal mapeamento explicaria numa perspectiva histoacuterica

natildeo soacute a funccedilatildeo dos ieroi lochoi e hipaspistai na

profissionalizaccedilatildeo da arte da guerra grega e em seus

desdobramentos heleniacutesticos como tambeacutem forneceria as

razotildees pelas quais os mercenaacuterios tecircm que ser tipificados

na medida do possiacutevel de acordo com o trabalho executado

Basicamente havia aqueles que se colocavam sob o comando

de um monarca tirano general ou cidade num espaccedilo curto

de tempo (durante uma campanha por exemplo) e aqueles que

serviam nos grandes exeacutercitos reais muitas das vezes de

modo permanente108

O primeiro tipo de mercenaacuterio era formado por soldados

que serviram por exemplo na campanha de Eumenes contra

108 Chaniotis WHW p79 Note que segundo Parke (p209) e Griffith

(p42) a divisatildeo das tropas nos exeacutercitos dos Diaacutedocos eacute feita a

partir de trecircs tipos os quais seratildeo analisados detalhadamente em

seguida os macedocircnios os mercenaacuterios (xenoi e misthophoroi) e as

tropas recrutadas nas satrapias (por vezes sintetizadas como

pantodapoi)

56

Antiacutegono De acordo com Diodoro apoacutes ter sido expulso da

Capadoacutecia

Eumenes selecionou os mais capazes [τοὺς εθετωτάτους] entre os seus amigos e dando-lhes grandes recursos os

incumbiu de contratar mercenaacuterios estabelecendo uma

margem alta de pagamento Alguns deles dirigiram-se

para a Pisiacutedia Liacutecia e regiotildees adjacentes []

Outros viajaram atraveacutes da Ciliacutecia Siacuteria e Feniacutecia

aleacutem de cidades em Chipre Uma vez que a notiacutecia do

recrutamento havia se espalhado rapidamente e que o

pagamento oferecido era digno de consideraccedilatildeo muitos

se apresentaram voluntariamente inclusive vindos da

Greacutecia e juntaram-se agrave campanha109

Neste caso ocorrido em 318 aC Eumenes incumbiu

xenologoi classificados por Diodoro como os mais capazes

entre os seus amigos de recrutar mercenaacuterios para apenas

uma campanha aquela a ser realizada contra Antiacutegono Em

pouco tempo levando-se em consideraccedilatildeo somente os

mercenaacuterios Eumenes contava com cerca de 10000 soldados

de infantaria e 2000 cavaleiros sem mencionar os receacutem-

chegados arguraspides sob o comando de Eumenes por ordem

dos reis110

Outro caso interessante de mercenaacuterios recrutados de

diversas regiotildees por um periacuteodo relativamente curto de

tempo teve lugar na campanha africana de Agaacutetocles quando

aproximadamente 3000 samnitas etruscos e celtas

apresentaram-se ao lado dos 3000 mercenaacuterios gregos sob a

lideranccedila de Agaacutetocles111 Diodoro

112 relata a existecircncia de

motins entre os homens por falta do pagamento que lhes era

devido (ἀπῄτουν δὲ καὶ τοὺς μισθοὺς τοὺς ὀφειλομένους) assim como

109 Diod 1861 ldquoπροχειρισάμενος δὲ τν φίλων τοὺς εθετωτάτους καὶ δοὺς χρήματα δαψιλ πρὸς τὴν ξενολογίαν ἐξέπεμψεν ὁρίσας ἀξιολόγους μισθούς εθὺς δ οἱ μὲν εἰς τὴν Πισιδικὴν καὶ Λυκίαν καὶ τὴν πλησιόχωρον παρελθόντες ἐξενολόγουν ἐπιμελς οἱ δὲ τὴν Κιλικίαν ἐπεπορεύοντο ἄλλοι δὲ τὴν Κοίλην Συρίαν καὶ Φοινίκην τινὲς δὲ τὰς ἐν τῆ Κύπρῳ πόλεις διαβοηθείσης δὲ τς ξενολογίας καὶ τς μισθοφορᾶς ἀξιολόγου προκειμένης πολλοὶ καὶ ἐκ τν τς λλάδος πόλεων ἐθελοντὶ κατήντων καὶ πρὸς τὴν στρατείαν ἀπεγράφοντοrdquo 110 Diod 1859 111 Diod 2011 Ver Capiacutetulo 3 112 Diod 2034

57

possiacuteveis deserccedilotildees para o lado dos cartagineses o que

ilustra a dificuldade em manter coeso um grupo mercenaacuterio

em situaccedilatildeo de escassez ou mesmo irregularidade no

pagamento Em se tratando de tropas com as quais natildeo era

partilhado tempo consideraacutevel de vida militar as revoltas

deveriam ser ainda mais frequumlentes como ilustrado no

exemplo africano

O segundo tipo de mercenaacuterio era aquele desdobrado dos

grupos profissionais de elite surgidos no interior dos

exeacutercitos ciacutevicos gregos Antes da explosatildeo do serviccedilo

mercenaacuterio no fim da campanha de Alexandre o primeiro

passo quanto agrave profissionalizaccedilatildeo dos exeacutercitos gregos foi

dado com os espartanos ainda no periacuteodo claacutessico De fato

os hoplitas de Esparta formavam o uacutenico corpo ciacutevico

profissional de todo o mundo poliacuteada Seguindo o modelo

hopliacutetico profissional diversas outras cidades formaram

unidades profissionais de elite os ieroi lochoi que por

vezes desempenhavam funccedilatildeo taacutetica proeminente Um dos

melhores exemplos eacute o corpo de infantaria de elite tebano

cuja importacircncia na vitoacuteria sobre os espartanos em Leuctra

pode ser observada em mais detalhes no primeiro capiacutetulo

O exeacutercito reformado macedocircnico teve seu equivalente

com os hipaspistai tipo de versatildeo macedocircnica dos

ldquobatalhotildees sagradosrdquo poliacuteadas Nos primeiros anos do

periacuteodo heleniacutestico sob o nome de arguraspides estes

veteranos de Alexandre permaneceram vinculados agrave casa real

apesar de receberem propostas por parte de Ptolomeu e

depois Antiacutegono113 Tal recusa os levou ao campo de batalha

contra o general mais poderoso daquele tempo sob o comando

de Eumenes de Caacuterdia strategos pelo qual tinham pouco

apreccedilo talvez devido a sua origem eacutetnica114 Em seguida agrave

derrota de Eumenes Antiacutegono trucidou todos aqueles que

113 Diod 1862 114 Eumenes era o uacutenico general traacutecio do exeacutercito de Alexandre

58

haviam sido hostis a ele queimando vivo Antiacutegenes o

comandante dos arguraspides apoacutes tecirc-lo arremessado numa

fossa115

Apesar da histoacuteria de lealdade dos arguraspides agrave casa

real os mercenaacuterios ligados diretamente a certa dinastia

de modo mais ou menos permanente natildeo eram necessariamente

mais leais que os outros Esta natildeo deve ser sequer a

questatildeo central no estudo da misthotikeacute heleniacutestica Antes

de desdobrar este argumento note-se por exemplo o caso

dos egiacutepcios de Ptolomeu

Com sua primeira apariccedilatildeo no exeacutercito ptolomaico em 312

aC ao menos em expediccedilatildeo fora dos limites territoriais

do Egito os nativos africanos apresentaram-se armados e

aptos para a batalha (τὸ δὲ καθωπλισμένον καὶ πρὸς μάχην χρήσιμον)116

ainda que no primeiro momento natildeo estivessem trajados como

macedocircnios117

Representavam claramente outro tipo de

mercenaacuterio diferente daquele recrutado temporariamente e

sem viacutenculos com o governante da regiatildeo de onde provinham

Estavam ligados ao seu contratante como no caso dos

arguraspides por um viacutenculo mais ou menos permanente e em

breve dinaacutestico Contudo obrigaccedilotildees de ofiacutecio e lealdade

incondicional eram coisas bem distintas apoacutes a vitoacuteria de

Demeacutetrio sobre Ptolomeu em Chipre em 307 aC

praticamente todo o exeacutercito de mercenaacuterios egiacutepcios (cerca

de 16000 soldados de infantaria e 600 cavaleiros) foi

incorporado agraves forccedilas antigocircnidas118 o que vincula os

mercenaacuterios deste tipo assim como os do primeiro tipo

mais agrave consolidaccedilatildeo da concepccedilatildeo de guerra como ofiacutecio a

115 Diod 1944 116 Diod 1980 117 O argumento encontra suporte no fato de que o termo ldquomacedocircniordquo

conforme seraacute explicado no item 31 passou a significar qualquer tipo

de infantaria armada com equipamento macedocircnico aleacutem do fato da

existecircncia do termo οἱ Μακεδόνες na mesma sentenccedila em que figura Αἰγυπτίων δὲ πλθος sugerir outro tipo de armamento e formaccedilatildeo para estes

ldquoegiacutepcios em grande nuacutemerordquo 118 Diod 2053

59

ser aprendido do que propriamente agrave lealdade devida a algum

general rei ou dinastia embora tropas com vida militar

partilhada tendam a incorporar valores como a obediecircncia

acentuada a certa lideranccedila (como no caso dos

arguraspides)

60

12 Mercenariato basileia e doriktetos chora

Conforme mencionado antes o poder monaacuterquico

heleniacutestico desempenhou papel central na promoccedilatildeo desta

nova concepccedilatildeo de guerra levada adiante pelo impulso

imperialista tiacutepico dos reis cujo poder natildeo era herdado

esquematicamente a basileia era algo a ser conquistado

Gruen119

e Chaniotis120 notaram o que podemos chamar de

inversatildeo da loacutegica hereditaacuteria na disposiccedilatildeo da monarquia

heleniacutestica se Alexandre Magno reivindicou seu direito ao

trono como direito de sangue seus generais de Antiacutegono a

Cassandro121

adotaram o tiacutetulo de rei baseados unicamente

em suas conquistas militares isto eacute fundamentados pelo

princiacutepio da doriktetos chora

Haacute dois documentos importantes que tratam deste

fundamento do poder real heleniacutestico O primeiro deles

pertence agrave compilaccedilatildeo bizantina Suda particularmente a

definiccedilatildeo de monarquia Seguindo a traduccedilatildeo feita por

Austin

Ascendecircncia (natureza) e legitimidade (justiccedila) natildeo datildeo

reinos aos homens mas sim a habilidade em comandar um

exeacutercito e em lidar com os problemas de modo

competente Este era o caso de Filipe e dos Sucessores

de Alexandre O filho bioloacutegico de Alexandre natildeo foi de

modo algum ajudado pela consanguumlinidade devido a sua

fraqueza de espiacuterito enquanto aqueles que natildeo tinham

ligaccedilatildeo alguma com Alexandre tornaram-se reis de quase

todo o mundo conhecido122

Do mesmo modo em resposta agrave proclamaccedilatildeo de Demeacutetrio

como basileu por seu pai123

previamente feito rei por seus

amigos (Ἀντίγονον μὲν οὖν εθὺς ἀνέδησαν οἱ φίλοι) os seguidores de

Ptolomeu I o igualaram aos dois primeiros em tiacutetulo na

119 Gruen op cit pp253-271 120 Chaniotis WHW p57 121 Nomeadamente Antiacutegono Demeacutetrio Ptolomeu Seleuco Lisiacutemaco e

Cassadro 122

Austin n 45 123 Plut Dem 18

61

tentativa de dispersar a impressatildeo de que sua derrota havia

abalado tambeacutem o seu poder Plutarco124 acrescenta ainda

que tal praacutetica natildeo significava meramente a mudanccedila de nome

(ὀνόματος) e aparecircncia (σχήματος) mas removia o espiacuterito dos

homens (τὰ φρονήματα τν ἀνδρν ἐκίνησε) e ampliava suas ambiccedilotildees

(τὰς γνώμας ἐπρε)125 cabe acrescentar ambiccedilotildees militares

Tanto a coroaccedilatildeo de Antiacutegono quanto a resposta de Ptolomeu

agrave extensatildeo do poder monaacuterquico a Demeacutetrio foram claramente

baseadas em conquistas militares Assim o convite agrave

conquista militar em maior ou menor escala era um dos

traccedilos da basileia de tipo heleniacutestico assim como a base a

partir da qual toda a sua estrutura fora erigida

Diferentemente da Macedocircnia de Filipe e Alexandre o

exeacutercito natildeo era mais a uacutenica fonte de confirmaccedilatildeo do poder

real do mesmo modo que a monarquia havia atingido

proporccedilotildees diferentes daquelas do tempo da batalha de

Queroneacuteia126

Contudo o exeacutercito continuou a ser o

instrumento pelo qual os monarcas construiacuteam o direito ao

uso do diadema estando as funccedilotildees de comando cada vez mais

ligadas agrave lideranccedila de hordas inteiras de mercenaacuterios

recrutados das mais variadas regiotildees do mundo e

didaticamente enquadrados nos dois tipos apresentados neste

capiacutetulo

O abandono de valores considerados inatos para os

gregos no periacuteodo claacutessico a exemplo da coragem (ἀνδρία) e

da excelecircncia (ἀρετή) ao lado da crescente significaccedilatildeo da

guerra como ofiacutecio (τέχνη) foi inicialmente proposto por

Lendon127 como explicaccedilatildeo para a existecircncia do grande nuacutemero

124 Plut Dem 18 125 Literalmente ldquoaumentava seus pensamentosrdquo 126 Ainda Austin n44 ldquo[] aqueles que natildeo tinham qualquer conexatildeo

com Alexandre se tornaram reis de quase todo o mundo habitadordquo 127 Jon Lendon ldquoWar and societyrdquo In Philip Sabin Hans Wees Michael

Whitby The Cambridge History of Greek and Roman Warfare Cambridge

Cambridge University Press 2007 Pp498-516

62

de mercenaacuterios que serviram nos exeacutercitos dos reis

heleniacutesticos

No periacuteodo claacutessico a condiccedilatildeo poliacutetica do soldado-

cidadatildeo assegurar-lhe-ia de acordo com o pensamento grego

certa superioridade em combate Como observado por

Sidebottom128

o contraste presente em Os Persas de

Eacutesquilo ilustra tal postura a partir da negaccedilatildeo dos

baacuterbaros como soldados que combatiam por sua liberdade

Note-se por exemplo o conhecido diaacutelogo entre a Rainha

Matildee Persa e o Coro de homens velhos

Rainha Eles tecircm um rico suprimento de homens

combativos

Coro Eles tecircm soldados que uma vez golpearam os

exeacutercitos persas com um terriacutevel ataque

Rainha Satildeo eles habilidosos em arqueria

Coro Natildeo de forma alguma eles carregam escudos

corpulentos e lutam ombro a ombro com lanccedilas

Rainha E quem os lidera A qual mestre suas fileiras

obedecem

Coro Mestre Eles natildeo satildeo conhecidos como servos

Rainha E eles podem sem mestre resistir agrave invasatildeo

Coro Sim O vasto e nobre exeacutercito de Dario foi por

eles destruiacutedo129

No periacuteodo heleniacutestico entretanto a exaltaccedilatildeo de

valores inatos ao hoplita poliacuteada masterless e capaz de

vencer os persas por duas vezes consecutivas (apesar da

inabilidade em arqueria) cedeu lugar agraves vantagens

oferecidas pelo treinamento militar profissional mesmo que

as tropas treinadas fossem formadas por homicidas

(ἀνδροφόνοι) mutiladores (παρασχίσται) ladrotildees (λωποδύται) e

arrombadores de casas (τοιχωρύχοι)130 Os exeacutercitos poliacuteadas

natildeo eram capazes de fornecer recursos humanos ilimitados

aleacutem disso a tiacutepica batalha decisiva do periacuteodo claacutessico

cedeu lugar aos conflitos constantes e de larga escala

128 Harry Sidebottom Ancient warfare a very short introduction

Oxford Oxford University Press 2004 P6 129 Traduccedilatildeo tomada de Sidebottom opcit Pp6-7 130 Poliacutebio 136 ldquoοὗτοι δ ἦσαν ἀνδροφόνοι καὶ παρασχίσται λωποδύται τοιχωρύχοιrdquo

63

travados ao longo da disputa pela partilha do impeacuterio A

passagem em Diodoro sobre as vantagens no uso dos

mercenaacuterios ilustra claramente esta mudanccedila principalmente

quando o historiador siciliano se refere ao fato de que ldquoos

empregadores trazem consigo sem grandes custos homens

para lutar em seu nomerdquo e que no caso dos mercenaacuterios

ldquoainda que sejam por muitas vezes derrotados os

empregadores manteacutem suas forccedilas intactas durante o tempo

que durar o dinheirordquo131

Levados adiante pelo impulso imperialista das

monarquias heleniacutesticas assim como pela elevaccedilatildeo da

techneacute os mercenaacuterios preencheram os exeacutercitos dos

Diaacutedocos de uma forma jamais vista dando suporte agrave

ideologia dos generais que passaram a usar o diadema como

um dos siacutembolos de sua realeza militar

131 Diod 296

64

2 Os exeacutercitos dos Diaacutedocos

Como observou Parke132

a permanecircncia dos mercenaacuterios

nos exeacutercitos heleniacutesticos dificultou sua identificaccedilatildeo

pelos historiadores uma vez que a reduccedilatildeo das tropas ao

tipo profissional fez com que os autores antigos

frequumlentemente deixassem de lado a distinccedilatildeo entre

mercenaacuterios e soldados recrutados por direito do

governante Pode-se dizer que as tropas advindas das

satrapias eram de outro tipo se comparadas agravequelas

recrutadas mediante pagamento mas esta suposiccedilatildeo estaacute

baseada apenas na praacutetica dos saacutetrapas persas durante o

periacuteodo claacutessico De fato as condiccedilotildees de oferta e procura

no mundo asiaacutetico natildeo eram nada parecidas com as do mundo

grego propriamente dito dadas as diferenccedilas das tradiccedilotildees

poliacuteticas mas a assimilaccedilatildeo de exeacutercitos inimigos inteiros

por parte de comandantes vitoriosos indica quanto ao

serviccedilo prestado uma distinccedilatildeo apenas no recrutamento

inicial133

Outra inovaccedilatildeo importante ocorrida no periacuteodo

heleniacutestico eacute a utilizaccedilatildeo dos elefantes de combate haacute

muito conhecidos pelos asiaacuteticos e introduzidos na arte da

guerra grega somente apoacutes a morte de Alexandre Apesar de

seu emprego tardio os paquidermes mostraram-se definitivos

ou ao menos desejaacuteveis nos exeacutercitos heleniacutesticos ateacute a

ascensatildeo da legiatildeo romana quando suas implicaccedilotildees

logiacutesticas fizeram-se mais presentes134 Se os generais

heleniacutesticos consideravam os elefantes decisivos num

confronto aberto eles o fizeram por um motivo razoaacutevel de

132 Parke p208 133 Por exemplo a ξενολογία (recrutamento de tropas mercenaacuterias)

executada por Eumenes tal qual relatada em Diod 1861 134 Por exemplo a dificuldade no emprego de elefantes na Siciacutelia

durante a campanha piacuterrica

65

modo que o seu emprego transformou significativamente a

arte da guerra heleniacutestica

66

21 Macedocircnios xenoi misthophoroi e pantodapoi

Durante as Guerras dos Diaacutedocos ao lado dos mercenaacuterios

conhecidos desde a campanha de Alexandre (agrianos

traacutecios tessaacutelios cretenses entre outros) os macedocircnios

desempenharam uma funccedilatildeo de grande importacircncia na

composiccedilatildeo dos exeacutercitos heleniacutesticos A falange

representava a forccedila de apoio tornando-se responsaacutevel em

boa medida pela manutenccedilatildeo do centro da formaccedilatildeo ao passo

que a cavalaria e os elefantes de combate (quando

disponiacuteveis) realizavam a ofensiva nas alas e procuravam

decidir a peleja

Conforme veremos adiante apoacutes desferir um ataque

inesperado ao espaccedilo aberto pela marcha irregular da

infantaria de Eumenes Antiacutegono conseguiu na batalha de

Paraitacene (317 aC) alinhar novamente a sua falange ao

peacute do monte para onde os soldados haviam se retirado

reestruturando boa parte da linha defensiva de seu

exeacutercito Neste caso a reorganizaccedilatildeo da infantaria

macedocircnica em campo de batalha teria assegurado por um

lado a vitoacuteria do comandante aparentemente derrotado e

por outro devido agrave irregularidade da marcha dos infantes

inimigos a derrota daquele que pensava ter vencido o

confronto135

Sendo os macedocircnios de reconhecida importacircncia nos

primeiros 20 anos subsequentes agrave morte de Alexandre o

questionamento sobre a multiplicaccedilatildeo de suas apariccedilotildees no

relato de Diodoro se faz necessaacuterio Por que razatildeo as

referecircncias a eles aumentaram no periacuteodo de divisatildeo das

chamadas ldquotropas nacionaisrdquo entre os generais de Alexandre

o que forccedilosamente teria reduzido o seu nuacutemero em cada um

dos exeacutercitos que lutavam entre si pela supremacia militar

135 Diod 1930

67

Griffith136 e Launey

137 apresentam explicaccedilotildees idecircnticas

para tal evento Em primeiro lugar dada a impossibilidade

dos nuacutemeros apresentados por Diodoro138

para as tropas

macedocircnicas o ponto de partida se torna a valoraccedilatildeo

teacutecnica adquirida por makedon no seacutecIII aC

especialmente no Egito ou seja o termo deixou de ser ldquouma

garantia de proveniecircncia geograacuteficardquo139 e passou a designar

unicamente um ldquocavaleiro ou soldado de infantaria

pesadamente armados segundo as tradiccedilotildees macedocircnicasrdquo140

Notamos entatildeo a fusatildeo da referecircncia eacutetnica com a

valoraccedilatildeo teacutecnica do termo makedon o que por vezes torna

impossiacutevel a delimitaccedilatildeo dos batalhotildees formados unicamente

por veteranos de Alexandre ou novos macedocircnios exceto

quando os primeiros satildeo mencionados como arguraspides em

contraposiccedilatildeo agravequeles provenientes das satrapias e armados

com equipamento macedocircnico

Outras referecircncias relevantes nos exeacutercitos

heleniacutesticos satildeo os mercenaacuterios gregos propriamente ditos

conhecidos como xenoi os misthophoroi e as tropas

asiaacuteticas ou pantodapoi recrutadas nas proviacutencias e

listadas entre os demais soldados servindo ora como

cavaleiros e arqueiros ora como infantaria de pouca

utilidade se comparada agravequela dos mercenaacuterios gregos

Deve-se observar ainda que estas natildeo satildeo categorias

necessariamente excludentes uma vez que encontramos por

exemplo em Diodoro141

ldquopantodapoi armados com equipamento

macedocircnicordquo o que sugere uma possibilidade dupla de

tratamento Apenas os xenoi se diferenciam claramente dos

misthophoroi ambos podem ser traduzidos como mercenaacuterios

136 Griffith p41 137 Marcel Launey Recherches sur les armeacutees helleacutenistiques Paris

Boccard 1949 2 vols Vol1 Pp290-93 138 Diod 1830 139 Launey opcit p290 140 Launey opcit p293 141 Diod 1914 ldquo[hellip] τοὺς δὲ εἰς τὴν Μακεδονικὴν τάξιν καθωπλισμένους παντοδαποὺς []rdquo

68

mas os primeiros satildeo quase sempre dispostos como infantaria

pesada (na linha de frente) enquanto os uacuteltimos fazem

referecircncia agraves tropas levemente armadas e constituiacutedas por

pantodapoi ou tropas asiaacuteticas com origem eacutetnica bem

definida

Vejamos a organizaccedilatildeo do exeacutercito de Antiacutegono em 317

aC de acordo com Diodoro142 num trecho esclarecedor

quanto agrave temaacutetica em questatildeo

Quanto agrave infantaria mais de nove mil mercenaacuterios [οἱ ξένοι] foram dispostos agrave frente proacuteximo a eles [foram dispostos] trecircs mil liacutecios e panfiacutelios e em seguida

mais de oito mil tropas mistas armadas com equipamento

macedocircnico [παντοδαποὶ δ εἰς τὰ Μακεδονικὰ καθωπλισμένοι] [] Agrave frente dos cavaleiros na ala direita adjacente agrave

falange eram 500 mercenaacuterios de origem mista [μισθοφόροι παντοδαποὶ] []

Haacute dois tipos de mercenaacuterios na passagem acima Os

primeiros em nuacutemero de 9000 eram claramente soldados de

infantaria pesadamente armados hoplitas mercenaacuterios Os

uacuteltimos dispostos como cavaleiros eram tambeacutem tropas

mercenaacuterias mas de uma categoria diferente natildeo soacute por

combaterem a cavalo mas por serem asiaacuteticos Noutras

palavras mercenaacuterios asiaacuteticos satildeo tatildeo mercenaacuterios quanto

os que advecircm da Greacutecia poreacutem a distinccedilatildeo estabelecida pelo

uso dos dois termos deve ser notada ainda que natildeo possamos

mensurar qualquer diferenccedila no tratamento dado a ambos por

parte do empregador

Os pantodapoi satildeo comumente citados por Diodoro como

exposto e em diversos momentos analisados ao longo do

capiacutetulo mas a sua participaccedilatildeo em batalha natildeo tem

destaque na narrativa do historiador siciliano da mesma

142 Diod 1929 ldquoτν δὲ πεζν πρτοι μὲν ἐτάχθησαν οἱ ξένοι πλείους ὄντες τν ἐννακισχιλίων μετὰ δὲ τούτους Λύκιοι καὶ Παμφύλιοι τρισχίλιοι παντοδαποὶ δ εἰς τὰ Μακεδονικὰ καθωπλισμένοι πλείους τν ὀκτακισχιλίων ἐπὶ πᾶσι δὲ Μακεδόνες ο πολὺ ἐλάττους τν ὀκτακισχιλίων []τν δ ἱππέων πρτοι μὲν ἦσαν ἐπὶ τοῦ δεξιοῦ κέρατος συνάπτοντες τῆ φάλαγγι μισθοφόροι παντοδαποὶ πεντακόσιοι []rdquo

69

forma que os mercenaacuterios no relato de Arriano sobre a

campanha de Alexandre As tropas de origem eacutetnica exata

por sua vez natildeo constituiacuteram uma exceccedilatildeo a essa regra a

natildeo ser por apariccedilotildees raacutepidas e escassas mas por vezes

determinantes como no caso dos capadoacutecios143

143 Notadamente no embate entre Eumenes e Craacutetero

70

22 Os elefantes de combate

Tomarei como ponto de partida para a investigaccedilatildeo

detalhada acerca dos elefantes de combate e de seu papel na

arte da guerra heleniacutestica o primeiro embate seacuterio entre os

paquidermes e a infantaria macedocircnica ainda que tal

encontro tenha ocorrido momentos antes do iniacutecio oficial da

eacutepoca heleniacutestica em 323 aC

Na batalha do Hidaspes (326 aC)144 Poro dispocircs seus

elefantes (cerca de 200) agrave frente da infantaria na

primeira linha de combate segundo Arriano145 com

intervalos de aproximados 30 metros (διέχοντα ἐλέφαντα ἐλέφαντος ο

μεῖον πλέθρου) impedindo que a cavalaria de Alexandre

aterrorizada pudesse se aproximar146 A infantaria indiana

(30000) seguia para as alas com tropas montadas

encerrando a formaccedilatildeo (2000) em ambos os flancos Por

uacuteltimo carros de guerra (300) estavam posicionados agrave

frente da cavalaria sendo esta a organizaccedilatildeo geral das

tropas de Poro para a batalha Em contrapartida Alexandre

concentrou a cavalaria (5500) na ala direita onde

normalmente os Companheiros combatiam com a intenccedilatildeo de

forccedilar uma alteraccedilatildeo na formaccedilatildeo da cavalaria indiana

assim como atacaacute-la por completo em sua ala esquerda As

duas iparquias sob o comando de Coeno foram enviadas sobre

a direita inimiga no momento em que esta realizou a

inversatildeo pela qual Alexandre esperava147 Aos soldados da

144 Os elefantes jaacute haviam sido utilizados pelos persas em Gaugamela

(Arr Anab 311 ldquoοἱ δὲ ἐλέφαντες ἔστησαν κατὰ τὴν Δαρείου ἴλην τὴν βασιλικὴν []rdquo mas natildeo despenharam papel relevante na batalha 145 Arr Anab 515 146 Arr Anab 515 ldquoὡς πρὸ πάσης τε τς φάλαγγος τν πεζν παραταθναι ατῶ τοὺς ἐλέφαντας ἐπὶ μετώπου καὶ φόβον πάντῃ παρέχειν τοῖς ἀμφ Ἀλέξανδρον ἱππεῦσινrdquo 147 Arr 516 ldquoΚοῖνον δὲ πέμπει ὡς ἐπὶ τὸ δεξιόν []rdquo Afinal ldquopara a direita de Alexandre ou contra a direita inimigardquo A questatildeo colocada por

Brunt tradutor de Arriano na ediccedilatildeo Loeb destaca uma grande confusatildeo

na interpretaccedilatildeo acerca do posicionamento das tropas em Hidaspes As

palavras iniciais (Κοῖνον δὲ πέμπει ὡς ἐπὶ τὸ δεξιόν) tecircm sido interpretadas na melhor discussatildeo sobre o assunto um artigo de Hamilton de trecircs

formas distintas (1) para a direita de Alexandre (2) em direccedilatildeo agrave

direita indiana como uma ldquofintardquo (3) contra a direita indiana em

forma de ataque Aqui adotei a segunda interpretaccedilatildeo devido agrave maneira

71

infantaria (15000)148

Alexandre ordenou que avanccedilassem

somente quando os cavaleiros indianos fossem postos em

confusatildeo contra seu proacuteprio exeacutercito149 Quanto aos

cavaleiros arqueiros estes foram uacuteteis para o ataque de

longa distacircncia causando baixas na ala esquerda inimiga

um pouco mais ao centro do local que Alexandre pretendia

atacar

Assim que a cavalaria indiana investiu contra os

Companheiros e o regimento de Dahae (recrutado na Aacutesia e

utilizado pela primeira vez no exeacutercito de Alexandre)

Coeno realizou o que lhe fora ordenado e atacou as tropas

montadas de Poro pelo flanco destruindo sua formaccedilatildeo numa

manobra compressora150 provavelmente apoacutes ter acompanhado a

inversatildeo das tropas de Poro Parte dos cavaleiros indianos

entatildeo partiu desordenada em direccedilatildeo aos elefantes

exatamente no momento em que a infantaria macedocircnica

iniciou o seu avanccedilo Segundo Arriano ldquoa proacutepria falange

macedocircnicardquo (ἡ φάλαγξ ατὴ τν Μακεδόνων) arremessou diversos

dardos contra os condutores dos elefantes e ldquoformando um

anel em torno dos animais descarregou dardos por todos os

ladosrdquo151

A partir deste ponto os paquidermes avanccedilaram em

direccedilatildeo agrave infantaria e comeccedilaram a devastar (ἐκεράϊζε) toda a

como a batalha se desenrolou isto eacute o caminho mais provaacutevel para uma

compressatildeo da cavalaria indiana por Alexandre e Coeno era a

perseguiccedilatildeo das tropas indianas durante uma inversatildeo da ala direita

para a esquerda Para uma discussatildeo completa a respeito da formaccedilatildeo

indiana consultar J R Hamilton ldquoThe Cavalry Battle at the

Hydaspesrdquo in JHS 76 27-28 1956 148 Richard D Milns Alexander the Great London Robert Hale 1968

P211 149 Arr Anab 516 150 Arr Anab 517 151 Arr Anab 517 ldquoἔς τε τοὺς ἐπιβάτας ατν ἀκοντίζοντες καὶ ατὰ τὰ θηρία περισταδὸν πάντοθεν βάλλοντεςrdquo Ora a falange natildeo possuiacutea mobilidade

suficiente para executar tal ldquoanelrdquo muito menos os falangistas

carregavam dardos Trata-se evidentemente de um equiacutevoco de Arriano

Cuacutercio (1424) refere-se aos agrianos e traacutecios o que soa mais

provaacutevel ainda que a reconstruccedilatildeo da formaccedilatildeo macedocircnica a partir

desta informaccedilatildeo natildeo seja possiacutevel a menos que se admita apenas que

ambas as tropas levemente armadas estavam dispostas desde o iniacutecio do

embate agrave frente da falange

72

falange Os cavaleiros macedocircnios enquanto isso ocorria

formaram um soacute esquadratildeo e empurraram de volta o restante

da cavalaria indiana contra os elefantes o que ocasionou

uma verdadeira carnificina seja pela morte dos condutores

ou pela simples confusatildeo da situaccedilatildeo Boa parte dos

indianos recuou por entre os elefantes enquanto recebiam

os duros golpes de sua proacutepria maacutequina de guerra152

Alexandre entatildeo ordenou o avanccedilo da falange a qual

deveria adotar a formaccedilatildeo mais compacta possiacutevel Os

indianos jaacute natildeo contavam com sua cavalaria e a infantaria

era incapaz de deter o ataque das tropas montadas de

Alexandre que os cercaram por todos os lados

Como observou Milns a vitoacuteria sobre os indianos no

Hidaspes ldquofoi a uacuteltima grande batalha que Alexandre travou

e diriam alguns historiadores a sua melhorrdquo153 De fato

Alexandre reverteu o impacto ndash ou parte dele ndash causado pela

melhor arma do exeacutercito indiano o elefante Contudo

existe outra questatildeo que natildeo tem relaccedilatildeo direta com o

gecircnio militar do rei macedocircnio mas sim com a emergecircncia

desta nova ldquomaacutequina de guerrardquo como integrante (e por vezes

siacutembolo) dos exeacutercitos heleniacutesticos

De um lado a batalha do Hidaspes ilustra como o

ineditismo no combate aos elefantes (por parte dos

ocidentais) provocou um terriacutevel efeito psicoloacutegico nos

macedocircnios especialmente nos anos que se seguiram agrave

batalha De outro mostra que a emergecircncia do elefante na

guerra heleniacutestica foi acompanhada de um paradoxo advindo

do uso de uma arma poderosa mas incapaz de distinguir

aliados de inimigos aleacutem de ser bastante complicada do

ponto de vista logiacutestico

Noutras palavras considerar os fracassos e sucessos

dos elefantes em campos de batalha heleniacutesticos deve partir

152 Arr Anab 517 153 Milns opcit p215

73

de uma premissa baacutesica bem ou mal-sucedidos nos

confrontos os paquidermes constituiacuteram um ldquopesadelo

administrativordquo o que coloca as condiccedilotildees necessaacuterias ao

seu uso de um lado da balanccedila e os resultados obtidos caso

tais condiccedilotildees pudessem ser alcanccediladas do outro

Problemas relativos ao atraso da marcha do exeacutercito devido

agrave lentidatildeo dos elefantes devem ter sido uma constante no

rol dos inconvenientes quanto ao abastecimento das tropas

antigas Diodoro nos fornece um importante relato sobre

essa questatildeo quando menciona o afastamento dos paquidermes

em relaccedilatildeo aos demais homens de Eumenes o que resultou na

sua vulnerabilidade154 e consequumlente enfraquecimento parcial

do exeacutercito Fica evidente que natildeo fosse a manobra

executada pelo comandante dos elefantes que liderou os

paquidermes ldquoem quadradordquo (οἱ τν ἐλεφάντων ἡγεμόνες τάξαντες εἰς

πλινθίον τὰ θηρία προγον) dispondo o suprimento no centro da

formaccedilatildeo e o pequeno nuacutemero de cavaleiros que os

acompanhava na retaguarda155

os retardataacuterios teriam sido

todos facilmente aniquilados pela investida de Antiacutegono

Por uacuteltimo haacute ainda que se destacar as diferenccedilas

entre os elefantes africanos e indianos quanto aos seus

usos militares Durante bastante tempo acreditou-se que os

elefantes africanos eram inferiores aos indianos afirmaccedilatildeo

originada no relato de Cteacutesias em sua obra sobre uma Iacutendia

exoacutetica e de fartura156 O criteacuterio adotado por ele (e

reproduzido por diversos autores antigos) foi unicamente a

produccedilatildeo de alimentos o que insatisfatoriamente resume o

problema a uma uacutenica sentenccedila os africanos eram menores

porque viviam numa regiatildeo onde a comida era escassa isto

eacute o deserto Tal comparaccedilatildeo encontra eco em Poliacutebio157

154 Diod 1939 [] ldquoτοὺς δ ἐλέφαντας μέλλειν ἀναζευγνύειν ἐκ τς χειμασίας καὶ πλησίον εἶναι μεμονωμένους πάσης βοηθείας []rdquo 155 Diod 1939 156 FrGH 688 F9 157 Polib 584 ldquoτὰ δὲ πλεῖστα τν τοῦ Πτολεμαίου θηρίων ἀπεδειλία τὴν μάχην ὅπερ ἔθος ἐστὶ ποιεῖν τοῖς Λιβυκοῖς ἐλέφασι τὴν γὰρ ὀσμὴν καὶ φωνὴν ο μένουσιν ἀλλὰ καὶ

74

[] a maior parte dos elefantes de Ptolomeu evitou o

combate como normalmente ocorre com os elefantes

africanos pois sendo incapazes de suportar o odor e o

grito dos elefantes indianos e aterrorizados penso

eu com a estatura e a forccedila [τὸ μέγεθος καὶ τὴν δύναμιν] dos mesmos eles voltam-lhes as costas imediatamente e

potildeem-se em fuga antes de sua aproximaccedilatildeo

Em 1926 Tarn apresentou uma questatildeo fundamental com

relaccedilatildeo agraves diferenccedilas entre os elefantes africanos e

indianos o que dificultou a repeticcedilatildeo do argumento pouco

fundamentado de Cteacutesias Filologicamente bem amparado Tarn

sustentou que tais autores nada sabiam sobre os elefantes

mas o seu heroacutei Alexandre havia empregado o elefante

indiano158 Natildeo existe nada definitivamente aleacutem da

tradiccedilatildeo literaacuteria originada da observaccedilatildeo pouco criteriosa

de Cteacutesias que possa sustentar a superioridade dos

elefantes indianos diante dos africanos em campo de

batalha

Vindos da Iacutendia ou recrutados na Aacutefrica os elefantes

mostraram-se decisivos nos campos de batalha heleniacutesticos

como veremos no item 33 e no capiacutetulo 4 Encontrados

terreno plano condiccedilotildees excelentes de abastecimento e

clima e um inimigo cuja forccedila primaacuteria fosse composta por

infantaria pesada disposta em formaccedilatildeo cerrada os

elefantes constituiacuteam uma das mais eficientes ndash senatildeo a

mais eficiente ndash arma empregada pelos comandantes

heleniacutesticos notadamente nas raras batalhas decisivas do

periacuteodo

καταπεπληγμένοι τὸ μέγεθος καὶ τὴν δύναμιν ὥς γ ἐμοὶ δοκεῖ φεύγουσιν εθέως ἐξ ἀποστήματος τοὺς Ἰνδικοὺς ἐλέφανταςrdquo Cf Diod 216 e 235 158 William W Tarn ldquoPolybius and a literary commonplacerdquo in CQ 20

98-100 1926 P100

75

3 As Guerras dos Diaacutedocos

31 Eumenes versus Craacutetero

No ano de 321 aC durante a realizaccedilatildeo da campanha de

Perdicas no Egito Eumenes fora enviado ao Helesponto por

Perdicas para evitar o avanccedilo de Craacutetero e Antiacutepatro159 Uma

das primeiras medidas do comandante grego foi o

recrutamento de um grande corpo de tropas montadas de sua

proacutepria satrapia isto eacute a Capadoacutecia Apoiado por Alcetas

submetido ao seu comando por ordem de Perdicas contava jaacute

com certo nuacutemero de macedocircnios insuficientes para a

ocasiatildeo os quais haviam sido incorporados apoacutes a vitoacuteria

sobre o exeacutercito de Neoptolemos160

De acordo com Diodoro161

ao saber do avanccedilo do exeacutercito

inimigo Eumenes coletou suas forccedilas particularmente sua

cavalaria de todos os lados (ἤθροισε πανταχόθεν τὰς δυνάμεις καὶ

μάλιστα τὴν ἱππικήν) Em relaccedilatildeo agrave infantaria sobre a qual natildeo

depositava muita esperanccedila contava com 20000 homens de

todas as raccedilas (παντοδαποὺς τοῖς γένεσιν) perfazendo um total de

25000 homens se somada a cavalaria adquirida Contra o

seu exeacutercito Craacutetero contava com macedocircnios conhecidos por

sua coragem (οἱ Μακεδόνες διαβεβοημένοι ταῖς ἀνδραγαθίαις) e dois mil

cavaleiros como auxiliares

Apoacutes a narraccedilatildeo de um duelo entre os comandantes

Diodoro menciona a derrota da cavalaria de Craacutetero sendo

que ao constatar a morte de ambos os liacutederes macedocircnios

Eumenes ordenou a retirada de seu exeacutercito privando-se do

aniquilamento completo do inimigo em prol da negociaccedilatildeo

cujo objetivo era a incorporaccedilatildeo da infantaria derrotada

Nas palavras do historiador siciliano

159 Diod 1829 160 Diod 1829 Arr FGrH 1569 Justino 138 Plutarco Eumenes 47 161 Diod 1830

76

Erigido o monumento que registrou a derrota do inimigo

[τρόπαιον] e feitos os ritos fuacutenebres [Eumenes] enviou agrave falange que havia se mostrado inferior [πρὸς τὴν τν ἡττημένων φάλαγγα] um convite de incorporaccedilatildeo agraves suas

tropas dando-lhes tambeacutem permissatildeo para recuar aos

lugares que desejassem

Este caso esclarece desde o iniacutecio a distinccedilatildeo entre

as tropas macedocircnias ldquoconhecidas por sua coragemrdquo e os

demais soldados de infantaria ldquohomens de todas as raccedilasrdquo

No entanto apoacutes a vitoacuteria sobre o exeacutercito inimigo

Eumenes abertamente escolhe negociar a incorporaccedilatildeo das

tropas inimigas honrando os mortos em combate ao inveacutes de

completar a manobra de envolvimento e provocar o

aniquilamento completo da falange a qual havia se mostrado

inferior em batalha Note-se que a taacutetica continuou a ser a

mesma empregada nos tempos de Alexandre mas a profusatildeo do

serviccedilo mercenaacuterio fez com que a praacutetica da incorporaccedilatildeo de

tropas profissionais fosse preferiacutevel ao aniquilamento do

inimigo Aleacutem disso natildeo haacute sequer uma menccedilatildeo de tratamento

diferenciado para as tropas macedocircnias por excelecircncia se

as considerarmos legitimamente macedocircnias em relaccedilatildeo agrave

infantaria asiaacutetica de Eumenes Eram mercenaacuterias como as

demais ainda que natildeo fique claro o pagamento ou tempo de

serviccedilo

Em seguida Eumenes voltou-se contra Antiacutegono

77

32 Antiacutegono versus Eumenes

Em seu primeiro confronto com Eumenes Antiacutegono

utilizando-se de um estratagema abriu matildeo inicialmente

de uma decisatildeo travada ao modelo alexandrino e decidiu

subornar certo Apolonides comandante da cavalaria de

Eumenes fazendo com que ele se tornasse um traidor e

desertasse em meio agrave batalha (ἔπεισε προδότην γενέσθαι καὶ κατὰ τὴν

μάχην ατομολσαι)162

Nesta ocasiatildeo entretanto notamos uma situaccedilatildeo

paradoxal quanto ao comportamento do comandante

heleniacutestico Na situaccedilatildeo anterior Eumenes optou por

incorporar as tropas inimigas ainda que sem sucesso ao

inveacutes de prosseguir com a manobra de envolvimento e

aniquilamento de boa parte do exeacutercito de Craacutetero Um ano

depois em 320 aC Antiacutegono apoacutes ter subornado o

comandante de cavalaria de Eumenes tendo a infantaria em

suas matildeos optou por concluir a manobra e aniquilar cerca

de 8000 inimigos Nas palavras de Diodoro

Quando a batalha se tornou violenta e Apolonides

desertou inesperadamente com sua cavalaria Antiacutegono

ganhou o dia e aniquilou cerca de 8000 inimigos Ele

tambeacutem se apoderou de todo o suprimento de modo que os

soldados de Eumenes ficaram abatidos pela derrota e sem

esperanccedila devido agrave perda de seus suprimentos163

Em momento algum Diodoro menciona o interesse de

Antiacutegono em incorporar as tropas de Eumenes durante a

batalha com exceccedilatildeo da cavalaria a qual havia previamente

subornado No entanto logo apoacutes relatar o refuacutegio do

comandante grego num forte armecircnio o que lhe foi garantido

162 Diod 1840 163 Diod 1840 ldquoγενομένης δὲ μάχης ἰσχυρᾶς καὶ τοῦ Ἀπολλωνίδου μετὰ τν περὶ ατὸν ἱππέων ποιήσαντος ἀλόγως ἀπὸ τν ἰδίων διάστασιν ἐνίκησεν ὁ Ἀντίγονος καὶ ἀνεῖλεν τν ἐναντίων εἰς ὀκτακισχιλίους ἐκυρίευσε δὲ καὶ τς ἀποσκευς ἁπάσης ὥστε τοὺς περὶ τὸν Εμεν στρατιώτας διὰ μὲν τὴν ἧτταν καταπλαγναι διὰ δὲ τὴν ἀπώλειαν τς ἀποσκευς ἀθυμσαιrdquo Nesta citaccedilatildeo com exceccedilatildeo de ἰσχυρᾶς traduzido aqui como ldquoviolentordquo seguindo o LSJ (ἰσχυρός) optei por utilizar a traduccedilatildeo de Geer

78

por uma alianccedila com os nativos o historiador siciliano faz

referecircncia agrave contrataccedilatildeo por parte de Antiacutegono dos homens

os quais haviam servido Eumenes Seguindo o exemplo

anterior a compreensatildeo da guerra como ofiacutecio serviu de

paracircmetro para a composiccedilatildeo de grandes exeacutercitos o

trampolim a partir do qual generais aspiravam agraves grandes

coisas exatamente como no caso de Antiacutegono Ao tornar-se

senhor de todas as posses que antes pertenciam a Eumenes

das quais se destacava o grande exeacutercito as ambiccedilotildees

poliacuteticas de Antiacutegono ganharam nova face

No momento em que Antiacutegono tomou para si a forccedila

militar de Eumenes tornou-se senhor das suas satrapias

e das suas propriedades levantou grande soma de

dinheiro e aspirou agraves grandes coisas [μειζόνων πραγμάτων ὠρέγετο] Nenhum comandante em toda a Aacutesia possuiacutea forccedila militar suficiente para lutar pela supremacia

164

O comando de um grande exeacutercito era sem duacutevida o

motor da basileia e um dos maiores estiacutemulos agrave realizaccedilatildeo

de campanhas militares e conquista de territoacuterios

A incorporaccedilatildeo das tropas natildeo era contudo o uacutenico

objetivo dos generais cujo pensamento encontrava-se marcado

pela condiccedilatildeo mercenaacuteria Historiadores tambeacutem entravam no

jogo mesmo que tivessem servido num primeiro momento ao

seu inimigo Note-se por exemplo na esteira do contexto

em destaque que Antiacutegono iraacute contratar os serviccedilos de

Hierocircnimo o historiador logo apoacutes a vitoacuteria sobre Eumenes

na Capadoacutecia tendo em seguida o enviado como mensageiro a

Eumenes exortando o uacuteltimo a esquecer a derradeira batalha

e a se tornar seu amigo e aliado165

Com a mudanccedila na poliacutetica externa adotada por Antiacutegono

levada a cabo a partir da aquisiccedilatildeo dos espoacutelios

164 Diod 1841 ldquoἈντίγονος δὲ παραλαβὼν τὴν μετ Εμενοῦς δύναμιν καὶ τν σατραπειν καὶ τν ἐν ταύταις προσόδων κύριος γενόμενος ἔτι δὲ παραλαβὼν πλθος χρημάτων μειζόνων πραγμάτων ὠρέγετο οκέτι γὰρ οδεὶς τν κατὰ τὴν Ἀσίαν ἡγεμόνων ἀξιόμαχον εἶχε δύναμιν διαγωνίσασθαι πρὸς ατὸν περὶ τν πρωτείωνrdquo 165 Diod 1850

79

provenientes da vitoacuteria sobre Eumenes o general macedocircnico

tratou de ir ao encontro de Alcetas irmatildeo de Perdicas

destruindo-o completamente Segundo Diodoro166

Antiacutegono

liderou 6000 cavaleiros numa carga violenta contra a

falange inimiga no intuito de cortar a linha de retirada de

Alcetas Em seguida os elefantes foram enviados

frontalmente contra a falange ao mesmo tempo em que os

cavaleiros envolveram o inimigo por todos os lados tendo a

infantaria permanecido somente como forccedila de apoio

Diodoro natildeo nos informa sobre a proveniecircncia eacutetnica da

cavalaria de Antiacutegono mas note que haacute pouco ele contava

com 2000 cavaleiros e rapidamente passou para cerca de

6000 um forte indiacutecio de que a renovaccedilatildeo de suas forccedilas

montadas foi liderada por capadoacutecios Em primeiro lugar

talvez esta seja a constataccedilatildeo mais oacutebvia mas ainda assim

digna de ser mencionada Antiacutegono marchou com sua forccedila

militar da Capadoacutecia para a Pisiacutedia (μετὰ [] ἐκ Καππαδοκίας

προγεν ἐπὶ τὴν Πισιδικήν)

Em segundo lugar sua cavalaria triplicou desde o

momento anterior agrave batalha contra Eumenes ocorrida havia

menos de um ano Uma vez na Capadoacutecia dado o curto tempo

para a ampliaccedilatildeo das suas forccedilas montadas e a

disponibilidade de recrutamento de cavaleiros pesadamente

armados na regiatildeo outra explicaccedilatildeo natildeo parece possiacutevel

Logo apoacutes a vitoacuteria sobre Alcetas Antiacutegono obteve a

rendiccedilatildeo de todo o resto do exeacutercito inimigo por negociaccedilatildeo

e o alistou em suas proacuteprias fileiras167 agregando

consideraacutevel forccedila ao seu poderio beacutelico

Ainda que a manobra de envolvimento fosse como neste

caso realizada ateacute o momento em que o inimigo batesse

desesperadamente em retirada a porccedilatildeo do exeacutercito que

166 Diod 1844 167 Diod 1845 ldquoὁ δ Ἀντίγονος τούτους μὲν καθ ὁμολογίαν παραλαβὼν τοὺς λοιποὺς εἰς τὰ ἴδια τάγματα κατέταξε []rdquo

80

pudesse ser submetida com vida e incorporada por negociaccedilatildeo

era sempre bem recebida aleacutem de se mostrar crucial na

estruturaccedilatildeo de trajetoacuterias poliacuteticas pautadas na conquista

militar

Na sequumlecircncia dos acontecimentos168 Eumenes jaacute na Aacutesia

Menor enviou cartas aos saacutetrapas do norte solicitando o

seu apoio em nome dos reis Basicamente as duas partes

deveriam se encontrar em Susa mas Fiacuteton a esta altura

saacutetrapa da Meacutedia obteve tambeacutem o controle das satrapias do

norte ordenando a morte de Filotas e substituindo o mesmo

por Eudamus seu irmatildeo Apoacutes travar batalha com o exeacutercito

dos saacutetrapas do sul Fiacuteton concentrou seu exeacutercito num soacute

lugar aguardando o apoio de Seleuco motivo pelo qual

Eumenes encontrou todas as tropas reunidas quando da sua

chegada a Susianecirc

De acordo com Diodoro169

as tropas que se juntaram a

Eumenes foram (1) 10000 arqueiros e fundibulaacuterios persas

3000 pantodapoi armados como macedocircnios (τοὺς δὲ εἰς τὴν

Μακεδονικὴν τάξιν καθωπλισμένους παντοδαποὺς) 600 cavaleiros gregos

e traacutecios e mais de 400 cavaleiros persas todos vindos

sob comando de Peucestes um dos antigos soldados da elite

de Alexandre (2) 1500 pezoi e 700 cavaleiros liderados

por Tlepolemus o macedocircnio feito saacutetrapa da Carmacircnia (3)

1000 pezoi e 610 cavaleiros trazidos por Sibyrtius

comandante da Arachosia (4) 1200 pezoi e 400 cavaleiros

despachados por Oxyartes (5) 1500 pezoi e 1000

cavaleiros vindos com Stasander e (6) 500 cavaleiros 300

pezoi e 120 elefantes todos trazidos por Eudamo Somados a

estes 18500 soldados de infantaria e 4210 cavaleiros

Geer170

lembra que devemos acrescentar as forccedilas trazidas

por Amfiacutemaco da Mesopotacircmia apresentado na batalha de

168 Diod 1913 169 Diod 1914 170 Russel M Geer tradutor de Diodoro na ediccedilatildeo da LOEB p 269

81

Gabienecirc171 com seus 600 cavaleiros e talvez alguma

infantaria natildeo mencionada

Antiacutegono em contrapartida recebeu tropas de Seleuco e

Fiacuteton nomeando Seleuco saacutetrapa de Susa e ordenando que

este conquistasse a cidade jaacute que Xenofilos o tesoureiro

se recusava a aceitar suas ordens172 Ao cruzar a Meacutedia por

um caminho alternativo agravequele que havia sido bloqueado por

Eumenes Antiacutegono ordenou a Fiacuteton que recrutasse quantos

cavaleiros e cavalos de guerra fosse possiacutevel assim como

animais de carga Ao retornar de sua missatildeo com cerca de

2000 cavaleiros 1000 cavalos 500 talentos do tesouro

real e uma quantia de mulas suficientes para todo o

exeacutercito173

Fiacutethon deu a Antiacutegono a chance de reerguer o

moral das tropas aleacutem de reforccedilar consideravelmente a

cavalaria de seu exeacutercito No total Antiacutegono contava com

28000 pezoi 8000 cavaleiros e 65 elefantes

Apoacutes o desentendimento entre Eumenes apoiado por

Antigenes e os saacutetrapas ansiosos para retornar aos seus

assuntos pessoais174

o general grego optou por atender agraves

vontades dos saacutetrapas temendo perder seu valioso apoio

Apoacutes dias de marcha rumo a Perseacutepolis ambos os exeacutercitos

inimigos acamparam a curta distacircncia e iniciaram os

preparativos para a batalha Antiacutegono entretanto procurou

subornar parte das tropas inimigas como nos relata

Diodoro175

No quinto dia Antiacutegono enviou mensageiros aos saacutetrapas

e aos macedocircnios instigando-os a natildeo obedecer Eumenes

e a confiar apenas no proacuteprio Antiacutegono Disse aos

171 Diod 1927 172 Diod 1918 173 Diod 1920 174 Diod1921 175 Diod 1925 ldquo[]τῆ πέμπτῃ δ Ἀντίγονος πρεσβευτὰς ἐξαπέστειλε πρός τε τοὺς σατράπας καὶ τοὺς Μακεδόνας ἀξιν Εμενεῖ μὲν μὴ προσέχειν ἑαυτῶ δὲ πιστεύειν συγχωρήσειν γὰρ ἔφη τοῖς μὲν σατράπαις ἔχειν τὰς ἰδίας σατραπείας τν δὲ ἄλλων τοῖς μὲν χώραν πολλὴν δώσειν τοὺς δὲ εἰς τὰς πατρίδας ἀποστελεῖν μετὰ τιμς καὶ δωρεν τοὺς δὲ στρατεύεσθαι βουλομένους διανεμεῖν εἰς τὰς ἑκάστῳ καθηκούσας τάξειςrdquo

82

saacutetrapas que permitiria a manutenccedilatildeo de suas proacuteprias

satrapias e aos macedocircnios que daria uma grande

extensatildeo de terra a alguns que enviaria os outros de

volta para casa com honra e presentes e que designaria

postos agravequeles que desejassem servir em seu exeacutercito

[τοὺς δὲ στρατεύεσθαι βουλομένους διανεμεῖν εἰς τὰς ἑκάστῳ καθηκούσας τάξεις]

Tendo fracassado em sua tentativa de incorporaccedilatildeo das

tropas inimigas antes mesmo da batalha Antiacutegono findou por

enfrentar Eumenes numa ocasiatildeo decisiva conhecida como

batalha de Paraitacene (317 aC)

Iniciada a batalha vendo que sua ala direita estava

sendo esmagada pelos cavaleiros arqueiros de Antiacutegono

(graccedilas agraves taacuteticas de ciacuterculo cujo objetivo era o ataque

aos flancos pelo uso dos arcos176) Eumenes ordenou o apoio

de sua ala esquerda comandada por Eudamo Apoacutes o movimento

de flanqueamento executado por soldados ligeiros e pela

parte mais levemente armada de sua cavalaria (τὴν ὅλην τάξιν τοῖς

μὲν ψιλοῖς καὶ τοῖς ἐλαφροτάτοις τν ἱππέων) conseguiu derrotar a ala

direita de Antiacutegono comandada por Fiacutethon

Em seguida apoacutes consideraacutevel tempo de combate entre as

falanges os homens de Eumenes venceram devido agrave

experiecircncia dos arguraspides de modo que muitos dos

oficiais de Antiacutegono apoacutes a derrota de sua ala esquerda e

de toda a sua falange aconselharam a batida em retirada

Antiacutegono no entanto ao ver que a infantaria inimiga havia

avanccedilado vitoriosamente em direccedilatildeo agrave sua no intuito de

persegui-la ateacute proacuteximo aos montes e que a ala de Eudamo

natildeo esperava por um ataque desferiu um violento golpe

contra a ala esquerda de seu inimigo recobrando com isso o

moral e as condiccedilotildees combativas de sua infantaria

aparentemente derrotada Assim nos relata Diodoro177

176 Diod 1930 ldquo[] περιιππεύσαντες δὲ τὸ κέρας καὶ πλαγίοις ἐμβαλόντες πυκνοῖς τοῖς βέλεσι κατετίτρωσκον []rdquo 177 Diod 1930 ldquoταχὺ δὲ διὰ τὸ παράδοξον τρεψάμενος τοὺς ἐναντίους καὶ πολλοὺς ἀνελὼν διαπέστειλε τν ἱππέων τοὺς ἐλαφροτάτους καὶ διὰ τούτων ἀνεκαλέσατο τοὺς φεύγοντας καὶ παρὰ τὴν πωρίαν πάλιν εἰς τάξιν κατέστησενrdquo

83

Uma vez que seu ataque foi inesperado ele [Antiacutegono]

rapidamente derrotou aqueles que o enfrentaram

destruindo muitos deles Entatildeo enviou os mais raacutepidos

de seus cavaleiros e por meio deles reuniu os soldados

que haviam batido em retirada alinhando-os mais uma

vez ao peacute dos montes

Como os soldados encontravam-se todos exaustos a

batalha prosseguiu durante o tempo necessaacuterio para a

certeza de sua indefiniccedilatildeo Embora o resultado natildeo tenha

sido claro Antiacutegono usou de sua legitimidade como

comandante e forccedilou acampamento proacuteximo a batalha

relativamente distante das bagagens O motivo para este ato

era simples para os gregos aquele que detinha o controle

dos ritos fuacutenebres assim que encerrada a peleja possuiacutea o

direito de declarar-se vitorioso178

Em seguida Eumenes dirigiu suas tropas para Gabenecirc

com excelentes condiccedilotildees de abastecimento179

enquanto

Antiacutegono conduziu seu exeacutercito atraveacutes do deserto proacuteximo a

Gadamala180

Alguns dias apoacutes o ataque parcialmente

frustrado aos elefantes de Eumenes atrasados se comparados

ao restante das tropas ambos os exeacutercitos fizeram frente

um ao outro em Gabenecirc

Tendo disposto seus homens da maneira que consideravam

mais eficiente os generais deram iniacutecio ao confronto

sendo que Antiacutegono e Demeacutetrio posicionados na ala direita

desferiram um ataque agrave cavalaria de Eumenes que a esta

altura lhes fazia frente Antes do embate entretanto

Peucestes saacutetrapa da Peacutersia esquivou-se da batalha e

deixou Eumenes somente com parte de sua cavalaria181

Por

consequumlecircncia Eumenes natildeo suportou o choque com a cavalaria

inimiga a qual rodeou o corpo de infantaria e investiu

178 Diod 1931 ldquo[Antiacutegono] ἠμφισβήτει τς νίκης ἀποφαινόμενος προτερεῖν ἐν ταῖς μάχαις τὸ τν πεσόντων κυριεῦσαιrdquo Outros exemplos segundo Geer satildeo

encontrados em Xen Hel 75 e Justino 66 179 Diod 1934 180 Diod 1937 181 Diod1942

84

contra a cavalaria na outra ala completando um semiciacuterculo

pela retaguarda inimiga

Embora as manobras acima detalhadas tenham sido de

grande importacircncia no desenrolar da batalha a participaccedilatildeo

crucial se deu com os tarentinos e medos enviados com a

missatildeo de capturar os suprimentos inimigos aproveitando-se

da pouca visibilidade provocada pela poeira do terreno A

partir deste movimento Eumenes parcialmente derrotado se

viu forccedilado a recuar e contra atacar a investida sorrateira

dos tarentinos e medos enquanto Antiacutegono soube aproveitar

o momento de vulnerabilidade dos arguraspides sem a

proteccedilatildeo dos flancos e ordenou a investida da cavalaria de

Fiacutethon182

Os resultados da batalha natildeo foram nada agradaacuteveis para

os homens de Eumenes que tiveram seus suprimentos filhos

mulheres e muitos outros parentes capturados pelo inimigo

Com isso Antiacutegono exterminou completamente o espiacuterito

combativo dos macedocircnios induzindo um comportamento

tipicamente heleniacutestico no lugar do extermiacutenio dos refeacutens

e inimigos derrotados (mas preservados em suas habilidades

de combate) o general optou por alistaacute-los

[] os macedocircnios secretamente iniciaram negociaccedilotildees

com Antiacutegono capturando e entregando Eumenes

recobrando seus suprimentos e apoacutes receberem promessas

alistaram-se no exeacutercito acampado [καὶ πίστεις λαβόντες κατετάχθησαν εἰς τὸ στρατόπεδον]183

Agora que Antiacutegono havia se tornado o mais poderoso dos

Diaacutedocos os seus rivais passaram a temer a consolidaccedilatildeo de

seu poder supremo abalado apenas por pequenas revoltas

182 Diod 1943 183 Diod 1943 [hellip] οἱ Μακεδόνες λάθρᾳ διαπρεσβευσάμενοι πρὸς Ἀντίγονον τὸν μὲν Εμεν συναρπάσαντες παρέδωκαν τὰς δ ἀποσκευὰς κομισάμενοι καὶ πίστεις λαβόντες κατετάχθησαν εἰς τὸ στρατόπεδον

85

locais como a insurreiccedilatildeo fracassada liderada por Fiacutethon

na Meacutedia184

Encerrada as operaccedilotildees de Cassandro no Peloponeso e

apoacutes a fuga de Seleuco para o Egito185 a resposta imediata

agrave transformaccedilatildeo no cenaacuterio poliacutetico heleniacutestico causada

pela emergecircncia de Antiacutegono como autoridade predominante na

lideranccedila dos exeacutercitos se deu com a alianccedila de Ptolomeu

Seleuco Cassandro e Lisiacutemaco

184 Diod 1946-48 185 Diod 1953 e Diod 1954 respectivamente

86

33 Antiacutegono versus Ptolomeu Seleuco Cassandro e

Lisiacutemaco

Assim que chegou ao Egito Seleuco tratou de convencer

Ptolomeu do risco que era deixar Antiacutegono ampliar suas

forccedilas sua arrogacircncia e suas ambiccedilotildees ao trono

macedocircnico186

Seleuco natildeo somente conseguiu estabelecer uma

alianccedila com o senhor do Egito mas tambeacutem alguns de seus

amigos obtiveram sucesso na cooptaccedilatildeo de Cassandro e

Lisiacutemaco Com isso apoacutes recusar a abordagem diplomaacutetica de

Antiacutegono que enviou mensageiros com o intuito de reforccedilar

sua amizade com os generais macedocircnicos em eacutepoca de crise

Ptolomeu Lisiacutemaco e Cassandro exigiram de Antiacutegono (1) a

entrega da Capadoacutecia e da Liacutecia a Cassandro (2) da Friacutegia

a Lisiacutemaco (3) de toda a Siacuteria a Ptolomeu e (4) da

Babilocircnia a Seleuco sem mencionar a partilha dos tesouros

conquistados com a vitoacuteria sobre Eumenes187

Daiacute por diante uma seacuterie de embates subsequumlentes agrave

formalizaccedilatildeo do desentendimento dos Diaacutedocos dominaraacute a

cena poliacutetica pelos proacuteximos 15 anos e uma narrativa de

todos os pormenores do conflito natildeo seria eficaz na

apresentaccedilatildeo dos argumentos que estou a desenvolver neste

capiacutetulo Portanto tratarei da batalha de Ipso por ser

suficientemente documentada188

(se levarmos em consideraccedilatildeo

que as demais batalhas nos chegaram apenas em pouquiacutessimos

detalhes) e possibilitar interpretaccedilotildees razoavelmente

seguras sobre a arte da guerra heleniacutestica no tempo dos

Diaacutedocos

De acordo com Plutarco189 Demeacutetrio contava com mais de

70000 soldados de infantaria 10000 cavaleiros e 75

elefantes enquanto seus adversaacuterios haviam trazido cerca

186 Diod 1956 187 Diod 19 57 188 A principal fonte eacute Plut Dem 28-30 que provavelmente seguiu

Hierocircnimo de Caacuterdia 189 Plut Dem 28

87

de 65000 soldados de infantaria 10500 cavaleiros 120

carros de guerra e 400 elefantes

Tatildeo logo os exeacutercitos iniciaram a peleja Demeacutetrio

avanccedilou em direccedilatildeo a Antiacuteoco filho de Ptolomeu e ao

derrotaacute-lo facilmente e iniciar uma perseguiccedilatildeo para longe

do campo de batalha levou consigo a melhor e maior porccedilatildeo

da cavalaria (τοὺς πλείστους καὶ κρατίστους τν ἱππέων) do exeacutercito de

Antiacutegono Ao observar que a falange inimiga estava

desprotegida num dos flancos Seleuco ldquoos manteve em medo

de ataquerdquo rodeando os inimigos em ato ameaccedilador fazendo

com que muitos deles viessem a ele por sua proacutepria vontade

e com que os demais batessem em retirada190 Por fim

enquanto Antiacutegono aguardava pelo retorno de seu filho

impossibilitado de voltar ao combate devido ao avanccedilo

frontal dos elefantes inimigos (contra os 75 elefantes de

Antiacutegono e em seguida contra a proacutepria infantaria do

rei) sendo esta uma manobra que lanccedilava os paquidermes no

caminho de Demeacutetrio uma saraivada de projeacuteteis o atingiu

pondo fim a sua vida

Demeacutetrio ainda tentou com seus 5000 soldados de

infantaria e 4000 cavaleiros restantes da batalha

resistir em Atenas onde possuiacutea embarcaccedilotildees e recursos

diversos mas no caminho fora avisado por um mensageiro de

que os cidadatildeos de Atenas decidiram natildeo receber nenhum dos

reis

A batalha de Ipso provavelmente representou uma

tentativa de transformaccedilatildeo das funccedilotildees da cavalaria algo

ineacutedito na guerra heleniacutestica Certamente por influecircncia da

guerra encaminhada na porccedilatildeo mais oriental do impeacuterio

Seleuco tentou fazer com que os elefantes desferissem o

ataque principal enquanto a cavalaria comandada por seu

filho Antiacuteoco forccedilava uma retirada de Demeacutetrio Mas quais

190 Plut Dem 29

88

seriam no confronto que pocircs fim agrave hegemonia de Antiacutegono

as vantagens conferidas a Seleuco pelo uso dos elefantes

A primeira delas estava fixada pelo nuacutemero de elefantes

(400 no total contra apenas 75 de Antiacutegono) Seleuco

sabendo disso os fez avanccedilar frontalmente contra o corpo

principal do exeacutercito antigocircnida provavelmente ordenando

que seu filho Antiacuteoco batesse em retirada e levasse

consigo a maior e melhor parte da cavalaria inimiga sob o

comando de Demeacutetrio Ainda que Plutarco natildeo mencione tal

manobra por parte de Antiacuteoco afirmando pelo contraacuterio

que as tropas montadas antigocircnidas o haviam derrotado natildeo

parece provaacutevel que a cavalaria de Seleuco fugiria do campo

de batalha tatildeo rapidamente ou que Demeacutetrio a perseguiria

ateacute a batalha ser encerrada (a menos que a fuga de Antiacuteoco

fosse parte de um plano)

Tarn191 argumentou sobre esta possibilidade na deacutecada de

1930 salientando que iniciada a perseguiccedilatildeo da cavalaria

de Seleuco se Demeacutetrio desistisse cedo demais a cavalaria

inimiga poderia simplesmente retornar e atacar sua

retaguarda mas por outro lado se a perseguiccedilatildeo levasse

muito tempo a batalha central se tornaria

definitivamente um palco imaginaacuterio Aceita esta hipoacutetese

conclui-se que Seleuco pocircde desferir seu ataque principal

com os elefantes ao centro e com a cavalaria na ala inimiga

desprotegida enquanto Demeacutetrio ficou impossibilitado de

dar qualquer suporte a Antiacutegono devido ao sucesso da

possiacutevel manobra de Antiacuteoco uma vez que o avanccedilo dos

elefantes havia inviabilizado o caminho para as operaccedilotildees

de auxiacutelio

191 Tarn opcit p69

89

CAPIacuteTULO 3 ndash PODER MONAacuteRQUICO E ARTE DA GUERRA NA

MAGNA GREacuteCIA E NA SICIacuteLIA HELENIacuteSTICA

1 Agaacutetocles e a introduccedilatildeo da basileia

heleniacutestica

Diodoro nos relata que Agaacutetocles ldquoao saber que os

referidos priacutencipes tinham assumido o diadema e por natildeo se

considerar inferior a eles em poder territoacuterio e feitos

designou-se reirdquo192 Esta natildeo era uma monarquia siciliana

como as anteriores aleacutem do desejo de se igualar em poder

aos monarcas heleniacutesticos e de assumir caracteriacutesticas de

um ldquonovordquo tipo de realeza como veremos a seguir Agaacutetocles

mantinha com alguns dos Diaacutedocos relaccedilotildees diplomaacuteticas as

quais frequumlentemente ilustravam um posicionamento muito

semelhante agravequeles adotados pelos Sucessores de Alexandre

quanto ao direito de conquista amplamente baseado no

princiacutepio da doriktetos chora De forma similar agrave

distribuiccedilatildeo de territoacuterios liderada pelos generais

macedocircnicos apoacutes a morte de seu rei em 323 aC Agaacutetocles

pretendia negociar de acordo com Diodoro a distribuiccedilatildeo

do espaccedilo africano (ainda natildeo subjugado) e siciliano

(parcialmente hostil) com Ophellas em 309 aC por

ocasiatildeo de sua expediccedilatildeo cartaginesa

192 Diod 2054 ldquo[] γὰρ πυθόμενος τοὺς προειρημένους δυνάστας ἀνῃρημένους

διάδημα καὶ νομίζων μήτε δυνάμεσι μήτε χώρᾳ μήτε τοῖς πραχθεῖσι λείπεσθαι τούτων ἑαυτὸν ἀνηγόρευσε βασιλέαrdquo Sobre a basileia de Agaacutetocles consultar

principalmente Henry Julius Wetenhall Tillyard Agathocles Cambridge

The University Press 1908 Claude Mosseacute La tyrannie dans la Gregravece

Antique Paris Presses Universitaires de France 1969 PP 149-202

Klaus Meister CAH 7 1984 PP 384-411 Ricardo Vattuone Sapienza

d‟occidente Il pensiero storico di Timeo di Tauromenio Bologna

Pagravetron 1991 Pp 63-86 187-204 Lorenzo Braccesi I tiranni di

Sicilia Roma-Bari Laterza 1998 PP 101-113 Consolo Langher Efrem

Zambon ldquoFrom Agathocles to Hieratildeo II the birth and development of

basileia in Hellenistic Sicilyrdquo In Sian Lewis (org) Ancient

Tyranny Edinburgh The University Press 2006 PP 77-94 Sobre a

coroaccedilatildeo dos Diaacutedocos de maneira geral consultar os estudos e as

referecircncias apresentadas no cap2 desta tese

90

Apoacutes esta batalha Agaacutetocles ao examinar todas as

maneiras de subjugar os cartagineses enviou Orthon o

siracusano como mensageiro a Ophellas em Cirene

Ophellas havia sido um dos Companheiros de Alexandre em

sua expediccedilatildeo tendo assumido o controle da cidade de

Cirene e de um poderoso exeacutercito e aspirava a uma

dominaccedilatildeo mais ampla Este era o seu estado de espiacuterito

quando o mensageiro de Agaacutetocles chegou com o pedido de

auxiacutelio para a campanha contra os cartagineses Em

troca desse serviccedilo ele [o mensageiro] prometeu que

Agaacutetocles concederia a Ophellas liberdade total no

controle da Liacutebia Agaacutetocles disse-lhe o mensageiro

estava satisfeito com a Siciacutelia desde que estivesse

livre da ameaccedila cartaginesa e que pudesse governar sem

receio toda a ilha A Itaacutelia estava disponiacutevel e

proacutexima para ampliar o seu impeacuterio caso Agaacutetocles

ambicionasse mais poder193

Ao analisarmos o relato do historiador siciliano

torna-se evidente que o comandante siracusano queria

integrar o cenaacuterio poliacutetico internacional de seu tempo

orientado por criteacuterios de paridade com os Diaacutedocos e que

Ophellas seria sua melhor opccedilatildeo de alianccedila pois o mesmo

aspirava agrave conquista de mais territoacuterios Afinal tal

paridade em forccedila militar territoacuterios conquistados e

realizaccedilotildees seria o motor de sua monarquia autoproclamada

Quando Ophellas e seu exeacutercito se encontraram com

Agaacutetocles o mesmo colocou em praacutetica seu plano de traiccedilatildeo

o macedocircnio foi pego de surpresa e assassinado enquanto

tentava desesperadamente se defender o siracusano entatildeo

aproveitando-se da situaccedilatildeo recrutou o numeroso exeacutercito

193 Diod 2040 ldquoἈπὸ δὲ τς μάχης ταύτης γενόμενος καὶ πάντα τῆ διανοίᾳ σκοπούμενος

πρὸς τὸ λαβεῖν τοὺς Καρχηδονίους ποχειρίους ἐξέπεμψε πρεσβευτὴν Ὄρθωνα τὸν Συρακόσιον πρὸς φέλλαν εἰς Κυρήνην οὗτος δ ἦν μὲν τν φίλων τν συνεστρατευμένων Ἀλεξάνδρῳ κυριεύων δὲ τν περὶ Κυρήνην πόλεων καὶ δυνάμεως ἁδρᾶς περιεβάλετο ταῖς ἐλπίσι μείζονα δυναστείαν τοιαύτην οὖν ατοῦ διάνοιαν ἔχοντος ἧκεν ὁ παρ Ἀγαθοκλέους πρεσβευτής ἀξιν συγκαταπολεμσαι Καρχηδονίους ἀντὶ δὲ ταύτης τς χρείας ἐπηγγέλλετο τὸν Ἀγαθοκλέα συγχωρήσειν ατῶ τν ἐν Λιβύῃ πραγμάτων κυριεύειν εἶναι γὰρ ἱκανὴν ατῶ τὴν Σικελίαν ἵν ἐξῆ τν ἀπὸ τς Καρχηδόνος κινδύνων ἀπαλλαχθέντα μετ ἀδείας κρατεῖν ἁπάσης τς νήσου παρακεῖσθαι δὲ καὶ τὴν Ἰταλίαν ατῶ πρὸς ἐπαύξησιν τς ἀρχς ἐὰν κρίνῃ μειζόνων ὀρέγεσθαιrdquo Para esta passagem Austin (n90) eacute a traduccedilatildeo de referecircncia A

invasatildeo eacute vagamente mencionada por Polib 182 e a alianccedila por

Justino 226 Cf Consolo Langher pp 175-196

91

sem comandante para a guerra que jaacute estava preparado para

travar conseguindo com isso praticamente dobrar o nuacutemero

de seus homens194

Polieno contudo sequer menciona a intenccedilatildeo de

estabelecer qualquer alianccedila por parte de Agaacutetocles

Segundo Polieno195 Ophellas encontrava-se jaacute com numeroso

exeacutercito em postos avanccedilados contra Agaacutetocles ao que tudo

indica no iniacutecio da expediccedilatildeo africana liderada pelo

siracusano quando Agaacutetocles ciente da inclinaccedilatildeo de seu

inimigo por jovens rapazes enviou seu filho Heracleides

ldquoum rapaz de beleza extraordinaacuteriardquo com a missatildeo de

distraiacute-lo enquanto o exeacutercito siciliano revidava em

sigilo Ophellas apaixonado pelo rapaz mostrou-se incapaz

de prever a sua proacutepria morte e Agaacutetocles saiu vitorioso

resgatando seu filho com sucesso

O relato de Polieno eacute obviamente pouco criacutevel

considerando-se que dificilmente um comandante com a

experiecircncia de Ophellas ainda mais no comando de um

numeroso exeacutercito aacutevido pela guerra para a qual estavam

marchando desde Cirene se deixaria distrair tatildeo gravemente

pelo filho de seu inimigo ainda que tivesse as inclinaccedilotildees

sexuais mencionadas Parece igualmente improvaacutevel que

Ophellas natildeo tivesse sido cotado como aliado por Agaacutetocles

a julgar pela referecircncia tatildeo clara em Diodoro e pelo

desenrolar dos eventos na Aacutefrica O mais provaacutevel eacute que

Polieno natildeo tivesse conhecimento da alianccedila ou a tivesse

suprimido pela natureza didaacutetica de sua obra De qualquer

modo as relaccedilotildees diplomaacuteticas tiveram de acontecer mesmo

que unilateralmente em certo ponto e comprovam

preliminarmente a interaccedilatildeo (diplomaacutetica e beacutelica) entre

Agaacutetocles e o mundo heleniacutestico num niacutevel que para ele se

dava em grau de paridade Como nos lembra Braccesi a

194 Diod 2042

195 Polieno 53

92

Siciacutelia mostrou-se um espaccedilo imune agrave invasatildeo de Alexandre

mas natildeo ao seu projeto de conquista neste caso traduzido

pela ascensatildeo de Agaacutetocles agrave iminente realeza196 A

autoproclamaccedilatildeo de Agaacutetocles como rei simbolizava que o

siracusano via-se em condiccedilatildeo de reclamar territoacuterios nos

mesmos termos que os Diaacutedocos e as interaccedilotildees diversas com

alguns deles servem de evidecircncia para a postura de paridade

adotada pelo monarca

Parte da historiografia moderna no entanto tende a

classificar Agaacutetocles da mesma forma que os tiranos tardo-

claacutessicos ou ainda como os tiranos arcaicos de modo que

sua autoproclamaccedilatildeo representaria de fato apenas um traccedilo

de sua ambiccedilatildeo poliacutetica uma estrateacutegia de inserccedilatildeo sem

grandes resultados197 Veja-se por exemplo o que nos diz

Mosseacute para quem Agaacutetocles tirano popular198 teria se

transformado com a expediccedilatildeo africana numa figura

196 Braccesi op cit p101 Cf tambeacutem Lorenzo Braccesi L‟Alessandro

occidentale Il Macedone e Roma Roma ldquoL‟ermardquo di Bretschneider

2006 PP 54-67 Braccesi argumenta que apoacutes a morte de Alexandre o

problema puacutenico se confunde com a hereditariedade do poder monaacuterquico

produzindo uma ldquonascente sensibilidade heleniacutesticardquo a qual seria

direcionada agrave ameaccedila cartaginesa sob a forma de basileia justificada 197 Outra questatildeo recorrente na historiografia moderna eacute a classificaccedilatildeo

de Agaacutetocles como grande estadista ou como o mais cruel dos tiranos

discussatildeo que se arrasta desde a Antiguidade quando por exemplo

Caacutelias (FGrH 564T3) contemporacircneo de Agaacutetocles pinta uma aura de

piedade e humanidade para o siracusano ao passo que Timeu (FGrH

566F124) igualmente seu contemporacircneo diz que nenhum tirano mostrou-

se tatildeo cruel quanto ele Aleacutem da identificaccedilatildeo errocircnea da monarquia de

Agaacutetocles como sendo da mesma natureza que as tiranias tardo-

claacutessicas haacute que se considerar a interpretaccedilatildeo curiosa ndash e pouco

aceita ndash de Helmut Berve (Die Herrschaft des Agathokles Muumlnchen

Verlag 1953 Die Tyrannis bei den Griechen Muumlnchen Verlag 1967)

Segundo Berve Agaacutetocles manteve a sua magistratura em Siracusa tendo

criado ao mesmo tempo uma monarquia pessoal como maneira de combater

em nome da cidade e acumular territoacuterios em seu proacuteprio nome Como

desdobramento disso no final de sua vida Agaacutetocles teria devolvido a

democracia aos siracusanos sem abdicar da realeza o que de fato

carece de evidecircncias suficientes Para o assunto cf Meister CAH 7

pp 409-410 198 O que soa no fim das contas absurdo pois logo apoacutes a sua morte os

siracusanos confiscaram as suas propriedades derrubaram as suas

estaacutetuas e procederam a uma verdadeira damnatio memoriae Sobre a

criacutetica agrave classificaccedilatildeo da tirania de Agaacutetocles como ldquopopularrdquo cf

Meister CAH 7 p 410

93

tiracircnica tiacutepica do periacuteodo heleniacutestico o roy conqueacuterant199

embora seu comportamento indique no fim das contas uma

postura comum entre os tiranos que o precederam

Homem do povo pelo povo de Siracusa eacute que ele tentou

restaurar a supremacie da cidade que ele tentou

igualmente varrer o perigo que pesava sobre toda a

Siciacutelia o perigo cartaginecircs Homem de seu tempo []

imitador dos generais de Alexandre quanto ao tiacutetulo

reacutegio [] Ele natildeo liberou os escravos por princiacutepio

mas por que necessitava de homens para combater Nisso

ele se assemelhava aos tiranos do seacutecIV aC [] Ateacute

onde podemos conhececirc-lo ele continua a ser o tipo do

tirano popular mais proacuteximo no fim dos tiranos da

eacutepoca arcaica que dos condottieri do seacutecIV aC ou dos

ldquorevolucionaacuteriosrdquo da eacutepoca heleniacutestica200

Imitador dos Diaacutedocos Agaacutetocles agregaria em uacuteltima

instacircncia tanto os valores do tirano arcaico (devido ao

caraacuteter demagoacutegico de seu governo) quanto os costumes de

recrutamento do tirano claacutessico orientado pelo alistamento

massivo de exilados e mercenaacuterios Isso o torna peculiar

sem duacutevida mas o contexto eacute imperativo para o assunto e

como tal impotildee agrave monarquia adotada por Agaacutetocles um sentido

especialmente heleniacutestico Natildeo resta duacutevida que o

alistamento massivo de profissionais era uma praacutetica de

origens tardo-claacutessicas na Siciacutelia grega da mesma forma o

traccedilo popular dos governos autocraacuteticos remonta agrave eacutepoca

arcaica201 Poreacutem tais peculiaridades encontravam-se

inseridas no contexto de fragmentaccedilatildeo do impeacuterio de

Alexandre fazendo da Siciacutelia como dito anteriormente

parte do projeto de conquista macedocircnica (o que seria

executado obviamente pelos Diaacutedocos) e de Agaacutetocles o

homem capaz de liderar uma inovaccedilatildeo poliacutetica de

caracteriacutesticas heleniacutesticas

199 Claude Mosseacute op cit p 171 Sobre a identificaccedilatildeo de Agaacutetocles

com tiranos arcaicos e tardo-claacutessicos cf Zambon op cit p 77 200 Mosseacute op cit pp 176-177 Grifo nosso

201 Meister CAH 7 pp 409-410

94

Braccesi quase 30 anos apoacutes a publicaccedilatildeo do livro de

Mosseacute mostra-se um pouco mais otimista quanto agrave concretude

da monarquia de Agaacutetocles O contexto de interaccedilatildeo do

siracusano com os generais macedocircnicos aparece com mais

relevacircncia de modo a gerar uma interpretaccedilatildeo histoacuterica

acerca dos problemas de longevidade da basileia

agatocleana A natureza heleniacutestica da monarquia

introduzida na Siciacutelia por Agaacutetocles eacute inquestionaacutevel mas

trata-se no final das contas de uma monarchia mancata202

Recentemente Zambon203 sustentou que Agaacutetocles iniciou

uma mudanccedila constitucional ao introduzir a monarquia de

tipo heleniacutestico em Siracusa e que seu exemplo foi seguido

por diversos governantes posteriores (tais como Phintias

Pirro e Hieratildeo II) Considerado o niacutevel de sistematizaccedilatildeo

desenvolvido por Zambon podemos dizer que a sua

interpretaccedilatildeo soa demasiado otimista forccedilando

propositalmente (pela preservaccedilatildeo do argumento) uma

continuidade exagerada nas mudanccedilas institucionais

siciliotas apoacutes a morte de Agaacutetocles Naquele momento

contudo tentativas de retomada das formas constitucionais

perdidas com a ascensatildeo do monarca emergiram muitas delas

temporariamente bem-sucedidas Em defesa do otimismo

zamboniano podemos apenas dizer com certa razatildeo que o

cenaacuterio poliacutetico siciliota mostrou-se suficientemente

confuso e marcado como recorda Zambon por ldquoguerras civis

sangrentasrdquo bem como por ldquoconsequumlecircncias [soacutecio-econocircmicas]

de campanhas militares exaustivasrdquo e soluccedilotildees poliacuteticas

extremas adotadas pelas poacuteleis que agregavam poder de

lideranccedila na porccedilatildeo leste da ilha204 Diante de tamanha

complexidade e da evidecircncia para o surgimento da monarquia

de tipo heleniacutestico na ilha como parte do conjunto das

202 Braccesi op cit p 110

203 Zambon op cit pp 77-94 Zambon Hellenistic Sicily

204 Zambon Hellenistic Sicily p 267

95

inovaccedilotildees poliacuteticas siciliotas (momentaneamente fracassadas

e posteriormente retomadas) devemos a esta altura nos

perguntar como se deu a introduccedilatildeo da basileia por

Agaacutetocles e em quais aspectos ela representou uma imitatio

Alexandri O primeiro indiacutecio analisado eacute obviamente a

transformaccedilatildeo de ordem poliacutetica que deve ser compreendida

no decorrer da trajetoacuteria de Agaacutetocles cedendo espaccedilo em

seguida para o estudo dos indiacutecios de uma imitatio em

campo taacutetico a partir das tropas que a organizaccedilatildeo social

siciliana disponibilizou no contexto

Em 337 aC apoacutes a morte de Timoleatildeo frente ao

problema da sucessatildeo de um liacuteder que havia pacificado na

medida do possiacutevel a Siciacutelia grega e promovido em larga

escala um verdadeiro tiraniciacutedio diversas tiranias

reapareceram na porccedilatildeo leste da ilha e a ofensiva

cartaginesa novamente gerava resultados preocupantes para

os gregos A democracia siracusana havia sido a esta altura

substituiacuteda por uma oligarquia a qual era liderada por

Sosiacutestrato e Heracleides Com isso a velha guerra civil

retornou com forccedila total colocando cidadatildeos (democratas e

oligarcas) em lados opostos convivendo num grau de

desentendimento que se traduzia no derramamento contiacutenuo de

sangue

Os primeiros anos da vida poliacutetica de Agaacutetocles se

deram no exiacutelio quando o siracusano parece ter aproveitado

a puniccedilatildeo para angariar apoio noutras regiotildees e recrutar o

nuacutemero de mercenaacuterios que seu dinheiro pudesse pagar Apoacutes

o seu retorno a Siracusa em 319 aC jaacute em cenaacuterio

poliacutetico favoraacutevel Agaacutetocles apresentou-se como defensor

da democracia e segundo Diodoro conquistou o apoio

popular por sua abordagem demagoacutegica (δημαγωγήσας) Em

seguida Agaacutetocles teria sido eleito strategos e ldquoguardiatildeo

96

da pazrdquo (φύλαξ τς εἰρήνης)205 Meister e Zambon recordam que um

termo ligeiramente diferente aparece na Marmor Parium (FGrH

239F12) onde eacute sugerida jaacute no iniacutecio uma strategia

autocraacutetica206 o que altera sensivelmente a natureza da

magistratura de Agaacutetocles e sugere nesse caso o uso de

fontes favoraacuteveis ao tirano por Diodoro A strategia

autocraacutetica era um cargo extraordinaacuterio sendo o magistrado

eleito por tempo indeterminado e com objetivos de caraacuteter

urgente No caso em questatildeo a querela entre democratas e

oligarcas deveria ser mais uma vez solucionada mas com o

strategos agrave frente da poliacutetica externa Tratava-se

portanto de ldquouma excelente oportunidade para o golpe de

Estadordquo recorda o historiador italiano Aleacutem disso

Agaacutetocles natildeo era exatamente o homem mais indicado para

coordenar um equiliacutebrio muacutetuo entre as facccedilotildees como a sua

imediata ascensatildeo ao poder absoluto precedida pelo

extermiacutenio dos seus adversaacuterios poliacuteticos foi capaz de

mostrar207 A nomeaccedilatildeo de Agaacutetocles tenha ela acontecido

nos termos postos por Diodoro ou da forma direta presente

na inscriccedilatildeo sugere uma legalidade no processo o que

dificilmente ocorreu A eleiccedilatildeo era apenas uma ldquopseudo-

legalidade formalrdquo diz Meister208 uma vez que (1) os

adversaacuterios poliacuteticos oligarcas haviam sido assassinados ou

exilados (2) a assembleacuteia era composta basicamente por

entusiastas da nomeaccedilatildeo de Agaacutetocles e (3) um grande nuacutemero

de soldados dava cobertura armada para o golpe Parece

205 Diod 195 Eacute possiacutevel que Diodoro tenha usado neste caso uma

fonte favoraacutevel a Agaacutetocles de modo a alterar as caracteriacutesticas das

primeiras magistraturas que ele assumiu em Siracusa 206 Marmor Parium (FGrH 239F12) ldquoE naquele mesmo ano os siracusanos

escolheram Agaacutetocles como bdquostrategos autocrator‟ das defesas

siciliotasrdquo Meister CAH 7 p 389 Zambon op cit p 78 Marmor

Parium eacute uma famosa inscriccedilatildeo encontrada em Paros datada de 2643

aC e preservada em duas partes podendo ser consultadas

gratuitamente no website do Ashmoelan Museum

(httpwwwashmoleanorg) 207 Meister CAH 7 p 388

208 Meister CAH 7 p 389

97

incorreto portanto falar de uma eleiccedilatildeo livre e legal do

mesmo modo que pressupor uma participaccedilatildeo efetiva da

assembleacuteia nas decisotildees tomadas por Agaacutetocles o que

inviabiliza inclusive a sua interpretaccedilatildeo como ldquotirano

popularrdquo A sua abordagem demagoacutegica posta muitas vezes

numa entonaccedilatildeo positiva por Diodoro funcionava apenas como

princiacutepio ideoloacutegico para a manutenccedilatildeo de um poder

autocraacutetico e opressor em relaccedilatildeo ao funcionamento da

assembleacuteia o qual foi associado como recurso estrateacutegico

de compensaccedilatildeo ao cancelamento de diacutevidas redistribuiccedilatildeo

de terras construccedilatildeo de diversos preacutedios puacuteblicos e

expansatildeo da frota siracusana

De acordo com Zambon209 o primeiro indiacutecio da adoccedilatildeo da

basileia heleniacutestica por Agaacutetocles encontra-se numa accedilatildeo

especiacutefica durante a campanha africana (310-307 aC)

Nesta ocasiatildeo em 309 aC o tirano teria dado indiacutecios de

que pretendia mesmo adotar um novo tipo de realeza em

sintonia com a emergente ideologia advinda do mundo

heleniacutestico Zambon remonta o significante episoacutedio do

motim em Tuacutenis210 quando Agaacutetocles decidiu enfrentar o

problema pessoalmente diante dos soldados Apoacutes vestir uma

toga puacuterpura (τὴν πορφύραν)211 siacutembolo da realeza naquele

tempo Agaacutetocles foi ter com suas tropas rebeldes que

reconheceram seus trajes como roupas reais (τὴν βασιλικὴν

ἐσθτα) adequadas ou pertencentes ao seu comando (τὸν

προσήκοντα κόσμον) Embora seja improvaacutevel que Agaacutetocles

tivesse pensado em se autoproclamar basileu antes mesmo dos

209 Zambon op cit p 80

210 Diod 2034

211 Esta foi a primeira vez em que Agaacutetocles apareceu diante de suas

tropas trajando a toga puacuterpura A toga alaranjada no estilo tarentino

(κροκωτὸν ἐνδὺς) no entanto havia jaacute sido empregada por Agaacutetocles de acordo com informaccedilatildeo registrada em Polieno 53 Na ocasiatildeo Agaacutetocles

convidou quase 500 pessoas (hostis agrave sua autoridade em Siracusa) para

um banquete e momentos apoacutes ter cantado danccedilado e tocado harpa

vestido com sua toga alaranjada no estilo tarentino mandou executar

todos os convidados

98

Diaacutedocos o ponto aqui eacute que Agaacutetocles certamente modificou

a concepccedilatildeo de seu proacuteprio poder durante a campanha

africana e que estava inclinado a atingir uma nova escala

de influecircncia poliacutetica entre seus homens A vitoacuteria sobre

Ophellas vale lembrar um dos antigos Companheiros de

Alexandre certamente influenciou a referida postura

durante a expediccedilatildeo africana

Suporte para a orientaccedilatildeo heleniacutestica de Agaacutetocles pode

ser encontrado tambeacutem numa evidecircncia arqueoloacutegica que tem

se mostrado tatildeo decisiva quanto polecircmica um estater de

ouro de Agaacutetocles com apenas 3 exemplares conhecidos

(fig1)212 A moeda possui no anverso uma cabeccedila com um

escalpo de elefante e o chifre de Amon e no reverso a

imagem de uma Atena ldquomarchanterdquo equipada com elmo escudo

e lanccedila sendo precedida por uma coruja aos seus peacutes ave

frequumlentemente ligada agrave divindade e com a inscriccedilatildeo

AGATHOKLEOS (ldquode Agaacutetoclesrdquo) agraves suas costas Como nos

lembra Stewart o estater de ouro tem sido vinculado agrave

expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles desde o seacutecXIX aleacutem de

parecer inquestionaacutevel que se trata de uma imitaccedilatildeo dos

tetradracmas de Ptolomeu especificamente aqueles dos anos

3143 aC (fig2)213 A primeira questatildeo analiacutetica pode ser

sugerida a partir da figura presente no anverso Noutras

palavras de quem seria a cabeccedila representada no estater

Claramente a Atena representada no reverso refere-se a uma

vitoacuteria militar (Athena Nikeacute) e deve tratar do iniacutecio da

expediccedilatildeo africana214 desdobrando-se portanto em algumas

212 Haacute outras evidecircncias para o impacto da expediccedilatildeo asiaacutetica de

Alexandre no mundo mediterracircnico ocidental tais como um vaso

apuliano cujo tema central eacute a batalha de Isso e um retrato no

templo de Melkart em Caacutedis Sobre a repercussatildeo que a anaacutebasis de

Alexandre teve no mundo ocidental antigo consultar Andrew Stewart

Faces of Power Alexander‟s Image and Hellenistic Politics Berkeley

and Los Angeles University of California Press 1993 pp 150-157

263-289 213 Stewart op cit p 266

214 Uma vez que a expediccedilatildeo terminou em fracasso a cunhagem natildeo pode

ter se dado apoacutes 307 aC Aleacutem disso haacute que se considerar uma

99

interpretaccedilotildees possiacuteveis para a cabeccedila em questatildeo trata-

se dizem alguns da personificaccedilatildeo da Aacutefrica Liacutebia ou

Siciacutelia215 ao passo que outros sustentam uma identificaccedilatildeo

com Alexandre ou com o proacuteprio Agaacutetocles216 A mim parece

evidente que se trata de Agaacutetocles representado como

Alexandre pelos seguintes motivos 1) como notaram alguns

estudiosos a personificaccedilatildeo da Aacutefrica da Liacutebia ou mesmo

da Siciacutelia natildeo eacute seguramente documentada ateacute o periacuteodo

romano devendo ainda ser considerado o chifre de Amon e a

fronte masculina como evidecircncias da impossibilidade de uma

representaccedilatildeo feminina217 2) embora natildeo existissem

elefantes no exeacutercito de Agaacutetocles a sua ausecircncia mesmo

entre os cartagineses do periacuteodo de cunhagem do estater

indica que se tratava de algo puramente simboacutelico sem

referecircncia imediata ao exeacutercito do comandante siracusano

mostrando-se portanto como imitaccedilatildeo dos tetradracmas de

Ptolomeu (314-3 aC) como previamente sugerido e

visando em uacuteltima instacircncia o viacutenculo com o impeacuterio de

Alexandre o Grande (filho de Amon) a partir de um dos

siacutembolos poliacutetico-militares mais poderosos dos Diaacutedocos (o

referecircncia em Diod 2011 sobre a primeira vitoacuteria de Agaacutetocles na

Aacutefrica quando os soldados apoiados por corujas (animal ligado agrave

deusa Atena como dito acima) conseguiram derrotar os cartagineses

ldquoao perceber que os seus soldados estavam aterrorizados com o grande

nuacutemero da cavalaria e da infantaria baacuterbaras [Agaacutetocles] soltou

corujas entre o seu exeacutercito as quais ele tinha preparado como meio

de retirar o medo dos soldados comuns as corujas voando atraveacutes da

falange e pousando nos escudos e elmos encorajaram os soldados e

cada homem entendeu o ocorrido como um pressaacutegio uma vez que o

paacutessaro eacute consagrado a Atenardquo A referecircncia soa absurda do ponto de

vista taacutetico mas deve ter sido inspirada por algum evento relacionado

agraves corujas a julgar pelos dados cruzados tanto no estater quanto no

relato do historiador siciliano 215 Kuschel 1961 15 e Goukowsky 1978 207 sugeriram Aacutefrica e Liacutebia

sendo a Siciacutelia tambeacutem sugerida por Goukowsky 1978 356 216 Alexandre parece o mais provaacutevel para os estudiosos como encontrado

em Walther Giesecke (Sicilia numismaacutetica Leipzig K W Hiersemann

1923 P 91) e Ernest Babelon (ldquoAlexandre ou l‟Afriquerdquo Areacutethuse 1

95-107 1924 P 102) enquanto Agaacutetocles tem sido sugerido por

exemplo por Erick Sjoumlqvist (ldquoA portrait Head from Morgantina AJA 66

319-322 1962 P 320rdquo) Para um balanccedilo geral das diversas

interpretaccedilotildees cf Stewart op cit pp 266-268 217 Cf Stewart op cit p 268

100

elefante de combate) Pode-se dizer que a imagem faz

referecircncia estrita a Alexandre devido ao chifre de Amon

mas considerando-se cuidadosamente a inscriccedilatildeo no reverso e

o contexto de cunhagem chega-se agrave conclusatildeo de que a

cabeccedila sugere Agaacutetocles representado como Alexandre (o que

anularia inclusive a criacutetica feita por alguns estudiosos

de que a cabeccedila de Agaacutetocles havia sido representada

diferentemente noutras moedas)

101

2 O embate pela preservaccedilatildeo da unificaccedilatildeo

poliacutetica da morte de Agaacutetocles a Pirro do Epiro

Entre 310 aC e 290 aC os tradicionais problemas

siciliotas haviam sido parcialmente controlados por meio da

centralizaccedilatildeo liderada por Agaacutetocles Submetidas ao

controle de Siracusa as poacuteleis da Siciacutelia experimentaram

uma reduccedilatildeo dos conflitos internos que quase sempre

resultavam em stasis (uma vez que natildeo possuiacuteam autonomia

para tanto) e o domiacutenio cartaginecircs manteve-se em boa parte

do tempo restrito agrave porccedilatildeo oeste da ilha (dado o caraacuteter

militarmente ofensivo da poliacutetica externa siracusana) Apoacutes

a morte de Agaacutetocles no entanto com a reconquista da

autonomia das cidades vieram todos os tradicionais

problemas siciliotas somando-se ao novo distuacuterbio

migratoacuterio que os gregos da Siciacutelia tiveram que enfrentar

os mercenaacuterios do exeacutercito do monarca218

De modo similar ao que ocorreu com os macedocircnios a

questatildeo mais delicada na Siciacutelia grega teve relaccedilatildeo com a

sucessatildeo do rei (heleniacutestico) Uma diferenccedila todavia deve

ser notada no caso siciliota os paracircmetros sucessoacuterios

nunca foram muito claros ou mesmo respeitados ainda que a

tendecircncia natural fosse a delegaccedilatildeo do poder real aos

filhos do monarca em exerciacutecio Nos uacuteltimos anos de sua

vida Agaacutetocles havia confiado o controle dos exeacutercitos a

Archagathus neto do rei e filho do tambeacutem nomeado

Archagathus ex-combatente morto na Liacutebia219 De acordo com

218 Para os problemas gerados pelos mercenaacuterios de Agaacutetocles apoacutes a sua

morte consultar Gianluca Tagliamonte ldquoRapporti tra societagrave di

immigrazione e mercenari italici nella Sicilia greca del IV secolo

aCrdquo In Confini e frontiera nella Grecitagrave d‟Occidente Atti Del

XXXVII Convegno Internazionale di Studi sulla Magna Grecia Taranto

1999 PP 547-572 219 Diod 2116 Justino 232 Para uma distinccedilatildeo entre ambos ver

Niese ldquoArchagatusrdquo in RE 21 432-433 1895

102

Diodoro220 o plano de Agaacutetocles era que seu filho

Agaacutetocles juacutenior se tornasse o sucessor legiacutetimo tendo

com esse propoacutesito apresentado o jovem em Siracusa e o

enviado a Etna com uma carta de autorizaccedilatildeo para o comando

supremo das tropas Ao saber da deliberaccedilatildeo do rei

Archagathus teria decidido levar adiante um plano de

usurpaccedilatildeo Como primeira medida instigaria Menon um dos

amigos (philoi) de Agaacutetocles a envenenar o rei enquanto o

proacuteprio strategos levaria a cabo o assassinato do priacutencipe

apoacutes embebedaacute-lo durante uma festa organizada com esse

objetivo

Se aceitarmos o relato diodoreano a conclusatildeo imediata

eacute que Agaacutetocles desejava manter unidas strategia e

basileia no intuito de assegurar hereditariamente a

concentraccedilatildeo dos poderes poliacutetico e militar nas matildeos de um

soacute homem221 Ao seguir o formato monaacuterquico heleniacutestico

Agaacutetocles teria concedido plenos poderes poliacuteticos ao

general e ao mesmo tempo autoridade sobre os exeacutercitos ao

rei

Haacute contudo uma explicaccedilatildeo alternativa para a sucessatildeo

em Justino a qual natildeo pode ser negligenciada pelos

historiadores ldquoconforme a sua vida esvaiacutea uma guerra

nasceu entre seu filho e seu neto pelo direito agrave sucessatildeo

do reino como se ele jaacute estivesse morto apoacutes eliminar o

filho o neto tomou posse do poder reacutegiordquo222 De acordo com

Justino tanto Agaacutetocles juacutenior quanto Archagathus ao que

parece ainda no comando de consideraacutevel parte do exeacutercito

natildeo teriam sido escolhidos para suceder o rei Ao narrar

que Agaacutetocles teria enviado sua esposa ao Egito os dois

filhos que tivera com ela juntamente com seu tesouro

220 Diod 2116

221 Zambon Hellenistic Sicily pp19-20

222 Justino 232 Ex qua desperatione bellum inter filium nepotemque

eius regnum iam quasi mortui vindicantibus oritur occiso filio regnum

nepos occupavit

103

servos e mobiacutelia real Justino torna claro que o rei natildeo

havia pensado em nenhum dos rebeldes (filho e neto) como

seu sucessor legiacutetimo e que o conflito ter-se-ia iniciado

devido ao seu estado fraacutegil de sauacutede causado por uma

repentina e fatal doenccedila

Por uacuteltimo somente Diodoro menciona que Agaacutetocles

apoacutes ter sido envenenado por Menon a mando de Archagathus

ldquoconvocou a populaccedilatildeo denunciou Archagathus por sua

impiedade instigou a multidatildeo a se vingar e declarou que

devolveu a democracia ao corpo de cidadatildeosrdquo223 Certamente

o que verificamos logo apoacutes a morte de Agaacutetocles eacute a

retomada do governo proacuteprio de Siracusa que muito em breve

entraria em colapso para dar lugar a mais uma guerra civil

Diodoro224 menciona um evento importante sobre os soldados

pagos de Agaacutetocles chamados mamertinos225 os quais foram

obrigados apoacutes longa negociaccedilatildeo mediada pelos anciatildeos (οἱ

πρεσβῦται) a vender as suas propriedades e deixar a Siciacutelia

(τὰς ἑαυτν κτήσεις ἀποδομένους ἀπελθεῖν ἐκ Σικελίας)

Se aceitarmos o uacutenico fato em comum nos dois relatos

preservados sobre a sucessatildeo de Agaacutetocles isto eacute a luta

entre filho e neto pelo poder reacutegio haacute talvez uma forma de

unificar as divergecircncias nos testemunhos de Diodoro e

Justino Mesmo que Agaacutetocles natildeo tivesse escolhido seu

filho como sucessor podemos supor que o mesmo possuiacutea

direito ao trono uma vez que Archagathus o combateu com o

intuito de eliminaacute-lo da contenda sucessoacuteria226

Archagathus por outro lado possuiacutea o controle de boa

223 Diod 2116 [] ἐκκλησιάσας τὸν λαὸν κατηγόρησε τς ἀσεβείας Ἀρχαγάθου καὶ τὰ

μὲν πλήθη παρώξυνε πρὸς τὴν ατοῦ τιμωρίαν τῶ δὲ δήμῳ τὴν δημοκρατίαν ἔφησεν ἀποδιδόναι 224 Diod 2118

225 Diodoro 2118 nos informa que a cidade chamava-se Mamertina apoacutes

Ares que era conhecido ali pelo nome de Mamertos 226 Consolo Langher pp 320-321 tenta unificar as divergecircncias nos dois

relatos de modo muito similar exceto pelo fato de que toma como

incontestaacutevel a indicaccedilatildeo diodoreana com relaccedilatildeo agrave escolha do sucessor

e posterior revolta paterna diante da morte de seu primogecircnito O

problema aqui eacute a exclusatildeo intencional do que nos informa Justino que

natildeo faz qualquer menccedilatildeo agrave escolha de um sucessor por Agaacutetocles

104

parte dos exeacutercitos como atestado em ambas as fontes o

que lhe dava condiccedilotildees de reclamar o trono Se por um

lado Agaacutetocles natildeo escolheu seu filho como sucessor como

nos faz crer Justino por outro o rei natildeo desejava deixar

a heranccedila ao seu neto como nos indica tanto o despacho dos

seus tesouros ao Egito apoacutes a morte de Agaacutetocles juacutenior em

Justino227 como a devoluccedilatildeo do governo proacuteprio aos

siracusanos instantes antes de sua morte em Diodoro228

Apesar da divergecircncia quanto agrave escolha sucessoacuteria para

a qual proponho a soluccedilatildeo apresentada229 os testemunhos de

Diodoro e Justino preservam algo muito interessante tendo

Agaacutetocles escolhido seu filho como herdeiro o que teria

provocado os planos de usurpaccedilatildeo do neto e a consequumlente

luta pelo trono ou tendo filho e neto lutado pela sucessatildeo

sem o consentimento do rei do que resultou a morte do

filho e a hostilidade de Agaacutetocles para com Archagathus

parece incontornaacutevel o fato de que a manutenccedilatildeo da uniatildeo

entre strategia e basileia tenha sido um dos motores do

conflito As monarquias sicilianas posteriores do mesmo

modo tenderatildeo a manter o formato inaugurado por Agaacutetocles

ora baseando-se no esquema de incorporaccedilatildeo definitiva da

strategia compulsoacuteria agrave esfera do poder monaacuterquico ora

desdobrando a monarquia de tipo heleniacutestico da strategia

autocraacutetica

227 Justino 232

228 Diod 2116

229 Consolo Langher p 321 e Zambon Hellenistic Sicily p 25

propuseram algo no mesmo sentido particularmente quanto agraves

providecircncias do rei para evitar que seu neto tomasse o poder Tal

interpretaccedilatildeo contraria abertamente a proposta de Helmut Berve op

cit que via a devoluccedilatildeo do governo proacuteprio aos siracusanos por

Agaacutetocles como reconhecimento do fracasso institucional da basileia na

Siciacutelia

105

3 Pirro e o problema da monarquia heleniacutestica230

Semelhante a Alexandre ldquoem aparecircncia velocidade e

movimentordquo231 Pirro tomou um caminho diferente daquele

assumido por Agaacutetocles Como o rei do Epiro clamava ser

descendente de Aquiles optou por se apresentar como a

proacutepria reencarnaccedilatildeo de Alexandre ao inveacutes de explorar a

memoacuteria do rei por exemplo por meio de cunhagem poacutestuma

(o que havia sido feito por Agaacuteocles)232 Diferentemente dos

planos de unificaccedilatildeo poliacutetica e cultural concebidos por

Alexandre a atuaccedilatildeo de Pirro findou por ser a de lideranccedila

em questotildees essencialmente praacuteticas na vida dos italiotas e

siciliotas Inicialmente apoacutes fracassar nos embates contra

Lisiacutemaco que havia subornado os macedocircnios de seu exeacutercito

ao questionar a quem deveriam ser leais se aos amigos e

companheiros de Alexandre ou ao estrangeiro que acolheram

como rei233 Pirro tomou o pedido de auxiacutelio dos tarentinos

em 281 aC (passados os quatro anos que Leacutevecircque Pirro

entende terem sido um ldquoperiacuteodo de reflexatildeordquo234) como a sua

melhor chance de realizar a conquista do ocidente com a

qual Alexandre havia provavelmente sonhado algumas deacutecadas

antes e concretizar uma monarquia de tipo heleniacutestico

O diaacutelogo entre Pirro e Cineas diplomata de origem

tessaacutelia a serviccedilo do rei ilustra claramente as intenccedilotildees

do epirota em se tornar um monarca de tipo heleniacutestico

(considerando como veremos a seguir que a monarquia

epirota era de um tipo peculiar permanecendo o rei

submetido agrave fiscalizaccedilatildeo constante dos molossianos) a

230 Leacutevecircque Pirro Zambon Hellenistic Sicily pp 97-175

231 Plut Pirro 81

232 Stewart (op cit p284) lembra que as suas moedas traziam imagens

de Aquiles Teacutetis Dione e Zeus 233 Plut Pirro 126 Leacutevecircque Pirro p 166 Leacutevecircque Pirro calcula

somente 3 anos para o governo da Macedocircnia e 2 anos para o governo da

Tessaacutelia antes de o epirota sofrer a derrota para Lisiacutemaco 234 Leacutevecircque Pirro p 168

106

reencarnaccedilatildeo de Alexandre em proporccedilotildees similares de

conquista

bdquoOs romanos oacute Pirro satildeo conhecidos como bons

combatentes e como governantes de muitos povos

belicosos se entatildeo a divindade nos permitir

prevalecer sobre esses homens como deveriacuteamos usar a

nossa vitoacuteria‟ E Pirro disse bdquoa questatildeo oacute Cineas

realmente natildeo necessita de resposta uma vez

conquistados os romanos natildeo haacute nem baacuterbaros nem gregos

que sejam paacutereo para noacutes mas noacutes devemos dominar de

uma vez toda a Itaacutelia cuja grandeza (μέγεθος) excelecircncia (ἀρετὴν) e forccedila (δύναμιν) nenhum homem conhece melhor que vocecirc‟ Apoacutes uma pequena pausa entatildeo Cineas

disse bdquoapoacutes tomar a Itaacutelia oacute Rei o que noacutes iremos

fazer‟ E Pirro sem perceber ainda a sua intenccedilatildeo

respondeu bdquoa Siciacutelia estaacute ao nosso alcance e estende-

nos as matildeos sendo uma ilha rica e populosa bem como

faacutecil de capturar pois tudo laacute oacute Cineas se resume a

stasis (στάσις γὰρ ὦ Κινέα πάντα νῦν ἐκεῖ[να]) suas cidades estatildeo anaacuterquicas (ἀναρχία πόλεων) e os demagogos agitados com Agaacutetocles morto (καὶ δημαγωγν ὀξύτης Ἀγαθοκλέους ἐκλελοιπότος)‟ bdquoO que vocecirc fala‟ respondeu Cineas bdquoparece oportuno

mas a nossa expediccedilatildeo iraacute se encerrar com a tomada da

Siciacutelia‟ bdquoA divindade‟ disse Pirro bdquonos concederaacute a

vitoacuteria e o sucesso da empreitada essas disputas seratildeo

usadas como preliminares de feitos grandiosos

(πραγμάτων μεγάλων) Ora quem se absteria da Liacutebia ou de Cartago tendo a cidade se tornado acessiacutevel uma

cidade que Agaacutetocles ao fugir de Siracusa secretamente

e cruzar o mar com poucas embarcaccedilotildees por pouco natildeo

conquistou E quando noacutes tivermos ali nos tornado

senhores nenhum dos inimigos que agora nos insultam

ofereceraacute resistecircncia eacute desnecessaacuterio dizer isso‟ 235

O rei do Epiro foi capaz de vencer duas batalhas (as

famosas ldquovitoacuterias piacuterricasrdquo) que analisarei em maiores

detalhes mais agrave frente neste capiacutetulo e entatildeo partiu para

a Siciacutelia como o homem capaz de substituir Agaacutetocles na

luta contra os cartagineses No momento da travessia de

Pirro para a Siciacutelia a porccedilatildeo nordeste da ilha encontrava-

se sob lideranccedila dos mamertinos que apoacutes terem eliminado

os cidadatildeos de Messina assumiram o controle da cidade Com

235 Plut Pirro 142-5 Cf Chaniotis WHW p 57

107

a morte de Agaacutetocles e a ausecircncia de um sucessor imediato

que pudesse manter-se no poder de forma legiacutetima ou mesmo

suprimir os violentos embates civis de Siracusa (Hicetas

foi capaz de derrotar Menon e Phintias de Acragas mas natildeo

de sobreviver aos conflitos internos apoacutes nove anos de

tirania)236 o avanccedilo cartaginecircs tornou-se inevitaacutevel

somando-se ao fato de que as cidades gregas independentes

(tais como Tauromenium e Acragas) mostraram-se mais

preocupadas com a tributaccedilatildeo imposta pelos mamertinos do

que propriamente com a investida comandada por Cartago Tal

preocupaccedilatildeo natildeo era descabida A sua independecircncia estava

novamente ameaccedilada agora por soldados do antigo monarca

os quais haviam estabelecido uma alianccedila com os

cartagineses no intuito de barrar a travessia de Pirro

como nos informa Diodoro

Os mamertinos que massacraram os habitantes de

Messina estabeleceram uma alianccedila com os cartagineses

e decidiram juntos impedir a travessia de Pirro para a

Siciacutelia237

Pirro desfrutava de excelente reputaccedilatildeo entre os

siciliotas particularmente com os siracusanos (a esta

altura sitiados pelos cartagineses) devido agrave sua

experiecircncia militar na Peniacutensula ao longo de mais de dois

anos e havia decidido partir para a Siciacutelia como

libertador dos gregos O fracasso nas negociaccedilotildees de paz

com os romanos e os constantes apelos de Siracusa eram

elementos que precisavam ser ajustados quisesse o rei

partir para a Siciacutelia sem expor a sua retaguarda ao

provaacutevel avanccedilo das legiotildees na Magna Greacutecia e ainda contar

com o apoio logiacutestico das cidades siciliotas

236 Hicetas foi substituiacutedo por Thoenon (Ortiacutegia) e Sosiacutestrato

(Siracusa) ambos entusiastas da vinda de Pirro para a Siciacutelia

segundo Diod 227 237 Diod 227 Ὅτι Μαμερτῖνοι οἱ Μεσσηνίους δολοφονήσαντες συμμαχίαν μετὰ

Καρχηδονίων ποιήσαντες ἔκριναν κοινῆ διακωλύειν Πύρρον τὴν εἰς Σικελίαν διάβασιν

108

Este uacuteltimo cuidado o uacutenico que pocircde ser devidamente

acertado por Pirro dizia respeito agrave certeza do suporte

dado pelas cidades siciliotas e devia-se ao fato de Pirro

contar com exeacutercito reduzido no momento da travessia

Apiano relata que ldquoapoacutes isso Pirro navegou para a Siciacutelia

com seus elefantes e oito mil cavaleirosrdquo (ὁ μὲν δὴ Πύρρος ἐπὶ

τούτοις ἐς Σικελίαν διέπλει μετά τε τν ἐλεφάντων καὶ ὀκτακισχιλίων ἱππέων)238 O

fato de o texto natildeo mencionar tropas de infantaria seria

algo desconcertante natildeo fosse a natureza fragmentada da

obra de Apiano Como nos lembra Leacutevecircque nos dias de hoje

costuma-se aceitar o que foi proposto em 1853 por

Niebuhr239 isto eacute que o fragmento natildeo conservou nem a

referecircncia aos pezoi apoacutes a contagem dos oito mil nem a

numeraccedilatildeo dos cavaleiros antes de ἱππέων240 Assim o trecho

original seria apoacutes isso Pirro navegou para a Siciacutelia com

seus elefantes oito mil soldados de infantaria e [vacat]

cavaleiros (ὁ μὲν δὴ Πύρρος ἐπὶ τούτοις ἐς Σικελίαν διέπλει μετά τε τν ἐλεφάντων

καὶ ὀκτακισχιλίων πεζν καὶ [vacat] ἱππέων) Exeacutercito reduzido como

se vecirc e que necessitava dos contingentes siciliotas para a

expediccedilatildeo contra os cartagineses

Na Siciacutelia o trabalho diplomaacutetico de Cineas mostrou-se

decisivo Plutarco nos informa que Pirro o enviou de

imediato para tratar preliminarmente como de costume com

as poacuteleis (μὲν εθὺς ἐξέπεμψε προδιαλεξόμενον ὥσπερ εἰώθει ταῖς πόλεσιν)

enquanto o rei movia-se com seu exeacutercito para Tarentum

cujos habitantes apesar da insatisfaccedilatildeo com a guarniccedilatildeo de

Pirro nada puderam fazer a respeito241 O fato de Tyndarium

de Tauromenium por exemplo ter assegurado a travessia e

feito os preparativos para receber as tropas de Pirro na

cidade eacute emblemaacutetico

238 Apiano Samn 116 Cf Vincenzo La Bua ldquoLa spedizione di Pirro in

Siciliardquo Miscellanea Greco-romana (MGR) 179-254 1980 239 Barthold G Niebuhr Roumlmische Geschichte Berlin G Reimer 1853

240 Leacutevecircque Pirro pp 455-456 Zambon Hellenistic Sicily p101

241 Plut Pirro 224

109

Levando-se em consideraccedilatildeo as condiccedilotildees para a

expediccedilatildeo siciliana podemos jaacute nos perguntar qual era a

natureza de sua monarquia e do tiacutetulo que lhe foi conferido

na Siciacutelia Tratava-se uma monarquia de tipo heleniacutestico

estendida ao territoacuterio siciliota

Haacute duas passagens nas fontes sobre a natureza da

relaccedilatildeo estabelecida entre Pirro e os gregos da Siciacutelia

uma em Poliacutebio e outra em Justino A primeira delas diz

respeito agrave tentativa de assegurar a legitimidade do governo

de Hierocircnimo em 213 aC por ser o tirano neto do rei

Pirro ldquoo uacutenico que todos os siciliotas aceitaram por

preferecircncia e com benevolecircncia como hegemon e reirdquo242 A

segunda delas faz menccedilatildeo a dois tiacutetulos reacutegios Pirro

ldquoapoacutes sua chegada em Siracusa foi designado rei da Siciacutelia

e rei do Epirordquo243 Como trataacute-las de forma plausiacutevel

Alguns historiadores sugeriram que o tiacutetulo de hegemon

na Siciacutelia era equivalente ao de Filipe II especialmente

no que se refere ao tratamento dado agraves poacuteleis Portanto a

alianccedila dos gregos da Siciacutelia com Pirro teria a mesma

natureza da Liga de Corinto isto eacute ambas teriam surgido

de uma pressatildeo poliacutetica externa capaz de subjugar as

cidades e de fazecirc-las integrar forccedilosamente um acordo com o

monarca estrangeiro244 Haacute somente um problema com esta

interpretaccedilatildeo que a compromete seriamente os siciliotas

natildeo haviam sido subjugados por Pirro quando prepararam a

sua recepccedilatildeo na porccedilatildeo leste da Siciacutelia da mesma forma que

natildeo sofreram qualquer pressatildeo poliacutetica preacutevia como nos

indicam as fontes previamente analisadas Tratava-se de um

projeto poliacutetico livremente aceito pelos gregos

242 Polib 74 μόνον κατὰ προαίρεσιν καὶ κατ εὔνοιαν Σικελιται πάντες εδόκησαν σφν

ατν ἡγεμόν εἶναι καὶ βασιλέα 243 Justino 233 cum Syracusas venisset rex Siciliae sicut Epiri

appellatur 244 Ioannes Vartsos ldquoOsservazioni sulla campagna di Pirro in Siciliardquo

Kokalos 16 89-97 1970

110

De acordo com Leacutevecircque Pirro era em primeiro lugar

hegemon de um koinon que se formou contra o inimigo

cartaginecircs assim como basileu ao estilo ldquohelecircnicordquo

tiacutetulos jaacute haacute muito tradicionais no mundo grego mas desta

vez ao contraacuterio do que aconteceu com Dioniacutesio e

Agaacutetocles os tiacutetulos foram concedidos ldquopela vontade

unacircnime de seus novos suacuteditosrdquo245

Leacutevecircque e Zambon recordam com razatildeo que os siciliotas

formaram sob o comando do rei do Epiro um reino da

Siciacutelia uma unidade poliacutetica criada para combater a ameaccedila

cartaginesa com a morte de Agaacutetocles Leacutevecircque eacute ainda

bastante otimista quanto agraves novas possibilidades

documentais que confirmariam algo nesse sentido apostando

numa possiacutevel descoberta de evidecircncias epigraacuteficas

reveladoras a esse respeito

O problema emerge quando Pirro que pode ser

considerado tanto rei do Epiro quanto rei da Siciacutelia

separadamente planejou unificar ambos os reinos e trataacute-

los ao modo heleniacutestico o que natildeo seria admitido nem entre

os molossianos que mantinham certo controle sobre a figura

do rei (a exemplo da cunhagem das moedas que foi aos

poucos sendo conquistada por Pirro) nem entre os

siciliotas (que no final da expediccedilatildeo enxergaram em seu

liacuteder um tirano) para quem Pirro era basileu com funccedilotildees

restritas de hegemon Pode-se dizer que os siciliotas

concederam a Pirro o poder de um monarca ldquohelecircnicordquo ao

passo que o epirota tentou se comportar como um monarca

ldquoheleniacutesticordquo postura que lhe rendeu da mesma forma que a

Agaacutetocles a classificaccedilatildeo negativa (tiacutepica do periacuteodo) de

ldquotiranordquo

245 Leacutevecircque Pirro p 462

111

4 Agaacutetocles Pirro e a imitatio Alexandri em

campo de batalha

41 A expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles

Poliacutebio relata que Cipiatildeo o Africano responsaacutevel pela

reviravolta na Segunda Guerra Puacutenica ao inverter a

estrateacutegia de Aniacutebal Barca levando assim a guerra da

Itaacutelia para a Aacutefrica julgando que as cidades africanas natildeo

teriam condiccedilotildees logiacutesticas para suportar a investida

respondeu quando lhe perguntaram quais eram os maiores

estadistas em coragem e sabedoria ldquoAgaacutetocles e

Dioniacutesiordquo246 Essa resposta se veriacutedica jaacute bastaria para

argumentar que Agaacutetocles embora natildeo tenha sido bem-

sucedido em sua expediccedilatildeo africana era de fato um grande

estadista simplesmente por ter ascendido ao poder em

Siracusa amparado por sua riqueza (que lhe permitiu

recrutar mercenaacuterios) e eloquumlecircncia bem como adotado uma

estrateacutegia ofensiva contra os cartagineses a qual marcaraacute

profundamente a histoacuteria militar do mundo antigo

particularmente a decisatildeo de Cipiatildeo o Africano Embora

fracassada a uacutenica expediccedilatildeo grega em territoacuterio africano

serviu igualmente para ilustrar que Agaacutetocles mesmo antes

de se proclamar basileu havia possivelmente conduzido uma

imitatio Alexandri em campo de batalha Como argumentarei

em seguida ao retomar uma pista lanccedilada por Griffith em

1935 e que parece ter sido deixada de lado pela

historiografia talvez por seu otimismo excessivo poderei

argumentar a favor do uso de grupamentos taacuteticos em moldes

heleniacutesticos durante a expediccedilatildeo africana momentos antes

da autoproclamaccedilatildeo monaacuterquica do comandante siracusano

Antes disto contudo torna-se necessaacuterio precisar o

contexto de tal expediccedilatildeo

246 Polib 1535

112

Agaacutetocles estava provavelmente sem esperanccedilas de

receber auxiacutelio diante da ofensiva cartaginesa na ilha uma

vez que os poderes orientais natildeo haviam manifestado

interesse imediato nas questotildees do ocidente heleniacutestico

Diante disso bem como da presenccedila do inimigo Agaacutetocles

decidiu inverter a estrateacutegia e assolar o territoacuterio

africano numa estrateacutegia de ousadia sem precedentes para

os siciliotas apostando no apoio que poderia obter dos

liacutebios e no ldquoesfriamentordquo do espiacuterito combativo dos

cartagineses que ao depositarem a responsabilidade da

defesa de sua cidade nas matildeos de mercenaacuterios (estando os

mesmos ocupados em Siracusa) teriam perdido qualquer

possibilidade de aquisiccedilatildeo de experiecircncia militar e ldquoardor

combativordquo Os soldados cartagineses que viviam

luxuosamente numa paz prolongada (τετρυφηκότας ἐν εἰρήνῃ

πολυχρονίῳ) portanto sem qualquer experiecircncia nos perigos

da batalha seriam facilmente derrotados como nos lembra

Diodoro ldquopor aqueles que haviam sido treinados na escola

do perigordquo (πὸ τν ἐνηθληκότων τοῖς δεινοῖς)247 Agaacutetocles entatildeo

reuniu cerca de 13500 mercenaacuterios preparou 60 embarcaccedilotildees

e aguardou um momento de distraccedilatildeo dos cartagineses para

navegar rumo ao norte da Aacutefrica provavelmente sem informar

os seus homens de seu plano Apoacutes uma semana de viagem o

siracusano desembarcou com as tropas num lugar a 110 km de

Cartago e decidiu atear fogo agraves embarcaccedilotildees por que natildeo

queria dividir as suas forccedilas (deixando um destacamento

para vigiar a frota estacionada) ou talvez como reforccedilo

psicoloacutegico para o objetivo final da empreitada deixar a

regiatildeo com os cartagineses subjugados tendo para isso o

apoio das divindades (Demeacuteter e Kore as divindades

patronas da Siciacutelia a quem Agaacutetocles havia oferecido o

ldquosacrifiacutecio dos naviosrdquo) Durante a sua marcha para

Cartago o exeacutercito deparou-se com regiotildees bastante

247 Diod 203 Meister CAH 7 p 394

113

feacuterteis tendo tomado por assalto as cidades de Megaloacutepolis

e Tuacutenis Em seguida os mercenaacuterios montaram acampamento

proacuteximo a Cartago onde aguardaram o embate decisivo com o

exeacutercito cartaginecircs na ocasiatildeo formado por seus proacuteprios

cidadatildeos

Apavorados e sem experiecircncia os cartagineses sofreram

uma derrota terriacutevel como analisarei no proacuteximo item

dando liberdade para o saque de diversas cidades (a exemplo

de Neapolis) pelos mercenaacuterios e para o estabelecimento de

uma alianccedila com Elimas rei dos liacutebios Durante a investida

na costa leste da atual Tuniacutesia os cartagineses tentaram

um contra-ataque apostando no corte das linhas de

abastecimento de Neapolis e na reaproximaccedilatildeo com os liacutebios

o que para azar de Agaacutetocles desdobrou-se na traiccedilatildeo de

Elimas248 O siracusano no entanto apressou-se no retorno

a Tuacutenis e conseguiu lidar com a situaccedilatildeo de forma

satisfatoacuteria para o sucesso inicial da expediccedilatildeo Mais de

2000 cartagineses foram mortos e o traidor o rei Elimas

executado como exemplo Esta foi a primeira fase da

expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles seguida por uma seacuterie de

eventos que colocaratildeo fim agraves esperanccedilas de submissatildeo do

norte da Aacutefrica pelos gregos

De modo geral considera-se o periacuteodo posterior a 309

aC como sendo o de fracasso progressivo da expediccedilatildeo

Agaacutetocles enfrentaraacute motins entre seus homens e resolvecirc-

los-aacute com eficiecircncia249 Em seguida apoacutes uma extensatildeo da

guerra mais ao interior e a incorporaccedilatildeo do exeacutercito de

Ophellas de Cirene250 o siracusano tomou a guerra entre

cartagineses e numiacutedios como momento favoraacutevel para a

intensificaccedilatildeo da ofensiva Mas ele natildeo foi capaz de manter

o seu exeacutercito unido durante o seu retorno forccedilado a

248 P Oxyrhynchus 2399 Meister CAH 7 p 396

249 Diod 2033-34

250 Episoacutedio analisado no iniacutecio deste capiacutetulo

114

Siciacutelia Com Agaacutetocles de volta a Siracusa Arcagathus

deixado no comando das tropas de seu pai fracassou diante

dos cartagineses e perdeu boa parte do exeacutercito de

Agaacutetocles tentando sem sucesso recobraacute-lo em Tuacutenis A

uacuteltima esperanccedila de Agaacutetocles era induzir os cartagineses a

uma batalha decisiva contra os homens que havia trazido da

Siciacutelia mas eles aprenderam a liccedilatildeo um pouco antes

Permaneceram em seus fortes aguardando que o exeacutercito

mercenaacuterio grego se desfizesse em discoacuterdia ou tentasse um

ataque desesperado Apoacutes uma batalha mal sucedida

Agaacutetocles se viu novamente obrigado a deixar os seus planos

na Aacutefrica mas desta vez sem alimentar quaisquer

expectativas de retorno Para selar a desgraccedila final ao

perceber que natildeo dispunha de embarcaccedilotildees suficientes para

todo o exeacutercito o comandante siracusano optou por deixar o

continente africano secretamente251

251 Meister CAH 7 p 400

115

411 O exeacutercito de Agaacutetocles

Em primeiro lugar uma diferenccedila baacutesica deve ser

esclarecida quanto ao uso dos mercenaacuterios por Siracusa e

pelos chamados ldquotiranos siciliotasrdquo Os uacuteltimos natildeo

poderiam eacute claro contar com o suporte de tropas ciacutevicas

(ao menos com a maioria delas) uma vez que seus propoacutesitos

eram quase sempre inconstitucionais252 Da mesma forma a

cidade siciliota natildeo poderia contar unicamente com

soldados-cidadatildeos por trecircs motivos (1) a guerra contra os

cartagineses natildeo ocorria em caraacuteter sazonal jaacute que os

cartagineses empregavam mercenaacuterios em larga escala na

Siciacutelia (2) quando a cidade reagia ao poder militar de um

tirano precisava fazecirc-lo numa loacutegica semelhante agrave

periodicidade do combate contra os cartagineses e (3) o

exeacutercito altamente flexiacutevel dos tiranos constituiacutea uma arma

muito superior aos exeacutercitos ciacutevicos mal treinados Temos

entatildeo um ponto comum entre a poacutelis e os tiranos isto eacute o

uso de mercenaacuterios em larga escala por ambos mas esta

identificaccedilatildeo no estatuto de parte dos soldados recrutados

natildeo leva ao recrutamento de tropas mercenaacuterias com funccedilotildees

taacuteticas idecircnticas De fato ao passo que os democratas

confiavam basicamente nos mercenaacuterios de procedecircncia grega

os tiranos mostravam-se verdadeiros entusiastas do

ldquomercenariato sem fronteiras eacutetnicasrdquo provavelmente por

conta do sentimento de hostilidade agrave cidadania253 O uso

constante de tais tropas combinado agrave lideranccedila de um

general experiente (o que Cartago natildeo foi capaz de

fornecer como veremos no proacuteximo capiacutetulo) resultou na

porccedilatildeo grega da Siciacutelia no desenvolvimento de uma tradiccedilatildeo

militar peculiar atualizada do ponto de vista taacutetico e

252 Vendo o roacutetulo da tirania no seacutecIII aC como pertencente aos

politicos que desdobraram seu poder de uma situaccedilatildeo inconstitucional

(strategia autocraacutetica compulsoacuteria na maior parte das vezes) 253 Argumento desenvolvido por Duncan Head Armies of the Macedonian

and Punic Wars organization tactics dress and weapons Sussex

Wargames Research Group Publication 1982 P10

116

favoraacutevel sob a autoridade de um poliacutetico em sintonia com

o mundo heleniacutestico agraves inovaccedilotildees de natureza

institucional

Em 310 aC Agaacutetocles contava com 13500 mercenaacuterios

para a sua expediccedilatildeo africana dos quais contamos 1000

hoplitas 3000 gregos (distintos dos primeiros por que natildeo

integravam a guarda pessoal do siracusano) 3500

siracusanos 2500 soldados de infantaria de origem incerta

(talvez aliados sicilianos natildeo-gregos) 3000 mercenaacuterios

samnitas etruscos e celtas 500 arqueiros e fundeiros254

A

ausecircncia das referecircncias agrave cavalaria provavelmente indica a

esperanccedila de Agaacutetocles em recrutar cavaleiros localmente

assim que chegasse ao norte da Aacutefrica Passados os dois

primeiros anos da expediccedilatildeo Agaacutetocles pocircde dobrar as suas

forccedilas tendo incorporado o exeacutercito de Ophellas Amparados

por essa informaccedilatildeo em Diodoro podemos seguramente dizer

que a forccedila militar de Agaacutetocles passou a contar tambeacutem com

10000 soldados de infantaria 600 cavaleiros 100 carros

de guerra e 300 homens para lutar ao lado de tais carros255

As funccedilotildees ou origens eacutetnicas dos homens de Ophellas satildeo

incertas mas Agaacutetocles natildeo deve ter sido capaz de mantecirc-

los sob seu comando a julgar pelos nuacutemeros que Diodoro nos

apresenta para o ano de 307 aC apoacutes o siracusano ter

recebido reforccedilos da Siciacutelia Entre os ldquosobreviventesrdquo

Agaacutetocles contava com somente 6000 gregos 6000 samnitas

etruscos e celtas e 1500 cavaleiros256 Por uacuteltimo ainda

que Agaacutetocles tenha adquirido reforccedilos liacutebios os mesmos

natildeo se mantiveram leais ao tirano transferindo-se no final

das contas para o domiacutenio cartaginecircs

254 Diod 2011 Obviamente Diodoro aqui confunde unidades eacutetnicas com

unidades taacuteticas Cf Griffith pp 198-202 255 Diod 2041 256 Diod 2064

117

412 Agaacutetocles general como Alexandre

Em 1935 Griffith havia jaacute se posicionado a favor de

uma imitatio Alexandri por Agaacutetocles em campo de batalha257

Para ele as taacuteticas e formaccedilotildees usadas pelo siracusano

eram ocasionalmente reminiscentes daquelas empregadas por

Alexandre Em primeiro lugar apesar de lamentar a ausecircncia

de um relato preciso das campanhas de Agaacutetocles Griffith

pontua a existecircncia ao menos na Aacutefrica de um ldquobatalhatildeo de

infantaria especialmente forterdquo em nuacutemero de 1000 o

qual de acordo com o historiador corresponderia grosso

modo aos hipaspistai de Alexandre Em segundo lugar as

taacuteticas adotadas por Agaacutetocles na mesma batalha contra os

carros de guerra cartagineses corresponderiam exatamente ao

que Alexandre havia feito em Gaugamela contra Dario A

interpretaccedilatildeo das manobras siracusanas como adaptaccedilatildeo das

taacuteticas macedocircnicas poderia ser combatida pela carecircncia de

evidecircncias mais concretas mas a sua coincidecircncia com o

emprego de uma guarda pessoal a qual estava provavelmente

baseada no sistema de funcionamento taacutetico dos hipaspistai

de Alexandre fortalece o argumento A chave para a segunda

parte encontra-se portanto na defesa dos 1000 homens que

compunham a τς θεραπείας258 como uma versatildeo siciliota (ao

menos na expediccedilatildeo africana) dos hipaspistai de Alexandre

Diodoro faz referecircncia agrave existecircncia de um exeacutercito

(aparentemente regular) em Siracusa o qual teria sido

entregue a Hicetas eleito o novo strategos pelos

siracusanos com os problemas sucessoacuterios advindos da morte

de Agaacutetocles259 Tal evidecircncia como recorda Zambon indica

que Agaacutetocles natildeo havia deixado o poder sem um exeacutercito que

lhe fosse fiel e que o mesmo fora usado por Hicetas contra

257 Griffith pp 200-201

258 Literalmente ldquoguarda pessoalrdquo de Agaacutetocles como aparece em Diod

2011 259 Diod 2118

118

Menon260 Mas que exeacutercito era esse Qual era a sua

composiccedilatildeo Infelizmente natildeo temos nenhuma informaccedilatildeo

extra sobre os soldados leais a Agaacutetocles (agrave exceccedilatildeo dos

mamertinos) mas a julgar pela organizaccedilatildeo de uma guarda

pessoal durante a expediccedilatildeo africana a qual certamente natildeo

era desfeita com facilidade261 podemos dizer que a mesma

possivelmente compunha o exeacutercito regular herdado por

Hicetas em Siracusa cerca de vinte anos depois262

De acordo com Diodoro os cartagineses natildeo puderam

aguardar os reforccedilos vindos das regiotildees aliadas devido agrave

situaccedilatildeo alarmante provocada pela ofensiva grega e

decidiram dispor os seus soldados-cidadatildeos em campo de

batalha os quais segundo o historiador siciliano estavam

em nuacutemero aproximado de 40000 e eram acompanhados por

1000 cavaleiros provavelmente numiacutedios (embora a fonte

natildeo mencione a origem eacutetnica) e 2000 carros de guerra263

A ala esquerda era formada por soldados organizados em

260 Zambon Hellenistic Sicily p 30 Sebastiana Consolo Langher La

Sicilia dalla scomparsa di Timoleonte alla morte di Agatocle In

Emilio Gabba La Sicilia Antica 2 1 La Sicilia greca dal IV secolo

alle guerre puniche Napoli Societagrave editrice storia di Napoli e della

Sicilia 1980 pp 289-342 261 Note-se por exemplo o caso dos arguraspides macedocircnicos

262 Diz-se que os arguraspides de Alexandre possuiacuteam mais de 60 anos

quando apoiaram Eumenes sendo ainda temidos por sua disciplina e

experiecircncia Na cronologia apresentada para a guarda pessoal de

Agaacutetocles os soldados teriam idade bem menor que a guarda Real de

Alexandre tornando o argumento plausiacutevel para a eacutepoca 263 Aqui o nuacutemero eacute claramente absurdo Talvez Diodoro (2010) quisesse

se referir a 200 carros de guerra o que seria aceitaacutevel com bastante

otimismo apoacutes reduzir as centenas e comparar os possiacuteveis nuacutemeros

desta batalha com aqueles apresentados por exemplo entre os persas

em Gaugamela (100 carros citas na ala esquerda ao lado da cavalaria

de mesma procedecircncia e de 1000 cavaleiros bactrianos em oposiccedilatildeo a

Alexandre como indica Arr 311) Justino (226) conta 30000 homens

no total (obvius ei fuit cum XXX milibus paganorum Hanatildeo sed proelio

commisso duo de Siculis tria milia de Poenis cum ipso duce cecidere)

da mesma forma que Paulo Oroacutesio Historiae Adversum Paganos 4625

(Hanatildeonem quendam cum triginta milibus Poenorum obuiam habuit) Entre

os historiadores modernos Consolo Langher (pp 139-143) aponta para

10000 cavaleiros certamente presumindo que Diodoro se equivocou ao

lanccedilar apenas 1000 cavaleiros (ἱππεῖς δὲ χιλίους) ao lado de 2000 carros de guerra (ἅρματα δὲ δισχίλια) Consideramos contudo que o erro tenha se dado precisamente na apresentaccedilatildeo dos carros de guerra pelos motivos

enumerados

119

grande profundidade (por induccedilatildeo do terreno) sob o comando

de Bomilcar na ala direita que estava sob o comando de

Hanatildeo encontrava-se o Batalhatildeo Sagrado Agrave frente de toda a

infantaria os cartagineses dispuseram os carros de guerra e

a cavalaria264 Agaacutetocles apoacutes tomar conhecimento da

formaccedilatildeo inimiga confiou a ala direita ao seu filho

Archagathus no comando de 25000 soldados Ao lado de

Archagathus seguiam-se 3500 siracusanos 3000

mercenaacuterios gregos e um grupamento misto de samnitas

etruscos e celtas tambeacutem em nuacutemero de 3000 Agaacutetocles

encontrava-se de frente para o ieros lochos cartaginecircs no

comando de sua guarda pessoal um total de 1000 soldados

pesadamente armados (ao menos equipados para o choque

frontal) Nas alas ele dispocircs os 500 arqueiros e

fundeiros265

Deve ser observado que Agaacutetocles liderou sua guarda

pessoal contra o Batalhatildeo Sagrado ou seu equivalente

cartaginecircs e que a mesma compunha um grupamento de 1000

soldados de infantaria pesadamente armada Sabemos que a

guarda pessoal em questatildeo natildeo se tratava de um ieros

lochos pois a sua lealdade como o termo grego indica

estava primeiramente ligada a Agaacutetocles depois

possivelmente agrave cidade de Siracusa Aleacutem disso os nuacutemeros

natildeo batem com o que nos eacute dado pelas fontes para os ieroi

lochoi De acordo com Plutarco o ieros lochos foi

inicialmente formado como eacute dito por Gorgias a partir de

300 homens selecionados (ἐξ ἀνδρν ἐπιλέκτων τριακοσίων) para os

quais a cidade fornecia treinamento e manutenccedilatildeo []rdquo266

Dadas as proporccedilotildees dos exeacutercitos gregos no tempo de

Peloacutepidas poderiacuteamos argumentar que a guarda pessoal de

Agaacutetocles representaria um inchaccedilo de um Batalhatildeo Sagrado

264 Diod 2010

265 Diod 2011

266 Plut Pelop 18

120

siracusano se houvesse referecircncia agrave existecircncia de tal

destacamento em Siracusa se o termo empregado pelas fontes

fosse ieros lochos ao inveacutes de therapeiacutea e se a expediccedilatildeo

africana tivesse demorado tempo suficiente para aumentar a

lealdade das tropas a Agaacutetocles em detrimento da cidade que

os teria formado e mantido no caso de possiacutevel a

argumentaccedilatildeo de um ieros lochos natildeo mencionado com os

termos apropriados267 Como dito acima natildeo haacute indiacutecios para

nenhum dos trecircs casos aleacutem de ter a lealdade da tropa sido

vinculada em sua uacutenica apariccedilatildeo em Diodoro estritamente

ao comandante siracusano Eacute provaacutevel que esta guarda

pessoal portanto tenha reconhecido a toga puacuterpura de

Agaacutetocles como adequada ao seu poder o que anula a

hipoacutetese de ter sido essa somente uma guarda pessoal de um

tirano como encontramos nos periacuteodos anteriores Aleacutem

disso o contexto de imitatio Alexandri no campo poliacutetico

bem documentado durante a expediccedilatildeo africana assim como a

interaccedilatildeo que Agaacutetocles mantinha com o mundo heleniacutestico

contribuem para uma provaacutevel resignificaccedilatildeo da guarda

pessoal em questatildeo Em uacuteltima instacircncia tratava-se da

guarda de algueacutem que jaacute se via com direitos a uma sucessatildeo

forjada ao trono macedocircnico sendo a identificaccedilatildeo com os

hipaspistai algo bastante plausiacutevel

Tratemos agora do posicionamento dos arqueiros e

fundeiros contra os carros de guerra e cavaleiros do

exeacutercito cartaginecircs Recordo que em Gaugamela Alexandre

havia disposto na ala direita agrianianos arqueiros e

soldados (levemente) armados provavelmente peltastas e na

ala esquerda juntamente com dois corpos de cavalaria

267 Diodoro 1680 em contrapartida emprega o termo ieros lochos para

um grupamento de cartagineses em nuacutemero de 2500 que haviam

combatido em Himera (480 aC) A designaccedilatildeo eacute obviamente

equivocada especialmente pelo nuacutemero excessivo de soldados e por sua

inexperiecircncia em campo de batalha Aleacutem disso essa parece ter sido

uma maneira grega de enquadrar parte das tropas citadinas cartaginesas

pesadamente armadas que raramente combatiam por sua cidade

121

arqueiros cretenses dardeiros traacutecios entre outros Em

331 aC agrianianos e dardeiros das ilhas Baleares

bloquearam o ataque dos carros de guerra citas enquanto os

falangistas ao centro (hipaspistai) natildeo se opuseram

frontalmente a eles deixando-os passar por meio de

manobras de evasatildeo sem causar portanto baixas na

infantaria macedocircnica268 Em 310 aC num campo aberto natildeo

muito distante de Cartago os soldados pesadamente armados

de Agaacutetocles realizaram idecircnticas manobras evasivas

permitindo-os passar (ἃ δ εἴασαν διεκπεσεῖν) abatendo

inicialmente alguns e em seguida forccedilando o retorno da

maior parte dos carros de guerra contra as suas proacuteprias

tropas269 Como Diodoro natildeo menciona forccedilas de cavalaria do

lado grego o que nos soa estranho a uacutenica reconstruccedilatildeo

possiacutevel para a vitoacuteria sobre os carros de guerra e

cavaleiros se daacute por meio do emprego dos arqueiros e

fundeiros (a exemplo do que ocorreu em Gaugamela) os quais

causaram de acordo com Diodoro muitas baixas nas tropas

acima referidas (mais um indiacutecio de que se tratava de

cavaleiros numiacutedios os quais natildeo eram paacutereo para dardos de

arremesso e projeacuteteis de modo geral desde que disparados

por infantaria levemente armada) Com o fracasso da

investida montada o campo de batalha transformou-se num

cenaacuterio praticamente claacutessico com dois corpos de

infantaria pesadamente armada em confronto direto Hanatildeo

foi incapaz de suportar o choque com os soldados liderados

pessoalmente por Agaacutetocles e Bomilcar no comando da ala

em profundidade ordenou um recuo taacutetico de seus homens

que em princiacutepio seria parte de um plano (inclusive

poliacutetico jaacute que ambicionava de acordo com Diodoro a

morte de seu rival Hanatildeo para entatildeo dar sequumlecircncia ao

268 Ver cap1

269 Diod 2012 προεμβαλόντων γὰρ εἰς ατοὺς τν ἁρμάτων ἃ μὲν κατηκόντισαν ἃ δ

εἴασαν διεκπεσεῖν τὰ δὲ πλεῖστα συνηνάγκασαν στρέψαι πρὸς τὴν τν πεζν τάξιν

122

golpe de Estado)270 A aparente inexperiecircncia dos soldados

nas realizaccedilotildees das manobras assim como a ordem prematura

de seu liacuteder fizeram com que a retirada se transformasse

num verdadeiro massacre obrigando boa parte dos soldados a

se refugiar nas muralhas de Cartago

270 Diod 2012 Meister CAH 7 p 395 Voltarei a tratar desse assunto

no cap4

123

42 A expediccedilatildeo de Pirro do Epiro

Pirro natildeo iria para a Peniacutensula Itaacutelica sem tropas

como queriam os tarentinos embora seu exeacutercito fosse

sensivelmente menor que o de Alexandre o Grande quando do

iniacutecio de sua expediccedilatildeo asiaacutetica271 Plutarco nos informa

que Pirro contava com 20 elefantes 3000 cavaleiros

20000 soldados de infantaria 2000 arqueiros e 500

fundeiros272 Precedido pelo diplomata Cineas como de

costume Pirro se fez acompanhar por dois de seus filhos

nomeadamente Alexandre e Heleno ao passo que seu outro

filho Ptolomeu foi deixado como regente no Epiro Apoacutes

cumprir a rota mariacutetima para a Peniacutensula o que se deu com

inuacutemeros problemas como Plutarco narra com alto niacutevel

dramaacutetico273 o epirota deu iniacutecio ao entendimento pessoal

com seus aliados e agraves primeiras emissotildees monetaacuterias de sua

expediccedilatildeo a partir das quais ele pocircde reforccedilar os viacutenculos

com Alexandre e sua semelhanccedila com os Diaacutedocos assim como

celebrar a alianccedila274 Em seguida tendo alistado tarentinos

em seu exeacutercito o liacuteder da coalizatildeo contra os romanos

parecia estar pronto para a accedilatildeo a qual se transformaraacute ao

final num verdadeiro fiasco tal qual a expediccedilatildeo africana

de Agaacutetocles275 Ambas contudo servem para ilustrar como

as taacuteticas e as figuraccedilotildees do poder heleniacutestico se

apresentaram ao ocidente particularmente na Magna Greacutecia

Siciacutelia e norte da Aacutefrica no iniacutecio com contexto bastante

favoraacutevel aos monarcas

271 Griffith p 61 Leacutevecircque Pirro p297

272 Plut Pirro 152 Pausacircnias 112 sugere que Pirro obteve seus

elefantes apoacutes vencer uma batalha contra Demeacutetrio 273 Plut Pirro 153-8 Zonaras 82 Justino 181 Leacutevecircque Pirro p

297-298 274 Leacutevecircque Pirro p 299 Sobre a cunhagem na Magna Greacutecia e Siciacutelia

durante a expediccedilatildeo de Pirro cf Vincenzo La Bua ldquoLa spedizione di

Pirro in Siciliardquo MGR 7 179-254 1980 Zambon Hellenistic Sicily

pp121-129 275 Aceita-se comumente que a coalizatildeo era formada por samnitas

lucanianos brutianos messapianos e com incerteza apulianos

Leacutevecircque Pirro p 304

124

Do lado romano os preparativos tiveram de ser

iniciados em contexto bastante desfavoraacutevel considerando-

se os problemas com os etruscos e sua simultaneidade com a

formaccedilatildeo da alianccedila italiota conduzida por Pirro Seguindo

os costumes Roma dividiu o exeacutercito entre os cocircnsules

ficando Valeacuterio Levinus no comando das legiotildees contra Pirro

e Coruncanius no comando das legiotildees contra os etruscos

Os romanos haviam tirado jaacute grande proveito das guerras

precedentes como nos informa Poliacutebio [os romanos] se

tornaram verdadeiros mestres na arte da guerra por meio de

sua luta com os samnitas e os celtas (ἀθληταὶ γεγονότες ἀληθινοὶ

τν κατὰ τὸν πόλεμον ἔργων ἐκ τν πρὸς τοὺς Σαυνίτας καὶ Κελτοὺς ἀγώνων)276

Assim deve-se ter em conta que natildeo somente Pirro era um

comandante experiente e com tropas de alto niacutevel como

vimos acima mas tambeacutem os romanos possuiacuteam um niacutevel de

experiecircncia militar e ldquopotencial soldadescordquo adequados ao

seu inimigo Esse eacute um fator importante na medida em que

estabelece entre outros fatores os resultados da campanha

italiana Por potencial soldadesco entendo basicamente a

composiccedilatildeo de ambos os exeacutercitos e o que disso poderia ser

desdobrado em termos taacuteticos excetuando as legiotildees de Roma

e a falange macedocircnica sob Pirro (fundamental em

Heracleia) o restante das tropas (particularmente em

Aacutesculo) possuiacutea as mesmas origens eacutetnicas e portanto

armamento e estilo de combate similares Aleacutem disso a

flexibilidade das legiotildees da forma como explicado no cap4

desta tese contribuiu para o quadro desfavoraacutevel ao rei do

Epiro jaacute que puderam enfrentar a falange (em Heracleia)

com recursos taacuteticos superiores auxiliando no quadro

geral da campanha para o deslocamento do foco poliacutetico

mais a sudoeste precisamente na Siciacutelia grega

276 Polib 16

125

421 O exeacutercito de Pirro

Em 280 aC o exeacutercito que Pirro liderou em sua

expediccedilatildeo italiana estava claramente organizado em estilo

macedocircnico mas nada indica que essa organizaccedilatildeo era

conhecida pelos epirotas anteriormente Historiadores

tendem a apostar numa reforma iniciada cerca de 340 aC

por Alexandre do Epiro amigo e aliado de Filipe II tanto

por sua relaccedilatildeo com os macedocircnios quanto pela logiacutestica

necessaacuteria a uma expediccedilatildeo italiana (realizada em 334

aC) a qual somente seria viaacutevel com um exeacutercito

ldquonacionalmente unificadordquo277 mas natildeo haacute evidecircncias

suficientes para algo mais conclusivo aleacutem de tais

argumentos Talvez Alexandre do Epiro tenha de fato

reformado o exeacutercito epirota nos moldes do projeto de

Filipe da Macedocircnia mas o certo eacute que Pirro cerca de meio

seacuteculo mais tarde dispunha de tais condiccedilotildees

Como dito anteriormente Plutarco nos informa que o

exeacutercito de Pirro era composto por 20 elefantes 3000

cavaleiros 20000 soldados de infantaria (ou 23000 se

considerarmos os 3000 homens enviados juntamente com

Cineas) 2000 arqueiros e 500 fundeiros Curiosamente natildeo

haacute indiacutecios de algo similar aos hipaspistai no exeacutercito

epirota sendo o termo empregado para indicar oficiais

capazes de governar cidades (na Siciacutelia) e natildeo para fazer

referecircncia agraves tropas que compunham uma unidade de

combate278 Obviamente os 20000 soldados de infantaria natildeo

eram puramente epirotas Beloch foi capaz de mostrar a

esse respeito que os aproximados 300000 habitantes do

Epiro dos quais 100000 estariam possivelmente em idade

militar natildeo poderiam fornecer sequer os 20000 soldados de

infantaria do exeacutercito de Pirro levando em consideraccedilatildeo o

277 O argumento pode ser mapeado em Head op cit p 19 e Braccesi

op cit pp43-53 278 Head op cit p 19

126

estado economicamente atrasado da regiatildeo279

Daiacute resulta que

boa parte dos soldados de Pirro em sua expediccedilatildeo italiana

fosse formada por mercenaacuterios de acordo com os dados

obtidos acerca das tropas empregadas em Aacutesculo Aleacutem dos

tarentinos e demais aliados o rei epirota contava com uma

falange macedocircnica e alguns cavaleiros tessaacutelios cedidos

por Ptolomeu Keraunos rei da Macedocircnia uma infantaria

mercenaacuteria da Etoacutelia Acarnacircnia e Atamacircnia e um corpo de

cavaleiros mercenaacuterios gregos arcanianos etoacutelios e

atamanianos280 Sem duacutevida a reputaccedilatildeo de Pirro reforccedilou a

sua capacidade de recrutar novos soldados dispostos a

combater na condiccedilatildeo de profissionais

279 Julius Beloch apud Griffith p61 Poliacutebio (3015 fragmentos

preservados em Estrabatildeo Geografia 77 e Tito Liacutevio 4534) menciona

15000 epirotas escravizados por Emiacutelio Paulo em 168 aC Cf tambeacutem

Griffith p 61 280 Griffith p 62

127

422 O exeacutercito republicano romano

O exeacutercito romano em seus primoacuterdios parece natildeo ter

sido muito diferente daquele encontrado no restante das

cidades do Laacutecio sendo influenciado por seus vizinhos mais

poderosos os etruscos A confederaccedilatildeo etrusca estendeu sua

influecircncia a ponto de nomear a organizaccedilatildeo inicial das

forccedilas romanas ao estilo etrusco compondo trecircs tribos com

a responsabilidade de fornecer 1000 homens em idade

militar cada ficando os soldados sob o comando de um

tribunus As subdivisotildees de cada tribo forneciam uma

centuacuteria (nessa eacutepoca possivelmente contada como 100

homens) o que resultava numa forccedila modesta de 3000

homens a chamada legio A cavalaria (equites) era formada

por nobres e seus filhos totalizando 300 homens montados

(capazes de pagar a manutenccedilatildeo de um cavalo e equipamentos)

divididos entre as tribos De modo geral a historiografia

aceita que essa organizaccedilatildeo inicial somente seraacute modificada

com Seacutervio Tuacutelio aproximadamente entre 580-530 aC281 Ao

lado da criaccedilatildeo de muitas das instituiccedilotildees de Roma Seacutervio

Tuacutelio parece ter realizado o primeiro censo do povo romano

dividindo a populaccedilatildeo em classes obedecendo ao padratildeo de

riqueza Com objetivos claramente poliacuteticos e militares as

centuacuterias (como a populaccedilatildeo era dividida) teriam impacto na

organizaccedilatildeo das assembleacuteias e das tropas Em primeiro

lugar vinha a ordem equumlestre num total de 18 centuacuterias

em seguida a populaccedilatildeo restante aparecia dividida em 5

classes separadas a partir de sua riqueza e contadas da

seguinte maneira em casos de alistamento militar (a) a

primeira classe armada com lanccedila e espada e equipada com

281 Lawrence Keppie The making of the Roman army from republic to

empire London BT Batsford 1984 pp 16-17 Daly pp 48-52

Giovanni Brizzi Le guerrier de lantiquiteacute classique de lhoplite au

leacutegionnaire Monaco Rocher 2004 pp 43-51 John Rich ldquoWarfare and

the Army in Early Romerdquo In Paul Erdikamp A companion to the Roman

army Malden MA Oxford Blackwell 2007 pp 7-23 Para uma visatildeo

detalhada das fontes a respeito ver Michael M Sage The Republican

Army a Sourcebook New York London Routledge 2008 pp 4-41

128

couraccedila de bronze elmo escudo e grevas (b) a segunda

classe armada de forma idecircntica e equipada de maneira

similar excluindo a couraccedila (c) a terceira classe

idecircntica agrave segunda classe exceto pelas grevas (d) a

quarta classe armada com lanccedila e equipada somente com

escudo (e) a quinta e uacuteltima classe armada com fundas e

pedras Os seniores (oposto de iuniores isto eacute em idade

militar) eram empregados somente em caso de cerco

portanto para a defesa da cidade Abaixo da quinta classe

contava-se apenas o grupo de homens (em nuacutemero modesto) sem

propriedade alguma (capite censi ou registrados por

contagem de cabeccedila) os quais eram desqualificados para o

serviccedilo militar282

Terminado o periacuteodo das monarquias a primeira

modificaccedilatildeo no exeacutercito romano (entatildeo republicano) surgiu

em meio aos conflitos contra as comunidades adjacentes no

momento de enfraquecimento dos etruscos mediante a fixaccedilatildeo

dos celtas na regiatildeo dos Alpes e do fortalecimento da

posiccedilatildeo das colocircnias gregas no sul da Peniacutensula Itaacutelica

Nesse contexto precisamente em 406 aC os romanos

partiram para o uacuteltimo embate com a cidade etrusca de

Veios conflito que se encerrou 10 anos depois com a

captura da cidade pelos romanos Durante a guerra contra

Veios o exeacutercito cresceu (de cerca de 4000 para 6000

homens) e o escudo circular foi substituiacutedo pelo escudo

longo italiano o scutum Da mesma forma como parece

oacutebvio o nuacutemero de cavaleiros subiu totalizando as 18

centuacuterias previstas na ldquoreforma servianardquo Eacute nesse momento

(6 anos apoacutes a captura de Veios pelos romanos portanto em

390 aC) que Roma eacute tomada pelos celtas exceto por uma

pequena porccedilatildeo da cidade Capazes de expulsar os celtas de

282 Keppie (op cit p 17) recorda que nessa eacutepoca ldquoa defesa da cidade

era um dever uma responsabilidade e um privileacutegiordquo

129

sua cidade os romanos estavam a caminho do estabelecimento

de sua posiccedilatildeo na Peniacutensula

Alguns autores tecircm sugerido uma identificaccedilatildeo da legiatildeo

romana com os hoplitas gregos283 mas a forma cerrada de

luta dos romanos nos primeiros anos deve indicar mais uma

adaptaccedilatildeo etrusca (que natildeo era uma incorporaccedilatildeo de taacuteticas

gregas como alguns acham razoaacutevel deduzir) do que

propriamente uma forma similar de combate ombro-a-ombro De

qualquer forma logo as unidades manipulares (manipuli)

foram adotadas como resposta agraves exigecircncias de maior

flexibilidade taacutetica Cada maniacutepulo com aproximados 100-

120 homens exceto pelos triarii contava com dois

centuriotildees homens experientes dispostos no comando das

unidades taacuteticas Vale destacar o centuriatildeo secircnior da

legiatildeo disposto no comando no maniacutepulo da extrema direita

dos triarii que era depois incluiacutedo (ex officio) no

conselho geral do cocircnsul juntamente com os tribunos Jaacute no

final do seacutecIV aC basicamente no mesmo periacuteodo da

expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles (310-307 aC) ou talvez um

ano antes o exeacutercito romano encontrava-se dividido em 4

legiotildees comandadas por dois cocircnsules e abaixo deles 6

tribunos militares

Durante a sua expansatildeo em direccedilatildeo ao sul do Laacutecio os

romanos foram capazes de subjugar os samnitas em quase 50

anos de conflito Devido agrave natureza montanhosa da regiatildeo

tem sido sugerido que os maniacutepulos seriam na verdade uma

modificaccedilatildeo ocorrida nesse momento o que se justificaria

com a necessidade de maior flexibilidade taacutetica do

terreno284 De acordo com Tito Liacutevio os maniacutepulos eram

parte de inovaccedilotildees tiacutepicas do periacuteodo da Primeira Guerra

283 Um excelente exemplo (mas natildeo o uacutenico) eacute Keppie op cit p 19 284 Keppie op cit pp18-19 Daly pp 56-63 Brizzi op cit p 47

Louis Rawlings ldquoArmy and Battle During the Conquest of Italyrdquo In

Erdkamp op cit pp 55-58 Sage op cit pp 63-66

130

Samnita285 Apoacutes a linha de tropas levemente armadas

(leves) vinham os maniacutepulos de hastati (os que portavam a

hasta ou lanccedila curta) seguidos pelos maniacutepulos de

principes e por uma terceira linha os maniacutepulos de triarii

(homens mais velhos ndash e experientes - que entravam em cena

no caso de desorganizaccedilatildeo das duas primeiras linhas) Por

fim Tito Liacutevio menciona rorarii (lit tropas levemente

armadas) e accensi (lit tropas reservas) grupos de

soldados levemente armados dispostos como uacuteltima forccedila de

reserva O relato de Tito Liacutevio contudo embora seja de

grande valor natildeo eacute normalmente visto com precisatildeo

histoacuterica desejaacutevel preferindo-se a narrativa do

historiador cuja autoridade nos assuntos militares eacute

inquestionaacutevel Poliacutebio286

De acordo com Poliacutebio em sua detalhada descriccedilatildeo da

organizaccedilatildeo do exeacutercito romano a legiatildeo romana (jaacute no

periacuteodo da Segunda Guerra Puacutenica isto eacute entre 218 e 201

aC) contava com 4200 homens podendo atingir o nuacutemero de

5000 em situaccedilotildees de emergecircncia O processo seletivo

(dilectus ou simplesmente ldquoseleccedilatildeordquo) incorporava homens

entre 17 e 46 anos com propriedade avaliada acima dos 400

denaacuterios apoacutes a avaliaccedilatildeo das habilidades necessaacuterias ao

serviccedilo Ao soldado de infantaria era pago um stipendium

criado para cobrir os prejuiacutezos que supunham o afastmento

de casa perfazendo no tempo de Poliacutebio um total de 120

denaacuterios por ano Os cavaleiros por sua vez recebiam

mais cerca de 365 denaacuterios por ano o que considerava

tanto a sua origem social quanto os custos com o cavalo

Feita a seleccedilatildeo a legiatildeo era dividida da seguinte maneira

(a) os velites formados pelos mais jovens e pobres (b) os

hastati formados pelos mais jovens e pobres depois dos

velites (c) os principes formados pelos ldquopreeminentesrdquo

285 Tito Liacutevio 88-10 286 A referecircncia eacute Polib 619-42

131

(d) os triarii os mais maduros e experientes dos soldados

Os hastati e os principes compunham 2400 homens no total

(10 maniacutepulos de 120 homens cada) acompanhados por 600

triarii (10 maniacutepulos de 60 homens cada) e por deduccedilatildeo

1200 velites Os velites prossegue Poliacutebio eram armados

com espadas lanccedilas de arremesso e um pequeno escudo

circular (parma) Os hastati e os principes encontravam-se

normalmente equipados com duas lanccedilas (pila) cada uma

espada curta (gladius) que era a principal arma do

legionaacuterio e equipados com escudo oval peitoral de

bronze elmo e grevas Os triarii eram equipados da mesma

forma exceto pelo armamento ao inveacutes do pilum o triarius

portava a hasta lanccedila perfurante que natildeo poderia ser usada

para arremesso e era portanto usada no combate corpo-a-

corpo

A cavalaria totalizava 300 homens divididos em 10

turmae de 30 homens cada uma sob o comando de 3 decuriotildees

e equipadas com longos escudos circulares lanccedilas longas e

couraccedila de tecido De modo geral a legiatildeo era disposta em

formato de ldquotabuleiro de xadrezrdquo com os velites agrave frente

de todos os legionaacuterios para a accedilatildeo de escaramuccedila tendo os

hastati principes e triarii organizados em trecircs linhas

subsequumlentes de maneira a permitir a substituiccedilatildeo dos

homens da frente pelos de traacutes devido aos pequenos espaccedilos

propiciados pela formaccedilatildeo A cavalaria como no caso grego

era colocada nas alas como proteccedilatildeo dos flancos

132

423 A batalha de Heracleia (280 aC)

Leacutevecircque sustentou que a postura ofensiva romana ao

reunir as tropas sob Valeacuterio Levinus e marchar

imediatamente contra Pirro tinha trecircs objetivos claros

(1) desferir um golpe decisivo antes que o epirota pudesse

coletar todo o apoio esperado (2) conter uma possiacutevel

revolta das cidades gregas de Regium Locres e Croton ldquoa

quem a chegada do rei podia fazer pesar sua adesatildeo agrave causa

romanardquo e (3) lanccedilar a guerra para longe das terras

submetidas pelos romanos o que natildeo comprometeria a

lealdade desses povos a Roma287 Plutarco nos diz algo

interessante a respeito da reaccedilatildeo de Pirro agrave investida

romana algo que evidencia ainda mais as suas intenccedilotildees

monaacuterquicas heleniacutesticas as quais podem ser encontradas

desde o iniacutecio da sua expediccedilatildeo mesmo antes de se decidir

pela Siciacutelia

Ao ser informado que Levinus o cocircnsul romano se

aproximava com numeroso exeacutercito tendo saqueado a

Lucacircnia no trajeto Pirro natildeo havia ainda se juntado

aos seus aliados mas por julgar ser algo intoleraacutevel

ter de aguardar enquanto seus inimigos avanccedilavam

partiu da cidade com suas tropas []288

A postura de Pirro indica ao menos nessa ocasiatildeo que

o ldquodeverrdquo de lideranccedila de um monarca heleniacutestico (mesmo que

ele somente ambicionasse a monarquia de tipo oriental) era

mais relevante que a uniatildeo completa das tropas pela qual

ele aguardava ou ainda que ele julgava ser possiacutevel vencer

os ldquobaacuterbarosrdquo sem ter reunido todas as suas forccedilas jaacute que

povos militarmente desorganizados por mais belicosos que

fossem natildeo eram paacutereo para os gregos como Alexandre havia

287 Leacutevecircque Pirro p 318

288 Plut Pirro 164 πεὶ δὲ Λαιβῖνος ὁ τν Ῥωμαίων ὕπατος ἠγγέλλετο πολλῆ στρατιᾷ

χωρεῖν ἐπ ατόν ἅμα τὴν Λευκανίαν διαπορθν οδέπω μὲν οἱ σύμμαχοι παρσαν ατῶ δεινὸν δὲ ποιούμενος ἀνασχέσθαι καὶ περιιδεῖν τοὺς πολεμίους ἐγγυτέρω προϊόντας ἐξλθε μετὰ τς δυνάμεως []

133

mostrado em sua expediccedilatildeo asiaacutetica Que essa ideacuteia tenha

ocorrido a Pirro parece plausiacutevel principalmente ao

analisarmos um evento imediatamente posterior de sua marcha

contra os romanos quando o rei observou admirado (ἐθαύμασε)

ldquoa disciplina as sentinelas a sua ordem e o arranjo de

seu acampamentordquo (τάξιν τε καὶ φυλακὰς καὶ κόσμον ατν καὶ τὸ σχμα τς

στρατοπεδείας) dizendo ao seu amigo mais proacuteximo em

conclusatildeo que ldquoa disciplina desses baacuterbaros natildeo eacute

baacuterbarardquo289

Acampamentos montados ambos os lados estavam prontos

para o combate Pirro contava de acordo com Justino com

exeacutercito inferior em nuacutemero ainda que natildeo saibamos os

efetivos concretos dos romanos290 Para o desenrolar da

batalha embora Justino forneccedila o referido indiacutecio sobre a

inferioridade numeacuterica de Pirro as principais fontes satildeo

Plutarco e Dioniacutesio de Halicarnasso291 ambos com acesso ao

que parece aos relatos de duas tradiccedilotildees bastante

distintas Tornou-se consenso haacute muito tempo entre os

historiadores que Plutarco para a batalha em questatildeo

empregou basicamente o relato de Hierocircnimo292 intercalando

o mesmo com anedotas originadas na tradiccedilatildeo analiacutestica as

quais Dioniacutesio utiliza com frequumlecircncia293 Isso explicaria

tanto a versatildeo inteligiacutevel da batalha (o que natildeo eacute um traccedilo

comum nas biografias de Plutarco) quanto a presenccedila de

algumas imagens bastante favoraacuteveis aos romanos e pouco

289 Plut Pirro 167

290 Justino 181 Nec rex tametsi numero militum inferior esset []

Gaetano De Sanctis Storia dei Romani Milan Fratelli Boca 1907 P

392 supotildee que tenham sido somente duas presumindo que ateacute 4 legiotildees

eram normalmente divididas entre os cocircnsules Leacutevecircque Pirro 1957

P322 em contrapartida eacute mais otimista quanto agrave extensatildeo das tropas

de Levinus acreditando que podem ter sido 8 em Heracleia Essas satildeo

contudo suposiccedilotildees baseadas num possiacutevel nuacutemero de legiotildees sob um

uacutenico cocircnsul durante a fase intermediaacuteria da Repuacuteblica uma vez que as

fontes silenciam sobre esse caso em particular 291 Plut Pirro 16-17 e Dioniacutesio 1911-12

292 Plut Pirro 174 Cf Rudolf Schubert Geschichte des Pyrrhus

Koumlnigsberg Wilh Koch 1894 P 176 293 Leacutevecircque Pirro p323

134

criacuteveis do ponto de vista histoacuterico Notemos por exemplo

o retrato pitoresco do episoacutedio de espionagem epirota o

qual precedeu a batalha propriamente dita da forma como

registrado em Dioniacutesio

Levinus o cocircnsul romano tendo capturado um espiatildeo de

Pirro armou e dispocircs todo o exeacutercito em formaccedilatildeo de

batalha (εἰς τάξιν καταστήσας) e apoacutes mostraacute-lo ao espiatildeo ordenou que ele contasse toda a verdade sobre o que

tinha visto [] informando que Lavinus o cocircnsul

romano solicitava que ele [Pirro] natildeo enviasse mais

homens secretamente como espiotildees mas que viesse em

pessoa abertamente (φανερς) para ver o poder dos

romanos (ἰδεῖν τε καὶ μαθεῖν τὴν Ῥωμαίων δύναμιν)294

Pirro decidiu aguardar os reforccedilos de seus aliados numa

das margens do Siris onde estacionou um destacamento grego

para assegurar que os romanos natildeo atravessassem o rio

Estes no entanto mandaram parte de sua infantaria

(provavelmente aliada) cruzar o Siris por um vau enquanto

a cavalaria avanccedilava por diversos outros pontos rasos

expondo os gregos ao risco do envolvimento completo o que

de acordo com Plutarco os fez recuar295 Ao ver que seus

homens bateram em retirada Pirro ordenou aos oficiais que

pusessem a falange em linha enquanto ele proacuteprio como

Alexandre no comando de seus 3000 cavaleiros investiu

contra os romanos na expectativa de que eles se

desordenassem com a ofensiva montada Nem os cavaleiros

puderam romper a ordem das legiotildees com sua ldquoteatralizaccedilatildeo

ofensivardquo (uma vez que natildeo entraram de fato em choque com

o centro da formaccedilatildeo romana) nem o subsequumlente choque com

a falange pocircs os legionaacuterios a correr diferentemente do

que Alexandre havia feito aos persas Relata-nos Plutarco

que foram sete as reviravoltas no desenrolar do confronto

entre as duas infantarias informaccedilatildeo que ele provavelmente

294 Dionisio 1911 Cf tambeacutem Zonaras 836 e Frontino 477

295 Plut Pirro 165

135

obteve de Hierocircnimo296 e que nos permite deduzir a

ocorrecircncia de quatro ataques de Pirro e de trecircs contra-

ataques de Levinus (presumindo que a primeira reviravolta

soacute pode ter sido favoraacutevel aos epirotas jaacute que ao final

eles saiacuteram vitoriosos) Numa das alas provavelmente a

direita o rei sofreu o ataque da cavalaria inimiga mas

venceu apoacutes penoso embate com as tropas montadas de

Oblacus297 Na outra ala Pirro fez avanccedilar os elefantes

que aterrorizaram natildeo somente a cavalaria romana mas

tambeacutem os legionaacuterios mais ao centro Com o moral abalado

e contando ainda com o descontrole dos cavalos inimigos

(que natildeo estavam acostumados aos elefantes) a cavalaria

tessaacutelia foi enviada para encerrar a resistecircncia nessa ala

provocando a exposiccedilatildeo dos dois flancos romanos e julgo

que no mesmo momento a fuga completa da infantaria ao

centro Parece bem provaacutevel por uacuteltimo que os legionaacuterios

tenham corrido exatamente no momento do avanccedilo dos

elefantes do contraacuterio com ambas as alas derrotadas o

exeacutercito ao centro teria sido facilmente esmagado ou

forccedilado a se entregar como vimos em diversos casos nas

batalhas dos Diaacutedocos

A tradiccedilatildeo analiacutestica inventou um termo ldquohistoacutericordquo

para a vitoacuteria de Pirro obtida com muito esforccedilo e sem

consequumlecircncias desastrosas para o derrotado tratava-se de

uma ldquovitoacuteria piacuterricardquo ou como nos diz Diodoro cadmeacuteia298

De acordo com Caacutessio Dio Zonaras e Justino299 a fama

surgiu apoacutes Heracleia segundo Plutarco300 apoacutes a batalha

de Aacutesculo (o que representa um erro por parte do bioacutegrafo

296 Plut Pirro 171

297 Plutarco (Pirro 168) e Dioniacutesio (1912) mencionam um ataque de

caraacuteter pessoal liderado por Oblacus que estava decidido a abater o

rei em primeiro lugar Segundo a tradiccedilatildeo Leonnatus um dos

companheiros de Pirro percebeu a intenccedilatildeo de Oblacus e salvou seu rei

da morte em batalha 298 Diod 226

299 Dion Cassio 940 Zonaras 83 Justino 181

300 Plut Pirro 219

136

jaacute que o balanccedilo geral dos nuacutemeros que caracterizam uma

vitoacuteria piacuterrica eacute apresentado por ele apoacutes Heracleia)

Apesar das diferenccedilas na dataccedilatildeo precisa do termo atribuiacutedo

agrave vitoacuteria de Pirro todas as nossas fontes parecem

concordar com uma vitoacuteria relativa sobre os romanos Ora

como vimos na breve anaacutelise da batalha de Heracleia os

resultados foram bastante francos e decisivos de maneira

que somente uma explicaccedilatildeo soa-nos plausiacutevel para a

propagaccedilatildeo da ldquovitoacuteria piacuterricardquo entre os antigos todas as

fontes posteriores mencionadas empregaram a tradiccedilatildeo

analiacutestica para a mediccedilatildeo dos resultados da batalha sendo

que os autores romanos tinham por objetivo encobrir tamanha

desgraccedila para a sua memoacuteria Note-se por exemplo que

segundo Plutarco Dioniacutesio faz referecircncia a uma perda de

15000 homens para os romanos contra 13000 para Pirro ao

passo que Hierocircnimo autor de maior validade para o estudo

da batalha como vimos considerando-se a probabilidade de

ter acessado as Memoacuterias do rei indica uma perda de 7000

homens para Levinus contra 4000 para o epirota301 Aceitos

os nuacutemeros de Hierocircnimo pelos motivos mencionados natildeo haacute

razatildeo para crer que a vitoacuteria em Heracleia tenha sido de

fato uma ldquovitoacuteria piacuterricardquo devendo-se essa expressatildeo agraves

intenccedilotildees de minimizar a vergonha romana por parte da

tradiccedilatildeo analiacutestica

301 Plut Pirro 174 Leacutevecircque Pirro p 328

137

424 A batalha de Aacutesculo (279 aC)

Eventos de ordem militar e diplomaacutetica seguiram-se agrave

batalha de Heracleia Motivado por uma tentativa de

submissatildeo dos romanos por vias diplomaacuteticas Pirro enviou

Cineas a Roma com autorizaccedilatildeo para estabelecer um acordo

possivelmente antes de sua marcha para os arredores da

cidade (aceitando-se um padratildeo de envio preacutevio do

diplomata como ocorreraacute na Siciacutelia dois anos depois) o

que pode ter ocorrido dependendo da tradiccedilatildeo adotada

antes ou depois do envio de sua embaixada302 Presentes

foram oferecidos e segundo Plutarco todos recusados

termos bastante razoaacuteveis foram propostos pautados

basicamente na ldquoamizade poliacuteticardquo e desistecircncia da

conquista de Tarento pelos romanos sendo todos eles mais

uma vez postos de lado303 Alguns senadores estavam

inclinados a aceitar a paz julgando que um exeacutercito ainda

mais numeroso (reforccedilado com os aliados receacutem-chegados de

Pirro) recairia sobre Roma e mesmo tendo momentaneamente

recusado o que lhes propunha Cineas comeccedilavam a considerar

os termos do acordo epirota quando decidiram finalmente

motivados pelo discurso de Aacutepio Claacuteudio pela continuaccedilatildeo

do embate e da negociaccedilatildeo de resgate dos prisioneiros

certamente por que julgavam ser capazes de vencer Pirro com

as forccedilas restantes (o que natildeo ocorreria se as legiotildees

302 Plutarco (Pirro 18-19) menciona os eventos na seguinte ordem

Heracleia ndash marcha para Roma ndash embaixada ndash libertaccedilatildeo dos prisioneiros

ndash Aacutesculo Apiano (Samn 10-11) apresenta uma versatildeo distinta

Heracleia ndash embaixada ndash marcha para Roma ndash libertaccedilatildeo dos prisioneiros

ndash Aacutesculo Justino (181 182) somente menciona Heracleia a

libertaccedilatildeo dos (200) prisioneiros e Aacutesculo exatamente nessa ordem

Note que a omissatildeo da marcha para Roma pode ter se dado devido ao uso

uacutenico da tradiccedilatildeo analiacutestica 303 Plut Pirro 182 Variaccedilotildees do que propocircs Cineas aos romanos satildeo

encontradas na tradiccedilatildeo liviana segundo a qual Pirro teria oferecido

a libertaccedilatildeo dos prisioneiros e exigido amizade e alianccedila dos romanos

bem como autonomia dos aliados gregos e baacuterbaros em Apiano Samn

101 para quem os termos do acordo resumiam-se ao seguinte

libertaccedilatildeo dos prisioneiros paz com o povo romano incluindo Tarento

no armistiacutecio autonomia das cidades italiotas e restituiccedilatildeo completa

dos territoacuterios aos lucanianos brutianos samnitas e daunianos (na

regiatildeo da Apulia) Ver o quadro geral em Leacutevecircque Pirro p 348

138

tivessem sido enviadas como normalmente faziam os

cartagineses com seu exeacutercito ateacute 307 aC de uma uacutenica

vez sem a formaccedilatildeo de forccedilas de reserva)

Com a decisatildeo inesperada dos romanos Pirro teria que

proceder agrave conquista sistemaacutetica de toda a Peniacutensula para

entatildeo forccedilar Roma aos seus termos que certamente natildeo

seriam tatildeo brandos quanto os primeiros O rei partiu para a

cidade de Aacutesculo situada numa regiatildeo (Apuacutelia) que

diferentemente daquela de Heracleia natildeo facilitaria o uso

das tropas montadas e obviamente dos elefantes Em

Aacutesculo Pirro contava jaacute com a infantaria e a cavalaria

samnita brutiana lucaniana e tarentina304 Aqui surgem

duas possibilidades para o desenvolvimento da batalha a

primeira delas seguindo o relato de Hierocircnimo (novamente

citado por Plutarco) menciona duas batalhas em Aacutesculo a

segunda de acordo com Dioniacutesio (igualmente citado pelo

bioacutegrafo) faz referecircncia a somente uma longa batalha305

Como anteriormente tambeacutem para a batalha de Aacutesculo parece-

nos mais apropriado o relato de Hierocircnimo dada a

quantidade de detalhes apresentados e a reputaccedilatildeo do

historiador em questatildeo Aleacutem disso a adequaccedilatildeo dos nuacutemeros

continua sendo tal como em Heracleia mais plausiacutevel na

tradiccedilatildeo grega Plutarco nos informa que apoacutes encerrado um

conflito inicial entre as duas infantarias (o que se deduz

pela inadequaccedilatildeo do terreno ao uso de cavaleiros) ambos os

exeacutercitos se retiraram do combate por um dia (ou cerca de

12 horas uma vez que abriram matildeo do combate segundo

Plutarco ao anoitecer) No dia seguinte contudo

intencionado a trazer a luta agrave parte nivelada do terreno

onde poderia empregar seus elefantes e cavaleiros Pirro

ocupou as porccedilotildees mais desniveladas com suas tropas

ligeiras (dardeiros e arqueiros) fazendo-as atirar

304 Leacutevecircque Pirro p 391

305 Plut Pirro 215-8

139

projeacuteteis na maior intensidade possiacutevel forccedilando com essa

manobra o deslocamento do combate para o local que lhe era

mais favoraacutevel Com o passar do tempo de combate frontal a

falange macedocircnica comeccedilou a empurrar as legiotildees ao menos

num dos pontos que Plutarco nos faz crer ser o local onde

estava situado o rei306 O momento decisivo da batalha

contudo se deu novamente durante a investida dos

elefantes que os romanos ainda natildeo haviam aprendido a

combater Apoacutes o avanccedilo dos paquidermes provavelmente em

ambas as alas os romanos natildeo puderam se manter em

formaccedilatildeo o que resultou uma vez mais na vitoacuteria do rei

do Epiro sobre Roma Hierocircnimo menciona de acordo com

Plutarco uma perda de 6000 homens para os romanos contra

3505 homens do lado epirota segundo os proacuteprios

comentaacuterios das Memoacuterias de Pirro (que o historiador de

Caacuterdia pocircde certamente consultar)307 Dioniacutesio em

contrapartida sequer admitiu uma derrota romana

mencionando natildeo somente que os suprimentos de Pirro havia

sido saqueada mas tambeacutem que as perdas foram equivalentes

perfazendo um total de 15000 mortos para cada lado

A partir desta batalha se seguirmos os eventos do modo

como apresentado pela tradiccedilatildeo grega podemos concluir sem

exagero que os convites recebidos tanto da Siciacutelia308 quanto

da Macedocircnia309 foram plenamente baseados em sua receacutem-

adquirida reputaccedilatildeo poliacutetica e militar Da mesma forma a

decisatildeo de partir para a Siciacutelia como o liacuteder pelo qual os

306 Uma reconstruccedilatildeo moderna sobre o possiacutevel ordenamento da batalha

encontra-se em Oswald Andreas Hamburger Untersuchungen uumlber den

pyrrhischen Krieg Wuumlrzburg Wolff 1927 P 31 307 Plut Pirro 218

308 Como detalhado acima no item ldquoPirro e o problema da monarquia

heleniacutesticardquo 309 Alguns povos celtas encontravam-se novamente em processo migratoacuterio

a julgar pelos nuacutemeros apresentados por Diodoro (229) tendo

derrotado Ptolomeu Ceraunus filho de Ptolomeu I durante a invasatildeo da

Macedocircnia ldquoBreno o rei dos gauleses acompanhado por 150000

soldados de infantaria armados com escudo longo (θυρεοφόρων) e 10000 cavaleiros juntos com uma horda de seguidores mercadores e duas mil

carroccedilas invadiram a Macedocircnia []rdquo

140

siciliotas aguardavam desde a morte de Agaacutetocles configurou

o contexto peninsular de uma forma completamente diferente

do que seria se o epirota prosseguisse com as campanhas

contra os romanos Se no teacutermino das lutas Roma teria sido

subjugada nunca saberemos (isso nos seria possiacutevel somente

como exerciacutecio retoacuterico) mas parece niacutetido que as decisotildees

posteriores de Pirro tenham sido baseadas na sua reputaccedilatildeo

em suas vitoacuterias sobre os romanos e no que ele poderia

realizar em termos de feitos grandiosos (tais como a

helenizaccedilatildeo completa da Siciacutelia e a conquista de Cartago)

como monarca de aspiraccedilotildees heleniacutesticas e natildeo numa espeacutecie

de ato desesperado para salvar a expediccedilatildeo apoacutes duas

ldquovitoacuterias piacuterricasrdquo durante as quais o espiacuterito militar

romano permaneceu inabalaacutevel como nos faz crer a tradiccedilatildeo

analiacutestica

141

CAPIacuteTULO 4 ndash AS DUAS FASES DAS INOVACcedilOtildeES MILITARES

EM CARTAGO

1 ldquoNenhum tirano destruiraacute nossa cidaderdquo

controle oligaacuterquico e fracasso da tirania em

Cartago 310-255 aC

A decisatildeo de transferir a guerra da Siciacutelia para a

Aacutefrica ainda que a porccedilatildeo grega da ilha estivesse em

condiccedilotildees bastante desfavoraacuteveis estava ancorada como

mostrei no capiacutetulo anterior no conhecimento de Agaacutetocles

sobre o despreparo do exeacutercito ciacutevico cartaginecircs o qual

teria forccedilosamente que entrar em combate com os experientes

mercenaacuterios do siracusano caso fossem pegos de surpresa em

sua proacutepria cidade ou nos arredores mas tambeacutem no

reconhecimento das tensotildees existentes entre a oligarquia

cartaginesa e seus generais As centenas de quilocircmetros que

separavam Cartago da porccedilatildeo oeste da Siciacutelia por vezes

tornavam os ldquorelatoacuteriosrdquo das accedilotildees cartaginesas na ilha

esporaacutedicos e imprecisos310

resultando na coexistecircncia de

dois fatores aparentemente excludentes

Em primeiro lugar destaca-se a autonomia dos generais

de exeacutercitos mercenaacuterios na Siciacutelia com liberdade para

realizar tratados de paz e formar alianccedilas ainda que elas

tivessem que ser confirmadas posteriormente pelo Conselho

de Anciatildeos311

Em segundo lugar encontra-se o controle de

seu poder poliacutetico e militar pela oligarquia o que

frequumlentemente findava em puniccedilotildees financeiras deposiccedilatildeo

do cargo ou ateacute mesmo privaccedilatildeo de direitos ciacutevicos no caso

de derrota assim como deposiccedilatildeo e crucificaccedilatildeo dos

comandantes se confirmada aspiraccedilatildeo tiracircnica mesmo que em

310 Miles pp 146-148 311 Dexter Hoyos ldquoBarcid bdquoproconsuls‟ and Punic politics 237-218 BCrdquo

Rheinisches Museum fuumlr Philologie 137 246-274 1994 Miles p 146

142

potencial A existecircncia dessa tensatildeo aparece por exemplo

em Diodoro ao mencionar o tratamento hostil dado aos

generais cartagineses pelos seus compatriotas

A causa baacutesica desse problema era a severidade dos

cartagineses ao infligir puniccedilotildees Em suas guerras eles

dispotildeem seus homens mais nobres (τοὺς [] ἐπιφανεστάτους τν ἀνδρν) no comando julgando que esses deveriam ser os primeiros a enfrentar o perigo em nome de toda a

cidade mas quando eles conquistam a paz [os

oligarcas] condenam os mesmos homens em julgamento

trazendo injustamente acusaccedilotildees contra eles por inveja

e os depotildeem com penalidades Portanto alguns desses

homens dispostos em posiccedilotildees de comando desertam

temendo os julgamentos nas cortes ao passo que outros

se lanccedilam agrave tirania (τινὲς δἐπιτίθενται τυραννίσιν)312

Isoacutecrates alguns seacuteculos antes de Diodoro afirmou que

entre os cartagineses ldquoas cidades [eram] governadas por uma

oligarquia mas os assuntos militares por um reirdquo (οἴκοι μὲν

ὀλιγαρχουμένους περὶ δὲ τὸν πόλεμον βασιλευομένους)313 Com isso o

312 Diod 20102-4 αἰτία δὲ μάλιστα τούτων ἡ πρὸς τὰς τιμωρίας πικρία τν Καρχηδονίων τοὺς γὰρ ἐπιφανεστάτους τν ἀνδρν ἐν μὲν τοῖς πολέμοις προάγουσιν ἐπὶ τὰς ἡγεμονίας νομίζοντες δεῖν ατοὺς τν ὅλων προκινδυνεύειν ὅταν δὲ τύχωσι τς εἰρήνης τοὺς ατοὺς τούτους συκοφαντοῦσι καὶ κρίσεις ἀδίκους ἐπιφέροντες διὰ τὸν φθόνον τιμωρίαις περιβάλλουσι διὸ καὶ τν ἐπὶ τὰς ἡγεμονίας ταττομένων τινὲς μὲν φοβούμενοι τὰς ἐν τῶ δικαστηρίῳ κρίσεις ἀποστάται γίνονται [τς ἡγεμονίας] τινὲς δ ἐπιτίθενται τυραννίσιν Nigel Bagnall The Punic Wars New York St Martin 2005 pp 9-11 Miles

op cit p 147 Cabe mencionar aqui o caso relatado em Diod 2310

quando Aniacutebal (natildeo o Barca) apoacutes a derrota na batalha naval de Mylae

durante a Primeira Guerra Puacutenica temendo a puniccedilatildeo oligaacuterquica

decidiu enviar um mensageiro a Cartago para perguntar aos oligarcas se

ele no comando de 200 embarcaccedilotildees deveria entrar em confronto com os

romanos que contavam apenas com 120 embarcaccedilotildees com a resposta

positiva dos entusiasmados compatriotas o mensageiro entatildeo contou que

foi exatamente essa a decisatildeo de Aniacutebal tendo ele no entanto

perdido a batalha para os romanos Diante disso concluiu o

mensageiro o general natildeo deveria ser punido uma vez que agiu como

todos julgavam ser correto O caso serve para ilustrar o receio dos

comandantes cartagineses quanto agraves puniccedilotildees do Senado mais do que

propriamente a severidade dos castigos Sobre a puniccedilatildeo senatorial

podemos destacar a crucifixatildeo como no caso do comandante cartaginecircs

crucificado pelos compatriotas apoacutes desistir de Messina com a chegada

de Aacutepio Claacuteudio cocircnsul romano enviado para dar suporte militar aos

mamertinos (Polib 111) De acordo com Poliacutebio os cartagineses

puniram seu general por sua falta de bom juiacutezo sobre as coisas

(νομίσαντες ατὸν ἀβούλως) e por abandonar a cidadela covardemente

(ἀνάνδρως προέσθαι τὴν ἀκρόπολιν) 313 Isocrates Nicocles 24 Dexter Hoyos (Unplanned Wars The Origins

of the First and Second Punic Wars Berlin New York Walter de

143

orador aacutetico pretendia evidenciar a tensatildeo referida entre

oligarquia e generais algo existente mesmo antes do iniacutecio

do periacuteodo heleniacutestico Se no seacutecIV aC os generais eram

escolhidos entre os membros da elite poliacutetica314 a partir

do seacutecIII aC os mesmos passaram a ser eleitos pela

assembleacuteia popular315 o que certamente contribuiu para a

degradaccedilatildeo das relaccedilotildees entre oligarquia e comandantes

nomeados Contudo a despeito da progressiva hostilidade

entre os dois lados os oligarcas foram ainda capazes de

punir seus generais com severidade ao longo dos cem

primeiros anos do periacuteodo heleniacutestico O poder que a

oligarquia mantinha sobre os comandantes eacute evidente em

diversas ocasiotildees como a deposiccedilatildeo do general Hanatildeo o

Velho apoacutes sua derrota em Acragas em 263 aC316 Poliacutebio

natildeo menciona o que ocorreu com Hanatildeo dando atenccedilatildeo ao

impacto que a vitoacuteria romana teve no Senado em Roma mas

Diodoro nos relata que ldquoos cartagineses puniram Hanatildeo em

6000 moedas de ouro privando-o de seus direitos ciacutevicosrdquo

(Ἄννωνα δὲ οἱ Καρχηδόνιοι ἐζημίωσαν χρυσοῖς ἑξακισχιλίοις ἀτιμάσαντες)317

A principal razatildeo para o controle efetivo por parte dos

oligarcas reside no excelente funcionamento das

instituiccedilotildees poliacuteticas tradicionais cujo vigor permaneceu

ateacute o iniacutecio da Segunda Guerra Puacutenica devido agraves matildeos

severas da oligarquia (nas ldquofiguras senatoriaisrdquo e dos

Gruyter 1998 P150) destaca que com a ascensatildeo Baacutercida (periacuteodo que

natildeo seraacute tratado nesta tese) a repuacuteblica cartaginesa havia se

tornado de fato uma monarquia militar uma vez que o poder dos

Baacutercidas natildeo se reduzia agrave nova colocircnia hispacircnica estendendo-se aos

assuntos poliacuteticos em Cartago Ainda que essa interpretaccedilatildeo natildeo seja

universal (haacute evidecircncias da oposiccedilatildeo dos cartagineses agrave expediccedilatildeo de

Amiacutelcar em Apiano Guerra Anibaacutelica 24 e Zonaras 817) os autores

modernos tendem a aceitar a influecircncia Baacutercida em Cartago ou o seu

governo independente na Hispacircnia 314 Robert Drews ldquoPhoenicians Carthage and the Spartan Eunomiardquo AJA

100 1979 P 55 315 Bagnall op cit p 9 316 Polib 118-19 Diod239 Zonaras 810 A batalha seraacute analisada

neste capiacutetulo precisamente no uacuteltimo item 317 Diod 239 Aqui decidi seguir estritamente a traduccedilatildeo de

Goldfather tradutor da Loeb que sugeriu ἀτιμάω como privaccedilatildeo dos

direitos ciacutevicos

144

sufetas)318

O preccedilo a se pagar como veremos neste

capiacutetulo seraacute o impedimento da formaccedilatildeo de uma ldquoescola

militar atualizadardquo na primeira metade do seacutecIII aC o

que atrasaraacute em termos taacuteticos o pensamento militar

cartaginecircs sendo o problema solucionado somente diante de

outra ameaccedila nos arredores de Cartago a expediccedilatildeo romana

liderada por Reacutegulo durante a Primeira Guerra Puacutenica

Poliacutebio menciona que as razotildees para a decadecircncia da

constituiccedilatildeo cartaginesa notada somente a partir da

Segunda Guerra Puacutenica319

resumem-se ao progressivo

desequiliacutebrio das suas instituiccedilotildees diminuindo

sensivelmente a autoridade da oligarquia frente agraves

assembleacuteias populares tendo ldquoa multidatildeo jaacute adquirido a

palavra final nas deliberaccedilotildees ao passo que em Roma o

Senado ainda a detinhardquo (τὴν πλείστην δύναμιν ἐν τοῖς διαβουλίοις παρὰ μὲν

Καρχηδονίοις ὁ δμος ἤδη μετειλήφει παρὰ δὲ Ῥωμαίοις ἀκμὴν εἶχεν ἡ σύγκλητος)320

Ao que tudo indica o periacuteodo localizado entre os primeiros

anos do seacutecIII aC quando a assembleacuteia popular passou a

escolher os generais cartagineses e o iniacutecio da Segunda

Guerra Puacutenica em 218 aC apresentou os uacuteltimos esforccedilos

de controle efetivo dos oligarcas que progressivamente

perdiam espaccedilo para a participaccedilatildeo democraacutetica ainda que

tivessem poder sobre a deposiccedilatildeo dos generais e jaacute nas

duas uacuteltimas deacutecadas do seacutecIII aC para uma poliacutetica da

irracionalidade321

Haacute basicamente duas referecircncias antigas sobre a

constituiccedilatildeo dos cartagineses a respeito da qual pouco se

318 Bagnall op cit p 12 eacute ainda mais incisivo ao dizer que ldquoo

aspecto mais marcante da constituiccedilatildeo cartaginesa era a sua

estabilidaderdquo 319 Polib 651 ldquoMas no momento em que eles embarcaram na Guerra

Anibaacutelica a constituiccedilatildeo dos cartagineses se degenerou ao passo que

a dos romanos progrediurdquo (κατά γε μὴν τοὺς καιροὺς τούτους καθ οὓς εἰς τὸν Ἀννιβιακὸν ἐνέβαινε πόλεμον χεῖρον ἦν τὸ Καρχηδονίων ἄμεινον δὲ τὸ Ῥωμαίων) 320 Polib 651 321 Ver Craige Brian Champion Cultural Politics in Polybius‟

Histories Berkeley University of California Press 2004 pp 117-

121 Miles pp 353-354

145

sabe A primeira e mais esclarecedora delas encontra-se em

Aristoacuteteles (Pol 1272b) portanto temporalmente distante

dos eventos pelos quais demonstramos interesse322

Ainda

assim o entendimento aristoteacutelico do sistema poliacutetico

cartaginecircs no seacutecIV aC deve ser o principal documento

considerado dado o bom julgamento de Aristoacuteteles para o

assunto e as condiccedilotildees miacutenimas de acesso aos relatos

antigos sobre as instituiccedilotildees poliacuteticas cartaginesas A

segunda delas pode ser encontrada como jaacute indicado acima

em Poliacutebio ligeiramente mais proacuteximo dos referidos eventos

que Aristoacuteteles considerando as suas funccedilotildees no ciacuterculo

dos Cipiotildees323 O relato de Poliacutebio contudo carece de

informaccedilotildees baacutesicas resumindo-se agrave demonstraccedilatildeo de como o

desequiliacutebrio no funcionamento das instituiccedilotildees permite a

ascensatildeo de outro poder estrangeiro (Roma) o que daria

ferramentas aos poliacuteticos gregos vindouros para a

compreensatildeo das instituiccedilotildees romanas Afinal sua ldquohistoacuteria

pragmaacuteticardquo se dirigia a uma audiecircncia grega (mas natildeo

somente) forccedilada a conviver sob o domiacutenio romano324

De acordo com Aristoacuteteles os cartagineses viviam sob

uma constituiccedilatildeo boa (Πολιτεύεσθαι δὲ δοκοῦσι καὶ Καρχηδόνιοι καλς) e

superior em muitos aspectos a todas as outras (καὶ πολλὰ

περιττς πρὸς τοὺς ἄλλους) assemelhando-se agraves constituiccedilotildees de

Creta e Esparta (as quais detinham peculiaridade notaacutevel

aos olhos do grego)325 O valor de uma boa constituiccedilatildeo diz

Aristoacuteteles pode ser encontrado quando ldquoos cidadatildeos

permanecem leais ao sistema poliacutetico e nenhum conflito

civil emerge em qualquer escala que valha a pena mencionar

nem qualquer um obteacutem sucesso em se pronunciar tiranordquo (τὸ

τὸν δμον διαμένειν ἐν τῆ τάξει τς πολιτείας καὶ μήτε στάσιν ὅ τι καὶ ἄξιον εἰπεῖν

322 Arist Pol 1272b 323 Polib 644 324 Polib 11 Frank William Walbank Polybius Berkeley and Los

Angeles University of California Press 1972 Daly P 81 325 Arist Pol 1272b Poliacutebio (651) ressalta a semelhanccedila com as

constituiccedilotildees de Roma e Esparta Ver Bagnall op cit p 13 Consolo

Langher pp 127-129

146

γεγενσθαι μήτε τύραννον) Da mesma forma que os espartanos os

cartagineses conheciam as refeiccedilotildees coletivas possuindo um

conselho similar ao dos eacuteforos326 mas composto por 104

homens tendo a vantagem de escolhecirc-los por meacuterito pessoal

(τὴν ἀρχὴν ἀριστίνδην) ao passo que em Esparta a eleiccedilatildeo se

dava entre os cidadatildeos ordinaacuterios Quanto aos dois sufetas

(ou magistrados vistos como reis)327 ambos vinham da mesma

famiacutelia e deviam assumir o cargo por eleiccedilatildeo e natildeo por

senilidade Aparentemente as decisotildees eram sempre tomadas

pelo Senado e pelos sufetas e os assuntos que deveriam ir

agrave assembleacuteia popular eram por eles escolhidos Uma vez que

a votaccedilatildeo fosse encaminhada ao povo (δμος) o Senado abria

matildeo de sua primazia momentaneamente sendo a assembleacuteia

popular investida de poder natildeo somente para escutar as

resoluccedilotildees do governo mas tambeacutem para pronunciar

julgamento sobre elas ldquoum direito que natildeo existia noutras

constituiccedilotildeesrdquo ([] ὅπερ ἐν ταῖς ἑτέραις πολιτείαις οκ ἔστιν) A

poliacutetica cartaginesa seria entatildeo parcialmente

democraacutetica mas com fortes elementos oligaacuterquicos os

quais eram mantidos pela forma de controle institucional

aristocraacutetica As pentarquias por exemplo encarregadas da

326 Poliacutebio menciona a existecircncia de dois reis um conselho de anciatildeos

como forccedila aristocraacutetica e um povo supremo nos assuntos que lhes

cabia 327 Para alguns historiadores os sufetas cartagineses desempenhavam

precisamente as funccedilotildees de um ldquoreirdquo (basileu para os gregos rex para

os latinos) ao passo que para outros a apariccedilatildeo do termo ldquobasileurdquo

quando as fontes mencionam sufetas cartagineses indica unicamente uma

aproximaccedilatildeo ao se traduzir o puacutenico sufeta Como nos lembra Yann Le

Bohec Histoire militaire des guerres puniques Monaco Editions du

Rocher 1996 pp29-31 ldquose a monarquia existiu em Cartago esse

regime desapareceu antes do iniacutecio do seacutecIII aCrdquo Entre os autores

que consideram os sufetas com funccedilotildees idecircnticas agravequelas desempenhadas

pelos reis destaca-se Gilbert Charles-Picard ldquoLes Sufegravetes de Carthage

dans Tite-Live et Cornelius Neposrdquo Revue des Eacutetudes Lat 41 269-280

1963 O principal autor a se posicionar a favor de uma mera

aproximaccedilatildeo semacircntica eacute Maurice Sznycer ldquoLe Problegraveme de la royauteacute

dans le monde puniquerdquo Bulletin du Com des Trav Hist 17 291-296

1981 Outros autores preferem se posicionar entre as duas

interpretaccedilotildees como no caso de Dexter Hoyos op cit p6 que

defende a plausibilidade de ambas embora opte por traduzir sufetas

como juiacutezes ldquoo reirdquo diz Hoyos ldquoalgumas vezes mencionado nos relatos

gregos pode ter sido uma magistratura separada ou talvez um sufeta

sob outro nomerdquo

147

eleiccedilatildeo dos membros do ldquoconselho dos 104 homensrdquo (senadores

responsaacuteveis por vigiar e reprimir quaisquer abusos por

parte do proacuteprio Senado) eram magistraturas natildeo

remuneradas sendo tanto a riqueza (τὸν πλοῦτον) quanto o

meacuterito (τς ἀρετς) elementos considerados na escolha dos

magistrados o que limitava o exerciacutecio poliacutetico das

pentarquias aos bem-nascidos jaacute que era impossiacutevel ao

homem pobre desfrutar do tempo necessaacuterio para o desempenho

adequado de seus deveres poliacuteticos Assim a eleiccedilatildeo por

riqueza seria oligaacuterquica e a eleiccedilatildeo por meacuterito

aristocraacutetica o que mantinha (durante bastante tempo) o

equiliacutebrio institucional tatildeo valorizado por Poliacutebio para

quem a populaccedilatildeo de Atenas iacutecone do governo puramente

democraacutetico se assemelhava a ldquoum navio sem comandanterdquo

(τοῖς ἀδεσπότοις σκάφεσι)

O uacutenico caso heleniacutestico (entre 323-237 aC)

registrado nas fontes de aspiraccedilatildeo frustrada ao poder

tiracircnico em Cartago se daacute em 310 aC com Bomiacutelcar um dos

strategoi nomeados pelo conselho cartaginecircs frente ao

reconhecimento da inesperada expediccedilatildeo africana de

Agaacutetocles328

Ao eleger Bomiacutelcar juntamente com Hanatildeo o

outro strategos tendo ciecircncia de que ambos advinham de

famiacutelias rivais o conselho cartaginecircs pretendia de acordo

com Diodoro manter a seguranccedila da cidade (τς πόλεως

ἀσφάλειαν) isto eacute o perfeito funcionamento de suas

instituiccedilotildees tradicionais crendo que a desconfianccedila

pessoal e a inimizade muacutetua (τὴν ἰδίαν τούτοις ἀπιστίαν καὶ διαφορὰν

κοινὴν) dos generais inibiriam qualquer tentativa de

ascensatildeo ao poder tiracircnico pelo monopoacutelio dos exeacutercitos329

O conselho prossegue o historiador siciliano se equivocou

em sua decisatildeo uma vez que Bomiacutelcar aproveitou a

oportunidade de sua nomeaccedilatildeo ao cargo de strategos para

328 Diod 2010 Meister CAH 7 p395 Consolo Langher pp 139-141

Justino 226 menciona Hanatildeo como o uacutenico comandante dos cartagineses 329 Diod 2010

148

levar adiante um plano de instauraccedilatildeo da tirania o qual

havia sido como encontramos na fonte previamente

concebido Antes da chegada de Agaacutetocles na Aacutefrica faltava

ao cartaginecircs tanto autoridade (ἐξουσίαν) quanto ocasiatildeo

adequada (καιρὸν οἰκεῖον) uma vez nomeado um dos generais

responsaacuteveis pelo combate contra os gregos na Aacutefrica ambos

os preacute-requisitos lhe foram proporcionados Em primeiro

lugar de posse de parte do exeacutercito cartaginecircs bastava

eliminar seu colega e rival o que considerando o estado

das relaccedilotildees entre os dois seria feito sem grandes

impedimentos Em segundo lugar a presenccedila grega na Aacutefrica

serviria de justificativa para quaisquer acusaccedilotildees de mau

funcionamento das instituiccedilotildees tradicionais o que em

diversas ocasiotildees foi tomado como pontapeacute inicial para a

emergecircncia dos poderes tiracircnicos no mundo grego Em campo

de batalha apoacutes ouvir que seu rival havia sido derrotado

pelos siracusanos Bomiacutelcar tentou forccedilar um recuo

prematuro de sua ala o que induziria a retirada de todo o

exeacutercito acreditando que com isso teria natildeo somente o

controle das tropas mas tambeacutem o desentendimento e

consequumlente submissatildeo do conselho Essa loacutegica encontra

evidecircncia em Diodoro

Se o exeacutercito de Agaacutetocles fosse destruiacutedo ele natildeo

seria capaz de realizar o seu plano rumo agrave supremacia

uma vez que os cidadatildeos permaneceriam fortes mas se o

primeiro vencesse e destruiacutesse o orgulho dos

cartagineses os derrotados seriam faacuteceis de manipular

e ele [Bomiacutelcar] poderia derrotar Agaacutetocles prontamente

quando desejasse fazecirc-lo330

330 Diod 2012 [] εἰ μὲν ἡ μετὰ Ἀγαθοκλέους διαφθαρείη δύναμις μὴ δυνήσεσθαι τὴν ἐπίθεσιν ποιήσασθαι τῆ δυναστείᾳ τν πολιτν ἰσχυόντων εἰ δὲ ἐκεῖνος νικήσας τὰ φρονήματα παρέλοιτο τν Καρχηδονίων εχειρώτους μὲν ἑαυτῶ τοὺς προηττημένους ἔσεσθαι τὸν δ Ἀγαθοκλέα ῥᾳδίως καταπολεμήσειν ὅταν ατῶ δόξῃ

149

O recuo taacutetico de Bomiacutelcar se transformou no entanto

em massacre e destruiccedilatildeo numerosa de seu exeacutercito331 jaacute que

as manobras heleniacutesticas de Agaacutetocles findaram no

envolvimento aparentemente parcial dos cartagineses em

fuga Diodoro um pouco mais agrave frente menciona em detalhes

como os cartagineses conseguiram suprimir a tentativa

desesperada de ascensatildeo tiracircnica por parte de Bomiacutelcar

que apoacutes a derrota para Agaacutetocles selecionou alguns de

seus homens e tentou tomar a proacutepria cidade de Cartago

inesperadamente

[] quando Bomiacutelcar havia revisado o seu exeacutercito no

que era chamada Nova Cidade a qual estava localizada a

uma curta distacircncia da Velha Cartago ele dispensou o

restante mas manteve aqueles com os quais podia contar

em sua revolta cerca de 500 cidadatildeos e 1000

mercenaacuterios e declarou-se tirano (ἀνέδειξεν ἑαυτὸν τύραννον)332

Ao dividir seus homens em cinco unidades Bomiacutelcar

invadiu a cidade (que ainda natildeo tinha conhecimento de seus

planos) e exterminou aqueles que se opuseram aos seus

propoacutesitos Diante da calamidade os cartagineses pegaram

em armas e se apressaram em suprimir a traiccedilatildeo ciacutevica que

haviam sofrido em momento tatildeo delicado para a sua poliacutetica

externa Bomiacutelcar se dirigiu ao centro mercantil (τὴν ἀγορὰν)

e assassinou ainda muitos cidadatildeos desarmados sendo essa

accedilatildeo desesperada seguida pela ocupaccedilatildeo de construccedilotildees

proacuteximas ao mercado por parte dos defensores os quais

foram capazes devido ao posicionamento mais alto e

portanto favoraacutevel agrave defesa interna da cidade contra os

331 Diod 2013 menciona 1000 homens mortos do lado cartaginecircs embora

reconheccedila que outros autores mencionem ateacute 6000 ao passo que Justino

226 nos indica 3000 mortos do lado cartaginecircs Oroacutesio 46 sugere que

2000 cartagineses pereceram em batalha 332 Diod 2044 δ οὖν Βορμίλκας ἐξετασμὸν τν στρατιωτν ποιησάμενος ἐν τῆ καλουμένῃ Νέᾳ πόλει μικρὸν ἔξω τς ἀρχαίας Καρχηδόνος οὔσῃ τοὺς μὲν ἄλλους διαφκε τοὺς δὲ συνειδότας περὶ τς ἐπιθέσεως ὄντας πολίτας μὲν πεντακοσίους μισθοφόρους δὲ περὶ χιλίους ἀνέδειξεν ἑαυτὸν τύραννον

150

homens de Bomiacutelcar de por fim ao que poderia representar a

falecircncia (mesmo que momentacircnea) de suas instituiccedilotildees

poliacuteticas tradicionais Apoacutes a rendiccedilatildeo dos traidores os

cartagineses enviaram os seus cidadatildeos mais velhos (πρέσβεις)

para o estabelecimento de um acordo e decidiram perdoar os

traidores que tiveram que ldquopagarrdquo o perdatildeo com serviccedilo

militar contra Agaacutetocles mas torturaram e mataram o seu

liacuteder Bomiacutelcar preservando assim ldquoa constituiccedilatildeo de seus

paisrdquo (τὴν πατρῴαν πολιτείαν)

Parece seguro dizer que o uacutenico caso registrado de

tentativa de instauraccedilatildeo da tirania em Cartago durante o

primeiro seacuteculo do periacuteodo heleniacutestico tinha propoacutesitos

puramente claacutessicos primeiramente por que a sua

classificaccedilatildeo como ldquoheleniacutesticardquo cairia diante da acusaccedilatildeo

de anacronismo de fato natildeo vejo maneira de um cartaginecircs

ter concebido seu poder em imitaccedilatildeo agrave monarquia de

Alexandre antes mesmo da autoproclamaccedilatildeo dos Diaacutedocos como

reis333

Aleacutem disso a experiecircncia cartaginesa aponta para o

modelo tiracircnico siciliano tardo-claacutessico sem qualquer

vivecircncia direta (ao menos nas esferas oligaacuterquica e

popular) com os valores monaacuterquicos heleniacutesticos Ainda que

Agaacutetocles tenha desenvolvido os princiacutepios de sua basileia

durante a expediccedilatildeo cartaginesa a configuraccedilatildeo de seu

poder natildeo se dirigia nem aos cartagineses nem aos cidadatildeos

em Siracusa como sustentamos no capiacutetulo anterior mas sim

agraves suas tropas mercenaacuterias que reconheceram seu poder no

episoacutedio da toga puacuterpura e que tinham condiccedilotildees a julgar

pelo tracircnsito mediterracircnico inerente agrave sua profissatildeo de

saber do que se tratava o poder reacutegio assumido por

Agaacutetocles alguns anos apoacutes a batalha de Tuacutenis em 310 aC

Embora tivessem empregado mercenaacuterios em larga escala a

esfera de atuaccedilatildeo poliacutetica dos cartagineses incluindo seus

generais permaneceu estritamente ligada aos modelos

333 Esse eacute o mesmo argumento que utilizei no cap3

151

claacutessicos tendo o uacutenico caso fracassado de ascensatildeo

tiracircnica no periacuteodo heleniacutestico ocorrido em 310 aC antes

mesmo do surgimento das monarquias heleniacutesticas

Apoacutes o episoacutedio de Bomiacutelcar a oligarquia cartaginesa

manteve-se como de costume precavida quanto agraves possiacuteveis

chances da emergecircncia de tiranias em Cartago As fontes natildeo

mencionam outro caso declarado de aspiraccedilatildeo tiracircnica mas

penso que podemos tomar ao considerar uma sistematizaccedilatildeo

das evidecircncias disponiacuteveis a reaccedilatildeo dos cartagineses ao

sucesso militar de Xantipo (o qual seraacute analisado em

detalhes mais agrave frente) como indiacutecio de precauccedilatildeo quanto a

uma ldquotirania em potencialrdquo o que serve em igual medida

para o meu argumento

As fontes fornecem histoacuterias bastante distintas sobre o

desaparecimento do general mercenaacuterio apoacutes serviccedilo prestado

aos cartagineses Comecemos com Poliacutebio

Xantipo a quem essa revoluccedilatildeo e esse notaacutevel avanccedilo

nos eventos relacionados a Cartago foram devidos apoacutes

pouco tempo navegou mais uma vez a Esparta sendo esta

uma decisatildeo muito prudente e bem pensada de sua parte

uma vez que suas realizaccedilotildees brilhantes e excepcionais

cultivariam a inveja mais profunda [] Estrangeiros

quando expostos a tais situaccedilotildees rapidamente sucumbem

e potildeem-se em perigo Haacute outro relato sobre a partida de

Xantipo o qual procurarei apresentar numa ocasiatildeo mais

apropriada que a atual334

Mas qual seria esse segundo relato mencionado por

Poliacutebio Parece possiacutevel dizer a partir do que narram

outras fontes que Poliacutebio estivesse se referindo agrave versatildeo

que encontramos com mais clareza nos fragmentos do livro

23 de Diodoro

334 Polib 136 Ξάνθιππος δὲ τηλικαύτην ἐπίδοσιν καὶ ῥοπὴν ποιήσας τοῖς Καρχηδονίων πράγμασιν μετ ο πολὺν χρόνον ἀπέπλευσεν πάλιν φρονίμως καὶ συνετς βουλευσάμενος αἱ γὰρ ἐπιφανεῖς καὶ παράδοξοι πράξεις βαρεῖς μὲν τοὺς φθόνους ὀξείας δὲ τὰς διαβολὰς γεννσιν [hellip] οἱ δὲ ξένοι ταχέως ἐφ ἑκατέρων τούτων ἡττνται καὶ κινδυνεύουσι λέγεται δὲ καὶ ἕτερος πὲρ τς ἀπαλλαγς τς Ξανθίππου λόγος ὃν πειρασόμεθα διασαφεῖν οἰκειότερον λαβόντες τοῦ παρόντος καιρόν

152

Xantipo o Espartano tambeacutem pereceu nas matildeos dos

siciliotas335 Proacuteximo a Lilibeu uma cidade dos

siciliotas [cartagineses] houve uma guerra entre

romanos e siciliotas guerra essa que continuou por 24

anos Os siciliotas tendo sofrido derrota em batalha

por diversas vezes ofereceram a submissatildeo de sua

cidade aos romanos Xantipo o Espartano que havia

chegado de Esparta com 100 soldados (ou sozinho ou com

50 soldados de acordo com vaacuterios autores) se

aproximou dos siciliotas enquanto eles ainda estavam

indecisos e apoacutes conversar com eles por meio de um

inteacuterprete finalmente os encorajou a fazer frente aos

inimigos Ele entrou em batalha com os romanos e com a

ajuda dos siciliotas massacrou todo o exeacutercito inimigo

Por seu bom serviccedilo prestado [Xantipo] recebeu uma

recompensa merecida e apropriada agravequele povo perverso

uma vez que os moralmente abominaacuteveis o enviaram numa

embarcaccedilatildeo defeituosa e a naufragaram nas aacuteguas do

Adriaacutetico como expressatildeo de seu ressentimento para com

o heroacutei e sua nobreza336

Os relatos posteriores apresentam mais ou menos uma das

duas versotildees Apiano relata o retorno de Xantipo a Esparta

ainda que a viagem tenha sido propositalmente organizada

pelos cartagineses para o extermiacutenio do general durante o

percurso de volta o que se deu com o arremesso de Xantipo

e seus compatriotas da embarcaccedilatildeo em mar aberto337

Os

fragmentos do livro 11 de Caacutessio Dio os quais foram

parcialmente preservados em Zonaras informam duas versotildees

possiacuteveis que sua embarcaccedilatildeo foi atacada pelos proacuteprios

cartagineses e que a embarcaccedilatildeo cedida a ele pelos

335 Apoacutes analisar todo o fragmento fica evidente que Diodoro trocou

(talvez por confusatildeo) em toda a passagem cartagineses por

siciliotas 336 Diod 2316 τοῖς Σικελοῖς καὶ Ξάνθιππος ὁ Σπαρτιάτης θνήσκει περὶ γὰρ τὸ Λιλύβαιον τν Σικελν τὴν πόλιν Ῥωμαίοις τε καὶ Σικελοῖς πόλεμος ἐκροτεῖτο πρὸς εἴκοσι καὶ τέσσαρας τοὺς χρόνους ἐξαρκέσας οἱ Σικελοὶ ταῖς μάχαις δὲ πολλάκις ἡττημένοι Ῥωμαίοις ἐνεχείριζον τὴν πόλιν εἰς δουλείαν τν δὲ Ῥωμαίων μηδαμς μηδ οὕτω πειθομένων ἀλλὰ γυμνοὺς τοὺς Σικελοὺς λεγόντων ἐξιέναι ὁ Σπαρτιάτης Ξάνθιππος ἐλθὼν ἀπὸ τς Σπάρτης σὺν στρατιώταις ἑκατόν ἢ μόνος καθ ἑτέρους κατ ἄλλους δὲ πεντήκοντα τοὺς στρατιώτας ἔχων καὶ προσβαλὼν τοῖς Σικελοῖς οὖσιν ἐγκεκλεισμένοις δι ἑρμηνέως τε ατοῖς πολλὰ συνομιλήσας τέλος θαρρύνει κατ ἐχθρν καὶ συναράξας μάχῃ ἅπαν Ῥωμαίων στράτευμα σὺν τούτοις κατακόπτει τοῖς εηργετημένοις δὲ τὴν ἀμοιβὴν λαμβάνει ἀξίαν καὶ κατάλληλον τς τούτων δυστροπίας πλοίῳ

σαθρῶ τὸν ἄνδρα γὰρ οἱ μιαροὶ βαλόντες πὸ στροφαῖς βυθίζουσι πελάγει τοῦ Ἀδρίου βασκήναντες τὸν ἥρωα καὶ τούτου τὸ γενναῖον 337 Apiano 81

153

cartagineses era velha e por esse motivo naufragaria

inevitavelmente natildeo fosse a percepccedilatildeo de Xantipo acerca do

que estava a ocorrer e a subsequumlente troca da embarcaccedilatildeo

por uma nova338

A despeito de alguns elementos divergentes parece

possiacutevel unificar os relatos de um modo bastante aceitaacutevel

Se tomarmos a informaccedilatildeo encontrada em Poliacutebio Diodoro

Apiano e Caacutessio Dio concluiacutemos que Xantipo apoacutes liderar

vitoriosamente os cartagineses decidiu regressar para

Esparta (ainda que algumas fontes natildeo mencionem abertamente

Esparta mas somente a embarcaccedilatildeo e as honrarias preparadas

pelos cartagineses como forma de agradecer os bons serviccedilos

prestados o que sugere o fim do ldquocontratordquo e portanto o

retorno do mercenaacuterio ao mundo grego) Se os cartagineses

afundaram abertamente a embarcaccedilatildeo ou apenas assassinaram

Xantipo tendo preservado o navio se o mesmo naufragou

devido ao seu estado propositalmente defeituoso ou ainda

se Xantipo foi capaz de chegar satildeo e salvo em Esparta

apesar das armadilhas preparadas torna-se a essa altura

informaccedilatildeo irrelevante dado que em todos os cenaacuterios

possiacuteveis os cartagineses natildeo teriam demonstrado a menor

intenccedilatildeo de tornar a viagem de volta de Xantipo bem-

sucedida

Por que Xantipo decidiu navegar de volta para a Greacutecia

apoacutes tamanho sucesso contra os romanos Xantipo

provavelmente sabia que a ascensatildeo do poder pessoal em

Cartago era um processo muito complicado e por essa razatildeo

natildeo demonstrou qualquer intenccedilatildeo de expandir sua autoridade

entre os cartagineses Todavia os motivos que levaram

Cartago a assegurar que a viagem de Xantipo fosse

desastrosa parecem claros como nos casos anteriores os

cartagineses se esforccedilaram em impedir qualquer ascensatildeo de

poder pessoal dos strategoi possivelmente por conta do que

338 Zonaras 1113

154

estavam habituados a ver na Siciacutelia grega Apoacutes ter

concluiacutedo a segunda reforma do exeacutercito cartaginecircs como

veremos mais agrave frente neste capiacutetulo Xantipo eacute tirado de

cena pelos cartagineses direta ou indiretamente de

maneira a fortalecer o argumento sobre a preocupaccedilatildeo

cartaginesa no que respeita agrave possiacutevel ascensatildeo de tiranos

em Cartago o que representaria um desequiliacutebrio fatal das

instituiccedilotildees poliacuteticas tradicionais

155

2 O exeacutercito cartaginecircs

Ao fornecer uma explicaccedilatildeo para a superioridade do

exeacutercito romano frente ao cartaginecircs Poliacutebio argumenta

que

Os cartagineses satildeo naturalmente superiores no mar

tanto em eficiecircncia quanto em equipamento por que a

navegaccedilatildeo eacute desde os primoacuterdios o seu ofiacutecio nacional

([] Καρχηδόνιοι διὰ τὸ καὶ πάτριον ατοῖς [] τὴν ἐμπειρίαν ταύτην) e eles se ocuparam com o mar mais do que

qualquer outro povo mas com relaccedilatildeo ao serviccedilo militar

em terra firme os romanos satildeo muito mais eficientes

De fato eles direcionaram toda sua energia ao assunto

ao passo que os cartagineses negligenciaram

inteiramente sua infantaria (Καρχηδόνιοι δὲ τν μὲν πεζικν εἰς τέλος ὀλιγωροῦσι) ainda que tenham se dedicado

ligeiramente agrave sua cavalaria A razatildeo para isto eacute que

as tropas por eles empregadas satildeo estrangeiras e

mercenaacuterias (ξενικαῖς καὶ μισθοφόροις) ao passo que as dos

romanos satildeo nativas e ciacutevicas (ἐγχωρίοις καὶ πολιτικαῖς)339

Da passagem de Poliacutebio podemos destacar natildeo somente

alguns dos traccedilos centrais para o estudo das evidecircncias

sobre o exeacutercito cartaginecircs (nomeadamente seu caraacuteter

mercenaacuterio e portanto agrave parte do desenvolvimento de uma

cultura militar ciacutevica) mas tambeacutem a ausecircncia de qualquer

tentativa de padronizaccedilatildeo das tropas em unidades taacuteticas

(excetuando o pequeno corpo ciacutevico chamado pelos gregos de

ieros lochos) que pudessem ser reconhecidas e treinadas

pelos generais em situaccedilotildees previamente ldquoensaiadasrdquo De

forma similar ao que ocorria com os persas as tropas que

combatiam pelos cartagineses seguiam os padrotildees

(equipamentos e taacuteticas) de suas regiotildees de origem a

exemplo dos fundeiros das ilhas Baleares ou dos cavaleiros

339 Polib 652

156

numiacutedios Parece mais profiacutecuo portanto realizar uma

anaacutelise do exeacutercito a partir de suas origens eacutetnicas340

Da Numiacutedia os cartagineses contavam com a sua melhor

cavalaria tropas montadas sem sela armadas com lanccedila de

arremesso e capazes de combater tanto em regiotildees

acidentadas quanto planas surpreendendo o inimigo por sua

precisatildeo e movimentaccedilatildeo raacutepida recursos que por vezes

foram empregados como elemento surpresa pelos generais

cartagineses mais capazes a exemplo de Aniacutebal Barca341

As

taacuteticas empregadas pelos numiacutedios uma vez que eram

cavalaria levemente armada com lanccedilas de arremesso

repousavam naturalmente numa loacutegica distinta daquela

encontrada entre os cavaleiros macedocircnios pesadamente

armados apostando no ldquoarremesso perioacutedicordquo de suas lanccedilas

e em recuos taacuteticos que evitavam a todo custo o choque

frontal com o inimigo Talvez por esse motivo os numiacutedios

tenham sido classificados pelos romanos como covardes

traiccediloeiros e com ldquoapetites mais violentos que quaisquer

outros baacuterbarosrdquo342

Os cartagineses contavam aleacutem dos numiacutedios com os

fundeiros das ilhas Baleares De maneira geral esses

homens eram organizados em corpos de 2000 soldados armados

com dois tipos de funda uma empregada para desferir

ataques contra um inimigo compacto marchando em meacutedia

distacircncia e outra para alvos individuais obviamente mais

proacuteximos que os primeiros343

Embora sua arma caracteriacutestica

seja a funda durante o primeiro contato com os

cartagineses344 alguns dos soldados baleaacutericos estavam

340 Griffith pp 207-233 Peter Connolly Greece and Rome at War

London Macdonald 1981 pp 148-152 Bagnall op cit pp8-11 Daly

pp 84-112 341 Bagnall op cit p 8 Daly pp 92-93 342 Tito Liacutevio 2541 2844 2923 3012 Daly p92 343 Estrabatildeo 35 Bagnall op cit pp 8-9 Daly p 107 344 Diod 1380 faz referecircncia a soldados baleaacutericos no exeacutercito

cartaginecircs para os finais do seacutecV aC Cf Steacutephane Gsell Histoire

ancienne de lAfrique du Nord (vol2) Paris Hachette 1914-1930 P

374 Daly p 107

157

armados com lanccedila de arremesso como nos informa Estrabatildeo

sendo normalmente pagos de acordo com Diodoro em mulheres

e vinho345

O pagamento mencionado em Diodoro claramente

induz agrave sua caracterizaccedilatildeo como tropas mercenaacuterias aleacutem do

historiador siciliano Poliacutebio faz referecircncia ao pagamento

dos soldados baleaacutericos durante a Revolta Mercenaacuteria (241-

237 aC) e posteriormente na batalha de Zama (202

aC)346

Os iberos tambeacutem desempenhavam papel importante na

composiccedilatildeo do exeacutercito cartaginecircs desde tempos anteriores agrave

consolidaccedilatildeo dos Baacutercidas Antes da investida Baacutercida na

Ibeacuteria ou Hispacircnia a presenccedila cartaginesa na regiatildeo

resumia-se a acordos comerciais e alianccedilas sendo alguns

iberos recrutados portanto como mercenaacuterios a serviccedilo de

Cartago347 Durante a Segunda Guerra Puacutenica ou mesmo um

pouco antes os soldados iberos passaram a servir como

contingente aliado ainda que alguns possam ter sido

recrutados unicamente como mercenaacuterios348 De onde

precisamente eles afluiacuteam eacute algo difiacutecil de mapear uma vez

que mesmo Estrabatildeo encontrou dificuldade em delimitar

geograficamente a Ibeacuteria ou Hispacircnia349 de seu tempo Jaacute na

eacutepoca da invasatildeo anibaacutelica Poliacutebio350 indica seguramente

que as tropas ibeacutericas enviadas agrave Aacutefrica advinham das

seguintes regiotildees Tersitae Mastiani Oretes ibeacuterica e

Olcades Talvez tais regiotildees tenham sido previamente

conhecidas pelos cartagineses e seu contato aumentado com

a ascensatildeo Baacutercida subsequumlente agrave Primeira Guerra Puacutenica

mas essas satildeo apenas suposiccedilotildees sem evidecircncias diretas nas

fontes

345 Diod 517 346 Polib 167 1511 Daly p 107 347 Heroacutedoto faz referecircncia aos iberos no livro 7165 Trata-se aqui

dos iberos da Hispacircnia natildeo os da regiatildeo do Caacuteucaso 348 Griffith pp 225-226 Daly p 95 349 Estrabatildeo 34 350 Polib 333

158

A grande contribuiccedilatildeo dos iberos para a arte da guerra

mediterracircnica residia em sua espada peculiar a todos os

povos conhecidos da regiatildeo peninsular a espada falcata Os

iberos empregavam basicamente dois tipos de espada mas

Poliacutebio descreve a que provocou impacto nos usos do

armamento romano particularmente na adoccedilatildeo do gladius

hispaniensis (o qual se tornou a principal arma de combate

corpo-a-corpo dos legionaacuterios possuindo cerca de 60 cm de

comprimento com dois lados cortantes e uma ponta)351

Os escudos dos iberos e celtas eram muito similares

mas suas espadas eram completamente diferentes (τὰ δὲ ξίφη τὴν ἐναντίαν εἶχε διάθεσιν) sendo aquelas dos iberos

perfurantes com a mesma fatalidade de quando usadas no

corte ([] τὸ κέντημα τς καταφορᾶς ἴσχυε πρὸς τὸ βλάπτειν)352

O maior nuacutemero de mercenaacuterios usados pelos cartagineses

era contudo de liacutebios provenientes da regiatildeo da atual

Tuniacutesia Griffith recorda que no seacutecVI aC353

os

cartagineses passaram gradualmente a confiar a defesa de

sua cidade em tropas aliadas e mercenaacuterias em sua maioria

formada por liacutebios354 A historiografia mais recente tem

observado que os liacutebios referidos por Heroacutedoto em Himera

(480 aC)355 deveriam ter estatuto de tropas pagas

considerando-se que a subjugaccedilatildeo de territoacuterios africanos

vizinhos pelos cartagineses eacute posterior agrave batalha de

Himera356 Aleacutem disso que os liacutebios tenham sido recrutados

como forma de tributaccedilatildeo com o decorrer da expansatildeo

territorial cartaginesa parece improvaacutevel a julgar pela

identificaccedilatildeo polibiana dos liacutebios com as demais tropas

351 Connoly op cit p150 Daly p 97 352 Polib 3114 353 Precisar a data eacute impossiacutevel 354 Griffith pp 207-208 355 Hdt 7165 356 Brian H Warmington Carthage New York Praeger 1960 P 40

Serge Lancel Carthage a history Oxford Cambridge MA Blackwell

1995 P 257 Daly p 84

159

seguramente mercenaacuterias357 Por fim o seu armamento era

basicamente a lanccedila e o escudo (o formato eacute assunto

controverso) sendo ambos empregados por infantaria

disposta em boa ordem o que por vezes levou historiadores

a acreditarem numa similaridade com o modelo hopliacutetico

grego358

No entanto quando Poliacutebio e outros autores

antigos mencionam organizaccedilatildeo em falange para tropas natildeo-

gregas o termo frequumlentemente indica apenas infantaria

pesadamente armada ou ldquoem massardquo sem precisar um corpo de

soldados dispostos na mesma loacutegica que regia a falange

hopliacutetica Os liacutebios lutavam por vezes como infantaria

coesa a exemplo do que Plutarco narra em Crimiso (340

aC) ocasiatildeo em que 10000 homens (entre liacutebios e

cartagineses) surpreenderam pela marcha compassada e em boa

ordem (τῆ βραδυττι καὶ τάξει τς πορείας)359 mas dificilmente

combatiam como hoplitas

Quanto aos elefantes os mesmos foram introduzidos na

arte da guerra do ocidente heleniacutestico por Pirro do Epiro

Alguns anos depois os paquidermes passaram a ser usados

pelos cartagineses que os adquiriam basicamente nos

arredores de Cartago e na costa do atual Marrocos embora

Aniacutebal Barca tenha ldquoimportadordquo alguns do Egito

ptolomaico360

Como explicado ao longo do cap2 os

elefantes tinham efeito desproporcional se considerado o

seu pequeno nuacutemero mas dependiam largamente de condiccedilotildees

favoraacuteveis ao seu uso Sendo um traccedilo da arte da guerra

heleniacutestica seraacute possiacutevel observar uma modificaccedilatildeo taacutetica

crucial no emprego dos elefantes pelos cartagineses apoacutes

Xantipo uma vez que os generais de Cartago tendiam a

empregaacute-los como forccedila de apoio agrave cavalaria ou como

357 Um exemplo claro encontra-se em Polib 167 358 Um bom exemplo eacute Le Bohec op cit pp 39-40 que questiona ateacute se

os cartagineses uma vez que combatiam em falange (argumento de Le

Bohec) teriam adotado a lanccedila macedocircnica (sarissa) 359 Plut Tim 27 360 Bagnall op cit p 9

160

ldquoguardiotildees da bagagemrdquo sem ter considerado o seu uso ao

centro (contra uma infantaria massificada) de modo

integrado com a investida montada nas alas

161

3 As primeiras inovaccedilotildees militares na Cartago

heleniacutestica ou a transformaccedilatildeo logiacutestica frente agrave

ameaccedila grega 310-307 aC

A incorporaccedilatildeo dos homens de Ophellas ao exeacutercito de

Agaacutetocles foi acompanhada como visto anteriormente pela

tentativa desesperada de ascensatildeo do poder tiracircnico em

Cartago a qual havia sido liderada por Bomiacutelcar Ambos os

eventos contudo natildeo possuiacuteam conexatildeo direta mas

provocaram sem duacutevida abalo consideraacutevel no moral do

exeacutercito cartaginecircs o que pode justificar como enfatizou

Meister o grande sucesso de Agaacutetocles ao tomar portos e a

cidade de Uacutetica a mais importante depois de Cartago apoacutes

longa resistecircncia de seus cidadatildeos361 Isso permitiria a

Agaacutetocles o estabelecimento de uma linha de comunicaccedilatildeo

permanente com a Siciacutelia o que se traduziria em peacutessimas

notiacutecias para os cartagineses Diante de situaccedilatildeo tatildeo

favoraacutevel contudo o siracusano teve que retornar agrave

Siciacutelia urgentemente levando consigo 2000 homens e

nomeando Arcagatos para o comando das tropas na Aacutefrica362

Sua partida se transformaraacute no iniacutecio de uma reviravolta na

expediccedilatildeo africana Ainda que seus oficiais (nomeadamente

Eumachos) tenham conseguido capturar algumas cidades

(incluindo Hippo Acra e Acris) subjugando parcialmente

povos nocircmades uma uniatildeo desses povos em prol de sua

liberdade e as adversidades das regiotildees africanas

provocaram o recuo dos gregos363

De fato Eumachos havia

conquistado excelente reputaccedilatildeo entre os homens de

Agaacutetocles ao retornar vitorioso de sua primeira campanha

mas a resistecircncia combinada dos nocircmades provocou a baixa de

muitos homens bem como o recuo imediato dos demais sendo

361 Diod 2043 Meister CAH 7 p 398 362 Diod 2055 Justino 228 363 Consolo Langher pp 219-226

162

impossiacutevel avanccedilar sobre os territoacuterios devido a sua

inospicidade natural364 Essa primeira mudanccedila na

perspectiva geral da expediccedilatildeo africana seraacute acompanhada do

que sustento ter sido uma reforma logiacutestica no exeacutercito

cartaginecircs

De acordo com Diodoro seguindo a traduccedilatildeo da Loeb o

Senado em Cartago recebeu bom conselho sobre a guerra (τς

γερουσίας ἐν Καρχηδόνι βουλευσαμένης περὶ τοῦ πολέμου καλς) e os senadores

decidiram formar trecircs exeacutercitos e enviaacute-los da cidade cada

um com destino proacuteprio sendo o primeiro contra as cidades

costeiras o segundo contra as regiotildees intermediaacuterias e o

terceiro contra as cidades no interior365

A partir disso a

guerra tomou outros rumos privando os gregos da vantagem

ateacute entatildeo assegurada a qual foi devida principalmente agrave

inexperiecircncia dos cartagineses frente aos homens ldquoeducados

na escola do perigordquo Seria possiacutevel presumir que algum

general mercenaacuterio em particular concretizado como

personagem histoacuterica da mesma forma que Xantipo alguns

anos mais tarde teria aconselhado o Senado cartaginecircs sem

ter com isso assumido qualquer posiccedilatildeo de comando o que

seria plausiacutevel se tiveacutessemos evidecircncias mais concretas

(tais como nomes) Essa situaccedilatildeo hipoteacutetica asseguraria

inclusive a traduccedilatildeo acima mencionada Mas o verbo

βουλευσαμένης tal qual aparece na citaccedilatildeo natildeo eacute a forma

passiva de βουλεύω (normalmente ldquoreceber ou tomar conselho

sobre algordquo)366 Noutras palavras nesse caso especiacutefico o

mais correto seria traduzir βουλευσαμένης περὶ τοῦ πολέμου como

ldquodeliberou [o proacuteprio Senado] sobre a guerrardquo o que pode

gerar a ilusatildeo se considerada somente a sintaxe do texto

364 Diodoro (2058) menciona uma montanha cheia de gatos selvagens

(πλήρους δ ὄντος αἰλούρων) e mais adiante uma ldquoterra dos siacutemiosrdquo

(Πιθηκοῦσαι νσοι) sendo a primeira ldquoinoacutespita inclusive aos paacutessarosrdquo e a segunda com costumes muito diferentes dos gregos 365 Diod 2059 366 A forma passiva seria βουλευθείσης Sobre esse esclarecimento sou

grato a Nicolas Bertrand membro da Faculdade de Liacutenguas e culturas

antigas da Universidade Lille 3

163

de que o Senado teria deliberado a partir de uma discussatildeo

entre os senadores apenas homens idosos sem qualquer

experiecircncia militar ignorando portanto aconselhamentos

de a uma pessoa ou grupo aleacutem dos proacuteprios senadores As

informaccedilotildees contidas em Diodoro todavia apontam

claramente para orientaccedilotildees de algueacutem militarmente

experiente capaz de dar uma reviravolta estrateacutegica na

guerra ao dividir o exeacutercito cartaginecircs em trecircs unidades

De acordo com Diodoro os cartagineses pensaram em

primeiro lugar que o envio de 30000 soldados aliviaria a

cidade da obrigaccedilatildeo de tantas provisotildees as quais eram jaacute

escassas a essa altura do conflito e eliminaria o risco do

cerco uma vez que o inimigo estaria ocupado com os

exeacutercitos avanccedilados Em segundo lugar eles concluiacuteram que

a lealdade de seus aliados seria assegurada se os mesmos

pudessem contar com o apoio de tropas cartaginesas as

quais desencorajariam qualquer traiccedilatildeo aos gregos algo

historicamente usual quando cidades aliadas militarmente

fracas punham-se diante da presenccedila superior das tropas

inimigas e do descaso de seus aliados Por uacuteltimo a

terceira e a principal razatildeo para a nova organizaccedilatildeo

logiacutestica de seu exeacutercito ldquoacima de tudo eles esperavam

que os inimigos se vissem forccedilados a dividir as suas forccedilas

e a recuar para longe de Cartagordquo (τὸ δὲ μέγιστον ἤλπιζον καὶ τοὺς

πολεμίους ἀναγκασθήσεσθαι μερίζειν τὰς δυνάμεις καὶ μακρὰν ἀποσπᾶσθαι τς

Καρχηδόνος)367

Como podemos notar essas satildeo razotildees de ordem militar

(especialmente a uacuteltima e mais importante delas) as quais

natildeo poderiam ter sido concebidas por senadores sem

experiecircncia militar adequada ou mesmo por generais

igualmente inexperientes (uma constante em Cartago ao

menos ateacute a ascensatildeo Baacutercida) o que explica o envio uacutenico

e prematuro de todo o exeacutercito pelos generais cartagineses

367 Diod 2059 Consolo Langher pp 226-227

164

antes da referida reforma Portanto ainda que nenhuma

personagem histoacuterica possa ser precisada ou nomeada

diferentemente do que ocorreraacute mais tarde com Xantipo

parece seguro dizer que oficiais mercenaacuterios (os quais eram

encontrados em abundacircncia entre os cartagineses mas sempre

desempenhando funccedilotildees de oficiais de autoridade menor)

cuja experiecircncia militar eacute fator inegaacutevel teriam

aconselhado o Senado nessa ocasiatildeo O recrutamento

posterior de Xantipo ilustra que esse aconselhamento era

algo considerado pelos oligarcas em casos de perigo

extremo natildeo sendo absurda a ascensatildeo momentacircnea de

generais mercenaacuterios (gregos por deduccedilatildeo) ao comando do

exeacutercito mesmo que eles estivessem restritos ao niacutevel do

aconselhamento dos cartagineses por meio de inteacuterpretes368

O Senado enviou entatildeo cerca de 30000 homens em unidades

aproximadas de 10000 soldados deixando em Cartago apenas

os homens suficientes para a defesa da cidade Com isso os

defensores poderiam desfrutar das provisotildees necessaacuterias e

os grupamentos enviados assegurariam o apoio dos aliados ou

povos nocircmades neutros no conflito369

Ao ver que as regiotildees

que antes natildeo contavam com a presenccedila militar cartaginesa

agora tinham tropas enviadas por Cartago Arcagatos se viu

forccedilado a dividir tambeacutem as suas forccedilas pois soacute assim

poderia enfrentar a investida inimiga um primeiro

destacamento foi enviado para a regiatildeo costeira seguido

pelo envio de tropas sob o comando de Aeschrion

responsaacutevel pelo combate dos cartagineses localizados nas

regiotildees intermediaacuterias e da terceira parte (sob o comando

do proacuteprio Arcagatos) do exeacutercito para as cidades do

interior

Os resultados natildeo foram nada favoraacuteveis aos gregos

Aeschrion pereceu em batalha apoacutes uma emboscada preparada

368 Inteacuterpretes satildeo mencionados por Diod 2316 no caso de Xantipo 369 Diod 2059 Consolo Langher p 231

165

por Hanatildeo general cartaginecircs sobre o qual nada sabemos

aleacutem do plano para a morte do comandante grego Segundo

Diodoro os cartagineses avanccedilaram sobre eles de forma

inesperada contrariando todas as expectativas e abateram

mais de 4000 soldados de infantaria 200 cavaleiros e o

proacuteprio general ([] καὶ παραδόξως ἐπιθέμενος ἀνεῖλε πεζοὺς μὲν πλείους

τν τετρακισχιλίων ἱππεῖς δὲ περὶ διακοσίους ἐν οἷς ἦν καὶ ατὸς ὁ στρατηγός)

Diante disso sem ter como revidar as tropas sobreviventes

retiraram-se para o acamamento de Arcagathus distante

cerca de 90 quilocircmetros (500 estaacutedios gregos ἀπέχοντα σταδίους

πεντακοσίους)370 Himilco general cartaginecircs responsaacutevel pelas

tropas dirigidas ao interior aguardava em posiccedilatildeo

defensiva favoraacutevel numa cidade aparentemente bem

fortificada Os soldados de Eumachos retornavam de sua

campanha a marcha lenta por causa dos espoacutelios obtidos das

cidades capturadas quando se depararam com os cartagineses

de Himilco Desafiados para uma batalha decisiva os

cartagineses aceitaram o combate mas natildeo da forma como os

gregos esperavam Parte das tropas foi deixada escondida na

cidade e a outra parte se apresentou em campo aberto

simulando uma retirada apoacutes iniciada a batalha o que teria

provocado o avanccedilo precipitado e desordenado dos homens de

Eumachos provavelmente confiantes demais com o resultado

da campanha no interior Os gregos findaram por pressionar

em confusatildeo aqueles que estavam em recuo ([] καὶ

τεθορυβημένως τν ποχωρούντων ἐξήπτοντο) momento em que as ordens

de Himilco foram executadas pelas tropas que haviam sido

deixadas na cidade como forccedila de reserva

Himilco deixou parte de seu exeacutercito em armas na

cidade ordenando que no momento em que ele se

370 Diod 2060

166

retirasse em fuga simulada o exeacutercito castigasse os

seus perseguidores371

Envolvidos dessa maneira os gregos entraram em pacircnico

e bateram em retirada sendo impedidos de retornar ao seu

acampamento pelos cartagineses o que gerou a

impossibilidade da aquisiccedilatildeo de aacutegua e facilitou por

consequumlecircncia a finalizaccedilatildeo por parte dos cartagineses

Diodoro menciona que de um total de 8000 soldados

infantaria e 800 cavaleiros apenas 70 sobreviveram a essa

batalha Arcagato entatildeo reuniu os soldados sobreviventes

desses infortuacutenios e enviou um relatoacuterio a Agaacutetocles

solicitando a sua ajuda o mais raacutepido possiacutevel Os

cartagineses sendo vitoriosos conseguiram o apoio de

muitos desertores do exeacutercito grego que cercado por terra

e mar aguardava desesperadamente reforccedilo vindo da Siciacutelia

A chegada de Agaacutetocles natildeo modificou sensivelmente a

situaccedilatildeo desfavoraacutevel aos gregos Justino menciona uma

soluccedilatildeo momentacircnea para o motim dos mercenaacuterios os quais

natildeo deveriam pedir o pagamento de seu comandante ldquomas

tomaacute-lo do inimigordquo (sed ab hoste quaerenda) Ainda de

acordo com a forma que Justino via o discurso de Agaacutetocles

aos seus homens eles deveriam ldquoobter uma vitoacuteria e um

espoacutelio comunsrdquo (communem victoriam communem praedam

futuram)372

Mas o pagamento natildeo veio pois os inimigos natildeo

puderam ser derrotados Sabendo de sua condiccedilatildeo favoraacutevel

particularmente quanto ao terreno linhas de abastecimento

e moral das tropas os cartagineses aguardaram em seu

acampamento tendo assim forccedilado Agaacutetocles diante da

inquietaccedilatildeo de seus mercenaacuterios373 a arriscar uma batalha

371 Diod 2060 [] Ἰμίλκων μέρος μὲν τς στρατιᾶς κατέλιπε διεσκευασμένον ἐν τῆ πόλει διακελευσάμενος ὅταν ατὸς ἀναχωρῆ προσποιούμενος φεύγειν ἐπεξελθεῖν τοῖς ἐπιδιώκουσιν 372 Justino 228 373 Diod 2064 menciona desistecircncia por parte dos mercenaacuterios no curto

tempo que Agaacutetocles decidiu esperar por condiccedilotildees estrateacutegicas mais

favoraacuteveis

167

sem as vantagens baacutesicas exigidas para tanto Pressionado

por todos os lados seus homens natildeo puderam resistir e a

batalha logo estava completamente perdida

Ainda que natildeo tenhamos informaccedilotildees detalhadas sobre

essa uacuteltima derrota grega na Aacutefrica parece certo deduzir

que as taacuteticas cartaginesas natildeo eram a essa altura

ldquoheleniacutesticasrdquo apesar do contato direto com Agaacutetocles Se

tiveacutessemos maiores detalhes sobre as taacuteticas em campo

aberto as mesmas provavelmente confirmariam o

ldquodiagnoacutesticordquo de Xantipo cerca de 50 anos mais tarde

durante a Primeira Guerra Puacutenica que os cartagineses foram

derrotados naquele tempo pelos romanos devido agrave

inexperiecircncia de seus generais De modo geral as taacuteticas

heleniacutesticas representavam o que havia de mais atualizado e

eficiente na arte da guerra mediterracircnica pois

consideravam os diversos aspectos do confronto armado Os

generais cartagineses natildeo estavam capacitados para tais

modificaccedilotildees executando no fim do seacutecIV aC manobras

tiacutepicas do periacuteodo claacutessico nem tinham proximidade com a

figura de Alexandre ou conhecimento suficiente de sua

expediccedilatildeo asiaacutetica para a realizaccedilatildeo da referida tarefa

antes de Xantipo Mas algo mudou durante a expediccedilatildeo

africana de Agaacutetocles o envio das tropas a territoacuterio

africano obedeceu diante da ameaccedila estrangeira em seu

territoacuterio a criteacuterios logiacutesticos mais apurados o que

parece ter sido produto de aconselhamento por parte dos

mercenaacuterios

168

4 As uacuteltimas inovaccedilotildees militares em Cartago no

periacuteodo preacute-Baacutercida ou a transformaccedilatildeo taacutetica

frente agrave ameaccedila romana 255 aC

41 A Primeira Guerra Puacutenica 264-241 aC

411 A particularidade da primeira guerra cartaginesa

contra os romanos

As Guerras Puacutenicas sempre atraiacuteram a atenccedilatildeo dos

historiadores particularmente aqueles interessados em

entender o momento em que os romanos iniciaram sua expansatildeo

para aleacutem da Peniacutensula Itaacutelica374

O primeiro desses

conflitos a chamada Primeira Guerra Puacutenica (264-241 aC)

foi a guerra contiacutenua mais longa da histoacuteria romana e

levando-se em consideraccedilatildeo o seu impacto sobre a formaccedilatildeo

das colocircnias romanas no Mediterracircneo a mais importante

delas Parece oacutebvio chegar a essa conclusatildeo quando se tem

em mente que durante o primeiro confronto entre Cartago e

Roma os soldados romanos lutaram na Siciacutelia Coacutersega

Sardenha e norte da Aacutefrica tendo nascido nesse momento a

justificativa romana para a intervenccedilatildeo nos assuntos

sicilianos e posteriormente cartagineses levando agrave

destruiccedilatildeo da cidade na Terceira Guerra Puacutenica (149-146

374 As referecircncias sobre as Guerras Puacutenicas satildeo quase incontaacuteveis Como

breve listagem das melhores obras sobre o tema sugiro Arnold J

Toynbee Hannibal‟s legacy the Hannibalic War‟s effects on Roman

life London New York Oxford University Press 1965 Brian Caven

The Punic Wars London Weidenfeld and Nicolson 1980 Bagnall op

cit Basil Henry Liddell Hart Scipio Africanus greater than

Napoleon New York Da Capo Press 1994 Le Bohec op cit John

Francis Lazenby First Punic War e John F Lazenby Hannibal‟s war a

military history of the Second Punic War Norman University of

Oklahoma Press 1998 Dexter Hoyos Unplanned Wars The Origins of the

First and Second Punic Wars Berlin New York Walter de Gruyter

1998 Goldsworthy Punic Wars Daly Dexter Hoyos Hannibal‟s war

books twenty-one to thirty Livy translated by JC Yardley with an

introduction and notes by Dexter Hoyos Oxford New York Oxford

University Press 2006 Miles

169

aC)375

Aleacutem disso na condiccedilatildeo de guerra primariamente

naval eacute normalmente dito por historiadores que a Primeira

Guerra Puacutenica agregou o maior nuacutemero de homens envolvidos

em batalhas no mar ao longo de toda a histoacuteria greco-

romana376

De modo geral a Primeira Guerra Puacutenica aparece apenas

como um capiacutetulo menor das Guerras Puacutenicas precisamente um

preluacutedio necessaacuterio ao estudo da bem documentada Guerra

Anibaacutelica377

Lazenby recorda que no livro de Caven sobre as

Guerras Puacutenicas por exemplo muitos detalhes (pormenores

relevantes ao estudo especializado) satildeo deixados de lado e

nenhuma referecircncia agraves evidecircncias antigas eacute feita378 O livro

de Bagnall The Punic Wars tambeacutem carece de detalhes

importantes ainda que apresente boas hipoacuteteses sobre

estrateacutegia379

Ateacute o estudo sistemaacutetico de Lazenby

portanto natildeo havia publicaccedilotildees detalhadas sobre o

conflito submetendo frequumlentemente a anaacutelise ao modo

criativo e inovador que caracterizou os caminhos pelos

quais os romanos venceram os ldquotraiccediloeiros cartaginesesrdquo

que tiveram por fim somente uma repentina e fugaz

reviravolta em sua fortuna sob o comando de Aniacutebal Barca

Tendo Lazenby como ponto de partida outras obras surgiram

mas a maioria delas preocupadas mais com a Segunda Guerra

Puacutenica ou com a caracterizaccedilatildeo da Primeira Guerra Puacutenica

375 Ver Goldsworthy Punic Wars pp331-356 376 Lazenby First Punic War p1 Polib 163 caracteriza a guerra

como a mais longa mais intensa e maior (πολυχρονιώτατος καὶ συνεχέστατος καὶ μέγιστος) de todas as guerras 377 Haacute algumas obras dedicadas apenas agrave Primeira Guerra Puacutenica mas de

modo geral essas satildeo escassas se comparadas ao grande nuacutemero de

estudos sobre Aniacutebal Barca e sua guerra contra os romanos Sobre obras

dedicadas agrave Primeira Guerra Puacutenica em particular ver por exemplo

Lazenby First Punic War e Yann Le Bohec (org) Le Premiegravere Guerre

Punique Collection du Centre d‟Eacutetudes Romaines et Gallo-Romaines 23

Lyon Paris De Boccard 2001 378 Lazenby First Punic War prefaacutecio A obra mencionada eacute a de Caven

(op cit) Caven eacute tambeacutem autor de Dionysius I war-lord of Sicily

New Haven Yale University Press 1990 379 Lazenby First Punic War prefaacutecio Bagnall op cit

170

como preluacutedio das demais380

Isso induz agraves anaacutelises gerais

que reduzem para o que mais interessa a esse respeito

nesta tese o impacto das inovaccedilotildees lideradas por

Xantipo381

O que teria entatildeo em primeiro lugar dado iniacutecio agrave

Primeira Guerra Puacutenica Antes de tratar do recrutamento de

Xantipo (e possivelmente outros mercenaacuterios gregos) como

indiacutecio da preocupaccedilatildeo cartaginesa com a invasatildeo de Reacutegulo

na Aacutefrica torna-se fundamental o entendimento da

construccedilatildeo gradual do direito de intervenccedilatildeo romana na

Siciacutelia e do modo como as relaccedilotildees entre Cartago e Roma

chegaram ao ponto da hostilidade poliacutetico-militar

De acordo com Poliacutebio trecircs foram os tratados entre

Cartago e Roma no periacuteodo anterior agrave deflagraccedilatildeo da

guerra382 O primeiro deles teria ocorrido 28 anos antes da

invasatildeo de Xerxes isto eacute entre 509-507 aC ocupando-se

com a restriccedilatildeo dos acordos comerciais de Roma com a Aacutefrica

e a Sardenha o que asseguraria tambeacutem a sua autoridade no

Laacutecio Traduzido por Poliacutebio do latim ldquoda forma mais exata

possiacutevelrdquo o tratado (versatildeo parcial) seria como se segue

bdquoHaveraacute amizade (φιλίαν) entre os romanos e seus

aliados e entre os cartagineses e seus aliados nos

seguintes termos

Nem os romanos nem seus aliados navegaratildeo aleacutem de sua

Peniacutensula por direito (τοῦ Καλοῦ ἀκρωτηρίου) a menos que levados por tempestade (χειμνος) ou por pressatildeo do

inimigo (πολεμίων)383 Se qualquer um desses for levado para terra firme o mesmo natildeo compraraacute ou tomaraacute

qualquer coisa que seja para si salvo o que for

necessaacuterio para o reparo de sua embarcaccedilatildeo (πρὸς πλοίου ἐπισκευὴν) e para honrar os deuses (πρὸς ἱερά) devendo

380 Uma exceccedilatildeo eacute obviamente Le Bohec sobre a Primeira Guerra Puacutenica

(op cit) 381 Goldsworthy Punic Wars p10 admite que Lazenby First Punic War

eacute a referecircncia ldquomais acadecircmicardquo para o assunto 382 Polib 322 383 Polemiacuteon indica ldquorelativo agrave guerrardquo mas aqui deve ser traduzido

como ldquopor medo ou pressatildeo do inimigordquo jaacute que indica uma forccedila

externa no caso militar como fator para ultrapassar os limites

geograacuteficos estabelecidos

171

partir em cinco dias [] Aqueles que desembarcarem

para o comeacutercio natildeo devem fazecirc-lo salvo na presenccedila de

um oficial (κήρυκι) ou secretaacuterio (γραμματεῖ) O que quer que seja vendido na presenccedila desses deveraacute ter o preccedilo

assegurado com base no creacutedito do Estado contanto que

ocorra na Liacutebia ou na Sardenha Se um romano vier agrave

Siciacutelia aquela pertencente ao territoacuterio dos

cartagineses (ἧς Καρχηδόνιοι ἐπάρχουσιν) o mesmo desfrutaraacute de todos os direitos comuns aos demais Os cartagineses

natildeo causaratildeo danos ao povo de Ardea Antium

Laurentium Circeii Terracina nem a qualquer um dos

Latinos desde que esses estejam submetidos [a Roma]

(μηδ ἄλλον μηδένα Λατίνων ὅσοι ἂν πήκοοι) [] Eles [os

cartagineses] natildeo construiratildeo forte no Laacutecio se

entrarem em armas no territoacuterio ali natildeo permaneceratildeo

nem mesmo para passar a noite (ἐν τῆ χώρᾳ μὴ ἐννυκτερευέτωσαν)‟384

Como pode ser observado trata-se de um acordo

comercial com fins igualmente poliacuteticos dirigido agrave criaccedilatildeo

ou manutenccedilatildeo das boas relaccedilotildees entre Cartago e Roma Tem

sido sugerido que nessa passagem encontrariacuteamos a indicaccedilatildeo

de uma renovaccedilatildeo de um tratado jaacute existente entre Cartago e

os reis etruscos de Roma uma vez que haacute outras evidecircncias

para a existecircncia de termos amigaacuteveis entre os cartagineses

e os etruscos no seacutecVI aC Aleacutem disso a eacutepoca referida

por Poliacutebio condiz com o periacuteodo etrusco em Roma385

O segundo tratado ocorreu provavelmente em 348 aC se

for aceita a identificaccedilatildeo do tratado mencionado por Tito

384 Polib 322 ldquoἐπὶ τοῖσδε φιλίαν εἶναι Ῥωμαίοις καὶ τοῖς Ῥωμαίων συμμάχοις καὶ Καρχηδονίοις καὶ τοῖς Καρχηδονίων συμμάχοις μὴ πλεῖν Ῥωμαίους μηδὲ τοὺς Ῥωμαίων συμμάχους ἐπέκεινα τοῦ Καλοῦ ἀκρωτηρίου ἐὰν μὴ πὸ χειμνος ἢ πολεμίων ἀναγκασθσιν ἐὰν δέ τις βίᾳ κατενεχθῆ μὴ ἐξέστω ατῶ μηδὲν ἀγοράζειν μηδὲ λαμβάνειν πλὴν ὅσα πρὸς πλοίου ἐπισκευὴν ἢ πρὸς ἱερά (ἐν πέντε δ ἡμέραις ἀποτρεχέτω) τοῖς δὲ κατ ἐμπορίαν παραγινομένοις μηδὲν ἔστω τέλος πλὴν ἐπὶ κήρυκι ἢ γραμματεῖ ὅσα δ ἂν τούτων παρόντων πραθῆ δημοσίᾳ πίστει ὀφειλέσθω τῶ ἀποδομένῳ ὅσα ἂν ἢ ἐν Λιβύῃ ἢ ἐν Σαρδόνι πραθῆ ἐὰν Ῥωμαίων τις εἰς Σικελίαν παραγίνηται ἧς Καρχηδόνιοι ἐπάρχουσιν ἴσα ἔστω τὰ Ῥωμαίων πάντα Καρχηδόνιοι δὲ μὴ ἀδικείτωσαν δμον Ἀρδεατν Ἀντιατν Λαρεντίνων Κιρκαιιτν Ταρρακινιτν μηδ ἄλλον μηδένα Λατίνων ὅσοι ἂν πήκοοι ἐὰν δέ τινες μὴ ὦσιν πήκοοι τν πόλεων ἀπεχέσθωσαν ἂν δὲ λάβωσι Ῥωμαίοις ἀποδιδότωσαν ἀκέραιον φρούριον μὴ ἐνοικοδομείτωσαν ἐν τῆ Λατίνῃ ἐὰν ὡς πολέμιοι εἰς τὴν χώραν εἰσέλθωσιν ἐν τῆ χώρᾳ μὴ ἐννυκτερευέτωσανrdquo 385 Lazenby First Punic War p31 A evidecircncia citada eacute Hdt 1166 E

eles atacaram e pilharam todas as cidades vizinhas razatildeo pela qual os

etruscos e cartagineses (Τυρσηνοὶ καὶ Καρχηδόνιοι) se aliaram contra eles []

172

Liacutevio386

e Diodoro387

com aquele descrito por Poliacutebio388 como

o segundo dos acordos embora Tito Liacutevio e Diodoro anunciem

esse tratado como o primeiro a inaugurar as relaccedilotildees

diplomaacuteticas entre os dois Estados Basicamente o segundo

tratado asseguraria a posiccedilatildeo dos romanos no Laacutecio e a dos

cartagineses na Liacutebia e Sardenha exatamente como no

primeiro tratado referido por Poliacutebio mas acrescentava

Uacutetica ao domiacutenio cartaginecircs indicando o sul da Hispacircnia

como aacuterea proibida ao comeacutercio por parte de Roma Tito

Liacutevio e Diodoro nos informam apenas que um tratado havia

sido estabelecido entre Roma e os cartagineses389 ao passo

que Poliacutebio nos concede as maiores informaccedilotildees a respeito

apresentando uma traduccedilatildeo do tratado da seguinte maneira

bdquoHaveraacute amizade entre os romanos e seus aliados e

entre os cartagineses os habitantes de Tiro e o povo

de Uacutetica (Τυρίων καὶ Ἰτυκαίων δήμῳ) nos seguintes termos Os romanos natildeo saquearatildeo (λῄζεσθαι) traficaratildeo

(ἐμπορεύεσθαι) ou fundaratildeo uma cidade (πόλιν κτίζειν) aleacutem de sua Peniacutensula por direito (τοῦ Καλοῦ ἀκρωτηρίου) Mastia e Tarsenium Se os cartagineses tomarem qualquer cidade

no Laacutecio que natildeo esteja submetida a Roma eles poderatildeo

fazer prisioneiros e confiscar bens (τὰ χρήματα καὶ τοὺς ἄνδρας ἐχέτωσαν) mas desistiratildeo da cidade (τὴν δὲ πόλιν ἀποδιδότωσαν) [] Na Sardenha e na Liacutebia nenhum romano traficaraacute ou fundaraacute cidade ele natildeo faraacute mais do que

pegar provisotildees ou reabastecer sua embarcaccedilatildeo (εἰ μὴ ἕως τοῦ ἐφόδια λαβεῖν ἢ πλοῖον ἐπισκευάσαι) Se uma tempestade levaacute-lo a esses locais o mesmo partiraacute em cinco dias []‟

390

386 Tito Liacutevio 727 387 Diod 1669 388 Polib 324 ver Lazenby First Punic War pp 31-32 389 Tito Liacutevio 727 Et cum Carthaginiensibus legatis Romae foedus

ictum cum amicitiam ac societatem petentes uenissent Diod 1669 ἐπὶ δὲ τού των Ῥωμαίοις μὲν πρὸς Καρχηδονίους πρτον συνθκαι ἐγένοντο 390 Polib 324 A versatildeo completa do tratado aparece como se segue ldquoἐπὶ τοῖσδε φιλίαν εἶναι Ῥωμαίοις καὶ τοῖς Ῥωμαίων συμμάχοις καὶ Καρχηδονίων καὶ Τυρίων καὶ Ἰτυκαίων δήμῳ καὶ τοῖς τούτων συμμάχοις τοῦ Καλοῦ ἀκρωτηρίου Μαστίας Ταρσηίου μὴ λῄζεσθαι ἐπέκεινα Ῥωμαίους μηδ ἐμπορεύεσθαι μηδὲ πόλιν κτίζειν ἐὰν δὲ Καρχηδόνιοι λάβωσιν ἐν τῆ Λατίνῃ πόλιν τινὰ μὴ οὖσαν πήκοον Ῥωμαίοις τὰ χρήματα καὶ τοὺς ἄνδρας ἐχέτωσαν τὴν δὲ πόλιν ἀποδιδότωσαν ἐὰν δέ τινες Καρχηδονίων λάβωσί τινας πρὸς οὓς εἰρήνη μέν ἐστιν ἔγγραπτος Ῥωμαίοις μὴ ποτάττονται δέ τι ατοῖς μὴ καταγέτωσαν εἰς τοὺς Ῥωμαίων λιμένας ἐὰν δὲ καταχθέντος ἐπιλάβηται ὁ Ῥωμαῖος ἀφιέσθω ὡσαύτως δὲ μηδ οἱ Ῥωμαῖοι ποιείτωσαν ἂν ἔκ τινος χώρας ἧς Καρχηδόνιοι ἐπάρχουσιν ὕδωρ ἢ ἐφόδια λάβῃ ὁ Ῥωμαῖος μετὰ τούτων τν ἐφοδίων μὴ ἀδικείτω μηδένα πρὸς οὓς εἰρήνη καὶ φιλία ἐστὶ (Καρχηδονίοις ὡσαύ τως δὲ μηδ ὁ)

173

O terceiro tratado entre Cartago e Roma teve lugar

entre 279 e 278 aC isto eacute durante a expediccedilatildeo italiana

de Pirro do Epiro em socorro de Tarento391 Apoacutes as suas

duas vitoacuterias contra os romanos as chamadas ldquovitoacuterias

piacuterricasrdquo (em Heraclea e Aacutesculo) Pirro resolveu atender ao

pedido das cidades siciliotas e partiu rumo agrave ilha para

comandar a guerra dos gregos contra os cartagineses

Cartago por outro lado natildeo via a chegada de Pirro como

algo positivo em momento tatildeo crucial da guerra e

estabeleceu novo acordo com os romanos desta vez em termos

bastante favoraacuteveis aos uacuteltimos com o objetivo de

assegurar que o epirota permanecesse na peniacutensula

De acordo com Poliacutebio o terceiro tratado continha os

mesmos termos dos dois anteriores exceto pelos seguintes

elementos inseridos por conta da presenccedila de Pirro na

Peniacutensula e em seguida na Siciacutelia

bdquoSe um ou outro necessitar de auxiacutelio (ὁπότεροι δ ἂν χρείαν ἔχωσι τς βοηθείας) os cartagineses forneceratildeo as

embarcaccedilotildees seja para transporte ou com fins

militares mas cada povo arcaraacute com o pagamento de seus

proacuteprios homens (τὰ δὲ ὀψώνια τοῖς ατν ἑκάτεροι) Os

cartagineses tambeacutem daratildeo suporte mariacutetimo (κατὰ θάλατταν) se os romanos precisarem mas nenhum dos dois

Καρχηδόνιος ποιείτω εἰ δέ μὴ ἰδίᾳ μεταπορευέσθω ἐὰν δέ τις τοῦτο ποιήσῃ δημόσιον γινέσθω τὸ ἀδίκημα ἐν Σαρδόνι καὶ Λιβύῃ μηδεὶς Ῥωμαίων μήτ ἐμπορευέσθω μήτε πόλιν κτιζέτω [] εἰ μὴ ἕως τοῦ ἐφόδια λαβεῖν ἢ πλοῖον ἐπισκευάσαι ἐὰν δὲ χειμὼν κατενέγκῃ ἐν πένθ ἡμέραις ἀποτρεχέτω ἐν Σικελίᾳ ἧς Καρχηδόνιοι ἐπάρχουσι καὶ ἐν Καρχηδόνι πάντα καὶ ποιείτω καὶ πωλείτω ὅσα καὶ τῶ πολίτῃ ἔξεστιν ὡσαύτως δὲ καὶ ὁ Καρχηδόνιος ποιείτω ἐν Ῥώμῃrdquo 391 A anaacutelise mais recente sobre o terceiro tratado pode ser encontrada

em Zambon Hellenistic Sicily pp 86-95 Zambon Hellenistic Sicily

divide as fontes para o terceiro tratado em (a) fontes sobre as

relaccedilotildees diplomaacuteticas (b) fontes sobre a assinatura do tratado e (c)

fontes para os eventos histoacutericos apoacutes a conclusatildeo da nova alianccedila

Como aqui pretendo apenas mostrar a degradaccedilatildeo das relaccedilotildees

diplomaacuteticas entre Cartago e Roma para entatildeo salientar razotildees mais

profundas para a deflagraccedilatildeo da guerra que a questatildeo dos mamertinos

temas mais especiacuteficos (como os que foram enumerados por Zambon

Hellenistic Sicily e trabalhados por um nuacutemero abundante de autores)

seratildeo propositalmente suprimidos Sobre o tratado aleacutem de Zambon

pode-se consultar Barbara Scardigli I Trattati romano-cartaginesi

Pisa Scuola Normale Superiore 1991 Hoyos op cit pp 7-11

174

obrigaraacute os tripulantes a desembarcar contra a sua

vontade‟ (versatildeo parcial)392

O tratado como podemos observar estabelece claramente

auxiacutelio militar muacutetuo393 estando Cartago disposta a se

ldquocomprometerrdquo com o auxiacutelio logiacutestico mais do que os

romanos (inclusive pela condiccedilatildeo de sua frota em comparaccedilatildeo

com aquela virtualmente inexistente dos romanos) o que

ilustra a insatisfaccedilatildeo com a possibilidade de ter que lidar

com Pirro na Siciacutelia Os resultados do tratado contudo

natildeo tiveram grande impacto de ordem praacutetica Ainda que seja

tentador identificar a referecircncia agraves 120 embarcaccedilotildees sob o

comando do cartaginecircs Mago em Justino no momento da

expediccedilatildeo italiana de Pirro como fruto do terceiro tratado

a referecircncia (na mesma passagem)394 a uma visita em segredo

de Mago ao epirota durante a qual certo tipo de alianccedila ou

amizade foi oferecido indica que Cartago natildeo estava

decidida quanto agrave hostilidade em direccedilatildeo a Pirro e

portanto parece mais correto dizer que o envio de Mago se

deu antes do tratado Lazenby ceacutetico diante da evidecircncia

acerca de outro evento como consequumlecircncia do terceiro acordo

entre Cartago e Roma agrave eacutepoca da expediccedilatildeo piacuterrica aponta

uma operaccedilatildeo ocorrida em Reggio separada da Siciacutelia apenas

pelo estreito de Messina como o uacutenico evento possivelmente

resultante do tratado em questatildeo395 Apoiado num fragmento

de Diodoro Lazenby sugere que os 500 homens enviados a

Reggio (ainda sob o domiacutenio romano) por Cartago

392 Polib 325 [] ὁπότεροι δ ἂν χρείαν ἔχωσι τς βοηθείας τὰ πλοῖα παρεχέτωσαν Καρχηδόνιοι καὶ εἰς τὴν ὁδὸν καὶ εἰς τὴν ἄφοδον τὰ δὲ ὀψώνια τοῖς ατν ἑκάτεροι Καρχηδόνιοι δὲ καὶ κατὰ θάλατταν Ῥωμαίοις βοηθείτωσαν ἂν χρεία ᾖ τὰ δὲ πληρώματα μηδεὶς ἀναγκαζέτω ἐκβαίνειν ἀκουσίωςrdquo 393 Lazenby First Punic War p 32 394 Justino 182 [] quasi pacificator Karthaginiensium Pyrrum

adiit speculaturus consilia eius de Sicilia [] Embora Justino

indique que as reais intenccedilotildees dos cartagineses eram especular o que

Pirro pensava sobre a Siciacutelia temos ainda uma duacutevida que parece mais

caracteriacutestica de um periacuteodo anterior mesmo que bastante proacuteximo da

data do terceiro tratado com Roma 395 Lazenby First Punic War p 33

175

corresponderiam ao contingente de apoio contra o invasor

epirota Aleacutem desse evento nenhum outro pode ser cotado

como relacionado ao tratado ldquonem mesmo quando somente

Lilibeu permaneceu sob domiacutenio de Cartago de todas as suas

posses na Siciacuteliardquo396 Terminada a expediccedilatildeo de Pirro

outros possiacuteveis eventos podem ser vistos ainda como parte

do acordo mas como resposta aos homens deixados pelo

rei397

Apoacutes a breve anaacutelise dos trecircs tratados entre Cartago e

Roma podemos notar portanto ao lado da construccedilatildeo de uma

relaccedilatildeo amistosa entre os dois poderes a consolidaccedilatildeo da

posiccedilatildeo cartaginesa na Siciacutelia por cerca de 300 anos

(apesar de algumas reviravoltas tais como a guerra contra

Agaacutetocles e em seguida Pirro) e a expansatildeo romana em

direccedilatildeo ao sul da Peniacutensula regiatildeo que teraacute durante a

expediccedilatildeo de Pirro e um pouco depois presenccedila constante de

legionaacuterios romanos a exemplo da cidade de Reggio (vale

ressaltar mais uma vez separada da Siciacutelia apenas pelo

estreito de Messina) Tendo Pirro saiacutedo de cena o choque

entre dois Estados com impulsos imperialistas seria com o

passar dos anos algo inevitaacutevel O problema com os

mamertinos daria entatildeo o motivo concreto para a

deflagraccedilatildeo do conflito

Como visto anteriormente os soldados campacircnios

inicialmente a serviccedilo de Agaacutetocles haviam subjugado a

regiatildeo nordeste da Siciacutelia alguns anos apoacutes a morte do

siracusano tirando proveito da situaccedilatildeo poliacutetica delicada

pela qual a ilha passava Com a ascensatildeo de Hiero de

Siracusa e a soluccedilatildeo dos conflitos em Reggio (que teve seus

campacircnios revoltosos exterminados pelos romanos) a

situaccedilatildeo dos mamertinos se modificaraacute principalmente

396 Lazenby First Punic War p 34 397 Uma frota cartaginesa enviada a Tarentum para dar suporte ao cerco

liderado pelos romanos contra Milo deixado na cidade por Pirro

aparece por exemplo em Zonaras 88 e Oroacutesio 43

176

devido ao combate sistemaacutetico por parte dos siracusanos

contra a seacuterie de pilhagens promovidas pelos mercenaacuterios

Os mamertinos sem ter muito o que fazer solicitaram apoio

dos cartagineses e em seguida dos romanos Poliacutebio eacute

esclarecedor a esse respeito

Alguns deles apelaram aos cartagineses propondo a

submissatildeo deles proacuteprios e da cidade ao passo que

outros enviaram uma embaixada a Roma oferecendo a

submissatildeo da cidade e implorando por assistecircncia como

povo de mesma origem (ατοῖς ὁμοφύλοις πάρχουσιν)398

O principal elemento considerado pelos romanos em sua

avaliaccedilatildeo do pedido de auxiacutelio mamertino natildeo parece ter

sido contudo a identificaccedilatildeo eacutetnica De acordo com

Poliacutebio os romanos estavam cientes da grande expansatildeo do

territoacuterio cartaginecircs que jaacute incluiacutea a Liacutebia parte da

Hispacircnia a Sardenha e o Mar Tirreno restando somente a

conquista de parte da Siciacutelia para se tornarem ldquoos vizinhos

mais problemaacuteticos e perigosos (βαρεῖς καὶ φοβεροὶ γείτονες)rdquo

cercando Roma por todos os cantos da Peniacutensula No final

das contas possivelmente por pressatildeo popular (οἱ πολλοὶ) o

Senado decidiu nomear o cocircnsul Aacutepio Claacuteudio como general no

comando das tropas que atravessariam o mar em direccedilatildeo a

Siciacutelia sendo o cocircnsul vitorioso na primeira batalha

contra Hieratildeo (recentemente aliado de Cartago e vitorioso

num primeiro confronto contra os mamertinos) e os

cartagineses399 Derrotado pelos romanos Hieratildeo findou por

estabelecer alianccedila com os primeiros em 263 aC

mostrando-se leal a eles ateacute o fim de seu governo em 215

aC Os cartagineses em contrapartida frente agrave deserccedilatildeo

de Hieratildeo montaram seu novo quartel general na cidade de

Acragas devido a sua localizaccedilatildeo favoraacutevel como ponto de

398 Polib 110 [] οἱ μὲν ἐπὶ Καρχηδονίους κατέφευγον καὶ τούτοις ἐνεχείριζον σφᾶς ατοὺς καὶ τὴν ἄκραν οἱ δὲ πρὸς Ῥωμαίους ἐπρέσβευον παραδιδόντες τὴν πόλιν καὶ δεόμενοι βοηθήσειν σφίσιν ατοῖς ὁμοφύλοις πάρχουσιν 399 Polib 111

177

apoio logiacutestico bem como ao faacutecil acesso que ela oferecia

agrave porccedilatildeo leste da Siciacutelia a qual estava sob domiacutenio do

inimigo400

Com seus primeiros movimentos na Siciacutelia a maior parte

da Primeira Guerra Puacutenica todavia foi travada no mar

ainda que uma anaacutelise das evidecircncias acerca da atuaccedilatildeo dos

exeacutercitos (particularmente na Aacutefrica) ilustre inovaccedilotildees

militares importantes em terra firme Os cartagineses eram

conhecidos por sua excelecircncia mariacutetima tendo a navegaccedilatildeo

se tornado como nos informa Poliacutebio o seu ofiacutecio

nacional401

Eacute de salientar o respeito dos antigos quanto agrave

frota cartaginesa em diversas ocasiotildees de tensatildeo militar

das quais destaco como exemplo algumas cidades sicilianas

(aliadas aos romanos) que ldquoaterrorizadas diante da frota

cartaginesardquo (καταπεπληγμέναι τὸν τν Καρχηδονίων στόλον)

desertaram antes mesmo de lutar402 Os aparatos tecnoloacutegicos

usados na guerra naval eram quase sempre inventados ou

aprimorados pelos cartagineses a exemplo da substituiccedilatildeo

das trirremes (dominantes na guerra naval por cerca de 200

anos) pelas quadrirremes e de sua consequumlente adaptaccedilatildeo

para as quinquerremes403

Por outro lado como nos faz crer

Poliacutebio os romanos natildeo haviam se dedicado agrave guerra naval

como os cartagineses sendo seus construtores navais

completamente inexperientes na montagem de quinquerremes

400 Polib 117 Miles op cit p 179 401 Polib 652 Καρχηδόνιοι διὰ τὸ καὶ πάτριον ατοῖς [] τὴν ἐμπειρίαν ταύτην Ver item sobre o exeacutercito cartaginecircs 402 Polib 120 403

Note-se que a quinquerreme (do latim quinque o nuacutemero de homens necessaacuterios para mover cada seccedilatildeo da embarcaccedilatildeo) foi criado por

Dioniacutesio de Siracusa mas o seu uso foi melhorado pelos cartagineses

John S Morrison e John F Coates (The Athenian trireme the history

and reconstruction of an ancient Greek warship Cambridge University

Press 1986 pp259-260 Miles pp 177-178) mostraram a partir de

evidecircncias iconograacuteficas que a quinquereme cartaginesa era

ligeiramente diferente do modelo grego com um formato tipicamente

feniacutecio para os espaccedilos onde eram dispostos os cinco remadores de cada

seccedilatildeo o que garantia no caso cartaginecircs uma proteccedilatildeo extra para os

remadores e para o casco do navio Este seria por consequumlecircncia o

modelo das quinquerremes romanas Para a marinha de guerra cartaginesa

em geral cf Le Bohec op cit pp 49-55

178

(τν δὲ ναυπηγν εἰς τέλος ἀπείρων ὄντων τς περὶ τὰς πεντήρεις ναυπηγίας)

quando da deflagraccedilatildeo da Primeira Guerra Puacutenica404 A frota

de 100 quinquerremes e 20 trirremes construiacuteda em 261

aC teria sido a primeira formada pelos proacuteprios romanos

o que acentuaria na visatildeo de Poliacutebio quatildeo espirituosos

(μεγαλόψυχον) e extraordinaacuterios (παράβολον) eram os romanos ao

fazer algo405

Com a apreensatildeo de uma embarcaccedilatildeo cartaginesa (uma

quinquerreme) tomada como modelo Roma teria finalizado a

construccedilatildeo de sua frota (as 120 embarcaccedilotildees descritas por

Poliacutebio) em apenas 60 dias406 provavelmente por que a

disposiccedilatildeo das peccedilas das embarcaccedilotildees seguiu o meacutetodo de

organizaccedilatildeo por letras empregado por Cartago407 Frota

pronta natildeo significava contudo frota taticamente apta

Logo cerca de 17 embarcaccedilotildees romanas acabaram por ser

capturadas pelos cartagineses nas Ilhas Eoacutelias a noroeste

de Messina enquanto tentavam submeter a cidade de Lipara

tendo sua tripulaccedilatildeo e seu comandante Gneu Corneacutelio

Cipiatildeo sido capturados sem grande dificuldade408

404 Uma boa siacutentese das condiccedilotildees gerais da guerra naval no seacutecIII

aC pode ser encontrada em Goldsworthy Punic Wars pp 96-103 405 Polib 120 ἐξ ὧν καὶ μάλιστα συνίδοι τις ἂν τὸ μεγαλόψυχον καὶ παράβολον τς Ῥωμαίων αἱρέσεως Poliacutebio entende que a vitoacuteria romana em Acragas (261 aC) teria modificado sensivelmente os objetivos dos romanos com a

guerra ao inveacutes de simplesmente proteger os mamertinos agora Roma

havia se decidido pela expulsatildeo dos cartagineses da Siciacutelia Ver

Goldsworthy Punic Wars p 97 406 Polib 120 Bagnall op cit p 60 Le Bohec op cit pp75-77

Hoyos op cit p89 407 O meacutetodo ficou conhecido entre os estudiosos de Cartago apoacutes

escavaccedilatildeo dirigida por Honor Frost na deacutecada de 70 Restos de uma

embarcaccedilatildeo antiga haviam sido encontrados em 1969 por um capitatildeo de

navio mercante Diego Boninni durante uma viagem de trabalho Estudos

da escrita deixada pelos construtores da embarcaccedilatildeo mostraram que o

casco havia sido preconcebido ao passo que a existecircncia de letras

similares em direccedilotildees variadas indicava a presenccedila de muacuteltiplos

construtores Os resultados da escavaccedilatildeo foram publicados

primeiramente no The International Journal of Nautical Archaeology (a

partir de 1972) e assim que o trabalho de campo se deu por encerrado

um relato amplo foi publicado pela Accademia Nazionale dei Lincei

(Roma) como suplemento da Notizie degli Scavi di Antichitagrave 30 (1976) 408 Polib 121 Miles op cit p 181 observa que a carreira de

Cipiatildeo natildeo parece ter sido abalada em ambiente senatorial jaacute que o

mesmo foi eleito cocircnsul pela segunda vez em 254 aC mas entre a

populaccedilatildeo sua reputaccedilatildeo natildeo era mais cotada entre as mais intactas a

179

Taticamente inferiores no mar o que havia se tornado

evidente apoacutes a primeira derrota de sua frota para os

cartagineses em 260 aC os romanos desenvolveram uma arma

engenhosa com o objetivo de superar a falta de habilidade

(se comparada agrave dos cartagineses) ao manobrar as

embarcaccedilotildees o corvus409 Prancha de 11 m de comprimento e

120 m de largura o corvo possuiacutea um espeto na

extremidade o qual era usado para perfurar a embarcaccedilatildeo

inimiga durante a sua trajetoacuteria de cima para baixo

permitindo assim que as duas embarcaccedilotildees envolvidas se

mantivessem forccedilosamente conectadas o tempo necessaacuterio para

a travessia completa dos soldados romanos Esses por sua

vez atravessavam a prancha em numa coluna disposta em

pares de maneira que os dois primeiros protegiam a frente

com seus escudos erguidos enquanto os seguintes dividiam a

proteccedilatildeo dos flancos410

O melhor exemplo para a explicaccedilatildeo acerca do

funcionamento do corvo eacute a batalha de Mylae Segundo

Poliacutebio ansiosos para por agrave prova o novo equipamento

disposto na proa dos navios os romanos decidiram sob o

comando de Caio Duilio (que havia deixado as legiotildees sob

responsabilidade dos tribunos militares) atacar os

cartagineses que assolavam o territoacuterio de Mylae

Ao se aproximarem e verem os corvos (τοὺς κόρακας) subindo ao ponto mais alto da proa de cada navio os

cartagineses em princiacutepio ficaram confusos surpresos

com a construccedilatildeo das maacutequinas Contudo como eles davam

o inimigo inteiramente por derrotado as embarcaccedilotildees da

linha de frente atacaram bravamente Mas conforme as

julgar pelo apelido que lhe foi dado asina ou mula Ver Pliacutenio

8169 Lazenby First Punic War op cit pp 66-67 Ao lado de Cipiatildeo

estava o seu colega de magistratura Caio Duilio comandante das

tropas na Siciacutelia 409 Ainda que Poliacutebio use o termo korakes os estudiosos modernos

adotaram a forma latina corvus (corvi no plural) pois esse eacute de

acordo com Lazenby First Punic War (p 68) o termo latino

correspondente 410 Polib 122

180

embarcaccedilotildees que entravam em colisatildeo eram rapidamente

capturadas pelas maacutequinas e os tripulantes romanos

embarcavam por meio do corvo (τοῦ κόρακος) e atacavam os inimigos um a um na plataforma alguns dos cartagineses

eram eliminados e outros rendidos por desacircnimo diante

do que estava ocorrendo tendo a batalha se tornado

praticamente um combate em terra firme Os primeiros

trinta navios que entraram em combate foram capturados

por todos os tripulantes incluindo a embarcaccedilatildeo do

comandante sendo Aniacutebal capaz de escapar por um

milagre num bote salva-vidas O restante da forccedila

cartaginesa [] desistiu e bateu em retirada (τέλος ἐγκλίναντες ἔφυγον οἱ Καρχηδόνιοι) aterrorizada (καταπλαγέντες) por esta nova experiecircncia tendo perdido 50 navios

411

Embora Poliacutebio natildeo mencione nenhuma puniccedilatildeo fatal do

comandante cartaginecircs por sua derrota outras fontes narram

crucificaccedilatildeo ou apedrejamento de Aniacutebal (natildeo o Baacutercida) por

seus homens os quais estavam insatisfeitos com o resultado

da batalha412

A vitoacuteria romana em Mylae ainda que natildeo

tenha sido decisiva assegurou aos romanos a atuaccedilatildeo na

regiatildeo da Sardenha e Coacutersega territoacuterios antes sob domiacutenio

cartaginecircs Ao inveacutes de concentrar campanhas na Siciacutelia ou

na Sardenha e Coacutersega os romanos conduziram as duas

ofensivas ao mesmo tempo o envio dos dois cocircnsules o

primeiro (Corneacutelio Cipiatildeo) para Sardenha e Coacutersega e o

segundo (Corneacutelio Aquiacutelio) para a Siciacutelia comprovam o

pensamento estrateacutegico adotado por Roma413 Uma seacuterie de

batalhas navais tiveram lugar em seguida das quais se

destaca pela quantidade de homens envolvidos a batalha de

Ecnomus (256 aC) Segundo Poliacutebio do lado romano

contavam-se 100000 tripulantes (δέκα μυριάδας) caacutelculo

retirado dos 300 remadores e 120 soldados embarcados em

cada navio Do lado cartaginecircs o total dos soldados era

algo proacuteximo dos 150000 (πεντεκαίδεκα μυριάδας) a julgar pela

411 Polib 123 Cf Lazenby First Punic War pp67-73 Le Bohec op

cit pp 77-88 Bagnall op cit pp 62-63 Goldsworthy Punic Wars

pp105-109 Miles pp 182-184 412 Zonaras 812 Oroacutesio 44 413 Bagnall op cit p64

181

contagem de suas embarcaccedilotildees (κατὰ τὸν τν νεν λόγον)414 Apoacutes

violento embate proacuteximo ao sudoeste da Siciacutelia o qual foi

mais uma vez decidido pelo uso dos corvos (a despeito das

ateacute entatildeo eficientes taacuteticas cartaginesas) os romanos

comeccedilaram os preparativos para a invasatildeo da Aacutefrica415

414 Polib 126 415 Os pormenores da batalha de Ecnomus foram suprimidos

propositalmente uma vez que o principal interesse da tese natildeo recai

sobre a marinha de guerra cartaginesa Para a batalha de Ecnomus ver

Polib 126-28 Quanto aos estudos modernos a anaacutelise mais

esclarecedora eacute Goldsworthy Punic Wars pp 109-114

182

412 ldquoComo Aacutegatocles noacutes romanos devemos invadir a

Aacutefricardquo o princiacutepio estrateacutegico da expediccedilatildeo africana de

Reacutegulo 256-255 aC

Poliacutebio nos informa que os cartagineses que haviam

escapado do confronto em Ecnomus navegaram diretamente para

Cartago e ldquoconvencidos de que os inimigos excitados por

seu sucesso fariam o ataque direto agrave proacutepria cidade de

Cartagordquo (πεπεισμένοι τοὺς πεναντίους ἐκ τοῦ γεγονότος προτερήματος

ἐπαρθέντας εθέως ποιήσεσθαι τὸν ἐπίπλουν ἐπ ατὴν τὴν Καρχηδόνα)

mantiveram-se atentos a todos os possiacuteveis pontos de

desembarque na aacuterea416 Os romanos contudo desembarcaram a

uma distacircncia segura (Cabo Bon no nordeste da atual

Tuniacutesia) certamente por terem conhecimento da dificuldade

que seria tomar Cartago sem uma linha de abastecimento

assegurada entre a Siciacutelia e a Aacutefrica e iniciaram uma

seacuterie de cercos a cidades menores sendo Aspis a primeira

delas417

O que os romanos pretendiam com isso Em princiacutepio

poder-se-ia dizer que a decisatildeo era unicamente de seguranccedila

para o desembarque mas alguns indiacutecios em Poliacutebio apontam

para uma ocupaccedilatildeo definitiva (ainda que por ser modelada)

a qual deve ter sido planejada logo apoacutes a vitoacuteria em

Ecnomus Em primeiro lugar antes de navegar em direccedilatildeo agrave

Liacutebia eles organizaram as suas provisotildees e repararam as

embarcaccedilotildees capturadas (προσεπισιτισάμενοι καὶ τὰς αἰχμαλώτους ναῦς

καταρτίσαντες) em seguida assim que a Aspis foi tomada

guarniccedilotildees (τὰς δυνάμεις) foram ali deixadas para assegurar a

cidade (τς πόλεως) e o territoacuterio (τς χώρας) por uacuteltimo

mensageiros foram enviados a Roma para informar o ocorrido

e obter instruccedilotildees sobre o que deveria ser feito no futuro

(περὶ τν μελλόντων τί δεῖ ποιεῖν) e como eles deveriam lidar com

416 Polib 129 417 Sobre o desembarque bem como para os eventos posteriores ver Le

Bohec opcit pp 87-89 Lazenby First Punic War pp 97-103

Goldsworthy Punic Wars pp 84-87 Bagnall op cit pp 70-75

Miles pp 185-187

183

toda a situaccedilatildeo (πς χρσθαι τοῖς πράγμασιν) Se Poliacutebio estiver

correto na ordenaccedilatildeo desses eventos (e natildeo vejo motivos

para natildeo estar) os romanos tinham em mente mesmo antes de

relatar os eventos ao Senado assegurar uma posiccedilatildeo forte

em territoacuterio inimigo restando apenas a autorizaccedilatildeo de

Roma para dar prosseguimento agrave expediccedilatildeo africana A forma

que essa expediccedilatildeo assumiria contudo estava nas matildeos do

Senado418 A resposta natildeo poderia ser diferente um dos

cocircnsules deveria permanecer na Aacutefrica com forccedila adequada

(δυνάμεις τὰς ἀρκούσας) enquanto o outro deveria retornar para

Roma com a frota419

Se a essa altura os romanos tinham em mente a

reproduccedilatildeo do que havia feito Agaacutetocles cerca de 50 anos

antes natildeo sabemos por evidecircncias diretas (como seria uma

afirmaccedilatildeo de Poliacutebio ou referecircncia a Agaacutetocles em alguma

reuniatildeo senatorial antes da deliberaccedilatildeo sobre o que deveria

ser feito pelas tropas na Aacutefrica) mas isso pode ser

proposto com certo grau de plausibilidade por evidecircncias

indiretas Como mostrei antes os elementos necessaacuterios

para a realizaccedilatildeo de uma expediccedilatildeo haviam sido pensados

apoacutes Ecnomus e uma vez na Aacutefrica com posiccedilatildeo militarmente

assegurada a pilhagem que se seguiu (em Aspis ou ldquoescudordquo

e nos arredores) tem aparecircncia exata ao que foi previamente

feito pelo siracusano

Aleacutem disso eacute bem verdade que Poliacutebio nos diz como

mencionado no cap3 desta tese que Cipiatildeo o Africano

aproximadamente 50 anos apoacutes a primeira invasatildeo romana da

Aacutefrica teria respondido quando questionado acerca dos

maiores estadistas em coragem e sabedoria ldquoAgaacutetocles e

Dioniacutesiordquo420 Eacute bem provaacutevel portanto que a expediccedilatildeo de

418 Aleacutem disso uma vez estabelecidos da maneira descrita em territoacuterio

inimigo uma possiacutevel decisatildeo de abandono seria improvaacutevel senatildeo

absurda 419

Mais agrave frente Poliacutebio nos daacute nuacutemeros 15000 soldados de infantaria e 500 cavaleiros 420 Polib 1535 Ver cap3 item 41

184

Agaacutetocles fosse jaacute conhecida pelos romanos no tempo da

Primeira Guerra Puacutenica

Outra evidecircncia pode ser encontrada do lado cartaginecircs

Os comandantes cartagineses natildeo queriam esperar o avanccedilo

impune dos romanos talvez por que tivessem em mente a

reproduccedilatildeo do que haviam enfrentado meio seacuteculo antes com

os gregos Essa reaccedilatildeo por parte de Cartago elucida ainda

algo fundamental quanto agrave preservaccedilatildeo das primeiras

inovaccedilotildees em seu pensamento militar heleniacutestico Cartago

natildeo estava disposta a esperar que seu territoacuterio fosse

ldquocorrompidordquo pelo inimigo o que ocasionaria problemas de

ordem logiacutestica (principalmente com a manutenccedilatildeo de seus

aliados) de maneira que os generais decidiram partir de

imediato para o embate com os invasores Na primeira fase

das inovaccedilotildees militares em Cartago um dos aspectos

estrateacutegicos que motivaram as inovaccedilotildees de ordem logiacutestica

entre os cartagineses foi a preservaccedilatildeo da lealdade das

cidades africanas uma vez que elas estavam debandando uma

a uma para o lado grego Aquela liccedilatildeo agora aplicada ao

caso romano havia sido definitivamente aprendida pelos

generais cartagineses Asdruacutebal e Bostar foram eleitos

generais Amiacutelcar foi trazido agraves pressas da Siciacutelia como

terceiro general juntamente com 500 cavaleiros e 5000

soldados de infantaria421

Como dito anteriormente os trecircs generais cartagineses

optaram pelo combate direto com o inimigo apoacutes terem assim

deliberado (ἐβουλεύετο) e encontraram Reacutegulo e seus soldados

proacuteximos agrave cidade de Adys na ocasiatildeo sitiada pelos

romanos Os cartagineses ocuparam um monte nos arredores e

ali montaram acampamento num local que Poliacutebio considerou

ser inapropriado ao seu exeacutercito (ἀφυ δὲ ταῖς ἑαυτν δυνάμεσιν)422

421 Polib 130 Sobre Amiacutelcar Barca particularmente a construccedilatildeo de

uma escola taacutetica em Cartago ateacute Aniacutebal Barca cf Brizzi op cit

aleacutem dos autores citados acima para a expediccedilatildeo de Reacutegulo 422 Polib 130

185

Os experientes generais romanos (οἱ τν Ῥωμαίων ἡγεμόνες ἐμπείρως)

teriam visto que o momento era adequado para o ataque

inesperado uma vez que o posicionamento do exeacutercito

cartaginecircs num terreno que tornava os elefantes e a

cavalaria inuacuteteis (ἠχρείωται) lhes era propiacutecio Ao atacar

por ambos os lados do monte os romanos tiveram a primeira

legiatildeo (τὸ πρτον στρατόπεδον) derrotada pela coragem (γενναίως)

e vigor (προθύμως) dos mercenaacuterios (μισθοφόροι) mas tendo

avanccedilado em busca dos legionaacuterios em fuga expuseram sua

retaguarda aos outros que atacavam no lado oposto Os

mercenaacuterios recuaram satildeos e salvos por fim graccedilas ao

ldquoescudordquo oferecido pelos elefantes e cavaleiros que

atingiram o niacutevel plano423

Apoacutes a vitoacuteria de Reacutegulo Tuacutenis caiu sob o domiacutenio

romano tendo a cidade sido transformada na nova base de

operaccedilotildees na Aacutefrica Poliacutebio menciona ainda uma revolta

por parte dos numiacutedios (certamente encorajados com a

presenccedila romana) e a fome dos refugiados em Cartago424 o

que levou Reacutegulo a tentar a submissatildeo completa dos

cartagineses Poliacutebio diz que os embaixadores estavam tatildeo

inclinados a aceitar o que Reacutegulo lhes propunha que eles

sequer conseguiam prestar atenccedilatildeo agrave severidade de suas

exigecircncias (τὸ βάρος τν ἐπιταγμάτων) Fragmentos de Diodoro

contudo mencionam que o Senado cartaginecircs enviou os homens

mais nobres (ἄνδρας τν ἐπιφανεστάτων) como embaixadores

(πρεσβευτὰς) a Atiacutelio (leia-se Reacutegulo) para discutir os

termos de paz (περὶ εἰρήνης) mas a paz proposta por ele natildeo

seria melhor que a escravidatildeo tamanha a dureza de seus

termos425 Na mesma linha de Diodoro outras fontes

apresentam a iniciativa por parte de Cartago recusando

portanto que Reacutegulo os tivesse intimado para propor os

423 Para a reconstruccedilatildeo da batalha cf principalmente Lazenby First

Punic War pp 100-101 Goldsworthy Punic Wars p86 Bagnall op

cit pp72-73 424 Polib 131 425 Diod 2312

186

termos de paz426

No fim das contas a despeito da natureza

oposta dos relatos sobre quem teria tomado a iniciativa

para a conclusatildeo da paz (se Cartago ou Roma) e da situaccedilatildeo

draacutestica em que Cartago se encontrava uma vez mais o

Senado cartaginecircs manteve a opccedilatildeo pela defesa armada como

no caso dos gregos a qual seria assegurada em princiacutepio

pelas muralhas de Cartago e em seguida pelo recrutamento

do nuacutemero de soldados mercenaacuterios que os seus recursos

permitissem pagar427

426 Eutroacutepio (221) Oroacutesio (49) e Zonaras (813) Cf Lazenby First

Punic War p101 427 Essa seria de acordo com Diod 296 a grande vantagem em se

recrutar mercenaacuterios ldquouma abundacircncia de forccedilas militares estrangeiras

(τς ξενικς δυνάμεως) eacute muito vantajosa para o lado que a emprega e

terriacutevel para o inimigo considerando que os empregadores trazem

consigo sem grandes custos homens para lutar em seu nome ao passo

que forccedilas citadinas (τν πολιτικν δυνάμεων) mesmo quando vitoriosas satildeo prontamente enfrentadas por um corpo de oponentes intactos No

caso dos exeacutercitos poliacuteadas uma simples derrota significa um desastre

completo ao passo que no caso dos mercenaacuterios ainda que sejam por

muitas vezes derrotados os empregadores manteacutem suas forccedilas intactas

durante o tempo que durar seus recursosrdquo

187

413 Xantipo e a adoccedilatildeo do princiacutepio taacutetico heleniacutestico

255 aC

Vegeacutecio autor de um manual militar no seacutecIV dC

menciona natildeo somente que Xantipo teria liderado os

cartagineses na guerra contra os romanos ateacute o fim (o que eacute

claramente um equiacutevoco como nos mostram todas as outras

fontes) mas tambeacutem que Aniacutebal Barca durante a Segunda

Guerra Puacutenica havia recrutado um general mercenaacuterio

espartano para a sua campanha contra os romanos

() Na verdade o quanto a ciecircncia militar foi uacutetil

aos Lacedemoacutenios nos seus combates e para omitir

outros eacute confirmado pelo exemplo de Xantipo que com

exeacutercitos jaacute anteriormente derrotados capturou e

venceu Atiacutelio Reacutegulo e o exeacutercito romano muitas vezes

vencedor ao levar auxiacutelio aos Cartagineses natildeo soacute

pela coragem mas tambeacutem pela periacutecia triunfou num

uacutenico encontro e terminou toda a guerra E tambeacutem

Aniacutebal com a intenccedilatildeo de se dirigir para Itaacutelia

procurou um mestre de armas lacedemoacutenio com os

conselhos do qual destruiu tantos cocircnsules e legiotildees

sendo inferior em nuacutemero e em forccedilas428

A segunda informaccedilatildeo na passagem acima destacada (de

que haveria um conselheiro militar espartano a serviccedilo de

Aniacutebal Barca) pode ser com muito otimismo relacionada a

uma evidecircncia sobre um professor de grego (Soacutesilo) de

Aniacutebal em Corneacutelio Nepos429 Nenhuma outra fonte faz

referecircncia a mercenaacuterios espartanos em Cartago nessas

condiccedilotildees de serviccedilo (excetuando Xantipo) mas elas servem

para ilustrar ao lado das evidecircncias sobre o recrutamento

de homens de Esparta (ou simplesmente de ldquoeducaccedilatildeo

espartanardquo) como soldados ou oficiais de patente menor

(submetidos aos generais cartagineses) que essa era uma

praacutetica longe de absurda em cenaacuterio cartaginecircs mesmo que o

428 Vegeacutecio Compecircndio da Arte Militar Pref 3 Traduccedilatildeo inalterada de

Joatildeo Gouveia Monteiro e Joseacute Eduardo Braga (ediccedilatildeo em portuguecircs de

Portugal) 429 Corneacutelio Nepos Aniacutebal 133 [] atque hoc Sosylo Hannibal

litterarum Graecarum usus est doctore

188

caso mencionado por Vegeacutecio e Corneacutelio Nepote tenha sido

inventado ou unicamente produto de confusatildeo430

De volta agrave Primeira Guerra Puacutenica no momento seguinte

agrave derrota para Reacutegulo e ao fracasso das negociaccedilotildees de paz

(tenham elas sido lideradas por iniciativa dos cartagineses

ou pelo general romano) um dos oficiais de recrutamento

(ξενολόγος) que Cartago tinha previamente enviado agrave Greacutecia

retornava com um nuacutemero consideraacutevel de soldados entre

eles Xantipo de Esparta ldquoum homem que havia participado do

sistema de treinamento espartanordquo (ἄνδρα τς Λακωνικς ἀγωγς

μετεσχηκότα)431 Lazenby recorda que embora Diodoro se refira

a Xantipo como ldquoesparciatardquo (ὁ Σπαρτιάτης) a indicaccedilatildeo de

Poliacutebio (quase sempre mais preciso que Diodoro) sugere algo

mais proacuteximo dos μόθακες homens de famiacutelias pobres que eram

patrocinados por algueacutem mais rico e criado com seus

filhos432

Diante do que havia recentemente ocorrido aos

cartagineses Xantipo conclui ldquoapoacutes ter uma visatildeo ampla

dos recursos restantes dos cartagineses e de sua forccedila em

cavalaria e elefantesrdquo (συνθεωρήσας τάς τε λοιπὰς παρασκευὰς τν

Καρχηδονίων καὶ τὸ πλθος τν ἱππέων καὶ τν ἐλεφάντων παραυτίκα) que a

derrota para os romanos na Aacutefrica natildeo se devia aos romanos

mas aos proacuteprios cartagineses ldquopor meio da inexperiecircncia

de seus generaisrdquo (διὰ τὴν ἀπειρίαν τν ἡγουμένων) A conclusatildeo do

general mercenaacuterio teria sido em princiacutepio difundida

entre os seus amigos (τοὺς φίλους) mas logo chegado aos

430 Para o debate sobre a identificaccedilatildeo das referecircncias em Vegeacutecio e

Corneacutelio Nepote cf principalmente E L Wheeler The hoplomachoi

and Vegetius Spartan drillmasters Chiron 13 1-20 1983 P 16

John F Lazenby First Punic War The Spartan Army Warminster Aris amp

Phillips 1985 P 170 Daly p 88 431 Polib 132 De acordo com Diod 2316 Xantipo teria vindo da

Greacutecia com 50 ou 100 soldados ou mesmo sozinho dependendo da fonte

utilizada 432 Lazenby First Punic War pp 102-103 Numa versatildeo mais improvaacutevel

Oroacutesio 49 sugere que Xantipo seria ldquorei dos espartanosrdquo

(Lacedaemoniorum rex) Cf tambeacutem Giovanni Brizzi ldquoAmilcar e

Santippo storie di generalirdquo In Yann Le Bohec (org) La Premiegravere

Guerre Punique Lyon De Boccard 2001 pp 29-38

189

ouvidos dos liacutederes cartagineses que decidiram chamaacute-lo e

examinar a sua linha de raciociacutenio Apoacutes explicar como

Cartago poderia derrotar os romanos (ao inveacutes de assegurar

simplesmente a sua posiccedilatildeo) os generais cartagineses

ldquopersuadidosrdquo (πεισθέντες) ldquoconfiaram-lhe imediatamente as

suas forccedilasrdquo (ατῶ παραχρμα τὰς δυνάμεις ἐνεχείρισαν) Embora a

decisatildeo dos generais tenha gerado alguma reaccedilatildeo violenta

por parte da populaccedilatildeo quando Xantipo liderou o exeacutercito

para fora da cidade em ordem (ἐξαγαγὼν πρὸ τς πόλεως τὴν δύναμιν ἐν

κόσμῳ) e ali comeccedilou a ldquomanobrar algumas partes dele

corretamenterdquo (κινεῖν τν μερν ἐν τάξει) ldquodando comandos de

acordo com os costumesrdquo (παραγγέλλειν κατὰ νόμους)433 o que

havia sido feito pelos generais anteriores (cartagineses)

contrastou de tal maneira que os soldados tiveram seus

acircnimos revigorados sob o comando do general estrangeiro

Nessa situaccedilatildeo a empolgaccedilatildeo de Poliacutebio ao falar da

competecircncia de um general grego eacute evidente434 mas haacute algo

mais relevante a ser observado Se Xantipo realizou as

manobras que Poliacutebio indica uma possibilidade eacute que tenha

existido um periacuteodo de treinamento (possivelmente de alguns

meses) sob o espartano A outra possibilidade eacute que o

exeacutercito jaacute tivesse conhecimento dos termos militares

usuais na arte da guerra grega possivelmente devido ao seu

passado de lutas na Siciacutelia mas que os generais fossem

incapazes de executaacute-los da forma correta de onde

sobressairia o que Poliacutebio acreditou ser a sua (dos

cartagineses) incompetecircncia ou imperiacutecia (ἀπειρία) nos

assuntos militares Se o exeacutercito cartaginecircs que lutou na

Aacutefrica contra Reacutegulo fosse composto somente por mercenaacuterios

gregos a segunda explicaccedilatildeo seria a mais plausiacutevel das

duas jaacute que natildeo temos referecircncias diretas nas fontes ao

433 Isto eacute em termos militares ortodoxos Ver questatildeo na Introduccedilatildeo 434 Goldsworthy Punic Wars p 88 Segundo o autor as accedilotildees de

Xantipo refletiriam em Poliacutebio a profunda admiraccedilatildeo helecircnica pelo

sistema militar espartano

190

treinamento das tropas por Xantipo Mas esse natildeo parece ter

sido o caso do exeacutercito em questatildeo Poliacutebio natildeo menciona

origens eacutetnicas das tropas que lutaram em Adys no primeiro

encontro com Reacutegulo (e que eram ao menos parcialmente as

mesmas sob Xantipo) tampouco o faz para a batalha de

Tuacutenis Em todo caso a ldquofalange dos cartaginesesrdquo (τὴν

φάλαγγα τν Καρχηδονίων) mencionada por Poliacutebio em Tuacutenis em

contraste com os seus mercenaacuterios (τν μισθοφόρων) deve ter

sido cartaginesa ou de aliados liacutebios submetidos ao que os

gregos chamavam de symmachia Aleacutem disso um exeacutercito

cartaginecircs na Aacutefrica devia contar como na maioria dos

casos com grande nuacutemero de soldados liacutebios os quais

desconheciam como regra geral para comeccedilar a liacutengua

grega Para dar os comandos ainda que isso natildeo seja

mencionado no provaacutevel treinamento das tropas Xantipo

teria lanccedilado matildeo como jaacute havia feito em ocasiotildees

anteriores de um ou mais inteacuterpretes (ἑρμηνεύς)435

Passado certo tempo entatildeo os cartagineses comeccedilaram a

marchar em territoacuterios nivelados (τν ὁμαλν τόπων) e a

montar acampamento em locais planos (ἐν τοῖς ἐπιπέδοις τν χωρίων)

ateacute conseguirem avistar o inimigo436

Acampados proacuteximos aos

romanos (a uma distacircncia aproximada de 1800 metros ou 10

estaacutedios gregos) os cartagineses aguardaram a deliberaccedilatildeo

do Senado Aqui emerge uma questatildeo central para a

compreensatildeo do papel que Xantipo teria desempenhado na

batalha encerrado o treinamento das tropas Segundo

Poliacutebio o clamor das tropas por Xantipo aliado aos

pedidos do proacuteprio general espartano fizeram com que os

cartagineses revestissem Xantipo de autoridade (τὴν ἐξουσίαν)

para a conduccedilatildeo da batalha Daiacute se conclui que antes da

batalha de Tuacutenis Xantipo natildeo estava no comando do exeacutercito

sendo responsaacutevel apenas pelo treinamento das tropas (como

435 Diod 2316 436 Polib 133

191

sugeri antes) Na batalha contudo se Xantipo natildeo liderou

o exeacutercito como uacutenico general (como sugere toda a histoacuteria

preacutevia da arte da guerra cartaginesa) ele o fez como

ldquogeneral de suporterdquo dos comandantes cartagineses (que

Poliacutebio natildeo menciona) conduzindo um total de 12000

soldados de infantaria 4000 cavaleiros e praticamente 100

elefantes437

Apoacutes treinar a infantaria cartaginesa Xantipo teve a

oportunidade de liderar o exeacutercito cartaginecircs em campo de

batalha Em Tuacutenis as taacuteticas que puseram fim agraves legiotildees de

Reacutegulo apresentavam uma semelhanccedila incontornaacutevel com

aquelas empregadas pelos generais heleniacutesticos apoacutes

Alexandre Esse eacute um indiacutecio que natildeo pode ser ignorado ao

lado do treinamento da infantaria cartaginesa Xantipo

parece ter transformado o exeacutercito cartaginecircs numa

autecircntica arma heleniacutestica o que seraacute de acordo com

Brizzi incorporado por Amiacutelcar Barca438

Em Tuacutenis Xantipo dispocircs a falange de cartagineses ao

centro com um corpo de mercenaacuterios agrave sua direita (o lado

mais desprotegido do corpo de infantaria devido agrave ausecircncia

do escudo ao lado direito do uacuteltimo homem) Tendo dividido

a cavalaria nas alas (ligeiramente mais adiantada que a

infantaria ao centro) o restante dos mercenaacuterios

(provavelmente dardeiros ou fundeiros) foi lotado ali para

desempenhar claro papel de forccedila de apoio agraves tropas

montadas Os elefantes por sua vez encontravam-se

dispostos agrave frente da linha principal ao centro em

ldquodistacircncia segurardquo da infantaria Do lado romano apesar da

437 Sobre a condiccedilatildeo de Xantipo na batalha de Tuacutenis cf principalmente

Lazenby First Punic War pp 103-106 Goldsworthy Punic Wars pp

89-90 Daly p 88 Para uma discussatildeo sobre a data da batalha cf

Walbank op cit p91 Sobre a possiacutevel reduccedilatildeo dos nuacutemeros do

exeacutercito cartaginecircs (dados por Polib 133) o que se justificaria no

uso da tradiccedilatildeo proacute-cartaginesa (especialmente Philinus) por Poliacutebio

para narrar a batalha cf Caven op cit p38 438 Brizzi op cit A sistematizaccedilatildeo das evidecircncias natildeo eacute feita da

mesma forma pelo uacuteltimo

192

expressatildeo vaga usada por Poliacutebio para definir o modo no

qual as legiotildees foram organizadas por Reacutegulo439 o

posicionamento dos velites agrave frente da infantaria

(apostando no efeito que os dardos teriam nos paquidermes)

e a profundidade das unidades manipulares (algo incomum a

menos que fosse necessaacuterio dar maior coesatildeo e portanto

confianccedila aos homens nas linhas de frente) indicam que o

general romano estava preocupado com o impacto -

principalmente psicoloacutegico - que os elefantes teriam em

seus soldados440

Em primeiro lugar Xantipo ordenou que os elefantes

avanccedilassem contra os romanos ao centro e que a cavalaria em

ambas as alas fizesse um movimento em torno da infantaria

para atacaacute-la pelos flancos e retaguarda (apoacutes vencer a

cavalaria inimiga eacute claro) Os romanos em contrapartida

seguindo seus costumes comeccedilaram a bater as armas contra

seus escudos emitindo seu grito de guerra enquanto

avanccedilavam A cavalaria romana muito inferior em nuacutemero

logo bateu em retirada sem oferecer muita resistecircncia agrave

ofensiva inimiga A ala esquerda dos romanos normalmente

composta por aliados avanccedilou com sucesso contra os

mercenaacuterios dispostos agrave direita do exeacutercito cartaginecircs e

pondo-os em fuga perseguiram os vencidos ateacute o

acampamento A porccedilatildeo central da legiatildeo a qual estava de

frente para os elefantes inicialmente resistiu mas logo

cedeu ao avanccedilo dos paquidermes e toda a formaccedilatildeo foi

rompida no momento em que os cavaleiros cercaram os romanos

pelos lados e pela retaguarda Os que foram capazes de

passar pelos elefantes sem serem pisoteados por eles

acabaram por se deparar com a ldquofalange cartaginesardquo (ateacute

439 Polib 133 ldquo[] muitos maniacutepulos em profundidade []rdquo (πολλὰς ἐπἀλλήλαις [] σημείας) 440 Lazenby First Punic War pp 104-105 sugere uma organizaccedilatildeo em

seis linhas ao inveacutes das trecircs linhas tradicionais (hastati

principes triarii) Goldsworthy Punic Wars p 89 sugere as trecircs

linhas tradicionais com um nuacutemero maior de linhas

193

entatildeo intacta) disposta atraacutes dos animais em boa ordem

(συντεταγμένην [] τὴν τν Καρχηδονίων φάλαγγα)441 Quanto agraves

baixas Poliacutebio registrou somente 800 homens entre os

mercenaacuterios cartagineses (particularmente aqueles que

haviam enfrentado a ala esquerda romana) sem mencionar o

restante do exeacutercito Do lado romano excetuando os 2000

soldados que perseguiram os mercenaacuterios cartagineses em

fuga e alguns homens que escaparam com Reacutegulo todos

pereceram em batalha

Sob Xantipo os paquidermes passaram a ser empregados

como entre os generais heleniacutesticos Poliacutebio relata que

Xantipo antes de analisar os recursos logiacutesticos de

Cartago e portanto de ser nomeado general dos

cartagineses por tempo limitado tomou conhecimento do que

havia recentemente ocorrido e da maneira como havia

ocorrido442

Certamente o historiador estava se referindo agrave

derrota para Reacutegulo e ao fracasso em Acragas na Siciacutelia

evento que teria segundo Poliacutebio transformado a

estrateacutegia romana na guerra De Acragas para Tuacutenis

passando pelo fracasso no uso dos cavaleiros e elefantes em

Adys quando os trecircs generais cartagineses decidiram

enfrentar os romanos antes que esses prosseguissem com a

pilhagem de seu territoacuterio notamos uma mudanccedila notaacutevel no

emprego das tropas de Cartago tanto em seu treinamento (no

caso da infantaria) quanto em sua aplicaccedilatildeo (no caso dos

cavaleiros e elefantes) em campo de batalha

441 Polib 134 Narraccedilatildeo coincidente embora menos detalhada pode ser

encontrada tambeacutem em Zonaras 1113 Diod 2314 apresenta um relato

fantasioso acerca da batalha com Xantipo tendo que empurrar os

desistentes contra os romanos numa demonstraccedilatildeo de coragem e vigor 442 Polib 132 ldquo[] ao ouvir da reviravolta recente e da maneira

pela qual havia ocorrido []rdquo (ὃς διακούσας τὸ γεγονὸς ἐλάττωμα καὶ πς καὶ τίνι τρόπῳ γέγονεν)

194

CONCLUSAtildeO

Nesta tese atenccedilatildeo especial foi dirigida agrave histoacuteria da

Siciacutelia e de Cartago nos primoacuterdios do periacuteodo heleniacutestico

na expectativa de contribuir assim para o abandono da

ideia de um mundo mediterracircnico ocidental formado agrave sombra

da expansatildeo romana Interessou-me primeiramente o impacto

poliacutetico-militar da imitatio Alexandri no ocidente

heleniacutestico sob Agaacutetocles e Pirro da mesma forma que a

reaccedilatildeo dos cartagineses frente agraves duas invasotildees africanas

ocorridas respectivamente entre 310-307 aC e 256-255

aC mais do que propriamente como os romanos subjugaram

Cartago num processo iniciado com a questatildeo dos mamertinos

na porccedilatildeo nordeste da Siciacutelia A partir da anaacutelise

detalhada das liccedilotildees militares aprendidas pelos

cartagineses no periacuteodo heleniacutestico preacute-Baacutercida tornou-se

possiacutevel a compreensatildeo da atuaccedilatildeo social dos mercenaacuterios

cujo fluxo natildeo se encerrou ao menos ateacute a destruiccedilatildeo de

Cartago pelos romanos

Durante a fase inicial da Primeira Guerra Puacutenica

precisamente no ano de 255 aC o exeacutercito cartaginecircs

sofreu modificaccedilotildees sensiacuteveis no campo taacutetico e em seu

treinamento de maneira a transformar as forccedilas de Cartago

em verdadeiras armas heleniacutesticas Mas essa transformaccedilatildeo

natildeo se iniciou contrariando o que sugere Brizzi com

Xantipo443 Taticamente o exeacutercito cartaginecircs se modificou

em 255 aC mas a composiccedilatildeo de uma tradiccedilatildeo no uso de

comandantes mercenaacuterios parece ter sido anterior

443 Natildeo se trata aqui de desmerecer as hipoacuteteses de Giovanni Brizzi

(op cit) pelo contraacuterio a partir do que foi por ele proposto para

o periacuteodo Baacutercida eacute que pude montar uma explicaccedilatildeo original acerca das

inovaccedilotildees militares anteriores a Amiacutelcar a Aniacutebal Barca e que

acredito ser mais coerente tendo recuado propositalmente no tempo da

anaacutelise de maneira a ilustrar igualmente a relevacircncia das inovaccedilotildees

militares ocorridas durante a expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles

195

remontando a outras inovaccedilotildees militares importantes durante

a expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles

De fato o siracusano pensou a invasatildeo africana como

inversatildeo da estrateacutegia vigente no conflito contra os

cartagineses levando a guerra para o territoacuterio inimigo

quando o mesmo encontrava-se em grande vantagem na Siciacutelia

nesse caso ao assediar os portos de Siracusa Confiante no

apoio que obteria dos liacutebios e na falta de espiacuterito

combativo dos cartagineses (se comparada agrave experiecircncia de

seus mercenaacuterios) Agaacutetocles provocou uma situaccedilatildeo

calamitosa nos arredores de Cartago e na proacutepria cidade

que apoacutes seacuterias derrotas para o siracusano e perda

consideraacutevel dos territoacuterios aliados ou previamente

submetidos decidiu tomar atitudes draacutesticas Quando um

plano completamente inovador (para os padrotildees cartagineses)

havia sido estabelecido o Senado se decidiu pelo

direcionamento da guerra de uma maneira pouco condizente

com o estatuto e a experiecircncia militar (quando havia) dos

homens que compunham o conselho A divisatildeo logisticamente

correta do exeacutercito em trecircs forccedilas de 10000 homens

organizadas com funccedilotildees especiacuteficas de correccedilatildeo dos erros

que ateacute entatildeo os comandantes cartagineses haviam cometido

sugere um aconselhamento externo possivelmente de um

(grupo) de mercenaacuterios natildeo mencionados pelas fontes

A invasatildeo africana por Agaacutetocles ainda que tenha

fracassado natildeo foi algo impensado ou sem motivaccedilotildees

poliacuteticas mais profundas Quando Agaacutetocles se declarou rei

ldquoem imitaccedilatildeo aos Diaacutedocosrdquo considerando-se equivalente a

eles em ldquopoder territoacuterios e feitosrdquo ele fecirc-lo com um

tiacutetulo propositalmente vago A ausecircncia de um viacutenculo a um

povo ou uma cidade transforma-se portanto num convite agrave

conquista444

donde a expediccedilatildeo africana foi pensada como

concretizaccedilatildeo desse projeto Que a monarquia de Agaacutetocles

444 Gruen op cit

196

possuiacutea uma natureza ldquoheleniacutesticardquo parece claro a partir da

sistematizaccedilatildeo das evidecircncias disponiacuteveis445 mas a quem ela

se dirigia mostrou-se uma questatildeo a ser respondida

Levando-se em conta uma das principais razotildees pelas quais

Agaacutetocles decidiu conduzir uma guerra na Aacutefrica (o

esfriamento do ardor combativo dos cartagineses contra a

experiecircncia militar dos homens ldquotreinados na escola do

perigordquo) mesmo diante da presenccedila inimiga agraves portas de

Siracusa tornou-se plausiacutevel sugerir ao combinar esse

fator com a formalidade de seu poder em Siracusa e os

eventos subsequumlentes agrave sua expediccedilatildeo em territoacuterio

cartaginecircs que a sua monarquia autoproclamada dirigia-se

aos seus homens Daiacute desdobra-se ainda o fato de a sua

imitatio Alexandri natildeo ter se restringido ao campo

poliacutetico com grandes chances de ter se estendido tambeacutem agrave

esfera militar nesse caso mediante a organizaccedilatildeo de um

corpo de elite em imitaccedilatildeo aos hipaspistas de Alexandre

Apoacutes Agaacutetocles com os mamertinos instalados na porccedilatildeo

nordeste da Siciacutelia e com Siracusa carente de um liacuteder que

comandasse os esforccedilos militares contra a ofensiva

cartaginesa espaccedilo foi aberto para Pirro do Epiro receacutem-

chegado na Peniacutensula Itaacutelica a pedido dos tarentinos A

reputaccedilatildeo de Pirro encontrava-se inabalada apoacutes as suas

duas vitoacuterias contra os romanos de maneira que os

siracusanos se decidiram pela sua convocaccedilatildeo como hegemon

dos gregos (contra os ldquobaacuterbarosrdquo) Tendo concordado

prontamente Pirro se mostrou capaz de fazer recuar os

cartagineses mas a tentativa de instauraccedilatildeo de uma

monarquia de tipo heleniacutestico entre os gregos da Siciacutelia

instigou um sentimento de hostilidade quanto agrave sua

presenccedila No final de sua expediccedilatildeo italiana tendo ainda

445 Ver Zambon Hellenistic Sicily e Cap3

197

travado mais uma batalha na Peniacutensula446

Pirro terminaria

por dar uma grande contribuiccedilatildeo agrave arte da guerra no

ocidente heleniacutestico deixando a ilha com o problema

mamertino pendente

Passados 10 anos da expediccedilatildeo epirota na Itaacutelia um

confronto entre os dois grandes poderes em expansatildeo do

mundo mediterracircnico ocidental ocorreraacute tendo como motor a

presenccedila mamertina na Siciacutelia A Primeira Guerra Puacutenica

como ficou conhecida pela historiografia acabou por ser um

conflito longo e basicamente travado no mar mas com um

periacuteodo crucial na Aacutefrica durante o qual os romanos

decidiram em possiacutevel imitaccedilatildeo ao que havia feito

Agaacutetocles cerca de 50 anos antes transportar a guerra para

o territoacuterio inimigo Ao analisar as evidecircncias disponiacuteveis

(particularmente Polib 129) conclui-se que os romanos

natildeo estavam planejando unicamente um desembarque seguro

apoacutes importante vitoacuteria naval mas que eles esperavam

permanecer na Aacutefrica ao menos ateacute obterem a submissatildeo de

Cartago Os cartagineses por outro lado embora tenham

sido infelizes em seus primeiros esforccedilos (a reproduccedilatildeo de

uma das medidas tomadas contra Agaacutetocles isto eacute ir de

encontro ao inimigo para impedir a desistecircncia dos aliados

por pressatildeo militar adversaacuteria direta) aceitaram os

conselhos propostos por um dos mercenaacuterios que os seus

recrutadores haviam trazido do Peloponeso Os conselhos de

Xantipo podem ter sido algo inesperado sem duacutevida mas o

interesse por parte dos cartagineses em ouvir o que esse

general submetido ao treinamento espartano e com grande

experiecircncia militar tinha a dizer era algo com precedentes

indiretos provaacuteveis

446 Beneventum em 275 aC Dessa vez os resultados parecem ter sido

realmente inconclusivos o que se deveu em boa medida agrave desistecircncia

por parte dos italiotas que a essa altura haviam debandado para o

lado romano

198

A reforma liderada por Xantipo por fim teve

repercussotildees interessantes Em primeiro lugar uma reforma

quanto ao treinamento das tropas parece ter ocorrido Se as

tropas cartaginesas agrave eacutepoca da expediccedilatildeo africana de Reacutegulo

fossem compostas unicamente por gregos poder-se-ia

argumentar a favor de uma incompetecircncia dos generais

cartagineses ao manobrar as seccedilotildees do exeacutercito O que se

observa contudo aleacutem dessa ἀπειρία eacute a sua incontornaacutevel

composiccedilatildeo africana (cartaginesa ou liacutebia) indiacutecio para a

ocorrecircncia do treinamento da infantaria sob Xantipo antes

da reforma taacutetica em Tuacutenis447

Com a infantaria treinada Cartago decidiu pelo

confronto decisivo com os romanos tendo revestido Xantipo

de autoridade (τὴν ἐξουσίαν) temporaacuteria talvez como ldquogeneral

de suporterdquo aos comandantes cartagineses Na batalha de

Tuacutenis as manobras de cavalaria e o uso dos elefantes

propiciaram como argumentei ao longo do Cap4 a

observaccedilatildeo do momento decisivo na transformaccedilatildeo do exeacutercito

cartaginecircs numa verdadeira arma heleniacutestica algo sem

equivalecircncia nas batalhas anteriores mesmo naquelas que

sucederam a presenccedila de Pirro na Magna Greacutecia e na Siciacutelia

O exeacutercito cartaginecircs havia sido modificado por fim a

partir de inovaccedilotildees militares em momentos de invasatildeo do

territoacuterio africano por inimigos estrangeiros tanto em

niacutevel estrateacutegico quanto em niacutevel taacutetico (treinamento e

aplicaccedilatildeo em campo de batalha)

447 O exeacutercito cartaginecircs apoacutes o treinamento dado por Xantipo teria

comeccedilado a marchar em territoacuterios nivelados e a acampar em locais

planos como pode ser encontrado em Polib 133 Ver Cap 4

199

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ANEXOS

ANEXO 1 ndash UMA CRONOLOGIA DO MUNDO HELENIacuteSTICO

323-241 AC

323 ndash Morte de Alexandre o Grande Perdicas distribui as

satrapias Nascimento de Alexandre IV filho de Roxana

Guerra Lamiana (revolta dos gregos)

322 ndash Submissatildeo de Atenas morte de Aristoacuteteles Invasatildeo da

Capadoacutecia por Perdicas Ptolomeu se estabelece no Egito

Ophellas em Cirene

321 - Campanha de Antiacutepatro e Cratero contra os etoacutelios

Perdicas invade a Pisiacutedia

320 ndash Antiacutepatro feito regente Filipe Arrideu Roxana e

Alexandre IV em custoacutedia Invasatildeo da Aacutesia por Antiacutepatro e

Crateros Eumenes derrota Crateros Seleuco adentra a

Babilocircnia Derrota de Perdicas no Egito

319 ndash Morte de Antiacutepatro Polipercon feito regente

Ptolomeu conquista a Palestina Agaacutetocles ascende ao poder

em Siracusa

318 ndash Polipercon declara a liberdade dos gregos Eumenes

sai da Capadoacutecia para a Ciliacutecia Eudamos extermina Poro e

marcha para o oeste

317 ndash Campanhas de Polipercon na Greacutecia Invasatildeo da Siacuteria

por Eumenes Invasatildeo da Paacutertia por Eudamos e outros

saacutetrapas Invasatildeo da Siacuteria por Antiacutegono fuga de Eumenes

para a Babilocircnia

316 ndash Derrota de Polipercon para Cassandro Eumenes se

junta a Eudamos Batalha de Paraitacene

315 ndash Lisiacutemaco combate Antiacutegono Antiacutegono derrota Eumenes

em Gabene Morte de Eumenes Eudamos e Peiton Antiacutegono daacute

nova ordem agraves satrapias orientais Alianccedila formada contra

Antiacutegono Agaacutetocles eleito strategos autocrator ()

213

314 ndash Antiacutegono se recusa a se entregar

313 ndash Antiacutegono conquista Tiro

312 - Ptolomeu suprime revolta em Cirene e derrota Demeacutetrio

em Gaza

311 ndash Derrota de Agaacutetocles na Siciacutelia bloqueio do porto de

Siracusa Antiacutegono expulsa Seleuco da Feniacutecia Paz entre

Antiacutegono Cassandro Ptolomeu e Lisiacutemaco

310 ndash Iniacutecio da expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles Campanha

de Ptolomeu na Ciliacutecia contra Antiacutegono Anexaccedilatildeo de Cipro

309 ndash Alianccedila de Agaacutetocles com Ophellas Demeacutetrio abandona

a Babilocircnia

308 ndash Morte de Ophellas exeacutercito de Ophellas incorporado

por Agaacutetocles Antiacutegono expulso da Babilocircnia por Seleuco

307 ndash Agaacutetocles retorna a Siracusa Atenas tomada por

Demeacutetrio

306 ndash Antiacutegono e Demeacutetrio assumem o diadema Demeacutetrio

conquista Cipro Seleuco invade a Baacutectria

305 ndash Iniacutecio do cerco de Rodes Seleuco conquista a Baacutectria

304 ndash Seleuco Ptolomeu Lisiacutemaco e Cassandro assumem o

diadema Agaacutetocles se declara rei Seleuco fracassa em sua

campanha contra Chandragupta na Iacutendia

303 ndash Demeacutetrio conquista Corinto e boa parte do Pelponeso

campanhas de Agaacutetocles na Itaacutelia acordo entre Seleuco e

Chandragupta

302 ndash Cassandro e Lisiacutemaco contra Antiacutegono Seleuco e

Ptolomeu se juntam agrave alianccedila contra Antiacutegono

301 ndash Batalha de Ipso morte de Antiacutegono fuga de Demeacutetrio

300 ndash Demeacutetrio contra Lisiacutemaco Alianccedila entre Ptolomeu e

Lisiacutemaco

299 ndash Pirro enviado a Ptolomeu como refeacutem

298 ndash Demeacutetrio conquista a Ciliacutecia

297 ndash Morte de Cassandro Ptolomeu lanccedila Pirro como rei do

Epiro Lisiacutemaco toma posses de Demeacutetrio na Aacutesia Menor

296 ndash Lisiacutemaco Seleuco e Ptolomeu contra Demeacutetrio

214

295 ndash Seleuco toma Ciliacutecia Ptolomeu toma posses de

Demeacutetrio no Cipro Demeacutetrio recupera Atenas

294 ndash Demeacutetrio feito rei na Macedocircnia

293 ndash Demeacutetrio na Tessaacutelia

292 ndash Revolta de Tebas Antiacuteoco inicia governo na Baacutectria

291 ndash Demeacutetrio sufoca revolta em Tebas e ataca Pirro

289 ndash Morte de Agaacutetocles

288 ndash Guerra naval de Ptolomeu contra Demeacutetrio Lisiacutemaco e

Pirro provocam fuga de Demeacutetrio para o Peloponeso

287 ndash Revolta de Atenas Ptolomeu conquista Tiro

286 ndash Demeacutetrio perde Iocircnia e Liacutedia para Lisiacutemaco

285 ndash Demeacutetrio invade a Siacuteria submissatildeo de Demeacutetrio a

Seleuco

284 ndash Pirro derrotado por Lisiacutemaco na Macedocircnia

283 ndash Morte de Demeacutetrio e Ptolomeu Ascensatildeo de Ptolomeu II

282 ndash Tarentinos pedem ajuda a Pirro

281 ndash Ptolomeu Cerauno feito rei da Macedocircnia Seleuco

invade a Anatoacutelia elimina Lisiacutemaco e eacute morto por Ptolomeu

Cerauno na Traacutecia

280 ndash Iniacutecio da expediccedilatildeo italiana de Pirro vitoacuteria em

Heraclea derrota de Antiacutegono Gonatas (filho de Demeacutetrio)

para Ptolomeu Cerauno invasatildeo da Macedocircnia pelos celtas

fundaccedilatildeo da Liga Aqueacuteia

279 ndash Derrota dos romanos em Aacutesculo pedido de auxiacutelio de

Siracusa morte de Cerauno em batalha contra os celtas

Tratado entre romanos e cartagineses contra Pirro

278 ndash Iniacutecio da expediccedilatildeo siciliana de Pirro

277 ndash Pirro derrota os cartagineses na Siciacutelia Antiacutegono

Gonatas derrota os celtas celtas ocupam a Galaacutecia

276 ndash Pirro parte para Tarento Antiacutegono Gonatas

reconquista a Tessaacutelia

275 - Batalha inconclusiva de Benevento

264 ndash Iniacutecio da Primeira Guerra Puacutenica

260 ndash Batalha de Mylae

215

256 ndash Iniacutecio da expediccedilatildeo africana de Reacutegulo

255 ndash Recrutamento de Xantipo Batalha de Tuacutenis derrota de

Reacutegulo

247 ndash Amiacutelcar Barca nomeado general na Siciacutelia nascimento

de Aniacutebal Barca

241 ndash Fim da Primeira Guerra Puacutenica Cartago perde a

Siciacutelia para os romanos

216

ANEXO 2 FIGURAS

FIGURA 1

217

FIGURA 2

(a)

(b)

218

FIGURA 3

219

FIGURA 4

Livros Graacutetis( httpwwwlivrosgratiscombr )

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IN MEMORIAM PATRIS MEI (1938-2009)

iv

Haacute somente duas fontes das quais qualquer vantagem pode ser

retirada os nossos proacuteprios infortuacutenios e aqueles de

outros homens

Poliacutebio 135

v

RESUMO

A histoacuteria poliacutetica do mundo heleniacutestico natildeo era

formada unicamente por comandantes secircniores do exeacutercito de

Alexandre o Grande sob os Diaacutedocos contava-se uma seacuterie

de ex-oficiais de poder menor ou aventureiros que

desempenhavam funccedilotildees importantes em regiotildees controladas

pelos ex-generais do rei macedocircnico ou mesmo em territoacuterios

que natildeo haviam sido previamente subjugados Juntamente com

os Diaacutedocos tais comandantes de poder menor moldaram a

poliacutetica do mundo heleniacutestico e transformaram de maneira

relevante a sociedade na qual estavam inseridos

contribuindo para a formaccedilatildeo da imitatio Alexandri e de seu

impacto na arte da guerra do periacuteodo heleniacutestico Este era

o caso de Agaacutetocles de Siracusa e em seguida Pirro do

Epiro (com poder obviamente maior que o de Agaacutetocles) que

a despeito das diferenccedilas na esfera de poder e do viacutenculo

com Alexandre tiveram papel fundamental na concretizaccedilatildeo

das inovaccedilotildees poliacuteticas e militares no ocidente

heleniacutestico

Esta tese de doutorado apresenta duas hipoacuteteses em

primeiro lugar que a monarquia de Agaacutetocles era de

natureza ldquoheleniacutesticardquo e que essa ldquoinovaccedilatildeordquo poliacutetica se

dirigiu agraves suas tropas mercenaacuterias e natildeo agrave cidade de

Siracusa onde sua magistratura compulsoacuteria era uma simples

formalidade em segundo lugar que a expediccedilatildeo africana de

Agaacutetocles e a experiecircncia militar de Pirro na Magna Greacutecia

e na Siciacutelia provocaram inovaccedilotildees militares em Cartago

primeiramente em niacutevel estrateacutegico e em seguida jaacute na

invasatildeo africana liderada pelos romanos em niacutevel taacutetico

Tais inovaccedilotildees por fim teriam transformado o exeacutercito

cartaginecircs numa autecircntica arma heleniacutestica

vi

ABSTRACT

The political history of the Hellenistic world was not

composed only of the senior commanders of Alexander the

Great under the Diadochi both a number of his minor

officers and adventurers played important roles They were

active both in territories ruled by former generals of

Alexander and even in territories which had not been

subdued by the Macedonian King With the Diadochi such

commanders with minor power molded the politics of the

Hellenistic world and shaped their society thus

contributing to the imitatio Alexandri as well as to its

impact on the art of war in Hellenistic period This was

the case of Agathocles of Syracuse and after him Pyrrhos

of Epirus both fundamental to the concretization of

political and military innovations in the western

Hellenistic world despite their differences in power and

their connection with Alexander

This DPhil thesis presents two hypotheses First of

all Agathocles‟ monarchy was of ldquoHellenisticrdquo nature and

such political ldquoinnovationrdquo was proposed to his mercenary

troops instead of the city of Syracuse where his power was

a mere formality Secondly the African expedition led by

Agathocles and the military experience of Pyrrhos in Magna

Graecia and Sicily fomented military innovations in

Carthage These innovations were in the first place at

the logistical level and after that during the African

invasion led by the Romans at the tactical level Such

innovations in the end would have changed the

Carthaginian army into an authentic Hellenistic weapon

vii

AGRADECIMENTOS

Primeiramente os agradecimentos de ordem

institucional Ao Professor Vicente Dobroruka pela

confianccedila inabalaacutevel e por toda dedicaccedilatildeo Ao Professor

Erich Gruen pelo comprometimento com o trabalho de co-

orientaccedilatildeo realizado em agradaacuteveis reuniotildees ao longo do

meu estaacutegio em Berkeley Aos Professores Celso Fonseca

Maria Filomena Carmen Liacutecia e Anderson Vargas por todas

as criacuteticas conselhos e auxiacutelio com o aprimoramento da

pesquisa Aos funcionaacuterios do PPGHIS da UnB e agrave coordenaccedilatildeo

do Programa pela seriedade com que trataram as minhas

frequumlentes solicitaccedilotildees Ao Projeto de Estudos Judaico-

Heleniacutesticos por tudo que ele representa na academia

brasileira Aos financiadores da minha pesquisa

nomeadamente CNPq (bolsa de doutorado no paiacutes) e Capes

(bolsa de doutorado no paiacutes com estaacutegio no exterior) por

terem me dado suporte financeiro em todo o doutoramento

Aos funcionaacuterios colegas e amigos que tive o prazer de

conhecer na Fundaccedilatildeo Hardt em Genebra Aos funcionaacuterios e

colegas da Universidade da Califoacuternia Berkeley pela

receptividade e paciecircncia com o meu sotaque Aos

Professores Angelos Chaniotis Joe Manning Joatildeo Gouveia

Monteiro Delfim Leatildeo Barry Strauss e Gianluca

Tagliamonte pelos conselhos declaraccedilotildees e cartas de

recomendaccedilatildeo escritas

Por fim os agradecimentos pessoais Aos meus pais por

toda educaccedilatildeo que me deram Espero que eu tenha a essa

altura os deixado orgulhosos de alguma forma Agrave Carolina

my Bride to be por todo suporte emocional em momentos

difiacuteceis principalmente com o falecimento do meu pai Aos

meus amigos Neyller e Fabiacuteola que satildeo tambeacutem parte da

minha famiacutelia e ao meu afilhado Iacutecaro Aos outros amigos

colegas de profissatildeo ou das mais diversas origens luacutedicas

viii

SUMAacuteRIO

Agradecimentos vii

Abreviaturas xi

Lista de figuras xiv

Mapas xv

Introduccedilatildeo 17

Capiacutetulo 1 ndash Novas taacuteticas outra guerra as ldquoinovaccedilotildees

tebanasrdquo e o exeacutercito reformado de Filipe II e Alexandre 27

1 Epaminondas e o princiacutepio da batalha de Leuctra 29

2 ldquoNegoacutecios de famiacuteliardquo como Filipe e Alexandre

transformaram a guerra grega 38

21 A infantaria macedocircnica 38

211 Hipaspistai pezetairoi e asthetairoi 40

212 Taxis syntagma lochos e uso da sarissa 44

22 A ldquoCavalaria dos Companheirosrdquo 48

Capiacutetulo 2 ndash Os desenvolvimentos da guerra heleniacutestica no

tempo dos Diaacutedocos 53

1 Guerra como ofiacutecio as condiccedilotildees de serviccedilo e os tipos

de mercenaacuterio 53

11 Mercenariato profissionalizaccedilatildeo e crise econocircmica

53

12 Mercenariato basileia e doriktetos chora 60

2 Os exeacutercitos dos Diaacutedocos 64

21 Macedocircnios xenoi misthophoroi e pantodapoi 66

22 Os elefantes de combate 70

3 As Guerras dos Diaacutedocos 75

31 Eumenes versus Craacutetero 75

ix

32 Antiacutegono versus Eumenes 77

33 Antiacutegono versus Ptolomeu Seleuco Cassandro e

Lisiacutemaco 86

Capiacutetulo 3 ndash Poder monaacuterquico e arte da guerra na Magna

Greacutecia e na Siciacutelia heleniacutestica 89

1 Agaacutetocles e a introduccedilatildeo da basileia heleniacutestica 89

2 O embate pela preservaccedilatildeo da unificaccedilatildeo poliacutetica da

morte de Agaacutetocles a Pirro do Epiro 101

3 Pirro e o problema da monarquia heleniacutestica 105

4 Agaacutetocles Pirro e a imitatio Alexandri em campo de

batalha 111

41 A expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles 111

411 O exeacutercito de Agaacutetocles 115

412 Agaacutetocles general como Alexandre 117

42 A expediccedilatildeo de Pirro do Epiro 123

421 O exeacutercito de Pirro 125

422 O exeacutercito republicano romano 127

423 A batalha de Heracleia (280 aC) 132

424 A batalha de Aacutesculo (279 aC) 137

Capiacutetulo 4 ndash As duas fases das inovaccedilotildees militares em

Cartago 141

1 ldquoNenhum tirano destruiraacute nossa cidaderdquo controle

oligaacuterquico e fracasso da tirania em Cartago 310-255

aC 141

2 O exeacutercito cartaginecircs 155

3 As primeiras inovaccedilotildees militares em Cartago

heleniacutestica ou a transformaccedilatildeo logiacutestica frente agrave ameaccedila

grega 310-307 aC 161

x

4 As uacuteltimas inovaccedilotildees militares em Cartago no periacuteodo

preacute-Baacutercida ou a transformaccedilatildeo taacutetica frente agrave ameaccedila

romana 255 aC 168

41 A Primeira Guerra Puacutenica 264-241 aC 168

411 A particularidade da primeira guerra cartaginesa

contra os romanos 168

412 ldquoComo Aacutegatocles noacutes romanos devemos invadir a

Aacutefricardquo o princiacutepio estrateacutegico da expediccedilatildeo africana

de Reacutegulo 256-255 aC 182

413 Xantipo e a adoccedilatildeo do princiacutepio taacutetico

heleniacutestico 255 aC 187

Conclusatildeo 194

Bibliografia 199

Anexos 212

Anexo 1 ndash Uma cronologia do mundo heleniacutestico 323-241

aC 212

Anexo 2 Figuras 216

xi

ABREVIATURAS

AALG ndash MILNS Robert ldquoThe Army of Alexander the Greatrdquo in

REVERDIN Oliver Entretiens sur l‟Antiquiteacute Classique

Alexandre le Grand image et realiteacute Vandoeuvres-Genegraveve

Fondation Hardt 1976 pp87-136

AHR - The American Historical Review

AJA - American Journal of Archaeology

ALG1 - TARN William W Alexander the Great Cambridge

Cambridge University Press 1950 2 vols Vol1

ALG2 ndash TARN William W Alexander the Great Cambridge

Cambridge University Press 1950 2 vols Vol1

Apiano ndash Apiano Guerras Estrangeiras

Arist Pol ndash Aristoacuteteles Poliacutetica

Arr Anab ndash Arriano Anaacutebasis de Alexandre Magno

Austin AUSTIN Michel The Hellenistic World from Alexander

to the Roman Conquest A Selection of Ancient Sources in

Translation Cambridge MA Cambridge University Press

2008

CA ndash Classical Antiquity

Chaniotis WHW CHANIOTIS Angelos War in the Hellenistic

World Malden Oxford Blackwell 2005

Consolo Langher - Sebastiana Consolo Langher Agathocle Da

capoparte a monarca fondatore di un regno tra Cartgagine

e i Diadochi Messina Pelorias 2000

CQ ndash Classical Quarterly

Cuacutercio ndash Quinto Cuacutercio Histoacuteria de Alexandre Magno

Daly ndash DALY Gregory Cannae the experience of battle in

the Second Punic War London New York Routledge 2002

Diod ndash Diodoro Biblioteca Histoacuterica

Caacutessio Dio ndash Caacutessio Dio Histoacuteria Romana

Dioniacutesio ndash Dioniacutesio Antiguidades Romanas

Estrabatildeo ndash Estrabatildeo Geografia

Eutroacutepio ndash Eutroacutepio Breviaacuterio de Histoacuteria Romana

xii

Frontino Frontino Estratagemas

Goldsworthy Punic Wars ndash GOLDSWORTHY PUNIC WARS Adrian

The Punic Wars London Cassell 2000

GRBS - Greek Roman and Byzantine Studies

Griffith GRIFFITH Guy T The Mercenaries of the

Hellenistic World Chicago Ares 1935

Hdt ndash Heroacutedoto Histoacuterias

Isoc Pan Isoacutecrates Panegiacuterico

Isoc Isoacutecrates Da Paz

JHS ndash Journal of Hellenic Studies

JNG - Jahrbuch fuumlr Numismatik und Geldgeschichte

Justino ndash Justino Epiacutetome da Histoacuteria Filiacutepica de Pompeius

Trogus

Lazenby First Punic War ndash LAZENBY FIRST PUNIC WAR John

Francis The First Punic War a military history London

UCL Press 1996

Leacutevecircque Pirro - LEacuteVEcircQUE Pierre Pyrrhos Paris E de

Boccard 1957

LSJ ndash Liddell-Scott-Jones Greek-English Lexicon

Meister CAH 7 ndash MEISTER K Agathocles WALBANK FW

ASTIN AE The Cambridge Ancient History Vol 7 (1)

Cambridge University Press 1984 PP384-411

Miles ndash MILES Richard Carthage Must be Destroyed The

Rise and Fall of an Ancient Mediterranean Civilization

London Allen Lane 2010

Oroacutesio ndash Oroacutesio Histoacuteria contra os pagatildeos

Parke PARKE Howard W Greek Mercenaries Soldiers

Chicago Ares 1933

Plut Ages ndash Plutarco Vida de Agesilau

Plut Alex ndash Plutarco Vida de Alexandre

Plut Dem ndash Plutarco Vida de Demeacutetrio

Plut Eumenes ndash Plutarco Vida de Eumenes

Plut Pelop ndash Plutarco Vida de Peloacutepidas

Plut Tim ndash Plutarco Vida de Timoleatildeo

xiii

Polib ndash Poliacutebio Histoacuterias

Polieno ndash Polieno Estratagemas

Pliacutenio ndash Pliacutenio Histoacuteria Natural

Sil Pun ndash Siacutelio Itaacutelico Puacutenica

Tito Liacutevio ndash Tito Liacutevio A Histoacuteria de Roma (AB VRBE

CONDITA LIBRI)

TLG ndash Thesaurus Linguae Graecae

Tucid ndash Tuciacutedides Histoacuteria da Guerra do Peloponeso

Xen Hel ndash Xenofonte Helecircnica

Zambon Hellenistic Sicily - ZAMBON Efrem Tradition and

Innovation Sicily between Hellenism and Rome Stuttgart

Fraz Steiner Verlag 2008

Zonaras - Zonaras Epitome historiarum

xiv

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Estatueta de Alexandre o Grande Origem

Herculaneum (regiatildeo da Campacircnia) 330-320 aC In Andrew

Stewart Faces of Power Alexander‟s Image and Hellenistic

Politics Berkeley and Los Angeles University of

California Press 1993

Figura 2 (a) Tetradracma de prata de Ptolomeu I Soter do

Egito (315-305 aC) Previamente no mercado suiacuteccedilo (b)

Estater de ouro de Agaacutetocles de Siracusa (310-305 aC)

Vienna In Stewart op cit

Figura 3 Vista panoracircmica de Cartago reconstruccedilatildeo feita

pelo Museacutee Nacional Cartago In Richard Miles Carthage

Must be Destroyed the Rise and Fall of an Ancient

Civilization London Allen Lane 2010 P175

Figura 4 Batalha de Tuacutenis (255 aC) In Yann Le Bohec

Histoire militaire des guerres puniques Monaco Editions

du Rocher 1996 P90

xv

MAPAS

Siciacutelia agrave eacutepoca da Primeira Guerra Puacutenica In Nigel Bagnall The

Punic Wars Rome Carthage and the Struggle for the Mediterranean

London Hutchinson 1990 P 50

xvi

Mediterracircneo ocidental no iniacutecio da Segunda Guerra Puacutenica Note a

expansatildeo africana e hispacircnica dos cartagineses apoacutes a Primeira Guerra

Puacutenica e a hegemonia romana na Siciacutelia dois dos grandes resultados da

Primeira Guerra Puacutenica In Gregory Daly Cannae the experience of

battle in the Second Punic War London and New York Routledge 2002

P7

17

INTRODUCcedilAtildeO

Apoacutes a morte de Alexandre o Grande os seus generais

rapidamente trataram de dividir os territoacuterios imperiais na

Europa na Aacutesia e no Egito de maneira a produzir uma

configuraccedilatildeo poliacutetica completamente ineacutedita ao mundo

antigo Dois princiacutepios baacutesicos regeram a ascensatildeo dos

novos monarcas e a construccedilatildeo de suas dinastias a

apropriaccedilatildeo da imagem puacuteblica de Alexandre (imitatio

Alexandri) e o ldquodireito da lanccedilardquo ou doriktetos chora

Portanto para se tornar um reclamante digno dos

territoacuterios imperiais era preciso em primeiro lugar se

igualar a Alexandre em feitos copiando as suas realizaccedilotildees

militares (postura ofensiva taacuteticas movimentos e

velocidade) e ateacute a sua ligaccedilatildeo com as divindades o que

poderia ser sugerido em variadas oportunidades a exemplo

da cunhagem poacutestuma de moedas com a iconografia do monarca

Em segundo lugar como consequumlecircncia oacutebvia da imitatio

tornava-se necessaacuterio conquistar territoacuterios pela forccedila das

armas o que natildeo restringia o rei a apenas uma regiatildeo ou

povo mas o instigava a governar o que fosse capaz de

subjugar em campanhas militares Como observou Gruen o

fato de os reis heleniacutesticos natildeo portarem ldquotiacutetulos

eacutetnicosrdquo a exemplo de ldquorei dos macedocircniosrdquo indicava que

eles haviam se tornado reis do que pudessem conquistar1

Chaniotis WHW em seu recente livro sobre a guerra no

mundo heleniacutestico completa a interpretaccedilatildeo de Gruen ao

afirmar que ldquoesta vagueza era um convite agrave conquistardquo2

Torna-se evidente portanto que a guerra era parte

fundamental da ideologia do rei heleniacutestico caracterizando

1 Erich Gruen ldquoThe Coronation of the Diadochoirdquo In J W Eadie and

Josiah Ober The Craft of the ancient historian essays in honor of

Chester G Starr Lanham MD University Press of America 1985 pp

253-271 2 Chaniotis WHW p57

18

natildeo somente suas funccedilotildees como general mas tambeacutem boa parte

de suas accedilotildees como poliacutetico

O cenaacuterio heleniacutestico em seus primoacuterdios natildeo era

contudo formado somente pelos comandantes secircniores do

exeacutercito de Alexandre ao lado dos Diaacutedocos contava-se uma

lista de ex-oficiais de poder menor e de ldquoaventureirosrdquo sem

qualquer ligaccedilatildeo direta com o rei macedocircnio mas que de

algum modo procuravam se inserir no cenaacuterio poliacutetico

heleniacutestico Este era o caso de Agaacutetocles de Siracusa

responsaacutevel por uma tentativa de introduccedilatildeo planejada da

monarquia de tipo heleniacutestico na Siciacutelia grega Como

veremos ao longo desta tese Agaacutetocles natildeo deve ser

considerado um tirano como seus antecessores siciliotas

ainda que mantivesse algumas das caracteriacutesticas poliacuteticas

tradicionais uma vez que as inovaccedilotildees por ele inicialmente

conduzidas durante a expediccedilatildeo africana podem ser cotadas

como verdadeiramente ldquoheleniacutesticasrdquo3

Diante de uma tentativa de encerramento da guerra pelos

cartagineses com o bloqueio dos portos de Siracusa e do

cerco agrave cidade Agaacutetocles liderou uma expediccedilatildeo inesperada

ao territoacuterio africano o que foi baseado de acordo com

Diodoro no perfeito conhecimento da situaccedilatildeo cartaginesa

na Aacutefrica4 De modo geral o siracusano pretendia inverter

a grande estrateacutegia da guerra e assolar o territoacuterio

inimigo decisatildeo estrategicamente ousada mas baseada na

dificuldade que Cartago teria para mobilizar ndash ou

simplesmente liderar ndash um exeacutercito capaz de derrotar homens

ldquotreinados na escola do perigordquo (πὸ τν ἐνηθληκότων τοῖς

δεινοῖς)5 Durante a batalha de Tuacutenis em 310 aC Agaacutetocles

parece ter organizado uma guarda pessoal em imitaccedilatildeo aos

hipaspistas de Alexandre da mesma forma que utilizado

taacuteticas muito similares agravequelas adotadas pelo rei macedocircnio

3 A melhor abordagem para o assunto eacute Zambon Hellenistic Sicily 4 Diod 201-18 5 Diod 203

19

em Gaugamela em 331 aC Alguns anos depois encontramos

evidecircncia de Agaacutetocles representado como Alexandre na

iconografia de um estater de ouro cunhado entre 310-305

aC em imitaccedilatildeo aos tetradracmas de Ptolomeu I (314-313

aC) o qual fazia referecircncia agrave vitoacuteria obtida pelo

siracusano em Tuacutenis Em 307 aC proacuteximo agrave cunhagem do

referido estater registra-se a contenccedilatildeo de uma revolta do

exeacutercito mercenaacuterio devido agrave falta de pagamento ocasiatildeo em

que Agaacutetocles surgiu com toga puacuterpura (siacutembolo do poder

reacutegio) sendo as suas vestimentas consideradas pelas tropas

como ldquoadequadas ou pertencentes ao seu poderrdquo (τὸν προσήκοντα

κόσμον)6 Tais evidecircncias ilustram como sistematicamente

apresentado no capiacutetulo 3 a construccedilatildeo de uma monarquia

que teraacute logo apoacutes a autoproclamaccedilatildeo dos Diaacutedocos

caracteriacutesticas tipicamente heleniacutesticas natildeo se adequando

mais agraves exigecircncias ou agrave estrutura organizacional de uma

poacutelis Sob Agaacutetocles de Siracusa e depois sob Pirro do

Epiro as vitoacuterias de Alexandre no Oriente (assim como a

longa rivalidade entre gregos e persas a qual foi tomada

pelos macedocircnios como justificativa para a invasatildeo do

Impeacuterio Persa) ganharatildeo vida nova no conflito entre

Siracusa e Cartago7 A histoacuteria siciliana constituiacutea algo

peculiar natildeo sendo um apecircndice da histoacuteria grega

continental como observou Finley8 mas o sentimento grego

de hostilidade ao elemento ldquobaacuterbarordquo seja ele persa ou

cartaginecircs foi constantemente revisto primariamente sob a

lideranccedila poliacutetica de Siracusa A imitatio Alexandri a

partir da oposiccedilatildeo ao elemento ldquobaacuterbarordquo na Siciacutelia

heleniacutestica era portanto algo historicamente viaacutevel

desde que houvesse um homem capaz de forjar uma ligaccedilatildeo com

Alexandre bem como liderar os gregos da Siciacutelia contra seu

6 Diod 2034 7 Argumento desenvolvido por Richard Miles Carthage Must be Destroyed

The Rise and Fall of an Ancient Mediterranean Civilization London

Allen Lane 2010 P145 8 Moses Finley A History of Sicily London Chatto amp Windus 1979

20

inimigo estrangeiro tradicional Cartago Como sustento

nesta tese Agaacutetocles mostrou-se intencionalmente esse

homem ainda que seus planos de formaccedilatildeo dinaacutestica tenham

falhado e que a audiecircncia para a legitimaccedilatildeo de seu poder

natildeo fosse composta com exceccedilatildeo de Ophellas por

macedocircnios

O impacto do projeto monaacuterquico heleniacutestico de

Agaacutetocles no entanto natildeo se restringiu agrave Siciacutelia grega

Cartago encontrava-se envolvida diretamente com os

desdobramentos militares das inovaccedilotildees poliacuteticas lideradas

pelo siracusano de modo que seu exeacutercito sofreu

modificaccedilotildees consideraacuteveis frente agrave presenccedila grega em seu

territoacuterio Pouco tem sido dito sobre o exeacutercito cartaginecircs

antes da ascensatildeo dos Baacutercidas o que se justifica pela

natureza fragmentada das fontes para a histoacuteria

heleniacutestica mas uma anaacutelise cuidadosa desses fragmentos

deveraacute ilustrar alteraccedilotildees sensiacuteveis na disposiccedilatildeo do

exeacutercito em campo de batalha processo iniciado durante a

expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles O tirano provocou

portanto a necessidade de inovaccedilotildees militares entre os

cartagineses o que corresponderia ao iniacutecio de um processo

formado por duas fases tendo o seu fim na transformaccedilatildeo

das tropas cartaginesas numa verdadeira forccedila heleniacutestica

cerca de 50 anos apoacutes a invasatildeo africana pelos gregos Ao

confiar a defesa dos territoacuterios sicilianos aos exeacutercitos

mercenaacuterios Cartago promoveu a falta de treinamento de

suas tropas ciacutevicas as quais eram empregadas somente em

casos extremos isto eacute de perigo para a proacutepria cidade

bem como manteve o baixo niacutevel de conhecimento logiacutestico no

norte da Aacutefrica talvez por que os cartagineses nunca

haviam sofrido ameaccedila similar a de 310 aC o que resultou

no envio completo dos soldados sem quaisquer forccedilas de

reserva (cruciais para a defesa da cidade no caso de uma

derrota decisiva em campo de batalha ou mesmo para a

21

reparticcedilatildeo das tropas no caso de um ataque simultacircneo) Do

mesmo modo o controle oligaacuterquico quanto aos generais

cartagineses dispostos no comando das tropas mercenaacuterias na

Siciacutelia impediu a formaccedilatildeo de uma ldquoescola taacutetica

atualizadardquo situaccedilatildeo que somente seraacute revertida em 255

aC com a contrataccedilatildeo de um general mercenaacuterio de formaccedilatildeo

espartana (Xantipo) e com o prosseguimento de sua reforma

por Amiacutelcar Barca

Entre a reforma provocada pela expediccedilatildeo de Agaacutetocles e

a reforma liderada por Xantipo haacute portanto um intervalo

de aproximadamente cinco deacutecadas o que pode ser

justificado pela carecircncia de evidecircncias mais detalhadas

sobre a histoacuteria poliacutetica e militar de Cartago Todavia

nada indica que entre 307 e 255 aC uma transformaccedilatildeo no

sistema de treinamento do exeacutercito tenha ocorrido a julgar

pela postura assumida por Xantipo em 255 aC

Ao liderar o exeacutercito para fora da cidade em boa ordem

e comeccedilar a manobrar algumas partes dele em falange e

dar as palavras de comando de acordo com os costumes

(ὡς δ ἐξαγαγὼν πρὸ τς πόλεως τὴν δύναμιν ἐν κόσμῳ παρενέβαλε καί τι καὶ κινεῖν τν μερν ἐν τάξει καὶ παραγγέλλειν κατὰ νόμους ἤρξατο)9

Feitas as consideraccedilotildees acima podemos nos perguntar o

que as duas fases de inovaccedilatildeo do exeacutercito cartaginecircs tecircm em

comum Preliminarmente cabe dizer que ambas ocorreram em

momentos de extremo perigo para os cartagineses quando o

inimigo (grego e sem seguida romano) encontrava-se jaacute em

territoacuterio africano saqueando cidades e com numeroso

exeacutercito a um passo de tomar a proacutepria cidade de Cartago

As referidas inovaccedilotildees do exeacutercito cartaginecircs (as quais

9 Polib 132 παραγγέλλειν κατὰ νόμους pode ser traduzido tambeacutem como ldquonos termos militares ortodoxosrdquo ἐν τάξει pode ser traduzido por ldquoda forma corretardquo como faz W R Paton tradutor da Loeb mas nesse caso a

expressatildeo parece mesmo indicar algo proacuteximo do modelo grego a julgar

pelo equipamento das infantarias cartaginesa e liacutebica (ver capiacutetulo 4

e figuras em anexo) podendo tambeacutem indicar algo como ldquoem marcha

ordenadardquo (no caso do uso da espada como primeira arma)

22

seratildeo sistematizadas ao longo do capiacutetulo 4 a partir das

evidecircncias disponiacuteveis) no primeiro seacuteculo de histoacuteria

heleniacutestica aparentam ter sido portanto respostas de

natureza distinta (uma logiacutestica e outra taacutetica) ao mesmo

problema tendo a primeira delas se mostrado uma

consequumlecircncia do projeto monaacuterquico de Agaacutetocles

Aleacutem de elucidar aspectos da histoacuteria siciliota e

cartaginesa o enfoque proposto contribui pontualmente para

a retirada da histoacuteria de Cartago da sombra da expansatildeo

romana de fato a derrota dos cartagineses para uma

confederaccedilatildeo latina em guerras traumaacuteticas para ambos os

lados somada ao eco da ldquogrande e justa vitoacuteria romanardquo em

sua tradiccedilatildeo literaacuteria10 resultou natildeo somente na

incorporaccedilatildeo posterior (irrefletida) da concepccedilatildeo de fides

Punica mas tambeacutem na reduccedilatildeo da histoacuteria cartaginesa a

apenas um capiacutetulo do chamado ldquoimperialismo defensivordquo

romano Ao aceitar uma unilateralidade da narraccedilatildeo de tais

eventos o que parece cocircmodo devido agrave natureza (favoraacutevel

aos romanos) dos relatos antigos sobre as Guerras Puacutenicas

o historiador finda por repetir um discurso que exclui uma

parte importante da histoacuteria do Mediterracircneo heleniacutestico

ou na melhor das hipoacuteteses submete tais histoacuterias agrave

cronologia da transformaccedilatildeo da Repuacuteblica Romana em Impeacuterio

Os romanos contudo natildeo foram os primeiros a rotular

os cartagineses com adjetivos desfavoraacuteveis (tais como

desleais crueacuteis mentirosos gananciosos e arrogantes)11

os gregos da Siciacutelia seacuteculos antes dos romanos haviam

engajado numa guerra sem fim com Cartago pela hegemonia da

ilha sendo a famosa caracterizaccedilatildeo do ldquooutrordquo como

ldquobaacuterbarordquo tambeacutem um traccedilo da cultura grega na Siciacutelia natildeo

10 Um caso ldquoclaacutessicordquo eacute o poema eacutepico de Siacutelio Itaacutelico (Pun 2395-

456) ldquoum rico senador romano com pretensotildees literaacuteriasrdquo (Miles op

cit p6) que no final do seacutec I dC via a fides Punica como causa

primordial das guerras anteriores com os cartagineses reduzindo

portanto o papel da ambiccedilatildeo romana como motor dos conflitos 11 Benjamin Isaac The Invention of Racism in Classical Antiquity

Princeton University Press 2004 pp 325-335 Miles op cit p7

23

se restringindo unicamente agrave experiecircncia grega nas guerras

contra os persas ao longo do seacutecV aC Os romanos no

entanto puderam varrer a presenccedila cartaginesa (e

posteriormente a grega) da Siciacutelia e fazer triunfar a sua

versatildeo da histoacuteria a qual deveria incluir

obrigatoriamente uma representaccedilatildeo factiacutevel de Cartago jaacute

que a autoridade e a credibilidade da historiografia romana

se iniciaram na eacutepoca das Guerras Puacutenicas

As duas hipoacuteteses desta pesquisa insinuam-se no

interior das questotildees apresentadas anteriormente Em

primeiro lugar sustento que a basileia de Agaacutetocles

dirigia-se agraves suas tropas e natildeo agrave cidade de Siracusa para

a qual o reconhecimento de seu poder natildeo parece ter sido

mais do que uma formalidade Durante a expediccedilatildeo africana

veremos natildeo somente a progressiva identificaccedilatildeo de seu

poder com uma monarquia de tiacutetulo intencionalmente vago

que seraacute em seguida comparada com a dos Diaacutedocos devido agrave

suposta paridade de suas forccedilas (ldquoem poder militar

territoacuterios e feitosrdquo) Aleacutem disso haacute que se notar tambeacutem

a constituiccedilatildeo de uma nova audiecircncia para o poder de

Agaacutetocles o qual estava cada vez menos baseado no

reconhecimento do demos de Siracusa e cada vez mais voltado

aos seus experientes mercenaacuterios12 A mudanccedila da audiecircncia

para o exeacutercito mercenaacuterio parece inclusive indicar a

tentativa de criaccedilatildeo de uma versatildeo dos hipaspistas de

Alexandre como parte da imitatio Alexandri em campo de

batalha

Em segundo lugar argumento a favor da existecircncia de

dois periacuteodos de inovaccedilatildeo militar de natureza distinta no

exeacutercito cartaginecircs sendo ambos provocados por situaccedilotildees

de perigo extremo para a cidade de Cartago O primeiro

deles se deu como dito antes contra os gregos entre 310-

12 Sou imensamente grato ao Professor Gruen pela sugestatildeo desta

hipoacutetese apoacutes ouvir e ponderar as minhas consideraccedilotildees por horas a

fio sempre com seriedade e gentileza

24

307 aC e parece ter tido caraacuteter logiacutestico assumindo

como ponto de partida o fiasco da batalha de Tuacutenis (310

aC) O segundo deles ocorreu num momento decisivo da

Primeira Guerra Puacutenica (255 aC) e apresentou mudanccedilas no

niacutevel de treinamento do exeacutercito ciacutevico e na atualizaccedilatildeo da

ldquoescola taacuteticardquo cartaginesa Em ambos os casos os

prejuiacutezos ao desenvolvimento militar cartaginecircs impostos

pelo vasto uso dos mercenaacuterios na Siciacutelia (o que inibia a

construccedilatildeo de uma cultura militar ciacutevica) e pelo controle

oligaacuterquico em Cartago (responsaacutevel pela ruptura das linhas

de desenvolvimento do generalato) parecem ter sido

ultrapassados o que poderaacute ser confirmado apoacutes anaacutelise

sistemaacutetica dos dispositivos taacuteticos cartagineses em 255

aC

Para isso a tese divide-se em quatro capiacutetulos O

primeiro capiacutetulo intitulado ldquoNovas taacuteticas outra guerra

as ldquoinovaccedilotildees tebanasrdquo e o exeacutercito reformado de Filipe e

Alexandrerdquo traz uma introduccedilatildeo aos antecedentes da arte da

guerra heleniacutestica apresentando uma anaacutelise das condiccedilotildees

de funcionamento do exeacutercito macedocircnico bem como dos

elementos adaptados das taacuteticas tebanas (particularmente a

coluna alongada) A arte da guerra heleniacutestica em seus

primoacuterdios e suas implicaccedilotildees poliacutetico-sociais

(nomeadamente a universalizaccedilatildeo do estatuto mercenaacuterio das

tropas e a construccedilatildeo de um novo tipo de monarquia)

dependem do entendimento correto sobre as unidades taacuteticas

do exeacutercito macedocircnico no caso dos generais que haviam

combatido com Filipe e de uma generalizaccedilatildeo do modelo

macedocircnico a partir do que se difundiu com a expediccedilatildeo

asiaacutetica de Alexandre O segundo capiacutetulo (ldquoOs

desenvolvimentos da guerra heleniacutestica no tempo dos

Diaacutedocosrdquo) um desdobramento loacutegico e direto do primeiro

apresenta um estudo minucioso da situaccedilatildeo geral do

mercenariato nos primoacuterdios do periacuteodo heleniacutestico e da

25

arte da guerra tal qual experimentada pelos Diaacutedocos no

embate pela divisatildeo do Impeacuterio de Alexandre Aleacutem da

anaacutelise da manutenccedilatildeo das taacuteticas macedocircnicas de cavalaria

e das novas armas empregadas (inclusive como siacutembolo de

poder militar no caso dos elefantes) pelos Diaacutedocos o

capiacutetulo se ocupa com os eventos relacionados agraves Guerras

dos Sucessores dando atenccedilatildeo especial agrave alteraccedilatildeo do

princiacutepio de aniquilamento pelo envolvimento completo do

inimigo o que resultou no recrutamento massivo de tropas

de infantaria derrotadas (e por vezes intactas) apoacutes o

choque da cavalaria

Os dois uacuteltimos capiacutetulos deslocam o foco da tese para

o ocidente heleniacutestico e seus esforccedilos orientados sob

Agaacutetocles para uma imitatio Alexandri em campo poliacutetico e

militar e sob os cartagineses para duas fases de

inovaccedilotildees militares que se enquadram no formato da arte da

guerra heleniacutestica em seus primoacuterdios Em ambos os casos

contudo notamos um processo de integraccedilatildeo do ocidente

heleniacutestico ao mundo dos Diaacutedocos tenha ele ocorrido com

as inovaccedilotildees poliacuteticas do monarca siracusano ou com as duas

respostas dos cartagineses aos casos de maior perigo para a

cidade de Cartago nos primeiros 90 anos de histoacuteria

heleniacutestica momentos antes portanto do iniacutecio da guerra

com Aniacutebal Barca

No capiacutetulo 3 intitulado ldquoPoder monaacuterquico e arte da

guerra na Magna Greacutecia e Siciacutelia heleniacutesticardquo apresento

uma sistematizaccedilatildeo possiacutevel das evidecircncias favoraacuteveis agrave

caracterizaccedilatildeo do poder monaacuterquico de Agaacutetocles como

ldquoheleniacutesticordquo da mesma forma que desenvolvo argumentos

acerca de uma identificaccedilatildeo provaacutevel das tropas e taacuteticas

de Agaacutetocles durante a sua expediccedilatildeo africana com algumas

unidades e planos de batalha relacionados agrave expediccedilatildeo

asiaacutetica de Alexandre o Grande Devido agrave sensiacutevel queda do

nuacutemero de textos antigos que nos chegaram para o periacuteodo

26

bem como agrave natureza plural dos relatos (incompletos) sobre

Agaacutetocles evidecircncias de outra natureza (epigraacutefica e

numismaacutetica) satildeo tambeacutem consideradas numa perspectiva

instrumental de paridade metodoloacutegica procurando

estabelecer na medida do possiacutevel narrativas baseadas no

estudo comparado de tais fontes

O capiacutetulo 4 (ldquoAs duas fases da reforma militar em

Cartagordquo) traz uma anaacutelise das inovaccedilotildees militares

cartaginesas ocorridas entre 307 e 255 aC das alteraccedilotildees

de caraacuteter logiacutestico encaminhadas durante a expediccedilatildeo

africana de Agaacutetocles agraves modificaccedilotildees quanto ao treinamento

e agraves taacuteticas lideradas por Xantipo (255 aC) Um estudo

das relaccedilotildees entre a oligarquia em Cartago e seus generais

na Siciacutelia deveraacute elucidar em detalhes a repressatildeo

oligaacuterquica em direccedilatildeo ao desenvolvimento de uma ldquoescola

taacutetica atualizadardquo da mesma forma que uma mudanccedila

temporaacuteria nesse comportamento diante de duas ameaccedilas

potencialmente fatais agrave cidade

Os textos antigos usados nesta tese seguem quando

possiacutevel a ediccedilatildeo da Loeb Quando a ediccedilatildeo natildeo existe a

exemplo dos Estratagemas de Polieno emprega-se a ediccedilatildeo de

referecircncia (normalmente uma traduccedilatildeo para a liacutengua

inglesa) A leitura de tais textos deu-se inicialmente em

inglecircs sendo todos os trechos citados (ou de relevacircncia

pontual para a tese) lidos tambeacutem em grego ou latim usando

como recursos o TLG e o LSJ

27

CAPIacuteTULO 1 ndash NOVAS TAacuteTICAS OUTRA GUERRA AS

ldquoINOVACcedilOtildeES TEBANASrdquo E O EXEacuteRCITO REFORMADO DE

FILIPE II E ALEXANDRE

As influecircncias tebanas no pensamento militar macedocircnico

satildeo um dado haacute muito aceito na historiografia levando em

consideraccedilatildeo a aproximaccedilatildeo de Filipe com Epaminondas13

Todavia cabe perguntar quais seriam detalhadamente os

elementos desta relaccedilatildeo entre as taacuteticas tebanas e a

composiccedilatildeo do exeacutercito integrado macedocircnico Pode-se

postular ainda a existecircncia de inovaccedilotildees tipicamente

tebanas na guerra grega e em particular na reforma do

exeacutercito de Filipe e Alexandre

Conforme mostrarei neste capiacutetulo alguns princiacutepios

empregados na maior batalha travada entre Tebas e Esparta

em Leuctra (371 aC) quando a falange lacedemocircnia foi

derrotada num choque de hoplitas apresentaram-se

explicitamente no exeacutercito reformado macedocircnico mas

precisam ser cuidadosamente reavaliados Assim a batalha

de Leuctra eacute importante (1) por seu impacto histoacuterico - a

falecircncia da hegemonia espartana em campo de batalha e (2)

porque o uso da coluna alongada e da formaccedilatildeo obliacutequa (com

uma das alas hesitante) foi consolidado com a

profissionalizaccedilatildeo do exeacutercito macedocircnico ocorrida a

partir do serviccedilo contiacutenuo e do estabelecimento de

treinamento superior (ambos caracteriacutesticos do soldado

profissional)

Aleacutem disso a partir da adoccedilatildeo das manobras de

cavalaria como etapa ofensiva principal das taacuteticas de

campo adotadas por Filipe II e Alexandre podemos notar na

guerra grega uma contribuiccedilatildeo estritamente macedocircnica natildeo

sendo possiacutevel atribuir a Epaminondas ou a outros tebanos

13 Plut Pelop 267

28

esta modificaccedilatildeo decisiva14 Por uacuteltimo como desdobramento

deste toacutepico a destruiccedilatildeo das defesas inimigas nas alas e

o consequumlente aniquilamento do inimigo por manobra de

envolvimento algo elaborado pelos macedocircnios no mundo

grego e comum aos persas ao menos desde a invasatildeo de

Alexandre teria sido tambeacutem a maior caracteriacutestica das

batalhas na Guerra dos Diaacutedocos15 natildeo fosse a incorporaccedilatildeo

das tropas vencidas ao contingente vitorioso praacutetica mais

condizente com a lideranccedila militar heleniacutestica Embora

novos fatores tenham emergido nas Guerras dos Diaacutedocos como

legado do impeacuterio de Alexandre (a exemplo do emprego dos

elefantes de guerra16) as manobras de cavalaria

permaneceram um dos traccedilos fundamentais aos primeiros

cinquumlenta anos da tradiccedilatildeo militar heleniacutestica primando

no entanto pela submissatildeo das tropas vencidas ao centro da

formaccedilatildeo

14 Ainda que os tessaacutelios fossem excelentes cavaleiros sua eficiecircncia

foi comprovada e difundida apenas sob o comando macedocircnico 15 Daiacute a relevacircncia deste mapeamento histoacuterico como etapa analiacutetica

anterior ao estudo da guerra heleniacutestica 16 Ambos seratildeo tratados no capiacutetulo dois desde sua ldquomatrizrdquo

macedocircnica

29

1 Epaminondas e o princiacutepio da batalha de Leuctra

Desde o estabelecimento do ldquodilema tebanordquo isto eacute a

problemaacutetica em torno de suas intervenccedilotildees militares na

Beoacutecia e de sua inserccedilatildeo na Liga Ateniense como ldquotebanosrdquo

(e natildeo como ldquobeoacuteciosrdquo o que limitava seu raio de accedilatildeo na

regiatildeo) a situaccedilatildeo natildeo se manteve tranquumlila entre ambas as

poacuteleis (Atenas e Tebas) Apesar de um acordo de paz firmado

em 375 aC (que exigia respostas oficiais para qualquer

incidente de cunho militar e estabelecia diretrizes para a

relaccedilatildeo das cidades mencionadas os tebanos insistiam na

restauraccedilatildeo de Oropos cujo controle havia sido perdido17

Aleacutem disso a destruiccedilatildeo de Plateacuteia e Thespiai duas

cidades beoacutecias que haacute pouco haviam se aliado a Atenas

entrou no rol dos desentendimentos entre as cidades gregas

O grande problema estava justamente na recusa em reconhecer

a ldquoConfederaccedilatildeo beoacuteciardquo (na qual Tebas exercia funccedilatildeo de

comando) ainda que esta continuasse a funcionar

paralelamente

Como observa Buckler18 tal situaccedilatildeo indicou acima de

tudo uma ldquomudanccedila no balanccedilo do poder na Greacuteciardquo

Definitivamente os tebanos mostraram-se capazes de

defender seus proacuteprios interesses num contexto de restriccedilatildeo

econocircmica da lideranccedila poliacutetica ateniense e a construccedilatildeo

das embarcaccedilotildees de guerra bem como sua manutenccedilatildeo

inviabilizaram qualquer reaccedilatildeo ateniense frente ao

crescente poder tebano

Aleacutem disso os espartanos enfrentaram problemas ainda

mais seacuterios que os atenienses se pensarmos em termos mais

17 Xen Hel 63 18 John Buckler The Theban Hegemony 371-362 BC Cambridge

MALondon Harvard University Press 1980 P46

Importante lembrar que o uacuteltimo tratamento dado ao periacuteodo antes do

claacutessico escrito por Buckler foi dado por Ernst von Stern em sua

obra Geschichte der spartanischen und thebanishen Hegemonie (Tartu

University of Tartu 1884)

30

relacionados ao que estaacute sendo proposto nesta tese O

melhor exemplo da dificuldade espartana em manter seu poder

foi aleacutem da reduccedilatildeo de sua influecircncia na Jocircnia o fracasso

na tentativa de subjugar Tebas De fato os tebanos estavam

decididos a manter seu domiacutenio na Beoacutecia mesmo que para

isso fosse necessaacuteria a disposiccedilatildeo de seu exeacutercito em campo

de batalha seguindo o tradicional modelo grego do choque

de hoplitas bem como a tentativa de resolver o conflito

num choque decisivo

Para complementar a tensatildeo poliacutetica acima detalhada

Epaminondas dirigiu-se a Agesilau sobre sua delegaccedilatildeo em

termos aacutesperos ao niacutevel de aceitaccedilatildeo espartana

argumentando que Tebas possuiacutea tanto direito de intervenccedilatildeo

na Beoacutecia quanto Esparta na Lacocircnia Tratava-se da

imposiccedilatildeo da Confederaccedilatildeo beoacutecia e de sua caracterizaccedilatildeo

como a uacutenica unidade poliacutetica possiacutevel na regiatildeo

diferentemente da symmachia da Segunda Confederaccedilatildeo

Ateniense O isolamento de Tebas estava entatildeo

anunciado19 de modo que a batalha decisiva tornou-se o

caminho mais provaacutevel para a resoluccedilatildeo do desentendimento

entre as poacuteleis

Quanto agrave documentaccedilatildeo referente agrave batalha existe uma

tendecircncia por parte dos especialistas em recusar (ou ao

menos reduzir a relevacircncia) do relato de Xenofonte20 o

uacutenico contemporacircneo da batalha devido agrave falta de detalhes

e ao seu posicionamento excessivamente proacute-espartano Os

demais relatos embora posteriores fornecem informaccedilotildees

mais detalhadas e estatildeo apoiados noutras evidecircncias

contemporacircneas Como observa Hanson21 apesar das

diferenccedilas em muitos aspectos dos relatos sobre Leuctra

19 Xen Hel 63 Plut Ages 27 284 Diod 1550 20 Xen Hel 64 21 Victor D Hanson ldquoEpameinondas the Battle of Leuktra (371 BC)

and the bdquoRevolution‟ in Greek Battle Tacticsrdquo CA 7 190-207 1988

P191

31

Plutarco22 e Diodoro

23 ldquopartilham dois princiacutepios

fundamentais que permanecem inquestionaacuteveisrdquo Primeiro a

inserccedilatildeo de algo totalmente novo em Leuctra por Epaminondas

e segundo o caraacuteter insatisfatoacuterio do relato de

Xenofonte especificamente em relaccedilatildeo a sua incompletude e

ao silecircncio (provavelmente intencional) no que respeita agraves

manobras tebanas

Uma vez decididos pela guerra Epaminondas eleito

comandante entre os boiotarchoi24 aguardou com seu

exeacutercito em Queroneacuteia onde poderia facilmente bloquear o

avanccedilo de Cleombroto desde Phokis25 Embora os outros

boiotarchoi com exceccedilatildeo de Peloacutepidas que apoiava

Epaminondas desde o iniacutecio de seu plano de batalha

estivessem receosos da decisatildeo em campo aberto optando

pela corrente estrateacutegia tebana (recuar ateacute uma

fortificaccedilatildeo e laacute oferecer resistecircncia) o temor em perder

o apoio das outras cidades beoacutecias os encorajaram a fazer

frente ao exeacutercito de Cleombroto26

Com aproximadamente 10000 soldados de infantaria e

1000 cavaleiros os espartanos dispuseram de acordo com

Xenofonte a cavalaria agrave frente dos hoplitas27 para que a

falange pudesse realizar seus movimentos secretamente fora

do campo de visatildeo do inimigo Cleombroto estava agrave direita

justamente com os demais espartanos sendo que o

contingente aliado a Esparta estava disposto agrave esquerda

Em resposta ao ataque inicial dos espartanos

Epaminondas enviou sua cavalaria provavelmente superior

agravequela do inimigo28 no intuito de fazer frente ao ataque

que abriu a batalha A formaccedilatildeo adotada pelos tebanos

22 Plut Pelop 2023 23 Plut Pelop 1552-56 24 Uma das principais magistraturas da Liga Beoacutecia segundo o LSJ 25 Plut Pelop 1552 26 Xen Hel 64 Diod 1553 Plut Pelop 203 27

Xen Hel 64 [] προετάξαντο μὲν τς ἑαυτν φάλαγγος οἱ Λακεδαιμόνιοι τοὺς ἱππέας [] 28 Xen Hel 64

32

estreita mas profunda era tambeacutem invertida Contrariando o

que comumente executavam os gregos o ataque principal

seria desferido pela ala esquerda liderada pelo ldquobatalhatildeo

sagradordquo operando na ocasiatildeo como unidade individual sob o

comando de Peloacutepidas O restante das tropas estava disposto

na ala direita fazendo frente ao contingente aliado

espartano

De acordo com Plutarco29 Cleombroto se viu forccedilado

quando observou que o ataque principal tebano seria

executado pela ala esquerda e natildeo pela direita a solicitar

que sua linha de frente agrave direita fosse estendida e

abaulada (τὸ δεξιὸν ἀνέπτυσσον καὶ περιγον) jaacute que assim poderia

envolver a coluna alongada dos tebanos e atacar o proacuteprio

Epaminondas O uacutenico problema eacute que existiria aiacute um espaccedilo

agrave esquerda do rei que deveria ser protegido de alguma

maneira provavelmente pela cavalaria Uma vez perdido o

combate pela cavalaria espartana Cleombroto teve que

enfrentar abertamente os tebanos sem chance de completar

sua manobra e ainda com um agravante a cavalaria em fuga

se chocou com a infantaria em avanccedilo causando grande

confusatildeo na formaccedilatildeo espartana30 Naquele momento o

Batalhatildeo Sagrado se destacou das demais unidades e desferiu

o principal ataque eliminando qualquer possibilidade de

reordenamento espartano Encerrada pelo rompimento da

formaccedilatildeo a batalha estava decidida

O episoacutedio de Leuctra assinala portanto para a maior

parte dos historiadores antes de Hanson de Buckler31 a

Ducrey32 ou Tuplin

33 uma revoluccedilatildeo no modo grego de fazer a

guerra34 Natildeo eacute sem razatildeo frente agrave tradiccedilatildeo

29 Plut Pelop 232 30 Xen Hel 6413 Plut Pelop 233 31 Buckler opcit 32 Pierre Ducrey Warfare in Ancient Greece New York Schocken 1985 33 John Tuplin ldquoThe Leuctra Campaign some outstanding problemsrdquo in

Klio 69 72-107 1987 34 Paul Cartledge (Peace of Antalkidas to Battle of Leuktra In _____

Agesilaos and the crisis of Sparta London Duckworth 1987 P380)

33

historiograacutefica que Adcock afirmou em The Greek and

Macedonian Art of War que ldquodevido agraves suas inovaccedilotildees

[Epamonindas] havia vencido sua primeira grande batalha

Leuctra antes da mesma ser iniciadardquo35 Existe no

entanto um posicionamento tradicionalmente contraacuterio agraves

entatildeo chamadas inovaccedilotildees de Epaminondas trata-se da

tradiccedilatildeo historiograacutefica que remonta ao argumento

desenvolvido por Hanson em 1988 em seu provocativo artigo

sobre Epaminondas e a batalha de Leuctra36

Em primeiro lugar Hanson refere-se a uma lista de

casos anteriormente estudados por Pritchett37 nos quais a

coluna alongada havia sido empregada De fato aprofundar a

quantidade de hoplitas numa das alas aumentava a

autoconfianccedila e adicionava poder de choque agrave coluna

hopliacutetica mas reduzia a extensatildeo da linha de frente

expunha o flanco mais facilmente (facilitando o

envolvimento por parte do inimigo) e exigia mais da ala

desfavorecida devido ao deslocamento de homens para a outra

parte da formaccedilatildeo Os tebanos jaacute haviam se utilizado da

coluna alongada com 16 escudos38 (εἰς ἑκκαίδεκα βαθεῖαν)39 mas eacute

vaacutelido lembrar que existe com Epaminondas uma

radicalizaccedilatildeo deste princiacutepio jaacute conhecido pelos gregos

levando ao extremo o nuacutemero de soldados dispostos em

coluna

Em seguida a inversatildeo da coluna alongada da ala

direita para a esquerda40 onde os soldados inimigos natildeo

menciona que as taacuteticas de Epaminondas foram ldquobrilhantemente

inovadorasrdquo 35 Franz Adcock The Greek and Macedonian Art of War Berkeley and Los

Angeles California University Press 1967 P89 36 Hanson opcit 37 William Pritchett Ancient Greek Military Practices (I) Berkeley

Los Angeles London University of California Press 1971 P135 Os

casos satildeo detalhadamente Delion (424 aC Tucid 493) Siracusa

(415 aC Tucid 667) Peiraieus (403 aC Xen Hel 24) Rio

Nemeacuteia (394 aC Xen Hel 42) 38 Xen Hel 42 Plut Pelop 172 39 Xen Hel 42 40 Xen Hel 64 Diod 1555 Plut Pelop 231

34

contavam com a proteccedilatildeo dos escudos41 foi planejada por

Epaminondas com a intenccedilatildeo de destruir a tropa de elite

espartana o mais raacutepido possiacutevel Embora tal praacutetica - a da

inversatildeo da principal tropa de choque da direita para a

esquerda - jaacute fosse conhecida pelos gregos pelo menos desde

as Guerras Meacutedicas como nos lembra Hanson42

especificamente no episoacutedio da batalha contra o persa

Mardocircnio43 natildeo existe meio de saber precisamente porque

Epaminondas adotou tal formaccedilatildeo uma vez que o histoacuterico

desta inversatildeo taacutetica natildeo ilustra mais sucessos do que

fracassos quando aplicada Talvez Epaminondas tenha

ldquomeramente orquestrado uma colisatildeo brutal e decisivardquo44

como outros comandantes gregos jaacute o tinham tentado mas natildeo

haacute como saber quais motivos especiacuteficos o levaram a adotar

tal formaccedilatildeo ao inveacutes daquela tradicional Por fim ainda

com relaccedilatildeo agrave inversatildeo das alas basta dizer que a

eliminaccedilatildeo da hipoacutetese pautada na defesa da ldquogenialidade

taacuteticardquo de Epaminondas nos leva de acordo com o argumento

de Hanson a uma evidente reduccedilatildeo na sua capacidade de accedilatildeo

imediata mas ainda assim sem descartar uma questatildeo

importante a combinaccedilatildeo radical destes dois fatores (a

coluna alongada e invertida) foi indiscutivelmente decisiva

na derrota dos espartanos em Leuctra

Outra questatildeo fundamental diz respeito ao uso integrado

(ou mesmo a ausecircncia) da cavalaria especialmente na ala

direita tebana Apenas Xenofonte45 menciona a existecircncia de

tropas montadas em Leuctra sem fazer referecircncia sequer ao

movimento de flanqueamento por parte da cavalaria de

41 Deve-se lembrar que o hoplita da esquerda era protegido pelo escudo

do soldado agrave sua direita avanccedilando juntos ombro a ombro O soldado

situado agrave extrema direita contava entatildeo apenas com sua lanccedila jaacute que

seu escudo deveria proteger o lado direito do soldado situado agrave sua

proacutepria esquerda 42 Hanson opcit p194 43 Hdt946 44 Hanson opcit p194 45 Hel 64 [] οἱ τν Φωκέων πελτασταὶ καὶ τν ἱππέων Ἡρακλεται []

35

Epaminondas Pelo contraacuterio os espartanos eacute que teriam

iniciado a batalha enviando seus cavaleiros agrave frente dos

hoplitas Entatildeo os tebanos em resposta ao ataque

espartano teriam feito o mesmo Natildeo existe informaccedilatildeo

sobre um possiacutevel retorno agraves posiccedilotildees originais ou mesmo em

direccedilatildeo agraves alas o que poderia sugerir uma lacuna no relato

de Xenofonte no que se refere agraves manobras de cavalaria ao

longo de toda a batalha tanto pelo lado espartano quanto

pelo lado tebano

Buckler e Tuplin46 concordam que as manobras adotadas

por Cleombroto derivaram de uma accedilatildeo inesperada por parte

dos tebanos Ora se de fato os espartanos pretendiam

distrair Epaminondas com um ataque frontal e inicial da

cavalaria enquanto a ala direita comandada pelo proacuteprio

Cleombroto pudesse avanccedilar para aleacutem da ala esquerda

tebana e recobrar a proteccedilatildeo do flanco com o retorno das

tropas montadas que iniciaram a batalha entatildeo Epaminondas

provavelmente sabia o que fora realizado por seus inimigos

na batalha do rio Nemeacuteia47 quando um envolvimento se

tornou possiacutevel exatamente a partir de tais manobras

Poreacutem admitindo-se que Cleombroto iniciou mesmo a batalha

ordenando o avanccedilo da cavalaria estaria correto o relato

de Plutarco (no qual Buckler e Tuplin basearam sua anaacutelise)

com relaccedilatildeo agrave sequumlecircncia das manobras48 Noutras palavras a

uacutenica maneira de afirmar que Cleombroto teria modificado

46 Buckler opcit p64 47 Xen Hel 42 48 O questionamento parte tambeacutem da comparaccedilatildeo entre a reputaccedilatildeo de

Plutarco e Xenofonte O primeiro nunca teve pretensotildees a historiador

embora o relato de Leuctra tenha sido provavelmente baseado nos textos

de Eacuteforo (FGrH 70) enquanto o segundo aleacutem das intenccedilotildees de

prosseguimento da obra de Tuciacutedides tinha declarada experiecircncia

militar O fato de que Xenofonte seria parcial em sua anaacutelise digo

interessado apenas em sustentar que tudo teria dado errado para os

espartanos naquele dia em contraposiccedilatildeo agrave sorte dos tebanos fez com

que a historiografia ateacute o artigo escrito por Hanson sequer

atentasse para uma importante declaraccedilatildeo de Xenofonte (ldquoos espartanos

iniciaram a batalhardquo) o que definitivamente abre o leque de

possibilidades explicativas especialmente para o questionamento do

testemunho de Plutarco

36

sua formaccedilatildeo devido agrave ldquosurpresardquo em relaccedilatildeo agraves manobras de

Epaminondas eacute atraveacutes do relato de Plutarco Entretanto se

admitirmos que a cavalaria espartana (e natildeo a tebana)

iniciou o ataque como sugeriu Xenofonte eacute possiacutevel supor

tambeacutem que Cleombroto contava desde o iniacutecio com o retorno

de sua cavalaria para proteger o flanco aberto durante a

execuccedilatildeo da manobra (planejada antes mesmo de iniciada a

batalha) com a qual pretendia envolver a coluna alongada

dos tebanos Como sua cavalaria natildeo foi capaz de vencer a

tebana o proacuteprio rei teria permanecido agrave mercecirc do choque

comandado por Peloacutepidas consequumlecircncia da falha da cavalaria

espartana e natildeo fruto de um plano preacute-elaborado por

Epaminondas

A criacutetica de Hanson dirigida agraves interpretaccedilotildees da

batalha de Leuctra parece totalmente correta e de fato uma

reavaliaccedilatildeo das chamadas ldquoinovaccedilotildees tebanasrdquo constitui uma

etapa necessaacuteria a este estudo para que se torne evidente

que a inserccedilatildeo da cavalaria tal como empregada no exeacutercito

de Alexandre natildeo estava disponiacutevel na guerra grega antes

de Filipe49 Pelo contraacuterio o uso integrado das diversas

seccedilotildees do exeacutercito configurou em seu estaacutegio avanccedilado uma

contribuiccedilatildeo tipicamente macedocircnica Noutras palavras os

gregos jaacute haviam assimilado algumas taacuteticas cuja execuccedilatildeo

dependia de certo niacutevel de integraccedilatildeo entre as sessotildees do

exeacutercito como possivelmente ocorrera em Leuctra pelo lado

espartano mas o enraizamento do soldado-cidadatildeo como

principal figura dos exeacutercitos gregos dos seacutecsV e parte do

IV aC deixaram a consolidaccedilatildeo desta inovaccedilatildeo para um

reino de fronteira a Macedocircnia cuja aristocracia dava

grande importacircncia ao uso dos cavalos na guerra

49 A reforma do exeacutercito macedocircnico tornou-se um assunto por demais

polecircmico uma vez que as fontes satildeo bastante confusas a esse respeito

No entanto posiciono-me a favor de uma reforma iniciada com Alexandre

II e seguida por Filipe II de acordo com os argumentos que

apresentarei mais abaixo

37

A uacuteltima questatildeo acerca do que Epaminondas realizou em

Leuctra diz respeito ao ataque obliacutequo quando a falange

foi trazida sob formaccedilatildeo em crescente (μηνοειδὲς τὸ σχμα τς

φάλαγγος πεποιηκότες)50 Apoacutes 371 aC esta formaccedilatildeo foi

novamente empregada com grande sucesso em Gaugamela (331

aC) por Alexandre o Grande

Desse modo o argumento de Hanson acerca da suposta

revoluccedilatildeo nas taacuteticas gregas a partir de Epaminondas

precisa ser levado em consideraccedilatildeo na medida em que retira

a proeminecircncia de um uacutenico e genial comandante tebano

salientando a ligaccedilatildeo entre as transformaccedilotildees ocorridas na

guerra grega desde o conflito poliacuteada no Peloponeso e o

exeacutercito reformado de Filipe da Macedocircnia

50 Diod1555

38

2 ldquoNegoacutecios de famiacuteliardquo como Filipe e Alexandre

transformaram a guerra grega

21 A infantaria macedocircnica

Dada a sua posiccedilatildeo de fronteira em relaccedilatildeo ao universo

poliacuteada e em particular apoacutes a esmagadora derrota para os

iliacuterios51 os esforccedilos militares dos reis macedocircnicos

direcionaram-se para a formulaccedilatildeo de uma nova maacutequina de

guerra a saber a combinaccedilatildeo equilibrada entre um tipo de

falange de piqueiros de excelente cavalaria e de um

aparato completo de maacutequinas de cerco a partir do qual

Alexandre obteve os recursos taacuteticos necessaacuterios para a

realizaccedilatildeo de sua campanha na Aacutesia Mas eacute possiacutevel dizer

precisamente em que momento tal reforma teve lugar na

histoacuteria da Macedocircnia antiga

Momigliano52 apoiado num trecho decisivo do fragmento

da Filiacutepica de Anaxiacutemenes de Lampsaco53 afirmou que esta

teria comeccedilado jaacute com Alexandre o Fileleno (498-454 aC)

devido agrave referecircncia a um novo grupo de soldados de

infantaria chamados pezetairoi os quais teriam sido

organizados em companhias (τοὺς πεζοὺς εἰς λόχους) por um certo

Alexandre considerado por Momigliano como sendo o primeiro

rei deste nome de que se tem notiacutecia

A referecircncia feita a Anaxiacutemenes tornou-se decisiva

desde entatildeo mas nesta tese opto pela hipoacutetese de

Bosworth54 que combinando o trecho de Anaxiacutemenes a uma

importante citaccedilatildeo de Tuciacutedides55 sobre a formaccedilatildeo

macedocircnica desloca a reforma do exeacutercito macedocircnico para

Alexandre II (370-368 aC) Ainda que o tempo de reinado

51 Diod 162 52 Arnaldo Momigliano Filippo il Macedone saggio sulla storia greca

Del IV secolo AC Firenze Felice Le Monnier 1934 53 FGrH 72 F4 54 Albert Bosworth ldquoASTHETAIROIrdquo in CQ 23 245-253 1973 P250 55 Tucid 4124 ldquomacedocircnios [] e outra multidatildeo de poderosos

baacuterbarosrdquo (Μακεδόνων []καὶ ἄλλος ὅμιλος τν βαρβάρων πολύς)

39

de Alexandre II tenha sido bastante curto se comparado aos

44 anos de governo do primeiro Alexandre a descriccedilatildeo de

Tuciacutedides deve ser considerada a partir do seguinte

criteacuterio se a formaccedilatildeo macedocircnica da forma como

apresentada pelo historiador ateniense foi fidedignamente

narrada cerca de trinta anos apoacutes Alexandre o Fileleno a

atribuiccedilatildeo da reforma como sendo uma accedilatildeo de seu governo eacute

incorreta Se de fato a reforma fora realizada por um

Alexandre este soacute pode ser por exclusatildeo o seguinte

Alexandre (II)

A reconstruccedilatildeo das origens do exeacutercito macedocircnico

reformado eacute entatildeo bastante polecircmica ainda que a

tendecircncia seja localizar o seu iniacutecio cerca de dez anos

antes do reinado de Filipe II Aleacutem disso a histoacuteria de

sua organizaccedilatildeo e accedilatildeo em campo de batalha nos eacute acessiacutevel

somente a partir da campanha de Alexandre quando o uso de

Arriano e de alguns fragmentos o mapeamento filoloacutegico de

termos condizentes agrave infantaria e o estudo das unidades

taacuteticas conhecidas (e de suas subdivisotildees) auxiliam na

tarefa de estabelecer as diretrizes para o entendimento de

parte do exeacutercito macedocircnico56

56 Breves reconstruccedilotildees como a elaborada por Billows (Kings and

Colonists Aspects of Macedonian Imperialism LeidenNew YorkKoumlln

Brill 1995 Pp11-20) natildeo satildeo satisfatoacuterias pois ignoram diversos

aspectos da reforma como por exemplo os problemas advindos do uso

de Diodoro para o estabelecimento do nuacutemero aproximado das tropas A

melhor introduccedilatildeo para o assunto eacute ainda Robert Milns AALG

40

211 Hipaspistai pezetairoi e asthetairoi

Segundo Tarn57 e Milns

58 somente atraveacutes do relato de

Arriano podemos elaborar uma reconstruccedilatildeo segura da

terminologia e do desenvolvimento de parte das tropas

macedocircnicas Isso se deve ao fato de que por um lado

tanto Diodoro quanto Cuacutercio empregaram fontes apenas

indiretamente preocupadas com o exeacutercito macedocircnico Por

outro lado Ptolomeu a principal fonte de Arriano era

assim como seu leitor entendido nos assuntos militares e

conhecedor de sua terminologia Ainda que 500 anos

separassem os dois o relato de Arriano tornou-se o mais

apropriado para a anaacutelise das tropas macedocircnicas e de sua

aplicaccedilatildeo taacutetica em campo de batalha

Analisemos entatildeo os principais termos referentes agrave

organizaccedilatildeo do exeacutercito Pezetairoi que agrave primeira vista

indica a infantaria macedocircnica em sentido mais amplo em

Arriano ora faz referecircncia a toda a falange ora apenas a

parte dela59 Certamente trata-se de um termo anterior a

Filipe se aceitarmos as informaccedilotildees sobre os pezetairoi de

Alexandre II contidas no relato de Anaxiacutemenes de

Lampsaco60 podendo tambeacutem de acordo com Teopompo de

Quios61 fazer referecircncia unicamente agrave ldquoGuarda Realrdquo

(ἐδορυφόρουν τὸν βασιλέα) Apesar dessas divergecircncias uma

coisa permanece inquestionaacutevel o termo pezetairoi no tempo

de Alexandre referia-se essencialmente a toda a falange de

piqueiros

Existem aleacutem disso duas variaccedilotildees que devem ser

observadas pezoi por vezes indicando a falange62 ou mesmo

toda a infantaria e φάλαγξ que pode significar a falange

57 ALG2 P135 58 Robert D Milns ldquoThe hypaspists of Alexander some problemsrdquo in

Historia 20 186-195 1971 P88 59 Arr Anab 1283 2232 4231 5226 661 6213 7113 60 FGrH 72 61 FGrH 115 F348 62 A falange indica o conjunto de todos os batalhotildees ou brigadas dos

πεζέταιροι

41

propriamente dita ou apenas um uacutenico batalhatildeo da falange

bem como os hipaspistai e a formaccedilatildeo em linha de batalha

quando usado para fazer referecircncia a outras tropas (ἐπὶ

φάλαγγος em oposiccedilatildeo a κατὰ κέρας por exemplo)63

Com a ampliaccedilatildeo do termo para a definiccedilatildeo de toda a

falange (ou de sua parte em destaque) abre-se tambeacutem uma

nova questatildeo introduzida por Bosworth64 a partir de uma

releitura de Arriano qual seria a vinculaccedilatildeo dos

pezetairoi com os hipaspistai e os asthetairoi65

Em primeiro lugar o que jaacute se discute desde Tarn66

Muitas informaccedilotildees vitais acerca dos hipaspistai satildeo

impossiacuteveis de se obter basicamente por duas razotildees ambas

derivadas de problemas advindos das proacuteprias fontes Em

primeiro lugar os historiadores gregos natildeo estariam

interessados em ldquodetalhes militares teacutecnicosrdquo de uma tropa

macedocircnica mesmo quando esta desempenhava funccedilatildeo

importante na campanha Em seguida Ptolomeu provavelmente

por estar familiarizado com todos esses detalhes teacutecnicos

em seu dia-a-dia simplesmente natildeo desenvolveu nada a

respeito da disposiccedilatildeo e equipamentos desta tropa67

Sabemos que os hipaspistai foram uma forccedila criada a

partir de uma seleccedilatildeo dos pezetairoi sendo provavelmente a

primeira na histoacuteria da Macedocircnia de caraacuteter profissional

cujo serviccedilo era ininterrupto e cuja lealdade estava ligada

particularmente agrave figura do rei O termo aparece apenas em

Arriano tendo designaccedilatildeo equivalente em Diodoro

(δορυφόροις)68 o que sugere ter sido hipaspistai o termo

63 Esta discussatildeo encontra-se em detalhes em ALG2 p135-142 64 Bosworth opcit p245 65 Segundo Bosworth (opcit p246) existem ainda traduccedilotildees que

simplesmente substituem o termo asthetairoi por pezetairoi 66 ALG2 67 Milns opcit p186 68 Diod 1777 [] ἔπειτα τοὺς ἐπιφανεστάτους τν Ἀσιανν ἀνδρν δορυφορεῖν ἔταξεν []

42

empregado por Ptolomeu e por deduccedilatildeo pelos proacuteprios

macedocircnios69

Basicamente formavam um contingente de 3000 homens e

encontravam-se divididos em trecircs quiliarquias de

aproximadamente 1000 homens cada70 Diferentemente do

restante da falange os hipaspistai eram selecionados pelo

proacuteprio rei e integravam sua guarda pessoal

Qual seria por uacuteltimo o equipamento militar do

hipaspistes Existe uma tendecircncia geral em definir seu

equipamento como sendo mais leve que aquele dos demais

falangistas ou algo situado entre o equipamento do

falangista e do peltasta No que diz respeito a essas

suposiccedilotildees Tarn71 eacute incisivo

Em relaccedilatildeo ao armamento eles eram infantaria pesada

tatildeo pesadamente armada quanto a falange a diferenccedila

entre os dois corpos residia em sua histoacuteria

recrutamento e manutenccedilatildeo natildeo no armamento A crenccedila

de que eles eram armados como peltastas ou que seu

armamento era algo intermediaacuterio entre aquele do

falangista e do peltasta natildeo encontra evidecircncia para

lhes dar suporte e natildeo precisa ser informado

Haacute por outro lado suposiccedilotildees com relaccedilatildeo ao

equipamento do hipaspistes que podem sugerir uma

proximidade com o peltasta A melhor delas insinua-se a

partir de uma marcha forccedilada do exeacutercito macedocircnico na

qual Alexandre teria utilizado os hipaspistai juntamente

com a infantaria levemente armada dos agrianos Nesta

ocasiatildeo os demais soldados da falange teriam sido deixados

para traacutes72 o que poderia declarar uma diferenccedila entre o

equipamento dos hipaspistai e dos falangistas em geral

69 Embora Arriano empregue o mesmo termo que Plutarco algumas vezes

como em 317 ldquoατὸς δὲ ἀνα λαβὼν τοὺς σωματοφύλακας τοὺς βασιλικοὺς []rdquo 70 Arr Anab 430 71 ALG2 P153 72 Arr Anab 43 321 323 citado por Badian durante o debate da

conferecircncia de AALG p 134

43

Nesta ocasiatildeo de acordo com Badian73 quando podemos

observar soldados levemente armados (hipaspistai e agrianos)

em contraste com aqueles que os seguiram ἐν τάξει a deduccedilatildeo

mais correta eacute a de que se desfizeram dos armamentos para a

perseguiccedilatildeo e natildeo eram como comumente afirmado

regularmente armados como infantaria ligeira Poreacutem o que

temos de mais concreto parece ser mesmo uma semelhanccedila nos

armamentos dos hipaspistai e dos demais falangistas dado

que durante toda a campanha ambos partilharam as mesmas

funccedilotildees taacuteticas

Ainda no esforccedilo de distinguir os termos cruciais para

o entendimento da falange macedocircnica gostaria de encerrar

este toacutepico com uma breve anaacutelise dos asthetairoi cuja

apariccedilatildeo na historiografia se deu a partir da milimeacutetrica

observaccedilatildeo de Bosworth Como dito anteriormente o termo

asthetairoi foi por vezes substituiacutedo por pezetairoi nas

traduccedilotildees ou ediccedilotildees modernas da Anaacutebasis de Arriano74 Da

mesma forma que hipaspistes satildeo termos distintos e

provavelmente natildeo foram usados com o mesmo propoacutesito

Bosworth75 entende que se tratava de um termo teacutecnico

usado para definir o contingente que ldquochegou

posteriormenterdquo isto eacute fruto das campanhas na Alta

Macedocircnia Assimilados posteriormente agrave formaccedilatildeo da falange

macedocircnica propriamente dita tais soldados precisavam de

um novo termo que os diferenciasse dos demais e o seu

desenvolvimento desde a palavra original manteve o

significado de ldquoproacuteximos aos Companheirosrdquo o que

concentrou tanto a condiccedilatildeo atual de macedocircnios quanto sua

independecircncia anterior agrave assimilaccedilatildeo pela monarquia76

73 AALG P134 74 As passagens satildeo Arr Anab 223 423 522 66 621 72 75 Opcit p247 76 Bosworth opcit p251

44

212 Taxis syntagma lochos e uso da sarissa

Sabemos que com Alexandre na Aacutesia a infantaria

macedocircnica era formada por ateacute seis batalhotildees (taxeis)

cada um deles compondo uma unidade taacutetica autocircnoma (que

poderia ser empregada em conjunto obviamente) Tal ponto

de partida permite que o foco do estudo sejam as

subdivisotildees dos batalhotildees as quais assegurariam maiores

niacuteveis de flexibilidade nas manobras A unidade baacutesica de

infantaria na falange era a syntagma formada por 16 lochoi

de 16 homens77 Sob o comando do syntagmatarches o batalhatildeo

era capaz de executar manobras que exigiam intensivo

treinamento militar a exemplo da formaccedilatildeo em linha reta

obliacutequa ou crescente em seta ou em quadrado Aleacutem disso eacute

ainda provaacutevel que o lochos seja uma criaccedilatildeo de Filipe jaacute

que suas primeiras apariccedilotildees ocorrem na fase inicial da

carreira de Alexandre78

Diante da organizaccedilatildeo militar da falange a sarissa

(com aproximados 5 metros) representou a inovaccedilatildeo material

macedocircnica mais importante a qual fez da falange uma forccedila

frontalmente imbatiacutevel ateacute o surgimento da legiatildeo romana

Para explicar o efeito que uma tropa armada com a sarissa

provocaria no inimigo Griffith79 utilizou o seguinte

exemplo ldquonuma escala mais proacutexima era como a embarcaccedilatildeo

que atacava um oponente forccedilando-o a correr grandes riscos

antes de conseguir se aproximar e revidarrdquo

Em companhia agrave poderosa sarissa o falangista contava

com a pelte suspensa ateacute o pescoccedilo contrastando a pesada

aspis do hoplita poliacuteada A eficiecircncia do equipamento do

falangista residia na vantagem do primeiro choque dada

pelo uso da sarissa Embora natildeo fosse um soldado

77 O syntagma era uma unidade autocircnoma fixa em oposiccedilatildeo agraves eventuais

apariccedilotildees na histoacuteria poliacuteada 78 Arr Anab 210 [] ldquoἀλλὰ καὶ ἰλάρχας καὶ λοχαγοὺς ὀνομαστὶ καὶ τν ξένων τν μισθοφόρων []rdquo 79 Nicholas Hammond e Guy Griffith A History of Macedonia 550-336

(V2) Oxford Oxford University Press 1979 P421

45

pesadamente armado tal vantagem concedia aos macedocircnios

certa superioridade taacutetica frente aos demais exeacutercitos

gregos Como consequumlecircncia do aumento no tamanho da lanccedila o

elmo macedocircnico tornou-se bastante diverso daquele usado

pelo hoplita conhecido como ldquocoriacutentiordquo Ao contraacuterio do

hopliacutetico o elmo do falangista era menos caro de fabricar

e aberto na face Por fim quanto agraves grevas estas eram

usadas apenas nas primeiras fileiras

Existe uma questatildeo delicada em relaccedilatildeo ao falangista

que natildeo pode ser ignorada aqui embora jaacute seja consenso

entre os historiadores Transformando numa interrogaccedilatildeo

seria o falangista macedocircnico uma derivaccedilatildeo simples e

direta do peltasta traacutecio De fato Best80 em 1969

afirmou que ldquoseu equipamento [o do peltasta] eacute

caracterizado pela longa lanccedila (sarissa) e a pelterdquo

sugerindo abertamente que natildeo havia diferenccedila alguma no

equipamento do peltasta e do falangista Entretanto

gostaria de apresentar duas observaccedilotildees sobre tal hipoacutetese

A primeira delas segue o que foi proposto por Lendon81

De modo geral a partir do seacutecIV aC o termo peltasta

passou a indicar a infantaria levemente armada (sem a

pesada aspis) tendendo a uma generalizaccedilatildeo mais do que

propriamente agrave definiccedilatildeo exclusiva do soldado que portava a

pelte Natildeo seriam portanto ldquopeltastas macedocircniosrdquo mas

algo proacuteximo de ldquosemi-hoplitasrdquo82

A segunda estaacute de acordo com uma diferenccedila apresentada

por Hammond83 em relaccedilatildeo agrave lanccedila do peltasta traacutecio e a

sarissa a uacuteltima natildeo era definitivamente empregada

apenas com uma das matildeos assim como natildeo era usada para

80 Jan Best Thracian Peltasts and their influence on Greek Warfare

Groningen Wolters-Noordhoff 1969 81 Jon Lendon Soldiers and Ghosts A History of Battle in Classical

Antiquity New HavenLondon Yale University Press 2005 pp412-413 82 Embora algumas vezes Arriano se refira a eles como hoplitas a

exemplo de 11 83 Nicholas Hammond ldquoWhat may Philip have learnt as a hostage in

Thebesrdquo in GRBS 38 355-372 1997

46

arremesso diferenciando-se totalmente portanto da lanccedila

do peltasta Similares aos peltastas quanto ao peso de seu

equipamento os falangistas macedocircnios atuavam em campo de

batalha como hoplitas

Outra questatildeo relevante quanto ao equipamento do

falangista macedocircnio eacute a ausecircncia do peitoral Tal questatildeo

reflete no entanto mais os aspectos sociais e econocircmicos

de sua condiccedilatildeo do que propriamente uma caracteriacutestica

taacutetica De fato a Macedocircnia parece ter se organizado em

torno do ethos e natildeo da poacutelis o que impossibilitou o

surgimento do ldquoideal militar hopliacuteticordquo Com Filipe ou

talvez um pouco antes observamos a intervenccedilatildeo monaacuterquica

na concessatildeo do armamento e sendo a Macedocircnia ainda um

pequeno reino - portanto sem grandes recursos para a

guerra - eacute plausiacutevel que a sarissa arma que compensava a

ausecircncia do peitoral e da aspis tenha sido produto deste

contexto Qualquer tentativa de hierarquizaccedilatildeo ou

atribuiccedilatildeo de uma causa uacutenica para a explicaccedilatildeo do por que

a sarissa foi introduzida entre os macedocircnios seria um

equiacutevoco Sabemos que natildeo se trata unicamente do produto de

uma concepccedilatildeo taacutetica assim como natildeo podemos reduzir esta

inovaccedilatildeo agrave deficiecircncia econocircmica do reino A criaccedilatildeo de um

exeacutercito nacional por Filipe no entanto conferiu uma

unidade agraves regiotildees de fronteira forccedilando os dinastas

independentes a se unirem aos macedocircnios servindo como

aliados e tendo seus filhos muitas vezes como a proacutexima

geraccedilatildeo de comandantes em treinamento84

Por uacuteltimo aleacutem dos macedocircnios propriamente ditos

temos outras etnias compondo a infantaria de Filipe e

Alexandre ora como aliados ora como mercenaacuterios Embora

existam ainda distinccedilotildees claras entre ambas as condiccedilotildees

estas tenderatildeo a desaparecer na guerra heleniacutestica

84 Duncan Head Armies of the Macedonian and Punic Wars 359 BC to 146

BC organization tactics dress and weapons Sussex Wargames

research group 1982 P11

47

conforme mostrarei no capiacutetulo seguinte Infelizmente as

informaccedilotildees que nos chegaram sobre as tropas auxiliares do

exeacutercito macedocircnico natildeo explicam praticamente nada sobre

sua atuaccedilatildeo na guerra ou mesmo acerca de sua disposiccedilatildeo

geral exceto por algumas menccedilotildees na Anaacutebasis de Alexandre

O maior nuacutemero de informaccedilotildees sobre o exeacutercito macedocircnico

incide sem duacutevida sobre seus dois alicerces taacuteticos a

falange da qual apresentei uma breve anaacutelise e a

ldquoCavalaria dos Companheirosrdquo acerca da qual me ocuparei

mais agrave frente argumentando sobre a transformaccedilatildeo do papel

da cavalaria nas batalhas e de sua persistecircncia durante a

Guerra dos Diaacutedocos

48

22 A ldquoCavalaria dos Companheirosrdquo

Gostaria de iniciar este item com uma pequena mas

fundamental observaccedilatildeo sobre o ldquoEsquadratildeo Real dos

Companheirosrdquo (ἴλῃ βασιλικῆ ou algumas vezes ἄγημα85) Eacute

notaacutevel o acreacutescimo τν ἑταίρων a esta unidade de elite de

modo que a ldquoGuarda de Alexandrerdquo com exceccedilatildeo dos

hipaspistai passou a ser sinocircnimo de sua cavalaria

macedocircnica mesmo quando referida somente como ἄγημα mas

por que a condiccedilatildeo de cavaleiros lhes foi conferida

A resposta mais provaacutevel parece ser porque os reis

macedocircnios (e especialmente Alexandre) quase sempre

combatiam a cavalo como revela a insistecircncia de alguns

autores antigos em tentar posicionar Alexandre no comando

de sua cavalaria na batalha de Isso A ldquoGuarda Pessoalrdquo do

rei se tornou historicamente sinocircnimo de uma cavalaria de

elite a ldquoCavalaria dos Companheirosrdquo Esta forccedila de elite

cresceu bastante apoacutes Alexandre cruzar o Helesponto quando

7 esquadrotildees (ἰλας) foram acrescentados ao primeiro

original distinto dos demais apenas por sua procedecircncia (o

esquadratildeo real par excellence)86 Sabemos que formavam oito

esquadrotildees na batalha de Gaugamela 87 sendo que o

esquadratildeo real estava sob comando de Cleito o Negro e os

demais sob o comando de Filotas filho de Parmecircniordquo88

85 Arr Anab 25 31 38 86 ALG2 p154 87 Arr Anab 311-12 88 Aleacutem dos Companheiros temos outros 4 esquadrotildees de cavalaria

ligeira os ldquoscoutsrdquo (πρόδομοι) ou lanceiros (σαρισοφόροι) Brunt

(ldquoAlexander‟s Macedonian cavalryrdquo JHS 83 27-46 1963 Pp27-8)

recorda o debate entre Berve e Tarn acerca da procedecircncia eacutetnica

(macedocircnia para o primeiro e traacutecia para o segundo) desses quatro

esquadrotildees de lanceiros Brunt parece estar correto ao escolher a

versatildeo de Berve uma vez que no relato de Arriano (Anab 112 141 e

146 29 312 182 201 212) apenas os hipaspistai e os

regimentos de falange natildeo satildeo descritos como ldquomacedocircniosrdquo em oposiccedilatildeo

aos demais ldquocuidadosamente classificados como peocircnios mercenaacuterios ou

agrianos no mesmo contextordquo Entretanto natildeo penso que seja possiacutevel

dizer se apoacutes 329 aC quando os lanceiros desaparecem dos relatos

foram enviados de volta para casa ou incorporados aos Companheiros

49

Sendo a elite da cavalaria macedocircnica a qual era

empregada em pontos decisivos das taacuteticas executadas em

campo de batalha natildeo poderia existir em grande nuacutemero mas

seu papel em contrapartida natildeo deveria ser de

coadjuvantes quando entrassem em accedilatildeo Assim qual era o

nuacutemero dos cavaleiros que integravam os Companheiros de

Alexandre

Uma vez mais Tarn89 recorda que a discussatildeo em torno

do nuacutemero de cavaleiros que Alexandre tomou quando de sua

partida para a Aacutesia foi travada pela historiografia a

partir dos dados obtidos no relato de Diodoro90 e que

algumas das fontes utilizadas pelo historiador siciliano

natildeo permitiram a precisatildeo desejada com relaccedilatildeo agraves tropas

macedocircnicas A equivalecircncia do contingente disponiacutevel a

Alexandre e a Antiacutepatro (que o rei havia deixado como

representante na Europa) ambos com 12000 soldados de

infantaria (3000 hipaspistai e 9000 falangistas) eacute

incorreta senatildeo absurda91 A contagem das tropas montadas

a partir de Arriano se faz portanto necessaacuteria

Outro questionamento importante diz respeito agrave

organizaccedilatildeo da Cavalaria dos Companheiros Originalmente

recorda Brunt92 os Companheiros estavam divididos em ilas

mas a partir de 331 aC em Susa Alexandre formou dois

lochoi com cada ile que consequumlentemente passou a ser

comandada por lochagoi Esta alteraccedilatildeo era ineacutedita

conforme nos relata Arriano93 e representou o inchaccedilo no

nuacutemero dos Companheiros jaacute que as ilas natildeo mais

satisfaziam como divisatildeo das unidades Em contrapartida

apoacutes a execuccedilatildeo de Cleito o Negro (330 aC) surgiram as

89 ALG2 p 153 90 Diod 1717 91 Especialmente devido agrave duplicaccedilatildeo do nuacutemero de hipaspistai 92 Brunt opcit p28 93 Arr Anab 316

50

ipparchias94 e segundo Tarn

95 o proacuteprio Alexandre teria

assumido aquela pertencente a Cleito somando 4 esquadrotildees

sob seu comando e outros 4 sob Hefesto No entanto Tarn

pode ter se equivocado com o fato de que Alexandre teria

assumido o comando de uma ipparchia96

De acordo com Tarn o termo foi empregado apenas a

partir de 326 aC no Indo quando novos contingentes ndash

orientais - passaram a compor o exeacutercito de Alexandre As

menccedilotildees anteriores de Arriano agraves ipparchias seriam entatildeo

confusotildees e anacronismos de seu proacuteprio tempo Brunt por

outro lado chama a atenccedilatildeo para a coincidecircncia de dois

fatores os quais permitiriam uma compreensatildeo modificada

das ipparchias a desconfianccedila de Alexandre com relaccedilatildeo aos

seus principais oficiais e a divisatildeo da ldquoCavalaria dos

Companheirosrdquo nas novas unidades o que amenizaria a

possibilidade de motins (jaacute que estavam divididos e com

poderes reduzidos) concedendo-lhes em contrapartida um

tiacutetulo de bastante prestiacutegio antes pertencente apenas a um

ou dois oficiais Se Brunt97 estiver correto o surgimento

das ipparchias foi possivelmente anterior ao que Tarn

propocircs (de 326 aC para 328 aC) e a inserccedilatildeo de

orientais na Cavalaria dos Companheiros um fator

independente para a organizaccedilatildeo das novas unidades98

Por uacuteltimo cabe indagar sobre a relevacircncia desta

preocupaccedilatildeo com o crescimento do contingente dos

Companheiros (de um esquadratildeo para oito ao cruzar o

Helesponto em nuacutemero de 2000 em Gaugamela e divididos em

94 As ipparchias podem ter sido um novo nome para as ilai modificadas

pelo contexto explicado a seguir ou algo totalmente novo uma vez que

o termo substituiu outro plenamente consolidado na praacutetica militar

grega 95 ALG2 p 164 96 Brunt opcit p29-30 97 Brunt opcit p45 98 Sua inserccedilatildeo na Cavalaria dos Companheiros (provavelmente em 324)

certamente posterior a criaccedilatildeo das ipparchias tem muito a dizer

tambeacutem sobre a poliacutetica que Alexandre adotou com relaccedilatildeo aos assuntos

orientais

51

ipparchias quando da campanha na Iacutendia)99 O que exatamente

pode significar esta ampliaccedilatildeo e quais seus desdobramentos

no mundo heleniacutestico

A resposta reside na transformaccedilatildeo das funccedilotildees da

cavalaria em campo de batalha isto eacute a partir de

Alexandre o Grande (e de seu exeacutercito reformado) as tropas

montadas passaram definitivamente a desferir o ataque

principal legando aos falangistas o papel de forccedila de

apoio necessaacuteria mas sem caraacuteter decisivo ou por

princiacutepio ofensivo Tal caracteriacutestica da cavalaria

macedocircnica pode ser observada por exemplo na batalha de

Gaugamela quando o nuacutemero dos Companheiros foi elevado ao

maacuteximo e a taacutetica remodelada a partir da tradiccedilatildeo grega

ilustra a relevacircncia da decisatildeo pelas manobras das tropas

montadas

A modificaccedilatildeo de sua funccedilatildeo taacutetica veio acompanhada de

duas grandes inovaccedilotildees A primeira delas eacute a ldquoformaccedilatildeo em

setardquo que facilitava o rompimento da formaccedilatildeo inimiga pela

ampliaccedilatildeo da carga desferida se comparada agravequela executada

pela ldquoformaccedilatildeo em quadradordquo Basicamente ao manter os

olhos fixos no liacuteder posicionado agrave frente da formaccedilatildeo

cavaleiros organizados em seta eram capazes de romper com

uma formaccedilatildeo defensiva desferindo assim o golpe

principal100

A segunda delas diz respeito agrave exploraccedilatildeo dos espaccedilos

entre os batalhotildees de falangistas Como salientou Tarn101

apresentar ao inimigo um bloco coeso com diversas pontas de

lanccedila e manter esta formaccedilatildeo sem espaccedilos entre os batalhotildees

eram coisas completamente distintas A partir do momento em

que a cavalaria passou a desferir o golpe principal a

questatildeo dos espaccedilos se tornou de maacutexima importacircncia como

99 Algo em torno de 200 homens 100 Griffith opcit p414 101 William W Tarn Hellenistic Military and Naval Developments

Cambridge Cambridge University Press 1930 P13

52

pode ser visto em Gaugamela e no periacuteodo heleniacutestico em

Paraitakene (Eumenes versus Antiacutegono) Por uacuteltimo ainda

que natildeo seja cotada como uma inovaccedilatildeo das taacuteticas de

cavalaria o envolvimento pelo uso de tropas montadas se

tornou praacutetica comum entre os macedocircnios Numa batalha em

que ambos os comandantes tivessem disposto a cavalaria nas

alas a vitoacuteria dependeria abertamente da capacidade do

exeacutercito em manter seus flancos protegidos do envolvimento

inimigo Ainda que esta fosse uma praacutetica comum entre os

persas foi com os macedocircnios que ocorreu a combinaccedilatildeo do

ataque montado com o avanccedilo da falange frontalmente

impenetraacutevel exceto pelos espaccedilos abertos durante o avanccedilo

ou o ataque

53

CAPIacuteTULO 2 ndash OS DESENVOLVIMENTOS DA GUERRA

HELENIacuteSTICA NO TEMPO DOS DIAacuteDOCOS

1 Guerra como ofiacutecio as condiccedilotildees de serviccedilo e

os tipos de mercenaacuterio

11 Mercenariato profissionalizaccedilatildeo e crise econocircmica

Em 334 aC onze anos antes da morte de Alexandre

havia cerca de 20000 mercenaacuterios a serviccedilo do Grande Rei

Em 329 aC cinco anos mais tarde podemos contar

praticamente 50000 somente no lado macedocircnico102

O periacuteodo

heleniacutestico assistiu na sequumlecircncia ao aumento ligeiro do

nuacutemero de mercenaacuterios recrutados acompanhando os

requisitos das guerras constantes e cada vez menos

decisivas

De acordo com Parke103 autoridades contemporacircneas

(primeira metade do seacutecXX) concluiacuteram que as pressotildees

econocircmicas levaram a tal situaccedilatildeo o colapso da concepccedilatildeo

de dever militar ciacutevico e a emergecircncia do grande nuacutemero de

mercenaacuterios disponiacuteveis teriam sido ambos provocados pela

pobreza iminente das poacuteleis fruto do desastre da guerra

entre gregos no seacutecV aC O argumento do desgaste

econocircmico no mundo grego toma como principal fonte

Isoacutecrates notadamente a partir do momento em que a sua

preocupaccedilatildeo com as razotildees poliacuteticas do mercenariato104 (o

grande nuacutemero de cidadatildeos em exiacutelio essa ldquomassa de

fugitivos e exilados que estavam mais do que dispostos a

oferecer seus serviccedilos como mercenaacuteriosrdquo105

) cede lugar ao

relato dos problemas econocircmicos gregos106

102 Parke p198 103 Parke p228 104 Isoc Pan 64 e 168 105 Chaniotis WHW p80 106 Isoc 24 e 44

54

Entretanto ainda que os conflitos poliacuteticos e a

pressatildeo econocircmica possam ter estimulado grande nuacutemero de

cidadatildeos sem perspectiva a oferecer seus serviccedilos

militares as guerras constantes produziram um dos

principais fatores para o outro lado da moeda isto eacute o

recrutamento de mercenaacuterios a equivalecircncia entre oferta e

procura por soldados temporariamente pagos e que estivessem

dispostos a combater durante todo o tempo que o confronto

levasse natildeo importando as razotildees ciacutevicas (quando existiam)

pelas quais o sangue havia sido derramado

Haacute que se considerar ainda as diversas realidades de

recrutamento das tropas que compuseram os exeacutercitos dos

Diaacutedocos nem sempre vinculadas diretamente ao cenaacuterio de

crise das poacuteleis Este eacute o caso basicamente do

recrutamento das tropas provinciais muito mais conectadas

aos direitos do governante local em formar um exeacutercito a

partir das possibilidades oferecidas por sua satrapia do

que propriamente agrave pobreza ou exiacutelio de cidadatildeos gregos

Por isso a crise econocircmica grega natildeo pode ser vista

como instrumento de anaacutelise universal na explicaccedilatildeo do

mercenariato heleniacutestico uma vez que exclui as

particularidades das condiccedilotildees de recrutamento

especialmente no que respeita agrave tradiccedilatildeo asiaacutetica e

oferece respostas somente em relaccedilatildeo ao aumento da oferta

do serviccedilo mercenaacuterio grego A guerra contudo foi uma

constante no periacuteodo natildeo importando a regiatildeo e consolidou

de modo irreversiacutevel apesar das especificidades do

mercenarismo a relaccedilatildeo oferta-procura107

De fato o mundo

heleniacutestico foi marcado por certa ldquoonipresenccedila da guerrardquo

do modo como chamou Chaniotis considerando-se que tanto a

sua gecircnese (323 aC) quanto o seu fim (31 aC) foram o

resultado de conflitos armados do mesmo modo que

dificilmente se encontra alguma aacuterea que natildeo estivesse

107 Chaniotis WHW p80

55

direta ou indiretamente como em tantos outros momentos na

Antiguidade afetada pela guerra

O cenaacuterio de crise explica ao lado das condiccedilotildees

especiacuteficas de recrutamento e da ampliaccedilatildeo do quadro geral

das guerras o porquecirc da relaccedilatildeo oferta-procura ter se

fixado como sendo de grande relevacircncia no estudo da

misthotikeacute heleniacutestica mas natildeo basta todavia para

explicar o estreitamento dos laccedilos entre o cenaacuterio de

profissionalizaccedilatildeo crescente da guerra e o uso de tropas

mercenaacuterias

Noutras palavras a progressiva profissionalizaccedilatildeo no

interior dos exeacutercitos ciacutevicos gregos deve tambeacutem ser um

fator considerado particularmente ateacute o momento em que a

combinaccedilatildeo da guerra como ofiacutecio a ser aprendido e o

mercenarismo como condiccedilatildeo geral dos exeacutercitos heleniacutesticos

minimizou o impacto do sentimento ciacutevico em grande parte

dos soldados

Tal mapeamento explicaria numa perspectiva histoacuterica

natildeo soacute a funccedilatildeo dos ieroi lochoi e hipaspistai na

profissionalizaccedilatildeo da arte da guerra grega e em seus

desdobramentos heleniacutesticos como tambeacutem forneceria as

razotildees pelas quais os mercenaacuterios tecircm que ser tipificados

na medida do possiacutevel de acordo com o trabalho executado

Basicamente havia aqueles que se colocavam sob o comando

de um monarca tirano general ou cidade num espaccedilo curto

de tempo (durante uma campanha por exemplo) e aqueles que

serviam nos grandes exeacutercitos reais muitas das vezes de

modo permanente108

O primeiro tipo de mercenaacuterio era formado por soldados

que serviram por exemplo na campanha de Eumenes contra

108 Chaniotis WHW p79 Note que segundo Parke (p209) e Griffith

(p42) a divisatildeo das tropas nos exeacutercitos dos Diaacutedocos eacute feita a

partir de trecircs tipos os quais seratildeo analisados detalhadamente em

seguida os macedocircnios os mercenaacuterios (xenoi e misthophoroi) e as

tropas recrutadas nas satrapias (por vezes sintetizadas como

pantodapoi)

56

Antiacutegono De acordo com Diodoro apoacutes ter sido expulso da

Capadoacutecia

Eumenes selecionou os mais capazes [τοὺς εθετωτάτους] entre os seus amigos e dando-lhes grandes recursos os

incumbiu de contratar mercenaacuterios estabelecendo uma

margem alta de pagamento Alguns deles dirigiram-se

para a Pisiacutedia Liacutecia e regiotildees adjacentes []

Outros viajaram atraveacutes da Ciliacutecia Siacuteria e Feniacutecia

aleacutem de cidades em Chipre Uma vez que a notiacutecia do

recrutamento havia se espalhado rapidamente e que o

pagamento oferecido era digno de consideraccedilatildeo muitos

se apresentaram voluntariamente inclusive vindos da

Greacutecia e juntaram-se agrave campanha109

Neste caso ocorrido em 318 aC Eumenes incumbiu

xenologoi classificados por Diodoro como os mais capazes

entre os seus amigos de recrutar mercenaacuterios para apenas

uma campanha aquela a ser realizada contra Antiacutegono Em

pouco tempo levando-se em consideraccedilatildeo somente os

mercenaacuterios Eumenes contava com cerca de 10000 soldados

de infantaria e 2000 cavaleiros sem mencionar os receacutem-

chegados arguraspides sob o comando de Eumenes por ordem

dos reis110

Outro caso interessante de mercenaacuterios recrutados de

diversas regiotildees por um periacuteodo relativamente curto de

tempo teve lugar na campanha africana de Agaacutetocles quando

aproximadamente 3000 samnitas etruscos e celtas

apresentaram-se ao lado dos 3000 mercenaacuterios gregos sob a

lideranccedila de Agaacutetocles111 Diodoro

112 relata a existecircncia de

motins entre os homens por falta do pagamento que lhes era

devido (ἀπῄτουν δὲ καὶ τοὺς μισθοὺς τοὺς ὀφειλομένους) assim como

109 Diod 1861 ldquoπροχειρισάμενος δὲ τν φίλων τοὺς εθετωτάτους καὶ δοὺς χρήματα δαψιλ πρὸς τὴν ξενολογίαν ἐξέπεμψεν ὁρίσας ἀξιολόγους μισθούς εθὺς δ οἱ μὲν εἰς τὴν Πισιδικὴν καὶ Λυκίαν καὶ τὴν πλησιόχωρον παρελθόντες ἐξενολόγουν ἐπιμελς οἱ δὲ τὴν Κιλικίαν ἐπεπορεύοντο ἄλλοι δὲ τὴν Κοίλην Συρίαν καὶ Φοινίκην τινὲς δὲ τὰς ἐν τῆ Κύπρῳ πόλεις διαβοηθείσης δὲ τς ξενολογίας καὶ τς μισθοφορᾶς ἀξιολόγου προκειμένης πολλοὶ καὶ ἐκ τν τς λλάδος πόλεων ἐθελοντὶ κατήντων καὶ πρὸς τὴν στρατείαν ἀπεγράφοντοrdquo 110 Diod 1859 111 Diod 2011 Ver Capiacutetulo 3 112 Diod 2034

57

possiacuteveis deserccedilotildees para o lado dos cartagineses o que

ilustra a dificuldade em manter coeso um grupo mercenaacuterio

em situaccedilatildeo de escassez ou mesmo irregularidade no

pagamento Em se tratando de tropas com as quais natildeo era

partilhado tempo consideraacutevel de vida militar as revoltas

deveriam ser ainda mais frequumlentes como ilustrado no

exemplo africano

O segundo tipo de mercenaacuterio era aquele desdobrado dos

grupos profissionais de elite surgidos no interior dos

exeacutercitos ciacutevicos gregos Antes da explosatildeo do serviccedilo

mercenaacuterio no fim da campanha de Alexandre o primeiro

passo quanto agrave profissionalizaccedilatildeo dos exeacutercitos gregos foi

dado com os espartanos ainda no periacuteodo claacutessico De fato

os hoplitas de Esparta formavam o uacutenico corpo ciacutevico

profissional de todo o mundo poliacuteada Seguindo o modelo

hopliacutetico profissional diversas outras cidades formaram

unidades profissionais de elite os ieroi lochoi que por

vezes desempenhavam funccedilatildeo taacutetica proeminente Um dos

melhores exemplos eacute o corpo de infantaria de elite tebano

cuja importacircncia na vitoacuteria sobre os espartanos em Leuctra

pode ser observada em mais detalhes no primeiro capiacutetulo

O exeacutercito reformado macedocircnico teve seu equivalente

com os hipaspistai tipo de versatildeo macedocircnica dos

ldquobatalhotildees sagradosrdquo poliacuteadas Nos primeiros anos do

periacuteodo heleniacutestico sob o nome de arguraspides estes

veteranos de Alexandre permaneceram vinculados agrave casa real

apesar de receberem propostas por parte de Ptolomeu e

depois Antiacutegono113 Tal recusa os levou ao campo de batalha

contra o general mais poderoso daquele tempo sob o comando

de Eumenes de Caacuterdia strategos pelo qual tinham pouco

apreccedilo talvez devido a sua origem eacutetnica114 Em seguida agrave

derrota de Eumenes Antiacutegono trucidou todos aqueles que

113 Diod 1862 114 Eumenes era o uacutenico general traacutecio do exeacutercito de Alexandre

58

haviam sido hostis a ele queimando vivo Antiacutegenes o

comandante dos arguraspides apoacutes tecirc-lo arremessado numa

fossa115

Apesar da histoacuteria de lealdade dos arguraspides agrave casa

real os mercenaacuterios ligados diretamente a certa dinastia

de modo mais ou menos permanente natildeo eram necessariamente

mais leais que os outros Esta natildeo deve ser sequer a

questatildeo central no estudo da misthotikeacute heleniacutestica Antes

de desdobrar este argumento note-se por exemplo o caso

dos egiacutepcios de Ptolomeu

Com sua primeira apariccedilatildeo no exeacutercito ptolomaico em 312

aC ao menos em expediccedilatildeo fora dos limites territoriais

do Egito os nativos africanos apresentaram-se armados e

aptos para a batalha (τὸ δὲ καθωπλισμένον καὶ πρὸς μάχην χρήσιμον)116

ainda que no primeiro momento natildeo estivessem trajados como

macedocircnios117

Representavam claramente outro tipo de

mercenaacuterio diferente daquele recrutado temporariamente e

sem viacutenculos com o governante da regiatildeo de onde provinham

Estavam ligados ao seu contratante como no caso dos

arguraspides por um viacutenculo mais ou menos permanente e em

breve dinaacutestico Contudo obrigaccedilotildees de ofiacutecio e lealdade

incondicional eram coisas bem distintas apoacutes a vitoacuteria de

Demeacutetrio sobre Ptolomeu em Chipre em 307 aC

praticamente todo o exeacutercito de mercenaacuterios egiacutepcios (cerca

de 16000 soldados de infantaria e 600 cavaleiros) foi

incorporado agraves forccedilas antigocircnidas118 o que vincula os

mercenaacuterios deste tipo assim como os do primeiro tipo

mais agrave consolidaccedilatildeo da concepccedilatildeo de guerra como ofiacutecio a

115 Diod 1944 116 Diod 1980 117 O argumento encontra suporte no fato de que o termo ldquomacedocircniordquo

conforme seraacute explicado no item 31 passou a significar qualquer tipo

de infantaria armada com equipamento macedocircnico aleacutem do fato da

existecircncia do termo οἱ Μακεδόνες na mesma sentenccedila em que figura Αἰγυπτίων δὲ πλθος sugerir outro tipo de armamento e formaccedilatildeo para estes

ldquoegiacutepcios em grande nuacutemerordquo 118 Diod 2053

59

ser aprendido do que propriamente agrave lealdade devida a algum

general rei ou dinastia embora tropas com vida militar

partilhada tendam a incorporar valores como a obediecircncia

acentuada a certa lideranccedila (como no caso dos

arguraspides)

60

12 Mercenariato basileia e doriktetos chora

Conforme mencionado antes o poder monaacuterquico

heleniacutestico desempenhou papel central na promoccedilatildeo desta

nova concepccedilatildeo de guerra levada adiante pelo impulso

imperialista tiacutepico dos reis cujo poder natildeo era herdado

esquematicamente a basileia era algo a ser conquistado

Gruen119

e Chaniotis120 notaram o que podemos chamar de

inversatildeo da loacutegica hereditaacuteria na disposiccedilatildeo da monarquia

heleniacutestica se Alexandre Magno reivindicou seu direito ao

trono como direito de sangue seus generais de Antiacutegono a

Cassandro121

adotaram o tiacutetulo de rei baseados unicamente

em suas conquistas militares isto eacute fundamentados pelo

princiacutepio da doriktetos chora

Haacute dois documentos importantes que tratam deste

fundamento do poder real heleniacutestico O primeiro deles

pertence agrave compilaccedilatildeo bizantina Suda particularmente a

definiccedilatildeo de monarquia Seguindo a traduccedilatildeo feita por

Austin

Ascendecircncia (natureza) e legitimidade (justiccedila) natildeo datildeo

reinos aos homens mas sim a habilidade em comandar um

exeacutercito e em lidar com os problemas de modo

competente Este era o caso de Filipe e dos Sucessores

de Alexandre O filho bioloacutegico de Alexandre natildeo foi de

modo algum ajudado pela consanguumlinidade devido a sua

fraqueza de espiacuterito enquanto aqueles que natildeo tinham

ligaccedilatildeo alguma com Alexandre tornaram-se reis de quase

todo o mundo conhecido122

Do mesmo modo em resposta agrave proclamaccedilatildeo de Demeacutetrio

como basileu por seu pai123

previamente feito rei por seus

amigos (Ἀντίγονον μὲν οὖν εθὺς ἀνέδησαν οἱ φίλοι) os seguidores de

Ptolomeu I o igualaram aos dois primeiros em tiacutetulo na

119 Gruen op cit pp253-271 120 Chaniotis WHW p57 121 Nomeadamente Antiacutegono Demeacutetrio Ptolomeu Seleuco Lisiacutemaco e

Cassadro 122

Austin n 45 123 Plut Dem 18

61

tentativa de dispersar a impressatildeo de que sua derrota havia

abalado tambeacutem o seu poder Plutarco124 acrescenta ainda

que tal praacutetica natildeo significava meramente a mudanccedila de nome

(ὀνόματος) e aparecircncia (σχήματος) mas removia o espiacuterito dos

homens (τὰ φρονήματα τν ἀνδρν ἐκίνησε) e ampliava suas ambiccedilotildees

(τὰς γνώμας ἐπρε)125 cabe acrescentar ambiccedilotildees militares

Tanto a coroaccedilatildeo de Antiacutegono quanto a resposta de Ptolomeu

agrave extensatildeo do poder monaacuterquico a Demeacutetrio foram claramente

baseadas em conquistas militares Assim o convite agrave

conquista militar em maior ou menor escala era um dos

traccedilos da basileia de tipo heleniacutestico assim como a base a

partir da qual toda a sua estrutura fora erigida

Diferentemente da Macedocircnia de Filipe e Alexandre o

exeacutercito natildeo era mais a uacutenica fonte de confirmaccedilatildeo do poder

real do mesmo modo que a monarquia havia atingido

proporccedilotildees diferentes daquelas do tempo da batalha de

Queroneacuteia126

Contudo o exeacutercito continuou a ser o

instrumento pelo qual os monarcas construiacuteam o direito ao

uso do diadema estando as funccedilotildees de comando cada vez mais

ligadas agrave lideranccedila de hordas inteiras de mercenaacuterios

recrutados das mais variadas regiotildees do mundo e

didaticamente enquadrados nos dois tipos apresentados neste

capiacutetulo

O abandono de valores considerados inatos para os

gregos no periacuteodo claacutessico a exemplo da coragem (ἀνδρία) e

da excelecircncia (ἀρετή) ao lado da crescente significaccedilatildeo da

guerra como ofiacutecio (τέχνη) foi inicialmente proposto por

Lendon127 como explicaccedilatildeo para a existecircncia do grande nuacutemero

124 Plut Dem 18 125 Literalmente ldquoaumentava seus pensamentosrdquo 126 Ainda Austin n44 ldquo[] aqueles que natildeo tinham qualquer conexatildeo

com Alexandre se tornaram reis de quase todo o mundo habitadordquo 127 Jon Lendon ldquoWar and societyrdquo In Philip Sabin Hans Wees Michael

Whitby The Cambridge History of Greek and Roman Warfare Cambridge

Cambridge University Press 2007 Pp498-516

62

de mercenaacuterios que serviram nos exeacutercitos dos reis

heleniacutesticos

No periacuteodo claacutessico a condiccedilatildeo poliacutetica do soldado-

cidadatildeo assegurar-lhe-ia de acordo com o pensamento grego

certa superioridade em combate Como observado por

Sidebottom128

o contraste presente em Os Persas de

Eacutesquilo ilustra tal postura a partir da negaccedilatildeo dos

baacuterbaros como soldados que combatiam por sua liberdade

Note-se por exemplo o conhecido diaacutelogo entre a Rainha

Matildee Persa e o Coro de homens velhos

Rainha Eles tecircm um rico suprimento de homens

combativos

Coro Eles tecircm soldados que uma vez golpearam os

exeacutercitos persas com um terriacutevel ataque

Rainha Satildeo eles habilidosos em arqueria

Coro Natildeo de forma alguma eles carregam escudos

corpulentos e lutam ombro a ombro com lanccedilas

Rainha E quem os lidera A qual mestre suas fileiras

obedecem

Coro Mestre Eles natildeo satildeo conhecidos como servos

Rainha E eles podem sem mestre resistir agrave invasatildeo

Coro Sim O vasto e nobre exeacutercito de Dario foi por

eles destruiacutedo129

No periacuteodo heleniacutestico entretanto a exaltaccedilatildeo de

valores inatos ao hoplita poliacuteada masterless e capaz de

vencer os persas por duas vezes consecutivas (apesar da

inabilidade em arqueria) cedeu lugar agraves vantagens

oferecidas pelo treinamento militar profissional mesmo que

as tropas treinadas fossem formadas por homicidas

(ἀνδροφόνοι) mutiladores (παρασχίσται) ladrotildees (λωποδύται) e

arrombadores de casas (τοιχωρύχοι)130 Os exeacutercitos poliacuteadas

natildeo eram capazes de fornecer recursos humanos ilimitados

aleacutem disso a tiacutepica batalha decisiva do periacuteodo claacutessico

cedeu lugar aos conflitos constantes e de larga escala

128 Harry Sidebottom Ancient warfare a very short introduction

Oxford Oxford University Press 2004 P6 129 Traduccedilatildeo tomada de Sidebottom opcit Pp6-7 130 Poliacutebio 136 ldquoοὗτοι δ ἦσαν ἀνδροφόνοι καὶ παρασχίσται λωποδύται τοιχωρύχοιrdquo

63

travados ao longo da disputa pela partilha do impeacuterio A

passagem em Diodoro sobre as vantagens no uso dos

mercenaacuterios ilustra claramente esta mudanccedila principalmente

quando o historiador siciliano se refere ao fato de que ldquoos

empregadores trazem consigo sem grandes custos homens

para lutar em seu nomerdquo e que no caso dos mercenaacuterios

ldquoainda que sejam por muitas vezes derrotados os

empregadores manteacutem suas forccedilas intactas durante o tempo

que durar o dinheirordquo131

Levados adiante pelo impulso imperialista das

monarquias heleniacutesticas assim como pela elevaccedilatildeo da

techneacute os mercenaacuterios preencheram os exeacutercitos dos

Diaacutedocos de uma forma jamais vista dando suporte agrave

ideologia dos generais que passaram a usar o diadema como

um dos siacutembolos de sua realeza militar

131 Diod 296

64

2 Os exeacutercitos dos Diaacutedocos

Como observou Parke132

a permanecircncia dos mercenaacuterios

nos exeacutercitos heleniacutesticos dificultou sua identificaccedilatildeo

pelos historiadores uma vez que a reduccedilatildeo das tropas ao

tipo profissional fez com que os autores antigos

frequumlentemente deixassem de lado a distinccedilatildeo entre

mercenaacuterios e soldados recrutados por direito do

governante Pode-se dizer que as tropas advindas das

satrapias eram de outro tipo se comparadas agravequelas

recrutadas mediante pagamento mas esta suposiccedilatildeo estaacute

baseada apenas na praacutetica dos saacutetrapas persas durante o

periacuteodo claacutessico De fato as condiccedilotildees de oferta e procura

no mundo asiaacutetico natildeo eram nada parecidas com as do mundo

grego propriamente dito dadas as diferenccedilas das tradiccedilotildees

poliacuteticas mas a assimilaccedilatildeo de exeacutercitos inimigos inteiros

por parte de comandantes vitoriosos indica quanto ao

serviccedilo prestado uma distinccedilatildeo apenas no recrutamento

inicial133

Outra inovaccedilatildeo importante ocorrida no periacuteodo

heleniacutestico eacute a utilizaccedilatildeo dos elefantes de combate haacute

muito conhecidos pelos asiaacuteticos e introduzidos na arte da

guerra grega somente apoacutes a morte de Alexandre Apesar de

seu emprego tardio os paquidermes mostraram-se definitivos

ou ao menos desejaacuteveis nos exeacutercitos heleniacutesticos ateacute a

ascensatildeo da legiatildeo romana quando suas implicaccedilotildees

logiacutesticas fizeram-se mais presentes134 Se os generais

heleniacutesticos consideravam os elefantes decisivos num

confronto aberto eles o fizeram por um motivo razoaacutevel de

132 Parke p208 133 Por exemplo a ξενολογία (recrutamento de tropas mercenaacuterias)

executada por Eumenes tal qual relatada em Diod 1861 134 Por exemplo a dificuldade no emprego de elefantes na Siciacutelia

durante a campanha piacuterrica

65

modo que o seu emprego transformou significativamente a

arte da guerra heleniacutestica

66

21 Macedocircnios xenoi misthophoroi e pantodapoi

Durante as Guerras dos Diaacutedocos ao lado dos mercenaacuterios

conhecidos desde a campanha de Alexandre (agrianos

traacutecios tessaacutelios cretenses entre outros) os macedocircnios

desempenharam uma funccedilatildeo de grande importacircncia na

composiccedilatildeo dos exeacutercitos heleniacutesticos A falange

representava a forccedila de apoio tornando-se responsaacutevel em

boa medida pela manutenccedilatildeo do centro da formaccedilatildeo ao passo

que a cavalaria e os elefantes de combate (quando

disponiacuteveis) realizavam a ofensiva nas alas e procuravam

decidir a peleja

Conforme veremos adiante apoacutes desferir um ataque

inesperado ao espaccedilo aberto pela marcha irregular da

infantaria de Eumenes Antiacutegono conseguiu na batalha de

Paraitacene (317 aC) alinhar novamente a sua falange ao

peacute do monte para onde os soldados haviam se retirado

reestruturando boa parte da linha defensiva de seu

exeacutercito Neste caso a reorganizaccedilatildeo da infantaria

macedocircnica em campo de batalha teria assegurado por um

lado a vitoacuteria do comandante aparentemente derrotado e

por outro devido agrave irregularidade da marcha dos infantes

inimigos a derrota daquele que pensava ter vencido o

confronto135

Sendo os macedocircnios de reconhecida importacircncia nos

primeiros 20 anos subsequentes agrave morte de Alexandre o

questionamento sobre a multiplicaccedilatildeo de suas apariccedilotildees no

relato de Diodoro se faz necessaacuterio Por que razatildeo as

referecircncias a eles aumentaram no periacuteodo de divisatildeo das

chamadas ldquotropas nacionaisrdquo entre os generais de Alexandre

o que forccedilosamente teria reduzido o seu nuacutemero em cada um

dos exeacutercitos que lutavam entre si pela supremacia militar

135 Diod 1930

67

Griffith136 e Launey

137 apresentam explicaccedilotildees idecircnticas

para tal evento Em primeiro lugar dada a impossibilidade

dos nuacutemeros apresentados por Diodoro138

para as tropas

macedocircnicas o ponto de partida se torna a valoraccedilatildeo

teacutecnica adquirida por makedon no seacutecIII aC

especialmente no Egito ou seja o termo deixou de ser ldquouma

garantia de proveniecircncia geograacuteficardquo139 e passou a designar

unicamente um ldquocavaleiro ou soldado de infantaria

pesadamente armados segundo as tradiccedilotildees macedocircnicasrdquo140

Notamos entatildeo a fusatildeo da referecircncia eacutetnica com a

valoraccedilatildeo teacutecnica do termo makedon o que por vezes torna

impossiacutevel a delimitaccedilatildeo dos batalhotildees formados unicamente

por veteranos de Alexandre ou novos macedocircnios exceto

quando os primeiros satildeo mencionados como arguraspides em

contraposiccedilatildeo agravequeles provenientes das satrapias e armados

com equipamento macedocircnico

Outras referecircncias relevantes nos exeacutercitos

heleniacutesticos satildeo os mercenaacuterios gregos propriamente ditos

conhecidos como xenoi os misthophoroi e as tropas

asiaacuteticas ou pantodapoi recrutadas nas proviacutencias e

listadas entre os demais soldados servindo ora como

cavaleiros e arqueiros ora como infantaria de pouca

utilidade se comparada agravequela dos mercenaacuterios gregos

Deve-se observar ainda que estas natildeo satildeo categorias

necessariamente excludentes uma vez que encontramos por

exemplo em Diodoro141

ldquopantodapoi armados com equipamento

macedocircnicordquo o que sugere uma possibilidade dupla de

tratamento Apenas os xenoi se diferenciam claramente dos

misthophoroi ambos podem ser traduzidos como mercenaacuterios

136 Griffith p41 137 Marcel Launey Recherches sur les armeacutees helleacutenistiques Paris

Boccard 1949 2 vols Vol1 Pp290-93 138 Diod 1830 139 Launey opcit p290 140 Launey opcit p293 141 Diod 1914 ldquo[hellip] τοὺς δὲ εἰς τὴν Μακεδονικὴν τάξιν καθωπλισμένους παντοδαποὺς []rdquo

68

mas os primeiros satildeo quase sempre dispostos como infantaria

pesada (na linha de frente) enquanto os uacuteltimos fazem

referecircncia agraves tropas levemente armadas e constituiacutedas por

pantodapoi ou tropas asiaacuteticas com origem eacutetnica bem

definida

Vejamos a organizaccedilatildeo do exeacutercito de Antiacutegono em 317

aC de acordo com Diodoro142 num trecho esclarecedor

quanto agrave temaacutetica em questatildeo

Quanto agrave infantaria mais de nove mil mercenaacuterios [οἱ ξένοι] foram dispostos agrave frente proacuteximo a eles [foram dispostos] trecircs mil liacutecios e panfiacutelios e em seguida

mais de oito mil tropas mistas armadas com equipamento

macedocircnico [παντοδαποὶ δ εἰς τὰ Μακεδονικὰ καθωπλισμένοι] [] Agrave frente dos cavaleiros na ala direita adjacente agrave

falange eram 500 mercenaacuterios de origem mista [μισθοφόροι παντοδαποὶ] []

Haacute dois tipos de mercenaacuterios na passagem acima Os

primeiros em nuacutemero de 9000 eram claramente soldados de

infantaria pesadamente armados hoplitas mercenaacuterios Os

uacuteltimos dispostos como cavaleiros eram tambeacutem tropas

mercenaacuterias mas de uma categoria diferente natildeo soacute por

combaterem a cavalo mas por serem asiaacuteticos Noutras

palavras mercenaacuterios asiaacuteticos satildeo tatildeo mercenaacuterios quanto

os que advecircm da Greacutecia poreacutem a distinccedilatildeo estabelecida pelo

uso dos dois termos deve ser notada ainda que natildeo possamos

mensurar qualquer diferenccedila no tratamento dado a ambos por

parte do empregador

Os pantodapoi satildeo comumente citados por Diodoro como

exposto e em diversos momentos analisados ao longo do

capiacutetulo mas a sua participaccedilatildeo em batalha natildeo tem

destaque na narrativa do historiador siciliano da mesma

142 Diod 1929 ldquoτν δὲ πεζν πρτοι μὲν ἐτάχθησαν οἱ ξένοι πλείους ὄντες τν ἐννακισχιλίων μετὰ δὲ τούτους Λύκιοι καὶ Παμφύλιοι τρισχίλιοι παντοδαποὶ δ εἰς τὰ Μακεδονικὰ καθωπλισμένοι πλείους τν ὀκτακισχιλίων ἐπὶ πᾶσι δὲ Μακεδόνες ο πολὺ ἐλάττους τν ὀκτακισχιλίων []τν δ ἱππέων πρτοι μὲν ἦσαν ἐπὶ τοῦ δεξιοῦ κέρατος συνάπτοντες τῆ φάλαγγι μισθοφόροι παντοδαποὶ πεντακόσιοι []rdquo

69

forma que os mercenaacuterios no relato de Arriano sobre a

campanha de Alexandre As tropas de origem eacutetnica exata

por sua vez natildeo constituiacuteram uma exceccedilatildeo a essa regra a

natildeo ser por apariccedilotildees raacutepidas e escassas mas por vezes

determinantes como no caso dos capadoacutecios143

143 Notadamente no embate entre Eumenes e Craacutetero

70

22 Os elefantes de combate

Tomarei como ponto de partida para a investigaccedilatildeo

detalhada acerca dos elefantes de combate e de seu papel na

arte da guerra heleniacutestica o primeiro embate seacuterio entre os

paquidermes e a infantaria macedocircnica ainda que tal

encontro tenha ocorrido momentos antes do iniacutecio oficial da

eacutepoca heleniacutestica em 323 aC

Na batalha do Hidaspes (326 aC)144 Poro dispocircs seus

elefantes (cerca de 200) agrave frente da infantaria na

primeira linha de combate segundo Arriano145 com

intervalos de aproximados 30 metros (διέχοντα ἐλέφαντα ἐλέφαντος ο

μεῖον πλέθρου) impedindo que a cavalaria de Alexandre

aterrorizada pudesse se aproximar146 A infantaria indiana

(30000) seguia para as alas com tropas montadas

encerrando a formaccedilatildeo (2000) em ambos os flancos Por

uacuteltimo carros de guerra (300) estavam posicionados agrave

frente da cavalaria sendo esta a organizaccedilatildeo geral das

tropas de Poro para a batalha Em contrapartida Alexandre

concentrou a cavalaria (5500) na ala direita onde

normalmente os Companheiros combatiam com a intenccedilatildeo de

forccedilar uma alteraccedilatildeo na formaccedilatildeo da cavalaria indiana

assim como atacaacute-la por completo em sua ala esquerda As

duas iparquias sob o comando de Coeno foram enviadas sobre

a direita inimiga no momento em que esta realizou a

inversatildeo pela qual Alexandre esperava147 Aos soldados da

144 Os elefantes jaacute haviam sido utilizados pelos persas em Gaugamela

(Arr Anab 311 ldquoοἱ δὲ ἐλέφαντες ἔστησαν κατὰ τὴν Δαρείου ἴλην τὴν βασιλικὴν []rdquo mas natildeo despenharam papel relevante na batalha 145 Arr Anab 515 146 Arr Anab 515 ldquoὡς πρὸ πάσης τε τς φάλαγγος τν πεζν παραταθναι ατῶ τοὺς ἐλέφαντας ἐπὶ μετώπου καὶ φόβον πάντῃ παρέχειν τοῖς ἀμφ Ἀλέξανδρον ἱππεῦσινrdquo 147 Arr 516 ldquoΚοῖνον δὲ πέμπει ὡς ἐπὶ τὸ δεξιόν []rdquo Afinal ldquopara a direita de Alexandre ou contra a direita inimigardquo A questatildeo colocada por

Brunt tradutor de Arriano na ediccedilatildeo Loeb destaca uma grande confusatildeo

na interpretaccedilatildeo acerca do posicionamento das tropas em Hidaspes As

palavras iniciais (Κοῖνον δὲ πέμπει ὡς ἐπὶ τὸ δεξιόν) tecircm sido interpretadas na melhor discussatildeo sobre o assunto um artigo de Hamilton de trecircs

formas distintas (1) para a direita de Alexandre (2) em direccedilatildeo agrave

direita indiana como uma ldquofintardquo (3) contra a direita indiana em

forma de ataque Aqui adotei a segunda interpretaccedilatildeo devido agrave maneira

71

infantaria (15000)148

Alexandre ordenou que avanccedilassem

somente quando os cavaleiros indianos fossem postos em

confusatildeo contra seu proacuteprio exeacutercito149 Quanto aos

cavaleiros arqueiros estes foram uacuteteis para o ataque de

longa distacircncia causando baixas na ala esquerda inimiga

um pouco mais ao centro do local que Alexandre pretendia

atacar

Assim que a cavalaria indiana investiu contra os

Companheiros e o regimento de Dahae (recrutado na Aacutesia e

utilizado pela primeira vez no exeacutercito de Alexandre)

Coeno realizou o que lhe fora ordenado e atacou as tropas

montadas de Poro pelo flanco destruindo sua formaccedilatildeo numa

manobra compressora150 provavelmente apoacutes ter acompanhado a

inversatildeo das tropas de Poro Parte dos cavaleiros indianos

entatildeo partiu desordenada em direccedilatildeo aos elefantes

exatamente no momento em que a infantaria macedocircnica

iniciou o seu avanccedilo Segundo Arriano ldquoa proacutepria falange

macedocircnicardquo (ἡ φάλαγξ ατὴ τν Μακεδόνων) arremessou diversos

dardos contra os condutores dos elefantes e ldquoformando um

anel em torno dos animais descarregou dardos por todos os

ladosrdquo151

A partir deste ponto os paquidermes avanccedilaram em

direccedilatildeo agrave infantaria e comeccedilaram a devastar (ἐκεράϊζε) toda a

como a batalha se desenrolou isto eacute o caminho mais provaacutevel para uma

compressatildeo da cavalaria indiana por Alexandre e Coeno era a

perseguiccedilatildeo das tropas indianas durante uma inversatildeo da ala direita

para a esquerda Para uma discussatildeo completa a respeito da formaccedilatildeo

indiana consultar J R Hamilton ldquoThe Cavalry Battle at the

Hydaspesrdquo in JHS 76 27-28 1956 148 Richard D Milns Alexander the Great London Robert Hale 1968

P211 149 Arr Anab 516 150 Arr Anab 517 151 Arr Anab 517 ldquoἔς τε τοὺς ἐπιβάτας ατν ἀκοντίζοντες καὶ ατὰ τὰ θηρία περισταδὸν πάντοθεν βάλλοντεςrdquo Ora a falange natildeo possuiacutea mobilidade

suficiente para executar tal ldquoanelrdquo muito menos os falangistas

carregavam dardos Trata-se evidentemente de um equiacutevoco de Arriano

Cuacutercio (1424) refere-se aos agrianos e traacutecios o que soa mais

provaacutevel ainda que a reconstruccedilatildeo da formaccedilatildeo macedocircnica a partir

desta informaccedilatildeo natildeo seja possiacutevel a menos que se admita apenas que

ambas as tropas levemente armadas estavam dispostas desde o iniacutecio do

embate agrave frente da falange

72

falange Os cavaleiros macedocircnios enquanto isso ocorria

formaram um soacute esquadratildeo e empurraram de volta o restante

da cavalaria indiana contra os elefantes o que ocasionou

uma verdadeira carnificina seja pela morte dos condutores

ou pela simples confusatildeo da situaccedilatildeo Boa parte dos

indianos recuou por entre os elefantes enquanto recebiam

os duros golpes de sua proacutepria maacutequina de guerra152

Alexandre entatildeo ordenou o avanccedilo da falange a qual

deveria adotar a formaccedilatildeo mais compacta possiacutevel Os

indianos jaacute natildeo contavam com sua cavalaria e a infantaria

era incapaz de deter o ataque das tropas montadas de

Alexandre que os cercaram por todos os lados

Como observou Milns a vitoacuteria sobre os indianos no

Hidaspes ldquofoi a uacuteltima grande batalha que Alexandre travou

e diriam alguns historiadores a sua melhorrdquo153 De fato

Alexandre reverteu o impacto ndash ou parte dele ndash causado pela

melhor arma do exeacutercito indiano o elefante Contudo

existe outra questatildeo que natildeo tem relaccedilatildeo direta com o

gecircnio militar do rei macedocircnio mas sim com a emergecircncia

desta nova ldquomaacutequina de guerrardquo como integrante (e por vezes

siacutembolo) dos exeacutercitos heleniacutesticos

De um lado a batalha do Hidaspes ilustra como o

ineditismo no combate aos elefantes (por parte dos

ocidentais) provocou um terriacutevel efeito psicoloacutegico nos

macedocircnios especialmente nos anos que se seguiram agrave

batalha De outro mostra que a emergecircncia do elefante na

guerra heleniacutestica foi acompanhada de um paradoxo advindo

do uso de uma arma poderosa mas incapaz de distinguir

aliados de inimigos aleacutem de ser bastante complicada do

ponto de vista logiacutestico

Noutras palavras considerar os fracassos e sucessos

dos elefantes em campos de batalha heleniacutesticos deve partir

152 Arr Anab 517 153 Milns opcit p215

73

de uma premissa baacutesica bem ou mal-sucedidos nos

confrontos os paquidermes constituiacuteram um ldquopesadelo

administrativordquo o que coloca as condiccedilotildees necessaacuterias ao

seu uso de um lado da balanccedila e os resultados obtidos caso

tais condiccedilotildees pudessem ser alcanccediladas do outro

Problemas relativos ao atraso da marcha do exeacutercito devido

agrave lentidatildeo dos elefantes devem ter sido uma constante no

rol dos inconvenientes quanto ao abastecimento das tropas

antigas Diodoro nos fornece um importante relato sobre

essa questatildeo quando menciona o afastamento dos paquidermes

em relaccedilatildeo aos demais homens de Eumenes o que resultou na

sua vulnerabilidade154 e consequumlente enfraquecimento parcial

do exeacutercito Fica evidente que natildeo fosse a manobra

executada pelo comandante dos elefantes que liderou os

paquidermes ldquoem quadradordquo (οἱ τν ἐλεφάντων ἡγεμόνες τάξαντες εἰς

πλινθίον τὰ θηρία προγον) dispondo o suprimento no centro da

formaccedilatildeo e o pequeno nuacutemero de cavaleiros que os

acompanhava na retaguarda155

os retardataacuterios teriam sido

todos facilmente aniquilados pela investida de Antiacutegono

Por uacuteltimo haacute ainda que se destacar as diferenccedilas

entre os elefantes africanos e indianos quanto aos seus

usos militares Durante bastante tempo acreditou-se que os

elefantes africanos eram inferiores aos indianos afirmaccedilatildeo

originada no relato de Cteacutesias em sua obra sobre uma Iacutendia

exoacutetica e de fartura156 O criteacuterio adotado por ele (e

reproduzido por diversos autores antigos) foi unicamente a

produccedilatildeo de alimentos o que insatisfatoriamente resume o

problema a uma uacutenica sentenccedila os africanos eram menores

porque viviam numa regiatildeo onde a comida era escassa isto

eacute o deserto Tal comparaccedilatildeo encontra eco em Poliacutebio157

154 Diod 1939 [] ldquoτοὺς δ ἐλέφαντας μέλλειν ἀναζευγνύειν ἐκ τς χειμασίας καὶ πλησίον εἶναι μεμονωμένους πάσης βοηθείας []rdquo 155 Diod 1939 156 FrGH 688 F9 157 Polib 584 ldquoτὰ δὲ πλεῖστα τν τοῦ Πτολεμαίου θηρίων ἀπεδειλία τὴν μάχην ὅπερ ἔθος ἐστὶ ποιεῖν τοῖς Λιβυκοῖς ἐλέφασι τὴν γὰρ ὀσμὴν καὶ φωνὴν ο μένουσιν ἀλλὰ καὶ

74

[] a maior parte dos elefantes de Ptolomeu evitou o

combate como normalmente ocorre com os elefantes

africanos pois sendo incapazes de suportar o odor e o

grito dos elefantes indianos e aterrorizados penso

eu com a estatura e a forccedila [τὸ μέγεθος καὶ τὴν δύναμιν] dos mesmos eles voltam-lhes as costas imediatamente e

potildeem-se em fuga antes de sua aproximaccedilatildeo

Em 1926 Tarn apresentou uma questatildeo fundamental com

relaccedilatildeo agraves diferenccedilas entre os elefantes africanos e

indianos o que dificultou a repeticcedilatildeo do argumento pouco

fundamentado de Cteacutesias Filologicamente bem amparado Tarn

sustentou que tais autores nada sabiam sobre os elefantes

mas o seu heroacutei Alexandre havia empregado o elefante

indiano158 Natildeo existe nada definitivamente aleacutem da

tradiccedilatildeo literaacuteria originada da observaccedilatildeo pouco criteriosa

de Cteacutesias que possa sustentar a superioridade dos

elefantes indianos diante dos africanos em campo de

batalha

Vindos da Iacutendia ou recrutados na Aacutefrica os elefantes

mostraram-se decisivos nos campos de batalha heleniacutesticos

como veremos no item 33 e no capiacutetulo 4 Encontrados

terreno plano condiccedilotildees excelentes de abastecimento e

clima e um inimigo cuja forccedila primaacuteria fosse composta por

infantaria pesada disposta em formaccedilatildeo cerrada os

elefantes constituiacuteam uma das mais eficientes ndash senatildeo a

mais eficiente ndash arma empregada pelos comandantes

heleniacutesticos notadamente nas raras batalhas decisivas do

periacuteodo

καταπεπληγμένοι τὸ μέγεθος καὶ τὴν δύναμιν ὥς γ ἐμοὶ δοκεῖ φεύγουσιν εθέως ἐξ ἀποστήματος τοὺς Ἰνδικοὺς ἐλέφανταςrdquo Cf Diod 216 e 235 158 William W Tarn ldquoPolybius and a literary commonplacerdquo in CQ 20

98-100 1926 P100

75

3 As Guerras dos Diaacutedocos

31 Eumenes versus Craacutetero

No ano de 321 aC durante a realizaccedilatildeo da campanha de

Perdicas no Egito Eumenes fora enviado ao Helesponto por

Perdicas para evitar o avanccedilo de Craacutetero e Antiacutepatro159 Uma

das primeiras medidas do comandante grego foi o

recrutamento de um grande corpo de tropas montadas de sua

proacutepria satrapia isto eacute a Capadoacutecia Apoiado por Alcetas

submetido ao seu comando por ordem de Perdicas contava jaacute

com certo nuacutemero de macedocircnios insuficientes para a

ocasiatildeo os quais haviam sido incorporados apoacutes a vitoacuteria

sobre o exeacutercito de Neoptolemos160

De acordo com Diodoro161

ao saber do avanccedilo do exeacutercito

inimigo Eumenes coletou suas forccedilas particularmente sua

cavalaria de todos os lados (ἤθροισε πανταχόθεν τὰς δυνάμεις καὶ

μάλιστα τὴν ἱππικήν) Em relaccedilatildeo agrave infantaria sobre a qual natildeo

depositava muita esperanccedila contava com 20000 homens de

todas as raccedilas (παντοδαποὺς τοῖς γένεσιν) perfazendo um total de

25000 homens se somada a cavalaria adquirida Contra o

seu exeacutercito Craacutetero contava com macedocircnios conhecidos por

sua coragem (οἱ Μακεδόνες διαβεβοημένοι ταῖς ἀνδραγαθίαις) e dois mil

cavaleiros como auxiliares

Apoacutes a narraccedilatildeo de um duelo entre os comandantes

Diodoro menciona a derrota da cavalaria de Craacutetero sendo

que ao constatar a morte de ambos os liacutederes macedocircnios

Eumenes ordenou a retirada de seu exeacutercito privando-se do

aniquilamento completo do inimigo em prol da negociaccedilatildeo

cujo objetivo era a incorporaccedilatildeo da infantaria derrotada

Nas palavras do historiador siciliano

159 Diod 1829 160 Diod 1829 Arr FGrH 1569 Justino 138 Plutarco Eumenes 47 161 Diod 1830

76

Erigido o monumento que registrou a derrota do inimigo

[τρόπαιον] e feitos os ritos fuacutenebres [Eumenes] enviou agrave falange que havia se mostrado inferior [πρὸς τὴν τν ἡττημένων φάλαγγα] um convite de incorporaccedilatildeo agraves suas

tropas dando-lhes tambeacutem permissatildeo para recuar aos

lugares que desejassem

Este caso esclarece desde o iniacutecio a distinccedilatildeo entre

as tropas macedocircnias ldquoconhecidas por sua coragemrdquo e os

demais soldados de infantaria ldquohomens de todas as raccedilasrdquo

No entanto apoacutes a vitoacuteria sobre o exeacutercito inimigo

Eumenes abertamente escolhe negociar a incorporaccedilatildeo das

tropas inimigas honrando os mortos em combate ao inveacutes de

completar a manobra de envolvimento e provocar o

aniquilamento completo da falange a qual havia se mostrado

inferior em batalha Note-se que a taacutetica continuou a ser a

mesma empregada nos tempos de Alexandre mas a profusatildeo do

serviccedilo mercenaacuterio fez com que a praacutetica da incorporaccedilatildeo de

tropas profissionais fosse preferiacutevel ao aniquilamento do

inimigo Aleacutem disso natildeo haacute sequer uma menccedilatildeo de tratamento

diferenciado para as tropas macedocircnias por excelecircncia se

as considerarmos legitimamente macedocircnias em relaccedilatildeo agrave

infantaria asiaacutetica de Eumenes Eram mercenaacuterias como as

demais ainda que natildeo fique claro o pagamento ou tempo de

serviccedilo

Em seguida Eumenes voltou-se contra Antiacutegono

77

32 Antiacutegono versus Eumenes

Em seu primeiro confronto com Eumenes Antiacutegono

utilizando-se de um estratagema abriu matildeo inicialmente

de uma decisatildeo travada ao modelo alexandrino e decidiu

subornar certo Apolonides comandante da cavalaria de

Eumenes fazendo com que ele se tornasse um traidor e

desertasse em meio agrave batalha (ἔπεισε προδότην γενέσθαι καὶ κατὰ τὴν

μάχην ατομολσαι)162

Nesta ocasiatildeo entretanto notamos uma situaccedilatildeo

paradoxal quanto ao comportamento do comandante

heleniacutestico Na situaccedilatildeo anterior Eumenes optou por

incorporar as tropas inimigas ainda que sem sucesso ao

inveacutes de prosseguir com a manobra de envolvimento e

aniquilamento de boa parte do exeacutercito de Craacutetero Um ano

depois em 320 aC Antiacutegono apoacutes ter subornado o

comandante de cavalaria de Eumenes tendo a infantaria em

suas matildeos optou por concluir a manobra e aniquilar cerca

de 8000 inimigos Nas palavras de Diodoro

Quando a batalha se tornou violenta e Apolonides

desertou inesperadamente com sua cavalaria Antiacutegono

ganhou o dia e aniquilou cerca de 8000 inimigos Ele

tambeacutem se apoderou de todo o suprimento de modo que os

soldados de Eumenes ficaram abatidos pela derrota e sem

esperanccedila devido agrave perda de seus suprimentos163

Em momento algum Diodoro menciona o interesse de

Antiacutegono em incorporar as tropas de Eumenes durante a

batalha com exceccedilatildeo da cavalaria a qual havia previamente

subornado No entanto logo apoacutes relatar o refuacutegio do

comandante grego num forte armecircnio o que lhe foi garantido

162 Diod 1840 163 Diod 1840 ldquoγενομένης δὲ μάχης ἰσχυρᾶς καὶ τοῦ Ἀπολλωνίδου μετὰ τν περὶ ατὸν ἱππέων ποιήσαντος ἀλόγως ἀπὸ τν ἰδίων διάστασιν ἐνίκησεν ὁ Ἀντίγονος καὶ ἀνεῖλεν τν ἐναντίων εἰς ὀκτακισχιλίους ἐκυρίευσε δὲ καὶ τς ἀποσκευς ἁπάσης ὥστε τοὺς περὶ τὸν Εμεν στρατιώτας διὰ μὲν τὴν ἧτταν καταπλαγναι διὰ δὲ τὴν ἀπώλειαν τς ἀποσκευς ἀθυμσαιrdquo Nesta citaccedilatildeo com exceccedilatildeo de ἰσχυρᾶς traduzido aqui como ldquoviolentordquo seguindo o LSJ (ἰσχυρός) optei por utilizar a traduccedilatildeo de Geer

78

por uma alianccedila com os nativos o historiador siciliano faz

referecircncia agrave contrataccedilatildeo por parte de Antiacutegono dos homens

os quais haviam servido Eumenes Seguindo o exemplo

anterior a compreensatildeo da guerra como ofiacutecio serviu de

paracircmetro para a composiccedilatildeo de grandes exeacutercitos o

trampolim a partir do qual generais aspiravam agraves grandes

coisas exatamente como no caso de Antiacutegono Ao tornar-se

senhor de todas as posses que antes pertenciam a Eumenes

das quais se destacava o grande exeacutercito as ambiccedilotildees

poliacuteticas de Antiacutegono ganharam nova face

No momento em que Antiacutegono tomou para si a forccedila

militar de Eumenes tornou-se senhor das suas satrapias

e das suas propriedades levantou grande soma de

dinheiro e aspirou agraves grandes coisas [μειζόνων πραγμάτων ὠρέγετο] Nenhum comandante em toda a Aacutesia possuiacutea forccedila militar suficiente para lutar pela supremacia

164

O comando de um grande exeacutercito era sem duacutevida o

motor da basileia e um dos maiores estiacutemulos agrave realizaccedilatildeo

de campanhas militares e conquista de territoacuterios

A incorporaccedilatildeo das tropas natildeo era contudo o uacutenico

objetivo dos generais cujo pensamento encontrava-se marcado

pela condiccedilatildeo mercenaacuteria Historiadores tambeacutem entravam no

jogo mesmo que tivessem servido num primeiro momento ao

seu inimigo Note-se por exemplo na esteira do contexto

em destaque que Antiacutegono iraacute contratar os serviccedilos de

Hierocircnimo o historiador logo apoacutes a vitoacuteria sobre Eumenes

na Capadoacutecia tendo em seguida o enviado como mensageiro a

Eumenes exortando o uacuteltimo a esquecer a derradeira batalha

e a se tornar seu amigo e aliado165

Com a mudanccedila na poliacutetica externa adotada por Antiacutegono

levada a cabo a partir da aquisiccedilatildeo dos espoacutelios

164 Diod 1841 ldquoἈντίγονος δὲ παραλαβὼν τὴν μετ Εμενοῦς δύναμιν καὶ τν σατραπειν καὶ τν ἐν ταύταις προσόδων κύριος γενόμενος ἔτι δὲ παραλαβὼν πλθος χρημάτων μειζόνων πραγμάτων ὠρέγετο οκέτι γὰρ οδεὶς τν κατὰ τὴν Ἀσίαν ἡγεμόνων ἀξιόμαχον εἶχε δύναμιν διαγωνίσασθαι πρὸς ατὸν περὶ τν πρωτείωνrdquo 165 Diod 1850

79

provenientes da vitoacuteria sobre Eumenes o general macedocircnico

tratou de ir ao encontro de Alcetas irmatildeo de Perdicas

destruindo-o completamente Segundo Diodoro166

Antiacutegono

liderou 6000 cavaleiros numa carga violenta contra a

falange inimiga no intuito de cortar a linha de retirada de

Alcetas Em seguida os elefantes foram enviados

frontalmente contra a falange ao mesmo tempo em que os

cavaleiros envolveram o inimigo por todos os lados tendo a

infantaria permanecido somente como forccedila de apoio

Diodoro natildeo nos informa sobre a proveniecircncia eacutetnica da

cavalaria de Antiacutegono mas note que haacute pouco ele contava

com 2000 cavaleiros e rapidamente passou para cerca de

6000 um forte indiacutecio de que a renovaccedilatildeo de suas forccedilas

montadas foi liderada por capadoacutecios Em primeiro lugar

talvez esta seja a constataccedilatildeo mais oacutebvia mas ainda assim

digna de ser mencionada Antiacutegono marchou com sua forccedila

militar da Capadoacutecia para a Pisiacutedia (μετὰ [] ἐκ Καππαδοκίας

προγεν ἐπὶ τὴν Πισιδικήν)

Em segundo lugar sua cavalaria triplicou desde o

momento anterior agrave batalha contra Eumenes ocorrida havia

menos de um ano Uma vez na Capadoacutecia dado o curto tempo

para a ampliaccedilatildeo das suas forccedilas montadas e a

disponibilidade de recrutamento de cavaleiros pesadamente

armados na regiatildeo outra explicaccedilatildeo natildeo parece possiacutevel

Logo apoacutes a vitoacuteria sobre Alcetas Antiacutegono obteve a

rendiccedilatildeo de todo o resto do exeacutercito inimigo por negociaccedilatildeo

e o alistou em suas proacuteprias fileiras167 agregando

consideraacutevel forccedila ao seu poderio beacutelico

Ainda que a manobra de envolvimento fosse como neste

caso realizada ateacute o momento em que o inimigo batesse

desesperadamente em retirada a porccedilatildeo do exeacutercito que

166 Diod 1844 167 Diod 1845 ldquoὁ δ Ἀντίγονος τούτους μὲν καθ ὁμολογίαν παραλαβὼν τοὺς λοιποὺς εἰς τὰ ἴδια τάγματα κατέταξε []rdquo

80

pudesse ser submetida com vida e incorporada por negociaccedilatildeo

era sempre bem recebida aleacutem de se mostrar crucial na

estruturaccedilatildeo de trajetoacuterias poliacuteticas pautadas na conquista

militar

Na sequumlecircncia dos acontecimentos168 Eumenes jaacute na Aacutesia

Menor enviou cartas aos saacutetrapas do norte solicitando o

seu apoio em nome dos reis Basicamente as duas partes

deveriam se encontrar em Susa mas Fiacuteton a esta altura

saacutetrapa da Meacutedia obteve tambeacutem o controle das satrapias do

norte ordenando a morte de Filotas e substituindo o mesmo

por Eudamus seu irmatildeo Apoacutes travar batalha com o exeacutercito

dos saacutetrapas do sul Fiacuteton concentrou seu exeacutercito num soacute

lugar aguardando o apoio de Seleuco motivo pelo qual

Eumenes encontrou todas as tropas reunidas quando da sua

chegada a Susianecirc

De acordo com Diodoro169

as tropas que se juntaram a

Eumenes foram (1) 10000 arqueiros e fundibulaacuterios persas

3000 pantodapoi armados como macedocircnios (τοὺς δὲ εἰς τὴν

Μακεδονικὴν τάξιν καθωπλισμένους παντοδαποὺς) 600 cavaleiros gregos

e traacutecios e mais de 400 cavaleiros persas todos vindos

sob comando de Peucestes um dos antigos soldados da elite

de Alexandre (2) 1500 pezoi e 700 cavaleiros liderados

por Tlepolemus o macedocircnio feito saacutetrapa da Carmacircnia (3)

1000 pezoi e 610 cavaleiros trazidos por Sibyrtius

comandante da Arachosia (4) 1200 pezoi e 400 cavaleiros

despachados por Oxyartes (5) 1500 pezoi e 1000

cavaleiros vindos com Stasander e (6) 500 cavaleiros 300

pezoi e 120 elefantes todos trazidos por Eudamo Somados a

estes 18500 soldados de infantaria e 4210 cavaleiros

Geer170

lembra que devemos acrescentar as forccedilas trazidas

por Amfiacutemaco da Mesopotacircmia apresentado na batalha de

168 Diod 1913 169 Diod 1914 170 Russel M Geer tradutor de Diodoro na ediccedilatildeo da LOEB p 269

81

Gabienecirc171 com seus 600 cavaleiros e talvez alguma

infantaria natildeo mencionada

Antiacutegono em contrapartida recebeu tropas de Seleuco e

Fiacuteton nomeando Seleuco saacutetrapa de Susa e ordenando que

este conquistasse a cidade jaacute que Xenofilos o tesoureiro

se recusava a aceitar suas ordens172 Ao cruzar a Meacutedia por

um caminho alternativo agravequele que havia sido bloqueado por

Eumenes Antiacutegono ordenou a Fiacuteton que recrutasse quantos

cavaleiros e cavalos de guerra fosse possiacutevel assim como

animais de carga Ao retornar de sua missatildeo com cerca de

2000 cavaleiros 1000 cavalos 500 talentos do tesouro

real e uma quantia de mulas suficientes para todo o

exeacutercito173

Fiacutethon deu a Antiacutegono a chance de reerguer o

moral das tropas aleacutem de reforccedilar consideravelmente a

cavalaria de seu exeacutercito No total Antiacutegono contava com

28000 pezoi 8000 cavaleiros e 65 elefantes

Apoacutes o desentendimento entre Eumenes apoiado por

Antigenes e os saacutetrapas ansiosos para retornar aos seus

assuntos pessoais174

o general grego optou por atender agraves

vontades dos saacutetrapas temendo perder seu valioso apoio

Apoacutes dias de marcha rumo a Perseacutepolis ambos os exeacutercitos

inimigos acamparam a curta distacircncia e iniciaram os

preparativos para a batalha Antiacutegono entretanto procurou

subornar parte das tropas inimigas como nos relata

Diodoro175

No quinto dia Antiacutegono enviou mensageiros aos saacutetrapas

e aos macedocircnios instigando-os a natildeo obedecer Eumenes

e a confiar apenas no proacuteprio Antiacutegono Disse aos

171 Diod 1927 172 Diod 1918 173 Diod 1920 174 Diod1921 175 Diod 1925 ldquo[]τῆ πέμπτῃ δ Ἀντίγονος πρεσβευτὰς ἐξαπέστειλε πρός τε τοὺς σατράπας καὶ τοὺς Μακεδόνας ἀξιν Εμενεῖ μὲν μὴ προσέχειν ἑαυτῶ δὲ πιστεύειν συγχωρήσειν γὰρ ἔφη τοῖς μὲν σατράπαις ἔχειν τὰς ἰδίας σατραπείας τν δὲ ἄλλων τοῖς μὲν χώραν πολλὴν δώσειν τοὺς δὲ εἰς τὰς πατρίδας ἀποστελεῖν μετὰ τιμς καὶ δωρεν τοὺς δὲ στρατεύεσθαι βουλομένους διανεμεῖν εἰς τὰς ἑκάστῳ καθηκούσας τάξειςrdquo

82

saacutetrapas que permitiria a manutenccedilatildeo de suas proacuteprias

satrapias e aos macedocircnios que daria uma grande

extensatildeo de terra a alguns que enviaria os outros de

volta para casa com honra e presentes e que designaria

postos agravequeles que desejassem servir em seu exeacutercito

[τοὺς δὲ στρατεύεσθαι βουλομένους διανεμεῖν εἰς τὰς ἑκάστῳ καθηκούσας τάξεις]

Tendo fracassado em sua tentativa de incorporaccedilatildeo das

tropas inimigas antes mesmo da batalha Antiacutegono findou por

enfrentar Eumenes numa ocasiatildeo decisiva conhecida como

batalha de Paraitacene (317 aC)

Iniciada a batalha vendo que sua ala direita estava

sendo esmagada pelos cavaleiros arqueiros de Antiacutegono

(graccedilas agraves taacuteticas de ciacuterculo cujo objetivo era o ataque

aos flancos pelo uso dos arcos176) Eumenes ordenou o apoio

de sua ala esquerda comandada por Eudamo Apoacutes o movimento

de flanqueamento executado por soldados ligeiros e pela

parte mais levemente armada de sua cavalaria (τὴν ὅλην τάξιν τοῖς

μὲν ψιλοῖς καὶ τοῖς ἐλαφροτάτοις τν ἱππέων) conseguiu derrotar a ala

direita de Antiacutegono comandada por Fiacutethon

Em seguida apoacutes consideraacutevel tempo de combate entre as

falanges os homens de Eumenes venceram devido agrave

experiecircncia dos arguraspides de modo que muitos dos

oficiais de Antiacutegono apoacutes a derrota de sua ala esquerda e

de toda a sua falange aconselharam a batida em retirada

Antiacutegono no entanto ao ver que a infantaria inimiga havia

avanccedilado vitoriosamente em direccedilatildeo agrave sua no intuito de

persegui-la ateacute proacuteximo aos montes e que a ala de Eudamo

natildeo esperava por um ataque desferiu um violento golpe

contra a ala esquerda de seu inimigo recobrando com isso o

moral e as condiccedilotildees combativas de sua infantaria

aparentemente derrotada Assim nos relata Diodoro177

176 Diod 1930 ldquo[] περιιππεύσαντες δὲ τὸ κέρας καὶ πλαγίοις ἐμβαλόντες πυκνοῖς τοῖς βέλεσι κατετίτρωσκον []rdquo 177 Diod 1930 ldquoταχὺ δὲ διὰ τὸ παράδοξον τρεψάμενος τοὺς ἐναντίους καὶ πολλοὺς ἀνελὼν διαπέστειλε τν ἱππέων τοὺς ἐλαφροτάτους καὶ διὰ τούτων ἀνεκαλέσατο τοὺς φεύγοντας καὶ παρὰ τὴν πωρίαν πάλιν εἰς τάξιν κατέστησενrdquo

83

Uma vez que seu ataque foi inesperado ele [Antiacutegono]

rapidamente derrotou aqueles que o enfrentaram

destruindo muitos deles Entatildeo enviou os mais raacutepidos

de seus cavaleiros e por meio deles reuniu os soldados

que haviam batido em retirada alinhando-os mais uma

vez ao peacute dos montes

Como os soldados encontravam-se todos exaustos a

batalha prosseguiu durante o tempo necessaacuterio para a

certeza de sua indefiniccedilatildeo Embora o resultado natildeo tenha

sido claro Antiacutegono usou de sua legitimidade como

comandante e forccedilou acampamento proacuteximo a batalha

relativamente distante das bagagens O motivo para este ato

era simples para os gregos aquele que detinha o controle

dos ritos fuacutenebres assim que encerrada a peleja possuiacutea o

direito de declarar-se vitorioso178

Em seguida Eumenes dirigiu suas tropas para Gabenecirc

com excelentes condiccedilotildees de abastecimento179

enquanto

Antiacutegono conduziu seu exeacutercito atraveacutes do deserto proacuteximo a

Gadamala180

Alguns dias apoacutes o ataque parcialmente

frustrado aos elefantes de Eumenes atrasados se comparados

ao restante das tropas ambos os exeacutercitos fizeram frente

um ao outro em Gabenecirc

Tendo disposto seus homens da maneira que consideravam

mais eficiente os generais deram iniacutecio ao confronto

sendo que Antiacutegono e Demeacutetrio posicionados na ala direita

desferiram um ataque agrave cavalaria de Eumenes que a esta

altura lhes fazia frente Antes do embate entretanto

Peucestes saacutetrapa da Peacutersia esquivou-se da batalha e

deixou Eumenes somente com parte de sua cavalaria181

Por

consequumlecircncia Eumenes natildeo suportou o choque com a cavalaria

inimiga a qual rodeou o corpo de infantaria e investiu

178 Diod 1931 ldquo[Antiacutegono] ἠμφισβήτει τς νίκης ἀποφαινόμενος προτερεῖν ἐν ταῖς μάχαις τὸ τν πεσόντων κυριεῦσαιrdquo Outros exemplos segundo Geer satildeo

encontrados em Xen Hel 75 e Justino 66 179 Diod 1934 180 Diod 1937 181 Diod1942

84

contra a cavalaria na outra ala completando um semiciacuterculo

pela retaguarda inimiga

Embora as manobras acima detalhadas tenham sido de

grande importacircncia no desenrolar da batalha a participaccedilatildeo

crucial se deu com os tarentinos e medos enviados com a

missatildeo de capturar os suprimentos inimigos aproveitando-se

da pouca visibilidade provocada pela poeira do terreno A

partir deste movimento Eumenes parcialmente derrotado se

viu forccedilado a recuar e contra atacar a investida sorrateira

dos tarentinos e medos enquanto Antiacutegono soube aproveitar

o momento de vulnerabilidade dos arguraspides sem a

proteccedilatildeo dos flancos e ordenou a investida da cavalaria de

Fiacutethon182

Os resultados da batalha natildeo foram nada agradaacuteveis para

os homens de Eumenes que tiveram seus suprimentos filhos

mulheres e muitos outros parentes capturados pelo inimigo

Com isso Antiacutegono exterminou completamente o espiacuterito

combativo dos macedocircnios induzindo um comportamento

tipicamente heleniacutestico no lugar do extermiacutenio dos refeacutens

e inimigos derrotados (mas preservados em suas habilidades

de combate) o general optou por alistaacute-los

[] os macedocircnios secretamente iniciaram negociaccedilotildees

com Antiacutegono capturando e entregando Eumenes

recobrando seus suprimentos e apoacutes receberem promessas

alistaram-se no exeacutercito acampado [καὶ πίστεις λαβόντες κατετάχθησαν εἰς τὸ στρατόπεδον]183

Agora que Antiacutegono havia se tornado o mais poderoso dos

Diaacutedocos os seus rivais passaram a temer a consolidaccedilatildeo de

seu poder supremo abalado apenas por pequenas revoltas

182 Diod 1943 183 Diod 1943 [hellip] οἱ Μακεδόνες λάθρᾳ διαπρεσβευσάμενοι πρὸς Ἀντίγονον τὸν μὲν Εμεν συναρπάσαντες παρέδωκαν τὰς δ ἀποσκευὰς κομισάμενοι καὶ πίστεις λαβόντες κατετάχθησαν εἰς τὸ στρατόπεδον

85

locais como a insurreiccedilatildeo fracassada liderada por Fiacutethon

na Meacutedia184

Encerrada as operaccedilotildees de Cassandro no Peloponeso e

apoacutes a fuga de Seleuco para o Egito185 a resposta imediata

agrave transformaccedilatildeo no cenaacuterio poliacutetico heleniacutestico causada

pela emergecircncia de Antiacutegono como autoridade predominante na

lideranccedila dos exeacutercitos se deu com a alianccedila de Ptolomeu

Seleuco Cassandro e Lisiacutemaco

184 Diod 1946-48 185 Diod 1953 e Diod 1954 respectivamente

86

33 Antiacutegono versus Ptolomeu Seleuco Cassandro e

Lisiacutemaco

Assim que chegou ao Egito Seleuco tratou de convencer

Ptolomeu do risco que era deixar Antiacutegono ampliar suas

forccedilas sua arrogacircncia e suas ambiccedilotildees ao trono

macedocircnico186

Seleuco natildeo somente conseguiu estabelecer uma

alianccedila com o senhor do Egito mas tambeacutem alguns de seus

amigos obtiveram sucesso na cooptaccedilatildeo de Cassandro e

Lisiacutemaco Com isso apoacutes recusar a abordagem diplomaacutetica de

Antiacutegono que enviou mensageiros com o intuito de reforccedilar

sua amizade com os generais macedocircnicos em eacutepoca de crise

Ptolomeu Lisiacutemaco e Cassandro exigiram de Antiacutegono (1) a

entrega da Capadoacutecia e da Liacutecia a Cassandro (2) da Friacutegia

a Lisiacutemaco (3) de toda a Siacuteria a Ptolomeu e (4) da

Babilocircnia a Seleuco sem mencionar a partilha dos tesouros

conquistados com a vitoacuteria sobre Eumenes187

Daiacute por diante uma seacuterie de embates subsequumlentes agrave

formalizaccedilatildeo do desentendimento dos Diaacutedocos dominaraacute a

cena poliacutetica pelos proacuteximos 15 anos e uma narrativa de

todos os pormenores do conflito natildeo seria eficaz na

apresentaccedilatildeo dos argumentos que estou a desenvolver neste

capiacutetulo Portanto tratarei da batalha de Ipso por ser

suficientemente documentada188

(se levarmos em consideraccedilatildeo

que as demais batalhas nos chegaram apenas em pouquiacutessimos

detalhes) e possibilitar interpretaccedilotildees razoavelmente

seguras sobre a arte da guerra heleniacutestica no tempo dos

Diaacutedocos

De acordo com Plutarco189 Demeacutetrio contava com mais de

70000 soldados de infantaria 10000 cavaleiros e 75

elefantes enquanto seus adversaacuterios haviam trazido cerca

186 Diod 1956 187 Diod 19 57 188 A principal fonte eacute Plut Dem 28-30 que provavelmente seguiu

Hierocircnimo de Caacuterdia 189 Plut Dem 28

87

de 65000 soldados de infantaria 10500 cavaleiros 120

carros de guerra e 400 elefantes

Tatildeo logo os exeacutercitos iniciaram a peleja Demeacutetrio

avanccedilou em direccedilatildeo a Antiacuteoco filho de Ptolomeu e ao

derrotaacute-lo facilmente e iniciar uma perseguiccedilatildeo para longe

do campo de batalha levou consigo a melhor e maior porccedilatildeo

da cavalaria (τοὺς πλείστους καὶ κρατίστους τν ἱππέων) do exeacutercito de

Antiacutegono Ao observar que a falange inimiga estava

desprotegida num dos flancos Seleuco ldquoos manteve em medo

de ataquerdquo rodeando os inimigos em ato ameaccedilador fazendo

com que muitos deles viessem a ele por sua proacutepria vontade

e com que os demais batessem em retirada190 Por fim

enquanto Antiacutegono aguardava pelo retorno de seu filho

impossibilitado de voltar ao combate devido ao avanccedilo

frontal dos elefantes inimigos (contra os 75 elefantes de

Antiacutegono e em seguida contra a proacutepria infantaria do

rei) sendo esta uma manobra que lanccedilava os paquidermes no

caminho de Demeacutetrio uma saraivada de projeacuteteis o atingiu

pondo fim a sua vida

Demeacutetrio ainda tentou com seus 5000 soldados de

infantaria e 4000 cavaleiros restantes da batalha

resistir em Atenas onde possuiacutea embarcaccedilotildees e recursos

diversos mas no caminho fora avisado por um mensageiro de

que os cidadatildeos de Atenas decidiram natildeo receber nenhum dos

reis

A batalha de Ipso provavelmente representou uma

tentativa de transformaccedilatildeo das funccedilotildees da cavalaria algo

ineacutedito na guerra heleniacutestica Certamente por influecircncia da

guerra encaminhada na porccedilatildeo mais oriental do impeacuterio

Seleuco tentou fazer com que os elefantes desferissem o

ataque principal enquanto a cavalaria comandada por seu

filho Antiacuteoco forccedilava uma retirada de Demeacutetrio Mas quais

190 Plut Dem 29

88

seriam no confronto que pocircs fim agrave hegemonia de Antiacutegono

as vantagens conferidas a Seleuco pelo uso dos elefantes

A primeira delas estava fixada pelo nuacutemero de elefantes

(400 no total contra apenas 75 de Antiacutegono) Seleuco

sabendo disso os fez avanccedilar frontalmente contra o corpo

principal do exeacutercito antigocircnida provavelmente ordenando

que seu filho Antiacuteoco batesse em retirada e levasse

consigo a maior e melhor parte da cavalaria inimiga sob o

comando de Demeacutetrio Ainda que Plutarco natildeo mencione tal

manobra por parte de Antiacuteoco afirmando pelo contraacuterio

que as tropas montadas antigocircnidas o haviam derrotado natildeo

parece provaacutevel que a cavalaria de Seleuco fugiria do campo

de batalha tatildeo rapidamente ou que Demeacutetrio a perseguiria

ateacute a batalha ser encerrada (a menos que a fuga de Antiacuteoco

fosse parte de um plano)

Tarn191 argumentou sobre esta possibilidade na deacutecada de

1930 salientando que iniciada a perseguiccedilatildeo da cavalaria

de Seleuco se Demeacutetrio desistisse cedo demais a cavalaria

inimiga poderia simplesmente retornar e atacar sua

retaguarda mas por outro lado se a perseguiccedilatildeo levasse

muito tempo a batalha central se tornaria

definitivamente um palco imaginaacuterio Aceita esta hipoacutetese

conclui-se que Seleuco pocircde desferir seu ataque principal

com os elefantes ao centro e com a cavalaria na ala inimiga

desprotegida enquanto Demeacutetrio ficou impossibilitado de

dar qualquer suporte a Antiacutegono devido ao sucesso da

possiacutevel manobra de Antiacuteoco uma vez que o avanccedilo dos

elefantes havia inviabilizado o caminho para as operaccedilotildees

de auxiacutelio

191 Tarn opcit p69

89

CAPIacuteTULO 3 ndash PODER MONAacuteRQUICO E ARTE DA GUERRA NA

MAGNA GREacuteCIA E NA SICIacuteLIA HELENIacuteSTICA

1 Agaacutetocles e a introduccedilatildeo da basileia

heleniacutestica

Diodoro nos relata que Agaacutetocles ldquoao saber que os

referidos priacutencipes tinham assumido o diadema e por natildeo se

considerar inferior a eles em poder territoacuterio e feitos

designou-se reirdquo192 Esta natildeo era uma monarquia siciliana

como as anteriores aleacutem do desejo de se igualar em poder

aos monarcas heleniacutesticos e de assumir caracteriacutesticas de

um ldquonovordquo tipo de realeza como veremos a seguir Agaacutetocles

mantinha com alguns dos Diaacutedocos relaccedilotildees diplomaacuteticas as

quais frequumlentemente ilustravam um posicionamento muito

semelhante agravequeles adotados pelos Sucessores de Alexandre

quanto ao direito de conquista amplamente baseado no

princiacutepio da doriktetos chora De forma similar agrave

distribuiccedilatildeo de territoacuterios liderada pelos generais

macedocircnicos apoacutes a morte de seu rei em 323 aC Agaacutetocles

pretendia negociar de acordo com Diodoro a distribuiccedilatildeo

do espaccedilo africano (ainda natildeo subjugado) e siciliano

(parcialmente hostil) com Ophellas em 309 aC por

ocasiatildeo de sua expediccedilatildeo cartaginesa

192 Diod 2054 ldquo[] γὰρ πυθόμενος τοὺς προειρημένους δυνάστας ἀνῃρημένους

διάδημα καὶ νομίζων μήτε δυνάμεσι μήτε χώρᾳ μήτε τοῖς πραχθεῖσι λείπεσθαι τούτων ἑαυτὸν ἀνηγόρευσε βασιλέαrdquo Sobre a basileia de Agaacutetocles consultar

principalmente Henry Julius Wetenhall Tillyard Agathocles Cambridge

The University Press 1908 Claude Mosseacute La tyrannie dans la Gregravece

Antique Paris Presses Universitaires de France 1969 PP 149-202

Klaus Meister CAH 7 1984 PP 384-411 Ricardo Vattuone Sapienza

d‟occidente Il pensiero storico di Timeo di Tauromenio Bologna

Pagravetron 1991 Pp 63-86 187-204 Lorenzo Braccesi I tiranni di

Sicilia Roma-Bari Laterza 1998 PP 101-113 Consolo Langher Efrem

Zambon ldquoFrom Agathocles to Hieratildeo II the birth and development of

basileia in Hellenistic Sicilyrdquo In Sian Lewis (org) Ancient

Tyranny Edinburgh The University Press 2006 PP 77-94 Sobre a

coroaccedilatildeo dos Diaacutedocos de maneira geral consultar os estudos e as

referecircncias apresentadas no cap2 desta tese

90

Apoacutes esta batalha Agaacutetocles ao examinar todas as

maneiras de subjugar os cartagineses enviou Orthon o

siracusano como mensageiro a Ophellas em Cirene

Ophellas havia sido um dos Companheiros de Alexandre em

sua expediccedilatildeo tendo assumido o controle da cidade de

Cirene e de um poderoso exeacutercito e aspirava a uma

dominaccedilatildeo mais ampla Este era o seu estado de espiacuterito

quando o mensageiro de Agaacutetocles chegou com o pedido de

auxiacutelio para a campanha contra os cartagineses Em

troca desse serviccedilo ele [o mensageiro] prometeu que

Agaacutetocles concederia a Ophellas liberdade total no

controle da Liacutebia Agaacutetocles disse-lhe o mensageiro

estava satisfeito com a Siciacutelia desde que estivesse

livre da ameaccedila cartaginesa e que pudesse governar sem

receio toda a ilha A Itaacutelia estava disponiacutevel e

proacutexima para ampliar o seu impeacuterio caso Agaacutetocles

ambicionasse mais poder193

Ao analisarmos o relato do historiador siciliano

torna-se evidente que o comandante siracusano queria

integrar o cenaacuterio poliacutetico internacional de seu tempo

orientado por criteacuterios de paridade com os Diaacutedocos e que

Ophellas seria sua melhor opccedilatildeo de alianccedila pois o mesmo

aspirava agrave conquista de mais territoacuterios Afinal tal

paridade em forccedila militar territoacuterios conquistados e

realizaccedilotildees seria o motor de sua monarquia autoproclamada

Quando Ophellas e seu exeacutercito se encontraram com

Agaacutetocles o mesmo colocou em praacutetica seu plano de traiccedilatildeo

o macedocircnio foi pego de surpresa e assassinado enquanto

tentava desesperadamente se defender o siracusano entatildeo

aproveitando-se da situaccedilatildeo recrutou o numeroso exeacutercito

193 Diod 2040 ldquoἈπὸ δὲ τς μάχης ταύτης γενόμενος καὶ πάντα τῆ διανοίᾳ σκοπούμενος

πρὸς τὸ λαβεῖν τοὺς Καρχηδονίους ποχειρίους ἐξέπεμψε πρεσβευτὴν Ὄρθωνα τὸν Συρακόσιον πρὸς φέλλαν εἰς Κυρήνην οὗτος δ ἦν μὲν τν φίλων τν συνεστρατευμένων Ἀλεξάνδρῳ κυριεύων δὲ τν περὶ Κυρήνην πόλεων καὶ δυνάμεως ἁδρᾶς περιεβάλετο ταῖς ἐλπίσι μείζονα δυναστείαν τοιαύτην οὖν ατοῦ διάνοιαν ἔχοντος ἧκεν ὁ παρ Ἀγαθοκλέους πρεσβευτής ἀξιν συγκαταπολεμσαι Καρχηδονίους ἀντὶ δὲ ταύτης τς χρείας ἐπηγγέλλετο τὸν Ἀγαθοκλέα συγχωρήσειν ατῶ τν ἐν Λιβύῃ πραγμάτων κυριεύειν εἶναι γὰρ ἱκανὴν ατῶ τὴν Σικελίαν ἵν ἐξῆ τν ἀπὸ τς Καρχηδόνος κινδύνων ἀπαλλαχθέντα μετ ἀδείας κρατεῖν ἁπάσης τς νήσου παρακεῖσθαι δὲ καὶ τὴν Ἰταλίαν ατῶ πρὸς ἐπαύξησιν τς ἀρχς ἐὰν κρίνῃ μειζόνων ὀρέγεσθαιrdquo Para esta passagem Austin (n90) eacute a traduccedilatildeo de referecircncia A

invasatildeo eacute vagamente mencionada por Polib 182 e a alianccedila por

Justino 226 Cf Consolo Langher pp 175-196

91

sem comandante para a guerra que jaacute estava preparado para

travar conseguindo com isso praticamente dobrar o nuacutemero

de seus homens194

Polieno contudo sequer menciona a intenccedilatildeo de

estabelecer qualquer alianccedila por parte de Agaacutetocles

Segundo Polieno195 Ophellas encontrava-se jaacute com numeroso

exeacutercito em postos avanccedilados contra Agaacutetocles ao que tudo

indica no iniacutecio da expediccedilatildeo africana liderada pelo

siracusano quando Agaacutetocles ciente da inclinaccedilatildeo de seu

inimigo por jovens rapazes enviou seu filho Heracleides

ldquoum rapaz de beleza extraordinaacuteriardquo com a missatildeo de

distraiacute-lo enquanto o exeacutercito siciliano revidava em

sigilo Ophellas apaixonado pelo rapaz mostrou-se incapaz

de prever a sua proacutepria morte e Agaacutetocles saiu vitorioso

resgatando seu filho com sucesso

O relato de Polieno eacute obviamente pouco criacutevel

considerando-se que dificilmente um comandante com a

experiecircncia de Ophellas ainda mais no comando de um

numeroso exeacutercito aacutevido pela guerra para a qual estavam

marchando desde Cirene se deixaria distrair tatildeo gravemente

pelo filho de seu inimigo ainda que tivesse as inclinaccedilotildees

sexuais mencionadas Parece igualmente improvaacutevel que

Ophellas natildeo tivesse sido cotado como aliado por Agaacutetocles

a julgar pela referecircncia tatildeo clara em Diodoro e pelo

desenrolar dos eventos na Aacutefrica O mais provaacutevel eacute que

Polieno natildeo tivesse conhecimento da alianccedila ou a tivesse

suprimido pela natureza didaacutetica de sua obra De qualquer

modo as relaccedilotildees diplomaacuteticas tiveram de acontecer mesmo

que unilateralmente em certo ponto e comprovam

preliminarmente a interaccedilatildeo (diplomaacutetica e beacutelica) entre

Agaacutetocles e o mundo heleniacutestico num niacutevel que para ele se

dava em grau de paridade Como nos lembra Braccesi a

194 Diod 2042

195 Polieno 53

92

Siciacutelia mostrou-se um espaccedilo imune agrave invasatildeo de Alexandre

mas natildeo ao seu projeto de conquista neste caso traduzido

pela ascensatildeo de Agaacutetocles agrave iminente realeza196 A

autoproclamaccedilatildeo de Agaacutetocles como rei simbolizava que o

siracusano via-se em condiccedilatildeo de reclamar territoacuterios nos

mesmos termos que os Diaacutedocos e as interaccedilotildees diversas com

alguns deles servem de evidecircncia para a postura de paridade

adotada pelo monarca

Parte da historiografia moderna no entanto tende a

classificar Agaacutetocles da mesma forma que os tiranos tardo-

claacutessicos ou ainda como os tiranos arcaicos de modo que

sua autoproclamaccedilatildeo representaria de fato apenas um traccedilo

de sua ambiccedilatildeo poliacutetica uma estrateacutegia de inserccedilatildeo sem

grandes resultados197 Veja-se por exemplo o que nos diz

Mosseacute para quem Agaacutetocles tirano popular198 teria se

transformado com a expediccedilatildeo africana numa figura

196 Braccesi op cit p101 Cf tambeacutem Lorenzo Braccesi L‟Alessandro

occidentale Il Macedone e Roma Roma ldquoL‟ermardquo di Bretschneider

2006 PP 54-67 Braccesi argumenta que apoacutes a morte de Alexandre o

problema puacutenico se confunde com a hereditariedade do poder monaacuterquico

produzindo uma ldquonascente sensibilidade heleniacutesticardquo a qual seria

direcionada agrave ameaccedila cartaginesa sob a forma de basileia justificada 197 Outra questatildeo recorrente na historiografia moderna eacute a classificaccedilatildeo

de Agaacutetocles como grande estadista ou como o mais cruel dos tiranos

discussatildeo que se arrasta desde a Antiguidade quando por exemplo

Caacutelias (FGrH 564T3) contemporacircneo de Agaacutetocles pinta uma aura de

piedade e humanidade para o siracusano ao passo que Timeu (FGrH

566F124) igualmente seu contemporacircneo diz que nenhum tirano mostrou-

se tatildeo cruel quanto ele Aleacutem da identificaccedilatildeo errocircnea da monarquia de

Agaacutetocles como sendo da mesma natureza que as tiranias tardo-

claacutessicas haacute que se considerar a interpretaccedilatildeo curiosa ndash e pouco

aceita ndash de Helmut Berve (Die Herrschaft des Agathokles Muumlnchen

Verlag 1953 Die Tyrannis bei den Griechen Muumlnchen Verlag 1967)

Segundo Berve Agaacutetocles manteve a sua magistratura em Siracusa tendo

criado ao mesmo tempo uma monarquia pessoal como maneira de combater

em nome da cidade e acumular territoacuterios em seu proacuteprio nome Como

desdobramento disso no final de sua vida Agaacutetocles teria devolvido a

democracia aos siracusanos sem abdicar da realeza o que de fato

carece de evidecircncias suficientes Para o assunto cf Meister CAH 7

pp 409-410 198 O que soa no fim das contas absurdo pois logo apoacutes a sua morte os

siracusanos confiscaram as suas propriedades derrubaram as suas

estaacutetuas e procederam a uma verdadeira damnatio memoriae Sobre a

criacutetica agrave classificaccedilatildeo da tirania de Agaacutetocles como ldquopopularrdquo cf

Meister CAH 7 p 410

93

tiracircnica tiacutepica do periacuteodo heleniacutestico o roy conqueacuterant199

embora seu comportamento indique no fim das contas uma

postura comum entre os tiranos que o precederam

Homem do povo pelo povo de Siracusa eacute que ele tentou

restaurar a supremacie da cidade que ele tentou

igualmente varrer o perigo que pesava sobre toda a

Siciacutelia o perigo cartaginecircs Homem de seu tempo []

imitador dos generais de Alexandre quanto ao tiacutetulo

reacutegio [] Ele natildeo liberou os escravos por princiacutepio

mas por que necessitava de homens para combater Nisso

ele se assemelhava aos tiranos do seacutecIV aC [] Ateacute

onde podemos conhececirc-lo ele continua a ser o tipo do

tirano popular mais proacuteximo no fim dos tiranos da

eacutepoca arcaica que dos condottieri do seacutecIV aC ou dos

ldquorevolucionaacuteriosrdquo da eacutepoca heleniacutestica200

Imitador dos Diaacutedocos Agaacutetocles agregaria em uacuteltima

instacircncia tanto os valores do tirano arcaico (devido ao

caraacuteter demagoacutegico de seu governo) quanto os costumes de

recrutamento do tirano claacutessico orientado pelo alistamento

massivo de exilados e mercenaacuterios Isso o torna peculiar

sem duacutevida mas o contexto eacute imperativo para o assunto e

como tal impotildee agrave monarquia adotada por Agaacutetocles um sentido

especialmente heleniacutestico Natildeo resta duacutevida que o

alistamento massivo de profissionais era uma praacutetica de

origens tardo-claacutessicas na Siciacutelia grega da mesma forma o

traccedilo popular dos governos autocraacuteticos remonta agrave eacutepoca

arcaica201 Poreacutem tais peculiaridades encontravam-se

inseridas no contexto de fragmentaccedilatildeo do impeacuterio de

Alexandre fazendo da Siciacutelia como dito anteriormente

parte do projeto de conquista macedocircnica (o que seria

executado obviamente pelos Diaacutedocos) e de Agaacutetocles o

homem capaz de liderar uma inovaccedilatildeo poliacutetica de

caracteriacutesticas heleniacutesticas

199 Claude Mosseacute op cit p 171 Sobre a identificaccedilatildeo de Agaacutetocles

com tiranos arcaicos e tardo-claacutessicos cf Zambon op cit p 77 200 Mosseacute op cit pp 176-177 Grifo nosso

201 Meister CAH 7 pp 409-410

94

Braccesi quase 30 anos apoacutes a publicaccedilatildeo do livro de

Mosseacute mostra-se um pouco mais otimista quanto agrave concretude

da monarquia de Agaacutetocles O contexto de interaccedilatildeo do

siracusano com os generais macedocircnicos aparece com mais

relevacircncia de modo a gerar uma interpretaccedilatildeo histoacuterica

acerca dos problemas de longevidade da basileia

agatocleana A natureza heleniacutestica da monarquia

introduzida na Siciacutelia por Agaacutetocles eacute inquestionaacutevel mas

trata-se no final das contas de uma monarchia mancata202

Recentemente Zambon203 sustentou que Agaacutetocles iniciou

uma mudanccedila constitucional ao introduzir a monarquia de

tipo heleniacutestico em Siracusa e que seu exemplo foi seguido

por diversos governantes posteriores (tais como Phintias

Pirro e Hieratildeo II) Considerado o niacutevel de sistematizaccedilatildeo

desenvolvido por Zambon podemos dizer que a sua

interpretaccedilatildeo soa demasiado otimista forccedilando

propositalmente (pela preservaccedilatildeo do argumento) uma

continuidade exagerada nas mudanccedilas institucionais

siciliotas apoacutes a morte de Agaacutetocles Naquele momento

contudo tentativas de retomada das formas constitucionais

perdidas com a ascensatildeo do monarca emergiram muitas delas

temporariamente bem-sucedidas Em defesa do otimismo

zamboniano podemos apenas dizer com certa razatildeo que o

cenaacuterio poliacutetico siciliota mostrou-se suficientemente

confuso e marcado como recorda Zambon por ldquoguerras civis

sangrentasrdquo bem como por ldquoconsequumlecircncias [soacutecio-econocircmicas]

de campanhas militares exaustivasrdquo e soluccedilotildees poliacuteticas

extremas adotadas pelas poacuteleis que agregavam poder de

lideranccedila na porccedilatildeo leste da ilha204 Diante de tamanha

complexidade e da evidecircncia para o surgimento da monarquia

de tipo heleniacutestico na ilha como parte do conjunto das

202 Braccesi op cit p 110

203 Zambon op cit pp 77-94 Zambon Hellenistic Sicily

204 Zambon Hellenistic Sicily p 267

95

inovaccedilotildees poliacuteticas siciliotas (momentaneamente fracassadas

e posteriormente retomadas) devemos a esta altura nos

perguntar como se deu a introduccedilatildeo da basileia por

Agaacutetocles e em quais aspectos ela representou uma imitatio

Alexandri O primeiro indiacutecio analisado eacute obviamente a

transformaccedilatildeo de ordem poliacutetica que deve ser compreendida

no decorrer da trajetoacuteria de Agaacutetocles cedendo espaccedilo em

seguida para o estudo dos indiacutecios de uma imitatio em

campo taacutetico a partir das tropas que a organizaccedilatildeo social

siciliana disponibilizou no contexto

Em 337 aC apoacutes a morte de Timoleatildeo frente ao

problema da sucessatildeo de um liacuteder que havia pacificado na

medida do possiacutevel a Siciacutelia grega e promovido em larga

escala um verdadeiro tiraniciacutedio diversas tiranias

reapareceram na porccedilatildeo leste da ilha e a ofensiva

cartaginesa novamente gerava resultados preocupantes para

os gregos A democracia siracusana havia sido a esta altura

substituiacuteda por uma oligarquia a qual era liderada por

Sosiacutestrato e Heracleides Com isso a velha guerra civil

retornou com forccedila total colocando cidadatildeos (democratas e

oligarcas) em lados opostos convivendo num grau de

desentendimento que se traduzia no derramamento contiacutenuo de

sangue

Os primeiros anos da vida poliacutetica de Agaacutetocles se

deram no exiacutelio quando o siracusano parece ter aproveitado

a puniccedilatildeo para angariar apoio noutras regiotildees e recrutar o

nuacutemero de mercenaacuterios que seu dinheiro pudesse pagar Apoacutes

o seu retorno a Siracusa em 319 aC jaacute em cenaacuterio

poliacutetico favoraacutevel Agaacutetocles apresentou-se como defensor

da democracia e segundo Diodoro conquistou o apoio

popular por sua abordagem demagoacutegica (δημαγωγήσας) Em

seguida Agaacutetocles teria sido eleito strategos e ldquoguardiatildeo

96

da pazrdquo (φύλαξ τς εἰρήνης)205 Meister e Zambon recordam que um

termo ligeiramente diferente aparece na Marmor Parium (FGrH

239F12) onde eacute sugerida jaacute no iniacutecio uma strategia

autocraacutetica206 o que altera sensivelmente a natureza da

magistratura de Agaacutetocles e sugere nesse caso o uso de

fontes favoraacuteveis ao tirano por Diodoro A strategia

autocraacutetica era um cargo extraordinaacuterio sendo o magistrado

eleito por tempo indeterminado e com objetivos de caraacuteter

urgente No caso em questatildeo a querela entre democratas e

oligarcas deveria ser mais uma vez solucionada mas com o

strategos agrave frente da poliacutetica externa Tratava-se

portanto de ldquouma excelente oportunidade para o golpe de

Estadordquo recorda o historiador italiano Aleacutem disso

Agaacutetocles natildeo era exatamente o homem mais indicado para

coordenar um equiliacutebrio muacutetuo entre as facccedilotildees como a sua

imediata ascensatildeo ao poder absoluto precedida pelo

extermiacutenio dos seus adversaacuterios poliacuteticos foi capaz de

mostrar207 A nomeaccedilatildeo de Agaacutetocles tenha ela acontecido

nos termos postos por Diodoro ou da forma direta presente

na inscriccedilatildeo sugere uma legalidade no processo o que

dificilmente ocorreu A eleiccedilatildeo era apenas uma ldquopseudo-

legalidade formalrdquo diz Meister208 uma vez que (1) os

adversaacuterios poliacuteticos oligarcas haviam sido assassinados ou

exilados (2) a assembleacuteia era composta basicamente por

entusiastas da nomeaccedilatildeo de Agaacutetocles e (3) um grande nuacutemero

de soldados dava cobertura armada para o golpe Parece

205 Diod 195 Eacute possiacutevel que Diodoro tenha usado neste caso uma

fonte favoraacutevel a Agaacutetocles de modo a alterar as caracteriacutesticas das

primeiras magistraturas que ele assumiu em Siracusa 206 Marmor Parium (FGrH 239F12) ldquoE naquele mesmo ano os siracusanos

escolheram Agaacutetocles como bdquostrategos autocrator‟ das defesas

siciliotasrdquo Meister CAH 7 p 389 Zambon op cit p 78 Marmor

Parium eacute uma famosa inscriccedilatildeo encontrada em Paros datada de 2643

aC e preservada em duas partes podendo ser consultadas

gratuitamente no website do Ashmoelan Museum

(httpwwwashmoleanorg) 207 Meister CAH 7 p 388

208 Meister CAH 7 p 389

97

incorreto portanto falar de uma eleiccedilatildeo livre e legal do

mesmo modo que pressupor uma participaccedilatildeo efetiva da

assembleacuteia nas decisotildees tomadas por Agaacutetocles o que

inviabiliza inclusive a sua interpretaccedilatildeo como ldquotirano

popularrdquo A sua abordagem demagoacutegica posta muitas vezes

numa entonaccedilatildeo positiva por Diodoro funcionava apenas como

princiacutepio ideoloacutegico para a manutenccedilatildeo de um poder

autocraacutetico e opressor em relaccedilatildeo ao funcionamento da

assembleacuteia o qual foi associado como recurso estrateacutegico

de compensaccedilatildeo ao cancelamento de diacutevidas redistribuiccedilatildeo

de terras construccedilatildeo de diversos preacutedios puacuteblicos e

expansatildeo da frota siracusana

De acordo com Zambon209 o primeiro indiacutecio da adoccedilatildeo da

basileia heleniacutestica por Agaacutetocles encontra-se numa accedilatildeo

especiacutefica durante a campanha africana (310-307 aC)

Nesta ocasiatildeo em 309 aC o tirano teria dado indiacutecios de

que pretendia mesmo adotar um novo tipo de realeza em

sintonia com a emergente ideologia advinda do mundo

heleniacutestico Zambon remonta o significante episoacutedio do

motim em Tuacutenis210 quando Agaacutetocles decidiu enfrentar o

problema pessoalmente diante dos soldados Apoacutes vestir uma

toga puacuterpura (τὴν πορφύραν)211 siacutembolo da realeza naquele

tempo Agaacutetocles foi ter com suas tropas rebeldes que

reconheceram seus trajes como roupas reais (τὴν βασιλικὴν

ἐσθτα) adequadas ou pertencentes ao seu comando (τὸν

προσήκοντα κόσμον) Embora seja improvaacutevel que Agaacutetocles

tivesse pensado em se autoproclamar basileu antes mesmo dos

209 Zambon op cit p 80

210 Diod 2034

211 Esta foi a primeira vez em que Agaacutetocles apareceu diante de suas

tropas trajando a toga puacuterpura A toga alaranjada no estilo tarentino

(κροκωτὸν ἐνδὺς) no entanto havia jaacute sido empregada por Agaacutetocles de acordo com informaccedilatildeo registrada em Polieno 53 Na ocasiatildeo Agaacutetocles

convidou quase 500 pessoas (hostis agrave sua autoridade em Siracusa) para

um banquete e momentos apoacutes ter cantado danccedilado e tocado harpa

vestido com sua toga alaranjada no estilo tarentino mandou executar

todos os convidados

98

Diaacutedocos o ponto aqui eacute que Agaacutetocles certamente modificou

a concepccedilatildeo de seu proacuteprio poder durante a campanha

africana e que estava inclinado a atingir uma nova escala

de influecircncia poliacutetica entre seus homens A vitoacuteria sobre

Ophellas vale lembrar um dos antigos Companheiros de

Alexandre certamente influenciou a referida postura

durante a expediccedilatildeo africana

Suporte para a orientaccedilatildeo heleniacutestica de Agaacutetocles pode

ser encontrado tambeacutem numa evidecircncia arqueoloacutegica que tem

se mostrado tatildeo decisiva quanto polecircmica um estater de

ouro de Agaacutetocles com apenas 3 exemplares conhecidos

(fig1)212 A moeda possui no anverso uma cabeccedila com um

escalpo de elefante e o chifre de Amon e no reverso a

imagem de uma Atena ldquomarchanterdquo equipada com elmo escudo

e lanccedila sendo precedida por uma coruja aos seus peacutes ave

frequumlentemente ligada agrave divindade e com a inscriccedilatildeo

AGATHOKLEOS (ldquode Agaacutetoclesrdquo) agraves suas costas Como nos

lembra Stewart o estater de ouro tem sido vinculado agrave

expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles desde o seacutecXIX aleacutem de

parecer inquestionaacutevel que se trata de uma imitaccedilatildeo dos

tetradracmas de Ptolomeu especificamente aqueles dos anos

3143 aC (fig2)213 A primeira questatildeo analiacutetica pode ser

sugerida a partir da figura presente no anverso Noutras

palavras de quem seria a cabeccedila representada no estater

Claramente a Atena representada no reverso refere-se a uma

vitoacuteria militar (Athena Nikeacute) e deve tratar do iniacutecio da

expediccedilatildeo africana214 desdobrando-se portanto em algumas

212 Haacute outras evidecircncias para o impacto da expediccedilatildeo asiaacutetica de

Alexandre no mundo mediterracircnico ocidental tais como um vaso

apuliano cujo tema central eacute a batalha de Isso e um retrato no

templo de Melkart em Caacutedis Sobre a repercussatildeo que a anaacutebasis de

Alexandre teve no mundo ocidental antigo consultar Andrew Stewart

Faces of Power Alexander‟s Image and Hellenistic Politics Berkeley

and Los Angeles University of California Press 1993 pp 150-157

263-289 213 Stewart op cit p 266

214 Uma vez que a expediccedilatildeo terminou em fracasso a cunhagem natildeo pode

ter se dado apoacutes 307 aC Aleacutem disso haacute que se considerar uma

99

interpretaccedilotildees possiacuteveis para a cabeccedila em questatildeo trata-

se dizem alguns da personificaccedilatildeo da Aacutefrica Liacutebia ou

Siciacutelia215 ao passo que outros sustentam uma identificaccedilatildeo

com Alexandre ou com o proacuteprio Agaacutetocles216 A mim parece

evidente que se trata de Agaacutetocles representado como

Alexandre pelos seguintes motivos 1) como notaram alguns

estudiosos a personificaccedilatildeo da Aacutefrica da Liacutebia ou mesmo

da Siciacutelia natildeo eacute seguramente documentada ateacute o periacuteodo

romano devendo ainda ser considerado o chifre de Amon e a

fronte masculina como evidecircncias da impossibilidade de uma

representaccedilatildeo feminina217 2) embora natildeo existissem

elefantes no exeacutercito de Agaacutetocles a sua ausecircncia mesmo

entre os cartagineses do periacuteodo de cunhagem do estater

indica que se tratava de algo puramente simboacutelico sem

referecircncia imediata ao exeacutercito do comandante siracusano

mostrando-se portanto como imitaccedilatildeo dos tetradracmas de

Ptolomeu (314-3 aC) como previamente sugerido e

visando em uacuteltima instacircncia o viacutenculo com o impeacuterio de

Alexandre o Grande (filho de Amon) a partir de um dos

siacutembolos poliacutetico-militares mais poderosos dos Diaacutedocos (o

referecircncia em Diod 2011 sobre a primeira vitoacuteria de Agaacutetocles na

Aacutefrica quando os soldados apoiados por corujas (animal ligado agrave

deusa Atena como dito acima) conseguiram derrotar os cartagineses

ldquoao perceber que os seus soldados estavam aterrorizados com o grande

nuacutemero da cavalaria e da infantaria baacuterbaras [Agaacutetocles] soltou

corujas entre o seu exeacutercito as quais ele tinha preparado como meio

de retirar o medo dos soldados comuns as corujas voando atraveacutes da

falange e pousando nos escudos e elmos encorajaram os soldados e

cada homem entendeu o ocorrido como um pressaacutegio uma vez que o

paacutessaro eacute consagrado a Atenardquo A referecircncia soa absurda do ponto de

vista taacutetico mas deve ter sido inspirada por algum evento relacionado

agraves corujas a julgar pelos dados cruzados tanto no estater quanto no

relato do historiador siciliano 215 Kuschel 1961 15 e Goukowsky 1978 207 sugeriram Aacutefrica e Liacutebia

sendo a Siciacutelia tambeacutem sugerida por Goukowsky 1978 356 216 Alexandre parece o mais provaacutevel para os estudiosos como encontrado

em Walther Giesecke (Sicilia numismaacutetica Leipzig K W Hiersemann

1923 P 91) e Ernest Babelon (ldquoAlexandre ou l‟Afriquerdquo Areacutethuse 1

95-107 1924 P 102) enquanto Agaacutetocles tem sido sugerido por

exemplo por Erick Sjoumlqvist (ldquoA portrait Head from Morgantina AJA 66

319-322 1962 P 320rdquo) Para um balanccedilo geral das diversas

interpretaccedilotildees cf Stewart op cit pp 266-268 217 Cf Stewart op cit p 268

100

elefante de combate) Pode-se dizer que a imagem faz

referecircncia estrita a Alexandre devido ao chifre de Amon

mas considerando-se cuidadosamente a inscriccedilatildeo no reverso e

o contexto de cunhagem chega-se agrave conclusatildeo de que a

cabeccedila sugere Agaacutetocles representado como Alexandre (o que

anularia inclusive a criacutetica feita por alguns estudiosos

de que a cabeccedila de Agaacutetocles havia sido representada

diferentemente noutras moedas)

101

2 O embate pela preservaccedilatildeo da unificaccedilatildeo

poliacutetica da morte de Agaacutetocles a Pirro do Epiro

Entre 310 aC e 290 aC os tradicionais problemas

siciliotas haviam sido parcialmente controlados por meio da

centralizaccedilatildeo liderada por Agaacutetocles Submetidas ao

controle de Siracusa as poacuteleis da Siciacutelia experimentaram

uma reduccedilatildeo dos conflitos internos que quase sempre

resultavam em stasis (uma vez que natildeo possuiacuteam autonomia

para tanto) e o domiacutenio cartaginecircs manteve-se em boa parte

do tempo restrito agrave porccedilatildeo oeste da ilha (dado o caraacuteter

militarmente ofensivo da poliacutetica externa siracusana) Apoacutes

a morte de Agaacutetocles no entanto com a reconquista da

autonomia das cidades vieram todos os tradicionais

problemas siciliotas somando-se ao novo distuacuterbio

migratoacuterio que os gregos da Siciacutelia tiveram que enfrentar

os mercenaacuterios do exeacutercito do monarca218

De modo similar ao que ocorreu com os macedocircnios a

questatildeo mais delicada na Siciacutelia grega teve relaccedilatildeo com a

sucessatildeo do rei (heleniacutestico) Uma diferenccedila todavia deve

ser notada no caso siciliota os paracircmetros sucessoacuterios

nunca foram muito claros ou mesmo respeitados ainda que a

tendecircncia natural fosse a delegaccedilatildeo do poder real aos

filhos do monarca em exerciacutecio Nos uacuteltimos anos de sua

vida Agaacutetocles havia confiado o controle dos exeacutercitos a

Archagathus neto do rei e filho do tambeacutem nomeado

Archagathus ex-combatente morto na Liacutebia219 De acordo com

218 Para os problemas gerados pelos mercenaacuterios de Agaacutetocles apoacutes a sua

morte consultar Gianluca Tagliamonte ldquoRapporti tra societagrave di

immigrazione e mercenari italici nella Sicilia greca del IV secolo

aCrdquo In Confini e frontiera nella Grecitagrave d‟Occidente Atti Del

XXXVII Convegno Internazionale di Studi sulla Magna Grecia Taranto

1999 PP 547-572 219 Diod 2116 Justino 232 Para uma distinccedilatildeo entre ambos ver

Niese ldquoArchagatusrdquo in RE 21 432-433 1895

102

Diodoro220 o plano de Agaacutetocles era que seu filho

Agaacutetocles juacutenior se tornasse o sucessor legiacutetimo tendo

com esse propoacutesito apresentado o jovem em Siracusa e o

enviado a Etna com uma carta de autorizaccedilatildeo para o comando

supremo das tropas Ao saber da deliberaccedilatildeo do rei

Archagathus teria decidido levar adiante um plano de

usurpaccedilatildeo Como primeira medida instigaria Menon um dos

amigos (philoi) de Agaacutetocles a envenenar o rei enquanto o

proacuteprio strategos levaria a cabo o assassinato do priacutencipe

apoacutes embebedaacute-lo durante uma festa organizada com esse

objetivo

Se aceitarmos o relato diodoreano a conclusatildeo imediata

eacute que Agaacutetocles desejava manter unidas strategia e

basileia no intuito de assegurar hereditariamente a

concentraccedilatildeo dos poderes poliacutetico e militar nas matildeos de um

soacute homem221 Ao seguir o formato monaacuterquico heleniacutestico

Agaacutetocles teria concedido plenos poderes poliacuteticos ao

general e ao mesmo tempo autoridade sobre os exeacutercitos ao

rei

Haacute contudo uma explicaccedilatildeo alternativa para a sucessatildeo

em Justino a qual natildeo pode ser negligenciada pelos

historiadores ldquoconforme a sua vida esvaiacutea uma guerra

nasceu entre seu filho e seu neto pelo direito agrave sucessatildeo

do reino como se ele jaacute estivesse morto apoacutes eliminar o

filho o neto tomou posse do poder reacutegiordquo222 De acordo com

Justino tanto Agaacutetocles juacutenior quanto Archagathus ao que

parece ainda no comando de consideraacutevel parte do exeacutercito

natildeo teriam sido escolhidos para suceder o rei Ao narrar

que Agaacutetocles teria enviado sua esposa ao Egito os dois

filhos que tivera com ela juntamente com seu tesouro

220 Diod 2116

221 Zambon Hellenistic Sicily pp19-20

222 Justino 232 Ex qua desperatione bellum inter filium nepotemque

eius regnum iam quasi mortui vindicantibus oritur occiso filio regnum

nepos occupavit

103

servos e mobiacutelia real Justino torna claro que o rei natildeo

havia pensado em nenhum dos rebeldes (filho e neto) como

seu sucessor legiacutetimo e que o conflito ter-se-ia iniciado

devido ao seu estado fraacutegil de sauacutede causado por uma

repentina e fatal doenccedila

Por uacuteltimo somente Diodoro menciona que Agaacutetocles

apoacutes ter sido envenenado por Menon a mando de Archagathus

ldquoconvocou a populaccedilatildeo denunciou Archagathus por sua

impiedade instigou a multidatildeo a se vingar e declarou que

devolveu a democracia ao corpo de cidadatildeosrdquo223 Certamente

o que verificamos logo apoacutes a morte de Agaacutetocles eacute a

retomada do governo proacuteprio de Siracusa que muito em breve

entraria em colapso para dar lugar a mais uma guerra civil

Diodoro224 menciona um evento importante sobre os soldados

pagos de Agaacutetocles chamados mamertinos225 os quais foram

obrigados apoacutes longa negociaccedilatildeo mediada pelos anciatildeos (οἱ

πρεσβῦται) a vender as suas propriedades e deixar a Siciacutelia

(τὰς ἑαυτν κτήσεις ἀποδομένους ἀπελθεῖν ἐκ Σικελίας)

Se aceitarmos o uacutenico fato em comum nos dois relatos

preservados sobre a sucessatildeo de Agaacutetocles isto eacute a luta

entre filho e neto pelo poder reacutegio haacute talvez uma forma de

unificar as divergecircncias nos testemunhos de Diodoro e

Justino Mesmo que Agaacutetocles natildeo tivesse escolhido seu

filho como sucessor podemos supor que o mesmo possuiacutea

direito ao trono uma vez que Archagathus o combateu com o

intuito de eliminaacute-lo da contenda sucessoacuteria226

Archagathus por outro lado possuiacutea o controle de boa

223 Diod 2116 [] ἐκκλησιάσας τὸν λαὸν κατηγόρησε τς ἀσεβείας Ἀρχαγάθου καὶ τὰ

μὲν πλήθη παρώξυνε πρὸς τὴν ατοῦ τιμωρίαν τῶ δὲ δήμῳ τὴν δημοκρατίαν ἔφησεν ἀποδιδόναι 224 Diod 2118

225 Diodoro 2118 nos informa que a cidade chamava-se Mamertina apoacutes

Ares que era conhecido ali pelo nome de Mamertos 226 Consolo Langher pp 320-321 tenta unificar as divergecircncias nos dois

relatos de modo muito similar exceto pelo fato de que toma como

incontestaacutevel a indicaccedilatildeo diodoreana com relaccedilatildeo agrave escolha do sucessor

e posterior revolta paterna diante da morte de seu primogecircnito O

problema aqui eacute a exclusatildeo intencional do que nos informa Justino que

natildeo faz qualquer menccedilatildeo agrave escolha de um sucessor por Agaacutetocles

104

parte dos exeacutercitos como atestado em ambas as fontes o

que lhe dava condiccedilotildees de reclamar o trono Se por um

lado Agaacutetocles natildeo escolheu seu filho como sucessor como

nos faz crer Justino por outro o rei natildeo desejava deixar

a heranccedila ao seu neto como nos indica tanto o despacho dos

seus tesouros ao Egito apoacutes a morte de Agaacutetocles juacutenior em

Justino227 como a devoluccedilatildeo do governo proacuteprio aos

siracusanos instantes antes de sua morte em Diodoro228

Apesar da divergecircncia quanto agrave escolha sucessoacuteria para

a qual proponho a soluccedilatildeo apresentada229 os testemunhos de

Diodoro e Justino preservam algo muito interessante tendo

Agaacutetocles escolhido seu filho como herdeiro o que teria

provocado os planos de usurpaccedilatildeo do neto e a consequumlente

luta pelo trono ou tendo filho e neto lutado pela sucessatildeo

sem o consentimento do rei do que resultou a morte do

filho e a hostilidade de Agaacutetocles para com Archagathus

parece incontornaacutevel o fato de que a manutenccedilatildeo da uniatildeo

entre strategia e basileia tenha sido um dos motores do

conflito As monarquias sicilianas posteriores do mesmo

modo tenderatildeo a manter o formato inaugurado por Agaacutetocles

ora baseando-se no esquema de incorporaccedilatildeo definitiva da

strategia compulsoacuteria agrave esfera do poder monaacuterquico ora

desdobrando a monarquia de tipo heleniacutestico da strategia

autocraacutetica

227 Justino 232

228 Diod 2116

229 Consolo Langher p 321 e Zambon Hellenistic Sicily p 25

propuseram algo no mesmo sentido particularmente quanto agraves

providecircncias do rei para evitar que seu neto tomasse o poder Tal

interpretaccedilatildeo contraria abertamente a proposta de Helmut Berve op

cit que via a devoluccedilatildeo do governo proacuteprio aos siracusanos por

Agaacutetocles como reconhecimento do fracasso institucional da basileia na

Siciacutelia

105

3 Pirro e o problema da monarquia heleniacutestica230

Semelhante a Alexandre ldquoem aparecircncia velocidade e

movimentordquo231 Pirro tomou um caminho diferente daquele

assumido por Agaacutetocles Como o rei do Epiro clamava ser

descendente de Aquiles optou por se apresentar como a

proacutepria reencarnaccedilatildeo de Alexandre ao inveacutes de explorar a

memoacuteria do rei por exemplo por meio de cunhagem poacutestuma

(o que havia sido feito por Agaacuteocles)232 Diferentemente dos

planos de unificaccedilatildeo poliacutetica e cultural concebidos por

Alexandre a atuaccedilatildeo de Pirro findou por ser a de lideranccedila

em questotildees essencialmente praacuteticas na vida dos italiotas e

siciliotas Inicialmente apoacutes fracassar nos embates contra

Lisiacutemaco que havia subornado os macedocircnios de seu exeacutercito

ao questionar a quem deveriam ser leais se aos amigos e

companheiros de Alexandre ou ao estrangeiro que acolheram

como rei233 Pirro tomou o pedido de auxiacutelio dos tarentinos

em 281 aC (passados os quatro anos que Leacutevecircque Pirro

entende terem sido um ldquoperiacuteodo de reflexatildeordquo234) como a sua

melhor chance de realizar a conquista do ocidente com a

qual Alexandre havia provavelmente sonhado algumas deacutecadas

antes e concretizar uma monarquia de tipo heleniacutestico

O diaacutelogo entre Pirro e Cineas diplomata de origem

tessaacutelia a serviccedilo do rei ilustra claramente as intenccedilotildees

do epirota em se tornar um monarca de tipo heleniacutestico

(considerando como veremos a seguir que a monarquia

epirota era de um tipo peculiar permanecendo o rei

submetido agrave fiscalizaccedilatildeo constante dos molossianos) a

230 Leacutevecircque Pirro Zambon Hellenistic Sicily pp 97-175

231 Plut Pirro 81

232 Stewart (op cit p284) lembra que as suas moedas traziam imagens

de Aquiles Teacutetis Dione e Zeus 233 Plut Pirro 126 Leacutevecircque Pirro p 166 Leacutevecircque Pirro calcula

somente 3 anos para o governo da Macedocircnia e 2 anos para o governo da

Tessaacutelia antes de o epirota sofrer a derrota para Lisiacutemaco 234 Leacutevecircque Pirro p 168

106

reencarnaccedilatildeo de Alexandre em proporccedilotildees similares de

conquista

bdquoOs romanos oacute Pirro satildeo conhecidos como bons

combatentes e como governantes de muitos povos

belicosos se entatildeo a divindade nos permitir

prevalecer sobre esses homens como deveriacuteamos usar a

nossa vitoacuteria‟ E Pirro disse bdquoa questatildeo oacute Cineas

realmente natildeo necessita de resposta uma vez

conquistados os romanos natildeo haacute nem baacuterbaros nem gregos

que sejam paacutereo para noacutes mas noacutes devemos dominar de

uma vez toda a Itaacutelia cuja grandeza (μέγεθος) excelecircncia (ἀρετὴν) e forccedila (δύναμιν) nenhum homem conhece melhor que vocecirc‟ Apoacutes uma pequena pausa entatildeo Cineas

disse bdquoapoacutes tomar a Itaacutelia oacute Rei o que noacutes iremos

fazer‟ E Pirro sem perceber ainda a sua intenccedilatildeo

respondeu bdquoa Siciacutelia estaacute ao nosso alcance e estende-

nos as matildeos sendo uma ilha rica e populosa bem como

faacutecil de capturar pois tudo laacute oacute Cineas se resume a

stasis (στάσις γὰρ ὦ Κινέα πάντα νῦν ἐκεῖ[να]) suas cidades estatildeo anaacuterquicas (ἀναρχία πόλεων) e os demagogos agitados com Agaacutetocles morto (καὶ δημαγωγν ὀξύτης Ἀγαθοκλέους ἐκλελοιπότος)‟ bdquoO que vocecirc fala‟ respondeu Cineas bdquoparece oportuno

mas a nossa expediccedilatildeo iraacute se encerrar com a tomada da

Siciacutelia‟ bdquoA divindade‟ disse Pirro bdquonos concederaacute a

vitoacuteria e o sucesso da empreitada essas disputas seratildeo

usadas como preliminares de feitos grandiosos

(πραγμάτων μεγάλων) Ora quem se absteria da Liacutebia ou de Cartago tendo a cidade se tornado acessiacutevel uma

cidade que Agaacutetocles ao fugir de Siracusa secretamente

e cruzar o mar com poucas embarcaccedilotildees por pouco natildeo

conquistou E quando noacutes tivermos ali nos tornado

senhores nenhum dos inimigos que agora nos insultam

ofereceraacute resistecircncia eacute desnecessaacuterio dizer isso‟ 235

O rei do Epiro foi capaz de vencer duas batalhas (as

famosas ldquovitoacuterias piacuterricasrdquo) que analisarei em maiores

detalhes mais agrave frente neste capiacutetulo e entatildeo partiu para

a Siciacutelia como o homem capaz de substituir Agaacutetocles na

luta contra os cartagineses No momento da travessia de

Pirro para a Siciacutelia a porccedilatildeo nordeste da ilha encontrava-

se sob lideranccedila dos mamertinos que apoacutes terem eliminado

os cidadatildeos de Messina assumiram o controle da cidade Com

235 Plut Pirro 142-5 Cf Chaniotis WHW p 57

107

a morte de Agaacutetocles e a ausecircncia de um sucessor imediato

que pudesse manter-se no poder de forma legiacutetima ou mesmo

suprimir os violentos embates civis de Siracusa (Hicetas

foi capaz de derrotar Menon e Phintias de Acragas mas natildeo

de sobreviver aos conflitos internos apoacutes nove anos de

tirania)236 o avanccedilo cartaginecircs tornou-se inevitaacutevel

somando-se ao fato de que as cidades gregas independentes

(tais como Tauromenium e Acragas) mostraram-se mais

preocupadas com a tributaccedilatildeo imposta pelos mamertinos do

que propriamente com a investida comandada por Cartago Tal

preocupaccedilatildeo natildeo era descabida A sua independecircncia estava

novamente ameaccedilada agora por soldados do antigo monarca

os quais haviam estabelecido uma alianccedila com os

cartagineses no intuito de barrar a travessia de Pirro

como nos informa Diodoro

Os mamertinos que massacraram os habitantes de

Messina estabeleceram uma alianccedila com os cartagineses

e decidiram juntos impedir a travessia de Pirro para a

Siciacutelia237

Pirro desfrutava de excelente reputaccedilatildeo entre os

siciliotas particularmente com os siracusanos (a esta

altura sitiados pelos cartagineses) devido agrave sua

experiecircncia militar na Peniacutensula ao longo de mais de dois

anos e havia decidido partir para a Siciacutelia como

libertador dos gregos O fracasso nas negociaccedilotildees de paz

com os romanos e os constantes apelos de Siracusa eram

elementos que precisavam ser ajustados quisesse o rei

partir para a Siciacutelia sem expor a sua retaguarda ao

provaacutevel avanccedilo das legiotildees na Magna Greacutecia e ainda contar

com o apoio logiacutestico das cidades siciliotas

236 Hicetas foi substituiacutedo por Thoenon (Ortiacutegia) e Sosiacutestrato

(Siracusa) ambos entusiastas da vinda de Pirro para a Siciacutelia

segundo Diod 227 237 Diod 227 Ὅτι Μαμερτῖνοι οἱ Μεσσηνίους δολοφονήσαντες συμμαχίαν μετὰ

Καρχηδονίων ποιήσαντες ἔκριναν κοινῆ διακωλύειν Πύρρον τὴν εἰς Σικελίαν διάβασιν

108

Este uacuteltimo cuidado o uacutenico que pocircde ser devidamente

acertado por Pirro dizia respeito agrave certeza do suporte

dado pelas cidades siciliotas e devia-se ao fato de Pirro

contar com exeacutercito reduzido no momento da travessia

Apiano relata que ldquoapoacutes isso Pirro navegou para a Siciacutelia

com seus elefantes e oito mil cavaleirosrdquo (ὁ μὲν δὴ Πύρρος ἐπὶ

τούτοις ἐς Σικελίαν διέπλει μετά τε τν ἐλεφάντων καὶ ὀκτακισχιλίων ἱππέων)238 O

fato de o texto natildeo mencionar tropas de infantaria seria

algo desconcertante natildeo fosse a natureza fragmentada da

obra de Apiano Como nos lembra Leacutevecircque nos dias de hoje

costuma-se aceitar o que foi proposto em 1853 por

Niebuhr239 isto eacute que o fragmento natildeo conservou nem a

referecircncia aos pezoi apoacutes a contagem dos oito mil nem a

numeraccedilatildeo dos cavaleiros antes de ἱππέων240 Assim o trecho

original seria apoacutes isso Pirro navegou para a Siciacutelia com

seus elefantes oito mil soldados de infantaria e [vacat]

cavaleiros (ὁ μὲν δὴ Πύρρος ἐπὶ τούτοις ἐς Σικελίαν διέπλει μετά τε τν ἐλεφάντων

καὶ ὀκτακισχιλίων πεζν καὶ [vacat] ἱππέων) Exeacutercito reduzido como

se vecirc e que necessitava dos contingentes siciliotas para a

expediccedilatildeo contra os cartagineses

Na Siciacutelia o trabalho diplomaacutetico de Cineas mostrou-se

decisivo Plutarco nos informa que Pirro o enviou de

imediato para tratar preliminarmente como de costume com

as poacuteleis (μὲν εθὺς ἐξέπεμψε προδιαλεξόμενον ὥσπερ εἰώθει ταῖς πόλεσιν)

enquanto o rei movia-se com seu exeacutercito para Tarentum

cujos habitantes apesar da insatisfaccedilatildeo com a guarniccedilatildeo de

Pirro nada puderam fazer a respeito241 O fato de Tyndarium

de Tauromenium por exemplo ter assegurado a travessia e

feito os preparativos para receber as tropas de Pirro na

cidade eacute emblemaacutetico

238 Apiano Samn 116 Cf Vincenzo La Bua ldquoLa spedizione di Pirro in

Siciliardquo Miscellanea Greco-romana (MGR) 179-254 1980 239 Barthold G Niebuhr Roumlmische Geschichte Berlin G Reimer 1853

240 Leacutevecircque Pirro pp 455-456 Zambon Hellenistic Sicily p101

241 Plut Pirro 224

109

Levando-se em consideraccedilatildeo as condiccedilotildees para a

expediccedilatildeo siciliana podemos jaacute nos perguntar qual era a

natureza de sua monarquia e do tiacutetulo que lhe foi conferido

na Siciacutelia Tratava-se uma monarquia de tipo heleniacutestico

estendida ao territoacuterio siciliota

Haacute duas passagens nas fontes sobre a natureza da

relaccedilatildeo estabelecida entre Pirro e os gregos da Siciacutelia

uma em Poliacutebio e outra em Justino A primeira delas diz

respeito agrave tentativa de assegurar a legitimidade do governo

de Hierocircnimo em 213 aC por ser o tirano neto do rei

Pirro ldquoo uacutenico que todos os siciliotas aceitaram por

preferecircncia e com benevolecircncia como hegemon e reirdquo242 A

segunda delas faz menccedilatildeo a dois tiacutetulos reacutegios Pirro

ldquoapoacutes sua chegada em Siracusa foi designado rei da Siciacutelia

e rei do Epirordquo243 Como trataacute-las de forma plausiacutevel

Alguns historiadores sugeriram que o tiacutetulo de hegemon

na Siciacutelia era equivalente ao de Filipe II especialmente

no que se refere ao tratamento dado agraves poacuteleis Portanto a

alianccedila dos gregos da Siciacutelia com Pirro teria a mesma

natureza da Liga de Corinto isto eacute ambas teriam surgido

de uma pressatildeo poliacutetica externa capaz de subjugar as

cidades e de fazecirc-las integrar forccedilosamente um acordo com o

monarca estrangeiro244 Haacute somente um problema com esta

interpretaccedilatildeo que a compromete seriamente os siciliotas

natildeo haviam sido subjugados por Pirro quando prepararam a

sua recepccedilatildeo na porccedilatildeo leste da Siciacutelia da mesma forma que

natildeo sofreram qualquer pressatildeo poliacutetica preacutevia como nos

indicam as fontes previamente analisadas Tratava-se de um

projeto poliacutetico livremente aceito pelos gregos

242 Polib 74 μόνον κατὰ προαίρεσιν καὶ κατ εὔνοιαν Σικελιται πάντες εδόκησαν σφν

ατν ἡγεμόν εἶναι καὶ βασιλέα 243 Justino 233 cum Syracusas venisset rex Siciliae sicut Epiri

appellatur 244 Ioannes Vartsos ldquoOsservazioni sulla campagna di Pirro in Siciliardquo

Kokalos 16 89-97 1970

110

De acordo com Leacutevecircque Pirro era em primeiro lugar

hegemon de um koinon que se formou contra o inimigo

cartaginecircs assim como basileu ao estilo ldquohelecircnicordquo

tiacutetulos jaacute haacute muito tradicionais no mundo grego mas desta

vez ao contraacuterio do que aconteceu com Dioniacutesio e

Agaacutetocles os tiacutetulos foram concedidos ldquopela vontade

unacircnime de seus novos suacuteditosrdquo245

Leacutevecircque e Zambon recordam com razatildeo que os siciliotas

formaram sob o comando do rei do Epiro um reino da

Siciacutelia uma unidade poliacutetica criada para combater a ameaccedila

cartaginesa com a morte de Agaacutetocles Leacutevecircque eacute ainda

bastante otimista quanto agraves novas possibilidades

documentais que confirmariam algo nesse sentido apostando

numa possiacutevel descoberta de evidecircncias epigraacuteficas

reveladoras a esse respeito

O problema emerge quando Pirro que pode ser

considerado tanto rei do Epiro quanto rei da Siciacutelia

separadamente planejou unificar ambos os reinos e trataacute-

los ao modo heleniacutestico o que natildeo seria admitido nem entre

os molossianos que mantinham certo controle sobre a figura

do rei (a exemplo da cunhagem das moedas que foi aos

poucos sendo conquistada por Pirro) nem entre os

siciliotas (que no final da expediccedilatildeo enxergaram em seu

liacuteder um tirano) para quem Pirro era basileu com funccedilotildees

restritas de hegemon Pode-se dizer que os siciliotas

concederam a Pirro o poder de um monarca ldquohelecircnicordquo ao

passo que o epirota tentou se comportar como um monarca

ldquoheleniacutesticordquo postura que lhe rendeu da mesma forma que a

Agaacutetocles a classificaccedilatildeo negativa (tiacutepica do periacuteodo) de

ldquotiranordquo

245 Leacutevecircque Pirro p 462

111

4 Agaacutetocles Pirro e a imitatio Alexandri em

campo de batalha

41 A expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles

Poliacutebio relata que Cipiatildeo o Africano responsaacutevel pela

reviravolta na Segunda Guerra Puacutenica ao inverter a

estrateacutegia de Aniacutebal Barca levando assim a guerra da

Itaacutelia para a Aacutefrica julgando que as cidades africanas natildeo

teriam condiccedilotildees logiacutesticas para suportar a investida

respondeu quando lhe perguntaram quais eram os maiores

estadistas em coragem e sabedoria ldquoAgaacutetocles e

Dioniacutesiordquo246 Essa resposta se veriacutedica jaacute bastaria para

argumentar que Agaacutetocles embora natildeo tenha sido bem-

sucedido em sua expediccedilatildeo africana era de fato um grande

estadista simplesmente por ter ascendido ao poder em

Siracusa amparado por sua riqueza (que lhe permitiu

recrutar mercenaacuterios) e eloquumlecircncia bem como adotado uma

estrateacutegia ofensiva contra os cartagineses a qual marcaraacute

profundamente a histoacuteria militar do mundo antigo

particularmente a decisatildeo de Cipiatildeo o Africano Embora

fracassada a uacutenica expediccedilatildeo grega em territoacuterio africano

serviu igualmente para ilustrar que Agaacutetocles mesmo antes

de se proclamar basileu havia possivelmente conduzido uma

imitatio Alexandri em campo de batalha Como argumentarei

em seguida ao retomar uma pista lanccedilada por Griffith em

1935 e que parece ter sido deixada de lado pela

historiografia talvez por seu otimismo excessivo poderei

argumentar a favor do uso de grupamentos taacuteticos em moldes

heleniacutesticos durante a expediccedilatildeo africana momentos antes

da autoproclamaccedilatildeo monaacuterquica do comandante siracusano

Antes disto contudo torna-se necessaacuterio precisar o

contexto de tal expediccedilatildeo

246 Polib 1535

112

Agaacutetocles estava provavelmente sem esperanccedilas de

receber auxiacutelio diante da ofensiva cartaginesa na ilha uma

vez que os poderes orientais natildeo haviam manifestado

interesse imediato nas questotildees do ocidente heleniacutestico

Diante disso bem como da presenccedila do inimigo Agaacutetocles

decidiu inverter a estrateacutegia e assolar o territoacuterio

africano numa estrateacutegia de ousadia sem precedentes para

os siciliotas apostando no apoio que poderia obter dos

liacutebios e no ldquoesfriamentordquo do espiacuterito combativo dos

cartagineses que ao depositarem a responsabilidade da

defesa de sua cidade nas matildeos de mercenaacuterios (estando os

mesmos ocupados em Siracusa) teriam perdido qualquer

possibilidade de aquisiccedilatildeo de experiecircncia militar e ldquoardor

combativordquo Os soldados cartagineses que viviam

luxuosamente numa paz prolongada (τετρυφηκότας ἐν εἰρήνῃ

πολυχρονίῳ) portanto sem qualquer experiecircncia nos perigos

da batalha seriam facilmente derrotados como nos lembra

Diodoro ldquopor aqueles que haviam sido treinados na escola

do perigordquo (πὸ τν ἐνηθληκότων τοῖς δεινοῖς)247 Agaacutetocles entatildeo

reuniu cerca de 13500 mercenaacuterios preparou 60 embarcaccedilotildees

e aguardou um momento de distraccedilatildeo dos cartagineses para

navegar rumo ao norte da Aacutefrica provavelmente sem informar

os seus homens de seu plano Apoacutes uma semana de viagem o

siracusano desembarcou com as tropas num lugar a 110 km de

Cartago e decidiu atear fogo agraves embarcaccedilotildees por que natildeo

queria dividir as suas forccedilas (deixando um destacamento

para vigiar a frota estacionada) ou talvez como reforccedilo

psicoloacutegico para o objetivo final da empreitada deixar a

regiatildeo com os cartagineses subjugados tendo para isso o

apoio das divindades (Demeacuteter e Kore as divindades

patronas da Siciacutelia a quem Agaacutetocles havia oferecido o

ldquosacrifiacutecio dos naviosrdquo) Durante a sua marcha para

Cartago o exeacutercito deparou-se com regiotildees bastante

247 Diod 203 Meister CAH 7 p 394

113

feacuterteis tendo tomado por assalto as cidades de Megaloacutepolis

e Tuacutenis Em seguida os mercenaacuterios montaram acampamento

proacuteximo a Cartago onde aguardaram o embate decisivo com o

exeacutercito cartaginecircs na ocasiatildeo formado por seus proacuteprios

cidadatildeos

Apavorados e sem experiecircncia os cartagineses sofreram

uma derrota terriacutevel como analisarei no proacuteximo item

dando liberdade para o saque de diversas cidades (a exemplo

de Neapolis) pelos mercenaacuterios e para o estabelecimento de

uma alianccedila com Elimas rei dos liacutebios Durante a investida

na costa leste da atual Tuniacutesia os cartagineses tentaram

um contra-ataque apostando no corte das linhas de

abastecimento de Neapolis e na reaproximaccedilatildeo com os liacutebios

o que para azar de Agaacutetocles desdobrou-se na traiccedilatildeo de

Elimas248 O siracusano no entanto apressou-se no retorno

a Tuacutenis e conseguiu lidar com a situaccedilatildeo de forma

satisfatoacuteria para o sucesso inicial da expediccedilatildeo Mais de

2000 cartagineses foram mortos e o traidor o rei Elimas

executado como exemplo Esta foi a primeira fase da

expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles seguida por uma seacuterie de

eventos que colocaratildeo fim agraves esperanccedilas de submissatildeo do

norte da Aacutefrica pelos gregos

De modo geral considera-se o periacuteodo posterior a 309

aC como sendo o de fracasso progressivo da expediccedilatildeo

Agaacutetocles enfrentaraacute motins entre seus homens e resolvecirc-

los-aacute com eficiecircncia249 Em seguida apoacutes uma extensatildeo da

guerra mais ao interior e a incorporaccedilatildeo do exeacutercito de

Ophellas de Cirene250 o siracusano tomou a guerra entre

cartagineses e numiacutedios como momento favoraacutevel para a

intensificaccedilatildeo da ofensiva Mas ele natildeo foi capaz de manter

o seu exeacutercito unido durante o seu retorno forccedilado a

248 P Oxyrhynchus 2399 Meister CAH 7 p 396

249 Diod 2033-34

250 Episoacutedio analisado no iniacutecio deste capiacutetulo

114

Siciacutelia Com Agaacutetocles de volta a Siracusa Arcagathus

deixado no comando das tropas de seu pai fracassou diante

dos cartagineses e perdeu boa parte do exeacutercito de

Agaacutetocles tentando sem sucesso recobraacute-lo em Tuacutenis A

uacuteltima esperanccedila de Agaacutetocles era induzir os cartagineses a

uma batalha decisiva contra os homens que havia trazido da

Siciacutelia mas eles aprenderam a liccedilatildeo um pouco antes

Permaneceram em seus fortes aguardando que o exeacutercito

mercenaacuterio grego se desfizesse em discoacuterdia ou tentasse um

ataque desesperado Apoacutes uma batalha mal sucedida

Agaacutetocles se viu novamente obrigado a deixar os seus planos

na Aacutefrica mas desta vez sem alimentar quaisquer

expectativas de retorno Para selar a desgraccedila final ao

perceber que natildeo dispunha de embarcaccedilotildees suficientes para

todo o exeacutercito o comandante siracusano optou por deixar o

continente africano secretamente251

251 Meister CAH 7 p 400

115

411 O exeacutercito de Agaacutetocles

Em primeiro lugar uma diferenccedila baacutesica deve ser

esclarecida quanto ao uso dos mercenaacuterios por Siracusa e

pelos chamados ldquotiranos siciliotasrdquo Os uacuteltimos natildeo

poderiam eacute claro contar com o suporte de tropas ciacutevicas

(ao menos com a maioria delas) uma vez que seus propoacutesitos

eram quase sempre inconstitucionais252 Da mesma forma a

cidade siciliota natildeo poderia contar unicamente com

soldados-cidadatildeos por trecircs motivos (1) a guerra contra os

cartagineses natildeo ocorria em caraacuteter sazonal jaacute que os

cartagineses empregavam mercenaacuterios em larga escala na

Siciacutelia (2) quando a cidade reagia ao poder militar de um

tirano precisava fazecirc-lo numa loacutegica semelhante agrave

periodicidade do combate contra os cartagineses e (3) o

exeacutercito altamente flexiacutevel dos tiranos constituiacutea uma arma

muito superior aos exeacutercitos ciacutevicos mal treinados Temos

entatildeo um ponto comum entre a poacutelis e os tiranos isto eacute o

uso de mercenaacuterios em larga escala por ambos mas esta

identificaccedilatildeo no estatuto de parte dos soldados recrutados

natildeo leva ao recrutamento de tropas mercenaacuterias com funccedilotildees

taacuteticas idecircnticas De fato ao passo que os democratas

confiavam basicamente nos mercenaacuterios de procedecircncia grega

os tiranos mostravam-se verdadeiros entusiastas do

ldquomercenariato sem fronteiras eacutetnicasrdquo provavelmente por

conta do sentimento de hostilidade agrave cidadania253 O uso

constante de tais tropas combinado agrave lideranccedila de um

general experiente (o que Cartago natildeo foi capaz de

fornecer como veremos no proacuteximo capiacutetulo) resultou na

porccedilatildeo grega da Siciacutelia no desenvolvimento de uma tradiccedilatildeo

militar peculiar atualizada do ponto de vista taacutetico e

252 Vendo o roacutetulo da tirania no seacutecIII aC como pertencente aos

politicos que desdobraram seu poder de uma situaccedilatildeo inconstitucional

(strategia autocraacutetica compulsoacuteria na maior parte das vezes) 253 Argumento desenvolvido por Duncan Head Armies of the Macedonian

and Punic Wars organization tactics dress and weapons Sussex

Wargames Research Group Publication 1982 P10

116

favoraacutevel sob a autoridade de um poliacutetico em sintonia com

o mundo heleniacutestico agraves inovaccedilotildees de natureza

institucional

Em 310 aC Agaacutetocles contava com 13500 mercenaacuterios

para a sua expediccedilatildeo africana dos quais contamos 1000

hoplitas 3000 gregos (distintos dos primeiros por que natildeo

integravam a guarda pessoal do siracusano) 3500

siracusanos 2500 soldados de infantaria de origem incerta

(talvez aliados sicilianos natildeo-gregos) 3000 mercenaacuterios

samnitas etruscos e celtas 500 arqueiros e fundeiros254

A

ausecircncia das referecircncias agrave cavalaria provavelmente indica a

esperanccedila de Agaacutetocles em recrutar cavaleiros localmente

assim que chegasse ao norte da Aacutefrica Passados os dois

primeiros anos da expediccedilatildeo Agaacutetocles pocircde dobrar as suas

forccedilas tendo incorporado o exeacutercito de Ophellas Amparados

por essa informaccedilatildeo em Diodoro podemos seguramente dizer

que a forccedila militar de Agaacutetocles passou a contar tambeacutem com

10000 soldados de infantaria 600 cavaleiros 100 carros

de guerra e 300 homens para lutar ao lado de tais carros255

As funccedilotildees ou origens eacutetnicas dos homens de Ophellas satildeo

incertas mas Agaacutetocles natildeo deve ter sido capaz de mantecirc-

los sob seu comando a julgar pelos nuacutemeros que Diodoro nos

apresenta para o ano de 307 aC apoacutes o siracusano ter

recebido reforccedilos da Siciacutelia Entre os ldquosobreviventesrdquo

Agaacutetocles contava com somente 6000 gregos 6000 samnitas

etruscos e celtas e 1500 cavaleiros256 Por uacuteltimo ainda

que Agaacutetocles tenha adquirido reforccedilos liacutebios os mesmos

natildeo se mantiveram leais ao tirano transferindo-se no final

das contas para o domiacutenio cartaginecircs

254 Diod 2011 Obviamente Diodoro aqui confunde unidades eacutetnicas com

unidades taacuteticas Cf Griffith pp 198-202 255 Diod 2041 256 Diod 2064

117

412 Agaacutetocles general como Alexandre

Em 1935 Griffith havia jaacute se posicionado a favor de

uma imitatio Alexandri por Agaacutetocles em campo de batalha257

Para ele as taacuteticas e formaccedilotildees usadas pelo siracusano

eram ocasionalmente reminiscentes daquelas empregadas por

Alexandre Em primeiro lugar apesar de lamentar a ausecircncia

de um relato preciso das campanhas de Agaacutetocles Griffith

pontua a existecircncia ao menos na Aacutefrica de um ldquobatalhatildeo de

infantaria especialmente forterdquo em nuacutemero de 1000 o

qual de acordo com o historiador corresponderia grosso

modo aos hipaspistai de Alexandre Em segundo lugar as

taacuteticas adotadas por Agaacutetocles na mesma batalha contra os

carros de guerra cartagineses corresponderiam exatamente ao

que Alexandre havia feito em Gaugamela contra Dario A

interpretaccedilatildeo das manobras siracusanas como adaptaccedilatildeo das

taacuteticas macedocircnicas poderia ser combatida pela carecircncia de

evidecircncias mais concretas mas a sua coincidecircncia com o

emprego de uma guarda pessoal a qual estava provavelmente

baseada no sistema de funcionamento taacutetico dos hipaspistai

de Alexandre fortalece o argumento A chave para a segunda

parte encontra-se portanto na defesa dos 1000 homens que

compunham a τς θεραπείας258 como uma versatildeo siciliota (ao

menos na expediccedilatildeo africana) dos hipaspistai de Alexandre

Diodoro faz referecircncia agrave existecircncia de um exeacutercito

(aparentemente regular) em Siracusa o qual teria sido

entregue a Hicetas eleito o novo strategos pelos

siracusanos com os problemas sucessoacuterios advindos da morte

de Agaacutetocles259 Tal evidecircncia como recorda Zambon indica

que Agaacutetocles natildeo havia deixado o poder sem um exeacutercito que

lhe fosse fiel e que o mesmo fora usado por Hicetas contra

257 Griffith pp 200-201

258 Literalmente ldquoguarda pessoalrdquo de Agaacutetocles como aparece em Diod

2011 259 Diod 2118

118

Menon260 Mas que exeacutercito era esse Qual era a sua

composiccedilatildeo Infelizmente natildeo temos nenhuma informaccedilatildeo

extra sobre os soldados leais a Agaacutetocles (agrave exceccedilatildeo dos

mamertinos) mas a julgar pela organizaccedilatildeo de uma guarda

pessoal durante a expediccedilatildeo africana a qual certamente natildeo

era desfeita com facilidade261 podemos dizer que a mesma

possivelmente compunha o exeacutercito regular herdado por

Hicetas em Siracusa cerca de vinte anos depois262

De acordo com Diodoro os cartagineses natildeo puderam

aguardar os reforccedilos vindos das regiotildees aliadas devido agrave

situaccedilatildeo alarmante provocada pela ofensiva grega e

decidiram dispor os seus soldados-cidadatildeos em campo de

batalha os quais segundo o historiador siciliano estavam

em nuacutemero aproximado de 40000 e eram acompanhados por

1000 cavaleiros provavelmente numiacutedios (embora a fonte

natildeo mencione a origem eacutetnica) e 2000 carros de guerra263

A ala esquerda era formada por soldados organizados em

260 Zambon Hellenistic Sicily p 30 Sebastiana Consolo Langher La

Sicilia dalla scomparsa di Timoleonte alla morte di Agatocle In

Emilio Gabba La Sicilia Antica 2 1 La Sicilia greca dal IV secolo

alle guerre puniche Napoli Societagrave editrice storia di Napoli e della

Sicilia 1980 pp 289-342 261 Note-se por exemplo o caso dos arguraspides macedocircnicos

262 Diz-se que os arguraspides de Alexandre possuiacuteam mais de 60 anos

quando apoiaram Eumenes sendo ainda temidos por sua disciplina e

experiecircncia Na cronologia apresentada para a guarda pessoal de

Agaacutetocles os soldados teriam idade bem menor que a guarda Real de

Alexandre tornando o argumento plausiacutevel para a eacutepoca 263 Aqui o nuacutemero eacute claramente absurdo Talvez Diodoro (2010) quisesse

se referir a 200 carros de guerra o que seria aceitaacutevel com bastante

otimismo apoacutes reduzir as centenas e comparar os possiacuteveis nuacutemeros

desta batalha com aqueles apresentados por exemplo entre os persas

em Gaugamela (100 carros citas na ala esquerda ao lado da cavalaria

de mesma procedecircncia e de 1000 cavaleiros bactrianos em oposiccedilatildeo a

Alexandre como indica Arr 311) Justino (226) conta 30000 homens

no total (obvius ei fuit cum XXX milibus paganorum Hanatildeo sed proelio

commisso duo de Siculis tria milia de Poenis cum ipso duce cecidere)

da mesma forma que Paulo Oroacutesio Historiae Adversum Paganos 4625

(Hanatildeonem quendam cum triginta milibus Poenorum obuiam habuit) Entre

os historiadores modernos Consolo Langher (pp 139-143) aponta para

10000 cavaleiros certamente presumindo que Diodoro se equivocou ao

lanccedilar apenas 1000 cavaleiros (ἱππεῖς δὲ χιλίους) ao lado de 2000 carros de guerra (ἅρματα δὲ δισχίλια) Consideramos contudo que o erro tenha se dado precisamente na apresentaccedilatildeo dos carros de guerra pelos motivos

enumerados

119

grande profundidade (por induccedilatildeo do terreno) sob o comando

de Bomilcar na ala direita que estava sob o comando de

Hanatildeo encontrava-se o Batalhatildeo Sagrado Agrave frente de toda a

infantaria os cartagineses dispuseram os carros de guerra e

a cavalaria264 Agaacutetocles apoacutes tomar conhecimento da

formaccedilatildeo inimiga confiou a ala direita ao seu filho

Archagathus no comando de 25000 soldados Ao lado de

Archagathus seguiam-se 3500 siracusanos 3000

mercenaacuterios gregos e um grupamento misto de samnitas

etruscos e celtas tambeacutem em nuacutemero de 3000 Agaacutetocles

encontrava-se de frente para o ieros lochos cartaginecircs no

comando de sua guarda pessoal um total de 1000 soldados

pesadamente armados (ao menos equipados para o choque

frontal) Nas alas ele dispocircs os 500 arqueiros e

fundeiros265

Deve ser observado que Agaacutetocles liderou sua guarda

pessoal contra o Batalhatildeo Sagrado ou seu equivalente

cartaginecircs e que a mesma compunha um grupamento de 1000

soldados de infantaria pesadamente armada Sabemos que a

guarda pessoal em questatildeo natildeo se tratava de um ieros

lochos pois a sua lealdade como o termo grego indica

estava primeiramente ligada a Agaacutetocles depois

possivelmente agrave cidade de Siracusa Aleacutem disso os nuacutemeros

natildeo batem com o que nos eacute dado pelas fontes para os ieroi

lochoi De acordo com Plutarco o ieros lochos foi

inicialmente formado como eacute dito por Gorgias a partir de

300 homens selecionados (ἐξ ἀνδρν ἐπιλέκτων τριακοσίων) para os

quais a cidade fornecia treinamento e manutenccedilatildeo []rdquo266

Dadas as proporccedilotildees dos exeacutercitos gregos no tempo de

Peloacutepidas poderiacuteamos argumentar que a guarda pessoal de

Agaacutetocles representaria um inchaccedilo de um Batalhatildeo Sagrado

264 Diod 2010

265 Diod 2011

266 Plut Pelop 18

120

siracusano se houvesse referecircncia agrave existecircncia de tal

destacamento em Siracusa se o termo empregado pelas fontes

fosse ieros lochos ao inveacutes de therapeiacutea e se a expediccedilatildeo

africana tivesse demorado tempo suficiente para aumentar a

lealdade das tropas a Agaacutetocles em detrimento da cidade que

os teria formado e mantido no caso de possiacutevel a

argumentaccedilatildeo de um ieros lochos natildeo mencionado com os

termos apropriados267 Como dito acima natildeo haacute indiacutecios para

nenhum dos trecircs casos aleacutem de ter a lealdade da tropa sido

vinculada em sua uacutenica apariccedilatildeo em Diodoro estritamente

ao comandante siracusano Eacute provaacutevel que esta guarda

pessoal portanto tenha reconhecido a toga puacuterpura de

Agaacutetocles como adequada ao seu poder o que anula a

hipoacutetese de ter sido essa somente uma guarda pessoal de um

tirano como encontramos nos periacuteodos anteriores Aleacutem

disso o contexto de imitatio Alexandri no campo poliacutetico

bem documentado durante a expediccedilatildeo africana assim como a

interaccedilatildeo que Agaacutetocles mantinha com o mundo heleniacutestico

contribuem para uma provaacutevel resignificaccedilatildeo da guarda

pessoal em questatildeo Em uacuteltima instacircncia tratava-se da

guarda de algueacutem que jaacute se via com direitos a uma sucessatildeo

forjada ao trono macedocircnico sendo a identificaccedilatildeo com os

hipaspistai algo bastante plausiacutevel

Tratemos agora do posicionamento dos arqueiros e

fundeiros contra os carros de guerra e cavaleiros do

exeacutercito cartaginecircs Recordo que em Gaugamela Alexandre

havia disposto na ala direita agrianianos arqueiros e

soldados (levemente) armados provavelmente peltastas e na

ala esquerda juntamente com dois corpos de cavalaria

267 Diodoro 1680 em contrapartida emprega o termo ieros lochos para

um grupamento de cartagineses em nuacutemero de 2500 que haviam

combatido em Himera (480 aC) A designaccedilatildeo eacute obviamente

equivocada especialmente pelo nuacutemero excessivo de soldados e por sua

inexperiecircncia em campo de batalha Aleacutem disso essa parece ter sido

uma maneira grega de enquadrar parte das tropas citadinas cartaginesas

pesadamente armadas que raramente combatiam por sua cidade

121

arqueiros cretenses dardeiros traacutecios entre outros Em

331 aC agrianianos e dardeiros das ilhas Baleares

bloquearam o ataque dos carros de guerra citas enquanto os

falangistas ao centro (hipaspistai) natildeo se opuseram

frontalmente a eles deixando-os passar por meio de

manobras de evasatildeo sem causar portanto baixas na

infantaria macedocircnica268 Em 310 aC num campo aberto natildeo

muito distante de Cartago os soldados pesadamente armados

de Agaacutetocles realizaram idecircnticas manobras evasivas

permitindo-os passar (ἃ δ εἴασαν διεκπεσεῖν) abatendo

inicialmente alguns e em seguida forccedilando o retorno da

maior parte dos carros de guerra contra as suas proacuteprias

tropas269 Como Diodoro natildeo menciona forccedilas de cavalaria do

lado grego o que nos soa estranho a uacutenica reconstruccedilatildeo

possiacutevel para a vitoacuteria sobre os carros de guerra e

cavaleiros se daacute por meio do emprego dos arqueiros e

fundeiros (a exemplo do que ocorreu em Gaugamela) os quais

causaram de acordo com Diodoro muitas baixas nas tropas

acima referidas (mais um indiacutecio de que se tratava de

cavaleiros numiacutedios os quais natildeo eram paacutereo para dardos de

arremesso e projeacuteteis de modo geral desde que disparados

por infantaria levemente armada) Com o fracasso da

investida montada o campo de batalha transformou-se num

cenaacuterio praticamente claacutessico com dois corpos de

infantaria pesadamente armada em confronto direto Hanatildeo

foi incapaz de suportar o choque com os soldados liderados

pessoalmente por Agaacutetocles e Bomilcar no comando da ala

em profundidade ordenou um recuo taacutetico de seus homens

que em princiacutepio seria parte de um plano (inclusive

poliacutetico jaacute que ambicionava de acordo com Diodoro a

morte de seu rival Hanatildeo para entatildeo dar sequumlecircncia ao

268 Ver cap1

269 Diod 2012 προεμβαλόντων γὰρ εἰς ατοὺς τν ἁρμάτων ἃ μὲν κατηκόντισαν ἃ δ

εἴασαν διεκπεσεῖν τὰ δὲ πλεῖστα συνηνάγκασαν στρέψαι πρὸς τὴν τν πεζν τάξιν

122

golpe de Estado)270 A aparente inexperiecircncia dos soldados

nas realizaccedilotildees das manobras assim como a ordem prematura

de seu liacuteder fizeram com que a retirada se transformasse

num verdadeiro massacre obrigando boa parte dos soldados a

se refugiar nas muralhas de Cartago

270 Diod 2012 Meister CAH 7 p 395 Voltarei a tratar desse assunto

no cap4

123

42 A expediccedilatildeo de Pirro do Epiro

Pirro natildeo iria para a Peniacutensula Itaacutelica sem tropas

como queriam os tarentinos embora seu exeacutercito fosse

sensivelmente menor que o de Alexandre o Grande quando do

iniacutecio de sua expediccedilatildeo asiaacutetica271 Plutarco nos informa

que Pirro contava com 20 elefantes 3000 cavaleiros

20000 soldados de infantaria 2000 arqueiros e 500

fundeiros272 Precedido pelo diplomata Cineas como de

costume Pirro se fez acompanhar por dois de seus filhos

nomeadamente Alexandre e Heleno ao passo que seu outro

filho Ptolomeu foi deixado como regente no Epiro Apoacutes

cumprir a rota mariacutetima para a Peniacutensula o que se deu com

inuacutemeros problemas como Plutarco narra com alto niacutevel

dramaacutetico273 o epirota deu iniacutecio ao entendimento pessoal

com seus aliados e agraves primeiras emissotildees monetaacuterias de sua

expediccedilatildeo a partir das quais ele pocircde reforccedilar os viacutenculos

com Alexandre e sua semelhanccedila com os Diaacutedocos assim como

celebrar a alianccedila274 Em seguida tendo alistado tarentinos

em seu exeacutercito o liacuteder da coalizatildeo contra os romanos

parecia estar pronto para a accedilatildeo a qual se transformaraacute ao

final num verdadeiro fiasco tal qual a expediccedilatildeo africana

de Agaacutetocles275 Ambas contudo servem para ilustrar como

as taacuteticas e as figuraccedilotildees do poder heleniacutestico se

apresentaram ao ocidente particularmente na Magna Greacutecia

Siciacutelia e norte da Aacutefrica no iniacutecio com contexto bastante

favoraacutevel aos monarcas

271 Griffith p 61 Leacutevecircque Pirro p297

272 Plut Pirro 152 Pausacircnias 112 sugere que Pirro obteve seus

elefantes apoacutes vencer uma batalha contra Demeacutetrio 273 Plut Pirro 153-8 Zonaras 82 Justino 181 Leacutevecircque Pirro p

297-298 274 Leacutevecircque Pirro p 299 Sobre a cunhagem na Magna Greacutecia e Siciacutelia

durante a expediccedilatildeo de Pirro cf Vincenzo La Bua ldquoLa spedizione di

Pirro in Siciliardquo MGR 7 179-254 1980 Zambon Hellenistic Sicily

pp121-129 275 Aceita-se comumente que a coalizatildeo era formada por samnitas

lucanianos brutianos messapianos e com incerteza apulianos

Leacutevecircque Pirro p 304

124

Do lado romano os preparativos tiveram de ser

iniciados em contexto bastante desfavoraacutevel considerando-

se os problemas com os etruscos e sua simultaneidade com a

formaccedilatildeo da alianccedila italiota conduzida por Pirro Seguindo

os costumes Roma dividiu o exeacutercito entre os cocircnsules

ficando Valeacuterio Levinus no comando das legiotildees contra Pirro

e Coruncanius no comando das legiotildees contra os etruscos

Os romanos haviam tirado jaacute grande proveito das guerras

precedentes como nos informa Poliacutebio [os romanos] se

tornaram verdadeiros mestres na arte da guerra por meio de

sua luta com os samnitas e os celtas (ἀθληταὶ γεγονότες ἀληθινοὶ

τν κατὰ τὸν πόλεμον ἔργων ἐκ τν πρὸς τοὺς Σαυνίτας καὶ Κελτοὺς ἀγώνων)276

Assim deve-se ter em conta que natildeo somente Pirro era um

comandante experiente e com tropas de alto niacutevel como

vimos acima mas tambeacutem os romanos possuiacuteam um niacutevel de

experiecircncia militar e ldquopotencial soldadescordquo adequados ao

seu inimigo Esse eacute um fator importante na medida em que

estabelece entre outros fatores os resultados da campanha

italiana Por potencial soldadesco entendo basicamente a

composiccedilatildeo de ambos os exeacutercitos e o que disso poderia ser

desdobrado em termos taacuteticos excetuando as legiotildees de Roma

e a falange macedocircnica sob Pirro (fundamental em

Heracleia) o restante das tropas (particularmente em

Aacutesculo) possuiacutea as mesmas origens eacutetnicas e portanto

armamento e estilo de combate similares Aleacutem disso a

flexibilidade das legiotildees da forma como explicado no cap4

desta tese contribuiu para o quadro desfavoraacutevel ao rei do

Epiro jaacute que puderam enfrentar a falange (em Heracleia)

com recursos taacuteticos superiores auxiliando no quadro

geral da campanha para o deslocamento do foco poliacutetico

mais a sudoeste precisamente na Siciacutelia grega

276 Polib 16

125

421 O exeacutercito de Pirro

Em 280 aC o exeacutercito que Pirro liderou em sua

expediccedilatildeo italiana estava claramente organizado em estilo

macedocircnico mas nada indica que essa organizaccedilatildeo era

conhecida pelos epirotas anteriormente Historiadores

tendem a apostar numa reforma iniciada cerca de 340 aC

por Alexandre do Epiro amigo e aliado de Filipe II tanto

por sua relaccedilatildeo com os macedocircnios quanto pela logiacutestica

necessaacuteria a uma expediccedilatildeo italiana (realizada em 334

aC) a qual somente seria viaacutevel com um exeacutercito

ldquonacionalmente unificadordquo277 mas natildeo haacute evidecircncias

suficientes para algo mais conclusivo aleacutem de tais

argumentos Talvez Alexandre do Epiro tenha de fato

reformado o exeacutercito epirota nos moldes do projeto de

Filipe da Macedocircnia mas o certo eacute que Pirro cerca de meio

seacuteculo mais tarde dispunha de tais condiccedilotildees

Como dito anteriormente Plutarco nos informa que o

exeacutercito de Pirro era composto por 20 elefantes 3000

cavaleiros 20000 soldados de infantaria (ou 23000 se

considerarmos os 3000 homens enviados juntamente com

Cineas) 2000 arqueiros e 500 fundeiros Curiosamente natildeo

haacute indiacutecios de algo similar aos hipaspistai no exeacutercito

epirota sendo o termo empregado para indicar oficiais

capazes de governar cidades (na Siciacutelia) e natildeo para fazer

referecircncia agraves tropas que compunham uma unidade de

combate278 Obviamente os 20000 soldados de infantaria natildeo

eram puramente epirotas Beloch foi capaz de mostrar a

esse respeito que os aproximados 300000 habitantes do

Epiro dos quais 100000 estariam possivelmente em idade

militar natildeo poderiam fornecer sequer os 20000 soldados de

infantaria do exeacutercito de Pirro levando em consideraccedilatildeo o

277 O argumento pode ser mapeado em Head op cit p 19 e Braccesi

op cit pp43-53 278 Head op cit p 19

126

estado economicamente atrasado da regiatildeo279

Daiacute resulta que

boa parte dos soldados de Pirro em sua expediccedilatildeo italiana

fosse formada por mercenaacuterios de acordo com os dados

obtidos acerca das tropas empregadas em Aacutesculo Aleacutem dos

tarentinos e demais aliados o rei epirota contava com uma

falange macedocircnica e alguns cavaleiros tessaacutelios cedidos

por Ptolomeu Keraunos rei da Macedocircnia uma infantaria

mercenaacuteria da Etoacutelia Acarnacircnia e Atamacircnia e um corpo de

cavaleiros mercenaacuterios gregos arcanianos etoacutelios e

atamanianos280 Sem duacutevida a reputaccedilatildeo de Pirro reforccedilou a

sua capacidade de recrutar novos soldados dispostos a

combater na condiccedilatildeo de profissionais

279 Julius Beloch apud Griffith p61 Poliacutebio (3015 fragmentos

preservados em Estrabatildeo Geografia 77 e Tito Liacutevio 4534) menciona

15000 epirotas escravizados por Emiacutelio Paulo em 168 aC Cf tambeacutem

Griffith p 61 280 Griffith p 62

127

422 O exeacutercito republicano romano

O exeacutercito romano em seus primoacuterdios parece natildeo ter

sido muito diferente daquele encontrado no restante das

cidades do Laacutecio sendo influenciado por seus vizinhos mais

poderosos os etruscos A confederaccedilatildeo etrusca estendeu sua

influecircncia a ponto de nomear a organizaccedilatildeo inicial das

forccedilas romanas ao estilo etrusco compondo trecircs tribos com

a responsabilidade de fornecer 1000 homens em idade

militar cada ficando os soldados sob o comando de um

tribunus As subdivisotildees de cada tribo forneciam uma

centuacuteria (nessa eacutepoca possivelmente contada como 100

homens) o que resultava numa forccedila modesta de 3000

homens a chamada legio A cavalaria (equites) era formada

por nobres e seus filhos totalizando 300 homens montados

(capazes de pagar a manutenccedilatildeo de um cavalo e equipamentos)

divididos entre as tribos De modo geral a historiografia

aceita que essa organizaccedilatildeo inicial somente seraacute modificada

com Seacutervio Tuacutelio aproximadamente entre 580-530 aC281 Ao

lado da criaccedilatildeo de muitas das instituiccedilotildees de Roma Seacutervio

Tuacutelio parece ter realizado o primeiro censo do povo romano

dividindo a populaccedilatildeo em classes obedecendo ao padratildeo de

riqueza Com objetivos claramente poliacuteticos e militares as

centuacuterias (como a populaccedilatildeo era dividida) teriam impacto na

organizaccedilatildeo das assembleacuteias e das tropas Em primeiro

lugar vinha a ordem equumlestre num total de 18 centuacuterias

em seguida a populaccedilatildeo restante aparecia dividida em 5

classes separadas a partir de sua riqueza e contadas da

seguinte maneira em casos de alistamento militar (a) a

primeira classe armada com lanccedila e espada e equipada com

281 Lawrence Keppie The making of the Roman army from republic to

empire London BT Batsford 1984 pp 16-17 Daly pp 48-52

Giovanni Brizzi Le guerrier de lantiquiteacute classique de lhoplite au

leacutegionnaire Monaco Rocher 2004 pp 43-51 John Rich ldquoWarfare and

the Army in Early Romerdquo In Paul Erdikamp A companion to the Roman

army Malden MA Oxford Blackwell 2007 pp 7-23 Para uma visatildeo

detalhada das fontes a respeito ver Michael M Sage The Republican

Army a Sourcebook New York London Routledge 2008 pp 4-41

128

couraccedila de bronze elmo escudo e grevas (b) a segunda

classe armada de forma idecircntica e equipada de maneira

similar excluindo a couraccedila (c) a terceira classe

idecircntica agrave segunda classe exceto pelas grevas (d) a

quarta classe armada com lanccedila e equipada somente com

escudo (e) a quinta e uacuteltima classe armada com fundas e

pedras Os seniores (oposto de iuniores isto eacute em idade

militar) eram empregados somente em caso de cerco

portanto para a defesa da cidade Abaixo da quinta classe

contava-se apenas o grupo de homens (em nuacutemero modesto) sem

propriedade alguma (capite censi ou registrados por

contagem de cabeccedila) os quais eram desqualificados para o

serviccedilo militar282

Terminado o periacuteodo das monarquias a primeira

modificaccedilatildeo no exeacutercito romano (entatildeo republicano) surgiu

em meio aos conflitos contra as comunidades adjacentes no

momento de enfraquecimento dos etruscos mediante a fixaccedilatildeo

dos celtas na regiatildeo dos Alpes e do fortalecimento da

posiccedilatildeo das colocircnias gregas no sul da Peniacutensula Itaacutelica

Nesse contexto precisamente em 406 aC os romanos

partiram para o uacuteltimo embate com a cidade etrusca de

Veios conflito que se encerrou 10 anos depois com a

captura da cidade pelos romanos Durante a guerra contra

Veios o exeacutercito cresceu (de cerca de 4000 para 6000

homens) e o escudo circular foi substituiacutedo pelo escudo

longo italiano o scutum Da mesma forma como parece

oacutebvio o nuacutemero de cavaleiros subiu totalizando as 18

centuacuterias previstas na ldquoreforma servianardquo Eacute nesse momento

(6 anos apoacutes a captura de Veios pelos romanos portanto em

390 aC) que Roma eacute tomada pelos celtas exceto por uma

pequena porccedilatildeo da cidade Capazes de expulsar os celtas de

282 Keppie (op cit p 17) recorda que nessa eacutepoca ldquoa defesa da cidade

era um dever uma responsabilidade e um privileacutegiordquo

129

sua cidade os romanos estavam a caminho do estabelecimento

de sua posiccedilatildeo na Peniacutensula

Alguns autores tecircm sugerido uma identificaccedilatildeo da legiatildeo

romana com os hoplitas gregos283 mas a forma cerrada de

luta dos romanos nos primeiros anos deve indicar mais uma

adaptaccedilatildeo etrusca (que natildeo era uma incorporaccedilatildeo de taacuteticas

gregas como alguns acham razoaacutevel deduzir) do que

propriamente uma forma similar de combate ombro-a-ombro De

qualquer forma logo as unidades manipulares (manipuli)

foram adotadas como resposta agraves exigecircncias de maior

flexibilidade taacutetica Cada maniacutepulo com aproximados 100-

120 homens exceto pelos triarii contava com dois

centuriotildees homens experientes dispostos no comando das

unidades taacuteticas Vale destacar o centuriatildeo secircnior da

legiatildeo disposto no comando no maniacutepulo da extrema direita

dos triarii que era depois incluiacutedo (ex officio) no

conselho geral do cocircnsul juntamente com os tribunos Jaacute no

final do seacutecIV aC basicamente no mesmo periacuteodo da

expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles (310-307 aC) ou talvez um

ano antes o exeacutercito romano encontrava-se dividido em 4

legiotildees comandadas por dois cocircnsules e abaixo deles 6

tribunos militares

Durante a sua expansatildeo em direccedilatildeo ao sul do Laacutecio os

romanos foram capazes de subjugar os samnitas em quase 50

anos de conflito Devido agrave natureza montanhosa da regiatildeo

tem sido sugerido que os maniacutepulos seriam na verdade uma

modificaccedilatildeo ocorrida nesse momento o que se justificaria

com a necessidade de maior flexibilidade taacutetica do

terreno284 De acordo com Tito Liacutevio os maniacutepulos eram

parte de inovaccedilotildees tiacutepicas do periacuteodo da Primeira Guerra

283 Um excelente exemplo (mas natildeo o uacutenico) eacute Keppie op cit p 19 284 Keppie op cit pp18-19 Daly pp 56-63 Brizzi op cit p 47

Louis Rawlings ldquoArmy and Battle During the Conquest of Italyrdquo In

Erdkamp op cit pp 55-58 Sage op cit pp 63-66

130

Samnita285 Apoacutes a linha de tropas levemente armadas

(leves) vinham os maniacutepulos de hastati (os que portavam a

hasta ou lanccedila curta) seguidos pelos maniacutepulos de

principes e por uma terceira linha os maniacutepulos de triarii

(homens mais velhos ndash e experientes - que entravam em cena

no caso de desorganizaccedilatildeo das duas primeiras linhas) Por

fim Tito Liacutevio menciona rorarii (lit tropas levemente

armadas) e accensi (lit tropas reservas) grupos de

soldados levemente armados dispostos como uacuteltima forccedila de

reserva O relato de Tito Liacutevio contudo embora seja de

grande valor natildeo eacute normalmente visto com precisatildeo

histoacuterica desejaacutevel preferindo-se a narrativa do

historiador cuja autoridade nos assuntos militares eacute

inquestionaacutevel Poliacutebio286

De acordo com Poliacutebio em sua detalhada descriccedilatildeo da

organizaccedilatildeo do exeacutercito romano a legiatildeo romana (jaacute no

periacuteodo da Segunda Guerra Puacutenica isto eacute entre 218 e 201

aC) contava com 4200 homens podendo atingir o nuacutemero de

5000 em situaccedilotildees de emergecircncia O processo seletivo

(dilectus ou simplesmente ldquoseleccedilatildeordquo) incorporava homens

entre 17 e 46 anos com propriedade avaliada acima dos 400

denaacuterios apoacutes a avaliaccedilatildeo das habilidades necessaacuterias ao

serviccedilo Ao soldado de infantaria era pago um stipendium

criado para cobrir os prejuiacutezos que supunham o afastmento

de casa perfazendo no tempo de Poliacutebio um total de 120

denaacuterios por ano Os cavaleiros por sua vez recebiam

mais cerca de 365 denaacuterios por ano o que considerava

tanto a sua origem social quanto os custos com o cavalo

Feita a seleccedilatildeo a legiatildeo era dividida da seguinte maneira

(a) os velites formados pelos mais jovens e pobres (b) os

hastati formados pelos mais jovens e pobres depois dos

velites (c) os principes formados pelos ldquopreeminentesrdquo

285 Tito Liacutevio 88-10 286 A referecircncia eacute Polib 619-42

131

(d) os triarii os mais maduros e experientes dos soldados

Os hastati e os principes compunham 2400 homens no total

(10 maniacutepulos de 120 homens cada) acompanhados por 600

triarii (10 maniacutepulos de 60 homens cada) e por deduccedilatildeo

1200 velites Os velites prossegue Poliacutebio eram armados

com espadas lanccedilas de arremesso e um pequeno escudo

circular (parma) Os hastati e os principes encontravam-se

normalmente equipados com duas lanccedilas (pila) cada uma

espada curta (gladius) que era a principal arma do

legionaacuterio e equipados com escudo oval peitoral de

bronze elmo e grevas Os triarii eram equipados da mesma

forma exceto pelo armamento ao inveacutes do pilum o triarius

portava a hasta lanccedila perfurante que natildeo poderia ser usada

para arremesso e era portanto usada no combate corpo-a-

corpo

A cavalaria totalizava 300 homens divididos em 10

turmae de 30 homens cada uma sob o comando de 3 decuriotildees

e equipadas com longos escudos circulares lanccedilas longas e

couraccedila de tecido De modo geral a legiatildeo era disposta em

formato de ldquotabuleiro de xadrezrdquo com os velites agrave frente

de todos os legionaacuterios para a accedilatildeo de escaramuccedila tendo os

hastati principes e triarii organizados em trecircs linhas

subsequumlentes de maneira a permitir a substituiccedilatildeo dos

homens da frente pelos de traacutes devido aos pequenos espaccedilos

propiciados pela formaccedilatildeo A cavalaria como no caso grego

era colocada nas alas como proteccedilatildeo dos flancos

132

423 A batalha de Heracleia (280 aC)

Leacutevecircque sustentou que a postura ofensiva romana ao

reunir as tropas sob Valeacuterio Levinus e marchar

imediatamente contra Pirro tinha trecircs objetivos claros

(1) desferir um golpe decisivo antes que o epirota pudesse

coletar todo o apoio esperado (2) conter uma possiacutevel

revolta das cidades gregas de Regium Locres e Croton ldquoa

quem a chegada do rei podia fazer pesar sua adesatildeo agrave causa

romanardquo e (3) lanccedilar a guerra para longe das terras

submetidas pelos romanos o que natildeo comprometeria a

lealdade desses povos a Roma287 Plutarco nos diz algo

interessante a respeito da reaccedilatildeo de Pirro agrave investida

romana algo que evidencia ainda mais as suas intenccedilotildees

monaacuterquicas heleniacutesticas as quais podem ser encontradas

desde o iniacutecio da sua expediccedilatildeo mesmo antes de se decidir

pela Siciacutelia

Ao ser informado que Levinus o cocircnsul romano se

aproximava com numeroso exeacutercito tendo saqueado a

Lucacircnia no trajeto Pirro natildeo havia ainda se juntado

aos seus aliados mas por julgar ser algo intoleraacutevel

ter de aguardar enquanto seus inimigos avanccedilavam

partiu da cidade com suas tropas []288

A postura de Pirro indica ao menos nessa ocasiatildeo que

o ldquodeverrdquo de lideranccedila de um monarca heleniacutestico (mesmo que

ele somente ambicionasse a monarquia de tipo oriental) era

mais relevante que a uniatildeo completa das tropas pela qual

ele aguardava ou ainda que ele julgava ser possiacutevel vencer

os ldquobaacuterbarosrdquo sem ter reunido todas as suas forccedilas jaacute que

povos militarmente desorganizados por mais belicosos que

fossem natildeo eram paacutereo para os gregos como Alexandre havia

287 Leacutevecircque Pirro p 318

288 Plut Pirro 164 πεὶ δὲ Λαιβῖνος ὁ τν Ῥωμαίων ὕπατος ἠγγέλλετο πολλῆ στρατιᾷ

χωρεῖν ἐπ ατόν ἅμα τὴν Λευκανίαν διαπορθν οδέπω μὲν οἱ σύμμαχοι παρσαν ατῶ δεινὸν δὲ ποιούμενος ἀνασχέσθαι καὶ περιιδεῖν τοὺς πολεμίους ἐγγυτέρω προϊόντας ἐξλθε μετὰ τς δυνάμεως []

133

mostrado em sua expediccedilatildeo asiaacutetica Que essa ideacuteia tenha

ocorrido a Pirro parece plausiacutevel principalmente ao

analisarmos um evento imediatamente posterior de sua marcha

contra os romanos quando o rei observou admirado (ἐθαύμασε)

ldquoa disciplina as sentinelas a sua ordem e o arranjo de

seu acampamentordquo (τάξιν τε καὶ φυλακὰς καὶ κόσμον ατν καὶ τὸ σχμα τς

στρατοπεδείας) dizendo ao seu amigo mais proacuteximo em

conclusatildeo que ldquoa disciplina desses baacuterbaros natildeo eacute

baacuterbarardquo289

Acampamentos montados ambos os lados estavam prontos

para o combate Pirro contava de acordo com Justino com

exeacutercito inferior em nuacutemero ainda que natildeo saibamos os

efetivos concretos dos romanos290 Para o desenrolar da

batalha embora Justino forneccedila o referido indiacutecio sobre a

inferioridade numeacuterica de Pirro as principais fontes satildeo

Plutarco e Dioniacutesio de Halicarnasso291 ambos com acesso ao

que parece aos relatos de duas tradiccedilotildees bastante

distintas Tornou-se consenso haacute muito tempo entre os

historiadores que Plutarco para a batalha em questatildeo

empregou basicamente o relato de Hierocircnimo292 intercalando

o mesmo com anedotas originadas na tradiccedilatildeo analiacutestica as

quais Dioniacutesio utiliza com frequumlecircncia293 Isso explicaria

tanto a versatildeo inteligiacutevel da batalha (o que natildeo eacute um traccedilo

comum nas biografias de Plutarco) quanto a presenccedila de

algumas imagens bastante favoraacuteveis aos romanos e pouco

289 Plut Pirro 167

290 Justino 181 Nec rex tametsi numero militum inferior esset []

Gaetano De Sanctis Storia dei Romani Milan Fratelli Boca 1907 P

392 supotildee que tenham sido somente duas presumindo que ateacute 4 legiotildees

eram normalmente divididas entre os cocircnsules Leacutevecircque Pirro 1957

P322 em contrapartida eacute mais otimista quanto agrave extensatildeo das tropas

de Levinus acreditando que podem ter sido 8 em Heracleia Essas satildeo

contudo suposiccedilotildees baseadas num possiacutevel nuacutemero de legiotildees sob um

uacutenico cocircnsul durante a fase intermediaacuteria da Repuacuteblica uma vez que as

fontes silenciam sobre esse caso em particular 291 Plut Pirro 16-17 e Dioniacutesio 1911-12

292 Plut Pirro 174 Cf Rudolf Schubert Geschichte des Pyrrhus

Koumlnigsberg Wilh Koch 1894 P 176 293 Leacutevecircque Pirro p323

134

criacuteveis do ponto de vista histoacuterico Notemos por exemplo

o retrato pitoresco do episoacutedio de espionagem epirota o

qual precedeu a batalha propriamente dita da forma como

registrado em Dioniacutesio

Levinus o cocircnsul romano tendo capturado um espiatildeo de

Pirro armou e dispocircs todo o exeacutercito em formaccedilatildeo de

batalha (εἰς τάξιν καταστήσας) e apoacutes mostraacute-lo ao espiatildeo ordenou que ele contasse toda a verdade sobre o que

tinha visto [] informando que Lavinus o cocircnsul

romano solicitava que ele [Pirro] natildeo enviasse mais

homens secretamente como espiotildees mas que viesse em

pessoa abertamente (φανερς) para ver o poder dos

romanos (ἰδεῖν τε καὶ μαθεῖν τὴν Ῥωμαίων δύναμιν)294

Pirro decidiu aguardar os reforccedilos de seus aliados numa

das margens do Siris onde estacionou um destacamento grego

para assegurar que os romanos natildeo atravessassem o rio

Estes no entanto mandaram parte de sua infantaria

(provavelmente aliada) cruzar o Siris por um vau enquanto

a cavalaria avanccedilava por diversos outros pontos rasos

expondo os gregos ao risco do envolvimento completo o que

de acordo com Plutarco os fez recuar295 Ao ver que seus

homens bateram em retirada Pirro ordenou aos oficiais que

pusessem a falange em linha enquanto ele proacuteprio como

Alexandre no comando de seus 3000 cavaleiros investiu

contra os romanos na expectativa de que eles se

desordenassem com a ofensiva montada Nem os cavaleiros

puderam romper a ordem das legiotildees com sua ldquoteatralizaccedilatildeo

ofensivardquo (uma vez que natildeo entraram de fato em choque com

o centro da formaccedilatildeo romana) nem o subsequumlente choque com

a falange pocircs os legionaacuterios a correr diferentemente do

que Alexandre havia feito aos persas Relata-nos Plutarco

que foram sete as reviravoltas no desenrolar do confronto

entre as duas infantarias informaccedilatildeo que ele provavelmente

294 Dionisio 1911 Cf tambeacutem Zonaras 836 e Frontino 477

295 Plut Pirro 165

135

obteve de Hierocircnimo296 e que nos permite deduzir a

ocorrecircncia de quatro ataques de Pirro e de trecircs contra-

ataques de Levinus (presumindo que a primeira reviravolta

soacute pode ter sido favoraacutevel aos epirotas jaacute que ao final

eles saiacuteram vitoriosos) Numa das alas provavelmente a

direita o rei sofreu o ataque da cavalaria inimiga mas

venceu apoacutes penoso embate com as tropas montadas de

Oblacus297 Na outra ala Pirro fez avanccedilar os elefantes

que aterrorizaram natildeo somente a cavalaria romana mas

tambeacutem os legionaacuterios mais ao centro Com o moral abalado

e contando ainda com o descontrole dos cavalos inimigos

(que natildeo estavam acostumados aos elefantes) a cavalaria

tessaacutelia foi enviada para encerrar a resistecircncia nessa ala

provocando a exposiccedilatildeo dos dois flancos romanos e julgo

que no mesmo momento a fuga completa da infantaria ao

centro Parece bem provaacutevel por uacuteltimo que os legionaacuterios

tenham corrido exatamente no momento do avanccedilo dos

elefantes do contraacuterio com ambas as alas derrotadas o

exeacutercito ao centro teria sido facilmente esmagado ou

forccedilado a se entregar como vimos em diversos casos nas

batalhas dos Diaacutedocos

A tradiccedilatildeo analiacutestica inventou um termo ldquohistoacutericordquo

para a vitoacuteria de Pirro obtida com muito esforccedilo e sem

consequumlecircncias desastrosas para o derrotado tratava-se de

uma ldquovitoacuteria piacuterricardquo ou como nos diz Diodoro cadmeacuteia298

De acordo com Caacutessio Dio Zonaras e Justino299 a fama

surgiu apoacutes Heracleia segundo Plutarco300 apoacutes a batalha

de Aacutesculo (o que representa um erro por parte do bioacutegrafo

296 Plut Pirro 171

297 Plutarco (Pirro 168) e Dioniacutesio (1912) mencionam um ataque de

caraacuteter pessoal liderado por Oblacus que estava decidido a abater o

rei em primeiro lugar Segundo a tradiccedilatildeo Leonnatus um dos

companheiros de Pirro percebeu a intenccedilatildeo de Oblacus e salvou seu rei

da morte em batalha 298 Diod 226

299 Dion Cassio 940 Zonaras 83 Justino 181

300 Plut Pirro 219

136

jaacute que o balanccedilo geral dos nuacutemeros que caracterizam uma

vitoacuteria piacuterrica eacute apresentado por ele apoacutes Heracleia)

Apesar das diferenccedilas na dataccedilatildeo precisa do termo atribuiacutedo

agrave vitoacuteria de Pirro todas as nossas fontes parecem

concordar com uma vitoacuteria relativa sobre os romanos Ora

como vimos na breve anaacutelise da batalha de Heracleia os

resultados foram bastante francos e decisivos de maneira

que somente uma explicaccedilatildeo soa-nos plausiacutevel para a

propagaccedilatildeo da ldquovitoacuteria piacuterricardquo entre os antigos todas as

fontes posteriores mencionadas empregaram a tradiccedilatildeo

analiacutestica para a mediccedilatildeo dos resultados da batalha sendo

que os autores romanos tinham por objetivo encobrir tamanha

desgraccedila para a sua memoacuteria Note-se por exemplo que

segundo Plutarco Dioniacutesio faz referecircncia a uma perda de

15000 homens para os romanos contra 13000 para Pirro ao

passo que Hierocircnimo autor de maior validade para o estudo

da batalha como vimos considerando-se a probabilidade de

ter acessado as Memoacuterias do rei indica uma perda de 7000

homens para Levinus contra 4000 para o epirota301 Aceitos

os nuacutemeros de Hierocircnimo pelos motivos mencionados natildeo haacute

razatildeo para crer que a vitoacuteria em Heracleia tenha sido de

fato uma ldquovitoacuteria piacuterricardquo devendo-se essa expressatildeo agraves

intenccedilotildees de minimizar a vergonha romana por parte da

tradiccedilatildeo analiacutestica

301 Plut Pirro 174 Leacutevecircque Pirro p 328

137

424 A batalha de Aacutesculo (279 aC)

Eventos de ordem militar e diplomaacutetica seguiram-se agrave

batalha de Heracleia Motivado por uma tentativa de

submissatildeo dos romanos por vias diplomaacuteticas Pirro enviou

Cineas a Roma com autorizaccedilatildeo para estabelecer um acordo

possivelmente antes de sua marcha para os arredores da

cidade (aceitando-se um padratildeo de envio preacutevio do

diplomata como ocorreraacute na Siciacutelia dois anos depois) o

que pode ter ocorrido dependendo da tradiccedilatildeo adotada

antes ou depois do envio de sua embaixada302 Presentes

foram oferecidos e segundo Plutarco todos recusados

termos bastante razoaacuteveis foram propostos pautados

basicamente na ldquoamizade poliacuteticardquo e desistecircncia da

conquista de Tarento pelos romanos sendo todos eles mais

uma vez postos de lado303 Alguns senadores estavam

inclinados a aceitar a paz julgando que um exeacutercito ainda

mais numeroso (reforccedilado com os aliados receacutem-chegados de

Pirro) recairia sobre Roma e mesmo tendo momentaneamente

recusado o que lhes propunha Cineas comeccedilavam a considerar

os termos do acordo epirota quando decidiram finalmente

motivados pelo discurso de Aacutepio Claacuteudio pela continuaccedilatildeo

do embate e da negociaccedilatildeo de resgate dos prisioneiros

certamente por que julgavam ser capazes de vencer Pirro com

as forccedilas restantes (o que natildeo ocorreria se as legiotildees

302 Plutarco (Pirro 18-19) menciona os eventos na seguinte ordem

Heracleia ndash marcha para Roma ndash embaixada ndash libertaccedilatildeo dos prisioneiros

ndash Aacutesculo Apiano (Samn 10-11) apresenta uma versatildeo distinta

Heracleia ndash embaixada ndash marcha para Roma ndash libertaccedilatildeo dos prisioneiros

ndash Aacutesculo Justino (181 182) somente menciona Heracleia a

libertaccedilatildeo dos (200) prisioneiros e Aacutesculo exatamente nessa ordem

Note que a omissatildeo da marcha para Roma pode ter se dado devido ao uso

uacutenico da tradiccedilatildeo analiacutestica 303 Plut Pirro 182 Variaccedilotildees do que propocircs Cineas aos romanos satildeo

encontradas na tradiccedilatildeo liviana segundo a qual Pirro teria oferecido

a libertaccedilatildeo dos prisioneiros e exigido amizade e alianccedila dos romanos

bem como autonomia dos aliados gregos e baacuterbaros em Apiano Samn

101 para quem os termos do acordo resumiam-se ao seguinte

libertaccedilatildeo dos prisioneiros paz com o povo romano incluindo Tarento

no armistiacutecio autonomia das cidades italiotas e restituiccedilatildeo completa

dos territoacuterios aos lucanianos brutianos samnitas e daunianos (na

regiatildeo da Apulia) Ver o quadro geral em Leacutevecircque Pirro p 348

138

tivessem sido enviadas como normalmente faziam os

cartagineses com seu exeacutercito ateacute 307 aC de uma uacutenica

vez sem a formaccedilatildeo de forccedilas de reserva)

Com a decisatildeo inesperada dos romanos Pirro teria que

proceder agrave conquista sistemaacutetica de toda a Peniacutensula para

entatildeo forccedilar Roma aos seus termos que certamente natildeo

seriam tatildeo brandos quanto os primeiros O rei partiu para a

cidade de Aacutesculo situada numa regiatildeo (Apuacutelia) que

diferentemente daquela de Heracleia natildeo facilitaria o uso

das tropas montadas e obviamente dos elefantes Em

Aacutesculo Pirro contava jaacute com a infantaria e a cavalaria

samnita brutiana lucaniana e tarentina304 Aqui surgem

duas possibilidades para o desenvolvimento da batalha a

primeira delas seguindo o relato de Hierocircnimo (novamente

citado por Plutarco) menciona duas batalhas em Aacutesculo a

segunda de acordo com Dioniacutesio (igualmente citado pelo

bioacutegrafo) faz referecircncia a somente uma longa batalha305

Como anteriormente tambeacutem para a batalha de Aacutesculo parece-

nos mais apropriado o relato de Hierocircnimo dada a

quantidade de detalhes apresentados e a reputaccedilatildeo do

historiador em questatildeo Aleacutem disso a adequaccedilatildeo dos nuacutemeros

continua sendo tal como em Heracleia mais plausiacutevel na

tradiccedilatildeo grega Plutarco nos informa que apoacutes encerrado um

conflito inicial entre as duas infantarias (o que se deduz

pela inadequaccedilatildeo do terreno ao uso de cavaleiros) ambos os

exeacutercitos se retiraram do combate por um dia (ou cerca de

12 horas uma vez que abriram matildeo do combate segundo

Plutarco ao anoitecer) No dia seguinte contudo

intencionado a trazer a luta agrave parte nivelada do terreno

onde poderia empregar seus elefantes e cavaleiros Pirro

ocupou as porccedilotildees mais desniveladas com suas tropas

ligeiras (dardeiros e arqueiros) fazendo-as atirar

304 Leacutevecircque Pirro p 391

305 Plut Pirro 215-8

139

projeacuteteis na maior intensidade possiacutevel forccedilando com essa

manobra o deslocamento do combate para o local que lhe era

mais favoraacutevel Com o passar do tempo de combate frontal a

falange macedocircnica comeccedilou a empurrar as legiotildees ao menos

num dos pontos que Plutarco nos faz crer ser o local onde

estava situado o rei306 O momento decisivo da batalha

contudo se deu novamente durante a investida dos

elefantes que os romanos ainda natildeo haviam aprendido a

combater Apoacutes o avanccedilo dos paquidermes provavelmente em

ambas as alas os romanos natildeo puderam se manter em

formaccedilatildeo o que resultou uma vez mais na vitoacuteria do rei

do Epiro sobre Roma Hierocircnimo menciona de acordo com

Plutarco uma perda de 6000 homens para os romanos contra

3505 homens do lado epirota segundo os proacuteprios

comentaacuterios das Memoacuterias de Pirro (que o historiador de

Caacuterdia pocircde certamente consultar)307 Dioniacutesio em

contrapartida sequer admitiu uma derrota romana

mencionando natildeo somente que os suprimentos de Pirro havia

sido saqueada mas tambeacutem que as perdas foram equivalentes

perfazendo um total de 15000 mortos para cada lado

A partir desta batalha se seguirmos os eventos do modo

como apresentado pela tradiccedilatildeo grega podemos concluir sem

exagero que os convites recebidos tanto da Siciacutelia308 quanto

da Macedocircnia309 foram plenamente baseados em sua receacutem-

adquirida reputaccedilatildeo poliacutetica e militar Da mesma forma a

decisatildeo de partir para a Siciacutelia como o liacuteder pelo qual os

306 Uma reconstruccedilatildeo moderna sobre o possiacutevel ordenamento da batalha

encontra-se em Oswald Andreas Hamburger Untersuchungen uumlber den

pyrrhischen Krieg Wuumlrzburg Wolff 1927 P 31 307 Plut Pirro 218

308 Como detalhado acima no item ldquoPirro e o problema da monarquia

heleniacutesticardquo 309 Alguns povos celtas encontravam-se novamente em processo migratoacuterio

a julgar pelos nuacutemeros apresentados por Diodoro (229) tendo

derrotado Ptolomeu Ceraunus filho de Ptolomeu I durante a invasatildeo da

Macedocircnia ldquoBreno o rei dos gauleses acompanhado por 150000

soldados de infantaria armados com escudo longo (θυρεοφόρων) e 10000 cavaleiros juntos com uma horda de seguidores mercadores e duas mil

carroccedilas invadiram a Macedocircnia []rdquo

140

siciliotas aguardavam desde a morte de Agaacutetocles configurou

o contexto peninsular de uma forma completamente diferente

do que seria se o epirota prosseguisse com as campanhas

contra os romanos Se no teacutermino das lutas Roma teria sido

subjugada nunca saberemos (isso nos seria possiacutevel somente

como exerciacutecio retoacuterico) mas parece niacutetido que as decisotildees

posteriores de Pirro tenham sido baseadas na sua reputaccedilatildeo

em suas vitoacuterias sobre os romanos e no que ele poderia

realizar em termos de feitos grandiosos (tais como a

helenizaccedilatildeo completa da Siciacutelia e a conquista de Cartago)

como monarca de aspiraccedilotildees heleniacutesticas e natildeo numa espeacutecie

de ato desesperado para salvar a expediccedilatildeo apoacutes duas

ldquovitoacuterias piacuterricasrdquo durante as quais o espiacuterito militar

romano permaneceu inabalaacutevel como nos faz crer a tradiccedilatildeo

analiacutestica

141

CAPIacuteTULO 4 ndash AS DUAS FASES DAS INOVACcedilOtildeES MILITARES

EM CARTAGO

1 ldquoNenhum tirano destruiraacute nossa cidaderdquo

controle oligaacuterquico e fracasso da tirania em

Cartago 310-255 aC

A decisatildeo de transferir a guerra da Siciacutelia para a

Aacutefrica ainda que a porccedilatildeo grega da ilha estivesse em

condiccedilotildees bastante desfavoraacuteveis estava ancorada como

mostrei no capiacutetulo anterior no conhecimento de Agaacutetocles

sobre o despreparo do exeacutercito ciacutevico cartaginecircs o qual

teria forccedilosamente que entrar em combate com os experientes

mercenaacuterios do siracusano caso fossem pegos de surpresa em

sua proacutepria cidade ou nos arredores mas tambeacutem no

reconhecimento das tensotildees existentes entre a oligarquia

cartaginesa e seus generais As centenas de quilocircmetros que

separavam Cartago da porccedilatildeo oeste da Siciacutelia por vezes

tornavam os ldquorelatoacuteriosrdquo das accedilotildees cartaginesas na ilha

esporaacutedicos e imprecisos310

resultando na coexistecircncia de

dois fatores aparentemente excludentes

Em primeiro lugar destaca-se a autonomia dos generais

de exeacutercitos mercenaacuterios na Siciacutelia com liberdade para

realizar tratados de paz e formar alianccedilas ainda que elas

tivessem que ser confirmadas posteriormente pelo Conselho

de Anciatildeos311

Em segundo lugar encontra-se o controle de

seu poder poliacutetico e militar pela oligarquia o que

frequumlentemente findava em puniccedilotildees financeiras deposiccedilatildeo

do cargo ou ateacute mesmo privaccedilatildeo de direitos ciacutevicos no caso

de derrota assim como deposiccedilatildeo e crucificaccedilatildeo dos

comandantes se confirmada aspiraccedilatildeo tiracircnica mesmo que em

310 Miles pp 146-148 311 Dexter Hoyos ldquoBarcid bdquoproconsuls‟ and Punic politics 237-218 BCrdquo

Rheinisches Museum fuumlr Philologie 137 246-274 1994 Miles p 146

142

potencial A existecircncia dessa tensatildeo aparece por exemplo

em Diodoro ao mencionar o tratamento hostil dado aos

generais cartagineses pelos seus compatriotas

A causa baacutesica desse problema era a severidade dos

cartagineses ao infligir puniccedilotildees Em suas guerras eles

dispotildeem seus homens mais nobres (τοὺς [] ἐπιφανεστάτους τν ἀνδρν) no comando julgando que esses deveriam ser os primeiros a enfrentar o perigo em nome de toda a

cidade mas quando eles conquistam a paz [os

oligarcas] condenam os mesmos homens em julgamento

trazendo injustamente acusaccedilotildees contra eles por inveja

e os depotildeem com penalidades Portanto alguns desses

homens dispostos em posiccedilotildees de comando desertam

temendo os julgamentos nas cortes ao passo que outros

se lanccedilam agrave tirania (τινὲς δἐπιτίθενται τυραννίσιν)312

Isoacutecrates alguns seacuteculos antes de Diodoro afirmou que

entre os cartagineses ldquoas cidades [eram] governadas por uma

oligarquia mas os assuntos militares por um reirdquo (οἴκοι μὲν

ὀλιγαρχουμένους περὶ δὲ τὸν πόλεμον βασιλευομένους)313 Com isso o

312 Diod 20102-4 αἰτία δὲ μάλιστα τούτων ἡ πρὸς τὰς τιμωρίας πικρία τν Καρχηδονίων τοὺς γὰρ ἐπιφανεστάτους τν ἀνδρν ἐν μὲν τοῖς πολέμοις προάγουσιν ἐπὶ τὰς ἡγεμονίας νομίζοντες δεῖν ατοὺς τν ὅλων προκινδυνεύειν ὅταν δὲ τύχωσι τς εἰρήνης τοὺς ατοὺς τούτους συκοφαντοῦσι καὶ κρίσεις ἀδίκους ἐπιφέροντες διὰ τὸν φθόνον τιμωρίαις περιβάλλουσι διὸ καὶ τν ἐπὶ τὰς ἡγεμονίας ταττομένων τινὲς μὲν φοβούμενοι τὰς ἐν τῶ δικαστηρίῳ κρίσεις ἀποστάται γίνονται [τς ἡγεμονίας] τινὲς δ ἐπιτίθενται τυραννίσιν Nigel Bagnall The Punic Wars New York St Martin 2005 pp 9-11 Miles

op cit p 147 Cabe mencionar aqui o caso relatado em Diod 2310

quando Aniacutebal (natildeo o Barca) apoacutes a derrota na batalha naval de Mylae

durante a Primeira Guerra Puacutenica temendo a puniccedilatildeo oligaacuterquica

decidiu enviar um mensageiro a Cartago para perguntar aos oligarcas se

ele no comando de 200 embarcaccedilotildees deveria entrar em confronto com os

romanos que contavam apenas com 120 embarcaccedilotildees com a resposta

positiva dos entusiasmados compatriotas o mensageiro entatildeo contou que

foi exatamente essa a decisatildeo de Aniacutebal tendo ele no entanto

perdido a batalha para os romanos Diante disso concluiu o

mensageiro o general natildeo deveria ser punido uma vez que agiu como

todos julgavam ser correto O caso serve para ilustrar o receio dos

comandantes cartagineses quanto agraves puniccedilotildees do Senado mais do que

propriamente a severidade dos castigos Sobre a puniccedilatildeo senatorial

podemos destacar a crucifixatildeo como no caso do comandante cartaginecircs

crucificado pelos compatriotas apoacutes desistir de Messina com a chegada

de Aacutepio Claacuteudio cocircnsul romano enviado para dar suporte militar aos

mamertinos (Polib 111) De acordo com Poliacutebio os cartagineses

puniram seu general por sua falta de bom juiacutezo sobre as coisas

(νομίσαντες ατὸν ἀβούλως) e por abandonar a cidadela covardemente

(ἀνάνδρως προέσθαι τὴν ἀκρόπολιν) 313 Isocrates Nicocles 24 Dexter Hoyos (Unplanned Wars The Origins

of the First and Second Punic Wars Berlin New York Walter de

143

orador aacutetico pretendia evidenciar a tensatildeo referida entre

oligarquia e generais algo existente mesmo antes do iniacutecio

do periacuteodo heleniacutestico Se no seacutecIV aC os generais eram

escolhidos entre os membros da elite poliacutetica314 a partir

do seacutecIII aC os mesmos passaram a ser eleitos pela

assembleacuteia popular315 o que certamente contribuiu para a

degradaccedilatildeo das relaccedilotildees entre oligarquia e comandantes

nomeados Contudo a despeito da progressiva hostilidade

entre os dois lados os oligarcas foram ainda capazes de

punir seus generais com severidade ao longo dos cem

primeiros anos do periacuteodo heleniacutestico O poder que a

oligarquia mantinha sobre os comandantes eacute evidente em

diversas ocasiotildees como a deposiccedilatildeo do general Hanatildeo o

Velho apoacutes sua derrota em Acragas em 263 aC316 Poliacutebio

natildeo menciona o que ocorreu com Hanatildeo dando atenccedilatildeo ao

impacto que a vitoacuteria romana teve no Senado em Roma mas

Diodoro nos relata que ldquoos cartagineses puniram Hanatildeo em

6000 moedas de ouro privando-o de seus direitos ciacutevicosrdquo

(Ἄννωνα δὲ οἱ Καρχηδόνιοι ἐζημίωσαν χρυσοῖς ἑξακισχιλίοις ἀτιμάσαντες)317

A principal razatildeo para o controle efetivo por parte dos

oligarcas reside no excelente funcionamento das

instituiccedilotildees poliacuteticas tradicionais cujo vigor permaneceu

ateacute o iniacutecio da Segunda Guerra Puacutenica devido agraves matildeos

severas da oligarquia (nas ldquofiguras senatoriaisrdquo e dos

Gruyter 1998 P150) destaca que com a ascensatildeo Baacutercida (periacuteodo que

natildeo seraacute tratado nesta tese) a repuacuteblica cartaginesa havia se

tornado de fato uma monarquia militar uma vez que o poder dos

Baacutercidas natildeo se reduzia agrave nova colocircnia hispacircnica estendendo-se aos

assuntos poliacuteticos em Cartago Ainda que essa interpretaccedilatildeo natildeo seja

universal (haacute evidecircncias da oposiccedilatildeo dos cartagineses agrave expediccedilatildeo de

Amiacutelcar em Apiano Guerra Anibaacutelica 24 e Zonaras 817) os autores

modernos tendem a aceitar a influecircncia Baacutercida em Cartago ou o seu

governo independente na Hispacircnia 314 Robert Drews ldquoPhoenicians Carthage and the Spartan Eunomiardquo AJA

100 1979 P 55 315 Bagnall op cit p 9 316 Polib 118-19 Diod239 Zonaras 810 A batalha seraacute analisada

neste capiacutetulo precisamente no uacuteltimo item 317 Diod 239 Aqui decidi seguir estritamente a traduccedilatildeo de

Goldfather tradutor da Loeb que sugeriu ἀτιμάω como privaccedilatildeo dos

direitos ciacutevicos

144

sufetas)318

O preccedilo a se pagar como veremos neste

capiacutetulo seraacute o impedimento da formaccedilatildeo de uma ldquoescola

militar atualizadardquo na primeira metade do seacutecIII aC o

que atrasaraacute em termos taacuteticos o pensamento militar

cartaginecircs sendo o problema solucionado somente diante de

outra ameaccedila nos arredores de Cartago a expediccedilatildeo romana

liderada por Reacutegulo durante a Primeira Guerra Puacutenica

Poliacutebio menciona que as razotildees para a decadecircncia da

constituiccedilatildeo cartaginesa notada somente a partir da

Segunda Guerra Puacutenica319

resumem-se ao progressivo

desequiliacutebrio das suas instituiccedilotildees diminuindo

sensivelmente a autoridade da oligarquia frente agraves

assembleacuteias populares tendo ldquoa multidatildeo jaacute adquirido a

palavra final nas deliberaccedilotildees ao passo que em Roma o

Senado ainda a detinhardquo (τὴν πλείστην δύναμιν ἐν τοῖς διαβουλίοις παρὰ μὲν

Καρχηδονίοις ὁ δμος ἤδη μετειλήφει παρὰ δὲ Ῥωμαίοις ἀκμὴν εἶχεν ἡ σύγκλητος)320

Ao que tudo indica o periacuteodo localizado entre os primeiros

anos do seacutecIII aC quando a assembleacuteia popular passou a

escolher os generais cartagineses e o iniacutecio da Segunda

Guerra Puacutenica em 218 aC apresentou os uacuteltimos esforccedilos

de controle efetivo dos oligarcas que progressivamente

perdiam espaccedilo para a participaccedilatildeo democraacutetica ainda que

tivessem poder sobre a deposiccedilatildeo dos generais e jaacute nas

duas uacuteltimas deacutecadas do seacutecIII aC para uma poliacutetica da

irracionalidade321

Haacute basicamente duas referecircncias antigas sobre a

constituiccedilatildeo dos cartagineses a respeito da qual pouco se

318 Bagnall op cit p 12 eacute ainda mais incisivo ao dizer que ldquoo

aspecto mais marcante da constituiccedilatildeo cartaginesa era a sua

estabilidaderdquo 319 Polib 651 ldquoMas no momento em que eles embarcaram na Guerra

Anibaacutelica a constituiccedilatildeo dos cartagineses se degenerou ao passo que

a dos romanos progrediurdquo (κατά γε μὴν τοὺς καιροὺς τούτους καθ οὓς εἰς τὸν Ἀννιβιακὸν ἐνέβαινε πόλεμον χεῖρον ἦν τὸ Καρχηδονίων ἄμεινον δὲ τὸ Ῥωμαίων) 320 Polib 651 321 Ver Craige Brian Champion Cultural Politics in Polybius‟

Histories Berkeley University of California Press 2004 pp 117-

121 Miles pp 353-354

145

sabe A primeira e mais esclarecedora delas encontra-se em

Aristoacuteteles (Pol 1272b) portanto temporalmente distante

dos eventos pelos quais demonstramos interesse322

Ainda

assim o entendimento aristoteacutelico do sistema poliacutetico

cartaginecircs no seacutecIV aC deve ser o principal documento

considerado dado o bom julgamento de Aristoacuteteles para o

assunto e as condiccedilotildees miacutenimas de acesso aos relatos

antigos sobre as instituiccedilotildees poliacuteticas cartaginesas A

segunda delas pode ser encontrada como jaacute indicado acima

em Poliacutebio ligeiramente mais proacuteximo dos referidos eventos

que Aristoacuteteles considerando as suas funccedilotildees no ciacuterculo

dos Cipiotildees323 O relato de Poliacutebio contudo carece de

informaccedilotildees baacutesicas resumindo-se agrave demonstraccedilatildeo de como o

desequiliacutebrio no funcionamento das instituiccedilotildees permite a

ascensatildeo de outro poder estrangeiro (Roma) o que daria

ferramentas aos poliacuteticos gregos vindouros para a

compreensatildeo das instituiccedilotildees romanas Afinal sua ldquohistoacuteria

pragmaacuteticardquo se dirigia a uma audiecircncia grega (mas natildeo

somente) forccedilada a conviver sob o domiacutenio romano324

De acordo com Aristoacuteteles os cartagineses viviam sob

uma constituiccedilatildeo boa (Πολιτεύεσθαι δὲ δοκοῦσι καὶ Καρχηδόνιοι καλς) e

superior em muitos aspectos a todas as outras (καὶ πολλὰ

περιττς πρὸς τοὺς ἄλλους) assemelhando-se agraves constituiccedilotildees de

Creta e Esparta (as quais detinham peculiaridade notaacutevel

aos olhos do grego)325 O valor de uma boa constituiccedilatildeo diz

Aristoacuteteles pode ser encontrado quando ldquoos cidadatildeos

permanecem leais ao sistema poliacutetico e nenhum conflito

civil emerge em qualquer escala que valha a pena mencionar

nem qualquer um obteacutem sucesso em se pronunciar tiranordquo (τὸ

τὸν δμον διαμένειν ἐν τῆ τάξει τς πολιτείας καὶ μήτε στάσιν ὅ τι καὶ ἄξιον εἰπεῖν

322 Arist Pol 1272b 323 Polib 644 324 Polib 11 Frank William Walbank Polybius Berkeley and Los

Angeles University of California Press 1972 Daly P 81 325 Arist Pol 1272b Poliacutebio (651) ressalta a semelhanccedila com as

constituiccedilotildees de Roma e Esparta Ver Bagnall op cit p 13 Consolo

Langher pp 127-129

146

γεγενσθαι μήτε τύραννον) Da mesma forma que os espartanos os

cartagineses conheciam as refeiccedilotildees coletivas possuindo um

conselho similar ao dos eacuteforos326 mas composto por 104

homens tendo a vantagem de escolhecirc-los por meacuterito pessoal

(τὴν ἀρχὴν ἀριστίνδην) ao passo que em Esparta a eleiccedilatildeo se

dava entre os cidadatildeos ordinaacuterios Quanto aos dois sufetas

(ou magistrados vistos como reis)327 ambos vinham da mesma

famiacutelia e deviam assumir o cargo por eleiccedilatildeo e natildeo por

senilidade Aparentemente as decisotildees eram sempre tomadas

pelo Senado e pelos sufetas e os assuntos que deveriam ir

agrave assembleacuteia popular eram por eles escolhidos Uma vez que

a votaccedilatildeo fosse encaminhada ao povo (δμος) o Senado abria

matildeo de sua primazia momentaneamente sendo a assembleacuteia

popular investida de poder natildeo somente para escutar as

resoluccedilotildees do governo mas tambeacutem para pronunciar

julgamento sobre elas ldquoum direito que natildeo existia noutras

constituiccedilotildeesrdquo ([] ὅπερ ἐν ταῖς ἑτέραις πολιτείαις οκ ἔστιν) A

poliacutetica cartaginesa seria entatildeo parcialmente

democraacutetica mas com fortes elementos oligaacuterquicos os

quais eram mantidos pela forma de controle institucional

aristocraacutetica As pentarquias por exemplo encarregadas da

326 Poliacutebio menciona a existecircncia de dois reis um conselho de anciatildeos

como forccedila aristocraacutetica e um povo supremo nos assuntos que lhes

cabia 327 Para alguns historiadores os sufetas cartagineses desempenhavam

precisamente as funccedilotildees de um ldquoreirdquo (basileu para os gregos rex para

os latinos) ao passo que para outros a apariccedilatildeo do termo ldquobasileurdquo

quando as fontes mencionam sufetas cartagineses indica unicamente uma

aproximaccedilatildeo ao se traduzir o puacutenico sufeta Como nos lembra Yann Le

Bohec Histoire militaire des guerres puniques Monaco Editions du

Rocher 1996 pp29-31 ldquose a monarquia existiu em Cartago esse

regime desapareceu antes do iniacutecio do seacutecIII aCrdquo Entre os autores

que consideram os sufetas com funccedilotildees idecircnticas agravequelas desempenhadas

pelos reis destaca-se Gilbert Charles-Picard ldquoLes Sufegravetes de Carthage

dans Tite-Live et Cornelius Neposrdquo Revue des Eacutetudes Lat 41 269-280

1963 O principal autor a se posicionar a favor de uma mera

aproximaccedilatildeo semacircntica eacute Maurice Sznycer ldquoLe Problegraveme de la royauteacute

dans le monde puniquerdquo Bulletin du Com des Trav Hist 17 291-296

1981 Outros autores preferem se posicionar entre as duas

interpretaccedilotildees como no caso de Dexter Hoyos op cit p6 que

defende a plausibilidade de ambas embora opte por traduzir sufetas

como juiacutezes ldquoo reirdquo diz Hoyos ldquoalgumas vezes mencionado nos relatos

gregos pode ter sido uma magistratura separada ou talvez um sufeta

sob outro nomerdquo

147

eleiccedilatildeo dos membros do ldquoconselho dos 104 homensrdquo (senadores

responsaacuteveis por vigiar e reprimir quaisquer abusos por

parte do proacuteprio Senado) eram magistraturas natildeo

remuneradas sendo tanto a riqueza (τὸν πλοῦτον) quanto o

meacuterito (τς ἀρετς) elementos considerados na escolha dos

magistrados o que limitava o exerciacutecio poliacutetico das

pentarquias aos bem-nascidos jaacute que era impossiacutevel ao

homem pobre desfrutar do tempo necessaacuterio para o desempenho

adequado de seus deveres poliacuteticos Assim a eleiccedilatildeo por

riqueza seria oligaacuterquica e a eleiccedilatildeo por meacuterito

aristocraacutetica o que mantinha (durante bastante tempo) o

equiliacutebrio institucional tatildeo valorizado por Poliacutebio para

quem a populaccedilatildeo de Atenas iacutecone do governo puramente

democraacutetico se assemelhava a ldquoum navio sem comandanterdquo

(τοῖς ἀδεσπότοις σκάφεσι)

O uacutenico caso heleniacutestico (entre 323-237 aC)

registrado nas fontes de aspiraccedilatildeo frustrada ao poder

tiracircnico em Cartago se daacute em 310 aC com Bomiacutelcar um dos

strategoi nomeados pelo conselho cartaginecircs frente ao

reconhecimento da inesperada expediccedilatildeo africana de

Agaacutetocles328

Ao eleger Bomiacutelcar juntamente com Hanatildeo o

outro strategos tendo ciecircncia de que ambos advinham de

famiacutelias rivais o conselho cartaginecircs pretendia de acordo

com Diodoro manter a seguranccedila da cidade (τς πόλεως

ἀσφάλειαν) isto eacute o perfeito funcionamento de suas

instituiccedilotildees tradicionais crendo que a desconfianccedila

pessoal e a inimizade muacutetua (τὴν ἰδίαν τούτοις ἀπιστίαν καὶ διαφορὰν

κοινὴν) dos generais inibiriam qualquer tentativa de

ascensatildeo ao poder tiracircnico pelo monopoacutelio dos exeacutercitos329

O conselho prossegue o historiador siciliano se equivocou

em sua decisatildeo uma vez que Bomiacutelcar aproveitou a

oportunidade de sua nomeaccedilatildeo ao cargo de strategos para

328 Diod 2010 Meister CAH 7 p395 Consolo Langher pp 139-141

Justino 226 menciona Hanatildeo como o uacutenico comandante dos cartagineses 329 Diod 2010

148

levar adiante um plano de instauraccedilatildeo da tirania o qual

havia sido como encontramos na fonte previamente

concebido Antes da chegada de Agaacutetocles na Aacutefrica faltava

ao cartaginecircs tanto autoridade (ἐξουσίαν) quanto ocasiatildeo

adequada (καιρὸν οἰκεῖον) uma vez nomeado um dos generais

responsaacuteveis pelo combate contra os gregos na Aacutefrica ambos

os preacute-requisitos lhe foram proporcionados Em primeiro

lugar de posse de parte do exeacutercito cartaginecircs bastava

eliminar seu colega e rival o que considerando o estado

das relaccedilotildees entre os dois seria feito sem grandes

impedimentos Em segundo lugar a presenccedila grega na Aacutefrica

serviria de justificativa para quaisquer acusaccedilotildees de mau

funcionamento das instituiccedilotildees tradicionais o que em

diversas ocasiotildees foi tomado como pontapeacute inicial para a

emergecircncia dos poderes tiracircnicos no mundo grego Em campo

de batalha apoacutes ouvir que seu rival havia sido derrotado

pelos siracusanos Bomiacutelcar tentou forccedilar um recuo

prematuro de sua ala o que induziria a retirada de todo o

exeacutercito acreditando que com isso teria natildeo somente o

controle das tropas mas tambeacutem o desentendimento e

consequumlente submissatildeo do conselho Essa loacutegica encontra

evidecircncia em Diodoro

Se o exeacutercito de Agaacutetocles fosse destruiacutedo ele natildeo

seria capaz de realizar o seu plano rumo agrave supremacia

uma vez que os cidadatildeos permaneceriam fortes mas se o

primeiro vencesse e destruiacutesse o orgulho dos

cartagineses os derrotados seriam faacuteceis de manipular

e ele [Bomiacutelcar] poderia derrotar Agaacutetocles prontamente

quando desejasse fazecirc-lo330

330 Diod 2012 [] εἰ μὲν ἡ μετὰ Ἀγαθοκλέους διαφθαρείη δύναμις μὴ δυνήσεσθαι τὴν ἐπίθεσιν ποιήσασθαι τῆ δυναστείᾳ τν πολιτν ἰσχυόντων εἰ δὲ ἐκεῖνος νικήσας τὰ φρονήματα παρέλοιτο τν Καρχηδονίων εχειρώτους μὲν ἑαυτῶ τοὺς προηττημένους ἔσεσθαι τὸν δ Ἀγαθοκλέα ῥᾳδίως καταπολεμήσειν ὅταν ατῶ δόξῃ

149

O recuo taacutetico de Bomiacutelcar se transformou no entanto

em massacre e destruiccedilatildeo numerosa de seu exeacutercito331 jaacute que

as manobras heleniacutesticas de Agaacutetocles findaram no

envolvimento aparentemente parcial dos cartagineses em

fuga Diodoro um pouco mais agrave frente menciona em detalhes

como os cartagineses conseguiram suprimir a tentativa

desesperada de ascensatildeo tiracircnica por parte de Bomiacutelcar

que apoacutes a derrota para Agaacutetocles selecionou alguns de

seus homens e tentou tomar a proacutepria cidade de Cartago

inesperadamente

[] quando Bomiacutelcar havia revisado o seu exeacutercito no

que era chamada Nova Cidade a qual estava localizada a

uma curta distacircncia da Velha Cartago ele dispensou o

restante mas manteve aqueles com os quais podia contar

em sua revolta cerca de 500 cidadatildeos e 1000

mercenaacuterios e declarou-se tirano (ἀνέδειξεν ἑαυτὸν τύραννον)332

Ao dividir seus homens em cinco unidades Bomiacutelcar

invadiu a cidade (que ainda natildeo tinha conhecimento de seus

planos) e exterminou aqueles que se opuseram aos seus

propoacutesitos Diante da calamidade os cartagineses pegaram

em armas e se apressaram em suprimir a traiccedilatildeo ciacutevica que

haviam sofrido em momento tatildeo delicado para a sua poliacutetica

externa Bomiacutelcar se dirigiu ao centro mercantil (τὴν ἀγορὰν)

e assassinou ainda muitos cidadatildeos desarmados sendo essa

accedilatildeo desesperada seguida pela ocupaccedilatildeo de construccedilotildees

proacuteximas ao mercado por parte dos defensores os quais

foram capazes devido ao posicionamento mais alto e

portanto favoraacutevel agrave defesa interna da cidade contra os

331 Diod 2013 menciona 1000 homens mortos do lado cartaginecircs embora

reconheccedila que outros autores mencionem ateacute 6000 ao passo que Justino

226 nos indica 3000 mortos do lado cartaginecircs Oroacutesio 46 sugere que

2000 cartagineses pereceram em batalha 332 Diod 2044 δ οὖν Βορμίλκας ἐξετασμὸν τν στρατιωτν ποιησάμενος ἐν τῆ καλουμένῃ Νέᾳ πόλει μικρὸν ἔξω τς ἀρχαίας Καρχηδόνος οὔσῃ τοὺς μὲν ἄλλους διαφκε τοὺς δὲ συνειδότας περὶ τς ἐπιθέσεως ὄντας πολίτας μὲν πεντακοσίους μισθοφόρους δὲ περὶ χιλίους ἀνέδειξεν ἑαυτὸν τύραννον

150

homens de Bomiacutelcar de por fim ao que poderia representar a

falecircncia (mesmo que momentacircnea) de suas instituiccedilotildees

poliacuteticas tradicionais Apoacutes a rendiccedilatildeo dos traidores os

cartagineses enviaram os seus cidadatildeos mais velhos (πρέσβεις)

para o estabelecimento de um acordo e decidiram perdoar os

traidores que tiveram que ldquopagarrdquo o perdatildeo com serviccedilo

militar contra Agaacutetocles mas torturaram e mataram o seu

liacuteder Bomiacutelcar preservando assim ldquoa constituiccedilatildeo de seus

paisrdquo (τὴν πατρῴαν πολιτείαν)

Parece seguro dizer que o uacutenico caso registrado de

tentativa de instauraccedilatildeo da tirania em Cartago durante o

primeiro seacuteculo do periacuteodo heleniacutestico tinha propoacutesitos

puramente claacutessicos primeiramente por que a sua

classificaccedilatildeo como ldquoheleniacutesticardquo cairia diante da acusaccedilatildeo

de anacronismo de fato natildeo vejo maneira de um cartaginecircs

ter concebido seu poder em imitaccedilatildeo agrave monarquia de

Alexandre antes mesmo da autoproclamaccedilatildeo dos Diaacutedocos como

reis333

Aleacutem disso a experiecircncia cartaginesa aponta para o

modelo tiracircnico siciliano tardo-claacutessico sem qualquer

vivecircncia direta (ao menos nas esferas oligaacuterquica e

popular) com os valores monaacuterquicos heleniacutesticos Ainda que

Agaacutetocles tenha desenvolvido os princiacutepios de sua basileia

durante a expediccedilatildeo cartaginesa a configuraccedilatildeo de seu

poder natildeo se dirigia nem aos cartagineses nem aos cidadatildeos

em Siracusa como sustentamos no capiacutetulo anterior mas sim

agraves suas tropas mercenaacuterias que reconheceram seu poder no

episoacutedio da toga puacuterpura e que tinham condiccedilotildees a julgar

pelo tracircnsito mediterracircnico inerente agrave sua profissatildeo de

saber do que se tratava o poder reacutegio assumido por

Agaacutetocles alguns anos apoacutes a batalha de Tuacutenis em 310 aC

Embora tivessem empregado mercenaacuterios em larga escala a

esfera de atuaccedilatildeo poliacutetica dos cartagineses incluindo seus

generais permaneceu estritamente ligada aos modelos

333 Esse eacute o mesmo argumento que utilizei no cap3

151

claacutessicos tendo o uacutenico caso fracassado de ascensatildeo

tiracircnica no periacuteodo heleniacutestico ocorrido em 310 aC antes

mesmo do surgimento das monarquias heleniacutesticas

Apoacutes o episoacutedio de Bomiacutelcar a oligarquia cartaginesa

manteve-se como de costume precavida quanto agraves possiacuteveis

chances da emergecircncia de tiranias em Cartago As fontes natildeo

mencionam outro caso declarado de aspiraccedilatildeo tiracircnica mas

penso que podemos tomar ao considerar uma sistematizaccedilatildeo

das evidecircncias disponiacuteveis a reaccedilatildeo dos cartagineses ao

sucesso militar de Xantipo (o qual seraacute analisado em

detalhes mais agrave frente) como indiacutecio de precauccedilatildeo quanto a

uma ldquotirania em potencialrdquo o que serve em igual medida

para o meu argumento

As fontes fornecem histoacuterias bastante distintas sobre o

desaparecimento do general mercenaacuterio apoacutes serviccedilo prestado

aos cartagineses Comecemos com Poliacutebio

Xantipo a quem essa revoluccedilatildeo e esse notaacutevel avanccedilo

nos eventos relacionados a Cartago foram devidos apoacutes

pouco tempo navegou mais uma vez a Esparta sendo esta

uma decisatildeo muito prudente e bem pensada de sua parte

uma vez que suas realizaccedilotildees brilhantes e excepcionais

cultivariam a inveja mais profunda [] Estrangeiros

quando expostos a tais situaccedilotildees rapidamente sucumbem

e potildeem-se em perigo Haacute outro relato sobre a partida de

Xantipo o qual procurarei apresentar numa ocasiatildeo mais

apropriada que a atual334

Mas qual seria esse segundo relato mencionado por

Poliacutebio Parece possiacutevel dizer a partir do que narram

outras fontes que Poliacutebio estivesse se referindo agrave versatildeo

que encontramos com mais clareza nos fragmentos do livro

23 de Diodoro

334 Polib 136 Ξάνθιππος δὲ τηλικαύτην ἐπίδοσιν καὶ ῥοπὴν ποιήσας τοῖς Καρχηδονίων πράγμασιν μετ ο πολὺν χρόνον ἀπέπλευσεν πάλιν φρονίμως καὶ συνετς βουλευσάμενος αἱ γὰρ ἐπιφανεῖς καὶ παράδοξοι πράξεις βαρεῖς μὲν τοὺς φθόνους ὀξείας δὲ τὰς διαβολὰς γεννσιν [hellip] οἱ δὲ ξένοι ταχέως ἐφ ἑκατέρων τούτων ἡττνται καὶ κινδυνεύουσι λέγεται δὲ καὶ ἕτερος πὲρ τς ἀπαλλαγς τς Ξανθίππου λόγος ὃν πειρασόμεθα διασαφεῖν οἰκειότερον λαβόντες τοῦ παρόντος καιρόν

152

Xantipo o Espartano tambeacutem pereceu nas matildeos dos

siciliotas335 Proacuteximo a Lilibeu uma cidade dos

siciliotas [cartagineses] houve uma guerra entre

romanos e siciliotas guerra essa que continuou por 24

anos Os siciliotas tendo sofrido derrota em batalha

por diversas vezes ofereceram a submissatildeo de sua

cidade aos romanos Xantipo o Espartano que havia

chegado de Esparta com 100 soldados (ou sozinho ou com

50 soldados de acordo com vaacuterios autores) se

aproximou dos siciliotas enquanto eles ainda estavam

indecisos e apoacutes conversar com eles por meio de um

inteacuterprete finalmente os encorajou a fazer frente aos

inimigos Ele entrou em batalha com os romanos e com a

ajuda dos siciliotas massacrou todo o exeacutercito inimigo

Por seu bom serviccedilo prestado [Xantipo] recebeu uma

recompensa merecida e apropriada agravequele povo perverso

uma vez que os moralmente abominaacuteveis o enviaram numa

embarcaccedilatildeo defeituosa e a naufragaram nas aacuteguas do

Adriaacutetico como expressatildeo de seu ressentimento para com

o heroacutei e sua nobreza336

Os relatos posteriores apresentam mais ou menos uma das

duas versotildees Apiano relata o retorno de Xantipo a Esparta

ainda que a viagem tenha sido propositalmente organizada

pelos cartagineses para o extermiacutenio do general durante o

percurso de volta o que se deu com o arremesso de Xantipo

e seus compatriotas da embarcaccedilatildeo em mar aberto337

Os

fragmentos do livro 11 de Caacutessio Dio os quais foram

parcialmente preservados em Zonaras informam duas versotildees

possiacuteveis que sua embarcaccedilatildeo foi atacada pelos proacuteprios

cartagineses e que a embarcaccedilatildeo cedida a ele pelos

335 Apoacutes analisar todo o fragmento fica evidente que Diodoro trocou

(talvez por confusatildeo) em toda a passagem cartagineses por

siciliotas 336 Diod 2316 τοῖς Σικελοῖς καὶ Ξάνθιππος ὁ Σπαρτιάτης θνήσκει περὶ γὰρ τὸ Λιλύβαιον τν Σικελν τὴν πόλιν Ῥωμαίοις τε καὶ Σικελοῖς πόλεμος ἐκροτεῖτο πρὸς εἴκοσι καὶ τέσσαρας τοὺς χρόνους ἐξαρκέσας οἱ Σικελοὶ ταῖς μάχαις δὲ πολλάκις ἡττημένοι Ῥωμαίοις ἐνεχείριζον τὴν πόλιν εἰς δουλείαν τν δὲ Ῥωμαίων μηδαμς μηδ οὕτω πειθομένων ἀλλὰ γυμνοὺς τοὺς Σικελοὺς λεγόντων ἐξιέναι ὁ Σπαρτιάτης Ξάνθιππος ἐλθὼν ἀπὸ τς Σπάρτης σὺν στρατιώταις ἑκατόν ἢ μόνος καθ ἑτέρους κατ ἄλλους δὲ πεντήκοντα τοὺς στρατιώτας ἔχων καὶ προσβαλὼν τοῖς Σικελοῖς οὖσιν ἐγκεκλεισμένοις δι ἑρμηνέως τε ατοῖς πολλὰ συνομιλήσας τέλος θαρρύνει κατ ἐχθρν καὶ συναράξας μάχῃ ἅπαν Ῥωμαίων στράτευμα σὺν τούτοις κατακόπτει τοῖς εηργετημένοις δὲ τὴν ἀμοιβὴν λαμβάνει ἀξίαν καὶ κατάλληλον τς τούτων δυστροπίας πλοίῳ

σαθρῶ τὸν ἄνδρα γὰρ οἱ μιαροὶ βαλόντες πὸ στροφαῖς βυθίζουσι πελάγει τοῦ Ἀδρίου βασκήναντες τὸν ἥρωα καὶ τούτου τὸ γενναῖον 337 Apiano 81

153

cartagineses era velha e por esse motivo naufragaria

inevitavelmente natildeo fosse a percepccedilatildeo de Xantipo acerca do

que estava a ocorrer e a subsequumlente troca da embarcaccedilatildeo

por uma nova338

A despeito de alguns elementos divergentes parece

possiacutevel unificar os relatos de um modo bastante aceitaacutevel

Se tomarmos a informaccedilatildeo encontrada em Poliacutebio Diodoro

Apiano e Caacutessio Dio concluiacutemos que Xantipo apoacutes liderar

vitoriosamente os cartagineses decidiu regressar para

Esparta (ainda que algumas fontes natildeo mencionem abertamente

Esparta mas somente a embarcaccedilatildeo e as honrarias preparadas

pelos cartagineses como forma de agradecer os bons serviccedilos

prestados o que sugere o fim do ldquocontratordquo e portanto o

retorno do mercenaacuterio ao mundo grego) Se os cartagineses

afundaram abertamente a embarcaccedilatildeo ou apenas assassinaram

Xantipo tendo preservado o navio se o mesmo naufragou

devido ao seu estado propositalmente defeituoso ou ainda

se Xantipo foi capaz de chegar satildeo e salvo em Esparta

apesar das armadilhas preparadas torna-se a essa altura

informaccedilatildeo irrelevante dado que em todos os cenaacuterios

possiacuteveis os cartagineses natildeo teriam demonstrado a menor

intenccedilatildeo de tornar a viagem de volta de Xantipo bem-

sucedida

Por que Xantipo decidiu navegar de volta para a Greacutecia

apoacutes tamanho sucesso contra os romanos Xantipo

provavelmente sabia que a ascensatildeo do poder pessoal em

Cartago era um processo muito complicado e por essa razatildeo

natildeo demonstrou qualquer intenccedilatildeo de expandir sua autoridade

entre os cartagineses Todavia os motivos que levaram

Cartago a assegurar que a viagem de Xantipo fosse

desastrosa parecem claros como nos casos anteriores os

cartagineses se esforccedilaram em impedir qualquer ascensatildeo de

poder pessoal dos strategoi possivelmente por conta do que

338 Zonaras 1113

154

estavam habituados a ver na Siciacutelia grega Apoacutes ter

concluiacutedo a segunda reforma do exeacutercito cartaginecircs como

veremos mais agrave frente neste capiacutetulo Xantipo eacute tirado de

cena pelos cartagineses direta ou indiretamente de

maneira a fortalecer o argumento sobre a preocupaccedilatildeo

cartaginesa no que respeita agrave possiacutevel ascensatildeo de tiranos

em Cartago o que representaria um desequiliacutebrio fatal das

instituiccedilotildees poliacuteticas tradicionais

155

2 O exeacutercito cartaginecircs

Ao fornecer uma explicaccedilatildeo para a superioridade do

exeacutercito romano frente ao cartaginecircs Poliacutebio argumenta

que

Os cartagineses satildeo naturalmente superiores no mar

tanto em eficiecircncia quanto em equipamento por que a

navegaccedilatildeo eacute desde os primoacuterdios o seu ofiacutecio nacional

([] Καρχηδόνιοι διὰ τὸ καὶ πάτριον ατοῖς [] τὴν ἐμπειρίαν ταύτην) e eles se ocuparam com o mar mais do que

qualquer outro povo mas com relaccedilatildeo ao serviccedilo militar

em terra firme os romanos satildeo muito mais eficientes

De fato eles direcionaram toda sua energia ao assunto

ao passo que os cartagineses negligenciaram

inteiramente sua infantaria (Καρχηδόνιοι δὲ τν μὲν πεζικν εἰς τέλος ὀλιγωροῦσι) ainda que tenham se dedicado

ligeiramente agrave sua cavalaria A razatildeo para isto eacute que

as tropas por eles empregadas satildeo estrangeiras e

mercenaacuterias (ξενικαῖς καὶ μισθοφόροις) ao passo que as dos

romanos satildeo nativas e ciacutevicas (ἐγχωρίοις καὶ πολιτικαῖς)339

Da passagem de Poliacutebio podemos destacar natildeo somente

alguns dos traccedilos centrais para o estudo das evidecircncias

sobre o exeacutercito cartaginecircs (nomeadamente seu caraacuteter

mercenaacuterio e portanto agrave parte do desenvolvimento de uma

cultura militar ciacutevica) mas tambeacutem a ausecircncia de qualquer

tentativa de padronizaccedilatildeo das tropas em unidades taacuteticas

(excetuando o pequeno corpo ciacutevico chamado pelos gregos de

ieros lochos) que pudessem ser reconhecidas e treinadas

pelos generais em situaccedilotildees previamente ldquoensaiadasrdquo De

forma similar ao que ocorria com os persas as tropas que

combatiam pelos cartagineses seguiam os padrotildees

(equipamentos e taacuteticas) de suas regiotildees de origem a

exemplo dos fundeiros das ilhas Baleares ou dos cavaleiros

339 Polib 652

156

numiacutedios Parece mais profiacutecuo portanto realizar uma

anaacutelise do exeacutercito a partir de suas origens eacutetnicas340

Da Numiacutedia os cartagineses contavam com a sua melhor

cavalaria tropas montadas sem sela armadas com lanccedila de

arremesso e capazes de combater tanto em regiotildees

acidentadas quanto planas surpreendendo o inimigo por sua

precisatildeo e movimentaccedilatildeo raacutepida recursos que por vezes

foram empregados como elemento surpresa pelos generais

cartagineses mais capazes a exemplo de Aniacutebal Barca341

As

taacuteticas empregadas pelos numiacutedios uma vez que eram

cavalaria levemente armada com lanccedilas de arremesso

repousavam naturalmente numa loacutegica distinta daquela

encontrada entre os cavaleiros macedocircnios pesadamente

armados apostando no ldquoarremesso perioacutedicordquo de suas lanccedilas

e em recuos taacuteticos que evitavam a todo custo o choque

frontal com o inimigo Talvez por esse motivo os numiacutedios

tenham sido classificados pelos romanos como covardes

traiccediloeiros e com ldquoapetites mais violentos que quaisquer

outros baacuterbarosrdquo342

Os cartagineses contavam aleacutem dos numiacutedios com os

fundeiros das ilhas Baleares De maneira geral esses

homens eram organizados em corpos de 2000 soldados armados

com dois tipos de funda uma empregada para desferir

ataques contra um inimigo compacto marchando em meacutedia

distacircncia e outra para alvos individuais obviamente mais

proacuteximos que os primeiros343

Embora sua arma caracteriacutestica

seja a funda durante o primeiro contato com os

cartagineses344 alguns dos soldados baleaacutericos estavam

340 Griffith pp 207-233 Peter Connolly Greece and Rome at War

London Macdonald 1981 pp 148-152 Bagnall op cit pp8-11 Daly

pp 84-112 341 Bagnall op cit p 8 Daly pp 92-93 342 Tito Liacutevio 2541 2844 2923 3012 Daly p92 343 Estrabatildeo 35 Bagnall op cit pp 8-9 Daly p 107 344 Diod 1380 faz referecircncia a soldados baleaacutericos no exeacutercito

cartaginecircs para os finais do seacutecV aC Cf Steacutephane Gsell Histoire

ancienne de lAfrique du Nord (vol2) Paris Hachette 1914-1930 P

374 Daly p 107

157

armados com lanccedila de arremesso como nos informa Estrabatildeo

sendo normalmente pagos de acordo com Diodoro em mulheres

e vinho345

O pagamento mencionado em Diodoro claramente

induz agrave sua caracterizaccedilatildeo como tropas mercenaacuterias aleacutem do

historiador siciliano Poliacutebio faz referecircncia ao pagamento

dos soldados baleaacutericos durante a Revolta Mercenaacuteria (241-

237 aC) e posteriormente na batalha de Zama (202

aC)346

Os iberos tambeacutem desempenhavam papel importante na

composiccedilatildeo do exeacutercito cartaginecircs desde tempos anteriores agrave

consolidaccedilatildeo dos Baacutercidas Antes da investida Baacutercida na

Ibeacuteria ou Hispacircnia a presenccedila cartaginesa na regiatildeo

resumia-se a acordos comerciais e alianccedilas sendo alguns

iberos recrutados portanto como mercenaacuterios a serviccedilo de

Cartago347 Durante a Segunda Guerra Puacutenica ou mesmo um

pouco antes os soldados iberos passaram a servir como

contingente aliado ainda que alguns possam ter sido

recrutados unicamente como mercenaacuterios348 De onde

precisamente eles afluiacuteam eacute algo difiacutecil de mapear uma vez

que mesmo Estrabatildeo encontrou dificuldade em delimitar

geograficamente a Ibeacuteria ou Hispacircnia349 de seu tempo Jaacute na

eacutepoca da invasatildeo anibaacutelica Poliacutebio350 indica seguramente

que as tropas ibeacutericas enviadas agrave Aacutefrica advinham das

seguintes regiotildees Tersitae Mastiani Oretes ibeacuterica e

Olcades Talvez tais regiotildees tenham sido previamente

conhecidas pelos cartagineses e seu contato aumentado com

a ascensatildeo Baacutercida subsequumlente agrave Primeira Guerra Puacutenica

mas essas satildeo apenas suposiccedilotildees sem evidecircncias diretas nas

fontes

345 Diod 517 346 Polib 167 1511 Daly p 107 347 Heroacutedoto faz referecircncia aos iberos no livro 7165 Trata-se aqui

dos iberos da Hispacircnia natildeo os da regiatildeo do Caacuteucaso 348 Griffith pp 225-226 Daly p 95 349 Estrabatildeo 34 350 Polib 333

158

A grande contribuiccedilatildeo dos iberos para a arte da guerra

mediterracircnica residia em sua espada peculiar a todos os

povos conhecidos da regiatildeo peninsular a espada falcata Os

iberos empregavam basicamente dois tipos de espada mas

Poliacutebio descreve a que provocou impacto nos usos do

armamento romano particularmente na adoccedilatildeo do gladius

hispaniensis (o qual se tornou a principal arma de combate

corpo-a-corpo dos legionaacuterios possuindo cerca de 60 cm de

comprimento com dois lados cortantes e uma ponta)351

Os escudos dos iberos e celtas eram muito similares

mas suas espadas eram completamente diferentes (τὰ δὲ ξίφη τὴν ἐναντίαν εἶχε διάθεσιν) sendo aquelas dos iberos

perfurantes com a mesma fatalidade de quando usadas no

corte ([] τὸ κέντημα τς καταφορᾶς ἴσχυε πρὸς τὸ βλάπτειν)352

O maior nuacutemero de mercenaacuterios usados pelos cartagineses

era contudo de liacutebios provenientes da regiatildeo da atual

Tuniacutesia Griffith recorda que no seacutecVI aC353

os

cartagineses passaram gradualmente a confiar a defesa de

sua cidade em tropas aliadas e mercenaacuterias em sua maioria

formada por liacutebios354 A historiografia mais recente tem

observado que os liacutebios referidos por Heroacutedoto em Himera

(480 aC)355 deveriam ter estatuto de tropas pagas

considerando-se que a subjugaccedilatildeo de territoacuterios africanos

vizinhos pelos cartagineses eacute posterior agrave batalha de

Himera356 Aleacutem disso que os liacutebios tenham sido recrutados

como forma de tributaccedilatildeo com o decorrer da expansatildeo

territorial cartaginesa parece improvaacutevel a julgar pela

identificaccedilatildeo polibiana dos liacutebios com as demais tropas

351 Connoly op cit p150 Daly p 97 352 Polib 3114 353 Precisar a data eacute impossiacutevel 354 Griffith pp 207-208 355 Hdt 7165 356 Brian H Warmington Carthage New York Praeger 1960 P 40

Serge Lancel Carthage a history Oxford Cambridge MA Blackwell

1995 P 257 Daly p 84

159

seguramente mercenaacuterias357 Por fim o seu armamento era

basicamente a lanccedila e o escudo (o formato eacute assunto

controverso) sendo ambos empregados por infantaria

disposta em boa ordem o que por vezes levou historiadores

a acreditarem numa similaridade com o modelo hopliacutetico

grego358

No entanto quando Poliacutebio e outros autores

antigos mencionam organizaccedilatildeo em falange para tropas natildeo-

gregas o termo frequumlentemente indica apenas infantaria

pesadamente armada ou ldquoem massardquo sem precisar um corpo de

soldados dispostos na mesma loacutegica que regia a falange

hopliacutetica Os liacutebios lutavam por vezes como infantaria

coesa a exemplo do que Plutarco narra em Crimiso (340

aC) ocasiatildeo em que 10000 homens (entre liacutebios e

cartagineses) surpreenderam pela marcha compassada e em boa

ordem (τῆ βραδυττι καὶ τάξει τς πορείας)359 mas dificilmente

combatiam como hoplitas

Quanto aos elefantes os mesmos foram introduzidos na

arte da guerra do ocidente heleniacutestico por Pirro do Epiro

Alguns anos depois os paquidermes passaram a ser usados

pelos cartagineses que os adquiriam basicamente nos

arredores de Cartago e na costa do atual Marrocos embora

Aniacutebal Barca tenha ldquoimportadordquo alguns do Egito

ptolomaico360

Como explicado ao longo do cap2 os

elefantes tinham efeito desproporcional se considerado o

seu pequeno nuacutemero mas dependiam largamente de condiccedilotildees

favoraacuteveis ao seu uso Sendo um traccedilo da arte da guerra

heleniacutestica seraacute possiacutevel observar uma modificaccedilatildeo taacutetica

crucial no emprego dos elefantes pelos cartagineses apoacutes

Xantipo uma vez que os generais de Cartago tendiam a

empregaacute-los como forccedila de apoio agrave cavalaria ou como

357 Um exemplo claro encontra-se em Polib 167 358 Um bom exemplo eacute Le Bohec op cit pp 39-40 que questiona ateacute se

os cartagineses uma vez que combatiam em falange (argumento de Le

Bohec) teriam adotado a lanccedila macedocircnica (sarissa) 359 Plut Tim 27 360 Bagnall op cit p 9

160

ldquoguardiotildees da bagagemrdquo sem ter considerado o seu uso ao

centro (contra uma infantaria massificada) de modo

integrado com a investida montada nas alas

161

3 As primeiras inovaccedilotildees militares na Cartago

heleniacutestica ou a transformaccedilatildeo logiacutestica frente agrave

ameaccedila grega 310-307 aC

A incorporaccedilatildeo dos homens de Ophellas ao exeacutercito de

Agaacutetocles foi acompanhada como visto anteriormente pela

tentativa desesperada de ascensatildeo do poder tiracircnico em

Cartago a qual havia sido liderada por Bomiacutelcar Ambos os

eventos contudo natildeo possuiacuteam conexatildeo direta mas

provocaram sem duacutevida abalo consideraacutevel no moral do

exeacutercito cartaginecircs o que pode justificar como enfatizou

Meister o grande sucesso de Agaacutetocles ao tomar portos e a

cidade de Uacutetica a mais importante depois de Cartago apoacutes

longa resistecircncia de seus cidadatildeos361 Isso permitiria a

Agaacutetocles o estabelecimento de uma linha de comunicaccedilatildeo

permanente com a Siciacutelia o que se traduziria em peacutessimas

notiacutecias para os cartagineses Diante de situaccedilatildeo tatildeo

favoraacutevel contudo o siracusano teve que retornar agrave

Siciacutelia urgentemente levando consigo 2000 homens e

nomeando Arcagatos para o comando das tropas na Aacutefrica362

Sua partida se transformaraacute no iniacutecio de uma reviravolta na

expediccedilatildeo africana Ainda que seus oficiais (nomeadamente

Eumachos) tenham conseguido capturar algumas cidades

(incluindo Hippo Acra e Acris) subjugando parcialmente

povos nocircmades uma uniatildeo desses povos em prol de sua

liberdade e as adversidades das regiotildees africanas

provocaram o recuo dos gregos363

De fato Eumachos havia

conquistado excelente reputaccedilatildeo entre os homens de

Agaacutetocles ao retornar vitorioso de sua primeira campanha

mas a resistecircncia combinada dos nocircmades provocou a baixa de

muitos homens bem como o recuo imediato dos demais sendo

361 Diod 2043 Meister CAH 7 p 398 362 Diod 2055 Justino 228 363 Consolo Langher pp 219-226

162

impossiacutevel avanccedilar sobre os territoacuterios devido a sua

inospicidade natural364 Essa primeira mudanccedila na

perspectiva geral da expediccedilatildeo africana seraacute acompanhada do

que sustento ter sido uma reforma logiacutestica no exeacutercito

cartaginecircs

De acordo com Diodoro seguindo a traduccedilatildeo da Loeb o

Senado em Cartago recebeu bom conselho sobre a guerra (τς

γερουσίας ἐν Καρχηδόνι βουλευσαμένης περὶ τοῦ πολέμου καλς) e os senadores

decidiram formar trecircs exeacutercitos e enviaacute-los da cidade cada

um com destino proacuteprio sendo o primeiro contra as cidades

costeiras o segundo contra as regiotildees intermediaacuterias e o

terceiro contra as cidades no interior365

A partir disso a

guerra tomou outros rumos privando os gregos da vantagem

ateacute entatildeo assegurada a qual foi devida principalmente agrave

inexperiecircncia dos cartagineses frente aos homens ldquoeducados

na escola do perigordquo Seria possiacutevel presumir que algum

general mercenaacuterio em particular concretizado como

personagem histoacuterica da mesma forma que Xantipo alguns

anos mais tarde teria aconselhado o Senado cartaginecircs sem

ter com isso assumido qualquer posiccedilatildeo de comando o que

seria plausiacutevel se tiveacutessemos evidecircncias mais concretas

(tais como nomes) Essa situaccedilatildeo hipoteacutetica asseguraria

inclusive a traduccedilatildeo acima mencionada Mas o verbo

βουλευσαμένης tal qual aparece na citaccedilatildeo natildeo eacute a forma

passiva de βουλεύω (normalmente ldquoreceber ou tomar conselho

sobre algordquo)366 Noutras palavras nesse caso especiacutefico o

mais correto seria traduzir βουλευσαμένης περὶ τοῦ πολέμου como

ldquodeliberou [o proacuteprio Senado] sobre a guerrardquo o que pode

gerar a ilusatildeo se considerada somente a sintaxe do texto

364 Diodoro (2058) menciona uma montanha cheia de gatos selvagens

(πλήρους δ ὄντος αἰλούρων) e mais adiante uma ldquoterra dos siacutemiosrdquo

(Πιθηκοῦσαι νσοι) sendo a primeira ldquoinoacutespita inclusive aos paacutessarosrdquo e a segunda com costumes muito diferentes dos gregos 365 Diod 2059 366 A forma passiva seria βουλευθείσης Sobre esse esclarecimento sou

grato a Nicolas Bertrand membro da Faculdade de Liacutenguas e culturas

antigas da Universidade Lille 3

163

de que o Senado teria deliberado a partir de uma discussatildeo

entre os senadores apenas homens idosos sem qualquer

experiecircncia militar ignorando portanto aconselhamentos

de a uma pessoa ou grupo aleacutem dos proacuteprios senadores As

informaccedilotildees contidas em Diodoro todavia apontam

claramente para orientaccedilotildees de algueacutem militarmente

experiente capaz de dar uma reviravolta estrateacutegica na

guerra ao dividir o exeacutercito cartaginecircs em trecircs unidades

De acordo com Diodoro os cartagineses pensaram em

primeiro lugar que o envio de 30000 soldados aliviaria a

cidade da obrigaccedilatildeo de tantas provisotildees as quais eram jaacute

escassas a essa altura do conflito e eliminaria o risco do

cerco uma vez que o inimigo estaria ocupado com os

exeacutercitos avanccedilados Em segundo lugar eles concluiacuteram que

a lealdade de seus aliados seria assegurada se os mesmos

pudessem contar com o apoio de tropas cartaginesas as

quais desencorajariam qualquer traiccedilatildeo aos gregos algo

historicamente usual quando cidades aliadas militarmente

fracas punham-se diante da presenccedila superior das tropas

inimigas e do descaso de seus aliados Por uacuteltimo a

terceira e a principal razatildeo para a nova organizaccedilatildeo

logiacutestica de seu exeacutercito ldquoacima de tudo eles esperavam

que os inimigos se vissem forccedilados a dividir as suas forccedilas

e a recuar para longe de Cartagordquo (τὸ δὲ μέγιστον ἤλπιζον καὶ τοὺς

πολεμίους ἀναγκασθήσεσθαι μερίζειν τὰς δυνάμεις καὶ μακρὰν ἀποσπᾶσθαι τς

Καρχηδόνος)367

Como podemos notar essas satildeo razotildees de ordem militar

(especialmente a uacuteltima e mais importante delas) as quais

natildeo poderiam ter sido concebidas por senadores sem

experiecircncia militar adequada ou mesmo por generais

igualmente inexperientes (uma constante em Cartago ao

menos ateacute a ascensatildeo Baacutercida) o que explica o envio uacutenico

e prematuro de todo o exeacutercito pelos generais cartagineses

367 Diod 2059 Consolo Langher pp 226-227

164

antes da referida reforma Portanto ainda que nenhuma

personagem histoacuterica possa ser precisada ou nomeada

diferentemente do que ocorreraacute mais tarde com Xantipo

parece seguro dizer que oficiais mercenaacuterios (os quais eram

encontrados em abundacircncia entre os cartagineses mas sempre

desempenhando funccedilotildees de oficiais de autoridade menor)

cuja experiecircncia militar eacute fator inegaacutevel teriam

aconselhado o Senado nessa ocasiatildeo O recrutamento

posterior de Xantipo ilustra que esse aconselhamento era

algo considerado pelos oligarcas em casos de perigo

extremo natildeo sendo absurda a ascensatildeo momentacircnea de

generais mercenaacuterios (gregos por deduccedilatildeo) ao comando do

exeacutercito mesmo que eles estivessem restritos ao niacutevel do

aconselhamento dos cartagineses por meio de inteacuterpretes368

O Senado enviou entatildeo cerca de 30000 homens em unidades

aproximadas de 10000 soldados deixando em Cartago apenas

os homens suficientes para a defesa da cidade Com isso os

defensores poderiam desfrutar das provisotildees necessaacuterias e

os grupamentos enviados assegurariam o apoio dos aliados ou

povos nocircmades neutros no conflito369

Ao ver que as regiotildees

que antes natildeo contavam com a presenccedila militar cartaginesa

agora tinham tropas enviadas por Cartago Arcagatos se viu

forccedilado a dividir tambeacutem as suas forccedilas pois soacute assim

poderia enfrentar a investida inimiga um primeiro

destacamento foi enviado para a regiatildeo costeira seguido

pelo envio de tropas sob o comando de Aeschrion

responsaacutevel pelo combate dos cartagineses localizados nas

regiotildees intermediaacuterias e da terceira parte (sob o comando

do proacuteprio Arcagatos) do exeacutercito para as cidades do

interior

Os resultados natildeo foram nada favoraacuteveis aos gregos

Aeschrion pereceu em batalha apoacutes uma emboscada preparada

368 Inteacuterpretes satildeo mencionados por Diod 2316 no caso de Xantipo 369 Diod 2059 Consolo Langher p 231

165

por Hanatildeo general cartaginecircs sobre o qual nada sabemos

aleacutem do plano para a morte do comandante grego Segundo

Diodoro os cartagineses avanccedilaram sobre eles de forma

inesperada contrariando todas as expectativas e abateram

mais de 4000 soldados de infantaria 200 cavaleiros e o

proacuteprio general ([] καὶ παραδόξως ἐπιθέμενος ἀνεῖλε πεζοὺς μὲν πλείους

τν τετρακισχιλίων ἱππεῖς δὲ περὶ διακοσίους ἐν οἷς ἦν καὶ ατὸς ὁ στρατηγός)

Diante disso sem ter como revidar as tropas sobreviventes

retiraram-se para o acamamento de Arcagathus distante

cerca de 90 quilocircmetros (500 estaacutedios gregos ἀπέχοντα σταδίους

πεντακοσίους)370 Himilco general cartaginecircs responsaacutevel pelas

tropas dirigidas ao interior aguardava em posiccedilatildeo

defensiva favoraacutevel numa cidade aparentemente bem

fortificada Os soldados de Eumachos retornavam de sua

campanha a marcha lenta por causa dos espoacutelios obtidos das

cidades capturadas quando se depararam com os cartagineses

de Himilco Desafiados para uma batalha decisiva os

cartagineses aceitaram o combate mas natildeo da forma como os

gregos esperavam Parte das tropas foi deixada escondida na

cidade e a outra parte se apresentou em campo aberto

simulando uma retirada apoacutes iniciada a batalha o que teria

provocado o avanccedilo precipitado e desordenado dos homens de

Eumachos provavelmente confiantes demais com o resultado

da campanha no interior Os gregos findaram por pressionar

em confusatildeo aqueles que estavam em recuo ([] καὶ

τεθορυβημένως τν ποχωρούντων ἐξήπτοντο) momento em que as ordens

de Himilco foram executadas pelas tropas que haviam sido

deixadas na cidade como forccedila de reserva

Himilco deixou parte de seu exeacutercito em armas na

cidade ordenando que no momento em que ele se

370 Diod 2060

166

retirasse em fuga simulada o exeacutercito castigasse os

seus perseguidores371

Envolvidos dessa maneira os gregos entraram em pacircnico

e bateram em retirada sendo impedidos de retornar ao seu

acampamento pelos cartagineses o que gerou a

impossibilidade da aquisiccedilatildeo de aacutegua e facilitou por

consequumlecircncia a finalizaccedilatildeo por parte dos cartagineses

Diodoro menciona que de um total de 8000 soldados

infantaria e 800 cavaleiros apenas 70 sobreviveram a essa

batalha Arcagato entatildeo reuniu os soldados sobreviventes

desses infortuacutenios e enviou um relatoacuterio a Agaacutetocles

solicitando a sua ajuda o mais raacutepido possiacutevel Os

cartagineses sendo vitoriosos conseguiram o apoio de

muitos desertores do exeacutercito grego que cercado por terra

e mar aguardava desesperadamente reforccedilo vindo da Siciacutelia

A chegada de Agaacutetocles natildeo modificou sensivelmente a

situaccedilatildeo desfavoraacutevel aos gregos Justino menciona uma

soluccedilatildeo momentacircnea para o motim dos mercenaacuterios os quais

natildeo deveriam pedir o pagamento de seu comandante ldquomas

tomaacute-lo do inimigordquo (sed ab hoste quaerenda) Ainda de

acordo com a forma que Justino via o discurso de Agaacutetocles

aos seus homens eles deveriam ldquoobter uma vitoacuteria e um

espoacutelio comunsrdquo (communem victoriam communem praedam

futuram)372

Mas o pagamento natildeo veio pois os inimigos natildeo

puderam ser derrotados Sabendo de sua condiccedilatildeo favoraacutevel

particularmente quanto ao terreno linhas de abastecimento

e moral das tropas os cartagineses aguardaram em seu

acampamento tendo assim forccedilado Agaacutetocles diante da

inquietaccedilatildeo de seus mercenaacuterios373 a arriscar uma batalha

371 Diod 2060 [] Ἰμίλκων μέρος μὲν τς στρατιᾶς κατέλιπε διεσκευασμένον ἐν τῆ πόλει διακελευσάμενος ὅταν ατὸς ἀναχωρῆ προσποιούμενος φεύγειν ἐπεξελθεῖν τοῖς ἐπιδιώκουσιν 372 Justino 228 373 Diod 2064 menciona desistecircncia por parte dos mercenaacuterios no curto

tempo que Agaacutetocles decidiu esperar por condiccedilotildees estrateacutegicas mais

favoraacuteveis

167

sem as vantagens baacutesicas exigidas para tanto Pressionado

por todos os lados seus homens natildeo puderam resistir e a

batalha logo estava completamente perdida

Ainda que natildeo tenhamos informaccedilotildees detalhadas sobre

essa uacuteltima derrota grega na Aacutefrica parece certo deduzir

que as taacuteticas cartaginesas natildeo eram a essa altura

ldquoheleniacutesticasrdquo apesar do contato direto com Agaacutetocles Se

tiveacutessemos maiores detalhes sobre as taacuteticas em campo

aberto as mesmas provavelmente confirmariam o

ldquodiagnoacutesticordquo de Xantipo cerca de 50 anos mais tarde

durante a Primeira Guerra Puacutenica que os cartagineses foram

derrotados naquele tempo pelos romanos devido agrave

inexperiecircncia de seus generais De modo geral as taacuteticas

heleniacutesticas representavam o que havia de mais atualizado e

eficiente na arte da guerra mediterracircnica pois

consideravam os diversos aspectos do confronto armado Os

generais cartagineses natildeo estavam capacitados para tais

modificaccedilotildees executando no fim do seacutecIV aC manobras

tiacutepicas do periacuteodo claacutessico nem tinham proximidade com a

figura de Alexandre ou conhecimento suficiente de sua

expediccedilatildeo asiaacutetica para a realizaccedilatildeo da referida tarefa

antes de Xantipo Mas algo mudou durante a expediccedilatildeo

africana de Agaacutetocles o envio das tropas a territoacuterio

africano obedeceu diante da ameaccedila estrangeira em seu

territoacuterio a criteacuterios logiacutesticos mais apurados o que

parece ter sido produto de aconselhamento por parte dos

mercenaacuterios

168

4 As uacuteltimas inovaccedilotildees militares em Cartago no

periacuteodo preacute-Baacutercida ou a transformaccedilatildeo taacutetica

frente agrave ameaccedila romana 255 aC

41 A Primeira Guerra Puacutenica 264-241 aC

411 A particularidade da primeira guerra cartaginesa

contra os romanos

As Guerras Puacutenicas sempre atraiacuteram a atenccedilatildeo dos

historiadores particularmente aqueles interessados em

entender o momento em que os romanos iniciaram sua expansatildeo

para aleacutem da Peniacutensula Itaacutelica374

O primeiro desses

conflitos a chamada Primeira Guerra Puacutenica (264-241 aC)

foi a guerra contiacutenua mais longa da histoacuteria romana e

levando-se em consideraccedilatildeo o seu impacto sobre a formaccedilatildeo

das colocircnias romanas no Mediterracircneo a mais importante

delas Parece oacutebvio chegar a essa conclusatildeo quando se tem

em mente que durante o primeiro confronto entre Cartago e

Roma os soldados romanos lutaram na Siciacutelia Coacutersega

Sardenha e norte da Aacutefrica tendo nascido nesse momento a

justificativa romana para a intervenccedilatildeo nos assuntos

sicilianos e posteriormente cartagineses levando agrave

destruiccedilatildeo da cidade na Terceira Guerra Puacutenica (149-146

374 As referecircncias sobre as Guerras Puacutenicas satildeo quase incontaacuteveis Como

breve listagem das melhores obras sobre o tema sugiro Arnold J

Toynbee Hannibal‟s legacy the Hannibalic War‟s effects on Roman

life London New York Oxford University Press 1965 Brian Caven

The Punic Wars London Weidenfeld and Nicolson 1980 Bagnall op

cit Basil Henry Liddell Hart Scipio Africanus greater than

Napoleon New York Da Capo Press 1994 Le Bohec op cit John

Francis Lazenby First Punic War e John F Lazenby Hannibal‟s war a

military history of the Second Punic War Norman University of

Oklahoma Press 1998 Dexter Hoyos Unplanned Wars The Origins of the

First and Second Punic Wars Berlin New York Walter de Gruyter

1998 Goldsworthy Punic Wars Daly Dexter Hoyos Hannibal‟s war

books twenty-one to thirty Livy translated by JC Yardley with an

introduction and notes by Dexter Hoyos Oxford New York Oxford

University Press 2006 Miles

169

aC)375

Aleacutem disso na condiccedilatildeo de guerra primariamente

naval eacute normalmente dito por historiadores que a Primeira

Guerra Puacutenica agregou o maior nuacutemero de homens envolvidos

em batalhas no mar ao longo de toda a histoacuteria greco-

romana376

De modo geral a Primeira Guerra Puacutenica aparece apenas

como um capiacutetulo menor das Guerras Puacutenicas precisamente um

preluacutedio necessaacuterio ao estudo da bem documentada Guerra

Anibaacutelica377

Lazenby recorda que no livro de Caven sobre as

Guerras Puacutenicas por exemplo muitos detalhes (pormenores

relevantes ao estudo especializado) satildeo deixados de lado e

nenhuma referecircncia agraves evidecircncias antigas eacute feita378 O livro

de Bagnall The Punic Wars tambeacutem carece de detalhes

importantes ainda que apresente boas hipoacuteteses sobre

estrateacutegia379

Ateacute o estudo sistemaacutetico de Lazenby

portanto natildeo havia publicaccedilotildees detalhadas sobre o

conflito submetendo frequumlentemente a anaacutelise ao modo

criativo e inovador que caracterizou os caminhos pelos

quais os romanos venceram os ldquotraiccediloeiros cartaginesesrdquo

que tiveram por fim somente uma repentina e fugaz

reviravolta em sua fortuna sob o comando de Aniacutebal Barca

Tendo Lazenby como ponto de partida outras obras surgiram

mas a maioria delas preocupadas mais com a Segunda Guerra

Puacutenica ou com a caracterizaccedilatildeo da Primeira Guerra Puacutenica

375 Ver Goldsworthy Punic Wars pp331-356 376 Lazenby First Punic War p1 Polib 163 caracteriza a guerra

como a mais longa mais intensa e maior (πολυχρονιώτατος καὶ συνεχέστατος καὶ μέγιστος) de todas as guerras 377 Haacute algumas obras dedicadas apenas agrave Primeira Guerra Puacutenica mas de

modo geral essas satildeo escassas se comparadas ao grande nuacutemero de

estudos sobre Aniacutebal Barca e sua guerra contra os romanos Sobre obras

dedicadas agrave Primeira Guerra Puacutenica em particular ver por exemplo

Lazenby First Punic War e Yann Le Bohec (org) Le Premiegravere Guerre

Punique Collection du Centre d‟Eacutetudes Romaines et Gallo-Romaines 23

Lyon Paris De Boccard 2001 378 Lazenby First Punic War prefaacutecio A obra mencionada eacute a de Caven

(op cit) Caven eacute tambeacutem autor de Dionysius I war-lord of Sicily

New Haven Yale University Press 1990 379 Lazenby First Punic War prefaacutecio Bagnall op cit

170

como preluacutedio das demais380

Isso induz agraves anaacutelises gerais

que reduzem para o que mais interessa a esse respeito

nesta tese o impacto das inovaccedilotildees lideradas por

Xantipo381

O que teria entatildeo em primeiro lugar dado iniacutecio agrave

Primeira Guerra Puacutenica Antes de tratar do recrutamento de

Xantipo (e possivelmente outros mercenaacuterios gregos) como

indiacutecio da preocupaccedilatildeo cartaginesa com a invasatildeo de Reacutegulo

na Aacutefrica torna-se fundamental o entendimento da

construccedilatildeo gradual do direito de intervenccedilatildeo romana na

Siciacutelia e do modo como as relaccedilotildees entre Cartago e Roma

chegaram ao ponto da hostilidade poliacutetico-militar

De acordo com Poliacutebio trecircs foram os tratados entre

Cartago e Roma no periacuteodo anterior agrave deflagraccedilatildeo da

guerra382 O primeiro deles teria ocorrido 28 anos antes da

invasatildeo de Xerxes isto eacute entre 509-507 aC ocupando-se

com a restriccedilatildeo dos acordos comerciais de Roma com a Aacutefrica

e a Sardenha o que asseguraria tambeacutem a sua autoridade no

Laacutecio Traduzido por Poliacutebio do latim ldquoda forma mais exata

possiacutevelrdquo o tratado (versatildeo parcial) seria como se segue

bdquoHaveraacute amizade (φιλίαν) entre os romanos e seus

aliados e entre os cartagineses e seus aliados nos

seguintes termos

Nem os romanos nem seus aliados navegaratildeo aleacutem de sua

Peniacutensula por direito (τοῦ Καλοῦ ἀκρωτηρίου) a menos que levados por tempestade (χειμνος) ou por pressatildeo do

inimigo (πολεμίων)383 Se qualquer um desses for levado para terra firme o mesmo natildeo compraraacute ou tomaraacute

qualquer coisa que seja para si salvo o que for

necessaacuterio para o reparo de sua embarcaccedilatildeo (πρὸς πλοίου ἐπισκευὴν) e para honrar os deuses (πρὸς ἱερά) devendo

380 Uma exceccedilatildeo eacute obviamente Le Bohec sobre a Primeira Guerra Puacutenica

(op cit) 381 Goldsworthy Punic Wars p10 admite que Lazenby First Punic War

eacute a referecircncia ldquomais acadecircmicardquo para o assunto 382 Polib 322 383 Polemiacuteon indica ldquorelativo agrave guerrardquo mas aqui deve ser traduzido

como ldquopor medo ou pressatildeo do inimigordquo jaacute que indica uma forccedila

externa no caso militar como fator para ultrapassar os limites

geograacuteficos estabelecidos

171

partir em cinco dias [] Aqueles que desembarcarem

para o comeacutercio natildeo devem fazecirc-lo salvo na presenccedila de

um oficial (κήρυκι) ou secretaacuterio (γραμματεῖ) O que quer que seja vendido na presenccedila desses deveraacute ter o preccedilo

assegurado com base no creacutedito do Estado contanto que

ocorra na Liacutebia ou na Sardenha Se um romano vier agrave

Siciacutelia aquela pertencente ao territoacuterio dos

cartagineses (ἧς Καρχηδόνιοι ἐπάρχουσιν) o mesmo desfrutaraacute de todos os direitos comuns aos demais Os cartagineses

natildeo causaratildeo danos ao povo de Ardea Antium

Laurentium Circeii Terracina nem a qualquer um dos

Latinos desde que esses estejam submetidos [a Roma]

(μηδ ἄλλον μηδένα Λατίνων ὅσοι ἂν πήκοοι) [] Eles [os

cartagineses] natildeo construiratildeo forte no Laacutecio se

entrarem em armas no territoacuterio ali natildeo permaneceratildeo

nem mesmo para passar a noite (ἐν τῆ χώρᾳ μὴ ἐννυκτερευέτωσαν)‟384

Como pode ser observado trata-se de um acordo

comercial com fins igualmente poliacuteticos dirigido agrave criaccedilatildeo

ou manutenccedilatildeo das boas relaccedilotildees entre Cartago e Roma Tem

sido sugerido que nessa passagem encontrariacuteamos a indicaccedilatildeo

de uma renovaccedilatildeo de um tratado jaacute existente entre Cartago e

os reis etruscos de Roma uma vez que haacute outras evidecircncias

para a existecircncia de termos amigaacuteveis entre os cartagineses

e os etruscos no seacutecVI aC Aleacutem disso a eacutepoca referida

por Poliacutebio condiz com o periacuteodo etrusco em Roma385

O segundo tratado ocorreu provavelmente em 348 aC se

for aceita a identificaccedilatildeo do tratado mencionado por Tito

384 Polib 322 ldquoἐπὶ τοῖσδε φιλίαν εἶναι Ῥωμαίοις καὶ τοῖς Ῥωμαίων συμμάχοις καὶ Καρχηδονίοις καὶ τοῖς Καρχηδονίων συμμάχοις μὴ πλεῖν Ῥωμαίους μηδὲ τοὺς Ῥωμαίων συμμάχους ἐπέκεινα τοῦ Καλοῦ ἀκρωτηρίου ἐὰν μὴ πὸ χειμνος ἢ πολεμίων ἀναγκασθσιν ἐὰν δέ τις βίᾳ κατενεχθῆ μὴ ἐξέστω ατῶ μηδὲν ἀγοράζειν μηδὲ λαμβάνειν πλὴν ὅσα πρὸς πλοίου ἐπισκευὴν ἢ πρὸς ἱερά (ἐν πέντε δ ἡμέραις ἀποτρεχέτω) τοῖς δὲ κατ ἐμπορίαν παραγινομένοις μηδὲν ἔστω τέλος πλὴν ἐπὶ κήρυκι ἢ γραμματεῖ ὅσα δ ἂν τούτων παρόντων πραθῆ δημοσίᾳ πίστει ὀφειλέσθω τῶ ἀποδομένῳ ὅσα ἂν ἢ ἐν Λιβύῃ ἢ ἐν Σαρδόνι πραθῆ ἐὰν Ῥωμαίων τις εἰς Σικελίαν παραγίνηται ἧς Καρχηδόνιοι ἐπάρχουσιν ἴσα ἔστω τὰ Ῥωμαίων πάντα Καρχηδόνιοι δὲ μὴ ἀδικείτωσαν δμον Ἀρδεατν Ἀντιατν Λαρεντίνων Κιρκαιιτν Ταρρακινιτν μηδ ἄλλον μηδένα Λατίνων ὅσοι ἂν πήκοοι ἐὰν δέ τινες μὴ ὦσιν πήκοοι τν πόλεων ἀπεχέσθωσαν ἂν δὲ λάβωσι Ῥωμαίοις ἀποδιδότωσαν ἀκέραιον φρούριον μὴ ἐνοικοδομείτωσαν ἐν τῆ Λατίνῃ ἐὰν ὡς πολέμιοι εἰς τὴν χώραν εἰσέλθωσιν ἐν τῆ χώρᾳ μὴ ἐννυκτερευέτωσανrdquo 385 Lazenby First Punic War p31 A evidecircncia citada eacute Hdt 1166 E

eles atacaram e pilharam todas as cidades vizinhas razatildeo pela qual os

etruscos e cartagineses (Τυρσηνοὶ καὶ Καρχηδόνιοι) se aliaram contra eles []

172

Liacutevio386

e Diodoro387

com aquele descrito por Poliacutebio388 como

o segundo dos acordos embora Tito Liacutevio e Diodoro anunciem

esse tratado como o primeiro a inaugurar as relaccedilotildees

diplomaacuteticas entre os dois Estados Basicamente o segundo

tratado asseguraria a posiccedilatildeo dos romanos no Laacutecio e a dos

cartagineses na Liacutebia e Sardenha exatamente como no

primeiro tratado referido por Poliacutebio mas acrescentava

Uacutetica ao domiacutenio cartaginecircs indicando o sul da Hispacircnia

como aacuterea proibida ao comeacutercio por parte de Roma Tito

Liacutevio e Diodoro nos informam apenas que um tratado havia

sido estabelecido entre Roma e os cartagineses389 ao passo

que Poliacutebio nos concede as maiores informaccedilotildees a respeito

apresentando uma traduccedilatildeo do tratado da seguinte maneira

bdquoHaveraacute amizade entre os romanos e seus aliados e

entre os cartagineses os habitantes de Tiro e o povo

de Uacutetica (Τυρίων καὶ Ἰτυκαίων δήμῳ) nos seguintes termos Os romanos natildeo saquearatildeo (λῄζεσθαι) traficaratildeo

(ἐμπορεύεσθαι) ou fundaratildeo uma cidade (πόλιν κτίζειν) aleacutem de sua Peniacutensula por direito (τοῦ Καλοῦ ἀκρωτηρίου) Mastia e Tarsenium Se os cartagineses tomarem qualquer cidade

no Laacutecio que natildeo esteja submetida a Roma eles poderatildeo

fazer prisioneiros e confiscar bens (τὰ χρήματα καὶ τοὺς ἄνδρας ἐχέτωσαν) mas desistiratildeo da cidade (τὴν δὲ πόλιν ἀποδιδότωσαν) [] Na Sardenha e na Liacutebia nenhum romano traficaraacute ou fundaraacute cidade ele natildeo faraacute mais do que

pegar provisotildees ou reabastecer sua embarcaccedilatildeo (εἰ μὴ ἕως τοῦ ἐφόδια λαβεῖν ἢ πλοῖον ἐπισκευάσαι) Se uma tempestade levaacute-lo a esses locais o mesmo partiraacute em cinco dias []‟

390

386 Tito Liacutevio 727 387 Diod 1669 388 Polib 324 ver Lazenby First Punic War pp 31-32 389 Tito Liacutevio 727 Et cum Carthaginiensibus legatis Romae foedus

ictum cum amicitiam ac societatem petentes uenissent Diod 1669 ἐπὶ δὲ τού των Ῥωμαίοις μὲν πρὸς Καρχηδονίους πρτον συνθκαι ἐγένοντο 390 Polib 324 A versatildeo completa do tratado aparece como se segue ldquoἐπὶ τοῖσδε φιλίαν εἶναι Ῥωμαίοις καὶ τοῖς Ῥωμαίων συμμάχοις καὶ Καρχηδονίων καὶ Τυρίων καὶ Ἰτυκαίων δήμῳ καὶ τοῖς τούτων συμμάχοις τοῦ Καλοῦ ἀκρωτηρίου Μαστίας Ταρσηίου μὴ λῄζεσθαι ἐπέκεινα Ῥωμαίους μηδ ἐμπορεύεσθαι μηδὲ πόλιν κτίζειν ἐὰν δὲ Καρχηδόνιοι λάβωσιν ἐν τῆ Λατίνῃ πόλιν τινὰ μὴ οὖσαν πήκοον Ῥωμαίοις τὰ χρήματα καὶ τοὺς ἄνδρας ἐχέτωσαν τὴν δὲ πόλιν ἀποδιδότωσαν ἐὰν δέ τινες Καρχηδονίων λάβωσί τινας πρὸς οὓς εἰρήνη μέν ἐστιν ἔγγραπτος Ῥωμαίοις μὴ ποτάττονται δέ τι ατοῖς μὴ καταγέτωσαν εἰς τοὺς Ῥωμαίων λιμένας ἐὰν δὲ καταχθέντος ἐπιλάβηται ὁ Ῥωμαῖος ἀφιέσθω ὡσαύτως δὲ μηδ οἱ Ῥωμαῖοι ποιείτωσαν ἂν ἔκ τινος χώρας ἧς Καρχηδόνιοι ἐπάρχουσιν ὕδωρ ἢ ἐφόδια λάβῃ ὁ Ῥωμαῖος μετὰ τούτων τν ἐφοδίων μὴ ἀδικείτω μηδένα πρὸς οὓς εἰρήνη καὶ φιλία ἐστὶ (Καρχηδονίοις ὡσαύ τως δὲ μηδ ὁ)

173

O terceiro tratado entre Cartago e Roma teve lugar

entre 279 e 278 aC isto eacute durante a expediccedilatildeo italiana

de Pirro do Epiro em socorro de Tarento391 Apoacutes as suas

duas vitoacuterias contra os romanos as chamadas ldquovitoacuterias

piacuterricasrdquo (em Heraclea e Aacutesculo) Pirro resolveu atender ao

pedido das cidades siciliotas e partiu rumo agrave ilha para

comandar a guerra dos gregos contra os cartagineses

Cartago por outro lado natildeo via a chegada de Pirro como

algo positivo em momento tatildeo crucial da guerra e

estabeleceu novo acordo com os romanos desta vez em termos

bastante favoraacuteveis aos uacuteltimos com o objetivo de

assegurar que o epirota permanecesse na peniacutensula

De acordo com Poliacutebio o terceiro tratado continha os

mesmos termos dos dois anteriores exceto pelos seguintes

elementos inseridos por conta da presenccedila de Pirro na

Peniacutensula e em seguida na Siciacutelia

bdquoSe um ou outro necessitar de auxiacutelio (ὁπότεροι δ ἂν χρείαν ἔχωσι τς βοηθείας) os cartagineses forneceratildeo as

embarcaccedilotildees seja para transporte ou com fins

militares mas cada povo arcaraacute com o pagamento de seus

proacuteprios homens (τὰ δὲ ὀψώνια τοῖς ατν ἑκάτεροι) Os

cartagineses tambeacutem daratildeo suporte mariacutetimo (κατὰ θάλατταν) se os romanos precisarem mas nenhum dos dois

Καρχηδόνιος ποιείτω εἰ δέ μὴ ἰδίᾳ μεταπορευέσθω ἐὰν δέ τις τοῦτο ποιήσῃ δημόσιον γινέσθω τὸ ἀδίκημα ἐν Σαρδόνι καὶ Λιβύῃ μηδεὶς Ῥωμαίων μήτ ἐμπορευέσθω μήτε πόλιν κτιζέτω [] εἰ μὴ ἕως τοῦ ἐφόδια λαβεῖν ἢ πλοῖον ἐπισκευάσαι ἐὰν δὲ χειμὼν κατενέγκῃ ἐν πένθ ἡμέραις ἀποτρεχέτω ἐν Σικελίᾳ ἧς Καρχηδόνιοι ἐπάρχουσι καὶ ἐν Καρχηδόνι πάντα καὶ ποιείτω καὶ πωλείτω ὅσα καὶ τῶ πολίτῃ ἔξεστιν ὡσαύτως δὲ καὶ ὁ Καρχηδόνιος ποιείτω ἐν Ῥώμῃrdquo 391 A anaacutelise mais recente sobre o terceiro tratado pode ser encontrada

em Zambon Hellenistic Sicily pp 86-95 Zambon Hellenistic Sicily

divide as fontes para o terceiro tratado em (a) fontes sobre as

relaccedilotildees diplomaacuteticas (b) fontes sobre a assinatura do tratado e (c)

fontes para os eventos histoacutericos apoacutes a conclusatildeo da nova alianccedila

Como aqui pretendo apenas mostrar a degradaccedilatildeo das relaccedilotildees

diplomaacuteticas entre Cartago e Roma para entatildeo salientar razotildees mais

profundas para a deflagraccedilatildeo da guerra que a questatildeo dos mamertinos

temas mais especiacuteficos (como os que foram enumerados por Zambon

Hellenistic Sicily e trabalhados por um nuacutemero abundante de autores)

seratildeo propositalmente suprimidos Sobre o tratado aleacutem de Zambon

pode-se consultar Barbara Scardigli I Trattati romano-cartaginesi

Pisa Scuola Normale Superiore 1991 Hoyos op cit pp 7-11

174

obrigaraacute os tripulantes a desembarcar contra a sua

vontade‟ (versatildeo parcial)392

O tratado como podemos observar estabelece claramente

auxiacutelio militar muacutetuo393 estando Cartago disposta a se

ldquocomprometerrdquo com o auxiacutelio logiacutestico mais do que os

romanos (inclusive pela condiccedilatildeo de sua frota em comparaccedilatildeo

com aquela virtualmente inexistente dos romanos) o que

ilustra a insatisfaccedilatildeo com a possibilidade de ter que lidar

com Pirro na Siciacutelia Os resultados do tratado contudo

natildeo tiveram grande impacto de ordem praacutetica Ainda que seja

tentador identificar a referecircncia agraves 120 embarcaccedilotildees sob o

comando do cartaginecircs Mago em Justino no momento da

expediccedilatildeo italiana de Pirro como fruto do terceiro tratado

a referecircncia (na mesma passagem)394 a uma visita em segredo

de Mago ao epirota durante a qual certo tipo de alianccedila ou

amizade foi oferecido indica que Cartago natildeo estava

decidida quanto agrave hostilidade em direccedilatildeo a Pirro e

portanto parece mais correto dizer que o envio de Mago se

deu antes do tratado Lazenby ceacutetico diante da evidecircncia

acerca de outro evento como consequumlecircncia do terceiro acordo

entre Cartago e Roma agrave eacutepoca da expediccedilatildeo piacuterrica aponta

uma operaccedilatildeo ocorrida em Reggio separada da Siciacutelia apenas

pelo estreito de Messina como o uacutenico evento possivelmente

resultante do tratado em questatildeo395 Apoiado num fragmento

de Diodoro Lazenby sugere que os 500 homens enviados a

Reggio (ainda sob o domiacutenio romano) por Cartago

392 Polib 325 [] ὁπότεροι δ ἂν χρείαν ἔχωσι τς βοηθείας τὰ πλοῖα παρεχέτωσαν Καρχηδόνιοι καὶ εἰς τὴν ὁδὸν καὶ εἰς τὴν ἄφοδον τὰ δὲ ὀψώνια τοῖς ατν ἑκάτεροι Καρχηδόνιοι δὲ καὶ κατὰ θάλατταν Ῥωμαίοις βοηθείτωσαν ἂν χρεία ᾖ τὰ δὲ πληρώματα μηδεὶς ἀναγκαζέτω ἐκβαίνειν ἀκουσίωςrdquo 393 Lazenby First Punic War p 32 394 Justino 182 [] quasi pacificator Karthaginiensium Pyrrum

adiit speculaturus consilia eius de Sicilia [] Embora Justino

indique que as reais intenccedilotildees dos cartagineses eram especular o que

Pirro pensava sobre a Siciacutelia temos ainda uma duacutevida que parece mais

caracteriacutestica de um periacuteodo anterior mesmo que bastante proacuteximo da

data do terceiro tratado com Roma 395 Lazenby First Punic War p 33

175

corresponderiam ao contingente de apoio contra o invasor

epirota Aleacutem desse evento nenhum outro pode ser cotado

como relacionado ao tratado ldquonem mesmo quando somente

Lilibeu permaneceu sob domiacutenio de Cartago de todas as suas

posses na Siciacuteliardquo396 Terminada a expediccedilatildeo de Pirro

outros possiacuteveis eventos podem ser vistos ainda como parte

do acordo mas como resposta aos homens deixados pelo

rei397

Apoacutes a breve anaacutelise dos trecircs tratados entre Cartago e

Roma podemos notar portanto ao lado da construccedilatildeo de uma

relaccedilatildeo amistosa entre os dois poderes a consolidaccedilatildeo da

posiccedilatildeo cartaginesa na Siciacutelia por cerca de 300 anos

(apesar de algumas reviravoltas tais como a guerra contra

Agaacutetocles e em seguida Pirro) e a expansatildeo romana em

direccedilatildeo ao sul da Peniacutensula regiatildeo que teraacute durante a

expediccedilatildeo de Pirro e um pouco depois presenccedila constante de

legionaacuterios romanos a exemplo da cidade de Reggio (vale

ressaltar mais uma vez separada da Siciacutelia apenas pelo

estreito de Messina) Tendo Pirro saiacutedo de cena o choque

entre dois Estados com impulsos imperialistas seria com o

passar dos anos algo inevitaacutevel O problema com os

mamertinos daria entatildeo o motivo concreto para a

deflagraccedilatildeo do conflito

Como visto anteriormente os soldados campacircnios

inicialmente a serviccedilo de Agaacutetocles haviam subjugado a

regiatildeo nordeste da Siciacutelia alguns anos apoacutes a morte do

siracusano tirando proveito da situaccedilatildeo poliacutetica delicada

pela qual a ilha passava Com a ascensatildeo de Hiero de

Siracusa e a soluccedilatildeo dos conflitos em Reggio (que teve seus

campacircnios revoltosos exterminados pelos romanos) a

situaccedilatildeo dos mamertinos se modificaraacute principalmente

396 Lazenby First Punic War p 34 397 Uma frota cartaginesa enviada a Tarentum para dar suporte ao cerco

liderado pelos romanos contra Milo deixado na cidade por Pirro

aparece por exemplo em Zonaras 88 e Oroacutesio 43

176

devido ao combate sistemaacutetico por parte dos siracusanos

contra a seacuterie de pilhagens promovidas pelos mercenaacuterios

Os mamertinos sem ter muito o que fazer solicitaram apoio

dos cartagineses e em seguida dos romanos Poliacutebio eacute

esclarecedor a esse respeito

Alguns deles apelaram aos cartagineses propondo a

submissatildeo deles proacuteprios e da cidade ao passo que

outros enviaram uma embaixada a Roma oferecendo a

submissatildeo da cidade e implorando por assistecircncia como

povo de mesma origem (ατοῖς ὁμοφύλοις πάρχουσιν)398

O principal elemento considerado pelos romanos em sua

avaliaccedilatildeo do pedido de auxiacutelio mamertino natildeo parece ter

sido contudo a identificaccedilatildeo eacutetnica De acordo com

Poliacutebio os romanos estavam cientes da grande expansatildeo do

territoacuterio cartaginecircs que jaacute incluiacutea a Liacutebia parte da

Hispacircnia a Sardenha e o Mar Tirreno restando somente a

conquista de parte da Siciacutelia para se tornarem ldquoos vizinhos

mais problemaacuteticos e perigosos (βαρεῖς καὶ φοβεροὶ γείτονες)rdquo

cercando Roma por todos os cantos da Peniacutensula No final

das contas possivelmente por pressatildeo popular (οἱ πολλοὶ) o

Senado decidiu nomear o cocircnsul Aacutepio Claacuteudio como general no

comando das tropas que atravessariam o mar em direccedilatildeo a

Siciacutelia sendo o cocircnsul vitorioso na primeira batalha

contra Hieratildeo (recentemente aliado de Cartago e vitorioso

num primeiro confronto contra os mamertinos) e os

cartagineses399 Derrotado pelos romanos Hieratildeo findou por

estabelecer alianccedila com os primeiros em 263 aC

mostrando-se leal a eles ateacute o fim de seu governo em 215

aC Os cartagineses em contrapartida frente agrave deserccedilatildeo

de Hieratildeo montaram seu novo quartel general na cidade de

Acragas devido a sua localizaccedilatildeo favoraacutevel como ponto de

398 Polib 110 [] οἱ μὲν ἐπὶ Καρχηδονίους κατέφευγον καὶ τούτοις ἐνεχείριζον σφᾶς ατοὺς καὶ τὴν ἄκραν οἱ δὲ πρὸς Ῥωμαίους ἐπρέσβευον παραδιδόντες τὴν πόλιν καὶ δεόμενοι βοηθήσειν σφίσιν ατοῖς ὁμοφύλοις πάρχουσιν 399 Polib 111

177

apoio logiacutestico bem como ao faacutecil acesso que ela oferecia

agrave porccedilatildeo leste da Siciacutelia a qual estava sob domiacutenio do

inimigo400

Com seus primeiros movimentos na Siciacutelia a maior parte

da Primeira Guerra Puacutenica todavia foi travada no mar

ainda que uma anaacutelise das evidecircncias acerca da atuaccedilatildeo dos

exeacutercitos (particularmente na Aacutefrica) ilustre inovaccedilotildees

militares importantes em terra firme Os cartagineses eram

conhecidos por sua excelecircncia mariacutetima tendo a navegaccedilatildeo

se tornado como nos informa Poliacutebio o seu ofiacutecio

nacional401

Eacute de salientar o respeito dos antigos quanto agrave

frota cartaginesa em diversas ocasiotildees de tensatildeo militar

das quais destaco como exemplo algumas cidades sicilianas

(aliadas aos romanos) que ldquoaterrorizadas diante da frota

cartaginesardquo (καταπεπληγμέναι τὸν τν Καρχηδονίων στόλον)

desertaram antes mesmo de lutar402 Os aparatos tecnoloacutegicos

usados na guerra naval eram quase sempre inventados ou

aprimorados pelos cartagineses a exemplo da substituiccedilatildeo

das trirremes (dominantes na guerra naval por cerca de 200

anos) pelas quadrirremes e de sua consequumlente adaptaccedilatildeo

para as quinquerremes403

Por outro lado como nos faz crer

Poliacutebio os romanos natildeo haviam se dedicado agrave guerra naval

como os cartagineses sendo seus construtores navais

completamente inexperientes na montagem de quinquerremes

400 Polib 117 Miles op cit p 179 401 Polib 652 Καρχηδόνιοι διὰ τὸ καὶ πάτριον ατοῖς [] τὴν ἐμπειρίαν ταύτην Ver item sobre o exeacutercito cartaginecircs 402 Polib 120 403

Note-se que a quinquerreme (do latim quinque o nuacutemero de homens necessaacuterios para mover cada seccedilatildeo da embarcaccedilatildeo) foi criado por

Dioniacutesio de Siracusa mas o seu uso foi melhorado pelos cartagineses

John S Morrison e John F Coates (The Athenian trireme the history

and reconstruction of an ancient Greek warship Cambridge University

Press 1986 pp259-260 Miles pp 177-178) mostraram a partir de

evidecircncias iconograacuteficas que a quinquereme cartaginesa era

ligeiramente diferente do modelo grego com um formato tipicamente

feniacutecio para os espaccedilos onde eram dispostos os cinco remadores de cada

seccedilatildeo o que garantia no caso cartaginecircs uma proteccedilatildeo extra para os

remadores e para o casco do navio Este seria por consequumlecircncia o

modelo das quinquerremes romanas Para a marinha de guerra cartaginesa

em geral cf Le Bohec op cit pp 49-55

178

(τν δὲ ναυπηγν εἰς τέλος ἀπείρων ὄντων τς περὶ τὰς πεντήρεις ναυπηγίας)

quando da deflagraccedilatildeo da Primeira Guerra Puacutenica404 A frota

de 100 quinquerremes e 20 trirremes construiacuteda em 261

aC teria sido a primeira formada pelos proacuteprios romanos

o que acentuaria na visatildeo de Poliacutebio quatildeo espirituosos

(μεγαλόψυχον) e extraordinaacuterios (παράβολον) eram os romanos ao

fazer algo405

Com a apreensatildeo de uma embarcaccedilatildeo cartaginesa (uma

quinquerreme) tomada como modelo Roma teria finalizado a

construccedilatildeo de sua frota (as 120 embarcaccedilotildees descritas por

Poliacutebio) em apenas 60 dias406 provavelmente por que a

disposiccedilatildeo das peccedilas das embarcaccedilotildees seguiu o meacutetodo de

organizaccedilatildeo por letras empregado por Cartago407 Frota

pronta natildeo significava contudo frota taticamente apta

Logo cerca de 17 embarcaccedilotildees romanas acabaram por ser

capturadas pelos cartagineses nas Ilhas Eoacutelias a noroeste

de Messina enquanto tentavam submeter a cidade de Lipara

tendo sua tripulaccedilatildeo e seu comandante Gneu Corneacutelio

Cipiatildeo sido capturados sem grande dificuldade408

404 Uma boa siacutentese das condiccedilotildees gerais da guerra naval no seacutecIII

aC pode ser encontrada em Goldsworthy Punic Wars pp 96-103 405 Polib 120 ἐξ ὧν καὶ μάλιστα συνίδοι τις ἂν τὸ μεγαλόψυχον καὶ παράβολον τς Ῥωμαίων αἱρέσεως Poliacutebio entende que a vitoacuteria romana em Acragas (261 aC) teria modificado sensivelmente os objetivos dos romanos com a

guerra ao inveacutes de simplesmente proteger os mamertinos agora Roma

havia se decidido pela expulsatildeo dos cartagineses da Siciacutelia Ver

Goldsworthy Punic Wars p 97 406 Polib 120 Bagnall op cit p 60 Le Bohec op cit pp75-77

Hoyos op cit p89 407 O meacutetodo ficou conhecido entre os estudiosos de Cartago apoacutes

escavaccedilatildeo dirigida por Honor Frost na deacutecada de 70 Restos de uma

embarcaccedilatildeo antiga haviam sido encontrados em 1969 por um capitatildeo de

navio mercante Diego Boninni durante uma viagem de trabalho Estudos

da escrita deixada pelos construtores da embarcaccedilatildeo mostraram que o

casco havia sido preconcebido ao passo que a existecircncia de letras

similares em direccedilotildees variadas indicava a presenccedila de muacuteltiplos

construtores Os resultados da escavaccedilatildeo foram publicados

primeiramente no The International Journal of Nautical Archaeology (a

partir de 1972) e assim que o trabalho de campo se deu por encerrado

um relato amplo foi publicado pela Accademia Nazionale dei Lincei

(Roma) como suplemento da Notizie degli Scavi di Antichitagrave 30 (1976) 408 Polib 121 Miles op cit p 181 observa que a carreira de

Cipiatildeo natildeo parece ter sido abalada em ambiente senatorial jaacute que o

mesmo foi eleito cocircnsul pela segunda vez em 254 aC mas entre a

populaccedilatildeo sua reputaccedilatildeo natildeo era mais cotada entre as mais intactas a

179

Taticamente inferiores no mar o que havia se tornado

evidente apoacutes a primeira derrota de sua frota para os

cartagineses em 260 aC os romanos desenvolveram uma arma

engenhosa com o objetivo de superar a falta de habilidade

(se comparada agrave dos cartagineses) ao manobrar as

embarcaccedilotildees o corvus409 Prancha de 11 m de comprimento e

120 m de largura o corvo possuiacutea um espeto na

extremidade o qual era usado para perfurar a embarcaccedilatildeo

inimiga durante a sua trajetoacuteria de cima para baixo

permitindo assim que as duas embarcaccedilotildees envolvidas se

mantivessem forccedilosamente conectadas o tempo necessaacuterio para

a travessia completa dos soldados romanos Esses por sua

vez atravessavam a prancha em numa coluna disposta em

pares de maneira que os dois primeiros protegiam a frente

com seus escudos erguidos enquanto os seguintes dividiam a

proteccedilatildeo dos flancos410

O melhor exemplo para a explicaccedilatildeo acerca do

funcionamento do corvo eacute a batalha de Mylae Segundo

Poliacutebio ansiosos para por agrave prova o novo equipamento

disposto na proa dos navios os romanos decidiram sob o

comando de Caio Duilio (que havia deixado as legiotildees sob

responsabilidade dos tribunos militares) atacar os

cartagineses que assolavam o territoacuterio de Mylae

Ao se aproximarem e verem os corvos (τοὺς κόρακας) subindo ao ponto mais alto da proa de cada navio os

cartagineses em princiacutepio ficaram confusos surpresos

com a construccedilatildeo das maacutequinas Contudo como eles davam

o inimigo inteiramente por derrotado as embarcaccedilotildees da

linha de frente atacaram bravamente Mas conforme as

julgar pelo apelido que lhe foi dado asina ou mula Ver Pliacutenio

8169 Lazenby First Punic War op cit pp 66-67 Ao lado de Cipiatildeo

estava o seu colega de magistratura Caio Duilio comandante das

tropas na Siciacutelia 409 Ainda que Poliacutebio use o termo korakes os estudiosos modernos

adotaram a forma latina corvus (corvi no plural) pois esse eacute de

acordo com Lazenby First Punic War (p 68) o termo latino

correspondente 410 Polib 122

180

embarcaccedilotildees que entravam em colisatildeo eram rapidamente

capturadas pelas maacutequinas e os tripulantes romanos

embarcavam por meio do corvo (τοῦ κόρακος) e atacavam os inimigos um a um na plataforma alguns dos cartagineses

eram eliminados e outros rendidos por desacircnimo diante

do que estava ocorrendo tendo a batalha se tornado

praticamente um combate em terra firme Os primeiros

trinta navios que entraram em combate foram capturados

por todos os tripulantes incluindo a embarcaccedilatildeo do

comandante sendo Aniacutebal capaz de escapar por um

milagre num bote salva-vidas O restante da forccedila

cartaginesa [] desistiu e bateu em retirada (τέλος ἐγκλίναντες ἔφυγον οἱ Καρχηδόνιοι) aterrorizada (καταπλαγέντες) por esta nova experiecircncia tendo perdido 50 navios

411

Embora Poliacutebio natildeo mencione nenhuma puniccedilatildeo fatal do

comandante cartaginecircs por sua derrota outras fontes narram

crucificaccedilatildeo ou apedrejamento de Aniacutebal (natildeo o Baacutercida) por

seus homens os quais estavam insatisfeitos com o resultado

da batalha412

A vitoacuteria romana em Mylae ainda que natildeo

tenha sido decisiva assegurou aos romanos a atuaccedilatildeo na

regiatildeo da Sardenha e Coacutersega territoacuterios antes sob domiacutenio

cartaginecircs Ao inveacutes de concentrar campanhas na Siciacutelia ou

na Sardenha e Coacutersega os romanos conduziram as duas

ofensivas ao mesmo tempo o envio dos dois cocircnsules o

primeiro (Corneacutelio Cipiatildeo) para Sardenha e Coacutersega e o

segundo (Corneacutelio Aquiacutelio) para a Siciacutelia comprovam o

pensamento estrateacutegico adotado por Roma413 Uma seacuterie de

batalhas navais tiveram lugar em seguida das quais se

destaca pela quantidade de homens envolvidos a batalha de

Ecnomus (256 aC) Segundo Poliacutebio do lado romano

contavam-se 100000 tripulantes (δέκα μυριάδας) caacutelculo

retirado dos 300 remadores e 120 soldados embarcados em

cada navio Do lado cartaginecircs o total dos soldados era

algo proacuteximo dos 150000 (πεντεκαίδεκα μυριάδας) a julgar pela

411 Polib 123 Cf Lazenby First Punic War pp67-73 Le Bohec op

cit pp 77-88 Bagnall op cit pp 62-63 Goldsworthy Punic Wars

pp105-109 Miles pp 182-184 412 Zonaras 812 Oroacutesio 44 413 Bagnall op cit p64

181

contagem de suas embarcaccedilotildees (κατὰ τὸν τν νεν λόγον)414 Apoacutes

violento embate proacuteximo ao sudoeste da Siciacutelia o qual foi

mais uma vez decidido pelo uso dos corvos (a despeito das

ateacute entatildeo eficientes taacuteticas cartaginesas) os romanos

comeccedilaram os preparativos para a invasatildeo da Aacutefrica415

414 Polib 126 415 Os pormenores da batalha de Ecnomus foram suprimidos

propositalmente uma vez que o principal interesse da tese natildeo recai

sobre a marinha de guerra cartaginesa Para a batalha de Ecnomus ver

Polib 126-28 Quanto aos estudos modernos a anaacutelise mais

esclarecedora eacute Goldsworthy Punic Wars pp 109-114

182

412 ldquoComo Aacutegatocles noacutes romanos devemos invadir a

Aacutefricardquo o princiacutepio estrateacutegico da expediccedilatildeo africana de

Reacutegulo 256-255 aC

Poliacutebio nos informa que os cartagineses que haviam

escapado do confronto em Ecnomus navegaram diretamente para

Cartago e ldquoconvencidos de que os inimigos excitados por

seu sucesso fariam o ataque direto agrave proacutepria cidade de

Cartagordquo (πεπεισμένοι τοὺς πεναντίους ἐκ τοῦ γεγονότος προτερήματος

ἐπαρθέντας εθέως ποιήσεσθαι τὸν ἐπίπλουν ἐπ ατὴν τὴν Καρχηδόνα)

mantiveram-se atentos a todos os possiacuteveis pontos de

desembarque na aacuterea416 Os romanos contudo desembarcaram a

uma distacircncia segura (Cabo Bon no nordeste da atual

Tuniacutesia) certamente por terem conhecimento da dificuldade

que seria tomar Cartago sem uma linha de abastecimento

assegurada entre a Siciacutelia e a Aacutefrica e iniciaram uma

seacuterie de cercos a cidades menores sendo Aspis a primeira

delas417

O que os romanos pretendiam com isso Em princiacutepio

poder-se-ia dizer que a decisatildeo era unicamente de seguranccedila

para o desembarque mas alguns indiacutecios em Poliacutebio apontam

para uma ocupaccedilatildeo definitiva (ainda que por ser modelada)

a qual deve ter sido planejada logo apoacutes a vitoacuteria em

Ecnomus Em primeiro lugar antes de navegar em direccedilatildeo agrave

Liacutebia eles organizaram as suas provisotildees e repararam as

embarcaccedilotildees capturadas (προσεπισιτισάμενοι καὶ τὰς αἰχμαλώτους ναῦς

καταρτίσαντες) em seguida assim que a Aspis foi tomada

guarniccedilotildees (τὰς δυνάμεις) foram ali deixadas para assegurar a

cidade (τς πόλεως) e o territoacuterio (τς χώρας) por uacuteltimo

mensageiros foram enviados a Roma para informar o ocorrido

e obter instruccedilotildees sobre o que deveria ser feito no futuro

(περὶ τν μελλόντων τί δεῖ ποιεῖν) e como eles deveriam lidar com

416 Polib 129 417 Sobre o desembarque bem como para os eventos posteriores ver Le

Bohec opcit pp 87-89 Lazenby First Punic War pp 97-103

Goldsworthy Punic Wars pp 84-87 Bagnall op cit pp 70-75

Miles pp 185-187

183

toda a situaccedilatildeo (πς χρσθαι τοῖς πράγμασιν) Se Poliacutebio estiver

correto na ordenaccedilatildeo desses eventos (e natildeo vejo motivos

para natildeo estar) os romanos tinham em mente mesmo antes de

relatar os eventos ao Senado assegurar uma posiccedilatildeo forte

em territoacuterio inimigo restando apenas a autorizaccedilatildeo de

Roma para dar prosseguimento agrave expediccedilatildeo africana A forma

que essa expediccedilatildeo assumiria contudo estava nas matildeos do

Senado418 A resposta natildeo poderia ser diferente um dos

cocircnsules deveria permanecer na Aacutefrica com forccedila adequada

(δυνάμεις τὰς ἀρκούσας) enquanto o outro deveria retornar para

Roma com a frota419

Se a essa altura os romanos tinham em mente a

reproduccedilatildeo do que havia feito Agaacutetocles cerca de 50 anos

antes natildeo sabemos por evidecircncias diretas (como seria uma

afirmaccedilatildeo de Poliacutebio ou referecircncia a Agaacutetocles em alguma

reuniatildeo senatorial antes da deliberaccedilatildeo sobre o que deveria

ser feito pelas tropas na Aacutefrica) mas isso pode ser

proposto com certo grau de plausibilidade por evidecircncias

indiretas Como mostrei antes os elementos necessaacuterios

para a realizaccedilatildeo de uma expediccedilatildeo haviam sido pensados

apoacutes Ecnomus e uma vez na Aacutefrica com posiccedilatildeo militarmente

assegurada a pilhagem que se seguiu (em Aspis ou ldquoescudordquo

e nos arredores) tem aparecircncia exata ao que foi previamente

feito pelo siracusano

Aleacutem disso eacute bem verdade que Poliacutebio nos diz como

mencionado no cap3 desta tese que Cipiatildeo o Africano

aproximadamente 50 anos apoacutes a primeira invasatildeo romana da

Aacutefrica teria respondido quando questionado acerca dos

maiores estadistas em coragem e sabedoria ldquoAgaacutetocles e

Dioniacutesiordquo420 Eacute bem provaacutevel portanto que a expediccedilatildeo de

418 Aleacutem disso uma vez estabelecidos da maneira descrita em territoacuterio

inimigo uma possiacutevel decisatildeo de abandono seria improvaacutevel senatildeo

absurda 419

Mais agrave frente Poliacutebio nos daacute nuacutemeros 15000 soldados de infantaria e 500 cavaleiros 420 Polib 1535 Ver cap3 item 41

184

Agaacutetocles fosse jaacute conhecida pelos romanos no tempo da

Primeira Guerra Puacutenica

Outra evidecircncia pode ser encontrada do lado cartaginecircs

Os comandantes cartagineses natildeo queriam esperar o avanccedilo

impune dos romanos talvez por que tivessem em mente a

reproduccedilatildeo do que haviam enfrentado meio seacuteculo antes com

os gregos Essa reaccedilatildeo por parte de Cartago elucida ainda

algo fundamental quanto agrave preservaccedilatildeo das primeiras

inovaccedilotildees em seu pensamento militar heleniacutestico Cartago

natildeo estava disposta a esperar que seu territoacuterio fosse

ldquocorrompidordquo pelo inimigo o que ocasionaria problemas de

ordem logiacutestica (principalmente com a manutenccedilatildeo de seus

aliados) de maneira que os generais decidiram partir de

imediato para o embate com os invasores Na primeira fase

das inovaccedilotildees militares em Cartago um dos aspectos

estrateacutegicos que motivaram as inovaccedilotildees de ordem logiacutestica

entre os cartagineses foi a preservaccedilatildeo da lealdade das

cidades africanas uma vez que elas estavam debandando uma

a uma para o lado grego Aquela liccedilatildeo agora aplicada ao

caso romano havia sido definitivamente aprendida pelos

generais cartagineses Asdruacutebal e Bostar foram eleitos

generais Amiacutelcar foi trazido agraves pressas da Siciacutelia como

terceiro general juntamente com 500 cavaleiros e 5000

soldados de infantaria421

Como dito anteriormente os trecircs generais cartagineses

optaram pelo combate direto com o inimigo apoacutes terem assim

deliberado (ἐβουλεύετο) e encontraram Reacutegulo e seus soldados

proacuteximos agrave cidade de Adys na ocasiatildeo sitiada pelos

romanos Os cartagineses ocuparam um monte nos arredores e

ali montaram acampamento num local que Poliacutebio considerou

ser inapropriado ao seu exeacutercito (ἀφυ δὲ ταῖς ἑαυτν δυνάμεσιν)422

421 Polib 130 Sobre Amiacutelcar Barca particularmente a construccedilatildeo de

uma escola taacutetica em Cartago ateacute Aniacutebal Barca cf Brizzi op cit

aleacutem dos autores citados acima para a expediccedilatildeo de Reacutegulo 422 Polib 130

185

Os experientes generais romanos (οἱ τν Ῥωμαίων ἡγεμόνες ἐμπείρως)

teriam visto que o momento era adequado para o ataque

inesperado uma vez que o posicionamento do exeacutercito

cartaginecircs num terreno que tornava os elefantes e a

cavalaria inuacuteteis (ἠχρείωται) lhes era propiacutecio Ao atacar

por ambos os lados do monte os romanos tiveram a primeira

legiatildeo (τὸ πρτον στρατόπεδον) derrotada pela coragem (γενναίως)

e vigor (προθύμως) dos mercenaacuterios (μισθοφόροι) mas tendo

avanccedilado em busca dos legionaacuterios em fuga expuseram sua

retaguarda aos outros que atacavam no lado oposto Os

mercenaacuterios recuaram satildeos e salvos por fim graccedilas ao

ldquoescudordquo oferecido pelos elefantes e cavaleiros que

atingiram o niacutevel plano423

Apoacutes a vitoacuteria de Reacutegulo Tuacutenis caiu sob o domiacutenio

romano tendo a cidade sido transformada na nova base de

operaccedilotildees na Aacutefrica Poliacutebio menciona ainda uma revolta

por parte dos numiacutedios (certamente encorajados com a

presenccedila romana) e a fome dos refugiados em Cartago424 o

que levou Reacutegulo a tentar a submissatildeo completa dos

cartagineses Poliacutebio diz que os embaixadores estavam tatildeo

inclinados a aceitar o que Reacutegulo lhes propunha que eles

sequer conseguiam prestar atenccedilatildeo agrave severidade de suas

exigecircncias (τὸ βάρος τν ἐπιταγμάτων) Fragmentos de Diodoro

contudo mencionam que o Senado cartaginecircs enviou os homens

mais nobres (ἄνδρας τν ἐπιφανεστάτων) como embaixadores

(πρεσβευτὰς) a Atiacutelio (leia-se Reacutegulo) para discutir os

termos de paz (περὶ εἰρήνης) mas a paz proposta por ele natildeo

seria melhor que a escravidatildeo tamanha a dureza de seus

termos425 Na mesma linha de Diodoro outras fontes

apresentam a iniciativa por parte de Cartago recusando

portanto que Reacutegulo os tivesse intimado para propor os

423 Para a reconstruccedilatildeo da batalha cf principalmente Lazenby First

Punic War pp 100-101 Goldsworthy Punic Wars p86 Bagnall op

cit pp72-73 424 Polib 131 425 Diod 2312

186

termos de paz426

No fim das contas a despeito da natureza

oposta dos relatos sobre quem teria tomado a iniciativa

para a conclusatildeo da paz (se Cartago ou Roma) e da situaccedilatildeo

draacutestica em que Cartago se encontrava uma vez mais o

Senado cartaginecircs manteve a opccedilatildeo pela defesa armada como

no caso dos gregos a qual seria assegurada em princiacutepio

pelas muralhas de Cartago e em seguida pelo recrutamento

do nuacutemero de soldados mercenaacuterios que os seus recursos

permitissem pagar427

426 Eutroacutepio (221) Oroacutesio (49) e Zonaras (813) Cf Lazenby First

Punic War p101 427 Essa seria de acordo com Diod 296 a grande vantagem em se

recrutar mercenaacuterios ldquouma abundacircncia de forccedilas militares estrangeiras

(τς ξενικς δυνάμεως) eacute muito vantajosa para o lado que a emprega e

terriacutevel para o inimigo considerando que os empregadores trazem

consigo sem grandes custos homens para lutar em seu nome ao passo

que forccedilas citadinas (τν πολιτικν δυνάμεων) mesmo quando vitoriosas satildeo prontamente enfrentadas por um corpo de oponentes intactos No

caso dos exeacutercitos poliacuteadas uma simples derrota significa um desastre

completo ao passo que no caso dos mercenaacuterios ainda que sejam por

muitas vezes derrotados os empregadores manteacutem suas forccedilas intactas

durante o tempo que durar seus recursosrdquo

187

413 Xantipo e a adoccedilatildeo do princiacutepio taacutetico heleniacutestico

255 aC

Vegeacutecio autor de um manual militar no seacutecIV dC

menciona natildeo somente que Xantipo teria liderado os

cartagineses na guerra contra os romanos ateacute o fim (o que eacute

claramente um equiacutevoco como nos mostram todas as outras

fontes) mas tambeacutem que Aniacutebal Barca durante a Segunda

Guerra Puacutenica havia recrutado um general mercenaacuterio

espartano para a sua campanha contra os romanos

() Na verdade o quanto a ciecircncia militar foi uacutetil

aos Lacedemoacutenios nos seus combates e para omitir

outros eacute confirmado pelo exemplo de Xantipo que com

exeacutercitos jaacute anteriormente derrotados capturou e

venceu Atiacutelio Reacutegulo e o exeacutercito romano muitas vezes

vencedor ao levar auxiacutelio aos Cartagineses natildeo soacute

pela coragem mas tambeacutem pela periacutecia triunfou num

uacutenico encontro e terminou toda a guerra E tambeacutem

Aniacutebal com a intenccedilatildeo de se dirigir para Itaacutelia

procurou um mestre de armas lacedemoacutenio com os

conselhos do qual destruiu tantos cocircnsules e legiotildees

sendo inferior em nuacutemero e em forccedilas428

A segunda informaccedilatildeo na passagem acima destacada (de

que haveria um conselheiro militar espartano a serviccedilo de

Aniacutebal Barca) pode ser com muito otimismo relacionada a

uma evidecircncia sobre um professor de grego (Soacutesilo) de

Aniacutebal em Corneacutelio Nepos429 Nenhuma outra fonte faz

referecircncia a mercenaacuterios espartanos em Cartago nessas

condiccedilotildees de serviccedilo (excetuando Xantipo) mas elas servem

para ilustrar ao lado das evidecircncias sobre o recrutamento

de homens de Esparta (ou simplesmente de ldquoeducaccedilatildeo

espartanardquo) como soldados ou oficiais de patente menor

(submetidos aos generais cartagineses) que essa era uma

praacutetica longe de absurda em cenaacuterio cartaginecircs mesmo que o

428 Vegeacutecio Compecircndio da Arte Militar Pref 3 Traduccedilatildeo inalterada de

Joatildeo Gouveia Monteiro e Joseacute Eduardo Braga (ediccedilatildeo em portuguecircs de

Portugal) 429 Corneacutelio Nepos Aniacutebal 133 [] atque hoc Sosylo Hannibal

litterarum Graecarum usus est doctore

188

caso mencionado por Vegeacutecio e Corneacutelio Nepote tenha sido

inventado ou unicamente produto de confusatildeo430

De volta agrave Primeira Guerra Puacutenica no momento seguinte

agrave derrota para Reacutegulo e ao fracasso das negociaccedilotildees de paz

(tenham elas sido lideradas por iniciativa dos cartagineses

ou pelo general romano) um dos oficiais de recrutamento

(ξενολόγος) que Cartago tinha previamente enviado agrave Greacutecia

retornava com um nuacutemero consideraacutevel de soldados entre

eles Xantipo de Esparta ldquoum homem que havia participado do

sistema de treinamento espartanordquo (ἄνδρα τς Λακωνικς ἀγωγς

μετεσχηκότα)431 Lazenby recorda que embora Diodoro se refira

a Xantipo como ldquoesparciatardquo (ὁ Σπαρτιάτης) a indicaccedilatildeo de

Poliacutebio (quase sempre mais preciso que Diodoro) sugere algo

mais proacuteximo dos μόθακες homens de famiacutelias pobres que eram

patrocinados por algueacutem mais rico e criado com seus

filhos432

Diante do que havia recentemente ocorrido aos

cartagineses Xantipo conclui ldquoapoacutes ter uma visatildeo ampla

dos recursos restantes dos cartagineses e de sua forccedila em

cavalaria e elefantesrdquo (συνθεωρήσας τάς τε λοιπὰς παρασκευὰς τν

Καρχηδονίων καὶ τὸ πλθος τν ἱππέων καὶ τν ἐλεφάντων παραυτίκα) que a

derrota para os romanos na Aacutefrica natildeo se devia aos romanos

mas aos proacuteprios cartagineses ldquopor meio da inexperiecircncia

de seus generaisrdquo (διὰ τὴν ἀπειρίαν τν ἡγουμένων) A conclusatildeo do

general mercenaacuterio teria sido em princiacutepio difundida

entre os seus amigos (τοὺς φίλους) mas logo chegado aos

430 Para o debate sobre a identificaccedilatildeo das referecircncias em Vegeacutecio e

Corneacutelio Nepote cf principalmente E L Wheeler The hoplomachoi

and Vegetius Spartan drillmasters Chiron 13 1-20 1983 P 16

John F Lazenby First Punic War The Spartan Army Warminster Aris amp

Phillips 1985 P 170 Daly p 88 431 Polib 132 De acordo com Diod 2316 Xantipo teria vindo da

Greacutecia com 50 ou 100 soldados ou mesmo sozinho dependendo da fonte

utilizada 432 Lazenby First Punic War pp 102-103 Numa versatildeo mais improvaacutevel

Oroacutesio 49 sugere que Xantipo seria ldquorei dos espartanosrdquo

(Lacedaemoniorum rex) Cf tambeacutem Giovanni Brizzi ldquoAmilcar e

Santippo storie di generalirdquo In Yann Le Bohec (org) La Premiegravere

Guerre Punique Lyon De Boccard 2001 pp 29-38

189

ouvidos dos liacutederes cartagineses que decidiram chamaacute-lo e

examinar a sua linha de raciociacutenio Apoacutes explicar como

Cartago poderia derrotar os romanos (ao inveacutes de assegurar

simplesmente a sua posiccedilatildeo) os generais cartagineses

ldquopersuadidosrdquo (πεισθέντες) ldquoconfiaram-lhe imediatamente as

suas forccedilasrdquo (ατῶ παραχρμα τὰς δυνάμεις ἐνεχείρισαν) Embora a

decisatildeo dos generais tenha gerado alguma reaccedilatildeo violenta

por parte da populaccedilatildeo quando Xantipo liderou o exeacutercito

para fora da cidade em ordem (ἐξαγαγὼν πρὸ τς πόλεως τὴν δύναμιν ἐν

κόσμῳ) e ali comeccedilou a ldquomanobrar algumas partes dele

corretamenterdquo (κινεῖν τν μερν ἐν τάξει) ldquodando comandos de

acordo com os costumesrdquo (παραγγέλλειν κατὰ νόμους)433 o que

havia sido feito pelos generais anteriores (cartagineses)

contrastou de tal maneira que os soldados tiveram seus

acircnimos revigorados sob o comando do general estrangeiro

Nessa situaccedilatildeo a empolgaccedilatildeo de Poliacutebio ao falar da

competecircncia de um general grego eacute evidente434 mas haacute algo

mais relevante a ser observado Se Xantipo realizou as

manobras que Poliacutebio indica uma possibilidade eacute que tenha

existido um periacuteodo de treinamento (possivelmente de alguns

meses) sob o espartano A outra possibilidade eacute que o

exeacutercito jaacute tivesse conhecimento dos termos militares

usuais na arte da guerra grega possivelmente devido ao seu

passado de lutas na Siciacutelia mas que os generais fossem

incapazes de executaacute-los da forma correta de onde

sobressairia o que Poliacutebio acreditou ser a sua (dos

cartagineses) incompetecircncia ou imperiacutecia (ἀπειρία) nos

assuntos militares Se o exeacutercito cartaginecircs que lutou na

Aacutefrica contra Reacutegulo fosse composto somente por mercenaacuterios

gregos a segunda explicaccedilatildeo seria a mais plausiacutevel das

duas jaacute que natildeo temos referecircncias diretas nas fontes ao

433 Isto eacute em termos militares ortodoxos Ver questatildeo na Introduccedilatildeo 434 Goldsworthy Punic Wars p 88 Segundo o autor as accedilotildees de

Xantipo refletiriam em Poliacutebio a profunda admiraccedilatildeo helecircnica pelo

sistema militar espartano

190

treinamento das tropas por Xantipo Mas esse natildeo parece ter

sido o caso do exeacutercito em questatildeo Poliacutebio natildeo menciona

origens eacutetnicas das tropas que lutaram em Adys no primeiro

encontro com Reacutegulo (e que eram ao menos parcialmente as

mesmas sob Xantipo) tampouco o faz para a batalha de

Tuacutenis Em todo caso a ldquofalange dos cartaginesesrdquo (τὴν

φάλαγγα τν Καρχηδονίων) mencionada por Poliacutebio em Tuacutenis em

contraste com os seus mercenaacuterios (τν μισθοφόρων) deve ter

sido cartaginesa ou de aliados liacutebios submetidos ao que os

gregos chamavam de symmachia Aleacutem disso um exeacutercito

cartaginecircs na Aacutefrica devia contar como na maioria dos

casos com grande nuacutemero de soldados liacutebios os quais

desconheciam como regra geral para comeccedilar a liacutengua

grega Para dar os comandos ainda que isso natildeo seja

mencionado no provaacutevel treinamento das tropas Xantipo

teria lanccedilado matildeo como jaacute havia feito em ocasiotildees

anteriores de um ou mais inteacuterpretes (ἑρμηνεύς)435

Passado certo tempo entatildeo os cartagineses comeccedilaram a

marchar em territoacuterios nivelados (τν ὁμαλν τόπων) e a

montar acampamento em locais planos (ἐν τοῖς ἐπιπέδοις τν χωρίων)

ateacute conseguirem avistar o inimigo436

Acampados proacuteximos aos

romanos (a uma distacircncia aproximada de 1800 metros ou 10

estaacutedios gregos) os cartagineses aguardaram a deliberaccedilatildeo

do Senado Aqui emerge uma questatildeo central para a

compreensatildeo do papel que Xantipo teria desempenhado na

batalha encerrado o treinamento das tropas Segundo

Poliacutebio o clamor das tropas por Xantipo aliado aos

pedidos do proacuteprio general espartano fizeram com que os

cartagineses revestissem Xantipo de autoridade (τὴν ἐξουσίαν)

para a conduccedilatildeo da batalha Daiacute se conclui que antes da

batalha de Tuacutenis Xantipo natildeo estava no comando do exeacutercito

sendo responsaacutevel apenas pelo treinamento das tropas (como

435 Diod 2316 436 Polib 133

191

sugeri antes) Na batalha contudo se Xantipo natildeo liderou

o exeacutercito como uacutenico general (como sugere toda a histoacuteria

preacutevia da arte da guerra cartaginesa) ele o fez como

ldquogeneral de suporterdquo dos comandantes cartagineses (que

Poliacutebio natildeo menciona) conduzindo um total de 12000

soldados de infantaria 4000 cavaleiros e praticamente 100

elefantes437

Apoacutes treinar a infantaria cartaginesa Xantipo teve a

oportunidade de liderar o exeacutercito cartaginecircs em campo de

batalha Em Tuacutenis as taacuteticas que puseram fim agraves legiotildees de

Reacutegulo apresentavam uma semelhanccedila incontornaacutevel com

aquelas empregadas pelos generais heleniacutesticos apoacutes

Alexandre Esse eacute um indiacutecio que natildeo pode ser ignorado ao

lado do treinamento da infantaria cartaginesa Xantipo

parece ter transformado o exeacutercito cartaginecircs numa

autecircntica arma heleniacutestica o que seraacute de acordo com

Brizzi incorporado por Amiacutelcar Barca438

Em Tuacutenis Xantipo dispocircs a falange de cartagineses ao

centro com um corpo de mercenaacuterios agrave sua direita (o lado

mais desprotegido do corpo de infantaria devido agrave ausecircncia

do escudo ao lado direito do uacuteltimo homem) Tendo dividido

a cavalaria nas alas (ligeiramente mais adiantada que a

infantaria ao centro) o restante dos mercenaacuterios

(provavelmente dardeiros ou fundeiros) foi lotado ali para

desempenhar claro papel de forccedila de apoio agraves tropas

montadas Os elefantes por sua vez encontravam-se

dispostos agrave frente da linha principal ao centro em

ldquodistacircncia segurardquo da infantaria Do lado romano apesar da

437 Sobre a condiccedilatildeo de Xantipo na batalha de Tuacutenis cf principalmente

Lazenby First Punic War pp 103-106 Goldsworthy Punic Wars pp

89-90 Daly p 88 Para uma discussatildeo sobre a data da batalha cf

Walbank op cit p91 Sobre a possiacutevel reduccedilatildeo dos nuacutemeros do

exeacutercito cartaginecircs (dados por Polib 133) o que se justificaria no

uso da tradiccedilatildeo proacute-cartaginesa (especialmente Philinus) por Poliacutebio

para narrar a batalha cf Caven op cit p38 438 Brizzi op cit A sistematizaccedilatildeo das evidecircncias natildeo eacute feita da

mesma forma pelo uacuteltimo

192

expressatildeo vaga usada por Poliacutebio para definir o modo no

qual as legiotildees foram organizadas por Reacutegulo439 o

posicionamento dos velites agrave frente da infantaria

(apostando no efeito que os dardos teriam nos paquidermes)

e a profundidade das unidades manipulares (algo incomum a

menos que fosse necessaacuterio dar maior coesatildeo e portanto

confianccedila aos homens nas linhas de frente) indicam que o

general romano estava preocupado com o impacto -

principalmente psicoloacutegico - que os elefantes teriam em

seus soldados440

Em primeiro lugar Xantipo ordenou que os elefantes

avanccedilassem contra os romanos ao centro e que a cavalaria em

ambas as alas fizesse um movimento em torno da infantaria

para atacaacute-la pelos flancos e retaguarda (apoacutes vencer a

cavalaria inimiga eacute claro) Os romanos em contrapartida

seguindo seus costumes comeccedilaram a bater as armas contra

seus escudos emitindo seu grito de guerra enquanto

avanccedilavam A cavalaria romana muito inferior em nuacutemero

logo bateu em retirada sem oferecer muita resistecircncia agrave

ofensiva inimiga A ala esquerda dos romanos normalmente

composta por aliados avanccedilou com sucesso contra os

mercenaacuterios dispostos agrave direita do exeacutercito cartaginecircs e

pondo-os em fuga perseguiram os vencidos ateacute o

acampamento A porccedilatildeo central da legiatildeo a qual estava de

frente para os elefantes inicialmente resistiu mas logo

cedeu ao avanccedilo dos paquidermes e toda a formaccedilatildeo foi

rompida no momento em que os cavaleiros cercaram os romanos

pelos lados e pela retaguarda Os que foram capazes de

passar pelos elefantes sem serem pisoteados por eles

acabaram por se deparar com a ldquofalange cartaginesardquo (ateacute

439 Polib 133 ldquo[] muitos maniacutepulos em profundidade []rdquo (πολλὰς ἐπἀλλήλαις [] σημείας) 440 Lazenby First Punic War pp 104-105 sugere uma organizaccedilatildeo em

seis linhas ao inveacutes das trecircs linhas tradicionais (hastati

principes triarii) Goldsworthy Punic Wars p 89 sugere as trecircs

linhas tradicionais com um nuacutemero maior de linhas

193

entatildeo intacta) disposta atraacutes dos animais em boa ordem

(συντεταγμένην [] τὴν τν Καρχηδονίων φάλαγγα)441 Quanto agraves

baixas Poliacutebio registrou somente 800 homens entre os

mercenaacuterios cartagineses (particularmente aqueles que

haviam enfrentado a ala esquerda romana) sem mencionar o

restante do exeacutercito Do lado romano excetuando os 2000

soldados que perseguiram os mercenaacuterios cartagineses em

fuga e alguns homens que escaparam com Reacutegulo todos

pereceram em batalha

Sob Xantipo os paquidermes passaram a ser empregados

como entre os generais heleniacutesticos Poliacutebio relata que

Xantipo antes de analisar os recursos logiacutesticos de

Cartago e portanto de ser nomeado general dos

cartagineses por tempo limitado tomou conhecimento do que

havia recentemente ocorrido e da maneira como havia

ocorrido442

Certamente o historiador estava se referindo agrave

derrota para Reacutegulo e ao fracasso em Acragas na Siciacutelia

evento que teria segundo Poliacutebio transformado a

estrateacutegia romana na guerra De Acragas para Tuacutenis

passando pelo fracasso no uso dos cavaleiros e elefantes em

Adys quando os trecircs generais cartagineses decidiram

enfrentar os romanos antes que esses prosseguissem com a

pilhagem de seu territoacuterio notamos uma mudanccedila notaacutevel no

emprego das tropas de Cartago tanto em seu treinamento (no

caso da infantaria) quanto em sua aplicaccedilatildeo (no caso dos

cavaleiros e elefantes) em campo de batalha

441 Polib 134 Narraccedilatildeo coincidente embora menos detalhada pode ser

encontrada tambeacutem em Zonaras 1113 Diod 2314 apresenta um relato

fantasioso acerca da batalha com Xantipo tendo que empurrar os

desistentes contra os romanos numa demonstraccedilatildeo de coragem e vigor 442 Polib 132 ldquo[] ao ouvir da reviravolta recente e da maneira

pela qual havia ocorrido []rdquo (ὃς διακούσας τὸ γεγονὸς ἐλάττωμα καὶ πς καὶ τίνι τρόπῳ γέγονεν)

194

CONCLUSAtildeO

Nesta tese atenccedilatildeo especial foi dirigida agrave histoacuteria da

Siciacutelia e de Cartago nos primoacuterdios do periacuteodo heleniacutestico

na expectativa de contribuir assim para o abandono da

ideia de um mundo mediterracircnico ocidental formado agrave sombra

da expansatildeo romana Interessou-me primeiramente o impacto

poliacutetico-militar da imitatio Alexandri no ocidente

heleniacutestico sob Agaacutetocles e Pirro da mesma forma que a

reaccedilatildeo dos cartagineses frente agraves duas invasotildees africanas

ocorridas respectivamente entre 310-307 aC e 256-255

aC mais do que propriamente como os romanos subjugaram

Cartago num processo iniciado com a questatildeo dos mamertinos

na porccedilatildeo nordeste da Siciacutelia A partir da anaacutelise

detalhada das liccedilotildees militares aprendidas pelos

cartagineses no periacuteodo heleniacutestico preacute-Baacutercida tornou-se

possiacutevel a compreensatildeo da atuaccedilatildeo social dos mercenaacuterios

cujo fluxo natildeo se encerrou ao menos ateacute a destruiccedilatildeo de

Cartago pelos romanos

Durante a fase inicial da Primeira Guerra Puacutenica

precisamente no ano de 255 aC o exeacutercito cartaginecircs

sofreu modificaccedilotildees sensiacuteveis no campo taacutetico e em seu

treinamento de maneira a transformar as forccedilas de Cartago

em verdadeiras armas heleniacutesticas Mas essa transformaccedilatildeo

natildeo se iniciou contrariando o que sugere Brizzi com

Xantipo443 Taticamente o exeacutercito cartaginecircs se modificou

em 255 aC mas a composiccedilatildeo de uma tradiccedilatildeo no uso de

comandantes mercenaacuterios parece ter sido anterior

443 Natildeo se trata aqui de desmerecer as hipoacuteteses de Giovanni Brizzi

(op cit) pelo contraacuterio a partir do que foi por ele proposto para

o periacuteodo Baacutercida eacute que pude montar uma explicaccedilatildeo original acerca das

inovaccedilotildees militares anteriores a Amiacutelcar a Aniacutebal Barca e que

acredito ser mais coerente tendo recuado propositalmente no tempo da

anaacutelise de maneira a ilustrar igualmente a relevacircncia das inovaccedilotildees

militares ocorridas durante a expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles

195

remontando a outras inovaccedilotildees militares importantes durante

a expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles

De fato o siracusano pensou a invasatildeo africana como

inversatildeo da estrateacutegia vigente no conflito contra os

cartagineses levando a guerra para o territoacuterio inimigo

quando o mesmo encontrava-se em grande vantagem na Siciacutelia

nesse caso ao assediar os portos de Siracusa Confiante no

apoio que obteria dos liacutebios e na falta de espiacuterito

combativo dos cartagineses (se comparada agrave experiecircncia de

seus mercenaacuterios) Agaacutetocles provocou uma situaccedilatildeo

calamitosa nos arredores de Cartago e na proacutepria cidade

que apoacutes seacuterias derrotas para o siracusano e perda

consideraacutevel dos territoacuterios aliados ou previamente

submetidos decidiu tomar atitudes draacutesticas Quando um

plano completamente inovador (para os padrotildees cartagineses)

havia sido estabelecido o Senado se decidiu pelo

direcionamento da guerra de uma maneira pouco condizente

com o estatuto e a experiecircncia militar (quando havia) dos

homens que compunham o conselho A divisatildeo logisticamente

correta do exeacutercito em trecircs forccedilas de 10000 homens

organizadas com funccedilotildees especiacuteficas de correccedilatildeo dos erros

que ateacute entatildeo os comandantes cartagineses haviam cometido

sugere um aconselhamento externo possivelmente de um

(grupo) de mercenaacuterios natildeo mencionados pelas fontes

A invasatildeo africana por Agaacutetocles ainda que tenha

fracassado natildeo foi algo impensado ou sem motivaccedilotildees

poliacuteticas mais profundas Quando Agaacutetocles se declarou rei

ldquoem imitaccedilatildeo aos Diaacutedocosrdquo considerando-se equivalente a

eles em ldquopoder territoacuterios e feitosrdquo ele fecirc-lo com um

tiacutetulo propositalmente vago A ausecircncia de um viacutenculo a um

povo ou uma cidade transforma-se portanto num convite agrave

conquista444

donde a expediccedilatildeo africana foi pensada como

concretizaccedilatildeo desse projeto Que a monarquia de Agaacutetocles

444 Gruen op cit

196

possuiacutea uma natureza ldquoheleniacutesticardquo parece claro a partir da

sistematizaccedilatildeo das evidecircncias disponiacuteveis445 mas a quem ela

se dirigia mostrou-se uma questatildeo a ser respondida

Levando-se em conta uma das principais razotildees pelas quais

Agaacutetocles decidiu conduzir uma guerra na Aacutefrica (o

esfriamento do ardor combativo dos cartagineses contra a

experiecircncia militar dos homens ldquotreinados na escola do

perigordquo) mesmo diante da presenccedila inimiga agraves portas de

Siracusa tornou-se plausiacutevel sugerir ao combinar esse

fator com a formalidade de seu poder em Siracusa e os

eventos subsequumlentes agrave sua expediccedilatildeo em territoacuterio

cartaginecircs que a sua monarquia autoproclamada dirigia-se

aos seus homens Daiacute desdobra-se ainda o fato de a sua

imitatio Alexandri natildeo ter se restringido ao campo

poliacutetico com grandes chances de ter se estendido tambeacutem agrave

esfera militar nesse caso mediante a organizaccedilatildeo de um

corpo de elite em imitaccedilatildeo aos hipaspistas de Alexandre

Apoacutes Agaacutetocles com os mamertinos instalados na porccedilatildeo

nordeste da Siciacutelia e com Siracusa carente de um liacuteder que

comandasse os esforccedilos militares contra a ofensiva

cartaginesa espaccedilo foi aberto para Pirro do Epiro receacutem-

chegado na Peniacutensula Itaacutelica a pedido dos tarentinos A

reputaccedilatildeo de Pirro encontrava-se inabalada apoacutes as suas

duas vitoacuterias contra os romanos de maneira que os

siracusanos se decidiram pela sua convocaccedilatildeo como hegemon

dos gregos (contra os ldquobaacuterbarosrdquo) Tendo concordado

prontamente Pirro se mostrou capaz de fazer recuar os

cartagineses mas a tentativa de instauraccedilatildeo de uma

monarquia de tipo heleniacutestico entre os gregos da Siciacutelia

instigou um sentimento de hostilidade quanto agrave sua

presenccedila No final de sua expediccedilatildeo italiana tendo ainda

445 Ver Zambon Hellenistic Sicily e Cap3

197

travado mais uma batalha na Peniacutensula446

Pirro terminaria

por dar uma grande contribuiccedilatildeo agrave arte da guerra no

ocidente heleniacutestico deixando a ilha com o problema

mamertino pendente

Passados 10 anos da expediccedilatildeo epirota na Itaacutelia um

confronto entre os dois grandes poderes em expansatildeo do

mundo mediterracircnico ocidental ocorreraacute tendo como motor a

presenccedila mamertina na Siciacutelia A Primeira Guerra Puacutenica

como ficou conhecida pela historiografia acabou por ser um

conflito longo e basicamente travado no mar mas com um

periacuteodo crucial na Aacutefrica durante o qual os romanos

decidiram em possiacutevel imitaccedilatildeo ao que havia feito

Agaacutetocles cerca de 50 anos antes transportar a guerra para

o territoacuterio inimigo Ao analisar as evidecircncias disponiacuteveis

(particularmente Polib 129) conclui-se que os romanos

natildeo estavam planejando unicamente um desembarque seguro

apoacutes importante vitoacuteria naval mas que eles esperavam

permanecer na Aacutefrica ao menos ateacute obterem a submissatildeo de

Cartago Os cartagineses por outro lado embora tenham

sido infelizes em seus primeiros esforccedilos (a reproduccedilatildeo de

uma das medidas tomadas contra Agaacutetocles isto eacute ir de

encontro ao inimigo para impedir a desistecircncia dos aliados

por pressatildeo militar adversaacuteria direta) aceitaram os

conselhos propostos por um dos mercenaacuterios que os seus

recrutadores haviam trazido do Peloponeso Os conselhos de

Xantipo podem ter sido algo inesperado sem duacutevida mas o

interesse por parte dos cartagineses em ouvir o que esse

general submetido ao treinamento espartano e com grande

experiecircncia militar tinha a dizer era algo com precedentes

indiretos provaacuteveis

446 Beneventum em 275 aC Dessa vez os resultados parecem ter sido

realmente inconclusivos o que se deveu em boa medida agrave desistecircncia

por parte dos italiotas que a essa altura haviam debandado para o

lado romano

198

A reforma liderada por Xantipo por fim teve

repercussotildees interessantes Em primeiro lugar uma reforma

quanto ao treinamento das tropas parece ter ocorrido Se as

tropas cartaginesas agrave eacutepoca da expediccedilatildeo africana de Reacutegulo

fossem compostas unicamente por gregos poder-se-ia

argumentar a favor de uma incompetecircncia dos generais

cartagineses ao manobrar as seccedilotildees do exeacutercito O que se

observa contudo aleacutem dessa ἀπειρία eacute a sua incontornaacutevel

composiccedilatildeo africana (cartaginesa ou liacutebia) indiacutecio para a

ocorrecircncia do treinamento da infantaria sob Xantipo antes

da reforma taacutetica em Tuacutenis447

Com a infantaria treinada Cartago decidiu pelo

confronto decisivo com os romanos tendo revestido Xantipo

de autoridade (τὴν ἐξουσίαν) temporaacuteria talvez como ldquogeneral

de suporterdquo aos comandantes cartagineses Na batalha de

Tuacutenis as manobras de cavalaria e o uso dos elefantes

propiciaram como argumentei ao longo do Cap4 a

observaccedilatildeo do momento decisivo na transformaccedilatildeo do exeacutercito

cartaginecircs numa verdadeira arma heleniacutestica algo sem

equivalecircncia nas batalhas anteriores mesmo naquelas que

sucederam a presenccedila de Pirro na Magna Greacutecia e na Siciacutelia

O exeacutercito cartaginecircs havia sido modificado por fim a

partir de inovaccedilotildees militares em momentos de invasatildeo do

territoacuterio africano por inimigos estrangeiros tanto em

niacutevel estrateacutegico quanto em niacutevel taacutetico (treinamento e

aplicaccedilatildeo em campo de batalha)

447 O exeacutercito cartaginecircs apoacutes o treinamento dado por Xantipo teria

comeccedilado a marchar em territoacuterios nivelados e a acampar em locais

planos como pode ser encontrado em Polib 133 Ver Cap 4

199

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ANEXOS

ANEXO 1 ndash UMA CRONOLOGIA DO MUNDO HELENIacuteSTICO

323-241 AC

323 ndash Morte de Alexandre o Grande Perdicas distribui as

satrapias Nascimento de Alexandre IV filho de Roxana

Guerra Lamiana (revolta dos gregos)

322 ndash Submissatildeo de Atenas morte de Aristoacuteteles Invasatildeo da

Capadoacutecia por Perdicas Ptolomeu se estabelece no Egito

Ophellas em Cirene

321 - Campanha de Antiacutepatro e Cratero contra os etoacutelios

Perdicas invade a Pisiacutedia

320 ndash Antiacutepatro feito regente Filipe Arrideu Roxana e

Alexandre IV em custoacutedia Invasatildeo da Aacutesia por Antiacutepatro e

Crateros Eumenes derrota Crateros Seleuco adentra a

Babilocircnia Derrota de Perdicas no Egito

319 ndash Morte de Antiacutepatro Polipercon feito regente

Ptolomeu conquista a Palestina Agaacutetocles ascende ao poder

em Siracusa

318 ndash Polipercon declara a liberdade dos gregos Eumenes

sai da Capadoacutecia para a Ciliacutecia Eudamos extermina Poro e

marcha para o oeste

317 ndash Campanhas de Polipercon na Greacutecia Invasatildeo da Siacuteria

por Eumenes Invasatildeo da Paacutertia por Eudamos e outros

saacutetrapas Invasatildeo da Siacuteria por Antiacutegono fuga de Eumenes

para a Babilocircnia

316 ndash Derrota de Polipercon para Cassandro Eumenes se

junta a Eudamos Batalha de Paraitacene

315 ndash Lisiacutemaco combate Antiacutegono Antiacutegono derrota Eumenes

em Gabene Morte de Eumenes Eudamos e Peiton Antiacutegono daacute

nova ordem agraves satrapias orientais Alianccedila formada contra

Antiacutegono Agaacutetocles eleito strategos autocrator ()

213

314 ndash Antiacutegono se recusa a se entregar

313 ndash Antiacutegono conquista Tiro

312 - Ptolomeu suprime revolta em Cirene e derrota Demeacutetrio

em Gaza

311 ndash Derrota de Agaacutetocles na Siciacutelia bloqueio do porto de

Siracusa Antiacutegono expulsa Seleuco da Feniacutecia Paz entre

Antiacutegono Cassandro Ptolomeu e Lisiacutemaco

310 ndash Iniacutecio da expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles Campanha

de Ptolomeu na Ciliacutecia contra Antiacutegono Anexaccedilatildeo de Cipro

309 ndash Alianccedila de Agaacutetocles com Ophellas Demeacutetrio abandona

a Babilocircnia

308 ndash Morte de Ophellas exeacutercito de Ophellas incorporado

por Agaacutetocles Antiacutegono expulso da Babilocircnia por Seleuco

307 ndash Agaacutetocles retorna a Siracusa Atenas tomada por

Demeacutetrio

306 ndash Antiacutegono e Demeacutetrio assumem o diadema Demeacutetrio

conquista Cipro Seleuco invade a Baacutectria

305 ndash Iniacutecio do cerco de Rodes Seleuco conquista a Baacutectria

304 ndash Seleuco Ptolomeu Lisiacutemaco e Cassandro assumem o

diadema Agaacutetocles se declara rei Seleuco fracassa em sua

campanha contra Chandragupta na Iacutendia

303 ndash Demeacutetrio conquista Corinto e boa parte do Pelponeso

campanhas de Agaacutetocles na Itaacutelia acordo entre Seleuco e

Chandragupta

302 ndash Cassandro e Lisiacutemaco contra Antiacutegono Seleuco e

Ptolomeu se juntam agrave alianccedila contra Antiacutegono

301 ndash Batalha de Ipso morte de Antiacutegono fuga de Demeacutetrio

300 ndash Demeacutetrio contra Lisiacutemaco Alianccedila entre Ptolomeu e

Lisiacutemaco

299 ndash Pirro enviado a Ptolomeu como refeacutem

298 ndash Demeacutetrio conquista a Ciliacutecia

297 ndash Morte de Cassandro Ptolomeu lanccedila Pirro como rei do

Epiro Lisiacutemaco toma posses de Demeacutetrio na Aacutesia Menor

296 ndash Lisiacutemaco Seleuco e Ptolomeu contra Demeacutetrio

214

295 ndash Seleuco toma Ciliacutecia Ptolomeu toma posses de

Demeacutetrio no Cipro Demeacutetrio recupera Atenas

294 ndash Demeacutetrio feito rei na Macedocircnia

293 ndash Demeacutetrio na Tessaacutelia

292 ndash Revolta de Tebas Antiacuteoco inicia governo na Baacutectria

291 ndash Demeacutetrio sufoca revolta em Tebas e ataca Pirro

289 ndash Morte de Agaacutetocles

288 ndash Guerra naval de Ptolomeu contra Demeacutetrio Lisiacutemaco e

Pirro provocam fuga de Demeacutetrio para o Peloponeso

287 ndash Revolta de Atenas Ptolomeu conquista Tiro

286 ndash Demeacutetrio perde Iocircnia e Liacutedia para Lisiacutemaco

285 ndash Demeacutetrio invade a Siacuteria submissatildeo de Demeacutetrio a

Seleuco

284 ndash Pirro derrotado por Lisiacutemaco na Macedocircnia

283 ndash Morte de Demeacutetrio e Ptolomeu Ascensatildeo de Ptolomeu II

282 ndash Tarentinos pedem ajuda a Pirro

281 ndash Ptolomeu Cerauno feito rei da Macedocircnia Seleuco

invade a Anatoacutelia elimina Lisiacutemaco e eacute morto por Ptolomeu

Cerauno na Traacutecia

280 ndash Iniacutecio da expediccedilatildeo italiana de Pirro vitoacuteria em

Heraclea derrota de Antiacutegono Gonatas (filho de Demeacutetrio)

para Ptolomeu Cerauno invasatildeo da Macedocircnia pelos celtas

fundaccedilatildeo da Liga Aqueacuteia

279 ndash Derrota dos romanos em Aacutesculo pedido de auxiacutelio de

Siracusa morte de Cerauno em batalha contra os celtas

Tratado entre romanos e cartagineses contra Pirro

278 ndash Iniacutecio da expediccedilatildeo siciliana de Pirro

277 ndash Pirro derrota os cartagineses na Siciacutelia Antiacutegono

Gonatas derrota os celtas celtas ocupam a Galaacutecia

276 ndash Pirro parte para Tarento Antiacutegono Gonatas

reconquista a Tessaacutelia

275 - Batalha inconclusiva de Benevento

264 ndash Iniacutecio da Primeira Guerra Puacutenica

260 ndash Batalha de Mylae

215

256 ndash Iniacutecio da expediccedilatildeo africana de Reacutegulo

255 ndash Recrutamento de Xantipo Batalha de Tuacutenis derrota de

Reacutegulo

247 ndash Amiacutelcar Barca nomeado general na Siciacutelia nascimento

de Aniacutebal Barca

241 ndash Fim da Primeira Guerra Puacutenica Cartago perde a

Siciacutelia para os romanos

216

ANEXO 2 FIGURAS

FIGURA 1

217

FIGURA 2

(a)

(b)

218

FIGURA 3

219

FIGURA 4

Livros Graacutetis( httpwwwlivrosgratiscombr )

Milhares de Livros para Download Baixar livros de AdministraccedilatildeoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciecircncia da ComputaccedilatildeoBaixar livros de Ciecircncia da InformaccedilatildeoBaixar livros de Ciecircncia PoliacuteticaBaixar livros de Ciecircncias da SauacutedeBaixar livros de ComunicaccedilatildeoBaixar livros do Conselho Nacional de Educaccedilatildeo - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomeacutesticaBaixar livros de EducaccedilatildeoBaixar livros de Educaccedilatildeo - TracircnsitoBaixar livros de Educaccedilatildeo FiacutesicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmaacuteciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FiacutesicaBaixar livros de GeociecircnciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistoacuteriaBaixar livros de Liacutenguas

Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemaacuteticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterinaacuteriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MuacutesicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuiacutemicaBaixar livros de Sauacutede ColetivaBaixar livros de Serviccedilo SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo

Page 3: IN MEMORIAM PATRIS MEI (1938-2009)livros01.livrosgratis.com.br/cp154139.pdfthe Second Punic War. London; New York: Routledge, 2002 Diod. – Diodoro, Biblioteca Histórica Cássio

IN MEMORIAM PATRIS MEI (1938-2009)

iv

Haacute somente duas fontes das quais qualquer vantagem pode ser

retirada os nossos proacuteprios infortuacutenios e aqueles de

outros homens

Poliacutebio 135

v

RESUMO

A histoacuteria poliacutetica do mundo heleniacutestico natildeo era

formada unicamente por comandantes secircniores do exeacutercito de

Alexandre o Grande sob os Diaacutedocos contava-se uma seacuterie

de ex-oficiais de poder menor ou aventureiros que

desempenhavam funccedilotildees importantes em regiotildees controladas

pelos ex-generais do rei macedocircnico ou mesmo em territoacuterios

que natildeo haviam sido previamente subjugados Juntamente com

os Diaacutedocos tais comandantes de poder menor moldaram a

poliacutetica do mundo heleniacutestico e transformaram de maneira

relevante a sociedade na qual estavam inseridos

contribuindo para a formaccedilatildeo da imitatio Alexandri e de seu

impacto na arte da guerra do periacuteodo heleniacutestico Este era

o caso de Agaacutetocles de Siracusa e em seguida Pirro do

Epiro (com poder obviamente maior que o de Agaacutetocles) que

a despeito das diferenccedilas na esfera de poder e do viacutenculo

com Alexandre tiveram papel fundamental na concretizaccedilatildeo

das inovaccedilotildees poliacuteticas e militares no ocidente

heleniacutestico

Esta tese de doutorado apresenta duas hipoacuteteses em

primeiro lugar que a monarquia de Agaacutetocles era de

natureza ldquoheleniacutesticardquo e que essa ldquoinovaccedilatildeordquo poliacutetica se

dirigiu agraves suas tropas mercenaacuterias e natildeo agrave cidade de

Siracusa onde sua magistratura compulsoacuteria era uma simples

formalidade em segundo lugar que a expediccedilatildeo africana de

Agaacutetocles e a experiecircncia militar de Pirro na Magna Greacutecia

e na Siciacutelia provocaram inovaccedilotildees militares em Cartago

primeiramente em niacutevel estrateacutegico e em seguida jaacute na

invasatildeo africana liderada pelos romanos em niacutevel taacutetico

Tais inovaccedilotildees por fim teriam transformado o exeacutercito

cartaginecircs numa autecircntica arma heleniacutestica

vi

ABSTRACT

The political history of the Hellenistic world was not

composed only of the senior commanders of Alexander the

Great under the Diadochi both a number of his minor

officers and adventurers played important roles They were

active both in territories ruled by former generals of

Alexander and even in territories which had not been

subdued by the Macedonian King With the Diadochi such

commanders with minor power molded the politics of the

Hellenistic world and shaped their society thus

contributing to the imitatio Alexandri as well as to its

impact on the art of war in Hellenistic period This was

the case of Agathocles of Syracuse and after him Pyrrhos

of Epirus both fundamental to the concretization of

political and military innovations in the western

Hellenistic world despite their differences in power and

their connection with Alexander

This DPhil thesis presents two hypotheses First of

all Agathocles‟ monarchy was of ldquoHellenisticrdquo nature and

such political ldquoinnovationrdquo was proposed to his mercenary

troops instead of the city of Syracuse where his power was

a mere formality Secondly the African expedition led by

Agathocles and the military experience of Pyrrhos in Magna

Graecia and Sicily fomented military innovations in

Carthage These innovations were in the first place at

the logistical level and after that during the African

invasion led by the Romans at the tactical level Such

innovations in the end would have changed the

Carthaginian army into an authentic Hellenistic weapon

vii

AGRADECIMENTOS

Primeiramente os agradecimentos de ordem

institucional Ao Professor Vicente Dobroruka pela

confianccedila inabalaacutevel e por toda dedicaccedilatildeo Ao Professor

Erich Gruen pelo comprometimento com o trabalho de co-

orientaccedilatildeo realizado em agradaacuteveis reuniotildees ao longo do

meu estaacutegio em Berkeley Aos Professores Celso Fonseca

Maria Filomena Carmen Liacutecia e Anderson Vargas por todas

as criacuteticas conselhos e auxiacutelio com o aprimoramento da

pesquisa Aos funcionaacuterios do PPGHIS da UnB e agrave coordenaccedilatildeo

do Programa pela seriedade com que trataram as minhas

frequumlentes solicitaccedilotildees Ao Projeto de Estudos Judaico-

Heleniacutesticos por tudo que ele representa na academia

brasileira Aos financiadores da minha pesquisa

nomeadamente CNPq (bolsa de doutorado no paiacutes) e Capes

(bolsa de doutorado no paiacutes com estaacutegio no exterior) por

terem me dado suporte financeiro em todo o doutoramento

Aos funcionaacuterios colegas e amigos que tive o prazer de

conhecer na Fundaccedilatildeo Hardt em Genebra Aos funcionaacuterios e

colegas da Universidade da Califoacuternia Berkeley pela

receptividade e paciecircncia com o meu sotaque Aos

Professores Angelos Chaniotis Joe Manning Joatildeo Gouveia

Monteiro Delfim Leatildeo Barry Strauss e Gianluca

Tagliamonte pelos conselhos declaraccedilotildees e cartas de

recomendaccedilatildeo escritas

Por fim os agradecimentos pessoais Aos meus pais por

toda educaccedilatildeo que me deram Espero que eu tenha a essa

altura os deixado orgulhosos de alguma forma Agrave Carolina

my Bride to be por todo suporte emocional em momentos

difiacuteceis principalmente com o falecimento do meu pai Aos

meus amigos Neyller e Fabiacuteola que satildeo tambeacutem parte da

minha famiacutelia e ao meu afilhado Iacutecaro Aos outros amigos

colegas de profissatildeo ou das mais diversas origens luacutedicas

viii

SUMAacuteRIO

Agradecimentos vii

Abreviaturas xi

Lista de figuras xiv

Mapas xv

Introduccedilatildeo 17

Capiacutetulo 1 ndash Novas taacuteticas outra guerra as ldquoinovaccedilotildees

tebanasrdquo e o exeacutercito reformado de Filipe II e Alexandre 27

1 Epaminondas e o princiacutepio da batalha de Leuctra 29

2 ldquoNegoacutecios de famiacuteliardquo como Filipe e Alexandre

transformaram a guerra grega 38

21 A infantaria macedocircnica 38

211 Hipaspistai pezetairoi e asthetairoi 40

212 Taxis syntagma lochos e uso da sarissa 44

22 A ldquoCavalaria dos Companheirosrdquo 48

Capiacutetulo 2 ndash Os desenvolvimentos da guerra heleniacutestica no

tempo dos Diaacutedocos 53

1 Guerra como ofiacutecio as condiccedilotildees de serviccedilo e os tipos

de mercenaacuterio 53

11 Mercenariato profissionalizaccedilatildeo e crise econocircmica

53

12 Mercenariato basileia e doriktetos chora 60

2 Os exeacutercitos dos Diaacutedocos 64

21 Macedocircnios xenoi misthophoroi e pantodapoi 66

22 Os elefantes de combate 70

3 As Guerras dos Diaacutedocos 75

31 Eumenes versus Craacutetero 75

ix

32 Antiacutegono versus Eumenes 77

33 Antiacutegono versus Ptolomeu Seleuco Cassandro e

Lisiacutemaco 86

Capiacutetulo 3 ndash Poder monaacuterquico e arte da guerra na Magna

Greacutecia e na Siciacutelia heleniacutestica 89

1 Agaacutetocles e a introduccedilatildeo da basileia heleniacutestica 89

2 O embate pela preservaccedilatildeo da unificaccedilatildeo poliacutetica da

morte de Agaacutetocles a Pirro do Epiro 101

3 Pirro e o problema da monarquia heleniacutestica 105

4 Agaacutetocles Pirro e a imitatio Alexandri em campo de

batalha 111

41 A expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles 111

411 O exeacutercito de Agaacutetocles 115

412 Agaacutetocles general como Alexandre 117

42 A expediccedilatildeo de Pirro do Epiro 123

421 O exeacutercito de Pirro 125

422 O exeacutercito republicano romano 127

423 A batalha de Heracleia (280 aC) 132

424 A batalha de Aacutesculo (279 aC) 137

Capiacutetulo 4 ndash As duas fases das inovaccedilotildees militares em

Cartago 141

1 ldquoNenhum tirano destruiraacute nossa cidaderdquo controle

oligaacuterquico e fracasso da tirania em Cartago 310-255

aC 141

2 O exeacutercito cartaginecircs 155

3 As primeiras inovaccedilotildees militares em Cartago

heleniacutestica ou a transformaccedilatildeo logiacutestica frente agrave ameaccedila

grega 310-307 aC 161

x

4 As uacuteltimas inovaccedilotildees militares em Cartago no periacuteodo

preacute-Baacutercida ou a transformaccedilatildeo taacutetica frente agrave ameaccedila

romana 255 aC 168

41 A Primeira Guerra Puacutenica 264-241 aC 168

411 A particularidade da primeira guerra cartaginesa

contra os romanos 168

412 ldquoComo Aacutegatocles noacutes romanos devemos invadir a

Aacutefricardquo o princiacutepio estrateacutegico da expediccedilatildeo africana

de Reacutegulo 256-255 aC 182

413 Xantipo e a adoccedilatildeo do princiacutepio taacutetico

heleniacutestico 255 aC 187

Conclusatildeo 194

Bibliografia 199

Anexos 212

Anexo 1 ndash Uma cronologia do mundo heleniacutestico 323-241

aC 212

Anexo 2 Figuras 216

xi

ABREVIATURAS

AALG ndash MILNS Robert ldquoThe Army of Alexander the Greatrdquo in

REVERDIN Oliver Entretiens sur l‟Antiquiteacute Classique

Alexandre le Grand image et realiteacute Vandoeuvres-Genegraveve

Fondation Hardt 1976 pp87-136

AHR - The American Historical Review

AJA - American Journal of Archaeology

ALG1 - TARN William W Alexander the Great Cambridge

Cambridge University Press 1950 2 vols Vol1

ALG2 ndash TARN William W Alexander the Great Cambridge

Cambridge University Press 1950 2 vols Vol1

Apiano ndash Apiano Guerras Estrangeiras

Arist Pol ndash Aristoacuteteles Poliacutetica

Arr Anab ndash Arriano Anaacutebasis de Alexandre Magno

Austin AUSTIN Michel The Hellenistic World from Alexander

to the Roman Conquest A Selection of Ancient Sources in

Translation Cambridge MA Cambridge University Press

2008

CA ndash Classical Antiquity

Chaniotis WHW CHANIOTIS Angelos War in the Hellenistic

World Malden Oxford Blackwell 2005

Consolo Langher - Sebastiana Consolo Langher Agathocle Da

capoparte a monarca fondatore di un regno tra Cartgagine

e i Diadochi Messina Pelorias 2000

CQ ndash Classical Quarterly

Cuacutercio ndash Quinto Cuacutercio Histoacuteria de Alexandre Magno

Daly ndash DALY Gregory Cannae the experience of battle in

the Second Punic War London New York Routledge 2002

Diod ndash Diodoro Biblioteca Histoacuterica

Caacutessio Dio ndash Caacutessio Dio Histoacuteria Romana

Dioniacutesio ndash Dioniacutesio Antiguidades Romanas

Estrabatildeo ndash Estrabatildeo Geografia

Eutroacutepio ndash Eutroacutepio Breviaacuterio de Histoacuteria Romana

xii

Frontino Frontino Estratagemas

Goldsworthy Punic Wars ndash GOLDSWORTHY PUNIC WARS Adrian

The Punic Wars London Cassell 2000

GRBS - Greek Roman and Byzantine Studies

Griffith GRIFFITH Guy T The Mercenaries of the

Hellenistic World Chicago Ares 1935

Hdt ndash Heroacutedoto Histoacuterias

Isoc Pan Isoacutecrates Panegiacuterico

Isoc Isoacutecrates Da Paz

JHS ndash Journal of Hellenic Studies

JNG - Jahrbuch fuumlr Numismatik und Geldgeschichte

Justino ndash Justino Epiacutetome da Histoacuteria Filiacutepica de Pompeius

Trogus

Lazenby First Punic War ndash LAZENBY FIRST PUNIC WAR John

Francis The First Punic War a military history London

UCL Press 1996

Leacutevecircque Pirro - LEacuteVEcircQUE Pierre Pyrrhos Paris E de

Boccard 1957

LSJ ndash Liddell-Scott-Jones Greek-English Lexicon

Meister CAH 7 ndash MEISTER K Agathocles WALBANK FW

ASTIN AE The Cambridge Ancient History Vol 7 (1)

Cambridge University Press 1984 PP384-411

Miles ndash MILES Richard Carthage Must be Destroyed The

Rise and Fall of an Ancient Mediterranean Civilization

London Allen Lane 2010

Oroacutesio ndash Oroacutesio Histoacuteria contra os pagatildeos

Parke PARKE Howard W Greek Mercenaries Soldiers

Chicago Ares 1933

Plut Ages ndash Plutarco Vida de Agesilau

Plut Alex ndash Plutarco Vida de Alexandre

Plut Dem ndash Plutarco Vida de Demeacutetrio

Plut Eumenes ndash Plutarco Vida de Eumenes

Plut Pelop ndash Plutarco Vida de Peloacutepidas

Plut Tim ndash Plutarco Vida de Timoleatildeo

xiii

Polib ndash Poliacutebio Histoacuterias

Polieno ndash Polieno Estratagemas

Pliacutenio ndash Pliacutenio Histoacuteria Natural

Sil Pun ndash Siacutelio Itaacutelico Puacutenica

Tito Liacutevio ndash Tito Liacutevio A Histoacuteria de Roma (AB VRBE

CONDITA LIBRI)

TLG ndash Thesaurus Linguae Graecae

Tucid ndash Tuciacutedides Histoacuteria da Guerra do Peloponeso

Xen Hel ndash Xenofonte Helecircnica

Zambon Hellenistic Sicily - ZAMBON Efrem Tradition and

Innovation Sicily between Hellenism and Rome Stuttgart

Fraz Steiner Verlag 2008

Zonaras - Zonaras Epitome historiarum

xiv

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Estatueta de Alexandre o Grande Origem

Herculaneum (regiatildeo da Campacircnia) 330-320 aC In Andrew

Stewart Faces of Power Alexander‟s Image and Hellenistic

Politics Berkeley and Los Angeles University of

California Press 1993

Figura 2 (a) Tetradracma de prata de Ptolomeu I Soter do

Egito (315-305 aC) Previamente no mercado suiacuteccedilo (b)

Estater de ouro de Agaacutetocles de Siracusa (310-305 aC)

Vienna In Stewart op cit

Figura 3 Vista panoracircmica de Cartago reconstruccedilatildeo feita

pelo Museacutee Nacional Cartago In Richard Miles Carthage

Must be Destroyed the Rise and Fall of an Ancient

Civilization London Allen Lane 2010 P175

Figura 4 Batalha de Tuacutenis (255 aC) In Yann Le Bohec

Histoire militaire des guerres puniques Monaco Editions

du Rocher 1996 P90

xv

MAPAS

Siciacutelia agrave eacutepoca da Primeira Guerra Puacutenica In Nigel Bagnall The

Punic Wars Rome Carthage and the Struggle for the Mediterranean

London Hutchinson 1990 P 50

xvi

Mediterracircneo ocidental no iniacutecio da Segunda Guerra Puacutenica Note a

expansatildeo africana e hispacircnica dos cartagineses apoacutes a Primeira Guerra

Puacutenica e a hegemonia romana na Siciacutelia dois dos grandes resultados da

Primeira Guerra Puacutenica In Gregory Daly Cannae the experience of

battle in the Second Punic War London and New York Routledge 2002

P7

17

INTRODUCcedilAtildeO

Apoacutes a morte de Alexandre o Grande os seus generais

rapidamente trataram de dividir os territoacuterios imperiais na

Europa na Aacutesia e no Egito de maneira a produzir uma

configuraccedilatildeo poliacutetica completamente ineacutedita ao mundo

antigo Dois princiacutepios baacutesicos regeram a ascensatildeo dos

novos monarcas e a construccedilatildeo de suas dinastias a

apropriaccedilatildeo da imagem puacuteblica de Alexandre (imitatio

Alexandri) e o ldquodireito da lanccedilardquo ou doriktetos chora

Portanto para se tornar um reclamante digno dos

territoacuterios imperiais era preciso em primeiro lugar se

igualar a Alexandre em feitos copiando as suas realizaccedilotildees

militares (postura ofensiva taacuteticas movimentos e

velocidade) e ateacute a sua ligaccedilatildeo com as divindades o que

poderia ser sugerido em variadas oportunidades a exemplo

da cunhagem poacutestuma de moedas com a iconografia do monarca

Em segundo lugar como consequumlecircncia oacutebvia da imitatio

tornava-se necessaacuterio conquistar territoacuterios pela forccedila das

armas o que natildeo restringia o rei a apenas uma regiatildeo ou

povo mas o instigava a governar o que fosse capaz de

subjugar em campanhas militares Como observou Gruen o

fato de os reis heleniacutesticos natildeo portarem ldquotiacutetulos

eacutetnicosrdquo a exemplo de ldquorei dos macedocircniosrdquo indicava que

eles haviam se tornado reis do que pudessem conquistar1

Chaniotis WHW em seu recente livro sobre a guerra no

mundo heleniacutestico completa a interpretaccedilatildeo de Gruen ao

afirmar que ldquoesta vagueza era um convite agrave conquistardquo2

Torna-se evidente portanto que a guerra era parte

fundamental da ideologia do rei heleniacutestico caracterizando

1 Erich Gruen ldquoThe Coronation of the Diadochoirdquo In J W Eadie and

Josiah Ober The Craft of the ancient historian essays in honor of

Chester G Starr Lanham MD University Press of America 1985 pp

253-271 2 Chaniotis WHW p57

18

natildeo somente suas funccedilotildees como general mas tambeacutem boa parte

de suas accedilotildees como poliacutetico

O cenaacuterio heleniacutestico em seus primoacuterdios natildeo era

contudo formado somente pelos comandantes secircniores do

exeacutercito de Alexandre ao lado dos Diaacutedocos contava-se uma

lista de ex-oficiais de poder menor e de ldquoaventureirosrdquo sem

qualquer ligaccedilatildeo direta com o rei macedocircnio mas que de

algum modo procuravam se inserir no cenaacuterio poliacutetico

heleniacutestico Este era o caso de Agaacutetocles de Siracusa

responsaacutevel por uma tentativa de introduccedilatildeo planejada da

monarquia de tipo heleniacutestico na Siciacutelia grega Como

veremos ao longo desta tese Agaacutetocles natildeo deve ser

considerado um tirano como seus antecessores siciliotas

ainda que mantivesse algumas das caracteriacutesticas poliacuteticas

tradicionais uma vez que as inovaccedilotildees por ele inicialmente

conduzidas durante a expediccedilatildeo africana podem ser cotadas

como verdadeiramente ldquoheleniacutesticasrdquo3

Diante de uma tentativa de encerramento da guerra pelos

cartagineses com o bloqueio dos portos de Siracusa e do

cerco agrave cidade Agaacutetocles liderou uma expediccedilatildeo inesperada

ao territoacuterio africano o que foi baseado de acordo com

Diodoro no perfeito conhecimento da situaccedilatildeo cartaginesa

na Aacutefrica4 De modo geral o siracusano pretendia inverter

a grande estrateacutegia da guerra e assolar o territoacuterio

inimigo decisatildeo estrategicamente ousada mas baseada na

dificuldade que Cartago teria para mobilizar ndash ou

simplesmente liderar ndash um exeacutercito capaz de derrotar homens

ldquotreinados na escola do perigordquo (πὸ τν ἐνηθληκότων τοῖς

δεινοῖς)5 Durante a batalha de Tuacutenis em 310 aC Agaacutetocles

parece ter organizado uma guarda pessoal em imitaccedilatildeo aos

hipaspistas de Alexandre da mesma forma que utilizado

taacuteticas muito similares agravequelas adotadas pelo rei macedocircnio

3 A melhor abordagem para o assunto eacute Zambon Hellenistic Sicily 4 Diod 201-18 5 Diod 203

19

em Gaugamela em 331 aC Alguns anos depois encontramos

evidecircncia de Agaacutetocles representado como Alexandre na

iconografia de um estater de ouro cunhado entre 310-305

aC em imitaccedilatildeo aos tetradracmas de Ptolomeu I (314-313

aC) o qual fazia referecircncia agrave vitoacuteria obtida pelo

siracusano em Tuacutenis Em 307 aC proacuteximo agrave cunhagem do

referido estater registra-se a contenccedilatildeo de uma revolta do

exeacutercito mercenaacuterio devido agrave falta de pagamento ocasiatildeo em

que Agaacutetocles surgiu com toga puacuterpura (siacutembolo do poder

reacutegio) sendo as suas vestimentas consideradas pelas tropas

como ldquoadequadas ou pertencentes ao seu poderrdquo (τὸν προσήκοντα

κόσμον)6 Tais evidecircncias ilustram como sistematicamente

apresentado no capiacutetulo 3 a construccedilatildeo de uma monarquia

que teraacute logo apoacutes a autoproclamaccedilatildeo dos Diaacutedocos

caracteriacutesticas tipicamente heleniacutesticas natildeo se adequando

mais agraves exigecircncias ou agrave estrutura organizacional de uma

poacutelis Sob Agaacutetocles de Siracusa e depois sob Pirro do

Epiro as vitoacuterias de Alexandre no Oriente (assim como a

longa rivalidade entre gregos e persas a qual foi tomada

pelos macedocircnios como justificativa para a invasatildeo do

Impeacuterio Persa) ganharatildeo vida nova no conflito entre

Siracusa e Cartago7 A histoacuteria siciliana constituiacutea algo

peculiar natildeo sendo um apecircndice da histoacuteria grega

continental como observou Finley8 mas o sentimento grego

de hostilidade ao elemento ldquobaacuterbarordquo seja ele persa ou

cartaginecircs foi constantemente revisto primariamente sob a

lideranccedila poliacutetica de Siracusa A imitatio Alexandri a

partir da oposiccedilatildeo ao elemento ldquobaacuterbarordquo na Siciacutelia

heleniacutestica era portanto algo historicamente viaacutevel

desde que houvesse um homem capaz de forjar uma ligaccedilatildeo com

Alexandre bem como liderar os gregos da Siciacutelia contra seu

6 Diod 2034 7 Argumento desenvolvido por Richard Miles Carthage Must be Destroyed

The Rise and Fall of an Ancient Mediterranean Civilization London

Allen Lane 2010 P145 8 Moses Finley A History of Sicily London Chatto amp Windus 1979

20

inimigo estrangeiro tradicional Cartago Como sustento

nesta tese Agaacutetocles mostrou-se intencionalmente esse

homem ainda que seus planos de formaccedilatildeo dinaacutestica tenham

falhado e que a audiecircncia para a legitimaccedilatildeo de seu poder

natildeo fosse composta com exceccedilatildeo de Ophellas por

macedocircnios

O impacto do projeto monaacuterquico heleniacutestico de

Agaacutetocles no entanto natildeo se restringiu agrave Siciacutelia grega

Cartago encontrava-se envolvida diretamente com os

desdobramentos militares das inovaccedilotildees poliacuteticas lideradas

pelo siracusano de modo que seu exeacutercito sofreu

modificaccedilotildees consideraacuteveis frente agrave presenccedila grega em seu

territoacuterio Pouco tem sido dito sobre o exeacutercito cartaginecircs

antes da ascensatildeo dos Baacutercidas o que se justifica pela

natureza fragmentada das fontes para a histoacuteria

heleniacutestica mas uma anaacutelise cuidadosa desses fragmentos

deveraacute ilustrar alteraccedilotildees sensiacuteveis na disposiccedilatildeo do

exeacutercito em campo de batalha processo iniciado durante a

expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles O tirano provocou

portanto a necessidade de inovaccedilotildees militares entre os

cartagineses o que corresponderia ao iniacutecio de um processo

formado por duas fases tendo o seu fim na transformaccedilatildeo

das tropas cartaginesas numa verdadeira forccedila heleniacutestica

cerca de 50 anos apoacutes a invasatildeo africana pelos gregos Ao

confiar a defesa dos territoacuterios sicilianos aos exeacutercitos

mercenaacuterios Cartago promoveu a falta de treinamento de

suas tropas ciacutevicas as quais eram empregadas somente em

casos extremos isto eacute de perigo para a proacutepria cidade

bem como manteve o baixo niacutevel de conhecimento logiacutestico no

norte da Aacutefrica talvez por que os cartagineses nunca

haviam sofrido ameaccedila similar a de 310 aC o que resultou

no envio completo dos soldados sem quaisquer forccedilas de

reserva (cruciais para a defesa da cidade no caso de uma

derrota decisiva em campo de batalha ou mesmo para a

21

reparticcedilatildeo das tropas no caso de um ataque simultacircneo) Do

mesmo modo o controle oligaacuterquico quanto aos generais

cartagineses dispostos no comando das tropas mercenaacuterias na

Siciacutelia impediu a formaccedilatildeo de uma ldquoescola taacutetica

atualizadardquo situaccedilatildeo que somente seraacute revertida em 255

aC com a contrataccedilatildeo de um general mercenaacuterio de formaccedilatildeo

espartana (Xantipo) e com o prosseguimento de sua reforma

por Amiacutelcar Barca

Entre a reforma provocada pela expediccedilatildeo de Agaacutetocles e

a reforma liderada por Xantipo haacute portanto um intervalo

de aproximadamente cinco deacutecadas o que pode ser

justificado pela carecircncia de evidecircncias mais detalhadas

sobre a histoacuteria poliacutetica e militar de Cartago Todavia

nada indica que entre 307 e 255 aC uma transformaccedilatildeo no

sistema de treinamento do exeacutercito tenha ocorrido a julgar

pela postura assumida por Xantipo em 255 aC

Ao liderar o exeacutercito para fora da cidade em boa ordem

e comeccedilar a manobrar algumas partes dele em falange e

dar as palavras de comando de acordo com os costumes

(ὡς δ ἐξαγαγὼν πρὸ τς πόλεως τὴν δύναμιν ἐν κόσμῳ παρενέβαλε καί τι καὶ κινεῖν τν μερν ἐν τάξει καὶ παραγγέλλειν κατὰ νόμους ἤρξατο)9

Feitas as consideraccedilotildees acima podemos nos perguntar o

que as duas fases de inovaccedilatildeo do exeacutercito cartaginecircs tecircm em

comum Preliminarmente cabe dizer que ambas ocorreram em

momentos de extremo perigo para os cartagineses quando o

inimigo (grego e sem seguida romano) encontrava-se jaacute em

territoacuterio africano saqueando cidades e com numeroso

exeacutercito a um passo de tomar a proacutepria cidade de Cartago

As referidas inovaccedilotildees do exeacutercito cartaginecircs (as quais

9 Polib 132 παραγγέλλειν κατὰ νόμους pode ser traduzido tambeacutem como ldquonos termos militares ortodoxosrdquo ἐν τάξει pode ser traduzido por ldquoda forma corretardquo como faz W R Paton tradutor da Loeb mas nesse caso a

expressatildeo parece mesmo indicar algo proacuteximo do modelo grego a julgar

pelo equipamento das infantarias cartaginesa e liacutebica (ver capiacutetulo 4

e figuras em anexo) podendo tambeacutem indicar algo como ldquoem marcha

ordenadardquo (no caso do uso da espada como primeira arma)

22

seratildeo sistematizadas ao longo do capiacutetulo 4 a partir das

evidecircncias disponiacuteveis) no primeiro seacuteculo de histoacuteria

heleniacutestica aparentam ter sido portanto respostas de

natureza distinta (uma logiacutestica e outra taacutetica) ao mesmo

problema tendo a primeira delas se mostrado uma

consequumlecircncia do projeto monaacuterquico de Agaacutetocles

Aleacutem de elucidar aspectos da histoacuteria siciliota e

cartaginesa o enfoque proposto contribui pontualmente para

a retirada da histoacuteria de Cartago da sombra da expansatildeo

romana de fato a derrota dos cartagineses para uma

confederaccedilatildeo latina em guerras traumaacuteticas para ambos os

lados somada ao eco da ldquogrande e justa vitoacuteria romanardquo em

sua tradiccedilatildeo literaacuteria10 resultou natildeo somente na

incorporaccedilatildeo posterior (irrefletida) da concepccedilatildeo de fides

Punica mas tambeacutem na reduccedilatildeo da histoacuteria cartaginesa a

apenas um capiacutetulo do chamado ldquoimperialismo defensivordquo

romano Ao aceitar uma unilateralidade da narraccedilatildeo de tais

eventos o que parece cocircmodo devido agrave natureza (favoraacutevel

aos romanos) dos relatos antigos sobre as Guerras Puacutenicas

o historiador finda por repetir um discurso que exclui uma

parte importante da histoacuteria do Mediterracircneo heleniacutestico

ou na melhor das hipoacuteteses submete tais histoacuterias agrave

cronologia da transformaccedilatildeo da Repuacuteblica Romana em Impeacuterio

Os romanos contudo natildeo foram os primeiros a rotular

os cartagineses com adjetivos desfavoraacuteveis (tais como

desleais crueacuteis mentirosos gananciosos e arrogantes)11

os gregos da Siciacutelia seacuteculos antes dos romanos haviam

engajado numa guerra sem fim com Cartago pela hegemonia da

ilha sendo a famosa caracterizaccedilatildeo do ldquooutrordquo como

ldquobaacuterbarordquo tambeacutem um traccedilo da cultura grega na Siciacutelia natildeo

10 Um caso ldquoclaacutessicordquo eacute o poema eacutepico de Siacutelio Itaacutelico (Pun 2395-

456) ldquoum rico senador romano com pretensotildees literaacuteriasrdquo (Miles op

cit p6) que no final do seacutec I dC via a fides Punica como causa

primordial das guerras anteriores com os cartagineses reduzindo

portanto o papel da ambiccedilatildeo romana como motor dos conflitos 11 Benjamin Isaac The Invention of Racism in Classical Antiquity

Princeton University Press 2004 pp 325-335 Miles op cit p7

23

se restringindo unicamente agrave experiecircncia grega nas guerras

contra os persas ao longo do seacutecV aC Os romanos no

entanto puderam varrer a presenccedila cartaginesa (e

posteriormente a grega) da Siciacutelia e fazer triunfar a sua

versatildeo da histoacuteria a qual deveria incluir

obrigatoriamente uma representaccedilatildeo factiacutevel de Cartago jaacute

que a autoridade e a credibilidade da historiografia romana

se iniciaram na eacutepoca das Guerras Puacutenicas

As duas hipoacuteteses desta pesquisa insinuam-se no

interior das questotildees apresentadas anteriormente Em

primeiro lugar sustento que a basileia de Agaacutetocles

dirigia-se agraves suas tropas e natildeo agrave cidade de Siracusa para

a qual o reconhecimento de seu poder natildeo parece ter sido

mais do que uma formalidade Durante a expediccedilatildeo africana

veremos natildeo somente a progressiva identificaccedilatildeo de seu

poder com uma monarquia de tiacutetulo intencionalmente vago

que seraacute em seguida comparada com a dos Diaacutedocos devido agrave

suposta paridade de suas forccedilas (ldquoem poder militar

territoacuterios e feitosrdquo) Aleacutem disso haacute que se notar tambeacutem

a constituiccedilatildeo de uma nova audiecircncia para o poder de

Agaacutetocles o qual estava cada vez menos baseado no

reconhecimento do demos de Siracusa e cada vez mais voltado

aos seus experientes mercenaacuterios12 A mudanccedila da audiecircncia

para o exeacutercito mercenaacuterio parece inclusive indicar a

tentativa de criaccedilatildeo de uma versatildeo dos hipaspistas de

Alexandre como parte da imitatio Alexandri em campo de

batalha

Em segundo lugar argumento a favor da existecircncia de

dois periacuteodos de inovaccedilatildeo militar de natureza distinta no

exeacutercito cartaginecircs sendo ambos provocados por situaccedilotildees

de perigo extremo para a cidade de Cartago O primeiro

deles se deu como dito antes contra os gregos entre 310-

12 Sou imensamente grato ao Professor Gruen pela sugestatildeo desta

hipoacutetese apoacutes ouvir e ponderar as minhas consideraccedilotildees por horas a

fio sempre com seriedade e gentileza

24

307 aC e parece ter tido caraacuteter logiacutestico assumindo

como ponto de partida o fiasco da batalha de Tuacutenis (310

aC) O segundo deles ocorreu num momento decisivo da

Primeira Guerra Puacutenica (255 aC) e apresentou mudanccedilas no

niacutevel de treinamento do exeacutercito ciacutevico e na atualizaccedilatildeo da

ldquoescola taacuteticardquo cartaginesa Em ambos os casos os

prejuiacutezos ao desenvolvimento militar cartaginecircs impostos

pelo vasto uso dos mercenaacuterios na Siciacutelia (o que inibia a

construccedilatildeo de uma cultura militar ciacutevica) e pelo controle

oligaacuterquico em Cartago (responsaacutevel pela ruptura das linhas

de desenvolvimento do generalato) parecem ter sido

ultrapassados o que poderaacute ser confirmado apoacutes anaacutelise

sistemaacutetica dos dispositivos taacuteticos cartagineses em 255

aC

Para isso a tese divide-se em quatro capiacutetulos O

primeiro capiacutetulo intitulado ldquoNovas taacuteticas outra guerra

as ldquoinovaccedilotildees tebanasrdquo e o exeacutercito reformado de Filipe e

Alexandrerdquo traz uma introduccedilatildeo aos antecedentes da arte da

guerra heleniacutestica apresentando uma anaacutelise das condiccedilotildees

de funcionamento do exeacutercito macedocircnico bem como dos

elementos adaptados das taacuteticas tebanas (particularmente a

coluna alongada) A arte da guerra heleniacutestica em seus

primoacuterdios e suas implicaccedilotildees poliacutetico-sociais

(nomeadamente a universalizaccedilatildeo do estatuto mercenaacuterio das

tropas e a construccedilatildeo de um novo tipo de monarquia)

dependem do entendimento correto sobre as unidades taacuteticas

do exeacutercito macedocircnico no caso dos generais que haviam

combatido com Filipe e de uma generalizaccedilatildeo do modelo

macedocircnico a partir do que se difundiu com a expediccedilatildeo

asiaacutetica de Alexandre O segundo capiacutetulo (ldquoOs

desenvolvimentos da guerra heleniacutestica no tempo dos

Diaacutedocosrdquo) um desdobramento loacutegico e direto do primeiro

apresenta um estudo minucioso da situaccedilatildeo geral do

mercenariato nos primoacuterdios do periacuteodo heleniacutestico e da

25

arte da guerra tal qual experimentada pelos Diaacutedocos no

embate pela divisatildeo do Impeacuterio de Alexandre Aleacutem da

anaacutelise da manutenccedilatildeo das taacuteticas macedocircnicas de cavalaria

e das novas armas empregadas (inclusive como siacutembolo de

poder militar no caso dos elefantes) pelos Diaacutedocos o

capiacutetulo se ocupa com os eventos relacionados agraves Guerras

dos Sucessores dando atenccedilatildeo especial agrave alteraccedilatildeo do

princiacutepio de aniquilamento pelo envolvimento completo do

inimigo o que resultou no recrutamento massivo de tropas

de infantaria derrotadas (e por vezes intactas) apoacutes o

choque da cavalaria

Os dois uacuteltimos capiacutetulos deslocam o foco da tese para

o ocidente heleniacutestico e seus esforccedilos orientados sob

Agaacutetocles para uma imitatio Alexandri em campo poliacutetico e

militar e sob os cartagineses para duas fases de

inovaccedilotildees militares que se enquadram no formato da arte da

guerra heleniacutestica em seus primoacuterdios Em ambos os casos

contudo notamos um processo de integraccedilatildeo do ocidente

heleniacutestico ao mundo dos Diaacutedocos tenha ele ocorrido com

as inovaccedilotildees poliacuteticas do monarca siracusano ou com as duas

respostas dos cartagineses aos casos de maior perigo para a

cidade de Cartago nos primeiros 90 anos de histoacuteria

heleniacutestica momentos antes portanto do iniacutecio da guerra

com Aniacutebal Barca

No capiacutetulo 3 intitulado ldquoPoder monaacuterquico e arte da

guerra na Magna Greacutecia e Siciacutelia heleniacutesticardquo apresento

uma sistematizaccedilatildeo possiacutevel das evidecircncias favoraacuteveis agrave

caracterizaccedilatildeo do poder monaacuterquico de Agaacutetocles como

ldquoheleniacutesticordquo da mesma forma que desenvolvo argumentos

acerca de uma identificaccedilatildeo provaacutevel das tropas e taacuteticas

de Agaacutetocles durante a sua expediccedilatildeo africana com algumas

unidades e planos de batalha relacionados agrave expediccedilatildeo

asiaacutetica de Alexandre o Grande Devido agrave sensiacutevel queda do

nuacutemero de textos antigos que nos chegaram para o periacuteodo

26

bem como agrave natureza plural dos relatos (incompletos) sobre

Agaacutetocles evidecircncias de outra natureza (epigraacutefica e

numismaacutetica) satildeo tambeacutem consideradas numa perspectiva

instrumental de paridade metodoloacutegica procurando

estabelecer na medida do possiacutevel narrativas baseadas no

estudo comparado de tais fontes

O capiacutetulo 4 (ldquoAs duas fases da reforma militar em

Cartagordquo) traz uma anaacutelise das inovaccedilotildees militares

cartaginesas ocorridas entre 307 e 255 aC das alteraccedilotildees

de caraacuteter logiacutestico encaminhadas durante a expediccedilatildeo

africana de Agaacutetocles agraves modificaccedilotildees quanto ao treinamento

e agraves taacuteticas lideradas por Xantipo (255 aC) Um estudo

das relaccedilotildees entre a oligarquia em Cartago e seus generais

na Siciacutelia deveraacute elucidar em detalhes a repressatildeo

oligaacuterquica em direccedilatildeo ao desenvolvimento de uma ldquoescola

taacutetica atualizadardquo da mesma forma que uma mudanccedila

temporaacuteria nesse comportamento diante de duas ameaccedilas

potencialmente fatais agrave cidade

Os textos antigos usados nesta tese seguem quando

possiacutevel a ediccedilatildeo da Loeb Quando a ediccedilatildeo natildeo existe a

exemplo dos Estratagemas de Polieno emprega-se a ediccedilatildeo de

referecircncia (normalmente uma traduccedilatildeo para a liacutengua

inglesa) A leitura de tais textos deu-se inicialmente em

inglecircs sendo todos os trechos citados (ou de relevacircncia

pontual para a tese) lidos tambeacutem em grego ou latim usando

como recursos o TLG e o LSJ

27

CAPIacuteTULO 1 ndash NOVAS TAacuteTICAS OUTRA GUERRA AS

ldquoINOVACcedilOtildeES TEBANASrdquo E O EXEacuteRCITO REFORMADO DE

FILIPE II E ALEXANDRE

As influecircncias tebanas no pensamento militar macedocircnico

satildeo um dado haacute muito aceito na historiografia levando em

consideraccedilatildeo a aproximaccedilatildeo de Filipe com Epaminondas13

Todavia cabe perguntar quais seriam detalhadamente os

elementos desta relaccedilatildeo entre as taacuteticas tebanas e a

composiccedilatildeo do exeacutercito integrado macedocircnico Pode-se

postular ainda a existecircncia de inovaccedilotildees tipicamente

tebanas na guerra grega e em particular na reforma do

exeacutercito de Filipe e Alexandre

Conforme mostrarei neste capiacutetulo alguns princiacutepios

empregados na maior batalha travada entre Tebas e Esparta

em Leuctra (371 aC) quando a falange lacedemocircnia foi

derrotada num choque de hoplitas apresentaram-se

explicitamente no exeacutercito reformado macedocircnico mas

precisam ser cuidadosamente reavaliados Assim a batalha

de Leuctra eacute importante (1) por seu impacto histoacuterico - a

falecircncia da hegemonia espartana em campo de batalha e (2)

porque o uso da coluna alongada e da formaccedilatildeo obliacutequa (com

uma das alas hesitante) foi consolidado com a

profissionalizaccedilatildeo do exeacutercito macedocircnico ocorrida a

partir do serviccedilo contiacutenuo e do estabelecimento de

treinamento superior (ambos caracteriacutesticos do soldado

profissional)

Aleacutem disso a partir da adoccedilatildeo das manobras de

cavalaria como etapa ofensiva principal das taacuteticas de

campo adotadas por Filipe II e Alexandre podemos notar na

guerra grega uma contribuiccedilatildeo estritamente macedocircnica natildeo

sendo possiacutevel atribuir a Epaminondas ou a outros tebanos

13 Plut Pelop 267

28

esta modificaccedilatildeo decisiva14 Por uacuteltimo como desdobramento

deste toacutepico a destruiccedilatildeo das defesas inimigas nas alas e

o consequumlente aniquilamento do inimigo por manobra de

envolvimento algo elaborado pelos macedocircnios no mundo

grego e comum aos persas ao menos desde a invasatildeo de

Alexandre teria sido tambeacutem a maior caracteriacutestica das

batalhas na Guerra dos Diaacutedocos15 natildeo fosse a incorporaccedilatildeo

das tropas vencidas ao contingente vitorioso praacutetica mais

condizente com a lideranccedila militar heleniacutestica Embora

novos fatores tenham emergido nas Guerras dos Diaacutedocos como

legado do impeacuterio de Alexandre (a exemplo do emprego dos

elefantes de guerra16) as manobras de cavalaria

permaneceram um dos traccedilos fundamentais aos primeiros

cinquumlenta anos da tradiccedilatildeo militar heleniacutestica primando

no entanto pela submissatildeo das tropas vencidas ao centro da

formaccedilatildeo

14 Ainda que os tessaacutelios fossem excelentes cavaleiros sua eficiecircncia

foi comprovada e difundida apenas sob o comando macedocircnico 15 Daiacute a relevacircncia deste mapeamento histoacuterico como etapa analiacutetica

anterior ao estudo da guerra heleniacutestica 16 Ambos seratildeo tratados no capiacutetulo dois desde sua ldquomatrizrdquo

macedocircnica

29

1 Epaminondas e o princiacutepio da batalha de Leuctra

Desde o estabelecimento do ldquodilema tebanordquo isto eacute a

problemaacutetica em torno de suas intervenccedilotildees militares na

Beoacutecia e de sua inserccedilatildeo na Liga Ateniense como ldquotebanosrdquo

(e natildeo como ldquobeoacuteciosrdquo o que limitava seu raio de accedilatildeo na

regiatildeo) a situaccedilatildeo natildeo se manteve tranquumlila entre ambas as

poacuteleis (Atenas e Tebas) Apesar de um acordo de paz firmado

em 375 aC (que exigia respostas oficiais para qualquer

incidente de cunho militar e estabelecia diretrizes para a

relaccedilatildeo das cidades mencionadas os tebanos insistiam na

restauraccedilatildeo de Oropos cujo controle havia sido perdido17

Aleacutem disso a destruiccedilatildeo de Plateacuteia e Thespiai duas

cidades beoacutecias que haacute pouco haviam se aliado a Atenas

entrou no rol dos desentendimentos entre as cidades gregas

O grande problema estava justamente na recusa em reconhecer

a ldquoConfederaccedilatildeo beoacuteciardquo (na qual Tebas exercia funccedilatildeo de

comando) ainda que esta continuasse a funcionar

paralelamente

Como observa Buckler18 tal situaccedilatildeo indicou acima de

tudo uma ldquomudanccedila no balanccedilo do poder na Greacuteciardquo

Definitivamente os tebanos mostraram-se capazes de

defender seus proacuteprios interesses num contexto de restriccedilatildeo

econocircmica da lideranccedila poliacutetica ateniense e a construccedilatildeo

das embarcaccedilotildees de guerra bem como sua manutenccedilatildeo

inviabilizaram qualquer reaccedilatildeo ateniense frente ao

crescente poder tebano

Aleacutem disso os espartanos enfrentaram problemas ainda

mais seacuterios que os atenienses se pensarmos em termos mais

17 Xen Hel 63 18 John Buckler The Theban Hegemony 371-362 BC Cambridge

MALondon Harvard University Press 1980 P46

Importante lembrar que o uacuteltimo tratamento dado ao periacuteodo antes do

claacutessico escrito por Buckler foi dado por Ernst von Stern em sua

obra Geschichte der spartanischen und thebanishen Hegemonie (Tartu

University of Tartu 1884)

30

relacionados ao que estaacute sendo proposto nesta tese O

melhor exemplo da dificuldade espartana em manter seu poder

foi aleacutem da reduccedilatildeo de sua influecircncia na Jocircnia o fracasso

na tentativa de subjugar Tebas De fato os tebanos estavam

decididos a manter seu domiacutenio na Beoacutecia mesmo que para

isso fosse necessaacuteria a disposiccedilatildeo de seu exeacutercito em campo

de batalha seguindo o tradicional modelo grego do choque

de hoplitas bem como a tentativa de resolver o conflito

num choque decisivo

Para complementar a tensatildeo poliacutetica acima detalhada

Epaminondas dirigiu-se a Agesilau sobre sua delegaccedilatildeo em

termos aacutesperos ao niacutevel de aceitaccedilatildeo espartana

argumentando que Tebas possuiacutea tanto direito de intervenccedilatildeo

na Beoacutecia quanto Esparta na Lacocircnia Tratava-se da

imposiccedilatildeo da Confederaccedilatildeo beoacutecia e de sua caracterizaccedilatildeo

como a uacutenica unidade poliacutetica possiacutevel na regiatildeo

diferentemente da symmachia da Segunda Confederaccedilatildeo

Ateniense O isolamento de Tebas estava entatildeo

anunciado19 de modo que a batalha decisiva tornou-se o

caminho mais provaacutevel para a resoluccedilatildeo do desentendimento

entre as poacuteleis

Quanto agrave documentaccedilatildeo referente agrave batalha existe uma

tendecircncia por parte dos especialistas em recusar (ou ao

menos reduzir a relevacircncia) do relato de Xenofonte20 o

uacutenico contemporacircneo da batalha devido agrave falta de detalhes

e ao seu posicionamento excessivamente proacute-espartano Os

demais relatos embora posteriores fornecem informaccedilotildees

mais detalhadas e estatildeo apoiados noutras evidecircncias

contemporacircneas Como observa Hanson21 apesar das

diferenccedilas em muitos aspectos dos relatos sobre Leuctra

19 Xen Hel 63 Plut Ages 27 284 Diod 1550 20 Xen Hel 64 21 Victor D Hanson ldquoEpameinondas the Battle of Leuktra (371 BC)

and the bdquoRevolution‟ in Greek Battle Tacticsrdquo CA 7 190-207 1988

P191

31

Plutarco22 e Diodoro

23 ldquopartilham dois princiacutepios

fundamentais que permanecem inquestionaacuteveisrdquo Primeiro a

inserccedilatildeo de algo totalmente novo em Leuctra por Epaminondas

e segundo o caraacuteter insatisfatoacuterio do relato de

Xenofonte especificamente em relaccedilatildeo a sua incompletude e

ao silecircncio (provavelmente intencional) no que respeita agraves

manobras tebanas

Uma vez decididos pela guerra Epaminondas eleito

comandante entre os boiotarchoi24 aguardou com seu

exeacutercito em Queroneacuteia onde poderia facilmente bloquear o

avanccedilo de Cleombroto desde Phokis25 Embora os outros

boiotarchoi com exceccedilatildeo de Peloacutepidas que apoiava

Epaminondas desde o iniacutecio de seu plano de batalha

estivessem receosos da decisatildeo em campo aberto optando

pela corrente estrateacutegia tebana (recuar ateacute uma

fortificaccedilatildeo e laacute oferecer resistecircncia) o temor em perder

o apoio das outras cidades beoacutecias os encorajaram a fazer

frente ao exeacutercito de Cleombroto26

Com aproximadamente 10000 soldados de infantaria e

1000 cavaleiros os espartanos dispuseram de acordo com

Xenofonte a cavalaria agrave frente dos hoplitas27 para que a

falange pudesse realizar seus movimentos secretamente fora

do campo de visatildeo do inimigo Cleombroto estava agrave direita

justamente com os demais espartanos sendo que o

contingente aliado a Esparta estava disposto agrave esquerda

Em resposta ao ataque inicial dos espartanos

Epaminondas enviou sua cavalaria provavelmente superior

agravequela do inimigo28 no intuito de fazer frente ao ataque

que abriu a batalha A formaccedilatildeo adotada pelos tebanos

22 Plut Pelop 2023 23 Plut Pelop 1552-56 24 Uma das principais magistraturas da Liga Beoacutecia segundo o LSJ 25 Plut Pelop 1552 26 Xen Hel 64 Diod 1553 Plut Pelop 203 27

Xen Hel 64 [] προετάξαντο μὲν τς ἑαυτν φάλαγγος οἱ Λακεδαιμόνιοι τοὺς ἱππέας [] 28 Xen Hel 64

32

estreita mas profunda era tambeacutem invertida Contrariando o

que comumente executavam os gregos o ataque principal

seria desferido pela ala esquerda liderada pelo ldquobatalhatildeo

sagradordquo operando na ocasiatildeo como unidade individual sob o

comando de Peloacutepidas O restante das tropas estava disposto

na ala direita fazendo frente ao contingente aliado

espartano

De acordo com Plutarco29 Cleombroto se viu forccedilado

quando observou que o ataque principal tebano seria

executado pela ala esquerda e natildeo pela direita a solicitar

que sua linha de frente agrave direita fosse estendida e

abaulada (τὸ δεξιὸν ἀνέπτυσσον καὶ περιγον) jaacute que assim poderia

envolver a coluna alongada dos tebanos e atacar o proacuteprio

Epaminondas O uacutenico problema eacute que existiria aiacute um espaccedilo

agrave esquerda do rei que deveria ser protegido de alguma

maneira provavelmente pela cavalaria Uma vez perdido o

combate pela cavalaria espartana Cleombroto teve que

enfrentar abertamente os tebanos sem chance de completar

sua manobra e ainda com um agravante a cavalaria em fuga

se chocou com a infantaria em avanccedilo causando grande

confusatildeo na formaccedilatildeo espartana30 Naquele momento o

Batalhatildeo Sagrado se destacou das demais unidades e desferiu

o principal ataque eliminando qualquer possibilidade de

reordenamento espartano Encerrada pelo rompimento da

formaccedilatildeo a batalha estava decidida

O episoacutedio de Leuctra assinala portanto para a maior

parte dos historiadores antes de Hanson de Buckler31 a

Ducrey32 ou Tuplin

33 uma revoluccedilatildeo no modo grego de fazer a

guerra34 Natildeo eacute sem razatildeo frente agrave tradiccedilatildeo

29 Plut Pelop 232 30 Xen Hel 6413 Plut Pelop 233 31 Buckler opcit 32 Pierre Ducrey Warfare in Ancient Greece New York Schocken 1985 33 John Tuplin ldquoThe Leuctra Campaign some outstanding problemsrdquo in

Klio 69 72-107 1987 34 Paul Cartledge (Peace of Antalkidas to Battle of Leuktra In _____

Agesilaos and the crisis of Sparta London Duckworth 1987 P380)

33

historiograacutefica que Adcock afirmou em The Greek and

Macedonian Art of War que ldquodevido agraves suas inovaccedilotildees

[Epamonindas] havia vencido sua primeira grande batalha

Leuctra antes da mesma ser iniciadardquo35 Existe no

entanto um posicionamento tradicionalmente contraacuterio agraves

entatildeo chamadas inovaccedilotildees de Epaminondas trata-se da

tradiccedilatildeo historiograacutefica que remonta ao argumento

desenvolvido por Hanson em 1988 em seu provocativo artigo

sobre Epaminondas e a batalha de Leuctra36

Em primeiro lugar Hanson refere-se a uma lista de

casos anteriormente estudados por Pritchett37 nos quais a

coluna alongada havia sido empregada De fato aprofundar a

quantidade de hoplitas numa das alas aumentava a

autoconfianccedila e adicionava poder de choque agrave coluna

hopliacutetica mas reduzia a extensatildeo da linha de frente

expunha o flanco mais facilmente (facilitando o

envolvimento por parte do inimigo) e exigia mais da ala

desfavorecida devido ao deslocamento de homens para a outra

parte da formaccedilatildeo Os tebanos jaacute haviam se utilizado da

coluna alongada com 16 escudos38 (εἰς ἑκκαίδεκα βαθεῖαν)39 mas eacute

vaacutelido lembrar que existe com Epaminondas uma

radicalizaccedilatildeo deste princiacutepio jaacute conhecido pelos gregos

levando ao extremo o nuacutemero de soldados dispostos em

coluna

Em seguida a inversatildeo da coluna alongada da ala

direita para a esquerda40 onde os soldados inimigos natildeo

menciona que as taacuteticas de Epaminondas foram ldquobrilhantemente

inovadorasrdquo 35 Franz Adcock The Greek and Macedonian Art of War Berkeley and Los

Angeles California University Press 1967 P89 36 Hanson opcit 37 William Pritchett Ancient Greek Military Practices (I) Berkeley

Los Angeles London University of California Press 1971 P135 Os

casos satildeo detalhadamente Delion (424 aC Tucid 493) Siracusa

(415 aC Tucid 667) Peiraieus (403 aC Xen Hel 24) Rio

Nemeacuteia (394 aC Xen Hel 42) 38 Xen Hel 42 Plut Pelop 172 39 Xen Hel 42 40 Xen Hel 64 Diod 1555 Plut Pelop 231

34

contavam com a proteccedilatildeo dos escudos41 foi planejada por

Epaminondas com a intenccedilatildeo de destruir a tropa de elite

espartana o mais raacutepido possiacutevel Embora tal praacutetica - a da

inversatildeo da principal tropa de choque da direita para a

esquerda - jaacute fosse conhecida pelos gregos pelo menos desde

as Guerras Meacutedicas como nos lembra Hanson42

especificamente no episoacutedio da batalha contra o persa

Mardocircnio43 natildeo existe meio de saber precisamente porque

Epaminondas adotou tal formaccedilatildeo uma vez que o histoacuterico

desta inversatildeo taacutetica natildeo ilustra mais sucessos do que

fracassos quando aplicada Talvez Epaminondas tenha

ldquomeramente orquestrado uma colisatildeo brutal e decisivardquo44

como outros comandantes gregos jaacute o tinham tentado mas natildeo

haacute como saber quais motivos especiacuteficos o levaram a adotar

tal formaccedilatildeo ao inveacutes daquela tradicional Por fim ainda

com relaccedilatildeo agrave inversatildeo das alas basta dizer que a

eliminaccedilatildeo da hipoacutetese pautada na defesa da ldquogenialidade

taacuteticardquo de Epaminondas nos leva de acordo com o argumento

de Hanson a uma evidente reduccedilatildeo na sua capacidade de accedilatildeo

imediata mas ainda assim sem descartar uma questatildeo

importante a combinaccedilatildeo radical destes dois fatores (a

coluna alongada e invertida) foi indiscutivelmente decisiva

na derrota dos espartanos em Leuctra

Outra questatildeo fundamental diz respeito ao uso integrado

(ou mesmo a ausecircncia) da cavalaria especialmente na ala

direita tebana Apenas Xenofonte45 menciona a existecircncia de

tropas montadas em Leuctra sem fazer referecircncia sequer ao

movimento de flanqueamento por parte da cavalaria de

41 Deve-se lembrar que o hoplita da esquerda era protegido pelo escudo

do soldado agrave sua direita avanccedilando juntos ombro a ombro O soldado

situado agrave extrema direita contava entatildeo apenas com sua lanccedila jaacute que

seu escudo deveria proteger o lado direito do soldado situado agrave sua

proacutepria esquerda 42 Hanson opcit p194 43 Hdt946 44 Hanson opcit p194 45 Hel 64 [] οἱ τν Φωκέων πελτασταὶ καὶ τν ἱππέων Ἡρακλεται []

35

Epaminondas Pelo contraacuterio os espartanos eacute que teriam

iniciado a batalha enviando seus cavaleiros agrave frente dos

hoplitas Entatildeo os tebanos em resposta ao ataque

espartano teriam feito o mesmo Natildeo existe informaccedilatildeo

sobre um possiacutevel retorno agraves posiccedilotildees originais ou mesmo em

direccedilatildeo agraves alas o que poderia sugerir uma lacuna no relato

de Xenofonte no que se refere agraves manobras de cavalaria ao

longo de toda a batalha tanto pelo lado espartano quanto

pelo lado tebano

Buckler e Tuplin46 concordam que as manobras adotadas

por Cleombroto derivaram de uma accedilatildeo inesperada por parte

dos tebanos Ora se de fato os espartanos pretendiam

distrair Epaminondas com um ataque frontal e inicial da

cavalaria enquanto a ala direita comandada pelo proacuteprio

Cleombroto pudesse avanccedilar para aleacutem da ala esquerda

tebana e recobrar a proteccedilatildeo do flanco com o retorno das

tropas montadas que iniciaram a batalha entatildeo Epaminondas

provavelmente sabia o que fora realizado por seus inimigos

na batalha do rio Nemeacuteia47 quando um envolvimento se

tornou possiacutevel exatamente a partir de tais manobras

Poreacutem admitindo-se que Cleombroto iniciou mesmo a batalha

ordenando o avanccedilo da cavalaria estaria correto o relato

de Plutarco (no qual Buckler e Tuplin basearam sua anaacutelise)

com relaccedilatildeo agrave sequumlecircncia das manobras48 Noutras palavras a

uacutenica maneira de afirmar que Cleombroto teria modificado

46 Buckler opcit p64 47 Xen Hel 42 48 O questionamento parte tambeacutem da comparaccedilatildeo entre a reputaccedilatildeo de

Plutarco e Xenofonte O primeiro nunca teve pretensotildees a historiador

embora o relato de Leuctra tenha sido provavelmente baseado nos textos

de Eacuteforo (FGrH 70) enquanto o segundo aleacutem das intenccedilotildees de

prosseguimento da obra de Tuciacutedides tinha declarada experiecircncia

militar O fato de que Xenofonte seria parcial em sua anaacutelise digo

interessado apenas em sustentar que tudo teria dado errado para os

espartanos naquele dia em contraposiccedilatildeo agrave sorte dos tebanos fez com

que a historiografia ateacute o artigo escrito por Hanson sequer

atentasse para uma importante declaraccedilatildeo de Xenofonte (ldquoos espartanos

iniciaram a batalhardquo) o que definitivamente abre o leque de

possibilidades explicativas especialmente para o questionamento do

testemunho de Plutarco

36

sua formaccedilatildeo devido agrave ldquosurpresardquo em relaccedilatildeo agraves manobras de

Epaminondas eacute atraveacutes do relato de Plutarco Entretanto se

admitirmos que a cavalaria espartana (e natildeo a tebana)

iniciou o ataque como sugeriu Xenofonte eacute possiacutevel supor

tambeacutem que Cleombroto contava desde o iniacutecio com o retorno

de sua cavalaria para proteger o flanco aberto durante a

execuccedilatildeo da manobra (planejada antes mesmo de iniciada a

batalha) com a qual pretendia envolver a coluna alongada

dos tebanos Como sua cavalaria natildeo foi capaz de vencer a

tebana o proacuteprio rei teria permanecido agrave mercecirc do choque

comandado por Peloacutepidas consequumlecircncia da falha da cavalaria

espartana e natildeo fruto de um plano preacute-elaborado por

Epaminondas

A criacutetica de Hanson dirigida agraves interpretaccedilotildees da

batalha de Leuctra parece totalmente correta e de fato uma

reavaliaccedilatildeo das chamadas ldquoinovaccedilotildees tebanasrdquo constitui uma

etapa necessaacuteria a este estudo para que se torne evidente

que a inserccedilatildeo da cavalaria tal como empregada no exeacutercito

de Alexandre natildeo estava disponiacutevel na guerra grega antes

de Filipe49 Pelo contraacuterio o uso integrado das diversas

seccedilotildees do exeacutercito configurou em seu estaacutegio avanccedilado uma

contribuiccedilatildeo tipicamente macedocircnica Noutras palavras os

gregos jaacute haviam assimilado algumas taacuteticas cuja execuccedilatildeo

dependia de certo niacutevel de integraccedilatildeo entre as sessotildees do

exeacutercito como possivelmente ocorrera em Leuctra pelo lado

espartano mas o enraizamento do soldado-cidadatildeo como

principal figura dos exeacutercitos gregos dos seacutecsV e parte do

IV aC deixaram a consolidaccedilatildeo desta inovaccedilatildeo para um

reino de fronteira a Macedocircnia cuja aristocracia dava

grande importacircncia ao uso dos cavalos na guerra

49 A reforma do exeacutercito macedocircnico tornou-se um assunto por demais

polecircmico uma vez que as fontes satildeo bastante confusas a esse respeito

No entanto posiciono-me a favor de uma reforma iniciada com Alexandre

II e seguida por Filipe II de acordo com os argumentos que

apresentarei mais abaixo

37

A uacuteltima questatildeo acerca do que Epaminondas realizou em

Leuctra diz respeito ao ataque obliacutequo quando a falange

foi trazida sob formaccedilatildeo em crescente (μηνοειδὲς τὸ σχμα τς

φάλαγγος πεποιηκότες)50 Apoacutes 371 aC esta formaccedilatildeo foi

novamente empregada com grande sucesso em Gaugamela (331

aC) por Alexandre o Grande

Desse modo o argumento de Hanson acerca da suposta

revoluccedilatildeo nas taacuteticas gregas a partir de Epaminondas

precisa ser levado em consideraccedilatildeo na medida em que retira

a proeminecircncia de um uacutenico e genial comandante tebano

salientando a ligaccedilatildeo entre as transformaccedilotildees ocorridas na

guerra grega desde o conflito poliacuteada no Peloponeso e o

exeacutercito reformado de Filipe da Macedocircnia

50 Diod1555

38

2 ldquoNegoacutecios de famiacuteliardquo como Filipe e Alexandre

transformaram a guerra grega

21 A infantaria macedocircnica

Dada a sua posiccedilatildeo de fronteira em relaccedilatildeo ao universo

poliacuteada e em particular apoacutes a esmagadora derrota para os

iliacuterios51 os esforccedilos militares dos reis macedocircnicos

direcionaram-se para a formulaccedilatildeo de uma nova maacutequina de

guerra a saber a combinaccedilatildeo equilibrada entre um tipo de

falange de piqueiros de excelente cavalaria e de um

aparato completo de maacutequinas de cerco a partir do qual

Alexandre obteve os recursos taacuteticos necessaacuterios para a

realizaccedilatildeo de sua campanha na Aacutesia Mas eacute possiacutevel dizer

precisamente em que momento tal reforma teve lugar na

histoacuteria da Macedocircnia antiga

Momigliano52 apoiado num trecho decisivo do fragmento

da Filiacutepica de Anaxiacutemenes de Lampsaco53 afirmou que esta

teria comeccedilado jaacute com Alexandre o Fileleno (498-454 aC)

devido agrave referecircncia a um novo grupo de soldados de

infantaria chamados pezetairoi os quais teriam sido

organizados em companhias (τοὺς πεζοὺς εἰς λόχους) por um certo

Alexandre considerado por Momigliano como sendo o primeiro

rei deste nome de que se tem notiacutecia

A referecircncia feita a Anaxiacutemenes tornou-se decisiva

desde entatildeo mas nesta tese opto pela hipoacutetese de

Bosworth54 que combinando o trecho de Anaxiacutemenes a uma

importante citaccedilatildeo de Tuciacutedides55 sobre a formaccedilatildeo

macedocircnica desloca a reforma do exeacutercito macedocircnico para

Alexandre II (370-368 aC) Ainda que o tempo de reinado

51 Diod 162 52 Arnaldo Momigliano Filippo il Macedone saggio sulla storia greca

Del IV secolo AC Firenze Felice Le Monnier 1934 53 FGrH 72 F4 54 Albert Bosworth ldquoASTHETAIROIrdquo in CQ 23 245-253 1973 P250 55 Tucid 4124 ldquomacedocircnios [] e outra multidatildeo de poderosos

baacuterbarosrdquo (Μακεδόνων []καὶ ἄλλος ὅμιλος τν βαρβάρων πολύς)

39

de Alexandre II tenha sido bastante curto se comparado aos

44 anos de governo do primeiro Alexandre a descriccedilatildeo de

Tuciacutedides deve ser considerada a partir do seguinte

criteacuterio se a formaccedilatildeo macedocircnica da forma como

apresentada pelo historiador ateniense foi fidedignamente

narrada cerca de trinta anos apoacutes Alexandre o Fileleno a

atribuiccedilatildeo da reforma como sendo uma accedilatildeo de seu governo eacute

incorreta Se de fato a reforma fora realizada por um

Alexandre este soacute pode ser por exclusatildeo o seguinte

Alexandre (II)

A reconstruccedilatildeo das origens do exeacutercito macedocircnico

reformado eacute entatildeo bastante polecircmica ainda que a

tendecircncia seja localizar o seu iniacutecio cerca de dez anos

antes do reinado de Filipe II Aleacutem disso a histoacuteria de

sua organizaccedilatildeo e accedilatildeo em campo de batalha nos eacute acessiacutevel

somente a partir da campanha de Alexandre quando o uso de

Arriano e de alguns fragmentos o mapeamento filoloacutegico de

termos condizentes agrave infantaria e o estudo das unidades

taacuteticas conhecidas (e de suas subdivisotildees) auxiliam na

tarefa de estabelecer as diretrizes para o entendimento de

parte do exeacutercito macedocircnico56

56 Breves reconstruccedilotildees como a elaborada por Billows (Kings and

Colonists Aspects of Macedonian Imperialism LeidenNew YorkKoumlln

Brill 1995 Pp11-20) natildeo satildeo satisfatoacuterias pois ignoram diversos

aspectos da reforma como por exemplo os problemas advindos do uso

de Diodoro para o estabelecimento do nuacutemero aproximado das tropas A

melhor introduccedilatildeo para o assunto eacute ainda Robert Milns AALG

40

211 Hipaspistai pezetairoi e asthetairoi

Segundo Tarn57 e Milns

58 somente atraveacutes do relato de

Arriano podemos elaborar uma reconstruccedilatildeo segura da

terminologia e do desenvolvimento de parte das tropas

macedocircnicas Isso se deve ao fato de que por um lado

tanto Diodoro quanto Cuacutercio empregaram fontes apenas

indiretamente preocupadas com o exeacutercito macedocircnico Por

outro lado Ptolomeu a principal fonte de Arriano era

assim como seu leitor entendido nos assuntos militares e

conhecedor de sua terminologia Ainda que 500 anos

separassem os dois o relato de Arriano tornou-se o mais

apropriado para a anaacutelise das tropas macedocircnicas e de sua

aplicaccedilatildeo taacutetica em campo de batalha

Analisemos entatildeo os principais termos referentes agrave

organizaccedilatildeo do exeacutercito Pezetairoi que agrave primeira vista

indica a infantaria macedocircnica em sentido mais amplo em

Arriano ora faz referecircncia a toda a falange ora apenas a

parte dela59 Certamente trata-se de um termo anterior a

Filipe se aceitarmos as informaccedilotildees sobre os pezetairoi de

Alexandre II contidas no relato de Anaxiacutemenes de

Lampsaco60 podendo tambeacutem de acordo com Teopompo de

Quios61 fazer referecircncia unicamente agrave ldquoGuarda Realrdquo

(ἐδορυφόρουν τὸν βασιλέα) Apesar dessas divergecircncias uma

coisa permanece inquestionaacutevel o termo pezetairoi no tempo

de Alexandre referia-se essencialmente a toda a falange de

piqueiros

Existem aleacutem disso duas variaccedilotildees que devem ser

observadas pezoi por vezes indicando a falange62 ou mesmo

toda a infantaria e φάλαγξ que pode significar a falange

57 ALG2 P135 58 Robert D Milns ldquoThe hypaspists of Alexander some problemsrdquo in

Historia 20 186-195 1971 P88 59 Arr Anab 1283 2232 4231 5226 661 6213 7113 60 FGrH 72 61 FGrH 115 F348 62 A falange indica o conjunto de todos os batalhotildees ou brigadas dos

πεζέταιροι

41

propriamente dita ou apenas um uacutenico batalhatildeo da falange

bem como os hipaspistai e a formaccedilatildeo em linha de batalha

quando usado para fazer referecircncia a outras tropas (ἐπὶ

φάλαγγος em oposiccedilatildeo a κατὰ κέρας por exemplo)63

Com a ampliaccedilatildeo do termo para a definiccedilatildeo de toda a

falange (ou de sua parte em destaque) abre-se tambeacutem uma

nova questatildeo introduzida por Bosworth64 a partir de uma

releitura de Arriano qual seria a vinculaccedilatildeo dos

pezetairoi com os hipaspistai e os asthetairoi65

Em primeiro lugar o que jaacute se discute desde Tarn66

Muitas informaccedilotildees vitais acerca dos hipaspistai satildeo

impossiacuteveis de se obter basicamente por duas razotildees ambas

derivadas de problemas advindos das proacuteprias fontes Em

primeiro lugar os historiadores gregos natildeo estariam

interessados em ldquodetalhes militares teacutecnicosrdquo de uma tropa

macedocircnica mesmo quando esta desempenhava funccedilatildeo

importante na campanha Em seguida Ptolomeu provavelmente

por estar familiarizado com todos esses detalhes teacutecnicos

em seu dia-a-dia simplesmente natildeo desenvolveu nada a

respeito da disposiccedilatildeo e equipamentos desta tropa67

Sabemos que os hipaspistai foram uma forccedila criada a

partir de uma seleccedilatildeo dos pezetairoi sendo provavelmente a

primeira na histoacuteria da Macedocircnia de caraacuteter profissional

cujo serviccedilo era ininterrupto e cuja lealdade estava ligada

particularmente agrave figura do rei O termo aparece apenas em

Arriano tendo designaccedilatildeo equivalente em Diodoro

(δορυφόροις)68 o que sugere ter sido hipaspistai o termo

63 Esta discussatildeo encontra-se em detalhes em ALG2 p135-142 64 Bosworth opcit p245 65 Segundo Bosworth (opcit p246) existem ainda traduccedilotildees que

simplesmente substituem o termo asthetairoi por pezetairoi 66 ALG2 67 Milns opcit p186 68 Diod 1777 [] ἔπειτα τοὺς ἐπιφανεστάτους τν Ἀσιανν ἀνδρν δορυφορεῖν ἔταξεν []

42

empregado por Ptolomeu e por deduccedilatildeo pelos proacuteprios

macedocircnios69

Basicamente formavam um contingente de 3000 homens e

encontravam-se divididos em trecircs quiliarquias de

aproximadamente 1000 homens cada70 Diferentemente do

restante da falange os hipaspistai eram selecionados pelo

proacuteprio rei e integravam sua guarda pessoal

Qual seria por uacuteltimo o equipamento militar do

hipaspistes Existe uma tendecircncia geral em definir seu

equipamento como sendo mais leve que aquele dos demais

falangistas ou algo situado entre o equipamento do

falangista e do peltasta No que diz respeito a essas

suposiccedilotildees Tarn71 eacute incisivo

Em relaccedilatildeo ao armamento eles eram infantaria pesada

tatildeo pesadamente armada quanto a falange a diferenccedila

entre os dois corpos residia em sua histoacuteria

recrutamento e manutenccedilatildeo natildeo no armamento A crenccedila

de que eles eram armados como peltastas ou que seu

armamento era algo intermediaacuterio entre aquele do

falangista e do peltasta natildeo encontra evidecircncia para

lhes dar suporte e natildeo precisa ser informado

Haacute por outro lado suposiccedilotildees com relaccedilatildeo ao

equipamento do hipaspistes que podem sugerir uma

proximidade com o peltasta A melhor delas insinua-se a

partir de uma marcha forccedilada do exeacutercito macedocircnico na

qual Alexandre teria utilizado os hipaspistai juntamente

com a infantaria levemente armada dos agrianos Nesta

ocasiatildeo os demais soldados da falange teriam sido deixados

para traacutes72 o que poderia declarar uma diferenccedila entre o

equipamento dos hipaspistai e dos falangistas em geral

69 Embora Arriano empregue o mesmo termo que Plutarco algumas vezes

como em 317 ldquoατὸς δὲ ἀνα λαβὼν τοὺς σωματοφύλακας τοὺς βασιλικοὺς []rdquo 70 Arr Anab 430 71 ALG2 P153 72 Arr Anab 43 321 323 citado por Badian durante o debate da

conferecircncia de AALG p 134

43

Nesta ocasiatildeo de acordo com Badian73 quando podemos

observar soldados levemente armados (hipaspistai e agrianos)

em contraste com aqueles que os seguiram ἐν τάξει a deduccedilatildeo

mais correta eacute a de que se desfizeram dos armamentos para a

perseguiccedilatildeo e natildeo eram como comumente afirmado

regularmente armados como infantaria ligeira Poreacutem o que

temos de mais concreto parece ser mesmo uma semelhanccedila nos

armamentos dos hipaspistai e dos demais falangistas dado

que durante toda a campanha ambos partilharam as mesmas

funccedilotildees taacuteticas

Ainda no esforccedilo de distinguir os termos cruciais para

o entendimento da falange macedocircnica gostaria de encerrar

este toacutepico com uma breve anaacutelise dos asthetairoi cuja

apariccedilatildeo na historiografia se deu a partir da milimeacutetrica

observaccedilatildeo de Bosworth Como dito anteriormente o termo

asthetairoi foi por vezes substituiacutedo por pezetairoi nas

traduccedilotildees ou ediccedilotildees modernas da Anaacutebasis de Arriano74 Da

mesma forma que hipaspistes satildeo termos distintos e

provavelmente natildeo foram usados com o mesmo propoacutesito

Bosworth75 entende que se tratava de um termo teacutecnico

usado para definir o contingente que ldquochegou

posteriormenterdquo isto eacute fruto das campanhas na Alta

Macedocircnia Assimilados posteriormente agrave formaccedilatildeo da falange

macedocircnica propriamente dita tais soldados precisavam de

um novo termo que os diferenciasse dos demais e o seu

desenvolvimento desde a palavra original manteve o

significado de ldquoproacuteximos aos Companheirosrdquo o que

concentrou tanto a condiccedilatildeo atual de macedocircnios quanto sua

independecircncia anterior agrave assimilaccedilatildeo pela monarquia76

73 AALG P134 74 As passagens satildeo Arr Anab 223 423 522 66 621 72 75 Opcit p247 76 Bosworth opcit p251

44

212 Taxis syntagma lochos e uso da sarissa

Sabemos que com Alexandre na Aacutesia a infantaria

macedocircnica era formada por ateacute seis batalhotildees (taxeis)

cada um deles compondo uma unidade taacutetica autocircnoma (que

poderia ser empregada em conjunto obviamente) Tal ponto

de partida permite que o foco do estudo sejam as

subdivisotildees dos batalhotildees as quais assegurariam maiores

niacuteveis de flexibilidade nas manobras A unidade baacutesica de

infantaria na falange era a syntagma formada por 16 lochoi

de 16 homens77 Sob o comando do syntagmatarches o batalhatildeo

era capaz de executar manobras que exigiam intensivo

treinamento militar a exemplo da formaccedilatildeo em linha reta

obliacutequa ou crescente em seta ou em quadrado Aleacutem disso eacute

ainda provaacutevel que o lochos seja uma criaccedilatildeo de Filipe jaacute

que suas primeiras apariccedilotildees ocorrem na fase inicial da

carreira de Alexandre78

Diante da organizaccedilatildeo militar da falange a sarissa

(com aproximados 5 metros) representou a inovaccedilatildeo material

macedocircnica mais importante a qual fez da falange uma forccedila

frontalmente imbatiacutevel ateacute o surgimento da legiatildeo romana

Para explicar o efeito que uma tropa armada com a sarissa

provocaria no inimigo Griffith79 utilizou o seguinte

exemplo ldquonuma escala mais proacutexima era como a embarcaccedilatildeo

que atacava um oponente forccedilando-o a correr grandes riscos

antes de conseguir se aproximar e revidarrdquo

Em companhia agrave poderosa sarissa o falangista contava

com a pelte suspensa ateacute o pescoccedilo contrastando a pesada

aspis do hoplita poliacuteada A eficiecircncia do equipamento do

falangista residia na vantagem do primeiro choque dada

pelo uso da sarissa Embora natildeo fosse um soldado

77 O syntagma era uma unidade autocircnoma fixa em oposiccedilatildeo agraves eventuais

apariccedilotildees na histoacuteria poliacuteada 78 Arr Anab 210 [] ldquoἀλλὰ καὶ ἰλάρχας καὶ λοχαγοὺς ὀνομαστὶ καὶ τν ξένων τν μισθοφόρων []rdquo 79 Nicholas Hammond e Guy Griffith A History of Macedonia 550-336

(V2) Oxford Oxford University Press 1979 P421

45

pesadamente armado tal vantagem concedia aos macedocircnios

certa superioridade taacutetica frente aos demais exeacutercitos

gregos Como consequumlecircncia do aumento no tamanho da lanccedila o

elmo macedocircnico tornou-se bastante diverso daquele usado

pelo hoplita conhecido como ldquocoriacutentiordquo Ao contraacuterio do

hopliacutetico o elmo do falangista era menos caro de fabricar

e aberto na face Por fim quanto agraves grevas estas eram

usadas apenas nas primeiras fileiras

Existe uma questatildeo delicada em relaccedilatildeo ao falangista

que natildeo pode ser ignorada aqui embora jaacute seja consenso

entre os historiadores Transformando numa interrogaccedilatildeo

seria o falangista macedocircnico uma derivaccedilatildeo simples e

direta do peltasta traacutecio De fato Best80 em 1969

afirmou que ldquoseu equipamento [o do peltasta] eacute

caracterizado pela longa lanccedila (sarissa) e a pelterdquo

sugerindo abertamente que natildeo havia diferenccedila alguma no

equipamento do peltasta e do falangista Entretanto

gostaria de apresentar duas observaccedilotildees sobre tal hipoacutetese

A primeira delas segue o que foi proposto por Lendon81

De modo geral a partir do seacutecIV aC o termo peltasta

passou a indicar a infantaria levemente armada (sem a

pesada aspis) tendendo a uma generalizaccedilatildeo mais do que

propriamente agrave definiccedilatildeo exclusiva do soldado que portava a

pelte Natildeo seriam portanto ldquopeltastas macedocircniosrdquo mas

algo proacuteximo de ldquosemi-hoplitasrdquo82

A segunda estaacute de acordo com uma diferenccedila apresentada

por Hammond83 em relaccedilatildeo agrave lanccedila do peltasta traacutecio e a

sarissa a uacuteltima natildeo era definitivamente empregada

apenas com uma das matildeos assim como natildeo era usada para

80 Jan Best Thracian Peltasts and their influence on Greek Warfare

Groningen Wolters-Noordhoff 1969 81 Jon Lendon Soldiers and Ghosts A History of Battle in Classical

Antiquity New HavenLondon Yale University Press 2005 pp412-413 82 Embora algumas vezes Arriano se refira a eles como hoplitas a

exemplo de 11 83 Nicholas Hammond ldquoWhat may Philip have learnt as a hostage in

Thebesrdquo in GRBS 38 355-372 1997

46

arremesso diferenciando-se totalmente portanto da lanccedila

do peltasta Similares aos peltastas quanto ao peso de seu

equipamento os falangistas macedocircnios atuavam em campo de

batalha como hoplitas

Outra questatildeo relevante quanto ao equipamento do

falangista macedocircnio eacute a ausecircncia do peitoral Tal questatildeo

reflete no entanto mais os aspectos sociais e econocircmicos

de sua condiccedilatildeo do que propriamente uma caracteriacutestica

taacutetica De fato a Macedocircnia parece ter se organizado em

torno do ethos e natildeo da poacutelis o que impossibilitou o

surgimento do ldquoideal militar hopliacuteticordquo Com Filipe ou

talvez um pouco antes observamos a intervenccedilatildeo monaacuterquica

na concessatildeo do armamento e sendo a Macedocircnia ainda um

pequeno reino - portanto sem grandes recursos para a

guerra - eacute plausiacutevel que a sarissa arma que compensava a

ausecircncia do peitoral e da aspis tenha sido produto deste

contexto Qualquer tentativa de hierarquizaccedilatildeo ou

atribuiccedilatildeo de uma causa uacutenica para a explicaccedilatildeo do por que

a sarissa foi introduzida entre os macedocircnios seria um

equiacutevoco Sabemos que natildeo se trata unicamente do produto de

uma concepccedilatildeo taacutetica assim como natildeo podemos reduzir esta

inovaccedilatildeo agrave deficiecircncia econocircmica do reino A criaccedilatildeo de um

exeacutercito nacional por Filipe no entanto conferiu uma

unidade agraves regiotildees de fronteira forccedilando os dinastas

independentes a se unirem aos macedocircnios servindo como

aliados e tendo seus filhos muitas vezes como a proacutexima

geraccedilatildeo de comandantes em treinamento84

Por uacuteltimo aleacutem dos macedocircnios propriamente ditos

temos outras etnias compondo a infantaria de Filipe e

Alexandre ora como aliados ora como mercenaacuterios Embora

existam ainda distinccedilotildees claras entre ambas as condiccedilotildees

estas tenderatildeo a desaparecer na guerra heleniacutestica

84 Duncan Head Armies of the Macedonian and Punic Wars 359 BC to 146

BC organization tactics dress and weapons Sussex Wargames

research group 1982 P11

47

conforme mostrarei no capiacutetulo seguinte Infelizmente as

informaccedilotildees que nos chegaram sobre as tropas auxiliares do

exeacutercito macedocircnico natildeo explicam praticamente nada sobre

sua atuaccedilatildeo na guerra ou mesmo acerca de sua disposiccedilatildeo

geral exceto por algumas menccedilotildees na Anaacutebasis de Alexandre

O maior nuacutemero de informaccedilotildees sobre o exeacutercito macedocircnico

incide sem duacutevida sobre seus dois alicerces taacuteticos a

falange da qual apresentei uma breve anaacutelise e a

ldquoCavalaria dos Companheirosrdquo acerca da qual me ocuparei

mais agrave frente argumentando sobre a transformaccedilatildeo do papel

da cavalaria nas batalhas e de sua persistecircncia durante a

Guerra dos Diaacutedocos

48

22 A ldquoCavalaria dos Companheirosrdquo

Gostaria de iniciar este item com uma pequena mas

fundamental observaccedilatildeo sobre o ldquoEsquadratildeo Real dos

Companheirosrdquo (ἴλῃ βασιλικῆ ou algumas vezes ἄγημα85) Eacute

notaacutevel o acreacutescimo τν ἑταίρων a esta unidade de elite de

modo que a ldquoGuarda de Alexandrerdquo com exceccedilatildeo dos

hipaspistai passou a ser sinocircnimo de sua cavalaria

macedocircnica mesmo quando referida somente como ἄγημα mas

por que a condiccedilatildeo de cavaleiros lhes foi conferida

A resposta mais provaacutevel parece ser porque os reis

macedocircnios (e especialmente Alexandre) quase sempre

combatiam a cavalo como revela a insistecircncia de alguns

autores antigos em tentar posicionar Alexandre no comando

de sua cavalaria na batalha de Isso A ldquoGuarda Pessoalrdquo do

rei se tornou historicamente sinocircnimo de uma cavalaria de

elite a ldquoCavalaria dos Companheirosrdquo Esta forccedila de elite

cresceu bastante apoacutes Alexandre cruzar o Helesponto quando

7 esquadrotildees (ἰλας) foram acrescentados ao primeiro

original distinto dos demais apenas por sua procedecircncia (o

esquadratildeo real par excellence)86 Sabemos que formavam oito

esquadrotildees na batalha de Gaugamela 87 sendo que o

esquadratildeo real estava sob comando de Cleito o Negro e os

demais sob o comando de Filotas filho de Parmecircniordquo88

85 Arr Anab 25 31 38 86 ALG2 p154 87 Arr Anab 311-12 88 Aleacutem dos Companheiros temos outros 4 esquadrotildees de cavalaria

ligeira os ldquoscoutsrdquo (πρόδομοι) ou lanceiros (σαρισοφόροι) Brunt

(ldquoAlexander‟s Macedonian cavalryrdquo JHS 83 27-46 1963 Pp27-8)

recorda o debate entre Berve e Tarn acerca da procedecircncia eacutetnica

(macedocircnia para o primeiro e traacutecia para o segundo) desses quatro

esquadrotildees de lanceiros Brunt parece estar correto ao escolher a

versatildeo de Berve uma vez que no relato de Arriano (Anab 112 141 e

146 29 312 182 201 212) apenas os hipaspistai e os

regimentos de falange natildeo satildeo descritos como ldquomacedocircniosrdquo em oposiccedilatildeo

aos demais ldquocuidadosamente classificados como peocircnios mercenaacuterios ou

agrianos no mesmo contextordquo Entretanto natildeo penso que seja possiacutevel

dizer se apoacutes 329 aC quando os lanceiros desaparecem dos relatos

foram enviados de volta para casa ou incorporados aos Companheiros

49

Sendo a elite da cavalaria macedocircnica a qual era

empregada em pontos decisivos das taacuteticas executadas em

campo de batalha natildeo poderia existir em grande nuacutemero mas

seu papel em contrapartida natildeo deveria ser de

coadjuvantes quando entrassem em accedilatildeo Assim qual era o

nuacutemero dos cavaleiros que integravam os Companheiros de

Alexandre

Uma vez mais Tarn89 recorda que a discussatildeo em torno

do nuacutemero de cavaleiros que Alexandre tomou quando de sua

partida para a Aacutesia foi travada pela historiografia a

partir dos dados obtidos no relato de Diodoro90 e que

algumas das fontes utilizadas pelo historiador siciliano

natildeo permitiram a precisatildeo desejada com relaccedilatildeo agraves tropas

macedocircnicas A equivalecircncia do contingente disponiacutevel a

Alexandre e a Antiacutepatro (que o rei havia deixado como

representante na Europa) ambos com 12000 soldados de

infantaria (3000 hipaspistai e 9000 falangistas) eacute

incorreta senatildeo absurda91 A contagem das tropas montadas

a partir de Arriano se faz portanto necessaacuteria

Outro questionamento importante diz respeito agrave

organizaccedilatildeo da Cavalaria dos Companheiros Originalmente

recorda Brunt92 os Companheiros estavam divididos em ilas

mas a partir de 331 aC em Susa Alexandre formou dois

lochoi com cada ile que consequumlentemente passou a ser

comandada por lochagoi Esta alteraccedilatildeo era ineacutedita

conforme nos relata Arriano93 e representou o inchaccedilo no

nuacutemero dos Companheiros jaacute que as ilas natildeo mais

satisfaziam como divisatildeo das unidades Em contrapartida

apoacutes a execuccedilatildeo de Cleito o Negro (330 aC) surgiram as

89 ALG2 p 153 90 Diod 1717 91 Especialmente devido agrave duplicaccedilatildeo do nuacutemero de hipaspistai 92 Brunt opcit p28 93 Arr Anab 316

50

ipparchias94 e segundo Tarn

95 o proacuteprio Alexandre teria

assumido aquela pertencente a Cleito somando 4 esquadrotildees

sob seu comando e outros 4 sob Hefesto No entanto Tarn

pode ter se equivocado com o fato de que Alexandre teria

assumido o comando de uma ipparchia96

De acordo com Tarn o termo foi empregado apenas a

partir de 326 aC no Indo quando novos contingentes ndash

orientais - passaram a compor o exeacutercito de Alexandre As

menccedilotildees anteriores de Arriano agraves ipparchias seriam entatildeo

confusotildees e anacronismos de seu proacuteprio tempo Brunt por

outro lado chama a atenccedilatildeo para a coincidecircncia de dois

fatores os quais permitiriam uma compreensatildeo modificada

das ipparchias a desconfianccedila de Alexandre com relaccedilatildeo aos

seus principais oficiais e a divisatildeo da ldquoCavalaria dos

Companheirosrdquo nas novas unidades o que amenizaria a

possibilidade de motins (jaacute que estavam divididos e com

poderes reduzidos) concedendo-lhes em contrapartida um

tiacutetulo de bastante prestiacutegio antes pertencente apenas a um

ou dois oficiais Se Brunt97 estiver correto o surgimento

das ipparchias foi possivelmente anterior ao que Tarn

propocircs (de 326 aC para 328 aC) e a inserccedilatildeo de

orientais na Cavalaria dos Companheiros um fator

independente para a organizaccedilatildeo das novas unidades98

Por uacuteltimo cabe indagar sobre a relevacircncia desta

preocupaccedilatildeo com o crescimento do contingente dos

Companheiros (de um esquadratildeo para oito ao cruzar o

Helesponto em nuacutemero de 2000 em Gaugamela e divididos em

94 As ipparchias podem ter sido um novo nome para as ilai modificadas

pelo contexto explicado a seguir ou algo totalmente novo uma vez que

o termo substituiu outro plenamente consolidado na praacutetica militar

grega 95 ALG2 p 164 96 Brunt opcit p29-30 97 Brunt opcit p45 98 Sua inserccedilatildeo na Cavalaria dos Companheiros (provavelmente em 324)

certamente posterior a criaccedilatildeo das ipparchias tem muito a dizer

tambeacutem sobre a poliacutetica que Alexandre adotou com relaccedilatildeo aos assuntos

orientais

51

ipparchias quando da campanha na Iacutendia)99 O que exatamente

pode significar esta ampliaccedilatildeo e quais seus desdobramentos

no mundo heleniacutestico

A resposta reside na transformaccedilatildeo das funccedilotildees da

cavalaria em campo de batalha isto eacute a partir de

Alexandre o Grande (e de seu exeacutercito reformado) as tropas

montadas passaram definitivamente a desferir o ataque

principal legando aos falangistas o papel de forccedila de

apoio necessaacuteria mas sem caraacuteter decisivo ou por

princiacutepio ofensivo Tal caracteriacutestica da cavalaria

macedocircnica pode ser observada por exemplo na batalha de

Gaugamela quando o nuacutemero dos Companheiros foi elevado ao

maacuteximo e a taacutetica remodelada a partir da tradiccedilatildeo grega

ilustra a relevacircncia da decisatildeo pelas manobras das tropas

montadas

A modificaccedilatildeo de sua funccedilatildeo taacutetica veio acompanhada de

duas grandes inovaccedilotildees A primeira delas eacute a ldquoformaccedilatildeo em

setardquo que facilitava o rompimento da formaccedilatildeo inimiga pela

ampliaccedilatildeo da carga desferida se comparada agravequela executada

pela ldquoformaccedilatildeo em quadradordquo Basicamente ao manter os

olhos fixos no liacuteder posicionado agrave frente da formaccedilatildeo

cavaleiros organizados em seta eram capazes de romper com

uma formaccedilatildeo defensiva desferindo assim o golpe

principal100

A segunda delas diz respeito agrave exploraccedilatildeo dos espaccedilos

entre os batalhotildees de falangistas Como salientou Tarn101

apresentar ao inimigo um bloco coeso com diversas pontas de

lanccedila e manter esta formaccedilatildeo sem espaccedilos entre os batalhotildees

eram coisas completamente distintas A partir do momento em

que a cavalaria passou a desferir o golpe principal a

questatildeo dos espaccedilos se tornou de maacutexima importacircncia como

99 Algo em torno de 200 homens 100 Griffith opcit p414 101 William W Tarn Hellenistic Military and Naval Developments

Cambridge Cambridge University Press 1930 P13

52

pode ser visto em Gaugamela e no periacuteodo heleniacutestico em

Paraitakene (Eumenes versus Antiacutegono) Por uacuteltimo ainda

que natildeo seja cotada como uma inovaccedilatildeo das taacuteticas de

cavalaria o envolvimento pelo uso de tropas montadas se

tornou praacutetica comum entre os macedocircnios Numa batalha em

que ambos os comandantes tivessem disposto a cavalaria nas

alas a vitoacuteria dependeria abertamente da capacidade do

exeacutercito em manter seus flancos protegidos do envolvimento

inimigo Ainda que esta fosse uma praacutetica comum entre os

persas foi com os macedocircnios que ocorreu a combinaccedilatildeo do

ataque montado com o avanccedilo da falange frontalmente

impenetraacutevel exceto pelos espaccedilos abertos durante o avanccedilo

ou o ataque

53

CAPIacuteTULO 2 ndash OS DESENVOLVIMENTOS DA GUERRA

HELENIacuteSTICA NO TEMPO DOS DIAacuteDOCOS

1 Guerra como ofiacutecio as condiccedilotildees de serviccedilo e

os tipos de mercenaacuterio

11 Mercenariato profissionalizaccedilatildeo e crise econocircmica

Em 334 aC onze anos antes da morte de Alexandre

havia cerca de 20000 mercenaacuterios a serviccedilo do Grande Rei

Em 329 aC cinco anos mais tarde podemos contar

praticamente 50000 somente no lado macedocircnico102

O periacuteodo

heleniacutestico assistiu na sequumlecircncia ao aumento ligeiro do

nuacutemero de mercenaacuterios recrutados acompanhando os

requisitos das guerras constantes e cada vez menos

decisivas

De acordo com Parke103 autoridades contemporacircneas

(primeira metade do seacutecXX) concluiacuteram que as pressotildees

econocircmicas levaram a tal situaccedilatildeo o colapso da concepccedilatildeo

de dever militar ciacutevico e a emergecircncia do grande nuacutemero de

mercenaacuterios disponiacuteveis teriam sido ambos provocados pela

pobreza iminente das poacuteleis fruto do desastre da guerra

entre gregos no seacutecV aC O argumento do desgaste

econocircmico no mundo grego toma como principal fonte

Isoacutecrates notadamente a partir do momento em que a sua

preocupaccedilatildeo com as razotildees poliacuteticas do mercenariato104 (o

grande nuacutemero de cidadatildeos em exiacutelio essa ldquomassa de

fugitivos e exilados que estavam mais do que dispostos a

oferecer seus serviccedilos como mercenaacuteriosrdquo105

) cede lugar ao

relato dos problemas econocircmicos gregos106

102 Parke p198 103 Parke p228 104 Isoc Pan 64 e 168 105 Chaniotis WHW p80 106 Isoc 24 e 44

54

Entretanto ainda que os conflitos poliacuteticos e a

pressatildeo econocircmica possam ter estimulado grande nuacutemero de

cidadatildeos sem perspectiva a oferecer seus serviccedilos

militares as guerras constantes produziram um dos

principais fatores para o outro lado da moeda isto eacute o

recrutamento de mercenaacuterios a equivalecircncia entre oferta e

procura por soldados temporariamente pagos e que estivessem

dispostos a combater durante todo o tempo que o confronto

levasse natildeo importando as razotildees ciacutevicas (quando existiam)

pelas quais o sangue havia sido derramado

Haacute que se considerar ainda as diversas realidades de

recrutamento das tropas que compuseram os exeacutercitos dos

Diaacutedocos nem sempre vinculadas diretamente ao cenaacuterio de

crise das poacuteleis Este eacute o caso basicamente do

recrutamento das tropas provinciais muito mais conectadas

aos direitos do governante local em formar um exeacutercito a

partir das possibilidades oferecidas por sua satrapia do

que propriamente agrave pobreza ou exiacutelio de cidadatildeos gregos

Por isso a crise econocircmica grega natildeo pode ser vista

como instrumento de anaacutelise universal na explicaccedilatildeo do

mercenariato heleniacutestico uma vez que exclui as

particularidades das condiccedilotildees de recrutamento

especialmente no que respeita agrave tradiccedilatildeo asiaacutetica e

oferece respostas somente em relaccedilatildeo ao aumento da oferta

do serviccedilo mercenaacuterio grego A guerra contudo foi uma

constante no periacuteodo natildeo importando a regiatildeo e consolidou

de modo irreversiacutevel apesar das especificidades do

mercenarismo a relaccedilatildeo oferta-procura107

De fato o mundo

heleniacutestico foi marcado por certa ldquoonipresenccedila da guerrardquo

do modo como chamou Chaniotis considerando-se que tanto a

sua gecircnese (323 aC) quanto o seu fim (31 aC) foram o

resultado de conflitos armados do mesmo modo que

dificilmente se encontra alguma aacuterea que natildeo estivesse

107 Chaniotis WHW p80

55

direta ou indiretamente como em tantos outros momentos na

Antiguidade afetada pela guerra

O cenaacuterio de crise explica ao lado das condiccedilotildees

especiacuteficas de recrutamento e da ampliaccedilatildeo do quadro geral

das guerras o porquecirc da relaccedilatildeo oferta-procura ter se

fixado como sendo de grande relevacircncia no estudo da

misthotikeacute heleniacutestica mas natildeo basta todavia para

explicar o estreitamento dos laccedilos entre o cenaacuterio de

profissionalizaccedilatildeo crescente da guerra e o uso de tropas

mercenaacuterias

Noutras palavras a progressiva profissionalizaccedilatildeo no

interior dos exeacutercitos ciacutevicos gregos deve tambeacutem ser um

fator considerado particularmente ateacute o momento em que a

combinaccedilatildeo da guerra como ofiacutecio a ser aprendido e o

mercenarismo como condiccedilatildeo geral dos exeacutercitos heleniacutesticos

minimizou o impacto do sentimento ciacutevico em grande parte

dos soldados

Tal mapeamento explicaria numa perspectiva histoacuterica

natildeo soacute a funccedilatildeo dos ieroi lochoi e hipaspistai na

profissionalizaccedilatildeo da arte da guerra grega e em seus

desdobramentos heleniacutesticos como tambeacutem forneceria as

razotildees pelas quais os mercenaacuterios tecircm que ser tipificados

na medida do possiacutevel de acordo com o trabalho executado

Basicamente havia aqueles que se colocavam sob o comando

de um monarca tirano general ou cidade num espaccedilo curto

de tempo (durante uma campanha por exemplo) e aqueles que

serviam nos grandes exeacutercitos reais muitas das vezes de

modo permanente108

O primeiro tipo de mercenaacuterio era formado por soldados

que serviram por exemplo na campanha de Eumenes contra

108 Chaniotis WHW p79 Note que segundo Parke (p209) e Griffith

(p42) a divisatildeo das tropas nos exeacutercitos dos Diaacutedocos eacute feita a

partir de trecircs tipos os quais seratildeo analisados detalhadamente em

seguida os macedocircnios os mercenaacuterios (xenoi e misthophoroi) e as

tropas recrutadas nas satrapias (por vezes sintetizadas como

pantodapoi)

56

Antiacutegono De acordo com Diodoro apoacutes ter sido expulso da

Capadoacutecia

Eumenes selecionou os mais capazes [τοὺς εθετωτάτους] entre os seus amigos e dando-lhes grandes recursos os

incumbiu de contratar mercenaacuterios estabelecendo uma

margem alta de pagamento Alguns deles dirigiram-se

para a Pisiacutedia Liacutecia e regiotildees adjacentes []

Outros viajaram atraveacutes da Ciliacutecia Siacuteria e Feniacutecia

aleacutem de cidades em Chipre Uma vez que a notiacutecia do

recrutamento havia se espalhado rapidamente e que o

pagamento oferecido era digno de consideraccedilatildeo muitos

se apresentaram voluntariamente inclusive vindos da

Greacutecia e juntaram-se agrave campanha109

Neste caso ocorrido em 318 aC Eumenes incumbiu

xenologoi classificados por Diodoro como os mais capazes

entre os seus amigos de recrutar mercenaacuterios para apenas

uma campanha aquela a ser realizada contra Antiacutegono Em

pouco tempo levando-se em consideraccedilatildeo somente os

mercenaacuterios Eumenes contava com cerca de 10000 soldados

de infantaria e 2000 cavaleiros sem mencionar os receacutem-

chegados arguraspides sob o comando de Eumenes por ordem

dos reis110

Outro caso interessante de mercenaacuterios recrutados de

diversas regiotildees por um periacuteodo relativamente curto de

tempo teve lugar na campanha africana de Agaacutetocles quando

aproximadamente 3000 samnitas etruscos e celtas

apresentaram-se ao lado dos 3000 mercenaacuterios gregos sob a

lideranccedila de Agaacutetocles111 Diodoro

112 relata a existecircncia de

motins entre os homens por falta do pagamento que lhes era

devido (ἀπῄτουν δὲ καὶ τοὺς μισθοὺς τοὺς ὀφειλομένους) assim como

109 Diod 1861 ldquoπροχειρισάμενος δὲ τν φίλων τοὺς εθετωτάτους καὶ δοὺς χρήματα δαψιλ πρὸς τὴν ξενολογίαν ἐξέπεμψεν ὁρίσας ἀξιολόγους μισθούς εθὺς δ οἱ μὲν εἰς τὴν Πισιδικὴν καὶ Λυκίαν καὶ τὴν πλησιόχωρον παρελθόντες ἐξενολόγουν ἐπιμελς οἱ δὲ τὴν Κιλικίαν ἐπεπορεύοντο ἄλλοι δὲ τὴν Κοίλην Συρίαν καὶ Φοινίκην τινὲς δὲ τὰς ἐν τῆ Κύπρῳ πόλεις διαβοηθείσης δὲ τς ξενολογίας καὶ τς μισθοφορᾶς ἀξιολόγου προκειμένης πολλοὶ καὶ ἐκ τν τς λλάδος πόλεων ἐθελοντὶ κατήντων καὶ πρὸς τὴν στρατείαν ἀπεγράφοντοrdquo 110 Diod 1859 111 Diod 2011 Ver Capiacutetulo 3 112 Diod 2034

57

possiacuteveis deserccedilotildees para o lado dos cartagineses o que

ilustra a dificuldade em manter coeso um grupo mercenaacuterio

em situaccedilatildeo de escassez ou mesmo irregularidade no

pagamento Em se tratando de tropas com as quais natildeo era

partilhado tempo consideraacutevel de vida militar as revoltas

deveriam ser ainda mais frequumlentes como ilustrado no

exemplo africano

O segundo tipo de mercenaacuterio era aquele desdobrado dos

grupos profissionais de elite surgidos no interior dos

exeacutercitos ciacutevicos gregos Antes da explosatildeo do serviccedilo

mercenaacuterio no fim da campanha de Alexandre o primeiro

passo quanto agrave profissionalizaccedilatildeo dos exeacutercitos gregos foi

dado com os espartanos ainda no periacuteodo claacutessico De fato

os hoplitas de Esparta formavam o uacutenico corpo ciacutevico

profissional de todo o mundo poliacuteada Seguindo o modelo

hopliacutetico profissional diversas outras cidades formaram

unidades profissionais de elite os ieroi lochoi que por

vezes desempenhavam funccedilatildeo taacutetica proeminente Um dos

melhores exemplos eacute o corpo de infantaria de elite tebano

cuja importacircncia na vitoacuteria sobre os espartanos em Leuctra

pode ser observada em mais detalhes no primeiro capiacutetulo

O exeacutercito reformado macedocircnico teve seu equivalente

com os hipaspistai tipo de versatildeo macedocircnica dos

ldquobatalhotildees sagradosrdquo poliacuteadas Nos primeiros anos do

periacuteodo heleniacutestico sob o nome de arguraspides estes

veteranos de Alexandre permaneceram vinculados agrave casa real

apesar de receberem propostas por parte de Ptolomeu e

depois Antiacutegono113 Tal recusa os levou ao campo de batalha

contra o general mais poderoso daquele tempo sob o comando

de Eumenes de Caacuterdia strategos pelo qual tinham pouco

apreccedilo talvez devido a sua origem eacutetnica114 Em seguida agrave

derrota de Eumenes Antiacutegono trucidou todos aqueles que

113 Diod 1862 114 Eumenes era o uacutenico general traacutecio do exeacutercito de Alexandre

58

haviam sido hostis a ele queimando vivo Antiacutegenes o

comandante dos arguraspides apoacutes tecirc-lo arremessado numa

fossa115

Apesar da histoacuteria de lealdade dos arguraspides agrave casa

real os mercenaacuterios ligados diretamente a certa dinastia

de modo mais ou menos permanente natildeo eram necessariamente

mais leais que os outros Esta natildeo deve ser sequer a

questatildeo central no estudo da misthotikeacute heleniacutestica Antes

de desdobrar este argumento note-se por exemplo o caso

dos egiacutepcios de Ptolomeu

Com sua primeira apariccedilatildeo no exeacutercito ptolomaico em 312

aC ao menos em expediccedilatildeo fora dos limites territoriais

do Egito os nativos africanos apresentaram-se armados e

aptos para a batalha (τὸ δὲ καθωπλισμένον καὶ πρὸς μάχην χρήσιμον)116

ainda que no primeiro momento natildeo estivessem trajados como

macedocircnios117

Representavam claramente outro tipo de

mercenaacuterio diferente daquele recrutado temporariamente e

sem viacutenculos com o governante da regiatildeo de onde provinham

Estavam ligados ao seu contratante como no caso dos

arguraspides por um viacutenculo mais ou menos permanente e em

breve dinaacutestico Contudo obrigaccedilotildees de ofiacutecio e lealdade

incondicional eram coisas bem distintas apoacutes a vitoacuteria de

Demeacutetrio sobre Ptolomeu em Chipre em 307 aC

praticamente todo o exeacutercito de mercenaacuterios egiacutepcios (cerca

de 16000 soldados de infantaria e 600 cavaleiros) foi

incorporado agraves forccedilas antigocircnidas118 o que vincula os

mercenaacuterios deste tipo assim como os do primeiro tipo

mais agrave consolidaccedilatildeo da concepccedilatildeo de guerra como ofiacutecio a

115 Diod 1944 116 Diod 1980 117 O argumento encontra suporte no fato de que o termo ldquomacedocircniordquo

conforme seraacute explicado no item 31 passou a significar qualquer tipo

de infantaria armada com equipamento macedocircnico aleacutem do fato da

existecircncia do termo οἱ Μακεδόνες na mesma sentenccedila em que figura Αἰγυπτίων δὲ πλθος sugerir outro tipo de armamento e formaccedilatildeo para estes

ldquoegiacutepcios em grande nuacutemerordquo 118 Diod 2053

59

ser aprendido do que propriamente agrave lealdade devida a algum

general rei ou dinastia embora tropas com vida militar

partilhada tendam a incorporar valores como a obediecircncia

acentuada a certa lideranccedila (como no caso dos

arguraspides)

60

12 Mercenariato basileia e doriktetos chora

Conforme mencionado antes o poder monaacuterquico

heleniacutestico desempenhou papel central na promoccedilatildeo desta

nova concepccedilatildeo de guerra levada adiante pelo impulso

imperialista tiacutepico dos reis cujo poder natildeo era herdado

esquematicamente a basileia era algo a ser conquistado

Gruen119

e Chaniotis120 notaram o que podemos chamar de

inversatildeo da loacutegica hereditaacuteria na disposiccedilatildeo da monarquia

heleniacutestica se Alexandre Magno reivindicou seu direito ao

trono como direito de sangue seus generais de Antiacutegono a

Cassandro121

adotaram o tiacutetulo de rei baseados unicamente

em suas conquistas militares isto eacute fundamentados pelo

princiacutepio da doriktetos chora

Haacute dois documentos importantes que tratam deste

fundamento do poder real heleniacutestico O primeiro deles

pertence agrave compilaccedilatildeo bizantina Suda particularmente a

definiccedilatildeo de monarquia Seguindo a traduccedilatildeo feita por

Austin

Ascendecircncia (natureza) e legitimidade (justiccedila) natildeo datildeo

reinos aos homens mas sim a habilidade em comandar um

exeacutercito e em lidar com os problemas de modo

competente Este era o caso de Filipe e dos Sucessores

de Alexandre O filho bioloacutegico de Alexandre natildeo foi de

modo algum ajudado pela consanguumlinidade devido a sua

fraqueza de espiacuterito enquanto aqueles que natildeo tinham

ligaccedilatildeo alguma com Alexandre tornaram-se reis de quase

todo o mundo conhecido122

Do mesmo modo em resposta agrave proclamaccedilatildeo de Demeacutetrio

como basileu por seu pai123

previamente feito rei por seus

amigos (Ἀντίγονον μὲν οὖν εθὺς ἀνέδησαν οἱ φίλοι) os seguidores de

Ptolomeu I o igualaram aos dois primeiros em tiacutetulo na

119 Gruen op cit pp253-271 120 Chaniotis WHW p57 121 Nomeadamente Antiacutegono Demeacutetrio Ptolomeu Seleuco Lisiacutemaco e

Cassadro 122

Austin n 45 123 Plut Dem 18

61

tentativa de dispersar a impressatildeo de que sua derrota havia

abalado tambeacutem o seu poder Plutarco124 acrescenta ainda

que tal praacutetica natildeo significava meramente a mudanccedila de nome

(ὀνόματος) e aparecircncia (σχήματος) mas removia o espiacuterito dos

homens (τὰ φρονήματα τν ἀνδρν ἐκίνησε) e ampliava suas ambiccedilotildees

(τὰς γνώμας ἐπρε)125 cabe acrescentar ambiccedilotildees militares

Tanto a coroaccedilatildeo de Antiacutegono quanto a resposta de Ptolomeu

agrave extensatildeo do poder monaacuterquico a Demeacutetrio foram claramente

baseadas em conquistas militares Assim o convite agrave

conquista militar em maior ou menor escala era um dos

traccedilos da basileia de tipo heleniacutestico assim como a base a

partir da qual toda a sua estrutura fora erigida

Diferentemente da Macedocircnia de Filipe e Alexandre o

exeacutercito natildeo era mais a uacutenica fonte de confirmaccedilatildeo do poder

real do mesmo modo que a monarquia havia atingido

proporccedilotildees diferentes daquelas do tempo da batalha de

Queroneacuteia126

Contudo o exeacutercito continuou a ser o

instrumento pelo qual os monarcas construiacuteam o direito ao

uso do diadema estando as funccedilotildees de comando cada vez mais

ligadas agrave lideranccedila de hordas inteiras de mercenaacuterios

recrutados das mais variadas regiotildees do mundo e

didaticamente enquadrados nos dois tipos apresentados neste

capiacutetulo

O abandono de valores considerados inatos para os

gregos no periacuteodo claacutessico a exemplo da coragem (ἀνδρία) e

da excelecircncia (ἀρετή) ao lado da crescente significaccedilatildeo da

guerra como ofiacutecio (τέχνη) foi inicialmente proposto por

Lendon127 como explicaccedilatildeo para a existecircncia do grande nuacutemero

124 Plut Dem 18 125 Literalmente ldquoaumentava seus pensamentosrdquo 126 Ainda Austin n44 ldquo[] aqueles que natildeo tinham qualquer conexatildeo

com Alexandre se tornaram reis de quase todo o mundo habitadordquo 127 Jon Lendon ldquoWar and societyrdquo In Philip Sabin Hans Wees Michael

Whitby The Cambridge History of Greek and Roman Warfare Cambridge

Cambridge University Press 2007 Pp498-516

62

de mercenaacuterios que serviram nos exeacutercitos dos reis

heleniacutesticos

No periacuteodo claacutessico a condiccedilatildeo poliacutetica do soldado-

cidadatildeo assegurar-lhe-ia de acordo com o pensamento grego

certa superioridade em combate Como observado por

Sidebottom128

o contraste presente em Os Persas de

Eacutesquilo ilustra tal postura a partir da negaccedilatildeo dos

baacuterbaros como soldados que combatiam por sua liberdade

Note-se por exemplo o conhecido diaacutelogo entre a Rainha

Matildee Persa e o Coro de homens velhos

Rainha Eles tecircm um rico suprimento de homens

combativos

Coro Eles tecircm soldados que uma vez golpearam os

exeacutercitos persas com um terriacutevel ataque

Rainha Satildeo eles habilidosos em arqueria

Coro Natildeo de forma alguma eles carregam escudos

corpulentos e lutam ombro a ombro com lanccedilas

Rainha E quem os lidera A qual mestre suas fileiras

obedecem

Coro Mestre Eles natildeo satildeo conhecidos como servos

Rainha E eles podem sem mestre resistir agrave invasatildeo

Coro Sim O vasto e nobre exeacutercito de Dario foi por

eles destruiacutedo129

No periacuteodo heleniacutestico entretanto a exaltaccedilatildeo de

valores inatos ao hoplita poliacuteada masterless e capaz de

vencer os persas por duas vezes consecutivas (apesar da

inabilidade em arqueria) cedeu lugar agraves vantagens

oferecidas pelo treinamento militar profissional mesmo que

as tropas treinadas fossem formadas por homicidas

(ἀνδροφόνοι) mutiladores (παρασχίσται) ladrotildees (λωποδύται) e

arrombadores de casas (τοιχωρύχοι)130 Os exeacutercitos poliacuteadas

natildeo eram capazes de fornecer recursos humanos ilimitados

aleacutem disso a tiacutepica batalha decisiva do periacuteodo claacutessico

cedeu lugar aos conflitos constantes e de larga escala

128 Harry Sidebottom Ancient warfare a very short introduction

Oxford Oxford University Press 2004 P6 129 Traduccedilatildeo tomada de Sidebottom opcit Pp6-7 130 Poliacutebio 136 ldquoοὗτοι δ ἦσαν ἀνδροφόνοι καὶ παρασχίσται λωποδύται τοιχωρύχοιrdquo

63

travados ao longo da disputa pela partilha do impeacuterio A

passagem em Diodoro sobre as vantagens no uso dos

mercenaacuterios ilustra claramente esta mudanccedila principalmente

quando o historiador siciliano se refere ao fato de que ldquoos

empregadores trazem consigo sem grandes custos homens

para lutar em seu nomerdquo e que no caso dos mercenaacuterios

ldquoainda que sejam por muitas vezes derrotados os

empregadores manteacutem suas forccedilas intactas durante o tempo

que durar o dinheirordquo131

Levados adiante pelo impulso imperialista das

monarquias heleniacutesticas assim como pela elevaccedilatildeo da

techneacute os mercenaacuterios preencheram os exeacutercitos dos

Diaacutedocos de uma forma jamais vista dando suporte agrave

ideologia dos generais que passaram a usar o diadema como

um dos siacutembolos de sua realeza militar

131 Diod 296

64

2 Os exeacutercitos dos Diaacutedocos

Como observou Parke132

a permanecircncia dos mercenaacuterios

nos exeacutercitos heleniacutesticos dificultou sua identificaccedilatildeo

pelos historiadores uma vez que a reduccedilatildeo das tropas ao

tipo profissional fez com que os autores antigos

frequumlentemente deixassem de lado a distinccedilatildeo entre

mercenaacuterios e soldados recrutados por direito do

governante Pode-se dizer que as tropas advindas das

satrapias eram de outro tipo se comparadas agravequelas

recrutadas mediante pagamento mas esta suposiccedilatildeo estaacute

baseada apenas na praacutetica dos saacutetrapas persas durante o

periacuteodo claacutessico De fato as condiccedilotildees de oferta e procura

no mundo asiaacutetico natildeo eram nada parecidas com as do mundo

grego propriamente dito dadas as diferenccedilas das tradiccedilotildees

poliacuteticas mas a assimilaccedilatildeo de exeacutercitos inimigos inteiros

por parte de comandantes vitoriosos indica quanto ao

serviccedilo prestado uma distinccedilatildeo apenas no recrutamento

inicial133

Outra inovaccedilatildeo importante ocorrida no periacuteodo

heleniacutestico eacute a utilizaccedilatildeo dos elefantes de combate haacute

muito conhecidos pelos asiaacuteticos e introduzidos na arte da

guerra grega somente apoacutes a morte de Alexandre Apesar de

seu emprego tardio os paquidermes mostraram-se definitivos

ou ao menos desejaacuteveis nos exeacutercitos heleniacutesticos ateacute a

ascensatildeo da legiatildeo romana quando suas implicaccedilotildees

logiacutesticas fizeram-se mais presentes134 Se os generais

heleniacutesticos consideravam os elefantes decisivos num

confronto aberto eles o fizeram por um motivo razoaacutevel de

132 Parke p208 133 Por exemplo a ξενολογία (recrutamento de tropas mercenaacuterias)

executada por Eumenes tal qual relatada em Diod 1861 134 Por exemplo a dificuldade no emprego de elefantes na Siciacutelia

durante a campanha piacuterrica

65

modo que o seu emprego transformou significativamente a

arte da guerra heleniacutestica

66

21 Macedocircnios xenoi misthophoroi e pantodapoi

Durante as Guerras dos Diaacutedocos ao lado dos mercenaacuterios

conhecidos desde a campanha de Alexandre (agrianos

traacutecios tessaacutelios cretenses entre outros) os macedocircnios

desempenharam uma funccedilatildeo de grande importacircncia na

composiccedilatildeo dos exeacutercitos heleniacutesticos A falange

representava a forccedila de apoio tornando-se responsaacutevel em

boa medida pela manutenccedilatildeo do centro da formaccedilatildeo ao passo

que a cavalaria e os elefantes de combate (quando

disponiacuteveis) realizavam a ofensiva nas alas e procuravam

decidir a peleja

Conforme veremos adiante apoacutes desferir um ataque

inesperado ao espaccedilo aberto pela marcha irregular da

infantaria de Eumenes Antiacutegono conseguiu na batalha de

Paraitacene (317 aC) alinhar novamente a sua falange ao

peacute do monte para onde os soldados haviam se retirado

reestruturando boa parte da linha defensiva de seu

exeacutercito Neste caso a reorganizaccedilatildeo da infantaria

macedocircnica em campo de batalha teria assegurado por um

lado a vitoacuteria do comandante aparentemente derrotado e

por outro devido agrave irregularidade da marcha dos infantes

inimigos a derrota daquele que pensava ter vencido o

confronto135

Sendo os macedocircnios de reconhecida importacircncia nos

primeiros 20 anos subsequentes agrave morte de Alexandre o

questionamento sobre a multiplicaccedilatildeo de suas apariccedilotildees no

relato de Diodoro se faz necessaacuterio Por que razatildeo as

referecircncias a eles aumentaram no periacuteodo de divisatildeo das

chamadas ldquotropas nacionaisrdquo entre os generais de Alexandre

o que forccedilosamente teria reduzido o seu nuacutemero em cada um

dos exeacutercitos que lutavam entre si pela supremacia militar

135 Diod 1930

67

Griffith136 e Launey

137 apresentam explicaccedilotildees idecircnticas

para tal evento Em primeiro lugar dada a impossibilidade

dos nuacutemeros apresentados por Diodoro138

para as tropas

macedocircnicas o ponto de partida se torna a valoraccedilatildeo

teacutecnica adquirida por makedon no seacutecIII aC

especialmente no Egito ou seja o termo deixou de ser ldquouma

garantia de proveniecircncia geograacuteficardquo139 e passou a designar

unicamente um ldquocavaleiro ou soldado de infantaria

pesadamente armados segundo as tradiccedilotildees macedocircnicasrdquo140

Notamos entatildeo a fusatildeo da referecircncia eacutetnica com a

valoraccedilatildeo teacutecnica do termo makedon o que por vezes torna

impossiacutevel a delimitaccedilatildeo dos batalhotildees formados unicamente

por veteranos de Alexandre ou novos macedocircnios exceto

quando os primeiros satildeo mencionados como arguraspides em

contraposiccedilatildeo agravequeles provenientes das satrapias e armados

com equipamento macedocircnico

Outras referecircncias relevantes nos exeacutercitos

heleniacutesticos satildeo os mercenaacuterios gregos propriamente ditos

conhecidos como xenoi os misthophoroi e as tropas

asiaacuteticas ou pantodapoi recrutadas nas proviacutencias e

listadas entre os demais soldados servindo ora como

cavaleiros e arqueiros ora como infantaria de pouca

utilidade se comparada agravequela dos mercenaacuterios gregos

Deve-se observar ainda que estas natildeo satildeo categorias

necessariamente excludentes uma vez que encontramos por

exemplo em Diodoro141

ldquopantodapoi armados com equipamento

macedocircnicordquo o que sugere uma possibilidade dupla de

tratamento Apenas os xenoi se diferenciam claramente dos

misthophoroi ambos podem ser traduzidos como mercenaacuterios

136 Griffith p41 137 Marcel Launey Recherches sur les armeacutees helleacutenistiques Paris

Boccard 1949 2 vols Vol1 Pp290-93 138 Diod 1830 139 Launey opcit p290 140 Launey opcit p293 141 Diod 1914 ldquo[hellip] τοὺς δὲ εἰς τὴν Μακεδονικὴν τάξιν καθωπλισμένους παντοδαποὺς []rdquo

68

mas os primeiros satildeo quase sempre dispostos como infantaria

pesada (na linha de frente) enquanto os uacuteltimos fazem

referecircncia agraves tropas levemente armadas e constituiacutedas por

pantodapoi ou tropas asiaacuteticas com origem eacutetnica bem

definida

Vejamos a organizaccedilatildeo do exeacutercito de Antiacutegono em 317

aC de acordo com Diodoro142 num trecho esclarecedor

quanto agrave temaacutetica em questatildeo

Quanto agrave infantaria mais de nove mil mercenaacuterios [οἱ ξένοι] foram dispostos agrave frente proacuteximo a eles [foram dispostos] trecircs mil liacutecios e panfiacutelios e em seguida

mais de oito mil tropas mistas armadas com equipamento

macedocircnico [παντοδαποὶ δ εἰς τὰ Μακεδονικὰ καθωπλισμένοι] [] Agrave frente dos cavaleiros na ala direita adjacente agrave

falange eram 500 mercenaacuterios de origem mista [μισθοφόροι παντοδαποὶ] []

Haacute dois tipos de mercenaacuterios na passagem acima Os

primeiros em nuacutemero de 9000 eram claramente soldados de

infantaria pesadamente armados hoplitas mercenaacuterios Os

uacuteltimos dispostos como cavaleiros eram tambeacutem tropas

mercenaacuterias mas de uma categoria diferente natildeo soacute por

combaterem a cavalo mas por serem asiaacuteticos Noutras

palavras mercenaacuterios asiaacuteticos satildeo tatildeo mercenaacuterios quanto

os que advecircm da Greacutecia poreacutem a distinccedilatildeo estabelecida pelo

uso dos dois termos deve ser notada ainda que natildeo possamos

mensurar qualquer diferenccedila no tratamento dado a ambos por

parte do empregador

Os pantodapoi satildeo comumente citados por Diodoro como

exposto e em diversos momentos analisados ao longo do

capiacutetulo mas a sua participaccedilatildeo em batalha natildeo tem

destaque na narrativa do historiador siciliano da mesma

142 Diod 1929 ldquoτν δὲ πεζν πρτοι μὲν ἐτάχθησαν οἱ ξένοι πλείους ὄντες τν ἐννακισχιλίων μετὰ δὲ τούτους Λύκιοι καὶ Παμφύλιοι τρισχίλιοι παντοδαποὶ δ εἰς τὰ Μακεδονικὰ καθωπλισμένοι πλείους τν ὀκτακισχιλίων ἐπὶ πᾶσι δὲ Μακεδόνες ο πολὺ ἐλάττους τν ὀκτακισχιλίων []τν δ ἱππέων πρτοι μὲν ἦσαν ἐπὶ τοῦ δεξιοῦ κέρατος συνάπτοντες τῆ φάλαγγι μισθοφόροι παντοδαποὶ πεντακόσιοι []rdquo

69

forma que os mercenaacuterios no relato de Arriano sobre a

campanha de Alexandre As tropas de origem eacutetnica exata

por sua vez natildeo constituiacuteram uma exceccedilatildeo a essa regra a

natildeo ser por apariccedilotildees raacutepidas e escassas mas por vezes

determinantes como no caso dos capadoacutecios143

143 Notadamente no embate entre Eumenes e Craacutetero

70

22 Os elefantes de combate

Tomarei como ponto de partida para a investigaccedilatildeo

detalhada acerca dos elefantes de combate e de seu papel na

arte da guerra heleniacutestica o primeiro embate seacuterio entre os

paquidermes e a infantaria macedocircnica ainda que tal

encontro tenha ocorrido momentos antes do iniacutecio oficial da

eacutepoca heleniacutestica em 323 aC

Na batalha do Hidaspes (326 aC)144 Poro dispocircs seus

elefantes (cerca de 200) agrave frente da infantaria na

primeira linha de combate segundo Arriano145 com

intervalos de aproximados 30 metros (διέχοντα ἐλέφαντα ἐλέφαντος ο

μεῖον πλέθρου) impedindo que a cavalaria de Alexandre

aterrorizada pudesse se aproximar146 A infantaria indiana

(30000) seguia para as alas com tropas montadas

encerrando a formaccedilatildeo (2000) em ambos os flancos Por

uacuteltimo carros de guerra (300) estavam posicionados agrave

frente da cavalaria sendo esta a organizaccedilatildeo geral das

tropas de Poro para a batalha Em contrapartida Alexandre

concentrou a cavalaria (5500) na ala direita onde

normalmente os Companheiros combatiam com a intenccedilatildeo de

forccedilar uma alteraccedilatildeo na formaccedilatildeo da cavalaria indiana

assim como atacaacute-la por completo em sua ala esquerda As

duas iparquias sob o comando de Coeno foram enviadas sobre

a direita inimiga no momento em que esta realizou a

inversatildeo pela qual Alexandre esperava147 Aos soldados da

144 Os elefantes jaacute haviam sido utilizados pelos persas em Gaugamela

(Arr Anab 311 ldquoοἱ δὲ ἐλέφαντες ἔστησαν κατὰ τὴν Δαρείου ἴλην τὴν βασιλικὴν []rdquo mas natildeo despenharam papel relevante na batalha 145 Arr Anab 515 146 Arr Anab 515 ldquoὡς πρὸ πάσης τε τς φάλαγγος τν πεζν παραταθναι ατῶ τοὺς ἐλέφαντας ἐπὶ μετώπου καὶ φόβον πάντῃ παρέχειν τοῖς ἀμφ Ἀλέξανδρον ἱππεῦσινrdquo 147 Arr 516 ldquoΚοῖνον δὲ πέμπει ὡς ἐπὶ τὸ δεξιόν []rdquo Afinal ldquopara a direita de Alexandre ou contra a direita inimigardquo A questatildeo colocada por

Brunt tradutor de Arriano na ediccedilatildeo Loeb destaca uma grande confusatildeo

na interpretaccedilatildeo acerca do posicionamento das tropas em Hidaspes As

palavras iniciais (Κοῖνον δὲ πέμπει ὡς ἐπὶ τὸ δεξιόν) tecircm sido interpretadas na melhor discussatildeo sobre o assunto um artigo de Hamilton de trecircs

formas distintas (1) para a direita de Alexandre (2) em direccedilatildeo agrave

direita indiana como uma ldquofintardquo (3) contra a direita indiana em

forma de ataque Aqui adotei a segunda interpretaccedilatildeo devido agrave maneira

71

infantaria (15000)148

Alexandre ordenou que avanccedilassem

somente quando os cavaleiros indianos fossem postos em

confusatildeo contra seu proacuteprio exeacutercito149 Quanto aos

cavaleiros arqueiros estes foram uacuteteis para o ataque de

longa distacircncia causando baixas na ala esquerda inimiga

um pouco mais ao centro do local que Alexandre pretendia

atacar

Assim que a cavalaria indiana investiu contra os

Companheiros e o regimento de Dahae (recrutado na Aacutesia e

utilizado pela primeira vez no exeacutercito de Alexandre)

Coeno realizou o que lhe fora ordenado e atacou as tropas

montadas de Poro pelo flanco destruindo sua formaccedilatildeo numa

manobra compressora150 provavelmente apoacutes ter acompanhado a

inversatildeo das tropas de Poro Parte dos cavaleiros indianos

entatildeo partiu desordenada em direccedilatildeo aos elefantes

exatamente no momento em que a infantaria macedocircnica

iniciou o seu avanccedilo Segundo Arriano ldquoa proacutepria falange

macedocircnicardquo (ἡ φάλαγξ ατὴ τν Μακεδόνων) arremessou diversos

dardos contra os condutores dos elefantes e ldquoformando um

anel em torno dos animais descarregou dardos por todos os

ladosrdquo151

A partir deste ponto os paquidermes avanccedilaram em

direccedilatildeo agrave infantaria e comeccedilaram a devastar (ἐκεράϊζε) toda a

como a batalha se desenrolou isto eacute o caminho mais provaacutevel para uma

compressatildeo da cavalaria indiana por Alexandre e Coeno era a

perseguiccedilatildeo das tropas indianas durante uma inversatildeo da ala direita

para a esquerda Para uma discussatildeo completa a respeito da formaccedilatildeo

indiana consultar J R Hamilton ldquoThe Cavalry Battle at the

Hydaspesrdquo in JHS 76 27-28 1956 148 Richard D Milns Alexander the Great London Robert Hale 1968

P211 149 Arr Anab 516 150 Arr Anab 517 151 Arr Anab 517 ldquoἔς τε τοὺς ἐπιβάτας ατν ἀκοντίζοντες καὶ ατὰ τὰ θηρία περισταδὸν πάντοθεν βάλλοντεςrdquo Ora a falange natildeo possuiacutea mobilidade

suficiente para executar tal ldquoanelrdquo muito menos os falangistas

carregavam dardos Trata-se evidentemente de um equiacutevoco de Arriano

Cuacutercio (1424) refere-se aos agrianos e traacutecios o que soa mais

provaacutevel ainda que a reconstruccedilatildeo da formaccedilatildeo macedocircnica a partir

desta informaccedilatildeo natildeo seja possiacutevel a menos que se admita apenas que

ambas as tropas levemente armadas estavam dispostas desde o iniacutecio do

embate agrave frente da falange

72

falange Os cavaleiros macedocircnios enquanto isso ocorria

formaram um soacute esquadratildeo e empurraram de volta o restante

da cavalaria indiana contra os elefantes o que ocasionou

uma verdadeira carnificina seja pela morte dos condutores

ou pela simples confusatildeo da situaccedilatildeo Boa parte dos

indianos recuou por entre os elefantes enquanto recebiam

os duros golpes de sua proacutepria maacutequina de guerra152

Alexandre entatildeo ordenou o avanccedilo da falange a qual

deveria adotar a formaccedilatildeo mais compacta possiacutevel Os

indianos jaacute natildeo contavam com sua cavalaria e a infantaria

era incapaz de deter o ataque das tropas montadas de

Alexandre que os cercaram por todos os lados

Como observou Milns a vitoacuteria sobre os indianos no

Hidaspes ldquofoi a uacuteltima grande batalha que Alexandre travou

e diriam alguns historiadores a sua melhorrdquo153 De fato

Alexandre reverteu o impacto ndash ou parte dele ndash causado pela

melhor arma do exeacutercito indiano o elefante Contudo

existe outra questatildeo que natildeo tem relaccedilatildeo direta com o

gecircnio militar do rei macedocircnio mas sim com a emergecircncia

desta nova ldquomaacutequina de guerrardquo como integrante (e por vezes

siacutembolo) dos exeacutercitos heleniacutesticos

De um lado a batalha do Hidaspes ilustra como o

ineditismo no combate aos elefantes (por parte dos

ocidentais) provocou um terriacutevel efeito psicoloacutegico nos

macedocircnios especialmente nos anos que se seguiram agrave

batalha De outro mostra que a emergecircncia do elefante na

guerra heleniacutestica foi acompanhada de um paradoxo advindo

do uso de uma arma poderosa mas incapaz de distinguir

aliados de inimigos aleacutem de ser bastante complicada do

ponto de vista logiacutestico

Noutras palavras considerar os fracassos e sucessos

dos elefantes em campos de batalha heleniacutesticos deve partir

152 Arr Anab 517 153 Milns opcit p215

73

de uma premissa baacutesica bem ou mal-sucedidos nos

confrontos os paquidermes constituiacuteram um ldquopesadelo

administrativordquo o que coloca as condiccedilotildees necessaacuterias ao

seu uso de um lado da balanccedila e os resultados obtidos caso

tais condiccedilotildees pudessem ser alcanccediladas do outro

Problemas relativos ao atraso da marcha do exeacutercito devido

agrave lentidatildeo dos elefantes devem ter sido uma constante no

rol dos inconvenientes quanto ao abastecimento das tropas

antigas Diodoro nos fornece um importante relato sobre

essa questatildeo quando menciona o afastamento dos paquidermes

em relaccedilatildeo aos demais homens de Eumenes o que resultou na

sua vulnerabilidade154 e consequumlente enfraquecimento parcial

do exeacutercito Fica evidente que natildeo fosse a manobra

executada pelo comandante dos elefantes que liderou os

paquidermes ldquoem quadradordquo (οἱ τν ἐλεφάντων ἡγεμόνες τάξαντες εἰς

πλινθίον τὰ θηρία προγον) dispondo o suprimento no centro da

formaccedilatildeo e o pequeno nuacutemero de cavaleiros que os

acompanhava na retaguarda155

os retardataacuterios teriam sido

todos facilmente aniquilados pela investida de Antiacutegono

Por uacuteltimo haacute ainda que se destacar as diferenccedilas

entre os elefantes africanos e indianos quanto aos seus

usos militares Durante bastante tempo acreditou-se que os

elefantes africanos eram inferiores aos indianos afirmaccedilatildeo

originada no relato de Cteacutesias em sua obra sobre uma Iacutendia

exoacutetica e de fartura156 O criteacuterio adotado por ele (e

reproduzido por diversos autores antigos) foi unicamente a

produccedilatildeo de alimentos o que insatisfatoriamente resume o

problema a uma uacutenica sentenccedila os africanos eram menores

porque viviam numa regiatildeo onde a comida era escassa isto

eacute o deserto Tal comparaccedilatildeo encontra eco em Poliacutebio157

154 Diod 1939 [] ldquoτοὺς δ ἐλέφαντας μέλλειν ἀναζευγνύειν ἐκ τς χειμασίας καὶ πλησίον εἶναι μεμονωμένους πάσης βοηθείας []rdquo 155 Diod 1939 156 FrGH 688 F9 157 Polib 584 ldquoτὰ δὲ πλεῖστα τν τοῦ Πτολεμαίου θηρίων ἀπεδειλία τὴν μάχην ὅπερ ἔθος ἐστὶ ποιεῖν τοῖς Λιβυκοῖς ἐλέφασι τὴν γὰρ ὀσμὴν καὶ φωνὴν ο μένουσιν ἀλλὰ καὶ

74

[] a maior parte dos elefantes de Ptolomeu evitou o

combate como normalmente ocorre com os elefantes

africanos pois sendo incapazes de suportar o odor e o

grito dos elefantes indianos e aterrorizados penso

eu com a estatura e a forccedila [τὸ μέγεθος καὶ τὴν δύναμιν] dos mesmos eles voltam-lhes as costas imediatamente e

potildeem-se em fuga antes de sua aproximaccedilatildeo

Em 1926 Tarn apresentou uma questatildeo fundamental com

relaccedilatildeo agraves diferenccedilas entre os elefantes africanos e

indianos o que dificultou a repeticcedilatildeo do argumento pouco

fundamentado de Cteacutesias Filologicamente bem amparado Tarn

sustentou que tais autores nada sabiam sobre os elefantes

mas o seu heroacutei Alexandre havia empregado o elefante

indiano158 Natildeo existe nada definitivamente aleacutem da

tradiccedilatildeo literaacuteria originada da observaccedilatildeo pouco criteriosa

de Cteacutesias que possa sustentar a superioridade dos

elefantes indianos diante dos africanos em campo de

batalha

Vindos da Iacutendia ou recrutados na Aacutefrica os elefantes

mostraram-se decisivos nos campos de batalha heleniacutesticos

como veremos no item 33 e no capiacutetulo 4 Encontrados

terreno plano condiccedilotildees excelentes de abastecimento e

clima e um inimigo cuja forccedila primaacuteria fosse composta por

infantaria pesada disposta em formaccedilatildeo cerrada os

elefantes constituiacuteam uma das mais eficientes ndash senatildeo a

mais eficiente ndash arma empregada pelos comandantes

heleniacutesticos notadamente nas raras batalhas decisivas do

periacuteodo

καταπεπληγμένοι τὸ μέγεθος καὶ τὴν δύναμιν ὥς γ ἐμοὶ δοκεῖ φεύγουσιν εθέως ἐξ ἀποστήματος τοὺς Ἰνδικοὺς ἐλέφανταςrdquo Cf Diod 216 e 235 158 William W Tarn ldquoPolybius and a literary commonplacerdquo in CQ 20

98-100 1926 P100

75

3 As Guerras dos Diaacutedocos

31 Eumenes versus Craacutetero

No ano de 321 aC durante a realizaccedilatildeo da campanha de

Perdicas no Egito Eumenes fora enviado ao Helesponto por

Perdicas para evitar o avanccedilo de Craacutetero e Antiacutepatro159 Uma

das primeiras medidas do comandante grego foi o

recrutamento de um grande corpo de tropas montadas de sua

proacutepria satrapia isto eacute a Capadoacutecia Apoiado por Alcetas

submetido ao seu comando por ordem de Perdicas contava jaacute

com certo nuacutemero de macedocircnios insuficientes para a

ocasiatildeo os quais haviam sido incorporados apoacutes a vitoacuteria

sobre o exeacutercito de Neoptolemos160

De acordo com Diodoro161

ao saber do avanccedilo do exeacutercito

inimigo Eumenes coletou suas forccedilas particularmente sua

cavalaria de todos os lados (ἤθροισε πανταχόθεν τὰς δυνάμεις καὶ

μάλιστα τὴν ἱππικήν) Em relaccedilatildeo agrave infantaria sobre a qual natildeo

depositava muita esperanccedila contava com 20000 homens de

todas as raccedilas (παντοδαποὺς τοῖς γένεσιν) perfazendo um total de

25000 homens se somada a cavalaria adquirida Contra o

seu exeacutercito Craacutetero contava com macedocircnios conhecidos por

sua coragem (οἱ Μακεδόνες διαβεβοημένοι ταῖς ἀνδραγαθίαις) e dois mil

cavaleiros como auxiliares

Apoacutes a narraccedilatildeo de um duelo entre os comandantes

Diodoro menciona a derrota da cavalaria de Craacutetero sendo

que ao constatar a morte de ambos os liacutederes macedocircnios

Eumenes ordenou a retirada de seu exeacutercito privando-se do

aniquilamento completo do inimigo em prol da negociaccedilatildeo

cujo objetivo era a incorporaccedilatildeo da infantaria derrotada

Nas palavras do historiador siciliano

159 Diod 1829 160 Diod 1829 Arr FGrH 1569 Justino 138 Plutarco Eumenes 47 161 Diod 1830

76

Erigido o monumento que registrou a derrota do inimigo

[τρόπαιον] e feitos os ritos fuacutenebres [Eumenes] enviou agrave falange que havia se mostrado inferior [πρὸς τὴν τν ἡττημένων φάλαγγα] um convite de incorporaccedilatildeo agraves suas

tropas dando-lhes tambeacutem permissatildeo para recuar aos

lugares que desejassem

Este caso esclarece desde o iniacutecio a distinccedilatildeo entre

as tropas macedocircnias ldquoconhecidas por sua coragemrdquo e os

demais soldados de infantaria ldquohomens de todas as raccedilasrdquo

No entanto apoacutes a vitoacuteria sobre o exeacutercito inimigo

Eumenes abertamente escolhe negociar a incorporaccedilatildeo das

tropas inimigas honrando os mortos em combate ao inveacutes de

completar a manobra de envolvimento e provocar o

aniquilamento completo da falange a qual havia se mostrado

inferior em batalha Note-se que a taacutetica continuou a ser a

mesma empregada nos tempos de Alexandre mas a profusatildeo do

serviccedilo mercenaacuterio fez com que a praacutetica da incorporaccedilatildeo de

tropas profissionais fosse preferiacutevel ao aniquilamento do

inimigo Aleacutem disso natildeo haacute sequer uma menccedilatildeo de tratamento

diferenciado para as tropas macedocircnias por excelecircncia se

as considerarmos legitimamente macedocircnias em relaccedilatildeo agrave

infantaria asiaacutetica de Eumenes Eram mercenaacuterias como as

demais ainda que natildeo fique claro o pagamento ou tempo de

serviccedilo

Em seguida Eumenes voltou-se contra Antiacutegono

77

32 Antiacutegono versus Eumenes

Em seu primeiro confronto com Eumenes Antiacutegono

utilizando-se de um estratagema abriu matildeo inicialmente

de uma decisatildeo travada ao modelo alexandrino e decidiu

subornar certo Apolonides comandante da cavalaria de

Eumenes fazendo com que ele se tornasse um traidor e

desertasse em meio agrave batalha (ἔπεισε προδότην γενέσθαι καὶ κατὰ τὴν

μάχην ατομολσαι)162

Nesta ocasiatildeo entretanto notamos uma situaccedilatildeo

paradoxal quanto ao comportamento do comandante

heleniacutestico Na situaccedilatildeo anterior Eumenes optou por

incorporar as tropas inimigas ainda que sem sucesso ao

inveacutes de prosseguir com a manobra de envolvimento e

aniquilamento de boa parte do exeacutercito de Craacutetero Um ano

depois em 320 aC Antiacutegono apoacutes ter subornado o

comandante de cavalaria de Eumenes tendo a infantaria em

suas matildeos optou por concluir a manobra e aniquilar cerca

de 8000 inimigos Nas palavras de Diodoro

Quando a batalha se tornou violenta e Apolonides

desertou inesperadamente com sua cavalaria Antiacutegono

ganhou o dia e aniquilou cerca de 8000 inimigos Ele

tambeacutem se apoderou de todo o suprimento de modo que os

soldados de Eumenes ficaram abatidos pela derrota e sem

esperanccedila devido agrave perda de seus suprimentos163

Em momento algum Diodoro menciona o interesse de

Antiacutegono em incorporar as tropas de Eumenes durante a

batalha com exceccedilatildeo da cavalaria a qual havia previamente

subornado No entanto logo apoacutes relatar o refuacutegio do

comandante grego num forte armecircnio o que lhe foi garantido

162 Diod 1840 163 Diod 1840 ldquoγενομένης δὲ μάχης ἰσχυρᾶς καὶ τοῦ Ἀπολλωνίδου μετὰ τν περὶ ατὸν ἱππέων ποιήσαντος ἀλόγως ἀπὸ τν ἰδίων διάστασιν ἐνίκησεν ὁ Ἀντίγονος καὶ ἀνεῖλεν τν ἐναντίων εἰς ὀκτακισχιλίους ἐκυρίευσε δὲ καὶ τς ἀποσκευς ἁπάσης ὥστε τοὺς περὶ τὸν Εμεν στρατιώτας διὰ μὲν τὴν ἧτταν καταπλαγναι διὰ δὲ τὴν ἀπώλειαν τς ἀποσκευς ἀθυμσαιrdquo Nesta citaccedilatildeo com exceccedilatildeo de ἰσχυρᾶς traduzido aqui como ldquoviolentordquo seguindo o LSJ (ἰσχυρός) optei por utilizar a traduccedilatildeo de Geer

78

por uma alianccedila com os nativos o historiador siciliano faz

referecircncia agrave contrataccedilatildeo por parte de Antiacutegono dos homens

os quais haviam servido Eumenes Seguindo o exemplo

anterior a compreensatildeo da guerra como ofiacutecio serviu de

paracircmetro para a composiccedilatildeo de grandes exeacutercitos o

trampolim a partir do qual generais aspiravam agraves grandes

coisas exatamente como no caso de Antiacutegono Ao tornar-se

senhor de todas as posses que antes pertenciam a Eumenes

das quais se destacava o grande exeacutercito as ambiccedilotildees

poliacuteticas de Antiacutegono ganharam nova face

No momento em que Antiacutegono tomou para si a forccedila

militar de Eumenes tornou-se senhor das suas satrapias

e das suas propriedades levantou grande soma de

dinheiro e aspirou agraves grandes coisas [μειζόνων πραγμάτων ὠρέγετο] Nenhum comandante em toda a Aacutesia possuiacutea forccedila militar suficiente para lutar pela supremacia

164

O comando de um grande exeacutercito era sem duacutevida o

motor da basileia e um dos maiores estiacutemulos agrave realizaccedilatildeo

de campanhas militares e conquista de territoacuterios

A incorporaccedilatildeo das tropas natildeo era contudo o uacutenico

objetivo dos generais cujo pensamento encontrava-se marcado

pela condiccedilatildeo mercenaacuteria Historiadores tambeacutem entravam no

jogo mesmo que tivessem servido num primeiro momento ao

seu inimigo Note-se por exemplo na esteira do contexto

em destaque que Antiacutegono iraacute contratar os serviccedilos de

Hierocircnimo o historiador logo apoacutes a vitoacuteria sobre Eumenes

na Capadoacutecia tendo em seguida o enviado como mensageiro a

Eumenes exortando o uacuteltimo a esquecer a derradeira batalha

e a se tornar seu amigo e aliado165

Com a mudanccedila na poliacutetica externa adotada por Antiacutegono

levada a cabo a partir da aquisiccedilatildeo dos espoacutelios

164 Diod 1841 ldquoἈντίγονος δὲ παραλαβὼν τὴν μετ Εμενοῦς δύναμιν καὶ τν σατραπειν καὶ τν ἐν ταύταις προσόδων κύριος γενόμενος ἔτι δὲ παραλαβὼν πλθος χρημάτων μειζόνων πραγμάτων ὠρέγετο οκέτι γὰρ οδεὶς τν κατὰ τὴν Ἀσίαν ἡγεμόνων ἀξιόμαχον εἶχε δύναμιν διαγωνίσασθαι πρὸς ατὸν περὶ τν πρωτείωνrdquo 165 Diod 1850

79

provenientes da vitoacuteria sobre Eumenes o general macedocircnico

tratou de ir ao encontro de Alcetas irmatildeo de Perdicas

destruindo-o completamente Segundo Diodoro166

Antiacutegono

liderou 6000 cavaleiros numa carga violenta contra a

falange inimiga no intuito de cortar a linha de retirada de

Alcetas Em seguida os elefantes foram enviados

frontalmente contra a falange ao mesmo tempo em que os

cavaleiros envolveram o inimigo por todos os lados tendo a

infantaria permanecido somente como forccedila de apoio

Diodoro natildeo nos informa sobre a proveniecircncia eacutetnica da

cavalaria de Antiacutegono mas note que haacute pouco ele contava

com 2000 cavaleiros e rapidamente passou para cerca de

6000 um forte indiacutecio de que a renovaccedilatildeo de suas forccedilas

montadas foi liderada por capadoacutecios Em primeiro lugar

talvez esta seja a constataccedilatildeo mais oacutebvia mas ainda assim

digna de ser mencionada Antiacutegono marchou com sua forccedila

militar da Capadoacutecia para a Pisiacutedia (μετὰ [] ἐκ Καππαδοκίας

προγεν ἐπὶ τὴν Πισιδικήν)

Em segundo lugar sua cavalaria triplicou desde o

momento anterior agrave batalha contra Eumenes ocorrida havia

menos de um ano Uma vez na Capadoacutecia dado o curto tempo

para a ampliaccedilatildeo das suas forccedilas montadas e a

disponibilidade de recrutamento de cavaleiros pesadamente

armados na regiatildeo outra explicaccedilatildeo natildeo parece possiacutevel

Logo apoacutes a vitoacuteria sobre Alcetas Antiacutegono obteve a

rendiccedilatildeo de todo o resto do exeacutercito inimigo por negociaccedilatildeo

e o alistou em suas proacuteprias fileiras167 agregando

consideraacutevel forccedila ao seu poderio beacutelico

Ainda que a manobra de envolvimento fosse como neste

caso realizada ateacute o momento em que o inimigo batesse

desesperadamente em retirada a porccedilatildeo do exeacutercito que

166 Diod 1844 167 Diod 1845 ldquoὁ δ Ἀντίγονος τούτους μὲν καθ ὁμολογίαν παραλαβὼν τοὺς λοιποὺς εἰς τὰ ἴδια τάγματα κατέταξε []rdquo

80

pudesse ser submetida com vida e incorporada por negociaccedilatildeo

era sempre bem recebida aleacutem de se mostrar crucial na

estruturaccedilatildeo de trajetoacuterias poliacuteticas pautadas na conquista

militar

Na sequumlecircncia dos acontecimentos168 Eumenes jaacute na Aacutesia

Menor enviou cartas aos saacutetrapas do norte solicitando o

seu apoio em nome dos reis Basicamente as duas partes

deveriam se encontrar em Susa mas Fiacuteton a esta altura

saacutetrapa da Meacutedia obteve tambeacutem o controle das satrapias do

norte ordenando a morte de Filotas e substituindo o mesmo

por Eudamus seu irmatildeo Apoacutes travar batalha com o exeacutercito

dos saacutetrapas do sul Fiacuteton concentrou seu exeacutercito num soacute

lugar aguardando o apoio de Seleuco motivo pelo qual

Eumenes encontrou todas as tropas reunidas quando da sua

chegada a Susianecirc

De acordo com Diodoro169

as tropas que se juntaram a

Eumenes foram (1) 10000 arqueiros e fundibulaacuterios persas

3000 pantodapoi armados como macedocircnios (τοὺς δὲ εἰς τὴν

Μακεδονικὴν τάξιν καθωπλισμένους παντοδαποὺς) 600 cavaleiros gregos

e traacutecios e mais de 400 cavaleiros persas todos vindos

sob comando de Peucestes um dos antigos soldados da elite

de Alexandre (2) 1500 pezoi e 700 cavaleiros liderados

por Tlepolemus o macedocircnio feito saacutetrapa da Carmacircnia (3)

1000 pezoi e 610 cavaleiros trazidos por Sibyrtius

comandante da Arachosia (4) 1200 pezoi e 400 cavaleiros

despachados por Oxyartes (5) 1500 pezoi e 1000

cavaleiros vindos com Stasander e (6) 500 cavaleiros 300

pezoi e 120 elefantes todos trazidos por Eudamo Somados a

estes 18500 soldados de infantaria e 4210 cavaleiros

Geer170

lembra que devemos acrescentar as forccedilas trazidas

por Amfiacutemaco da Mesopotacircmia apresentado na batalha de

168 Diod 1913 169 Diod 1914 170 Russel M Geer tradutor de Diodoro na ediccedilatildeo da LOEB p 269

81

Gabienecirc171 com seus 600 cavaleiros e talvez alguma

infantaria natildeo mencionada

Antiacutegono em contrapartida recebeu tropas de Seleuco e

Fiacuteton nomeando Seleuco saacutetrapa de Susa e ordenando que

este conquistasse a cidade jaacute que Xenofilos o tesoureiro

se recusava a aceitar suas ordens172 Ao cruzar a Meacutedia por

um caminho alternativo agravequele que havia sido bloqueado por

Eumenes Antiacutegono ordenou a Fiacuteton que recrutasse quantos

cavaleiros e cavalos de guerra fosse possiacutevel assim como

animais de carga Ao retornar de sua missatildeo com cerca de

2000 cavaleiros 1000 cavalos 500 talentos do tesouro

real e uma quantia de mulas suficientes para todo o

exeacutercito173

Fiacutethon deu a Antiacutegono a chance de reerguer o

moral das tropas aleacutem de reforccedilar consideravelmente a

cavalaria de seu exeacutercito No total Antiacutegono contava com

28000 pezoi 8000 cavaleiros e 65 elefantes

Apoacutes o desentendimento entre Eumenes apoiado por

Antigenes e os saacutetrapas ansiosos para retornar aos seus

assuntos pessoais174

o general grego optou por atender agraves

vontades dos saacutetrapas temendo perder seu valioso apoio

Apoacutes dias de marcha rumo a Perseacutepolis ambos os exeacutercitos

inimigos acamparam a curta distacircncia e iniciaram os

preparativos para a batalha Antiacutegono entretanto procurou

subornar parte das tropas inimigas como nos relata

Diodoro175

No quinto dia Antiacutegono enviou mensageiros aos saacutetrapas

e aos macedocircnios instigando-os a natildeo obedecer Eumenes

e a confiar apenas no proacuteprio Antiacutegono Disse aos

171 Diod 1927 172 Diod 1918 173 Diod 1920 174 Diod1921 175 Diod 1925 ldquo[]τῆ πέμπτῃ δ Ἀντίγονος πρεσβευτὰς ἐξαπέστειλε πρός τε τοὺς σατράπας καὶ τοὺς Μακεδόνας ἀξιν Εμενεῖ μὲν μὴ προσέχειν ἑαυτῶ δὲ πιστεύειν συγχωρήσειν γὰρ ἔφη τοῖς μὲν σατράπαις ἔχειν τὰς ἰδίας σατραπείας τν δὲ ἄλλων τοῖς μὲν χώραν πολλὴν δώσειν τοὺς δὲ εἰς τὰς πατρίδας ἀποστελεῖν μετὰ τιμς καὶ δωρεν τοὺς δὲ στρατεύεσθαι βουλομένους διανεμεῖν εἰς τὰς ἑκάστῳ καθηκούσας τάξειςrdquo

82

saacutetrapas que permitiria a manutenccedilatildeo de suas proacuteprias

satrapias e aos macedocircnios que daria uma grande

extensatildeo de terra a alguns que enviaria os outros de

volta para casa com honra e presentes e que designaria

postos agravequeles que desejassem servir em seu exeacutercito

[τοὺς δὲ στρατεύεσθαι βουλομένους διανεμεῖν εἰς τὰς ἑκάστῳ καθηκούσας τάξεις]

Tendo fracassado em sua tentativa de incorporaccedilatildeo das

tropas inimigas antes mesmo da batalha Antiacutegono findou por

enfrentar Eumenes numa ocasiatildeo decisiva conhecida como

batalha de Paraitacene (317 aC)

Iniciada a batalha vendo que sua ala direita estava

sendo esmagada pelos cavaleiros arqueiros de Antiacutegono

(graccedilas agraves taacuteticas de ciacuterculo cujo objetivo era o ataque

aos flancos pelo uso dos arcos176) Eumenes ordenou o apoio

de sua ala esquerda comandada por Eudamo Apoacutes o movimento

de flanqueamento executado por soldados ligeiros e pela

parte mais levemente armada de sua cavalaria (τὴν ὅλην τάξιν τοῖς

μὲν ψιλοῖς καὶ τοῖς ἐλαφροτάτοις τν ἱππέων) conseguiu derrotar a ala

direita de Antiacutegono comandada por Fiacutethon

Em seguida apoacutes consideraacutevel tempo de combate entre as

falanges os homens de Eumenes venceram devido agrave

experiecircncia dos arguraspides de modo que muitos dos

oficiais de Antiacutegono apoacutes a derrota de sua ala esquerda e

de toda a sua falange aconselharam a batida em retirada

Antiacutegono no entanto ao ver que a infantaria inimiga havia

avanccedilado vitoriosamente em direccedilatildeo agrave sua no intuito de

persegui-la ateacute proacuteximo aos montes e que a ala de Eudamo

natildeo esperava por um ataque desferiu um violento golpe

contra a ala esquerda de seu inimigo recobrando com isso o

moral e as condiccedilotildees combativas de sua infantaria

aparentemente derrotada Assim nos relata Diodoro177

176 Diod 1930 ldquo[] περιιππεύσαντες δὲ τὸ κέρας καὶ πλαγίοις ἐμβαλόντες πυκνοῖς τοῖς βέλεσι κατετίτρωσκον []rdquo 177 Diod 1930 ldquoταχὺ δὲ διὰ τὸ παράδοξον τρεψάμενος τοὺς ἐναντίους καὶ πολλοὺς ἀνελὼν διαπέστειλε τν ἱππέων τοὺς ἐλαφροτάτους καὶ διὰ τούτων ἀνεκαλέσατο τοὺς φεύγοντας καὶ παρὰ τὴν πωρίαν πάλιν εἰς τάξιν κατέστησενrdquo

83

Uma vez que seu ataque foi inesperado ele [Antiacutegono]

rapidamente derrotou aqueles que o enfrentaram

destruindo muitos deles Entatildeo enviou os mais raacutepidos

de seus cavaleiros e por meio deles reuniu os soldados

que haviam batido em retirada alinhando-os mais uma

vez ao peacute dos montes

Como os soldados encontravam-se todos exaustos a

batalha prosseguiu durante o tempo necessaacuterio para a

certeza de sua indefiniccedilatildeo Embora o resultado natildeo tenha

sido claro Antiacutegono usou de sua legitimidade como

comandante e forccedilou acampamento proacuteximo a batalha

relativamente distante das bagagens O motivo para este ato

era simples para os gregos aquele que detinha o controle

dos ritos fuacutenebres assim que encerrada a peleja possuiacutea o

direito de declarar-se vitorioso178

Em seguida Eumenes dirigiu suas tropas para Gabenecirc

com excelentes condiccedilotildees de abastecimento179

enquanto

Antiacutegono conduziu seu exeacutercito atraveacutes do deserto proacuteximo a

Gadamala180

Alguns dias apoacutes o ataque parcialmente

frustrado aos elefantes de Eumenes atrasados se comparados

ao restante das tropas ambos os exeacutercitos fizeram frente

um ao outro em Gabenecirc

Tendo disposto seus homens da maneira que consideravam

mais eficiente os generais deram iniacutecio ao confronto

sendo que Antiacutegono e Demeacutetrio posicionados na ala direita

desferiram um ataque agrave cavalaria de Eumenes que a esta

altura lhes fazia frente Antes do embate entretanto

Peucestes saacutetrapa da Peacutersia esquivou-se da batalha e

deixou Eumenes somente com parte de sua cavalaria181

Por

consequumlecircncia Eumenes natildeo suportou o choque com a cavalaria

inimiga a qual rodeou o corpo de infantaria e investiu

178 Diod 1931 ldquo[Antiacutegono] ἠμφισβήτει τς νίκης ἀποφαινόμενος προτερεῖν ἐν ταῖς μάχαις τὸ τν πεσόντων κυριεῦσαιrdquo Outros exemplos segundo Geer satildeo

encontrados em Xen Hel 75 e Justino 66 179 Diod 1934 180 Diod 1937 181 Diod1942

84

contra a cavalaria na outra ala completando um semiciacuterculo

pela retaguarda inimiga

Embora as manobras acima detalhadas tenham sido de

grande importacircncia no desenrolar da batalha a participaccedilatildeo

crucial se deu com os tarentinos e medos enviados com a

missatildeo de capturar os suprimentos inimigos aproveitando-se

da pouca visibilidade provocada pela poeira do terreno A

partir deste movimento Eumenes parcialmente derrotado se

viu forccedilado a recuar e contra atacar a investida sorrateira

dos tarentinos e medos enquanto Antiacutegono soube aproveitar

o momento de vulnerabilidade dos arguraspides sem a

proteccedilatildeo dos flancos e ordenou a investida da cavalaria de

Fiacutethon182

Os resultados da batalha natildeo foram nada agradaacuteveis para

os homens de Eumenes que tiveram seus suprimentos filhos

mulheres e muitos outros parentes capturados pelo inimigo

Com isso Antiacutegono exterminou completamente o espiacuterito

combativo dos macedocircnios induzindo um comportamento

tipicamente heleniacutestico no lugar do extermiacutenio dos refeacutens

e inimigos derrotados (mas preservados em suas habilidades

de combate) o general optou por alistaacute-los

[] os macedocircnios secretamente iniciaram negociaccedilotildees

com Antiacutegono capturando e entregando Eumenes

recobrando seus suprimentos e apoacutes receberem promessas

alistaram-se no exeacutercito acampado [καὶ πίστεις λαβόντες κατετάχθησαν εἰς τὸ στρατόπεδον]183

Agora que Antiacutegono havia se tornado o mais poderoso dos

Diaacutedocos os seus rivais passaram a temer a consolidaccedilatildeo de

seu poder supremo abalado apenas por pequenas revoltas

182 Diod 1943 183 Diod 1943 [hellip] οἱ Μακεδόνες λάθρᾳ διαπρεσβευσάμενοι πρὸς Ἀντίγονον τὸν μὲν Εμεν συναρπάσαντες παρέδωκαν τὰς δ ἀποσκευὰς κομισάμενοι καὶ πίστεις λαβόντες κατετάχθησαν εἰς τὸ στρατόπεδον

85

locais como a insurreiccedilatildeo fracassada liderada por Fiacutethon

na Meacutedia184

Encerrada as operaccedilotildees de Cassandro no Peloponeso e

apoacutes a fuga de Seleuco para o Egito185 a resposta imediata

agrave transformaccedilatildeo no cenaacuterio poliacutetico heleniacutestico causada

pela emergecircncia de Antiacutegono como autoridade predominante na

lideranccedila dos exeacutercitos se deu com a alianccedila de Ptolomeu

Seleuco Cassandro e Lisiacutemaco

184 Diod 1946-48 185 Diod 1953 e Diod 1954 respectivamente

86

33 Antiacutegono versus Ptolomeu Seleuco Cassandro e

Lisiacutemaco

Assim que chegou ao Egito Seleuco tratou de convencer

Ptolomeu do risco que era deixar Antiacutegono ampliar suas

forccedilas sua arrogacircncia e suas ambiccedilotildees ao trono

macedocircnico186

Seleuco natildeo somente conseguiu estabelecer uma

alianccedila com o senhor do Egito mas tambeacutem alguns de seus

amigos obtiveram sucesso na cooptaccedilatildeo de Cassandro e

Lisiacutemaco Com isso apoacutes recusar a abordagem diplomaacutetica de

Antiacutegono que enviou mensageiros com o intuito de reforccedilar

sua amizade com os generais macedocircnicos em eacutepoca de crise

Ptolomeu Lisiacutemaco e Cassandro exigiram de Antiacutegono (1) a

entrega da Capadoacutecia e da Liacutecia a Cassandro (2) da Friacutegia

a Lisiacutemaco (3) de toda a Siacuteria a Ptolomeu e (4) da

Babilocircnia a Seleuco sem mencionar a partilha dos tesouros

conquistados com a vitoacuteria sobre Eumenes187

Daiacute por diante uma seacuterie de embates subsequumlentes agrave

formalizaccedilatildeo do desentendimento dos Diaacutedocos dominaraacute a

cena poliacutetica pelos proacuteximos 15 anos e uma narrativa de

todos os pormenores do conflito natildeo seria eficaz na

apresentaccedilatildeo dos argumentos que estou a desenvolver neste

capiacutetulo Portanto tratarei da batalha de Ipso por ser

suficientemente documentada188

(se levarmos em consideraccedilatildeo

que as demais batalhas nos chegaram apenas em pouquiacutessimos

detalhes) e possibilitar interpretaccedilotildees razoavelmente

seguras sobre a arte da guerra heleniacutestica no tempo dos

Diaacutedocos

De acordo com Plutarco189 Demeacutetrio contava com mais de

70000 soldados de infantaria 10000 cavaleiros e 75

elefantes enquanto seus adversaacuterios haviam trazido cerca

186 Diod 1956 187 Diod 19 57 188 A principal fonte eacute Plut Dem 28-30 que provavelmente seguiu

Hierocircnimo de Caacuterdia 189 Plut Dem 28

87

de 65000 soldados de infantaria 10500 cavaleiros 120

carros de guerra e 400 elefantes

Tatildeo logo os exeacutercitos iniciaram a peleja Demeacutetrio

avanccedilou em direccedilatildeo a Antiacuteoco filho de Ptolomeu e ao

derrotaacute-lo facilmente e iniciar uma perseguiccedilatildeo para longe

do campo de batalha levou consigo a melhor e maior porccedilatildeo

da cavalaria (τοὺς πλείστους καὶ κρατίστους τν ἱππέων) do exeacutercito de

Antiacutegono Ao observar que a falange inimiga estava

desprotegida num dos flancos Seleuco ldquoos manteve em medo

de ataquerdquo rodeando os inimigos em ato ameaccedilador fazendo

com que muitos deles viessem a ele por sua proacutepria vontade

e com que os demais batessem em retirada190 Por fim

enquanto Antiacutegono aguardava pelo retorno de seu filho

impossibilitado de voltar ao combate devido ao avanccedilo

frontal dos elefantes inimigos (contra os 75 elefantes de

Antiacutegono e em seguida contra a proacutepria infantaria do

rei) sendo esta uma manobra que lanccedilava os paquidermes no

caminho de Demeacutetrio uma saraivada de projeacuteteis o atingiu

pondo fim a sua vida

Demeacutetrio ainda tentou com seus 5000 soldados de

infantaria e 4000 cavaleiros restantes da batalha

resistir em Atenas onde possuiacutea embarcaccedilotildees e recursos

diversos mas no caminho fora avisado por um mensageiro de

que os cidadatildeos de Atenas decidiram natildeo receber nenhum dos

reis

A batalha de Ipso provavelmente representou uma

tentativa de transformaccedilatildeo das funccedilotildees da cavalaria algo

ineacutedito na guerra heleniacutestica Certamente por influecircncia da

guerra encaminhada na porccedilatildeo mais oriental do impeacuterio

Seleuco tentou fazer com que os elefantes desferissem o

ataque principal enquanto a cavalaria comandada por seu

filho Antiacuteoco forccedilava uma retirada de Demeacutetrio Mas quais

190 Plut Dem 29

88

seriam no confronto que pocircs fim agrave hegemonia de Antiacutegono

as vantagens conferidas a Seleuco pelo uso dos elefantes

A primeira delas estava fixada pelo nuacutemero de elefantes

(400 no total contra apenas 75 de Antiacutegono) Seleuco

sabendo disso os fez avanccedilar frontalmente contra o corpo

principal do exeacutercito antigocircnida provavelmente ordenando

que seu filho Antiacuteoco batesse em retirada e levasse

consigo a maior e melhor parte da cavalaria inimiga sob o

comando de Demeacutetrio Ainda que Plutarco natildeo mencione tal

manobra por parte de Antiacuteoco afirmando pelo contraacuterio

que as tropas montadas antigocircnidas o haviam derrotado natildeo

parece provaacutevel que a cavalaria de Seleuco fugiria do campo

de batalha tatildeo rapidamente ou que Demeacutetrio a perseguiria

ateacute a batalha ser encerrada (a menos que a fuga de Antiacuteoco

fosse parte de um plano)

Tarn191 argumentou sobre esta possibilidade na deacutecada de

1930 salientando que iniciada a perseguiccedilatildeo da cavalaria

de Seleuco se Demeacutetrio desistisse cedo demais a cavalaria

inimiga poderia simplesmente retornar e atacar sua

retaguarda mas por outro lado se a perseguiccedilatildeo levasse

muito tempo a batalha central se tornaria

definitivamente um palco imaginaacuterio Aceita esta hipoacutetese

conclui-se que Seleuco pocircde desferir seu ataque principal

com os elefantes ao centro e com a cavalaria na ala inimiga

desprotegida enquanto Demeacutetrio ficou impossibilitado de

dar qualquer suporte a Antiacutegono devido ao sucesso da

possiacutevel manobra de Antiacuteoco uma vez que o avanccedilo dos

elefantes havia inviabilizado o caminho para as operaccedilotildees

de auxiacutelio

191 Tarn opcit p69

89

CAPIacuteTULO 3 ndash PODER MONAacuteRQUICO E ARTE DA GUERRA NA

MAGNA GREacuteCIA E NA SICIacuteLIA HELENIacuteSTICA

1 Agaacutetocles e a introduccedilatildeo da basileia

heleniacutestica

Diodoro nos relata que Agaacutetocles ldquoao saber que os

referidos priacutencipes tinham assumido o diadema e por natildeo se

considerar inferior a eles em poder territoacuterio e feitos

designou-se reirdquo192 Esta natildeo era uma monarquia siciliana

como as anteriores aleacutem do desejo de se igualar em poder

aos monarcas heleniacutesticos e de assumir caracteriacutesticas de

um ldquonovordquo tipo de realeza como veremos a seguir Agaacutetocles

mantinha com alguns dos Diaacutedocos relaccedilotildees diplomaacuteticas as

quais frequumlentemente ilustravam um posicionamento muito

semelhante agravequeles adotados pelos Sucessores de Alexandre

quanto ao direito de conquista amplamente baseado no

princiacutepio da doriktetos chora De forma similar agrave

distribuiccedilatildeo de territoacuterios liderada pelos generais

macedocircnicos apoacutes a morte de seu rei em 323 aC Agaacutetocles

pretendia negociar de acordo com Diodoro a distribuiccedilatildeo

do espaccedilo africano (ainda natildeo subjugado) e siciliano

(parcialmente hostil) com Ophellas em 309 aC por

ocasiatildeo de sua expediccedilatildeo cartaginesa

192 Diod 2054 ldquo[] γὰρ πυθόμενος τοὺς προειρημένους δυνάστας ἀνῃρημένους

διάδημα καὶ νομίζων μήτε δυνάμεσι μήτε χώρᾳ μήτε τοῖς πραχθεῖσι λείπεσθαι τούτων ἑαυτὸν ἀνηγόρευσε βασιλέαrdquo Sobre a basileia de Agaacutetocles consultar

principalmente Henry Julius Wetenhall Tillyard Agathocles Cambridge

The University Press 1908 Claude Mosseacute La tyrannie dans la Gregravece

Antique Paris Presses Universitaires de France 1969 PP 149-202

Klaus Meister CAH 7 1984 PP 384-411 Ricardo Vattuone Sapienza

d‟occidente Il pensiero storico di Timeo di Tauromenio Bologna

Pagravetron 1991 Pp 63-86 187-204 Lorenzo Braccesi I tiranni di

Sicilia Roma-Bari Laterza 1998 PP 101-113 Consolo Langher Efrem

Zambon ldquoFrom Agathocles to Hieratildeo II the birth and development of

basileia in Hellenistic Sicilyrdquo In Sian Lewis (org) Ancient

Tyranny Edinburgh The University Press 2006 PP 77-94 Sobre a

coroaccedilatildeo dos Diaacutedocos de maneira geral consultar os estudos e as

referecircncias apresentadas no cap2 desta tese

90

Apoacutes esta batalha Agaacutetocles ao examinar todas as

maneiras de subjugar os cartagineses enviou Orthon o

siracusano como mensageiro a Ophellas em Cirene

Ophellas havia sido um dos Companheiros de Alexandre em

sua expediccedilatildeo tendo assumido o controle da cidade de

Cirene e de um poderoso exeacutercito e aspirava a uma

dominaccedilatildeo mais ampla Este era o seu estado de espiacuterito

quando o mensageiro de Agaacutetocles chegou com o pedido de

auxiacutelio para a campanha contra os cartagineses Em

troca desse serviccedilo ele [o mensageiro] prometeu que

Agaacutetocles concederia a Ophellas liberdade total no

controle da Liacutebia Agaacutetocles disse-lhe o mensageiro

estava satisfeito com a Siciacutelia desde que estivesse

livre da ameaccedila cartaginesa e que pudesse governar sem

receio toda a ilha A Itaacutelia estava disponiacutevel e

proacutexima para ampliar o seu impeacuterio caso Agaacutetocles

ambicionasse mais poder193

Ao analisarmos o relato do historiador siciliano

torna-se evidente que o comandante siracusano queria

integrar o cenaacuterio poliacutetico internacional de seu tempo

orientado por criteacuterios de paridade com os Diaacutedocos e que

Ophellas seria sua melhor opccedilatildeo de alianccedila pois o mesmo

aspirava agrave conquista de mais territoacuterios Afinal tal

paridade em forccedila militar territoacuterios conquistados e

realizaccedilotildees seria o motor de sua monarquia autoproclamada

Quando Ophellas e seu exeacutercito se encontraram com

Agaacutetocles o mesmo colocou em praacutetica seu plano de traiccedilatildeo

o macedocircnio foi pego de surpresa e assassinado enquanto

tentava desesperadamente se defender o siracusano entatildeo

aproveitando-se da situaccedilatildeo recrutou o numeroso exeacutercito

193 Diod 2040 ldquoἈπὸ δὲ τς μάχης ταύτης γενόμενος καὶ πάντα τῆ διανοίᾳ σκοπούμενος

πρὸς τὸ λαβεῖν τοὺς Καρχηδονίους ποχειρίους ἐξέπεμψε πρεσβευτὴν Ὄρθωνα τὸν Συρακόσιον πρὸς φέλλαν εἰς Κυρήνην οὗτος δ ἦν μὲν τν φίλων τν συνεστρατευμένων Ἀλεξάνδρῳ κυριεύων δὲ τν περὶ Κυρήνην πόλεων καὶ δυνάμεως ἁδρᾶς περιεβάλετο ταῖς ἐλπίσι μείζονα δυναστείαν τοιαύτην οὖν ατοῦ διάνοιαν ἔχοντος ἧκεν ὁ παρ Ἀγαθοκλέους πρεσβευτής ἀξιν συγκαταπολεμσαι Καρχηδονίους ἀντὶ δὲ ταύτης τς χρείας ἐπηγγέλλετο τὸν Ἀγαθοκλέα συγχωρήσειν ατῶ τν ἐν Λιβύῃ πραγμάτων κυριεύειν εἶναι γὰρ ἱκανὴν ατῶ τὴν Σικελίαν ἵν ἐξῆ τν ἀπὸ τς Καρχηδόνος κινδύνων ἀπαλλαχθέντα μετ ἀδείας κρατεῖν ἁπάσης τς νήσου παρακεῖσθαι δὲ καὶ τὴν Ἰταλίαν ατῶ πρὸς ἐπαύξησιν τς ἀρχς ἐὰν κρίνῃ μειζόνων ὀρέγεσθαιrdquo Para esta passagem Austin (n90) eacute a traduccedilatildeo de referecircncia A

invasatildeo eacute vagamente mencionada por Polib 182 e a alianccedila por

Justino 226 Cf Consolo Langher pp 175-196

91

sem comandante para a guerra que jaacute estava preparado para

travar conseguindo com isso praticamente dobrar o nuacutemero

de seus homens194

Polieno contudo sequer menciona a intenccedilatildeo de

estabelecer qualquer alianccedila por parte de Agaacutetocles

Segundo Polieno195 Ophellas encontrava-se jaacute com numeroso

exeacutercito em postos avanccedilados contra Agaacutetocles ao que tudo

indica no iniacutecio da expediccedilatildeo africana liderada pelo

siracusano quando Agaacutetocles ciente da inclinaccedilatildeo de seu

inimigo por jovens rapazes enviou seu filho Heracleides

ldquoum rapaz de beleza extraordinaacuteriardquo com a missatildeo de

distraiacute-lo enquanto o exeacutercito siciliano revidava em

sigilo Ophellas apaixonado pelo rapaz mostrou-se incapaz

de prever a sua proacutepria morte e Agaacutetocles saiu vitorioso

resgatando seu filho com sucesso

O relato de Polieno eacute obviamente pouco criacutevel

considerando-se que dificilmente um comandante com a

experiecircncia de Ophellas ainda mais no comando de um

numeroso exeacutercito aacutevido pela guerra para a qual estavam

marchando desde Cirene se deixaria distrair tatildeo gravemente

pelo filho de seu inimigo ainda que tivesse as inclinaccedilotildees

sexuais mencionadas Parece igualmente improvaacutevel que

Ophellas natildeo tivesse sido cotado como aliado por Agaacutetocles

a julgar pela referecircncia tatildeo clara em Diodoro e pelo

desenrolar dos eventos na Aacutefrica O mais provaacutevel eacute que

Polieno natildeo tivesse conhecimento da alianccedila ou a tivesse

suprimido pela natureza didaacutetica de sua obra De qualquer

modo as relaccedilotildees diplomaacuteticas tiveram de acontecer mesmo

que unilateralmente em certo ponto e comprovam

preliminarmente a interaccedilatildeo (diplomaacutetica e beacutelica) entre

Agaacutetocles e o mundo heleniacutestico num niacutevel que para ele se

dava em grau de paridade Como nos lembra Braccesi a

194 Diod 2042

195 Polieno 53

92

Siciacutelia mostrou-se um espaccedilo imune agrave invasatildeo de Alexandre

mas natildeo ao seu projeto de conquista neste caso traduzido

pela ascensatildeo de Agaacutetocles agrave iminente realeza196 A

autoproclamaccedilatildeo de Agaacutetocles como rei simbolizava que o

siracusano via-se em condiccedilatildeo de reclamar territoacuterios nos

mesmos termos que os Diaacutedocos e as interaccedilotildees diversas com

alguns deles servem de evidecircncia para a postura de paridade

adotada pelo monarca

Parte da historiografia moderna no entanto tende a

classificar Agaacutetocles da mesma forma que os tiranos tardo-

claacutessicos ou ainda como os tiranos arcaicos de modo que

sua autoproclamaccedilatildeo representaria de fato apenas um traccedilo

de sua ambiccedilatildeo poliacutetica uma estrateacutegia de inserccedilatildeo sem

grandes resultados197 Veja-se por exemplo o que nos diz

Mosseacute para quem Agaacutetocles tirano popular198 teria se

transformado com a expediccedilatildeo africana numa figura

196 Braccesi op cit p101 Cf tambeacutem Lorenzo Braccesi L‟Alessandro

occidentale Il Macedone e Roma Roma ldquoL‟ermardquo di Bretschneider

2006 PP 54-67 Braccesi argumenta que apoacutes a morte de Alexandre o

problema puacutenico se confunde com a hereditariedade do poder monaacuterquico

produzindo uma ldquonascente sensibilidade heleniacutesticardquo a qual seria

direcionada agrave ameaccedila cartaginesa sob a forma de basileia justificada 197 Outra questatildeo recorrente na historiografia moderna eacute a classificaccedilatildeo

de Agaacutetocles como grande estadista ou como o mais cruel dos tiranos

discussatildeo que se arrasta desde a Antiguidade quando por exemplo

Caacutelias (FGrH 564T3) contemporacircneo de Agaacutetocles pinta uma aura de

piedade e humanidade para o siracusano ao passo que Timeu (FGrH

566F124) igualmente seu contemporacircneo diz que nenhum tirano mostrou-

se tatildeo cruel quanto ele Aleacutem da identificaccedilatildeo errocircnea da monarquia de

Agaacutetocles como sendo da mesma natureza que as tiranias tardo-

claacutessicas haacute que se considerar a interpretaccedilatildeo curiosa ndash e pouco

aceita ndash de Helmut Berve (Die Herrschaft des Agathokles Muumlnchen

Verlag 1953 Die Tyrannis bei den Griechen Muumlnchen Verlag 1967)

Segundo Berve Agaacutetocles manteve a sua magistratura em Siracusa tendo

criado ao mesmo tempo uma monarquia pessoal como maneira de combater

em nome da cidade e acumular territoacuterios em seu proacuteprio nome Como

desdobramento disso no final de sua vida Agaacutetocles teria devolvido a

democracia aos siracusanos sem abdicar da realeza o que de fato

carece de evidecircncias suficientes Para o assunto cf Meister CAH 7

pp 409-410 198 O que soa no fim das contas absurdo pois logo apoacutes a sua morte os

siracusanos confiscaram as suas propriedades derrubaram as suas

estaacutetuas e procederam a uma verdadeira damnatio memoriae Sobre a

criacutetica agrave classificaccedilatildeo da tirania de Agaacutetocles como ldquopopularrdquo cf

Meister CAH 7 p 410

93

tiracircnica tiacutepica do periacuteodo heleniacutestico o roy conqueacuterant199

embora seu comportamento indique no fim das contas uma

postura comum entre os tiranos que o precederam

Homem do povo pelo povo de Siracusa eacute que ele tentou

restaurar a supremacie da cidade que ele tentou

igualmente varrer o perigo que pesava sobre toda a

Siciacutelia o perigo cartaginecircs Homem de seu tempo []

imitador dos generais de Alexandre quanto ao tiacutetulo

reacutegio [] Ele natildeo liberou os escravos por princiacutepio

mas por que necessitava de homens para combater Nisso

ele se assemelhava aos tiranos do seacutecIV aC [] Ateacute

onde podemos conhececirc-lo ele continua a ser o tipo do

tirano popular mais proacuteximo no fim dos tiranos da

eacutepoca arcaica que dos condottieri do seacutecIV aC ou dos

ldquorevolucionaacuteriosrdquo da eacutepoca heleniacutestica200

Imitador dos Diaacutedocos Agaacutetocles agregaria em uacuteltima

instacircncia tanto os valores do tirano arcaico (devido ao

caraacuteter demagoacutegico de seu governo) quanto os costumes de

recrutamento do tirano claacutessico orientado pelo alistamento

massivo de exilados e mercenaacuterios Isso o torna peculiar

sem duacutevida mas o contexto eacute imperativo para o assunto e

como tal impotildee agrave monarquia adotada por Agaacutetocles um sentido

especialmente heleniacutestico Natildeo resta duacutevida que o

alistamento massivo de profissionais era uma praacutetica de

origens tardo-claacutessicas na Siciacutelia grega da mesma forma o

traccedilo popular dos governos autocraacuteticos remonta agrave eacutepoca

arcaica201 Poreacutem tais peculiaridades encontravam-se

inseridas no contexto de fragmentaccedilatildeo do impeacuterio de

Alexandre fazendo da Siciacutelia como dito anteriormente

parte do projeto de conquista macedocircnica (o que seria

executado obviamente pelos Diaacutedocos) e de Agaacutetocles o

homem capaz de liderar uma inovaccedilatildeo poliacutetica de

caracteriacutesticas heleniacutesticas

199 Claude Mosseacute op cit p 171 Sobre a identificaccedilatildeo de Agaacutetocles

com tiranos arcaicos e tardo-claacutessicos cf Zambon op cit p 77 200 Mosseacute op cit pp 176-177 Grifo nosso

201 Meister CAH 7 pp 409-410

94

Braccesi quase 30 anos apoacutes a publicaccedilatildeo do livro de

Mosseacute mostra-se um pouco mais otimista quanto agrave concretude

da monarquia de Agaacutetocles O contexto de interaccedilatildeo do

siracusano com os generais macedocircnicos aparece com mais

relevacircncia de modo a gerar uma interpretaccedilatildeo histoacuterica

acerca dos problemas de longevidade da basileia

agatocleana A natureza heleniacutestica da monarquia

introduzida na Siciacutelia por Agaacutetocles eacute inquestionaacutevel mas

trata-se no final das contas de uma monarchia mancata202

Recentemente Zambon203 sustentou que Agaacutetocles iniciou

uma mudanccedila constitucional ao introduzir a monarquia de

tipo heleniacutestico em Siracusa e que seu exemplo foi seguido

por diversos governantes posteriores (tais como Phintias

Pirro e Hieratildeo II) Considerado o niacutevel de sistematizaccedilatildeo

desenvolvido por Zambon podemos dizer que a sua

interpretaccedilatildeo soa demasiado otimista forccedilando

propositalmente (pela preservaccedilatildeo do argumento) uma

continuidade exagerada nas mudanccedilas institucionais

siciliotas apoacutes a morte de Agaacutetocles Naquele momento

contudo tentativas de retomada das formas constitucionais

perdidas com a ascensatildeo do monarca emergiram muitas delas

temporariamente bem-sucedidas Em defesa do otimismo

zamboniano podemos apenas dizer com certa razatildeo que o

cenaacuterio poliacutetico siciliota mostrou-se suficientemente

confuso e marcado como recorda Zambon por ldquoguerras civis

sangrentasrdquo bem como por ldquoconsequumlecircncias [soacutecio-econocircmicas]

de campanhas militares exaustivasrdquo e soluccedilotildees poliacuteticas

extremas adotadas pelas poacuteleis que agregavam poder de

lideranccedila na porccedilatildeo leste da ilha204 Diante de tamanha

complexidade e da evidecircncia para o surgimento da monarquia

de tipo heleniacutestico na ilha como parte do conjunto das

202 Braccesi op cit p 110

203 Zambon op cit pp 77-94 Zambon Hellenistic Sicily

204 Zambon Hellenistic Sicily p 267

95

inovaccedilotildees poliacuteticas siciliotas (momentaneamente fracassadas

e posteriormente retomadas) devemos a esta altura nos

perguntar como se deu a introduccedilatildeo da basileia por

Agaacutetocles e em quais aspectos ela representou uma imitatio

Alexandri O primeiro indiacutecio analisado eacute obviamente a

transformaccedilatildeo de ordem poliacutetica que deve ser compreendida

no decorrer da trajetoacuteria de Agaacutetocles cedendo espaccedilo em

seguida para o estudo dos indiacutecios de uma imitatio em

campo taacutetico a partir das tropas que a organizaccedilatildeo social

siciliana disponibilizou no contexto

Em 337 aC apoacutes a morte de Timoleatildeo frente ao

problema da sucessatildeo de um liacuteder que havia pacificado na

medida do possiacutevel a Siciacutelia grega e promovido em larga

escala um verdadeiro tiraniciacutedio diversas tiranias

reapareceram na porccedilatildeo leste da ilha e a ofensiva

cartaginesa novamente gerava resultados preocupantes para

os gregos A democracia siracusana havia sido a esta altura

substituiacuteda por uma oligarquia a qual era liderada por

Sosiacutestrato e Heracleides Com isso a velha guerra civil

retornou com forccedila total colocando cidadatildeos (democratas e

oligarcas) em lados opostos convivendo num grau de

desentendimento que se traduzia no derramamento contiacutenuo de

sangue

Os primeiros anos da vida poliacutetica de Agaacutetocles se

deram no exiacutelio quando o siracusano parece ter aproveitado

a puniccedilatildeo para angariar apoio noutras regiotildees e recrutar o

nuacutemero de mercenaacuterios que seu dinheiro pudesse pagar Apoacutes

o seu retorno a Siracusa em 319 aC jaacute em cenaacuterio

poliacutetico favoraacutevel Agaacutetocles apresentou-se como defensor

da democracia e segundo Diodoro conquistou o apoio

popular por sua abordagem demagoacutegica (δημαγωγήσας) Em

seguida Agaacutetocles teria sido eleito strategos e ldquoguardiatildeo

96

da pazrdquo (φύλαξ τς εἰρήνης)205 Meister e Zambon recordam que um

termo ligeiramente diferente aparece na Marmor Parium (FGrH

239F12) onde eacute sugerida jaacute no iniacutecio uma strategia

autocraacutetica206 o que altera sensivelmente a natureza da

magistratura de Agaacutetocles e sugere nesse caso o uso de

fontes favoraacuteveis ao tirano por Diodoro A strategia

autocraacutetica era um cargo extraordinaacuterio sendo o magistrado

eleito por tempo indeterminado e com objetivos de caraacuteter

urgente No caso em questatildeo a querela entre democratas e

oligarcas deveria ser mais uma vez solucionada mas com o

strategos agrave frente da poliacutetica externa Tratava-se

portanto de ldquouma excelente oportunidade para o golpe de

Estadordquo recorda o historiador italiano Aleacutem disso

Agaacutetocles natildeo era exatamente o homem mais indicado para

coordenar um equiliacutebrio muacutetuo entre as facccedilotildees como a sua

imediata ascensatildeo ao poder absoluto precedida pelo

extermiacutenio dos seus adversaacuterios poliacuteticos foi capaz de

mostrar207 A nomeaccedilatildeo de Agaacutetocles tenha ela acontecido

nos termos postos por Diodoro ou da forma direta presente

na inscriccedilatildeo sugere uma legalidade no processo o que

dificilmente ocorreu A eleiccedilatildeo era apenas uma ldquopseudo-

legalidade formalrdquo diz Meister208 uma vez que (1) os

adversaacuterios poliacuteticos oligarcas haviam sido assassinados ou

exilados (2) a assembleacuteia era composta basicamente por

entusiastas da nomeaccedilatildeo de Agaacutetocles e (3) um grande nuacutemero

de soldados dava cobertura armada para o golpe Parece

205 Diod 195 Eacute possiacutevel que Diodoro tenha usado neste caso uma

fonte favoraacutevel a Agaacutetocles de modo a alterar as caracteriacutesticas das

primeiras magistraturas que ele assumiu em Siracusa 206 Marmor Parium (FGrH 239F12) ldquoE naquele mesmo ano os siracusanos

escolheram Agaacutetocles como bdquostrategos autocrator‟ das defesas

siciliotasrdquo Meister CAH 7 p 389 Zambon op cit p 78 Marmor

Parium eacute uma famosa inscriccedilatildeo encontrada em Paros datada de 2643

aC e preservada em duas partes podendo ser consultadas

gratuitamente no website do Ashmoelan Museum

(httpwwwashmoleanorg) 207 Meister CAH 7 p 388

208 Meister CAH 7 p 389

97

incorreto portanto falar de uma eleiccedilatildeo livre e legal do

mesmo modo que pressupor uma participaccedilatildeo efetiva da

assembleacuteia nas decisotildees tomadas por Agaacutetocles o que

inviabiliza inclusive a sua interpretaccedilatildeo como ldquotirano

popularrdquo A sua abordagem demagoacutegica posta muitas vezes

numa entonaccedilatildeo positiva por Diodoro funcionava apenas como

princiacutepio ideoloacutegico para a manutenccedilatildeo de um poder

autocraacutetico e opressor em relaccedilatildeo ao funcionamento da

assembleacuteia o qual foi associado como recurso estrateacutegico

de compensaccedilatildeo ao cancelamento de diacutevidas redistribuiccedilatildeo

de terras construccedilatildeo de diversos preacutedios puacuteblicos e

expansatildeo da frota siracusana

De acordo com Zambon209 o primeiro indiacutecio da adoccedilatildeo da

basileia heleniacutestica por Agaacutetocles encontra-se numa accedilatildeo

especiacutefica durante a campanha africana (310-307 aC)

Nesta ocasiatildeo em 309 aC o tirano teria dado indiacutecios de

que pretendia mesmo adotar um novo tipo de realeza em

sintonia com a emergente ideologia advinda do mundo

heleniacutestico Zambon remonta o significante episoacutedio do

motim em Tuacutenis210 quando Agaacutetocles decidiu enfrentar o

problema pessoalmente diante dos soldados Apoacutes vestir uma

toga puacuterpura (τὴν πορφύραν)211 siacutembolo da realeza naquele

tempo Agaacutetocles foi ter com suas tropas rebeldes que

reconheceram seus trajes como roupas reais (τὴν βασιλικὴν

ἐσθτα) adequadas ou pertencentes ao seu comando (τὸν

προσήκοντα κόσμον) Embora seja improvaacutevel que Agaacutetocles

tivesse pensado em se autoproclamar basileu antes mesmo dos

209 Zambon op cit p 80

210 Diod 2034

211 Esta foi a primeira vez em que Agaacutetocles apareceu diante de suas

tropas trajando a toga puacuterpura A toga alaranjada no estilo tarentino

(κροκωτὸν ἐνδὺς) no entanto havia jaacute sido empregada por Agaacutetocles de acordo com informaccedilatildeo registrada em Polieno 53 Na ocasiatildeo Agaacutetocles

convidou quase 500 pessoas (hostis agrave sua autoridade em Siracusa) para

um banquete e momentos apoacutes ter cantado danccedilado e tocado harpa

vestido com sua toga alaranjada no estilo tarentino mandou executar

todos os convidados

98

Diaacutedocos o ponto aqui eacute que Agaacutetocles certamente modificou

a concepccedilatildeo de seu proacuteprio poder durante a campanha

africana e que estava inclinado a atingir uma nova escala

de influecircncia poliacutetica entre seus homens A vitoacuteria sobre

Ophellas vale lembrar um dos antigos Companheiros de

Alexandre certamente influenciou a referida postura

durante a expediccedilatildeo africana

Suporte para a orientaccedilatildeo heleniacutestica de Agaacutetocles pode

ser encontrado tambeacutem numa evidecircncia arqueoloacutegica que tem

se mostrado tatildeo decisiva quanto polecircmica um estater de

ouro de Agaacutetocles com apenas 3 exemplares conhecidos

(fig1)212 A moeda possui no anverso uma cabeccedila com um

escalpo de elefante e o chifre de Amon e no reverso a

imagem de uma Atena ldquomarchanterdquo equipada com elmo escudo

e lanccedila sendo precedida por uma coruja aos seus peacutes ave

frequumlentemente ligada agrave divindade e com a inscriccedilatildeo

AGATHOKLEOS (ldquode Agaacutetoclesrdquo) agraves suas costas Como nos

lembra Stewart o estater de ouro tem sido vinculado agrave

expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles desde o seacutecXIX aleacutem de

parecer inquestionaacutevel que se trata de uma imitaccedilatildeo dos

tetradracmas de Ptolomeu especificamente aqueles dos anos

3143 aC (fig2)213 A primeira questatildeo analiacutetica pode ser

sugerida a partir da figura presente no anverso Noutras

palavras de quem seria a cabeccedila representada no estater

Claramente a Atena representada no reverso refere-se a uma

vitoacuteria militar (Athena Nikeacute) e deve tratar do iniacutecio da

expediccedilatildeo africana214 desdobrando-se portanto em algumas

212 Haacute outras evidecircncias para o impacto da expediccedilatildeo asiaacutetica de

Alexandre no mundo mediterracircnico ocidental tais como um vaso

apuliano cujo tema central eacute a batalha de Isso e um retrato no

templo de Melkart em Caacutedis Sobre a repercussatildeo que a anaacutebasis de

Alexandre teve no mundo ocidental antigo consultar Andrew Stewart

Faces of Power Alexander‟s Image and Hellenistic Politics Berkeley

and Los Angeles University of California Press 1993 pp 150-157

263-289 213 Stewart op cit p 266

214 Uma vez que a expediccedilatildeo terminou em fracasso a cunhagem natildeo pode

ter se dado apoacutes 307 aC Aleacutem disso haacute que se considerar uma

99

interpretaccedilotildees possiacuteveis para a cabeccedila em questatildeo trata-

se dizem alguns da personificaccedilatildeo da Aacutefrica Liacutebia ou

Siciacutelia215 ao passo que outros sustentam uma identificaccedilatildeo

com Alexandre ou com o proacuteprio Agaacutetocles216 A mim parece

evidente que se trata de Agaacutetocles representado como

Alexandre pelos seguintes motivos 1) como notaram alguns

estudiosos a personificaccedilatildeo da Aacutefrica da Liacutebia ou mesmo

da Siciacutelia natildeo eacute seguramente documentada ateacute o periacuteodo

romano devendo ainda ser considerado o chifre de Amon e a

fronte masculina como evidecircncias da impossibilidade de uma

representaccedilatildeo feminina217 2) embora natildeo existissem

elefantes no exeacutercito de Agaacutetocles a sua ausecircncia mesmo

entre os cartagineses do periacuteodo de cunhagem do estater

indica que se tratava de algo puramente simboacutelico sem

referecircncia imediata ao exeacutercito do comandante siracusano

mostrando-se portanto como imitaccedilatildeo dos tetradracmas de

Ptolomeu (314-3 aC) como previamente sugerido e

visando em uacuteltima instacircncia o viacutenculo com o impeacuterio de

Alexandre o Grande (filho de Amon) a partir de um dos

siacutembolos poliacutetico-militares mais poderosos dos Diaacutedocos (o

referecircncia em Diod 2011 sobre a primeira vitoacuteria de Agaacutetocles na

Aacutefrica quando os soldados apoiados por corujas (animal ligado agrave

deusa Atena como dito acima) conseguiram derrotar os cartagineses

ldquoao perceber que os seus soldados estavam aterrorizados com o grande

nuacutemero da cavalaria e da infantaria baacuterbaras [Agaacutetocles] soltou

corujas entre o seu exeacutercito as quais ele tinha preparado como meio

de retirar o medo dos soldados comuns as corujas voando atraveacutes da

falange e pousando nos escudos e elmos encorajaram os soldados e

cada homem entendeu o ocorrido como um pressaacutegio uma vez que o

paacutessaro eacute consagrado a Atenardquo A referecircncia soa absurda do ponto de

vista taacutetico mas deve ter sido inspirada por algum evento relacionado

agraves corujas a julgar pelos dados cruzados tanto no estater quanto no

relato do historiador siciliano 215 Kuschel 1961 15 e Goukowsky 1978 207 sugeriram Aacutefrica e Liacutebia

sendo a Siciacutelia tambeacutem sugerida por Goukowsky 1978 356 216 Alexandre parece o mais provaacutevel para os estudiosos como encontrado

em Walther Giesecke (Sicilia numismaacutetica Leipzig K W Hiersemann

1923 P 91) e Ernest Babelon (ldquoAlexandre ou l‟Afriquerdquo Areacutethuse 1

95-107 1924 P 102) enquanto Agaacutetocles tem sido sugerido por

exemplo por Erick Sjoumlqvist (ldquoA portrait Head from Morgantina AJA 66

319-322 1962 P 320rdquo) Para um balanccedilo geral das diversas

interpretaccedilotildees cf Stewart op cit pp 266-268 217 Cf Stewart op cit p 268

100

elefante de combate) Pode-se dizer que a imagem faz

referecircncia estrita a Alexandre devido ao chifre de Amon

mas considerando-se cuidadosamente a inscriccedilatildeo no reverso e

o contexto de cunhagem chega-se agrave conclusatildeo de que a

cabeccedila sugere Agaacutetocles representado como Alexandre (o que

anularia inclusive a criacutetica feita por alguns estudiosos

de que a cabeccedila de Agaacutetocles havia sido representada

diferentemente noutras moedas)

101

2 O embate pela preservaccedilatildeo da unificaccedilatildeo

poliacutetica da morte de Agaacutetocles a Pirro do Epiro

Entre 310 aC e 290 aC os tradicionais problemas

siciliotas haviam sido parcialmente controlados por meio da

centralizaccedilatildeo liderada por Agaacutetocles Submetidas ao

controle de Siracusa as poacuteleis da Siciacutelia experimentaram

uma reduccedilatildeo dos conflitos internos que quase sempre

resultavam em stasis (uma vez que natildeo possuiacuteam autonomia

para tanto) e o domiacutenio cartaginecircs manteve-se em boa parte

do tempo restrito agrave porccedilatildeo oeste da ilha (dado o caraacuteter

militarmente ofensivo da poliacutetica externa siracusana) Apoacutes

a morte de Agaacutetocles no entanto com a reconquista da

autonomia das cidades vieram todos os tradicionais

problemas siciliotas somando-se ao novo distuacuterbio

migratoacuterio que os gregos da Siciacutelia tiveram que enfrentar

os mercenaacuterios do exeacutercito do monarca218

De modo similar ao que ocorreu com os macedocircnios a

questatildeo mais delicada na Siciacutelia grega teve relaccedilatildeo com a

sucessatildeo do rei (heleniacutestico) Uma diferenccedila todavia deve

ser notada no caso siciliota os paracircmetros sucessoacuterios

nunca foram muito claros ou mesmo respeitados ainda que a

tendecircncia natural fosse a delegaccedilatildeo do poder real aos

filhos do monarca em exerciacutecio Nos uacuteltimos anos de sua

vida Agaacutetocles havia confiado o controle dos exeacutercitos a

Archagathus neto do rei e filho do tambeacutem nomeado

Archagathus ex-combatente morto na Liacutebia219 De acordo com

218 Para os problemas gerados pelos mercenaacuterios de Agaacutetocles apoacutes a sua

morte consultar Gianluca Tagliamonte ldquoRapporti tra societagrave di

immigrazione e mercenari italici nella Sicilia greca del IV secolo

aCrdquo In Confini e frontiera nella Grecitagrave d‟Occidente Atti Del

XXXVII Convegno Internazionale di Studi sulla Magna Grecia Taranto

1999 PP 547-572 219 Diod 2116 Justino 232 Para uma distinccedilatildeo entre ambos ver

Niese ldquoArchagatusrdquo in RE 21 432-433 1895

102

Diodoro220 o plano de Agaacutetocles era que seu filho

Agaacutetocles juacutenior se tornasse o sucessor legiacutetimo tendo

com esse propoacutesito apresentado o jovem em Siracusa e o

enviado a Etna com uma carta de autorizaccedilatildeo para o comando

supremo das tropas Ao saber da deliberaccedilatildeo do rei

Archagathus teria decidido levar adiante um plano de

usurpaccedilatildeo Como primeira medida instigaria Menon um dos

amigos (philoi) de Agaacutetocles a envenenar o rei enquanto o

proacuteprio strategos levaria a cabo o assassinato do priacutencipe

apoacutes embebedaacute-lo durante uma festa organizada com esse

objetivo

Se aceitarmos o relato diodoreano a conclusatildeo imediata

eacute que Agaacutetocles desejava manter unidas strategia e

basileia no intuito de assegurar hereditariamente a

concentraccedilatildeo dos poderes poliacutetico e militar nas matildeos de um

soacute homem221 Ao seguir o formato monaacuterquico heleniacutestico

Agaacutetocles teria concedido plenos poderes poliacuteticos ao

general e ao mesmo tempo autoridade sobre os exeacutercitos ao

rei

Haacute contudo uma explicaccedilatildeo alternativa para a sucessatildeo

em Justino a qual natildeo pode ser negligenciada pelos

historiadores ldquoconforme a sua vida esvaiacutea uma guerra

nasceu entre seu filho e seu neto pelo direito agrave sucessatildeo

do reino como se ele jaacute estivesse morto apoacutes eliminar o

filho o neto tomou posse do poder reacutegiordquo222 De acordo com

Justino tanto Agaacutetocles juacutenior quanto Archagathus ao que

parece ainda no comando de consideraacutevel parte do exeacutercito

natildeo teriam sido escolhidos para suceder o rei Ao narrar

que Agaacutetocles teria enviado sua esposa ao Egito os dois

filhos que tivera com ela juntamente com seu tesouro

220 Diod 2116

221 Zambon Hellenistic Sicily pp19-20

222 Justino 232 Ex qua desperatione bellum inter filium nepotemque

eius regnum iam quasi mortui vindicantibus oritur occiso filio regnum

nepos occupavit

103

servos e mobiacutelia real Justino torna claro que o rei natildeo

havia pensado em nenhum dos rebeldes (filho e neto) como

seu sucessor legiacutetimo e que o conflito ter-se-ia iniciado

devido ao seu estado fraacutegil de sauacutede causado por uma

repentina e fatal doenccedila

Por uacuteltimo somente Diodoro menciona que Agaacutetocles

apoacutes ter sido envenenado por Menon a mando de Archagathus

ldquoconvocou a populaccedilatildeo denunciou Archagathus por sua

impiedade instigou a multidatildeo a se vingar e declarou que

devolveu a democracia ao corpo de cidadatildeosrdquo223 Certamente

o que verificamos logo apoacutes a morte de Agaacutetocles eacute a

retomada do governo proacuteprio de Siracusa que muito em breve

entraria em colapso para dar lugar a mais uma guerra civil

Diodoro224 menciona um evento importante sobre os soldados

pagos de Agaacutetocles chamados mamertinos225 os quais foram

obrigados apoacutes longa negociaccedilatildeo mediada pelos anciatildeos (οἱ

πρεσβῦται) a vender as suas propriedades e deixar a Siciacutelia

(τὰς ἑαυτν κτήσεις ἀποδομένους ἀπελθεῖν ἐκ Σικελίας)

Se aceitarmos o uacutenico fato em comum nos dois relatos

preservados sobre a sucessatildeo de Agaacutetocles isto eacute a luta

entre filho e neto pelo poder reacutegio haacute talvez uma forma de

unificar as divergecircncias nos testemunhos de Diodoro e

Justino Mesmo que Agaacutetocles natildeo tivesse escolhido seu

filho como sucessor podemos supor que o mesmo possuiacutea

direito ao trono uma vez que Archagathus o combateu com o

intuito de eliminaacute-lo da contenda sucessoacuteria226

Archagathus por outro lado possuiacutea o controle de boa

223 Diod 2116 [] ἐκκλησιάσας τὸν λαὸν κατηγόρησε τς ἀσεβείας Ἀρχαγάθου καὶ τὰ

μὲν πλήθη παρώξυνε πρὸς τὴν ατοῦ τιμωρίαν τῶ δὲ δήμῳ τὴν δημοκρατίαν ἔφησεν ἀποδιδόναι 224 Diod 2118

225 Diodoro 2118 nos informa que a cidade chamava-se Mamertina apoacutes

Ares que era conhecido ali pelo nome de Mamertos 226 Consolo Langher pp 320-321 tenta unificar as divergecircncias nos dois

relatos de modo muito similar exceto pelo fato de que toma como

incontestaacutevel a indicaccedilatildeo diodoreana com relaccedilatildeo agrave escolha do sucessor

e posterior revolta paterna diante da morte de seu primogecircnito O

problema aqui eacute a exclusatildeo intencional do que nos informa Justino que

natildeo faz qualquer menccedilatildeo agrave escolha de um sucessor por Agaacutetocles

104

parte dos exeacutercitos como atestado em ambas as fontes o

que lhe dava condiccedilotildees de reclamar o trono Se por um

lado Agaacutetocles natildeo escolheu seu filho como sucessor como

nos faz crer Justino por outro o rei natildeo desejava deixar

a heranccedila ao seu neto como nos indica tanto o despacho dos

seus tesouros ao Egito apoacutes a morte de Agaacutetocles juacutenior em

Justino227 como a devoluccedilatildeo do governo proacuteprio aos

siracusanos instantes antes de sua morte em Diodoro228

Apesar da divergecircncia quanto agrave escolha sucessoacuteria para

a qual proponho a soluccedilatildeo apresentada229 os testemunhos de

Diodoro e Justino preservam algo muito interessante tendo

Agaacutetocles escolhido seu filho como herdeiro o que teria

provocado os planos de usurpaccedilatildeo do neto e a consequumlente

luta pelo trono ou tendo filho e neto lutado pela sucessatildeo

sem o consentimento do rei do que resultou a morte do

filho e a hostilidade de Agaacutetocles para com Archagathus

parece incontornaacutevel o fato de que a manutenccedilatildeo da uniatildeo

entre strategia e basileia tenha sido um dos motores do

conflito As monarquias sicilianas posteriores do mesmo

modo tenderatildeo a manter o formato inaugurado por Agaacutetocles

ora baseando-se no esquema de incorporaccedilatildeo definitiva da

strategia compulsoacuteria agrave esfera do poder monaacuterquico ora

desdobrando a monarquia de tipo heleniacutestico da strategia

autocraacutetica

227 Justino 232

228 Diod 2116

229 Consolo Langher p 321 e Zambon Hellenistic Sicily p 25

propuseram algo no mesmo sentido particularmente quanto agraves

providecircncias do rei para evitar que seu neto tomasse o poder Tal

interpretaccedilatildeo contraria abertamente a proposta de Helmut Berve op

cit que via a devoluccedilatildeo do governo proacuteprio aos siracusanos por

Agaacutetocles como reconhecimento do fracasso institucional da basileia na

Siciacutelia

105

3 Pirro e o problema da monarquia heleniacutestica230

Semelhante a Alexandre ldquoem aparecircncia velocidade e

movimentordquo231 Pirro tomou um caminho diferente daquele

assumido por Agaacutetocles Como o rei do Epiro clamava ser

descendente de Aquiles optou por se apresentar como a

proacutepria reencarnaccedilatildeo de Alexandre ao inveacutes de explorar a

memoacuteria do rei por exemplo por meio de cunhagem poacutestuma

(o que havia sido feito por Agaacuteocles)232 Diferentemente dos

planos de unificaccedilatildeo poliacutetica e cultural concebidos por

Alexandre a atuaccedilatildeo de Pirro findou por ser a de lideranccedila

em questotildees essencialmente praacuteticas na vida dos italiotas e

siciliotas Inicialmente apoacutes fracassar nos embates contra

Lisiacutemaco que havia subornado os macedocircnios de seu exeacutercito

ao questionar a quem deveriam ser leais se aos amigos e

companheiros de Alexandre ou ao estrangeiro que acolheram

como rei233 Pirro tomou o pedido de auxiacutelio dos tarentinos

em 281 aC (passados os quatro anos que Leacutevecircque Pirro

entende terem sido um ldquoperiacuteodo de reflexatildeordquo234) como a sua

melhor chance de realizar a conquista do ocidente com a

qual Alexandre havia provavelmente sonhado algumas deacutecadas

antes e concretizar uma monarquia de tipo heleniacutestico

O diaacutelogo entre Pirro e Cineas diplomata de origem

tessaacutelia a serviccedilo do rei ilustra claramente as intenccedilotildees

do epirota em se tornar um monarca de tipo heleniacutestico

(considerando como veremos a seguir que a monarquia

epirota era de um tipo peculiar permanecendo o rei

submetido agrave fiscalizaccedilatildeo constante dos molossianos) a

230 Leacutevecircque Pirro Zambon Hellenistic Sicily pp 97-175

231 Plut Pirro 81

232 Stewart (op cit p284) lembra que as suas moedas traziam imagens

de Aquiles Teacutetis Dione e Zeus 233 Plut Pirro 126 Leacutevecircque Pirro p 166 Leacutevecircque Pirro calcula

somente 3 anos para o governo da Macedocircnia e 2 anos para o governo da

Tessaacutelia antes de o epirota sofrer a derrota para Lisiacutemaco 234 Leacutevecircque Pirro p 168

106

reencarnaccedilatildeo de Alexandre em proporccedilotildees similares de

conquista

bdquoOs romanos oacute Pirro satildeo conhecidos como bons

combatentes e como governantes de muitos povos

belicosos se entatildeo a divindade nos permitir

prevalecer sobre esses homens como deveriacuteamos usar a

nossa vitoacuteria‟ E Pirro disse bdquoa questatildeo oacute Cineas

realmente natildeo necessita de resposta uma vez

conquistados os romanos natildeo haacute nem baacuterbaros nem gregos

que sejam paacutereo para noacutes mas noacutes devemos dominar de

uma vez toda a Itaacutelia cuja grandeza (μέγεθος) excelecircncia (ἀρετὴν) e forccedila (δύναμιν) nenhum homem conhece melhor que vocecirc‟ Apoacutes uma pequena pausa entatildeo Cineas

disse bdquoapoacutes tomar a Itaacutelia oacute Rei o que noacutes iremos

fazer‟ E Pirro sem perceber ainda a sua intenccedilatildeo

respondeu bdquoa Siciacutelia estaacute ao nosso alcance e estende-

nos as matildeos sendo uma ilha rica e populosa bem como

faacutecil de capturar pois tudo laacute oacute Cineas se resume a

stasis (στάσις γὰρ ὦ Κινέα πάντα νῦν ἐκεῖ[να]) suas cidades estatildeo anaacuterquicas (ἀναρχία πόλεων) e os demagogos agitados com Agaacutetocles morto (καὶ δημαγωγν ὀξύτης Ἀγαθοκλέους ἐκλελοιπότος)‟ bdquoO que vocecirc fala‟ respondeu Cineas bdquoparece oportuno

mas a nossa expediccedilatildeo iraacute se encerrar com a tomada da

Siciacutelia‟ bdquoA divindade‟ disse Pirro bdquonos concederaacute a

vitoacuteria e o sucesso da empreitada essas disputas seratildeo

usadas como preliminares de feitos grandiosos

(πραγμάτων μεγάλων) Ora quem se absteria da Liacutebia ou de Cartago tendo a cidade se tornado acessiacutevel uma

cidade que Agaacutetocles ao fugir de Siracusa secretamente

e cruzar o mar com poucas embarcaccedilotildees por pouco natildeo

conquistou E quando noacutes tivermos ali nos tornado

senhores nenhum dos inimigos que agora nos insultam

ofereceraacute resistecircncia eacute desnecessaacuterio dizer isso‟ 235

O rei do Epiro foi capaz de vencer duas batalhas (as

famosas ldquovitoacuterias piacuterricasrdquo) que analisarei em maiores

detalhes mais agrave frente neste capiacutetulo e entatildeo partiu para

a Siciacutelia como o homem capaz de substituir Agaacutetocles na

luta contra os cartagineses No momento da travessia de

Pirro para a Siciacutelia a porccedilatildeo nordeste da ilha encontrava-

se sob lideranccedila dos mamertinos que apoacutes terem eliminado

os cidadatildeos de Messina assumiram o controle da cidade Com

235 Plut Pirro 142-5 Cf Chaniotis WHW p 57

107

a morte de Agaacutetocles e a ausecircncia de um sucessor imediato

que pudesse manter-se no poder de forma legiacutetima ou mesmo

suprimir os violentos embates civis de Siracusa (Hicetas

foi capaz de derrotar Menon e Phintias de Acragas mas natildeo

de sobreviver aos conflitos internos apoacutes nove anos de

tirania)236 o avanccedilo cartaginecircs tornou-se inevitaacutevel

somando-se ao fato de que as cidades gregas independentes

(tais como Tauromenium e Acragas) mostraram-se mais

preocupadas com a tributaccedilatildeo imposta pelos mamertinos do

que propriamente com a investida comandada por Cartago Tal

preocupaccedilatildeo natildeo era descabida A sua independecircncia estava

novamente ameaccedilada agora por soldados do antigo monarca

os quais haviam estabelecido uma alianccedila com os

cartagineses no intuito de barrar a travessia de Pirro

como nos informa Diodoro

Os mamertinos que massacraram os habitantes de

Messina estabeleceram uma alianccedila com os cartagineses

e decidiram juntos impedir a travessia de Pirro para a

Siciacutelia237

Pirro desfrutava de excelente reputaccedilatildeo entre os

siciliotas particularmente com os siracusanos (a esta

altura sitiados pelos cartagineses) devido agrave sua

experiecircncia militar na Peniacutensula ao longo de mais de dois

anos e havia decidido partir para a Siciacutelia como

libertador dos gregos O fracasso nas negociaccedilotildees de paz

com os romanos e os constantes apelos de Siracusa eram

elementos que precisavam ser ajustados quisesse o rei

partir para a Siciacutelia sem expor a sua retaguarda ao

provaacutevel avanccedilo das legiotildees na Magna Greacutecia e ainda contar

com o apoio logiacutestico das cidades siciliotas

236 Hicetas foi substituiacutedo por Thoenon (Ortiacutegia) e Sosiacutestrato

(Siracusa) ambos entusiastas da vinda de Pirro para a Siciacutelia

segundo Diod 227 237 Diod 227 Ὅτι Μαμερτῖνοι οἱ Μεσσηνίους δολοφονήσαντες συμμαχίαν μετὰ

Καρχηδονίων ποιήσαντες ἔκριναν κοινῆ διακωλύειν Πύρρον τὴν εἰς Σικελίαν διάβασιν

108

Este uacuteltimo cuidado o uacutenico que pocircde ser devidamente

acertado por Pirro dizia respeito agrave certeza do suporte

dado pelas cidades siciliotas e devia-se ao fato de Pirro

contar com exeacutercito reduzido no momento da travessia

Apiano relata que ldquoapoacutes isso Pirro navegou para a Siciacutelia

com seus elefantes e oito mil cavaleirosrdquo (ὁ μὲν δὴ Πύρρος ἐπὶ

τούτοις ἐς Σικελίαν διέπλει μετά τε τν ἐλεφάντων καὶ ὀκτακισχιλίων ἱππέων)238 O

fato de o texto natildeo mencionar tropas de infantaria seria

algo desconcertante natildeo fosse a natureza fragmentada da

obra de Apiano Como nos lembra Leacutevecircque nos dias de hoje

costuma-se aceitar o que foi proposto em 1853 por

Niebuhr239 isto eacute que o fragmento natildeo conservou nem a

referecircncia aos pezoi apoacutes a contagem dos oito mil nem a

numeraccedilatildeo dos cavaleiros antes de ἱππέων240 Assim o trecho

original seria apoacutes isso Pirro navegou para a Siciacutelia com

seus elefantes oito mil soldados de infantaria e [vacat]

cavaleiros (ὁ μὲν δὴ Πύρρος ἐπὶ τούτοις ἐς Σικελίαν διέπλει μετά τε τν ἐλεφάντων

καὶ ὀκτακισχιλίων πεζν καὶ [vacat] ἱππέων) Exeacutercito reduzido como

se vecirc e que necessitava dos contingentes siciliotas para a

expediccedilatildeo contra os cartagineses

Na Siciacutelia o trabalho diplomaacutetico de Cineas mostrou-se

decisivo Plutarco nos informa que Pirro o enviou de

imediato para tratar preliminarmente como de costume com

as poacuteleis (μὲν εθὺς ἐξέπεμψε προδιαλεξόμενον ὥσπερ εἰώθει ταῖς πόλεσιν)

enquanto o rei movia-se com seu exeacutercito para Tarentum

cujos habitantes apesar da insatisfaccedilatildeo com a guarniccedilatildeo de

Pirro nada puderam fazer a respeito241 O fato de Tyndarium

de Tauromenium por exemplo ter assegurado a travessia e

feito os preparativos para receber as tropas de Pirro na

cidade eacute emblemaacutetico

238 Apiano Samn 116 Cf Vincenzo La Bua ldquoLa spedizione di Pirro in

Siciliardquo Miscellanea Greco-romana (MGR) 179-254 1980 239 Barthold G Niebuhr Roumlmische Geschichte Berlin G Reimer 1853

240 Leacutevecircque Pirro pp 455-456 Zambon Hellenistic Sicily p101

241 Plut Pirro 224

109

Levando-se em consideraccedilatildeo as condiccedilotildees para a

expediccedilatildeo siciliana podemos jaacute nos perguntar qual era a

natureza de sua monarquia e do tiacutetulo que lhe foi conferido

na Siciacutelia Tratava-se uma monarquia de tipo heleniacutestico

estendida ao territoacuterio siciliota

Haacute duas passagens nas fontes sobre a natureza da

relaccedilatildeo estabelecida entre Pirro e os gregos da Siciacutelia

uma em Poliacutebio e outra em Justino A primeira delas diz

respeito agrave tentativa de assegurar a legitimidade do governo

de Hierocircnimo em 213 aC por ser o tirano neto do rei

Pirro ldquoo uacutenico que todos os siciliotas aceitaram por

preferecircncia e com benevolecircncia como hegemon e reirdquo242 A

segunda delas faz menccedilatildeo a dois tiacutetulos reacutegios Pirro

ldquoapoacutes sua chegada em Siracusa foi designado rei da Siciacutelia

e rei do Epirordquo243 Como trataacute-las de forma plausiacutevel

Alguns historiadores sugeriram que o tiacutetulo de hegemon

na Siciacutelia era equivalente ao de Filipe II especialmente

no que se refere ao tratamento dado agraves poacuteleis Portanto a

alianccedila dos gregos da Siciacutelia com Pirro teria a mesma

natureza da Liga de Corinto isto eacute ambas teriam surgido

de uma pressatildeo poliacutetica externa capaz de subjugar as

cidades e de fazecirc-las integrar forccedilosamente um acordo com o

monarca estrangeiro244 Haacute somente um problema com esta

interpretaccedilatildeo que a compromete seriamente os siciliotas

natildeo haviam sido subjugados por Pirro quando prepararam a

sua recepccedilatildeo na porccedilatildeo leste da Siciacutelia da mesma forma que

natildeo sofreram qualquer pressatildeo poliacutetica preacutevia como nos

indicam as fontes previamente analisadas Tratava-se de um

projeto poliacutetico livremente aceito pelos gregos

242 Polib 74 μόνον κατὰ προαίρεσιν καὶ κατ εὔνοιαν Σικελιται πάντες εδόκησαν σφν

ατν ἡγεμόν εἶναι καὶ βασιλέα 243 Justino 233 cum Syracusas venisset rex Siciliae sicut Epiri

appellatur 244 Ioannes Vartsos ldquoOsservazioni sulla campagna di Pirro in Siciliardquo

Kokalos 16 89-97 1970

110

De acordo com Leacutevecircque Pirro era em primeiro lugar

hegemon de um koinon que se formou contra o inimigo

cartaginecircs assim como basileu ao estilo ldquohelecircnicordquo

tiacutetulos jaacute haacute muito tradicionais no mundo grego mas desta

vez ao contraacuterio do que aconteceu com Dioniacutesio e

Agaacutetocles os tiacutetulos foram concedidos ldquopela vontade

unacircnime de seus novos suacuteditosrdquo245

Leacutevecircque e Zambon recordam com razatildeo que os siciliotas

formaram sob o comando do rei do Epiro um reino da

Siciacutelia uma unidade poliacutetica criada para combater a ameaccedila

cartaginesa com a morte de Agaacutetocles Leacutevecircque eacute ainda

bastante otimista quanto agraves novas possibilidades

documentais que confirmariam algo nesse sentido apostando

numa possiacutevel descoberta de evidecircncias epigraacuteficas

reveladoras a esse respeito

O problema emerge quando Pirro que pode ser

considerado tanto rei do Epiro quanto rei da Siciacutelia

separadamente planejou unificar ambos os reinos e trataacute-

los ao modo heleniacutestico o que natildeo seria admitido nem entre

os molossianos que mantinham certo controle sobre a figura

do rei (a exemplo da cunhagem das moedas que foi aos

poucos sendo conquistada por Pirro) nem entre os

siciliotas (que no final da expediccedilatildeo enxergaram em seu

liacuteder um tirano) para quem Pirro era basileu com funccedilotildees

restritas de hegemon Pode-se dizer que os siciliotas

concederam a Pirro o poder de um monarca ldquohelecircnicordquo ao

passo que o epirota tentou se comportar como um monarca

ldquoheleniacutesticordquo postura que lhe rendeu da mesma forma que a

Agaacutetocles a classificaccedilatildeo negativa (tiacutepica do periacuteodo) de

ldquotiranordquo

245 Leacutevecircque Pirro p 462

111

4 Agaacutetocles Pirro e a imitatio Alexandri em

campo de batalha

41 A expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles

Poliacutebio relata que Cipiatildeo o Africano responsaacutevel pela

reviravolta na Segunda Guerra Puacutenica ao inverter a

estrateacutegia de Aniacutebal Barca levando assim a guerra da

Itaacutelia para a Aacutefrica julgando que as cidades africanas natildeo

teriam condiccedilotildees logiacutesticas para suportar a investida

respondeu quando lhe perguntaram quais eram os maiores

estadistas em coragem e sabedoria ldquoAgaacutetocles e

Dioniacutesiordquo246 Essa resposta se veriacutedica jaacute bastaria para

argumentar que Agaacutetocles embora natildeo tenha sido bem-

sucedido em sua expediccedilatildeo africana era de fato um grande

estadista simplesmente por ter ascendido ao poder em

Siracusa amparado por sua riqueza (que lhe permitiu

recrutar mercenaacuterios) e eloquumlecircncia bem como adotado uma

estrateacutegia ofensiva contra os cartagineses a qual marcaraacute

profundamente a histoacuteria militar do mundo antigo

particularmente a decisatildeo de Cipiatildeo o Africano Embora

fracassada a uacutenica expediccedilatildeo grega em territoacuterio africano

serviu igualmente para ilustrar que Agaacutetocles mesmo antes

de se proclamar basileu havia possivelmente conduzido uma

imitatio Alexandri em campo de batalha Como argumentarei

em seguida ao retomar uma pista lanccedilada por Griffith em

1935 e que parece ter sido deixada de lado pela

historiografia talvez por seu otimismo excessivo poderei

argumentar a favor do uso de grupamentos taacuteticos em moldes

heleniacutesticos durante a expediccedilatildeo africana momentos antes

da autoproclamaccedilatildeo monaacuterquica do comandante siracusano

Antes disto contudo torna-se necessaacuterio precisar o

contexto de tal expediccedilatildeo

246 Polib 1535

112

Agaacutetocles estava provavelmente sem esperanccedilas de

receber auxiacutelio diante da ofensiva cartaginesa na ilha uma

vez que os poderes orientais natildeo haviam manifestado

interesse imediato nas questotildees do ocidente heleniacutestico

Diante disso bem como da presenccedila do inimigo Agaacutetocles

decidiu inverter a estrateacutegia e assolar o territoacuterio

africano numa estrateacutegia de ousadia sem precedentes para

os siciliotas apostando no apoio que poderia obter dos

liacutebios e no ldquoesfriamentordquo do espiacuterito combativo dos

cartagineses que ao depositarem a responsabilidade da

defesa de sua cidade nas matildeos de mercenaacuterios (estando os

mesmos ocupados em Siracusa) teriam perdido qualquer

possibilidade de aquisiccedilatildeo de experiecircncia militar e ldquoardor

combativordquo Os soldados cartagineses que viviam

luxuosamente numa paz prolongada (τετρυφηκότας ἐν εἰρήνῃ

πολυχρονίῳ) portanto sem qualquer experiecircncia nos perigos

da batalha seriam facilmente derrotados como nos lembra

Diodoro ldquopor aqueles que haviam sido treinados na escola

do perigordquo (πὸ τν ἐνηθληκότων τοῖς δεινοῖς)247 Agaacutetocles entatildeo

reuniu cerca de 13500 mercenaacuterios preparou 60 embarcaccedilotildees

e aguardou um momento de distraccedilatildeo dos cartagineses para

navegar rumo ao norte da Aacutefrica provavelmente sem informar

os seus homens de seu plano Apoacutes uma semana de viagem o

siracusano desembarcou com as tropas num lugar a 110 km de

Cartago e decidiu atear fogo agraves embarcaccedilotildees por que natildeo

queria dividir as suas forccedilas (deixando um destacamento

para vigiar a frota estacionada) ou talvez como reforccedilo

psicoloacutegico para o objetivo final da empreitada deixar a

regiatildeo com os cartagineses subjugados tendo para isso o

apoio das divindades (Demeacuteter e Kore as divindades

patronas da Siciacutelia a quem Agaacutetocles havia oferecido o

ldquosacrifiacutecio dos naviosrdquo) Durante a sua marcha para

Cartago o exeacutercito deparou-se com regiotildees bastante

247 Diod 203 Meister CAH 7 p 394

113

feacuterteis tendo tomado por assalto as cidades de Megaloacutepolis

e Tuacutenis Em seguida os mercenaacuterios montaram acampamento

proacuteximo a Cartago onde aguardaram o embate decisivo com o

exeacutercito cartaginecircs na ocasiatildeo formado por seus proacuteprios

cidadatildeos

Apavorados e sem experiecircncia os cartagineses sofreram

uma derrota terriacutevel como analisarei no proacuteximo item

dando liberdade para o saque de diversas cidades (a exemplo

de Neapolis) pelos mercenaacuterios e para o estabelecimento de

uma alianccedila com Elimas rei dos liacutebios Durante a investida

na costa leste da atual Tuniacutesia os cartagineses tentaram

um contra-ataque apostando no corte das linhas de

abastecimento de Neapolis e na reaproximaccedilatildeo com os liacutebios

o que para azar de Agaacutetocles desdobrou-se na traiccedilatildeo de

Elimas248 O siracusano no entanto apressou-se no retorno

a Tuacutenis e conseguiu lidar com a situaccedilatildeo de forma

satisfatoacuteria para o sucesso inicial da expediccedilatildeo Mais de

2000 cartagineses foram mortos e o traidor o rei Elimas

executado como exemplo Esta foi a primeira fase da

expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles seguida por uma seacuterie de

eventos que colocaratildeo fim agraves esperanccedilas de submissatildeo do

norte da Aacutefrica pelos gregos

De modo geral considera-se o periacuteodo posterior a 309

aC como sendo o de fracasso progressivo da expediccedilatildeo

Agaacutetocles enfrentaraacute motins entre seus homens e resolvecirc-

los-aacute com eficiecircncia249 Em seguida apoacutes uma extensatildeo da

guerra mais ao interior e a incorporaccedilatildeo do exeacutercito de

Ophellas de Cirene250 o siracusano tomou a guerra entre

cartagineses e numiacutedios como momento favoraacutevel para a

intensificaccedilatildeo da ofensiva Mas ele natildeo foi capaz de manter

o seu exeacutercito unido durante o seu retorno forccedilado a

248 P Oxyrhynchus 2399 Meister CAH 7 p 396

249 Diod 2033-34

250 Episoacutedio analisado no iniacutecio deste capiacutetulo

114

Siciacutelia Com Agaacutetocles de volta a Siracusa Arcagathus

deixado no comando das tropas de seu pai fracassou diante

dos cartagineses e perdeu boa parte do exeacutercito de

Agaacutetocles tentando sem sucesso recobraacute-lo em Tuacutenis A

uacuteltima esperanccedila de Agaacutetocles era induzir os cartagineses a

uma batalha decisiva contra os homens que havia trazido da

Siciacutelia mas eles aprenderam a liccedilatildeo um pouco antes

Permaneceram em seus fortes aguardando que o exeacutercito

mercenaacuterio grego se desfizesse em discoacuterdia ou tentasse um

ataque desesperado Apoacutes uma batalha mal sucedida

Agaacutetocles se viu novamente obrigado a deixar os seus planos

na Aacutefrica mas desta vez sem alimentar quaisquer

expectativas de retorno Para selar a desgraccedila final ao

perceber que natildeo dispunha de embarcaccedilotildees suficientes para

todo o exeacutercito o comandante siracusano optou por deixar o

continente africano secretamente251

251 Meister CAH 7 p 400

115

411 O exeacutercito de Agaacutetocles

Em primeiro lugar uma diferenccedila baacutesica deve ser

esclarecida quanto ao uso dos mercenaacuterios por Siracusa e

pelos chamados ldquotiranos siciliotasrdquo Os uacuteltimos natildeo

poderiam eacute claro contar com o suporte de tropas ciacutevicas

(ao menos com a maioria delas) uma vez que seus propoacutesitos

eram quase sempre inconstitucionais252 Da mesma forma a

cidade siciliota natildeo poderia contar unicamente com

soldados-cidadatildeos por trecircs motivos (1) a guerra contra os

cartagineses natildeo ocorria em caraacuteter sazonal jaacute que os

cartagineses empregavam mercenaacuterios em larga escala na

Siciacutelia (2) quando a cidade reagia ao poder militar de um

tirano precisava fazecirc-lo numa loacutegica semelhante agrave

periodicidade do combate contra os cartagineses e (3) o

exeacutercito altamente flexiacutevel dos tiranos constituiacutea uma arma

muito superior aos exeacutercitos ciacutevicos mal treinados Temos

entatildeo um ponto comum entre a poacutelis e os tiranos isto eacute o

uso de mercenaacuterios em larga escala por ambos mas esta

identificaccedilatildeo no estatuto de parte dos soldados recrutados

natildeo leva ao recrutamento de tropas mercenaacuterias com funccedilotildees

taacuteticas idecircnticas De fato ao passo que os democratas

confiavam basicamente nos mercenaacuterios de procedecircncia grega

os tiranos mostravam-se verdadeiros entusiastas do

ldquomercenariato sem fronteiras eacutetnicasrdquo provavelmente por

conta do sentimento de hostilidade agrave cidadania253 O uso

constante de tais tropas combinado agrave lideranccedila de um

general experiente (o que Cartago natildeo foi capaz de

fornecer como veremos no proacuteximo capiacutetulo) resultou na

porccedilatildeo grega da Siciacutelia no desenvolvimento de uma tradiccedilatildeo

militar peculiar atualizada do ponto de vista taacutetico e

252 Vendo o roacutetulo da tirania no seacutecIII aC como pertencente aos

politicos que desdobraram seu poder de uma situaccedilatildeo inconstitucional

(strategia autocraacutetica compulsoacuteria na maior parte das vezes) 253 Argumento desenvolvido por Duncan Head Armies of the Macedonian

and Punic Wars organization tactics dress and weapons Sussex

Wargames Research Group Publication 1982 P10

116

favoraacutevel sob a autoridade de um poliacutetico em sintonia com

o mundo heleniacutestico agraves inovaccedilotildees de natureza

institucional

Em 310 aC Agaacutetocles contava com 13500 mercenaacuterios

para a sua expediccedilatildeo africana dos quais contamos 1000

hoplitas 3000 gregos (distintos dos primeiros por que natildeo

integravam a guarda pessoal do siracusano) 3500

siracusanos 2500 soldados de infantaria de origem incerta

(talvez aliados sicilianos natildeo-gregos) 3000 mercenaacuterios

samnitas etruscos e celtas 500 arqueiros e fundeiros254

A

ausecircncia das referecircncias agrave cavalaria provavelmente indica a

esperanccedila de Agaacutetocles em recrutar cavaleiros localmente

assim que chegasse ao norte da Aacutefrica Passados os dois

primeiros anos da expediccedilatildeo Agaacutetocles pocircde dobrar as suas

forccedilas tendo incorporado o exeacutercito de Ophellas Amparados

por essa informaccedilatildeo em Diodoro podemos seguramente dizer

que a forccedila militar de Agaacutetocles passou a contar tambeacutem com

10000 soldados de infantaria 600 cavaleiros 100 carros

de guerra e 300 homens para lutar ao lado de tais carros255

As funccedilotildees ou origens eacutetnicas dos homens de Ophellas satildeo

incertas mas Agaacutetocles natildeo deve ter sido capaz de mantecirc-

los sob seu comando a julgar pelos nuacutemeros que Diodoro nos

apresenta para o ano de 307 aC apoacutes o siracusano ter

recebido reforccedilos da Siciacutelia Entre os ldquosobreviventesrdquo

Agaacutetocles contava com somente 6000 gregos 6000 samnitas

etruscos e celtas e 1500 cavaleiros256 Por uacuteltimo ainda

que Agaacutetocles tenha adquirido reforccedilos liacutebios os mesmos

natildeo se mantiveram leais ao tirano transferindo-se no final

das contas para o domiacutenio cartaginecircs

254 Diod 2011 Obviamente Diodoro aqui confunde unidades eacutetnicas com

unidades taacuteticas Cf Griffith pp 198-202 255 Diod 2041 256 Diod 2064

117

412 Agaacutetocles general como Alexandre

Em 1935 Griffith havia jaacute se posicionado a favor de

uma imitatio Alexandri por Agaacutetocles em campo de batalha257

Para ele as taacuteticas e formaccedilotildees usadas pelo siracusano

eram ocasionalmente reminiscentes daquelas empregadas por

Alexandre Em primeiro lugar apesar de lamentar a ausecircncia

de um relato preciso das campanhas de Agaacutetocles Griffith

pontua a existecircncia ao menos na Aacutefrica de um ldquobatalhatildeo de

infantaria especialmente forterdquo em nuacutemero de 1000 o

qual de acordo com o historiador corresponderia grosso

modo aos hipaspistai de Alexandre Em segundo lugar as

taacuteticas adotadas por Agaacutetocles na mesma batalha contra os

carros de guerra cartagineses corresponderiam exatamente ao

que Alexandre havia feito em Gaugamela contra Dario A

interpretaccedilatildeo das manobras siracusanas como adaptaccedilatildeo das

taacuteticas macedocircnicas poderia ser combatida pela carecircncia de

evidecircncias mais concretas mas a sua coincidecircncia com o

emprego de uma guarda pessoal a qual estava provavelmente

baseada no sistema de funcionamento taacutetico dos hipaspistai

de Alexandre fortalece o argumento A chave para a segunda

parte encontra-se portanto na defesa dos 1000 homens que

compunham a τς θεραπείας258 como uma versatildeo siciliota (ao

menos na expediccedilatildeo africana) dos hipaspistai de Alexandre

Diodoro faz referecircncia agrave existecircncia de um exeacutercito

(aparentemente regular) em Siracusa o qual teria sido

entregue a Hicetas eleito o novo strategos pelos

siracusanos com os problemas sucessoacuterios advindos da morte

de Agaacutetocles259 Tal evidecircncia como recorda Zambon indica

que Agaacutetocles natildeo havia deixado o poder sem um exeacutercito que

lhe fosse fiel e que o mesmo fora usado por Hicetas contra

257 Griffith pp 200-201

258 Literalmente ldquoguarda pessoalrdquo de Agaacutetocles como aparece em Diod

2011 259 Diod 2118

118

Menon260 Mas que exeacutercito era esse Qual era a sua

composiccedilatildeo Infelizmente natildeo temos nenhuma informaccedilatildeo

extra sobre os soldados leais a Agaacutetocles (agrave exceccedilatildeo dos

mamertinos) mas a julgar pela organizaccedilatildeo de uma guarda

pessoal durante a expediccedilatildeo africana a qual certamente natildeo

era desfeita com facilidade261 podemos dizer que a mesma

possivelmente compunha o exeacutercito regular herdado por

Hicetas em Siracusa cerca de vinte anos depois262

De acordo com Diodoro os cartagineses natildeo puderam

aguardar os reforccedilos vindos das regiotildees aliadas devido agrave

situaccedilatildeo alarmante provocada pela ofensiva grega e

decidiram dispor os seus soldados-cidadatildeos em campo de

batalha os quais segundo o historiador siciliano estavam

em nuacutemero aproximado de 40000 e eram acompanhados por

1000 cavaleiros provavelmente numiacutedios (embora a fonte

natildeo mencione a origem eacutetnica) e 2000 carros de guerra263

A ala esquerda era formada por soldados organizados em

260 Zambon Hellenistic Sicily p 30 Sebastiana Consolo Langher La

Sicilia dalla scomparsa di Timoleonte alla morte di Agatocle In

Emilio Gabba La Sicilia Antica 2 1 La Sicilia greca dal IV secolo

alle guerre puniche Napoli Societagrave editrice storia di Napoli e della

Sicilia 1980 pp 289-342 261 Note-se por exemplo o caso dos arguraspides macedocircnicos

262 Diz-se que os arguraspides de Alexandre possuiacuteam mais de 60 anos

quando apoiaram Eumenes sendo ainda temidos por sua disciplina e

experiecircncia Na cronologia apresentada para a guarda pessoal de

Agaacutetocles os soldados teriam idade bem menor que a guarda Real de

Alexandre tornando o argumento plausiacutevel para a eacutepoca 263 Aqui o nuacutemero eacute claramente absurdo Talvez Diodoro (2010) quisesse

se referir a 200 carros de guerra o que seria aceitaacutevel com bastante

otimismo apoacutes reduzir as centenas e comparar os possiacuteveis nuacutemeros

desta batalha com aqueles apresentados por exemplo entre os persas

em Gaugamela (100 carros citas na ala esquerda ao lado da cavalaria

de mesma procedecircncia e de 1000 cavaleiros bactrianos em oposiccedilatildeo a

Alexandre como indica Arr 311) Justino (226) conta 30000 homens

no total (obvius ei fuit cum XXX milibus paganorum Hanatildeo sed proelio

commisso duo de Siculis tria milia de Poenis cum ipso duce cecidere)

da mesma forma que Paulo Oroacutesio Historiae Adversum Paganos 4625

(Hanatildeonem quendam cum triginta milibus Poenorum obuiam habuit) Entre

os historiadores modernos Consolo Langher (pp 139-143) aponta para

10000 cavaleiros certamente presumindo que Diodoro se equivocou ao

lanccedilar apenas 1000 cavaleiros (ἱππεῖς δὲ χιλίους) ao lado de 2000 carros de guerra (ἅρματα δὲ δισχίλια) Consideramos contudo que o erro tenha se dado precisamente na apresentaccedilatildeo dos carros de guerra pelos motivos

enumerados

119

grande profundidade (por induccedilatildeo do terreno) sob o comando

de Bomilcar na ala direita que estava sob o comando de

Hanatildeo encontrava-se o Batalhatildeo Sagrado Agrave frente de toda a

infantaria os cartagineses dispuseram os carros de guerra e

a cavalaria264 Agaacutetocles apoacutes tomar conhecimento da

formaccedilatildeo inimiga confiou a ala direita ao seu filho

Archagathus no comando de 25000 soldados Ao lado de

Archagathus seguiam-se 3500 siracusanos 3000

mercenaacuterios gregos e um grupamento misto de samnitas

etruscos e celtas tambeacutem em nuacutemero de 3000 Agaacutetocles

encontrava-se de frente para o ieros lochos cartaginecircs no

comando de sua guarda pessoal um total de 1000 soldados

pesadamente armados (ao menos equipados para o choque

frontal) Nas alas ele dispocircs os 500 arqueiros e

fundeiros265

Deve ser observado que Agaacutetocles liderou sua guarda

pessoal contra o Batalhatildeo Sagrado ou seu equivalente

cartaginecircs e que a mesma compunha um grupamento de 1000

soldados de infantaria pesadamente armada Sabemos que a

guarda pessoal em questatildeo natildeo se tratava de um ieros

lochos pois a sua lealdade como o termo grego indica

estava primeiramente ligada a Agaacutetocles depois

possivelmente agrave cidade de Siracusa Aleacutem disso os nuacutemeros

natildeo batem com o que nos eacute dado pelas fontes para os ieroi

lochoi De acordo com Plutarco o ieros lochos foi

inicialmente formado como eacute dito por Gorgias a partir de

300 homens selecionados (ἐξ ἀνδρν ἐπιλέκτων τριακοσίων) para os

quais a cidade fornecia treinamento e manutenccedilatildeo []rdquo266

Dadas as proporccedilotildees dos exeacutercitos gregos no tempo de

Peloacutepidas poderiacuteamos argumentar que a guarda pessoal de

Agaacutetocles representaria um inchaccedilo de um Batalhatildeo Sagrado

264 Diod 2010

265 Diod 2011

266 Plut Pelop 18

120

siracusano se houvesse referecircncia agrave existecircncia de tal

destacamento em Siracusa se o termo empregado pelas fontes

fosse ieros lochos ao inveacutes de therapeiacutea e se a expediccedilatildeo

africana tivesse demorado tempo suficiente para aumentar a

lealdade das tropas a Agaacutetocles em detrimento da cidade que

os teria formado e mantido no caso de possiacutevel a

argumentaccedilatildeo de um ieros lochos natildeo mencionado com os

termos apropriados267 Como dito acima natildeo haacute indiacutecios para

nenhum dos trecircs casos aleacutem de ter a lealdade da tropa sido

vinculada em sua uacutenica apariccedilatildeo em Diodoro estritamente

ao comandante siracusano Eacute provaacutevel que esta guarda

pessoal portanto tenha reconhecido a toga puacuterpura de

Agaacutetocles como adequada ao seu poder o que anula a

hipoacutetese de ter sido essa somente uma guarda pessoal de um

tirano como encontramos nos periacuteodos anteriores Aleacutem

disso o contexto de imitatio Alexandri no campo poliacutetico

bem documentado durante a expediccedilatildeo africana assim como a

interaccedilatildeo que Agaacutetocles mantinha com o mundo heleniacutestico

contribuem para uma provaacutevel resignificaccedilatildeo da guarda

pessoal em questatildeo Em uacuteltima instacircncia tratava-se da

guarda de algueacutem que jaacute se via com direitos a uma sucessatildeo

forjada ao trono macedocircnico sendo a identificaccedilatildeo com os

hipaspistai algo bastante plausiacutevel

Tratemos agora do posicionamento dos arqueiros e

fundeiros contra os carros de guerra e cavaleiros do

exeacutercito cartaginecircs Recordo que em Gaugamela Alexandre

havia disposto na ala direita agrianianos arqueiros e

soldados (levemente) armados provavelmente peltastas e na

ala esquerda juntamente com dois corpos de cavalaria

267 Diodoro 1680 em contrapartida emprega o termo ieros lochos para

um grupamento de cartagineses em nuacutemero de 2500 que haviam

combatido em Himera (480 aC) A designaccedilatildeo eacute obviamente

equivocada especialmente pelo nuacutemero excessivo de soldados e por sua

inexperiecircncia em campo de batalha Aleacutem disso essa parece ter sido

uma maneira grega de enquadrar parte das tropas citadinas cartaginesas

pesadamente armadas que raramente combatiam por sua cidade

121

arqueiros cretenses dardeiros traacutecios entre outros Em

331 aC agrianianos e dardeiros das ilhas Baleares

bloquearam o ataque dos carros de guerra citas enquanto os

falangistas ao centro (hipaspistai) natildeo se opuseram

frontalmente a eles deixando-os passar por meio de

manobras de evasatildeo sem causar portanto baixas na

infantaria macedocircnica268 Em 310 aC num campo aberto natildeo

muito distante de Cartago os soldados pesadamente armados

de Agaacutetocles realizaram idecircnticas manobras evasivas

permitindo-os passar (ἃ δ εἴασαν διεκπεσεῖν) abatendo

inicialmente alguns e em seguida forccedilando o retorno da

maior parte dos carros de guerra contra as suas proacuteprias

tropas269 Como Diodoro natildeo menciona forccedilas de cavalaria do

lado grego o que nos soa estranho a uacutenica reconstruccedilatildeo

possiacutevel para a vitoacuteria sobre os carros de guerra e

cavaleiros se daacute por meio do emprego dos arqueiros e

fundeiros (a exemplo do que ocorreu em Gaugamela) os quais

causaram de acordo com Diodoro muitas baixas nas tropas

acima referidas (mais um indiacutecio de que se tratava de

cavaleiros numiacutedios os quais natildeo eram paacutereo para dardos de

arremesso e projeacuteteis de modo geral desde que disparados

por infantaria levemente armada) Com o fracasso da

investida montada o campo de batalha transformou-se num

cenaacuterio praticamente claacutessico com dois corpos de

infantaria pesadamente armada em confronto direto Hanatildeo

foi incapaz de suportar o choque com os soldados liderados

pessoalmente por Agaacutetocles e Bomilcar no comando da ala

em profundidade ordenou um recuo taacutetico de seus homens

que em princiacutepio seria parte de um plano (inclusive

poliacutetico jaacute que ambicionava de acordo com Diodoro a

morte de seu rival Hanatildeo para entatildeo dar sequumlecircncia ao

268 Ver cap1

269 Diod 2012 προεμβαλόντων γὰρ εἰς ατοὺς τν ἁρμάτων ἃ μὲν κατηκόντισαν ἃ δ

εἴασαν διεκπεσεῖν τὰ δὲ πλεῖστα συνηνάγκασαν στρέψαι πρὸς τὴν τν πεζν τάξιν

122

golpe de Estado)270 A aparente inexperiecircncia dos soldados

nas realizaccedilotildees das manobras assim como a ordem prematura

de seu liacuteder fizeram com que a retirada se transformasse

num verdadeiro massacre obrigando boa parte dos soldados a

se refugiar nas muralhas de Cartago

270 Diod 2012 Meister CAH 7 p 395 Voltarei a tratar desse assunto

no cap4

123

42 A expediccedilatildeo de Pirro do Epiro

Pirro natildeo iria para a Peniacutensula Itaacutelica sem tropas

como queriam os tarentinos embora seu exeacutercito fosse

sensivelmente menor que o de Alexandre o Grande quando do

iniacutecio de sua expediccedilatildeo asiaacutetica271 Plutarco nos informa

que Pirro contava com 20 elefantes 3000 cavaleiros

20000 soldados de infantaria 2000 arqueiros e 500

fundeiros272 Precedido pelo diplomata Cineas como de

costume Pirro se fez acompanhar por dois de seus filhos

nomeadamente Alexandre e Heleno ao passo que seu outro

filho Ptolomeu foi deixado como regente no Epiro Apoacutes

cumprir a rota mariacutetima para a Peniacutensula o que se deu com

inuacutemeros problemas como Plutarco narra com alto niacutevel

dramaacutetico273 o epirota deu iniacutecio ao entendimento pessoal

com seus aliados e agraves primeiras emissotildees monetaacuterias de sua

expediccedilatildeo a partir das quais ele pocircde reforccedilar os viacutenculos

com Alexandre e sua semelhanccedila com os Diaacutedocos assim como

celebrar a alianccedila274 Em seguida tendo alistado tarentinos

em seu exeacutercito o liacuteder da coalizatildeo contra os romanos

parecia estar pronto para a accedilatildeo a qual se transformaraacute ao

final num verdadeiro fiasco tal qual a expediccedilatildeo africana

de Agaacutetocles275 Ambas contudo servem para ilustrar como

as taacuteticas e as figuraccedilotildees do poder heleniacutestico se

apresentaram ao ocidente particularmente na Magna Greacutecia

Siciacutelia e norte da Aacutefrica no iniacutecio com contexto bastante

favoraacutevel aos monarcas

271 Griffith p 61 Leacutevecircque Pirro p297

272 Plut Pirro 152 Pausacircnias 112 sugere que Pirro obteve seus

elefantes apoacutes vencer uma batalha contra Demeacutetrio 273 Plut Pirro 153-8 Zonaras 82 Justino 181 Leacutevecircque Pirro p

297-298 274 Leacutevecircque Pirro p 299 Sobre a cunhagem na Magna Greacutecia e Siciacutelia

durante a expediccedilatildeo de Pirro cf Vincenzo La Bua ldquoLa spedizione di

Pirro in Siciliardquo MGR 7 179-254 1980 Zambon Hellenistic Sicily

pp121-129 275 Aceita-se comumente que a coalizatildeo era formada por samnitas

lucanianos brutianos messapianos e com incerteza apulianos

Leacutevecircque Pirro p 304

124

Do lado romano os preparativos tiveram de ser

iniciados em contexto bastante desfavoraacutevel considerando-

se os problemas com os etruscos e sua simultaneidade com a

formaccedilatildeo da alianccedila italiota conduzida por Pirro Seguindo

os costumes Roma dividiu o exeacutercito entre os cocircnsules

ficando Valeacuterio Levinus no comando das legiotildees contra Pirro

e Coruncanius no comando das legiotildees contra os etruscos

Os romanos haviam tirado jaacute grande proveito das guerras

precedentes como nos informa Poliacutebio [os romanos] se

tornaram verdadeiros mestres na arte da guerra por meio de

sua luta com os samnitas e os celtas (ἀθληταὶ γεγονότες ἀληθινοὶ

τν κατὰ τὸν πόλεμον ἔργων ἐκ τν πρὸς τοὺς Σαυνίτας καὶ Κελτοὺς ἀγώνων)276

Assim deve-se ter em conta que natildeo somente Pirro era um

comandante experiente e com tropas de alto niacutevel como

vimos acima mas tambeacutem os romanos possuiacuteam um niacutevel de

experiecircncia militar e ldquopotencial soldadescordquo adequados ao

seu inimigo Esse eacute um fator importante na medida em que

estabelece entre outros fatores os resultados da campanha

italiana Por potencial soldadesco entendo basicamente a

composiccedilatildeo de ambos os exeacutercitos e o que disso poderia ser

desdobrado em termos taacuteticos excetuando as legiotildees de Roma

e a falange macedocircnica sob Pirro (fundamental em

Heracleia) o restante das tropas (particularmente em

Aacutesculo) possuiacutea as mesmas origens eacutetnicas e portanto

armamento e estilo de combate similares Aleacutem disso a

flexibilidade das legiotildees da forma como explicado no cap4

desta tese contribuiu para o quadro desfavoraacutevel ao rei do

Epiro jaacute que puderam enfrentar a falange (em Heracleia)

com recursos taacuteticos superiores auxiliando no quadro

geral da campanha para o deslocamento do foco poliacutetico

mais a sudoeste precisamente na Siciacutelia grega

276 Polib 16

125

421 O exeacutercito de Pirro

Em 280 aC o exeacutercito que Pirro liderou em sua

expediccedilatildeo italiana estava claramente organizado em estilo

macedocircnico mas nada indica que essa organizaccedilatildeo era

conhecida pelos epirotas anteriormente Historiadores

tendem a apostar numa reforma iniciada cerca de 340 aC

por Alexandre do Epiro amigo e aliado de Filipe II tanto

por sua relaccedilatildeo com os macedocircnios quanto pela logiacutestica

necessaacuteria a uma expediccedilatildeo italiana (realizada em 334

aC) a qual somente seria viaacutevel com um exeacutercito

ldquonacionalmente unificadordquo277 mas natildeo haacute evidecircncias

suficientes para algo mais conclusivo aleacutem de tais

argumentos Talvez Alexandre do Epiro tenha de fato

reformado o exeacutercito epirota nos moldes do projeto de

Filipe da Macedocircnia mas o certo eacute que Pirro cerca de meio

seacuteculo mais tarde dispunha de tais condiccedilotildees

Como dito anteriormente Plutarco nos informa que o

exeacutercito de Pirro era composto por 20 elefantes 3000

cavaleiros 20000 soldados de infantaria (ou 23000 se

considerarmos os 3000 homens enviados juntamente com

Cineas) 2000 arqueiros e 500 fundeiros Curiosamente natildeo

haacute indiacutecios de algo similar aos hipaspistai no exeacutercito

epirota sendo o termo empregado para indicar oficiais

capazes de governar cidades (na Siciacutelia) e natildeo para fazer

referecircncia agraves tropas que compunham uma unidade de

combate278 Obviamente os 20000 soldados de infantaria natildeo

eram puramente epirotas Beloch foi capaz de mostrar a

esse respeito que os aproximados 300000 habitantes do

Epiro dos quais 100000 estariam possivelmente em idade

militar natildeo poderiam fornecer sequer os 20000 soldados de

infantaria do exeacutercito de Pirro levando em consideraccedilatildeo o

277 O argumento pode ser mapeado em Head op cit p 19 e Braccesi

op cit pp43-53 278 Head op cit p 19

126

estado economicamente atrasado da regiatildeo279

Daiacute resulta que

boa parte dos soldados de Pirro em sua expediccedilatildeo italiana

fosse formada por mercenaacuterios de acordo com os dados

obtidos acerca das tropas empregadas em Aacutesculo Aleacutem dos

tarentinos e demais aliados o rei epirota contava com uma

falange macedocircnica e alguns cavaleiros tessaacutelios cedidos

por Ptolomeu Keraunos rei da Macedocircnia uma infantaria

mercenaacuteria da Etoacutelia Acarnacircnia e Atamacircnia e um corpo de

cavaleiros mercenaacuterios gregos arcanianos etoacutelios e

atamanianos280 Sem duacutevida a reputaccedilatildeo de Pirro reforccedilou a

sua capacidade de recrutar novos soldados dispostos a

combater na condiccedilatildeo de profissionais

279 Julius Beloch apud Griffith p61 Poliacutebio (3015 fragmentos

preservados em Estrabatildeo Geografia 77 e Tito Liacutevio 4534) menciona

15000 epirotas escravizados por Emiacutelio Paulo em 168 aC Cf tambeacutem

Griffith p 61 280 Griffith p 62

127

422 O exeacutercito republicano romano

O exeacutercito romano em seus primoacuterdios parece natildeo ter

sido muito diferente daquele encontrado no restante das

cidades do Laacutecio sendo influenciado por seus vizinhos mais

poderosos os etruscos A confederaccedilatildeo etrusca estendeu sua

influecircncia a ponto de nomear a organizaccedilatildeo inicial das

forccedilas romanas ao estilo etrusco compondo trecircs tribos com

a responsabilidade de fornecer 1000 homens em idade

militar cada ficando os soldados sob o comando de um

tribunus As subdivisotildees de cada tribo forneciam uma

centuacuteria (nessa eacutepoca possivelmente contada como 100

homens) o que resultava numa forccedila modesta de 3000

homens a chamada legio A cavalaria (equites) era formada

por nobres e seus filhos totalizando 300 homens montados

(capazes de pagar a manutenccedilatildeo de um cavalo e equipamentos)

divididos entre as tribos De modo geral a historiografia

aceita que essa organizaccedilatildeo inicial somente seraacute modificada

com Seacutervio Tuacutelio aproximadamente entre 580-530 aC281 Ao

lado da criaccedilatildeo de muitas das instituiccedilotildees de Roma Seacutervio

Tuacutelio parece ter realizado o primeiro censo do povo romano

dividindo a populaccedilatildeo em classes obedecendo ao padratildeo de

riqueza Com objetivos claramente poliacuteticos e militares as

centuacuterias (como a populaccedilatildeo era dividida) teriam impacto na

organizaccedilatildeo das assembleacuteias e das tropas Em primeiro

lugar vinha a ordem equumlestre num total de 18 centuacuterias

em seguida a populaccedilatildeo restante aparecia dividida em 5

classes separadas a partir de sua riqueza e contadas da

seguinte maneira em casos de alistamento militar (a) a

primeira classe armada com lanccedila e espada e equipada com

281 Lawrence Keppie The making of the Roman army from republic to

empire London BT Batsford 1984 pp 16-17 Daly pp 48-52

Giovanni Brizzi Le guerrier de lantiquiteacute classique de lhoplite au

leacutegionnaire Monaco Rocher 2004 pp 43-51 John Rich ldquoWarfare and

the Army in Early Romerdquo In Paul Erdikamp A companion to the Roman

army Malden MA Oxford Blackwell 2007 pp 7-23 Para uma visatildeo

detalhada das fontes a respeito ver Michael M Sage The Republican

Army a Sourcebook New York London Routledge 2008 pp 4-41

128

couraccedila de bronze elmo escudo e grevas (b) a segunda

classe armada de forma idecircntica e equipada de maneira

similar excluindo a couraccedila (c) a terceira classe

idecircntica agrave segunda classe exceto pelas grevas (d) a

quarta classe armada com lanccedila e equipada somente com

escudo (e) a quinta e uacuteltima classe armada com fundas e

pedras Os seniores (oposto de iuniores isto eacute em idade

militar) eram empregados somente em caso de cerco

portanto para a defesa da cidade Abaixo da quinta classe

contava-se apenas o grupo de homens (em nuacutemero modesto) sem

propriedade alguma (capite censi ou registrados por

contagem de cabeccedila) os quais eram desqualificados para o

serviccedilo militar282

Terminado o periacuteodo das monarquias a primeira

modificaccedilatildeo no exeacutercito romano (entatildeo republicano) surgiu

em meio aos conflitos contra as comunidades adjacentes no

momento de enfraquecimento dos etruscos mediante a fixaccedilatildeo

dos celtas na regiatildeo dos Alpes e do fortalecimento da

posiccedilatildeo das colocircnias gregas no sul da Peniacutensula Itaacutelica

Nesse contexto precisamente em 406 aC os romanos

partiram para o uacuteltimo embate com a cidade etrusca de

Veios conflito que se encerrou 10 anos depois com a

captura da cidade pelos romanos Durante a guerra contra

Veios o exeacutercito cresceu (de cerca de 4000 para 6000

homens) e o escudo circular foi substituiacutedo pelo escudo

longo italiano o scutum Da mesma forma como parece

oacutebvio o nuacutemero de cavaleiros subiu totalizando as 18

centuacuterias previstas na ldquoreforma servianardquo Eacute nesse momento

(6 anos apoacutes a captura de Veios pelos romanos portanto em

390 aC) que Roma eacute tomada pelos celtas exceto por uma

pequena porccedilatildeo da cidade Capazes de expulsar os celtas de

282 Keppie (op cit p 17) recorda que nessa eacutepoca ldquoa defesa da cidade

era um dever uma responsabilidade e um privileacutegiordquo

129

sua cidade os romanos estavam a caminho do estabelecimento

de sua posiccedilatildeo na Peniacutensula

Alguns autores tecircm sugerido uma identificaccedilatildeo da legiatildeo

romana com os hoplitas gregos283 mas a forma cerrada de

luta dos romanos nos primeiros anos deve indicar mais uma

adaptaccedilatildeo etrusca (que natildeo era uma incorporaccedilatildeo de taacuteticas

gregas como alguns acham razoaacutevel deduzir) do que

propriamente uma forma similar de combate ombro-a-ombro De

qualquer forma logo as unidades manipulares (manipuli)

foram adotadas como resposta agraves exigecircncias de maior

flexibilidade taacutetica Cada maniacutepulo com aproximados 100-

120 homens exceto pelos triarii contava com dois

centuriotildees homens experientes dispostos no comando das

unidades taacuteticas Vale destacar o centuriatildeo secircnior da

legiatildeo disposto no comando no maniacutepulo da extrema direita

dos triarii que era depois incluiacutedo (ex officio) no

conselho geral do cocircnsul juntamente com os tribunos Jaacute no

final do seacutecIV aC basicamente no mesmo periacuteodo da

expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles (310-307 aC) ou talvez um

ano antes o exeacutercito romano encontrava-se dividido em 4

legiotildees comandadas por dois cocircnsules e abaixo deles 6

tribunos militares

Durante a sua expansatildeo em direccedilatildeo ao sul do Laacutecio os

romanos foram capazes de subjugar os samnitas em quase 50

anos de conflito Devido agrave natureza montanhosa da regiatildeo

tem sido sugerido que os maniacutepulos seriam na verdade uma

modificaccedilatildeo ocorrida nesse momento o que se justificaria

com a necessidade de maior flexibilidade taacutetica do

terreno284 De acordo com Tito Liacutevio os maniacutepulos eram

parte de inovaccedilotildees tiacutepicas do periacuteodo da Primeira Guerra

283 Um excelente exemplo (mas natildeo o uacutenico) eacute Keppie op cit p 19 284 Keppie op cit pp18-19 Daly pp 56-63 Brizzi op cit p 47

Louis Rawlings ldquoArmy and Battle During the Conquest of Italyrdquo In

Erdkamp op cit pp 55-58 Sage op cit pp 63-66

130

Samnita285 Apoacutes a linha de tropas levemente armadas

(leves) vinham os maniacutepulos de hastati (os que portavam a

hasta ou lanccedila curta) seguidos pelos maniacutepulos de

principes e por uma terceira linha os maniacutepulos de triarii

(homens mais velhos ndash e experientes - que entravam em cena

no caso de desorganizaccedilatildeo das duas primeiras linhas) Por

fim Tito Liacutevio menciona rorarii (lit tropas levemente

armadas) e accensi (lit tropas reservas) grupos de

soldados levemente armados dispostos como uacuteltima forccedila de

reserva O relato de Tito Liacutevio contudo embora seja de

grande valor natildeo eacute normalmente visto com precisatildeo

histoacuterica desejaacutevel preferindo-se a narrativa do

historiador cuja autoridade nos assuntos militares eacute

inquestionaacutevel Poliacutebio286

De acordo com Poliacutebio em sua detalhada descriccedilatildeo da

organizaccedilatildeo do exeacutercito romano a legiatildeo romana (jaacute no

periacuteodo da Segunda Guerra Puacutenica isto eacute entre 218 e 201

aC) contava com 4200 homens podendo atingir o nuacutemero de

5000 em situaccedilotildees de emergecircncia O processo seletivo

(dilectus ou simplesmente ldquoseleccedilatildeordquo) incorporava homens

entre 17 e 46 anos com propriedade avaliada acima dos 400

denaacuterios apoacutes a avaliaccedilatildeo das habilidades necessaacuterias ao

serviccedilo Ao soldado de infantaria era pago um stipendium

criado para cobrir os prejuiacutezos que supunham o afastmento

de casa perfazendo no tempo de Poliacutebio um total de 120

denaacuterios por ano Os cavaleiros por sua vez recebiam

mais cerca de 365 denaacuterios por ano o que considerava

tanto a sua origem social quanto os custos com o cavalo

Feita a seleccedilatildeo a legiatildeo era dividida da seguinte maneira

(a) os velites formados pelos mais jovens e pobres (b) os

hastati formados pelos mais jovens e pobres depois dos

velites (c) os principes formados pelos ldquopreeminentesrdquo

285 Tito Liacutevio 88-10 286 A referecircncia eacute Polib 619-42

131

(d) os triarii os mais maduros e experientes dos soldados

Os hastati e os principes compunham 2400 homens no total

(10 maniacutepulos de 120 homens cada) acompanhados por 600

triarii (10 maniacutepulos de 60 homens cada) e por deduccedilatildeo

1200 velites Os velites prossegue Poliacutebio eram armados

com espadas lanccedilas de arremesso e um pequeno escudo

circular (parma) Os hastati e os principes encontravam-se

normalmente equipados com duas lanccedilas (pila) cada uma

espada curta (gladius) que era a principal arma do

legionaacuterio e equipados com escudo oval peitoral de

bronze elmo e grevas Os triarii eram equipados da mesma

forma exceto pelo armamento ao inveacutes do pilum o triarius

portava a hasta lanccedila perfurante que natildeo poderia ser usada

para arremesso e era portanto usada no combate corpo-a-

corpo

A cavalaria totalizava 300 homens divididos em 10

turmae de 30 homens cada uma sob o comando de 3 decuriotildees

e equipadas com longos escudos circulares lanccedilas longas e

couraccedila de tecido De modo geral a legiatildeo era disposta em

formato de ldquotabuleiro de xadrezrdquo com os velites agrave frente

de todos os legionaacuterios para a accedilatildeo de escaramuccedila tendo os

hastati principes e triarii organizados em trecircs linhas

subsequumlentes de maneira a permitir a substituiccedilatildeo dos

homens da frente pelos de traacutes devido aos pequenos espaccedilos

propiciados pela formaccedilatildeo A cavalaria como no caso grego

era colocada nas alas como proteccedilatildeo dos flancos

132

423 A batalha de Heracleia (280 aC)

Leacutevecircque sustentou que a postura ofensiva romana ao

reunir as tropas sob Valeacuterio Levinus e marchar

imediatamente contra Pirro tinha trecircs objetivos claros

(1) desferir um golpe decisivo antes que o epirota pudesse

coletar todo o apoio esperado (2) conter uma possiacutevel

revolta das cidades gregas de Regium Locres e Croton ldquoa

quem a chegada do rei podia fazer pesar sua adesatildeo agrave causa

romanardquo e (3) lanccedilar a guerra para longe das terras

submetidas pelos romanos o que natildeo comprometeria a

lealdade desses povos a Roma287 Plutarco nos diz algo

interessante a respeito da reaccedilatildeo de Pirro agrave investida

romana algo que evidencia ainda mais as suas intenccedilotildees

monaacuterquicas heleniacutesticas as quais podem ser encontradas

desde o iniacutecio da sua expediccedilatildeo mesmo antes de se decidir

pela Siciacutelia

Ao ser informado que Levinus o cocircnsul romano se

aproximava com numeroso exeacutercito tendo saqueado a

Lucacircnia no trajeto Pirro natildeo havia ainda se juntado

aos seus aliados mas por julgar ser algo intoleraacutevel

ter de aguardar enquanto seus inimigos avanccedilavam

partiu da cidade com suas tropas []288

A postura de Pirro indica ao menos nessa ocasiatildeo que

o ldquodeverrdquo de lideranccedila de um monarca heleniacutestico (mesmo que

ele somente ambicionasse a monarquia de tipo oriental) era

mais relevante que a uniatildeo completa das tropas pela qual

ele aguardava ou ainda que ele julgava ser possiacutevel vencer

os ldquobaacuterbarosrdquo sem ter reunido todas as suas forccedilas jaacute que

povos militarmente desorganizados por mais belicosos que

fossem natildeo eram paacutereo para os gregos como Alexandre havia

287 Leacutevecircque Pirro p 318

288 Plut Pirro 164 πεὶ δὲ Λαιβῖνος ὁ τν Ῥωμαίων ὕπατος ἠγγέλλετο πολλῆ στρατιᾷ

χωρεῖν ἐπ ατόν ἅμα τὴν Λευκανίαν διαπορθν οδέπω μὲν οἱ σύμμαχοι παρσαν ατῶ δεινὸν δὲ ποιούμενος ἀνασχέσθαι καὶ περιιδεῖν τοὺς πολεμίους ἐγγυτέρω προϊόντας ἐξλθε μετὰ τς δυνάμεως []

133

mostrado em sua expediccedilatildeo asiaacutetica Que essa ideacuteia tenha

ocorrido a Pirro parece plausiacutevel principalmente ao

analisarmos um evento imediatamente posterior de sua marcha

contra os romanos quando o rei observou admirado (ἐθαύμασε)

ldquoa disciplina as sentinelas a sua ordem e o arranjo de

seu acampamentordquo (τάξιν τε καὶ φυλακὰς καὶ κόσμον ατν καὶ τὸ σχμα τς

στρατοπεδείας) dizendo ao seu amigo mais proacuteximo em

conclusatildeo que ldquoa disciplina desses baacuterbaros natildeo eacute

baacuterbarardquo289

Acampamentos montados ambos os lados estavam prontos

para o combate Pirro contava de acordo com Justino com

exeacutercito inferior em nuacutemero ainda que natildeo saibamos os

efetivos concretos dos romanos290 Para o desenrolar da

batalha embora Justino forneccedila o referido indiacutecio sobre a

inferioridade numeacuterica de Pirro as principais fontes satildeo

Plutarco e Dioniacutesio de Halicarnasso291 ambos com acesso ao

que parece aos relatos de duas tradiccedilotildees bastante

distintas Tornou-se consenso haacute muito tempo entre os

historiadores que Plutarco para a batalha em questatildeo

empregou basicamente o relato de Hierocircnimo292 intercalando

o mesmo com anedotas originadas na tradiccedilatildeo analiacutestica as

quais Dioniacutesio utiliza com frequumlecircncia293 Isso explicaria

tanto a versatildeo inteligiacutevel da batalha (o que natildeo eacute um traccedilo

comum nas biografias de Plutarco) quanto a presenccedila de

algumas imagens bastante favoraacuteveis aos romanos e pouco

289 Plut Pirro 167

290 Justino 181 Nec rex tametsi numero militum inferior esset []

Gaetano De Sanctis Storia dei Romani Milan Fratelli Boca 1907 P

392 supotildee que tenham sido somente duas presumindo que ateacute 4 legiotildees

eram normalmente divididas entre os cocircnsules Leacutevecircque Pirro 1957

P322 em contrapartida eacute mais otimista quanto agrave extensatildeo das tropas

de Levinus acreditando que podem ter sido 8 em Heracleia Essas satildeo

contudo suposiccedilotildees baseadas num possiacutevel nuacutemero de legiotildees sob um

uacutenico cocircnsul durante a fase intermediaacuteria da Repuacuteblica uma vez que as

fontes silenciam sobre esse caso em particular 291 Plut Pirro 16-17 e Dioniacutesio 1911-12

292 Plut Pirro 174 Cf Rudolf Schubert Geschichte des Pyrrhus

Koumlnigsberg Wilh Koch 1894 P 176 293 Leacutevecircque Pirro p323

134

criacuteveis do ponto de vista histoacuterico Notemos por exemplo

o retrato pitoresco do episoacutedio de espionagem epirota o

qual precedeu a batalha propriamente dita da forma como

registrado em Dioniacutesio

Levinus o cocircnsul romano tendo capturado um espiatildeo de

Pirro armou e dispocircs todo o exeacutercito em formaccedilatildeo de

batalha (εἰς τάξιν καταστήσας) e apoacutes mostraacute-lo ao espiatildeo ordenou que ele contasse toda a verdade sobre o que

tinha visto [] informando que Lavinus o cocircnsul

romano solicitava que ele [Pirro] natildeo enviasse mais

homens secretamente como espiotildees mas que viesse em

pessoa abertamente (φανερς) para ver o poder dos

romanos (ἰδεῖν τε καὶ μαθεῖν τὴν Ῥωμαίων δύναμιν)294

Pirro decidiu aguardar os reforccedilos de seus aliados numa

das margens do Siris onde estacionou um destacamento grego

para assegurar que os romanos natildeo atravessassem o rio

Estes no entanto mandaram parte de sua infantaria

(provavelmente aliada) cruzar o Siris por um vau enquanto

a cavalaria avanccedilava por diversos outros pontos rasos

expondo os gregos ao risco do envolvimento completo o que

de acordo com Plutarco os fez recuar295 Ao ver que seus

homens bateram em retirada Pirro ordenou aos oficiais que

pusessem a falange em linha enquanto ele proacuteprio como

Alexandre no comando de seus 3000 cavaleiros investiu

contra os romanos na expectativa de que eles se

desordenassem com a ofensiva montada Nem os cavaleiros

puderam romper a ordem das legiotildees com sua ldquoteatralizaccedilatildeo

ofensivardquo (uma vez que natildeo entraram de fato em choque com

o centro da formaccedilatildeo romana) nem o subsequumlente choque com

a falange pocircs os legionaacuterios a correr diferentemente do

que Alexandre havia feito aos persas Relata-nos Plutarco

que foram sete as reviravoltas no desenrolar do confronto

entre as duas infantarias informaccedilatildeo que ele provavelmente

294 Dionisio 1911 Cf tambeacutem Zonaras 836 e Frontino 477

295 Plut Pirro 165

135

obteve de Hierocircnimo296 e que nos permite deduzir a

ocorrecircncia de quatro ataques de Pirro e de trecircs contra-

ataques de Levinus (presumindo que a primeira reviravolta

soacute pode ter sido favoraacutevel aos epirotas jaacute que ao final

eles saiacuteram vitoriosos) Numa das alas provavelmente a

direita o rei sofreu o ataque da cavalaria inimiga mas

venceu apoacutes penoso embate com as tropas montadas de

Oblacus297 Na outra ala Pirro fez avanccedilar os elefantes

que aterrorizaram natildeo somente a cavalaria romana mas

tambeacutem os legionaacuterios mais ao centro Com o moral abalado

e contando ainda com o descontrole dos cavalos inimigos

(que natildeo estavam acostumados aos elefantes) a cavalaria

tessaacutelia foi enviada para encerrar a resistecircncia nessa ala

provocando a exposiccedilatildeo dos dois flancos romanos e julgo

que no mesmo momento a fuga completa da infantaria ao

centro Parece bem provaacutevel por uacuteltimo que os legionaacuterios

tenham corrido exatamente no momento do avanccedilo dos

elefantes do contraacuterio com ambas as alas derrotadas o

exeacutercito ao centro teria sido facilmente esmagado ou

forccedilado a se entregar como vimos em diversos casos nas

batalhas dos Diaacutedocos

A tradiccedilatildeo analiacutestica inventou um termo ldquohistoacutericordquo

para a vitoacuteria de Pirro obtida com muito esforccedilo e sem

consequumlecircncias desastrosas para o derrotado tratava-se de

uma ldquovitoacuteria piacuterricardquo ou como nos diz Diodoro cadmeacuteia298

De acordo com Caacutessio Dio Zonaras e Justino299 a fama

surgiu apoacutes Heracleia segundo Plutarco300 apoacutes a batalha

de Aacutesculo (o que representa um erro por parte do bioacutegrafo

296 Plut Pirro 171

297 Plutarco (Pirro 168) e Dioniacutesio (1912) mencionam um ataque de

caraacuteter pessoal liderado por Oblacus que estava decidido a abater o

rei em primeiro lugar Segundo a tradiccedilatildeo Leonnatus um dos

companheiros de Pirro percebeu a intenccedilatildeo de Oblacus e salvou seu rei

da morte em batalha 298 Diod 226

299 Dion Cassio 940 Zonaras 83 Justino 181

300 Plut Pirro 219

136

jaacute que o balanccedilo geral dos nuacutemeros que caracterizam uma

vitoacuteria piacuterrica eacute apresentado por ele apoacutes Heracleia)

Apesar das diferenccedilas na dataccedilatildeo precisa do termo atribuiacutedo

agrave vitoacuteria de Pirro todas as nossas fontes parecem

concordar com uma vitoacuteria relativa sobre os romanos Ora

como vimos na breve anaacutelise da batalha de Heracleia os

resultados foram bastante francos e decisivos de maneira

que somente uma explicaccedilatildeo soa-nos plausiacutevel para a

propagaccedilatildeo da ldquovitoacuteria piacuterricardquo entre os antigos todas as

fontes posteriores mencionadas empregaram a tradiccedilatildeo

analiacutestica para a mediccedilatildeo dos resultados da batalha sendo

que os autores romanos tinham por objetivo encobrir tamanha

desgraccedila para a sua memoacuteria Note-se por exemplo que

segundo Plutarco Dioniacutesio faz referecircncia a uma perda de

15000 homens para os romanos contra 13000 para Pirro ao

passo que Hierocircnimo autor de maior validade para o estudo

da batalha como vimos considerando-se a probabilidade de

ter acessado as Memoacuterias do rei indica uma perda de 7000

homens para Levinus contra 4000 para o epirota301 Aceitos

os nuacutemeros de Hierocircnimo pelos motivos mencionados natildeo haacute

razatildeo para crer que a vitoacuteria em Heracleia tenha sido de

fato uma ldquovitoacuteria piacuterricardquo devendo-se essa expressatildeo agraves

intenccedilotildees de minimizar a vergonha romana por parte da

tradiccedilatildeo analiacutestica

301 Plut Pirro 174 Leacutevecircque Pirro p 328

137

424 A batalha de Aacutesculo (279 aC)

Eventos de ordem militar e diplomaacutetica seguiram-se agrave

batalha de Heracleia Motivado por uma tentativa de

submissatildeo dos romanos por vias diplomaacuteticas Pirro enviou

Cineas a Roma com autorizaccedilatildeo para estabelecer um acordo

possivelmente antes de sua marcha para os arredores da

cidade (aceitando-se um padratildeo de envio preacutevio do

diplomata como ocorreraacute na Siciacutelia dois anos depois) o

que pode ter ocorrido dependendo da tradiccedilatildeo adotada

antes ou depois do envio de sua embaixada302 Presentes

foram oferecidos e segundo Plutarco todos recusados

termos bastante razoaacuteveis foram propostos pautados

basicamente na ldquoamizade poliacuteticardquo e desistecircncia da

conquista de Tarento pelos romanos sendo todos eles mais

uma vez postos de lado303 Alguns senadores estavam

inclinados a aceitar a paz julgando que um exeacutercito ainda

mais numeroso (reforccedilado com os aliados receacutem-chegados de

Pirro) recairia sobre Roma e mesmo tendo momentaneamente

recusado o que lhes propunha Cineas comeccedilavam a considerar

os termos do acordo epirota quando decidiram finalmente

motivados pelo discurso de Aacutepio Claacuteudio pela continuaccedilatildeo

do embate e da negociaccedilatildeo de resgate dos prisioneiros

certamente por que julgavam ser capazes de vencer Pirro com

as forccedilas restantes (o que natildeo ocorreria se as legiotildees

302 Plutarco (Pirro 18-19) menciona os eventos na seguinte ordem

Heracleia ndash marcha para Roma ndash embaixada ndash libertaccedilatildeo dos prisioneiros

ndash Aacutesculo Apiano (Samn 10-11) apresenta uma versatildeo distinta

Heracleia ndash embaixada ndash marcha para Roma ndash libertaccedilatildeo dos prisioneiros

ndash Aacutesculo Justino (181 182) somente menciona Heracleia a

libertaccedilatildeo dos (200) prisioneiros e Aacutesculo exatamente nessa ordem

Note que a omissatildeo da marcha para Roma pode ter se dado devido ao uso

uacutenico da tradiccedilatildeo analiacutestica 303 Plut Pirro 182 Variaccedilotildees do que propocircs Cineas aos romanos satildeo

encontradas na tradiccedilatildeo liviana segundo a qual Pirro teria oferecido

a libertaccedilatildeo dos prisioneiros e exigido amizade e alianccedila dos romanos

bem como autonomia dos aliados gregos e baacuterbaros em Apiano Samn

101 para quem os termos do acordo resumiam-se ao seguinte

libertaccedilatildeo dos prisioneiros paz com o povo romano incluindo Tarento

no armistiacutecio autonomia das cidades italiotas e restituiccedilatildeo completa

dos territoacuterios aos lucanianos brutianos samnitas e daunianos (na

regiatildeo da Apulia) Ver o quadro geral em Leacutevecircque Pirro p 348

138

tivessem sido enviadas como normalmente faziam os

cartagineses com seu exeacutercito ateacute 307 aC de uma uacutenica

vez sem a formaccedilatildeo de forccedilas de reserva)

Com a decisatildeo inesperada dos romanos Pirro teria que

proceder agrave conquista sistemaacutetica de toda a Peniacutensula para

entatildeo forccedilar Roma aos seus termos que certamente natildeo

seriam tatildeo brandos quanto os primeiros O rei partiu para a

cidade de Aacutesculo situada numa regiatildeo (Apuacutelia) que

diferentemente daquela de Heracleia natildeo facilitaria o uso

das tropas montadas e obviamente dos elefantes Em

Aacutesculo Pirro contava jaacute com a infantaria e a cavalaria

samnita brutiana lucaniana e tarentina304 Aqui surgem

duas possibilidades para o desenvolvimento da batalha a

primeira delas seguindo o relato de Hierocircnimo (novamente

citado por Plutarco) menciona duas batalhas em Aacutesculo a

segunda de acordo com Dioniacutesio (igualmente citado pelo

bioacutegrafo) faz referecircncia a somente uma longa batalha305

Como anteriormente tambeacutem para a batalha de Aacutesculo parece-

nos mais apropriado o relato de Hierocircnimo dada a

quantidade de detalhes apresentados e a reputaccedilatildeo do

historiador em questatildeo Aleacutem disso a adequaccedilatildeo dos nuacutemeros

continua sendo tal como em Heracleia mais plausiacutevel na

tradiccedilatildeo grega Plutarco nos informa que apoacutes encerrado um

conflito inicial entre as duas infantarias (o que se deduz

pela inadequaccedilatildeo do terreno ao uso de cavaleiros) ambos os

exeacutercitos se retiraram do combate por um dia (ou cerca de

12 horas uma vez que abriram matildeo do combate segundo

Plutarco ao anoitecer) No dia seguinte contudo

intencionado a trazer a luta agrave parte nivelada do terreno

onde poderia empregar seus elefantes e cavaleiros Pirro

ocupou as porccedilotildees mais desniveladas com suas tropas

ligeiras (dardeiros e arqueiros) fazendo-as atirar

304 Leacutevecircque Pirro p 391

305 Plut Pirro 215-8

139

projeacuteteis na maior intensidade possiacutevel forccedilando com essa

manobra o deslocamento do combate para o local que lhe era

mais favoraacutevel Com o passar do tempo de combate frontal a

falange macedocircnica comeccedilou a empurrar as legiotildees ao menos

num dos pontos que Plutarco nos faz crer ser o local onde

estava situado o rei306 O momento decisivo da batalha

contudo se deu novamente durante a investida dos

elefantes que os romanos ainda natildeo haviam aprendido a

combater Apoacutes o avanccedilo dos paquidermes provavelmente em

ambas as alas os romanos natildeo puderam se manter em

formaccedilatildeo o que resultou uma vez mais na vitoacuteria do rei

do Epiro sobre Roma Hierocircnimo menciona de acordo com

Plutarco uma perda de 6000 homens para os romanos contra

3505 homens do lado epirota segundo os proacuteprios

comentaacuterios das Memoacuterias de Pirro (que o historiador de

Caacuterdia pocircde certamente consultar)307 Dioniacutesio em

contrapartida sequer admitiu uma derrota romana

mencionando natildeo somente que os suprimentos de Pirro havia

sido saqueada mas tambeacutem que as perdas foram equivalentes

perfazendo um total de 15000 mortos para cada lado

A partir desta batalha se seguirmos os eventos do modo

como apresentado pela tradiccedilatildeo grega podemos concluir sem

exagero que os convites recebidos tanto da Siciacutelia308 quanto

da Macedocircnia309 foram plenamente baseados em sua receacutem-

adquirida reputaccedilatildeo poliacutetica e militar Da mesma forma a

decisatildeo de partir para a Siciacutelia como o liacuteder pelo qual os

306 Uma reconstruccedilatildeo moderna sobre o possiacutevel ordenamento da batalha

encontra-se em Oswald Andreas Hamburger Untersuchungen uumlber den

pyrrhischen Krieg Wuumlrzburg Wolff 1927 P 31 307 Plut Pirro 218

308 Como detalhado acima no item ldquoPirro e o problema da monarquia

heleniacutesticardquo 309 Alguns povos celtas encontravam-se novamente em processo migratoacuterio

a julgar pelos nuacutemeros apresentados por Diodoro (229) tendo

derrotado Ptolomeu Ceraunus filho de Ptolomeu I durante a invasatildeo da

Macedocircnia ldquoBreno o rei dos gauleses acompanhado por 150000

soldados de infantaria armados com escudo longo (θυρεοφόρων) e 10000 cavaleiros juntos com uma horda de seguidores mercadores e duas mil

carroccedilas invadiram a Macedocircnia []rdquo

140

siciliotas aguardavam desde a morte de Agaacutetocles configurou

o contexto peninsular de uma forma completamente diferente

do que seria se o epirota prosseguisse com as campanhas

contra os romanos Se no teacutermino das lutas Roma teria sido

subjugada nunca saberemos (isso nos seria possiacutevel somente

como exerciacutecio retoacuterico) mas parece niacutetido que as decisotildees

posteriores de Pirro tenham sido baseadas na sua reputaccedilatildeo

em suas vitoacuterias sobre os romanos e no que ele poderia

realizar em termos de feitos grandiosos (tais como a

helenizaccedilatildeo completa da Siciacutelia e a conquista de Cartago)

como monarca de aspiraccedilotildees heleniacutesticas e natildeo numa espeacutecie

de ato desesperado para salvar a expediccedilatildeo apoacutes duas

ldquovitoacuterias piacuterricasrdquo durante as quais o espiacuterito militar

romano permaneceu inabalaacutevel como nos faz crer a tradiccedilatildeo

analiacutestica

141

CAPIacuteTULO 4 ndash AS DUAS FASES DAS INOVACcedilOtildeES MILITARES

EM CARTAGO

1 ldquoNenhum tirano destruiraacute nossa cidaderdquo

controle oligaacuterquico e fracasso da tirania em

Cartago 310-255 aC

A decisatildeo de transferir a guerra da Siciacutelia para a

Aacutefrica ainda que a porccedilatildeo grega da ilha estivesse em

condiccedilotildees bastante desfavoraacuteveis estava ancorada como

mostrei no capiacutetulo anterior no conhecimento de Agaacutetocles

sobre o despreparo do exeacutercito ciacutevico cartaginecircs o qual

teria forccedilosamente que entrar em combate com os experientes

mercenaacuterios do siracusano caso fossem pegos de surpresa em

sua proacutepria cidade ou nos arredores mas tambeacutem no

reconhecimento das tensotildees existentes entre a oligarquia

cartaginesa e seus generais As centenas de quilocircmetros que

separavam Cartago da porccedilatildeo oeste da Siciacutelia por vezes

tornavam os ldquorelatoacuteriosrdquo das accedilotildees cartaginesas na ilha

esporaacutedicos e imprecisos310

resultando na coexistecircncia de

dois fatores aparentemente excludentes

Em primeiro lugar destaca-se a autonomia dos generais

de exeacutercitos mercenaacuterios na Siciacutelia com liberdade para

realizar tratados de paz e formar alianccedilas ainda que elas

tivessem que ser confirmadas posteriormente pelo Conselho

de Anciatildeos311

Em segundo lugar encontra-se o controle de

seu poder poliacutetico e militar pela oligarquia o que

frequumlentemente findava em puniccedilotildees financeiras deposiccedilatildeo

do cargo ou ateacute mesmo privaccedilatildeo de direitos ciacutevicos no caso

de derrota assim como deposiccedilatildeo e crucificaccedilatildeo dos

comandantes se confirmada aspiraccedilatildeo tiracircnica mesmo que em

310 Miles pp 146-148 311 Dexter Hoyos ldquoBarcid bdquoproconsuls‟ and Punic politics 237-218 BCrdquo

Rheinisches Museum fuumlr Philologie 137 246-274 1994 Miles p 146

142

potencial A existecircncia dessa tensatildeo aparece por exemplo

em Diodoro ao mencionar o tratamento hostil dado aos

generais cartagineses pelos seus compatriotas

A causa baacutesica desse problema era a severidade dos

cartagineses ao infligir puniccedilotildees Em suas guerras eles

dispotildeem seus homens mais nobres (τοὺς [] ἐπιφανεστάτους τν ἀνδρν) no comando julgando que esses deveriam ser os primeiros a enfrentar o perigo em nome de toda a

cidade mas quando eles conquistam a paz [os

oligarcas] condenam os mesmos homens em julgamento

trazendo injustamente acusaccedilotildees contra eles por inveja

e os depotildeem com penalidades Portanto alguns desses

homens dispostos em posiccedilotildees de comando desertam

temendo os julgamentos nas cortes ao passo que outros

se lanccedilam agrave tirania (τινὲς δἐπιτίθενται τυραννίσιν)312

Isoacutecrates alguns seacuteculos antes de Diodoro afirmou que

entre os cartagineses ldquoas cidades [eram] governadas por uma

oligarquia mas os assuntos militares por um reirdquo (οἴκοι μὲν

ὀλιγαρχουμένους περὶ δὲ τὸν πόλεμον βασιλευομένους)313 Com isso o

312 Diod 20102-4 αἰτία δὲ μάλιστα τούτων ἡ πρὸς τὰς τιμωρίας πικρία τν Καρχηδονίων τοὺς γὰρ ἐπιφανεστάτους τν ἀνδρν ἐν μὲν τοῖς πολέμοις προάγουσιν ἐπὶ τὰς ἡγεμονίας νομίζοντες δεῖν ατοὺς τν ὅλων προκινδυνεύειν ὅταν δὲ τύχωσι τς εἰρήνης τοὺς ατοὺς τούτους συκοφαντοῦσι καὶ κρίσεις ἀδίκους ἐπιφέροντες διὰ τὸν φθόνον τιμωρίαις περιβάλλουσι διὸ καὶ τν ἐπὶ τὰς ἡγεμονίας ταττομένων τινὲς μὲν φοβούμενοι τὰς ἐν τῶ δικαστηρίῳ κρίσεις ἀποστάται γίνονται [τς ἡγεμονίας] τινὲς δ ἐπιτίθενται τυραννίσιν Nigel Bagnall The Punic Wars New York St Martin 2005 pp 9-11 Miles

op cit p 147 Cabe mencionar aqui o caso relatado em Diod 2310

quando Aniacutebal (natildeo o Barca) apoacutes a derrota na batalha naval de Mylae

durante a Primeira Guerra Puacutenica temendo a puniccedilatildeo oligaacuterquica

decidiu enviar um mensageiro a Cartago para perguntar aos oligarcas se

ele no comando de 200 embarcaccedilotildees deveria entrar em confronto com os

romanos que contavam apenas com 120 embarcaccedilotildees com a resposta

positiva dos entusiasmados compatriotas o mensageiro entatildeo contou que

foi exatamente essa a decisatildeo de Aniacutebal tendo ele no entanto

perdido a batalha para os romanos Diante disso concluiu o

mensageiro o general natildeo deveria ser punido uma vez que agiu como

todos julgavam ser correto O caso serve para ilustrar o receio dos

comandantes cartagineses quanto agraves puniccedilotildees do Senado mais do que

propriamente a severidade dos castigos Sobre a puniccedilatildeo senatorial

podemos destacar a crucifixatildeo como no caso do comandante cartaginecircs

crucificado pelos compatriotas apoacutes desistir de Messina com a chegada

de Aacutepio Claacuteudio cocircnsul romano enviado para dar suporte militar aos

mamertinos (Polib 111) De acordo com Poliacutebio os cartagineses

puniram seu general por sua falta de bom juiacutezo sobre as coisas

(νομίσαντες ατὸν ἀβούλως) e por abandonar a cidadela covardemente

(ἀνάνδρως προέσθαι τὴν ἀκρόπολιν) 313 Isocrates Nicocles 24 Dexter Hoyos (Unplanned Wars The Origins

of the First and Second Punic Wars Berlin New York Walter de

143

orador aacutetico pretendia evidenciar a tensatildeo referida entre

oligarquia e generais algo existente mesmo antes do iniacutecio

do periacuteodo heleniacutestico Se no seacutecIV aC os generais eram

escolhidos entre os membros da elite poliacutetica314 a partir

do seacutecIII aC os mesmos passaram a ser eleitos pela

assembleacuteia popular315 o que certamente contribuiu para a

degradaccedilatildeo das relaccedilotildees entre oligarquia e comandantes

nomeados Contudo a despeito da progressiva hostilidade

entre os dois lados os oligarcas foram ainda capazes de

punir seus generais com severidade ao longo dos cem

primeiros anos do periacuteodo heleniacutestico O poder que a

oligarquia mantinha sobre os comandantes eacute evidente em

diversas ocasiotildees como a deposiccedilatildeo do general Hanatildeo o

Velho apoacutes sua derrota em Acragas em 263 aC316 Poliacutebio

natildeo menciona o que ocorreu com Hanatildeo dando atenccedilatildeo ao

impacto que a vitoacuteria romana teve no Senado em Roma mas

Diodoro nos relata que ldquoos cartagineses puniram Hanatildeo em

6000 moedas de ouro privando-o de seus direitos ciacutevicosrdquo

(Ἄννωνα δὲ οἱ Καρχηδόνιοι ἐζημίωσαν χρυσοῖς ἑξακισχιλίοις ἀτιμάσαντες)317

A principal razatildeo para o controle efetivo por parte dos

oligarcas reside no excelente funcionamento das

instituiccedilotildees poliacuteticas tradicionais cujo vigor permaneceu

ateacute o iniacutecio da Segunda Guerra Puacutenica devido agraves matildeos

severas da oligarquia (nas ldquofiguras senatoriaisrdquo e dos

Gruyter 1998 P150) destaca que com a ascensatildeo Baacutercida (periacuteodo que

natildeo seraacute tratado nesta tese) a repuacuteblica cartaginesa havia se

tornado de fato uma monarquia militar uma vez que o poder dos

Baacutercidas natildeo se reduzia agrave nova colocircnia hispacircnica estendendo-se aos

assuntos poliacuteticos em Cartago Ainda que essa interpretaccedilatildeo natildeo seja

universal (haacute evidecircncias da oposiccedilatildeo dos cartagineses agrave expediccedilatildeo de

Amiacutelcar em Apiano Guerra Anibaacutelica 24 e Zonaras 817) os autores

modernos tendem a aceitar a influecircncia Baacutercida em Cartago ou o seu

governo independente na Hispacircnia 314 Robert Drews ldquoPhoenicians Carthage and the Spartan Eunomiardquo AJA

100 1979 P 55 315 Bagnall op cit p 9 316 Polib 118-19 Diod239 Zonaras 810 A batalha seraacute analisada

neste capiacutetulo precisamente no uacuteltimo item 317 Diod 239 Aqui decidi seguir estritamente a traduccedilatildeo de

Goldfather tradutor da Loeb que sugeriu ἀτιμάω como privaccedilatildeo dos

direitos ciacutevicos

144

sufetas)318

O preccedilo a se pagar como veremos neste

capiacutetulo seraacute o impedimento da formaccedilatildeo de uma ldquoescola

militar atualizadardquo na primeira metade do seacutecIII aC o

que atrasaraacute em termos taacuteticos o pensamento militar

cartaginecircs sendo o problema solucionado somente diante de

outra ameaccedila nos arredores de Cartago a expediccedilatildeo romana

liderada por Reacutegulo durante a Primeira Guerra Puacutenica

Poliacutebio menciona que as razotildees para a decadecircncia da

constituiccedilatildeo cartaginesa notada somente a partir da

Segunda Guerra Puacutenica319

resumem-se ao progressivo

desequiliacutebrio das suas instituiccedilotildees diminuindo

sensivelmente a autoridade da oligarquia frente agraves

assembleacuteias populares tendo ldquoa multidatildeo jaacute adquirido a

palavra final nas deliberaccedilotildees ao passo que em Roma o

Senado ainda a detinhardquo (τὴν πλείστην δύναμιν ἐν τοῖς διαβουλίοις παρὰ μὲν

Καρχηδονίοις ὁ δμος ἤδη μετειλήφει παρὰ δὲ Ῥωμαίοις ἀκμὴν εἶχεν ἡ σύγκλητος)320

Ao que tudo indica o periacuteodo localizado entre os primeiros

anos do seacutecIII aC quando a assembleacuteia popular passou a

escolher os generais cartagineses e o iniacutecio da Segunda

Guerra Puacutenica em 218 aC apresentou os uacuteltimos esforccedilos

de controle efetivo dos oligarcas que progressivamente

perdiam espaccedilo para a participaccedilatildeo democraacutetica ainda que

tivessem poder sobre a deposiccedilatildeo dos generais e jaacute nas

duas uacuteltimas deacutecadas do seacutecIII aC para uma poliacutetica da

irracionalidade321

Haacute basicamente duas referecircncias antigas sobre a

constituiccedilatildeo dos cartagineses a respeito da qual pouco se

318 Bagnall op cit p 12 eacute ainda mais incisivo ao dizer que ldquoo

aspecto mais marcante da constituiccedilatildeo cartaginesa era a sua

estabilidaderdquo 319 Polib 651 ldquoMas no momento em que eles embarcaram na Guerra

Anibaacutelica a constituiccedilatildeo dos cartagineses se degenerou ao passo que

a dos romanos progrediurdquo (κατά γε μὴν τοὺς καιροὺς τούτους καθ οὓς εἰς τὸν Ἀννιβιακὸν ἐνέβαινε πόλεμον χεῖρον ἦν τὸ Καρχηδονίων ἄμεινον δὲ τὸ Ῥωμαίων) 320 Polib 651 321 Ver Craige Brian Champion Cultural Politics in Polybius‟

Histories Berkeley University of California Press 2004 pp 117-

121 Miles pp 353-354

145

sabe A primeira e mais esclarecedora delas encontra-se em

Aristoacuteteles (Pol 1272b) portanto temporalmente distante

dos eventos pelos quais demonstramos interesse322

Ainda

assim o entendimento aristoteacutelico do sistema poliacutetico

cartaginecircs no seacutecIV aC deve ser o principal documento

considerado dado o bom julgamento de Aristoacuteteles para o

assunto e as condiccedilotildees miacutenimas de acesso aos relatos

antigos sobre as instituiccedilotildees poliacuteticas cartaginesas A

segunda delas pode ser encontrada como jaacute indicado acima

em Poliacutebio ligeiramente mais proacuteximo dos referidos eventos

que Aristoacuteteles considerando as suas funccedilotildees no ciacuterculo

dos Cipiotildees323 O relato de Poliacutebio contudo carece de

informaccedilotildees baacutesicas resumindo-se agrave demonstraccedilatildeo de como o

desequiliacutebrio no funcionamento das instituiccedilotildees permite a

ascensatildeo de outro poder estrangeiro (Roma) o que daria

ferramentas aos poliacuteticos gregos vindouros para a

compreensatildeo das instituiccedilotildees romanas Afinal sua ldquohistoacuteria

pragmaacuteticardquo se dirigia a uma audiecircncia grega (mas natildeo

somente) forccedilada a conviver sob o domiacutenio romano324

De acordo com Aristoacuteteles os cartagineses viviam sob

uma constituiccedilatildeo boa (Πολιτεύεσθαι δὲ δοκοῦσι καὶ Καρχηδόνιοι καλς) e

superior em muitos aspectos a todas as outras (καὶ πολλὰ

περιττς πρὸς τοὺς ἄλλους) assemelhando-se agraves constituiccedilotildees de

Creta e Esparta (as quais detinham peculiaridade notaacutevel

aos olhos do grego)325 O valor de uma boa constituiccedilatildeo diz

Aristoacuteteles pode ser encontrado quando ldquoos cidadatildeos

permanecem leais ao sistema poliacutetico e nenhum conflito

civil emerge em qualquer escala que valha a pena mencionar

nem qualquer um obteacutem sucesso em se pronunciar tiranordquo (τὸ

τὸν δμον διαμένειν ἐν τῆ τάξει τς πολιτείας καὶ μήτε στάσιν ὅ τι καὶ ἄξιον εἰπεῖν

322 Arist Pol 1272b 323 Polib 644 324 Polib 11 Frank William Walbank Polybius Berkeley and Los

Angeles University of California Press 1972 Daly P 81 325 Arist Pol 1272b Poliacutebio (651) ressalta a semelhanccedila com as

constituiccedilotildees de Roma e Esparta Ver Bagnall op cit p 13 Consolo

Langher pp 127-129

146

γεγενσθαι μήτε τύραννον) Da mesma forma que os espartanos os

cartagineses conheciam as refeiccedilotildees coletivas possuindo um

conselho similar ao dos eacuteforos326 mas composto por 104

homens tendo a vantagem de escolhecirc-los por meacuterito pessoal

(τὴν ἀρχὴν ἀριστίνδην) ao passo que em Esparta a eleiccedilatildeo se

dava entre os cidadatildeos ordinaacuterios Quanto aos dois sufetas

(ou magistrados vistos como reis)327 ambos vinham da mesma

famiacutelia e deviam assumir o cargo por eleiccedilatildeo e natildeo por

senilidade Aparentemente as decisotildees eram sempre tomadas

pelo Senado e pelos sufetas e os assuntos que deveriam ir

agrave assembleacuteia popular eram por eles escolhidos Uma vez que

a votaccedilatildeo fosse encaminhada ao povo (δμος) o Senado abria

matildeo de sua primazia momentaneamente sendo a assembleacuteia

popular investida de poder natildeo somente para escutar as

resoluccedilotildees do governo mas tambeacutem para pronunciar

julgamento sobre elas ldquoum direito que natildeo existia noutras

constituiccedilotildeesrdquo ([] ὅπερ ἐν ταῖς ἑτέραις πολιτείαις οκ ἔστιν) A

poliacutetica cartaginesa seria entatildeo parcialmente

democraacutetica mas com fortes elementos oligaacuterquicos os

quais eram mantidos pela forma de controle institucional

aristocraacutetica As pentarquias por exemplo encarregadas da

326 Poliacutebio menciona a existecircncia de dois reis um conselho de anciatildeos

como forccedila aristocraacutetica e um povo supremo nos assuntos que lhes

cabia 327 Para alguns historiadores os sufetas cartagineses desempenhavam

precisamente as funccedilotildees de um ldquoreirdquo (basileu para os gregos rex para

os latinos) ao passo que para outros a apariccedilatildeo do termo ldquobasileurdquo

quando as fontes mencionam sufetas cartagineses indica unicamente uma

aproximaccedilatildeo ao se traduzir o puacutenico sufeta Como nos lembra Yann Le

Bohec Histoire militaire des guerres puniques Monaco Editions du

Rocher 1996 pp29-31 ldquose a monarquia existiu em Cartago esse

regime desapareceu antes do iniacutecio do seacutecIII aCrdquo Entre os autores

que consideram os sufetas com funccedilotildees idecircnticas agravequelas desempenhadas

pelos reis destaca-se Gilbert Charles-Picard ldquoLes Sufegravetes de Carthage

dans Tite-Live et Cornelius Neposrdquo Revue des Eacutetudes Lat 41 269-280

1963 O principal autor a se posicionar a favor de uma mera

aproximaccedilatildeo semacircntica eacute Maurice Sznycer ldquoLe Problegraveme de la royauteacute

dans le monde puniquerdquo Bulletin du Com des Trav Hist 17 291-296

1981 Outros autores preferem se posicionar entre as duas

interpretaccedilotildees como no caso de Dexter Hoyos op cit p6 que

defende a plausibilidade de ambas embora opte por traduzir sufetas

como juiacutezes ldquoo reirdquo diz Hoyos ldquoalgumas vezes mencionado nos relatos

gregos pode ter sido uma magistratura separada ou talvez um sufeta

sob outro nomerdquo

147

eleiccedilatildeo dos membros do ldquoconselho dos 104 homensrdquo (senadores

responsaacuteveis por vigiar e reprimir quaisquer abusos por

parte do proacuteprio Senado) eram magistraturas natildeo

remuneradas sendo tanto a riqueza (τὸν πλοῦτον) quanto o

meacuterito (τς ἀρετς) elementos considerados na escolha dos

magistrados o que limitava o exerciacutecio poliacutetico das

pentarquias aos bem-nascidos jaacute que era impossiacutevel ao

homem pobre desfrutar do tempo necessaacuterio para o desempenho

adequado de seus deveres poliacuteticos Assim a eleiccedilatildeo por

riqueza seria oligaacuterquica e a eleiccedilatildeo por meacuterito

aristocraacutetica o que mantinha (durante bastante tempo) o

equiliacutebrio institucional tatildeo valorizado por Poliacutebio para

quem a populaccedilatildeo de Atenas iacutecone do governo puramente

democraacutetico se assemelhava a ldquoum navio sem comandanterdquo

(τοῖς ἀδεσπότοις σκάφεσι)

O uacutenico caso heleniacutestico (entre 323-237 aC)

registrado nas fontes de aspiraccedilatildeo frustrada ao poder

tiracircnico em Cartago se daacute em 310 aC com Bomiacutelcar um dos

strategoi nomeados pelo conselho cartaginecircs frente ao

reconhecimento da inesperada expediccedilatildeo africana de

Agaacutetocles328

Ao eleger Bomiacutelcar juntamente com Hanatildeo o

outro strategos tendo ciecircncia de que ambos advinham de

famiacutelias rivais o conselho cartaginecircs pretendia de acordo

com Diodoro manter a seguranccedila da cidade (τς πόλεως

ἀσφάλειαν) isto eacute o perfeito funcionamento de suas

instituiccedilotildees tradicionais crendo que a desconfianccedila

pessoal e a inimizade muacutetua (τὴν ἰδίαν τούτοις ἀπιστίαν καὶ διαφορὰν

κοινὴν) dos generais inibiriam qualquer tentativa de

ascensatildeo ao poder tiracircnico pelo monopoacutelio dos exeacutercitos329

O conselho prossegue o historiador siciliano se equivocou

em sua decisatildeo uma vez que Bomiacutelcar aproveitou a

oportunidade de sua nomeaccedilatildeo ao cargo de strategos para

328 Diod 2010 Meister CAH 7 p395 Consolo Langher pp 139-141

Justino 226 menciona Hanatildeo como o uacutenico comandante dos cartagineses 329 Diod 2010

148

levar adiante um plano de instauraccedilatildeo da tirania o qual

havia sido como encontramos na fonte previamente

concebido Antes da chegada de Agaacutetocles na Aacutefrica faltava

ao cartaginecircs tanto autoridade (ἐξουσίαν) quanto ocasiatildeo

adequada (καιρὸν οἰκεῖον) uma vez nomeado um dos generais

responsaacuteveis pelo combate contra os gregos na Aacutefrica ambos

os preacute-requisitos lhe foram proporcionados Em primeiro

lugar de posse de parte do exeacutercito cartaginecircs bastava

eliminar seu colega e rival o que considerando o estado

das relaccedilotildees entre os dois seria feito sem grandes

impedimentos Em segundo lugar a presenccedila grega na Aacutefrica

serviria de justificativa para quaisquer acusaccedilotildees de mau

funcionamento das instituiccedilotildees tradicionais o que em

diversas ocasiotildees foi tomado como pontapeacute inicial para a

emergecircncia dos poderes tiracircnicos no mundo grego Em campo

de batalha apoacutes ouvir que seu rival havia sido derrotado

pelos siracusanos Bomiacutelcar tentou forccedilar um recuo

prematuro de sua ala o que induziria a retirada de todo o

exeacutercito acreditando que com isso teria natildeo somente o

controle das tropas mas tambeacutem o desentendimento e

consequumlente submissatildeo do conselho Essa loacutegica encontra

evidecircncia em Diodoro

Se o exeacutercito de Agaacutetocles fosse destruiacutedo ele natildeo

seria capaz de realizar o seu plano rumo agrave supremacia

uma vez que os cidadatildeos permaneceriam fortes mas se o

primeiro vencesse e destruiacutesse o orgulho dos

cartagineses os derrotados seriam faacuteceis de manipular

e ele [Bomiacutelcar] poderia derrotar Agaacutetocles prontamente

quando desejasse fazecirc-lo330

330 Diod 2012 [] εἰ μὲν ἡ μετὰ Ἀγαθοκλέους διαφθαρείη δύναμις μὴ δυνήσεσθαι τὴν ἐπίθεσιν ποιήσασθαι τῆ δυναστείᾳ τν πολιτν ἰσχυόντων εἰ δὲ ἐκεῖνος νικήσας τὰ φρονήματα παρέλοιτο τν Καρχηδονίων εχειρώτους μὲν ἑαυτῶ τοὺς προηττημένους ἔσεσθαι τὸν δ Ἀγαθοκλέα ῥᾳδίως καταπολεμήσειν ὅταν ατῶ δόξῃ

149

O recuo taacutetico de Bomiacutelcar se transformou no entanto

em massacre e destruiccedilatildeo numerosa de seu exeacutercito331 jaacute que

as manobras heleniacutesticas de Agaacutetocles findaram no

envolvimento aparentemente parcial dos cartagineses em

fuga Diodoro um pouco mais agrave frente menciona em detalhes

como os cartagineses conseguiram suprimir a tentativa

desesperada de ascensatildeo tiracircnica por parte de Bomiacutelcar

que apoacutes a derrota para Agaacutetocles selecionou alguns de

seus homens e tentou tomar a proacutepria cidade de Cartago

inesperadamente

[] quando Bomiacutelcar havia revisado o seu exeacutercito no

que era chamada Nova Cidade a qual estava localizada a

uma curta distacircncia da Velha Cartago ele dispensou o

restante mas manteve aqueles com os quais podia contar

em sua revolta cerca de 500 cidadatildeos e 1000

mercenaacuterios e declarou-se tirano (ἀνέδειξεν ἑαυτὸν τύραννον)332

Ao dividir seus homens em cinco unidades Bomiacutelcar

invadiu a cidade (que ainda natildeo tinha conhecimento de seus

planos) e exterminou aqueles que se opuseram aos seus

propoacutesitos Diante da calamidade os cartagineses pegaram

em armas e se apressaram em suprimir a traiccedilatildeo ciacutevica que

haviam sofrido em momento tatildeo delicado para a sua poliacutetica

externa Bomiacutelcar se dirigiu ao centro mercantil (τὴν ἀγορὰν)

e assassinou ainda muitos cidadatildeos desarmados sendo essa

accedilatildeo desesperada seguida pela ocupaccedilatildeo de construccedilotildees

proacuteximas ao mercado por parte dos defensores os quais

foram capazes devido ao posicionamento mais alto e

portanto favoraacutevel agrave defesa interna da cidade contra os

331 Diod 2013 menciona 1000 homens mortos do lado cartaginecircs embora

reconheccedila que outros autores mencionem ateacute 6000 ao passo que Justino

226 nos indica 3000 mortos do lado cartaginecircs Oroacutesio 46 sugere que

2000 cartagineses pereceram em batalha 332 Diod 2044 δ οὖν Βορμίλκας ἐξετασμὸν τν στρατιωτν ποιησάμενος ἐν τῆ καλουμένῃ Νέᾳ πόλει μικρὸν ἔξω τς ἀρχαίας Καρχηδόνος οὔσῃ τοὺς μὲν ἄλλους διαφκε τοὺς δὲ συνειδότας περὶ τς ἐπιθέσεως ὄντας πολίτας μὲν πεντακοσίους μισθοφόρους δὲ περὶ χιλίους ἀνέδειξεν ἑαυτὸν τύραννον

150

homens de Bomiacutelcar de por fim ao que poderia representar a

falecircncia (mesmo que momentacircnea) de suas instituiccedilotildees

poliacuteticas tradicionais Apoacutes a rendiccedilatildeo dos traidores os

cartagineses enviaram os seus cidadatildeos mais velhos (πρέσβεις)

para o estabelecimento de um acordo e decidiram perdoar os

traidores que tiveram que ldquopagarrdquo o perdatildeo com serviccedilo

militar contra Agaacutetocles mas torturaram e mataram o seu

liacuteder Bomiacutelcar preservando assim ldquoa constituiccedilatildeo de seus

paisrdquo (τὴν πατρῴαν πολιτείαν)

Parece seguro dizer que o uacutenico caso registrado de

tentativa de instauraccedilatildeo da tirania em Cartago durante o

primeiro seacuteculo do periacuteodo heleniacutestico tinha propoacutesitos

puramente claacutessicos primeiramente por que a sua

classificaccedilatildeo como ldquoheleniacutesticardquo cairia diante da acusaccedilatildeo

de anacronismo de fato natildeo vejo maneira de um cartaginecircs

ter concebido seu poder em imitaccedilatildeo agrave monarquia de

Alexandre antes mesmo da autoproclamaccedilatildeo dos Diaacutedocos como

reis333

Aleacutem disso a experiecircncia cartaginesa aponta para o

modelo tiracircnico siciliano tardo-claacutessico sem qualquer

vivecircncia direta (ao menos nas esferas oligaacuterquica e

popular) com os valores monaacuterquicos heleniacutesticos Ainda que

Agaacutetocles tenha desenvolvido os princiacutepios de sua basileia

durante a expediccedilatildeo cartaginesa a configuraccedilatildeo de seu

poder natildeo se dirigia nem aos cartagineses nem aos cidadatildeos

em Siracusa como sustentamos no capiacutetulo anterior mas sim

agraves suas tropas mercenaacuterias que reconheceram seu poder no

episoacutedio da toga puacuterpura e que tinham condiccedilotildees a julgar

pelo tracircnsito mediterracircnico inerente agrave sua profissatildeo de

saber do que se tratava o poder reacutegio assumido por

Agaacutetocles alguns anos apoacutes a batalha de Tuacutenis em 310 aC

Embora tivessem empregado mercenaacuterios em larga escala a

esfera de atuaccedilatildeo poliacutetica dos cartagineses incluindo seus

generais permaneceu estritamente ligada aos modelos

333 Esse eacute o mesmo argumento que utilizei no cap3

151

claacutessicos tendo o uacutenico caso fracassado de ascensatildeo

tiracircnica no periacuteodo heleniacutestico ocorrido em 310 aC antes

mesmo do surgimento das monarquias heleniacutesticas

Apoacutes o episoacutedio de Bomiacutelcar a oligarquia cartaginesa

manteve-se como de costume precavida quanto agraves possiacuteveis

chances da emergecircncia de tiranias em Cartago As fontes natildeo

mencionam outro caso declarado de aspiraccedilatildeo tiracircnica mas

penso que podemos tomar ao considerar uma sistematizaccedilatildeo

das evidecircncias disponiacuteveis a reaccedilatildeo dos cartagineses ao

sucesso militar de Xantipo (o qual seraacute analisado em

detalhes mais agrave frente) como indiacutecio de precauccedilatildeo quanto a

uma ldquotirania em potencialrdquo o que serve em igual medida

para o meu argumento

As fontes fornecem histoacuterias bastante distintas sobre o

desaparecimento do general mercenaacuterio apoacutes serviccedilo prestado

aos cartagineses Comecemos com Poliacutebio

Xantipo a quem essa revoluccedilatildeo e esse notaacutevel avanccedilo

nos eventos relacionados a Cartago foram devidos apoacutes

pouco tempo navegou mais uma vez a Esparta sendo esta

uma decisatildeo muito prudente e bem pensada de sua parte

uma vez que suas realizaccedilotildees brilhantes e excepcionais

cultivariam a inveja mais profunda [] Estrangeiros

quando expostos a tais situaccedilotildees rapidamente sucumbem

e potildeem-se em perigo Haacute outro relato sobre a partida de

Xantipo o qual procurarei apresentar numa ocasiatildeo mais

apropriada que a atual334

Mas qual seria esse segundo relato mencionado por

Poliacutebio Parece possiacutevel dizer a partir do que narram

outras fontes que Poliacutebio estivesse se referindo agrave versatildeo

que encontramos com mais clareza nos fragmentos do livro

23 de Diodoro

334 Polib 136 Ξάνθιππος δὲ τηλικαύτην ἐπίδοσιν καὶ ῥοπὴν ποιήσας τοῖς Καρχηδονίων πράγμασιν μετ ο πολὺν χρόνον ἀπέπλευσεν πάλιν φρονίμως καὶ συνετς βουλευσάμενος αἱ γὰρ ἐπιφανεῖς καὶ παράδοξοι πράξεις βαρεῖς μὲν τοὺς φθόνους ὀξείας δὲ τὰς διαβολὰς γεννσιν [hellip] οἱ δὲ ξένοι ταχέως ἐφ ἑκατέρων τούτων ἡττνται καὶ κινδυνεύουσι λέγεται δὲ καὶ ἕτερος πὲρ τς ἀπαλλαγς τς Ξανθίππου λόγος ὃν πειρασόμεθα διασαφεῖν οἰκειότερον λαβόντες τοῦ παρόντος καιρόν

152

Xantipo o Espartano tambeacutem pereceu nas matildeos dos

siciliotas335 Proacuteximo a Lilibeu uma cidade dos

siciliotas [cartagineses] houve uma guerra entre

romanos e siciliotas guerra essa que continuou por 24

anos Os siciliotas tendo sofrido derrota em batalha

por diversas vezes ofereceram a submissatildeo de sua

cidade aos romanos Xantipo o Espartano que havia

chegado de Esparta com 100 soldados (ou sozinho ou com

50 soldados de acordo com vaacuterios autores) se

aproximou dos siciliotas enquanto eles ainda estavam

indecisos e apoacutes conversar com eles por meio de um

inteacuterprete finalmente os encorajou a fazer frente aos

inimigos Ele entrou em batalha com os romanos e com a

ajuda dos siciliotas massacrou todo o exeacutercito inimigo

Por seu bom serviccedilo prestado [Xantipo] recebeu uma

recompensa merecida e apropriada agravequele povo perverso

uma vez que os moralmente abominaacuteveis o enviaram numa

embarcaccedilatildeo defeituosa e a naufragaram nas aacuteguas do

Adriaacutetico como expressatildeo de seu ressentimento para com

o heroacutei e sua nobreza336

Os relatos posteriores apresentam mais ou menos uma das

duas versotildees Apiano relata o retorno de Xantipo a Esparta

ainda que a viagem tenha sido propositalmente organizada

pelos cartagineses para o extermiacutenio do general durante o

percurso de volta o que se deu com o arremesso de Xantipo

e seus compatriotas da embarcaccedilatildeo em mar aberto337

Os

fragmentos do livro 11 de Caacutessio Dio os quais foram

parcialmente preservados em Zonaras informam duas versotildees

possiacuteveis que sua embarcaccedilatildeo foi atacada pelos proacuteprios

cartagineses e que a embarcaccedilatildeo cedida a ele pelos

335 Apoacutes analisar todo o fragmento fica evidente que Diodoro trocou

(talvez por confusatildeo) em toda a passagem cartagineses por

siciliotas 336 Diod 2316 τοῖς Σικελοῖς καὶ Ξάνθιππος ὁ Σπαρτιάτης θνήσκει περὶ γὰρ τὸ Λιλύβαιον τν Σικελν τὴν πόλιν Ῥωμαίοις τε καὶ Σικελοῖς πόλεμος ἐκροτεῖτο πρὸς εἴκοσι καὶ τέσσαρας τοὺς χρόνους ἐξαρκέσας οἱ Σικελοὶ ταῖς μάχαις δὲ πολλάκις ἡττημένοι Ῥωμαίοις ἐνεχείριζον τὴν πόλιν εἰς δουλείαν τν δὲ Ῥωμαίων μηδαμς μηδ οὕτω πειθομένων ἀλλὰ γυμνοὺς τοὺς Σικελοὺς λεγόντων ἐξιέναι ὁ Σπαρτιάτης Ξάνθιππος ἐλθὼν ἀπὸ τς Σπάρτης σὺν στρατιώταις ἑκατόν ἢ μόνος καθ ἑτέρους κατ ἄλλους δὲ πεντήκοντα τοὺς στρατιώτας ἔχων καὶ προσβαλὼν τοῖς Σικελοῖς οὖσιν ἐγκεκλεισμένοις δι ἑρμηνέως τε ατοῖς πολλὰ συνομιλήσας τέλος θαρρύνει κατ ἐχθρν καὶ συναράξας μάχῃ ἅπαν Ῥωμαίων στράτευμα σὺν τούτοις κατακόπτει τοῖς εηργετημένοις δὲ τὴν ἀμοιβὴν λαμβάνει ἀξίαν καὶ κατάλληλον τς τούτων δυστροπίας πλοίῳ

σαθρῶ τὸν ἄνδρα γὰρ οἱ μιαροὶ βαλόντες πὸ στροφαῖς βυθίζουσι πελάγει τοῦ Ἀδρίου βασκήναντες τὸν ἥρωα καὶ τούτου τὸ γενναῖον 337 Apiano 81

153

cartagineses era velha e por esse motivo naufragaria

inevitavelmente natildeo fosse a percepccedilatildeo de Xantipo acerca do

que estava a ocorrer e a subsequumlente troca da embarcaccedilatildeo

por uma nova338

A despeito de alguns elementos divergentes parece

possiacutevel unificar os relatos de um modo bastante aceitaacutevel

Se tomarmos a informaccedilatildeo encontrada em Poliacutebio Diodoro

Apiano e Caacutessio Dio concluiacutemos que Xantipo apoacutes liderar

vitoriosamente os cartagineses decidiu regressar para

Esparta (ainda que algumas fontes natildeo mencionem abertamente

Esparta mas somente a embarcaccedilatildeo e as honrarias preparadas

pelos cartagineses como forma de agradecer os bons serviccedilos

prestados o que sugere o fim do ldquocontratordquo e portanto o

retorno do mercenaacuterio ao mundo grego) Se os cartagineses

afundaram abertamente a embarcaccedilatildeo ou apenas assassinaram

Xantipo tendo preservado o navio se o mesmo naufragou

devido ao seu estado propositalmente defeituoso ou ainda

se Xantipo foi capaz de chegar satildeo e salvo em Esparta

apesar das armadilhas preparadas torna-se a essa altura

informaccedilatildeo irrelevante dado que em todos os cenaacuterios

possiacuteveis os cartagineses natildeo teriam demonstrado a menor

intenccedilatildeo de tornar a viagem de volta de Xantipo bem-

sucedida

Por que Xantipo decidiu navegar de volta para a Greacutecia

apoacutes tamanho sucesso contra os romanos Xantipo

provavelmente sabia que a ascensatildeo do poder pessoal em

Cartago era um processo muito complicado e por essa razatildeo

natildeo demonstrou qualquer intenccedilatildeo de expandir sua autoridade

entre os cartagineses Todavia os motivos que levaram

Cartago a assegurar que a viagem de Xantipo fosse

desastrosa parecem claros como nos casos anteriores os

cartagineses se esforccedilaram em impedir qualquer ascensatildeo de

poder pessoal dos strategoi possivelmente por conta do que

338 Zonaras 1113

154

estavam habituados a ver na Siciacutelia grega Apoacutes ter

concluiacutedo a segunda reforma do exeacutercito cartaginecircs como

veremos mais agrave frente neste capiacutetulo Xantipo eacute tirado de

cena pelos cartagineses direta ou indiretamente de

maneira a fortalecer o argumento sobre a preocupaccedilatildeo

cartaginesa no que respeita agrave possiacutevel ascensatildeo de tiranos

em Cartago o que representaria um desequiliacutebrio fatal das

instituiccedilotildees poliacuteticas tradicionais

155

2 O exeacutercito cartaginecircs

Ao fornecer uma explicaccedilatildeo para a superioridade do

exeacutercito romano frente ao cartaginecircs Poliacutebio argumenta

que

Os cartagineses satildeo naturalmente superiores no mar

tanto em eficiecircncia quanto em equipamento por que a

navegaccedilatildeo eacute desde os primoacuterdios o seu ofiacutecio nacional

([] Καρχηδόνιοι διὰ τὸ καὶ πάτριον ατοῖς [] τὴν ἐμπειρίαν ταύτην) e eles se ocuparam com o mar mais do que

qualquer outro povo mas com relaccedilatildeo ao serviccedilo militar

em terra firme os romanos satildeo muito mais eficientes

De fato eles direcionaram toda sua energia ao assunto

ao passo que os cartagineses negligenciaram

inteiramente sua infantaria (Καρχηδόνιοι δὲ τν μὲν πεζικν εἰς τέλος ὀλιγωροῦσι) ainda que tenham se dedicado

ligeiramente agrave sua cavalaria A razatildeo para isto eacute que

as tropas por eles empregadas satildeo estrangeiras e

mercenaacuterias (ξενικαῖς καὶ μισθοφόροις) ao passo que as dos

romanos satildeo nativas e ciacutevicas (ἐγχωρίοις καὶ πολιτικαῖς)339

Da passagem de Poliacutebio podemos destacar natildeo somente

alguns dos traccedilos centrais para o estudo das evidecircncias

sobre o exeacutercito cartaginecircs (nomeadamente seu caraacuteter

mercenaacuterio e portanto agrave parte do desenvolvimento de uma

cultura militar ciacutevica) mas tambeacutem a ausecircncia de qualquer

tentativa de padronizaccedilatildeo das tropas em unidades taacuteticas

(excetuando o pequeno corpo ciacutevico chamado pelos gregos de

ieros lochos) que pudessem ser reconhecidas e treinadas

pelos generais em situaccedilotildees previamente ldquoensaiadasrdquo De

forma similar ao que ocorria com os persas as tropas que

combatiam pelos cartagineses seguiam os padrotildees

(equipamentos e taacuteticas) de suas regiotildees de origem a

exemplo dos fundeiros das ilhas Baleares ou dos cavaleiros

339 Polib 652

156

numiacutedios Parece mais profiacutecuo portanto realizar uma

anaacutelise do exeacutercito a partir de suas origens eacutetnicas340

Da Numiacutedia os cartagineses contavam com a sua melhor

cavalaria tropas montadas sem sela armadas com lanccedila de

arremesso e capazes de combater tanto em regiotildees

acidentadas quanto planas surpreendendo o inimigo por sua

precisatildeo e movimentaccedilatildeo raacutepida recursos que por vezes

foram empregados como elemento surpresa pelos generais

cartagineses mais capazes a exemplo de Aniacutebal Barca341

As

taacuteticas empregadas pelos numiacutedios uma vez que eram

cavalaria levemente armada com lanccedilas de arremesso

repousavam naturalmente numa loacutegica distinta daquela

encontrada entre os cavaleiros macedocircnios pesadamente

armados apostando no ldquoarremesso perioacutedicordquo de suas lanccedilas

e em recuos taacuteticos que evitavam a todo custo o choque

frontal com o inimigo Talvez por esse motivo os numiacutedios

tenham sido classificados pelos romanos como covardes

traiccediloeiros e com ldquoapetites mais violentos que quaisquer

outros baacuterbarosrdquo342

Os cartagineses contavam aleacutem dos numiacutedios com os

fundeiros das ilhas Baleares De maneira geral esses

homens eram organizados em corpos de 2000 soldados armados

com dois tipos de funda uma empregada para desferir

ataques contra um inimigo compacto marchando em meacutedia

distacircncia e outra para alvos individuais obviamente mais

proacuteximos que os primeiros343

Embora sua arma caracteriacutestica

seja a funda durante o primeiro contato com os

cartagineses344 alguns dos soldados baleaacutericos estavam

340 Griffith pp 207-233 Peter Connolly Greece and Rome at War

London Macdonald 1981 pp 148-152 Bagnall op cit pp8-11 Daly

pp 84-112 341 Bagnall op cit p 8 Daly pp 92-93 342 Tito Liacutevio 2541 2844 2923 3012 Daly p92 343 Estrabatildeo 35 Bagnall op cit pp 8-9 Daly p 107 344 Diod 1380 faz referecircncia a soldados baleaacutericos no exeacutercito

cartaginecircs para os finais do seacutecV aC Cf Steacutephane Gsell Histoire

ancienne de lAfrique du Nord (vol2) Paris Hachette 1914-1930 P

374 Daly p 107

157

armados com lanccedila de arremesso como nos informa Estrabatildeo

sendo normalmente pagos de acordo com Diodoro em mulheres

e vinho345

O pagamento mencionado em Diodoro claramente

induz agrave sua caracterizaccedilatildeo como tropas mercenaacuterias aleacutem do

historiador siciliano Poliacutebio faz referecircncia ao pagamento

dos soldados baleaacutericos durante a Revolta Mercenaacuteria (241-

237 aC) e posteriormente na batalha de Zama (202

aC)346

Os iberos tambeacutem desempenhavam papel importante na

composiccedilatildeo do exeacutercito cartaginecircs desde tempos anteriores agrave

consolidaccedilatildeo dos Baacutercidas Antes da investida Baacutercida na

Ibeacuteria ou Hispacircnia a presenccedila cartaginesa na regiatildeo

resumia-se a acordos comerciais e alianccedilas sendo alguns

iberos recrutados portanto como mercenaacuterios a serviccedilo de

Cartago347 Durante a Segunda Guerra Puacutenica ou mesmo um

pouco antes os soldados iberos passaram a servir como

contingente aliado ainda que alguns possam ter sido

recrutados unicamente como mercenaacuterios348 De onde

precisamente eles afluiacuteam eacute algo difiacutecil de mapear uma vez

que mesmo Estrabatildeo encontrou dificuldade em delimitar

geograficamente a Ibeacuteria ou Hispacircnia349 de seu tempo Jaacute na

eacutepoca da invasatildeo anibaacutelica Poliacutebio350 indica seguramente

que as tropas ibeacutericas enviadas agrave Aacutefrica advinham das

seguintes regiotildees Tersitae Mastiani Oretes ibeacuterica e

Olcades Talvez tais regiotildees tenham sido previamente

conhecidas pelos cartagineses e seu contato aumentado com

a ascensatildeo Baacutercida subsequumlente agrave Primeira Guerra Puacutenica

mas essas satildeo apenas suposiccedilotildees sem evidecircncias diretas nas

fontes

345 Diod 517 346 Polib 167 1511 Daly p 107 347 Heroacutedoto faz referecircncia aos iberos no livro 7165 Trata-se aqui

dos iberos da Hispacircnia natildeo os da regiatildeo do Caacuteucaso 348 Griffith pp 225-226 Daly p 95 349 Estrabatildeo 34 350 Polib 333

158

A grande contribuiccedilatildeo dos iberos para a arte da guerra

mediterracircnica residia em sua espada peculiar a todos os

povos conhecidos da regiatildeo peninsular a espada falcata Os

iberos empregavam basicamente dois tipos de espada mas

Poliacutebio descreve a que provocou impacto nos usos do

armamento romano particularmente na adoccedilatildeo do gladius

hispaniensis (o qual se tornou a principal arma de combate

corpo-a-corpo dos legionaacuterios possuindo cerca de 60 cm de

comprimento com dois lados cortantes e uma ponta)351

Os escudos dos iberos e celtas eram muito similares

mas suas espadas eram completamente diferentes (τὰ δὲ ξίφη τὴν ἐναντίαν εἶχε διάθεσιν) sendo aquelas dos iberos

perfurantes com a mesma fatalidade de quando usadas no

corte ([] τὸ κέντημα τς καταφορᾶς ἴσχυε πρὸς τὸ βλάπτειν)352

O maior nuacutemero de mercenaacuterios usados pelos cartagineses

era contudo de liacutebios provenientes da regiatildeo da atual

Tuniacutesia Griffith recorda que no seacutecVI aC353

os

cartagineses passaram gradualmente a confiar a defesa de

sua cidade em tropas aliadas e mercenaacuterias em sua maioria

formada por liacutebios354 A historiografia mais recente tem

observado que os liacutebios referidos por Heroacutedoto em Himera

(480 aC)355 deveriam ter estatuto de tropas pagas

considerando-se que a subjugaccedilatildeo de territoacuterios africanos

vizinhos pelos cartagineses eacute posterior agrave batalha de

Himera356 Aleacutem disso que os liacutebios tenham sido recrutados

como forma de tributaccedilatildeo com o decorrer da expansatildeo

territorial cartaginesa parece improvaacutevel a julgar pela

identificaccedilatildeo polibiana dos liacutebios com as demais tropas

351 Connoly op cit p150 Daly p 97 352 Polib 3114 353 Precisar a data eacute impossiacutevel 354 Griffith pp 207-208 355 Hdt 7165 356 Brian H Warmington Carthage New York Praeger 1960 P 40

Serge Lancel Carthage a history Oxford Cambridge MA Blackwell

1995 P 257 Daly p 84

159

seguramente mercenaacuterias357 Por fim o seu armamento era

basicamente a lanccedila e o escudo (o formato eacute assunto

controverso) sendo ambos empregados por infantaria

disposta em boa ordem o que por vezes levou historiadores

a acreditarem numa similaridade com o modelo hopliacutetico

grego358

No entanto quando Poliacutebio e outros autores

antigos mencionam organizaccedilatildeo em falange para tropas natildeo-

gregas o termo frequumlentemente indica apenas infantaria

pesadamente armada ou ldquoem massardquo sem precisar um corpo de

soldados dispostos na mesma loacutegica que regia a falange

hopliacutetica Os liacutebios lutavam por vezes como infantaria

coesa a exemplo do que Plutarco narra em Crimiso (340

aC) ocasiatildeo em que 10000 homens (entre liacutebios e

cartagineses) surpreenderam pela marcha compassada e em boa

ordem (τῆ βραδυττι καὶ τάξει τς πορείας)359 mas dificilmente

combatiam como hoplitas

Quanto aos elefantes os mesmos foram introduzidos na

arte da guerra do ocidente heleniacutestico por Pirro do Epiro

Alguns anos depois os paquidermes passaram a ser usados

pelos cartagineses que os adquiriam basicamente nos

arredores de Cartago e na costa do atual Marrocos embora

Aniacutebal Barca tenha ldquoimportadordquo alguns do Egito

ptolomaico360

Como explicado ao longo do cap2 os

elefantes tinham efeito desproporcional se considerado o

seu pequeno nuacutemero mas dependiam largamente de condiccedilotildees

favoraacuteveis ao seu uso Sendo um traccedilo da arte da guerra

heleniacutestica seraacute possiacutevel observar uma modificaccedilatildeo taacutetica

crucial no emprego dos elefantes pelos cartagineses apoacutes

Xantipo uma vez que os generais de Cartago tendiam a

empregaacute-los como forccedila de apoio agrave cavalaria ou como

357 Um exemplo claro encontra-se em Polib 167 358 Um bom exemplo eacute Le Bohec op cit pp 39-40 que questiona ateacute se

os cartagineses uma vez que combatiam em falange (argumento de Le

Bohec) teriam adotado a lanccedila macedocircnica (sarissa) 359 Plut Tim 27 360 Bagnall op cit p 9

160

ldquoguardiotildees da bagagemrdquo sem ter considerado o seu uso ao

centro (contra uma infantaria massificada) de modo

integrado com a investida montada nas alas

161

3 As primeiras inovaccedilotildees militares na Cartago

heleniacutestica ou a transformaccedilatildeo logiacutestica frente agrave

ameaccedila grega 310-307 aC

A incorporaccedilatildeo dos homens de Ophellas ao exeacutercito de

Agaacutetocles foi acompanhada como visto anteriormente pela

tentativa desesperada de ascensatildeo do poder tiracircnico em

Cartago a qual havia sido liderada por Bomiacutelcar Ambos os

eventos contudo natildeo possuiacuteam conexatildeo direta mas

provocaram sem duacutevida abalo consideraacutevel no moral do

exeacutercito cartaginecircs o que pode justificar como enfatizou

Meister o grande sucesso de Agaacutetocles ao tomar portos e a

cidade de Uacutetica a mais importante depois de Cartago apoacutes

longa resistecircncia de seus cidadatildeos361 Isso permitiria a

Agaacutetocles o estabelecimento de uma linha de comunicaccedilatildeo

permanente com a Siciacutelia o que se traduziria em peacutessimas

notiacutecias para os cartagineses Diante de situaccedilatildeo tatildeo

favoraacutevel contudo o siracusano teve que retornar agrave

Siciacutelia urgentemente levando consigo 2000 homens e

nomeando Arcagatos para o comando das tropas na Aacutefrica362

Sua partida se transformaraacute no iniacutecio de uma reviravolta na

expediccedilatildeo africana Ainda que seus oficiais (nomeadamente

Eumachos) tenham conseguido capturar algumas cidades

(incluindo Hippo Acra e Acris) subjugando parcialmente

povos nocircmades uma uniatildeo desses povos em prol de sua

liberdade e as adversidades das regiotildees africanas

provocaram o recuo dos gregos363

De fato Eumachos havia

conquistado excelente reputaccedilatildeo entre os homens de

Agaacutetocles ao retornar vitorioso de sua primeira campanha

mas a resistecircncia combinada dos nocircmades provocou a baixa de

muitos homens bem como o recuo imediato dos demais sendo

361 Diod 2043 Meister CAH 7 p 398 362 Diod 2055 Justino 228 363 Consolo Langher pp 219-226

162

impossiacutevel avanccedilar sobre os territoacuterios devido a sua

inospicidade natural364 Essa primeira mudanccedila na

perspectiva geral da expediccedilatildeo africana seraacute acompanhada do

que sustento ter sido uma reforma logiacutestica no exeacutercito

cartaginecircs

De acordo com Diodoro seguindo a traduccedilatildeo da Loeb o

Senado em Cartago recebeu bom conselho sobre a guerra (τς

γερουσίας ἐν Καρχηδόνι βουλευσαμένης περὶ τοῦ πολέμου καλς) e os senadores

decidiram formar trecircs exeacutercitos e enviaacute-los da cidade cada

um com destino proacuteprio sendo o primeiro contra as cidades

costeiras o segundo contra as regiotildees intermediaacuterias e o

terceiro contra as cidades no interior365

A partir disso a

guerra tomou outros rumos privando os gregos da vantagem

ateacute entatildeo assegurada a qual foi devida principalmente agrave

inexperiecircncia dos cartagineses frente aos homens ldquoeducados

na escola do perigordquo Seria possiacutevel presumir que algum

general mercenaacuterio em particular concretizado como

personagem histoacuterica da mesma forma que Xantipo alguns

anos mais tarde teria aconselhado o Senado cartaginecircs sem

ter com isso assumido qualquer posiccedilatildeo de comando o que

seria plausiacutevel se tiveacutessemos evidecircncias mais concretas

(tais como nomes) Essa situaccedilatildeo hipoteacutetica asseguraria

inclusive a traduccedilatildeo acima mencionada Mas o verbo

βουλευσαμένης tal qual aparece na citaccedilatildeo natildeo eacute a forma

passiva de βουλεύω (normalmente ldquoreceber ou tomar conselho

sobre algordquo)366 Noutras palavras nesse caso especiacutefico o

mais correto seria traduzir βουλευσαμένης περὶ τοῦ πολέμου como

ldquodeliberou [o proacuteprio Senado] sobre a guerrardquo o que pode

gerar a ilusatildeo se considerada somente a sintaxe do texto

364 Diodoro (2058) menciona uma montanha cheia de gatos selvagens

(πλήρους δ ὄντος αἰλούρων) e mais adiante uma ldquoterra dos siacutemiosrdquo

(Πιθηκοῦσαι νσοι) sendo a primeira ldquoinoacutespita inclusive aos paacutessarosrdquo e a segunda com costumes muito diferentes dos gregos 365 Diod 2059 366 A forma passiva seria βουλευθείσης Sobre esse esclarecimento sou

grato a Nicolas Bertrand membro da Faculdade de Liacutenguas e culturas

antigas da Universidade Lille 3

163

de que o Senado teria deliberado a partir de uma discussatildeo

entre os senadores apenas homens idosos sem qualquer

experiecircncia militar ignorando portanto aconselhamentos

de a uma pessoa ou grupo aleacutem dos proacuteprios senadores As

informaccedilotildees contidas em Diodoro todavia apontam

claramente para orientaccedilotildees de algueacutem militarmente

experiente capaz de dar uma reviravolta estrateacutegica na

guerra ao dividir o exeacutercito cartaginecircs em trecircs unidades

De acordo com Diodoro os cartagineses pensaram em

primeiro lugar que o envio de 30000 soldados aliviaria a

cidade da obrigaccedilatildeo de tantas provisotildees as quais eram jaacute

escassas a essa altura do conflito e eliminaria o risco do

cerco uma vez que o inimigo estaria ocupado com os

exeacutercitos avanccedilados Em segundo lugar eles concluiacuteram que

a lealdade de seus aliados seria assegurada se os mesmos

pudessem contar com o apoio de tropas cartaginesas as

quais desencorajariam qualquer traiccedilatildeo aos gregos algo

historicamente usual quando cidades aliadas militarmente

fracas punham-se diante da presenccedila superior das tropas

inimigas e do descaso de seus aliados Por uacuteltimo a

terceira e a principal razatildeo para a nova organizaccedilatildeo

logiacutestica de seu exeacutercito ldquoacima de tudo eles esperavam

que os inimigos se vissem forccedilados a dividir as suas forccedilas

e a recuar para longe de Cartagordquo (τὸ δὲ μέγιστον ἤλπιζον καὶ τοὺς

πολεμίους ἀναγκασθήσεσθαι μερίζειν τὰς δυνάμεις καὶ μακρὰν ἀποσπᾶσθαι τς

Καρχηδόνος)367

Como podemos notar essas satildeo razotildees de ordem militar

(especialmente a uacuteltima e mais importante delas) as quais

natildeo poderiam ter sido concebidas por senadores sem

experiecircncia militar adequada ou mesmo por generais

igualmente inexperientes (uma constante em Cartago ao

menos ateacute a ascensatildeo Baacutercida) o que explica o envio uacutenico

e prematuro de todo o exeacutercito pelos generais cartagineses

367 Diod 2059 Consolo Langher pp 226-227

164

antes da referida reforma Portanto ainda que nenhuma

personagem histoacuterica possa ser precisada ou nomeada

diferentemente do que ocorreraacute mais tarde com Xantipo

parece seguro dizer que oficiais mercenaacuterios (os quais eram

encontrados em abundacircncia entre os cartagineses mas sempre

desempenhando funccedilotildees de oficiais de autoridade menor)

cuja experiecircncia militar eacute fator inegaacutevel teriam

aconselhado o Senado nessa ocasiatildeo O recrutamento

posterior de Xantipo ilustra que esse aconselhamento era

algo considerado pelos oligarcas em casos de perigo

extremo natildeo sendo absurda a ascensatildeo momentacircnea de

generais mercenaacuterios (gregos por deduccedilatildeo) ao comando do

exeacutercito mesmo que eles estivessem restritos ao niacutevel do

aconselhamento dos cartagineses por meio de inteacuterpretes368

O Senado enviou entatildeo cerca de 30000 homens em unidades

aproximadas de 10000 soldados deixando em Cartago apenas

os homens suficientes para a defesa da cidade Com isso os

defensores poderiam desfrutar das provisotildees necessaacuterias e

os grupamentos enviados assegurariam o apoio dos aliados ou

povos nocircmades neutros no conflito369

Ao ver que as regiotildees

que antes natildeo contavam com a presenccedila militar cartaginesa

agora tinham tropas enviadas por Cartago Arcagatos se viu

forccedilado a dividir tambeacutem as suas forccedilas pois soacute assim

poderia enfrentar a investida inimiga um primeiro

destacamento foi enviado para a regiatildeo costeira seguido

pelo envio de tropas sob o comando de Aeschrion

responsaacutevel pelo combate dos cartagineses localizados nas

regiotildees intermediaacuterias e da terceira parte (sob o comando

do proacuteprio Arcagatos) do exeacutercito para as cidades do

interior

Os resultados natildeo foram nada favoraacuteveis aos gregos

Aeschrion pereceu em batalha apoacutes uma emboscada preparada

368 Inteacuterpretes satildeo mencionados por Diod 2316 no caso de Xantipo 369 Diod 2059 Consolo Langher p 231

165

por Hanatildeo general cartaginecircs sobre o qual nada sabemos

aleacutem do plano para a morte do comandante grego Segundo

Diodoro os cartagineses avanccedilaram sobre eles de forma

inesperada contrariando todas as expectativas e abateram

mais de 4000 soldados de infantaria 200 cavaleiros e o

proacuteprio general ([] καὶ παραδόξως ἐπιθέμενος ἀνεῖλε πεζοὺς μὲν πλείους

τν τετρακισχιλίων ἱππεῖς δὲ περὶ διακοσίους ἐν οἷς ἦν καὶ ατὸς ὁ στρατηγός)

Diante disso sem ter como revidar as tropas sobreviventes

retiraram-se para o acamamento de Arcagathus distante

cerca de 90 quilocircmetros (500 estaacutedios gregos ἀπέχοντα σταδίους

πεντακοσίους)370 Himilco general cartaginecircs responsaacutevel pelas

tropas dirigidas ao interior aguardava em posiccedilatildeo

defensiva favoraacutevel numa cidade aparentemente bem

fortificada Os soldados de Eumachos retornavam de sua

campanha a marcha lenta por causa dos espoacutelios obtidos das

cidades capturadas quando se depararam com os cartagineses

de Himilco Desafiados para uma batalha decisiva os

cartagineses aceitaram o combate mas natildeo da forma como os

gregos esperavam Parte das tropas foi deixada escondida na

cidade e a outra parte se apresentou em campo aberto

simulando uma retirada apoacutes iniciada a batalha o que teria

provocado o avanccedilo precipitado e desordenado dos homens de

Eumachos provavelmente confiantes demais com o resultado

da campanha no interior Os gregos findaram por pressionar

em confusatildeo aqueles que estavam em recuo ([] καὶ

τεθορυβημένως τν ποχωρούντων ἐξήπτοντο) momento em que as ordens

de Himilco foram executadas pelas tropas que haviam sido

deixadas na cidade como forccedila de reserva

Himilco deixou parte de seu exeacutercito em armas na

cidade ordenando que no momento em que ele se

370 Diod 2060

166

retirasse em fuga simulada o exeacutercito castigasse os

seus perseguidores371

Envolvidos dessa maneira os gregos entraram em pacircnico

e bateram em retirada sendo impedidos de retornar ao seu

acampamento pelos cartagineses o que gerou a

impossibilidade da aquisiccedilatildeo de aacutegua e facilitou por

consequumlecircncia a finalizaccedilatildeo por parte dos cartagineses

Diodoro menciona que de um total de 8000 soldados

infantaria e 800 cavaleiros apenas 70 sobreviveram a essa

batalha Arcagato entatildeo reuniu os soldados sobreviventes

desses infortuacutenios e enviou um relatoacuterio a Agaacutetocles

solicitando a sua ajuda o mais raacutepido possiacutevel Os

cartagineses sendo vitoriosos conseguiram o apoio de

muitos desertores do exeacutercito grego que cercado por terra

e mar aguardava desesperadamente reforccedilo vindo da Siciacutelia

A chegada de Agaacutetocles natildeo modificou sensivelmente a

situaccedilatildeo desfavoraacutevel aos gregos Justino menciona uma

soluccedilatildeo momentacircnea para o motim dos mercenaacuterios os quais

natildeo deveriam pedir o pagamento de seu comandante ldquomas

tomaacute-lo do inimigordquo (sed ab hoste quaerenda) Ainda de

acordo com a forma que Justino via o discurso de Agaacutetocles

aos seus homens eles deveriam ldquoobter uma vitoacuteria e um

espoacutelio comunsrdquo (communem victoriam communem praedam

futuram)372

Mas o pagamento natildeo veio pois os inimigos natildeo

puderam ser derrotados Sabendo de sua condiccedilatildeo favoraacutevel

particularmente quanto ao terreno linhas de abastecimento

e moral das tropas os cartagineses aguardaram em seu

acampamento tendo assim forccedilado Agaacutetocles diante da

inquietaccedilatildeo de seus mercenaacuterios373 a arriscar uma batalha

371 Diod 2060 [] Ἰμίλκων μέρος μὲν τς στρατιᾶς κατέλιπε διεσκευασμένον ἐν τῆ πόλει διακελευσάμενος ὅταν ατὸς ἀναχωρῆ προσποιούμενος φεύγειν ἐπεξελθεῖν τοῖς ἐπιδιώκουσιν 372 Justino 228 373 Diod 2064 menciona desistecircncia por parte dos mercenaacuterios no curto

tempo que Agaacutetocles decidiu esperar por condiccedilotildees estrateacutegicas mais

favoraacuteveis

167

sem as vantagens baacutesicas exigidas para tanto Pressionado

por todos os lados seus homens natildeo puderam resistir e a

batalha logo estava completamente perdida

Ainda que natildeo tenhamos informaccedilotildees detalhadas sobre

essa uacuteltima derrota grega na Aacutefrica parece certo deduzir

que as taacuteticas cartaginesas natildeo eram a essa altura

ldquoheleniacutesticasrdquo apesar do contato direto com Agaacutetocles Se

tiveacutessemos maiores detalhes sobre as taacuteticas em campo

aberto as mesmas provavelmente confirmariam o

ldquodiagnoacutesticordquo de Xantipo cerca de 50 anos mais tarde

durante a Primeira Guerra Puacutenica que os cartagineses foram

derrotados naquele tempo pelos romanos devido agrave

inexperiecircncia de seus generais De modo geral as taacuteticas

heleniacutesticas representavam o que havia de mais atualizado e

eficiente na arte da guerra mediterracircnica pois

consideravam os diversos aspectos do confronto armado Os

generais cartagineses natildeo estavam capacitados para tais

modificaccedilotildees executando no fim do seacutecIV aC manobras

tiacutepicas do periacuteodo claacutessico nem tinham proximidade com a

figura de Alexandre ou conhecimento suficiente de sua

expediccedilatildeo asiaacutetica para a realizaccedilatildeo da referida tarefa

antes de Xantipo Mas algo mudou durante a expediccedilatildeo

africana de Agaacutetocles o envio das tropas a territoacuterio

africano obedeceu diante da ameaccedila estrangeira em seu

territoacuterio a criteacuterios logiacutesticos mais apurados o que

parece ter sido produto de aconselhamento por parte dos

mercenaacuterios

168

4 As uacuteltimas inovaccedilotildees militares em Cartago no

periacuteodo preacute-Baacutercida ou a transformaccedilatildeo taacutetica

frente agrave ameaccedila romana 255 aC

41 A Primeira Guerra Puacutenica 264-241 aC

411 A particularidade da primeira guerra cartaginesa

contra os romanos

As Guerras Puacutenicas sempre atraiacuteram a atenccedilatildeo dos

historiadores particularmente aqueles interessados em

entender o momento em que os romanos iniciaram sua expansatildeo

para aleacutem da Peniacutensula Itaacutelica374

O primeiro desses

conflitos a chamada Primeira Guerra Puacutenica (264-241 aC)

foi a guerra contiacutenua mais longa da histoacuteria romana e

levando-se em consideraccedilatildeo o seu impacto sobre a formaccedilatildeo

das colocircnias romanas no Mediterracircneo a mais importante

delas Parece oacutebvio chegar a essa conclusatildeo quando se tem

em mente que durante o primeiro confronto entre Cartago e

Roma os soldados romanos lutaram na Siciacutelia Coacutersega

Sardenha e norte da Aacutefrica tendo nascido nesse momento a

justificativa romana para a intervenccedilatildeo nos assuntos

sicilianos e posteriormente cartagineses levando agrave

destruiccedilatildeo da cidade na Terceira Guerra Puacutenica (149-146

374 As referecircncias sobre as Guerras Puacutenicas satildeo quase incontaacuteveis Como

breve listagem das melhores obras sobre o tema sugiro Arnold J

Toynbee Hannibal‟s legacy the Hannibalic War‟s effects on Roman

life London New York Oxford University Press 1965 Brian Caven

The Punic Wars London Weidenfeld and Nicolson 1980 Bagnall op

cit Basil Henry Liddell Hart Scipio Africanus greater than

Napoleon New York Da Capo Press 1994 Le Bohec op cit John

Francis Lazenby First Punic War e John F Lazenby Hannibal‟s war a

military history of the Second Punic War Norman University of

Oklahoma Press 1998 Dexter Hoyos Unplanned Wars The Origins of the

First and Second Punic Wars Berlin New York Walter de Gruyter

1998 Goldsworthy Punic Wars Daly Dexter Hoyos Hannibal‟s war

books twenty-one to thirty Livy translated by JC Yardley with an

introduction and notes by Dexter Hoyos Oxford New York Oxford

University Press 2006 Miles

169

aC)375

Aleacutem disso na condiccedilatildeo de guerra primariamente

naval eacute normalmente dito por historiadores que a Primeira

Guerra Puacutenica agregou o maior nuacutemero de homens envolvidos

em batalhas no mar ao longo de toda a histoacuteria greco-

romana376

De modo geral a Primeira Guerra Puacutenica aparece apenas

como um capiacutetulo menor das Guerras Puacutenicas precisamente um

preluacutedio necessaacuterio ao estudo da bem documentada Guerra

Anibaacutelica377

Lazenby recorda que no livro de Caven sobre as

Guerras Puacutenicas por exemplo muitos detalhes (pormenores

relevantes ao estudo especializado) satildeo deixados de lado e

nenhuma referecircncia agraves evidecircncias antigas eacute feita378 O livro

de Bagnall The Punic Wars tambeacutem carece de detalhes

importantes ainda que apresente boas hipoacuteteses sobre

estrateacutegia379

Ateacute o estudo sistemaacutetico de Lazenby

portanto natildeo havia publicaccedilotildees detalhadas sobre o

conflito submetendo frequumlentemente a anaacutelise ao modo

criativo e inovador que caracterizou os caminhos pelos

quais os romanos venceram os ldquotraiccediloeiros cartaginesesrdquo

que tiveram por fim somente uma repentina e fugaz

reviravolta em sua fortuna sob o comando de Aniacutebal Barca

Tendo Lazenby como ponto de partida outras obras surgiram

mas a maioria delas preocupadas mais com a Segunda Guerra

Puacutenica ou com a caracterizaccedilatildeo da Primeira Guerra Puacutenica

375 Ver Goldsworthy Punic Wars pp331-356 376 Lazenby First Punic War p1 Polib 163 caracteriza a guerra

como a mais longa mais intensa e maior (πολυχρονιώτατος καὶ συνεχέστατος καὶ μέγιστος) de todas as guerras 377 Haacute algumas obras dedicadas apenas agrave Primeira Guerra Puacutenica mas de

modo geral essas satildeo escassas se comparadas ao grande nuacutemero de

estudos sobre Aniacutebal Barca e sua guerra contra os romanos Sobre obras

dedicadas agrave Primeira Guerra Puacutenica em particular ver por exemplo

Lazenby First Punic War e Yann Le Bohec (org) Le Premiegravere Guerre

Punique Collection du Centre d‟Eacutetudes Romaines et Gallo-Romaines 23

Lyon Paris De Boccard 2001 378 Lazenby First Punic War prefaacutecio A obra mencionada eacute a de Caven

(op cit) Caven eacute tambeacutem autor de Dionysius I war-lord of Sicily

New Haven Yale University Press 1990 379 Lazenby First Punic War prefaacutecio Bagnall op cit

170

como preluacutedio das demais380

Isso induz agraves anaacutelises gerais

que reduzem para o que mais interessa a esse respeito

nesta tese o impacto das inovaccedilotildees lideradas por

Xantipo381

O que teria entatildeo em primeiro lugar dado iniacutecio agrave

Primeira Guerra Puacutenica Antes de tratar do recrutamento de

Xantipo (e possivelmente outros mercenaacuterios gregos) como

indiacutecio da preocupaccedilatildeo cartaginesa com a invasatildeo de Reacutegulo

na Aacutefrica torna-se fundamental o entendimento da

construccedilatildeo gradual do direito de intervenccedilatildeo romana na

Siciacutelia e do modo como as relaccedilotildees entre Cartago e Roma

chegaram ao ponto da hostilidade poliacutetico-militar

De acordo com Poliacutebio trecircs foram os tratados entre

Cartago e Roma no periacuteodo anterior agrave deflagraccedilatildeo da

guerra382 O primeiro deles teria ocorrido 28 anos antes da

invasatildeo de Xerxes isto eacute entre 509-507 aC ocupando-se

com a restriccedilatildeo dos acordos comerciais de Roma com a Aacutefrica

e a Sardenha o que asseguraria tambeacutem a sua autoridade no

Laacutecio Traduzido por Poliacutebio do latim ldquoda forma mais exata

possiacutevelrdquo o tratado (versatildeo parcial) seria como se segue

bdquoHaveraacute amizade (φιλίαν) entre os romanos e seus

aliados e entre os cartagineses e seus aliados nos

seguintes termos

Nem os romanos nem seus aliados navegaratildeo aleacutem de sua

Peniacutensula por direito (τοῦ Καλοῦ ἀκρωτηρίου) a menos que levados por tempestade (χειμνος) ou por pressatildeo do

inimigo (πολεμίων)383 Se qualquer um desses for levado para terra firme o mesmo natildeo compraraacute ou tomaraacute

qualquer coisa que seja para si salvo o que for

necessaacuterio para o reparo de sua embarcaccedilatildeo (πρὸς πλοίου ἐπισκευὴν) e para honrar os deuses (πρὸς ἱερά) devendo

380 Uma exceccedilatildeo eacute obviamente Le Bohec sobre a Primeira Guerra Puacutenica

(op cit) 381 Goldsworthy Punic Wars p10 admite que Lazenby First Punic War

eacute a referecircncia ldquomais acadecircmicardquo para o assunto 382 Polib 322 383 Polemiacuteon indica ldquorelativo agrave guerrardquo mas aqui deve ser traduzido

como ldquopor medo ou pressatildeo do inimigordquo jaacute que indica uma forccedila

externa no caso militar como fator para ultrapassar os limites

geograacuteficos estabelecidos

171

partir em cinco dias [] Aqueles que desembarcarem

para o comeacutercio natildeo devem fazecirc-lo salvo na presenccedila de

um oficial (κήρυκι) ou secretaacuterio (γραμματεῖ) O que quer que seja vendido na presenccedila desses deveraacute ter o preccedilo

assegurado com base no creacutedito do Estado contanto que

ocorra na Liacutebia ou na Sardenha Se um romano vier agrave

Siciacutelia aquela pertencente ao territoacuterio dos

cartagineses (ἧς Καρχηδόνιοι ἐπάρχουσιν) o mesmo desfrutaraacute de todos os direitos comuns aos demais Os cartagineses

natildeo causaratildeo danos ao povo de Ardea Antium

Laurentium Circeii Terracina nem a qualquer um dos

Latinos desde que esses estejam submetidos [a Roma]

(μηδ ἄλλον μηδένα Λατίνων ὅσοι ἂν πήκοοι) [] Eles [os

cartagineses] natildeo construiratildeo forte no Laacutecio se

entrarem em armas no territoacuterio ali natildeo permaneceratildeo

nem mesmo para passar a noite (ἐν τῆ χώρᾳ μὴ ἐννυκτερευέτωσαν)‟384

Como pode ser observado trata-se de um acordo

comercial com fins igualmente poliacuteticos dirigido agrave criaccedilatildeo

ou manutenccedilatildeo das boas relaccedilotildees entre Cartago e Roma Tem

sido sugerido que nessa passagem encontrariacuteamos a indicaccedilatildeo

de uma renovaccedilatildeo de um tratado jaacute existente entre Cartago e

os reis etruscos de Roma uma vez que haacute outras evidecircncias

para a existecircncia de termos amigaacuteveis entre os cartagineses

e os etruscos no seacutecVI aC Aleacutem disso a eacutepoca referida

por Poliacutebio condiz com o periacuteodo etrusco em Roma385

O segundo tratado ocorreu provavelmente em 348 aC se

for aceita a identificaccedilatildeo do tratado mencionado por Tito

384 Polib 322 ldquoἐπὶ τοῖσδε φιλίαν εἶναι Ῥωμαίοις καὶ τοῖς Ῥωμαίων συμμάχοις καὶ Καρχηδονίοις καὶ τοῖς Καρχηδονίων συμμάχοις μὴ πλεῖν Ῥωμαίους μηδὲ τοὺς Ῥωμαίων συμμάχους ἐπέκεινα τοῦ Καλοῦ ἀκρωτηρίου ἐὰν μὴ πὸ χειμνος ἢ πολεμίων ἀναγκασθσιν ἐὰν δέ τις βίᾳ κατενεχθῆ μὴ ἐξέστω ατῶ μηδὲν ἀγοράζειν μηδὲ λαμβάνειν πλὴν ὅσα πρὸς πλοίου ἐπισκευὴν ἢ πρὸς ἱερά (ἐν πέντε δ ἡμέραις ἀποτρεχέτω) τοῖς δὲ κατ ἐμπορίαν παραγινομένοις μηδὲν ἔστω τέλος πλὴν ἐπὶ κήρυκι ἢ γραμματεῖ ὅσα δ ἂν τούτων παρόντων πραθῆ δημοσίᾳ πίστει ὀφειλέσθω τῶ ἀποδομένῳ ὅσα ἂν ἢ ἐν Λιβύῃ ἢ ἐν Σαρδόνι πραθῆ ἐὰν Ῥωμαίων τις εἰς Σικελίαν παραγίνηται ἧς Καρχηδόνιοι ἐπάρχουσιν ἴσα ἔστω τὰ Ῥωμαίων πάντα Καρχηδόνιοι δὲ μὴ ἀδικείτωσαν δμον Ἀρδεατν Ἀντιατν Λαρεντίνων Κιρκαιιτν Ταρρακινιτν μηδ ἄλλον μηδένα Λατίνων ὅσοι ἂν πήκοοι ἐὰν δέ τινες μὴ ὦσιν πήκοοι τν πόλεων ἀπεχέσθωσαν ἂν δὲ λάβωσι Ῥωμαίοις ἀποδιδότωσαν ἀκέραιον φρούριον μὴ ἐνοικοδομείτωσαν ἐν τῆ Λατίνῃ ἐὰν ὡς πολέμιοι εἰς τὴν χώραν εἰσέλθωσιν ἐν τῆ χώρᾳ μὴ ἐννυκτερευέτωσανrdquo 385 Lazenby First Punic War p31 A evidecircncia citada eacute Hdt 1166 E

eles atacaram e pilharam todas as cidades vizinhas razatildeo pela qual os

etruscos e cartagineses (Τυρσηνοὶ καὶ Καρχηδόνιοι) se aliaram contra eles []

172

Liacutevio386

e Diodoro387

com aquele descrito por Poliacutebio388 como

o segundo dos acordos embora Tito Liacutevio e Diodoro anunciem

esse tratado como o primeiro a inaugurar as relaccedilotildees

diplomaacuteticas entre os dois Estados Basicamente o segundo

tratado asseguraria a posiccedilatildeo dos romanos no Laacutecio e a dos

cartagineses na Liacutebia e Sardenha exatamente como no

primeiro tratado referido por Poliacutebio mas acrescentava

Uacutetica ao domiacutenio cartaginecircs indicando o sul da Hispacircnia

como aacuterea proibida ao comeacutercio por parte de Roma Tito

Liacutevio e Diodoro nos informam apenas que um tratado havia

sido estabelecido entre Roma e os cartagineses389 ao passo

que Poliacutebio nos concede as maiores informaccedilotildees a respeito

apresentando uma traduccedilatildeo do tratado da seguinte maneira

bdquoHaveraacute amizade entre os romanos e seus aliados e

entre os cartagineses os habitantes de Tiro e o povo

de Uacutetica (Τυρίων καὶ Ἰτυκαίων δήμῳ) nos seguintes termos Os romanos natildeo saquearatildeo (λῄζεσθαι) traficaratildeo

(ἐμπορεύεσθαι) ou fundaratildeo uma cidade (πόλιν κτίζειν) aleacutem de sua Peniacutensula por direito (τοῦ Καλοῦ ἀκρωτηρίου) Mastia e Tarsenium Se os cartagineses tomarem qualquer cidade

no Laacutecio que natildeo esteja submetida a Roma eles poderatildeo

fazer prisioneiros e confiscar bens (τὰ χρήματα καὶ τοὺς ἄνδρας ἐχέτωσαν) mas desistiratildeo da cidade (τὴν δὲ πόλιν ἀποδιδότωσαν) [] Na Sardenha e na Liacutebia nenhum romano traficaraacute ou fundaraacute cidade ele natildeo faraacute mais do que

pegar provisotildees ou reabastecer sua embarcaccedilatildeo (εἰ μὴ ἕως τοῦ ἐφόδια λαβεῖν ἢ πλοῖον ἐπισκευάσαι) Se uma tempestade levaacute-lo a esses locais o mesmo partiraacute em cinco dias []‟

390

386 Tito Liacutevio 727 387 Diod 1669 388 Polib 324 ver Lazenby First Punic War pp 31-32 389 Tito Liacutevio 727 Et cum Carthaginiensibus legatis Romae foedus

ictum cum amicitiam ac societatem petentes uenissent Diod 1669 ἐπὶ δὲ τού των Ῥωμαίοις μὲν πρὸς Καρχηδονίους πρτον συνθκαι ἐγένοντο 390 Polib 324 A versatildeo completa do tratado aparece como se segue ldquoἐπὶ τοῖσδε φιλίαν εἶναι Ῥωμαίοις καὶ τοῖς Ῥωμαίων συμμάχοις καὶ Καρχηδονίων καὶ Τυρίων καὶ Ἰτυκαίων δήμῳ καὶ τοῖς τούτων συμμάχοις τοῦ Καλοῦ ἀκρωτηρίου Μαστίας Ταρσηίου μὴ λῄζεσθαι ἐπέκεινα Ῥωμαίους μηδ ἐμπορεύεσθαι μηδὲ πόλιν κτίζειν ἐὰν δὲ Καρχηδόνιοι λάβωσιν ἐν τῆ Λατίνῃ πόλιν τινὰ μὴ οὖσαν πήκοον Ῥωμαίοις τὰ χρήματα καὶ τοὺς ἄνδρας ἐχέτωσαν τὴν δὲ πόλιν ἀποδιδότωσαν ἐὰν δέ τινες Καρχηδονίων λάβωσί τινας πρὸς οὓς εἰρήνη μέν ἐστιν ἔγγραπτος Ῥωμαίοις μὴ ποτάττονται δέ τι ατοῖς μὴ καταγέτωσαν εἰς τοὺς Ῥωμαίων λιμένας ἐὰν δὲ καταχθέντος ἐπιλάβηται ὁ Ῥωμαῖος ἀφιέσθω ὡσαύτως δὲ μηδ οἱ Ῥωμαῖοι ποιείτωσαν ἂν ἔκ τινος χώρας ἧς Καρχηδόνιοι ἐπάρχουσιν ὕδωρ ἢ ἐφόδια λάβῃ ὁ Ῥωμαῖος μετὰ τούτων τν ἐφοδίων μὴ ἀδικείτω μηδένα πρὸς οὓς εἰρήνη καὶ φιλία ἐστὶ (Καρχηδονίοις ὡσαύ τως δὲ μηδ ὁ)

173

O terceiro tratado entre Cartago e Roma teve lugar

entre 279 e 278 aC isto eacute durante a expediccedilatildeo italiana

de Pirro do Epiro em socorro de Tarento391 Apoacutes as suas

duas vitoacuterias contra os romanos as chamadas ldquovitoacuterias

piacuterricasrdquo (em Heraclea e Aacutesculo) Pirro resolveu atender ao

pedido das cidades siciliotas e partiu rumo agrave ilha para

comandar a guerra dos gregos contra os cartagineses

Cartago por outro lado natildeo via a chegada de Pirro como

algo positivo em momento tatildeo crucial da guerra e

estabeleceu novo acordo com os romanos desta vez em termos

bastante favoraacuteveis aos uacuteltimos com o objetivo de

assegurar que o epirota permanecesse na peniacutensula

De acordo com Poliacutebio o terceiro tratado continha os

mesmos termos dos dois anteriores exceto pelos seguintes

elementos inseridos por conta da presenccedila de Pirro na

Peniacutensula e em seguida na Siciacutelia

bdquoSe um ou outro necessitar de auxiacutelio (ὁπότεροι δ ἂν χρείαν ἔχωσι τς βοηθείας) os cartagineses forneceratildeo as

embarcaccedilotildees seja para transporte ou com fins

militares mas cada povo arcaraacute com o pagamento de seus

proacuteprios homens (τὰ δὲ ὀψώνια τοῖς ατν ἑκάτεροι) Os

cartagineses tambeacutem daratildeo suporte mariacutetimo (κατὰ θάλατταν) se os romanos precisarem mas nenhum dos dois

Καρχηδόνιος ποιείτω εἰ δέ μὴ ἰδίᾳ μεταπορευέσθω ἐὰν δέ τις τοῦτο ποιήσῃ δημόσιον γινέσθω τὸ ἀδίκημα ἐν Σαρδόνι καὶ Λιβύῃ μηδεὶς Ῥωμαίων μήτ ἐμπορευέσθω μήτε πόλιν κτιζέτω [] εἰ μὴ ἕως τοῦ ἐφόδια λαβεῖν ἢ πλοῖον ἐπισκευάσαι ἐὰν δὲ χειμὼν κατενέγκῃ ἐν πένθ ἡμέραις ἀποτρεχέτω ἐν Σικελίᾳ ἧς Καρχηδόνιοι ἐπάρχουσι καὶ ἐν Καρχηδόνι πάντα καὶ ποιείτω καὶ πωλείτω ὅσα καὶ τῶ πολίτῃ ἔξεστιν ὡσαύτως δὲ καὶ ὁ Καρχηδόνιος ποιείτω ἐν Ῥώμῃrdquo 391 A anaacutelise mais recente sobre o terceiro tratado pode ser encontrada

em Zambon Hellenistic Sicily pp 86-95 Zambon Hellenistic Sicily

divide as fontes para o terceiro tratado em (a) fontes sobre as

relaccedilotildees diplomaacuteticas (b) fontes sobre a assinatura do tratado e (c)

fontes para os eventos histoacutericos apoacutes a conclusatildeo da nova alianccedila

Como aqui pretendo apenas mostrar a degradaccedilatildeo das relaccedilotildees

diplomaacuteticas entre Cartago e Roma para entatildeo salientar razotildees mais

profundas para a deflagraccedilatildeo da guerra que a questatildeo dos mamertinos

temas mais especiacuteficos (como os que foram enumerados por Zambon

Hellenistic Sicily e trabalhados por um nuacutemero abundante de autores)

seratildeo propositalmente suprimidos Sobre o tratado aleacutem de Zambon

pode-se consultar Barbara Scardigli I Trattati romano-cartaginesi

Pisa Scuola Normale Superiore 1991 Hoyos op cit pp 7-11

174

obrigaraacute os tripulantes a desembarcar contra a sua

vontade‟ (versatildeo parcial)392

O tratado como podemos observar estabelece claramente

auxiacutelio militar muacutetuo393 estando Cartago disposta a se

ldquocomprometerrdquo com o auxiacutelio logiacutestico mais do que os

romanos (inclusive pela condiccedilatildeo de sua frota em comparaccedilatildeo

com aquela virtualmente inexistente dos romanos) o que

ilustra a insatisfaccedilatildeo com a possibilidade de ter que lidar

com Pirro na Siciacutelia Os resultados do tratado contudo

natildeo tiveram grande impacto de ordem praacutetica Ainda que seja

tentador identificar a referecircncia agraves 120 embarcaccedilotildees sob o

comando do cartaginecircs Mago em Justino no momento da

expediccedilatildeo italiana de Pirro como fruto do terceiro tratado

a referecircncia (na mesma passagem)394 a uma visita em segredo

de Mago ao epirota durante a qual certo tipo de alianccedila ou

amizade foi oferecido indica que Cartago natildeo estava

decidida quanto agrave hostilidade em direccedilatildeo a Pirro e

portanto parece mais correto dizer que o envio de Mago se

deu antes do tratado Lazenby ceacutetico diante da evidecircncia

acerca de outro evento como consequumlecircncia do terceiro acordo

entre Cartago e Roma agrave eacutepoca da expediccedilatildeo piacuterrica aponta

uma operaccedilatildeo ocorrida em Reggio separada da Siciacutelia apenas

pelo estreito de Messina como o uacutenico evento possivelmente

resultante do tratado em questatildeo395 Apoiado num fragmento

de Diodoro Lazenby sugere que os 500 homens enviados a

Reggio (ainda sob o domiacutenio romano) por Cartago

392 Polib 325 [] ὁπότεροι δ ἂν χρείαν ἔχωσι τς βοηθείας τὰ πλοῖα παρεχέτωσαν Καρχηδόνιοι καὶ εἰς τὴν ὁδὸν καὶ εἰς τὴν ἄφοδον τὰ δὲ ὀψώνια τοῖς ατν ἑκάτεροι Καρχηδόνιοι δὲ καὶ κατὰ θάλατταν Ῥωμαίοις βοηθείτωσαν ἂν χρεία ᾖ τὰ δὲ πληρώματα μηδεὶς ἀναγκαζέτω ἐκβαίνειν ἀκουσίωςrdquo 393 Lazenby First Punic War p 32 394 Justino 182 [] quasi pacificator Karthaginiensium Pyrrum

adiit speculaturus consilia eius de Sicilia [] Embora Justino

indique que as reais intenccedilotildees dos cartagineses eram especular o que

Pirro pensava sobre a Siciacutelia temos ainda uma duacutevida que parece mais

caracteriacutestica de um periacuteodo anterior mesmo que bastante proacuteximo da

data do terceiro tratado com Roma 395 Lazenby First Punic War p 33

175

corresponderiam ao contingente de apoio contra o invasor

epirota Aleacutem desse evento nenhum outro pode ser cotado

como relacionado ao tratado ldquonem mesmo quando somente

Lilibeu permaneceu sob domiacutenio de Cartago de todas as suas

posses na Siciacuteliardquo396 Terminada a expediccedilatildeo de Pirro

outros possiacuteveis eventos podem ser vistos ainda como parte

do acordo mas como resposta aos homens deixados pelo

rei397

Apoacutes a breve anaacutelise dos trecircs tratados entre Cartago e

Roma podemos notar portanto ao lado da construccedilatildeo de uma

relaccedilatildeo amistosa entre os dois poderes a consolidaccedilatildeo da

posiccedilatildeo cartaginesa na Siciacutelia por cerca de 300 anos

(apesar de algumas reviravoltas tais como a guerra contra

Agaacutetocles e em seguida Pirro) e a expansatildeo romana em

direccedilatildeo ao sul da Peniacutensula regiatildeo que teraacute durante a

expediccedilatildeo de Pirro e um pouco depois presenccedila constante de

legionaacuterios romanos a exemplo da cidade de Reggio (vale

ressaltar mais uma vez separada da Siciacutelia apenas pelo

estreito de Messina) Tendo Pirro saiacutedo de cena o choque

entre dois Estados com impulsos imperialistas seria com o

passar dos anos algo inevitaacutevel O problema com os

mamertinos daria entatildeo o motivo concreto para a

deflagraccedilatildeo do conflito

Como visto anteriormente os soldados campacircnios

inicialmente a serviccedilo de Agaacutetocles haviam subjugado a

regiatildeo nordeste da Siciacutelia alguns anos apoacutes a morte do

siracusano tirando proveito da situaccedilatildeo poliacutetica delicada

pela qual a ilha passava Com a ascensatildeo de Hiero de

Siracusa e a soluccedilatildeo dos conflitos em Reggio (que teve seus

campacircnios revoltosos exterminados pelos romanos) a

situaccedilatildeo dos mamertinos se modificaraacute principalmente

396 Lazenby First Punic War p 34 397 Uma frota cartaginesa enviada a Tarentum para dar suporte ao cerco

liderado pelos romanos contra Milo deixado na cidade por Pirro

aparece por exemplo em Zonaras 88 e Oroacutesio 43

176

devido ao combate sistemaacutetico por parte dos siracusanos

contra a seacuterie de pilhagens promovidas pelos mercenaacuterios

Os mamertinos sem ter muito o que fazer solicitaram apoio

dos cartagineses e em seguida dos romanos Poliacutebio eacute

esclarecedor a esse respeito

Alguns deles apelaram aos cartagineses propondo a

submissatildeo deles proacuteprios e da cidade ao passo que

outros enviaram uma embaixada a Roma oferecendo a

submissatildeo da cidade e implorando por assistecircncia como

povo de mesma origem (ατοῖς ὁμοφύλοις πάρχουσιν)398

O principal elemento considerado pelos romanos em sua

avaliaccedilatildeo do pedido de auxiacutelio mamertino natildeo parece ter

sido contudo a identificaccedilatildeo eacutetnica De acordo com

Poliacutebio os romanos estavam cientes da grande expansatildeo do

territoacuterio cartaginecircs que jaacute incluiacutea a Liacutebia parte da

Hispacircnia a Sardenha e o Mar Tirreno restando somente a

conquista de parte da Siciacutelia para se tornarem ldquoos vizinhos

mais problemaacuteticos e perigosos (βαρεῖς καὶ φοβεροὶ γείτονες)rdquo

cercando Roma por todos os cantos da Peniacutensula No final

das contas possivelmente por pressatildeo popular (οἱ πολλοὶ) o

Senado decidiu nomear o cocircnsul Aacutepio Claacuteudio como general no

comando das tropas que atravessariam o mar em direccedilatildeo a

Siciacutelia sendo o cocircnsul vitorioso na primeira batalha

contra Hieratildeo (recentemente aliado de Cartago e vitorioso

num primeiro confronto contra os mamertinos) e os

cartagineses399 Derrotado pelos romanos Hieratildeo findou por

estabelecer alianccedila com os primeiros em 263 aC

mostrando-se leal a eles ateacute o fim de seu governo em 215

aC Os cartagineses em contrapartida frente agrave deserccedilatildeo

de Hieratildeo montaram seu novo quartel general na cidade de

Acragas devido a sua localizaccedilatildeo favoraacutevel como ponto de

398 Polib 110 [] οἱ μὲν ἐπὶ Καρχηδονίους κατέφευγον καὶ τούτοις ἐνεχείριζον σφᾶς ατοὺς καὶ τὴν ἄκραν οἱ δὲ πρὸς Ῥωμαίους ἐπρέσβευον παραδιδόντες τὴν πόλιν καὶ δεόμενοι βοηθήσειν σφίσιν ατοῖς ὁμοφύλοις πάρχουσιν 399 Polib 111

177

apoio logiacutestico bem como ao faacutecil acesso que ela oferecia

agrave porccedilatildeo leste da Siciacutelia a qual estava sob domiacutenio do

inimigo400

Com seus primeiros movimentos na Siciacutelia a maior parte

da Primeira Guerra Puacutenica todavia foi travada no mar

ainda que uma anaacutelise das evidecircncias acerca da atuaccedilatildeo dos

exeacutercitos (particularmente na Aacutefrica) ilustre inovaccedilotildees

militares importantes em terra firme Os cartagineses eram

conhecidos por sua excelecircncia mariacutetima tendo a navegaccedilatildeo

se tornado como nos informa Poliacutebio o seu ofiacutecio

nacional401

Eacute de salientar o respeito dos antigos quanto agrave

frota cartaginesa em diversas ocasiotildees de tensatildeo militar

das quais destaco como exemplo algumas cidades sicilianas

(aliadas aos romanos) que ldquoaterrorizadas diante da frota

cartaginesardquo (καταπεπληγμέναι τὸν τν Καρχηδονίων στόλον)

desertaram antes mesmo de lutar402 Os aparatos tecnoloacutegicos

usados na guerra naval eram quase sempre inventados ou

aprimorados pelos cartagineses a exemplo da substituiccedilatildeo

das trirremes (dominantes na guerra naval por cerca de 200

anos) pelas quadrirremes e de sua consequumlente adaptaccedilatildeo

para as quinquerremes403

Por outro lado como nos faz crer

Poliacutebio os romanos natildeo haviam se dedicado agrave guerra naval

como os cartagineses sendo seus construtores navais

completamente inexperientes na montagem de quinquerremes

400 Polib 117 Miles op cit p 179 401 Polib 652 Καρχηδόνιοι διὰ τὸ καὶ πάτριον ατοῖς [] τὴν ἐμπειρίαν ταύτην Ver item sobre o exeacutercito cartaginecircs 402 Polib 120 403

Note-se que a quinquerreme (do latim quinque o nuacutemero de homens necessaacuterios para mover cada seccedilatildeo da embarcaccedilatildeo) foi criado por

Dioniacutesio de Siracusa mas o seu uso foi melhorado pelos cartagineses

John S Morrison e John F Coates (The Athenian trireme the history

and reconstruction of an ancient Greek warship Cambridge University

Press 1986 pp259-260 Miles pp 177-178) mostraram a partir de

evidecircncias iconograacuteficas que a quinquereme cartaginesa era

ligeiramente diferente do modelo grego com um formato tipicamente

feniacutecio para os espaccedilos onde eram dispostos os cinco remadores de cada

seccedilatildeo o que garantia no caso cartaginecircs uma proteccedilatildeo extra para os

remadores e para o casco do navio Este seria por consequumlecircncia o

modelo das quinquerremes romanas Para a marinha de guerra cartaginesa

em geral cf Le Bohec op cit pp 49-55

178

(τν δὲ ναυπηγν εἰς τέλος ἀπείρων ὄντων τς περὶ τὰς πεντήρεις ναυπηγίας)

quando da deflagraccedilatildeo da Primeira Guerra Puacutenica404 A frota

de 100 quinquerremes e 20 trirremes construiacuteda em 261

aC teria sido a primeira formada pelos proacuteprios romanos

o que acentuaria na visatildeo de Poliacutebio quatildeo espirituosos

(μεγαλόψυχον) e extraordinaacuterios (παράβολον) eram os romanos ao

fazer algo405

Com a apreensatildeo de uma embarcaccedilatildeo cartaginesa (uma

quinquerreme) tomada como modelo Roma teria finalizado a

construccedilatildeo de sua frota (as 120 embarcaccedilotildees descritas por

Poliacutebio) em apenas 60 dias406 provavelmente por que a

disposiccedilatildeo das peccedilas das embarcaccedilotildees seguiu o meacutetodo de

organizaccedilatildeo por letras empregado por Cartago407 Frota

pronta natildeo significava contudo frota taticamente apta

Logo cerca de 17 embarcaccedilotildees romanas acabaram por ser

capturadas pelos cartagineses nas Ilhas Eoacutelias a noroeste

de Messina enquanto tentavam submeter a cidade de Lipara

tendo sua tripulaccedilatildeo e seu comandante Gneu Corneacutelio

Cipiatildeo sido capturados sem grande dificuldade408

404 Uma boa siacutentese das condiccedilotildees gerais da guerra naval no seacutecIII

aC pode ser encontrada em Goldsworthy Punic Wars pp 96-103 405 Polib 120 ἐξ ὧν καὶ μάλιστα συνίδοι τις ἂν τὸ μεγαλόψυχον καὶ παράβολον τς Ῥωμαίων αἱρέσεως Poliacutebio entende que a vitoacuteria romana em Acragas (261 aC) teria modificado sensivelmente os objetivos dos romanos com a

guerra ao inveacutes de simplesmente proteger os mamertinos agora Roma

havia se decidido pela expulsatildeo dos cartagineses da Siciacutelia Ver

Goldsworthy Punic Wars p 97 406 Polib 120 Bagnall op cit p 60 Le Bohec op cit pp75-77

Hoyos op cit p89 407 O meacutetodo ficou conhecido entre os estudiosos de Cartago apoacutes

escavaccedilatildeo dirigida por Honor Frost na deacutecada de 70 Restos de uma

embarcaccedilatildeo antiga haviam sido encontrados em 1969 por um capitatildeo de

navio mercante Diego Boninni durante uma viagem de trabalho Estudos

da escrita deixada pelos construtores da embarcaccedilatildeo mostraram que o

casco havia sido preconcebido ao passo que a existecircncia de letras

similares em direccedilotildees variadas indicava a presenccedila de muacuteltiplos

construtores Os resultados da escavaccedilatildeo foram publicados

primeiramente no The International Journal of Nautical Archaeology (a

partir de 1972) e assim que o trabalho de campo se deu por encerrado

um relato amplo foi publicado pela Accademia Nazionale dei Lincei

(Roma) como suplemento da Notizie degli Scavi di Antichitagrave 30 (1976) 408 Polib 121 Miles op cit p 181 observa que a carreira de

Cipiatildeo natildeo parece ter sido abalada em ambiente senatorial jaacute que o

mesmo foi eleito cocircnsul pela segunda vez em 254 aC mas entre a

populaccedilatildeo sua reputaccedilatildeo natildeo era mais cotada entre as mais intactas a

179

Taticamente inferiores no mar o que havia se tornado

evidente apoacutes a primeira derrota de sua frota para os

cartagineses em 260 aC os romanos desenvolveram uma arma

engenhosa com o objetivo de superar a falta de habilidade

(se comparada agrave dos cartagineses) ao manobrar as

embarcaccedilotildees o corvus409 Prancha de 11 m de comprimento e

120 m de largura o corvo possuiacutea um espeto na

extremidade o qual era usado para perfurar a embarcaccedilatildeo

inimiga durante a sua trajetoacuteria de cima para baixo

permitindo assim que as duas embarcaccedilotildees envolvidas se

mantivessem forccedilosamente conectadas o tempo necessaacuterio para

a travessia completa dos soldados romanos Esses por sua

vez atravessavam a prancha em numa coluna disposta em

pares de maneira que os dois primeiros protegiam a frente

com seus escudos erguidos enquanto os seguintes dividiam a

proteccedilatildeo dos flancos410

O melhor exemplo para a explicaccedilatildeo acerca do

funcionamento do corvo eacute a batalha de Mylae Segundo

Poliacutebio ansiosos para por agrave prova o novo equipamento

disposto na proa dos navios os romanos decidiram sob o

comando de Caio Duilio (que havia deixado as legiotildees sob

responsabilidade dos tribunos militares) atacar os

cartagineses que assolavam o territoacuterio de Mylae

Ao se aproximarem e verem os corvos (τοὺς κόρακας) subindo ao ponto mais alto da proa de cada navio os

cartagineses em princiacutepio ficaram confusos surpresos

com a construccedilatildeo das maacutequinas Contudo como eles davam

o inimigo inteiramente por derrotado as embarcaccedilotildees da

linha de frente atacaram bravamente Mas conforme as

julgar pelo apelido que lhe foi dado asina ou mula Ver Pliacutenio

8169 Lazenby First Punic War op cit pp 66-67 Ao lado de Cipiatildeo

estava o seu colega de magistratura Caio Duilio comandante das

tropas na Siciacutelia 409 Ainda que Poliacutebio use o termo korakes os estudiosos modernos

adotaram a forma latina corvus (corvi no plural) pois esse eacute de

acordo com Lazenby First Punic War (p 68) o termo latino

correspondente 410 Polib 122

180

embarcaccedilotildees que entravam em colisatildeo eram rapidamente

capturadas pelas maacutequinas e os tripulantes romanos

embarcavam por meio do corvo (τοῦ κόρακος) e atacavam os inimigos um a um na plataforma alguns dos cartagineses

eram eliminados e outros rendidos por desacircnimo diante

do que estava ocorrendo tendo a batalha se tornado

praticamente um combate em terra firme Os primeiros

trinta navios que entraram em combate foram capturados

por todos os tripulantes incluindo a embarcaccedilatildeo do

comandante sendo Aniacutebal capaz de escapar por um

milagre num bote salva-vidas O restante da forccedila

cartaginesa [] desistiu e bateu em retirada (τέλος ἐγκλίναντες ἔφυγον οἱ Καρχηδόνιοι) aterrorizada (καταπλαγέντες) por esta nova experiecircncia tendo perdido 50 navios

411

Embora Poliacutebio natildeo mencione nenhuma puniccedilatildeo fatal do

comandante cartaginecircs por sua derrota outras fontes narram

crucificaccedilatildeo ou apedrejamento de Aniacutebal (natildeo o Baacutercida) por

seus homens os quais estavam insatisfeitos com o resultado

da batalha412

A vitoacuteria romana em Mylae ainda que natildeo

tenha sido decisiva assegurou aos romanos a atuaccedilatildeo na

regiatildeo da Sardenha e Coacutersega territoacuterios antes sob domiacutenio

cartaginecircs Ao inveacutes de concentrar campanhas na Siciacutelia ou

na Sardenha e Coacutersega os romanos conduziram as duas

ofensivas ao mesmo tempo o envio dos dois cocircnsules o

primeiro (Corneacutelio Cipiatildeo) para Sardenha e Coacutersega e o

segundo (Corneacutelio Aquiacutelio) para a Siciacutelia comprovam o

pensamento estrateacutegico adotado por Roma413 Uma seacuterie de

batalhas navais tiveram lugar em seguida das quais se

destaca pela quantidade de homens envolvidos a batalha de

Ecnomus (256 aC) Segundo Poliacutebio do lado romano

contavam-se 100000 tripulantes (δέκα μυριάδας) caacutelculo

retirado dos 300 remadores e 120 soldados embarcados em

cada navio Do lado cartaginecircs o total dos soldados era

algo proacuteximo dos 150000 (πεντεκαίδεκα μυριάδας) a julgar pela

411 Polib 123 Cf Lazenby First Punic War pp67-73 Le Bohec op

cit pp 77-88 Bagnall op cit pp 62-63 Goldsworthy Punic Wars

pp105-109 Miles pp 182-184 412 Zonaras 812 Oroacutesio 44 413 Bagnall op cit p64

181

contagem de suas embarcaccedilotildees (κατὰ τὸν τν νεν λόγον)414 Apoacutes

violento embate proacuteximo ao sudoeste da Siciacutelia o qual foi

mais uma vez decidido pelo uso dos corvos (a despeito das

ateacute entatildeo eficientes taacuteticas cartaginesas) os romanos

comeccedilaram os preparativos para a invasatildeo da Aacutefrica415

414 Polib 126 415 Os pormenores da batalha de Ecnomus foram suprimidos

propositalmente uma vez que o principal interesse da tese natildeo recai

sobre a marinha de guerra cartaginesa Para a batalha de Ecnomus ver

Polib 126-28 Quanto aos estudos modernos a anaacutelise mais

esclarecedora eacute Goldsworthy Punic Wars pp 109-114

182

412 ldquoComo Aacutegatocles noacutes romanos devemos invadir a

Aacutefricardquo o princiacutepio estrateacutegico da expediccedilatildeo africana de

Reacutegulo 256-255 aC

Poliacutebio nos informa que os cartagineses que haviam

escapado do confronto em Ecnomus navegaram diretamente para

Cartago e ldquoconvencidos de que os inimigos excitados por

seu sucesso fariam o ataque direto agrave proacutepria cidade de

Cartagordquo (πεπεισμένοι τοὺς πεναντίους ἐκ τοῦ γεγονότος προτερήματος

ἐπαρθέντας εθέως ποιήσεσθαι τὸν ἐπίπλουν ἐπ ατὴν τὴν Καρχηδόνα)

mantiveram-se atentos a todos os possiacuteveis pontos de

desembarque na aacuterea416 Os romanos contudo desembarcaram a

uma distacircncia segura (Cabo Bon no nordeste da atual

Tuniacutesia) certamente por terem conhecimento da dificuldade

que seria tomar Cartago sem uma linha de abastecimento

assegurada entre a Siciacutelia e a Aacutefrica e iniciaram uma

seacuterie de cercos a cidades menores sendo Aspis a primeira

delas417

O que os romanos pretendiam com isso Em princiacutepio

poder-se-ia dizer que a decisatildeo era unicamente de seguranccedila

para o desembarque mas alguns indiacutecios em Poliacutebio apontam

para uma ocupaccedilatildeo definitiva (ainda que por ser modelada)

a qual deve ter sido planejada logo apoacutes a vitoacuteria em

Ecnomus Em primeiro lugar antes de navegar em direccedilatildeo agrave

Liacutebia eles organizaram as suas provisotildees e repararam as

embarcaccedilotildees capturadas (προσεπισιτισάμενοι καὶ τὰς αἰχμαλώτους ναῦς

καταρτίσαντες) em seguida assim que a Aspis foi tomada

guarniccedilotildees (τὰς δυνάμεις) foram ali deixadas para assegurar a

cidade (τς πόλεως) e o territoacuterio (τς χώρας) por uacuteltimo

mensageiros foram enviados a Roma para informar o ocorrido

e obter instruccedilotildees sobre o que deveria ser feito no futuro

(περὶ τν μελλόντων τί δεῖ ποιεῖν) e como eles deveriam lidar com

416 Polib 129 417 Sobre o desembarque bem como para os eventos posteriores ver Le

Bohec opcit pp 87-89 Lazenby First Punic War pp 97-103

Goldsworthy Punic Wars pp 84-87 Bagnall op cit pp 70-75

Miles pp 185-187

183

toda a situaccedilatildeo (πς χρσθαι τοῖς πράγμασιν) Se Poliacutebio estiver

correto na ordenaccedilatildeo desses eventos (e natildeo vejo motivos

para natildeo estar) os romanos tinham em mente mesmo antes de

relatar os eventos ao Senado assegurar uma posiccedilatildeo forte

em territoacuterio inimigo restando apenas a autorizaccedilatildeo de

Roma para dar prosseguimento agrave expediccedilatildeo africana A forma

que essa expediccedilatildeo assumiria contudo estava nas matildeos do

Senado418 A resposta natildeo poderia ser diferente um dos

cocircnsules deveria permanecer na Aacutefrica com forccedila adequada

(δυνάμεις τὰς ἀρκούσας) enquanto o outro deveria retornar para

Roma com a frota419

Se a essa altura os romanos tinham em mente a

reproduccedilatildeo do que havia feito Agaacutetocles cerca de 50 anos

antes natildeo sabemos por evidecircncias diretas (como seria uma

afirmaccedilatildeo de Poliacutebio ou referecircncia a Agaacutetocles em alguma

reuniatildeo senatorial antes da deliberaccedilatildeo sobre o que deveria

ser feito pelas tropas na Aacutefrica) mas isso pode ser

proposto com certo grau de plausibilidade por evidecircncias

indiretas Como mostrei antes os elementos necessaacuterios

para a realizaccedilatildeo de uma expediccedilatildeo haviam sido pensados

apoacutes Ecnomus e uma vez na Aacutefrica com posiccedilatildeo militarmente

assegurada a pilhagem que se seguiu (em Aspis ou ldquoescudordquo

e nos arredores) tem aparecircncia exata ao que foi previamente

feito pelo siracusano

Aleacutem disso eacute bem verdade que Poliacutebio nos diz como

mencionado no cap3 desta tese que Cipiatildeo o Africano

aproximadamente 50 anos apoacutes a primeira invasatildeo romana da

Aacutefrica teria respondido quando questionado acerca dos

maiores estadistas em coragem e sabedoria ldquoAgaacutetocles e

Dioniacutesiordquo420 Eacute bem provaacutevel portanto que a expediccedilatildeo de

418 Aleacutem disso uma vez estabelecidos da maneira descrita em territoacuterio

inimigo uma possiacutevel decisatildeo de abandono seria improvaacutevel senatildeo

absurda 419

Mais agrave frente Poliacutebio nos daacute nuacutemeros 15000 soldados de infantaria e 500 cavaleiros 420 Polib 1535 Ver cap3 item 41

184

Agaacutetocles fosse jaacute conhecida pelos romanos no tempo da

Primeira Guerra Puacutenica

Outra evidecircncia pode ser encontrada do lado cartaginecircs

Os comandantes cartagineses natildeo queriam esperar o avanccedilo

impune dos romanos talvez por que tivessem em mente a

reproduccedilatildeo do que haviam enfrentado meio seacuteculo antes com

os gregos Essa reaccedilatildeo por parte de Cartago elucida ainda

algo fundamental quanto agrave preservaccedilatildeo das primeiras

inovaccedilotildees em seu pensamento militar heleniacutestico Cartago

natildeo estava disposta a esperar que seu territoacuterio fosse

ldquocorrompidordquo pelo inimigo o que ocasionaria problemas de

ordem logiacutestica (principalmente com a manutenccedilatildeo de seus

aliados) de maneira que os generais decidiram partir de

imediato para o embate com os invasores Na primeira fase

das inovaccedilotildees militares em Cartago um dos aspectos

estrateacutegicos que motivaram as inovaccedilotildees de ordem logiacutestica

entre os cartagineses foi a preservaccedilatildeo da lealdade das

cidades africanas uma vez que elas estavam debandando uma

a uma para o lado grego Aquela liccedilatildeo agora aplicada ao

caso romano havia sido definitivamente aprendida pelos

generais cartagineses Asdruacutebal e Bostar foram eleitos

generais Amiacutelcar foi trazido agraves pressas da Siciacutelia como

terceiro general juntamente com 500 cavaleiros e 5000

soldados de infantaria421

Como dito anteriormente os trecircs generais cartagineses

optaram pelo combate direto com o inimigo apoacutes terem assim

deliberado (ἐβουλεύετο) e encontraram Reacutegulo e seus soldados

proacuteximos agrave cidade de Adys na ocasiatildeo sitiada pelos

romanos Os cartagineses ocuparam um monte nos arredores e

ali montaram acampamento num local que Poliacutebio considerou

ser inapropriado ao seu exeacutercito (ἀφυ δὲ ταῖς ἑαυτν δυνάμεσιν)422

421 Polib 130 Sobre Amiacutelcar Barca particularmente a construccedilatildeo de

uma escola taacutetica em Cartago ateacute Aniacutebal Barca cf Brizzi op cit

aleacutem dos autores citados acima para a expediccedilatildeo de Reacutegulo 422 Polib 130

185

Os experientes generais romanos (οἱ τν Ῥωμαίων ἡγεμόνες ἐμπείρως)

teriam visto que o momento era adequado para o ataque

inesperado uma vez que o posicionamento do exeacutercito

cartaginecircs num terreno que tornava os elefantes e a

cavalaria inuacuteteis (ἠχρείωται) lhes era propiacutecio Ao atacar

por ambos os lados do monte os romanos tiveram a primeira

legiatildeo (τὸ πρτον στρατόπεδον) derrotada pela coragem (γενναίως)

e vigor (προθύμως) dos mercenaacuterios (μισθοφόροι) mas tendo

avanccedilado em busca dos legionaacuterios em fuga expuseram sua

retaguarda aos outros que atacavam no lado oposto Os

mercenaacuterios recuaram satildeos e salvos por fim graccedilas ao

ldquoescudordquo oferecido pelos elefantes e cavaleiros que

atingiram o niacutevel plano423

Apoacutes a vitoacuteria de Reacutegulo Tuacutenis caiu sob o domiacutenio

romano tendo a cidade sido transformada na nova base de

operaccedilotildees na Aacutefrica Poliacutebio menciona ainda uma revolta

por parte dos numiacutedios (certamente encorajados com a

presenccedila romana) e a fome dos refugiados em Cartago424 o

que levou Reacutegulo a tentar a submissatildeo completa dos

cartagineses Poliacutebio diz que os embaixadores estavam tatildeo

inclinados a aceitar o que Reacutegulo lhes propunha que eles

sequer conseguiam prestar atenccedilatildeo agrave severidade de suas

exigecircncias (τὸ βάρος τν ἐπιταγμάτων) Fragmentos de Diodoro

contudo mencionam que o Senado cartaginecircs enviou os homens

mais nobres (ἄνδρας τν ἐπιφανεστάτων) como embaixadores

(πρεσβευτὰς) a Atiacutelio (leia-se Reacutegulo) para discutir os

termos de paz (περὶ εἰρήνης) mas a paz proposta por ele natildeo

seria melhor que a escravidatildeo tamanha a dureza de seus

termos425 Na mesma linha de Diodoro outras fontes

apresentam a iniciativa por parte de Cartago recusando

portanto que Reacutegulo os tivesse intimado para propor os

423 Para a reconstruccedilatildeo da batalha cf principalmente Lazenby First

Punic War pp 100-101 Goldsworthy Punic Wars p86 Bagnall op

cit pp72-73 424 Polib 131 425 Diod 2312

186

termos de paz426

No fim das contas a despeito da natureza

oposta dos relatos sobre quem teria tomado a iniciativa

para a conclusatildeo da paz (se Cartago ou Roma) e da situaccedilatildeo

draacutestica em que Cartago se encontrava uma vez mais o

Senado cartaginecircs manteve a opccedilatildeo pela defesa armada como

no caso dos gregos a qual seria assegurada em princiacutepio

pelas muralhas de Cartago e em seguida pelo recrutamento

do nuacutemero de soldados mercenaacuterios que os seus recursos

permitissem pagar427

426 Eutroacutepio (221) Oroacutesio (49) e Zonaras (813) Cf Lazenby First

Punic War p101 427 Essa seria de acordo com Diod 296 a grande vantagem em se

recrutar mercenaacuterios ldquouma abundacircncia de forccedilas militares estrangeiras

(τς ξενικς δυνάμεως) eacute muito vantajosa para o lado que a emprega e

terriacutevel para o inimigo considerando que os empregadores trazem

consigo sem grandes custos homens para lutar em seu nome ao passo

que forccedilas citadinas (τν πολιτικν δυνάμεων) mesmo quando vitoriosas satildeo prontamente enfrentadas por um corpo de oponentes intactos No

caso dos exeacutercitos poliacuteadas uma simples derrota significa um desastre

completo ao passo que no caso dos mercenaacuterios ainda que sejam por

muitas vezes derrotados os empregadores manteacutem suas forccedilas intactas

durante o tempo que durar seus recursosrdquo

187

413 Xantipo e a adoccedilatildeo do princiacutepio taacutetico heleniacutestico

255 aC

Vegeacutecio autor de um manual militar no seacutecIV dC

menciona natildeo somente que Xantipo teria liderado os

cartagineses na guerra contra os romanos ateacute o fim (o que eacute

claramente um equiacutevoco como nos mostram todas as outras

fontes) mas tambeacutem que Aniacutebal Barca durante a Segunda

Guerra Puacutenica havia recrutado um general mercenaacuterio

espartano para a sua campanha contra os romanos

() Na verdade o quanto a ciecircncia militar foi uacutetil

aos Lacedemoacutenios nos seus combates e para omitir

outros eacute confirmado pelo exemplo de Xantipo que com

exeacutercitos jaacute anteriormente derrotados capturou e

venceu Atiacutelio Reacutegulo e o exeacutercito romano muitas vezes

vencedor ao levar auxiacutelio aos Cartagineses natildeo soacute

pela coragem mas tambeacutem pela periacutecia triunfou num

uacutenico encontro e terminou toda a guerra E tambeacutem

Aniacutebal com a intenccedilatildeo de se dirigir para Itaacutelia

procurou um mestre de armas lacedemoacutenio com os

conselhos do qual destruiu tantos cocircnsules e legiotildees

sendo inferior em nuacutemero e em forccedilas428

A segunda informaccedilatildeo na passagem acima destacada (de

que haveria um conselheiro militar espartano a serviccedilo de

Aniacutebal Barca) pode ser com muito otimismo relacionada a

uma evidecircncia sobre um professor de grego (Soacutesilo) de

Aniacutebal em Corneacutelio Nepos429 Nenhuma outra fonte faz

referecircncia a mercenaacuterios espartanos em Cartago nessas

condiccedilotildees de serviccedilo (excetuando Xantipo) mas elas servem

para ilustrar ao lado das evidecircncias sobre o recrutamento

de homens de Esparta (ou simplesmente de ldquoeducaccedilatildeo

espartanardquo) como soldados ou oficiais de patente menor

(submetidos aos generais cartagineses) que essa era uma

praacutetica longe de absurda em cenaacuterio cartaginecircs mesmo que o

428 Vegeacutecio Compecircndio da Arte Militar Pref 3 Traduccedilatildeo inalterada de

Joatildeo Gouveia Monteiro e Joseacute Eduardo Braga (ediccedilatildeo em portuguecircs de

Portugal) 429 Corneacutelio Nepos Aniacutebal 133 [] atque hoc Sosylo Hannibal

litterarum Graecarum usus est doctore

188

caso mencionado por Vegeacutecio e Corneacutelio Nepote tenha sido

inventado ou unicamente produto de confusatildeo430

De volta agrave Primeira Guerra Puacutenica no momento seguinte

agrave derrota para Reacutegulo e ao fracasso das negociaccedilotildees de paz

(tenham elas sido lideradas por iniciativa dos cartagineses

ou pelo general romano) um dos oficiais de recrutamento

(ξενολόγος) que Cartago tinha previamente enviado agrave Greacutecia

retornava com um nuacutemero consideraacutevel de soldados entre

eles Xantipo de Esparta ldquoum homem que havia participado do

sistema de treinamento espartanordquo (ἄνδρα τς Λακωνικς ἀγωγς

μετεσχηκότα)431 Lazenby recorda que embora Diodoro se refira

a Xantipo como ldquoesparciatardquo (ὁ Σπαρτιάτης) a indicaccedilatildeo de

Poliacutebio (quase sempre mais preciso que Diodoro) sugere algo

mais proacuteximo dos μόθακες homens de famiacutelias pobres que eram

patrocinados por algueacutem mais rico e criado com seus

filhos432

Diante do que havia recentemente ocorrido aos

cartagineses Xantipo conclui ldquoapoacutes ter uma visatildeo ampla

dos recursos restantes dos cartagineses e de sua forccedila em

cavalaria e elefantesrdquo (συνθεωρήσας τάς τε λοιπὰς παρασκευὰς τν

Καρχηδονίων καὶ τὸ πλθος τν ἱππέων καὶ τν ἐλεφάντων παραυτίκα) que a

derrota para os romanos na Aacutefrica natildeo se devia aos romanos

mas aos proacuteprios cartagineses ldquopor meio da inexperiecircncia

de seus generaisrdquo (διὰ τὴν ἀπειρίαν τν ἡγουμένων) A conclusatildeo do

general mercenaacuterio teria sido em princiacutepio difundida

entre os seus amigos (τοὺς φίλους) mas logo chegado aos

430 Para o debate sobre a identificaccedilatildeo das referecircncias em Vegeacutecio e

Corneacutelio Nepote cf principalmente E L Wheeler The hoplomachoi

and Vegetius Spartan drillmasters Chiron 13 1-20 1983 P 16

John F Lazenby First Punic War The Spartan Army Warminster Aris amp

Phillips 1985 P 170 Daly p 88 431 Polib 132 De acordo com Diod 2316 Xantipo teria vindo da

Greacutecia com 50 ou 100 soldados ou mesmo sozinho dependendo da fonte

utilizada 432 Lazenby First Punic War pp 102-103 Numa versatildeo mais improvaacutevel

Oroacutesio 49 sugere que Xantipo seria ldquorei dos espartanosrdquo

(Lacedaemoniorum rex) Cf tambeacutem Giovanni Brizzi ldquoAmilcar e

Santippo storie di generalirdquo In Yann Le Bohec (org) La Premiegravere

Guerre Punique Lyon De Boccard 2001 pp 29-38

189

ouvidos dos liacutederes cartagineses que decidiram chamaacute-lo e

examinar a sua linha de raciociacutenio Apoacutes explicar como

Cartago poderia derrotar os romanos (ao inveacutes de assegurar

simplesmente a sua posiccedilatildeo) os generais cartagineses

ldquopersuadidosrdquo (πεισθέντες) ldquoconfiaram-lhe imediatamente as

suas forccedilasrdquo (ατῶ παραχρμα τὰς δυνάμεις ἐνεχείρισαν) Embora a

decisatildeo dos generais tenha gerado alguma reaccedilatildeo violenta

por parte da populaccedilatildeo quando Xantipo liderou o exeacutercito

para fora da cidade em ordem (ἐξαγαγὼν πρὸ τς πόλεως τὴν δύναμιν ἐν

κόσμῳ) e ali comeccedilou a ldquomanobrar algumas partes dele

corretamenterdquo (κινεῖν τν μερν ἐν τάξει) ldquodando comandos de

acordo com os costumesrdquo (παραγγέλλειν κατὰ νόμους)433 o que

havia sido feito pelos generais anteriores (cartagineses)

contrastou de tal maneira que os soldados tiveram seus

acircnimos revigorados sob o comando do general estrangeiro

Nessa situaccedilatildeo a empolgaccedilatildeo de Poliacutebio ao falar da

competecircncia de um general grego eacute evidente434 mas haacute algo

mais relevante a ser observado Se Xantipo realizou as

manobras que Poliacutebio indica uma possibilidade eacute que tenha

existido um periacuteodo de treinamento (possivelmente de alguns

meses) sob o espartano A outra possibilidade eacute que o

exeacutercito jaacute tivesse conhecimento dos termos militares

usuais na arte da guerra grega possivelmente devido ao seu

passado de lutas na Siciacutelia mas que os generais fossem

incapazes de executaacute-los da forma correta de onde

sobressairia o que Poliacutebio acreditou ser a sua (dos

cartagineses) incompetecircncia ou imperiacutecia (ἀπειρία) nos

assuntos militares Se o exeacutercito cartaginecircs que lutou na

Aacutefrica contra Reacutegulo fosse composto somente por mercenaacuterios

gregos a segunda explicaccedilatildeo seria a mais plausiacutevel das

duas jaacute que natildeo temos referecircncias diretas nas fontes ao

433 Isto eacute em termos militares ortodoxos Ver questatildeo na Introduccedilatildeo 434 Goldsworthy Punic Wars p 88 Segundo o autor as accedilotildees de

Xantipo refletiriam em Poliacutebio a profunda admiraccedilatildeo helecircnica pelo

sistema militar espartano

190

treinamento das tropas por Xantipo Mas esse natildeo parece ter

sido o caso do exeacutercito em questatildeo Poliacutebio natildeo menciona

origens eacutetnicas das tropas que lutaram em Adys no primeiro

encontro com Reacutegulo (e que eram ao menos parcialmente as

mesmas sob Xantipo) tampouco o faz para a batalha de

Tuacutenis Em todo caso a ldquofalange dos cartaginesesrdquo (τὴν

φάλαγγα τν Καρχηδονίων) mencionada por Poliacutebio em Tuacutenis em

contraste com os seus mercenaacuterios (τν μισθοφόρων) deve ter

sido cartaginesa ou de aliados liacutebios submetidos ao que os

gregos chamavam de symmachia Aleacutem disso um exeacutercito

cartaginecircs na Aacutefrica devia contar como na maioria dos

casos com grande nuacutemero de soldados liacutebios os quais

desconheciam como regra geral para comeccedilar a liacutengua

grega Para dar os comandos ainda que isso natildeo seja

mencionado no provaacutevel treinamento das tropas Xantipo

teria lanccedilado matildeo como jaacute havia feito em ocasiotildees

anteriores de um ou mais inteacuterpretes (ἑρμηνεύς)435

Passado certo tempo entatildeo os cartagineses comeccedilaram a

marchar em territoacuterios nivelados (τν ὁμαλν τόπων) e a

montar acampamento em locais planos (ἐν τοῖς ἐπιπέδοις τν χωρίων)

ateacute conseguirem avistar o inimigo436

Acampados proacuteximos aos

romanos (a uma distacircncia aproximada de 1800 metros ou 10

estaacutedios gregos) os cartagineses aguardaram a deliberaccedilatildeo

do Senado Aqui emerge uma questatildeo central para a

compreensatildeo do papel que Xantipo teria desempenhado na

batalha encerrado o treinamento das tropas Segundo

Poliacutebio o clamor das tropas por Xantipo aliado aos

pedidos do proacuteprio general espartano fizeram com que os

cartagineses revestissem Xantipo de autoridade (τὴν ἐξουσίαν)

para a conduccedilatildeo da batalha Daiacute se conclui que antes da

batalha de Tuacutenis Xantipo natildeo estava no comando do exeacutercito

sendo responsaacutevel apenas pelo treinamento das tropas (como

435 Diod 2316 436 Polib 133

191

sugeri antes) Na batalha contudo se Xantipo natildeo liderou

o exeacutercito como uacutenico general (como sugere toda a histoacuteria

preacutevia da arte da guerra cartaginesa) ele o fez como

ldquogeneral de suporterdquo dos comandantes cartagineses (que

Poliacutebio natildeo menciona) conduzindo um total de 12000

soldados de infantaria 4000 cavaleiros e praticamente 100

elefantes437

Apoacutes treinar a infantaria cartaginesa Xantipo teve a

oportunidade de liderar o exeacutercito cartaginecircs em campo de

batalha Em Tuacutenis as taacuteticas que puseram fim agraves legiotildees de

Reacutegulo apresentavam uma semelhanccedila incontornaacutevel com

aquelas empregadas pelos generais heleniacutesticos apoacutes

Alexandre Esse eacute um indiacutecio que natildeo pode ser ignorado ao

lado do treinamento da infantaria cartaginesa Xantipo

parece ter transformado o exeacutercito cartaginecircs numa

autecircntica arma heleniacutestica o que seraacute de acordo com

Brizzi incorporado por Amiacutelcar Barca438

Em Tuacutenis Xantipo dispocircs a falange de cartagineses ao

centro com um corpo de mercenaacuterios agrave sua direita (o lado

mais desprotegido do corpo de infantaria devido agrave ausecircncia

do escudo ao lado direito do uacuteltimo homem) Tendo dividido

a cavalaria nas alas (ligeiramente mais adiantada que a

infantaria ao centro) o restante dos mercenaacuterios

(provavelmente dardeiros ou fundeiros) foi lotado ali para

desempenhar claro papel de forccedila de apoio agraves tropas

montadas Os elefantes por sua vez encontravam-se

dispostos agrave frente da linha principal ao centro em

ldquodistacircncia segurardquo da infantaria Do lado romano apesar da

437 Sobre a condiccedilatildeo de Xantipo na batalha de Tuacutenis cf principalmente

Lazenby First Punic War pp 103-106 Goldsworthy Punic Wars pp

89-90 Daly p 88 Para uma discussatildeo sobre a data da batalha cf

Walbank op cit p91 Sobre a possiacutevel reduccedilatildeo dos nuacutemeros do

exeacutercito cartaginecircs (dados por Polib 133) o que se justificaria no

uso da tradiccedilatildeo proacute-cartaginesa (especialmente Philinus) por Poliacutebio

para narrar a batalha cf Caven op cit p38 438 Brizzi op cit A sistematizaccedilatildeo das evidecircncias natildeo eacute feita da

mesma forma pelo uacuteltimo

192

expressatildeo vaga usada por Poliacutebio para definir o modo no

qual as legiotildees foram organizadas por Reacutegulo439 o

posicionamento dos velites agrave frente da infantaria

(apostando no efeito que os dardos teriam nos paquidermes)

e a profundidade das unidades manipulares (algo incomum a

menos que fosse necessaacuterio dar maior coesatildeo e portanto

confianccedila aos homens nas linhas de frente) indicam que o

general romano estava preocupado com o impacto -

principalmente psicoloacutegico - que os elefantes teriam em

seus soldados440

Em primeiro lugar Xantipo ordenou que os elefantes

avanccedilassem contra os romanos ao centro e que a cavalaria em

ambas as alas fizesse um movimento em torno da infantaria

para atacaacute-la pelos flancos e retaguarda (apoacutes vencer a

cavalaria inimiga eacute claro) Os romanos em contrapartida

seguindo seus costumes comeccedilaram a bater as armas contra

seus escudos emitindo seu grito de guerra enquanto

avanccedilavam A cavalaria romana muito inferior em nuacutemero

logo bateu em retirada sem oferecer muita resistecircncia agrave

ofensiva inimiga A ala esquerda dos romanos normalmente

composta por aliados avanccedilou com sucesso contra os

mercenaacuterios dispostos agrave direita do exeacutercito cartaginecircs e

pondo-os em fuga perseguiram os vencidos ateacute o

acampamento A porccedilatildeo central da legiatildeo a qual estava de

frente para os elefantes inicialmente resistiu mas logo

cedeu ao avanccedilo dos paquidermes e toda a formaccedilatildeo foi

rompida no momento em que os cavaleiros cercaram os romanos

pelos lados e pela retaguarda Os que foram capazes de

passar pelos elefantes sem serem pisoteados por eles

acabaram por se deparar com a ldquofalange cartaginesardquo (ateacute

439 Polib 133 ldquo[] muitos maniacutepulos em profundidade []rdquo (πολλὰς ἐπἀλλήλαις [] σημείας) 440 Lazenby First Punic War pp 104-105 sugere uma organizaccedilatildeo em

seis linhas ao inveacutes das trecircs linhas tradicionais (hastati

principes triarii) Goldsworthy Punic Wars p 89 sugere as trecircs

linhas tradicionais com um nuacutemero maior de linhas

193

entatildeo intacta) disposta atraacutes dos animais em boa ordem

(συντεταγμένην [] τὴν τν Καρχηδονίων φάλαγγα)441 Quanto agraves

baixas Poliacutebio registrou somente 800 homens entre os

mercenaacuterios cartagineses (particularmente aqueles que

haviam enfrentado a ala esquerda romana) sem mencionar o

restante do exeacutercito Do lado romano excetuando os 2000

soldados que perseguiram os mercenaacuterios cartagineses em

fuga e alguns homens que escaparam com Reacutegulo todos

pereceram em batalha

Sob Xantipo os paquidermes passaram a ser empregados

como entre os generais heleniacutesticos Poliacutebio relata que

Xantipo antes de analisar os recursos logiacutesticos de

Cartago e portanto de ser nomeado general dos

cartagineses por tempo limitado tomou conhecimento do que

havia recentemente ocorrido e da maneira como havia

ocorrido442

Certamente o historiador estava se referindo agrave

derrota para Reacutegulo e ao fracasso em Acragas na Siciacutelia

evento que teria segundo Poliacutebio transformado a

estrateacutegia romana na guerra De Acragas para Tuacutenis

passando pelo fracasso no uso dos cavaleiros e elefantes em

Adys quando os trecircs generais cartagineses decidiram

enfrentar os romanos antes que esses prosseguissem com a

pilhagem de seu territoacuterio notamos uma mudanccedila notaacutevel no

emprego das tropas de Cartago tanto em seu treinamento (no

caso da infantaria) quanto em sua aplicaccedilatildeo (no caso dos

cavaleiros e elefantes) em campo de batalha

441 Polib 134 Narraccedilatildeo coincidente embora menos detalhada pode ser

encontrada tambeacutem em Zonaras 1113 Diod 2314 apresenta um relato

fantasioso acerca da batalha com Xantipo tendo que empurrar os

desistentes contra os romanos numa demonstraccedilatildeo de coragem e vigor 442 Polib 132 ldquo[] ao ouvir da reviravolta recente e da maneira

pela qual havia ocorrido []rdquo (ὃς διακούσας τὸ γεγονὸς ἐλάττωμα καὶ πς καὶ τίνι τρόπῳ γέγονεν)

194

CONCLUSAtildeO

Nesta tese atenccedilatildeo especial foi dirigida agrave histoacuteria da

Siciacutelia e de Cartago nos primoacuterdios do periacuteodo heleniacutestico

na expectativa de contribuir assim para o abandono da

ideia de um mundo mediterracircnico ocidental formado agrave sombra

da expansatildeo romana Interessou-me primeiramente o impacto

poliacutetico-militar da imitatio Alexandri no ocidente

heleniacutestico sob Agaacutetocles e Pirro da mesma forma que a

reaccedilatildeo dos cartagineses frente agraves duas invasotildees africanas

ocorridas respectivamente entre 310-307 aC e 256-255

aC mais do que propriamente como os romanos subjugaram

Cartago num processo iniciado com a questatildeo dos mamertinos

na porccedilatildeo nordeste da Siciacutelia A partir da anaacutelise

detalhada das liccedilotildees militares aprendidas pelos

cartagineses no periacuteodo heleniacutestico preacute-Baacutercida tornou-se

possiacutevel a compreensatildeo da atuaccedilatildeo social dos mercenaacuterios

cujo fluxo natildeo se encerrou ao menos ateacute a destruiccedilatildeo de

Cartago pelos romanos

Durante a fase inicial da Primeira Guerra Puacutenica

precisamente no ano de 255 aC o exeacutercito cartaginecircs

sofreu modificaccedilotildees sensiacuteveis no campo taacutetico e em seu

treinamento de maneira a transformar as forccedilas de Cartago

em verdadeiras armas heleniacutesticas Mas essa transformaccedilatildeo

natildeo se iniciou contrariando o que sugere Brizzi com

Xantipo443 Taticamente o exeacutercito cartaginecircs se modificou

em 255 aC mas a composiccedilatildeo de uma tradiccedilatildeo no uso de

comandantes mercenaacuterios parece ter sido anterior

443 Natildeo se trata aqui de desmerecer as hipoacuteteses de Giovanni Brizzi

(op cit) pelo contraacuterio a partir do que foi por ele proposto para

o periacuteodo Baacutercida eacute que pude montar uma explicaccedilatildeo original acerca das

inovaccedilotildees militares anteriores a Amiacutelcar a Aniacutebal Barca e que

acredito ser mais coerente tendo recuado propositalmente no tempo da

anaacutelise de maneira a ilustrar igualmente a relevacircncia das inovaccedilotildees

militares ocorridas durante a expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles

195

remontando a outras inovaccedilotildees militares importantes durante

a expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles

De fato o siracusano pensou a invasatildeo africana como

inversatildeo da estrateacutegia vigente no conflito contra os

cartagineses levando a guerra para o territoacuterio inimigo

quando o mesmo encontrava-se em grande vantagem na Siciacutelia

nesse caso ao assediar os portos de Siracusa Confiante no

apoio que obteria dos liacutebios e na falta de espiacuterito

combativo dos cartagineses (se comparada agrave experiecircncia de

seus mercenaacuterios) Agaacutetocles provocou uma situaccedilatildeo

calamitosa nos arredores de Cartago e na proacutepria cidade

que apoacutes seacuterias derrotas para o siracusano e perda

consideraacutevel dos territoacuterios aliados ou previamente

submetidos decidiu tomar atitudes draacutesticas Quando um

plano completamente inovador (para os padrotildees cartagineses)

havia sido estabelecido o Senado se decidiu pelo

direcionamento da guerra de uma maneira pouco condizente

com o estatuto e a experiecircncia militar (quando havia) dos

homens que compunham o conselho A divisatildeo logisticamente

correta do exeacutercito em trecircs forccedilas de 10000 homens

organizadas com funccedilotildees especiacuteficas de correccedilatildeo dos erros

que ateacute entatildeo os comandantes cartagineses haviam cometido

sugere um aconselhamento externo possivelmente de um

(grupo) de mercenaacuterios natildeo mencionados pelas fontes

A invasatildeo africana por Agaacutetocles ainda que tenha

fracassado natildeo foi algo impensado ou sem motivaccedilotildees

poliacuteticas mais profundas Quando Agaacutetocles se declarou rei

ldquoem imitaccedilatildeo aos Diaacutedocosrdquo considerando-se equivalente a

eles em ldquopoder territoacuterios e feitosrdquo ele fecirc-lo com um

tiacutetulo propositalmente vago A ausecircncia de um viacutenculo a um

povo ou uma cidade transforma-se portanto num convite agrave

conquista444

donde a expediccedilatildeo africana foi pensada como

concretizaccedilatildeo desse projeto Que a monarquia de Agaacutetocles

444 Gruen op cit

196

possuiacutea uma natureza ldquoheleniacutesticardquo parece claro a partir da

sistematizaccedilatildeo das evidecircncias disponiacuteveis445 mas a quem ela

se dirigia mostrou-se uma questatildeo a ser respondida

Levando-se em conta uma das principais razotildees pelas quais

Agaacutetocles decidiu conduzir uma guerra na Aacutefrica (o

esfriamento do ardor combativo dos cartagineses contra a

experiecircncia militar dos homens ldquotreinados na escola do

perigordquo) mesmo diante da presenccedila inimiga agraves portas de

Siracusa tornou-se plausiacutevel sugerir ao combinar esse

fator com a formalidade de seu poder em Siracusa e os

eventos subsequumlentes agrave sua expediccedilatildeo em territoacuterio

cartaginecircs que a sua monarquia autoproclamada dirigia-se

aos seus homens Daiacute desdobra-se ainda o fato de a sua

imitatio Alexandri natildeo ter se restringido ao campo

poliacutetico com grandes chances de ter se estendido tambeacutem agrave

esfera militar nesse caso mediante a organizaccedilatildeo de um

corpo de elite em imitaccedilatildeo aos hipaspistas de Alexandre

Apoacutes Agaacutetocles com os mamertinos instalados na porccedilatildeo

nordeste da Siciacutelia e com Siracusa carente de um liacuteder que

comandasse os esforccedilos militares contra a ofensiva

cartaginesa espaccedilo foi aberto para Pirro do Epiro receacutem-

chegado na Peniacutensula Itaacutelica a pedido dos tarentinos A

reputaccedilatildeo de Pirro encontrava-se inabalada apoacutes as suas

duas vitoacuterias contra os romanos de maneira que os

siracusanos se decidiram pela sua convocaccedilatildeo como hegemon

dos gregos (contra os ldquobaacuterbarosrdquo) Tendo concordado

prontamente Pirro se mostrou capaz de fazer recuar os

cartagineses mas a tentativa de instauraccedilatildeo de uma

monarquia de tipo heleniacutestico entre os gregos da Siciacutelia

instigou um sentimento de hostilidade quanto agrave sua

presenccedila No final de sua expediccedilatildeo italiana tendo ainda

445 Ver Zambon Hellenistic Sicily e Cap3

197

travado mais uma batalha na Peniacutensula446

Pirro terminaria

por dar uma grande contribuiccedilatildeo agrave arte da guerra no

ocidente heleniacutestico deixando a ilha com o problema

mamertino pendente

Passados 10 anos da expediccedilatildeo epirota na Itaacutelia um

confronto entre os dois grandes poderes em expansatildeo do

mundo mediterracircnico ocidental ocorreraacute tendo como motor a

presenccedila mamertina na Siciacutelia A Primeira Guerra Puacutenica

como ficou conhecida pela historiografia acabou por ser um

conflito longo e basicamente travado no mar mas com um

periacuteodo crucial na Aacutefrica durante o qual os romanos

decidiram em possiacutevel imitaccedilatildeo ao que havia feito

Agaacutetocles cerca de 50 anos antes transportar a guerra para

o territoacuterio inimigo Ao analisar as evidecircncias disponiacuteveis

(particularmente Polib 129) conclui-se que os romanos

natildeo estavam planejando unicamente um desembarque seguro

apoacutes importante vitoacuteria naval mas que eles esperavam

permanecer na Aacutefrica ao menos ateacute obterem a submissatildeo de

Cartago Os cartagineses por outro lado embora tenham

sido infelizes em seus primeiros esforccedilos (a reproduccedilatildeo de

uma das medidas tomadas contra Agaacutetocles isto eacute ir de

encontro ao inimigo para impedir a desistecircncia dos aliados

por pressatildeo militar adversaacuteria direta) aceitaram os

conselhos propostos por um dos mercenaacuterios que os seus

recrutadores haviam trazido do Peloponeso Os conselhos de

Xantipo podem ter sido algo inesperado sem duacutevida mas o

interesse por parte dos cartagineses em ouvir o que esse

general submetido ao treinamento espartano e com grande

experiecircncia militar tinha a dizer era algo com precedentes

indiretos provaacuteveis

446 Beneventum em 275 aC Dessa vez os resultados parecem ter sido

realmente inconclusivos o que se deveu em boa medida agrave desistecircncia

por parte dos italiotas que a essa altura haviam debandado para o

lado romano

198

A reforma liderada por Xantipo por fim teve

repercussotildees interessantes Em primeiro lugar uma reforma

quanto ao treinamento das tropas parece ter ocorrido Se as

tropas cartaginesas agrave eacutepoca da expediccedilatildeo africana de Reacutegulo

fossem compostas unicamente por gregos poder-se-ia

argumentar a favor de uma incompetecircncia dos generais

cartagineses ao manobrar as seccedilotildees do exeacutercito O que se

observa contudo aleacutem dessa ἀπειρία eacute a sua incontornaacutevel

composiccedilatildeo africana (cartaginesa ou liacutebia) indiacutecio para a

ocorrecircncia do treinamento da infantaria sob Xantipo antes

da reforma taacutetica em Tuacutenis447

Com a infantaria treinada Cartago decidiu pelo

confronto decisivo com os romanos tendo revestido Xantipo

de autoridade (τὴν ἐξουσίαν) temporaacuteria talvez como ldquogeneral

de suporterdquo aos comandantes cartagineses Na batalha de

Tuacutenis as manobras de cavalaria e o uso dos elefantes

propiciaram como argumentei ao longo do Cap4 a

observaccedilatildeo do momento decisivo na transformaccedilatildeo do exeacutercito

cartaginecircs numa verdadeira arma heleniacutestica algo sem

equivalecircncia nas batalhas anteriores mesmo naquelas que

sucederam a presenccedila de Pirro na Magna Greacutecia e na Siciacutelia

O exeacutercito cartaginecircs havia sido modificado por fim a

partir de inovaccedilotildees militares em momentos de invasatildeo do

territoacuterio africano por inimigos estrangeiros tanto em

niacutevel estrateacutegico quanto em niacutevel taacutetico (treinamento e

aplicaccedilatildeo em campo de batalha)

447 O exeacutercito cartaginecircs apoacutes o treinamento dado por Xantipo teria

comeccedilado a marchar em territoacuterios nivelados e a acampar em locais

planos como pode ser encontrado em Polib 133 Ver Cap 4

199

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TILLYARD Henry Julius W Agathocles Cambridge The

University Press 1908

TOYNBEE Arnold J Hannibal‟s legacy the Hannibalic War‟s

effects on Roman life London New York Oxford University

Press 1965

TUPLIN John ldquoThe Leuctra Campaign some outstanding

problemsrdquo in Klio 69 72-107 1987

VARTSOS Ioannes ldquoOsservazioni sulla campagna di Pirro in

Siciliardquo Kokalos 16 89-97 1970

VATTUONE Ricardo Sapienza d‟occidente Il pensiero storico

di Timeo di Tauromenio Bologna Pagravetron 1991

WALBANK Frank W A historical commentary on Polybius

Oxford Clarendon Press 1957-79

211

______ Polybius Berkeley and Los Angeles University of

California Press 1972

______ The Hellenistic world Brighton Sussex Harvester

Press Atlantic Highlands NJ Humanities Press 1981

______ ASTIN AE The Cambridge Ancient History Vol 7

Cambridge University Press 1984

WARMINGTON Brian H Carthage New York Praeger 1960

ZAMBON Efrem Tradition and Innovation Sicily between

Hellenism and Rome Stuttgart Fraz Steiner Verlag 2008

212

ANEXOS

ANEXO 1 ndash UMA CRONOLOGIA DO MUNDO HELENIacuteSTICO

323-241 AC

323 ndash Morte de Alexandre o Grande Perdicas distribui as

satrapias Nascimento de Alexandre IV filho de Roxana

Guerra Lamiana (revolta dos gregos)

322 ndash Submissatildeo de Atenas morte de Aristoacuteteles Invasatildeo da

Capadoacutecia por Perdicas Ptolomeu se estabelece no Egito

Ophellas em Cirene

321 - Campanha de Antiacutepatro e Cratero contra os etoacutelios

Perdicas invade a Pisiacutedia

320 ndash Antiacutepatro feito regente Filipe Arrideu Roxana e

Alexandre IV em custoacutedia Invasatildeo da Aacutesia por Antiacutepatro e

Crateros Eumenes derrota Crateros Seleuco adentra a

Babilocircnia Derrota de Perdicas no Egito

319 ndash Morte de Antiacutepatro Polipercon feito regente

Ptolomeu conquista a Palestina Agaacutetocles ascende ao poder

em Siracusa

318 ndash Polipercon declara a liberdade dos gregos Eumenes

sai da Capadoacutecia para a Ciliacutecia Eudamos extermina Poro e

marcha para o oeste

317 ndash Campanhas de Polipercon na Greacutecia Invasatildeo da Siacuteria

por Eumenes Invasatildeo da Paacutertia por Eudamos e outros

saacutetrapas Invasatildeo da Siacuteria por Antiacutegono fuga de Eumenes

para a Babilocircnia

316 ndash Derrota de Polipercon para Cassandro Eumenes se

junta a Eudamos Batalha de Paraitacene

315 ndash Lisiacutemaco combate Antiacutegono Antiacutegono derrota Eumenes

em Gabene Morte de Eumenes Eudamos e Peiton Antiacutegono daacute

nova ordem agraves satrapias orientais Alianccedila formada contra

Antiacutegono Agaacutetocles eleito strategos autocrator ()

213

314 ndash Antiacutegono se recusa a se entregar

313 ndash Antiacutegono conquista Tiro

312 - Ptolomeu suprime revolta em Cirene e derrota Demeacutetrio

em Gaza

311 ndash Derrota de Agaacutetocles na Siciacutelia bloqueio do porto de

Siracusa Antiacutegono expulsa Seleuco da Feniacutecia Paz entre

Antiacutegono Cassandro Ptolomeu e Lisiacutemaco

310 ndash Iniacutecio da expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles Campanha

de Ptolomeu na Ciliacutecia contra Antiacutegono Anexaccedilatildeo de Cipro

309 ndash Alianccedila de Agaacutetocles com Ophellas Demeacutetrio abandona

a Babilocircnia

308 ndash Morte de Ophellas exeacutercito de Ophellas incorporado

por Agaacutetocles Antiacutegono expulso da Babilocircnia por Seleuco

307 ndash Agaacutetocles retorna a Siracusa Atenas tomada por

Demeacutetrio

306 ndash Antiacutegono e Demeacutetrio assumem o diadema Demeacutetrio

conquista Cipro Seleuco invade a Baacutectria

305 ndash Iniacutecio do cerco de Rodes Seleuco conquista a Baacutectria

304 ndash Seleuco Ptolomeu Lisiacutemaco e Cassandro assumem o

diadema Agaacutetocles se declara rei Seleuco fracassa em sua

campanha contra Chandragupta na Iacutendia

303 ndash Demeacutetrio conquista Corinto e boa parte do Pelponeso

campanhas de Agaacutetocles na Itaacutelia acordo entre Seleuco e

Chandragupta

302 ndash Cassandro e Lisiacutemaco contra Antiacutegono Seleuco e

Ptolomeu se juntam agrave alianccedila contra Antiacutegono

301 ndash Batalha de Ipso morte de Antiacutegono fuga de Demeacutetrio

300 ndash Demeacutetrio contra Lisiacutemaco Alianccedila entre Ptolomeu e

Lisiacutemaco

299 ndash Pirro enviado a Ptolomeu como refeacutem

298 ndash Demeacutetrio conquista a Ciliacutecia

297 ndash Morte de Cassandro Ptolomeu lanccedila Pirro como rei do

Epiro Lisiacutemaco toma posses de Demeacutetrio na Aacutesia Menor

296 ndash Lisiacutemaco Seleuco e Ptolomeu contra Demeacutetrio

214

295 ndash Seleuco toma Ciliacutecia Ptolomeu toma posses de

Demeacutetrio no Cipro Demeacutetrio recupera Atenas

294 ndash Demeacutetrio feito rei na Macedocircnia

293 ndash Demeacutetrio na Tessaacutelia

292 ndash Revolta de Tebas Antiacuteoco inicia governo na Baacutectria

291 ndash Demeacutetrio sufoca revolta em Tebas e ataca Pirro

289 ndash Morte de Agaacutetocles

288 ndash Guerra naval de Ptolomeu contra Demeacutetrio Lisiacutemaco e

Pirro provocam fuga de Demeacutetrio para o Peloponeso

287 ndash Revolta de Atenas Ptolomeu conquista Tiro

286 ndash Demeacutetrio perde Iocircnia e Liacutedia para Lisiacutemaco

285 ndash Demeacutetrio invade a Siacuteria submissatildeo de Demeacutetrio a

Seleuco

284 ndash Pirro derrotado por Lisiacutemaco na Macedocircnia

283 ndash Morte de Demeacutetrio e Ptolomeu Ascensatildeo de Ptolomeu II

282 ndash Tarentinos pedem ajuda a Pirro

281 ndash Ptolomeu Cerauno feito rei da Macedocircnia Seleuco

invade a Anatoacutelia elimina Lisiacutemaco e eacute morto por Ptolomeu

Cerauno na Traacutecia

280 ndash Iniacutecio da expediccedilatildeo italiana de Pirro vitoacuteria em

Heraclea derrota de Antiacutegono Gonatas (filho de Demeacutetrio)

para Ptolomeu Cerauno invasatildeo da Macedocircnia pelos celtas

fundaccedilatildeo da Liga Aqueacuteia

279 ndash Derrota dos romanos em Aacutesculo pedido de auxiacutelio de

Siracusa morte de Cerauno em batalha contra os celtas

Tratado entre romanos e cartagineses contra Pirro

278 ndash Iniacutecio da expediccedilatildeo siciliana de Pirro

277 ndash Pirro derrota os cartagineses na Siciacutelia Antiacutegono

Gonatas derrota os celtas celtas ocupam a Galaacutecia

276 ndash Pirro parte para Tarento Antiacutegono Gonatas

reconquista a Tessaacutelia

275 - Batalha inconclusiva de Benevento

264 ndash Iniacutecio da Primeira Guerra Puacutenica

260 ndash Batalha de Mylae

215

256 ndash Iniacutecio da expediccedilatildeo africana de Reacutegulo

255 ndash Recrutamento de Xantipo Batalha de Tuacutenis derrota de

Reacutegulo

247 ndash Amiacutelcar Barca nomeado general na Siciacutelia nascimento

de Aniacutebal Barca

241 ndash Fim da Primeira Guerra Puacutenica Cartago perde a

Siciacutelia para os romanos

216

ANEXO 2 FIGURAS

FIGURA 1

217

FIGURA 2

(a)

(b)

218

FIGURA 3

219

FIGURA 4

Livros Graacutetis( httpwwwlivrosgratiscombr )

Milhares de Livros para Download Baixar livros de AdministraccedilatildeoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciecircncia da ComputaccedilatildeoBaixar livros de Ciecircncia da InformaccedilatildeoBaixar livros de Ciecircncia PoliacuteticaBaixar livros de Ciecircncias da SauacutedeBaixar livros de ComunicaccedilatildeoBaixar livros do Conselho Nacional de Educaccedilatildeo - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomeacutesticaBaixar livros de EducaccedilatildeoBaixar livros de Educaccedilatildeo - TracircnsitoBaixar livros de Educaccedilatildeo FiacutesicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmaacuteciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FiacutesicaBaixar livros de GeociecircnciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistoacuteriaBaixar livros de Liacutenguas

Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemaacuteticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterinaacuteriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MuacutesicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuiacutemicaBaixar livros de Sauacutede ColetivaBaixar livros de Serviccedilo SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo

Page 4: IN MEMORIAM PATRIS MEI (1938-2009)livros01.livrosgratis.com.br/cp154139.pdfthe Second Punic War. London; New York: Routledge, 2002 Diod. – Diodoro, Biblioteca Histórica Cássio

iv

Haacute somente duas fontes das quais qualquer vantagem pode ser

retirada os nossos proacuteprios infortuacutenios e aqueles de

outros homens

Poliacutebio 135

v

RESUMO

A histoacuteria poliacutetica do mundo heleniacutestico natildeo era

formada unicamente por comandantes secircniores do exeacutercito de

Alexandre o Grande sob os Diaacutedocos contava-se uma seacuterie

de ex-oficiais de poder menor ou aventureiros que

desempenhavam funccedilotildees importantes em regiotildees controladas

pelos ex-generais do rei macedocircnico ou mesmo em territoacuterios

que natildeo haviam sido previamente subjugados Juntamente com

os Diaacutedocos tais comandantes de poder menor moldaram a

poliacutetica do mundo heleniacutestico e transformaram de maneira

relevante a sociedade na qual estavam inseridos

contribuindo para a formaccedilatildeo da imitatio Alexandri e de seu

impacto na arte da guerra do periacuteodo heleniacutestico Este era

o caso de Agaacutetocles de Siracusa e em seguida Pirro do

Epiro (com poder obviamente maior que o de Agaacutetocles) que

a despeito das diferenccedilas na esfera de poder e do viacutenculo

com Alexandre tiveram papel fundamental na concretizaccedilatildeo

das inovaccedilotildees poliacuteticas e militares no ocidente

heleniacutestico

Esta tese de doutorado apresenta duas hipoacuteteses em

primeiro lugar que a monarquia de Agaacutetocles era de

natureza ldquoheleniacutesticardquo e que essa ldquoinovaccedilatildeordquo poliacutetica se

dirigiu agraves suas tropas mercenaacuterias e natildeo agrave cidade de

Siracusa onde sua magistratura compulsoacuteria era uma simples

formalidade em segundo lugar que a expediccedilatildeo africana de

Agaacutetocles e a experiecircncia militar de Pirro na Magna Greacutecia

e na Siciacutelia provocaram inovaccedilotildees militares em Cartago

primeiramente em niacutevel estrateacutegico e em seguida jaacute na

invasatildeo africana liderada pelos romanos em niacutevel taacutetico

Tais inovaccedilotildees por fim teriam transformado o exeacutercito

cartaginecircs numa autecircntica arma heleniacutestica

vi

ABSTRACT

The political history of the Hellenistic world was not

composed only of the senior commanders of Alexander the

Great under the Diadochi both a number of his minor

officers and adventurers played important roles They were

active both in territories ruled by former generals of

Alexander and even in territories which had not been

subdued by the Macedonian King With the Diadochi such

commanders with minor power molded the politics of the

Hellenistic world and shaped their society thus

contributing to the imitatio Alexandri as well as to its

impact on the art of war in Hellenistic period This was

the case of Agathocles of Syracuse and after him Pyrrhos

of Epirus both fundamental to the concretization of

political and military innovations in the western

Hellenistic world despite their differences in power and

their connection with Alexander

This DPhil thesis presents two hypotheses First of

all Agathocles‟ monarchy was of ldquoHellenisticrdquo nature and

such political ldquoinnovationrdquo was proposed to his mercenary

troops instead of the city of Syracuse where his power was

a mere formality Secondly the African expedition led by

Agathocles and the military experience of Pyrrhos in Magna

Graecia and Sicily fomented military innovations in

Carthage These innovations were in the first place at

the logistical level and after that during the African

invasion led by the Romans at the tactical level Such

innovations in the end would have changed the

Carthaginian army into an authentic Hellenistic weapon

vii

AGRADECIMENTOS

Primeiramente os agradecimentos de ordem

institucional Ao Professor Vicente Dobroruka pela

confianccedila inabalaacutevel e por toda dedicaccedilatildeo Ao Professor

Erich Gruen pelo comprometimento com o trabalho de co-

orientaccedilatildeo realizado em agradaacuteveis reuniotildees ao longo do

meu estaacutegio em Berkeley Aos Professores Celso Fonseca

Maria Filomena Carmen Liacutecia e Anderson Vargas por todas

as criacuteticas conselhos e auxiacutelio com o aprimoramento da

pesquisa Aos funcionaacuterios do PPGHIS da UnB e agrave coordenaccedilatildeo

do Programa pela seriedade com que trataram as minhas

frequumlentes solicitaccedilotildees Ao Projeto de Estudos Judaico-

Heleniacutesticos por tudo que ele representa na academia

brasileira Aos financiadores da minha pesquisa

nomeadamente CNPq (bolsa de doutorado no paiacutes) e Capes

(bolsa de doutorado no paiacutes com estaacutegio no exterior) por

terem me dado suporte financeiro em todo o doutoramento

Aos funcionaacuterios colegas e amigos que tive o prazer de

conhecer na Fundaccedilatildeo Hardt em Genebra Aos funcionaacuterios e

colegas da Universidade da Califoacuternia Berkeley pela

receptividade e paciecircncia com o meu sotaque Aos

Professores Angelos Chaniotis Joe Manning Joatildeo Gouveia

Monteiro Delfim Leatildeo Barry Strauss e Gianluca

Tagliamonte pelos conselhos declaraccedilotildees e cartas de

recomendaccedilatildeo escritas

Por fim os agradecimentos pessoais Aos meus pais por

toda educaccedilatildeo que me deram Espero que eu tenha a essa

altura os deixado orgulhosos de alguma forma Agrave Carolina

my Bride to be por todo suporte emocional em momentos

difiacuteceis principalmente com o falecimento do meu pai Aos

meus amigos Neyller e Fabiacuteola que satildeo tambeacutem parte da

minha famiacutelia e ao meu afilhado Iacutecaro Aos outros amigos

colegas de profissatildeo ou das mais diversas origens luacutedicas

viii

SUMAacuteRIO

Agradecimentos vii

Abreviaturas xi

Lista de figuras xiv

Mapas xv

Introduccedilatildeo 17

Capiacutetulo 1 ndash Novas taacuteticas outra guerra as ldquoinovaccedilotildees

tebanasrdquo e o exeacutercito reformado de Filipe II e Alexandre 27

1 Epaminondas e o princiacutepio da batalha de Leuctra 29

2 ldquoNegoacutecios de famiacuteliardquo como Filipe e Alexandre

transformaram a guerra grega 38

21 A infantaria macedocircnica 38

211 Hipaspistai pezetairoi e asthetairoi 40

212 Taxis syntagma lochos e uso da sarissa 44

22 A ldquoCavalaria dos Companheirosrdquo 48

Capiacutetulo 2 ndash Os desenvolvimentos da guerra heleniacutestica no

tempo dos Diaacutedocos 53

1 Guerra como ofiacutecio as condiccedilotildees de serviccedilo e os tipos

de mercenaacuterio 53

11 Mercenariato profissionalizaccedilatildeo e crise econocircmica

53

12 Mercenariato basileia e doriktetos chora 60

2 Os exeacutercitos dos Diaacutedocos 64

21 Macedocircnios xenoi misthophoroi e pantodapoi 66

22 Os elefantes de combate 70

3 As Guerras dos Diaacutedocos 75

31 Eumenes versus Craacutetero 75

ix

32 Antiacutegono versus Eumenes 77

33 Antiacutegono versus Ptolomeu Seleuco Cassandro e

Lisiacutemaco 86

Capiacutetulo 3 ndash Poder monaacuterquico e arte da guerra na Magna

Greacutecia e na Siciacutelia heleniacutestica 89

1 Agaacutetocles e a introduccedilatildeo da basileia heleniacutestica 89

2 O embate pela preservaccedilatildeo da unificaccedilatildeo poliacutetica da

morte de Agaacutetocles a Pirro do Epiro 101

3 Pirro e o problema da monarquia heleniacutestica 105

4 Agaacutetocles Pirro e a imitatio Alexandri em campo de

batalha 111

41 A expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles 111

411 O exeacutercito de Agaacutetocles 115

412 Agaacutetocles general como Alexandre 117

42 A expediccedilatildeo de Pirro do Epiro 123

421 O exeacutercito de Pirro 125

422 O exeacutercito republicano romano 127

423 A batalha de Heracleia (280 aC) 132

424 A batalha de Aacutesculo (279 aC) 137

Capiacutetulo 4 ndash As duas fases das inovaccedilotildees militares em

Cartago 141

1 ldquoNenhum tirano destruiraacute nossa cidaderdquo controle

oligaacuterquico e fracasso da tirania em Cartago 310-255

aC 141

2 O exeacutercito cartaginecircs 155

3 As primeiras inovaccedilotildees militares em Cartago

heleniacutestica ou a transformaccedilatildeo logiacutestica frente agrave ameaccedila

grega 310-307 aC 161

x

4 As uacuteltimas inovaccedilotildees militares em Cartago no periacuteodo

preacute-Baacutercida ou a transformaccedilatildeo taacutetica frente agrave ameaccedila

romana 255 aC 168

41 A Primeira Guerra Puacutenica 264-241 aC 168

411 A particularidade da primeira guerra cartaginesa

contra os romanos 168

412 ldquoComo Aacutegatocles noacutes romanos devemos invadir a

Aacutefricardquo o princiacutepio estrateacutegico da expediccedilatildeo africana

de Reacutegulo 256-255 aC 182

413 Xantipo e a adoccedilatildeo do princiacutepio taacutetico

heleniacutestico 255 aC 187

Conclusatildeo 194

Bibliografia 199

Anexos 212

Anexo 1 ndash Uma cronologia do mundo heleniacutestico 323-241

aC 212

Anexo 2 Figuras 216

xi

ABREVIATURAS

AALG ndash MILNS Robert ldquoThe Army of Alexander the Greatrdquo in

REVERDIN Oliver Entretiens sur l‟Antiquiteacute Classique

Alexandre le Grand image et realiteacute Vandoeuvres-Genegraveve

Fondation Hardt 1976 pp87-136

AHR - The American Historical Review

AJA - American Journal of Archaeology

ALG1 - TARN William W Alexander the Great Cambridge

Cambridge University Press 1950 2 vols Vol1

ALG2 ndash TARN William W Alexander the Great Cambridge

Cambridge University Press 1950 2 vols Vol1

Apiano ndash Apiano Guerras Estrangeiras

Arist Pol ndash Aristoacuteteles Poliacutetica

Arr Anab ndash Arriano Anaacutebasis de Alexandre Magno

Austin AUSTIN Michel The Hellenistic World from Alexander

to the Roman Conquest A Selection of Ancient Sources in

Translation Cambridge MA Cambridge University Press

2008

CA ndash Classical Antiquity

Chaniotis WHW CHANIOTIS Angelos War in the Hellenistic

World Malden Oxford Blackwell 2005

Consolo Langher - Sebastiana Consolo Langher Agathocle Da

capoparte a monarca fondatore di un regno tra Cartgagine

e i Diadochi Messina Pelorias 2000

CQ ndash Classical Quarterly

Cuacutercio ndash Quinto Cuacutercio Histoacuteria de Alexandre Magno

Daly ndash DALY Gregory Cannae the experience of battle in

the Second Punic War London New York Routledge 2002

Diod ndash Diodoro Biblioteca Histoacuterica

Caacutessio Dio ndash Caacutessio Dio Histoacuteria Romana

Dioniacutesio ndash Dioniacutesio Antiguidades Romanas

Estrabatildeo ndash Estrabatildeo Geografia

Eutroacutepio ndash Eutroacutepio Breviaacuterio de Histoacuteria Romana

xii

Frontino Frontino Estratagemas

Goldsworthy Punic Wars ndash GOLDSWORTHY PUNIC WARS Adrian

The Punic Wars London Cassell 2000

GRBS - Greek Roman and Byzantine Studies

Griffith GRIFFITH Guy T The Mercenaries of the

Hellenistic World Chicago Ares 1935

Hdt ndash Heroacutedoto Histoacuterias

Isoc Pan Isoacutecrates Panegiacuterico

Isoc Isoacutecrates Da Paz

JHS ndash Journal of Hellenic Studies

JNG - Jahrbuch fuumlr Numismatik und Geldgeschichte

Justino ndash Justino Epiacutetome da Histoacuteria Filiacutepica de Pompeius

Trogus

Lazenby First Punic War ndash LAZENBY FIRST PUNIC WAR John

Francis The First Punic War a military history London

UCL Press 1996

Leacutevecircque Pirro - LEacuteVEcircQUE Pierre Pyrrhos Paris E de

Boccard 1957

LSJ ndash Liddell-Scott-Jones Greek-English Lexicon

Meister CAH 7 ndash MEISTER K Agathocles WALBANK FW

ASTIN AE The Cambridge Ancient History Vol 7 (1)

Cambridge University Press 1984 PP384-411

Miles ndash MILES Richard Carthage Must be Destroyed The

Rise and Fall of an Ancient Mediterranean Civilization

London Allen Lane 2010

Oroacutesio ndash Oroacutesio Histoacuteria contra os pagatildeos

Parke PARKE Howard W Greek Mercenaries Soldiers

Chicago Ares 1933

Plut Ages ndash Plutarco Vida de Agesilau

Plut Alex ndash Plutarco Vida de Alexandre

Plut Dem ndash Plutarco Vida de Demeacutetrio

Plut Eumenes ndash Plutarco Vida de Eumenes

Plut Pelop ndash Plutarco Vida de Peloacutepidas

Plut Tim ndash Plutarco Vida de Timoleatildeo

xiii

Polib ndash Poliacutebio Histoacuterias

Polieno ndash Polieno Estratagemas

Pliacutenio ndash Pliacutenio Histoacuteria Natural

Sil Pun ndash Siacutelio Itaacutelico Puacutenica

Tito Liacutevio ndash Tito Liacutevio A Histoacuteria de Roma (AB VRBE

CONDITA LIBRI)

TLG ndash Thesaurus Linguae Graecae

Tucid ndash Tuciacutedides Histoacuteria da Guerra do Peloponeso

Xen Hel ndash Xenofonte Helecircnica

Zambon Hellenistic Sicily - ZAMBON Efrem Tradition and

Innovation Sicily between Hellenism and Rome Stuttgart

Fraz Steiner Verlag 2008

Zonaras - Zonaras Epitome historiarum

xiv

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Estatueta de Alexandre o Grande Origem

Herculaneum (regiatildeo da Campacircnia) 330-320 aC In Andrew

Stewart Faces of Power Alexander‟s Image and Hellenistic

Politics Berkeley and Los Angeles University of

California Press 1993

Figura 2 (a) Tetradracma de prata de Ptolomeu I Soter do

Egito (315-305 aC) Previamente no mercado suiacuteccedilo (b)

Estater de ouro de Agaacutetocles de Siracusa (310-305 aC)

Vienna In Stewart op cit

Figura 3 Vista panoracircmica de Cartago reconstruccedilatildeo feita

pelo Museacutee Nacional Cartago In Richard Miles Carthage

Must be Destroyed the Rise and Fall of an Ancient

Civilization London Allen Lane 2010 P175

Figura 4 Batalha de Tuacutenis (255 aC) In Yann Le Bohec

Histoire militaire des guerres puniques Monaco Editions

du Rocher 1996 P90

xv

MAPAS

Siciacutelia agrave eacutepoca da Primeira Guerra Puacutenica In Nigel Bagnall The

Punic Wars Rome Carthage and the Struggle for the Mediterranean

London Hutchinson 1990 P 50

xvi

Mediterracircneo ocidental no iniacutecio da Segunda Guerra Puacutenica Note a

expansatildeo africana e hispacircnica dos cartagineses apoacutes a Primeira Guerra

Puacutenica e a hegemonia romana na Siciacutelia dois dos grandes resultados da

Primeira Guerra Puacutenica In Gregory Daly Cannae the experience of

battle in the Second Punic War London and New York Routledge 2002

P7

17

INTRODUCcedilAtildeO

Apoacutes a morte de Alexandre o Grande os seus generais

rapidamente trataram de dividir os territoacuterios imperiais na

Europa na Aacutesia e no Egito de maneira a produzir uma

configuraccedilatildeo poliacutetica completamente ineacutedita ao mundo

antigo Dois princiacutepios baacutesicos regeram a ascensatildeo dos

novos monarcas e a construccedilatildeo de suas dinastias a

apropriaccedilatildeo da imagem puacuteblica de Alexandre (imitatio

Alexandri) e o ldquodireito da lanccedilardquo ou doriktetos chora

Portanto para se tornar um reclamante digno dos

territoacuterios imperiais era preciso em primeiro lugar se

igualar a Alexandre em feitos copiando as suas realizaccedilotildees

militares (postura ofensiva taacuteticas movimentos e

velocidade) e ateacute a sua ligaccedilatildeo com as divindades o que

poderia ser sugerido em variadas oportunidades a exemplo

da cunhagem poacutestuma de moedas com a iconografia do monarca

Em segundo lugar como consequumlecircncia oacutebvia da imitatio

tornava-se necessaacuterio conquistar territoacuterios pela forccedila das

armas o que natildeo restringia o rei a apenas uma regiatildeo ou

povo mas o instigava a governar o que fosse capaz de

subjugar em campanhas militares Como observou Gruen o

fato de os reis heleniacutesticos natildeo portarem ldquotiacutetulos

eacutetnicosrdquo a exemplo de ldquorei dos macedocircniosrdquo indicava que

eles haviam se tornado reis do que pudessem conquistar1

Chaniotis WHW em seu recente livro sobre a guerra no

mundo heleniacutestico completa a interpretaccedilatildeo de Gruen ao

afirmar que ldquoesta vagueza era um convite agrave conquistardquo2

Torna-se evidente portanto que a guerra era parte

fundamental da ideologia do rei heleniacutestico caracterizando

1 Erich Gruen ldquoThe Coronation of the Diadochoirdquo In J W Eadie and

Josiah Ober The Craft of the ancient historian essays in honor of

Chester G Starr Lanham MD University Press of America 1985 pp

253-271 2 Chaniotis WHW p57

18

natildeo somente suas funccedilotildees como general mas tambeacutem boa parte

de suas accedilotildees como poliacutetico

O cenaacuterio heleniacutestico em seus primoacuterdios natildeo era

contudo formado somente pelos comandantes secircniores do

exeacutercito de Alexandre ao lado dos Diaacutedocos contava-se uma

lista de ex-oficiais de poder menor e de ldquoaventureirosrdquo sem

qualquer ligaccedilatildeo direta com o rei macedocircnio mas que de

algum modo procuravam se inserir no cenaacuterio poliacutetico

heleniacutestico Este era o caso de Agaacutetocles de Siracusa

responsaacutevel por uma tentativa de introduccedilatildeo planejada da

monarquia de tipo heleniacutestico na Siciacutelia grega Como

veremos ao longo desta tese Agaacutetocles natildeo deve ser

considerado um tirano como seus antecessores siciliotas

ainda que mantivesse algumas das caracteriacutesticas poliacuteticas

tradicionais uma vez que as inovaccedilotildees por ele inicialmente

conduzidas durante a expediccedilatildeo africana podem ser cotadas

como verdadeiramente ldquoheleniacutesticasrdquo3

Diante de uma tentativa de encerramento da guerra pelos

cartagineses com o bloqueio dos portos de Siracusa e do

cerco agrave cidade Agaacutetocles liderou uma expediccedilatildeo inesperada

ao territoacuterio africano o que foi baseado de acordo com

Diodoro no perfeito conhecimento da situaccedilatildeo cartaginesa

na Aacutefrica4 De modo geral o siracusano pretendia inverter

a grande estrateacutegia da guerra e assolar o territoacuterio

inimigo decisatildeo estrategicamente ousada mas baseada na

dificuldade que Cartago teria para mobilizar ndash ou

simplesmente liderar ndash um exeacutercito capaz de derrotar homens

ldquotreinados na escola do perigordquo (πὸ τν ἐνηθληκότων τοῖς

δεινοῖς)5 Durante a batalha de Tuacutenis em 310 aC Agaacutetocles

parece ter organizado uma guarda pessoal em imitaccedilatildeo aos

hipaspistas de Alexandre da mesma forma que utilizado

taacuteticas muito similares agravequelas adotadas pelo rei macedocircnio

3 A melhor abordagem para o assunto eacute Zambon Hellenistic Sicily 4 Diod 201-18 5 Diod 203

19

em Gaugamela em 331 aC Alguns anos depois encontramos

evidecircncia de Agaacutetocles representado como Alexandre na

iconografia de um estater de ouro cunhado entre 310-305

aC em imitaccedilatildeo aos tetradracmas de Ptolomeu I (314-313

aC) o qual fazia referecircncia agrave vitoacuteria obtida pelo

siracusano em Tuacutenis Em 307 aC proacuteximo agrave cunhagem do

referido estater registra-se a contenccedilatildeo de uma revolta do

exeacutercito mercenaacuterio devido agrave falta de pagamento ocasiatildeo em

que Agaacutetocles surgiu com toga puacuterpura (siacutembolo do poder

reacutegio) sendo as suas vestimentas consideradas pelas tropas

como ldquoadequadas ou pertencentes ao seu poderrdquo (τὸν προσήκοντα

κόσμον)6 Tais evidecircncias ilustram como sistematicamente

apresentado no capiacutetulo 3 a construccedilatildeo de uma monarquia

que teraacute logo apoacutes a autoproclamaccedilatildeo dos Diaacutedocos

caracteriacutesticas tipicamente heleniacutesticas natildeo se adequando

mais agraves exigecircncias ou agrave estrutura organizacional de uma

poacutelis Sob Agaacutetocles de Siracusa e depois sob Pirro do

Epiro as vitoacuterias de Alexandre no Oriente (assim como a

longa rivalidade entre gregos e persas a qual foi tomada

pelos macedocircnios como justificativa para a invasatildeo do

Impeacuterio Persa) ganharatildeo vida nova no conflito entre

Siracusa e Cartago7 A histoacuteria siciliana constituiacutea algo

peculiar natildeo sendo um apecircndice da histoacuteria grega

continental como observou Finley8 mas o sentimento grego

de hostilidade ao elemento ldquobaacuterbarordquo seja ele persa ou

cartaginecircs foi constantemente revisto primariamente sob a

lideranccedila poliacutetica de Siracusa A imitatio Alexandri a

partir da oposiccedilatildeo ao elemento ldquobaacuterbarordquo na Siciacutelia

heleniacutestica era portanto algo historicamente viaacutevel

desde que houvesse um homem capaz de forjar uma ligaccedilatildeo com

Alexandre bem como liderar os gregos da Siciacutelia contra seu

6 Diod 2034 7 Argumento desenvolvido por Richard Miles Carthage Must be Destroyed

The Rise and Fall of an Ancient Mediterranean Civilization London

Allen Lane 2010 P145 8 Moses Finley A History of Sicily London Chatto amp Windus 1979

20

inimigo estrangeiro tradicional Cartago Como sustento

nesta tese Agaacutetocles mostrou-se intencionalmente esse

homem ainda que seus planos de formaccedilatildeo dinaacutestica tenham

falhado e que a audiecircncia para a legitimaccedilatildeo de seu poder

natildeo fosse composta com exceccedilatildeo de Ophellas por

macedocircnios

O impacto do projeto monaacuterquico heleniacutestico de

Agaacutetocles no entanto natildeo se restringiu agrave Siciacutelia grega

Cartago encontrava-se envolvida diretamente com os

desdobramentos militares das inovaccedilotildees poliacuteticas lideradas

pelo siracusano de modo que seu exeacutercito sofreu

modificaccedilotildees consideraacuteveis frente agrave presenccedila grega em seu

territoacuterio Pouco tem sido dito sobre o exeacutercito cartaginecircs

antes da ascensatildeo dos Baacutercidas o que se justifica pela

natureza fragmentada das fontes para a histoacuteria

heleniacutestica mas uma anaacutelise cuidadosa desses fragmentos

deveraacute ilustrar alteraccedilotildees sensiacuteveis na disposiccedilatildeo do

exeacutercito em campo de batalha processo iniciado durante a

expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles O tirano provocou

portanto a necessidade de inovaccedilotildees militares entre os

cartagineses o que corresponderia ao iniacutecio de um processo

formado por duas fases tendo o seu fim na transformaccedilatildeo

das tropas cartaginesas numa verdadeira forccedila heleniacutestica

cerca de 50 anos apoacutes a invasatildeo africana pelos gregos Ao

confiar a defesa dos territoacuterios sicilianos aos exeacutercitos

mercenaacuterios Cartago promoveu a falta de treinamento de

suas tropas ciacutevicas as quais eram empregadas somente em

casos extremos isto eacute de perigo para a proacutepria cidade

bem como manteve o baixo niacutevel de conhecimento logiacutestico no

norte da Aacutefrica talvez por que os cartagineses nunca

haviam sofrido ameaccedila similar a de 310 aC o que resultou

no envio completo dos soldados sem quaisquer forccedilas de

reserva (cruciais para a defesa da cidade no caso de uma

derrota decisiva em campo de batalha ou mesmo para a

21

reparticcedilatildeo das tropas no caso de um ataque simultacircneo) Do

mesmo modo o controle oligaacuterquico quanto aos generais

cartagineses dispostos no comando das tropas mercenaacuterias na

Siciacutelia impediu a formaccedilatildeo de uma ldquoescola taacutetica

atualizadardquo situaccedilatildeo que somente seraacute revertida em 255

aC com a contrataccedilatildeo de um general mercenaacuterio de formaccedilatildeo

espartana (Xantipo) e com o prosseguimento de sua reforma

por Amiacutelcar Barca

Entre a reforma provocada pela expediccedilatildeo de Agaacutetocles e

a reforma liderada por Xantipo haacute portanto um intervalo

de aproximadamente cinco deacutecadas o que pode ser

justificado pela carecircncia de evidecircncias mais detalhadas

sobre a histoacuteria poliacutetica e militar de Cartago Todavia

nada indica que entre 307 e 255 aC uma transformaccedilatildeo no

sistema de treinamento do exeacutercito tenha ocorrido a julgar

pela postura assumida por Xantipo em 255 aC

Ao liderar o exeacutercito para fora da cidade em boa ordem

e comeccedilar a manobrar algumas partes dele em falange e

dar as palavras de comando de acordo com os costumes

(ὡς δ ἐξαγαγὼν πρὸ τς πόλεως τὴν δύναμιν ἐν κόσμῳ παρενέβαλε καί τι καὶ κινεῖν τν μερν ἐν τάξει καὶ παραγγέλλειν κατὰ νόμους ἤρξατο)9

Feitas as consideraccedilotildees acima podemos nos perguntar o

que as duas fases de inovaccedilatildeo do exeacutercito cartaginecircs tecircm em

comum Preliminarmente cabe dizer que ambas ocorreram em

momentos de extremo perigo para os cartagineses quando o

inimigo (grego e sem seguida romano) encontrava-se jaacute em

territoacuterio africano saqueando cidades e com numeroso

exeacutercito a um passo de tomar a proacutepria cidade de Cartago

As referidas inovaccedilotildees do exeacutercito cartaginecircs (as quais

9 Polib 132 παραγγέλλειν κατὰ νόμους pode ser traduzido tambeacutem como ldquonos termos militares ortodoxosrdquo ἐν τάξει pode ser traduzido por ldquoda forma corretardquo como faz W R Paton tradutor da Loeb mas nesse caso a

expressatildeo parece mesmo indicar algo proacuteximo do modelo grego a julgar

pelo equipamento das infantarias cartaginesa e liacutebica (ver capiacutetulo 4

e figuras em anexo) podendo tambeacutem indicar algo como ldquoem marcha

ordenadardquo (no caso do uso da espada como primeira arma)

22

seratildeo sistematizadas ao longo do capiacutetulo 4 a partir das

evidecircncias disponiacuteveis) no primeiro seacuteculo de histoacuteria

heleniacutestica aparentam ter sido portanto respostas de

natureza distinta (uma logiacutestica e outra taacutetica) ao mesmo

problema tendo a primeira delas se mostrado uma

consequumlecircncia do projeto monaacuterquico de Agaacutetocles

Aleacutem de elucidar aspectos da histoacuteria siciliota e

cartaginesa o enfoque proposto contribui pontualmente para

a retirada da histoacuteria de Cartago da sombra da expansatildeo

romana de fato a derrota dos cartagineses para uma

confederaccedilatildeo latina em guerras traumaacuteticas para ambos os

lados somada ao eco da ldquogrande e justa vitoacuteria romanardquo em

sua tradiccedilatildeo literaacuteria10 resultou natildeo somente na

incorporaccedilatildeo posterior (irrefletida) da concepccedilatildeo de fides

Punica mas tambeacutem na reduccedilatildeo da histoacuteria cartaginesa a

apenas um capiacutetulo do chamado ldquoimperialismo defensivordquo

romano Ao aceitar uma unilateralidade da narraccedilatildeo de tais

eventos o que parece cocircmodo devido agrave natureza (favoraacutevel

aos romanos) dos relatos antigos sobre as Guerras Puacutenicas

o historiador finda por repetir um discurso que exclui uma

parte importante da histoacuteria do Mediterracircneo heleniacutestico

ou na melhor das hipoacuteteses submete tais histoacuterias agrave

cronologia da transformaccedilatildeo da Repuacuteblica Romana em Impeacuterio

Os romanos contudo natildeo foram os primeiros a rotular

os cartagineses com adjetivos desfavoraacuteveis (tais como

desleais crueacuteis mentirosos gananciosos e arrogantes)11

os gregos da Siciacutelia seacuteculos antes dos romanos haviam

engajado numa guerra sem fim com Cartago pela hegemonia da

ilha sendo a famosa caracterizaccedilatildeo do ldquooutrordquo como

ldquobaacuterbarordquo tambeacutem um traccedilo da cultura grega na Siciacutelia natildeo

10 Um caso ldquoclaacutessicordquo eacute o poema eacutepico de Siacutelio Itaacutelico (Pun 2395-

456) ldquoum rico senador romano com pretensotildees literaacuteriasrdquo (Miles op

cit p6) que no final do seacutec I dC via a fides Punica como causa

primordial das guerras anteriores com os cartagineses reduzindo

portanto o papel da ambiccedilatildeo romana como motor dos conflitos 11 Benjamin Isaac The Invention of Racism in Classical Antiquity

Princeton University Press 2004 pp 325-335 Miles op cit p7

23

se restringindo unicamente agrave experiecircncia grega nas guerras

contra os persas ao longo do seacutecV aC Os romanos no

entanto puderam varrer a presenccedila cartaginesa (e

posteriormente a grega) da Siciacutelia e fazer triunfar a sua

versatildeo da histoacuteria a qual deveria incluir

obrigatoriamente uma representaccedilatildeo factiacutevel de Cartago jaacute

que a autoridade e a credibilidade da historiografia romana

se iniciaram na eacutepoca das Guerras Puacutenicas

As duas hipoacuteteses desta pesquisa insinuam-se no

interior das questotildees apresentadas anteriormente Em

primeiro lugar sustento que a basileia de Agaacutetocles

dirigia-se agraves suas tropas e natildeo agrave cidade de Siracusa para

a qual o reconhecimento de seu poder natildeo parece ter sido

mais do que uma formalidade Durante a expediccedilatildeo africana

veremos natildeo somente a progressiva identificaccedilatildeo de seu

poder com uma monarquia de tiacutetulo intencionalmente vago

que seraacute em seguida comparada com a dos Diaacutedocos devido agrave

suposta paridade de suas forccedilas (ldquoem poder militar

territoacuterios e feitosrdquo) Aleacutem disso haacute que se notar tambeacutem

a constituiccedilatildeo de uma nova audiecircncia para o poder de

Agaacutetocles o qual estava cada vez menos baseado no

reconhecimento do demos de Siracusa e cada vez mais voltado

aos seus experientes mercenaacuterios12 A mudanccedila da audiecircncia

para o exeacutercito mercenaacuterio parece inclusive indicar a

tentativa de criaccedilatildeo de uma versatildeo dos hipaspistas de

Alexandre como parte da imitatio Alexandri em campo de

batalha

Em segundo lugar argumento a favor da existecircncia de

dois periacuteodos de inovaccedilatildeo militar de natureza distinta no

exeacutercito cartaginecircs sendo ambos provocados por situaccedilotildees

de perigo extremo para a cidade de Cartago O primeiro

deles se deu como dito antes contra os gregos entre 310-

12 Sou imensamente grato ao Professor Gruen pela sugestatildeo desta

hipoacutetese apoacutes ouvir e ponderar as minhas consideraccedilotildees por horas a

fio sempre com seriedade e gentileza

24

307 aC e parece ter tido caraacuteter logiacutestico assumindo

como ponto de partida o fiasco da batalha de Tuacutenis (310

aC) O segundo deles ocorreu num momento decisivo da

Primeira Guerra Puacutenica (255 aC) e apresentou mudanccedilas no

niacutevel de treinamento do exeacutercito ciacutevico e na atualizaccedilatildeo da

ldquoescola taacuteticardquo cartaginesa Em ambos os casos os

prejuiacutezos ao desenvolvimento militar cartaginecircs impostos

pelo vasto uso dos mercenaacuterios na Siciacutelia (o que inibia a

construccedilatildeo de uma cultura militar ciacutevica) e pelo controle

oligaacuterquico em Cartago (responsaacutevel pela ruptura das linhas

de desenvolvimento do generalato) parecem ter sido

ultrapassados o que poderaacute ser confirmado apoacutes anaacutelise

sistemaacutetica dos dispositivos taacuteticos cartagineses em 255

aC

Para isso a tese divide-se em quatro capiacutetulos O

primeiro capiacutetulo intitulado ldquoNovas taacuteticas outra guerra

as ldquoinovaccedilotildees tebanasrdquo e o exeacutercito reformado de Filipe e

Alexandrerdquo traz uma introduccedilatildeo aos antecedentes da arte da

guerra heleniacutestica apresentando uma anaacutelise das condiccedilotildees

de funcionamento do exeacutercito macedocircnico bem como dos

elementos adaptados das taacuteticas tebanas (particularmente a

coluna alongada) A arte da guerra heleniacutestica em seus

primoacuterdios e suas implicaccedilotildees poliacutetico-sociais

(nomeadamente a universalizaccedilatildeo do estatuto mercenaacuterio das

tropas e a construccedilatildeo de um novo tipo de monarquia)

dependem do entendimento correto sobre as unidades taacuteticas

do exeacutercito macedocircnico no caso dos generais que haviam

combatido com Filipe e de uma generalizaccedilatildeo do modelo

macedocircnico a partir do que se difundiu com a expediccedilatildeo

asiaacutetica de Alexandre O segundo capiacutetulo (ldquoOs

desenvolvimentos da guerra heleniacutestica no tempo dos

Diaacutedocosrdquo) um desdobramento loacutegico e direto do primeiro

apresenta um estudo minucioso da situaccedilatildeo geral do

mercenariato nos primoacuterdios do periacuteodo heleniacutestico e da

25

arte da guerra tal qual experimentada pelos Diaacutedocos no

embate pela divisatildeo do Impeacuterio de Alexandre Aleacutem da

anaacutelise da manutenccedilatildeo das taacuteticas macedocircnicas de cavalaria

e das novas armas empregadas (inclusive como siacutembolo de

poder militar no caso dos elefantes) pelos Diaacutedocos o

capiacutetulo se ocupa com os eventos relacionados agraves Guerras

dos Sucessores dando atenccedilatildeo especial agrave alteraccedilatildeo do

princiacutepio de aniquilamento pelo envolvimento completo do

inimigo o que resultou no recrutamento massivo de tropas

de infantaria derrotadas (e por vezes intactas) apoacutes o

choque da cavalaria

Os dois uacuteltimos capiacutetulos deslocam o foco da tese para

o ocidente heleniacutestico e seus esforccedilos orientados sob

Agaacutetocles para uma imitatio Alexandri em campo poliacutetico e

militar e sob os cartagineses para duas fases de

inovaccedilotildees militares que se enquadram no formato da arte da

guerra heleniacutestica em seus primoacuterdios Em ambos os casos

contudo notamos um processo de integraccedilatildeo do ocidente

heleniacutestico ao mundo dos Diaacutedocos tenha ele ocorrido com

as inovaccedilotildees poliacuteticas do monarca siracusano ou com as duas

respostas dos cartagineses aos casos de maior perigo para a

cidade de Cartago nos primeiros 90 anos de histoacuteria

heleniacutestica momentos antes portanto do iniacutecio da guerra

com Aniacutebal Barca

No capiacutetulo 3 intitulado ldquoPoder monaacuterquico e arte da

guerra na Magna Greacutecia e Siciacutelia heleniacutesticardquo apresento

uma sistematizaccedilatildeo possiacutevel das evidecircncias favoraacuteveis agrave

caracterizaccedilatildeo do poder monaacuterquico de Agaacutetocles como

ldquoheleniacutesticordquo da mesma forma que desenvolvo argumentos

acerca de uma identificaccedilatildeo provaacutevel das tropas e taacuteticas

de Agaacutetocles durante a sua expediccedilatildeo africana com algumas

unidades e planos de batalha relacionados agrave expediccedilatildeo

asiaacutetica de Alexandre o Grande Devido agrave sensiacutevel queda do

nuacutemero de textos antigos que nos chegaram para o periacuteodo

26

bem como agrave natureza plural dos relatos (incompletos) sobre

Agaacutetocles evidecircncias de outra natureza (epigraacutefica e

numismaacutetica) satildeo tambeacutem consideradas numa perspectiva

instrumental de paridade metodoloacutegica procurando

estabelecer na medida do possiacutevel narrativas baseadas no

estudo comparado de tais fontes

O capiacutetulo 4 (ldquoAs duas fases da reforma militar em

Cartagordquo) traz uma anaacutelise das inovaccedilotildees militares

cartaginesas ocorridas entre 307 e 255 aC das alteraccedilotildees

de caraacuteter logiacutestico encaminhadas durante a expediccedilatildeo

africana de Agaacutetocles agraves modificaccedilotildees quanto ao treinamento

e agraves taacuteticas lideradas por Xantipo (255 aC) Um estudo

das relaccedilotildees entre a oligarquia em Cartago e seus generais

na Siciacutelia deveraacute elucidar em detalhes a repressatildeo

oligaacuterquica em direccedilatildeo ao desenvolvimento de uma ldquoescola

taacutetica atualizadardquo da mesma forma que uma mudanccedila

temporaacuteria nesse comportamento diante de duas ameaccedilas

potencialmente fatais agrave cidade

Os textos antigos usados nesta tese seguem quando

possiacutevel a ediccedilatildeo da Loeb Quando a ediccedilatildeo natildeo existe a

exemplo dos Estratagemas de Polieno emprega-se a ediccedilatildeo de

referecircncia (normalmente uma traduccedilatildeo para a liacutengua

inglesa) A leitura de tais textos deu-se inicialmente em

inglecircs sendo todos os trechos citados (ou de relevacircncia

pontual para a tese) lidos tambeacutem em grego ou latim usando

como recursos o TLG e o LSJ

27

CAPIacuteTULO 1 ndash NOVAS TAacuteTICAS OUTRA GUERRA AS

ldquoINOVACcedilOtildeES TEBANASrdquo E O EXEacuteRCITO REFORMADO DE

FILIPE II E ALEXANDRE

As influecircncias tebanas no pensamento militar macedocircnico

satildeo um dado haacute muito aceito na historiografia levando em

consideraccedilatildeo a aproximaccedilatildeo de Filipe com Epaminondas13

Todavia cabe perguntar quais seriam detalhadamente os

elementos desta relaccedilatildeo entre as taacuteticas tebanas e a

composiccedilatildeo do exeacutercito integrado macedocircnico Pode-se

postular ainda a existecircncia de inovaccedilotildees tipicamente

tebanas na guerra grega e em particular na reforma do

exeacutercito de Filipe e Alexandre

Conforme mostrarei neste capiacutetulo alguns princiacutepios

empregados na maior batalha travada entre Tebas e Esparta

em Leuctra (371 aC) quando a falange lacedemocircnia foi

derrotada num choque de hoplitas apresentaram-se

explicitamente no exeacutercito reformado macedocircnico mas

precisam ser cuidadosamente reavaliados Assim a batalha

de Leuctra eacute importante (1) por seu impacto histoacuterico - a

falecircncia da hegemonia espartana em campo de batalha e (2)

porque o uso da coluna alongada e da formaccedilatildeo obliacutequa (com

uma das alas hesitante) foi consolidado com a

profissionalizaccedilatildeo do exeacutercito macedocircnico ocorrida a

partir do serviccedilo contiacutenuo e do estabelecimento de

treinamento superior (ambos caracteriacutesticos do soldado

profissional)

Aleacutem disso a partir da adoccedilatildeo das manobras de

cavalaria como etapa ofensiva principal das taacuteticas de

campo adotadas por Filipe II e Alexandre podemos notar na

guerra grega uma contribuiccedilatildeo estritamente macedocircnica natildeo

sendo possiacutevel atribuir a Epaminondas ou a outros tebanos

13 Plut Pelop 267

28

esta modificaccedilatildeo decisiva14 Por uacuteltimo como desdobramento

deste toacutepico a destruiccedilatildeo das defesas inimigas nas alas e

o consequumlente aniquilamento do inimigo por manobra de

envolvimento algo elaborado pelos macedocircnios no mundo

grego e comum aos persas ao menos desde a invasatildeo de

Alexandre teria sido tambeacutem a maior caracteriacutestica das

batalhas na Guerra dos Diaacutedocos15 natildeo fosse a incorporaccedilatildeo

das tropas vencidas ao contingente vitorioso praacutetica mais

condizente com a lideranccedila militar heleniacutestica Embora

novos fatores tenham emergido nas Guerras dos Diaacutedocos como

legado do impeacuterio de Alexandre (a exemplo do emprego dos

elefantes de guerra16) as manobras de cavalaria

permaneceram um dos traccedilos fundamentais aos primeiros

cinquumlenta anos da tradiccedilatildeo militar heleniacutestica primando

no entanto pela submissatildeo das tropas vencidas ao centro da

formaccedilatildeo

14 Ainda que os tessaacutelios fossem excelentes cavaleiros sua eficiecircncia

foi comprovada e difundida apenas sob o comando macedocircnico 15 Daiacute a relevacircncia deste mapeamento histoacuterico como etapa analiacutetica

anterior ao estudo da guerra heleniacutestica 16 Ambos seratildeo tratados no capiacutetulo dois desde sua ldquomatrizrdquo

macedocircnica

29

1 Epaminondas e o princiacutepio da batalha de Leuctra

Desde o estabelecimento do ldquodilema tebanordquo isto eacute a

problemaacutetica em torno de suas intervenccedilotildees militares na

Beoacutecia e de sua inserccedilatildeo na Liga Ateniense como ldquotebanosrdquo

(e natildeo como ldquobeoacuteciosrdquo o que limitava seu raio de accedilatildeo na

regiatildeo) a situaccedilatildeo natildeo se manteve tranquumlila entre ambas as

poacuteleis (Atenas e Tebas) Apesar de um acordo de paz firmado

em 375 aC (que exigia respostas oficiais para qualquer

incidente de cunho militar e estabelecia diretrizes para a

relaccedilatildeo das cidades mencionadas os tebanos insistiam na

restauraccedilatildeo de Oropos cujo controle havia sido perdido17

Aleacutem disso a destruiccedilatildeo de Plateacuteia e Thespiai duas

cidades beoacutecias que haacute pouco haviam se aliado a Atenas

entrou no rol dos desentendimentos entre as cidades gregas

O grande problema estava justamente na recusa em reconhecer

a ldquoConfederaccedilatildeo beoacuteciardquo (na qual Tebas exercia funccedilatildeo de

comando) ainda que esta continuasse a funcionar

paralelamente

Como observa Buckler18 tal situaccedilatildeo indicou acima de

tudo uma ldquomudanccedila no balanccedilo do poder na Greacuteciardquo

Definitivamente os tebanos mostraram-se capazes de

defender seus proacuteprios interesses num contexto de restriccedilatildeo

econocircmica da lideranccedila poliacutetica ateniense e a construccedilatildeo

das embarcaccedilotildees de guerra bem como sua manutenccedilatildeo

inviabilizaram qualquer reaccedilatildeo ateniense frente ao

crescente poder tebano

Aleacutem disso os espartanos enfrentaram problemas ainda

mais seacuterios que os atenienses se pensarmos em termos mais

17 Xen Hel 63 18 John Buckler The Theban Hegemony 371-362 BC Cambridge

MALondon Harvard University Press 1980 P46

Importante lembrar que o uacuteltimo tratamento dado ao periacuteodo antes do

claacutessico escrito por Buckler foi dado por Ernst von Stern em sua

obra Geschichte der spartanischen und thebanishen Hegemonie (Tartu

University of Tartu 1884)

30

relacionados ao que estaacute sendo proposto nesta tese O

melhor exemplo da dificuldade espartana em manter seu poder

foi aleacutem da reduccedilatildeo de sua influecircncia na Jocircnia o fracasso

na tentativa de subjugar Tebas De fato os tebanos estavam

decididos a manter seu domiacutenio na Beoacutecia mesmo que para

isso fosse necessaacuteria a disposiccedilatildeo de seu exeacutercito em campo

de batalha seguindo o tradicional modelo grego do choque

de hoplitas bem como a tentativa de resolver o conflito

num choque decisivo

Para complementar a tensatildeo poliacutetica acima detalhada

Epaminondas dirigiu-se a Agesilau sobre sua delegaccedilatildeo em

termos aacutesperos ao niacutevel de aceitaccedilatildeo espartana

argumentando que Tebas possuiacutea tanto direito de intervenccedilatildeo

na Beoacutecia quanto Esparta na Lacocircnia Tratava-se da

imposiccedilatildeo da Confederaccedilatildeo beoacutecia e de sua caracterizaccedilatildeo

como a uacutenica unidade poliacutetica possiacutevel na regiatildeo

diferentemente da symmachia da Segunda Confederaccedilatildeo

Ateniense O isolamento de Tebas estava entatildeo

anunciado19 de modo que a batalha decisiva tornou-se o

caminho mais provaacutevel para a resoluccedilatildeo do desentendimento

entre as poacuteleis

Quanto agrave documentaccedilatildeo referente agrave batalha existe uma

tendecircncia por parte dos especialistas em recusar (ou ao

menos reduzir a relevacircncia) do relato de Xenofonte20 o

uacutenico contemporacircneo da batalha devido agrave falta de detalhes

e ao seu posicionamento excessivamente proacute-espartano Os

demais relatos embora posteriores fornecem informaccedilotildees

mais detalhadas e estatildeo apoiados noutras evidecircncias

contemporacircneas Como observa Hanson21 apesar das

diferenccedilas em muitos aspectos dos relatos sobre Leuctra

19 Xen Hel 63 Plut Ages 27 284 Diod 1550 20 Xen Hel 64 21 Victor D Hanson ldquoEpameinondas the Battle of Leuktra (371 BC)

and the bdquoRevolution‟ in Greek Battle Tacticsrdquo CA 7 190-207 1988

P191

31

Plutarco22 e Diodoro

23 ldquopartilham dois princiacutepios

fundamentais que permanecem inquestionaacuteveisrdquo Primeiro a

inserccedilatildeo de algo totalmente novo em Leuctra por Epaminondas

e segundo o caraacuteter insatisfatoacuterio do relato de

Xenofonte especificamente em relaccedilatildeo a sua incompletude e

ao silecircncio (provavelmente intencional) no que respeita agraves

manobras tebanas

Uma vez decididos pela guerra Epaminondas eleito

comandante entre os boiotarchoi24 aguardou com seu

exeacutercito em Queroneacuteia onde poderia facilmente bloquear o

avanccedilo de Cleombroto desde Phokis25 Embora os outros

boiotarchoi com exceccedilatildeo de Peloacutepidas que apoiava

Epaminondas desde o iniacutecio de seu plano de batalha

estivessem receosos da decisatildeo em campo aberto optando

pela corrente estrateacutegia tebana (recuar ateacute uma

fortificaccedilatildeo e laacute oferecer resistecircncia) o temor em perder

o apoio das outras cidades beoacutecias os encorajaram a fazer

frente ao exeacutercito de Cleombroto26

Com aproximadamente 10000 soldados de infantaria e

1000 cavaleiros os espartanos dispuseram de acordo com

Xenofonte a cavalaria agrave frente dos hoplitas27 para que a

falange pudesse realizar seus movimentos secretamente fora

do campo de visatildeo do inimigo Cleombroto estava agrave direita

justamente com os demais espartanos sendo que o

contingente aliado a Esparta estava disposto agrave esquerda

Em resposta ao ataque inicial dos espartanos

Epaminondas enviou sua cavalaria provavelmente superior

agravequela do inimigo28 no intuito de fazer frente ao ataque

que abriu a batalha A formaccedilatildeo adotada pelos tebanos

22 Plut Pelop 2023 23 Plut Pelop 1552-56 24 Uma das principais magistraturas da Liga Beoacutecia segundo o LSJ 25 Plut Pelop 1552 26 Xen Hel 64 Diod 1553 Plut Pelop 203 27

Xen Hel 64 [] προετάξαντο μὲν τς ἑαυτν φάλαγγος οἱ Λακεδαιμόνιοι τοὺς ἱππέας [] 28 Xen Hel 64

32

estreita mas profunda era tambeacutem invertida Contrariando o

que comumente executavam os gregos o ataque principal

seria desferido pela ala esquerda liderada pelo ldquobatalhatildeo

sagradordquo operando na ocasiatildeo como unidade individual sob o

comando de Peloacutepidas O restante das tropas estava disposto

na ala direita fazendo frente ao contingente aliado

espartano

De acordo com Plutarco29 Cleombroto se viu forccedilado

quando observou que o ataque principal tebano seria

executado pela ala esquerda e natildeo pela direita a solicitar

que sua linha de frente agrave direita fosse estendida e

abaulada (τὸ δεξιὸν ἀνέπτυσσον καὶ περιγον) jaacute que assim poderia

envolver a coluna alongada dos tebanos e atacar o proacuteprio

Epaminondas O uacutenico problema eacute que existiria aiacute um espaccedilo

agrave esquerda do rei que deveria ser protegido de alguma

maneira provavelmente pela cavalaria Uma vez perdido o

combate pela cavalaria espartana Cleombroto teve que

enfrentar abertamente os tebanos sem chance de completar

sua manobra e ainda com um agravante a cavalaria em fuga

se chocou com a infantaria em avanccedilo causando grande

confusatildeo na formaccedilatildeo espartana30 Naquele momento o

Batalhatildeo Sagrado se destacou das demais unidades e desferiu

o principal ataque eliminando qualquer possibilidade de

reordenamento espartano Encerrada pelo rompimento da

formaccedilatildeo a batalha estava decidida

O episoacutedio de Leuctra assinala portanto para a maior

parte dos historiadores antes de Hanson de Buckler31 a

Ducrey32 ou Tuplin

33 uma revoluccedilatildeo no modo grego de fazer a

guerra34 Natildeo eacute sem razatildeo frente agrave tradiccedilatildeo

29 Plut Pelop 232 30 Xen Hel 6413 Plut Pelop 233 31 Buckler opcit 32 Pierre Ducrey Warfare in Ancient Greece New York Schocken 1985 33 John Tuplin ldquoThe Leuctra Campaign some outstanding problemsrdquo in

Klio 69 72-107 1987 34 Paul Cartledge (Peace of Antalkidas to Battle of Leuktra In _____

Agesilaos and the crisis of Sparta London Duckworth 1987 P380)

33

historiograacutefica que Adcock afirmou em The Greek and

Macedonian Art of War que ldquodevido agraves suas inovaccedilotildees

[Epamonindas] havia vencido sua primeira grande batalha

Leuctra antes da mesma ser iniciadardquo35 Existe no

entanto um posicionamento tradicionalmente contraacuterio agraves

entatildeo chamadas inovaccedilotildees de Epaminondas trata-se da

tradiccedilatildeo historiograacutefica que remonta ao argumento

desenvolvido por Hanson em 1988 em seu provocativo artigo

sobre Epaminondas e a batalha de Leuctra36

Em primeiro lugar Hanson refere-se a uma lista de

casos anteriormente estudados por Pritchett37 nos quais a

coluna alongada havia sido empregada De fato aprofundar a

quantidade de hoplitas numa das alas aumentava a

autoconfianccedila e adicionava poder de choque agrave coluna

hopliacutetica mas reduzia a extensatildeo da linha de frente

expunha o flanco mais facilmente (facilitando o

envolvimento por parte do inimigo) e exigia mais da ala

desfavorecida devido ao deslocamento de homens para a outra

parte da formaccedilatildeo Os tebanos jaacute haviam se utilizado da

coluna alongada com 16 escudos38 (εἰς ἑκκαίδεκα βαθεῖαν)39 mas eacute

vaacutelido lembrar que existe com Epaminondas uma

radicalizaccedilatildeo deste princiacutepio jaacute conhecido pelos gregos

levando ao extremo o nuacutemero de soldados dispostos em

coluna

Em seguida a inversatildeo da coluna alongada da ala

direita para a esquerda40 onde os soldados inimigos natildeo

menciona que as taacuteticas de Epaminondas foram ldquobrilhantemente

inovadorasrdquo 35 Franz Adcock The Greek and Macedonian Art of War Berkeley and Los

Angeles California University Press 1967 P89 36 Hanson opcit 37 William Pritchett Ancient Greek Military Practices (I) Berkeley

Los Angeles London University of California Press 1971 P135 Os

casos satildeo detalhadamente Delion (424 aC Tucid 493) Siracusa

(415 aC Tucid 667) Peiraieus (403 aC Xen Hel 24) Rio

Nemeacuteia (394 aC Xen Hel 42) 38 Xen Hel 42 Plut Pelop 172 39 Xen Hel 42 40 Xen Hel 64 Diod 1555 Plut Pelop 231

34

contavam com a proteccedilatildeo dos escudos41 foi planejada por

Epaminondas com a intenccedilatildeo de destruir a tropa de elite

espartana o mais raacutepido possiacutevel Embora tal praacutetica - a da

inversatildeo da principal tropa de choque da direita para a

esquerda - jaacute fosse conhecida pelos gregos pelo menos desde

as Guerras Meacutedicas como nos lembra Hanson42

especificamente no episoacutedio da batalha contra o persa

Mardocircnio43 natildeo existe meio de saber precisamente porque

Epaminondas adotou tal formaccedilatildeo uma vez que o histoacuterico

desta inversatildeo taacutetica natildeo ilustra mais sucessos do que

fracassos quando aplicada Talvez Epaminondas tenha

ldquomeramente orquestrado uma colisatildeo brutal e decisivardquo44

como outros comandantes gregos jaacute o tinham tentado mas natildeo

haacute como saber quais motivos especiacuteficos o levaram a adotar

tal formaccedilatildeo ao inveacutes daquela tradicional Por fim ainda

com relaccedilatildeo agrave inversatildeo das alas basta dizer que a

eliminaccedilatildeo da hipoacutetese pautada na defesa da ldquogenialidade

taacuteticardquo de Epaminondas nos leva de acordo com o argumento

de Hanson a uma evidente reduccedilatildeo na sua capacidade de accedilatildeo

imediata mas ainda assim sem descartar uma questatildeo

importante a combinaccedilatildeo radical destes dois fatores (a

coluna alongada e invertida) foi indiscutivelmente decisiva

na derrota dos espartanos em Leuctra

Outra questatildeo fundamental diz respeito ao uso integrado

(ou mesmo a ausecircncia) da cavalaria especialmente na ala

direita tebana Apenas Xenofonte45 menciona a existecircncia de

tropas montadas em Leuctra sem fazer referecircncia sequer ao

movimento de flanqueamento por parte da cavalaria de

41 Deve-se lembrar que o hoplita da esquerda era protegido pelo escudo

do soldado agrave sua direita avanccedilando juntos ombro a ombro O soldado

situado agrave extrema direita contava entatildeo apenas com sua lanccedila jaacute que

seu escudo deveria proteger o lado direito do soldado situado agrave sua

proacutepria esquerda 42 Hanson opcit p194 43 Hdt946 44 Hanson opcit p194 45 Hel 64 [] οἱ τν Φωκέων πελτασταὶ καὶ τν ἱππέων Ἡρακλεται []

35

Epaminondas Pelo contraacuterio os espartanos eacute que teriam

iniciado a batalha enviando seus cavaleiros agrave frente dos

hoplitas Entatildeo os tebanos em resposta ao ataque

espartano teriam feito o mesmo Natildeo existe informaccedilatildeo

sobre um possiacutevel retorno agraves posiccedilotildees originais ou mesmo em

direccedilatildeo agraves alas o que poderia sugerir uma lacuna no relato

de Xenofonte no que se refere agraves manobras de cavalaria ao

longo de toda a batalha tanto pelo lado espartano quanto

pelo lado tebano

Buckler e Tuplin46 concordam que as manobras adotadas

por Cleombroto derivaram de uma accedilatildeo inesperada por parte

dos tebanos Ora se de fato os espartanos pretendiam

distrair Epaminondas com um ataque frontal e inicial da

cavalaria enquanto a ala direita comandada pelo proacuteprio

Cleombroto pudesse avanccedilar para aleacutem da ala esquerda

tebana e recobrar a proteccedilatildeo do flanco com o retorno das

tropas montadas que iniciaram a batalha entatildeo Epaminondas

provavelmente sabia o que fora realizado por seus inimigos

na batalha do rio Nemeacuteia47 quando um envolvimento se

tornou possiacutevel exatamente a partir de tais manobras

Poreacutem admitindo-se que Cleombroto iniciou mesmo a batalha

ordenando o avanccedilo da cavalaria estaria correto o relato

de Plutarco (no qual Buckler e Tuplin basearam sua anaacutelise)

com relaccedilatildeo agrave sequumlecircncia das manobras48 Noutras palavras a

uacutenica maneira de afirmar que Cleombroto teria modificado

46 Buckler opcit p64 47 Xen Hel 42 48 O questionamento parte tambeacutem da comparaccedilatildeo entre a reputaccedilatildeo de

Plutarco e Xenofonte O primeiro nunca teve pretensotildees a historiador

embora o relato de Leuctra tenha sido provavelmente baseado nos textos

de Eacuteforo (FGrH 70) enquanto o segundo aleacutem das intenccedilotildees de

prosseguimento da obra de Tuciacutedides tinha declarada experiecircncia

militar O fato de que Xenofonte seria parcial em sua anaacutelise digo

interessado apenas em sustentar que tudo teria dado errado para os

espartanos naquele dia em contraposiccedilatildeo agrave sorte dos tebanos fez com

que a historiografia ateacute o artigo escrito por Hanson sequer

atentasse para uma importante declaraccedilatildeo de Xenofonte (ldquoos espartanos

iniciaram a batalhardquo) o que definitivamente abre o leque de

possibilidades explicativas especialmente para o questionamento do

testemunho de Plutarco

36

sua formaccedilatildeo devido agrave ldquosurpresardquo em relaccedilatildeo agraves manobras de

Epaminondas eacute atraveacutes do relato de Plutarco Entretanto se

admitirmos que a cavalaria espartana (e natildeo a tebana)

iniciou o ataque como sugeriu Xenofonte eacute possiacutevel supor

tambeacutem que Cleombroto contava desde o iniacutecio com o retorno

de sua cavalaria para proteger o flanco aberto durante a

execuccedilatildeo da manobra (planejada antes mesmo de iniciada a

batalha) com a qual pretendia envolver a coluna alongada

dos tebanos Como sua cavalaria natildeo foi capaz de vencer a

tebana o proacuteprio rei teria permanecido agrave mercecirc do choque

comandado por Peloacutepidas consequumlecircncia da falha da cavalaria

espartana e natildeo fruto de um plano preacute-elaborado por

Epaminondas

A criacutetica de Hanson dirigida agraves interpretaccedilotildees da

batalha de Leuctra parece totalmente correta e de fato uma

reavaliaccedilatildeo das chamadas ldquoinovaccedilotildees tebanasrdquo constitui uma

etapa necessaacuteria a este estudo para que se torne evidente

que a inserccedilatildeo da cavalaria tal como empregada no exeacutercito

de Alexandre natildeo estava disponiacutevel na guerra grega antes

de Filipe49 Pelo contraacuterio o uso integrado das diversas

seccedilotildees do exeacutercito configurou em seu estaacutegio avanccedilado uma

contribuiccedilatildeo tipicamente macedocircnica Noutras palavras os

gregos jaacute haviam assimilado algumas taacuteticas cuja execuccedilatildeo

dependia de certo niacutevel de integraccedilatildeo entre as sessotildees do

exeacutercito como possivelmente ocorrera em Leuctra pelo lado

espartano mas o enraizamento do soldado-cidadatildeo como

principal figura dos exeacutercitos gregos dos seacutecsV e parte do

IV aC deixaram a consolidaccedilatildeo desta inovaccedilatildeo para um

reino de fronteira a Macedocircnia cuja aristocracia dava

grande importacircncia ao uso dos cavalos na guerra

49 A reforma do exeacutercito macedocircnico tornou-se um assunto por demais

polecircmico uma vez que as fontes satildeo bastante confusas a esse respeito

No entanto posiciono-me a favor de uma reforma iniciada com Alexandre

II e seguida por Filipe II de acordo com os argumentos que

apresentarei mais abaixo

37

A uacuteltima questatildeo acerca do que Epaminondas realizou em

Leuctra diz respeito ao ataque obliacutequo quando a falange

foi trazida sob formaccedilatildeo em crescente (μηνοειδὲς τὸ σχμα τς

φάλαγγος πεποιηκότες)50 Apoacutes 371 aC esta formaccedilatildeo foi

novamente empregada com grande sucesso em Gaugamela (331

aC) por Alexandre o Grande

Desse modo o argumento de Hanson acerca da suposta

revoluccedilatildeo nas taacuteticas gregas a partir de Epaminondas

precisa ser levado em consideraccedilatildeo na medida em que retira

a proeminecircncia de um uacutenico e genial comandante tebano

salientando a ligaccedilatildeo entre as transformaccedilotildees ocorridas na

guerra grega desde o conflito poliacuteada no Peloponeso e o

exeacutercito reformado de Filipe da Macedocircnia

50 Diod1555

38

2 ldquoNegoacutecios de famiacuteliardquo como Filipe e Alexandre

transformaram a guerra grega

21 A infantaria macedocircnica

Dada a sua posiccedilatildeo de fronteira em relaccedilatildeo ao universo

poliacuteada e em particular apoacutes a esmagadora derrota para os

iliacuterios51 os esforccedilos militares dos reis macedocircnicos

direcionaram-se para a formulaccedilatildeo de uma nova maacutequina de

guerra a saber a combinaccedilatildeo equilibrada entre um tipo de

falange de piqueiros de excelente cavalaria e de um

aparato completo de maacutequinas de cerco a partir do qual

Alexandre obteve os recursos taacuteticos necessaacuterios para a

realizaccedilatildeo de sua campanha na Aacutesia Mas eacute possiacutevel dizer

precisamente em que momento tal reforma teve lugar na

histoacuteria da Macedocircnia antiga

Momigliano52 apoiado num trecho decisivo do fragmento

da Filiacutepica de Anaxiacutemenes de Lampsaco53 afirmou que esta

teria comeccedilado jaacute com Alexandre o Fileleno (498-454 aC)

devido agrave referecircncia a um novo grupo de soldados de

infantaria chamados pezetairoi os quais teriam sido

organizados em companhias (τοὺς πεζοὺς εἰς λόχους) por um certo

Alexandre considerado por Momigliano como sendo o primeiro

rei deste nome de que se tem notiacutecia

A referecircncia feita a Anaxiacutemenes tornou-se decisiva

desde entatildeo mas nesta tese opto pela hipoacutetese de

Bosworth54 que combinando o trecho de Anaxiacutemenes a uma

importante citaccedilatildeo de Tuciacutedides55 sobre a formaccedilatildeo

macedocircnica desloca a reforma do exeacutercito macedocircnico para

Alexandre II (370-368 aC) Ainda que o tempo de reinado

51 Diod 162 52 Arnaldo Momigliano Filippo il Macedone saggio sulla storia greca

Del IV secolo AC Firenze Felice Le Monnier 1934 53 FGrH 72 F4 54 Albert Bosworth ldquoASTHETAIROIrdquo in CQ 23 245-253 1973 P250 55 Tucid 4124 ldquomacedocircnios [] e outra multidatildeo de poderosos

baacuterbarosrdquo (Μακεδόνων []καὶ ἄλλος ὅμιλος τν βαρβάρων πολύς)

39

de Alexandre II tenha sido bastante curto se comparado aos

44 anos de governo do primeiro Alexandre a descriccedilatildeo de

Tuciacutedides deve ser considerada a partir do seguinte

criteacuterio se a formaccedilatildeo macedocircnica da forma como

apresentada pelo historiador ateniense foi fidedignamente

narrada cerca de trinta anos apoacutes Alexandre o Fileleno a

atribuiccedilatildeo da reforma como sendo uma accedilatildeo de seu governo eacute

incorreta Se de fato a reforma fora realizada por um

Alexandre este soacute pode ser por exclusatildeo o seguinte

Alexandre (II)

A reconstruccedilatildeo das origens do exeacutercito macedocircnico

reformado eacute entatildeo bastante polecircmica ainda que a

tendecircncia seja localizar o seu iniacutecio cerca de dez anos

antes do reinado de Filipe II Aleacutem disso a histoacuteria de

sua organizaccedilatildeo e accedilatildeo em campo de batalha nos eacute acessiacutevel

somente a partir da campanha de Alexandre quando o uso de

Arriano e de alguns fragmentos o mapeamento filoloacutegico de

termos condizentes agrave infantaria e o estudo das unidades

taacuteticas conhecidas (e de suas subdivisotildees) auxiliam na

tarefa de estabelecer as diretrizes para o entendimento de

parte do exeacutercito macedocircnico56

56 Breves reconstruccedilotildees como a elaborada por Billows (Kings and

Colonists Aspects of Macedonian Imperialism LeidenNew YorkKoumlln

Brill 1995 Pp11-20) natildeo satildeo satisfatoacuterias pois ignoram diversos

aspectos da reforma como por exemplo os problemas advindos do uso

de Diodoro para o estabelecimento do nuacutemero aproximado das tropas A

melhor introduccedilatildeo para o assunto eacute ainda Robert Milns AALG

40

211 Hipaspistai pezetairoi e asthetairoi

Segundo Tarn57 e Milns

58 somente atraveacutes do relato de

Arriano podemos elaborar uma reconstruccedilatildeo segura da

terminologia e do desenvolvimento de parte das tropas

macedocircnicas Isso se deve ao fato de que por um lado

tanto Diodoro quanto Cuacutercio empregaram fontes apenas

indiretamente preocupadas com o exeacutercito macedocircnico Por

outro lado Ptolomeu a principal fonte de Arriano era

assim como seu leitor entendido nos assuntos militares e

conhecedor de sua terminologia Ainda que 500 anos

separassem os dois o relato de Arriano tornou-se o mais

apropriado para a anaacutelise das tropas macedocircnicas e de sua

aplicaccedilatildeo taacutetica em campo de batalha

Analisemos entatildeo os principais termos referentes agrave

organizaccedilatildeo do exeacutercito Pezetairoi que agrave primeira vista

indica a infantaria macedocircnica em sentido mais amplo em

Arriano ora faz referecircncia a toda a falange ora apenas a

parte dela59 Certamente trata-se de um termo anterior a

Filipe se aceitarmos as informaccedilotildees sobre os pezetairoi de

Alexandre II contidas no relato de Anaxiacutemenes de

Lampsaco60 podendo tambeacutem de acordo com Teopompo de

Quios61 fazer referecircncia unicamente agrave ldquoGuarda Realrdquo

(ἐδορυφόρουν τὸν βασιλέα) Apesar dessas divergecircncias uma

coisa permanece inquestionaacutevel o termo pezetairoi no tempo

de Alexandre referia-se essencialmente a toda a falange de

piqueiros

Existem aleacutem disso duas variaccedilotildees que devem ser

observadas pezoi por vezes indicando a falange62 ou mesmo

toda a infantaria e φάλαγξ que pode significar a falange

57 ALG2 P135 58 Robert D Milns ldquoThe hypaspists of Alexander some problemsrdquo in

Historia 20 186-195 1971 P88 59 Arr Anab 1283 2232 4231 5226 661 6213 7113 60 FGrH 72 61 FGrH 115 F348 62 A falange indica o conjunto de todos os batalhotildees ou brigadas dos

πεζέταιροι

41

propriamente dita ou apenas um uacutenico batalhatildeo da falange

bem como os hipaspistai e a formaccedilatildeo em linha de batalha

quando usado para fazer referecircncia a outras tropas (ἐπὶ

φάλαγγος em oposiccedilatildeo a κατὰ κέρας por exemplo)63

Com a ampliaccedilatildeo do termo para a definiccedilatildeo de toda a

falange (ou de sua parte em destaque) abre-se tambeacutem uma

nova questatildeo introduzida por Bosworth64 a partir de uma

releitura de Arriano qual seria a vinculaccedilatildeo dos

pezetairoi com os hipaspistai e os asthetairoi65

Em primeiro lugar o que jaacute se discute desde Tarn66

Muitas informaccedilotildees vitais acerca dos hipaspistai satildeo

impossiacuteveis de se obter basicamente por duas razotildees ambas

derivadas de problemas advindos das proacuteprias fontes Em

primeiro lugar os historiadores gregos natildeo estariam

interessados em ldquodetalhes militares teacutecnicosrdquo de uma tropa

macedocircnica mesmo quando esta desempenhava funccedilatildeo

importante na campanha Em seguida Ptolomeu provavelmente

por estar familiarizado com todos esses detalhes teacutecnicos

em seu dia-a-dia simplesmente natildeo desenvolveu nada a

respeito da disposiccedilatildeo e equipamentos desta tropa67

Sabemos que os hipaspistai foram uma forccedila criada a

partir de uma seleccedilatildeo dos pezetairoi sendo provavelmente a

primeira na histoacuteria da Macedocircnia de caraacuteter profissional

cujo serviccedilo era ininterrupto e cuja lealdade estava ligada

particularmente agrave figura do rei O termo aparece apenas em

Arriano tendo designaccedilatildeo equivalente em Diodoro

(δορυφόροις)68 o que sugere ter sido hipaspistai o termo

63 Esta discussatildeo encontra-se em detalhes em ALG2 p135-142 64 Bosworth opcit p245 65 Segundo Bosworth (opcit p246) existem ainda traduccedilotildees que

simplesmente substituem o termo asthetairoi por pezetairoi 66 ALG2 67 Milns opcit p186 68 Diod 1777 [] ἔπειτα τοὺς ἐπιφανεστάτους τν Ἀσιανν ἀνδρν δορυφορεῖν ἔταξεν []

42

empregado por Ptolomeu e por deduccedilatildeo pelos proacuteprios

macedocircnios69

Basicamente formavam um contingente de 3000 homens e

encontravam-se divididos em trecircs quiliarquias de

aproximadamente 1000 homens cada70 Diferentemente do

restante da falange os hipaspistai eram selecionados pelo

proacuteprio rei e integravam sua guarda pessoal

Qual seria por uacuteltimo o equipamento militar do

hipaspistes Existe uma tendecircncia geral em definir seu

equipamento como sendo mais leve que aquele dos demais

falangistas ou algo situado entre o equipamento do

falangista e do peltasta No que diz respeito a essas

suposiccedilotildees Tarn71 eacute incisivo

Em relaccedilatildeo ao armamento eles eram infantaria pesada

tatildeo pesadamente armada quanto a falange a diferenccedila

entre os dois corpos residia em sua histoacuteria

recrutamento e manutenccedilatildeo natildeo no armamento A crenccedila

de que eles eram armados como peltastas ou que seu

armamento era algo intermediaacuterio entre aquele do

falangista e do peltasta natildeo encontra evidecircncia para

lhes dar suporte e natildeo precisa ser informado

Haacute por outro lado suposiccedilotildees com relaccedilatildeo ao

equipamento do hipaspistes que podem sugerir uma

proximidade com o peltasta A melhor delas insinua-se a

partir de uma marcha forccedilada do exeacutercito macedocircnico na

qual Alexandre teria utilizado os hipaspistai juntamente

com a infantaria levemente armada dos agrianos Nesta

ocasiatildeo os demais soldados da falange teriam sido deixados

para traacutes72 o que poderia declarar uma diferenccedila entre o

equipamento dos hipaspistai e dos falangistas em geral

69 Embora Arriano empregue o mesmo termo que Plutarco algumas vezes

como em 317 ldquoατὸς δὲ ἀνα λαβὼν τοὺς σωματοφύλακας τοὺς βασιλικοὺς []rdquo 70 Arr Anab 430 71 ALG2 P153 72 Arr Anab 43 321 323 citado por Badian durante o debate da

conferecircncia de AALG p 134

43

Nesta ocasiatildeo de acordo com Badian73 quando podemos

observar soldados levemente armados (hipaspistai e agrianos)

em contraste com aqueles que os seguiram ἐν τάξει a deduccedilatildeo

mais correta eacute a de que se desfizeram dos armamentos para a

perseguiccedilatildeo e natildeo eram como comumente afirmado

regularmente armados como infantaria ligeira Poreacutem o que

temos de mais concreto parece ser mesmo uma semelhanccedila nos

armamentos dos hipaspistai e dos demais falangistas dado

que durante toda a campanha ambos partilharam as mesmas

funccedilotildees taacuteticas

Ainda no esforccedilo de distinguir os termos cruciais para

o entendimento da falange macedocircnica gostaria de encerrar

este toacutepico com uma breve anaacutelise dos asthetairoi cuja

apariccedilatildeo na historiografia se deu a partir da milimeacutetrica

observaccedilatildeo de Bosworth Como dito anteriormente o termo

asthetairoi foi por vezes substituiacutedo por pezetairoi nas

traduccedilotildees ou ediccedilotildees modernas da Anaacutebasis de Arriano74 Da

mesma forma que hipaspistes satildeo termos distintos e

provavelmente natildeo foram usados com o mesmo propoacutesito

Bosworth75 entende que se tratava de um termo teacutecnico

usado para definir o contingente que ldquochegou

posteriormenterdquo isto eacute fruto das campanhas na Alta

Macedocircnia Assimilados posteriormente agrave formaccedilatildeo da falange

macedocircnica propriamente dita tais soldados precisavam de

um novo termo que os diferenciasse dos demais e o seu

desenvolvimento desde a palavra original manteve o

significado de ldquoproacuteximos aos Companheirosrdquo o que

concentrou tanto a condiccedilatildeo atual de macedocircnios quanto sua

independecircncia anterior agrave assimilaccedilatildeo pela monarquia76

73 AALG P134 74 As passagens satildeo Arr Anab 223 423 522 66 621 72 75 Opcit p247 76 Bosworth opcit p251

44

212 Taxis syntagma lochos e uso da sarissa

Sabemos que com Alexandre na Aacutesia a infantaria

macedocircnica era formada por ateacute seis batalhotildees (taxeis)

cada um deles compondo uma unidade taacutetica autocircnoma (que

poderia ser empregada em conjunto obviamente) Tal ponto

de partida permite que o foco do estudo sejam as

subdivisotildees dos batalhotildees as quais assegurariam maiores

niacuteveis de flexibilidade nas manobras A unidade baacutesica de

infantaria na falange era a syntagma formada por 16 lochoi

de 16 homens77 Sob o comando do syntagmatarches o batalhatildeo

era capaz de executar manobras que exigiam intensivo

treinamento militar a exemplo da formaccedilatildeo em linha reta

obliacutequa ou crescente em seta ou em quadrado Aleacutem disso eacute

ainda provaacutevel que o lochos seja uma criaccedilatildeo de Filipe jaacute

que suas primeiras apariccedilotildees ocorrem na fase inicial da

carreira de Alexandre78

Diante da organizaccedilatildeo militar da falange a sarissa

(com aproximados 5 metros) representou a inovaccedilatildeo material

macedocircnica mais importante a qual fez da falange uma forccedila

frontalmente imbatiacutevel ateacute o surgimento da legiatildeo romana

Para explicar o efeito que uma tropa armada com a sarissa

provocaria no inimigo Griffith79 utilizou o seguinte

exemplo ldquonuma escala mais proacutexima era como a embarcaccedilatildeo

que atacava um oponente forccedilando-o a correr grandes riscos

antes de conseguir se aproximar e revidarrdquo

Em companhia agrave poderosa sarissa o falangista contava

com a pelte suspensa ateacute o pescoccedilo contrastando a pesada

aspis do hoplita poliacuteada A eficiecircncia do equipamento do

falangista residia na vantagem do primeiro choque dada

pelo uso da sarissa Embora natildeo fosse um soldado

77 O syntagma era uma unidade autocircnoma fixa em oposiccedilatildeo agraves eventuais

apariccedilotildees na histoacuteria poliacuteada 78 Arr Anab 210 [] ldquoἀλλὰ καὶ ἰλάρχας καὶ λοχαγοὺς ὀνομαστὶ καὶ τν ξένων τν μισθοφόρων []rdquo 79 Nicholas Hammond e Guy Griffith A History of Macedonia 550-336

(V2) Oxford Oxford University Press 1979 P421

45

pesadamente armado tal vantagem concedia aos macedocircnios

certa superioridade taacutetica frente aos demais exeacutercitos

gregos Como consequumlecircncia do aumento no tamanho da lanccedila o

elmo macedocircnico tornou-se bastante diverso daquele usado

pelo hoplita conhecido como ldquocoriacutentiordquo Ao contraacuterio do

hopliacutetico o elmo do falangista era menos caro de fabricar

e aberto na face Por fim quanto agraves grevas estas eram

usadas apenas nas primeiras fileiras

Existe uma questatildeo delicada em relaccedilatildeo ao falangista

que natildeo pode ser ignorada aqui embora jaacute seja consenso

entre os historiadores Transformando numa interrogaccedilatildeo

seria o falangista macedocircnico uma derivaccedilatildeo simples e

direta do peltasta traacutecio De fato Best80 em 1969

afirmou que ldquoseu equipamento [o do peltasta] eacute

caracterizado pela longa lanccedila (sarissa) e a pelterdquo

sugerindo abertamente que natildeo havia diferenccedila alguma no

equipamento do peltasta e do falangista Entretanto

gostaria de apresentar duas observaccedilotildees sobre tal hipoacutetese

A primeira delas segue o que foi proposto por Lendon81

De modo geral a partir do seacutecIV aC o termo peltasta

passou a indicar a infantaria levemente armada (sem a

pesada aspis) tendendo a uma generalizaccedilatildeo mais do que

propriamente agrave definiccedilatildeo exclusiva do soldado que portava a

pelte Natildeo seriam portanto ldquopeltastas macedocircniosrdquo mas

algo proacuteximo de ldquosemi-hoplitasrdquo82

A segunda estaacute de acordo com uma diferenccedila apresentada

por Hammond83 em relaccedilatildeo agrave lanccedila do peltasta traacutecio e a

sarissa a uacuteltima natildeo era definitivamente empregada

apenas com uma das matildeos assim como natildeo era usada para

80 Jan Best Thracian Peltasts and their influence on Greek Warfare

Groningen Wolters-Noordhoff 1969 81 Jon Lendon Soldiers and Ghosts A History of Battle in Classical

Antiquity New HavenLondon Yale University Press 2005 pp412-413 82 Embora algumas vezes Arriano se refira a eles como hoplitas a

exemplo de 11 83 Nicholas Hammond ldquoWhat may Philip have learnt as a hostage in

Thebesrdquo in GRBS 38 355-372 1997

46

arremesso diferenciando-se totalmente portanto da lanccedila

do peltasta Similares aos peltastas quanto ao peso de seu

equipamento os falangistas macedocircnios atuavam em campo de

batalha como hoplitas

Outra questatildeo relevante quanto ao equipamento do

falangista macedocircnio eacute a ausecircncia do peitoral Tal questatildeo

reflete no entanto mais os aspectos sociais e econocircmicos

de sua condiccedilatildeo do que propriamente uma caracteriacutestica

taacutetica De fato a Macedocircnia parece ter se organizado em

torno do ethos e natildeo da poacutelis o que impossibilitou o

surgimento do ldquoideal militar hopliacuteticordquo Com Filipe ou

talvez um pouco antes observamos a intervenccedilatildeo monaacuterquica

na concessatildeo do armamento e sendo a Macedocircnia ainda um

pequeno reino - portanto sem grandes recursos para a

guerra - eacute plausiacutevel que a sarissa arma que compensava a

ausecircncia do peitoral e da aspis tenha sido produto deste

contexto Qualquer tentativa de hierarquizaccedilatildeo ou

atribuiccedilatildeo de uma causa uacutenica para a explicaccedilatildeo do por que

a sarissa foi introduzida entre os macedocircnios seria um

equiacutevoco Sabemos que natildeo se trata unicamente do produto de

uma concepccedilatildeo taacutetica assim como natildeo podemos reduzir esta

inovaccedilatildeo agrave deficiecircncia econocircmica do reino A criaccedilatildeo de um

exeacutercito nacional por Filipe no entanto conferiu uma

unidade agraves regiotildees de fronteira forccedilando os dinastas

independentes a se unirem aos macedocircnios servindo como

aliados e tendo seus filhos muitas vezes como a proacutexima

geraccedilatildeo de comandantes em treinamento84

Por uacuteltimo aleacutem dos macedocircnios propriamente ditos

temos outras etnias compondo a infantaria de Filipe e

Alexandre ora como aliados ora como mercenaacuterios Embora

existam ainda distinccedilotildees claras entre ambas as condiccedilotildees

estas tenderatildeo a desaparecer na guerra heleniacutestica

84 Duncan Head Armies of the Macedonian and Punic Wars 359 BC to 146

BC organization tactics dress and weapons Sussex Wargames

research group 1982 P11

47

conforme mostrarei no capiacutetulo seguinte Infelizmente as

informaccedilotildees que nos chegaram sobre as tropas auxiliares do

exeacutercito macedocircnico natildeo explicam praticamente nada sobre

sua atuaccedilatildeo na guerra ou mesmo acerca de sua disposiccedilatildeo

geral exceto por algumas menccedilotildees na Anaacutebasis de Alexandre

O maior nuacutemero de informaccedilotildees sobre o exeacutercito macedocircnico

incide sem duacutevida sobre seus dois alicerces taacuteticos a

falange da qual apresentei uma breve anaacutelise e a

ldquoCavalaria dos Companheirosrdquo acerca da qual me ocuparei

mais agrave frente argumentando sobre a transformaccedilatildeo do papel

da cavalaria nas batalhas e de sua persistecircncia durante a

Guerra dos Diaacutedocos

48

22 A ldquoCavalaria dos Companheirosrdquo

Gostaria de iniciar este item com uma pequena mas

fundamental observaccedilatildeo sobre o ldquoEsquadratildeo Real dos

Companheirosrdquo (ἴλῃ βασιλικῆ ou algumas vezes ἄγημα85) Eacute

notaacutevel o acreacutescimo τν ἑταίρων a esta unidade de elite de

modo que a ldquoGuarda de Alexandrerdquo com exceccedilatildeo dos

hipaspistai passou a ser sinocircnimo de sua cavalaria

macedocircnica mesmo quando referida somente como ἄγημα mas

por que a condiccedilatildeo de cavaleiros lhes foi conferida

A resposta mais provaacutevel parece ser porque os reis

macedocircnios (e especialmente Alexandre) quase sempre

combatiam a cavalo como revela a insistecircncia de alguns

autores antigos em tentar posicionar Alexandre no comando

de sua cavalaria na batalha de Isso A ldquoGuarda Pessoalrdquo do

rei se tornou historicamente sinocircnimo de uma cavalaria de

elite a ldquoCavalaria dos Companheirosrdquo Esta forccedila de elite

cresceu bastante apoacutes Alexandre cruzar o Helesponto quando

7 esquadrotildees (ἰλας) foram acrescentados ao primeiro

original distinto dos demais apenas por sua procedecircncia (o

esquadratildeo real par excellence)86 Sabemos que formavam oito

esquadrotildees na batalha de Gaugamela 87 sendo que o

esquadratildeo real estava sob comando de Cleito o Negro e os

demais sob o comando de Filotas filho de Parmecircniordquo88

85 Arr Anab 25 31 38 86 ALG2 p154 87 Arr Anab 311-12 88 Aleacutem dos Companheiros temos outros 4 esquadrotildees de cavalaria

ligeira os ldquoscoutsrdquo (πρόδομοι) ou lanceiros (σαρισοφόροι) Brunt

(ldquoAlexander‟s Macedonian cavalryrdquo JHS 83 27-46 1963 Pp27-8)

recorda o debate entre Berve e Tarn acerca da procedecircncia eacutetnica

(macedocircnia para o primeiro e traacutecia para o segundo) desses quatro

esquadrotildees de lanceiros Brunt parece estar correto ao escolher a

versatildeo de Berve uma vez que no relato de Arriano (Anab 112 141 e

146 29 312 182 201 212) apenas os hipaspistai e os

regimentos de falange natildeo satildeo descritos como ldquomacedocircniosrdquo em oposiccedilatildeo

aos demais ldquocuidadosamente classificados como peocircnios mercenaacuterios ou

agrianos no mesmo contextordquo Entretanto natildeo penso que seja possiacutevel

dizer se apoacutes 329 aC quando os lanceiros desaparecem dos relatos

foram enviados de volta para casa ou incorporados aos Companheiros

49

Sendo a elite da cavalaria macedocircnica a qual era

empregada em pontos decisivos das taacuteticas executadas em

campo de batalha natildeo poderia existir em grande nuacutemero mas

seu papel em contrapartida natildeo deveria ser de

coadjuvantes quando entrassem em accedilatildeo Assim qual era o

nuacutemero dos cavaleiros que integravam os Companheiros de

Alexandre

Uma vez mais Tarn89 recorda que a discussatildeo em torno

do nuacutemero de cavaleiros que Alexandre tomou quando de sua

partida para a Aacutesia foi travada pela historiografia a

partir dos dados obtidos no relato de Diodoro90 e que

algumas das fontes utilizadas pelo historiador siciliano

natildeo permitiram a precisatildeo desejada com relaccedilatildeo agraves tropas

macedocircnicas A equivalecircncia do contingente disponiacutevel a

Alexandre e a Antiacutepatro (que o rei havia deixado como

representante na Europa) ambos com 12000 soldados de

infantaria (3000 hipaspistai e 9000 falangistas) eacute

incorreta senatildeo absurda91 A contagem das tropas montadas

a partir de Arriano se faz portanto necessaacuteria

Outro questionamento importante diz respeito agrave

organizaccedilatildeo da Cavalaria dos Companheiros Originalmente

recorda Brunt92 os Companheiros estavam divididos em ilas

mas a partir de 331 aC em Susa Alexandre formou dois

lochoi com cada ile que consequumlentemente passou a ser

comandada por lochagoi Esta alteraccedilatildeo era ineacutedita

conforme nos relata Arriano93 e representou o inchaccedilo no

nuacutemero dos Companheiros jaacute que as ilas natildeo mais

satisfaziam como divisatildeo das unidades Em contrapartida

apoacutes a execuccedilatildeo de Cleito o Negro (330 aC) surgiram as

89 ALG2 p 153 90 Diod 1717 91 Especialmente devido agrave duplicaccedilatildeo do nuacutemero de hipaspistai 92 Brunt opcit p28 93 Arr Anab 316

50

ipparchias94 e segundo Tarn

95 o proacuteprio Alexandre teria

assumido aquela pertencente a Cleito somando 4 esquadrotildees

sob seu comando e outros 4 sob Hefesto No entanto Tarn

pode ter se equivocado com o fato de que Alexandre teria

assumido o comando de uma ipparchia96

De acordo com Tarn o termo foi empregado apenas a

partir de 326 aC no Indo quando novos contingentes ndash

orientais - passaram a compor o exeacutercito de Alexandre As

menccedilotildees anteriores de Arriano agraves ipparchias seriam entatildeo

confusotildees e anacronismos de seu proacuteprio tempo Brunt por

outro lado chama a atenccedilatildeo para a coincidecircncia de dois

fatores os quais permitiriam uma compreensatildeo modificada

das ipparchias a desconfianccedila de Alexandre com relaccedilatildeo aos

seus principais oficiais e a divisatildeo da ldquoCavalaria dos

Companheirosrdquo nas novas unidades o que amenizaria a

possibilidade de motins (jaacute que estavam divididos e com

poderes reduzidos) concedendo-lhes em contrapartida um

tiacutetulo de bastante prestiacutegio antes pertencente apenas a um

ou dois oficiais Se Brunt97 estiver correto o surgimento

das ipparchias foi possivelmente anterior ao que Tarn

propocircs (de 326 aC para 328 aC) e a inserccedilatildeo de

orientais na Cavalaria dos Companheiros um fator

independente para a organizaccedilatildeo das novas unidades98

Por uacuteltimo cabe indagar sobre a relevacircncia desta

preocupaccedilatildeo com o crescimento do contingente dos

Companheiros (de um esquadratildeo para oito ao cruzar o

Helesponto em nuacutemero de 2000 em Gaugamela e divididos em

94 As ipparchias podem ter sido um novo nome para as ilai modificadas

pelo contexto explicado a seguir ou algo totalmente novo uma vez que

o termo substituiu outro plenamente consolidado na praacutetica militar

grega 95 ALG2 p 164 96 Brunt opcit p29-30 97 Brunt opcit p45 98 Sua inserccedilatildeo na Cavalaria dos Companheiros (provavelmente em 324)

certamente posterior a criaccedilatildeo das ipparchias tem muito a dizer

tambeacutem sobre a poliacutetica que Alexandre adotou com relaccedilatildeo aos assuntos

orientais

51

ipparchias quando da campanha na Iacutendia)99 O que exatamente

pode significar esta ampliaccedilatildeo e quais seus desdobramentos

no mundo heleniacutestico

A resposta reside na transformaccedilatildeo das funccedilotildees da

cavalaria em campo de batalha isto eacute a partir de

Alexandre o Grande (e de seu exeacutercito reformado) as tropas

montadas passaram definitivamente a desferir o ataque

principal legando aos falangistas o papel de forccedila de

apoio necessaacuteria mas sem caraacuteter decisivo ou por

princiacutepio ofensivo Tal caracteriacutestica da cavalaria

macedocircnica pode ser observada por exemplo na batalha de

Gaugamela quando o nuacutemero dos Companheiros foi elevado ao

maacuteximo e a taacutetica remodelada a partir da tradiccedilatildeo grega

ilustra a relevacircncia da decisatildeo pelas manobras das tropas

montadas

A modificaccedilatildeo de sua funccedilatildeo taacutetica veio acompanhada de

duas grandes inovaccedilotildees A primeira delas eacute a ldquoformaccedilatildeo em

setardquo que facilitava o rompimento da formaccedilatildeo inimiga pela

ampliaccedilatildeo da carga desferida se comparada agravequela executada

pela ldquoformaccedilatildeo em quadradordquo Basicamente ao manter os

olhos fixos no liacuteder posicionado agrave frente da formaccedilatildeo

cavaleiros organizados em seta eram capazes de romper com

uma formaccedilatildeo defensiva desferindo assim o golpe

principal100

A segunda delas diz respeito agrave exploraccedilatildeo dos espaccedilos

entre os batalhotildees de falangistas Como salientou Tarn101

apresentar ao inimigo um bloco coeso com diversas pontas de

lanccedila e manter esta formaccedilatildeo sem espaccedilos entre os batalhotildees

eram coisas completamente distintas A partir do momento em

que a cavalaria passou a desferir o golpe principal a

questatildeo dos espaccedilos se tornou de maacutexima importacircncia como

99 Algo em torno de 200 homens 100 Griffith opcit p414 101 William W Tarn Hellenistic Military and Naval Developments

Cambridge Cambridge University Press 1930 P13

52

pode ser visto em Gaugamela e no periacuteodo heleniacutestico em

Paraitakene (Eumenes versus Antiacutegono) Por uacuteltimo ainda

que natildeo seja cotada como uma inovaccedilatildeo das taacuteticas de

cavalaria o envolvimento pelo uso de tropas montadas se

tornou praacutetica comum entre os macedocircnios Numa batalha em

que ambos os comandantes tivessem disposto a cavalaria nas

alas a vitoacuteria dependeria abertamente da capacidade do

exeacutercito em manter seus flancos protegidos do envolvimento

inimigo Ainda que esta fosse uma praacutetica comum entre os

persas foi com os macedocircnios que ocorreu a combinaccedilatildeo do

ataque montado com o avanccedilo da falange frontalmente

impenetraacutevel exceto pelos espaccedilos abertos durante o avanccedilo

ou o ataque

53

CAPIacuteTULO 2 ndash OS DESENVOLVIMENTOS DA GUERRA

HELENIacuteSTICA NO TEMPO DOS DIAacuteDOCOS

1 Guerra como ofiacutecio as condiccedilotildees de serviccedilo e

os tipos de mercenaacuterio

11 Mercenariato profissionalizaccedilatildeo e crise econocircmica

Em 334 aC onze anos antes da morte de Alexandre

havia cerca de 20000 mercenaacuterios a serviccedilo do Grande Rei

Em 329 aC cinco anos mais tarde podemos contar

praticamente 50000 somente no lado macedocircnico102

O periacuteodo

heleniacutestico assistiu na sequumlecircncia ao aumento ligeiro do

nuacutemero de mercenaacuterios recrutados acompanhando os

requisitos das guerras constantes e cada vez menos

decisivas

De acordo com Parke103 autoridades contemporacircneas

(primeira metade do seacutecXX) concluiacuteram que as pressotildees

econocircmicas levaram a tal situaccedilatildeo o colapso da concepccedilatildeo

de dever militar ciacutevico e a emergecircncia do grande nuacutemero de

mercenaacuterios disponiacuteveis teriam sido ambos provocados pela

pobreza iminente das poacuteleis fruto do desastre da guerra

entre gregos no seacutecV aC O argumento do desgaste

econocircmico no mundo grego toma como principal fonte

Isoacutecrates notadamente a partir do momento em que a sua

preocupaccedilatildeo com as razotildees poliacuteticas do mercenariato104 (o

grande nuacutemero de cidadatildeos em exiacutelio essa ldquomassa de

fugitivos e exilados que estavam mais do que dispostos a

oferecer seus serviccedilos como mercenaacuteriosrdquo105

) cede lugar ao

relato dos problemas econocircmicos gregos106

102 Parke p198 103 Parke p228 104 Isoc Pan 64 e 168 105 Chaniotis WHW p80 106 Isoc 24 e 44

54

Entretanto ainda que os conflitos poliacuteticos e a

pressatildeo econocircmica possam ter estimulado grande nuacutemero de

cidadatildeos sem perspectiva a oferecer seus serviccedilos

militares as guerras constantes produziram um dos

principais fatores para o outro lado da moeda isto eacute o

recrutamento de mercenaacuterios a equivalecircncia entre oferta e

procura por soldados temporariamente pagos e que estivessem

dispostos a combater durante todo o tempo que o confronto

levasse natildeo importando as razotildees ciacutevicas (quando existiam)

pelas quais o sangue havia sido derramado

Haacute que se considerar ainda as diversas realidades de

recrutamento das tropas que compuseram os exeacutercitos dos

Diaacutedocos nem sempre vinculadas diretamente ao cenaacuterio de

crise das poacuteleis Este eacute o caso basicamente do

recrutamento das tropas provinciais muito mais conectadas

aos direitos do governante local em formar um exeacutercito a

partir das possibilidades oferecidas por sua satrapia do

que propriamente agrave pobreza ou exiacutelio de cidadatildeos gregos

Por isso a crise econocircmica grega natildeo pode ser vista

como instrumento de anaacutelise universal na explicaccedilatildeo do

mercenariato heleniacutestico uma vez que exclui as

particularidades das condiccedilotildees de recrutamento

especialmente no que respeita agrave tradiccedilatildeo asiaacutetica e

oferece respostas somente em relaccedilatildeo ao aumento da oferta

do serviccedilo mercenaacuterio grego A guerra contudo foi uma

constante no periacuteodo natildeo importando a regiatildeo e consolidou

de modo irreversiacutevel apesar das especificidades do

mercenarismo a relaccedilatildeo oferta-procura107

De fato o mundo

heleniacutestico foi marcado por certa ldquoonipresenccedila da guerrardquo

do modo como chamou Chaniotis considerando-se que tanto a

sua gecircnese (323 aC) quanto o seu fim (31 aC) foram o

resultado de conflitos armados do mesmo modo que

dificilmente se encontra alguma aacuterea que natildeo estivesse

107 Chaniotis WHW p80

55

direta ou indiretamente como em tantos outros momentos na

Antiguidade afetada pela guerra

O cenaacuterio de crise explica ao lado das condiccedilotildees

especiacuteficas de recrutamento e da ampliaccedilatildeo do quadro geral

das guerras o porquecirc da relaccedilatildeo oferta-procura ter se

fixado como sendo de grande relevacircncia no estudo da

misthotikeacute heleniacutestica mas natildeo basta todavia para

explicar o estreitamento dos laccedilos entre o cenaacuterio de

profissionalizaccedilatildeo crescente da guerra e o uso de tropas

mercenaacuterias

Noutras palavras a progressiva profissionalizaccedilatildeo no

interior dos exeacutercitos ciacutevicos gregos deve tambeacutem ser um

fator considerado particularmente ateacute o momento em que a

combinaccedilatildeo da guerra como ofiacutecio a ser aprendido e o

mercenarismo como condiccedilatildeo geral dos exeacutercitos heleniacutesticos

minimizou o impacto do sentimento ciacutevico em grande parte

dos soldados

Tal mapeamento explicaria numa perspectiva histoacuterica

natildeo soacute a funccedilatildeo dos ieroi lochoi e hipaspistai na

profissionalizaccedilatildeo da arte da guerra grega e em seus

desdobramentos heleniacutesticos como tambeacutem forneceria as

razotildees pelas quais os mercenaacuterios tecircm que ser tipificados

na medida do possiacutevel de acordo com o trabalho executado

Basicamente havia aqueles que se colocavam sob o comando

de um monarca tirano general ou cidade num espaccedilo curto

de tempo (durante uma campanha por exemplo) e aqueles que

serviam nos grandes exeacutercitos reais muitas das vezes de

modo permanente108

O primeiro tipo de mercenaacuterio era formado por soldados

que serviram por exemplo na campanha de Eumenes contra

108 Chaniotis WHW p79 Note que segundo Parke (p209) e Griffith

(p42) a divisatildeo das tropas nos exeacutercitos dos Diaacutedocos eacute feita a

partir de trecircs tipos os quais seratildeo analisados detalhadamente em

seguida os macedocircnios os mercenaacuterios (xenoi e misthophoroi) e as

tropas recrutadas nas satrapias (por vezes sintetizadas como

pantodapoi)

56

Antiacutegono De acordo com Diodoro apoacutes ter sido expulso da

Capadoacutecia

Eumenes selecionou os mais capazes [τοὺς εθετωτάτους] entre os seus amigos e dando-lhes grandes recursos os

incumbiu de contratar mercenaacuterios estabelecendo uma

margem alta de pagamento Alguns deles dirigiram-se

para a Pisiacutedia Liacutecia e regiotildees adjacentes []

Outros viajaram atraveacutes da Ciliacutecia Siacuteria e Feniacutecia

aleacutem de cidades em Chipre Uma vez que a notiacutecia do

recrutamento havia se espalhado rapidamente e que o

pagamento oferecido era digno de consideraccedilatildeo muitos

se apresentaram voluntariamente inclusive vindos da

Greacutecia e juntaram-se agrave campanha109

Neste caso ocorrido em 318 aC Eumenes incumbiu

xenologoi classificados por Diodoro como os mais capazes

entre os seus amigos de recrutar mercenaacuterios para apenas

uma campanha aquela a ser realizada contra Antiacutegono Em

pouco tempo levando-se em consideraccedilatildeo somente os

mercenaacuterios Eumenes contava com cerca de 10000 soldados

de infantaria e 2000 cavaleiros sem mencionar os receacutem-

chegados arguraspides sob o comando de Eumenes por ordem

dos reis110

Outro caso interessante de mercenaacuterios recrutados de

diversas regiotildees por um periacuteodo relativamente curto de

tempo teve lugar na campanha africana de Agaacutetocles quando

aproximadamente 3000 samnitas etruscos e celtas

apresentaram-se ao lado dos 3000 mercenaacuterios gregos sob a

lideranccedila de Agaacutetocles111 Diodoro

112 relata a existecircncia de

motins entre os homens por falta do pagamento que lhes era

devido (ἀπῄτουν δὲ καὶ τοὺς μισθοὺς τοὺς ὀφειλομένους) assim como

109 Diod 1861 ldquoπροχειρισάμενος δὲ τν φίλων τοὺς εθετωτάτους καὶ δοὺς χρήματα δαψιλ πρὸς τὴν ξενολογίαν ἐξέπεμψεν ὁρίσας ἀξιολόγους μισθούς εθὺς δ οἱ μὲν εἰς τὴν Πισιδικὴν καὶ Λυκίαν καὶ τὴν πλησιόχωρον παρελθόντες ἐξενολόγουν ἐπιμελς οἱ δὲ τὴν Κιλικίαν ἐπεπορεύοντο ἄλλοι δὲ τὴν Κοίλην Συρίαν καὶ Φοινίκην τινὲς δὲ τὰς ἐν τῆ Κύπρῳ πόλεις διαβοηθείσης δὲ τς ξενολογίας καὶ τς μισθοφορᾶς ἀξιολόγου προκειμένης πολλοὶ καὶ ἐκ τν τς λλάδος πόλεων ἐθελοντὶ κατήντων καὶ πρὸς τὴν στρατείαν ἀπεγράφοντοrdquo 110 Diod 1859 111 Diod 2011 Ver Capiacutetulo 3 112 Diod 2034

57

possiacuteveis deserccedilotildees para o lado dos cartagineses o que

ilustra a dificuldade em manter coeso um grupo mercenaacuterio

em situaccedilatildeo de escassez ou mesmo irregularidade no

pagamento Em se tratando de tropas com as quais natildeo era

partilhado tempo consideraacutevel de vida militar as revoltas

deveriam ser ainda mais frequumlentes como ilustrado no

exemplo africano

O segundo tipo de mercenaacuterio era aquele desdobrado dos

grupos profissionais de elite surgidos no interior dos

exeacutercitos ciacutevicos gregos Antes da explosatildeo do serviccedilo

mercenaacuterio no fim da campanha de Alexandre o primeiro

passo quanto agrave profissionalizaccedilatildeo dos exeacutercitos gregos foi

dado com os espartanos ainda no periacuteodo claacutessico De fato

os hoplitas de Esparta formavam o uacutenico corpo ciacutevico

profissional de todo o mundo poliacuteada Seguindo o modelo

hopliacutetico profissional diversas outras cidades formaram

unidades profissionais de elite os ieroi lochoi que por

vezes desempenhavam funccedilatildeo taacutetica proeminente Um dos

melhores exemplos eacute o corpo de infantaria de elite tebano

cuja importacircncia na vitoacuteria sobre os espartanos em Leuctra

pode ser observada em mais detalhes no primeiro capiacutetulo

O exeacutercito reformado macedocircnico teve seu equivalente

com os hipaspistai tipo de versatildeo macedocircnica dos

ldquobatalhotildees sagradosrdquo poliacuteadas Nos primeiros anos do

periacuteodo heleniacutestico sob o nome de arguraspides estes

veteranos de Alexandre permaneceram vinculados agrave casa real

apesar de receberem propostas por parte de Ptolomeu e

depois Antiacutegono113 Tal recusa os levou ao campo de batalha

contra o general mais poderoso daquele tempo sob o comando

de Eumenes de Caacuterdia strategos pelo qual tinham pouco

apreccedilo talvez devido a sua origem eacutetnica114 Em seguida agrave

derrota de Eumenes Antiacutegono trucidou todos aqueles que

113 Diod 1862 114 Eumenes era o uacutenico general traacutecio do exeacutercito de Alexandre

58

haviam sido hostis a ele queimando vivo Antiacutegenes o

comandante dos arguraspides apoacutes tecirc-lo arremessado numa

fossa115

Apesar da histoacuteria de lealdade dos arguraspides agrave casa

real os mercenaacuterios ligados diretamente a certa dinastia

de modo mais ou menos permanente natildeo eram necessariamente

mais leais que os outros Esta natildeo deve ser sequer a

questatildeo central no estudo da misthotikeacute heleniacutestica Antes

de desdobrar este argumento note-se por exemplo o caso

dos egiacutepcios de Ptolomeu

Com sua primeira apariccedilatildeo no exeacutercito ptolomaico em 312

aC ao menos em expediccedilatildeo fora dos limites territoriais

do Egito os nativos africanos apresentaram-se armados e

aptos para a batalha (τὸ δὲ καθωπλισμένον καὶ πρὸς μάχην χρήσιμον)116

ainda que no primeiro momento natildeo estivessem trajados como

macedocircnios117

Representavam claramente outro tipo de

mercenaacuterio diferente daquele recrutado temporariamente e

sem viacutenculos com o governante da regiatildeo de onde provinham

Estavam ligados ao seu contratante como no caso dos

arguraspides por um viacutenculo mais ou menos permanente e em

breve dinaacutestico Contudo obrigaccedilotildees de ofiacutecio e lealdade

incondicional eram coisas bem distintas apoacutes a vitoacuteria de

Demeacutetrio sobre Ptolomeu em Chipre em 307 aC

praticamente todo o exeacutercito de mercenaacuterios egiacutepcios (cerca

de 16000 soldados de infantaria e 600 cavaleiros) foi

incorporado agraves forccedilas antigocircnidas118 o que vincula os

mercenaacuterios deste tipo assim como os do primeiro tipo

mais agrave consolidaccedilatildeo da concepccedilatildeo de guerra como ofiacutecio a

115 Diod 1944 116 Diod 1980 117 O argumento encontra suporte no fato de que o termo ldquomacedocircniordquo

conforme seraacute explicado no item 31 passou a significar qualquer tipo

de infantaria armada com equipamento macedocircnico aleacutem do fato da

existecircncia do termo οἱ Μακεδόνες na mesma sentenccedila em que figura Αἰγυπτίων δὲ πλθος sugerir outro tipo de armamento e formaccedilatildeo para estes

ldquoegiacutepcios em grande nuacutemerordquo 118 Diod 2053

59

ser aprendido do que propriamente agrave lealdade devida a algum

general rei ou dinastia embora tropas com vida militar

partilhada tendam a incorporar valores como a obediecircncia

acentuada a certa lideranccedila (como no caso dos

arguraspides)

60

12 Mercenariato basileia e doriktetos chora

Conforme mencionado antes o poder monaacuterquico

heleniacutestico desempenhou papel central na promoccedilatildeo desta

nova concepccedilatildeo de guerra levada adiante pelo impulso

imperialista tiacutepico dos reis cujo poder natildeo era herdado

esquematicamente a basileia era algo a ser conquistado

Gruen119

e Chaniotis120 notaram o que podemos chamar de

inversatildeo da loacutegica hereditaacuteria na disposiccedilatildeo da monarquia

heleniacutestica se Alexandre Magno reivindicou seu direito ao

trono como direito de sangue seus generais de Antiacutegono a

Cassandro121

adotaram o tiacutetulo de rei baseados unicamente

em suas conquistas militares isto eacute fundamentados pelo

princiacutepio da doriktetos chora

Haacute dois documentos importantes que tratam deste

fundamento do poder real heleniacutestico O primeiro deles

pertence agrave compilaccedilatildeo bizantina Suda particularmente a

definiccedilatildeo de monarquia Seguindo a traduccedilatildeo feita por

Austin

Ascendecircncia (natureza) e legitimidade (justiccedila) natildeo datildeo

reinos aos homens mas sim a habilidade em comandar um

exeacutercito e em lidar com os problemas de modo

competente Este era o caso de Filipe e dos Sucessores

de Alexandre O filho bioloacutegico de Alexandre natildeo foi de

modo algum ajudado pela consanguumlinidade devido a sua

fraqueza de espiacuterito enquanto aqueles que natildeo tinham

ligaccedilatildeo alguma com Alexandre tornaram-se reis de quase

todo o mundo conhecido122

Do mesmo modo em resposta agrave proclamaccedilatildeo de Demeacutetrio

como basileu por seu pai123

previamente feito rei por seus

amigos (Ἀντίγονον μὲν οὖν εθὺς ἀνέδησαν οἱ φίλοι) os seguidores de

Ptolomeu I o igualaram aos dois primeiros em tiacutetulo na

119 Gruen op cit pp253-271 120 Chaniotis WHW p57 121 Nomeadamente Antiacutegono Demeacutetrio Ptolomeu Seleuco Lisiacutemaco e

Cassadro 122

Austin n 45 123 Plut Dem 18

61

tentativa de dispersar a impressatildeo de que sua derrota havia

abalado tambeacutem o seu poder Plutarco124 acrescenta ainda

que tal praacutetica natildeo significava meramente a mudanccedila de nome

(ὀνόματος) e aparecircncia (σχήματος) mas removia o espiacuterito dos

homens (τὰ φρονήματα τν ἀνδρν ἐκίνησε) e ampliava suas ambiccedilotildees

(τὰς γνώμας ἐπρε)125 cabe acrescentar ambiccedilotildees militares

Tanto a coroaccedilatildeo de Antiacutegono quanto a resposta de Ptolomeu

agrave extensatildeo do poder monaacuterquico a Demeacutetrio foram claramente

baseadas em conquistas militares Assim o convite agrave

conquista militar em maior ou menor escala era um dos

traccedilos da basileia de tipo heleniacutestico assim como a base a

partir da qual toda a sua estrutura fora erigida

Diferentemente da Macedocircnia de Filipe e Alexandre o

exeacutercito natildeo era mais a uacutenica fonte de confirmaccedilatildeo do poder

real do mesmo modo que a monarquia havia atingido

proporccedilotildees diferentes daquelas do tempo da batalha de

Queroneacuteia126

Contudo o exeacutercito continuou a ser o

instrumento pelo qual os monarcas construiacuteam o direito ao

uso do diadema estando as funccedilotildees de comando cada vez mais

ligadas agrave lideranccedila de hordas inteiras de mercenaacuterios

recrutados das mais variadas regiotildees do mundo e

didaticamente enquadrados nos dois tipos apresentados neste

capiacutetulo

O abandono de valores considerados inatos para os

gregos no periacuteodo claacutessico a exemplo da coragem (ἀνδρία) e

da excelecircncia (ἀρετή) ao lado da crescente significaccedilatildeo da

guerra como ofiacutecio (τέχνη) foi inicialmente proposto por

Lendon127 como explicaccedilatildeo para a existecircncia do grande nuacutemero

124 Plut Dem 18 125 Literalmente ldquoaumentava seus pensamentosrdquo 126 Ainda Austin n44 ldquo[] aqueles que natildeo tinham qualquer conexatildeo

com Alexandre se tornaram reis de quase todo o mundo habitadordquo 127 Jon Lendon ldquoWar and societyrdquo In Philip Sabin Hans Wees Michael

Whitby The Cambridge History of Greek and Roman Warfare Cambridge

Cambridge University Press 2007 Pp498-516

62

de mercenaacuterios que serviram nos exeacutercitos dos reis

heleniacutesticos

No periacuteodo claacutessico a condiccedilatildeo poliacutetica do soldado-

cidadatildeo assegurar-lhe-ia de acordo com o pensamento grego

certa superioridade em combate Como observado por

Sidebottom128

o contraste presente em Os Persas de

Eacutesquilo ilustra tal postura a partir da negaccedilatildeo dos

baacuterbaros como soldados que combatiam por sua liberdade

Note-se por exemplo o conhecido diaacutelogo entre a Rainha

Matildee Persa e o Coro de homens velhos

Rainha Eles tecircm um rico suprimento de homens

combativos

Coro Eles tecircm soldados que uma vez golpearam os

exeacutercitos persas com um terriacutevel ataque

Rainha Satildeo eles habilidosos em arqueria

Coro Natildeo de forma alguma eles carregam escudos

corpulentos e lutam ombro a ombro com lanccedilas

Rainha E quem os lidera A qual mestre suas fileiras

obedecem

Coro Mestre Eles natildeo satildeo conhecidos como servos

Rainha E eles podem sem mestre resistir agrave invasatildeo

Coro Sim O vasto e nobre exeacutercito de Dario foi por

eles destruiacutedo129

No periacuteodo heleniacutestico entretanto a exaltaccedilatildeo de

valores inatos ao hoplita poliacuteada masterless e capaz de

vencer os persas por duas vezes consecutivas (apesar da

inabilidade em arqueria) cedeu lugar agraves vantagens

oferecidas pelo treinamento militar profissional mesmo que

as tropas treinadas fossem formadas por homicidas

(ἀνδροφόνοι) mutiladores (παρασχίσται) ladrotildees (λωποδύται) e

arrombadores de casas (τοιχωρύχοι)130 Os exeacutercitos poliacuteadas

natildeo eram capazes de fornecer recursos humanos ilimitados

aleacutem disso a tiacutepica batalha decisiva do periacuteodo claacutessico

cedeu lugar aos conflitos constantes e de larga escala

128 Harry Sidebottom Ancient warfare a very short introduction

Oxford Oxford University Press 2004 P6 129 Traduccedilatildeo tomada de Sidebottom opcit Pp6-7 130 Poliacutebio 136 ldquoοὗτοι δ ἦσαν ἀνδροφόνοι καὶ παρασχίσται λωποδύται τοιχωρύχοιrdquo

63

travados ao longo da disputa pela partilha do impeacuterio A

passagem em Diodoro sobre as vantagens no uso dos

mercenaacuterios ilustra claramente esta mudanccedila principalmente

quando o historiador siciliano se refere ao fato de que ldquoos

empregadores trazem consigo sem grandes custos homens

para lutar em seu nomerdquo e que no caso dos mercenaacuterios

ldquoainda que sejam por muitas vezes derrotados os

empregadores manteacutem suas forccedilas intactas durante o tempo

que durar o dinheirordquo131

Levados adiante pelo impulso imperialista das

monarquias heleniacutesticas assim como pela elevaccedilatildeo da

techneacute os mercenaacuterios preencheram os exeacutercitos dos

Diaacutedocos de uma forma jamais vista dando suporte agrave

ideologia dos generais que passaram a usar o diadema como

um dos siacutembolos de sua realeza militar

131 Diod 296

64

2 Os exeacutercitos dos Diaacutedocos

Como observou Parke132

a permanecircncia dos mercenaacuterios

nos exeacutercitos heleniacutesticos dificultou sua identificaccedilatildeo

pelos historiadores uma vez que a reduccedilatildeo das tropas ao

tipo profissional fez com que os autores antigos

frequumlentemente deixassem de lado a distinccedilatildeo entre

mercenaacuterios e soldados recrutados por direito do

governante Pode-se dizer que as tropas advindas das

satrapias eram de outro tipo se comparadas agravequelas

recrutadas mediante pagamento mas esta suposiccedilatildeo estaacute

baseada apenas na praacutetica dos saacutetrapas persas durante o

periacuteodo claacutessico De fato as condiccedilotildees de oferta e procura

no mundo asiaacutetico natildeo eram nada parecidas com as do mundo

grego propriamente dito dadas as diferenccedilas das tradiccedilotildees

poliacuteticas mas a assimilaccedilatildeo de exeacutercitos inimigos inteiros

por parte de comandantes vitoriosos indica quanto ao

serviccedilo prestado uma distinccedilatildeo apenas no recrutamento

inicial133

Outra inovaccedilatildeo importante ocorrida no periacuteodo

heleniacutestico eacute a utilizaccedilatildeo dos elefantes de combate haacute

muito conhecidos pelos asiaacuteticos e introduzidos na arte da

guerra grega somente apoacutes a morte de Alexandre Apesar de

seu emprego tardio os paquidermes mostraram-se definitivos

ou ao menos desejaacuteveis nos exeacutercitos heleniacutesticos ateacute a

ascensatildeo da legiatildeo romana quando suas implicaccedilotildees

logiacutesticas fizeram-se mais presentes134 Se os generais

heleniacutesticos consideravam os elefantes decisivos num

confronto aberto eles o fizeram por um motivo razoaacutevel de

132 Parke p208 133 Por exemplo a ξενολογία (recrutamento de tropas mercenaacuterias)

executada por Eumenes tal qual relatada em Diod 1861 134 Por exemplo a dificuldade no emprego de elefantes na Siciacutelia

durante a campanha piacuterrica

65

modo que o seu emprego transformou significativamente a

arte da guerra heleniacutestica

66

21 Macedocircnios xenoi misthophoroi e pantodapoi

Durante as Guerras dos Diaacutedocos ao lado dos mercenaacuterios

conhecidos desde a campanha de Alexandre (agrianos

traacutecios tessaacutelios cretenses entre outros) os macedocircnios

desempenharam uma funccedilatildeo de grande importacircncia na

composiccedilatildeo dos exeacutercitos heleniacutesticos A falange

representava a forccedila de apoio tornando-se responsaacutevel em

boa medida pela manutenccedilatildeo do centro da formaccedilatildeo ao passo

que a cavalaria e os elefantes de combate (quando

disponiacuteveis) realizavam a ofensiva nas alas e procuravam

decidir a peleja

Conforme veremos adiante apoacutes desferir um ataque

inesperado ao espaccedilo aberto pela marcha irregular da

infantaria de Eumenes Antiacutegono conseguiu na batalha de

Paraitacene (317 aC) alinhar novamente a sua falange ao

peacute do monte para onde os soldados haviam se retirado

reestruturando boa parte da linha defensiva de seu

exeacutercito Neste caso a reorganizaccedilatildeo da infantaria

macedocircnica em campo de batalha teria assegurado por um

lado a vitoacuteria do comandante aparentemente derrotado e

por outro devido agrave irregularidade da marcha dos infantes

inimigos a derrota daquele que pensava ter vencido o

confronto135

Sendo os macedocircnios de reconhecida importacircncia nos

primeiros 20 anos subsequentes agrave morte de Alexandre o

questionamento sobre a multiplicaccedilatildeo de suas apariccedilotildees no

relato de Diodoro se faz necessaacuterio Por que razatildeo as

referecircncias a eles aumentaram no periacuteodo de divisatildeo das

chamadas ldquotropas nacionaisrdquo entre os generais de Alexandre

o que forccedilosamente teria reduzido o seu nuacutemero em cada um

dos exeacutercitos que lutavam entre si pela supremacia militar

135 Diod 1930

67

Griffith136 e Launey

137 apresentam explicaccedilotildees idecircnticas

para tal evento Em primeiro lugar dada a impossibilidade

dos nuacutemeros apresentados por Diodoro138

para as tropas

macedocircnicas o ponto de partida se torna a valoraccedilatildeo

teacutecnica adquirida por makedon no seacutecIII aC

especialmente no Egito ou seja o termo deixou de ser ldquouma

garantia de proveniecircncia geograacuteficardquo139 e passou a designar

unicamente um ldquocavaleiro ou soldado de infantaria

pesadamente armados segundo as tradiccedilotildees macedocircnicasrdquo140

Notamos entatildeo a fusatildeo da referecircncia eacutetnica com a

valoraccedilatildeo teacutecnica do termo makedon o que por vezes torna

impossiacutevel a delimitaccedilatildeo dos batalhotildees formados unicamente

por veteranos de Alexandre ou novos macedocircnios exceto

quando os primeiros satildeo mencionados como arguraspides em

contraposiccedilatildeo agravequeles provenientes das satrapias e armados

com equipamento macedocircnico

Outras referecircncias relevantes nos exeacutercitos

heleniacutesticos satildeo os mercenaacuterios gregos propriamente ditos

conhecidos como xenoi os misthophoroi e as tropas

asiaacuteticas ou pantodapoi recrutadas nas proviacutencias e

listadas entre os demais soldados servindo ora como

cavaleiros e arqueiros ora como infantaria de pouca

utilidade se comparada agravequela dos mercenaacuterios gregos

Deve-se observar ainda que estas natildeo satildeo categorias

necessariamente excludentes uma vez que encontramos por

exemplo em Diodoro141

ldquopantodapoi armados com equipamento

macedocircnicordquo o que sugere uma possibilidade dupla de

tratamento Apenas os xenoi se diferenciam claramente dos

misthophoroi ambos podem ser traduzidos como mercenaacuterios

136 Griffith p41 137 Marcel Launey Recherches sur les armeacutees helleacutenistiques Paris

Boccard 1949 2 vols Vol1 Pp290-93 138 Diod 1830 139 Launey opcit p290 140 Launey opcit p293 141 Diod 1914 ldquo[hellip] τοὺς δὲ εἰς τὴν Μακεδονικὴν τάξιν καθωπλισμένους παντοδαποὺς []rdquo

68

mas os primeiros satildeo quase sempre dispostos como infantaria

pesada (na linha de frente) enquanto os uacuteltimos fazem

referecircncia agraves tropas levemente armadas e constituiacutedas por

pantodapoi ou tropas asiaacuteticas com origem eacutetnica bem

definida

Vejamos a organizaccedilatildeo do exeacutercito de Antiacutegono em 317

aC de acordo com Diodoro142 num trecho esclarecedor

quanto agrave temaacutetica em questatildeo

Quanto agrave infantaria mais de nove mil mercenaacuterios [οἱ ξένοι] foram dispostos agrave frente proacuteximo a eles [foram dispostos] trecircs mil liacutecios e panfiacutelios e em seguida

mais de oito mil tropas mistas armadas com equipamento

macedocircnico [παντοδαποὶ δ εἰς τὰ Μακεδονικὰ καθωπλισμένοι] [] Agrave frente dos cavaleiros na ala direita adjacente agrave

falange eram 500 mercenaacuterios de origem mista [μισθοφόροι παντοδαποὶ] []

Haacute dois tipos de mercenaacuterios na passagem acima Os

primeiros em nuacutemero de 9000 eram claramente soldados de

infantaria pesadamente armados hoplitas mercenaacuterios Os

uacuteltimos dispostos como cavaleiros eram tambeacutem tropas

mercenaacuterias mas de uma categoria diferente natildeo soacute por

combaterem a cavalo mas por serem asiaacuteticos Noutras

palavras mercenaacuterios asiaacuteticos satildeo tatildeo mercenaacuterios quanto

os que advecircm da Greacutecia poreacutem a distinccedilatildeo estabelecida pelo

uso dos dois termos deve ser notada ainda que natildeo possamos

mensurar qualquer diferenccedila no tratamento dado a ambos por

parte do empregador

Os pantodapoi satildeo comumente citados por Diodoro como

exposto e em diversos momentos analisados ao longo do

capiacutetulo mas a sua participaccedilatildeo em batalha natildeo tem

destaque na narrativa do historiador siciliano da mesma

142 Diod 1929 ldquoτν δὲ πεζν πρτοι μὲν ἐτάχθησαν οἱ ξένοι πλείους ὄντες τν ἐννακισχιλίων μετὰ δὲ τούτους Λύκιοι καὶ Παμφύλιοι τρισχίλιοι παντοδαποὶ δ εἰς τὰ Μακεδονικὰ καθωπλισμένοι πλείους τν ὀκτακισχιλίων ἐπὶ πᾶσι δὲ Μακεδόνες ο πολὺ ἐλάττους τν ὀκτακισχιλίων []τν δ ἱππέων πρτοι μὲν ἦσαν ἐπὶ τοῦ δεξιοῦ κέρατος συνάπτοντες τῆ φάλαγγι μισθοφόροι παντοδαποὶ πεντακόσιοι []rdquo

69

forma que os mercenaacuterios no relato de Arriano sobre a

campanha de Alexandre As tropas de origem eacutetnica exata

por sua vez natildeo constituiacuteram uma exceccedilatildeo a essa regra a

natildeo ser por apariccedilotildees raacutepidas e escassas mas por vezes

determinantes como no caso dos capadoacutecios143

143 Notadamente no embate entre Eumenes e Craacutetero

70

22 Os elefantes de combate

Tomarei como ponto de partida para a investigaccedilatildeo

detalhada acerca dos elefantes de combate e de seu papel na

arte da guerra heleniacutestica o primeiro embate seacuterio entre os

paquidermes e a infantaria macedocircnica ainda que tal

encontro tenha ocorrido momentos antes do iniacutecio oficial da

eacutepoca heleniacutestica em 323 aC

Na batalha do Hidaspes (326 aC)144 Poro dispocircs seus

elefantes (cerca de 200) agrave frente da infantaria na

primeira linha de combate segundo Arriano145 com

intervalos de aproximados 30 metros (διέχοντα ἐλέφαντα ἐλέφαντος ο

μεῖον πλέθρου) impedindo que a cavalaria de Alexandre

aterrorizada pudesse se aproximar146 A infantaria indiana

(30000) seguia para as alas com tropas montadas

encerrando a formaccedilatildeo (2000) em ambos os flancos Por

uacuteltimo carros de guerra (300) estavam posicionados agrave

frente da cavalaria sendo esta a organizaccedilatildeo geral das

tropas de Poro para a batalha Em contrapartida Alexandre

concentrou a cavalaria (5500) na ala direita onde

normalmente os Companheiros combatiam com a intenccedilatildeo de

forccedilar uma alteraccedilatildeo na formaccedilatildeo da cavalaria indiana

assim como atacaacute-la por completo em sua ala esquerda As

duas iparquias sob o comando de Coeno foram enviadas sobre

a direita inimiga no momento em que esta realizou a

inversatildeo pela qual Alexandre esperava147 Aos soldados da

144 Os elefantes jaacute haviam sido utilizados pelos persas em Gaugamela

(Arr Anab 311 ldquoοἱ δὲ ἐλέφαντες ἔστησαν κατὰ τὴν Δαρείου ἴλην τὴν βασιλικὴν []rdquo mas natildeo despenharam papel relevante na batalha 145 Arr Anab 515 146 Arr Anab 515 ldquoὡς πρὸ πάσης τε τς φάλαγγος τν πεζν παραταθναι ατῶ τοὺς ἐλέφαντας ἐπὶ μετώπου καὶ φόβον πάντῃ παρέχειν τοῖς ἀμφ Ἀλέξανδρον ἱππεῦσινrdquo 147 Arr 516 ldquoΚοῖνον δὲ πέμπει ὡς ἐπὶ τὸ δεξιόν []rdquo Afinal ldquopara a direita de Alexandre ou contra a direita inimigardquo A questatildeo colocada por

Brunt tradutor de Arriano na ediccedilatildeo Loeb destaca uma grande confusatildeo

na interpretaccedilatildeo acerca do posicionamento das tropas em Hidaspes As

palavras iniciais (Κοῖνον δὲ πέμπει ὡς ἐπὶ τὸ δεξιόν) tecircm sido interpretadas na melhor discussatildeo sobre o assunto um artigo de Hamilton de trecircs

formas distintas (1) para a direita de Alexandre (2) em direccedilatildeo agrave

direita indiana como uma ldquofintardquo (3) contra a direita indiana em

forma de ataque Aqui adotei a segunda interpretaccedilatildeo devido agrave maneira

71

infantaria (15000)148

Alexandre ordenou que avanccedilassem

somente quando os cavaleiros indianos fossem postos em

confusatildeo contra seu proacuteprio exeacutercito149 Quanto aos

cavaleiros arqueiros estes foram uacuteteis para o ataque de

longa distacircncia causando baixas na ala esquerda inimiga

um pouco mais ao centro do local que Alexandre pretendia

atacar

Assim que a cavalaria indiana investiu contra os

Companheiros e o regimento de Dahae (recrutado na Aacutesia e

utilizado pela primeira vez no exeacutercito de Alexandre)

Coeno realizou o que lhe fora ordenado e atacou as tropas

montadas de Poro pelo flanco destruindo sua formaccedilatildeo numa

manobra compressora150 provavelmente apoacutes ter acompanhado a

inversatildeo das tropas de Poro Parte dos cavaleiros indianos

entatildeo partiu desordenada em direccedilatildeo aos elefantes

exatamente no momento em que a infantaria macedocircnica

iniciou o seu avanccedilo Segundo Arriano ldquoa proacutepria falange

macedocircnicardquo (ἡ φάλαγξ ατὴ τν Μακεδόνων) arremessou diversos

dardos contra os condutores dos elefantes e ldquoformando um

anel em torno dos animais descarregou dardos por todos os

ladosrdquo151

A partir deste ponto os paquidermes avanccedilaram em

direccedilatildeo agrave infantaria e comeccedilaram a devastar (ἐκεράϊζε) toda a

como a batalha se desenrolou isto eacute o caminho mais provaacutevel para uma

compressatildeo da cavalaria indiana por Alexandre e Coeno era a

perseguiccedilatildeo das tropas indianas durante uma inversatildeo da ala direita

para a esquerda Para uma discussatildeo completa a respeito da formaccedilatildeo

indiana consultar J R Hamilton ldquoThe Cavalry Battle at the

Hydaspesrdquo in JHS 76 27-28 1956 148 Richard D Milns Alexander the Great London Robert Hale 1968

P211 149 Arr Anab 516 150 Arr Anab 517 151 Arr Anab 517 ldquoἔς τε τοὺς ἐπιβάτας ατν ἀκοντίζοντες καὶ ατὰ τὰ θηρία περισταδὸν πάντοθεν βάλλοντεςrdquo Ora a falange natildeo possuiacutea mobilidade

suficiente para executar tal ldquoanelrdquo muito menos os falangistas

carregavam dardos Trata-se evidentemente de um equiacutevoco de Arriano

Cuacutercio (1424) refere-se aos agrianos e traacutecios o que soa mais

provaacutevel ainda que a reconstruccedilatildeo da formaccedilatildeo macedocircnica a partir

desta informaccedilatildeo natildeo seja possiacutevel a menos que se admita apenas que

ambas as tropas levemente armadas estavam dispostas desde o iniacutecio do

embate agrave frente da falange

72

falange Os cavaleiros macedocircnios enquanto isso ocorria

formaram um soacute esquadratildeo e empurraram de volta o restante

da cavalaria indiana contra os elefantes o que ocasionou

uma verdadeira carnificina seja pela morte dos condutores

ou pela simples confusatildeo da situaccedilatildeo Boa parte dos

indianos recuou por entre os elefantes enquanto recebiam

os duros golpes de sua proacutepria maacutequina de guerra152

Alexandre entatildeo ordenou o avanccedilo da falange a qual

deveria adotar a formaccedilatildeo mais compacta possiacutevel Os

indianos jaacute natildeo contavam com sua cavalaria e a infantaria

era incapaz de deter o ataque das tropas montadas de

Alexandre que os cercaram por todos os lados

Como observou Milns a vitoacuteria sobre os indianos no

Hidaspes ldquofoi a uacuteltima grande batalha que Alexandre travou

e diriam alguns historiadores a sua melhorrdquo153 De fato

Alexandre reverteu o impacto ndash ou parte dele ndash causado pela

melhor arma do exeacutercito indiano o elefante Contudo

existe outra questatildeo que natildeo tem relaccedilatildeo direta com o

gecircnio militar do rei macedocircnio mas sim com a emergecircncia

desta nova ldquomaacutequina de guerrardquo como integrante (e por vezes

siacutembolo) dos exeacutercitos heleniacutesticos

De um lado a batalha do Hidaspes ilustra como o

ineditismo no combate aos elefantes (por parte dos

ocidentais) provocou um terriacutevel efeito psicoloacutegico nos

macedocircnios especialmente nos anos que se seguiram agrave

batalha De outro mostra que a emergecircncia do elefante na

guerra heleniacutestica foi acompanhada de um paradoxo advindo

do uso de uma arma poderosa mas incapaz de distinguir

aliados de inimigos aleacutem de ser bastante complicada do

ponto de vista logiacutestico

Noutras palavras considerar os fracassos e sucessos

dos elefantes em campos de batalha heleniacutesticos deve partir

152 Arr Anab 517 153 Milns opcit p215

73

de uma premissa baacutesica bem ou mal-sucedidos nos

confrontos os paquidermes constituiacuteram um ldquopesadelo

administrativordquo o que coloca as condiccedilotildees necessaacuterias ao

seu uso de um lado da balanccedila e os resultados obtidos caso

tais condiccedilotildees pudessem ser alcanccediladas do outro

Problemas relativos ao atraso da marcha do exeacutercito devido

agrave lentidatildeo dos elefantes devem ter sido uma constante no

rol dos inconvenientes quanto ao abastecimento das tropas

antigas Diodoro nos fornece um importante relato sobre

essa questatildeo quando menciona o afastamento dos paquidermes

em relaccedilatildeo aos demais homens de Eumenes o que resultou na

sua vulnerabilidade154 e consequumlente enfraquecimento parcial

do exeacutercito Fica evidente que natildeo fosse a manobra

executada pelo comandante dos elefantes que liderou os

paquidermes ldquoem quadradordquo (οἱ τν ἐλεφάντων ἡγεμόνες τάξαντες εἰς

πλινθίον τὰ θηρία προγον) dispondo o suprimento no centro da

formaccedilatildeo e o pequeno nuacutemero de cavaleiros que os

acompanhava na retaguarda155

os retardataacuterios teriam sido

todos facilmente aniquilados pela investida de Antiacutegono

Por uacuteltimo haacute ainda que se destacar as diferenccedilas

entre os elefantes africanos e indianos quanto aos seus

usos militares Durante bastante tempo acreditou-se que os

elefantes africanos eram inferiores aos indianos afirmaccedilatildeo

originada no relato de Cteacutesias em sua obra sobre uma Iacutendia

exoacutetica e de fartura156 O criteacuterio adotado por ele (e

reproduzido por diversos autores antigos) foi unicamente a

produccedilatildeo de alimentos o que insatisfatoriamente resume o

problema a uma uacutenica sentenccedila os africanos eram menores

porque viviam numa regiatildeo onde a comida era escassa isto

eacute o deserto Tal comparaccedilatildeo encontra eco em Poliacutebio157

154 Diod 1939 [] ldquoτοὺς δ ἐλέφαντας μέλλειν ἀναζευγνύειν ἐκ τς χειμασίας καὶ πλησίον εἶναι μεμονωμένους πάσης βοηθείας []rdquo 155 Diod 1939 156 FrGH 688 F9 157 Polib 584 ldquoτὰ δὲ πλεῖστα τν τοῦ Πτολεμαίου θηρίων ἀπεδειλία τὴν μάχην ὅπερ ἔθος ἐστὶ ποιεῖν τοῖς Λιβυκοῖς ἐλέφασι τὴν γὰρ ὀσμὴν καὶ φωνὴν ο μένουσιν ἀλλὰ καὶ

74

[] a maior parte dos elefantes de Ptolomeu evitou o

combate como normalmente ocorre com os elefantes

africanos pois sendo incapazes de suportar o odor e o

grito dos elefantes indianos e aterrorizados penso

eu com a estatura e a forccedila [τὸ μέγεθος καὶ τὴν δύναμιν] dos mesmos eles voltam-lhes as costas imediatamente e

potildeem-se em fuga antes de sua aproximaccedilatildeo

Em 1926 Tarn apresentou uma questatildeo fundamental com

relaccedilatildeo agraves diferenccedilas entre os elefantes africanos e

indianos o que dificultou a repeticcedilatildeo do argumento pouco

fundamentado de Cteacutesias Filologicamente bem amparado Tarn

sustentou que tais autores nada sabiam sobre os elefantes

mas o seu heroacutei Alexandre havia empregado o elefante

indiano158 Natildeo existe nada definitivamente aleacutem da

tradiccedilatildeo literaacuteria originada da observaccedilatildeo pouco criteriosa

de Cteacutesias que possa sustentar a superioridade dos

elefantes indianos diante dos africanos em campo de

batalha

Vindos da Iacutendia ou recrutados na Aacutefrica os elefantes

mostraram-se decisivos nos campos de batalha heleniacutesticos

como veremos no item 33 e no capiacutetulo 4 Encontrados

terreno plano condiccedilotildees excelentes de abastecimento e

clima e um inimigo cuja forccedila primaacuteria fosse composta por

infantaria pesada disposta em formaccedilatildeo cerrada os

elefantes constituiacuteam uma das mais eficientes ndash senatildeo a

mais eficiente ndash arma empregada pelos comandantes

heleniacutesticos notadamente nas raras batalhas decisivas do

periacuteodo

καταπεπληγμένοι τὸ μέγεθος καὶ τὴν δύναμιν ὥς γ ἐμοὶ δοκεῖ φεύγουσιν εθέως ἐξ ἀποστήματος τοὺς Ἰνδικοὺς ἐλέφανταςrdquo Cf Diod 216 e 235 158 William W Tarn ldquoPolybius and a literary commonplacerdquo in CQ 20

98-100 1926 P100

75

3 As Guerras dos Diaacutedocos

31 Eumenes versus Craacutetero

No ano de 321 aC durante a realizaccedilatildeo da campanha de

Perdicas no Egito Eumenes fora enviado ao Helesponto por

Perdicas para evitar o avanccedilo de Craacutetero e Antiacutepatro159 Uma

das primeiras medidas do comandante grego foi o

recrutamento de um grande corpo de tropas montadas de sua

proacutepria satrapia isto eacute a Capadoacutecia Apoiado por Alcetas

submetido ao seu comando por ordem de Perdicas contava jaacute

com certo nuacutemero de macedocircnios insuficientes para a

ocasiatildeo os quais haviam sido incorporados apoacutes a vitoacuteria

sobre o exeacutercito de Neoptolemos160

De acordo com Diodoro161

ao saber do avanccedilo do exeacutercito

inimigo Eumenes coletou suas forccedilas particularmente sua

cavalaria de todos os lados (ἤθροισε πανταχόθεν τὰς δυνάμεις καὶ

μάλιστα τὴν ἱππικήν) Em relaccedilatildeo agrave infantaria sobre a qual natildeo

depositava muita esperanccedila contava com 20000 homens de

todas as raccedilas (παντοδαποὺς τοῖς γένεσιν) perfazendo um total de

25000 homens se somada a cavalaria adquirida Contra o

seu exeacutercito Craacutetero contava com macedocircnios conhecidos por

sua coragem (οἱ Μακεδόνες διαβεβοημένοι ταῖς ἀνδραγαθίαις) e dois mil

cavaleiros como auxiliares

Apoacutes a narraccedilatildeo de um duelo entre os comandantes

Diodoro menciona a derrota da cavalaria de Craacutetero sendo

que ao constatar a morte de ambos os liacutederes macedocircnios

Eumenes ordenou a retirada de seu exeacutercito privando-se do

aniquilamento completo do inimigo em prol da negociaccedilatildeo

cujo objetivo era a incorporaccedilatildeo da infantaria derrotada

Nas palavras do historiador siciliano

159 Diod 1829 160 Diod 1829 Arr FGrH 1569 Justino 138 Plutarco Eumenes 47 161 Diod 1830

76

Erigido o monumento que registrou a derrota do inimigo

[τρόπαιον] e feitos os ritos fuacutenebres [Eumenes] enviou agrave falange que havia se mostrado inferior [πρὸς τὴν τν ἡττημένων φάλαγγα] um convite de incorporaccedilatildeo agraves suas

tropas dando-lhes tambeacutem permissatildeo para recuar aos

lugares que desejassem

Este caso esclarece desde o iniacutecio a distinccedilatildeo entre

as tropas macedocircnias ldquoconhecidas por sua coragemrdquo e os

demais soldados de infantaria ldquohomens de todas as raccedilasrdquo

No entanto apoacutes a vitoacuteria sobre o exeacutercito inimigo

Eumenes abertamente escolhe negociar a incorporaccedilatildeo das

tropas inimigas honrando os mortos em combate ao inveacutes de

completar a manobra de envolvimento e provocar o

aniquilamento completo da falange a qual havia se mostrado

inferior em batalha Note-se que a taacutetica continuou a ser a

mesma empregada nos tempos de Alexandre mas a profusatildeo do

serviccedilo mercenaacuterio fez com que a praacutetica da incorporaccedilatildeo de

tropas profissionais fosse preferiacutevel ao aniquilamento do

inimigo Aleacutem disso natildeo haacute sequer uma menccedilatildeo de tratamento

diferenciado para as tropas macedocircnias por excelecircncia se

as considerarmos legitimamente macedocircnias em relaccedilatildeo agrave

infantaria asiaacutetica de Eumenes Eram mercenaacuterias como as

demais ainda que natildeo fique claro o pagamento ou tempo de

serviccedilo

Em seguida Eumenes voltou-se contra Antiacutegono

77

32 Antiacutegono versus Eumenes

Em seu primeiro confronto com Eumenes Antiacutegono

utilizando-se de um estratagema abriu matildeo inicialmente

de uma decisatildeo travada ao modelo alexandrino e decidiu

subornar certo Apolonides comandante da cavalaria de

Eumenes fazendo com que ele se tornasse um traidor e

desertasse em meio agrave batalha (ἔπεισε προδότην γενέσθαι καὶ κατὰ τὴν

μάχην ατομολσαι)162

Nesta ocasiatildeo entretanto notamos uma situaccedilatildeo

paradoxal quanto ao comportamento do comandante

heleniacutestico Na situaccedilatildeo anterior Eumenes optou por

incorporar as tropas inimigas ainda que sem sucesso ao

inveacutes de prosseguir com a manobra de envolvimento e

aniquilamento de boa parte do exeacutercito de Craacutetero Um ano

depois em 320 aC Antiacutegono apoacutes ter subornado o

comandante de cavalaria de Eumenes tendo a infantaria em

suas matildeos optou por concluir a manobra e aniquilar cerca

de 8000 inimigos Nas palavras de Diodoro

Quando a batalha se tornou violenta e Apolonides

desertou inesperadamente com sua cavalaria Antiacutegono

ganhou o dia e aniquilou cerca de 8000 inimigos Ele

tambeacutem se apoderou de todo o suprimento de modo que os

soldados de Eumenes ficaram abatidos pela derrota e sem

esperanccedila devido agrave perda de seus suprimentos163

Em momento algum Diodoro menciona o interesse de

Antiacutegono em incorporar as tropas de Eumenes durante a

batalha com exceccedilatildeo da cavalaria a qual havia previamente

subornado No entanto logo apoacutes relatar o refuacutegio do

comandante grego num forte armecircnio o que lhe foi garantido

162 Diod 1840 163 Diod 1840 ldquoγενομένης δὲ μάχης ἰσχυρᾶς καὶ τοῦ Ἀπολλωνίδου μετὰ τν περὶ ατὸν ἱππέων ποιήσαντος ἀλόγως ἀπὸ τν ἰδίων διάστασιν ἐνίκησεν ὁ Ἀντίγονος καὶ ἀνεῖλεν τν ἐναντίων εἰς ὀκτακισχιλίους ἐκυρίευσε δὲ καὶ τς ἀποσκευς ἁπάσης ὥστε τοὺς περὶ τὸν Εμεν στρατιώτας διὰ μὲν τὴν ἧτταν καταπλαγναι διὰ δὲ τὴν ἀπώλειαν τς ἀποσκευς ἀθυμσαιrdquo Nesta citaccedilatildeo com exceccedilatildeo de ἰσχυρᾶς traduzido aqui como ldquoviolentordquo seguindo o LSJ (ἰσχυρός) optei por utilizar a traduccedilatildeo de Geer

78

por uma alianccedila com os nativos o historiador siciliano faz

referecircncia agrave contrataccedilatildeo por parte de Antiacutegono dos homens

os quais haviam servido Eumenes Seguindo o exemplo

anterior a compreensatildeo da guerra como ofiacutecio serviu de

paracircmetro para a composiccedilatildeo de grandes exeacutercitos o

trampolim a partir do qual generais aspiravam agraves grandes

coisas exatamente como no caso de Antiacutegono Ao tornar-se

senhor de todas as posses que antes pertenciam a Eumenes

das quais se destacava o grande exeacutercito as ambiccedilotildees

poliacuteticas de Antiacutegono ganharam nova face

No momento em que Antiacutegono tomou para si a forccedila

militar de Eumenes tornou-se senhor das suas satrapias

e das suas propriedades levantou grande soma de

dinheiro e aspirou agraves grandes coisas [μειζόνων πραγμάτων ὠρέγετο] Nenhum comandante em toda a Aacutesia possuiacutea forccedila militar suficiente para lutar pela supremacia

164

O comando de um grande exeacutercito era sem duacutevida o

motor da basileia e um dos maiores estiacutemulos agrave realizaccedilatildeo

de campanhas militares e conquista de territoacuterios

A incorporaccedilatildeo das tropas natildeo era contudo o uacutenico

objetivo dos generais cujo pensamento encontrava-se marcado

pela condiccedilatildeo mercenaacuteria Historiadores tambeacutem entravam no

jogo mesmo que tivessem servido num primeiro momento ao

seu inimigo Note-se por exemplo na esteira do contexto

em destaque que Antiacutegono iraacute contratar os serviccedilos de

Hierocircnimo o historiador logo apoacutes a vitoacuteria sobre Eumenes

na Capadoacutecia tendo em seguida o enviado como mensageiro a

Eumenes exortando o uacuteltimo a esquecer a derradeira batalha

e a se tornar seu amigo e aliado165

Com a mudanccedila na poliacutetica externa adotada por Antiacutegono

levada a cabo a partir da aquisiccedilatildeo dos espoacutelios

164 Diod 1841 ldquoἈντίγονος δὲ παραλαβὼν τὴν μετ Εμενοῦς δύναμιν καὶ τν σατραπειν καὶ τν ἐν ταύταις προσόδων κύριος γενόμενος ἔτι δὲ παραλαβὼν πλθος χρημάτων μειζόνων πραγμάτων ὠρέγετο οκέτι γὰρ οδεὶς τν κατὰ τὴν Ἀσίαν ἡγεμόνων ἀξιόμαχον εἶχε δύναμιν διαγωνίσασθαι πρὸς ατὸν περὶ τν πρωτείωνrdquo 165 Diod 1850

79

provenientes da vitoacuteria sobre Eumenes o general macedocircnico

tratou de ir ao encontro de Alcetas irmatildeo de Perdicas

destruindo-o completamente Segundo Diodoro166

Antiacutegono

liderou 6000 cavaleiros numa carga violenta contra a

falange inimiga no intuito de cortar a linha de retirada de

Alcetas Em seguida os elefantes foram enviados

frontalmente contra a falange ao mesmo tempo em que os

cavaleiros envolveram o inimigo por todos os lados tendo a

infantaria permanecido somente como forccedila de apoio

Diodoro natildeo nos informa sobre a proveniecircncia eacutetnica da

cavalaria de Antiacutegono mas note que haacute pouco ele contava

com 2000 cavaleiros e rapidamente passou para cerca de

6000 um forte indiacutecio de que a renovaccedilatildeo de suas forccedilas

montadas foi liderada por capadoacutecios Em primeiro lugar

talvez esta seja a constataccedilatildeo mais oacutebvia mas ainda assim

digna de ser mencionada Antiacutegono marchou com sua forccedila

militar da Capadoacutecia para a Pisiacutedia (μετὰ [] ἐκ Καππαδοκίας

προγεν ἐπὶ τὴν Πισιδικήν)

Em segundo lugar sua cavalaria triplicou desde o

momento anterior agrave batalha contra Eumenes ocorrida havia

menos de um ano Uma vez na Capadoacutecia dado o curto tempo

para a ampliaccedilatildeo das suas forccedilas montadas e a

disponibilidade de recrutamento de cavaleiros pesadamente

armados na regiatildeo outra explicaccedilatildeo natildeo parece possiacutevel

Logo apoacutes a vitoacuteria sobre Alcetas Antiacutegono obteve a

rendiccedilatildeo de todo o resto do exeacutercito inimigo por negociaccedilatildeo

e o alistou em suas proacuteprias fileiras167 agregando

consideraacutevel forccedila ao seu poderio beacutelico

Ainda que a manobra de envolvimento fosse como neste

caso realizada ateacute o momento em que o inimigo batesse

desesperadamente em retirada a porccedilatildeo do exeacutercito que

166 Diod 1844 167 Diod 1845 ldquoὁ δ Ἀντίγονος τούτους μὲν καθ ὁμολογίαν παραλαβὼν τοὺς λοιποὺς εἰς τὰ ἴδια τάγματα κατέταξε []rdquo

80

pudesse ser submetida com vida e incorporada por negociaccedilatildeo

era sempre bem recebida aleacutem de se mostrar crucial na

estruturaccedilatildeo de trajetoacuterias poliacuteticas pautadas na conquista

militar

Na sequumlecircncia dos acontecimentos168 Eumenes jaacute na Aacutesia

Menor enviou cartas aos saacutetrapas do norte solicitando o

seu apoio em nome dos reis Basicamente as duas partes

deveriam se encontrar em Susa mas Fiacuteton a esta altura

saacutetrapa da Meacutedia obteve tambeacutem o controle das satrapias do

norte ordenando a morte de Filotas e substituindo o mesmo

por Eudamus seu irmatildeo Apoacutes travar batalha com o exeacutercito

dos saacutetrapas do sul Fiacuteton concentrou seu exeacutercito num soacute

lugar aguardando o apoio de Seleuco motivo pelo qual

Eumenes encontrou todas as tropas reunidas quando da sua

chegada a Susianecirc

De acordo com Diodoro169

as tropas que se juntaram a

Eumenes foram (1) 10000 arqueiros e fundibulaacuterios persas

3000 pantodapoi armados como macedocircnios (τοὺς δὲ εἰς τὴν

Μακεδονικὴν τάξιν καθωπλισμένους παντοδαποὺς) 600 cavaleiros gregos

e traacutecios e mais de 400 cavaleiros persas todos vindos

sob comando de Peucestes um dos antigos soldados da elite

de Alexandre (2) 1500 pezoi e 700 cavaleiros liderados

por Tlepolemus o macedocircnio feito saacutetrapa da Carmacircnia (3)

1000 pezoi e 610 cavaleiros trazidos por Sibyrtius

comandante da Arachosia (4) 1200 pezoi e 400 cavaleiros

despachados por Oxyartes (5) 1500 pezoi e 1000

cavaleiros vindos com Stasander e (6) 500 cavaleiros 300

pezoi e 120 elefantes todos trazidos por Eudamo Somados a

estes 18500 soldados de infantaria e 4210 cavaleiros

Geer170

lembra que devemos acrescentar as forccedilas trazidas

por Amfiacutemaco da Mesopotacircmia apresentado na batalha de

168 Diod 1913 169 Diod 1914 170 Russel M Geer tradutor de Diodoro na ediccedilatildeo da LOEB p 269

81

Gabienecirc171 com seus 600 cavaleiros e talvez alguma

infantaria natildeo mencionada

Antiacutegono em contrapartida recebeu tropas de Seleuco e

Fiacuteton nomeando Seleuco saacutetrapa de Susa e ordenando que

este conquistasse a cidade jaacute que Xenofilos o tesoureiro

se recusava a aceitar suas ordens172 Ao cruzar a Meacutedia por

um caminho alternativo agravequele que havia sido bloqueado por

Eumenes Antiacutegono ordenou a Fiacuteton que recrutasse quantos

cavaleiros e cavalos de guerra fosse possiacutevel assim como

animais de carga Ao retornar de sua missatildeo com cerca de

2000 cavaleiros 1000 cavalos 500 talentos do tesouro

real e uma quantia de mulas suficientes para todo o

exeacutercito173

Fiacutethon deu a Antiacutegono a chance de reerguer o

moral das tropas aleacutem de reforccedilar consideravelmente a

cavalaria de seu exeacutercito No total Antiacutegono contava com

28000 pezoi 8000 cavaleiros e 65 elefantes

Apoacutes o desentendimento entre Eumenes apoiado por

Antigenes e os saacutetrapas ansiosos para retornar aos seus

assuntos pessoais174

o general grego optou por atender agraves

vontades dos saacutetrapas temendo perder seu valioso apoio

Apoacutes dias de marcha rumo a Perseacutepolis ambos os exeacutercitos

inimigos acamparam a curta distacircncia e iniciaram os

preparativos para a batalha Antiacutegono entretanto procurou

subornar parte das tropas inimigas como nos relata

Diodoro175

No quinto dia Antiacutegono enviou mensageiros aos saacutetrapas

e aos macedocircnios instigando-os a natildeo obedecer Eumenes

e a confiar apenas no proacuteprio Antiacutegono Disse aos

171 Diod 1927 172 Diod 1918 173 Diod 1920 174 Diod1921 175 Diod 1925 ldquo[]τῆ πέμπτῃ δ Ἀντίγονος πρεσβευτὰς ἐξαπέστειλε πρός τε τοὺς σατράπας καὶ τοὺς Μακεδόνας ἀξιν Εμενεῖ μὲν μὴ προσέχειν ἑαυτῶ δὲ πιστεύειν συγχωρήσειν γὰρ ἔφη τοῖς μὲν σατράπαις ἔχειν τὰς ἰδίας σατραπείας τν δὲ ἄλλων τοῖς μὲν χώραν πολλὴν δώσειν τοὺς δὲ εἰς τὰς πατρίδας ἀποστελεῖν μετὰ τιμς καὶ δωρεν τοὺς δὲ στρατεύεσθαι βουλομένους διανεμεῖν εἰς τὰς ἑκάστῳ καθηκούσας τάξειςrdquo

82

saacutetrapas que permitiria a manutenccedilatildeo de suas proacuteprias

satrapias e aos macedocircnios que daria uma grande

extensatildeo de terra a alguns que enviaria os outros de

volta para casa com honra e presentes e que designaria

postos agravequeles que desejassem servir em seu exeacutercito

[τοὺς δὲ στρατεύεσθαι βουλομένους διανεμεῖν εἰς τὰς ἑκάστῳ καθηκούσας τάξεις]

Tendo fracassado em sua tentativa de incorporaccedilatildeo das

tropas inimigas antes mesmo da batalha Antiacutegono findou por

enfrentar Eumenes numa ocasiatildeo decisiva conhecida como

batalha de Paraitacene (317 aC)

Iniciada a batalha vendo que sua ala direita estava

sendo esmagada pelos cavaleiros arqueiros de Antiacutegono

(graccedilas agraves taacuteticas de ciacuterculo cujo objetivo era o ataque

aos flancos pelo uso dos arcos176) Eumenes ordenou o apoio

de sua ala esquerda comandada por Eudamo Apoacutes o movimento

de flanqueamento executado por soldados ligeiros e pela

parte mais levemente armada de sua cavalaria (τὴν ὅλην τάξιν τοῖς

μὲν ψιλοῖς καὶ τοῖς ἐλαφροτάτοις τν ἱππέων) conseguiu derrotar a ala

direita de Antiacutegono comandada por Fiacutethon

Em seguida apoacutes consideraacutevel tempo de combate entre as

falanges os homens de Eumenes venceram devido agrave

experiecircncia dos arguraspides de modo que muitos dos

oficiais de Antiacutegono apoacutes a derrota de sua ala esquerda e

de toda a sua falange aconselharam a batida em retirada

Antiacutegono no entanto ao ver que a infantaria inimiga havia

avanccedilado vitoriosamente em direccedilatildeo agrave sua no intuito de

persegui-la ateacute proacuteximo aos montes e que a ala de Eudamo

natildeo esperava por um ataque desferiu um violento golpe

contra a ala esquerda de seu inimigo recobrando com isso o

moral e as condiccedilotildees combativas de sua infantaria

aparentemente derrotada Assim nos relata Diodoro177

176 Diod 1930 ldquo[] περιιππεύσαντες δὲ τὸ κέρας καὶ πλαγίοις ἐμβαλόντες πυκνοῖς τοῖς βέλεσι κατετίτρωσκον []rdquo 177 Diod 1930 ldquoταχὺ δὲ διὰ τὸ παράδοξον τρεψάμενος τοὺς ἐναντίους καὶ πολλοὺς ἀνελὼν διαπέστειλε τν ἱππέων τοὺς ἐλαφροτάτους καὶ διὰ τούτων ἀνεκαλέσατο τοὺς φεύγοντας καὶ παρὰ τὴν πωρίαν πάλιν εἰς τάξιν κατέστησενrdquo

83

Uma vez que seu ataque foi inesperado ele [Antiacutegono]

rapidamente derrotou aqueles que o enfrentaram

destruindo muitos deles Entatildeo enviou os mais raacutepidos

de seus cavaleiros e por meio deles reuniu os soldados

que haviam batido em retirada alinhando-os mais uma

vez ao peacute dos montes

Como os soldados encontravam-se todos exaustos a

batalha prosseguiu durante o tempo necessaacuterio para a

certeza de sua indefiniccedilatildeo Embora o resultado natildeo tenha

sido claro Antiacutegono usou de sua legitimidade como

comandante e forccedilou acampamento proacuteximo a batalha

relativamente distante das bagagens O motivo para este ato

era simples para os gregos aquele que detinha o controle

dos ritos fuacutenebres assim que encerrada a peleja possuiacutea o

direito de declarar-se vitorioso178

Em seguida Eumenes dirigiu suas tropas para Gabenecirc

com excelentes condiccedilotildees de abastecimento179

enquanto

Antiacutegono conduziu seu exeacutercito atraveacutes do deserto proacuteximo a

Gadamala180

Alguns dias apoacutes o ataque parcialmente

frustrado aos elefantes de Eumenes atrasados se comparados

ao restante das tropas ambos os exeacutercitos fizeram frente

um ao outro em Gabenecirc

Tendo disposto seus homens da maneira que consideravam

mais eficiente os generais deram iniacutecio ao confronto

sendo que Antiacutegono e Demeacutetrio posicionados na ala direita

desferiram um ataque agrave cavalaria de Eumenes que a esta

altura lhes fazia frente Antes do embate entretanto

Peucestes saacutetrapa da Peacutersia esquivou-se da batalha e

deixou Eumenes somente com parte de sua cavalaria181

Por

consequumlecircncia Eumenes natildeo suportou o choque com a cavalaria

inimiga a qual rodeou o corpo de infantaria e investiu

178 Diod 1931 ldquo[Antiacutegono] ἠμφισβήτει τς νίκης ἀποφαινόμενος προτερεῖν ἐν ταῖς μάχαις τὸ τν πεσόντων κυριεῦσαιrdquo Outros exemplos segundo Geer satildeo

encontrados em Xen Hel 75 e Justino 66 179 Diod 1934 180 Diod 1937 181 Diod1942

84

contra a cavalaria na outra ala completando um semiciacuterculo

pela retaguarda inimiga

Embora as manobras acima detalhadas tenham sido de

grande importacircncia no desenrolar da batalha a participaccedilatildeo

crucial se deu com os tarentinos e medos enviados com a

missatildeo de capturar os suprimentos inimigos aproveitando-se

da pouca visibilidade provocada pela poeira do terreno A

partir deste movimento Eumenes parcialmente derrotado se

viu forccedilado a recuar e contra atacar a investida sorrateira

dos tarentinos e medos enquanto Antiacutegono soube aproveitar

o momento de vulnerabilidade dos arguraspides sem a

proteccedilatildeo dos flancos e ordenou a investida da cavalaria de

Fiacutethon182

Os resultados da batalha natildeo foram nada agradaacuteveis para

os homens de Eumenes que tiveram seus suprimentos filhos

mulheres e muitos outros parentes capturados pelo inimigo

Com isso Antiacutegono exterminou completamente o espiacuterito

combativo dos macedocircnios induzindo um comportamento

tipicamente heleniacutestico no lugar do extermiacutenio dos refeacutens

e inimigos derrotados (mas preservados em suas habilidades

de combate) o general optou por alistaacute-los

[] os macedocircnios secretamente iniciaram negociaccedilotildees

com Antiacutegono capturando e entregando Eumenes

recobrando seus suprimentos e apoacutes receberem promessas

alistaram-se no exeacutercito acampado [καὶ πίστεις λαβόντες κατετάχθησαν εἰς τὸ στρατόπεδον]183

Agora que Antiacutegono havia se tornado o mais poderoso dos

Diaacutedocos os seus rivais passaram a temer a consolidaccedilatildeo de

seu poder supremo abalado apenas por pequenas revoltas

182 Diod 1943 183 Diod 1943 [hellip] οἱ Μακεδόνες λάθρᾳ διαπρεσβευσάμενοι πρὸς Ἀντίγονον τὸν μὲν Εμεν συναρπάσαντες παρέδωκαν τὰς δ ἀποσκευὰς κομισάμενοι καὶ πίστεις λαβόντες κατετάχθησαν εἰς τὸ στρατόπεδον

85

locais como a insurreiccedilatildeo fracassada liderada por Fiacutethon

na Meacutedia184

Encerrada as operaccedilotildees de Cassandro no Peloponeso e

apoacutes a fuga de Seleuco para o Egito185 a resposta imediata

agrave transformaccedilatildeo no cenaacuterio poliacutetico heleniacutestico causada

pela emergecircncia de Antiacutegono como autoridade predominante na

lideranccedila dos exeacutercitos se deu com a alianccedila de Ptolomeu

Seleuco Cassandro e Lisiacutemaco

184 Diod 1946-48 185 Diod 1953 e Diod 1954 respectivamente

86

33 Antiacutegono versus Ptolomeu Seleuco Cassandro e

Lisiacutemaco

Assim que chegou ao Egito Seleuco tratou de convencer

Ptolomeu do risco que era deixar Antiacutegono ampliar suas

forccedilas sua arrogacircncia e suas ambiccedilotildees ao trono

macedocircnico186

Seleuco natildeo somente conseguiu estabelecer uma

alianccedila com o senhor do Egito mas tambeacutem alguns de seus

amigos obtiveram sucesso na cooptaccedilatildeo de Cassandro e

Lisiacutemaco Com isso apoacutes recusar a abordagem diplomaacutetica de

Antiacutegono que enviou mensageiros com o intuito de reforccedilar

sua amizade com os generais macedocircnicos em eacutepoca de crise

Ptolomeu Lisiacutemaco e Cassandro exigiram de Antiacutegono (1) a

entrega da Capadoacutecia e da Liacutecia a Cassandro (2) da Friacutegia

a Lisiacutemaco (3) de toda a Siacuteria a Ptolomeu e (4) da

Babilocircnia a Seleuco sem mencionar a partilha dos tesouros

conquistados com a vitoacuteria sobre Eumenes187

Daiacute por diante uma seacuterie de embates subsequumlentes agrave

formalizaccedilatildeo do desentendimento dos Diaacutedocos dominaraacute a

cena poliacutetica pelos proacuteximos 15 anos e uma narrativa de

todos os pormenores do conflito natildeo seria eficaz na

apresentaccedilatildeo dos argumentos que estou a desenvolver neste

capiacutetulo Portanto tratarei da batalha de Ipso por ser

suficientemente documentada188

(se levarmos em consideraccedilatildeo

que as demais batalhas nos chegaram apenas em pouquiacutessimos

detalhes) e possibilitar interpretaccedilotildees razoavelmente

seguras sobre a arte da guerra heleniacutestica no tempo dos

Diaacutedocos

De acordo com Plutarco189 Demeacutetrio contava com mais de

70000 soldados de infantaria 10000 cavaleiros e 75

elefantes enquanto seus adversaacuterios haviam trazido cerca

186 Diod 1956 187 Diod 19 57 188 A principal fonte eacute Plut Dem 28-30 que provavelmente seguiu

Hierocircnimo de Caacuterdia 189 Plut Dem 28

87

de 65000 soldados de infantaria 10500 cavaleiros 120

carros de guerra e 400 elefantes

Tatildeo logo os exeacutercitos iniciaram a peleja Demeacutetrio

avanccedilou em direccedilatildeo a Antiacuteoco filho de Ptolomeu e ao

derrotaacute-lo facilmente e iniciar uma perseguiccedilatildeo para longe

do campo de batalha levou consigo a melhor e maior porccedilatildeo

da cavalaria (τοὺς πλείστους καὶ κρατίστους τν ἱππέων) do exeacutercito de

Antiacutegono Ao observar que a falange inimiga estava

desprotegida num dos flancos Seleuco ldquoos manteve em medo

de ataquerdquo rodeando os inimigos em ato ameaccedilador fazendo

com que muitos deles viessem a ele por sua proacutepria vontade

e com que os demais batessem em retirada190 Por fim

enquanto Antiacutegono aguardava pelo retorno de seu filho

impossibilitado de voltar ao combate devido ao avanccedilo

frontal dos elefantes inimigos (contra os 75 elefantes de

Antiacutegono e em seguida contra a proacutepria infantaria do

rei) sendo esta uma manobra que lanccedilava os paquidermes no

caminho de Demeacutetrio uma saraivada de projeacuteteis o atingiu

pondo fim a sua vida

Demeacutetrio ainda tentou com seus 5000 soldados de

infantaria e 4000 cavaleiros restantes da batalha

resistir em Atenas onde possuiacutea embarcaccedilotildees e recursos

diversos mas no caminho fora avisado por um mensageiro de

que os cidadatildeos de Atenas decidiram natildeo receber nenhum dos

reis

A batalha de Ipso provavelmente representou uma

tentativa de transformaccedilatildeo das funccedilotildees da cavalaria algo

ineacutedito na guerra heleniacutestica Certamente por influecircncia da

guerra encaminhada na porccedilatildeo mais oriental do impeacuterio

Seleuco tentou fazer com que os elefantes desferissem o

ataque principal enquanto a cavalaria comandada por seu

filho Antiacuteoco forccedilava uma retirada de Demeacutetrio Mas quais

190 Plut Dem 29

88

seriam no confronto que pocircs fim agrave hegemonia de Antiacutegono

as vantagens conferidas a Seleuco pelo uso dos elefantes

A primeira delas estava fixada pelo nuacutemero de elefantes

(400 no total contra apenas 75 de Antiacutegono) Seleuco

sabendo disso os fez avanccedilar frontalmente contra o corpo

principal do exeacutercito antigocircnida provavelmente ordenando

que seu filho Antiacuteoco batesse em retirada e levasse

consigo a maior e melhor parte da cavalaria inimiga sob o

comando de Demeacutetrio Ainda que Plutarco natildeo mencione tal

manobra por parte de Antiacuteoco afirmando pelo contraacuterio

que as tropas montadas antigocircnidas o haviam derrotado natildeo

parece provaacutevel que a cavalaria de Seleuco fugiria do campo

de batalha tatildeo rapidamente ou que Demeacutetrio a perseguiria

ateacute a batalha ser encerrada (a menos que a fuga de Antiacuteoco

fosse parte de um plano)

Tarn191 argumentou sobre esta possibilidade na deacutecada de

1930 salientando que iniciada a perseguiccedilatildeo da cavalaria

de Seleuco se Demeacutetrio desistisse cedo demais a cavalaria

inimiga poderia simplesmente retornar e atacar sua

retaguarda mas por outro lado se a perseguiccedilatildeo levasse

muito tempo a batalha central se tornaria

definitivamente um palco imaginaacuterio Aceita esta hipoacutetese

conclui-se que Seleuco pocircde desferir seu ataque principal

com os elefantes ao centro e com a cavalaria na ala inimiga

desprotegida enquanto Demeacutetrio ficou impossibilitado de

dar qualquer suporte a Antiacutegono devido ao sucesso da

possiacutevel manobra de Antiacuteoco uma vez que o avanccedilo dos

elefantes havia inviabilizado o caminho para as operaccedilotildees

de auxiacutelio

191 Tarn opcit p69

89

CAPIacuteTULO 3 ndash PODER MONAacuteRQUICO E ARTE DA GUERRA NA

MAGNA GREacuteCIA E NA SICIacuteLIA HELENIacuteSTICA

1 Agaacutetocles e a introduccedilatildeo da basileia

heleniacutestica

Diodoro nos relata que Agaacutetocles ldquoao saber que os

referidos priacutencipes tinham assumido o diadema e por natildeo se

considerar inferior a eles em poder territoacuterio e feitos

designou-se reirdquo192 Esta natildeo era uma monarquia siciliana

como as anteriores aleacutem do desejo de se igualar em poder

aos monarcas heleniacutesticos e de assumir caracteriacutesticas de

um ldquonovordquo tipo de realeza como veremos a seguir Agaacutetocles

mantinha com alguns dos Diaacutedocos relaccedilotildees diplomaacuteticas as

quais frequumlentemente ilustravam um posicionamento muito

semelhante agravequeles adotados pelos Sucessores de Alexandre

quanto ao direito de conquista amplamente baseado no

princiacutepio da doriktetos chora De forma similar agrave

distribuiccedilatildeo de territoacuterios liderada pelos generais

macedocircnicos apoacutes a morte de seu rei em 323 aC Agaacutetocles

pretendia negociar de acordo com Diodoro a distribuiccedilatildeo

do espaccedilo africano (ainda natildeo subjugado) e siciliano

(parcialmente hostil) com Ophellas em 309 aC por

ocasiatildeo de sua expediccedilatildeo cartaginesa

192 Diod 2054 ldquo[] γὰρ πυθόμενος τοὺς προειρημένους δυνάστας ἀνῃρημένους

διάδημα καὶ νομίζων μήτε δυνάμεσι μήτε χώρᾳ μήτε τοῖς πραχθεῖσι λείπεσθαι τούτων ἑαυτὸν ἀνηγόρευσε βασιλέαrdquo Sobre a basileia de Agaacutetocles consultar

principalmente Henry Julius Wetenhall Tillyard Agathocles Cambridge

The University Press 1908 Claude Mosseacute La tyrannie dans la Gregravece

Antique Paris Presses Universitaires de France 1969 PP 149-202

Klaus Meister CAH 7 1984 PP 384-411 Ricardo Vattuone Sapienza

d‟occidente Il pensiero storico di Timeo di Tauromenio Bologna

Pagravetron 1991 Pp 63-86 187-204 Lorenzo Braccesi I tiranni di

Sicilia Roma-Bari Laterza 1998 PP 101-113 Consolo Langher Efrem

Zambon ldquoFrom Agathocles to Hieratildeo II the birth and development of

basileia in Hellenistic Sicilyrdquo In Sian Lewis (org) Ancient

Tyranny Edinburgh The University Press 2006 PP 77-94 Sobre a

coroaccedilatildeo dos Diaacutedocos de maneira geral consultar os estudos e as

referecircncias apresentadas no cap2 desta tese

90

Apoacutes esta batalha Agaacutetocles ao examinar todas as

maneiras de subjugar os cartagineses enviou Orthon o

siracusano como mensageiro a Ophellas em Cirene

Ophellas havia sido um dos Companheiros de Alexandre em

sua expediccedilatildeo tendo assumido o controle da cidade de

Cirene e de um poderoso exeacutercito e aspirava a uma

dominaccedilatildeo mais ampla Este era o seu estado de espiacuterito

quando o mensageiro de Agaacutetocles chegou com o pedido de

auxiacutelio para a campanha contra os cartagineses Em

troca desse serviccedilo ele [o mensageiro] prometeu que

Agaacutetocles concederia a Ophellas liberdade total no

controle da Liacutebia Agaacutetocles disse-lhe o mensageiro

estava satisfeito com a Siciacutelia desde que estivesse

livre da ameaccedila cartaginesa e que pudesse governar sem

receio toda a ilha A Itaacutelia estava disponiacutevel e

proacutexima para ampliar o seu impeacuterio caso Agaacutetocles

ambicionasse mais poder193

Ao analisarmos o relato do historiador siciliano

torna-se evidente que o comandante siracusano queria

integrar o cenaacuterio poliacutetico internacional de seu tempo

orientado por criteacuterios de paridade com os Diaacutedocos e que

Ophellas seria sua melhor opccedilatildeo de alianccedila pois o mesmo

aspirava agrave conquista de mais territoacuterios Afinal tal

paridade em forccedila militar territoacuterios conquistados e

realizaccedilotildees seria o motor de sua monarquia autoproclamada

Quando Ophellas e seu exeacutercito se encontraram com

Agaacutetocles o mesmo colocou em praacutetica seu plano de traiccedilatildeo

o macedocircnio foi pego de surpresa e assassinado enquanto

tentava desesperadamente se defender o siracusano entatildeo

aproveitando-se da situaccedilatildeo recrutou o numeroso exeacutercito

193 Diod 2040 ldquoἈπὸ δὲ τς μάχης ταύτης γενόμενος καὶ πάντα τῆ διανοίᾳ σκοπούμενος

πρὸς τὸ λαβεῖν τοὺς Καρχηδονίους ποχειρίους ἐξέπεμψε πρεσβευτὴν Ὄρθωνα τὸν Συρακόσιον πρὸς φέλλαν εἰς Κυρήνην οὗτος δ ἦν μὲν τν φίλων τν συνεστρατευμένων Ἀλεξάνδρῳ κυριεύων δὲ τν περὶ Κυρήνην πόλεων καὶ δυνάμεως ἁδρᾶς περιεβάλετο ταῖς ἐλπίσι μείζονα δυναστείαν τοιαύτην οὖν ατοῦ διάνοιαν ἔχοντος ἧκεν ὁ παρ Ἀγαθοκλέους πρεσβευτής ἀξιν συγκαταπολεμσαι Καρχηδονίους ἀντὶ δὲ ταύτης τς χρείας ἐπηγγέλλετο τὸν Ἀγαθοκλέα συγχωρήσειν ατῶ τν ἐν Λιβύῃ πραγμάτων κυριεύειν εἶναι γὰρ ἱκανὴν ατῶ τὴν Σικελίαν ἵν ἐξῆ τν ἀπὸ τς Καρχηδόνος κινδύνων ἀπαλλαχθέντα μετ ἀδείας κρατεῖν ἁπάσης τς νήσου παρακεῖσθαι δὲ καὶ τὴν Ἰταλίαν ατῶ πρὸς ἐπαύξησιν τς ἀρχς ἐὰν κρίνῃ μειζόνων ὀρέγεσθαιrdquo Para esta passagem Austin (n90) eacute a traduccedilatildeo de referecircncia A

invasatildeo eacute vagamente mencionada por Polib 182 e a alianccedila por

Justino 226 Cf Consolo Langher pp 175-196

91

sem comandante para a guerra que jaacute estava preparado para

travar conseguindo com isso praticamente dobrar o nuacutemero

de seus homens194

Polieno contudo sequer menciona a intenccedilatildeo de

estabelecer qualquer alianccedila por parte de Agaacutetocles

Segundo Polieno195 Ophellas encontrava-se jaacute com numeroso

exeacutercito em postos avanccedilados contra Agaacutetocles ao que tudo

indica no iniacutecio da expediccedilatildeo africana liderada pelo

siracusano quando Agaacutetocles ciente da inclinaccedilatildeo de seu

inimigo por jovens rapazes enviou seu filho Heracleides

ldquoum rapaz de beleza extraordinaacuteriardquo com a missatildeo de

distraiacute-lo enquanto o exeacutercito siciliano revidava em

sigilo Ophellas apaixonado pelo rapaz mostrou-se incapaz

de prever a sua proacutepria morte e Agaacutetocles saiu vitorioso

resgatando seu filho com sucesso

O relato de Polieno eacute obviamente pouco criacutevel

considerando-se que dificilmente um comandante com a

experiecircncia de Ophellas ainda mais no comando de um

numeroso exeacutercito aacutevido pela guerra para a qual estavam

marchando desde Cirene se deixaria distrair tatildeo gravemente

pelo filho de seu inimigo ainda que tivesse as inclinaccedilotildees

sexuais mencionadas Parece igualmente improvaacutevel que

Ophellas natildeo tivesse sido cotado como aliado por Agaacutetocles

a julgar pela referecircncia tatildeo clara em Diodoro e pelo

desenrolar dos eventos na Aacutefrica O mais provaacutevel eacute que

Polieno natildeo tivesse conhecimento da alianccedila ou a tivesse

suprimido pela natureza didaacutetica de sua obra De qualquer

modo as relaccedilotildees diplomaacuteticas tiveram de acontecer mesmo

que unilateralmente em certo ponto e comprovam

preliminarmente a interaccedilatildeo (diplomaacutetica e beacutelica) entre

Agaacutetocles e o mundo heleniacutestico num niacutevel que para ele se

dava em grau de paridade Como nos lembra Braccesi a

194 Diod 2042

195 Polieno 53

92

Siciacutelia mostrou-se um espaccedilo imune agrave invasatildeo de Alexandre

mas natildeo ao seu projeto de conquista neste caso traduzido

pela ascensatildeo de Agaacutetocles agrave iminente realeza196 A

autoproclamaccedilatildeo de Agaacutetocles como rei simbolizava que o

siracusano via-se em condiccedilatildeo de reclamar territoacuterios nos

mesmos termos que os Diaacutedocos e as interaccedilotildees diversas com

alguns deles servem de evidecircncia para a postura de paridade

adotada pelo monarca

Parte da historiografia moderna no entanto tende a

classificar Agaacutetocles da mesma forma que os tiranos tardo-

claacutessicos ou ainda como os tiranos arcaicos de modo que

sua autoproclamaccedilatildeo representaria de fato apenas um traccedilo

de sua ambiccedilatildeo poliacutetica uma estrateacutegia de inserccedilatildeo sem

grandes resultados197 Veja-se por exemplo o que nos diz

Mosseacute para quem Agaacutetocles tirano popular198 teria se

transformado com a expediccedilatildeo africana numa figura

196 Braccesi op cit p101 Cf tambeacutem Lorenzo Braccesi L‟Alessandro

occidentale Il Macedone e Roma Roma ldquoL‟ermardquo di Bretschneider

2006 PP 54-67 Braccesi argumenta que apoacutes a morte de Alexandre o

problema puacutenico se confunde com a hereditariedade do poder monaacuterquico

produzindo uma ldquonascente sensibilidade heleniacutesticardquo a qual seria

direcionada agrave ameaccedila cartaginesa sob a forma de basileia justificada 197 Outra questatildeo recorrente na historiografia moderna eacute a classificaccedilatildeo

de Agaacutetocles como grande estadista ou como o mais cruel dos tiranos

discussatildeo que se arrasta desde a Antiguidade quando por exemplo

Caacutelias (FGrH 564T3) contemporacircneo de Agaacutetocles pinta uma aura de

piedade e humanidade para o siracusano ao passo que Timeu (FGrH

566F124) igualmente seu contemporacircneo diz que nenhum tirano mostrou-

se tatildeo cruel quanto ele Aleacutem da identificaccedilatildeo errocircnea da monarquia de

Agaacutetocles como sendo da mesma natureza que as tiranias tardo-

claacutessicas haacute que se considerar a interpretaccedilatildeo curiosa ndash e pouco

aceita ndash de Helmut Berve (Die Herrschaft des Agathokles Muumlnchen

Verlag 1953 Die Tyrannis bei den Griechen Muumlnchen Verlag 1967)

Segundo Berve Agaacutetocles manteve a sua magistratura em Siracusa tendo

criado ao mesmo tempo uma monarquia pessoal como maneira de combater

em nome da cidade e acumular territoacuterios em seu proacuteprio nome Como

desdobramento disso no final de sua vida Agaacutetocles teria devolvido a

democracia aos siracusanos sem abdicar da realeza o que de fato

carece de evidecircncias suficientes Para o assunto cf Meister CAH 7

pp 409-410 198 O que soa no fim das contas absurdo pois logo apoacutes a sua morte os

siracusanos confiscaram as suas propriedades derrubaram as suas

estaacutetuas e procederam a uma verdadeira damnatio memoriae Sobre a

criacutetica agrave classificaccedilatildeo da tirania de Agaacutetocles como ldquopopularrdquo cf

Meister CAH 7 p 410

93

tiracircnica tiacutepica do periacuteodo heleniacutestico o roy conqueacuterant199

embora seu comportamento indique no fim das contas uma

postura comum entre os tiranos que o precederam

Homem do povo pelo povo de Siracusa eacute que ele tentou

restaurar a supremacie da cidade que ele tentou

igualmente varrer o perigo que pesava sobre toda a

Siciacutelia o perigo cartaginecircs Homem de seu tempo []

imitador dos generais de Alexandre quanto ao tiacutetulo

reacutegio [] Ele natildeo liberou os escravos por princiacutepio

mas por que necessitava de homens para combater Nisso

ele se assemelhava aos tiranos do seacutecIV aC [] Ateacute

onde podemos conhececirc-lo ele continua a ser o tipo do

tirano popular mais proacuteximo no fim dos tiranos da

eacutepoca arcaica que dos condottieri do seacutecIV aC ou dos

ldquorevolucionaacuteriosrdquo da eacutepoca heleniacutestica200

Imitador dos Diaacutedocos Agaacutetocles agregaria em uacuteltima

instacircncia tanto os valores do tirano arcaico (devido ao

caraacuteter demagoacutegico de seu governo) quanto os costumes de

recrutamento do tirano claacutessico orientado pelo alistamento

massivo de exilados e mercenaacuterios Isso o torna peculiar

sem duacutevida mas o contexto eacute imperativo para o assunto e

como tal impotildee agrave monarquia adotada por Agaacutetocles um sentido

especialmente heleniacutestico Natildeo resta duacutevida que o

alistamento massivo de profissionais era uma praacutetica de

origens tardo-claacutessicas na Siciacutelia grega da mesma forma o

traccedilo popular dos governos autocraacuteticos remonta agrave eacutepoca

arcaica201 Poreacutem tais peculiaridades encontravam-se

inseridas no contexto de fragmentaccedilatildeo do impeacuterio de

Alexandre fazendo da Siciacutelia como dito anteriormente

parte do projeto de conquista macedocircnica (o que seria

executado obviamente pelos Diaacutedocos) e de Agaacutetocles o

homem capaz de liderar uma inovaccedilatildeo poliacutetica de

caracteriacutesticas heleniacutesticas

199 Claude Mosseacute op cit p 171 Sobre a identificaccedilatildeo de Agaacutetocles

com tiranos arcaicos e tardo-claacutessicos cf Zambon op cit p 77 200 Mosseacute op cit pp 176-177 Grifo nosso

201 Meister CAH 7 pp 409-410

94

Braccesi quase 30 anos apoacutes a publicaccedilatildeo do livro de

Mosseacute mostra-se um pouco mais otimista quanto agrave concretude

da monarquia de Agaacutetocles O contexto de interaccedilatildeo do

siracusano com os generais macedocircnicos aparece com mais

relevacircncia de modo a gerar uma interpretaccedilatildeo histoacuterica

acerca dos problemas de longevidade da basileia

agatocleana A natureza heleniacutestica da monarquia

introduzida na Siciacutelia por Agaacutetocles eacute inquestionaacutevel mas

trata-se no final das contas de uma monarchia mancata202

Recentemente Zambon203 sustentou que Agaacutetocles iniciou

uma mudanccedila constitucional ao introduzir a monarquia de

tipo heleniacutestico em Siracusa e que seu exemplo foi seguido

por diversos governantes posteriores (tais como Phintias

Pirro e Hieratildeo II) Considerado o niacutevel de sistematizaccedilatildeo

desenvolvido por Zambon podemos dizer que a sua

interpretaccedilatildeo soa demasiado otimista forccedilando

propositalmente (pela preservaccedilatildeo do argumento) uma

continuidade exagerada nas mudanccedilas institucionais

siciliotas apoacutes a morte de Agaacutetocles Naquele momento

contudo tentativas de retomada das formas constitucionais

perdidas com a ascensatildeo do monarca emergiram muitas delas

temporariamente bem-sucedidas Em defesa do otimismo

zamboniano podemos apenas dizer com certa razatildeo que o

cenaacuterio poliacutetico siciliota mostrou-se suficientemente

confuso e marcado como recorda Zambon por ldquoguerras civis

sangrentasrdquo bem como por ldquoconsequumlecircncias [soacutecio-econocircmicas]

de campanhas militares exaustivasrdquo e soluccedilotildees poliacuteticas

extremas adotadas pelas poacuteleis que agregavam poder de

lideranccedila na porccedilatildeo leste da ilha204 Diante de tamanha

complexidade e da evidecircncia para o surgimento da monarquia

de tipo heleniacutestico na ilha como parte do conjunto das

202 Braccesi op cit p 110

203 Zambon op cit pp 77-94 Zambon Hellenistic Sicily

204 Zambon Hellenistic Sicily p 267

95

inovaccedilotildees poliacuteticas siciliotas (momentaneamente fracassadas

e posteriormente retomadas) devemos a esta altura nos

perguntar como se deu a introduccedilatildeo da basileia por

Agaacutetocles e em quais aspectos ela representou uma imitatio

Alexandri O primeiro indiacutecio analisado eacute obviamente a

transformaccedilatildeo de ordem poliacutetica que deve ser compreendida

no decorrer da trajetoacuteria de Agaacutetocles cedendo espaccedilo em

seguida para o estudo dos indiacutecios de uma imitatio em

campo taacutetico a partir das tropas que a organizaccedilatildeo social

siciliana disponibilizou no contexto

Em 337 aC apoacutes a morte de Timoleatildeo frente ao

problema da sucessatildeo de um liacuteder que havia pacificado na

medida do possiacutevel a Siciacutelia grega e promovido em larga

escala um verdadeiro tiraniciacutedio diversas tiranias

reapareceram na porccedilatildeo leste da ilha e a ofensiva

cartaginesa novamente gerava resultados preocupantes para

os gregos A democracia siracusana havia sido a esta altura

substituiacuteda por uma oligarquia a qual era liderada por

Sosiacutestrato e Heracleides Com isso a velha guerra civil

retornou com forccedila total colocando cidadatildeos (democratas e

oligarcas) em lados opostos convivendo num grau de

desentendimento que se traduzia no derramamento contiacutenuo de

sangue

Os primeiros anos da vida poliacutetica de Agaacutetocles se

deram no exiacutelio quando o siracusano parece ter aproveitado

a puniccedilatildeo para angariar apoio noutras regiotildees e recrutar o

nuacutemero de mercenaacuterios que seu dinheiro pudesse pagar Apoacutes

o seu retorno a Siracusa em 319 aC jaacute em cenaacuterio

poliacutetico favoraacutevel Agaacutetocles apresentou-se como defensor

da democracia e segundo Diodoro conquistou o apoio

popular por sua abordagem demagoacutegica (δημαγωγήσας) Em

seguida Agaacutetocles teria sido eleito strategos e ldquoguardiatildeo

96

da pazrdquo (φύλαξ τς εἰρήνης)205 Meister e Zambon recordam que um

termo ligeiramente diferente aparece na Marmor Parium (FGrH

239F12) onde eacute sugerida jaacute no iniacutecio uma strategia

autocraacutetica206 o que altera sensivelmente a natureza da

magistratura de Agaacutetocles e sugere nesse caso o uso de

fontes favoraacuteveis ao tirano por Diodoro A strategia

autocraacutetica era um cargo extraordinaacuterio sendo o magistrado

eleito por tempo indeterminado e com objetivos de caraacuteter

urgente No caso em questatildeo a querela entre democratas e

oligarcas deveria ser mais uma vez solucionada mas com o

strategos agrave frente da poliacutetica externa Tratava-se

portanto de ldquouma excelente oportunidade para o golpe de

Estadordquo recorda o historiador italiano Aleacutem disso

Agaacutetocles natildeo era exatamente o homem mais indicado para

coordenar um equiliacutebrio muacutetuo entre as facccedilotildees como a sua

imediata ascensatildeo ao poder absoluto precedida pelo

extermiacutenio dos seus adversaacuterios poliacuteticos foi capaz de

mostrar207 A nomeaccedilatildeo de Agaacutetocles tenha ela acontecido

nos termos postos por Diodoro ou da forma direta presente

na inscriccedilatildeo sugere uma legalidade no processo o que

dificilmente ocorreu A eleiccedilatildeo era apenas uma ldquopseudo-

legalidade formalrdquo diz Meister208 uma vez que (1) os

adversaacuterios poliacuteticos oligarcas haviam sido assassinados ou

exilados (2) a assembleacuteia era composta basicamente por

entusiastas da nomeaccedilatildeo de Agaacutetocles e (3) um grande nuacutemero

de soldados dava cobertura armada para o golpe Parece

205 Diod 195 Eacute possiacutevel que Diodoro tenha usado neste caso uma

fonte favoraacutevel a Agaacutetocles de modo a alterar as caracteriacutesticas das

primeiras magistraturas que ele assumiu em Siracusa 206 Marmor Parium (FGrH 239F12) ldquoE naquele mesmo ano os siracusanos

escolheram Agaacutetocles como bdquostrategos autocrator‟ das defesas

siciliotasrdquo Meister CAH 7 p 389 Zambon op cit p 78 Marmor

Parium eacute uma famosa inscriccedilatildeo encontrada em Paros datada de 2643

aC e preservada em duas partes podendo ser consultadas

gratuitamente no website do Ashmoelan Museum

(httpwwwashmoleanorg) 207 Meister CAH 7 p 388

208 Meister CAH 7 p 389

97

incorreto portanto falar de uma eleiccedilatildeo livre e legal do

mesmo modo que pressupor uma participaccedilatildeo efetiva da

assembleacuteia nas decisotildees tomadas por Agaacutetocles o que

inviabiliza inclusive a sua interpretaccedilatildeo como ldquotirano

popularrdquo A sua abordagem demagoacutegica posta muitas vezes

numa entonaccedilatildeo positiva por Diodoro funcionava apenas como

princiacutepio ideoloacutegico para a manutenccedilatildeo de um poder

autocraacutetico e opressor em relaccedilatildeo ao funcionamento da

assembleacuteia o qual foi associado como recurso estrateacutegico

de compensaccedilatildeo ao cancelamento de diacutevidas redistribuiccedilatildeo

de terras construccedilatildeo de diversos preacutedios puacuteblicos e

expansatildeo da frota siracusana

De acordo com Zambon209 o primeiro indiacutecio da adoccedilatildeo da

basileia heleniacutestica por Agaacutetocles encontra-se numa accedilatildeo

especiacutefica durante a campanha africana (310-307 aC)

Nesta ocasiatildeo em 309 aC o tirano teria dado indiacutecios de

que pretendia mesmo adotar um novo tipo de realeza em

sintonia com a emergente ideologia advinda do mundo

heleniacutestico Zambon remonta o significante episoacutedio do

motim em Tuacutenis210 quando Agaacutetocles decidiu enfrentar o

problema pessoalmente diante dos soldados Apoacutes vestir uma

toga puacuterpura (τὴν πορφύραν)211 siacutembolo da realeza naquele

tempo Agaacutetocles foi ter com suas tropas rebeldes que

reconheceram seus trajes como roupas reais (τὴν βασιλικὴν

ἐσθτα) adequadas ou pertencentes ao seu comando (τὸν

προσήκοντα κόσμον) Embora seja improvaacutevel que Agaacutetocles

tivesse pensado em se autoproclamar basileu antes mesmo dos

209 Zambon op cit p 80

210 Diod 2034

211 Esta foi a primeira vez em que Agaacutetocles apareceu diante de suas

tropas trajando a toga puacuterpura A toga alaranjada no estilo tarentino

(κροκωτὸν ἐνδὺς) no entanto havia jaacute sido empregada por Agaacutetocles de acordo com informaccedilatildeo registrada em Polieno 53 Na ocasiatildeo Agaacutetocles

convidou quase 500 pessoas (hostis agrave sua autoridade em Siracusa) para

um banquete e momentos apoacutes ter cantado danccedilado e tocado harpa

vestido com sua toga alaranjada no estilo tarentino mandou executar

todos os convidados

98

Diaacutedocos o ponto aqui eacute que Agaacutetocles certamente modificou

a concepccedilatildeo de seu proacuteprio poder durante a campanha

africana e que estava inclinado a atingir uma nova escala

de influecircncia poliacutetica entre seus homens A vitoacuteria sobre

Ophellas vale lembrar um dos antigos Companheiros de

Alexandre certamente influenciou a referida postura

durante a expediccedilatildeo africana

Suporte para a orientaccedilatildeo heleniacutestica de Agaacutetocles pode

ser encontrado tambeacutem numa evidecircncia arqueoloacutegica que tem

se mostrado tatildeo decisiva quanto polecircmica um estater de

ouro de Agaacutetocles com apenas 3 exemplares conhecidos

(fig1)212 A moeda possui no anverso uma cabeccedila com um

escalpo de elefante e o chifre de Amon e no reverso a

imagem de uma Atena ldquomarchanterdquo equipada com elmo escudo

e lanccedila sendo precedida por uma coruja aos seus peacutes ave

frequumlentemente ligada agrave divindade e com a inscriccedilatildeo

AGATHOKLEOS (ldquode Agaacutetoclesrdquo) agraves suas costas Como nos

lembra Stewart o estater de ouro tem sido vinculado agrave

expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles desde o seacutecXIX aleacutem de

parecer inquestionaacutevel que se trata de uma imitaccedilatildeo dos

tetradracmas de Ptolomeu especificamente aqueles dos anos

3143 aC (fig2)213 A primeira questatildeo analiacutetica pode ser

sugerida a partir da figura presente no anverso Noutras

palavras de quem seria a cabeccedila representada no estater

Claramente a Atena representada no reverso refere-se a uma

vitoacuteria militar (Athena Nikeacute) e deve tratar do iniacutecio da

expediccedilatildeo africana214 desdobrando-se portanto em algumas

212 Haacute outras evidecircncias para o impacto da expediccedilatildeo asiaacutetica de

Alexandre no mundo mediterracircnico ocidental tais como um vaso

apuliano cujo tema central eacute a batalha de Isso e um retrato no

templo de Melkart em Caacutedis Sobre a repercussatildeo que a anaacutebasis de

Alexandre teve no mundo ocidental antigo consultar Andrew Stewart

Faces of Power Alexander‟s Image and Hellenistic Politics Berkeley

and Los Angeles University of California Press 1993 pp 150-157

263-289 213 Stewart op cit p 266

214 Uma vez que a expediccedilatildeo terminou em fracasso a cunhagem natildeo pode

ter se dado apoacutes 307 aC Aleacutem disso haacute que se considerar uma

99

interpretaccedilotildees possiacuteveis para a cabeccedila em questatildeo trata-

se dizem alguns da personificaccedilatildeo da Aacutefrica Liacutebia ou

Siciacutelia215 ao passo que outros sustentam uma identificaccedilatildeo

com Alexandre ou com o proacuteprio Agaacutetocles216 A mim parece

evidente que se trata de Agaacutetocles representado como

Alexandre pelos seguintes motivos 1) como notaram alguns

estudiosos a personificaccedilatildeo da Aacutefrica da Liacutebia ou mesmo

da Siciacutelia natildeo eacute seguramente documentada ateacute o periacuteodo

romano devendo ainda ser considerado o chifre de Amon e a

fronte masculina como evidecircncias da impossibilidade de uma

representaccedilatildeo feminina217 2) embora natildeo existissem

elefantes no exeacutercito de Agaacutetocles a sua ausecircncia mesmo

entre os cartagineses do periacuteodo de cunhagem do estater

indica que se tratava de algo puramente simboacutelico sem

referecircncia imediata ao exeacutercito do comandante siracusano

mostrando-se portanto como imitaccedilatildeo dos tetradracmas de

Ptolomeu (314-3 aC) como previamente sugerido e

visando em uacuteltima instacircncia o viacutenculo com o impeacuterio de

Alexandre o Grande (filho de Amon) a partir de um dos

siacutembolos poliacutetico-militares mais poderosos dos Diaacutedocos (o

referecircncia em Diod 2011 sobre a primeira vitoacuteria de Agaacutetocles na

Aacutefrica quando os soldados apoiados por corujas (animal ligado agrave

deusa Atena como dito acima) conseguiram derrotar os cartagineses

ldquoao perceber que os seus soldados estavam aterrorizados com o grande

nuacutemero da cavalaria e da infantaria baacuterbaras [Agaacutetocles] soltou

corujas entre o seu exeacutercito as quais ele tinha preparado como meio

de retirar o medo dos soldados comuns as corujas voando atraveacutes da

falange e pousando nos escudos e elmos encorajaram os soldados e

cada homem entendeu o ocorrido como um pressaacutegio uma vez que o

paacutessaro eacute consagrado a Atenardquo A referecircncia soa absurda do ponto de

vista taacutetico mas deve ter sido inspirada por algum evento relacionado

agraves corujas a julgar pelos dados cruzados tanto no estater quanto no

relato do historiador siciliano 215 Kuschel 1961 15 e Goukowsky 1978 207 sugeriram Aacutefrica e Liacutebia

sendo a Siciacutelia tambeacutem sugerida por Goukowsky 1978 356 216 Alexandre parece o mais provaacutevel para os estudiosos como encontrado

em Walther Giesecke (Sicilia numismaacutetica Leipzig K W Hiersemann

1923 P 91) e Ernest Babelon (ldquoAlexandre ou l‟Afriquerdquo Areacutethuse 1

95-107 1924 P 102) enquanto Agaacutetocles tem sido sugerido por

exemplo por Erick Sjoumlqvist (ldquoA portrait Head from Morgantina AJA 66

319-322 1962 P 320rdquo) Para um balanccedilo geral das diversas

interpretaccedilotildees cf Stewart op cit pp 266-268 217 Cf Stewart op cit p 268

100

elefante de combate) Pode-se dizer que a imagem faz

referecircncia estrita a Alexandre devido ao chifre de Amon

mas considerando-se cuidadosamente a inscriccedilatildeo no reverso e

o contexto de cunhagem chega-se agrave conclusatildeo de que a

cabeccedila sugere Agaacutetocles representado como Alexandre (o que

anularia inclusive a criacutetica feita por alguns estudiosos

de que a cabeccedila de Agaacutetocles havia sido representada

diferentemente noutras moedas)

101

2 O embate pela preservaccedilatildeo da unificaccedilatildeo

poliacutetica da morte de Agaacutetocles a Pirro do Epiro

Entre 310 aC e 290 aC os tradicionais problemas

siciliotas haviam sido parcialmente controlados por meio da

centralizaccedilatildeo liderada por Agaacutetocles Submetidas ao

controle de Siracusa as poacuteleis da Siciacutelia experimentaram

uma reduccedilatildeo dos conflitos internos que quase sempre

resultavam em stasis (uma vez que natildeo possuiacuteam autonomia

para tanto) e o domiacutenio cartaginecircs manteve-se em boa parte

do tempo restrito agrave porccedilatildeo oeste da ilha (dado o caraacuteter

militarmente ofensivo da poliacutetica externa siracusana) Apoacutes

a morte de Agaacutetocles no entanto com a reconquista da

autonomia das cidades vieram todos os tradicionais

problemas siciliotas somando-se ao novo distuacuterbio

migratoacuterio que os gregos da Siciacutelia tiveram que enfrentar

os mercenaacuterios do exeacutercito do monarca218

De modo similar ao que ocorreu com os macedocircnios a

questatildeo mais delicada na Siciacutelia grega teve relaccedilatildeo com a

sucessatildeo do rei (heleniacutestico) Uma diferenccedila todavia deve

ser notada no caso siciliota os paracircmetros sucessoacuterios

nunca foram muito claros ou mesmo respeitados ainda que a

tendecircncia natural fosse a delegaccedilatildeo do poder real aos

filhos do monarca em exerciacutecio Nos uacuteltimos anos de sua

vida Agaacutetocles havia confiado o controle dos exeacutercitos a

Archagathus neto do rei e filho do tambeacutem nomeado

Archagathus ex-combatente morto na Liacutebia219 De acordo com

218 Para os problemas gerados pelos mercenaacuterios de Agaacutetocles apoacutes a sua

morte consultar Gianluca Tagliamonte ldquoRapporti tra societagrave di

immigrazione e mercenari italici nella Sicilia greca del IV secolo

aCrdquo In Confini e frontiera nella Grecitagrave d‟Occidente Atti Del

XXXVII Convegno Internazionale di Studi sulla Magna Grecia Taranto

1999 PP 547-572 219 Diod 2116 Justino 232 Para uma distinccedilatildeo entre ambos ver

Niese ldquoArchagatusrdquo in RE 21 432-433 1895

102

Diodoro220 o plano de Agaacutetocles era que seu filho

Agaacutetocles juacutenior se tornasse o sucessor legiacutetimo tendo

com esse propoacutesito apresentado o jovem em Siracusa e o

enviado a Etna com uma carta de autorizaccedilatildeo para o comando

supremo das tropas Ao saber da deliberaccedilatildeo do rei

Archagathus teria decidido levar adiante um plano de

usurpaccedilatildeo Como primeira medida instigaria Menon um dos

amigos (philoi) de Agaacutetocles a envenenar o rei enquanto o

proacuteprio strategos levaria a cabo o assassinato do priacutencipe

apoacutes embebedaacute-lo durante uma festa organizada com esse

objetivo

Se aceitarmos o relato diodoreano a conclusatildeo imediata

eacute que Agaacutetocles desejava manter unidas strategia e

basileia no intuito de assegurar hereditariamente a

concentraccedilatildeo dos poderes poliacutetico e militar nas matildeos de um

soacute homem221 Ao seguir o formato monaacuterquico heleniacutestico

Agaacutetocles teria concedido plenos poderes poliacuteticos ao

general e ao mesmo tempo autoridade sobre os exeacutercitos ao

rei

Haacute contudo uma explicaccedilatildeo alternativa para a sucessatildeo

em Justino a qual natildeo pode ser negligenciada pelos

historiadores ldquoconforme a sua vida esvaiacutea uma guerra

nasceu entre seu filho e seu neto pelo direito agrave sucessatildeo

do reino como se ele jaacute estivesse morto apoacutes eliminar o

filho o neto tomou posse do poder reacutegiordquo222 De acordo com

Justino tanto Agaacutetocles juacutenior quanto Archagathus ao que

parece ainda no comando de consideraacutevel parte do exeacutercito

natildeo teriam sido escolhidos para suceder o rei Ao narrar

que Agaacutetocles teria enviado sua esposa ao Egito os dois

filhos que tivera com ela juntamente com seu tesouro

220 Diod 2116

221 Zambon Hellenistic Sicily pp19-20

222 Justino 232 Ex qua desperatione bellum inter filium nepotemque

eius regnum iam quasi mortui vindicantibus oritur occiso filio regnum

nepos occupavit

103

servos e mobiacutelia real Justino torna claro que o rei natildeo

havia pensado em nenhum dos rebeldes (filho e neto) como

seu sucessor legiacutetimo e que o conflito ter-se-ia iniciado

devido ao seu estado fraacutegil de sauacutede causado por uma

repentina e fatal doenccedila

Por uacuteltimo somente Diodoro menciona que Agaacutetocles

apoacutes ter sido envenenado por Menon a mando de Archagathus

ldquoconvocou a populaccedilatildeo denunciou Archagathus por sua

impiedade instigou a multidatildeo a se vingar e declarou que

devolveu a democracia ao corpo de cidadatildeosrdquo223 Certamente

o que verificamos logo apoacutes a morte de Agaacutetocles eacute a

retomada do governo proacuteprio de Siracusa que muito em breve

entraria em colapso para dar lugar a mais uma guerra civil

Diodoro224 menciona um evento importante sobre os soldados

pagos de Agaacutetocles chamados mamertinos225 os quais foram

obrigados apoacutes longa negociaccedilatildeo mediada pelos anciatildeos (οἱ

πρεσβῦται) a vender as suas propriedades e deixar a Siciacutelia

(τὰς ἑαυτν κτήσεις ἀποδομένους ἀπελθεῖν ἐκ Σικελίας)

Se aceitarmos o uacutenico fato em comum nos dois relatos

preservados sobre a sucessatildeo de Agaacutetocles isto eacute a luta

entre filho e neto pelo poder reacutegio haacute talvez uma forma de

unificar as divergecircncias nos testemunhos de Diodoro e

Justino Mesmo que Agaacutetocles natildeo tivesse escolhido seu

filho como sucessor podemos supor que o mesmo possuiacutea

direito ao trono uma vez que Archagathus o combateu com o

intuito de eliminaacute-lo da contenda sucessoacuteria226

Archagathus por outro lado possuiacutea o controle de boa

223 Diod 2116 [] ἐκκλησιάσας τὸν λαὸν κατηγόρησε τς ἀσεβείας Ἀρχαγάθου καὶ τὰ

μὲν πλήθη παρώξυνε πρὸς τὴν ατοῦ τιμωρίαν τῶ δὲ δήμῳ τὴν δημοκρατίαν ἔφησεν ἀποδιδόναι 224 Diod 2118

225 Diodoro 2118 nos informa que a cidade chamava-se Mamertina apoacutes

Ares que era conhecido ali pelo nome de Mamertos 226 Consolo Langher pp 320-321 tenta unificar as divergecircncias nos dois

relatos de modo muito similar exceto pelo fato de que toma como

incontestaacutevel a indicaccedilatildeo diodoreana com relaccedilatildeo agrave escolha do sucessor

e posterior revolta paterna diante da morte de seu primogecircnito O

problema aqui eacute a exclusatildeo intencional do que nos informa Justino que

natildeo faz qualquer menccedilatildeo agrave escolha de um sucessor por Agaacutetocles

104

parte dos exeacutercitos como atestado em ambas as fontes o

que lhe dava condiccedilotildees de reclamar o trono Se por um

lado Agaacutetocles natildeo escolheu seu filho como sucessor como

nos faz crer Justino por outro o rei natildeo desejava deixar

a heranccedila ao seu neto como nos indica tanto o despacho dos

seus tesouros ao Egito apoacutes a morte de Agaacutetocles juacutenior em

Justino227 como a devoluccedilatildeo do governo proacuteprio aos

siracusanos instantes antes de sua morte em Diodoro228

Apesar da divergecircncia quanto agrave escolha sucessoacuteria para

a qual proponho a soluccedilatildeo apresentada229 os testemunhos de

Diodoro e Justino preservam algo muito interessante tendo

Agaacutetocles escolhido seu filho como herdeiro o que teria

provocado os planos de usurpaccedilatildeo do neto e a consequumlente

luta pelo trono ou tendo filho e neto lutado pela sucessatildeo

sem o consentimento do rei do que resultou a morte do

filho e a hostilidade de Agaacutetocles para com Archagathus

parece incontornaacutevel o fato de que a manutenccedilatildeo da uniatildeo

entre strategia e basileia tenha sido um dos motores do

conflito As monarquias sicilianas posteriores do mesmo

modo tenderatildeo a manter o formato inaugurado por Agaacutetocles

ora baseando-se no esquema de incorporaccedilatildeo definitiva da

strategia compulsoacuteria agrave esfera do poder monaacuterquico ora

desdobrando a monarquia de tipo heleniacutestico da strategia

autocraacutetica

227 Justino 232

228 Diod 2116

229 Consolo Langher p 321 e Zambon Hellenistic Sicily p 25

propuseram algo no mesmo sentido particularmente quanto agraves

providecircncias do rei para evitar que seu neto tomasse o poder Tal

interpretaccedilatildeo contraria abertamente a proposta de Helmut Berve op

cit que via a devoluccedilatildeo do governo proacuteprio aos siracusanos por

Agaacutetocles como reconhecimento do fracasso institucional da basileia na

Siciacutelia

105

3 Pirro e o problema da monarquia heleniacutestica230

Semelhante a Alexandre ldquoem aparecircncia velocidade e

movimentordquo231 Pirro tomou um caminho diferente daquele

assumido por Agaacutetocles Como o rei do Epiro clamava ser

descendente de Aquiles optou por se apresentar como a

proacutepria reencarnaccedilatildeo de Alexandre ao inveacutes de explorar a

memoacuteria do rei por exemplo por meio de cunhagem poacutestuma

(o que havia sido feito por Agaacuteocles)232 Diferentemente dos

planos de unificaccedilatildeo poliacutetica e cultural concebidos por

Alexandre a atuaccedilatildeo de Pirro findou por ser a de lideranccedila

em questotildees essencialmente praacuteticas na vida dos italiotas e

siciliotas Inicialmente apoacutes fracassar nos embates contra

Lisiacutemaco que havia subornado os macedocircnios de seu exeacutercito

ao questionar a quem deveriam ser leais se aos amigos e

companheiros de Alexandre ou ao estrangeiro que acolheram

como rei233 Pirro tomou o pedido de auxiacutelio dos tarentinos

em 281 aC (passados os quatro anos que Leacutevecircque Pirro

entende terem sido um ldquoperiacuteodo de reflexatildeordquo234) como a sua

melhor chance de realizar a conquista do ocidente com a

qual Alexandre havia provavelmente sonhado algumas deacutecadas

antes e concretizar uma monarquia de tipo heleniacutestico

O diaacutelogo entre Pirro e Cineas diplomata de origem

tessaacutelia a serviccedilo do rei ilustra claramente as intenccedilotildees

do epirota em se tornar um monarca de tipo heleniacutestico

(considerando como veremos a seguir que a monarquia

epirota era de um tipo peculiar permanecendo o rei

submetido agrave fiscalizaccedilatildeo constante dos molossianos) a

230 Leacutevecircque Pirro Zambon Hellenistic Sicily pp 97-175

231 Plut Pirro 81

232 Stewart (op cit p284) lembra que as suas moedas traziam imagens

de Aquiles Teacutetis Dione e Zeus 233 Plut Pirro 126 Leacutevecircque Pirro p 166 Leacutevecircque Pirro calcula

somente 3 anos para o governo da Macedocircnia e 2 anos para o governo da

Tessaacutelia antes de o epirota sofrer a derrota para Lisiacutemaco 234 Leacutevecircque Pirro p 168

106

reencarnaccedilatildeo de Alexandre em proporccedilotildees similares de

conquista

bdquoOs romanos oacute Pirro satildeo conhecidos como bons

combatentes e como governantes de muitos povos

belicosos se entatildeo a divindade nos permitir

prevalecer sobre esses homens como deveriacuteamos usar a

nossa vitoacuteria‟ E Pirro disse bdquoa questatildeo oacute Cineas

realmente natildeo necessita de resposta uma vez

conquistados os romanos natildeo haacute nem baacuterbaros nem gregos

que sejam paacutereo para noacutes mas noacutes devemos dominar de

uma vez toda a Itaacutelia cuja grandeza (μέγεθος) excelecircncia (ἀρετὴν) e forccedila (δύναμιν) nenhum homem conhece melhor que vocecirc‟ Apoacutes uma pequena pausa entatildeo Cineas

disse bdquoapoacutes tomar a Itaacutelia oacute Rei o que noacutes iremos

fazer‟ E Pirro sem perceber ainda a sua intenccedilatildeo

respondeu bdquoa Siciacutelia estaacute ao nosso alcance e estende-

nos as matildeos sendo uma ilha rica e populosa bem como

faacutecil de capturar pois tudo laacute oacute Cineas se resume a

stasis (στάσις γὰρ ὦ Κινέα πάντα νῦν ἐκεῖ[να]) suas cidades estatildeo anaacuterquicas (ἀναρχία πόλεων) e os demagogos agitados com Agaacutetocles morto (καὶ δημαγωγν ὀξύτης Ἀγαθοκλέους ἐκλελοιπότος)‟ bdquoO que vocecirc fala‟ respondeu Cineas bdquoparece oportuno

mas a nossa expediccedilatildeo iraacute se encerrar com a tomada da

Siciacutelia‟ bdquoA divindade‟ disse Pirro bdquonos concederaacute a

vitoacuteria e o sucesso da empreitada essas disputas seratildeo

usadas como preliminares de feitos grandiosos

(πραγμάτων μεγάλων) Ora quem se absteria da Liacutebia ou de Cartago tendo a cidade se tornado acessiacutevel uma

cidade que Agaacutetocles ao fugir de Siracusa secretamente

e cruzar o mar com poucas embarcaccedilotildees por pouco natildeo

conquistou E quando noacutes tivermos ali nos tornado

senhores nenhum dos inimigos que agora nos insultam

ofereceraacute resistecircncia eacute desnecessaacuterio dizer isso‟ 235

O rei do Epiro foi capaz de vencer duas batalhas (as

famosas ldquovitoacuterias piacuterricasrdquo) que analisarei em maiores

detalhes mais agrave frente neste capiacutetulo e entatildeo partiu para

a Siciacutelia como o homem capaz de substituir Agaacutetocles na

luta contra os cartagineses No momento da travessia de

Pirro para a Siciacutelia a porccedilatildeo nordeste da ilha encontrava-

se sob lideranccedila dos mamertinos que apoacutes terem eliminado

os cidadatildeos de Messina assumiram o controle da cidade Com

235 Plut Pirro 142-5 Cf Chaniotis WHW p 57

107

a morte de Agaacutetocles e a ausecircncia de um sucessor imediato

que pudesse manter-se no poder de forma legiacutetima ou mesmo

suprimir os violentos embates civis de Siracusa (Hicetas

foi capaz de derrotar Menon e Phintias de Acragas mas natildeo

de sobreviver aos conflitos internos apoacutes nove anos de

tirania)236 o avanccedilo cartaginecircs tornou-se inevitaacutevel

somando-se ao fato de que as cidades gregas independentes

(tais como Tauromenium e Acragas) mostraram-se mais

preocupadas com a tributaccedilatildeo imposta pelos mamertinos do

que propriamente com a investida comandada por Cartago Tal

preocupaccedilatildeo natildeo era descabida A sua independecircncia estava

novamente ameaccedilada agora por soldados do antigo monarca

os quais haviam estabelecido uma alianccedila com os

cartagineses no intuito de barrar a travessia de Pirro

como nos informa Diodoro

Os mamertinos que massacraram os habitantes de

Messina estabeleceram uma alianccedila com os cartagineses

e decidiram juntos impedir a travessia de Pirro para a

Siciacutelia237

Pirro desfrutava de excelente reputaccedilatildeo entre os

siciliotas particularmente com os siracusanos (a esta

altura sitiados pelos cartagineses) devido agrave sua

experiecircncia militar na Peniacutensula ao longo de mais de dois

anos e havia decidido partir para a Siciacutelia como

libertador dos gregos O fracasso nas negociaccedilotildees de paz

com os romanos e os constantes apelos de Siracusa eram

elementos que precisavam ser ajustados quisesse o rei

partir para a Siciacutelia sem expor a sua retaguarda ao

provaacutevel avanccedilo das legiotildees na Magna Greacutecia e ainda contar

com o apoio logiacutestico das cidades siciliotas

236 Hicetas foi substituiacutedo por Thoenon (Ortiacutegia) e Sosiacutestrato

(Siracusa) ambos entusiastas da vinda de Pirro para a Siciacutelia

segundo Diod 227 237 Diod 227 Ὅτι Μαμερτῖνοι οἱ Μεσσηνίους δολοφονήσαντες συμμαχίαν μετὰ

Καρχηδονίων ποιήσαντες ἔκριναν κοινῆ διακωλύειν Πύρρον τὴν εἰς Σικελίαν διάβασιν

108

Este uacuteltimo cuidado o uacutenico que pocircde ser devidamente

acertado por Pirro dizia respeito agrave certeza do suporte

dado pelas cidades siciliotas e devia-se ao fato de Pirro

contar com exeacutercito reduzido no momento da travessia

Apiano relata que ldquoapoacutes isso Pirro navegou para a Siciacutelia

com seus elefantes e oito mil cavaleirosrdquo (ὁ μὲν δὴ Πύρρος ἐπὶ

τούτοις ἐς Σικελίαν διέπλει μετά τε τν ἐλεφάντων καὶ ὀκτακισχιλίων ἱππέων)238 O

fato de o texto natildeo mencionar tropas de infantaria seria

algo desconcertante natildeo fosse a natureza fragmentada da

obra de Apiano Como nos lembra Leacutevecircque nos dias de hoje

costuma-se aceitar o que foi proposto em 1853 por

Niebuhr239 isto eacute que o fragmento natildeo conservou nem a

referecircncia aos pezoi apoacutes a contagem dos oito mil nem a

numeraccedilatildeo dos cavaleiros antes de ἱππέων240 Assim o trecho

original seria apoacutes isso Pirro navegou para a Siciacutelia com

seus elefantes oito mil soldados de infantaria e [vacat]

cavaleiros (ὁ μὲν δὴ Πύρρος ἐπὶ τούτοις ἐς Σικελίαν διέπλει μετά τε τν ἐλεφάντων

καὶ ὀκτακισχιλίων πεζν καὶ [vacat] ἱππέων) Exeacutercito reduzido como

se vecirc e que necessitava dos contingentes siciliotas para a

expediccedilatildeo contra os cartagineses

Na Siciacutelia o trabalho diplomaacutetico de Cineas mostrou-se

decisivo Plutarco nos informa que Pirro o enviou de

imediato para tratar preliminarmente como de costume com

as poacuteleis (μὲν εθὺς ἐξέπεμψε προδιαλεξόμενον ὥσπερ εἰώθει ταῖς πόλεσιν)

enquanto o rei movia-se com seu exeacutercito para Tarentum

cujos habitantes apesar da insatisfaccedilatildeo com a guarniccedilatildeo de

Pirro nada puderam fazer a respeito241 O fato de Tyndarium

de Tauromenium por exemplo ter assegurado a travessia e

feito os preparativos para receber as tropas de Pirro na

cidade eacute emblemaacutetico

238 Apiano Samn 116 Cf Vincenzo La Bua ldquoLa spedizione di Pirro in

Siciliardquo Miscellanea Greco-romana (MGR) 179-254 1980 239 Barthold G Niebuhr Roumlmische Geschichte Berlin G Reimer 1853

240 Leacutevecircque Pirro pp 455-456 Zambon Hellenistic Sicily p101

241 Plut Pirro 224

109

Levando-se em consideraccedilatildeo as condiccedilotildees para a

expediccedilatildeo siciliana podemos jaacute nos perguntar qual era a

natureza de sua monarquia e do tiacutetulo que lhe foi conferido

na Siciacutelia Tratava-se uma monarquia de tipo heleniacutestico

estendida ao territoacuterio siciliota

Haacute duas passagens nas fontes sobre a natureza da

relaccedilatildeo estabelecida entre Pirro e os gregos da Siciacutelia

uma em Poliacutebio e outra em Justino A primeira delas diz

respeito agrave tentativa de assegurar a legitimidade do governo

de Hierocircnimo em 213 aC por ser o tirano neto do rei

Pirro ldquoo uacutenico que todos os siciliotas aceitaram por

preferecircncia e com benevolecircncia como hegemon e reirdquo242 A

segunda delas faz menccedilatildeo a dois tiacutetulos reacutegios Pirro

ldquoapoacutes sua chegada em Siracusa foi designado rei da Siciacutelia

e rei do Epirordquo243 Como trataacute-las de forma plausiacutevel

Alguns historiadores sugeriram que o tiacutetulo de hegemon

na Siciacutelia era equivalente ao de Filipe II especialmente

no que se refere ao tratamento dado agraves poacuteleis Portanto a

alianccedila dos gregos da Siciacutelia com Pirro teria a mesma

natureza da Liga de Corinto isto eacute ambas teriam surgido

de uma pressatildeo poliacutetica externa capaz de subjugar as

cidades e de fazecirc-las integrar forccedilosamente um acordo com o

monarca estrangeiro244 Haacute somente um problema com esta

interpretaccedilatildeo que a compromete seriamente os siciliotas

natildeo haviam sido subjugados por Pirro quando prepararam a

sua recepccedilatildeo na porccedilatildeo leste da Siciacutelia da mesma forma que

natildeo sofreram qualquer pressatildeo poliacutetica preacutevia como nos

indicam as fontes previamente analisadas Tratava-se de um

projeto poliacutetico livremente aceito pelos gregos

242 Polib 74 μόνον κατὰ προαίρεσιν καὶ κατ εὔνοιαν Σικελιται πάντες εδόκησαν σφν

ατν ἡγεμόν εἶναι καὶ βασιλέα 243 Justino 233 cum Syracusas venisset rex Siciliae sicut Epiri

appellatur 244 Ioannes Vartsos ldquoOsservazioni sulla campagna di Pirro in Siciliardquo

Kokalos 16 89-97 1970

110

De acordo com Leacutevecircque Pirro era em primeiro lugar

hegemon de um koinon que se formou contra o inimigo

cartaginecircs assim como basileu ao estilo ldquohelecircnicordquo

tiacutetulos jaacute haacute muito tradicionais no mundo grego mas desta

vez ao contraacuterio do que aconteceu com Dioniacutesio e

Agaacutetocles os tiacutetulos foram concedidos ldquopela vontade

unacircnime de seus novos suacuteditosrdquo245

Leacutevecircque e Zambon recordam com razatildeo que os siciliotas

formaram sob o comando do rei do Epiro um reino da

Siciacutelia uma unidade poliacutetica criada para combater a ameaccedila

cartaginesa com a morte de Agaacutetocles Leacutevecircque eacute ainda

bastante otimista quanto agraves novas possibilidades

documentais que confirmariam algo nesse sentido apostando

numa possiacutevel descoberta de evidecircncias epigraacuteficas

reveladoras a esse respeito

O problema emerge quando Pirro que pode ser

considerado tanto rei do Epiro quanto rei da Siciacutelia

separadamente planejou unificar ambos os reinos e trataacute-

los ao modo heleniacutestico o que natildeo seria admitido nem entre

os molossianos que mantinham certo controle sobre a figura

do rei (a exemplo da cunhagem das moedas que foi aos

poucos sendo conquistada por Pirro) nem entre os

siciliotas (que no final da expediccedilatildeo enxergaram em seu

liacuteder um tirano) para quem Pirro era basileu com funccedilotildees

restritas de hegemon Pode-se dizer que os siciliotas

concederam a Pirro o poder de um monarca ldquohelecircnicordquo ao

passo que o epirota tentou se comportar como um monarca

ldquoheleniacutesticordquo postura que lhe rendeu da mesma forma que a

Agaacutetocles a classificaccedilatildeo negativa (tiacutepica do periacuteodo) de

ldquotiranordquo

245 Leacutevecircque Pirro p 462

111

4 Agaacutetocles Pirro e a imitatio Alexandri em

campo de batalha

41 A expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles

Poliacutebio relata que Cipiatildeo o Africano responsaacutevel pela

reviravolta na Segunda Guerra Puacutenica ao inverter a

estrateacutegia de Aniacutebal Barca levando assim a guerra da

Itaacutelia para a Aacutefrica julgando que as cidades africanas natildeo

teriam condiccedilotildees logiacutesticas para suportar a investida

respondeu quando lhe perguntaram quais eram os maiores

estadistas em coragem e sabedoria ldquoAgaacutetocles e

Dioniacutesiordquo246 Essa resposta se veriacutedica jaacute bastaria para

argumentar que Agaacutetocles embora natildeo tenha sido bem-

sucedido em sua expediccedilatildeo africana era de fato um grande

estadista simplesmente por ter ascendido ao poder em

Siracusa amparado por sua riqueza (que lhe permitiu

recrutar mercenaacuterios) e eloquumlecircncia bem como adotado uma

estrateacutegia ofensiva contra os cartagineses a qual marcaraacute

profundamente a histoacuteria militar do mundo antigo

particularmente a decisatildeo de Cipiatildeo o Africano Embora

fracassada a uacutenica expediccedilatildeo grega em territoacuterio africano

serviu igualmente para ilustrar que Agaacutetocles mesmo antes

de se proclamar basileu havia possivelmente conduzido uma

imitatio Alexandri em campo de batalha Como argumentarei

em seguida ao retomar uma pista lanccedilada por Griffith em

1935 e que parece ter sido deixada de lado pela

historiografia talvez por seu otimismo excessivo poderei

argumentar a favor do uso de grupamentos taacuteticos em moldes

heleniacutesticos durante a expediccedilatildeo africana momentos antes

da autoproclamaccedilatildeo monaacuterquica do comandante siracusano

Antes disto contudo torna-se necessaacuterio precisar o

contexto de tal expediccedilatildeo

246 Polib 1535

112

Agaacutetocles estava provavelmente sem esperanccedilas de

receber auxiacutelio diante da ofensiva cartaginesa na ilha uma

vez que os poderes orientais natildeo haviam manifestado

interesse imediato nas questotildees do ocidente heleniacutestico

Diante disso bem como da presenccedila do inimigo Agaacutetocles

decidiu inverter a estrateacutegia e assolar o territoacuterio

africano numa estrateacutegia de ousadia sem precedentes para

os siciliotas apostando no apoio que poderia obter dos

liacutebios e no ldquoesfriamentordquo do espiacuterito combativo dos

cartagineses que ao depositarem a responsabilidade da

defesa de sua cidade nas matildeos de mercenaacuterios (estando os

mesmos ocupados em Siracusa) teriam perdido qualquer

possibilidade de aquisiccedilatildeo de experiecircncia militar e ldquoardor

combativordquo Os soldados cartagineses que viviam

luxuosamente numa paz prolongada (τετρυφηκότας ἐν εἰρήνῃ

πολυχρονίῳ) portanto sem qualquer experiecircncia nos perigos

da batalha seriam facilmente derrotados como nos lembra

Diodoro ldquopor aqueles que haviam sido treinados na escola

do perigordquo (πὸ τν ἐνηθληκότων τοῖς δεινοῖς)247 Agaacutetocles entatildeo

reuniu cerca de 13500 mercenaacuterios preparou 60 embarcaccedilotildees

e aguardou um momento de distraccedilatildeo dos cartagineses para

navegar rumo ao norte da Aacutefrica provavelmente sem informar

os seus homens de seu plano Apoacutes uma semana de viagem o

siracusano desembarcou com as tropas num lugar a 110 km de

Cartago e decidiu atear fogo agraves embarcaccedilotildees por que natildeo

queria dividir as suas forccedilas (deixando um destacamento

para vigiar a frota estacionada) ou talvez como reforccedilo

psicoloacutegico para o objetivo final da empreitada deixar a

regiatildeo com os cartagineses subjugados tendo para isso o

apoio das divindades (Demeacuteter e Kore as divindades

patronas da Siciacutelia a quem Agaacutetocles havia oferecido o

ldquosacrifiacutecio dos naviosrdquo) Durante a sua marcha para

Cartago o exeacutercito deparou-se com regiotildees bastante

247 Diod 203 Meister CAH 7 p 394

113

feacuterteis tendo tomado por assalto as cidades de Megaloacutepolis

e Tuacutenis Em seguida os mercenaacuterios montaram acampamento

proacuteximo a Cartago onde aguardaram o embate decisivo com o

exeacutercito cartaginecircs na ocasiatildeo formado por seus proacuteprios

cidadatildeos

Apavorados e sem experiecircncia os cartagineses sofreram

uma derrota terriacutevel como analisarei no proacuteximo item

dando liberdade para o saque de diversas cidades (a exemplo

de Neapolis) pelos mercenaacuterios e para o estabelecimento de

uma alianccedila com Elimas rei dos liacutebios Durante a investida

na costa leste da atual Tuniacutesia os cartagineses tentaram

um contra-ataque apostando no corte das linhas de

abastecimento de Neapolis e na reaproximaccedilatildeo com os liacutebios

o que para azar de Agaacutetocles desdobrou-se na traiccedilatildeo de

Elimas248 O siracusano no entanto apressou-se no retorno

a Tuacutenis e conseguiu lidar com a situaccedilatildeo de forma

satisfatoacuteria para o sucesso inicial da expediccedilatildeo Mais de

2000 cartagineses foram mortos e o traidor o rei Elimas

executado como exemplo Esta foi a primeira fase da

expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles seguida por uma seacuterie de

eventos que colocaratildeo fim agraves esperanccedilas de submissatildeo do

norte da Aacutefrica pelos gregos

De modo geral considera-se o periacuteodo posterior a 309

aC como sendo o de fracasso progressivo da expediccedilatildeo

Agaacutetocles enfrentaraacute motins entre seus homens e resolvecirc-

los-aacute com eficiecircncia249 Em seguida apoacutes uma extensatildeo da

guerra mais ao interior e a incorporaccedilatildeo do exeacutercito de

Ophellas de Cirene250 o siracusano tomou a guerra entre

cartagineses e numiacutedios como momento favoraacutevel para a

intensificaccedilatildeo da ofensiva Mas ele natildeo foi capaz de manter

o seu exeacutercito unido durante o seu retorno forccedilado a

248 P Oxyrhynchus 2399 Meister CAH 7 p 396

249 Diod 2033-34

250 Episoacutedio analisado no iniacutecio deste capiacutetulo

114

Siciacutelia Com Agaacutetocles de volta a Siracusa Arcagathus

deixado no comando das tropas de seu pai fracassou diante

dos cartagineses e perdeu boa parte do exeacutercito de

Agaacutetocles tentando sem sucesso recobraacute-lo em Tuacutenis A

uacuteltima esperanccedila de Agaacutetocles era induzir os cartagineses a

uma batalha decisiva contra os homens que havia trazido da

Siciacutelia mas eles aprenderam a liccedilatildeo um pouco antes

Permaneceram em seus fortes aguardando que o exeacutercito

mercenaacuterio grego se desfizesse em discoacuterdia ou tentasse um

ataque desesperado Apoacutes uma batalha mal sucedida

Agaacutetocles se viu novamente obrigado a deixar os seus planos

na Aacutefrica mas desta vez sem alimentar quaisquer

expectativas de retorno Para selar a desgraccedila final ao

perceber que natildeo dispunha de embarcaccedilotildees suficientes para

todo o exeacutercito o comandante siracusano optou por deixar o

continente africano secretamente251

251 Meister CAH 7 p 400

115

411 O exeacutercito de Agaacutetocles

Em primeiro lugar uma diferenccedila baacutesica deve ser

esclarecida quanto ao uso dos mercenaacuterios por Siracusa e

pelos chamados ldquotiranos siciliotasrdquo Os uacuteltimos natildeo

poderiam eacute claro contar com o suporte de tropas ciacutevicas

(ao menos com a maioria delas) uma vez que seus propoacutesitos

eram quase sempre inconstitucionais252 Da mesma forma a

cidade siciliota natildeo poderia contar unicamente com

soldados-cidadatildeos por trecircs motivos (1) a guerra contra os

cartagineses natildeo ocorria em caraacuteter sazonal jaacute que os

cartagineses empregavam mercenaacuterios em larga escala na

Siciacutelia (2) quando a cidade reagia ao poder militar de um

tirano precisava fazecirc-lo numa loacutegica semelhante agrave

periodicidade do combate contra os cartagineses e (3) o

exeacutercito altamente flexiacutevel dos tiranos constituiacutea uma arma

muito superior aos exeacutercitos ciacutevicos mal treinados Temos

entatildeo um ponto comum entre a poacutelis e os tiranos isto eacute o

uso de mercenaacuterios em larga escala por ambos mas esta

identificaccedilatildeo no estatuto de parte dos soldados recrutados

natildeo leva ao recrutamento de tropas mercenaacuterias com funccedilotildees

taacuteticas idecircnticas De fato ao passo que os democratas

confiavam basicamente nos mercenaacuterios de procedecircncia grega

os tiranos mostravam-se verdadeiros entusiastas do

ldquomercenariato sem fronteiras eacutetnicasrdquo provavelmente por

conta do sentimento de hostilidade agrave cidadania253 O uso

constante de tais tropas combinado agrave lideranccedila de um

general experiente (o que Cartago natildeo foi capaz de

fornecer como veremos no proacuteximo capiacutetulo) resultou na

porccedilatildeo grega da Siciacutelia no desenvolvimento de uma tradiccedilatildeo

militar peculiar atualizada do ponto de vista taacutetico e

252 Vendo o roacutetulo da tirania no seacutecIII aC como pertencente aos

politicos que desdobraram seu poder de uma situaccedilatildeo inconstitucional

(strategia autocraacutetica compulsoacuteria na maior parte das vezes) 253 Argumento desenvolvido por Duncan Head Armies of the Macedonian

and Punic Wars organization tactics dress and weapons Sussex

Wargames Research Group Publication 1982 P10

116

favoraacutevel sob a autoridade de um poliacutetico em sintonia com

o mundo heleniacutestico agraves inovaccedilotildees de natureza

institucional

Em 310 aC Agaacutetocles contava com 13500 mercenaacuterios

para a sua expediccedilatildeo africana dos quais contamos 1000

hoplitas 3000 gregos (distintos dos primeiros por que natildeo

integravam a guarda pessoal do siracusano) 3500

siracusanos 2500 soldados de infantaria de origem incerta

(talvez aliados sicilianos natildeo-gregos) 3000 mercenaacuterios

samnitas etruscos e celtas 500 arqueiros e fundeiros254

A

ausecircncia das referecircncias agrave cavalaria provavelmente indica a

esperanccedila de Agaacutetocles em recrutar cavaleiros localmente

assim que chegasse ao norte da Aacutefrica Passados os dois

primeiros anos da expediccedilatildeo Agaacutetocles pocircde dobrar as suas

forccedilas tendo incorporado o exeacutercito de Ophellas Amparados

por essa informaccedilatildeo em Diodoro podemos seguramente dizer

que a forccedila militar de Agaacutetocles passou a contar tambeacutem com

10000 soldados de infantaria 600 cavaleiros 100 carros

de guerra e 300 homens para lutar ao lado de tais carros255

As funccedilotildees ou origens eacutetnicas dos homens de Ophellas satildeo

incertas mas Agaacutetocles natildeo deve ter sido capaz de mantecirc-

los sob seu comando a julgar pelos nuacutemeros que Diodoro nos

apresenta para o ano de 307 aC apoacutes o siracusano ter

recebido reforccedilos da Siciacutelia Entre os ldquosobreviventesrdquo

Agaacutetocles contava com somente 6000 gregos 6000 samnitas

etruscos e celtas e 1500 cavaleiros256 Por uacuteltimo ainda

que Agaacutetocles tenha adquirido reforccedilos liacutebios os mesmos

natildeo se mantiveram leais ao tirano transferindo-se no final

das contas para o domiacutenio cartaginecircs

254 Diod 2011 Obviamente Diodoro aqui confunde unidades eacutetnicas com

unidades taacuteticas Cf Griffith pp 198-202 255 Diod 2041 256 Diod 2064

117

412 Agaacutetocles general como Alexandre

Em 1935 Griffith havia jaacute se posicionado a favor de

uma imitatio Alexandri por Agaacutetocles em campo de batalha257

Para ele as taacuteticas e formaccedilotildees usadas pelo siracusano

eram ocasionalmente reminiscentes daquelas empregadas por

Alexandre Em primeiro lugar apesar de lamentar a ausecircncia

de um relato preciso das campanhas de Agaacutetocles Griffith

pontua a existecircncia ao menos na Aacutefrica de um ldquobatalhatildeo de

infantaria especialmente forterdquo em nuacutemero de 1000 o

qual de acordo com o historiador corresponderia grosso

modo aos hipaspistai de Alexandre Em segundo lugar as

taacuteticas adotadas por Agaacutetocles na mesma batalha contra os

carros de guerra cartagineses corresponderiam exatamente ao

que Alexandre havia feito em Gaugamela contra Dario A

interpretaccedilatildeo das manobras siracusanas como adaptaccedilatildeo das

taacuteticas macedocircnicas poderia ser combatida pela carecircncia de

evidecircncias mais concretas mas a sua coincidecircncia com o

emprego de uma guarda pessoal a qual estava provavelmente

baseada no sistema de funcionamento taacutetico dos hipaspistai

de Alexandre fortalece o argumento A chave para a segunda

parte encontra-se portanto na defesa dos 1000 homens que

compunham a τς θεραπείας258 como uma versatildeo siciliota (ao

menos na expediccedilatildeo africana) dos hipaspistai de Alexandre

Diodoro faz referecircncia agrave existecircncia de um exeacutercito

(aparentemente regular) em Siracusa o qual teria sido

entregue a Hicetas eleito o novo strategos pelos

siracusanos com os problemas sucessoacuterios advindos da morte

de Agaacutetocles259 Tal evidecircncia como recorda Zambon indica

que Agaacutetocles natildeo havia deixado o poder sem um exeacutercito que

lhe fosse fiel e que o mesmo fora usado por Hicetas contra

257 Griffith pp 200-201

258 Literalmente ldquoguarda pessoalrdquo de Agaacutetocles como aparece em Diod

2011 259 Diod 2118

118

Menon260 Mas que exeacutercito era esse Qual era a sua

composiccedilatildeo Infelizmente natildeo temos nenhuma informaccedilatildeo

extra sobre os soldados leais a Agaacutetocles (agrave exceccedilatildeo dos

mamertinos) mas a julgar pela organizaccedilatildeo de uma guarda

pessoal durante a expediccedilatildeo africana a qual certamente natildeo

era desfeita com facilidade261 podemos dizer que a mesma

possivelmente compunha o exeacutercito regular herdado por

Hicetas em Siracusa cerca de vinte anos depois262

De acordo com Diodoro os cartagineses natildeo puderam

aguardar os reforccedilos vindos das regiotildees aliadas devido agrave

situaccedilatildeo alarmante provocada pela ofensiva grega e

decidiram dispor os seus soldados-cidadatildeos em campo de

batalha os quais segundo o historiador siciliano estavam

em nuacutemero aproximado de 40000 e eram acompanhados por

1000 cavaleiros provavelmente numiacutedios (embora a fonte

natildeo mencione a origem eacutetnica) e 2000 carros de guerra263

A ala esquerda era formada por soldados organizados em

260 Zambon Hellenistic Sicily p 30 Sebastiana Consolo Langher La

Sicilia dalla scomparsa di Timoleonte alla morte di Agatocle In

Emilio Gabba La Sicilia Antica 2 1 La Sicilia greca dal IV secolo

alle guerre puniche Napoli Societagrave editrice storia di Napoli e della

Sicilia 1980 pp 289-342 261 Note-se por exemplo o caso dos arguraspides macedocircnicos

262 Diz-se que os arguraspides de Alexandre possuiacuteam mais de 60 anos

quando apoiaram Eumenes sendo ainda temidos por sua disciplina e

experiecircncia Na cronologia apresentada para a guarda pessoal de

Agaacutetocles os soldados teriam idade bem menor que a guarda Real de

Alexandre tornando o argumento plausiacutevel para a eacutepoca 263 Aqui o nuacutemero eacute claramente absurdo Talvez Diodoro (2010) quisesse

se referir a 200 carros de guerra o que seria aceitaacutevel com bastante

otimismo apoacutes reduzir as centenas e comparar os possiacuteveis nuacutemeros

desta batalha com aqueles apresentados por exemplo entre os persas

em Gaugamela (100 carros citas na ala esquerda ao lado da cavalaria

de mesma procedecircncia e de 1000 cavaleiros bactrianos em oposiccedilatildeo a

Alexandre como indica Arr 311) Justino (226) conta 30000 homens

no total (obvius ei fuit cum XXX milibus paganorum Hanatildeo sed proelio

commisso duo de Siculis tria milia de Poenis cum ipso duce cecidere)

da mesma forma que Paulo Oroacutesio Historiae Adversum Paganos 4625

(Hanatildeonem quendam cum triginta milibus Poenorum obuiam habuit) Entre

os historiadores modernos Consolo Langher (pp 139-143) aponta para

10000 cavaleiros certamente presumindo que Diodoro se equivocou ao

lanccedilar apenas 1000 cavaleiros (ἱππεῖς δὲ χιλίους) ao lado de 2000 carros de guerra (ἅρματα δὲ δισχίλια) Consideramos contudo que o erro tenha se dado precisamente na apresentaccedilatildeo dos carros de guerra pelos motivos

enumerados

119

grande profundidade (por induccedilatildeo do terreno) sob o comando

de Bomilcar na ala direita que estava sob o comando de

Hanatildeo encontrava-se o Batalhatildeo Sagrado Agrave frente de toda a

infantaria os cartagineses dispuseram os carros de guerra e

a cavalaria264 Agaacutetocles apoacutes tomar conhecimento da

formaccedilatildeo inimiga confiou a ala direita ao seu filho

Archagathus no comando de 25000 soldados Ao lado de

Archagathus seguiam-se 3500 siracusanos 3000

mercenaacuterios gregos e um grupamento misto de samnitas

etruscos e celtas tambeacutem em nuacutemero de 3000 Agaacutetocles

encontrava-se de frente para o ieros lochos cartaginecircs no

comando de sua guarda pessoal um total de 1000 soldados

pesadamente armados (ao menos equipados para o choque

frontal) Nas alas ele dispocircs os 500 arqueiros e

fundeiros265

Deve ser observado que Agaacutetocles liderou sua guarda

pessoal contra o Batalhatildeo Sagrado ou seu equivalente

cartaginecircs e que a mesma compunha um grupamento de 1000

soldados de infantaria pesadamente armada Sabemos que a

guarda pessoal em questatildeo natildeo se tratava de um ieros

lochos pois a sua lealdade como o termo grego indica

estava primeiramente ligada a Agaacutetocles depois

possivelmente agrave cidade de Siracusa Aleacutem disso os nuacutemeros

natildeo batem com o que nos eacute dado pelas fontes para os ieroi

lochoi De acordo com Plutarco o ieros lochos foi

inicialmente formado como eacute dito por Gorgias a partir de

300 homens selecionados (ἐξ ἀνδρν ἐπιλέκτων τριακοσίων) para os

quais a cidade fornecia treinamento e manutenccedilatildeo []rdquo266

Dadas as proporccedilotildees dos exeacutercitos gregos no tempo de

Peloacutepidas poderiacuteamos argumentar que a guarda pessoal de

Agaacutetocles representaria um inchaccedilo de um Batalhatildeo Sagrado

264 Diod 2010

265 Diod 2011

266 Plut Pelop 18

120

siracusano se houvesse referecircncia agrave existecircncia de tal

destacamento em Siracusa se o termo empregado pelas fontes

fosse ieros lochos ao inveacutes de therapeiacutea e se a expediccedilatildeo

africana tivesse demorado tempo suficiente para aumentar a

lealdade das tropas a Agaacutetocles em detrimento da cidade que

os teria formado e mantido no caso de possiacutevel a

argumentaccedilatildeo de um ieros lochos natildeo mencionado com os

termos apropriados267 Como dito acima natildeo haacute indiacutecios para

nenhum dos trecircs casos aleacutem de ter a lealdade da tropa sido

vinculada em sua uacutenica apariccedilatildeo em Diodoro estritamente

ao comandante siracusano Eacute provaacutevel que esta guarda

pessoal portanto tenha reconhecido a toga puacuterpura de

Agaacutetocles como adequada ao seu poder o que anula a

hipoacutetese de ter sido essa somente uma guarda pessoal de um

tirano como encontramos nos periacuteodos anteriores Aleacutem

disso o contexto de imitatio Alexandri no campo poliacutetico

bem documentado durante a expediccedilatildeo africana assim como a

interaccedilatildeo que Agaacutetocles mantinha com o mundo heleniacutestico

contribuem para uma provaacutevel resignificaccedilatildeo da guarda

pessoal em questatildeo Em uacuteltima instacircncia tratava-se da

guarda de algueacutem que jaacute se via com direitos a uma sucessatildeo

forjada ao trono macedocircnico sendo a identificaccedilatildeo com os

hipaspistai algo bastante plausiacutevel

Tratemos agora do posicionamento dos arqueiros e

fundeiros contra os carros de guerra e cavaleiros do

exeacutercito cartaginecircs Recordo que em Gaugamela Alexandre

havia disposto na ala direita agrianianos arqueiros e

soldados (levemente) armados provavelmente peltastas e na

ala esquerda juntamente com dois corpos de cavalaria

267 Diodoro 1680 em contrapartida emprega o termo ieros lochos para

um grupamento de cartagineses em nuacutemero de 2500 que haviam

combatido em Himera (480 aC) A designaccedilatildeo eacute obviamente

equivocada especialmente pelo nuacutemero excessivo de soldados e por sua

inexperiecircncia em campo de batalha Aleacutem disso essa parece ter sido

uma maneira grega de enquadrar parte das tropas citadinas cartaginesas

pesadamente armadas que raramente combatiam por sua cidade

121

arqueiros cretenses dardeiros traacutecios entre outros Em

331 aC agrianianos e dardeiros das ilhas Baleares

bloquearam o ataque dos carros de guerra citas enquanto os

falangistas ao centro (hipaspistai) natildeo se opuseram

frontalmente a eles deixando-os passar por meio de

manobras de evasatildeo sem causar portanto baixas na

infantaria macedocircnica268 Em 310 aC num campo aberto natildeo

muito distante de Cartago os soldados pesadamente armados

de Agaacutetocles realizaram idecircnticas manobras evasivas

permitindo-os passar (ἃ δ εἴασαν διεκπεσεῖν) abatendo

inicialmente alguns e em seguida forccedilando o retorno da

maior parte dos carros de guerra contra as suas proacuteprias

tropas269 Como Diodoro natildeo menciona forccedilas de cavalaria do

lado grego o que nos soa estranho a uacutenica reconstruccedilatildeo

possiacutevel para a vitoacuteria sobre os carros de guerra e

cavaleiros se daacute por meio do emprego dos arqueiros e

fundeiros (a exemplo do que ocorreu em Gaugamela) os quais

causaram de acordo com Diodoro muitas baixas nas tropas

acima referidas (mais um indiacutecio de que se tratava de

cavaleiros numiacutedios os quais natildeo eram paacutereo para dardos de

arremesso e projeacuteteis de modo geral desde que disparados

por infantaria levemente armada) Com o fracasso da

investida montada o campo de batalha transformou-se num

cenaacuterio praticamente claacutessico com dois corpos de

infantaria pesadamente armada em confronto direto Hanatildeo

foi incapaz de suportar o choque com os soldados liderados

pessoalmente por Agaacutetocles e Bomilcar no comando da ala

em profundidade ordenou um recuo taacutetico de seus homens

que em princiacutepio seria parte de um plano (inclusive

poliacutetico jaacute que ambicionava de acordo com Diodoro a

morte de seu rival Hanatildeo para entatildeo dar sequumlecircncia ao

268 Ver cap1

269 Diod 2012 προεμβαλόντων γὰρ εἰς ατοὺς τν ἁρμάτων ἃ μὲν κατηκόντισαν ἃ δ

εἴασαν διεκπεσεῖν τὰ δὲ πλεῖστα συνηνάγκασαν στρέψαι πρὸς τὴν τν πεζν τάξιν

122

golpe de Estado)270 A aparente inexperiecircncia dos soldados

nas realizaccedilotildees das manobras assim como a ordem prematura

de seu liacuteder fizeram com que a retirada se transformasse

num verdadeiro massacre obrigando boa parte dos soldados a

se refugiar nas muralhas de Cartago

270 Diod 2012 Meister CAH 7 p 395 Voltarei a tratar desse assunto

no cap4

123

42 A expediccedilatildeo de Pirro do Epiro

Pirro natildeo iria para a Peniacutensula Itaacutelica sem tropas

como queriam os tarentinos embora seu exeacutercito fosse

sensivelmente menor que o de Alexandre o Grande quando do

iniacutecio de sua expediccedilatildeo asiaacutetica271 Plutarco nos informa

que Pirro contava com 20 elefantes 3000 cavaleiros

20000 soldados de infantaria 2000 arqueiros e 500

fundeiros272 Precedido pelo diplomata Cineas como de

costume Pirro se fez acompanhar por dois de seus filhos

nomeadamente Alexandre e Heleno ao passo que seu outro

filho Ptolomeu foi deixado como regente no Epiro Apoacutes

cumprir a rota mariacutetima para a Peniacutensula o que se deu com

inuacutemeros problemas como Plutarco narra com alto niacutevel

dramaacutetico273 o epirota deu iniacutecio ao entendimento pessoal

com seus aliados e agraves primeiras emissotildees monetaacuterias de sua

expediccedilatildeo a partir das quais ele pocircde reforccedilar os viacutenculos

com Alexandre e sua semelhanccedila com os Diaacutedocos assim como

celebrar a alianccedila274 Em seguida tendo alistado tarentinos

em seu exeacutercito o liacuteder da coalizatildeo contra os romanos

parecia estar pronto para a accedilatildeo a qual se transformaraacute ao

final num verdadeiro fiasco tal qual a expediccedilatildeo africana

de Agaacutetocles275 Ambas contudo servem para ilustrar como

as taacuteticas e as figuraccedilotildees do poder heleniacutestico se

apresentaram ao ocidente particularmente na Magna Greacutecia

Siciacutelia e norte da Aacutefrica no iniacutecio com contexto bastante

favoraacutevel aos monarcas

271 Griffith p 61 Leacutevecircque Pirro p297

272 Plut Pirro 152 Pausacircnias 112 sugere que Pirro obteve seus

elefantes apoacutes vencer uma batalha contra Demeacutetrio 273 Plut Pirro 153-8 Zonaras 82 Justino 181 Leacutevecircque Pirro p

297-298 274 Leacutevecircque Pirro p 299 Sobre a cunhagem na Magna Greacutecia e Siciacutelia

durante a expediccedilatildeo de Pirro cf Vincenzo La Bua ldquoLa spedizione di

Pirro in Siciliardquo MGR 7 179-254 1980 Zambon Hellenistic Sicily

pp121-129 275 Aceita-se comumente que a coalizatildeo era formada por samnitas

lucanianos brutianos messapianos e com incerteza apulianos

Leacutevecircque Pirro p 304

124

Do lado romano os preparativos tiveram de ser

iniciados em contexto bastante desfavoraacutevel considerando-

se os problemas com os etruscos e sua simultaneidade com a

formaccedilatildeo da alianccedila italiota conduzida por Pirro Seguindo

os costumes Roma dividiu o exeacutercito entre os cocircnsules

ficando Valeacuterio Levinus no comando das legiotildees contra Pirro

e Coruncanius no comando das legiotildees contra os etruscos

Os romanos haviam tirado jaacute grande proveito das guerras

precedentes como nos informa Poliacutebio [os romanos] se

tornaram verdadeiros mestres na arte da guerra por meio de

sua luta com os samnitas e os celtas (ἀθληταὶ γεγονότες ἀληθινοὶ

τν κατὰ τὸν πόλεμον ἔργων ἐκ τν πρὸς τοὺς Σαυνίτας καὶ Κελτοὺς ἀγώνων)276

Assim deve-se ter em conta que natildeo somente Pirro era um

comandante experiente e com tropas de alto niacutevel como

vimos acima mas tambeacutem os romanos possuiacuteam um niacutevel de

experiecircncia militar e ldquopotencial soldadescordquo adequados ao

seu inimigo Esse eacute um fator importante na medida em que

estabelece entre outros fatores os resultados da campanha

italiana Por potencial soldadesco entendo basicamente a

composiccedilatildeo de ambos os exeacutercitos e o que disso poderia ser

desdobrado em termos taacuteticos excetuando as legiotildees de Roma

e a falange macedocircnica sob Pirro (fundamental em

Heracleia) o restante das tropas (particularmente em

Aacutesculo) possuiacutea as mesmas origens eacutetnicas e portanto

armamento e estilo de combate similares Aleacutem disso a

flexibilidade das legiotildees da forma como explicado no cap4

desta tese contribuiu para o quadro desfavoraacutevel ao rei do

Epiro jaacute que puderam enfrentar a falange (em Heracleia)

com recursos taacuteticos superiores auxiliando no quadro

geral da campanha para o deslocamento do foco poliacutetico

mais a sudoeste precisamente na Siciacutelia grega

276 Polib 16

125

421 O exeacutercito de Pirro

Em 280 aC o exeacutercito que Pirro liderou em sua

expediccedilatildeo italiana estava claramente organizado em estilo

macedocircnico mas nada indica que essa organizaccedilatildeo era

conhecida pelos epirotas anteriormente Historiadores

tendem a apostar numa reforma iniciada cerca de 340 aC

por Alexandre do Epiro amigo e aliado de Filipe II tanto

por sua relaccedilatildeo com os macedocircnios quanto pela logiacutestica

necessaacuteria a uma expediccedilatildeo italiana (realizada em 334

aC) a qual somente seria viaacutevel com um exeacutercito

ldquonacionalmente unificadordquo277 mas natildeo haacute evidecircncias

suficientes para algo mais conclusivo aleacutem de tais

argumentos Talvez Alexandre do Epiro tenha de fato

reformado o exeacutercito epirota nos moldes do projeto de

Filipe da Macedocircnia mas o certo eacute que Pirro cerca de meio

seacuteculo mais tarde dispunha de tais condiccedilotildees

Como dito anteriormente Plutarco nos informa que o

exeacutercito de Pirro era composto por 20 elefantes 3000

cavaleiros 20000 soldados de infantaria (ou 23000 se

considerarmos os 3000 homens enviados juntamente com

Cineas) 2000 arqueiros e 500 fundeiros Curiosamente natildeo

haacute indiacutecios de algo similar aos hipaspistai no exeacutercito

epirota sendo o termo empregado para indicar oficiais

capazes de governar cidades (na Siciacutelia) e natildeo para fazer

referecircncia agraves tropas que compunham uma unidade de

combate278 Obviamente os 20000 soldados de infantaria natildeo

eram puramente epirotas Beloch foi capaz de mostrar a

esse respeito que os aproximados 300000 habitantes do

Epiro dos quais 100000 estariam possivelmente em idade

militar natildeo poderiam fornecer sequer os 20000 soldados de

infantaria do exeacutercito de Pirro levando em consideraccedilatildeo o

277 O argumento pode ser mapeado em Head op cit p 19 e Braccesi

op cit pp43-53 278 Head op cit p 19

126

estado economicamente atrasado da regiatildeo279

Daiacute resulta que

boa parte dos soldados de Pirro em sua expediccedilatildeo italiana

fosse formada por mercenaacuterios de acordo com os dados

obtidos acerca das tropas empregadas em Aacutesculo Aleacutem dos

tarentinos e demais aliados o rei epirota contava com uma

falange macedocircnica e alguns cavaleiros tessaacutelios cedidos

por Ptolomeu Keraunos rei da Macedocircnia uma infantaria

mercenaacuteria da Etoacutelia Acarnacircnia e Atamacircnia e um corpo de

cavaleiros mercenaacuterios gregos arcanianos etoacutelios e

atamanianos280 Sem duacutevida a reputaccedilatildeo de Pirro reforccedilou a

sua capacidade de recrutar novos soldados dispostos a

combater na condiccedilatildeo de profissionais

279 Julius Beloch apud Griffith p61 Poliacutebio (3015 fragmentos

preservados em Estrabatildeo Geografia 77 e Tito Liacutevio 4534) menciona

15000 epirotas escravizados por Emiacutelio Paulo em 168 aC Cf tambeacutem

Griffith p 61 280 Griffith p 62

127

422 O exeacutercito republicano romano

O exeacutercito romano em seus primoacuterdios parece natildeo ter

sido muito diferente daquele encontrado no restante das

cidades do Laacutecio sendo influenciado por seus vizinhos mais

poderosos os etruscos A confederaccedilatildeo etrusca estendeu sua

influecircncia a ponto de nomear a organizaccedilatildeo inicial das

forccedilas romanas ao estilo etrusco compondo trecircs tribos com

a responsabilidade de fornecer 1000 homens em idade

militar cada ficando os soldados sob o comando de um

tribunus As subdivisotildees de cada tribo forneciam uma

centuacuteria (nessa eacutepoca possivelmente contada como 100

homens) o que resultava numa forccedila modesta de 3000

homens a chamada legio A cavalaria (equites) era formada

por nobres e seus filhos totalizando 300 homens montados

(capazes de pagar a manutenccedilatildeo de um cavalo e equipamentos)

divididos entre as tribos De modo geral a historiografia

aceita que essa organizaccedilatildeo inicial somente seraacute modificada

com Seacutervio Tuacutelio aproximadamente entre 580-530 aC281 Ao

lado da criaccedilatildeo de muitas das instituiccedilotildees de Roma Seacutervio

Tuacutelio parece ter realizado o primeiro censo do povo romano

dividindo a populaccedilatildeo em classes obedecendo ao padratildeo de

riqueza Com objetivos claramente poliacuteticos e militares as

centuacuterias (como a populaccedilatildeo era dividida) teriam impacto na

organizaccedilatildeo das assembleacuteias e das tropas Em primeiro

lugar vinha a ordem equumlestre num total de 18 centuacuterias

em seguida a populaccedilatildeo restante aparecia dividida em 5

classes separadas a partir de sua riqueza e contadas da

seguinte maneira em casos de alistamento militar (a) a

primeira classe armada com lanccedila e espada e equipada com

281 Lawrence Keppie The making of the Roman army from republic to

empire London BT Batsford 1984 pp 16-17 Daly pp 48-52

Giovanni Brizzi Le guerrier de lantiquiteacute classique de lhoplite au

leacutegionnaire Monaco Rocher 2004 pp 43-51 John Rich ldquoWarfare and

the Army in Early Romerdquo In Paul Erdikamp A companion to the Roman

army Malden MA Oxford Blackwell 2007 pp 7-23 Para uma visatildeo

detalhada das fontes a respeito ver Michael M Sage The Republican

Army a Sourcebook New York London Routledge 2008 pp 4-41

128

couraccedila de bronze elmo escudo e grevas (b) a segunda

classe armada de forma idecircntica e equipada de maneira

similar excluindo a couraccedila (c) a terceira classe

idecircntica agrave segunda classe exceto pelas grevas (d) a

quarta classe armada com lanccedila e equipada somente com

escudo (e) a quinta e uacuteltima classe armada com fundas e

pedras Os seniores (oposto de iuniores isto eacute em idade

militar) eram empregados somente em caso de cerco

portanto para a defesa da cidade Abaixo da quinta classe

contava-se apenas o grupo de homens (em nuacutemero modesto) sem

propriedade alguma (capite censi ou registrados por

contagem de cabeccedila) os quais eram desqualificados para o

serviccedilo militar282

Terminado o periacuteodo das monarquias a primeira

modificaccedilatildeo no exeacutercito romano (entatildeo republicano) surgiu

em meio aos conflitos contra as comunidades adjacentes no

momento de enfraquecimento dos etruscos mediante a fixaccedilatildeo

dos celtas na regiatildeo dos Alpes e do fortalecimento da

posiccedilatildeo das colocircnias gregas no sul da Peniacutensula Itaacutelica

Nesse contexto precisamente em 406 aC os romanos

partiram para o uacuteltimo embate com a cidade etrusca de

Veios conflito que se encerrou 10 anos depois com a

captura da cidade pelos romanos Durante a guerra contra

Veios o exeacutercito cresceu (de cerca de 4000 para 6000

homens) e o escudo circular foi substituiacutedo pelo escudo

longo italiano o scutum Da mesma forma como parece

oacutebvio o nuacutemero de cavaleiros subiu totalizando as 18

centuacuterias previstas na ldquoreforma servianardquo Eacute nesse momento

(6 anos apoacutes a captura de Veios pelos romanos portanto em

390 aC) que Roma eacute tomada pelos celtas exceto por uma

pequena porccedilatildeo da cidade Capazes de expulsar os celtas de

282 Keppie (op cit p 17) recorda que nessa eacutepoca ldquoa defesa da cidade

era um dever uma responsabilidade e um privileacutegiordquo

129

sua cidade os romanos estavam a caminho do estabelecimento

de sua posiccedilatildeo na Peniacutensula

Alguns autores tecircm sugerido uma identificaccedilatildeo da legiatildeo

romana com os hoplitas gregos283 mas a forma cerrada de

luta dos romanos nos primeiros anos deve indicar mais uma

adaptaccedilatildeo etrusca (que natildeo era uma incorporaccedilatildeo de taacuteticas

gregas como alguns acham razoaacutevel deduzir) do que

propriamente uma forma similar de combate ombro-a-ombro De

qualquer forma logo as unidades manipulares (manipuli)

foram adotadas como resposta agraves exigecircncias de maior

flexibilidade taacutetica Cada maniacutepulo com aproximados 100-

120 homens exceto pelos triarii contava com dois

centuriotildees homens experientes dispostos no comando das

unidades taacuteticas Vale destacar o centuriatildeo secircnior da

legiatildeo disposto no comando no maniacutepulo da extrema direita

dos triarii que era depois incluiacutedo (ex officio) no

conselho geral do cocircnsul juntamente com os tribunos Jaacute no

final do seacutecIV aC basicamente no mesmo periacuteodo da

expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles (310-307 aC) ou talvez um

ano antes o exeacutercito romano encontrava-se dividido em 4

legiotildees comandadas por dois cocircnsules e abaixo deles 6

tribunos militares

Durante a sua expansatildeo em direccedilatildeo ao sul do Laacutecio os

romanos foram capazes de subjugar os samnitas em quase 50

anos de conflito Devido agrave natureza montanhosa da regiatildeo

tem sido sugerido que os maniacutepulos seriam na verdade uma

modificaccedilatildeo ocorrida nesse momento o que se justificaria

com a necessidade de maior flexibilidade taacutetica do

terreno284 De acordo com Tito Liacutevio os maniacutepulos eram

parte de inovaccedilotildees tiacutepicas do periacuteodo da Primeira Guerra

283 Um excelente exemplo (mas natildeo o uacutenico) eacute Keppie op cit p 19 284 Keppie op cit pp18-19 Daly pp 56-63 Brizzi op cit p 47

Louis Rawlings ldquoArmy and Battle During the Conquest of Italyrdquo In

Erdkamp op cit pp 55-58 Sage op cit pp 63-66

130

Samnita285 Apoacutes a linha de tropas levemente armadas

(leves) vinham os maniacutepulos de hastati (os que portavam a

hasta ou lanccedila curta) seguidos pelos maniacutepulos de

principes e por uma terceira linha os maniacutepulos de triarii

(homens mais velhos ndash e experientes - que entravam em cena

no caso de desorganizaccedilatildeo das duas primeiras linhas) Por

fim Tito Liacutevio menciona rorarii (lit tropas levemente

armadas) e accensi (lit tropas reservas) grupos de

soldados levemente armados dispostos como uacuteltima forccedila de

reserva O relato de Tito Liacutevio contudo embora seja de

grande valor natildeo eacute normalmente visto com precisatildeo

histoacuterica desejaacutevel preferindo-se a narrativa do

historiador cuja autoridade nos assuntos militares eacute

inquestionaacutevel Poliacutebio286

De acordo com Poliacutebio em sua detalhada descriccedilatildeo da

organizaccedilatildeo do exeacutercito romano a legiatildeo romana (jaacute no

periacuteodo da Segunda Guerra Puacutenica isto eacute entre 218 e 201

aC) contava com 4200 homens podendo atingir o nuacutemero de

5000 em situaccedilotildees de emergecircncia O processo seletivo

(dilectus ou simplesmente ldquoseleccedilatildeordquo) incorporava homens

entre 17 e 46 anos com propriedade avaliada acima dos 400

denaacuterios apoacutes a avaliaccedilatildeo das habilidades necessaacuterias ao

serviccedilo Ao soldado de infantaria era pago um stipendium

criado para cobrir os prejuiacutezos que supunham o afastmento

de casa perfazendo no tempo de Poliacutebio um total de 120

denaacuterios por ano Os cavaleiros por sua vez recebiam

mais cerca de 365 denaacuterios por ano o que considerava

tanto a sua origem social quanto os custos com o cavalo

Feita a seleccedilatildeo a legiatildeo era dividida da seguinte maneira

(a) os velites formados pelos mais jovens e pobres (b) os

hastati formados pelos mais jovens e pobres depois dos

velites (c) os principes formados pelos ldquopreeminentesrdquo

285 Tito Liacutevio 88-10 286 A referecircncia eacute Polib 619-42

131

(d) os triarii os mais maduros e experientes dos soldados

Os hastati e os principes compunham 2400 homens no total

(10 maniacutepulos de 120 homens cada) acompanhados por 600

triarii (10 maniacutepulos de 60 homens cada) e por deduccedilatildeo

1200 velites Os velites prossegue Poliacutebio eram armados

com espadas lanccedilas de arremesso e um pequeno escudo

circular (parma) Os hastati e os principes encontravam-se

normalmente equipados com duas lanccedilas (pila) cada uma

espada curta (gladius) que era a principal arma do

legionaacuterio e equipados com escudo oval peitoral de

bronze elmo e grevas Os triarii eram equipados da mesma

forma exceto pelo armamento ao inveacutes do pilum o triarius

portava a hasta lanccedila perfurante que natildeo poderia ser usada

para arremesso e era portanto usada no combate corpo-a-

corpo

A cavalaria totalizava 300 homens divididos em 10

turmae de 30 homens cada uma sob o comando de 3 decuriotildees

e equipadas com longos escudos circulares lanccedilas longas e

couraccedila de tecido De modo geral a legiatildeo era disposta em

formato de ldquotabuleiro de xadrezrdquo com os velites agrave frente

de todos os legionaacuterios para a accedilatildeo de escaramuccedila tendo os

hastati principes e triarii organizados em trecircs linhas

subsequumlentes de maneira a permitir a substituiccedilatildeo dos

homens da frente pelos de traacutes devido aos pequenos espaccedilos

propiciados pela formaccedilatildeo A cavalaria como no caso grego

era colocada nas alas como proteccedilatildeo dos flancos

132

423 A batalha de Heracleia (280 aC)

Leacutevecircque sustentou que a postura ofensiva romana ao

reunir as tropas sob Valeacuterio Levinus e marchar

imediatamente contra Pirro tinha trecircs objetivos claros

(1) desferir um golpe decisivo antes que o epirota pudesse

coletar todo o apoio esperado (2) conter uma possiacutevel

revolta das cidades gregas de Regium Locres e Croton ldquoa

quem a chegada do rei podia fazer pesar sua adesatildeo agrave causa

romanardquo e (3) lanccedilar a guerra para longe das terras

submetidas pelos romanos o que natildeo comprometeria a

lealdade desses povos a Roma287 Plutarco nos diz algo

interessante a respeito da reaccedilatildeo de Pirro agrave investida

romana algo que evidencia ainda mais as suas intenccedilotildees

monaacuterquicas heleniacutesticas as quais podem ser encontradas

desde o iniacutecio da sua expediccedilatildeo mesmo antes de se decidir

pela Siciacutelia

Ao ser informado que Levinus o cocircnsul romano se

aproximava com numeroso exeacutercito tendo saqueado a

Lucacircnia no trajeto Pirro natildeo havia ainda se juntado

aos seus aliados mas por julgar ser algo intoleraacutevel

ter de aguardar enquanto seus inimigos avanccedilavam

partiu da cidade com suas tropas []288

A postura de Pirro indica ao menos nessa ocasiatildeo que

o ldquodeverrdquo de lideranccedila de um monarca heleniacutestico (mesmo que

ele somente ambicionasse a monarquia de tipo oriental) era

mais relevante que a uniatildeo completa das tropas pela qual

ele aguardava ou ainda que ele julgava ser possiacutevel vencer

os ldquobaacuterbarosrdquo sem ter reunido todas as suas forccedilas jaacute que

povos militarmente desorganizados por mais belicosos que

fossem natildeo eram paacutereo para os gregos como Alexandre havia

287 Leacutevecircque Pirro p 318

288 Plut Pirro 164 πεὶ δὲ Λαιβῖνος ὁ τν Ῥωμαίων ὕπατος ἠγγέλλετο πολλῆ στρατιᾷ

χωρεῖν ἐπ ατόν ἅμα τὴν Λευκανίαν διαπορθν οδέπω μὲν οἱ σύμμαχοι παρσαν ατῶ δεινὸν δὲ ποιούμενος ἀνασχέσθαι καὶ περιιδεῖν τοὺς πολεμίους ἐγγυτέρω προϊόντας ἐξλθε μετὰ τς δυνάμεως []

133

mostrado em sua expediccedilatildeo asiaacutetica Que essa ideacuteia tenha

ocorrido a Pirro parece plausiacutevel principalmente ao

analisarmos um evento imediatamente posterior de sua marcha

contra os romanos quando o rei observou admirado (ἐθαύμασε)

ldquoa disciplina as sentinelas a sua ordem e o arranjo de

seu acampamentordquo (τάξιν τε καὶ φυλακὰς καὶ κόσμον ατν καὶ τὸ σχμα τς

στρατοπεδείας) dizendo ao seu amigo mais proacuteximo em

conclusatildeo que ldquoa disciplina desses baacuterbaros natildeo eacute

baacuterbarardquo289

Acampamentos montados ambos os lados estavam prontos

para o combate Pirro contava de acordo com Justino com

exeacutercito inferior em nuacutemero ainda que natildeo saibamos os

efetivos concretos dos romanos290 Para o desenrolar da

batalha embora Justino forneccedila o referido indiacutecio sobre a

inferioridade numeacuterica de Pirro as principais fontes satildeo

Plutarco e Dioniacutesio de Halicarnasso291 ambos com acesso ao

que parece aos relatos de duas tradiccedilotildees bastante

distintas Tornou-se consenso haacute muito tempo entre os

historiadores que Plutarco para a batalha em questatildeo

empregou basicamente o relato de Hierocircnimo292 intercalando

o mesmo com anedotas originadas na tradiccedilatildeo analiacutestica as

quais Dioniacutesio utiliza com frequumlecircncia293 Isso explicaria

tanto a versatildeo inteligiacutevel da batalha (o que natildeo eacute um traccedilo

comum nas biografias de Plutarco) quanto a presenccedila de

algumas imagens bastante favoraacuteveis aos romanos e pouco

289 Plut Pirro 167

290 Justino 181 Nec rex tametsi numero militum inferior esset []

Gaetano De Sanctis Storia dei Romani Milan Fratelli Boca 1907 P

392 supotildee que tenham sido somente duas presumindo que ateacute 4 legiotildees

eram normalmente divididas entre os cocircnsules Leacutevecircque Pirro 1957

P322 em contrapartida eacute mais otimista quanto agrave extensatildeo das tropas

de Levinus acreditando que podem ter sido 8 em Heracleia Essas satildeo

contudo suposiccedilotildees baseadas num possiacutevel nuacutemero de legiotildees sob um

uacutenico cocircnsul durante a fase intermediaacuteria da Repuacuteblica uma vez que as

fontes silenciam sobre esse caso em particular 291 Plut Pirro 16-17 e Dioniacutesio 1911-12

292 Plut Pirro 174 Cf Rudolf Schubert Geschichte des Pyrrhus

Koumlnigsberg Wilh Koch 1894 P 176 293 Leacutevecircque Pirro p323

134

criacuteveis do ponto de vista histoacuterico Notemos por exemplo

o retrato pitoresco do episoacutedio de espionagem epirota o

qual precedeu a batalha propriamente dita da forma como

registrado em Dioniacutesio

Levinus o cocircnsul romano tendo capturado um espiatildeo de

Pirro armou e dispocircs todo o exeacutercito em formaccedilatildeo de

batalha (εἰς τάξιν καταστήσας) e apoacutes mostraacute-lo ao espiatildeo ordenou que ele contasse toda a verdade sobre o que

tinha visto [] informando que Lavinus o cocircnsul

romano solicitava que ele [Pirro] natildeo enviasse mais

homens secretamente como espiotildees mas que viesse em

pessoa abertamente (φανερς) para ver o poder dos

romanos (ἰδεῖν τε καὶ μαθεῖν τὴν Ῥωμαίων δύναμιν)294

Pirro decidiu aguardar os reforccedilos de seus aliados numa

das margens do Siris onde estacionou um destacamento grego

para assegurar que os romanos natildeo atravessassem o rio

Estes no entanto mandaram parte de sua infantaria

(provavelmente aliada) cruzar o Siris por um vau enquanto

a cavalaria avanccedilava por diversos outros pontos rasos

expondo os gregos ao risco do envolvimento completo o que

de acordo com Plutarco os fez recuar295 Ao ver que seus

homens bateram em retirada Pirro ordenou aos oficiais que

pusessem a falange em linha enquanto ele proacuteprio como

Alexandre no comando de seus 3000 cavaleiros investiu

contra os romanos na expectativa de que eles se

desordenassem com a ofensiva montada Nem os cavaleiros

puderam romper a ordem das legiotildees com sua ldquoteatralizaccedilatildeo

ofensivardquo (uma vez que natildeo entraram de fato em choque com

o centro da formaccedilatildeo romana) nem o subsequumlente choque com

a falange pocircs os legionaacuterios a correr diferentemente do

que Alexandre havia feito aos persas Relata-nos Plutarco

que foram sete as reviravoltas no desenrolar do confronto

entre as duas infantarias informaccedilatildeo que ele provavelmente

294 Dionisio 1911 Cf tambeacutem Zonaras 836 e Frontino 477

295 Plut Pirro 165

135

obteve de Hierocircnimo296 e que nos permite deduzir a

ocorrecircncia de quatro ataques de Pirro e de trecircs contra-

ataques de Levinus (presumindo que a primeira reviravolta

soacute pode ter sido favoraacutevel aos epirotas jaacute que ao final

eles saiacuteram vitoriosos) Numa das alas provavelmente a

direita o rei sofreu o ataque da cavalaria inimiga mas

venceu apoacutes penoso embate com as tropas montadas de

Oblacus297 Na outra ala Pirro fez avanccedilar os elefantes

que aterrorizaram natildeo somente a cavalaria romana mas

tambeacutem os legionaacuterios mais ao centro Com o moral abalado

e contando ainda com o descontrole dos cavalos inimigos

(que natildeo estavam acostumados aos elefantes) a cavalaria

tessaacutelia foi enviada para encerrar a resistecircncia nessa ala

provocando a exposiccedilatildeo dos dois flancos romanos e julgo

que no mesmo momento a fuga completa da infantaria ao

centro Parece bem provaacutevel por uacuteltimo que os legionaacuterios

tenham corrido exatamente no momento do avanccedilo dos

elefantes do contraacuterio com ambas as alas derrotadas o

exeacutercito ao centro teria sido facilmente esmagado ou

forccedilado a se entregar como vimos em diversos casos nas

batalhas dos Diaacutedocos

A tradiccedilatildeo analiacutestica inventou um termo ldquohistoacutericordquo

para a vitoacuteria de Pirro obtida com muito esforccedilo e sem

consequumlecircncias desastrosas para o derrotado tratava-se de

uma ldquovitoacuteria piacuterricardquo ou como nos diz Diodoro cadmeacuteia298

De acordo com Caacutessio Dio Zonaras e Justino299 a fama

surgiu apoacutes Heracleia segundo Plutarco300 apoacutes a batalha

de Aacutesculo (o que representa um erro por parte do bioacutegrafo

296 Plut Pirro 171

297 Plutarco (Pirro 168) e Dioniacutesio (1912) mencionam um ataque de

caraacuteter pessoal liderado por Oblacus que estava decidido a abater o

rei em primeiro lugar Segundo a tradiccedilatildeo Leonnatus um dos

companheiros de Pirro percebeu a intenccedilatildeo de Oblacus e salvou seu rei

da morte em batalha 298 Diod 226

299 Dion Cassio 940 Zonaras 83 Justino 181

300 Plut Pirro 219

136

jaacute que o balanccedilo geral dos nuacutemeros que caracterizam uma

vitoacuteria piacuterrica eacute apresentado por ele apoacutes Heracleia)

Apesar das diferenccedilas na dataccedilatildeo precisa do termo atribuiacutedo

agrave vitoacuteria de Pirro todas as nossas fontes parecem

concordar com uma vitoacuteria relativa sobre os romanos Ora

como vimos na breve anaacutelise da batalha de Heracleia os

resultados foram bastante francos e decisivos de maneira

que somente uma explicaccedilatildeo soa-nos plausiacutevel para a

propagaccedilatildeo da ldquovitoacuteria piacuterricardquo entre os antigos todas as

fontes posteriores mencionadas empregaram a tradiccedilatildeo

analiacutestica para a mediccedilatildeo dos resultados da batalha sendo

que os autores romanos tinham por objetivo encobrir tamanha

desgraccedila para a sua memoacuteria Note-se por exemplo que

segundo Plutarco Dioniacutesio faz referecircncia a uma perda de

15000 homens para os romanos contra 13000 para Pirro ao

passo que Hierocircnimo autor de maior validade para o estudo

da batalha como vimos considerando-se a probabilidade de

ter acessado as Memoacuterias do rei indica uma perda de 7000

homens para Levinus contra 4000 para o epirota301 Aceitos

os nuacutemeros de Hierocircnimo pelos motivos mencionados natildeo haacute

razatildeo para crer que a vitoacuteria em Heracleia tenha sido de

fato uma ldquovitoacuteria piacuterricardquo devendo-se essa expressatildeo agraves

intenccedilotildees de minimizar a vergonha romana por parte da

tradiccedilatildeo analiacutestica

301 Plut Pirro 174 Leacutevecircque Pirro p 328

137

424 A batalha de Aacutesculo (279 aC)

Eventos de ordem militar e diplomaacutetica seguiram-se agrave

batalha de Heracleia Motivado por uma tentativa de

submissatildeo dos romanos por vias diplomaacuteticas Pirro enviou

Cineas a Roma com autorizaccedilatildeo para estabelecer um acordo

possivelmente antes de sua marcha para os arredores da

cidade (aceitando-se um padratildeo de envio preacutevio do

diplomata como ocorreraacute na Siciacutelia dois anos depois) o

que pode ter ocorrido dependendo da tradiccedilatildeo adotada

antes ou depois do envio de sua embaixada302 Presentes

foram oferecidos e segundo Plutarco todos recusados

termos bastante razoaacuteveis foram propostos pautados

basicamente na ldquoamizade poliacuteticardquo e desistecircncia da

conquista de Tarento pelos romanos sendo todos eles mais

uma vez postos de lado303 Alguns senadores estavam

inclinados a aceitar a paz julgando que um exeacutercito ainda

mais numeroso (reforccedilado com os aliados receacutem-chegados de

Pirro) recairia sobre Roma e mesmo tendo momentaneamente

recusado o que lhes propunha Cineas comeccedilavam a considerar

os termos do acordo epirota quando decidiram finalmente

motivados pelo discurso de Aacutepio Claacuteudio pela continuaccedilatildeo

do embate e da negociaccedilatildeo de resgate dos prisioneiros

certamente por que julgavam ser capazes de vencer Pirro com

as forccedilas restantes (o que natildeo ocorreria se as legiotildees

302 Plutarco (Pirro 18-19) menciona os eventos na seguinte ordem

Heracleia ndash marcha para Roma ndash embaixada ndash libertaccedilatildeo dos prisioneiros

ndash Aacutesculo Apiano (Samn 10-11) apresenta uma versatildeo distinta

Heracleia ndash embaixada ndash marcha para Roma ndash libertaccedilatildeo dos prisioneiros

ndash Aacutesculo Justino (181 182) somente menciona Heracleia a

libertaccedilatildeo dos (200) prisioneiros e Aacutesculo exatamente nessa ordem

Note que a omissatildeo da marcha para Roma pode ter se dado devido ao uso

uacutenico da tradiccedilatildeo analiacutestica 303 Plut Pirro 182 Variaccedilotildees do que propocircs Cineas aos romanos satildeo

encontradas na tradiccedilatildeo liviana segundo a qual Pirro teria oferecido

a libertaccedilatildeo dos prisioneiros e exigido amizade e alianccedila dos romanos

bem como autonomia dos aliados gregos e baacuterbaros em Apiano Samn

101 para quem os termos do acordo resumiam-se ao seguinte

libertaccedilatildeo dos prisioneiros paz com o povo romano incluindo Tarento

no armistiacutecio autonomia das cidades italiotas e restituiccedilatildeo completa

dos territoacuterios aos lucanianos brutianos samnitas e daunianos (na

regiatildeo da Apulia) Ver o quadro geral em Leacutevecircque Pirro p 348

138

tivessem sido enviadas como normalmente faziam os

cartagineses com seu exeacutercito ateacute 307 aC de uma uacutenica

vez sem a formaccedilatildeo de forccedilas de reserva)

Com a decisatildeo inesperada dos romanos Pirro teria que

proceder agrave conquista sistemaacutetica de toda a Peniacutensula para

entatildeo forccedilar Roma aos seus termos que certamente natildeo

seriam tatildeo brandos quanto os primeiros O rei partiu para a

cidade de Aacutesculo situada numa regiatildeo (Apuacutelia) que

diferentemente daquela de Heracleia natildeo facilitaria o uso

das tropas montadas e obviamente dos elefantes Em

Aacutesculo Pirro contava jaacute com a infantaria e a cavalaria

samnita brutiana lucaniana e tarentina304 Aqui surgem

duas possibilidades para o desenvolvimento da batalha a

primeira delas seguindo o relato de Hierocircnimo (novamente

citado por Plutarco) menciona duas batalhas em Aacutesculo a

segunda de acordo com Dioniacutesio (igualmente citado pelo

bioacutegrafo) faz referecircncia a somente uma longa batalha305

Como anteriormente tambeacutem para a batalha de Aacutesculo parece-

nos mais apropriado o relato de Hierocircnimo dada a

quantidade de detalhes apresentados e a reputaccedilatildeo do

historiador em questatildeo Aleacutem disso a adequaccedilatildeo dos nuacutemeros

continua sendo tal como em Heracleia mais plausiacutevel na

tradiccedilatildeo grega Plutarco nos informa que apoacutes encerrado um

conflito inicial entre as duas infantarias (o que se deduz

pela inadequaccedilatildeo do terreno ao uso de cavaleiros) ambos os

exeacutercitos se retiraram do combate por um dia (ou cerca de

12 horas uma vez que abriram matildeo do combate segundo

Plutarco ao anoitecer) No dia seguinte contudo

intencionado a trazer a luta agrave parte nivelada do terreno

onde poderia empregar seus elefantes e cavaleiros Pirro

ocupou as porccedilotildees mais desniveladas com suas tropas

ligeiras (dardeiros e arqueiros) fazendo-as atirar

304 Leacutevecircque Pirro p 391

305 Plut Pirro 215-8

139

projeacuteteis na maior intensidade possiacutevel forccedilando com essa

manobra o deslocamento do combate para o local que lhe era

mais favoraacutevel Com o passar do tempo de combate frontal a

falange macedocircnica comeccedilou a empurrar as legiotildees ao menos

num dos pontos que Plutarco nos faz crer ser o local onde

estava situado o rei306 O momento decisivo da batalha

contudo se deu novamente durante a investida dos

elefantes que os romanos ainda natildeo haviam aprendido a

combater Apoacutes o avanccedilo dos paquidermes provavelmente em

ambas as alas os romanos natildeo puderam se manter em

formaccedilatildeo o que resultou uma vez mais na vitoacuteria do rei

do Epiro sobre Roma Hierocircnimo menciona de acordo com

Plutarco uma perda de 6000 homens para os romanos contra

3505 homens do lado epirota segundo os proacuteprios

comentaacuterios das Memoacuterias de Pirro (que o historiador de

Caacuterdia pocircde certamente consultar)307 Dioniacutesio em

contrapartida sequer admitiu uma derrota romana

mencionando natildeo somente que os suprimentos de Pirro havia

sido saqueada mas tambeacutem que as perdas foram equivalentes

perfazendo um total de 15000 mortos para cada lado

A partir desta batalha se seguirmos os eventos do modo

como apresentado pela tradiccedilatildeo grega podemos concluir sem

exagero que os convites recebidos tanto da Siciacutelia308 quanto

da Macedocircnia309 foram plenamente baseados em sua receacutem-

adquirida reputaccedilatildeo poliacutetica e militar Da mesma forma a

decisatildeo de partir para a Siciacutelia como o liacuteder pelo qual os

306 Uma reconstruccedilatildeo moderna sobre o possiacutevel ordenamento da batalha

encontra-se em Oswald Andreas Hamburger Untersuchungen uumlber den

pyrrhischen Krieg Wuumlrzburg Wolff 1927 P 31 307 Plut Pirro 218

308 Como detalhado acima no item ldquoPirro e o problema da monarquia

heleniacutesticardquo 309 Alguns povos celtas encontravam-se novamente em processo migratoacuterio

a julgar pelos nuacutemeros apresentados por Diodoro (229) tendo

derrotado Ptolomeu Ceraunus filho de Ptolomeu I durante a invasatildeo da

Macedocircnia ldquoBreno o rei dos gauleses acompanhado por 150000

soldados de infantaria armados com escudo longo (θυρεοφόρων) e 10000 cavaleiros juntos com uma horda de seguidores mercadores e duas mil

carroccedilas invadiram a Macedocircnia []rdquo

140

siciliotas aguardavam desde a morte de Agaacutetocles configurou

o contexto peninsular de uma forma completamente diferente

do que seria se o epirota prosseguisse com as campanhas

contra os romanos Se no teacutermino das lutas Roma teria sido

subjugada nunca saberemos (isso nos seria possiacutevel somente

como exerciacutecio retoacuterico) mas parece niacutetido que as decisotildees

posteriores de Pirro tenham sido baseadas na sua reputaccedilatildeo

em suas vitoacuterias sobre os romanos e no que ele poderia

realizar em termos de feitos grandiosos (tais como a

helenizaccedilatildeo completa da Siciacutelia e a conquista de Cartago)

como monarca de aspiraccedilotildees heleniacutesticas e natildeo numa espeacutecie

de ato desesperado para salvar a expediccedilatildeo apoacutes duas

ldquovitoacuterias piacuterricasrdquo durante as quais o espiacuterito militar

romano permaneceu inabalaacutevel como nos faz crer a tradiccedilatildeo

analiacutestica

141

CAPIacuteTULO 4 ndash AS DUAS FASES DAS INOVACcedilOtildeES MILITARES

EM CARTAGO

1 ldquoNenhum tirano destruiraacute nossa cidaderdquo

controle oligaacuterquico e fracasso da tirania em

Cartago 310-255 aC

A decisatildeo de transferir a guerra da Siciacutelia para a

Aacutefrica ainda que a porccedilatildeo grega da ilha estivesse em

condiccedilotildees bastante desfavoraacuteveis estava ancorada como

mostrei no capiacutetulo anterior no conhecimento de Agaacutetocles

sobre o despreparo do exeacutercito ciacutevico cartaginecircs o qual

teria forccedilosamente que entrar em combate com os experientes

mercenaacuterios do siracusano caso fossem pegos de surpresa em

sua proacutepria cidade ou nos arredores mas tambeacutem no

reconhecimento das tensotildees existentes entre a oligarquia

cartaginesa e seus generais As centenas de quilocircmetros que

separavam Cartago da porccedilatildeo oeste da Siciacutelia por vezes

tornavam os ldquorelatoacuteriosrdquo das accedilotildees cartaginesas na ilha

esporaacutedicos e imprecisos310

resultando na coexistecircncia de

dois fatores aparentemente excludentes

Em primeiro lugar destaca-se a autonomia dos generais

de exeacutercitos mercenaacuterios na Siciacutelia com liberdade para

realizar tratados de paz e formar alianccedilas ainda que elas

tivessem que ser confirmadas posteriormente pelo Conselho

de Anciatildeos311

Em segundo lugar encontra-se o controle de

seu poder poliacutetico e militar pela oligarquia o que

frequumlentemente findava em puniccedilotildees financeiras deposiccedilatildeo

do cargo ou ateacute mesmo privaccedilatildeo de direitos ciacutevicos no caso

de derrota assim como deposiccedilatildeo e crucificaccedilatildeo dos

comandantes se confirmada aspiraccedilatildeo tiracircnica mesmo que em

310 Miles pp 146-148 311 Dexter Hoyos ldquoBarcid bdquoproconsuls‟ and Punic politics 237-218 BCrdquo

Rheinisches Museum fuumlr Philologie 137 246-274 1994 Miles p 146

142

potencial A existecircncia dessa tensatildeo aparece por exemplo

em Diodoro ao mencionar o tratamento hostil dado aos

generais cartagineses pelos seus compatriotas

A causa baacutesica desse problema era a severidade dos

cartagineses ao infligir puniccedilotildees Em suas guerras eles

dispotildeem seus homens mais nobres (τοὺς [] ἐπιφανεστάτους τν ἀνδρν) no comando julgando que esses deveriam ser os primeiros a enfrentar o perigo em nome de toda a

cidade mas quando eles conquistam a paz [os

oligarcas] condenam os mesmos homens em julgamento

trazendo injustamente acusaccedilotildees contra eles por inveja

e os depotildeem com penalidades Portanto alguns desses

homens dispostos em posiccedilotildees de comando desertam

temendo os julgamentos nas cortes ao passo que outros

se lanccedilam agrave tirania (τινὲς δἐπιτίθενται τυραννίσιν)312

Isoacutecrates alguns seacuteculos antes de Diodoro afirmou que

entre os cartagineses ldquoas cidades [eram] governadas por uma

oligarquia mas os assuntos militares por um reirdquo (οἴκοι μὲν

ὀλιγαρχουμένους περὶ δὲ τὸν πόλεμον βασιλευομένους)313 Com isso o

312 Diod 20102-4 αἰτία δὲ μάλιστα τούτων ἡ πρὸς τὰς τιμωρίας πικρία τν Καρχηδονίων τοὺς γὰρ ἐπιφανεστάτους τν ἀνδρν ἐν μὲν τοῖς πολέμοις προάγουσιν ἐπὶ τὰς ἡγεμονίας νομίζοντες δεῖν ατοὺς τν ὅλων προκινδυνεύειν ὅταν δὲ τύχωσι τς εἰρήνης τοὺς ατοὺς τούτους συκοφαντοῦσι καὶ κρίσεις ἀδίκους ἐπιφέροντες διὰ τὸν φθόνον τιμωρίαις περιβάλλουσι διὸ καὶ τν ἐπὶ τὰς ἡγεμονίας ταττομένων τινὲς μὲν φοβούμενοι τὰς ἐν τῶ δικαστηρίῳ κρίσεις ἀποστάται γίνονται [τς ἡγεμονίας] τινὲς δ ἐπιτίθενται τυραννίσιν Nigel Bagnall The Punic Wars New York St Martin 2005 pp 9-11 Miles

op cit p 147 Cabe mencionar aqui o caso relatado em Diod 2310

quando Aniacutebal (natildeo o Barca) apoacutes a derrota na batalha naval de Mylae

durante a Primeira Guerra Puacutenica temendo a puniccedilatildeo oligaacuterquica

decidiu enviar um mensageiro a Cartago para perguntar aos oligarcas se

ele no comando de 200 embarcaccedilotildees deveria entrar em confronto com os

romanos que contavam apenas com 120 embarcaccedilotildees com a resposta

positiva dos entusiasmados compatriotas o mensageiro entatildeo contou que

foi exatamente essa a decisatildeo de Aniacutebal tendo ele no entanto

perdido a batalha para os romanos Diante disso concluiu o

mensageiro o general natildeo deveria ser punido uma vez que agiu como

todos julgavam ser correto O caso serve para ilustrar o receio dos

comandantes cartagineses quanto agraves puniccedilotildees do Senado mais do que

propriamente a severidade dos castigos Sobre a puniccedilatildeo senatorial

podemos destacar a crucifixatildeo como no caso do comandante cartaginecircs

crucificado pelos compatriotas apoacutes desistir de Messina com a chegada

de Aacutepio Claacuteudio cocircnsul romano enviado para dar suporte militar aos

mamertinos (Polib 111) De acordo com Poliacutebio os cartagineses

puniram seu general por sua falta de bom juiacutezo sobre as coisas

(νομίσαντες ατὸν ἀβούλως) e por abandonar a cidadela covardemente

(ἀνάνδρως προέσθαι τὴν ἀκρόπολιν) 313 Isocrates Nicocles 24 Dexter Hoyos (Unplanned Wars The Origins

of the First and Second Punic Wars Berlin New York Walter de

143

orador aacutetico pretendia evidenciar a tensatildeo referida entre

oligarquia e generais algo existente mesmo antes do iniacutecio

do periacuteodo heleniacutestico Se no seacutecIV aC os generais eram

escolhidos entre os membros da elite poliacutetica314 a partir

do seacutecIII aC os mesmos passaram a ser eleitos pela

assembleacuteia popular315 o que certamente contribuiu para a

degradaccedilatildeo das relaccedilotildees entre oligarquia e comandantes

nomeados Contudo a despeito da progressiva hostilidade

entre os dois lados os oligarcas foram ainda capazes de

punir seus generais com severidade ao longo dos cem

primeiros anos do periacuteodo heleniacutestico O poder que a

oligarquia mantinha sobre os comandantes eacute evidente em

diversas ocasiotildees como a deposiccedilatildeo do general Hanatildeo o

Velho apoacutes sua derrota em Acragas em 263 aC316 Poliacutebio

natildeo menciona o que ocorreu com Hanatildeo dando atenccedilatildeo ao

impacto que a vitoacuteria romana teve no Senado em Roma mas

Diodoro nos relata que ldquoos cartagineses puniram Hanatildeo em

6000 moedas de ouro privando-o de seus direitos ciacutevicosrdquo

(Ἄννωνα δὲ οἱ Καρχηδόνιοι ἐζημίωσαν χρυσοῖς ἑξακισχιλίοις ἀτιμάσαντες)317

A principal razatildeo para o controle efetivo por parte dos

oligarcas reside no excelente funcionamento das

instituiccedilotildees poliacuteticas tradicionais cujo vigor permaneceu

ateacute o iniacutecio da Segunda Guerra Puacutenica devido agraves matildeos

severas da oligarquia (nas ldquofiguras senatoriaisrdquo e dos

Gruyter 1998 P150) destaca que com a ascensatildeo Baacutercida (periacuteodo que

natildeo seraacute tratado nesta tese) a repuacuteblica cartaginesa havia se

tornado de fato uma monarquia militar uma vez que o poder dos

Baacutercidas natildeo se reduzia agrave nova colocircnia hispacircnica estendendo-se aos

assuntos poliacuteticos em Cartago Ainda que essa interpretaccedilatildeo natildeo seja

universal (haacute evidecircncias da oposiccedilatildeo dos cartagineses agrave expediccedilatildeo de

Amiacutelcar em Apiano Guerra Anibaacutelica 24 e Zonaras 817) os autores

modernos tendem a aceitar a influecircncia Baacutercida em Cartago ou o seu

governo independente na Hispacircnia 314 Robert Drews ldquoPhoenicians Carthage and the Spartan Eunomiardquo AJA

100 1979 P 55 315 Bagnall op cit p 9 316 Polib 118-19 Diod239 Zonaras 810 A batalha seraacute analisada

neste capiacutetulo precisamente no uacuteltimo item 317 Diod 239 Aqui decidi seguir estritamente a traduccedilatildeo de

Goldfather tradutor da Loeb que sugeriu ἀτιμάω como privaccedilatildeo dos

direitos ciacutevicos

144

sufetas)318

O preccedilo a se pagar como veremos neste

capiacutetulo seraacute o impedimento da formaccedilatildeo de uma ldquoescola

militar atualizadardquo na primeira metade do seacutecIII aC o

que atrasaraacute em termos taacuteticos o pensamento militar

cartaginecircs sendo o problema solucionado somente diante de

outra ameaccedila nos arredores de Cartago a expediccedilatildeo romana

liderada por Reacutegulo durante a Primeira Guerra Puacutenica

Poliacutebio menciona que as razotildees para a decadecircncia da

constituiccedilatildeo cartaginesa notada somente a partir da

Segunda Guerra Puacutenica319

resumem-se ao progressivo

desequiliacutebrio das suas instituiccedilotildees diminuindo

sensivelmente a autoridade da oligarquia frente agraves

assembleacuteias populares tendo ldquoa multidatildeo jaacute adquirido a

palavra final nas deliberaccedilotildees ao passo que em Roma o

Senado ainda a detinhardquo (τὴν πλείστην δύναμιν ἐν τοῖς διαβουλίοις παρὰ μὲν

Καρχηδονίοις ὁ δμος ἤδη μετειλήφει παρὰ δὲ Ῥωμαίοις ἀκμὴν εἶχεν ἡ σύγκλητος)320

Ao que tudo indica o periacuteodo localizado entre os primeiros

anos do seacutecIII aC quando a assembleacuteia popular passou a

escolher os generais cartagineses e o iniacutecio da Segunda

Guerra Puacutenica em 218 aC apresentou os uacuteltimos esforccedilos

de controle efetivo dos oligarcas que progressivamente

perdiam espaccedilo para a participaccedilatildeo democraacutetica ainda que

tivessem poder sobre a deposiccedilatildeo dos generais e jaacute nas

duas uacuteltimas deacutecadas do seacutecIII aC para uma poliacutetica da

irracionalidade321

Haacute basicamente duas referecircncias antigas sobre a

constituiccedilatildeo dos cartagineses a respeito da qual pouco se

318 Bagnall op cit p 12 eacute ainda mais incisivo ao dizer que ldquoo

aspecto mais marcante da constituiccedilatildeo cartaginesa era a sua

estabilidaderdquo 319 Polib 651 ldquoMas no momento em que eles embarcaram na Guerra

Anibaacutelica a constituiccedilatildeo dos cartagineses se degenerou ao passo que

a dos romanos progrediurdquo (κατά γε μὴν τοὺς καιροὺς τούτους καθ οὓς εἰς τὸν Ἀννιβιακὸν ἐνέβαινε πόλεμον χεῖρον ἦν τὸ Καρχηδονίων ἄμεινον δὲ τὸ Ῥωμαίων) 320 Polib 651 321 Ver Craige Brian Champion Cultural Politics in Polybius‟

Histories Berkeley University of California Press 2004 pp 117-

121 Miles pp 353-354

145

sabe A primeira e mais esclarecedora delas encontra-se em

Aristoacuteteles (Pol 1272b) portanto temporalmente distante

dos eventos pelos quais demonstramos interesse322

Ainda

assim o entendimento aristoteacutelico do sistema poliacutetico

cartaginecircs no seacutecIV aC deve ser o principal documento

considerado dado o bom julgamento de Aristoacuteteles para o

assunto e as condiccedilotildees miacutenimas de acesso aos relatos

antigos sobre as instituiccedilotildees poliacuteticas cartaginesas A

segunda delas pode ser encontrada como jaacute indicado acima

em Poliacutebio ligeiramente mais proacuteximo dos referidos eventos

que Aristoacuteteles considerando as suas funccedilotildees no ciacuterculo

dos Cipiotildees323 O relato de Poliacutebio contudo carece de

informaccedilotildees baacutesicas resumindo-se agrave demonstraccedilatildeo de como o

desequiliacutebrio no funcionamento das instituiccedilotildees permite a

ascensatildeo de outro poder estrangeiro (Roma) o que daria

ferramentas aos poliacuteticos gregos vindouros para a

compreensatildeo das instituiccedilotildees romanas Afinal sua ldquohistoacuteria

pragmaacuteticardquo se dirigia a uma audiecircncia grega (mas natildeo

somente) forccedilada a conviver sob o domiacutenio romano324

De acordo com Aristoacuteteles os cartagineses viviam sob

uma constituiccedilatildeo boa (Πολιτεύεσθαι δὲ δοκοῦσι καὶ Καρχηδόνιοι καλς) e

superior em muitos aspectos a todas as outras (καὶ πολλὰ

περιττς πρὸς τοὺς ἄλλους) assemelhando-se agraves constituiccedilotildees de

Creta e Esparta (as quais detinham peculiaridade notaacutevel

aos olhos do grego)325 O valor de uma boa constituiccedilatildeo diz

Aristoacuteteles pode ser encontrado quando ldquoos cidadatildeos

permanecem leais ao sistema poliacutetico e nenhum conflito

civil emerge em qualquer escala que valha a pena mencionar

nem qualquer um obteacutem sucesso em se pronunciar tiranordquo (τὸ

τὸν δμον διαμένειν ἐν τῆ τάξει τς πολιτείας καὶ μήτε στάσιν ὅ τι καὶ ἄξιον εἰπεῖν

322 Arist Pol 1272b 323 Polib 644 324 Polib 11 Frank William Walbank Polybius Berkeley and Los

Angeles University of California Press 1972 Daly P 81 325 Arist Pol 1272b Poliacutebio (651) ressalta a semelhanccedila com as

constituiccedilotildees de Roma e Esparta Ver Bagnall op cit p 13 Consolo

Langher pp 127-129

146

γεγενσθαι μήτε τύραννον) Da mesma forma que os espartanos os

cartagineses conheciam as refeiccedilotildees coletivas possuindo um

conselho similar ao dos eacuteforos326 mas composto por 104

homens tendo a vantagem de escolhecirc-los por meacuterito pessoal

(τὴν ἀρχὴν ἀριστίνδην) ao passo que em Esparta a eleiccedilatildeo se

dava entre os cidadatildeos ordinaacuterios Quanto aos dois sufetas

(ou magistrados vistos como reis)327 ambos vinham da mesma

famiacutelia e deviam assumir o cargo por eleiccedilatildeo e natildeo por

senilidade Aparentemente as decisotildees eram sempre tomadas

pelo Senado e pelos sufetas e os assuntos que deveriam ir

agrave assembleacuteia popular eram por eles escolhidos Uma vez que

a votaccedilatildeo fosse encaminhada ao povo (δμος) o Senado abria

matildeo de sua primazia momentaneamente sendo a assembleacuteia

popular investida de poder natildeo somente para escutar as

resoluccedilotildees do governo mas tambeacutem para pronunciar

julgamento sobre elas ldquoum direito que natildeo existia noutras

constituiccedilotildeesrdquo ([] ὅπερ ἐν ταῖς ἑτέραις πολιτείαις οκ ἔστιν) A

poliacutetica cartaginesa seria entatildeo parcialmente

democraacutetica mas com fortes elementos oligaacuterquicos os

quais eram mantidos pela forma de controle institucional

aristocraacutetica As pentarquias por exemplo encarregadas da

326 Poliacutebio menciona a existecircncia de dois reis um conselho de anciatildeos

como forccedila aristocraacutetica e um povo supremo nos assuntos que lhes

cabia 327 Para alguns historiadores os sufetas cartagineses desempenhavam

precisamente as funccedilotildees de um ldquoreirdquo (basileu para os gregos rex para

os latinos) ao passo que para outros a apariccedilatildeo do termo ldquobasileurdquo

quando as fontes mencionam sufetas cartagineses indica unicamente uma

aproximaccedilatildeo ao se traduzir o puacutenico sufeta Como nos lembra Yann Le

Bohec Histoire militaire des guerres puniques Monaco Editions du

Rocher 1996 pp29-31 ldquose a monarquia existiu em Cartago esse

regime desapareceu antes do iniacutecio do seacutecIII aCrdquo Entre os autores

que consideram os sufetas com funccedilotildees idecircnticas agravequelas desempenhadas

pelos reis destaca-se Gilbert Charles-Picard ldquoLes Sufegravetes de Carthage

dans Tite-Live et Cornelius Neposrdquo Revue des Eacutetudes Lat 41 269-280

1963 O principal autor a se posicionar a favor de uma mera

aproximaccedilatildeo semacircntica eacute Maurice Sznycer ldquoLe Problegraveme de la royauteacute

dans le monde puniquerdquo Bulletin du Com des Trav Hist 17 291-296

1981 Outros autores preferem se posicionar entre as duas

interpretaccedilotildees como no caso de Dexter Hoyos op cit p6 que

defende a plausibilidade de ambas embora opte por traduzir sufetas

como juiacutezes ldquoo reirdquo diz Hoyos ldquoalgumas vezes mencionado nos relatos

gregos pode ter sido uma magistratura separada ou talvez um sufeta

sob outro nomerdquo

147

eleiccedilatildeo dos membros do ldquoconselho dos 104 homensrdquo (senadores

responsaacuteveis por vigiar e reprimir quaisquer abusos por

parte do proacuteprio Senado) eram magistraturas natildeo

remuneradas sendo tanto a riqueza (τὸν πλοῦτον) quanto o

meacuterito (τς ἀρετς) elementos considerados na escolha dos

magistrados o que limitava o exerciacutecio poliacutetico das

pentarquias aos bem-nascidos jaacute que era impossiacutevel ao

homem pobre desfrutar do tempo necessaacuterio para o desempenho

adequado de seus deveres poliacuteticos Assim a eleiccedilatildeo por

riqueza seria oligaacuterquica e a eleiccedilatildeo por meacuterito

aristocraacutetica o que mantinha (durante bastante tempo) o

equiliacutebrio institucional tatildeo valorizado por Poliacutebio para

quem a populaccedilatildeo de Atenas iacutecone do governo puramente

democraacutetico se assemelhava a ldquoum navio sem comandanterdquo

(τοῖς ἀδεσπότοις σκάφεσι)

O uacutenico caso heleniacutestico (entre 323-237 aC)

registrado nas fontes de aspiraccedilatildeo frustrada ao poder

tiracircnico em Cartago se daacute em 310 aC com Bomiacutelcar um dos

strategoi nomeados pelo conselho cartaginecircs frente ao

reconhecimento da inesperada expediccedilatildeo africana de

Agaacutetocles328

Ao eleger Bomiacutelcar juntamente com Hanatildeo o

outro strategos tendo ciecircncia de que ambos advinham de

famiacutelias rivais o conselho cartaginecircs pretendia de acordo

com Diodoro manter a seguranccedila da cidade (τς πόλεως

ἀσφάλειαν) isto eacute o perfeito funcionamento de suas

instituiccedilotildees tradicionais crendo que a desconfianccedila

pessoal e a inimizade muacutetua (τὴν ἰδίαν τούτοις ἀπιστίαν καὶ διαφορὰν

κοινὴν) dos generais inibiriam qualquer tentativa de

ascensatildeo ao poder tiracircnico pelo monopoacutelio dos exeacutercitos329

O conselho prossegue o historiador siciliano se equivocou

em sua decisatildeo uma vez que Bomiacutelcar aproveitou a

oportunidade de sua nomeaccedilatildeo ao cargo de strategos para

328 Diod 2010 Meister CAH 7 p395 Consolo Langher pp 139-141

Justino 226 menciona Hanatildeo como o uacutenico comandante dos cartagineses 329 Diod 2010

148

levar adiante um plano de instauraccedilatildeo da tirania o qual

havia sido como encontramos na fonte previamente

concebido Antes da chegada de Agaacutetocles na Aacutefrica faltava

ao cartaginecircs tanto autoridade (ἐξουσίαν) quanto ocasiatildeo

adequada (καιρὸν οἰκεῖον) uma vez nomeado um dos generais

responsaacuteveis pelo combate contra os gregos na Aacutefrica ambos

os preacute-requisitos lhe foram proporcionados Em primeiro

lugar de posse de parte do exeacutercito cartaginecircs bastava

eliminar seu colega e rival o que considerando o estado

das relaccedilotildees entre os dois seria feito sem grandes

impedimentos Em segundo lugar a presenccedila grega na Aacutefrica

serviria de justificativa para quaisquer acusaccedilotildees de mau

funcionamento das instituiccedilotildees tradicionais o que em

diversas ocasiotildees foi tomado como pontapeacute inicial para a

emergecircncia dos poderes tiracircnicos no mundo grego Em campo

de batalha apoacutes ouvir que seu rival havia sido derrotado

pelos siracusanos Bomiacutelcar tentou forccedilar um recuo

prematuro de sua ala o que induziria a retirada de todo o

exeacutercito acreditando que com isso teria natildeo somente o

controle das tropas mas tambeacutem o desentendimento e

consequumlente submissatildeo do conselho Essa loacutegica encontra

evidecircncia em Diodoro

Se o exeacutercito de Agaacutetocles fosse destruiacutedo ele natildeo

seria capaz de realizar o seu plano rumo agrave supremacia

uma vez que os cidadatildeos permaneceriam fortes mas se o

primeiro vencesse e destruiacutesse o orgulho dos

cartagineses os derrotados seriam faacuteceis de manipular

e ele [Bomiacutelcar] poderia derrotar Agaacutetocles prontamente

quando desejasse fazecirc-lo330

330 Diod 2012 [] εἰ μὲν ἡ μετὰ Ἀγαθοκλέους διαφθαρείη δύναμις μὴ δυνήσεσθαι τὴν ἐπίθεσιν ποιήσασθαι τῆ δυναστείᾳ τν πολιτν ἰσχυόντων εἰ δὲ ἐκεῖνος νικήσας τὰ φρονήματα παρέλοιτο τν Καρχηδονίων εχειρώτους μὲν ἑαυτῶ τοὺς προηττημένους ἔσεσθαι τὸν δ Ἀγαθοκλέα ῥᾳδίως καταπολεμήσειν ὅταν ατῶ δόξῃ

149

O recuo taacutetico de Bomiacutelcar se transformou no entanto

em massacre e destruiccedilatildeo numerosa de seu exeacutercito331 jaacute que

as manobras heleniacutesticas de Agaacutetocles findaram no

envolvimento aparentemente parcial dos cartagineses em

fuga Diodoro um pouco mais agrave frente menciona em detalhes

como os cartagineses conseguiram suprimir a tentativa

desesperada de ascensatildeo tiracircnica por parte de Bomiacutelcar

que apoacutes a derrota para Agaacutetocles selecionou alguns de

seus homens e tentou tomar a proacutepria cidade de Cartago

inesperadamente

[] quando Bomiacutelcar havia revisado o seu exeacutercito no

que era chamada Nova Cidade a qual estava localizada a

uma curta distacircncia da Velha Cartago ele dispensou o

restante mas manteve aqueles com os quais podia contar

em sua revolta cerca de 500 cidadatildeos e 1000

mercenaacuterios e declarou-se tirano (ἀνέδειξεν ἑαυτὸν τύραννον)332

Ao dividir seus homens em cinco unidades Bomiacutelcar

invadiu a cidade (que ainda natildeo tinha conhecimento de seus

planos) e exterminou aqueles que se opuseram aos seus

propoacutesitos Diante da calamidade os cartagineses pegaram

em armas e se apressaram em suprimir a traiccedilatildeo ciacutevica que

haviam sofrido em momento tatildeo delicado para a sua poliacutetica

externa Bomiacutelcar se dirigiu ao centro mercantil (τὴν ἀγορὰν)

e assassinou ainda muitos cidadatildeos desarmados sendo essa

accedilatildeo desesperada seguida pela ocupaccedilatildeo de construccedilotildees

proacuteximas ao mercado por parte dos defensores os quais

foram capazes devido ao posicionamento mais alto e

portanto favoraacutevel agrave defesa interna da cidade contra os

331 Diod 2013 menciona 1000 homens mortos do lado cartaginecircs embora

reconheccedila que outros autores mencionem ateacute 6000 ao passo que Justino

226 nos indica 3000 mortos do lado cartaginecircs Oroacutesio 46 sugere que

2000 cartagineses pereceram em batalha 332 Diod 2044 δ οὖν Βορμίλκας ἐξετασμὸν τν στρατιωτν ποιησάμενος ἐν τῆ καλουμένῃ Νέᾳ πόλει μικρὸν ἔξω τς ἀρχαίας Καρχηδόνος οὔσῃ τοὺς μὲν ἄλλους διαφκε τοὺς δὲ συνειδότας περὶ τς ἐπιθέσεως ὄντας πολίτας μὲν πεντακοσίους μισθοφόρους δὲ περὶ χιλίους ἀνέδειξεν ἑαυτὸν τύραννον

150

homens de Bomiacutelcar de por fim ao que poderia representar a

falecircncia (mesmo que momentacircnea) de suas instituiccedilotildees

poliacuteticas tradicionais Apoacutes a rendiccedilatildeo dos traidores os

cartagineses enviaram os seus cidadatildeos mais velhos (πρέσβεις)

para o estabelecimento de um acordo e decidiram perdoar os

traidores que tiveram que ldquopagarrdquo o perdatildeo com serviccedilo

militar contra Agaacutetocles mas torturaram e mataram o seu

liacuteder Bomiacutelcar preservando assim ldquoa constituiccedilatildeo de seus

paisrdquo (τὴν πατρῴαν πολιτείαν)

Parece seguro dizer que o uacutenico caso registrado de

tentativa de instauraccedilatildeo da tirania em Cartago durante o

primeiro seacuteculo do periacuteodo heleniacutestico tinha propoacutesitos

puramente claacutessicos primeiramente por que a sua

classificaccedilatildeo como ldquoheleniacutesticardquo cairia diante da acusaccedilatildeo

de anacronismo de fato natildeo vejo maneira de um cartaginecircs

ter concebido seu poder em imitaccedilatildeo agrave monarquia de

Alexandre antes mesmo da autoproclamaccedilatildeo dos Diaacutedocos como

reis333

Aleacutem disso a experiecircncia cartaginesa aponta para o

modelo tiracircnico siciliano tardo-claacutessico sem qualquer

vivecircncia direta (ao menos nas esferas oligaacuterquica e

popular) com os valores monaacuterquicos heleniacutesticos Ainda que

Agaacutetocles tenha desenvolvido os princiacutepios de sua basileia

durante a expediccedilatildeo cartaginesa a configuraccedilatildeo de seu

poder natildeo se dirigia nem aos cartagineses nem aos cidadatildeos

em Siracusa como sustentamos no capiacutetulo anterior mas sim

agraves suas tropas mercenaacuterias que reconheceram seu poder no

episoacutedio da toga puacuterpura e que tinham condiccedilotildees a julgar

pelo tracircnsito mediterracircnico inerente agrave sua profissatildeo de

saber do que se tratava o poder reacutegio assumido por

Agaacutetocles alguns anos apoacutes a batalha de Tuacutenis em 310 aC

Embora tivessem empregado mercenaacuterios em larga escala a

esfera de atuaccedilatildeo poliacutetica dos cartagineses incluindo seus

generais permaneceu estritamente ligada aos modelos

333 Esse eacute o mesmo argumento que utilizei no cap3

151

claacutessicos tendo o uacutenico caso fracassado de ascensatildeo

tiracircnica no periacuteodo heleniacutestico ocorrido em 310 aC antes

mesmo do surgimento das monarquias heleniacutesticas

Apoacutes o episoacutedio de Bomiacutelcar a oligarquia cartaginesa

manteve-se como de costume precavida quanto agraves possiacuteveis

chances da emergecircncia de tiranias em Cartago As fontes natildeo

mencionam outro caso declarado de aspiraccedilatildeo tiracircnica mas

penso que podemos tomar ao considerar uma sistematizaccedilatildeo

das evidecircncias disponiacuteveis a reaccedilatildeo dos cartagineses ao

sucesso militar de Xantipo (o qual seraacute analisado em

detalhes mais agrave frente) como indiacutecio de precauccedilatildeo quanto a

uma ldquotirania em potencialrdquo o que serve em igual medida

para o meu argumento

As fontes fornecem histoacuterias bastante distintas sobre o

desaparecimento do general mercenaacuterio apoacutes serviccedilo prestado

aos cartagineses Comecemos com Poliacutebio

Xantipo a quem essa revoluccedilatildeo e esse notaacutevel avanccedilo

nos eventos relacionados a Cartago foram devidos apoacutes

pouco tempo navegou mais uma vez a Esparta sendo esta

uma decisatildeo muito prudente e bem pensada de sua parte

uma vez que suas realizaccedilotildees brilhantes e excepcionais

cultivariam a inveja mais profunda [] Estrangeiros

quando expostos a tais situaccedilotildees rapidamente sucumbem

e potildeem-se em perigo Haacute outro relato sobre a partida de

Xantipo o qual procurarei apresentar numa ocasiatildeo mais

apropriada que a atual334

Mas qual seria esse segundo relato mencionado por

Poliacutebio Parece possiacutevel dizer a partir do que narram

outras fontes que Poliacutebio estivesse se referindo agrave versatildeo

que encontramos com mais clareza nos fragmentos do livro

23 de Diodoro

334 Polib 136 Ξάνθιππος δὲ τηλικαύτην ἐπίδοσιν καὶ ῥοπὴν ποιήσας τοῖς Καρχηδονίων πράγμασιν μετ ο πολὺν χρόνον ἀπέπλευσεν πάλιν φρονίμως καὶ συνετς βουλευσάμενος αἱ γὰρ ἐπιφανεῖς καὶ παράδοξοι πράξεις βαρεῖς μὲν τοὺς φθόνους ὀξείας δὲ τὰς διαβολὰς γεννσιν [hellip] οἱ δὲ ξένοι ταχέως ἐφ ἑκατέρων τούτων ἡττνται καὶ κινδυνεύουσι λέγεται δὲ καὶ ἕτερος πὲρ τς ἀπαλλαγς τς Ξανθίππου λόγος ὃν πειρασόμεθα διασαφεῖν οἰκειότερον λαβόντες τοῦ παρόντος καιρόν

152

Xantipo o Espartano tambeacutem pereceu nas matildeos dos

siciliotas335 Proacuteximo a Lilibeu uma cidade dos

siciliotas [cartagineses] houve uma guerra entre

romanos e siciliotas guerra essa que continuou por 24

anos Os siciliotas tendo sofrido derrota em batalha

por diversas vezes ofereceram a submissatildeo de sua

cidade aos romanos Xantipo o Espartano que havia

chegado de Esparta com 100 soldados (ou sozinho ou com

50 soldados de acordo com vaacuterios autores) se

aproximou dos siciliotas enquanto eles ainda estavam

indecisos e apoacutes conversar com eles por meio de um

inteacuterprete finalmente os encorajou a fazer frente aos

inimigos Ele entrou em batalha com os romanos e com a

ajuda dos siciliotas massacrou todo o exeacutercito inimigo

Por seu bom serviccedilo prestado [Xantipo] recebeu uma

recompensa merecida e apropriada agravequele povo perverso

uma vez que os moralmente abominaacuteveis o enviaram numa

embarcaccedilatildeo defeituosa e a naufragaram nas aacuteguas do

Adriaacutetico como expressatildeo de seu ressentimento para com

o heroacutei e sua nobreza336

Os relatos posteriores apresentam mais ou menos uma das

duas versotildees Apiano relata o retorno de Xantipo a Esparta

ainda que a viagem tenha sido propositalmente organizada

pelos cartagineses para o extermiacutenio do general durante o

percurso de volta o que se deu com o arremesso de Xantipo

e seus compatriotas da embarcaccedilatildeo em mar aberto337

Os

fragmentos do livro 11 de Caacutessio Dio os quais foram

parcialmente preservados em Zonaras informam duas versotildees

possiacuteveis que sua embarcaccedilatildeo foi atacada pelos proacuteprios

cartagineses e que a embarcaccedilatildeo cedida a ele pelos

335 Apoacutes analisar todo o fragmento fica evidente que Diodoro trocou

(talvez por confusatildeo) em toda a passagem cartagineses por

siciliotas 336 Diod 2316 τοῖς Σικελοῖς καὶ Ξάνθιππος ὁ Σπαρτιάτης θνήσκει περὶ γὰρ τὸ Λιλύβαιον τν Σικελν τὴν πόλιν Ῥωμαίοις τε καὶ Σικελοῖς πόλεμος ἐκροτεῖτο πρὸς εἴκοσι καὶ τέσσαρας τοὺς χρόνους ἐξαρκέσας οἱ Σικελοὶ ταῖς μάχαις δὲ πολλάκις ἡττημένοι Ῥωμαίοις ἐνεχείριζον τὴν πόλιν εἰς δουλείαν τν δὲ Ῥωμαίων μηδαμς μηδ οὕτω πειθομένων ἀλλὰ γυμνοὺς τοὺς Σικελοὺς λεγόντων ἐξιέναι ὁ Σπαρτιάτης Ξάνθιππος ἐλθὼν ἀπὸ τς Σπάρτης σὺν στρατιώταις ἑκατόν ἢ μόνος καθ ἑτέρους κατ ἄλλους δὲ πεντήκοντα τοὺς στρατιώτας ἔχων καὶ προσβαλὼν τοῖς Σικελοῖς οὖσιν ἐγκεκλεισμένοις δι ἑρμηνέως τε ατοῖς πολλὰ συνομιλήσας τέλος θαρρύνει κατ ἐχθρν καὶ συναράξας μάχῃ ἅπαν Ῥωμαίων στράτευμα σὺν τούτοις κατακόπτει τοῖς εηργετημένοις δὲ τὴν ἀμοιβὴν λαμβάνει ἀξίαν καὶ κατάλληλον τς τούτων δυστροπίας πλοίῳ

σαθρῶ τὸν ἄνδρα γὰρ οἱ μιαροὶ βαλόντες πὸ στροφαῖς βυθίζουσι πελάγει τοῦ Ἀδρίου βασκήναντες τὸν ἥρωα καὶ τούτου τὸ γενναῖον 337 Apiano 81

153

cartagineses era velha e por esse motivo naufragaria

inevitavelmente natildeo fosse a percepccedilatildeo de Xantipo acerca do

que estava a ocorrer e a subsequumlente troca da embarcaccedilatildeo

por uma nova338

A despeito de alguns elementos divergentes parece

possiacutevel unificar os relatos de um modo bastante aceitaacutevel

Se tomarmos a informaccedilatildeo encontrada em Poliacutebio Diodoro

Apiano e Caacutessio Dio concluiacutemos que Xantipo apoacutes liderar

vitoriosamente os cartagineses decidiu regressar para

Esparta (ainda que algumas fontes natildeo mencionem abertamente

Esparta mas somente a embarcaccedilatildeo e as honrarias preparadas

pelos cartagineses como forma de agradecer os bons serviccedilos

prestados o que sugere o fim do ldquocontratordquo e portanto o

retorno do mercenaacuterio ao mundo grego) Se os cartagineses

afundaram abertamente a embarcaccedilatildeo ou apenas assassinaram

Xantipo tendo preservado o navio se o mesmo naufragou

devido ao seu estado propositalmente defeituoso ou ainda

se Xantipo foi capaz de chegar satildeo e salvo em Esparta

apesar das armadilhas preparadas torna-se a essa altura

informaccedilatildeo irrelevante dado que em todos os cenaacuterios

possiacuteveis os cartagineses natildeo teriam demonstrado a menor

intenccedilatildeo de tornar a viagem de volta de Xantipo bem-

sucedida

Por que Xantipo decidiu navegar de volta para a Greacutecia

apoacutes tamanho sucesso contra os romanos Xantipo

provavelmente sabia que a ascensatildeo do poder pessoal em

Cartago era um processo muito complicado e por essa razatildeo

natildeo demonstrou qualquer intenccedilatildeo de expandir sua autoridade

entre os cartagineses Todavia os motivos que levaram

Cartago a assegurar que a viagem de Xantipo fosse

desastrosa parecem claros como nos casos anteriores os

cartagineses se esforccedilaram em impedir qualquer ascensatildeo de

poder pessoal dos strategoi possivelmente por conta do que

338 Zonaras 1113

154

estavam habituados a ver na Siciacutelia grega Apoacutes ter

concluiacutedo a segunda reforma do exeacutercito cartaginecircs como

veremos mais agrave frente neste capiacutetulo Xantipo eacute tirado de

cena pelos cartagineses direta ou indiretamente de

maneira a fortalecer o argumento sobre a preocupaccedilatildeo

cartaginesa no que respeita agrave possiacutevel ascensatildeo de tiranos

em Cartago o que representaria um desequiliacutebrio fatal das

instituiccedilotildees poliacuteticas tradicionais

155

2 O exeacutercito cartaginecircs

Ao fornecer uma explicaccedilatildeo para a superioridade do

exeacutercito romano frente ao cartaginecircs Poliacutebio argumenta

que

Os cartagineses satildeo naturalmente superiores no mar

tanto em eficiecircncia quanto em equipamento por que a

navegaccedilatildeo eacute desde os primoacuterdios o seu ofiacutecio nacional

([] Καρχηδόνιοι διὰ τὸ καὶ πάτριον ατοῖς [] τὴν ἐμπειρίαν ταύτην) e eles se ocuparam com o mar mais do que

qualquer outro povo mas com relaccedilatildeo ao serviccedilo militar

em terra firme os romanos satildeo muito mais eficientes

De fato eles direcionaram toda sua energia ao assunto

ao passo que os cartagineses negligenciaram

inteiramente sua infantaria (Καρχηδόνιοι δὲ τν μὲν πεζικν εἰς τέλος ὀλιγωροῦσι) ainda que tenham se dedicado

ligeiramente agrave sua cavalaria A razatildeo para isto eacute que

as tropas por eles empregadas satildeo estrangeiras e

mercenaacuterias (ξενικαῖς καὶ μισθοφόροις) ao passo que as dos

romanos satildeo nativas e ciacutevicas (ἐγχωρίοις καὶ πολιτικαῖς)339

Da passagem de Poliacutebio podemos destacar natildeo somente

alguns dos traccedilos centrais para o estudo das evidecircncias

sobre o exeacutercito cartaginecircs (nomeadamente seu caraacuteter

mercenaacuterio e portanto agrave parte do desenvolvimento de uma

cultura militar ciacutevica) mas tambeacutem a ausecircncia de qualquer

tentativa de padronizaccedilatildeo das tropas em unidades taacuteticas

(excetuando o pequeno corpo ciacutevico chamado pelos gregos de

ieros lochos) que pudessem ser reconhecidas e treinadas

pelos generais em situaccedilotildees previamente ldquoensaiadasrdquo De

forma similar ao que ocorria com os persas as tropas que

combatiam pelos cartagineses seguiam os padrotildees

(equipamentos e taacuteticas) de suas regiotildees de origem a

exemplo dos fundeiros das ilhas Baleares ou dos cavaleiros

339 Polib 652

156

numiacutedios Parece mais profiacutecuo portanto realizar uma

anaacutelise do exeacutercito a partir de suas origens eacutetnicas340

Da Numiacutedia os cartagineses contavam com a sua melhor

cavalaria tropas montadas sem sela armadas com lanccedila de

arremesso e capazes de combater tanto em regiotildees

acidentadas quanto planas surpreendendo o inimigo por sua

precisatildeo e movimentaccedilatildeo raacutepida recursos que por vezes

foram empregados como elemento surpresa pelos generais

cartagineses mais capazes a exemplo de Aniacutebal Barca341

As

taacuteticas empregadas pelos numiacutedios uma vez que eram

cavalaria levemente armada com lanccedilas de arremesso

repousavam naturalmente numa loacutegica distinta daquela

encontrada entre os cavaleiros macedocircnios pesadamente

armados apostando no ldquoarremesso perioacutedicordquo de suas lanccedilas

e em recuos taacuteticos que evitavam a todo custo o choque

frontal com o inimigo Talvez por esse motivo os numiacutedios

tenham sido classificados pelos romanos como covardes

traiccediloeiros e com ldquoapetites mais violentos que quaisquer

outros baacuterbarosrdquo342

Os cartagineses contavam aleacutem dos numiacutedios com os

fundeiros das ilhas Baleares De maneira geral esses

homens eram organizados em corpos de 2000 soldados armados

com dois tipos de funda uma empregada para desferir

ataques contra um inimigo compacto marchando em meacutedia

distacircncia e outra para alvos individuais obviamente mais

proacuteximos que os primeiros343

Embora sua arma caracteriacutestica

seja a funda durante o primeiro contato com os

cartagineses344 alguns dos soldados baleaacutericos estavam

340 Griffith pp 207-233 Peter Connolly Greece and Rome at War

London Macdonald 1981 pp 148-152 Bagnall op cit pp8-11 Daly

pp 84-112 341 Bagnall op cit p 8 Daly pp 92-93 342 Tito Liacutevio 2541 2844 2923 3012 Daly p92 343 Estrabatildeo 35 Bagnall op cit pp 8-9 Daly p 107 344 Diod 1380 faz referecircncia a soldados baleaacutericos no exeacutercito

cartaginecircs para os finais do seacutecV aC Cf Steacutephane Gsell Histoire

ancienne de lAfrique du Nord (vol2) Paris Hachette 1914-1930 P

374 Daly p 107

157

armados com lanccedila de arremesso como nos informa Estrabatildeo

sendo normalmente pagos de acordo com Diodoro em mulheres

e vinho345

O pagamento mencionado em Diodoro claramente

induz agrave sua caracterizaccedilatildeo como tropas mercenaacuterias aleacutem do

historiador siciliano Poliacutebio faz referecircncia ao pagamento

dos soldados baleaacutericos durante a Revolta Mercenaacuteria (241-

237 aC) e posteriormente na batalha de Zama (202

aC)346

Os iberos tambeacutem desempenhavam papel importante na

composiccedilatildeo do exeacutercito cartaginecircs desde tempos anteriores agrave

consolidaccedilatildeo dos Baacutercidas Antes da investida Baacutercida na

Ibeacuteria ou Hispacircnia a presenccedila cartaginesa na regiatildeo

resumia-se a acordos comerciais e alianccedilas sendo alguns

iberos recrutados portanto como mercenaacuterios a serviccedilo de

Cartago347 Durante a Segunda Guerra Puacutenica ou mesmo um

pouco antes os soldados iberos passaram a servir como

contingente aliado ainda que alguns possam ter sido

recrutados unicamente como mercenaacuterios348 De onde

precisamente eles afluiacuteam eacute algo difiacutecil de mapear uma vez

que mesmo Estrabatildeo encontrou dificuldade em delimitar

geograficamente a Ibeacuteria ou Hispacircnia349 de seu tempo Jaacute na

eacutepoca da invasatildeo anibaacutelica Poliacutebio350 indica seguramente

que as tropas ibeacutericas enviadas agrave Aacutefrica advinham das

seguintes regiotildees Tersitae Mastiani Oretes ibeacuterica e

Olcades Talvez tais regiotildees tenham sido previamente

conhecidas pelos cartagineses e seu contato aumentado com

a ascensatildeo Baacutercida subsequumlente agrave Primeira Guerra Puacutenica

mas essas satildeo apenas suposiccedilotildees sem evidecircncias diretas nas

fontes

345 Diod 517 346 Polib 167 1511 Daly p 107 347 Heroacutedoto faz referecircncia aos iberos no livro 7165 Trata-se aqui

dos iberos da Hispacircnia natildeo os da regiatildeo do Caacuteucaso 348 Griffith pp 225-226 Daly p 95 349 Estrabatildeo 34 350 Polib 333

158

A grande contribuiccedilatildeo dos iberos para a arte da guerra

mediterracircnica residia em sua espada peculiar a todos os

povos conhecidos da regiatildeo peninsular a espada falcata Os

iberos empregavam basicamente dois tipos de espada mas

Poliacutebio descreve a que provocou impacto nos usos do

armamento romano particularmente na adoccedilatildeo do gladius

hispaniensis (o qual se tornou a principal arma de combate

corpo-a-corpo dos legionaacuterios possuindo cerca de 60 cm de

comprimento com dois lados cortantes e uma ponta)351

Os escudos dos iberos e celtas eram muito similares

mas suas espadas eram completamente diferentes (τὰ δὲ ξίφη τὴν ἐναντίαν εἶχε διάθεσιν) sendo aquelas dos iberos

perfurantes com a mesma fatalidade de quando usadas no

corte ([] τὸ κέντημα τς καταφορᾶς ἴσχυε πρὸς τὸ βλάπτειν)352

O maior nuacutemero de mercenaacuterios usados pelos cartagineses

era contudo de liacutebios provenientes da regiatildeo da atual

Tuniacutesia Griffith recorda que no seacutecVI aC353

os

cartagineses passaram gradualmente a confiar a defesa de

sua cidade em tropas aliadas e mercenaacuterias em sua maioria

formada por liacutebios354 A historiografia mais recente tem

observado que os liacutebios referidos por Heroacutedoto em Himera

(480 aC)355 deveriam ter estatuto de tropas pagas

considerando-se que a subjugaccedilatildeo de territoacuterios africanos

vizinhos pelos cartagineses eacute posterior agrave batalha de

Himera356 Aleacutem disso que os liacutebios tenham sido recrutados

como forma de tributaccedilatildeo com o decorrer da expansatildeo

territorial cartaginesa parece improvaacutevel a julgar pela

identificaccedilatildeo polibiana dos liacutebios com as demais tropas

351 Connoly op cit p150 Daly p 97 352 Polib 3114 353 Precisar a data eacute impossiacutevel 354 Griffith pp 207-208 355 Hdt 7165 356 Brian H Warmington Carthage New York Praeger 1960 P 40

Serge Lancel Carthage a history Oxford Cambridge MA Blackwell

1995 P 257 Daly p 84

159

seguramente mercenaacuterias357 Por fim o seu armamento era

basicamente a lanccedila e o escudo (o formato eacute assunto

controverso) sendo ambos empregados por infantaria

disposta em boa ordem o que por vezes levou historiadores

a acreditarem numa similaridade com o modelo hopliacutetico

grego358

No entanto quando Poliacutebio e outros autores

antigos mencionam organizaccedilatildeo em falange para tropas natildeo-

gregas o termo frequumlentemente indica apenas infantaria

pesadamente armada ou ldquoem massardquo sem precisar um corpo de

soldados dispostos na mesma loacutegica que regia a falange

hopliacutetica Os liacutebios lutavam por vezes como infantaria

coesa a exemplo do que Plutarco narra em Crimiso (340

aC) ocasiatildeo em que 10000 homens (entre liacutebios e

cartagineses) surpreenderam pela marcha compassada e em boa

ordem (τῆ βραδυττι καὶ τάξει τς πορείας)359 mas dificilmente

combatiam como hoplitas

Quanto aos elefantes os mesmos foram introduzidos na

arte da guerra do ocidente heleniacutestico por Pirro do Epiro

Alguns anos depois os paquidermes passaram a ser usados

pelos cartagineses que os adquiriam basicamente nos

arredores de Cartago e na costa do atual Marrocos embora

Aniacutebal Barca tenha ldquoimportadordquo alguns do Egito

ptolomaico360

Como explicado ao longo do cap2 os

elefantes tinham efeito desproporcional se considerado o

seu pequeno nuacutemero mas dependiam largamente de condiccedilotildees

favoraacuteveis ao seu uso Sendo um traccedilo da arte da guerra

heleniacutestica seraacute possiacutevel observar uma modificaccedilatildeo taacutetica

crucial no emprego dos elefantes pelos cartagineses apoacutes

Xantipo uma vez que os generais de Cartago tendiam a

empregaacute-los como forccedila de apoio agrave cavalaria ou como

357 Um exemplo claro encontra-se em Polib 167 358 Um bom exemplo eacute Le Bohec op cit pp 39-40 que questiona ateacute se

os cartagineses uma vez que combatiam em falange (argumento de Le

Bohec) teriam adotado a lanccedila macedocircnica (sarissa) 359 Plut Tim 27 360 Bagnall op cit p 9

160

ldquoguardiotildees da bagagemrdquo sem ter considerado o seu uso ao

centro (contra uma infantaria massificada) de modo

integrado com a investida montada nas alas

161

3 As primeiras inovaccedilotildees militares na Cartago

heleniacutestica ou a transformaccedilatildeo logiacutestica frente agrave

ameaccedila grega 310-307 aC

A incorporaccedilatildeo dos homens de Ophellas ao exeacutercito de

Agaacutetocles foi acompanhada como visto anteriormente pela

tentativa desesperada de ascensatildeo do poder tiracircnico em

Cartago a qual havia sido liderada por Bomiacutelcar Ambos os

eventos contudo natildeo possuiacuteam conexatildeo direta mas

provocaram sem duacutevida abalo consideraacutevel no moral do

exeacutercito cartaginecircs o que pode justificar como enfatizou

Meister o grande sucesso de Agaacutetocles ao tomar portos e a

cidade de Uacutetica a mais importante depois de Cartago apoacutes

longa resistecircncia de seus cidadatildeos361 Isso permitiria a

Agaacutetocles o estabelecimento de uma linha de comunicaccedilatildeo

permanente com a Siciacutelia o que se traduziria em peacutessimas

notiacutecias para os cartagineses Diante de situaccedilatildeo tatildeo

favoraacutevel contudo o siracusano teve que retornar agrave

Siciacutelia urgentemente levando consigo 2000 homens e

nomeando Arcagatos para o comando das tropas na Aacutefrica362

Sua partida se transformaraacute no iniacutecio de uma reviravolta na

expediccedilatildeo africana Ainda que seus oficiais (nomeadamente

Eumachos) tenham conseguido capturar algumas cidades

(incluindo Hippo Acra e Acris) subjugando parcialmente

povos nocircmades uma uniatildeo desses povos em prol de sua

liberdade e as adversidades das regiotildees africanas

provocaram o recuo dos gregos363

De fato Eumachos havia

conquistado excelente reputaccedilatildeo entre os homens de

Agaacutetocles ao retornar vitorioso de sua primeira campanha

mas a resistecircncia combinada dos nocircmades provocou a baixa de

muitos homens bem como o recuo imediato dos demais sendo

361 Diod 2043 Meister CAH 7 p 398 362 Diod 2055 Justino 228 363 Consolo Langher pp 219-226

162

impossiacutevel avanccedilar sobre os territoacuterios devido a sua

inospicidade natural364 Essa primeira mudanccedila na

perspectiva geral da expediccedilatildeo africana seraacute acompanhada do

que sustento ter sido uma reforma logiacutestica no exeacutercito

cartaginecircs

De acordo com Diodoro seguindo a traduccedilatildeo da Loeb o

Senado em Cartago recebeu bom conselho sobre a guerra (τς

γερουσίας ἐν Καρχηδόνι βουλευσαμένης περὶ τοῦ πολέμου καλς) e os senadores

decidiram formar trecircs exeacutercitos e enviaacute-los da cidade cada

um com destino proacuteprio sendo o primeiro contra as cidades

costeiras o segundo contra as regiotildees intermediaacuterias e o

terceiro contra as cidades no interior365

A partir disso a

guerra tomou outros rumos privando os gregos da vantagem

ateacute entatildeo assegurada a qual foi devida principalmente agrave

inexperiecircncia dos cartagineses frente aos homens ldquoeducados

na escola do perigordquo Seria possiacutevel presumir que algum

general mercenaacuterio em particular concretizado como

personagem histoacuterica da mesma forma que Xantipo alguns

anos mais tarde teria aconselhado o Senado cartaginecircs sem

ter com isso assumido qualquer posiccedilatildeo de comando o que

seria plausiacutevel se tiveacutessemos evidecircncias mais concretas

(tais como nomes) Essa situaccedilatildeo hipoteacutetica asseguraria

inclusive a traduccedilatildeo acima mencionada Mas o verbo

βουλευσαμένης tal qual aparece na citaccedilatildeo natildeo eacute a forma

passiva de βουλεύω (normalmente ldquoreceber ou tomar conselho

sobre algordquo)366 Noutras palavras nesse caso especiacutefico o

mais correto seria traduzir βουλευσαμένης περὶ τοῦ πολέμου como

ldquodeliberou [o proacuteprio Senado] sobre a guerrardquo o que pode

gerar a ilusatildeo se considerada somente a sintaxe do texto

364 Diodoro (2058) menciona uma montanha cheia de gatos selvagens

(πλήρους δ ὄντος αἰλούρων) e mais adiante uma ldquoterra dos siacutemiosrdquo

(Πιθηκοῦσαι νσοι) sendo a primeira ldquoinoacutespita inclusive aos paacutessarosrdquo e a segunda com costumes muito diferentes dos gregos 365 Diod 2059 366 A forma passiva seria βουλευθείσης Sobre esse esclarecimento sou

grato a Nicolas Bertrand membro da Faculdade de Liacutenguas e culturas

antigas da Universidade Lille 3

163

de que o Senado teria deliberado a partir de uma discussatildeo

entre os senadores apenas homens idosos sem qualquer

experiecircncia militar ignorando portanto aconselhamentos

de a uma pessoa ou grupo aleacutem dos proacuteprios senadores As

informaccedilotildees contidas em Diodoro todavia apontam

claramente para orientaccedilotildees de algueacutem militarmente

experiente capaz de dar uma reviravolta estrateacutegica na

guerra ao dividir o exeacutercito cartaginecircs em trecircs unidades

De acordo com Diodoro os cartagineses pensaram em

primeiro lugar que o envio de 30000 soldados aliviaria a

cidade da obrigaccedilatildeo de tantas provisotildees as quais eram jaacute

escassas a essa altura do conflito e eliminaria o risco do

cerco uma vez que o inimigo estaria ocupado com os

exeacutercitos avanccedilados Em segundo lugar eles concluiacuteram que

a lealdade de seus aliados seria assegurada se os mesmos

pudessem contar com o apoio de tropas cartaginesas as

quais desencorajariam qualquer traiccedilatildeo aos gregos algo

historicamente usual quando cidades aliadas militarmente

fracas punham-se diante da presenccedila superior das tropas

inimigas e do descaso de seus aliados Por uacuteltimo a

terceira e a principal razatildeo para a nova organizaccedilatildeo

logiacutestica de seu exeacutercito ldquoacima de tudo eles esperavam

que os inimigos se vissem forccedilados a dividir as suas forccedilas

e a recuar para longe de Cartagordquo (τὸ δὲ μέγιστον ἤλπιζον καὶ τοὺς

πολεμίους ἀναγκασθήσεσθαι μερίζειν τὰς δυνάμεις καὶ μακρὰν ἀποσπᾶσθαι τς

Καρχηδόνος)367

Como podemos notar essas satildeo razotildees de ordem militar

(especialmente a uacuteltima e mais importante delas) as quais

natildeo poderiam ter sido concebidas por senadores sem

experiecircncia militar adequada ou mesmo por generais

igualmente inexperientes (uma constante em Cartago ao

menos ateacute a ascensatildeo Baacutercida) o que explica o envio uacutenico

e prematuro de todo o exeacutercito pelos generais cartagineses

367 Diod 2059 Consolo Langher pp 226-227

164

antes da referida reforma Portanto ainda que nenhuma

personagem histoacuterica possa ser precisada ou nomeada

diferentemente do que ocorreraacute mais tarde com Xantipo

parece seguro dizer que oficiais mercenaacuterios (os quais eram

encontrados em abundacircncia entre os cartagineses mas sempre

desempenhando funccedilotildees de oficiais de autoridade menor)

cuja experiecircncia militar eacute fator inegaacutevel teriam

aconselhado o Senado nessa ocasiatildeo O recrutamento

posterior de Xantipo ilustra que esse aconselhamento era

algo considerado pelos oligarcas em casos de perigo

extremo natildeo sendo absurda a ascensatildeo momentacircnea de

generais mercenaacuterios (gregos por deduccedilatildeo) ao comando do

exeacutercito mesmo que eles estivessem restritos ao niacutevel do

aconselhamento dos cartagineses por meio de inteacuterpretes368

O Senado enviou entatildeo cerca de 30000 homens em unidades

aproximadas de 10000 soldados deixando em Cartago apenas

os homens suficientes para a defesa da cidade Com isso os

defensores poderiam desfrutar das provisotildees necessaacuterias e

os grupamentos enviados assegurariam o apoio dos aliados ou

povos nocircmades neutros no conflito369

Ao ver que as regiotildees

que antes natildeo contavam com a presenccedila militar cartaginesa

agora tinham tropas enviadas por Cartago Arcagatos se viu

forccedilado a dividir tambeacutem as suas forccedilas pois soacute assim

poderia enfrentar a investida inimiga um primeiro

destacamento foi enviado para a regiatildeo costeira seguido

pelo envio de tropas sob o comando de Aeschrion

responsaacutevel pelo combate dos cartagineses localizados nas

regiotildees intermediaacuterias e da terceira parte (sob o comando

do proacuteprio Arcagatos) do exeacutercito para as cidades do

interior

Os resultados natildeo foram nada favoraacuteveis aos gregos

Aeschrion pereceu em batalha apoacutes uma emboscada preparada

368 Inteacuterpretes satildeo mencionados por Diod 2316 no caso de Xantipo 369 Diod 2059 Consolo Langher p 231

165

por Hanatildeo general cartaginecircs sobre o qual nada sabemos

aleacutem do plano para a morte do comandante grego Segundo

Diodoro os cartagineses avanccedilaram sobre eles de forma

inesperada contrariando todas as expectativas e abateram

mais de 4000 soldados de infantaria 200 cavaleiros e o

proacuteprio general ([] καὶ παραδόξως ἐπιθέμενος ἀνεῖλε πεζοὺς μὲν πλείους

τν τετρακισχιλίων ἱππεῖς δὲ περὶ διακοσίους ἐν οἷς ἦν καὶ ατὸς ὁ στρατηγός)

Diante disso sem ter como revidar as tropas sobreviventes

retiraram-se para o acamamento de Arcagathus distante

cerca de 90 quilocircmetros (500 estaacutedios gregos ἀπέχοντα σταδίους

πεντακοσίους)370 Himilco general cartaginecircs responsaacutevel pelas

tropas dirigidas ao interior aguardava em posiccedilatildeo

defensiva favoraacutevel numa cidade aparentemente bem

fortificada Os soldados de Eumachos retornavam de sua

campanha a marcha lenta por causa dos espoacutelios obtidos das

cidades capturadas quando se depararam com os cartagineses

de Himilco Desafiados para uma batalha decisiva os

cartagineses aceitaram o combate mas natildeo da forma como os

gregos esperavam Parte das tropas foi deixada escondida na

cidade e a outra parte se apresentou em campo aberto

simulando uma retirada apoacutes iniciada a batalha o que teria

provocado o avanccedilo precipitado e desordenado dos homens de

Eumachos provavelmente confiantes demais com o resultado

da campanha no interior Os gregos findaram por pressionar

em confusatildeo aqueles que estavam em recuo ([] καὶ

τεθορυβημένως τν ποχωρούντων ἐξήπτοντο) momento em que as ordens

de Himilco foram executadas pelas tropas que haviam sido

deixadas na cidade como forccedila de reserva

Himilco deixou parte de seu exeacutercito em armas na

cidade ordenando que no momento em que ele se

370 Diod 2060

166

retirasse em fuga simulada o exeacutercito castigasse os

seus perseguidores371

Envolvidos dessa maneira os gregos entraram em pacircnico

e bateram em retirada sendo impedidos de retornar ao seu

acampamento pelos cartagineses o que gerou a

impossibilidade da aquisiccedilatildeo de aacutegua e facilitou por

consequumlecircncia a finalizaccedilatildeo por parte dos cartagineses

Diodoro menciona que de um total de 8000 soldados

infantaria e 800 cavaleiros apenas 70 sobreviveram a essa

batalha Arcagato entatildeo reuniu os soldados sobreviventes

desses infortuacutenios e enviou um relatoacuterio a Agaacutetocles

solicitando a sua ajuda o mais raacutepido possiacutevel Os

cartagineses sendo vitoriosos conseguiram o apoio de

muitos desertores do exeacutercito grego que cercado por terra

e mar aguardava desesperadamente reforccedilo vindo da Siciacutelia

A chegada de Agaacutetocles natildeo modificou sensivelmente a

situaccedilatildeo desfavoraacutevel aos gregos Justino menciona uma

soluccedilatildeo momentacircnea para o motim dos mercenaacuterios os quais

natildeo deveriam pedir o pagamento de seu comandante ldquomas

tomaacute-lo do inimigordquo (sed ab hoste quaerenda) Ainda de

acordo com a forma que Justino via o discurso de Agaacutetocles

aos seus homens eles deveriam ldquoobter uma vitoacuteria e um

espoacutelio comunsrdquo (communem victoriam communem praedam

futuram)372

Mas o pagamento natildeo veio pois os inimigos natildeo

puderam ser derrotados Sabendo de sua condiccedilatildeo favoraacutevel

particularmente quanto ao terreno linhas de abastecimento

e moral das tropas os cartagineses aguardaram em seu

acampamento tendo assim forccedilado Agaacutetocles diante da

inquietaccedilatildeo de seus mercenaacuterios373 a arriscar uma batalha

371 Diod 2060 [] Ἰμίλκων μέρος μὲν τς στρατιᾶς κατέλιπε διεσκευασμένον ἐν τῆ πόλει διακελευσάμενος ὅταν ατὸς ἀναχωρῆ προσποιούμενος φεύγειν ἐπεξελθεῖν τοῖς ἐπιδιώκουσιν 372 Justino 228 373 Diod 2064 menciona desistecircncia por parte dos mercenaacuterios no curto

tempo que Agaacutetocles decidiu esperar por condiccedilotildees estrateacutegicas mais

favoraacuteveis

167

sem as vantagens baacutesicas exigidas para tanto Pressionado

por todos os lados seus homens natildeo puderam resistir e a

batalha logo estava completamente perdida

Ainda que natildeo tenhamos informaccedilotildees detalhadas sobre

essa uacuteltima derrota grega na Aacutefrica parece certo deduzir

que as taacuteticas cartaginesas natildeo eram a essa altura

ldquoheleniacutesticasrdquo apesar do contato direto com Agaacutetocles Se

tiveacutessemos maiores detalhes sobre as taacuteticas em campo

aberto as mesmas provavelmente confirmariam o

ldquodiagnoacutesticordquo de Xantipo cerca de 50 anos mais tarde

durante a Primeira Guerra Puacutenica que os cartagineses foram

derrotados naquele tempo pelos romanos devido agrave

inexperiecircncia de seus generais De modo geral as taacuteticas

heleniacutesticas representavam o que havia de mais atualizado e

eficiente na arte da guerra mediterracircnica pois

consideravam os diversos aspectos do confronto armado Os

generais cartagineses natildeo estavam capacitados para tais

modificaccedilotildees executando no fim do seacutecIV aC manobras

tiacutepicas do periacuteodo claacutessico nem tinham proximidade com a

figura de Alexandre ou conhecimento suficiente de sua

expediccedilatildeo asiaacutetica para a realizaccedilatildeo da referida tarefa

antes de Xantipo Mas algo mudou durante a expediccedilatildeo

africana de Agaacutetocles o envio das tropas a territoacuterio

africano obedeceu diante da ameaccedila estrangeira em seu

territoacuterio a criteacuterios logiacutesticos mais apurados o que

parece ter sido produto de aconselhamento por parte dos

mercenaacuterios

168

4 As uacuteltimas inovaccedilotildees militares em Cartago no

periacuteodo preacute-Baacutercida ou a transformaccedilatildeo taacutetica

frente agrave ameaccedila romana 255 aC

41 A Primeira Guerra Puacutenica 264-241 aC

411 A particularidade da primeira guerra cartaginesa

contra os romanos

As Guerras Puacutenicas sempre atraiacuteram a atenccedilatildeo dos

historiadores particularmente aqueles interessados em

entender o momento em que os romanos iniciaram sua expansatildeo

para aleacutem da Peniacutensula Itaacutelica374

O primeiro desses

conflitos a chamada Primeira Guerra Puacutenica (264-241 aC)

foi a guerra contiacutenua mais longa da histoacuteria romana e

levando-se em consideraccedilatildeo o seu impacto sobre a formaccedilatildeo

das colocircnias romanas no Mediterracircneo a mais importante

delas Parece oacutebvio chegar a essa conclusatildeo quando se tem

em mente que durante o primeiro confronto entre Cartago e

Roma os soldados romanos lutaram na Siciacutelia Coacutersega

Sardenha e norte da Aacutefrica tendo nascido nesse momento a

justificativa romana para a intervenccedilatildeo nos assuntos

sicilianos e posteriormente cartagineses levando agrave

destruiccedilatildeo da cidade na Terceira Guerra Puacutenica (149-146

374 As referecircncias sobre as Guerras Puacutenicas satildeo quase incontaacuteveis Como

breve listagem das melhores obras sobre o tema sugiro Arnold J

Toynbee Hannibal‟s legacy the Hannibalic War‟s effects on Roman

life London New York Oxford University Press 1965 Brian Caven

The Punic Wars London Weidenfeld and Nicolson 1980 Bagnall op

cit Basil Henry Liddell Hart Scipio Africanus greater than

Napoleon New York Da Capo Press 1994 Le Bohec op cit John

Francis Lazenby First Punic War e John F Lazenby Hannibal‟s war a

military history of the Second Punic War Norman University of

Oklahoma Press 1998 Dexter Hoyos Unplanned Wars The Origins of the

First and Second Punic Wars Berlin New York Walter de Gruyter

1998 Goldsworthy Punic Wars Daly Dexter Hoyos Hannibal‟s war

books twenty-one to thirty Livy translated by JC Yardley with an

introduction and notes by Dexter Hoyos Oxford New York Oxford

University Press 2006 Miles

169

aC)375

Aleacutem disso na condiccedilatildeo de guerra primariamente

naval eacute normalmente dito por historiadores que a Primeira

Guerra Puacutenica agregou o maior nuacutemero de homens envolvidos

em batalhas no mar ao longo de toda a histoacuteria greco-

romana376

De modo geral a Primeira Guerra Puacutenica aparece apenas

como um capiacutetulo menor das Guerras Puacutenicas precisamente um

preluacutedio necessaacuterio ao estudo da bem documentada Guerra

Anibaacutelica377

Lazenby recorda que no livro de Caven sobre as

Guerras Puacutenicas por exemplo muitos detalhes (pormenores

relevantes ao estudo especializado) satildeo deixados de lado e

nenhuma referecircncia agraves evidecircncias antigas eacute feita378 O livro

de Bagnall The Punic Wars tambeacutem carece de detalhes

importantes ainda que apresente boas hipoacuteteses sobre

estrateacutegia379

Ateacute o estudo sistemaacutetico de Lazenby

portanto natildeo havia publicaccedilotildees detalhadas sobre o

conflito submetendo frequumlentemente a anaacutelise ao modo

criativo e inovador que caracterizou os caminhos pelos

quais os romanos venceram os ldquotraiccediloeiros cartaginesesrdquo

que tiveram por fim somente uma repentina e fugaz

reviravolta em sua fortuna sob o comando de Aniacutebal Barca

Tendo Lazenby como ponto de partida outras obras surgiram

mas a maioria delas preocupadas mais com a Segunda Guerra

Puacutenica ou com a caracterizaccedilatildeo da Primeira Guerra Puacutenica

375 Ver Goldsworthy Punic Wars pp331-356 376 Lazenby First Punic War p1 Polib 163 caracteriza a guerra

como a mais longa mais intensa e maior (πολυχρονιώτατος καὶ συνεχέστατος καὶ μέγιστος) de todas as guerras 377 Haacute algumas obras dedicadas apenas agrave Primeira Guerra Puacutenica mas de

modo geral essas satildeo escassas se comparadas ao grande nuacutemero de

estudos sobre Aniacutebal Barca e sua guerra contra os romanos Sobre obras

dedicadas agrave Primeira Guerra Puacutenica em particular ver por exemplo

Lazenby First Punic War e Yann Le Bohec (org) Le Premiegravere Guerre

Punique Collection du Centre d‟Eacutetudes Romaines et Gallo-Romaines 23

Lyon Paris De Boccard 2001 378 Lazenby First Punic War prefaacutecio A obra mencionada eacute a de Caven

(op cit) Caven eacute tambeacutem autor de Dionysius I war-lord of Sicily

New Haven Yale University Press 1990 379 Lazenby First Punic War prefaacutecio Bagnall op cit

170

como preluacutedio das demais380

Isso induz agraves anaacutelises gerais

que reduzem para o que mais interessa a esse respeito

nesta tese o impacto das inovaccedilotildees lideradas por

Xantipo381

O que teria entatildeo em primeiro lugar dado iniacutecio agrave

Primeira Guerra Puacutenica Antes de tratar do recrutamento de

Xantipo (e possivelmente outros mercenaacuterios gregos) como

indiacutecio da preocupaccedilatildeo cartaginesa com a invasatildeo de Reacutegulo

na Aacutefrica torna-se fundamental o entendimento da

construccedilatildeo gradual do direito de intervenccedilatildeo romana na

Siciacutelia e do modo como as relaccedilotildees entre Cartago e Roma

chegaram ao ponto da hostilidade poliacutetico-militar

De acordo com Poliacutebio trecircs foram os tratados entre

Cartago e Roma no periacuteodo anterior agrave deflagraccedilatildeo da

guerra382 O primeiro deles teria ocorrido 28 anos antes da

invasatildeo de Xerxes isto eacute entre 509-507 aC ocupando-se

com a restriccedilatildeo dos acordos comerciais de Roma com a Aacutefrica

e a Sardenha o que asseguraria tambeacutem a sua autoridade no

Laacutecio Traduzido por Poliacutebio do latim ldquoda forma mais exata

possiacutevelrdquo o tratado (versatildeo parcial) seria como se segue

bdquoHaveraacute amizade (φιλίαν) entre os romanos e seus

aliados e entre os cartagineses e seus aliados nos

seguintes termos

Nem os romanos nem seus aliados navegaratildeo aleacutem de sua

Peniacutensula por direito (τοῦ Καλοῦ ἀκρωτηρίου) a menos que levados por tempestade (χειμνος) ou por pressatildeo do

inimigo (πολεμίων)383 Se qualquer um desses for levado para terra firme o mesmo natildeo compraraacute ou tomaraacute

qualquer coisa que seja para si salvo o que for

necessaacuterio para o reparo de sua embarcaccedilatildeo (πρὸς πλοίου ἐπισκευὴν) e para honrar os deuses (πρὸς ἱερά) devendo

380 Uma exceccedilatildeo eacute obviamente Le Bohec sobre a Primeira Guerra Puacutenica

(op cit) 381 Goldsworthy Punic Wars p10 admite que Lazenby First Punic War

eacute a referecircncia ldquomais acadecircmicardquo para o assunto 382 Polib 322 383 Polemiacuteon indica ldquorelativo agrave guerrardquo mas aqui deve ser traduzido

como ldquopor medo ou pressatildeo do inimigordquo jaacute que indica uma forccedila

externa no caso militar como fator para ultrapassar os limites

geograacuteficos estabelecidos

171

partir em cinco dias [] Aqueles que desembarcarem

para o comeacutercio natildeo devem fazecirc-lo salvo na presenccedila de

um oficial (κήρυκι) ou secretaacuterio (γραμματεῖ) O que quer que seja vendido na presenccedila desses deveraacute ter o preccedilo

assegurado com base no creacutedito do Estado contanto que

ocorra na Liacutebia ou na Sardenha Se um romano vier agrave

Siciacutelia aquela pertencente ao territoacuterio dos

cartagineses (ἧς Καρχηδόνιοι ἐπάρχουσιν) o mesmo desfrutaraacute de todos os direitos comuns aos demais Os cartagineses

natildeo causaratildeo danos ao povo de Ardea Antium

Laurentium Circeii Terracina nem a qualquer um dos

Latinos desde que esses estejam submetidos [a Roma]

(μηδ ἄλλον μηδένα Λατίνων ὅσοι ἂν πήκοοι) [] Eles [os

cartagineses] natildeo construiratildeo forte no Laacutecio se

entrarem em armas no territoacuterio ali natildeo permaneceratildeo

nem mesmo para passar a noite (ἐν τῆ χώρᾳ μὴ ἐννυκτερευέτωσαν)‟384

Como pode ser observado trata-se de um acordo

comercial com fins igualmente poliacuteticos dirigido agrave criaccedilatildeo

ou manutenccedilatildeo das boas relaccedilotildees entre Cartago e Roma Tem

sido sugerido que nessa passagem encontrariacuteamos a indicaccedilatildeo

de uma renovaccedilatildeo de um tratado jaacute existente entre Cartago e

os reis etruscos de Roma uma vez que haacute outras evidecircncias

para a existecircncia de termos amigaacuteveis entre os cartagineses

e os etruscos no seacutecVI aC Aleacutem disso a eacutepoca referida

por Poliacutebio condiz com o periacuteodo etrusco em Roma385

O segundo tratado ocorreu provavelmente em 348 aC se

for aceita a identificaccedilatildeo do tratado mencionado por Tito

384 Polib 322 ldquoἐπὶ τοῖσδε φιλίαν εἶναι Ῥωμαίοις καὶ τοῖς Ῥωμαίων συμμάχοις καὶ Καρχηδονίοις καὶ τοῖς Καρχηδονίων συμμάχοις μὴ πλεῖν Ῥωμαίους μηδὲ τοὺς Ῥωμαίων συμμάχους ἐπέκεινα τοῦ Καλοῦ ἀκρωτηρίου ἐὰν μὴ πὸ χειμνος ἢ πολεμίων ἀναγκασθσιν ἐὰν δέ τις βίᾳ κατενεχθῆ μὴ ἐξέστω ατῶ μηδὲν ἀγοράζειν μηδὲ λαμβάνειν πλὴν ὅσα πρὸς πλοίου ἐπισκευὴν ἢ πρὸς ἱερά (ἐν πέντε δ ἡμέραις ἀποτρεχέτω) τοῖς δὲ κατ ἐμπορίαν παραγινομένοις μηδὲν ἔστω τέλος πλὴν ἐπὶ κήρυκι ἢ γραμματεῖ ὅσα δ ἂν τούτων παρόντων πραθῆ δημοσίᾳ πίστει ὀφειλέσθω τῶ ἀποδομένῳ ὅσα ἂν ἢ ἐν Λιβύῃ ἢ ἐν Σαρδόνι πραθῆ ἐὰν Ῥωμαίων τις εἰς Σικελίαν παραγίνηται ἧς Καρχηδόνιοι ἐπάρχουσιν ἴσα ἔστω τὰ Ῥωμαίων πάντα Καρχηδόνιοι δὲ μὴ ἀδικείτωσαν δμον Ἀρδεατν Ἀντιατν Λαρεντίνων Κιρκαιιτν Ταρρακινιτν μηδ ἄλλον μηδένα Λατίνων ὅσοι ἂν πήκοοι ἐὰν δέ τινες μὴ ὦσιν πήκοοι τν πόλεων ἀπεχέσθωσαν ἂν δὲ λάβωσι Ῥωμαίοις ἀποδιδότωσαν ἀκέραιον φρούριον μὴ ἐνοικοδομείτωσαν ἐν τῆ Λατίνῃ ἐὰν ὡς πολέμιοι εἰς τὴν χώραν εἰσέλθωσιν ἐν τῆ χώρᾳ μὴ ἐννυκτερευέτωσανrdquo 385 Lazenby First Punic War p31 A evidecircncia citada eacute Hdt 1166 E

eles atacaram e pilharam todas as cidades vizinhas razatildeo pela qual os

etruscos e cartagineses (Τυρσηνοὶ καὶ Καρχηδόνιοι) se aliaram contra eles []

172

Liacutevio386

e Diodoro387

com aquele descrito por Poliacutebio388 como

o segundo dos acordos embora Tito Liacutevio e Diodoro anunciem

esse tratado como o primeiro a inaugurar as relaccedilotildees

diplomaacuteticas entre os dois Estados Basicamente o segundo

tratado asseguraria a posiccedilatildeo dos romanos no Laacutecio e a dos

cartagineses na Liacutebia e Sardenha exatamente como no

primeiro tratado referido por Poliacutebio mas acrescentava

Uacutetica ao domiacutenio cartaginecircs indicando o sul da Hispacircnia

como aacuterea proibida ao comeacutercio por parte de Roma Tito

Liacutevio e Diodoro nos informam apenas que um tratado havia

sido estabelecido entre Roma e os cartagineses389 ao passo

que Poliacutebio nos concede as maiores informaccedilotildees a respeito

apresentando uma traduccedilatildeo do tratado da seguinte maneira

bdquoHaveraacute amizade entre os romanos e seus aliados e

entre os cartagineses os habitantes de Tiro e o povo

de Uacutetica (Τυρίων καὶ Ἰτυκαίων δήμῳ) nos seguintes termos Os romanos natildeo saquearatildeo (λῄζεσθαι) traficaratildeo

(ἐμπορεύεσθαι) ou fundaratildeo uma cidade (πόλιν κτίζειν) aleacutem de sua Peniacutensula por direito (τοῦ Καλοῦ ἀκρωτηρίου) Mastia e Tarsenium Se os cartagineses tomarem qualquer cidade

no Laacutecio que natildeo esteja submetida a Roma eles poderatildeo

fazer prisioneiros e confiscar bens (τὰ χρήματα καὶ τοὺς ἄνδρας ἐχέτωσαν) mas desistiratildeo da cidade (τὴν δὲ πόλιν ἀποδιδότωσαν) [] Na Sardenha e na Liacutebia nenhum romano traficaraacute ou fundaraacute cidade ele natildeo faraacute mais do que

pegar provisotildees ou reabastecer sua embarcaccedilatildeo (εἰ μὴ ἕως τοῦ ἐφόδια λαβεῖν ἢ πλοῖον ἐπισκευάσαι) Se uma tempestade levaacute-lo a esses locais o mesmo partiraacute em cinco dias []‟

390

386 Tito Liacutevio 727 387 Diod 1669 388 Polib 324 ver Lazenby First Punic War pp 31-32 389 Tito Liacutevio 727 Et cum Carthaginiensibus legatis Romae foedus

ictum cum amicitiam ac societatem petentes uenissent Diod 1669 ἐπὶ δὲ τού των Ῥωμαίοις μὲν πρὸς Καρχηδονίους πρτον συνθκαι ἐγένοντο 390 Polib 324 A versatildeo completa do tratado aparece como se segue ldquoἐπὶ τοῖσδε φιλίαν εἶναι Ῥωμαίοις καὶ τοῖς Ῥωμαίων συμμάχοις καὶ Καρχηδονίων καὶ Τυρίων καὶ Ἰτυκαίων δήμῳ καὶ τοῖς τούτων συμμάχοις τοῦ Καλοῦ ἀκρωτηρίου Μαστίας Ταρσηίου μὴ λῄζεσθαι ἐπέκεινα Ῥωμαίους μηδ ἐμπορεύεσθαι μηδὲ πόλιν κτίζειν ἐὰν δὲ Καρχηδόνιοι λάβωσιν ἐν τῆ Λατίνῃ πόλιν τινὰ μὴ οὖσαν πήκοον Ῥωμαίοις τὰ χρήματα καὶ τοὺς ἄνδρας ἐχέτωσαν τὴν δὲ πόλιν ἀποδιδότωσαν ἐὰν δέ τινες Καρχηδονίων λάβωσί τινας πρὸς οὓς εἰρήνη μέν ἐστιν ἔγγραπτος Ῥωμαίοις μὴ ποτάττονται δέ τι ατοῖς μὴ καταγέτωσαν εἰς τοὺς Ῥωμαίων λιμένας ἐὰν δὲ καταχθέντος ἐπιλάβηται ὁ Ῥωμαῖος ἀφιέσθω ὡσαύτως δὲ μηδ οἱ Ῥωμαῖοι ποιείτωσαν ἂν ἔκ τινος χώρας ἧς Καρχηδόνιοι ἐπάρχουσιν ὕδωρ ἢ ἐφόδια λάβῃ ὁ Ῥωμαῖος μετὰ τούτων τν ἐφοδίων μὴ ἀδικείτω μηδένα πρὸς οὓς εἰρήνη καὶ φιλία ἐστὶ (Καρχηδονίοις ὡσαύ τως δὲ μηδ ὁ)

173

O terceiro tratado entre Cartago e Roma teve lugar

entre 279 e 278 aC isto eacute durante a expediccedilatildeo italiana

de Pirro do Epiro em socorro de Tarento391 Apoacutes as suas

duas vitoacuterias contra os romanos as chamadas ldquovitoacuterias

piacuterricasrdquo (em Heraclea e Aacutesculo) Pirro resolveu atender ao

pedido das cidades siciliotas e partiu rumo agrave ilha para

comandar a guerra dos gregos contra os cartagineses

Cartago por outro lado natildeo via a chegada de Pirro como

algo positivo em momento tatildeo crucial da guerra e

estabeleceu novo acordo com os romanos desta vez em termos

bastante favoraacuteveis aos uacuteltimos com o objetivo de

assegurar que o epirota permanecesse na peniacutensula

De acordo com Poliacutebio o terceiro tratado continha os

mesmos termos dos dois anteriores exceto pelos seguintes

elementos inseridos por conta da presenccedila de Pirro na

Peniacutensula e em seguida na Siciacutelia

bdquoSe um ou outro necessitar de auxiacutelio (ὁπότεροι δ ἂν χρείαν ἔχωσι τς βοηθείας) os cartagineses forneceratildeo as

embarcaccedilotildees seja para transporte ou com fins

militares mas cada povo arcaraacute com o pagamento de seus

proacuteprios homens (τὰ δὲ ὀψώνια τοῖς ατν ἑκάτεροι) Os

cartagineses tambeacutem daratildeo suporte mariacutetimo (κατὰ θάλατταν) se os romanos precisarem mas nenhum dos dois

Καρχηδόνιος ποιείτω εἰ δέ μὴ ἰδίᾳ μεταπορευέσθω ἐὰν δέ τις τοῦτο ποιήσῃ δημόσιον γινέσθω τὸ ἀδίκημα ἐν Σαρδόνι καὶ Λιβύῃ μηδεὶς Ῥωμαίων μήτ ἐμπορευέσθω μήτε πόλιν κτιζέτω [] εἰ μὴ ἕως τοῦ ἐφόδια λαβεῖν ἢ πλοῖον ἐπισκευάσαι ἐὰν δὲ χειμὼν κατενέγκῃ ἐν πένθ ἡμέραις ἀποτρεχέτω ἐν Σικελίᾳ ἧς Καρχηδόνιοι ἐπάρχουσι καὶ ἐν Καρχηδόνι πάντα καὶ ποιείτω καὶ πωλείτω ὅσα καὶ τῶ πολίτῃ ἔξεστιν ὡσαύτως δὲ καὶ ὁ Καρχηδόνιος ποιείτω ἐν Ῥώμῃrdquo 391 A anaacutelise mais recente sobre o terceiro tratado pode ser encontrada

em Zambon Hellenistic Sicily pp 86-95 Zambon Hellenistic Sicily

divide as fontes para o terceiro tratado em (a) fontes sobre as

relaccedilotildees diplomaacuteticas (b) fontes sobre a assinatura do tratado e (c)

fontes para os eventos histoacutericos apoacutes a conclusatildeo da nova alianccedila

Como aqui pretendo apenas mostrar a degradaccedilatildeo das relaccedilotildees

diplomaacuteticas entre Cartago e Roma para entatildeo salientar razotildees mais

profundas para a deflagraccedilatildeo da guerra que a questatildeo dos mamertinos

temas mais especiacuteficos (como os que foram enumerados por Zambon

Hellenistic Sicily e trabalhados por um nuacutemero abundante de autores)

seratildeo propositalmente suprimidos Sobre o tratado aleacutem de Zambon

pode-se consultar Barbara Scardigli I Trattati romano-cartaginesi

Pisa Scuola Normale Superiore 1991 Hoyos op cit pp 7-11

174

obrigaraacute os tripulantes a desembarcar contra a sua

vontade‟ (versatildeo parcial)392

O tratado como podemos observar estabelece claramente

auxiacutelio militar muacutetuo393 estando Cartago disposta a se

ldquocomprometerrdquo com o auxiacutelio logiacutestico mais do que os

romanos (inclusive pela condiccedilatildeo de sua frota em comparaccedilatildeo

com aquela virtualmente inexistente dos romanos) o que

ilustra a insatisfaccedilatildeo com a possibilidade de ter que lidar

com Pirro na Siciacutelia Os resultados do tratado contudo

natildeo tiveram grande impacto de ordem praacutetica Ainda que seja

tentador identificar a referecircncia agraves 120 embarcaccedilotildees sob o

comando do cartaginecircs Mago em Justino no momento da

expediccedilatildeo italiana de Pirro como fruto do terceiro tratado

a referecircncia (na mesma passagem)394 a uma visita em segredo

de Mago ao epirota durante a qual certo tipo de alianccedila ou

amizade foi oferecido indica que Cartago natildeo estava

decidida quanto agrave hostilidade em direccedilatildeo a Pirro e

portanto parece mais correto dizer que o envio de Mago se

deu antes do tratado Lazenby ceacutetico diante da evidecircncia

acerca de outro evento como consequumlecircncia do terceiro acordo

entre Cartago e Roma agrave eacutepoca da expediccedilatildeo piacuterrica aponta

uma operaccedilatildeo ocorrida em Reggio separada da Siciacutelia apenas

pelo estreito de Messina como o uacutenico evento possivelmente

resultante do tratado em questatildeo395 Apoiado num fragmento

de Diodoro Lazenby sugere que os 500 homens enviados a

Reggio (ainda sob o domiacutenio romano) por Cartago

392 Polib 325 [] ὁπότεροι δ ἂν χρείαν ἔχωσι τς βοηθείας τὰ πλοῖα παρεχέτωσαν Καρχηδόνιοι καὶ εἰς τὴν ὁδὸν καὶ εἰς τὴν ἄφοδον τὰ δὲ ὀψώνια τοῖς ατν ἑκάτεροι Καρχηδόνιοι δὲ καὶ κατὰ θάλατταν Ῥωμαίοις βοηθείτωσαν ἂν χρεία ᾖ τὰ δὲ πληρώματα μηδεὶς ἀναγκαζέτω ἐκβαίνειν ἀκουσίωςrdquo 393 Lazenby First Punic War p 32 394 Justino 182 [] quasi pacificator Karthaginiensium Pyrrum

adiit speculaturus consilia eius de Sicilia [] Embora Justino

indique que as reais intenccedilotildees dos cartagineses eram especular o que

Pirro pensava sobre a Siciacutelia temos ainda uma duacutevida que parece mais

caracteriacutestica de um periacuteodo anterior mesmo que bastante proacuteximo da

data do terceiro tratado com Roma 395 Lazenby First Punic War p 33

175

corresponderiam ao contingente de apoio contra o invasor

epirota Aleacutem desse evento nenhum outro pode ser cotado

como relacionado ao tratado ldquonem mesmo quando somente

Lilibeu permaneceu sob domiacutenio de Cartago de todas as suas

posses na Siciacuteliardquo396 Terminada a expediccedilatildeo de Pirro

outros possiacuteveis eventos podem ser vistos ainda como parte

do acordo mas como resposta aos homens deixados pelo

rei397

Apoacutes a breve anaacutelise dos trecircs tratados entre Cartago e

Roma podemos notar portanto ao lado da construccedilatildeo de uma

relaccedilatildeo amistosa entre os dois poderes a consolidaccedilatildeo da

posiccedilatildeo cartaginesa na Siciacutelia por cerca de 300 anos

(apesar de algumas reviravoltas tais como a guerra contra

Agaacutetocles e em seguida Pirro) e a expansatildeo romana em

direccedilatildeo ao sul da Peniacutensula regiatildeo que teraacute durante a

expediccedilatildeo de Pirro e um pouco depois presenccedila constante de

legionaacuterios romanos a exemplo da cidade de Reggio (vale

ressaltar mais uma vez separada da Siciacutelia apenas pelo

estreito de Messina) Tendo Pirro saiacutedo de cena o choque

entre dois Estados com impulsos imperialistas seria com o

passar dos anos algo inevitaacutevel O problema com os

mamertinos daria entatildeo o motivo concreto para a

deflagraccedilatildeo do conflito

Como visto anteriormente os soldados campacircnios

inicialmente a serviccedilo de Agaacutetocles haviam subjugado a

regiatildeo nordeste da Siciacutelia alguns anos apoacutes a morte do

siracusano tirando proveito da situaccedilatildeo poliacutetica delicada

pela qual a ilha passava Com a ascensatildeo de Hiero de

Siracusa e a soluccedilatildeo dos conflitos em Reggio (que teve seus

campacircnios revoltosos exterminados pelos romanos) a

situaccedilatildeo dos mamertinos se modificaraacute principalmente

396 Lazenby First Punic War p 34 397 Uma frota cartaginesa enviada a Tarentum para dar suporte ao cerco

liderado pelos romanos contra Milo deixado na cidade por Pirro

aparece por exemplo em Zonaras 88 e Oroacutesio 43

176

devido ao combate sistemaacutetico por parte dos siracusanos

contra a seacuterie de pilhagens promovidas pelos mercenaacuterios

Os mamertinos sem ter muito o que fazer solicitaram apoio

dos cartagineses e em seguida dos romanos Poliacutebio eacute

esclarecedor a esse respeito

Alguns deles apelaram aos cartagineses propondo a

submissatildeo deles proacuteprios e da cidade ao passo que

outros enviaram uma embaixada a Roma oferecendo a

submissatildeo da cidade e implorando por assistecircncia como

povo de mesma origem (ατοῖς ὁμοφύλοις πάρχουσιν)398

O principal elemento considerado pelos romanos em sua

avaliaccedilatildeo do pedido de auxiacutelio mamertino natildeo parece ter

sido contudo a identificaccedilatildeo eacutetnica De acordo com

Poliacutebio os romanos estavam cientes da grande expansatildeo do

territoacuterio cartaginecircs que jaacute incluiacutea a Liacutebia parte da

Hispacircnia a Sardenha e o Mar Tirreno restando somente a

conquista de parte da Siciacutelia para se tornarem ldquoos vizinhos

mais problemaacuteticos e perigosos (βαρεῖς καὶ φοβεροὶ γείτονες)rdquo

cercando Roma por todos os cantos da Peniacutensula No final

das contas possivelmente por pressatildeo popular (οἱ πολλοὶ) o

Senado decidiu nomear o cocircnsul Aacutepio Claacuteudio como general no

comando das tropas que atravessariam o mar em direccedilatildeo a

Siciacutelia sendo o cocircnsul vitorioso na primeira batalha

contra Hieratildeo (recentemente aliado de Cartago e vitorioso

num primeiro confronto contra os mamertinos) e os

cartagineses399 Derrotado pelos romanos Hieratildeo findou por

estabelecer alianccedila com os primeiros em 263 aC

mostrando-se leal a eles ateacute o fim de seu governo em 215

aC Os cartagineses em contrapartida frente agrave deserccedilatildeo

de Hieratildeo montaram seu novo quartel general na cidade de

Acragas devido a sua localizaccedilatildeo favoraacutevel como ponto de

398 Polib 110 [] οἱ μὲν ἐπὶ Καρχηδονίους κατέφευγον καὶ τούτοις ἐνεχείριζον σφᾶς ατοὺς καὶ τὴν ἄκραν οἱ δὲ πρὸς Ῥωμαίους ἐπρέσβευον παραδιδόντες τὴν πόλιν καὶ δεόμενοι βοηθήσειν σφίσιν ατοῖς ὁμοφύλοις πάρχουσιν 399 Polib 111

177

apoio logiacutestico bem como ao faacutecil acesso que ela oferecia

agrave porccedilatildeo leste da Siciacutelia a qual estava sob domiacutenio do

inimigo400

Com seus primeiros movimentos na Siciacutelia a maior parte

da Primeira Guerra Puacutenica todavia foi travada no mar

ainda que uma anaacutelise das evidecircncias acerca da atuaccedilatildeo dos

exeacutercitos (particularmente na Aacutefrica) ilustre inovaccedilotildees

militares importantes em terra firme Os cartagineses eram

conhecidos por sua excelecircncia mariacutetima tendo a navegaccedilatildeo

se tornado como nos informa Poliacutebio o seu ofiacutecio

nacional401

Eacute de salientar o respeito dos antigos quanto agrave

frota cartaginesa em diversas ocasiotildees de tensatildeo militar

das quais destaco como exemplo algumas cidades sicilianas

(aliadas aos romanos) que ldquoaterrorizadas diante da frota

cartaginesardquo (καταπεπληγμέναι τὸν τν Καρχηδονίων στόλον)

desertaram antes mesmo de lutar402 Os aparatos tecnoloacutegicos

usados na guerra naval eram quase sempre inventados ou

aprimorados pelos cartagineses a exemplo da substituiccedilatildeo

das trirremes (dominantes na guerra naval por cerca de 200

anos) pelas quadrirremes e de sua consequumlente adaptaccedilatildeo

para as quinquerremes403

Por outro lado como nos faz crer

Poliacutebio os romanos natildeo haviam se dedicado agrave guerra naval

como os cartagineses sendo seus construtores navais

completamente inexperientes na montagem de quinquerremes

400 Polib 117 Miles op cit p 179 401 Polib 652 Καρχηδόνιοι διὰ τὸ καὶ πάτριον ατοῖς [] τὴν ἐμπειρίαν ταύτην Ver item sobre o exeacutercito cartaginecircs 402 Polib 120 403

Note-se que a quinquerreme (do latim quinque o nuacutemero de homens necessaacuterios para mover cada seccedilatildeo da embarcaccedilatildeo) foi criado por

Dioniacutesio de Siracusa mas o seu uso foi melhorado pelos cartagineses

John S Morrison e John F Coates (The Athenian trireme the history

and reconstruction of an ancient Greek warship Cambridge University

Press 1986 pp259-260 Miles pp 177-178) mostraram a partir de

evidecircncias iconograacuteficas que a quinquereme cartaginesa era

ligeiramente diferente do modelo grego com um formato tipicamente

feniacutecio para os espaccedilos onde eram dispostos os cinco remadores de cada

seccedilatildeo o que garantia no caso cartaginecircs uma proteccedilatildeo extra para os

remadores e para o casco do navio Este seria por consequumlecircncia o

modelo das quinquerremes romanas Para a marinha de guerra cartaginesa

em geral cf Le Bohec op cit pp 49-55

178

(τν δὲ ναυπηγν εἰς τέλος ἀπείρων ὄντων τς περὶ τὰς πεντήρεις ναυπηγίας)

quando da deflagraccedilatildeo da Primeira Guerra Puacutenica404 A frota

de 100 quinquerremes e 20 trirremes construiacuteda em 261

aC teria sido a primeira formada pelos proacuteprios romanos

o que acentuaria na visatildeo de Poliacutebio quatildeo espirituosos

(μεγαλόψυχον) e extraordinaacuterios (παράβολον) eram os romanos ao

fazer algo405

Com a apreensatildeo de uma embarcaccedilatildeo cartaginesa (uma

quinquerreme) tomada como modelo Roma teria finalizado a

construccedilatildeo de sua frota (as 120 embarcaccedilotildees descritas por

Poliacutebio) em apenas 60 dias406 provavelmente por que a

disposiccedilatildeo das peccedilas das embarcaccedilotildees seguiu o meacutetodo de

organizaccedilatildeo por letras empregado por Cartago407 Frota

pronta natildeo significava contudo frota taticamente apta

Logo cerca de 17 embarcaccedilotildees romanas acabaram por ser

capturadas pelos cartagineses nas Ilhas Eoacutelias a noroeste

de Messina enquanto tentavam submeter a cidade de Lipara

tendo sua tripulaccedilatildeo e seu comandante Gneu Corneacutelio

Cipiatildeo sido capturados sem grande dificuldade408

404 Uma boa siacutentese das condiccedilotildees gerais da guerra naval no seacutecIII

aC pode ser encontrada em Goldsworthy Punic Wars pp 96-103 405 Polib 120 ἐξ ὧν καὶ μάλιστα συνίδοι τις ἂν τὸ μεγαλόψυχον καὶ παράβολον τς Ῥωμαίων αἱρέσεως Poliacutebio entende que a vitoacuteria romana em Acragas (261 aC) teria modificado sensivelmente os objetivos dos romanos com a

guerra ao inveacutes de simplesmente proteger os mamertinos agora Roma

havia se decidido pela expulsatildeo dos cartagineses da Siciacutelia Ver

Goldsworthy Punic Wars p 97 406 Polib 120 Bagnall op cit p 60 Le Bohec op cit pp75-77

Hoyos op cit p89 407 O meacutetodo ficou conhecido entre os estudiosos de Cartago apoacutes

escavaccedilatildeo dirigida por Honor Frost na deacutecada de 70 Restos de uma

embarcaccedilatildeo antiga haviam sido encontrados em 1969 por um capitatildeo de

navio mercante Diego Boninni durante uma viagem de trabalho Estudos

da escrita deixada pelos construtores da embarcaccedilatildeo mostraram que o

casco havia sido preconcebido ao passo que a existecircncia de letras

similares em direccedilotildees variadas indicava a presenccedila de muacuteltiplos

construtores Os resultados da escavaccedilatildeo foram publicados

primeiramente no The International Journal of Nautical Archaeology (a

partir de 1972) e assim que o trabalho de campo se deu por encerrado

um relato amplo foi publicado pela Accademia Nazionale dei Lincei

(Roma) como suplemento da Notizie degli Scavi di Antichitagrave 30 (1976) 408 Polib 121 Miles op cit p 181 observa que a carreira de

Cipiatildeo natildeo parece ter sido abalada em ambiente senatorial jaacute que o

mesmo foi eleito cocircnsul pela segunda vez em 254 aC mas entre a

populaccedilatildeo sua reputaccedilatildeo natildeo era mais cotada entre as mais intactas a

179

Taticamente inferiores no mar o que havia se tornado

evidente apoacutes a primeira derrota de sua frota para os

cartagineses em 260 aC os romanos desenvolveram uma arma

engenhosa com o objetivo de superar a falta de habilidade

(se comparada agrave dos cartagineses) ao manobrar as

embarcaccedilotildees o corvus409 Prancha de 11 m de comprimento e

120 m de largura o corvo possuiacutea um espeto na

extremidade o qual era usado para perfurar a embarcaccedilatildeo

inimiga durante a sua trajetoacuteria de cima para baixo

permitindo assim que as duas embarcaccedilotildees envolvidas se

mantivessem forccedilosamente conectadas o tempo necessaacuterio para

a travessia completa dos soldados romanos Esses por sua

vez atravessavam a prancha em numa coluna disposta em

pares de maneira que os dois primeiros protegiam a frente

com seus escudos erguidos enquanto os seguintes dividiam a

proteccedilatildeo dos flancos410

O melhor exemplo para a explicaccedilatildeo acerca do

funcionamento do corvo eacute a batalha de Mylae Segundo

Poliacutebio ansiosos para por agrave prova o novo equipamento

disposto na proa dos navios os romanos decidiram sob o

comando de Caio Duilio (que havia deixado as legiotildees sob

responsabilidade dos tribunos militares) atacar os

cartagineses que assolavam o territoacuterio de Mylae

Ao se aproximarem e verem os corvos (τοὺς κόρακας) subindo ao ponto mais alto da proa de cada navio os

cartagineses em princiacutepio ficaram confusos surpresos

com a construccedilatildeo das maacutequinas Contudo como eles davam

o inimigo inteiramente por derrotado as embarcaccedilotildees da

linha de frente atacaram bravamente Mas conforme as

julgar pelo apelido que lhe foi dado asina ou mula Ver Pliacutenio

8169 Lazenby First Punic War op cit pp 66-67 Ao lado de Cipiatildeo

estava o seu colega de magistratura Caio Duilio comandante das

tropas na Siciacutelia 409 Ainda que Poliacutebio use o termo korakes os estudiosos modernos

adotaram a forma latina corvus (corvi no plural) pois esse eacute de

acordo com Lazenby First Punic War (p 68) o termo latino

correspondente 410 Polib 122

180

embarcaccedilotildees que entravam em colisatildeo eram rapidamente

capturadas pelas maacutequinas e os tripulantes romanos

embarcavam por meio do corvo (τοῦ κόρακος) e atacavam os inimigos um a um na plataforma alguns dos cartagineses

eram eliminados e outros rendidos por desacircnimo diante

do que estava ocorrendo tendo a batalha se tornado

praticamente um combate em terra firme Os primeiros

trinta navios que entraram em combate foram capturados

por todos os tripulantes incluindo a embarcaccedilatildeo do

comandante sendo Aniacutebal capaz de escapar por um

milagre num bote salva-vidas O restante da forccedila

cartaginesa [] desistiu e bateu em retirada (τέλος ἐγκλίναντες ἔφυγον οἱ Καρχηδόνιοι) aterrorizada (καταπλαγέντες) por esta nova experiecircncia tendo perdido 50 navios

411

Embora Poliacutebio natildeo mencione nenhuma puniccedilatildeo fatal do

comandante cartaginecircs por sua derrota outras fontes narram

crucificaccedilatildeo ou apedrejamento de Aniacutebal (natildeo o Baacutercida) por

seus homens os quais estavam insatisfeitos com o resultado

da batalha412

A vitoacuteria romana em Mylae ainda que natildeo

tenha sido decisiva assegurou aos romanos a atuaccedilatildeo na

regiatildeo da Sardenha e Coacutersega territoacuterios antes sob domiacutenio

cartaginecircs Ao inveacutes de concentrar campanhas na Siciacutelia ou

na Sardenha e Coacutersega os romanos conduziram as duas

ofensivas ao mesmo tempo o envio dos dois cocircnsules o

primeiro (Corneacutelio Cipiatildeo) para Sardenha e Coacutersega e o

segundo (Corneacutelio Aquiacutelio) para a Siciacutelia comprovam o

pensamento estrateacutegico adotado por Roma413 Uma seacuterie de

batalhas navais tiveram lugar em seguida das quais se

destaca pela quantidade de homens envolvidos a batalha de

Ecnomus (256 aC) Segundo Poliacutebio do lado romano

contavam-se 100000 tripulantes (δέκα μυριάδας) caacutelculo

retirado dos 300 remadores e 120 soldados embarcados em

cada navio Do lado cartaginecircs o total dos soldados era

algo proacuteximo dos 150000 (πεντεκαίδεκα μυριάδας) a julgar pela

411 Polib 123 Cf Lazenby First Punic War pp67-73 Le Bohec op

cit pp 77-88 Bagnall op cit pp 62-63 Goldsworthy Punic Wars

pp105-109 Miles pp 182-184 412 Zonaras 812 Oroacutesio 44 413 Bagnall op cit p64

181

contagem de suas embarcaccedilotildees (κατὰ τὸν τν νεν λόγον)414 Apoacutes

violento embate proacuteximo ao sudoeste da Siciacutelia o qual foi

mais uma vez decidido pelo uso dos corvos (a despeito das

ateacute entatildeo eficientes taacuteticas cartaginesas) os romanos

comeccedilaram os preparativos para a invasatildeo da Aacutefrica415

414 Polib 126 415 Os pormenores da batalha de Ecnomus foram suprimidos

propositalmente uma vez que o principal interesse da tese natildeo recai

sobre a marinha de guerra cartaginesa Para a batalha de Ecnomus ver

Polib 126-28 Quanto aos estudos modernos a anaacutelise mais

esclarecedora eacute Goldsworthy Punic Wars pp 109-114

182

412 ldquoComo Aacutegatocles noacutes romanos devemos invadir a

Aacutefricardquo o princiacutepio estrateacutegico da expediccedilatildeo africana de

Reacutegulo 256-255 aC

Poliacutebio nos informa que os cartagineses que haviam

escapado do confronto em Ecnomus navegaram diretamente para

Cartago e ldquoconvencidos de que os inimigos excitados por

seu sucesso fariam o ataque direto agrave proacutepria cidade de

Cartagordquo (πεπεισμένοι τοὺς πεναντίους ἐκ τοῦ γεγονότος προτερήματος

ἐπαρθέντας εθέως ποιήσεσθαι τὸν ἐπίπλουν ἐπ ατὴν τὴν Καρχηδόνα)

mantiveram-se atentos a todos os possiacuteveis pontos de

desembarque na aacuterea416 Os romanos contudo desembarcaram a

uma distacircncia segura (Cabo Bon no nordeste da atual

Tuniacutesia) certamente por terem conhecimento da dificuldade

que seria tomar Cartago sem uma linha de abastecimento

assegurada entre a Siciacutelia e a Aacutefrica e iniciaram uma

seacuterie de cercos a cidades menores sendo Aspis a primeira

delas417

O que os romanos pretendiam com isso Em princiacutepio

poder-se-ia dizer que a decisatildeo era unicamente de seguranccedila

para o desembarque mas alguns indiacutecios em Poliacutebio apontam

para uma ocupaccedilatildeo definitiva (ainda que por ser modelada)

a qual deve ter sido planejada logo apoacutes a vitoacuteria em

Ecnomus Em primeiro lugar antes de navegar em direccedilatildeo agrave

Liacutebia eles organizaram as suas provisotildees e repararam as

embarcaccedilotildees capturadas (προσεπισιτισάμενοι καὶ τὰς αἰχμαλώτους ναῦς

καταρτίσαντες) em seguida assim que a Aspis foi tomada

guarniccedilotildees (τὰς δυνάμεις) foram ali deixadas para assegurar a

cidade (τς πόλεως) e o territoacuterio (τς χώρας) por uacuteltimo

mensageiros foram enviados a Roma para informar o ocorrido

e obter instruccedilotildees sobre o que deveria ser feito no futuro

(περὶ τν μελλόντων τί δεῖ ποιεῖν) e como eles deveriam lidar com

416 Polib 129 417 Sobre o desembarque bem como para os eventos posteriores ver Le

Bohec opcit pp 87-89 Lazenby First Punic War pp 97-103

Goldsworthy Punic Wars pp 84-87 Bagnall op cit pp 70-75

Miles pp 185-187

183

toda a situaccedilatildeo (πς χρσθαι τοῖς πράγμασιν) Se Poliacutebio estiver

correto na ordenaccedilatildeo desses eventos (e natildeo vejo motivos

para natildeo estar) os romanos tinham em mente mesmo antes de

relatar os eventos ao Senado assegurar uma posiccedilatildeo forte

em territoacuterio inimigo restando apenas a autorizaccedilatildeo de

Roma para dar prosseguimento agrave expediccedilatildeo africana A forma

que essa expediccedilatildeo assumiria contudo estava nas matildeos do

Senado418 A resposta natildeo poderia ser diferente um dos

cocircnsules deveria permanecer na Aacutefrica com forccedila adequada

(δυνάμεις τὰς ἀρκούσας) enquanto o outro deveria retornar para

Roma com a frota419

Se a essa altura os romanos tinham em mente a

reproduccedilatildeo do que havia feito Agaacutetocles cerca de 50 anos

antes natildeo sabemos por evidecircncias diretas (como seria uma

afirmaccedilatildeo de Poliacutebio ou referecircncia a Agaacutetocles em alguma

reuniatildeo senatorial antes da deliberaccedilatildeo sobre o que deveria

ser feito pelas tropas na Aacutefrica) mas isso pode ser

proposto com certo grau de plausibilidade por evidecircncias

indiretas Como mostrei antes os elementos necessaacuterios

para a realizaccedilatildeo de uma expediccedilatildeo haviam sido pensados

apoacutes Ecnomus e uma vez na Aacutefrica com posiccedilatildeo militarmente

assegurada a pilhagem que se seguiu (em Aspis ou ldquoescudordquo

e nos arredores) tem aparecircncia exata ao que foi previamente

feito pelo siracusano

Aleacutem disso eacute bem verdade que Poliacutebio nos diz como

mencionado no cap3 desta tese que Cipiatildeo o Africano

aproximadamente 50 anos apoacutes a primeira invasatildeo romana da

Aacutefrica teria respondido quando questionado acerca dos

maiores estadistas em coragem e sabedoria ldquoAgaacutetocles e

Dioniacutesiordquo420 Eacute bem provaacutevel portanto que a expediccedilatildeo de

418 Aleacutem disso uma vez estabelecidos da maneira descrita em territoacuterio

inimigo uma possiacutevel decisatildeo de abandono seria improvaacutevel senatildeo

absurda 419

Mais agrave frente Poliacutebio nos daacute nuacutemeros 15000 soldados de infantaria e 500 cavaleiros 420 Polib 1535 Ver cap3 item 41

184

Agaacutetocles fosse jaacute conhecida pelos romanos no tempo da

Primeira Guerra Puacutenica

Outra evidecircncia pode ser encontrada do lado cartaginecircs

Os comandantes cartagineses natildeo queriam esperar o avanccedilo

impune dos romanos talvez por que tivessem em mente a

reproduccedilatildeo do que haviam enfrentado meio seacuteculo antes com

os gregos Essa reaccedilatildeo por parte de Cartago elucida ainda

algo fundamental quanto agrave preservaccedilatildeo das primeiras

inovaccedilotildees em seu pensamento militar heleniacutestico Cartago

natildeo estava disposta a esperar que seu territoacuterio fosse

ldquocorrompidordquo pelo inimigo o que ocasionaria problemas de

ordem logiacutestica (principalmente com a manutenccedilatildeo de seus

aliados) de maneira que os generais decidiram partir de

imediato para o embate com os invasores Na primeira fase

das inovaccedilotildees militares em Cartago um dos aspectos

estrateacutegicos que motivaram as inovaccedilotildees de ordem logiacutestica

entre os cartagineses foi a preservaccedilatildeo da lealdade das

cidades africanas uma vez que elas estavam debandando uma

a uma para o lado grego Aquela liccedilatildeo agora aplicada ao

caso romano havia sido definitivamente aprendida pelos

generais cartagineses Asdruacutebal e Bostar foram eleitos

generais Amiacutelcar foi trazido agraves pressas da Siciacutelia como

terceiro general juntamente com 500 cavaleiros e 5000

soldados de infantaria421

Como dito anteriormente os trecircs generais cartagineses

optaram pelo combate direto com o inimigo apoacutes terem assim

deliberado (ἐβουλεύετο) e encontraram Reacutegulo e seus soldados

proacuteximos agrave cidade de Adys na ocasiatildeo sitiada pelos

romanos Os cartagineses ocuparam um monte nos arredores e

ali montaram acampamento num local que Poliacutebio considerou

ser inapropriado ao seu exeacutercito (ἀφυ δὲ ταῖς ἑαυτν δυνάμεσιν)422

421 Polib 130 Sobre Amiacutelcar Barca particularmente a construccedilatildeo de

uma escola taacutetica em Cartago ateacute Aniacutebal Barca cf Brizzi op cit

aleacutem dos autores citados acima para a expediccedilatildeo de Reacutegulo 422 Polib 130

185

Os experientes generais romanos (οἱ τν Ῥωμαίων ἡγεμόνες ἐμπείρως)

teriam visto que o momento era adequado para o ataque

inesperado uma vez que o posicionamento do exeacutercito

cartaginecircs num terreno que tornava os elefantes e a

cavalaria inuacuteteis (ἠχρείωται) lhes era propiacutecio Ao atacar

por ambos os lados do monte os romanos tiveram a primeira

legiatildeo (τὸ πρτον στρατόπεδον) derrotada pela coragem (γενναίως)

e vigor (προθύμως) dos mercenaacuterios (μισθοφόροι) mas tendo

avanccedilado em busca dos legionaacuterios em fuga expuseram sua

retaguarda aos outros que atacavam no lado oposto Os

mercenaacuterios recuaram satildeos e salvos por fim graccedilas ao

ldquoescudordquo oferecido pelos elefantes e cavaleiros que

atingiram o niacutevel plano423

Apoacutes a vitoacuteria de Reacutegulo Tuacutenis caiu sob o domiacutenio

romano tendo a cidade sido transformada na nova base de

operaccedilotildees na Aacutefrica Poliacutebio menciona ainda uma revolta

por parte dos numiacutedios (certamente encorajados com a

presenccedila romana) e a fome dos refugiados em Cartago424 o

que levou Reacutegulo a tentar a submissatildeo completa dos

cartagineses Poliacutebio diz que os embaixadores estavam tatildeo

inclinados a aceitar o que Reacutegulo lhes propunha que eles

sequer conseguiam prestar atenccedilatildeo agrave severidade de suas

exigecircncias (τὸ βάρος τν ἐπιταγμάτων) Fragmentos de Diodoro

contudo mencionam que o Senado cartaginecircs enviou os homens

mais nobres (ἄνδρας τν ἐπιφανεστάτων) como embaixadores

(πρεσβευτὰς) a Atiacutelio (leia-se Reacutegulo) para discutir os

termos de paz (περὶ εἰρήνης) mas a paz proposta por ele natildeo

seria melhor que a escravidatildeo tamanha a dureza de seus

termos425 Na mesma linha de Diodoro outras fontes

apresentam a iniciativa por parte de Cartago recusando

portanto que Reacutegulo os tivesse intimado para propor os

423 Para a reconstruccedilatildeo da batalha cf principalmente Lazenby First

Punic War pp 100-101 Goldsworthy Punic Wars p86 Bagnall op

cit pp72-73 424 Polib 131 425 Diod 2312

186

termos de paz426

No fim das contas a despeito da natureza

oposta dos relatos sobre quem teria tomado a iniciativa

para a conclusatildeo da paz (se Cartago ou Roma) e da situaccedilatildeo

draacutestica em que Cartago se encontrava uma vez mais o

Senado cartaginecircs manteve a opccedilatildeo pela defesa armada como

no caso dos gregos a qual seria assegurada em princiacutepio

pelas muralhas de Cartago e em seguida pelo recrutamento

do nuacutemero de soldados mercenaacuterios que os seus recursos

permitissem pagar427

426 Eutroacutepio (221) Oroacutesio (49) e Zonaras (813) Cf Lazenby First

Punic War p101 427 Essa seria de acordo com Diod 296 a grande vantagem em se

recrutar mercenaacuterios ldquouma abundacircncia de forccedilas militares estrangeiras

(τς ξενικς δυνάμεως) eacute muito vantajosa para o lado que a emprega e

terriacutevel para o inimigo considerando que os empregadores trazem

consigo sem grandes custos homens para lutar em seu nome ao passo

que forccedilas citadinas (τν πολιτικν δυνάμεων) mesmo quando vitoriosas satildeo prontamente enfrentadas por um corpo de oponentes intactos No

caso dos exeacutercitos poliacuteadas uma simples derrota significa um desastre

completo ao passo que no caso dos mercenaacuterios ainda que sejam por

muitas vezes derrotados os empregadores manteacutem suas forccedilas intactas

durante o tempo que durar seus recursosrdquo

187

413 Xantipo e a adoccedilatildeo do princiacutepio taacutetico heleniacutestico

255 aC

Vegeacutecio autor de um manual militar no seacutecIV dC

menciona natildeo somente que Xantipo teria liderado os

cartagineses na guerra contra os romanos ateacute o fim (o que eacute

claramente um equiacutevoco como nos mostram todas as outras

fontes) mas tambeacutem que Aniacutebal Barca durante a Segunda

Guerra Puacutenica havia recrutado um general mercenaacuterio

espartano para a sua campanha contra os romanos

() Na verdade o quanto a ciecircncia militar foi uacutetil

aos Lacedemoacutenios nos seus combates e para omitir

outros eacute confirmado pelo exemplo de Xantipo que com

exeacutercitos jaacute anteriormente derrotados capturou e

venceu Atiacutelio Reacutegulo e o exeacutercito romano muitas vezes

vencedor ao levar auxiacutelio aos Cartagineses natildeo soacute

pela coragem mas tambeacutem pela periacutecia triunfou num

uacutenico encontro e terminou toda a guerra E tambeacutem

Aniacutebal com a intenccedilatildeo de se dirigir para Itaacutelia

procurou um mestre de armas lacedemoacutenio com os

conselhos do qual destruiu tantos cocircnsules e legiotildees

sendo inferior em nuacutemero e em forccedilas428

A segunda informaccedilatildeo na passagem acima destacada (de

que haveria um conselheiro militar espartano a serviccedilo de

Aniacutebal Barca) pode ser com muito otimismo relacionada a

uma evidecircncia sobre um professor de grego (Soacutesilo) de

Aniacutebal em Corneacutelio Nepos429 Nenhuma outra fonte faz

referecircncia a mercenaacuterios espartanos em Cartago nessas

condiccedilotildees de serviccedilo (excetuando Xantipo) mas elas servem

para ilustrar ao lado das evidecircncias sobre o recrutamento

de homens de Esparta (ou simplesmente de ldquoeducaccedilatildeo

espartanardquo) como soldados ou oficiais de patente menor

(submetidos aos generais cartagineses) que essa era uma

praacutetica longe de absurda em cenaacuterio cartaginecircs mesmo que o

428 Vegeacutecio Compecircndio da Arte Militar Pref 3 Traduccedilatildeo inalterada de

Joatildeo Gouveia Monteiro e Joseacute Eduardo Braga (ediccedilatildeo em portuguecircs de

Portugal) 429 Corneacutelio Nepos Aniacutebal 133 [] atque hoc Sosylo Hannibal

litterarum Graecarum usus est doctore

188

caso mencionado por Vegeacutecio e Corneacutelio Nepote tenha sido

inventado ou unicamente produto de confusatildeo430

De volta agrave Primeira Guerra Puacutenica no momento seguinte

agrave derrota para Reacutegulo e ao fracasso das negociaccedilotildees de paz

(tenham elas sido lideradas por iniciativa dos cartagineses

ou pelo general romano) um dos oficiais de recrutamento

(ξενολόγος) que Cartago tinha previamente enviado agrave Greacutecia

retornava com um nuacutemero consideraacutevel de soldados entre

eles Xantipo de Esparta ldquoum homem que havia participado do

sistema de treinamento espartanordquo (ἄνδρα τς Λακωνικς ἀγωγς

μετεσχηκότα)431 Lazenby recorda que embora Diodoro se refira

a Xantipo como ldquoesparciatardquo (ὁ Σπαρτιάτης) a indicaccedilatildeo de

Poliacutebio (quase sempre mais preciso que Diodoro) sugere algo

mais proacuteximo dos μόθακες homens de famiacutelias pobres que eram

patrocinados por algueacutem mais rico e criado com seus

filhos432

Diante do que havia recentemente ocorrido aos

cartagineses Xantipo conclui ldquoapoacutes ter uma visatildeo ampla

dos recursos restantes dos cartagineses e de sua forccedila em

cavalaria e elefantesrdquo (συνθεωρήσας τάς τε λοιπὰς παρασκευὰς τν

Καρχηδονίων καὶ τὸ πλθος τν ἱππέων καὶ τν ἐλεφάντων παραυτίκα) que a

derrota para os romanos na Aacutefrica natildeo se devia aos romanos

mas aos proacuteprios cartagineses ldquopor meio da inexperiecircncia

de seus generaisrdquo (διὰ τὴν ἀπειρίαν τν ἡγουμένων) A conclusatildeo do

general mercenaacuterio teria sido em princiacutepio difundida

entre os seus amigos (τοὺς φίλους) mas logo chegado aos

430 Para o debate sobre a identificaccedilatildeo das referecircncias em Vegeacutecio e

Corneacutelio Nepote cf principalmente E L Wheeler The hoplomachoi

and Vegetius Spartan drillmasters Chiron 13 1-20 1983 P 16

John F Lazenby First Punic War The Spartan Army Warminster Aris amp

Phillips 1985 P 170 Daly p 88 431 Polib 132 De acordo com Diod 2316 Xantipo teria vindo da

Greacutecia com 50 ou 100 soldados ou mesmo sozinho dependendo da fonte

utilizada 432 Lazenby First Punic War pp 102-103 Numa versatildeo mais improvaacutevel

Oroacutesio 49 sugere que Xantipo seria ldquorei dos espartanosrdquo

(Lacedaemoniorum rex) Cf tambeacutem Giovanni Brizzi ldquoAmilcar e

Santippo storie di generalirdquo In Yann Le Bohec (org) La Premiegravere

Guerre Punique Lyon De Boccard 2001 pp 29-38

189

ouvidos dos liacutederes cartagineses que decidiram chamaacute-lo e

examinar a sua linha de raciociacutenio Apoacutes explicar como

Cartago poderia derrotar os romanos (ao inveacutes de assegurar

simplesmente a sua posiccedilatildeo) os generais cartagineses

ldquopersuadidosrdquo (πεισθέντες) ldquoconfiaram-lhe imediatamente as

suas forccedilasrdquo (ατῶ παραχρμα τὰς δυνάμεις ἐνεχείρισαν) Embora a

decisatildeo dos generais tenha gerado alguma reaccedilatildeo violenta

por parte da populaccedilatildeo quando Xantipo liderou o exeacutercito

para fora da cidade em ordem (ἐξαγαγὼν πρὸ τς πόλεως τὴν δύναμιν ἐν

κόσμῳ) e ali comeccedilou a ldquomanobrar algumas partes dele

corretamenterdquo (κινεῖν τν μερν ἐν τάξει) ldquodando comandos de

acordo com os costumesrdquo (παραγγέλλειν κατὰ νόμους)433 o que

havia sido feito pelos generais anteriores (cartagineses)

contrastou de tal maneira que os soldados tiveram seus

acircnimos revigorados sob o comando do general estrangeiro

Nessa situaccedilatildeo a empolgaccedilatildeo de Poliacutebio ao falar da

competecircncia de um general grego eacute evidente434 mas haacute algo

mais relevante a ser observado Se Xantipo realizou as

manobras que Poliacutebio indica uma possibilidade eacute que tenha

existido um periacuteodo de treinamento (possivelmente de alguns

meses) sob o espartano A outra possibilidade eacute que o

exeacutercito jaacute tivesse conhecimento dos termos militares

usuais na arte da guerra grega possivelmente devido ao seu

passado de lutas na Siciacutelia mas que os generais fossem

incapazes de executaacute-los da forma correta de onde

sobressairia o que Poliacutebio acreditou ser a sua (dos

cartagineses) incompetecircncia ou imperiacutecia (ἀπειρία) nos

assuntos militares Se o exeacutercito cartaginecircs que lutou na

Aacutefrica contra Reacutegulo fosse composto somente por mercenaacuterios

gregos a segunda explicaccedilatildeo seria a mais plausiacutevel das

duas jaacute que natildeo temos referecircncias diretas nas fontes ao

433 Isto eacute em termos militares ortodoxos Ver questatildeo na Introduccedilatildeo 434 Goldsworthy Punic Wars p 88 Segundo o autor as accedilotildees de

Xantipo refletiriam em Poliacutebio a profunda admiraccedilatildeo helecircnica pelo

sistema militar espartano

190

treinamento das tropas por Xantipo Mas esse natildeo parece ter

sido o caso do exeacutercito em questatildeo Poliacutebio natildeo menciona

origens eacutetnicas das tropas que lutaram em Adys no primeiro

encontro com Reacutegulo (e que eram ao menos parcialmente as

mesmas sob Xantipo) tampouco o faz para a batalha de

Tuacutenis Em todo caso a ldquofalange dos cartaginesesrdquo (τὴν

φάλαγγα τν Καρχηδονίων) mencionada por Poliacutebio em Tuacutenis em

contraste com os seus mercenaacuterios (τν μισθοφόρων) deve ter

sido cartaginesa ou de aliados liacutebios submetidos ao que os

gregos chamavam de symmachia Aleacutem disso um exeacutercito

cartaginecircs na Aacutefrica devia contar como na maioria dos

casos com grande nuacutemero de soldados liacutebios os quais

desconheciam como regra geral para comeccedilar a liacutengua

grega Para dar os comandos ainda que isso natildeo seja

mencionado no provaacutevel treinamento das tropas Xantipo

teria lanccedilado matildeo como jaacute havia feito em ocasiotildees

anteriores de um ou mais inteacuterpretes (ἑρμηνεύς)435

Passado certo tempo entatildeo os cartagineses comeccedilaram a

marchar em territoacuterios nivelados (τν ὁμαλν τόπων) e a

montar acampamento em locais planos (ἐν τοῖς ἐπιπέδοις τν χωρίων)

ateacute conseguirem avistar o inimigo436

Acampados proacuteximos aos

romanos (a uma distacircncia aproximada de 1800 metros ou 10

estaacutedios gregos) os cartagineses aguardaram a deliberaccedilatildeo

do Senado Aqui emerge uma questatildeo central para a

compreensatildeo do papel que Xantipo teria desempenhado na

batalha encerrado o treinamento das tropas Segundo

Poliacutebio o clamor das tropas por Xantipo aliado aos

pedidos do proacuteprio general espartano fizeram com que os

cartagineses revestissem Xantipo de autoridade (τὴν ἐξουσίαν)

para a conduccedilatildeo da batalha Daiacute se conclui que antes da

batalha de Tuacutenis Xantipo natildeo estava no comando do exeacutercito

sendo responsaacutevel apenas pelo treinamento das tropas (como

435 Diod 2316 436 Polib 133

191

sugeri antes) Na batalha contudo se Xantipo natildeo liderou

o exeacutercito como uacutenico general (como sugere toda a histoacuteria

preacutevia da arte da guerra cartaginesa) ele o fez como

ldquogeneral de suporterdquo dos comandantes cartagineses (que

Poliacutebio natildeo menciona) conduzindo um total de 12000

soldados de infantaria 4000 cavaleiros e praticamente 100

elefantes437

Apoacutes treinar a infantaria cartaginesa Xantipo teve a

oportunidade de liderar o exeacutercito cartaginecircs em campo de

batalha Em Tuacutenis as taacuteticas que puseram fim agraves legiotildees de

Reacutegulo apresentavam uma semelhanccedila incontornaacutevel com

aquelas empregadas pelos generais heleniacutesticos apoacutes

Alexandre Esse eacute um indiacutecio que natildeo pode ser ignorado ao

lado do treinamento da infantaria cartaginesa Xantipo

parece ter transformado o exeacutercito cartaginecircs numa

autecircntica arma heleniacutestica o que seraacute de acordo com

Brizzi incorporado por Amiacutelcar Barca438

Em Tuacutenis Xantipo dispocircs a falange de cartagineses ao

centro com um corpo de mercenaacuterios agrave sua direita (o lado

mais desprotegido do corpo de infantaria devido agrave ausecircncia

do escudo ao lado direito do uacuteltimo homem) Tendo dividido

a cavalaria nas alas (ligeiramente mais adiantada que a

infantaria ao centro) o restante dos mercenaacuterios

(provavelmente dardeiros ou fundeiros) foi lotado ali para

desempenhar claro papel de forccedila de apoio agraves tropas

montadas Os elefantes por sua vez encontravam-se

dispostos agrave frente da linha principal ao centro em

ldquodistacircncia segurardquo da infantaria Do lado romano apesar da

437 Sobre a condiccedilatildeo de Xantipo na batalha de Tuacutenis cf principalmente

Lazenby First Punic War pp 103-106 Goldsworthy Punic Wars pp

89-90 Daly p 88 Para uma discussatildeo sobre a data da batalha cf

Walbank op cit p91 Sobre a possiacutevel reduccedilatildeo dos nuacutemeros do

exeacutercito cartaginecircs (dados por Polib 133) o que se justificaria no

uso da tradiccedilatildeo proacute-cartaginesa (especialmente Philinus) por Poliacutebio

para narrar a batalha cf Caven op cit p38 438 Brizzi op cit A sistematizaccedilatildeo das evidecircncias natildeo eacute feita da

mesma forma pelo uacuteltimo

192

expressatildeo vaga usada por Poliacutebio para definir o modo no

qual as legiotildees foram organizadas por Reacutegulo439 o

posicionamento dos velites agrave frente da infantaria

(apostando no efeito que os dardos teriam nos paquidermes)

e a profundidade das unidades manipulares (algo incomum a

menos que fosse necessaacuterio dar maior coesatildeo e portanto

confianccedila aos homens nas linhas de frente) indicam que o

general romano estava preocupado com o impacto -

principalmente psicoloacutegico - que os elefantes teriam em

seus soldados440

Em primeiro lugar Xantipo ordenou que os elefantes

avanccedilassem contra os romanos ao centro e que a cavalaria em

ambas as alas fizesse um movimento em torno da infantaria

para atacaacute-la pelos flancos e retaguarda (apoacutes vencer a

cavalaria inimiga eacute claro) Os romanos em contrapartida

seguindo seus costumes comeccedilaram a bater as armas contra

seus escudos emitindo seu grito de guerra enquanto

avanccedilavam A cavalaria romana muito inferior em nuacutemero

logo bateu em retirada sem oferecer muita resistecircncia agrave

ofensiva inimiga A ala esquerda dos romanos normalmente

composta por aliados avanccedilou com sucesso contra os

mercenaacuterios dispostos agrave direita do exeacutercito cartaginecircs e

pondo-os em fuga perseguiram os vencidos ateacute o

acampamento A porccedilatildeo central da legiatildeo a qual estava de

frente para os elefantes inicialmente resistiu mas logo

cedeu ao avanccedilo dos paquidermes e toda a formaccedilatildeo foi

rompida no momento em que os cavaleiros cercaram os romanos

pelos lados e pela retaguarda Os que foram capazes de

passar pelos elefantes sem serem pisoteados por eles

acabaram por se deparar com a ldquofalange cartaginesardquo (ateacute

439 Polib 133 ldquo[] muitos maniacutepulos em profundidade []rdquo (πολλὰς ἐπἀλλήλαις [] σημείας) 440 Lazenby First Punic War pp 104-105 sugere uma organizaccedilatildeo em

seis linhas ao inveacutes das trecircs linhas tradicionais (hastati

principes triarii) Goldsworthy Punic Wars p 89 sugere as trecircs

linhas tradicionais com um nuacutemero maior de linhas

193

entatildeo intacta) disposta atraacutes dos animais em boa ordem

(συντεταγμένην [] τὴν τν Καρχηδονίων φάλαγγα)441 Quanto agraves

baixas Poliacutebio registrou somente 800 homens entre os

mercenaacuterios cartagineses (particularmente aqueles que

haviam enfrentado a ala esquerda romana) sem mencionar o

restante do exeacutercito Do lado romano excetuando os 2000

soldados que perseguiram os mercenaacuterios cartagineses em

fuga e alguns homens que escaparam com Reacutegulo todos

pereceram em batalha

Sob Xantipo os paquidermes passaram a ser empregados

como entre os generais heleniacutesticos Poliacutebio relata que

Xantipo antes de analisar os recursos logiacutesticos de

Cartago e portanto de ser nomeado general dos

cartagineses por tempo limitado tomou conhecimento do que

havia recentemente ocorrido e da maneira como havia

ocorrido442

Certamente o historiador estava se referindo agrave

derrota para Reacutegulo e ao fracasso em Acragas na Siciacutelia

evento que teria segundo Poliacutebio transformado a

estrateacutegia romana na guerra De Acragas para Tuacutenis

passando pelo fracasso no uso dos cavaleiros e elefantes em

Adys quando os trecircs generais cartagineses decidiram

enfrentar os romanos antes que esses prosseguissem com a

pilhagem de seu territoacuterio notamos uma mudanccedila notaacutevel no

emprego das tropas de Cartago tanto em seu treinamento (no

caso da infantaria) quanto em sua aplicaccedilatildeo (no caso dos

cavaleiros e elefantes) em campo de batalha

441 Polib 134 Narraccedilatildeo coincidente embora menos detalhada pode ser

encontrada tambeacutem em Zonaras 1113 Diod 2314 apresenta um relato

fantasioso acerca da batalha com Xantipo tendo que empurrar os

desistentes contra os romanos numa demonstraccedilatildeo de coragem e vigor 442 Polib 132 ldquo[] ao ouvir da reviravolta recente e da maneira

pela qual havia ocorrido []rdquo (ὃς διακούσας τὸ γεγονὸς ἐλάττωμα καὶ πς καὶ τίνι τρόπῳ γέγονεν)

194

CONCLUSAtildeO

Nesta tese atenccedilatildeo especial foi dirigida agrave histoacuteria da

Siciacutelia e de Cartago nos primoacuterdios do periacuteodo heleniacutestico

na expectativa de contribuir assim para o abandono da

ideia de um mundo mediterracircnico ocidental formado agrave sombra

da expansatildeo romana Interessou-me primeiramente o impacto

poliacutetico-militar da imitatio Alexandri no ocidente

heleniacutestico sob Agaacutetocles e Pirro da mesma forma que a

reaccedilatildeo dos cartagineses frente agraves duas invasotildees africanas

ocorridas respectivamente entre 310-307 aC e 256-255

aC mais do que propriamente como os romanos subjugaram

Cartago num processo iniciado com a questatildeo dos mamertinos

na porccedilatildeo nordeste da Siciacutelia A partir da anaacutelise

detalhada das liccedilotildees militares aprendidas pelos

cartagineses no periacuteodo heleniacutestico preacute-Baacutercida tornou-se

possiacutevel a compreensatildeo da atuaccedilatildeo social dos mercenaacuterios

cujo fluxo natildeo se encerrou ao menos ateacute a destruiccedilatildeo de

Cartago pelos romanos

Durante a fase inicial da Primeira Guerra Puacutenica

precisamente no ano de 255 aC o exeacutercito cartaginecircs

sofreu modificaccedilotildees sensiacuteveis no campo taacutetico e em seu

treinamento de maneira a transformar as forccedilas de Cartago

em verdadeiras armas heleniacutesticas Mas essa transformaccedilatildeo

natildeo se iniciou contrariando o que sugere Brizzi com

Xantipo443 Taticamente o exeacutercito cartaginecircs se modificou

em 255 aC mas a composiccedilatildeo de uma tradiccedilatildeo no uso de

comandantes mercenaacuterios parece ter sido anterior

443 Natildeo se trata aqui de desmerecer as hipoacuteteses de Giovanni Brizzi

(op cit) pelo contraacuterio a partir do que foi por ele proposto para

o periacuteodo Baacutercida eacute que pude montar uma explicaccedilatildeo original acerca das

inovaccedilotildees militares anteriores a Amiacutelcar a Aniacutebal Barca e que

acredito ser mais coerente tendo recuado propositalmente no tempo da

anaacutelise de maneira a ilustrar igualmente a relevacircncia das inovaccedilotildees

militares ocorridas durante a expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles

195

remontando a outras inovaccedilotildees militares importantes durante

a expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles

De fato o siracusano pensou a invasatildeo africana como

inversatildeo da estrateacutegia vigente no conflito contra os

cartagineses levando a guerra para o territoacuterio inimigo

quando o mesmo encontrava-se em grande vantagem na Siciacutelia

nesse caso ao assediar os portos de Siracusa Confiante no

apoio que obteria dos liacutebios e na falta de espiacuterito

combativo dos cartagineses (se comparada agrave experiecircncia de

seus mercenaacuterios) Agaacutetocles provocou uma situaccedilatildeo

calamitosa nos arredores de Cartago e na proacutepria cidade

que apoacutes seacuterias derrotas para o siracusano e perda

consideraacutevel dos territoacuterios aliados ou previamente

submetidos decidiu tomar atitudes draacutesticas Quando um

plano completamente inovador (para os padrotildees cartagineses)

havia sido estabelecido o Senado se decidiu pelo

direcionamento da guerra de uma maneira pouco condizente

com o estatuto e a experiecircncia militar (quando havia) dos

homens que compunham o conselho A divisatildeo logisticamente

correta do exeacutercito em trecircs forccedilas de 10000 homens

organizadas com funccedilotildees especiacuteficas de correccedilatildeo dos erros

que ateacute entatildeo os comandantes cartagineses haviam cometido

sugere um aconselhamento externo possivelmente de um

(grupo) de mercenaacuterios natildeo mencionados pelas fontes

A invasatildeo africana por Agaacutetocles ainda que tenha

fracassado natildeo foi algo impensado ou sem motivaccedilotildees

poliacuteticas mais profundas Quando Agaacutetocles se declarou rei

ldquoem imitaccedilatildeo aos Diaacutedocosrdquo considerando-se equivalente a

eles em ldquopoder territoacuterios e feitosrdquo ele fecirc-lo com um

tiacutetulo propositalmente vago A ausecircncia de um viacutenculo a um

povo ou uma cidade transforma-se portanto num convite agrave

conquista444

donde a expediccedilatildeo africana foi pensada como

concretizaccedilatildeo desse projeto Que a monarquia de Agaacutetocles

444 Gruen op cit

196

possuiacutea uma natureza ldquoheleniacutesticardquo parece claro a partir da

sistematizaccedilatildeo das evidecircncias disponiacuteveis445 mas a quem ela

se dirigia mostrou-se uma questatildeo a ser respondida

Levando-se em conta uma das principais razotildees pelas quais

Agaacutetocles decidiu conduzir uma guerra na Aacutefrica (o

esfriamento do ardor combativo dos cartagineses contra a

experiecircncia militar dos homens ldquotreinados na escola do

perigordquo) mesmo diante da presenccedila inimiga agraves portas de

Siracusa tornou-se plausiacutevel sugerir ao combinar esse

fator com a formalidade de seu poder em Siracusa e os

eventos subsequumlentes agrave sua expediccedilatildeo em territoacuterio

cartaginecircs que a sua monarquia autoproclamada dirigia-se

aos seus homens Daiacute desdobra-se ainda o fato de a sua

imitatio Alexandri natildeo ter se restringido ao campo

poliacutetico com grandes chances de ter se estendido tambeacutem agrave

esfera militar nesse caso mediante a organizaccedilatildeo de um

corpo de elite em imitaccedilatildeo aos hipaspistas de Alexandre

Apoacutes Agaacutetocles com os mamertinos instalados na porccedilatildeo

nordeste da Siciacutelia e com Siracusa carente de um liacuteder que

comandasse os esforccedilos militares contra a ofensiva

cartaginesa espaccedilo foi aberto para Pirro do Epiro receacutem-

chegado na Peniacutensula Itaacutelica a pedido dos tarentinos A

reputaccedilatildeo de Pirro encontrava-se inabalada apoacutes as suas

duas vitoacuterias contra os romanos de maneira que os

siracusanos se decidiram pela sua convocaccedilatildeo como hegemon

dos gregos (contra os ldquobaacuterbarosrdquo) Tendo concordado

prontamente Pirro se mostrou capaz de fazer recuar os

cartagineses mas a tentativa de instauraccedilatildeo de uma

monarquia de tipo heleniacutestico entre os gregos da Siciacutelia

instigou um sentimento de hostilidade quanto agrave sua

presenccedila No final de sua expediccedilatildeo italiana tendo ainda

445 Ver Zambon Hellenistic Sicily e Cap3

197

travado mais uma batalha na Peniacutensula446

Pirro terminaria

por dar uma grande contribuiccedilatildeo agrave arte da guerra no

ocidente heleniacutestico deixando a ilha com o problema

mamertino pendente

Passados 10 anos da expediccedilatildeo epirota na Itaacutelia um

confronto entre os dois grandes poderes em expansatildeo do

mundo mediterracircnico ocidental ocorreraacute tendo como motor a

presenccedila mamertina na Siciacutelia A Primeira Guerra Puacutenica

como ficou conhecida pela historiografia acabou por ser um

conflito longo e basicamente travado no mar mas com um

periacuteodo crucial na Aacutefrica durante o qual os romanos

decidiram em possiacutevel imitaccedilatildeo ao que havia feito

Agaacutetocles cerca de 50 anos antes transportar a guerra para

o territoacuterio inimigo Ao analisar as evidecircncias disponiacuteveis

(particularmente Polib 129) conclui-se que os romanos

natildeo estavam planejando unicamente um desembarque seguro

apoacutes importante vitoacuteria naval mas que eles esperavam

permanecer na Aacutefrica ao menos ateacute obterem a submissatildeo de

Cartago Os cartagineses por outro lado embora tenham

sido infelizes em seus primeiros esforccedilos (a reproduccedilatildeo de

uma das medidas tomadas contra Agaacutetocles isto eacute ir de

encontro ao inimigo para impedir a desistecircncia dos aliados

por pressatildeo militar adversaacuteria direta) aceitaram os

conselhos propostos por um dos mercenaacuterios que os seus

recrutadores haviam trazido do Peloponeso Os conselhos de

Xantipo podem ter sido algo inesperado sem duacutevida mas o

interesse por parte dos cartagineses em ouvir o que esse

general submetido ao treinamento espartano e com grande

experiecircncia militar tinha a dizer era algo com precedentes

indiretos provaacuteveis

446 Beneventum em 275 aC Dessa vez os resultados parecem ter sido

realmente inconclusivos o que se deveu em boa medida agrave desistecircncia

por parte dos italiotas que a essa altura haviam debandado para o

lado romano

198

A reforma liderada por Xantipo por fim teve

repercussotildees interessantes Em primeiro lugar uma reforma

quanto ao treinamento das tropas parece ter ocorrido Se as

tropas cartaginesas agrave eacutepoca da expediccedilatildeo africana de Reacutegulo

fossem compostas unicamente por gregos poder-se-ia

argumentar a favor de uma incompetecircncia dos generais

cartagineses ao manobrar as seccedilotildees do exeacutercito O que se

observa contudo aleacutem dessa ἀπειρία eacute a sua incontornaacutevel

composiccedilatildeo africana (cartaginesa ou liacutebia) indiacutecio para a

ocorrecircncia do treinamento da infantaria sob Xantipo antes

da reforma taacutetica em Tuacutenis447

Com a infantaria treinada Cartago decidiu pelo

confronto decisivo com os romanos tendo revestido Xantipo

de autoridade (τὴν ἐξουσίαν) temporaacuteria talvez como ldquogeneral

de suporterdquo aos comandantes cartagineses Na batalha de

Tuacutenis as manobras de cavalaria e o uso dos elefantes

propiciaram como argumentei ao longo do Cap4 a

observaccedilatildeo do momento decisivo na transformaccedilatildeo do exeacutercito

cartaginecircs numa verdadeira arma heleniacutestica algo sem

equivalecircncia nas batalhas anteriores mesmo naquelas que

sucederam a presenccedila de Pirro na Magna Greacutecia e na Siciacutelia

O exeacutercito cartaginecircs havia sido modificado por fim a

partir de inovaccedilotildees militares em momentos de invasatildeo do

territoacuterio africano por inimigos estrangeiros tanto em

niacutevel estrateacutegico quanto em niacutevel taacutetico (treinamento e

aplicaccedilatildeo em campo de batalha)

447 O exeacutercito cartaginecircs apoacutes o treinamento dado por Xantipo teria

comeccedilado a marchar em territoacuterios nivelados e a acampar em locais

planos como pode ser encontrado em Polib 133 Ver Cap 4

199

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WALBANK Frank W A historical commentary on Polybius

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Press Atlantic Highlands NJ Humanities Press 1981

______ ASTIN AE The Cambridge Ancient History Vol 7

Cambridge University Press 1984

WARMINGTON Brian H Carthage New York Praeger 1960

ZAMBON Efrem Tradition and Innovation Sicily between

Hellenism and Rome Stuttgart Fraz Steiner Verlag 2008

212

ANEXOS

ANEXO 1 ndash UMA CRONOLOGIA DO MUNDO HELENIacuteSTICO

323-241 AC

323 ndash Morte de Alexandre o Grande Perdicas distribui as

satrapias Nascimento de Alexandre IV filho de Roxana

Guerra Lamiana (revolta dos gregos)

322 ndash Submissatildeo de Atenas morte de Aristoacuteteles Invasatildeo da

Capadoacutecia por Perdicas Ptolomeu se estabelece no Egito

Ophellas em Cirene

321 - Campanha de Antiacutepatro e Cratero contra os etoacutelios

Perdicas invade a Pisiacutedia

320 ndash Antiacutepatro feito regente Filipe Arrideu Roxana e

Alexandre IV em custoacutedia Invasatildeo da Aacutesia por Antiacutepatro e

Crateros Eumenes derrota Crateros Seleuco adentra a

Babilocircnia Derrota de Perdicas no Egito

319 ndash Morte de Antiacutepatro Polipercon feito regente

Ptolomeu conquista a Palestina Agaacutetocles ascende ao poder

em Siracusa

318 ndash Polipercon declara a liberdade dos gregos Eumenes

sai da Capadoacutecia para a Ciliacutecia Eudamos extermina Poro e

marcha para o oeste

317 ndash Campanhas de Polipercon na Greacutecia Invasatildeo da Siacuteria

por Eumenes Invasatildeo da Paacutertia por Eudamos e outros

saacutetrapas Invasatildeo da Siacuteria por Antiacutegono fuga de Eumenes

para a Babilocircnia

316 ndash Derrota de Polipercon para Cassandro Eumenes se

junta a Eudamos Batalha de Paraitacene

315 ndash Lisiacutemaco combate Antiacutegono Antiacutegono derrota Eumenes

em Gabene Morte de Eumenes Eudamos e Peiton Antiacutegono daacute

nova ordem agraves satrapias orientais Alianccedila formada contra

Antiacutegono Agaacutetocles eleito strategos autocrator ()

213

314 ndash Antiacutegono se recusa a se entregar

313 ndash Antiacutegono conquista Tiro

312 - Ptolomeu suprime revolta em Cirene e derrota Demeacutetrio

em Gaza

311 ndash Derrota de Agaacutetocles na Siciacutelia bloqueio do porto de

Siracusa Antiacutegono expulsa Seleuco da Feniacutecia Paz entre

Antiacutegono Cassandro Ptolomeu e Lisiacutemaco

310 ndash Iniacutecio da expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles Campanha

de Ptolomeu na Ciliacutecia contra Antiacutegono Anexaccedilatildeo de Cipro

309 ndash Alianccedila de Agaacutetocles com Ophellas Demeacutetrio abandona

a Babilocircnia

308 ndash Morte de Ophellas exeacutercito de Ophellas incorporado

por Agaacutetocles Antiacutegono expulso da Babilocircnia por Seleuco

307 ndash Agaacutetocles retorna a Siracusa Atenas tomada por

Demeacutetrio

306 ndash Antiacutegono e Demeacutetrio assumem o diadema Demeacutetrio

conquista Cipro Seleuco invade a Baacutectria

305 ndash Iniacutecio do cerco de Rodes Seleuco conquista a Baacutectria

304 ndash Seleuco Ptolomeu Lisiacutemaco e Cassandro assumem o

diadema Agaacutetocles se declara rei Seleuco fracassa em sua

campanha contra Chandragupta na Iacutendia

303 ndash Demeacutetrio conquista Corinto e boa parte do Pelponeso

campanhas de Agaacutetocles na Itaacutelia acordo entre Seleuco e

Chandragupta

302 ndash Cassandro e Lisiacutemaco contra Antiacutegono Seleuco e

Ptolomeu se juntam agrave alianccedila contra Antiacutegono

301 ndash Batalha de Ipso morte de Antiacutegono fuga de Demeacutetrio

300 ndash Demeacutetrio contra Lisiacutemaco Alianccedila entre Ptolomeu e

Lisiacutemaco

299 ndash Pirro enviado a Ptolomeu como refeacutem

298 ndash Demeacutetrio conquista a Ciliacutecia

297 ndash Morte de Cassandro Ptolomeu lanccedila Pirro como rei do

Epiro Lisiacutemaco toma posses de Demeacutetrio na Aacutesia Menor

296 ndash Lisiacutemaco Seleuco e Ptolomeu contra Demeacutetrio

214

295 ndash Seleuco toma Ciliacutecia Ptolomeu toma posses de

Demeacutetrio no Cipro Demeacutetrio recupera Atenas

294 ndash Demeacutetrio feito rei na Macedocircnia

293 ndash Demeacutetrio na Tessaacutelia

292 ndash Revolta de Tebas Antiacuteoco inicia governo na Baacutectria

291 ndash Demeacutetrio sufoca revolta em Tebas e ataca Pirro

289 ndash Morte de Agaacutetocles

288 ndash Guerra naval de Ptolomeu contra Demeacutetrio Lisiacutemaco e

Pirro provocam fuga de Demeacutetrio para o Peloponeso

287 ndash Revolta de Atenas Ptolomeu conquista Tiro

286 ndash Demeacutetrio perde Iocircnia e Liacutedia para Lisiacutemaco

285 ndash Demeacutetrio invade a Siacuteria submissatildeo de Demeacutetrio a

Seleuco

284 ndash Pirro derrotado por Lisiacutemaco na Macedocircnia

283 ndash Morte de Demeacutetrio e Ptolomeu Ascensatildeo de Ptolomeu II

282 ndash Tarentinos pedem ajuda a Pirro

281 ndash Ptolomeu Cerauno feito rei da Macedocircnia Seleuco

invade a Anatoacutelia elimina Lisiacutemaco e eacute morto por Ptolomeu

Cerauno na Traacutecia

280 ndash Iniacutecio da expediccedilatildeo italiana de Pirro vitoacuteria em

Heraclea derrota de Antiacutegono Gonatas (filho de Demeacutetrio)

para Ptolomeu Cerauno invasatildeo da Macedocircnia pelos celtas

fundaccedilatildeo da Liga Aqueacuteia

279 ndash Derrota dos romanos em Aacutesculo pedido de auxiacutelio de

Siracusa morte de Cerauno em batalha contra os celtas

Tratado entre romanos e cartagineses contra Pirro

278 ndash Iniacutecio da expediccedilatildeo siciliana de Pirro

277 ndash Pirro derrota os cartagineses na Siciacutelia Antiacutegono

Gonatas derrota os celtas celtas ocupam a Galaacutecia

276 ndash Pirro parte para Tarento Antiacutegono Gonatas

reconquista a Tessaacutelia

275 - Batalha inconclusiva de Benevento

264 ndash Iniacutecio da Primeira Guerra Puacutenica

260 ndash Batalha de Mylae

215

256 ndash Iniacutecio da expediccedilatildeo africana de Reacutegulo

255 ndash Recrutamento de Xantipo Batalha de Tuacutenis derrota de

Reacutegulo

247 ndash Amiacutelcar Barca nomeado general na Siciacutelia nascimento

de Aniacutebal Barca

241 ndash Fim da Primeira Guerra Puacutenica Cartago perde a

Siciacutelia para os romanos

216

ANEXO 2 FIGURAS

FIGURA 1

217

FIGURA 2

(a)

(b)

218

FIGURA 3

219

FIGURA 4

Livros Graacutetis( httpwwwlivrosgratiscombr )

Milhares de Livros para Download Baixar livros de AdministraccedilatildeoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciecircncia da ComputaccedilatildeoBaixar livros de Ciecircncia da InformaccedilatildeoBaixar livros de Ciecircncia PoliacuteticaBaixar livros de Ciecircncias da SauacutedeBaixar livros de ComunicaccedilatildeoBaixar livros do Conselho Nacional de Educaccedilatildeo - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomeacutesticaBaixar livros de EducaccedilatildeoBaixar livros de Educaccedilatildeo - TracircnsitoBaixar livros de Educaccedilatildeo FiacutesicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmaacuteciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FiacutesicaBaixar livros de GeociecircnciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistoacuteriaBaixar livros de Liacutenguas

Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemaacuteticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterinaacuteriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MuacutesicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuiacutemicaBaixar livros de Sauacutede ColetivaBaixar livros de Serviccedilo SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo

Page 5: IN MEMORIAM PATRIS MEI (1938-2009)livros01.livrosgratis.com.br/cp154139.pdfthe Second Punic War. London; New York: Routledge, 2002 Diod. – Diodoro, Biblioteca Histórica Cássio

v

RESUMO

A histoacuteria poliacutetica do mundo heleniacutestico natildeo era

formada unicamente por comandantes secircniores do exeacutercito de

Alexandre o Grande sob os Diaacutedocos contava-se uma seacuterie

de ex-oficiais de poder menor ou aventureiros que

desempenhavam funccedilotildees importantes em regiotildees controladas

pelos ex-generais do rei macedocircnico ou mesmo em territoacuterios

que natildeo haviam sido previamente subjugados Juntamente com

os Diaacutedocos tais comandantes de poder menor moldaram a

poliacutetica do mundo heleniacutestico e transformaram de maneira

relevante a sociedade na qual estavam inseridos

contribuindo para a formaccedilatildeo da imitatio Alexandri e de seu

impacto na arte da guerra do periacuteodo heleniacutestico Este era

o caso de Agaacutetocles de Siracusa e em seguida Pirro do

Epiro (com poder obviamente maior que o de Agaacutetocles) que

a despeito das diferenccedilas na esfera de poder e do viacutenculo

com Alexandre tiveram papel fundamental na concretizaccedilatildeo

das inovaccedilotildees poliacuteticas e militares no ocidente

heleniacutestico

Esta tese de doutorado apresenta duas hipoacuteteses em

primeiro lugar que a monarquia de Agaacutetocles era de

natureza ldquoheleniacutesticardquo e que essa ldquoinovaccedilatildeordquo poliacutetica se

dirigiu agraves suas tropas mercenaacuterias e natildeo agrave cidade de

Siracusa onde sua magistratura compulsoacuteria era uma simples

formalidade em segundo lugar que a expediccedilatildeo africana de

Agaacutetocles e a experiecircncia militar de Pirro na Magna Greacutecia

e na Siciacutelia provocaram inovaccedilotildees militares em Cartago

primeiramente em niacutevel estrateacutegico e em seguida jaacute na

invasatildeo africana liderada pelos romanos em niacutevel taacutetico

Tais inovaccedilotildees por fim teriam transformado o exeacutercito

cartaginecircs numa autecircntica arma heleniacutestica

vi

ABSTRACT

The political history of the Hellenistic world was not

composed only of the senior commanders of Alexander the

Great under the Diadochi both a number of his minor

officers and adventurers played important roles They were

active both in territories ruled by former generals of

Alexander and even in territories which had not been

subdued by the Macedonian King With the Diadochi such

commanders with minor power molded the politics of the

Hellenistic world and shaped their society thus

contributing to the imitatio Alexandri as well as to its

impact on the art of war in Hellenistic period This was

the case of Agathocles of Syracuse and after him Pyrrhos

of Epirus both fundamental to the concretization of

political and military innovations in the western

Hellenistic world despite their differences in power and

their connection with Alexander

This DPhil thesis presents two hypotheses First of

all Agathocles‟ monarchy was of ldquoHellenisticrdquo nature and

such political ldquoinnovationrdquo was proposed to his mercenary

troops instead of the city of Syracuse where his power was

a mere formality Secondly the African expedition led by

Agathocles and the military experience of Pyrrhos in Magna

Graecia and Sicily fomented military innovations in

Carthage These innovations were in the first place at

the logistical level and after that during the African

invasion led by the Romans at the tactical level Such

innovations in the end would have changed the

Carthaginian army into an authentic Hellenistic weapon

vii

AGRADECIMENTOS

Primeiramente os agradecimentos de ordem

institucional Ao Professor Vicente Dobroruka pela

confianccedila inabalaacutevel e por toda dedicaccedilatildeo Ao Professor

Erich Gruen pelo comprometimento com o trabalho de co-

orientaccedilatildeo realizado em agradaacuteveis reuniotildees ao longo do

meu estaacutegio em Berkeley Aos Professores Celso Fonseca

Maria Filomena Carmen Liacutecia e Anderson Vargas por todas

as criacuteticas conselhos e auxiacutelio com o aprimoramento da

pesquisa Aos funcionaacuterios do PPGHIS da UnB e agrave coordenaccedilatildeo

do Programa pela seriedade com que trataram as minhas

frequumlentes solicitaccedilotildees Ao Projeto de Estudos Judaico-

Heleniacutesticos por tudo que ele representa na academia

brasileira Aos financiadores da minha pesquisa

nomeadamente CNPq (bolsa de doutorado no paiacutes) e Capes

(bolsa de doutorado no paiacutes com estaacutegio no exterior) por

terem me dado suporte financeiro em todo o doutoramento

Aos funcionaacuterios colegas e amigos que tive o prazer de

conhecer na Fundaccedilatildeo Hardt em Genebra Aos funcionaacuterios e

colegas da Universidade da Califoacuternia Berkeley pela

receptividade e paciecircncia com o meu sotaque Aos

Professores Angelos Chaniotis Joe Manning Joatildeo Gouveia

Monteiro Delfim Leatildeo Barry Strauss e Gianluca

Tagliamonte pelos conselhos declaraccedilotildees e cartas de

recomendaccedilatildeo escritas

Por fim os agradecimentos pessoais Aos meus pais por

toda educaccedilatildeo que me deram Espero que eu tenha a essa

altura os deixado orgulhosos de alguma forma Agrave Carolina

my Bride to be por todo suporte emocional em momentos

difiacuteceis principalmente com o falecimento do meu pai Aos

meus amigos Neyller e Fabiacuteola que satildeo tambeacutem parte da

minha famiacutelia e ao meu afilhado Iacutecaro Aos outros amigos

colegas de profissatildeo ou das mais diversas origens luacutedicas

viii

SUMAacuteRIO

Agradecimentos vii

Abreviaturas xi

Lista de figuras xiv

Mapas xv

Introduccedilatildeo 17

Capiacutetulo 1 ndash Novas taacuteticas outra guerra as ldquoinovaccedilotildees

tebanasrdquo e o exeacutercito reformado de Filipe II e Alexandre 27

1 Epaminondas e o princiacutepio da batalha de Leuctra 29

2 ldquoNegoacutecios de famiacuteliardquo como Filipe e Alexandre

transformaram a guerra grega 38

21 A infantaria macedocircnica 38

211 Hipaspistai pezetairoi e asthetairoi 40

212 Taxis syntagma lochos e uso da sarissa 44

22 A ldquoCavalaria dos Companheirosrdquo 48

Capiacutetulo 2 ndash Os desenvolvimentos da guerra heleniacutestica no

tempo dos Diaacutedocos 53

1 Guerra como ofiacutecio as condiccedilotildees de serviccedilo e os tipos

de mercenaacuterio 53

11 Mercenariato profissionalizaccedilatildeo e crise econocircmica

53

12 Mercenariato basileia e doriktetos chora 60

2 Os exeacutercitos dos Diaacutedocos 64

21 Macedocircnios xenoi misthophoroi e pantodapoi 66

22 Os elefantes de combate 70

3 As Guerras dos Diaacutedocos 75

31 Eumenes versus Craacutetero 75

ix

32 Antiacutegono versus Eumenes 77

33 Antiacutegono versus Ptolomeu Seleuco Cassandro e

Lisiacutemaco 86

Capiacutetulo 3 ndash Poder monaacuterquico e arte da guerra na Magna

Greacutecia e na Siciacutelia heleniacutestica 89

1 Agaacutetocles e a introduccedilatildeo da basileia heleniacutestica 89

2 O embate pela preservaccedilatildeo da unificaccedilatildeo poliacutetica da

morte de Agaacutetocles a Pirro do Epiro 101

3 Pirro e o problema da monarquia heleniacutestica 105

4 Agaacutetocles Pirro e a imitatio Alexandri em campo de

batalha 111

41 A expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles 111

411 O exeacutercito de Agaacutetocles 115

412 Agaacutetocles general como Alexandre 117

42 A expediccedilatildeo de Pirro do Epiro 123

421 O exeacutercito de Pirro 125

422 O exeacutercito republicano romano 127

423 A batalha de Heracleia (280 aC) 132

424 A batalha de Aacutesculo (279 aC) 137

Capiacutetulo 4 ndash As duas fases das inovaccedilotildees militares em

Cartago 141

1 ldquoNenhum tirano destruiraacute nossa cidaderdquo controle

oligaacuterquico e fracasso da tirania em Cartago 310-255

aC 141

2 O exeacutercito cartaginecircs 155

3 As primeiras inovaccedilotildees militares em Cartago

heleniacutestica ou a transformaccedilatildeo logiacutestica frente agrave ameaccedila

grega 310-307 aC 161

x

4 As uacuteltimas inovaccedilotildees militares em Cartago no periacuteodo

preacute-Baacutercida ou a transformaccedilatildeo taacutetica frente agrave ameaccedila

romana 255 aC 168

41 A Primeira Guerra Puacutenica 264-241 aC 168

411 A particularidade da primeira guerra cartaginesa

contra os romanos 168

412 ldquoComo Aacutegatocles noacutes romanos devemos invadir a

Aacutefricardquo o princiacutepio estrateacutegico da expediccedilatildeo africana

de Reacutegulo 256-255 aC 182

413 Xantipo e a adoccedilatildeo do princiacutepio taacutetico

heleniacutestico 255 aC 187

Conclusatildeo 194

Bibliografia 199

Anexos 212

Anexo 1 ndash Uma cronologia do mundo heleniacutestico 323-241

aC 212

Anexo 2 Figuras 216

xi

ABREVIATURAS

AALG ndash MILNS Robert ldquoThe Army of Alexander the Greatrdquo in

REVERDIN Oliver Entretiens sur l‟Antiquiteacute Classique

Alexandre le Grand image et realiteacute Vandoeuvres-Genegraveve

Fondation Hardt 1976 pp87-136

AHR - The American Historical Review

AJA - American Journal of Archaeology

ALG1 - TARN William W Alexander the Great Cambridge

Cambridge University Press 1950 2 vols Vol1

ALG2 ndash TARN William W Alexander the Great Cambridge

Cambridge University Press 1950 2 vols Vol1

Apiano ndash Apiano Guerras Estrangeiras

Arist Pol ndash Aristoacuteteles Poliacutetica

Arr Anab ndash Arriano Anaacutebasis de Alexandre Magno

Austin AUSTIN Michel The Hellenistic World from Alexander

to the Roman Conquest A Selection of Ancient Sources in

Translation Cambridge MA Cambridge University Press

2008

CA ndash Classical Antiquity

Chaniotis WHW CHANIOTIS Angelos War in the Hellenistic

World Malden Oxford Blackwell 2005

Consolo Langher - Sebastiana Consolo Langher Agathocle Da

capoparte a monarca fondatore di un regno tra Cartgagine

e i Diadochi Messina Pelorias 2000

CQ ndash Classical Quarterly

Cuacutercio ndash Quinto Cuacutercio Histoacuteria de Alexandre Magno

Daly ndash DALY Gregory Cannae the experience of battle in

the Second Punic War London New York Routledge 2002

Diod ndash Diodoro Biblioteca Histoacuterica

Caacutessio Dio ndash Caacutessio Dio Histoacuteria Romana

Dioniacutesio ndash Dioniacutesio Antiguidades Romanas

Estrabatildeo ndash Estrabatildeo Geografia

Eutroacutepio ndash Eutroacutepio Breviaacuterio de Histoacuteria Romana

xii

Frontino Frontino Estratagemas

Goldsworthy Punic Wars ndash GOLDSWORTHY PUNIC WARS Adrian

The Punic Wars London Cassell 2000

GRBS - Greek Roman and Byzantine Studies

Griffith GRIFFITH Guy T The Mercenaries of the

Hellenistic World Chicago Ares 1935

Hdt ndash Heroacutedoto Histoacuterias

Isoc Pan Isoacutecrates Panegiacuterico

Isoc Isoacutecrates Da Paz

JHS ndash Journal of Hellenic Studies

JNG - Jahrbuch fuumlr Numismatik und Geldgeschichte

Justino ndash Justino Epiacutetome da Histoacuteria Filiacutepica de Pompeius

Trogus

Lazenby First Punic War ndash LAZENBY FIRST PUNIC WAR John

Francis The First Punic War a military history London

UCL Press 1996

Leacutevecircque Pirro - LEacuteVEcircQUE Pierre Pyrrhos Paris E de

Boccard 1957

LSJ ndash Liddell-Scott-Jones Greek-English Lexicon

Meister CAH 7 ndash MEISTER K Agathocles WALBANK FW

ASTIN AE The Cambridge Ancient History Vol 7 (1)

Cambridge University Press 1984 PP384-411

Miles ndash MILES Richard Carthage Must be Destroyed The

Rise and Fall of an Ancient Mediterranean Civilization

London Allen Lane 2010

Oroacutesio ndash Oroacutesio Histoacuteria contra os pagatildeos

Parke PARKE Howard W Greek Mercenaries Soldiers

Chicago Ares 1933

Plut Ages ndash Plutarco Vida de Agesilau

Plut Alex ndash Plutarco Vida de Alexandre

Plut Dem ndash Plutarco Vida de Demeacutetrio

Plut Eumenes ndash Plutarco Vida de Eumenes

Plut Pelop ndash Plutarco Vida de Peloacutepidas

Plut Tim ndash Plutarco Vida de Timoleatildeo

xiii

Polib ndash Poliacutebio Histoacuterias

Polieno ndash Polieno Estratagemas

Pliacutenio ndash Pliacutenio Histoacuteria Natural

Sil Pun ndash Siacutelio Itaacutelico Puacutenica

Tito Liacutevio ndash Tito Liacutevio A Histoacuteria de Roma (AB VRBE

CONDITA LIBRI)

TLG ndash Thesaurus Linguae Graecae

Tucid ndash Tuciacutedides Histoacuteria da Guerra do Peloponeso

Xen Hel ndash Xenofonte Helecircnica

Zambon Hellenistic Sicily - ZAMBON Efrem Tradition and

Innovation Sicily between Hellenism and Rome Stuttgart

Fraz Steiner Verlag 2008

Zonaras - Zonaras Epitome historiarum

xiv

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Estatueta de Alexandre o Grande Origem

Herculaneum (regiatildeo da Campacircnia) 330-320 aC In Andrew

Stewart Faces of Power Alexander‟s Image and Hellenistic

Politics Berkeley and Los Angeles University of

California Press 1993

Figura 2 (a) Tetradracma de prata de Ptolomeu I Soter do

Egito (315-305 aC) Previamente no mercado suiacuteccedilo (b)

Estater de ouro de Agaacutetocles de Siracusa (310-305 aC)

Vienna In Stewart op cit

Figura 3 Vista panoracircmica de Cartago reconstruccedilatildeo feita

pelo Museacutee Nacional Cartago In Richard Miles Carthage

Must be Destroyed the Rise and Fall of an Ancient

Civilization London Allen Lane 2010 P175

Figura 4 Batalha de Tuacutenis (255 aC) In Yann Le Bohec

Histoire militaire des guerres puniques Monaco Editions

du Rocher 1996 P90

xv

MAPAS

Siciacutelia agrave eacutepoca da Primeira Guerra Puacutenica In Nigel Bagnall The

Punic Wars Rome Carthage and the Struggle for the Mediterranean

London Hutchinson 1990 P 50

xvi

Mediterracircneo ocidental no iniacutecio da Segunda Guerra Puacutenica Note a

expansatildeo africana e hispacircnica dos cartagineses apoacutes a Primeira Guerra

Puacutenica e a hegemonia romana na Siciacutelia dois dos grandes resultados da

Primeira Guerra Puacutenica In Gregory Daly Cannae the experience of

battle in the Second Punic War London and New York Routledge 2002

P7

17

INTRODUCcedilAtildeO

Apoacutes a morte de Alexandre o Grande os seus generais

rapidamente trataram de dividir os territoacuterios imperiais na

Europa na Aacutesia e no Egito de maneira a produzir uma

configuraccedilatildeo poliacutetica completamente ineacutedita ao mundo

antigo Dois princiacutepios baacutesicos regeram a ascensatildeo dos

novos monarcas e a construccedilatildeo de suas dinastias a

apropriaccedilatildeo da imagem puacuteblica de Alexandre (imitatio

Alexandri) e o ldquodireito da lanccedilardquo ou doriktetos chora

Portanto para se tornar um reclamante digno dos

territoacuterios imperiais era preciso em primeiro lugar se

igualar a Alexandre em feitos copiando as suas realizaccedilotildees

militares (postura ofensiva taacuteticas movimentos e

velocidade) e ateacute a sua ligaccedilatildeo com as divindades o que

poderia ser sugerido em variadas oportunidades a exemplo

da cunhagem poacutestuma de moedas com a iconografia do monarca

Em segundo lugar como consequumlecircncia oacutebvia da imitatio

tornava-se necessaacuterio conquistar territoacuterios pela forccedila das

armas o que natildeo restringia o rei a apenas uma regiatildeo ou

povo mas o instigava a governar o que fosse capaz de

subjugar em campanhas militares Como observou Gruen o

fato de os reis heleniacutesticos natildeo portarem ldquotiacutetulos

eacutetnicosrdquo a exemplo de ldquorei dos macedocircniosrdquo indicava que

eles haviam se tornado reis do que pudessem conquistar1

Chaniotis WHW em seu recente livro sobre a guerra no

mundo heleniacutestico completa a interpretaccedilatildeo de Gruen ao

afirmar que ldquoesta vagueza era um convite agrave conquistardquo2

Torna-se evidente portanto que a guerra era parte

fundamental da ideologia do rei heleniacutestico caracterizando

1 Erich Gruen ldquoThe Coronation of the Diadochoirdquo In J W Eadie and

Josiah Ober The Craft of the ancient historian essays in honor of

Chester G Starr Lanham MD University Press of America 1985 pp

253-271 2 Chaniotis WHW p57

18

natildeo somente suas funccedilotildees como general mas tambeacutem boa parte

de suas accedilotildees como poliacutetico

O cenaacuterio heleniacutestico em seus primoacuterdios natildeo era

contudo formado somente pelos comandantes secircniores do

exeacutercito de Alexandre ao lado dos Diaacutedocos contava-se uma

lista de ex-oficiais de poder menor e de ldquoaventureirosrdquo sem

qualquer ligaccedilatildeo direta com o rei macedocircnio mas que de

algum modo procuravam se inserir no cenaacuterio poliacutetico

heleniacutestico Este era o caso de Agaacutetocles de Siracusa

responsaacutevel por uma tentativa de introduccedilatildeo planejada da

monarquia de tipo heleniacutestico na Siciacutelia grega Como

veremos ao longo desta tese Agaacutetocles natildeo deve ser

considerado um tirano como seus antecessores siciliotas

ainda que mantivesse algumas das caracteriacutesticas poliacuteticas

tradicionais uma vez que as inovaccedilotildees por ele inicialmente

conduzidas durante a expediccedilatildeo africana podem ser cotadas

como verdadeiramente ldquoheleniacutesticasrdquo3

Diante de uma tentativa de encerramento da guerra pelos

cartagineses com o bloqueio dos portos de Siracusa e do

cerco agrave cidade Agaacutetocles liderou uma expediccedilatildeo inesperada

ao territoacuterio africano o que foi baseado de acordo com

Diodoro no perfeito conhecimento da situaccedilatildeo cartaginesa

na Aacutefrica4 De modo geral o siracusano pretendia inverter

a grande estrateacutegia da guerra e assolar o territoacuterio

inimigo decisatildeo estrategicamente ousada mas baseada na

dificuldade que Cartago teria para mobilizar ndash ou

simplesmente liderar ndash um exeacutercito capaz de derrotar homens

ldquotreinados na escola do perigordquo (πὸ τν ἐνηθληκότων τοῖς

δεινοῖς)5 Durante a batalha de Tuacutenis em 310 aC Agaacutetocles

parece ter organizado uma guarda pessoal em imitaccedilatildeo aos

hipaspistas de Alexandre da mesma forma que utilizado

taacuteticas muito similares agravequelas adotadas pelo rei macedocircnio

3 A melhor abordagem para o assunto eacute Zambon Hellenistic Sicily 4 Diod 201-18 5 Diod 203

19

em Gaugamela em 331 aC Alguns anos depois encontramos

evidecircncia de Agaacutetocles representado como Alexandre na

iconografia de um estater de ouro cunhado entre 310-305

aC em imitaccedilatildeo aos tetradracmas de Ptolomeu I (314-313

aC) o qual fazia referecircncia agrave vitoacuteria obtida pelo

siracusano em Tuacutenis Em 307 aC proacuteximo agrave cunhagem do

referido estater registra-se a contenccedilatildeo de uma revolta do

exeacutercito mercenaacuterio devido agrave falta de pagamento ocasiatildeo em

que Agaacutetocles surgiu com toga puacuterpura (siacutembolo do poder

reacutegio) sendo as suas vestimentas consideradas pelas tropas

como ldquoadequadas ou pertencentes ao seu poderrdquo (τὸν προσήκοντα

κόσμον)6 Tais evidecircncias ilustram como sistematicamente

apresentado no capiacutetulo 3 a construccedilatildeo de uma monarquia

que teraacute logo apoacutes a autoproclamaccedilatildeo dos Diaacutedocos

caracteriacutesticas tipicamente heleniacutesticas natildeo se adequando

mais agraves exigecircncias ou agrave estrutura organizacional de uma

poacutelis Sob Agaacutetocles de Siracusa e depois sob Pirro do

Epiro as vitoacuterias de Alexandre no Oriente (assim como a

longa rivalidade entre gregos e persas a qual foi tomada

pelos macedocircnios como justificativa para a invasatildeo do

Impeacuterio Persa) ganharatildeo vida nova no conflito entre

Siracusa e Cartago7 A histoacuteria siciliana constituiacutea algo

peculiar natildeo sendo um apecircndice da histoacuteria grega

continental como observou Finley8 mas o sentimento grego

de hostilidade ao elemento ldquobaacuterbarordquo seja ele persa ou

cartaginecircs foi constantemente revisto primariamente sob a

lideranccedila poliacutetica de Siracusa A imitatio Alexandri a

partir da oposiccedilatildeo ao elemento ldquobaacuterbarordquo na Siciacutelia

heleniacutestica era portanto algo historicamente viaacutevel

desde que houvesse um homem capaz de forjar uma ligaccedilatildeo com

Alexandre bem como liderar os gregos da Siciacutelia contra seu

6 Diod 2034 7 Argumento desenvolvido por Richard Miles Carthage Must be Destroyed

The Rise and Fall of an Ancient Mediterranean Civilization London

Allen Lane 2010 P145 8 Moses Finley A History of Sicily London Chatto amp Windus 1979

20

inimigo estrangeiro tradicional Cartago Como sustento

nesta tese Agaacutetocles mostrou-se intencionalmente esse

homem ainda que seus planos de formaccedilatildeo dinaacutestica tenham

falhado e que a audiecircncia para a legitimaccedilatildeo de seu poder

natildeo fosse composta com exceccedilatildeo de Ophellas por

macedocircnios

O impacto do projeto monaacuterquico heleniacutestico de

Agaacutetocles no entanto natildeo se restringiu agrave Siciacutelia grega

Cartago encontrava-se envolvida diretamente com os

desdobramentos militares das inovaccedilotildees poliacuteticas lideradas

pelo siracusano de modo que seu exeacutercito sofreu

modificaccedilotildees consideraacuteveis frente agrave presenccedila grega em seu

territoacuterio Pouco tem sido dito sobre o exeacutercito cartaginecircs

antes da ascensatildeo dos Baacutercidas o que se justifica pela

natureza fragmentada das fontes para a histoacuteria

heleniacutestica mas uma anaacutelise cuidadosa desses fragmentos

deveraacute ilustrar alteraccedilotildees sensiacuteveis na disposiccedilatildeo do

exeacutercito em campo de batalha processo iniciado durante a

expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles O tirano provocou

portanto a necessidade de inovaccedilotildees militares entre os

cartagineses o que corresponderia ao iniacutecio de um processo

formado por duas fases tendo o seu fim na transformaccedilatildeo

das tropas cartaginesas numa verdadeira forccedila heleniacutestica

cerca de 50 anos apoacutes a invasatildeo africana pelos gregos Ao

confiar a defesa dos territoacuterios sicilianos aos exeacutercitos

mercenaacuterios Cartago promoveu a falta de treinamento de

suas tropas ciacutevicas as quais eram empregadas somente em

casos extremos isto eacute de perigo para a proacutepria cidade

bem como manteve o baixo niacutevel de conhecimento logiacutestico no

norte da Aacutefrica talvez por que os cartagineses nunca

haviam sofrido ameaccedila similar a de 310 aC o que resultou

no envio completo dos soldados sem quaisquer forccedilas de

reserva (cruciais para a defesa da cidade no caso de uma

derrota decisiva em campo de batalha ou mesmo para a

21

reparticcedilatildeo das tropas no caso de um ataque simultacircneo) Do

mesmo modo o controle oligaacuterquico quanto aos generais

cartagineses dispostos no comando das tropas mercenaacuterias na

Siciacutelia impediu a formaccedilatildeo de uma ldquoescola taacutetica

atualizadardquo situaccedilatildeo que somente seraacute revertida em 255

aC com a contrataccedilatildeo de um general mercenaacuterio de formaccedilatildeo

espartana (Xantipo) e com o prosseguimento de sua reforma

por Amiacutelcar Barca

Entre a reforma provocada pela expediccedilatildeo de Agaacutetocles e

a reforma liderada por Xantipo haacute portanto um intervalo

de aproximadamente cinco deacutecadas o que pode ser

justificado pela carecircncia de evidecircncias mais detalhadas

sobre a histoacuteria poliacutetica e militar de Cartago Todavia

nada indica que entre 307 e 255 aC uma transformaccedilatildeo no

sistema de treinamento do exeacutercito tenha ocorrido a julgar

pela postura assumida por Xantipo em 255 aC

Ao liderar o exeacutercito para fora da cidade em boa ordem

e comeccedilar a manobrar algumas partes dele em falange e

dar as palavras de comando de acordo com os costumes

(ὡς δ ἐξαγαγὼν πρὸ τς πόλεως τὴν δύναμιν ἐν κόσμῳ παρενέβαλε καί τι καὶ κινεῖν τν μερν ἐν τάξει καὶ παραγγέλλειν κατὰ νόμους ἤρξατο)9

Feitas as consideraccedilotildees acima podemos nos perguntar o

que as duas fases de inovaccedilatildeo do exeacutercito cartaginecircs tecircm em

comum Preliminarmente cabe dizer que ambas ocorreram em

momentos de extremo perigo para os cartagineses quando o

inimigo (grego e sem seguida romano) encontrava-se jaacute em

territoacuterio africano saqueando cidades e com numeroso

exeacutercito a um passo de tomar a proacutepria cidade de Cartago

As referidas inovaccedilotildees do exeacutercito cartaginecircs (as quais

9 Polib 132 παραγγέλλειν κατὰ νόμους pode ser traduzido tambeacutem como ldquonos termos militares ortodoxosrdquo ἐν τάξει pode ser traduzido por ldquoda forma corretardquo como faz W R Paton tradutor da Loeb mas nesse caso a

expressatildeo parece mesmo indicar algo proacuteximo do modelo grego a julgar

pelo equipamento das infantarias cartaginesa e liacutebica (ver capiacutetulo 4

e figuras em anexo) podendo tambeacutem indicar algo como ldquoem marcha

ordenadardquo (no caso do uso da espada como primeira arma)

22

seratildeo sistematizadas ao longo do capiacutetulo 4 a partir das

evidecircncias disponiacuteveis) no primeiro seacuteculo de histoacuteria

heleniacutestica aparentam ter sido portanto respostas de

natureza distinta (uma logiacutestica e outra taacutetica) ao mesmo

problema tendo a primeira delas se mostrado uma

consequumlecircncia do projeto monaacuterquico de Agaacutetocles

Aleacutem de elucidar aspectos da histoacuteria siciliota e

cartaginesa o enfoque proposto contribui pontualmente para

a retirada da histoacuteria de Cartago da sombra da expansatildeo

romana de fato a derrota dos cartagineses para uma

confederaccedilatildeo latina em guerras traumaacuteticas para ambos os

lados somada ao eco da ldquogrande e justa vitoacuteria romanardquo em

sua tradiccedilatildeo literaacuteria10 resultou natildeo somente na

incorporaccedilatildeo posterior (irrefletida) da concepccedilatildeo de fides

Punica mas tambeacutem na reduccedilatildeo da histoacuteria cartaginesa a

apenas um capiacutetulo do chamado ldquoimperialismo defensivordquo

romano Ao aceitar uma unilateralidade da narraccedilatildeo de tais

eventos o que parece cocircmodo devido agrave natureza (favoraacutevel

aos romanos) dos relatos antigos sobre as Guerras Puacutenicas

o historiador finda por repetir um discurso que exclui uma

parte importante da histoacuteria do Mediterracircneo heleniacutestico

ou na melhor das hipoacuteteses submete tais histoacuterias agrave

cronologia da transformaccedilatildeo da Repuacuteblica Romana em Impeacuterio

Os romanos contudo natildeo foram os primeiros a rotular

os cartagineses com adjetivos desfavoraacuteveis (tais como

desleais crueacuteis mentirosos gananciosos e arrogantes)11

os gregos da Siciacutelia seacuteculos antes dos romanos haviam

engajado numa guerra sem fim com Cartago pela hegemonia da

ilha sendo a famosa caracterizaccedilatildeo do ldquooutrordquo como

ldquobaacuterbarordquo tambeacutem um traccedilo da cultura grega na Siciacutelia natildeo

10 Um caso ldquoclaacutessicordquo eacute o poema eacutepico de Siacutelio Itaacutelico (Pun 2395-

456) ldquoum rico senador romano com pretensotildees literaacuteriasrdquo (Miles op

cit p6) que no final do seacutec I dC via a fides Punica como causa

primordial das guerras anteriores com os cartagineses reduzindo

portanto o papel da ambiccedilatildeo romana como motor dos conflitos 11 Benjamin Isaac The Invention of Racism in Classical Antiquity

Princeton University Press 2004 pp 325-335 Miles op cit p7

23

se restringindo unicamente agrave experiecircncia grega nas guerras

contra os persas ao longo do seacutecV aC Os romanos no

entanto puderam varrer a presenccedila cartaginesa (e

posteriormente a grega) da Siciacutelia e fazer triunfar a sua

versatildeo da histoacuteria a qual deveria incluir

obrigatoriamente uma representaccedilatildeo factiacutevel de Cartago jaacute

que a autoridade e a credibilidade da historiografia romana

se iniciaram na eacutepoca das Guerras Puacutenicas

As duas hipoacuteteses desta pesquisa insinuam-se no

interior das questotildees apresentadas anteriormente Em

primeiro lugar sustento que a basileia de Agaacutetocles

dirigia-se agraves suas tropas e natildeo agrave cidade de Siracusa para

a qual o reconhecimento de seu poder natildeo parece ter sido

mais do que uma formalidade Durante a expediccedilatildeo africana

veremos natildeo somente a progressiva identificaccedilatildeo de seu

poder com uma monarquia de tiacutetulo intencionalmente vago

que seraacute em seguida comparada com a dos Diaacutedocos devido agrave

suposta paridade de suas forccedilas (ldquoem poder militar

territoacuterios e feitosrdquo) Aleacutem disso haacute que se notar tambeacutem

a constituiccedilatildeo de uma nova audiecircncia para o poder de

Agaacutetocles o qual estava cada vez menos baseado no

reconhecimento do demos de Siracusa e cada vez mais voltado

aos seus experientes mercenaacuterios12 A mudanccedila da audiecircncia

para o exeacutercito mercenaacuterio parece inclusive indicar a

tentativa de criaccedilatildeo de uma versatildeo dos hipaspistas de

Alexandre como parte da imitatio Alexandri em campo de

batalha

Em segundo lugar argumento a favor da existecircncia de

dois periacuteodos de inovaccedilatildeo militar de natureza distinta no

exeacutercito cartaginecircs sendo ambos provocados por situaccedilotildees

de perigo extremo para a cidade de Cartago O primeiro

deles se deu como dito antes contra os gregos entre 310-

12 Sou imensamente grato ao Professor Gruen pela sugestatildeo desta

hipoacutetese apoacutes ouvir e ponderar as minhas consideraccedilotildees por horas a

fio sempre com seriedade e gentileza

24

307 aC e parece ter tido caraacuteter logiacutestico assumindo

como ponto de partida o fiasco da batalha de Tuacutenis (310

aC) O segundo deles ocorreu num momento decisivo da

Primeira Guerra Puacutenica (255 aC) e apresentou mudanccedilas no

niacutevel de treinamento do exeacutercito ciacutevico e na atualizaccedilatildeo da

ldquoescola taacuteticardquo cartaginesa Em ambos os casos os

prejuiacutezos ao desenvolvimento militar cartaginecircs impostos

pelo vasto uso dos mercenaacuterios na Siciacutelia (o que inibia a

construccedilatildeo de uma cultura militar ciacutevica) e pelo controle

oligaacuterquico em Cartago (responsaacutevel pela ruptura das linhas

de desenvolvimento do generalato) parecem ter sido

ultrapassados o que poderaacute ser confirmado apoacutes anaacutelise

sistemaacutetica dos dispositivos taacuteticos cartagineses em 255

aC

Para isso a tese divide-se em quatro capiacutetulos O

primeiro capiacutetulo intitulado ldquoNovas taacuteticas outra guerra

as ldquoinovaccedilotildees tebanasrdquo e o exeacutercito reformado de Filipe e

Alexandrerdquo traz uma introduccedilatildeo aos antecedentes da arte da

guerra heleniacutestica apresentando uma anaacutelise das condiccedilotildees

de funcionamento do exeacutercito macedocircnico bem como dos

elementos adaptados das taacuteticas tebanas (particularmente a

coluna alongada) A arte da guerra heleniacutestica em seus

primoacuterdios e suas implicaccedilotildees poliacutetico-sociais

(nomeadamente a universalizaccedilatildeo do estatuto mercenaacuterio das

tropas e a construccedilatildeo de um novo tipo de monarquia)

dependem do entendimento correto sobre as unidades taacuteticas

do exeacutercito macedocircnico no caso dos generais que haviam

combatido com Filipe e de uma generalizaccedilatildeo do modelo

macedocircnico a partir do que se difundiu com a expediccedilatildeo

asiaacutetica de Alexandre O segundo capiacutetulo (ldquoOs

desenvolvimentos da guerra heleniacutestica no tempo dos

Diaacutedocosrdquo) um desdobramento loacutegico e direto do primeiro

apresenta um estudo minucioso da situaccedilatildeo geral do

mercenariato nos primoacuterdios do periacuteodo heleniacutestico e da

25

arte da guerra tal qual experimentada pelos Diaacutedocos no

embate pela divisatildeo do Impeacuterio de Alexandre Aleacutem da

anaacutelise da manutenccedilatildeo das taacuteticas macedocircnicas de cavalaria

e das novas armas empregadas (inclusive como siacutembolo de

poder militar no caso dos elefantes) pelos Diaacutedocos o

capiacutetulo se ocupa com os eventos relacionados agraves Guerras

dos Sucessores dando atenccedilatildeo especial agrave alteraccedilatildeo do

princiacutepio de aniquilamento pelo envolvimento completo do

inimigo o que resultou no recrutamento massivo de tropas

de infantaria derrotadas (e por vezes intactas) apoacutes o

choque da cavalaria

Os dois uacuteltimos capiacutetulos deslocam o foco da tese para

o ocidente heleniacutestico e seus esforccedilos orientados sob

Agaacutetocles para uma imitatio Alexandri em campo poliacutetico e

militar e sob os cartagineses para duas fases de

inovaccedilotildees militares que se enquadram no formato da arte da

guerra heleniacutestica em seus primoacuterdios Em ambos os casos

contudo notamos um processo de integraccedilatildeo do ocidente

heleniacutestico ao mundo dos Diaacutedocos tenha ele ocorrido com

as inovaccedilotildees poliacuteticas do monarca siracusano ou com as duas

respostas dos cartagineses aos casos de maior perigo para a

cidade de Cartago nos primeiros 90 anos de histoacuteria

heleniacutestica momentos antes portanto do iniacutecio da guerra

com Aniacutebal Barca

No capiacutetulo 3 intitulado ldquoPoder monaacuterquico e arte da

guerra na Magna Greacutecia e Siciacutelia heleniacutesticardquo apresento

uma sistematizaccedilatildeo possiacutevel das evidecircncias favoraacuteveis agrave

caracterizaccedilatildeo do poder monaacuterquico de Agaacutetocles como

ldquoheleniacutesticordquo da mesma forma que desenvolvo argumentos

acerca de uma identificaccedilatildeo provaacutevel das tropas e taacuteticas

de Agaacutetocles durante a sua expediccedilatildeo africana com algumas

unidades e planos de batalha relacionados agrave expediccedilatildeo

asiaacutetica de Alexandre o Grande Devido agrave sensiacutevel queda do

nuacutemero de textos antigos que nos chegaram para o periacuteodo

26

bem como agrave natureza plural dos relatos (incompletos) sobre

Agaacutetocles evidecircncias de outra natureza (epigraacutefica e

numismaacutetica) satildeo tambeacutem consideradas numa perspectiva

instrumental de paridade metodoloacutegica procurando

estabelecer na medida do possiacutevel narrativas baseadas no

estudo comparado de tais fontes

O capiacutetulo 4 (ldquoAs duas fases da reforma militar em

Cartagordquo) traz uma anaacutelise das inovaccedilotildees militares

cartaginesas ocorridas entre 307 e 255 aC das alteraccedilotildees

de caraacuteter logiacutestico encaminhadas durante a expediccedilatildeo

africana de Agaacutetocles agraves modificaccedilotildees quanto ao treinamento

e agraves taacuteticas lideradas por Xantipo (255 aC) Um estudo

das relaccedilotildees entre a oligarquia em Cartago e seus generais

na Siciacutelia deveraacute elucidar em detalhes a repressatildeo

oligaacuterquica em direccedilatildeo ao desenvolvimento de uma ldquoescola

taacutetica atualizadardquo da mesma forma que uma mudanccedila

temporaacuteria nesse comportamento diante de duas ameaccedilas

potencialmente fatais agrave cidade

Os textos antigos usados nesta tese seguem quando

possiacutevel a ediccedilatildeo da Loeb Quando a ediccedilatildeo natildeo existe a

exemplo dos Estratagemas de Polieno emprega-se a ediccedilatildeo de

referecircncia (normalmente uma traduccedilatildeo para a liacutengua

inglesa) A leitura de tais textos deu-se inicialmente em

inglecircs sendo todos os trechos citados (ou de relevacircncia

pontual para a tese) lidos tambeacutem em grego ou latim usando

como recursos o TLG e o LSJ

27

CAPIacuteTULO 1 ndash NOVAS TAacuteTICAS OUTRA GUERRA AS

ldquoINOVACcedilOtildeES TEBANASrdquo E O EXEacuteRCITO REFORMADO DE

FILIPE II E ALEXANDRE

As influecircncias tebanas no pensamento militar macedocircnico

satildeo um dado haacute muito aceito na historiografia levando em

consideraccedilatildeo a aproximaccedilatildeo de Filipe com Epaminondas13

Todavia cabe perguntar quais seriam detalhadamente os

elementos desta relaccedilatildeo entre as taacuteticas tebanas e a

composiccedilatildeo do exeacutercito integrado macedocircnico Pode-se

postular ainda a existecircncia de inovaccedilotildees tipicamente

tebanas na guerra grega e em particular na reforma do

exeacutercito de Filipe e Alexandre

Conforme mostrarei neste capiacutetulo alguns princiacutepios

empregados na maior batalha travada entre Tebas e Esparta

em Leuctra (371 aC) quando a falange lacedemocircnia foi

derrotada num choque de hoplitas apresentaram-se

explicitamente no exeacutercito reformado macedocircnico mas

precisam ser cuidadosamente reavaliados Assim a batalha

de Leuctra eacute importante (1) por seu impacto histoacuterico - a

falecircncia da hegemonia espartana em campo de batalha e (2)

porque o uso da coluna alongada e da formaccedilatildeo obliacutequa (com

uma das alas hesitante) foi consolidado com a

profissionalizaccedilatildeo do exeacutercito macedocircnico ocorrida a

partir do serviccedilo contiacutenuo e do estabelecimento de

treinamento superior (ambos caracteriacutesticos do soldado

profissional)

Aleacutem disso a partir da adoccedilatildeo das manobras de

cavalaria como etapa ofensiva principal das taacuteticas de

campo adotadas por Filipe II e Alexandre podemos notar na

guerra grega uma contribuiccedilatildeo estritamente macedocircnica natildeo

sendo possiacutevel atribuir a Epaminondas ou a outros tebanos

13 Plut Pelop 267

28

esta modificaccedilatildeo decisiva14 Por uacuteltimo como desdobramento

deste toacutepico a destruiccedilatildeo das defesas inimigas nas alas e

o consequumlente aniquilamento do inimigo por manobra de

envolvimento algo elaborado pelos macedocircnios no mundo

grego e comum aos persas ao menos desde a invasatildeo de

Alexandre teria sido tambeacutem a maior caracteriacutestica das

batalhas na Guerra dos Diaacutedocos15 natildeo fosse a incorporaccedilatildeo

das tropas vencidas ao contingente vitorioso praacutetica mais

condizente com a lideranccedila militar heleniacutestica Embora

novos fatores tenham emergido nas Guerras dos Diaacutedocos como

legado do impeacuterio de Alexandre (a exemplo do emprego dos

elefantes de guerra16) as manobras de cavalaria

permaneceram um dos traccedilos fundamentais aos primeiros

cinquumlenta anos da tradiccedilatildeo militar heleniacutestica primando

no entanto pela submissatildeo das tropas vencidas ao centro da

formaccedilatildeo

14 Ainda que os tessaacutelios fossem excelentes cavaleiros sua eficiecircncia

foi comprovada e difundida apenas sob o comando macedocircnico 15 Daiacute a relevacircncia deste mapeamento histoacuterico como etapa analiacutetica

anterior ao estudo da guerra heleniacutestica 16 Ambos seratildeo tratados no capiacutetulo dois desde sua ldquomatrizrdquo

macedocircnica

29

1 Epaminondas e o princiacutepio da batalha de Leuctra

Desde o estabelecimento do ldquodilema tebanordquo isto eacute a

problemaacutetica em torno de suas intervenccedilotildees militares na

Beoacutecia e de sua inserccedilatildeo na Liga Ateniense como ldquotebanosrdquo

(e natildeo como ldquobeoacuteciosrdquo o que limitava seu raio de accedilatildeo na

regiatildeo) a situaccedilatildeo natildeo se manteve tranquumlila entre ambas as

poacuteleis (Atenas e Tebas) Apesar de um acordo de paz firmado

em 375 aC (que exigia respostas oficiais para qualquer

incidente de cunho militar e estabelecia diretrizes para a

relaccedilatildeo das cidades mencionadas os tebanos insistiam na

restauraccedilatildeo de Oropos cujo controle havia sido perdido17

Aleacutem disso a destruiccedilatildeo de Plateacuteia e Thespiai duas

cidades beoacutecias que haacute pouco haviam se aliado a Atenas

entrou no rol dos desentendimentos entre as cidades gregas

O grande problema estava justamente na recusa em reconhecer

a ldquoConfederaccedilatildeo beoacuteciardquo (na qual Tebas exercia funccedilatildeo de

comando) ainda que esta continuasse a funcionar

paralelamente

Como observa Buckler18 tal situaccedilatildeo indicou acima de

tudo uma ldquomudanccedila no balanccedilo do poder na Greacuteciardquo

Definitivamente os tebanos mostraram-se capazes de

defender seus proacuteprios interesses num contexto de restriccedilatildeo

econocircmica da lideranccedila poliacutetica ateniense e a construccedilatildeo

das embarcaccedilotildees de guerra bem como sua manutenccedilatildeo

inviabilizaram qualquer reaccedilatildeo ateniense frente ao

crescente poder tebano

Aleacutem disso os espartanos enfrentaram problemas ainda

mais seacuterios que os atenienses se pensarmos em termos mais

17 Xen Hel 63 18 John Buckler The Theban Hegemony 371-362 BC Cambridge

MALondon Harvard University Press 1980 P46

Importante lembrar que o uacuteltimo tratamento dado ao periacuteodo antes do

claacutessico escrito por Buckler foi dado por Ernst von Stern em sua

obra Geschichte der spartanischen und thebanishen Hegemonie (Tartu

University of Tartu 1884)

30

relacionados ao que estaacute sendo proposto nesta tese O

melhor exemplo da dificuldade espartana em manter seu poder

foi aleacutem da reduccedilatildeo de sua influecircncia na Jocircnia o fracasso

na tentativa de subjugar Tebas De fato os tebanos estavam

decididos a manter seu domiacutenio na Beoacutecia mesmo que para

isso fosse necessaacuteria a disposiccedilatildeo de seu exeacutercito em campo

de batalha seguindo o tradicional modelo grego do choque

de hoplitas bem como a tentativa de resolver o conflito

num choque decisivo

Para complementar a tensatildeo poliacutetica acima detalhada

Epaminondas dirigiu-se a Agesilau sobre sua delegaccedilatildeo em

termos aacutesperos ao niacutevel de aceitaccedilatildeo espartana

argumentando que Tebas possuiacutea tanto direito de intervenccedilatildeo

na Beoacutecia quanto Esparta na Lacocircnia Tratava-se da

imposiccedilatildeo da Confederaccedilatildeo beoacutecia e de sua caracterizaccedilatildeo

como a uacutenica unidade poliacutetica possiacutevel na regiatildeo

diferentemente da symmachia da Segunda Confederaccedilatildeo

Ateniense O isolamento de Tebas estava entatildeo

anunciado19 de modo que a batalha decisiva tornou-se o

caminho mais provaacutevel para a resoluccedilatildeo do desentendimento

entre as poacuteleis

Quanto agrave documentaccedilatildeo referente agrave batalha existe uma

tendecircncia por parte dos especialistas em recusar (ou ao

menos reduzir a relevacircncia) do relato de Xenofonte20 o

uacutenico contemporacircneo da batalha devido agrave falta de detalhes

e ao seu posicionamento excessivamente proacute-espartano Os

demais relatos embora posteriores fornecem informaccedilotildees

mais detalhadas e estatildeo apoiados noutras evidecircncias

contemporacircneas Como observa Hanson21 apesar das

diferenccedilas em muitos aspectos dos relatos sobre Leuctra

19 Xen Hel 63 Plut Ages 27 284 Diod 1550 20 Xen Hel 64 21 Victor D Hanson ldquoEpameinondas the Battle of Leuktra (371 BC)

and the bdquoRevolution‟ in Greek Battle Tacticsrdquo CA 7 190-207 1988

P191

31

Plutarco22 e Diodoro

23 ldquopartilham dois princiacutepios

fundamentais que permanecem inquestionaacuteveisrdquo Primeiro a

inserccedilatildeo de algo totalmente novo em Leuctra por Epaminondas

e segundo o caraacuteter insatisfatoacuterio do relato de

Xenofonte especificamente em relaccedilatildeo a sua incompletude e

ao silecircncio (provavelmente intencional) no que respeita agraves

manobras tebanas

Uma vez decididos pela guerra Epaminondas eleito

comandante entre os boiotarchoi24 aguardou com seu

exeacutercito em Queroneacuteia onde poderia facilmente bloquear o

avanccedilo de Cleombroto desde Phokis25 Embora os outros

boiotarchoi com exceccedilatildeo de Peloacutepidas que apoiava

Epaminondas desde o iniacutecio de seu plano de batalha

estivessem receosos da decisatildeo em campo aberto optando

pela corrente estrateacutegia tebana (recuar ateacute uma

fortificaccedilatildeo e laacute oferecer resistecircncia) o temor em perder

o apoio das outras cidades beoacutecias os encorajaram a fazer

frente ao exeacutercito de Cleombroto26

Com aproximadamente 10000 soldados de infantaria e

1000 cavaleiros os espartanos dispuseram de acordo com

Xenofonte a cavalaria agrave frente dos hoplitas27 para que a

falange pudesse realizar seus movimentos secretamente fora

do campo de visatildeo do inimigo Cleombroto estava agrave direita

justamente com os demais espartanos sendo que o

contingente aliado a Esparta estava disposto agrave esquerda

Em resposta ao ataque inicial dos espartanos

Epaminondas enviou sua cavalaria provavelmente superior

agravequela do inimigo28 no intuito de fazer frente ao ataque

que abriu a batalha A formaccedilatildeo adotada pelos tebanos

22 Plut Pelop 2023 23 Plut Pelop 1552-56 24 Uma das principais magistraturas da Liga Beoacutecia segundo o LSJ 25 Plut Pelop 1552 26 Xen Hel 64 Diod 1553 Plut Pelop 203 27

Xen Hel 64 [] προετάξαντο μὲν τς ἑαυτν φάλαγγος οἱ Λακεδαιμόνιοι τοὺς ἱππέας [] 28 Xen Hel 64

32

estreita mas profunda era tambeacutem invertida Contrariando o

que comumente executavam os gregos o ataque principal

seria desferido pela ala esquerda liderada pelo ldquobatalhatildeo

sagradordquo operando na ocasiatildeo como unidade individual sob o

comando de Peloacutepidas O restante das tropas estava disposto

na ala direita fazendo frente ao contingente aliado

espartano

De acordo com Plutarco29 Cleombroto se viu forccedilado

quando observou que o ataque principal tebano seria

executado pela ala esquerda e natildeo pela direita a solicitar

que sua linha de frente agrave direita fosse estendida e

abaulada (τὸ δεξιὸν ἀνέπτυσσον καὶ περιγον) jaacute que assim poderia

envolver a coluna alongada dos tebanos e atacar o proacuteprio

Epaminondas O uacutenico problema eacute que existiria aiacute um espaccedilo

agrave esquerda do rei que deveria ser protegido de alguma

maneira provavelmente pela cavalaria Uma vez perdido o

combate pela cavalaria espartana Cleombroto teve que

enfrentar abertamente os tebanos sem chance de completar

sua manobra e ainda com um agravante a cavalaria em fuga

se chocou com a infantaria em avanccedilo causando grande

confusatildeo na formaccedilatildeo espartana30 Naquele momento o

Batalhatildeo Sagrado se destacou das demais unidades e desferiu

o principal ataque eliminando qualquer possibilidade de

reordenamento espartano Encerrada pelo rompimento da

formaccedilatildeo a batalha estava decidida

O episoacutedio de Leuctra assinala portanto para a maior

parte dos historiadores antes de Hanson de Buckler31 a

Ducrey32 ou Tuplin

33 uma revoluccedilatildeo no modo grego de fazer a

guerra34 Natildeo eacute sem razatildeo frente agrave tradiccedilatildeo

29 Plut Pelop 232 30 Xen Hel 6413 Plut Pelop 233 31 Buckler opcit 32 Pierre Ducrey Warfare in Ancient Greece New York Schocken 1985 33 John Tuplin ldquoThe Leuctra Campaign some outstanding problemsrdquo in

Klio 69 72-107 1987 34 Paul Cartledge (Peace of Antalkidas to Battle of Leuktra In _____

Agesilaos and the crisis of Sparta London Duckworth 1987 P380)

33

historiograacutefica que Adcock afirmou em The Greek and

Macedonian Art of War que ldquodevido agraves suas inovaccedilotildees

[Epamonindas] havia vencido sua primeira grande batalha

Leuctra antes da mesma ser iniciadardquo35 Existe no

entanto um posicionamento tradicionalmente contraacuterio agraves

entatildeo chamadas inovaccedilotildees de Epaminondas trata-se da

tradiccedilatildeo historiograacutefica que remonta ao argumento

desenvolvido por Hanson em 1988 em seu provocativo artigo

sobre Epaminondas e a batalha de Leuctra36

Em primeiro lugar Hanson refere-se a uma lista de

casos anteriormente estudados por Pritchett37 nos quais a

coluna alongada havia sido empregada De fato aprofundar a

quantidade de hoplitas numa das alas aumentava a

autoconfianccedila e adicionava poder de choque agrave coluna

hopliacutetica mas reduzia a extensatildeo da linha de frente

expunha o flanco mais facilmente (facilitando o

envolvimento por parte do inimigo) e exigia mais da ala

desfavorecida devido ao deslocamento de homens para a outra

parte da formaccedilatildeo Os tebanos jaacute haviam se utilizado da

coluna alongada com 16 escudos38 (εἰς ἑκκαίδεκα βαθεῖαν)39 mas eacute

vaacutelido lembrar que existe com Epaminondas uma

radicalizaccedilatildeo deste princiacutepio jaacute conhecido pelos gregos

levando ao extremo o nuacutemero de soldados dispostos em

coluna

Em seguida a inversatildeo da coluna alongada da ala

direita para a esquerda40 onde os soldados inimigos natildeo

menciona que as taacuteticas de Epaminondas foram ldquobrilhantemente

inovadorasrdquo 35 Franz Adcock The Greek and Macedonian Art of War Berkeley and Los

Angeles California University Press 1967 P89 36 Hanson opcit 37 William Pritchett Ancient Greek Military Practices (I) Berkeley

Los Angeles London University of California Press 1971 P135 Os

casos satildeo detalhadamente Delion (424 aC Tucid 493) Siracusa

(415 aC Tucid 667) Peiraieus (403 aC Xen Hel 24) Rio

Nemeacuteia (394 aC Xen Hel 42) 38 Xen Hel 42 Plut Pelop 172 39 Xen Hel 42 40 Xen Hel 64 Diod 1555 Plut Pelop 231

34

contavam com a proteccedilatildeo dos escudos41 foi planejada por

Epaminondas com a intenccedilatildeo de destruir a tropa de elite

espartana o mais raacutepido possiacutevel Embora tal praacutetica - a da

inversatildeo da principal tropa de choque da direita para a

esquerda - jaacute fosse conhecida pelos gregos pelo menos desde

as Guerras Meacutedicas como nos lembra Hanson42

especificamente no episoacutedio da batalha contra o persa

Mardocircnio43 natildeo existe meio de saber precisamente porque

Epaminondas adotou tal formaccedilatildeo uma vez que o histoacuterico

desta inversatildeo taacutetica natildeo ilustra mais sucessos do que

fracassos quando aplicada Talvez Epaminondas tenha

ldquomeramente orquestrado uma colisatildeo brutal e decisivardquo44

como outros comandantes gregos jaacute o tinham tentado mas natildeo

haacute como saber quais motivos especiacuteficos o levaram a adotar

tal formaccedilatildeo ao inveacutes daquela tradicional Por fim ainda

com relaccedilatildeo agrave inversatildeo das alas basta dizer que a

eliminaccedilatildeo da hipoacutetese pautada na defesa da ldquogenialidade

taacuteticardquo de Epaminondas nos leva de acordo com o argumento

de Hanson a uma evidente reduccedilatildeo na sua capacidade de accedilatildeo

imediata mas ainda assim sem descartar uma questatildeo

importante a combinaccedilatildeo radical destes dois fatores (a

coluna alongada e invertida) foi indiscutivelmente decisiva

na derrota dos espartanos em Leuctra

Outra questatildeo fundamental diz respeito ao uso integrado

(ou mesmo a ausecircncia) da cavalaria especialmente na ala

direita tebana Apenas Xenofonte45 menciona a existecircncia de

tropas montadas em Leuctra sem fazer referecircncia sequer ao

movimento de flanqueamento por parte da cavalaria de

41 Deve-se lembrar que o hoplita da esquerda era protegido pelo escudo

do soldado agrave sua direita avanccedilando juntos ombro a ombro O soldado

situado agrave extrema direita contava entatildeo apenas com sua lanccedila jaacute que

seu escudo deveria proteger o lado direito do soldado situado agrave sua

proacutepria esquerda 42 Hanson opcit p194 43 Hdt946 44 Hanson opcit p194 45 Hel 64 [] οἱ τν Φωκέων πελτασταὶ καὶ τν ἱππέων Ἡρακλεται []

35

Epaminondas Pelo contraacuterio os espartanos eacute que teriam

iniciado a batalha enviando seus cavaleiros agrave frente dos

hoplitas Entatildeo os tebanos em resposta ao ataque

espartano teriam feito o mesmo Natildeo existe informaccedilatildeo

sobre um possiacutevel retorno agraves posiccedilotildees originais ou mesmo em

direccedilatildeo agraves alas o que poderia sugerir uma lacuna no relato

de Xenofonte no que se refere agraves manobras de cavalaria ao

longo de toda a batalha tanto pelo lado espartano quanto

pelo lado tebano

Buckler e Tuplin46 concordam que as manobras adotadas

por Cleombroto derivaram de uma accedilatildeo inesperada por parte

dos tebanos Ora se de fato os espartanos pretendiam

distrair Epaminondas com um ataque frontal e inicial da

cavalaria enquanto a ala direita comandada pelo proacuteprio

Cleombroto pudesse avanccedilar para aleacutem da ala esquerda

tebana e recobrar a proteccedilatildeo do flanco com o retorno das

tropas montadas que iniciaram a batalha entatildeo Epaminondas

provavelmente sabia o que fora realizado por seus inimigos

na batalha do rio Nemeacuteia47 quando um envolvimento se

tornou possiacutevel exatamente a partir de tais manobras

Poreacutem admitindo-se que Cleombroto iniciou mesmo a batalha

ordenando o avanccedilo da cavalaria estaria correto o relato

de Plutarco (no qual Buckler e Tuplin basearam sua anaacutelise)

com relaccedilatildeo agrave sequumlecircncia das manobras48 Noutras palavras a

uacutenica maneira de afirmar que Cleombroto teria modificado

46 Buckler opcit p64 47 Xen Hel 42 48 O questionamento parte tambeacutem da comparaccedilatildeo entre a reputaccedilatildeo de

Plutarco e Xenofonte O primeiro nunca teve pretensotildees a historiador

embora o relato de Leuctra tenha sido provavelmente baseado nos textos

de Eacuteforo (FGrH 70) enquanto o segundo aleacutem das intenccedilotildees de

prosseguimento da obra de Tuciacutedides tinha declarada experiecircncia

militar O fato de que Xenofonte seria parcial em sua anaacutelise digo

interessado apenas em sustentar que tudo teria dado errado para os

espartanos naquele dia em contraposiccedilatildeo agrave sorte dos tebanos fez com

que a historiografia ateacute o artigo escrito por Hanson sequer

atentasse para uma importante declaraccedilatildeo de Xenofonte (ldquoos espartanos

iniciaram a batalhardquo) o que definitivamente abre o leque de

possibilidades explicativas especialmente para o questionamento do

testemunho de Plutarco

36

sua formaccedilatildeo devido agrave ldquosurpresardquo em relaccedilatildeo agraves manobras de

Epaminondas eacute atraveacutes do relato de Plutarco Entretanto se

admitirmos que a cavalaria espartana (e natildeo a tebana)

iniciou o ataque como sugeriu Xenofonte eacute possiacutevel supor

tambeacutem que Cleombroto contava desde o iniacutecio com o retorno

de sua cavalaria para proteger o flanco aberto durante a

execuccedilatildeo da manobra (planejada antes mesmo de iniciada a

batalha) com a qual pretendia envolver a coluna alongada

dos tebanos Como sua cavalaria natildeo foi capaz de vencer a

tebana o proacuteprio rei teria permanecido agrave mercecirc do choque

comandado por Peloacutepidas consequumlecircncia da falha da cavalaria

espartana e natildeo fruto de um plano preacute-elaborado por

Epaminondas

A criacutetica de Hanson dirigida agraves interpretaccedilotildees da

batalha de Leuctra parece totalmente correta e de fato uma

reavaliaccedilatildeo das chamadas ldquoinovaccedilotildees tebanasrdquo constitui uma

etapa necessaacuteria a este estudo para que se torne evidente

que a inserccedilatildeo da cavalaria tal como empregada no exeacutercito

de Alexandre natildeo estava disponiacutevel na guerra grega antes

de Filipe49 Pelo contraacuterio o uso integrado das diversas

seccedilotildees do exeacutercito configurou em seu estaacutegio avanccedilado uma

contribuiccedilatildeo tipicamente macedocircnica Noutras palavras os

gregos jaacute haviam assimilado algumas taacuteticas cuja execuccedilatildeo

dependia de certo niacutevel de integraccedilatildeo entre as sessotildees do

exeacutercito como possivelmente ocorrera em Leuctra pelo lado

espartano mas o enraizamento do soldado-cidadatildeo como

principal figura dos exeacutercitos gregos dos seacutecsV e parte do

IV aC deixaram a consolidaccedilatildeo desta inovaccedilatildeo para um

reino de fronteira a Macedocircnia cuja aristocracia dava

grande importacircncia ao uso dos cavalos na guerra

49 A reforma do exeacutercito macedocircnico tornou-se um assunto por demais

polecircmico uma vez que as fontes satildeo bastante confusas a esse respeito

No entanto posiciono-me a favor de uma reforma iniciada com Alexandre

II e seguida por Filipe II de acordo com os argumentos que

apresentarei mais abaixo

37

A uacuteltima questatildeo acerca do que Epaminondas realizou em

Leuctra diz respeito ao ataque obliacutequo quando a falange

foi trazida sob formaccedilatildeo em crescente (μηνοειδὲς τὸ σχμα τς

φάλαγγος πεποιηκότες)50 Apoacutes 371 aC esta formaccedilatildeo foi

novamente empregada com grande sucesso em Gaugamela (331

aC) por Alexandre o Grande

Desse modo o argumento de Hanson acerca da suposta

revoluccedilatildeo nas taacuteticas gregas a partir de Epaminondas

precisa ser levado em consideraccedilatildeo na medida em que retira

a proeminecircncia de um uacutenico e genial comandante tebano

salientando a ligaccedilatildeo entre as transformaccedilotildees ocorridas na

guerra grega desde o conflito poliacuteada no Peloponeso e o

exeacutercito reformado de Filipe da Macedocircnia

50 Diod1555

38

2 ldquoNegoacutecios de famiacuteliardquo como Filipe e Alexandre

transformaram a guerra grega

21 A infantaria macedocircnica

Dada a sua posiccedilatildeo de fronteira em relaccedilatildeo ao universo

poliacuteada e em particular apoacutes a esmagadora derrota para os

iliacuterios51 os esforccedilos militares dos reis macedocircnicos

direcionaram-se para a formulaccedilatildeo de uma nova maacutequina de

guerra a saber a combinaccedilatildeo equilibrada entre um tipo de

falange de piqueiros de excelente cavalaria e de um

aparato completo de maacutequinas de cerco a partir do qual

Alexandre obteve os recursos taacuteticos necessaacuterios para a

realizaccedilatildeo de sua campanha na Aacutesia Mas eacute possiacutevel dizer

precisamente em que momento tal reforma teve lugar na

histoacuteria da Macedocircnia antiga

Momigliano52 apoiado num trecho decisivo do fragmento

da Filiacutepica de Anaxiacutemenes de Lampsaco53 afirmou que esta

teria comeccedilado jaacute com Alexandre o Fileleno (498-454 aC)

devido agrave referecircncia a um novo grupo de soldados de

infantaria chamados pezetairoi os quais teriam sido

organizados em companhias (τοὺς πεζοὺς εἰς λόχους) por um certo

Alexandre considerado por Momigliano como sendo o primeiro

rei deste nome de que se tem notiacutecia

A referecircncia feita a Anaxiacutemenes tornou-se decisiva

desde entatildeo mas nesta tese opto pela hipoacutetese de

Bosworth54 que combinando o trecho de Anaxiacutemenes a uma

importante citaccedilatildeo de Tuciacutedides55 sobre a formaccedilatildeo

macedocircnica desloca a reforma do exeacutercito macedocircnico para

Alexandre II (370-368 aC) Ainda que o tempo de reinado

51 Diod 162 52 Arnaldo Momigliano Filippo il Macedone saggio sulla storia greca

Del IV secolo AC Firenze Felice Le Monnier 1934 53 FGrH 72 F4 54 Albert Bosworth ldquoASTHETAIROIrdquo in CQ 23 245-253 1973 P250 55 Tucid 4124 ldquomacedocircnios [] e outra multidatildeo de poderosos

baacuterbarosrdquo (Μακεδόνων []καὶ ἄλλος ὅμιλος τν βαρβάρων πολύς)

39

de Alexandre II tenha sido bastante curto se comparado aos

44 anos de governo do primeiro Alexandre a descriccedilatildeo de

Tuciacutedides deve ser considerada a partir do seguinte

criteacuterio se a formaccedilatildeo macedocircnica da forma como

apresentada pelo historiador ateniense foi fidedignamente

narrada cerca de trinta anos apoacutes Alexandre o Fileleno a

atribuiccedilatildeo da reforma como sendo uma accedilatildeo de seu governo eacute

incorreta Se de fato a reforma fora realizada por um

Alexandre este soacute pode ser por exclusatildeo o seguinte

Alexandre (II)

A reconstruccedilatildeo das origens do exeacutercito macedocircnico

reformado eacute entatildeo bastante polecircmica ainda que a

tendecircncia seja localizar o seu iniacutecio cerca de dez anos

antes do reinado de Filipe II Aleacutem disso a histoacuteria de

sua organizaccedilatildeo e accedilatildeo em campo de batalha nos eacute acessiacutevel

somente a partir da campanha de Alexandre quando o uso de

Arriano e de alguns fragmentos o mapeamento filoloacutegico de

termos condizentes agrave infantaria e o estudo das unidades

taacuteticas conhecidas (e de suas subdivisotildees) auxiliam na

tarefa de estabelecer as diretrizes para o entendimento de

parte do exeacutercito macedocircnico56

56 Breves reconstruccedilotildees como a elaborada por Billows (Kings and

Colonists Aspects of Macedonian Imperialism LeidenNew YorkKoumlln

Brill 1995 Pp11-20) natildeo satildeo satisfatoacuterias pois ignoram diversos

aspectos da reforma como por exemplo os problemas advindos do uso

de Diodoro para o estabelecimento do nuacutemero aproximado das tropas A

melhor introduccedilatildeo para o assunto eacute ainda Robert Milns AALG

40

211 Hipaspistai pezetairoi e asthetairoi

Segundo Tarn57 e Milns

58 somente atraveacutes do relato de

Arriano podemos elaborar uma reconstruccedilatildeo segura da

terminologia e do desenvolvimento de parte das tropas

macedocircnicas Isso se deve ao fato de que por um lado

tanto Diodoro quanto Cuacutercio empregaram fontes apenas

indiretamente preocupadas com o exeacutercito macedocircnico Por

outro lado Ptolomeu a principal fonte de Arriano era

assim como seu leitor entendido nos assuntos militares e

conhecedor de sua terminologia Ainda que 500 anos

separassem os dois o relato de Arriano tornou-se o mais

apropriado para a anaacutelise das tropas macedocircnicas e de sua

aplicaccedilatildeo taacutetica em campo de batalha

Analisemos entatildeo os principais termos referentes agrave

organizaccedilatildeo do exeacutercito Pezetairoi que agrave primeira vista

indica a infantaria macedocircnica em sentido mais amplo em

Arriano ora faz referecircncia a toda a falange ora apenas a

parte dela59 Certamente trata-se de um termo anterior a

Filipe se aceitarmos as informaccedilotildees sobre os pezetairoi de

Alexandre II contidas no relato de Anaxiacutemenes de

Lampsaco60 podendo tambeacutem de acordo com Teopompo de

Quios61 fazer referecircncia unicamente agrave ldquoGuarda Realrdquo

(ἐδορυφόρουν τὸν βασιλέα) Apesar dessas divergecircncias uma

coisa permanece inquestionaacutevel o termo pezetairoi no tempo

de Alexandre referia-se essencialmente a toda a falange de

piqueiros

Existem aleacutem disso duas variaccedilotildees que devem ser

observadas pezoi por vezes indicando a falange62 ou mesmo

toda a infantaria e φάλαγξ que pode significar a falange

57 ALG2 P135 58 Robert D Milns ldquoThe hypaspists of Alexander some problemsrdquo in

Historia 20 186-195 1971 P88 59 Arr Anab 1283 2232 4231 5226 661 6213 7113 60 FGrH 72 61 FGrH 115 F348 62 A falange indica o conjunto de todos os batalhotildees ou brigadas dos

πεζέταιροι

41

propriamente dita ou apenas um uacutenico batalhatildeo da falange

bem como os hipaspistai e a formaccedilatildeo em linha de batalha

quando usado para fazer referecircncia a outras tropas (ἐπὶ

φάλαγγος em oposiccedilatildeo a κατὰ κέρας por exemplo)63

Com a ampliaccedilatildeo do termo para a definiccedilatildeo de toda a

falange (ou de sua parte em destaque) abre-se tambeacutem uma

nova questatildeo introduzida por Bosworth64 a partir de uma

releitura de Arriano qual seria a vinculaccedilatildeo dos

pezetairoi com os hipaspistai e os asthetairoi65

Em primeiro lugar o que jaacute se discute desde Tarn66

Muitas informaccedilotildees vitais acerca dos hipaspistai satildeo

impossiacuteveis de se obter basicamente por duas razotildees ambas

derivadas de problemas advindos das proacuteprias fontes Em

primeiro lugar os historiadores gregos natildeo estariam

interessados em ldquodetalhes militares teacutecnicosrdquo de uma tropa

macedocircnica mesmo quando esta desempenhava funccedilatildeo

importante na campanha Em seguida Ptolomeu provavelmente

por estar familiarizado com todos esses detalhes teacutecnicos

em seu dia-a-dia simplesmente natildeo desenvolveu nada a

respeito da disposiccedilatildeo e equipamentos desta tropa67

Sabemos que os hipaspistai foram uma forccedila criada a

partir de uma seleccedilatildeo dos pezetairoi sendo provavelmente a

primeira na histoacuteria da Macedocircnia de caraacuteter profissional

cujo serviccedilo era ininterrupto e cuja lealdade estava ligada

particularmente agrave figura do rei O termo aparece apenas em

Arriano tendo designaccedilatildeo equivalente em Diodoro

(δορυφόροις)68 o que sugere ter sido hipaspistai o termo

63 Esta discussatildeo encontra-se em detalhes em ALG2 p135-142 64 Bosworth opcit p245 65 Segundo Bosworth (opcit p246) existem ainda traduccedilotildees que

simplesmente substituem o termo asthetairoi por pezetairoi 66 ALG2 67 Milns opcit p186 68 Diod 1777 [] ἔπειτα τοὺς ἐπιφανεστάτους τν Ἀσιανν ἀνδρν δορυφορεῖν ἔταξεν []

42

empregado por Ptolomeu e por deduccedilatildeo pelos proacuteprios

macedocircnios69

Basicamente formavam um contingente de 3000 homens e

encontravam-se divididos em trecircs quiliarquias de

aproximadamente 1000 homens cada70 Diferentemente do

restante da falange os hipaspistai eram selecionados pelo

proacuteprio rei e integravam sua guarda pessoal

Qual seria por uacuteltimo o equipamento militar do

hipaspistes Existe uma tendecircncia geral em definir seu

equipamento como sendo mais leve que aquele dos demais

falangistas ou algo situado entre o equipamento do

falangista e do peltasta No que diz respeito a essas

suposiccedilotildees Tarn71 eacute incisivo

Em relaccedilatildeo ao armamento eles eram infantaria pesada

tatildeo pesadamente armada quanto a falange a diferenccedila

entre os dois corpos residia em sua histoacuteria

recrutamento e manutenccedilatildeo natildeo no armamento A crenccedila

de que eles eram armados como peltastas ou que seu

armamento era algo intermediaacuterio entre aquele do

falangista e do peltasta natildeo encontra evidecircncia para

lhes dar suporte e natildeo precisa ser informado

Haacute por outro lado suposiccedilotildees com relaccedilatildeo ao

equipamento do hipaspistes que podem sugerir uma

proximidade com o peltasta A melhor delas insinua-se a

partir de uma marcha forccedilada do exeacutercito macedocircnico na

qual Alexandre teria utilizado os hipaspistai juntamente

com a infantaria levemente armada dos agrianos Nesta

ocasiatildeo os demais soldados da falange teriam sido deixados

para traacutes72 o que poderia declarar uma diferenccedila entre o

equipamento dos hipaspistai e dos falangistas em geral

69 Embora Arriano empregue o mesmo termo que Plutarco algumas vezes

como em 317 ldquoατὸς δὲ ἀνα λαβὼν τοὺς σωματοφύλακας τοὺς βασιλικοὺς []rdquo 70 Arr Anab 430 71 ALG2 P153 72 Arr Anab 43 321 323 citado por Badian durante o debate da

conferecircncia de AALG p 134

43

Nesta ocasiatildeo de acordo com Badian73 quando podemos

observar soldados levemente armados (hipaspistai e agrianos)

em contraste com aqueles que os seguiram ἐν τάξει a deduccedilatildeo

mais correta eacute a de que se desfizeram dos armamentos para a

perseguiccedilatildeo e natildeo eram como comumente afirmado

regularmente armados como infantaria ligeira Poreacutem o que

temos de mais concreto parece ser mesmo uma semelhanccedila nos

armamentos dos hipaspistai e dos demais falangistas dado

que durante toda a campanha ambos partilharam as mesmas

funccedilotildees taacuteticas

Ainda no esforccedilo de distinguir os termos cruciais para

o entendimento da falange macedocircnica gostaria de encerrar

este toacutepico com uma breve anaacutelise dos asthetairoi cuja

apariccedilatildeo na historiografia se deu a partir da milimeacutetrica

observaccedilatildeo de Bosworth Como dito anteriormente o termo

asthetairoi foi por vezes substituiacutedo por pezetairoi nas

traduccedilotildees ou ediccedilotildees modernas da Anaacutebasis de Arriano74 Da

mesma forma que hipaspistes satildeo termos distintos e

provavelmente natildeo foram usados com o mesmo propoacutesito

Bosworth75 entende que se tratava de um termo teacutecnico

usado para definir o contingente que ldquochegou

posteriormenterdquo isto eacute fruto das campanhas na Alta

Macedocircnia Assimilados posteriormente agrave formaccedilatildeo da falange

macedocircnica propriamente dita tais soldados precisavam de

um novo termo que os diferenciasse dos demais e o seu

desenvolvimento desde a palavra original manteve o

significado de ldquoproacuteximos aos Companheirosrdquo o que

concentrou tanto a condiccedilatildeo atual de macedocircnios quanto sua

independecircncia anterior agrave assimilaccedilatildeo pela monarquia76

73 AALG P134 74 As passagens satildeo Arr Anab 223 423 522 66 621 72 75 Opcit p247 76 Bosworth opcit p251

44

212 Taxis syntagma lochos e uso da sarissa

Sabemos que com Alexandre na Aacutesia a infantaria

macedocircnica era formada por ateacute seis batalhotildees (taxeis)

cada um deles compondo uma unidade taacutetica autocircnoma (que

poderia ser empregada em conjunto obviamente) Tal ponto

de partida permite que o foco do estudo sejam as

subdivisotildees dos batalhotildees as quais assegurariam maiores

niacuteveis de flexibilidade nas manobras A unidade baacutesica de

infantaria na falange era a syntagma formada por 16 lochoi

de 16 homens77 Sob o comando do syntagmatarches o batalhatildeo

era capaz de executar manobras que exigiam intensivo

treinamento militar a exemplo da formaccedilatildeo em linha reta

obliacutequa ou crescente em seta ou em quadrado Aleacutem disso eacute

ainda provaacutevel que o lochos seja uma criaccedilatildeo de Filipe jaacute

que suas primeiras apariccedilotildees ocorrem na fase inicial da

carreira de Alexandre78

Diante da organizaccedilatildeo militar da falange a sarissa

(com aproximados 5 metros) representou a inovaccedilatildeo material

macedocircnica mais importante a qual fez da falange uma forccedila

frontalmente imbatiacutevel ateacute o surgimento da legiatildeo romana

Para explicar o efeito que uma tropa armada com a sarissa

provocaria no inimigo Griffith79 utilizou o seguinte

exemplo ldquonuma escala mais proacutexima era como a embarcaccedilatildeo

que atacava um oponente forccedilando-o a correr grandes riscos

antes de conseguir se aproximar e revidarrdquo

Em companhia agrave poderosa sarissa o falangista contava

com a pelte suspensa ateacute o pescoccedilo contrastando a pesada

aspis do hoplita poliacuteada A eficiecircncia do equipamento do

falangista residia na vantagem do primeiro choque dada

pelo uso da sarissa Embora natildeo fosse um soldado

77 O syntagma era uma unidade autocircnoma fixa em oposiccedilatildeo agraves eventuais

apariccedilotildees na histoacuteria poliacuteada 78 Arr Anab 210 [] ldquoἀλλὰ καὶ ἰλάρχας καὶ λοχαγοὺς ὀνομαστὶ καὶ τν ξένων τν μισθοφόρων []rdquo 79 Nicholas Hammond e Guy Griffith A History of Macedonia 550-336

(V2) Oxford Oxford University Press 1979 P421

45

pesadamente armado tal vantagem concedia aos macedocircnios

certa superioridade taacutetica frente aos demais exeacutercitos

gregos Como consequumlecircncia do aumento no tamanho da lanccedila o

elmo macedocircnico tornou-se bastante diverso daquele usado

pelo hoplita conhecido como ldquocoriacutentiordquo Ao contraacuterio do

hopliacutetico o elmo do falangista era menos caro de fabricar

e aberto na face Por fim quanto agraves grevas estas eram

usadas apenas nas primeiras fileiras

Existe uma questatildeo delicada em relaccedilatildeo ao falangista

que natildeo pode ser ignorada aqui embora jaacute seja consenso

entre os historiadores Transformando numa interrogaccedilatildeo

seria o falangista macedocircnico uma derivaccedilatildeo simples e

direta do peltasta traacutecio De fato Best80 em 1969

afirmou que ldquoseu equipamento [o do peltasta] eacute

caracterizado pela longa lanccedila (sarissa) e a pelterdquo

sugerindo abertamente que natildeo havia diferenccedila alguma no

equipamento do peltasta e do falangista Entretanto

gostaria de apresentar duas observaccedilotildees sobre tal hipoacutetese

A primeira delas segue o que foi proposto por Lendon81

De modo geral a partir do seacutecIV aC o termo peltasta

passou a indicar a infantaria levemente armada (sem a

pesada aspis) tendendo a uma generalizaccedilatildeo mais do que

propriamente agrave definiccedilatildeo exclusiva do soldado que portava a

pelte Natildeo seriam portanto ldquopeltastas macedocircniosrdquo mas

algo proacuteximo de ldquosemi-hoplitasrdquo82

A segunda estaacute de acordo com uma diferenccedila apresentada

por Hammond83 em relaccedilatildeo agrave lanccedila do peltasta traacutecio e a

sarissa a uacuteltima natildeo era definitivamente empregada

apenas com uma das matildeos assim como natildeo era usada para

80 Jan Best Thracian Peltasts and their influence on Greek Warfare

Groningen Wolters-Noordhoff 1969 81 Jon Lendon Soldiers and Ghosts A History of Battle in Classical

Antiquity New HavenLondon Yale University Press 2005 pp412-413 82 Embora algumas vezes Arriano se refira a eles como hoplitas a

exemplo de 11 83 Nicholas Hammond ldquoWhat may Philip have learnt as a hostage in

Thebesrdquo in GRBS 38 355-372 1997

46

arremesso diferenciando-se totalmente portanto da lanccedila

do peltasta Similares aos peltastas quanto ao peso de seu

equipamento os falangistas macedocircnios atuavam em campo de

batalha como hoplitas

Outra questatildeo relevante quanto ao equipamento do

falangista macedocircnio eacute a ausecircncia do peitoral Tal questatildeo

reflete no entanto mais os aspectos sociais e econocircmicos

de sua condiccedilatildeo do que propriamente uma caracteriacutestica

taacutetica De fato a Macedocircnia parece ter se organizado em

torno do ethos e natildeo da poacutelis o que impossibilitou o

surgimento do ldquoideal militar hopliacuteticordquo Com Filipe ou

talvez um pouco antes observamos a intervenccedilatildeo monaacuterquica

na concessatildeo do armamento e sendo a Macedocircnia ainda um

pequeno reino - portanto sem grandes recursos para a

guerra - eacute plausiacutevel que a sarissa arma que compensava a

ausecircncia do peitoral e da aspis tenha sido produto deste

contexto Qualquer tentativa de hierarquizaccedilatildeo ou

atribuiccedilatildeo de uma causa uacutenica para a explicaccedilatildeo do por que

a sarissa foi introduzida entre os macedocircnios seria um

equiacutevoco Sabemos que natildeo se trata unicamente do produto de

uma concepccedilatildeo taacutetica assim como natildeo podemos reduzir esta

inovaccedilatildeo agrave deficiecircncia econocircmica do reino A criaccedilatildeo de um

exeacutercito nacional por Filipe no entanto conferiu uma

unidade agraves regiotildees de fronteira forccedilando os dinastas

independentes a se unirem aos macedocircnios servindo como

aliados e tendo seus filhos muitas vezes como a proacutexima

geraccedilatildeo de comandantes em treinamento84

Por uacuteltimo aleacutem dos macedocircnios propriamente ditos

temos outras etnias compondo a infantaria de Filipe e

Alexandre ora como aliados ora como mercenaacuterios Embora

existam ainda distinccedilotildees claras entre ambas as condiccedilotildees

estas tenderatildeo a desaparecer na guerra heleniacutestica

84 Duncan Head Armies of the Macedonian and Punic Wars 359 BC to 146

BC organization tactics dress and weapons Sussex Wargames

research group 1982 P11

47

conforme mostrarei no capiacutetulo seguinte Infelizmente as

informaccedilotildees que nos chegaram sobre as tropas auxiliares do

exeacutercito macedocircnico natildeo explicam praticamente nada sobre

sua atuaccedilatildeo na guerra ou mesmo acerca de sua disposiccedilatildeo

geral exceto por algumas menccedilotildees na Anaacutebasis de Alexandre

O maior nuacutemero de informaccedilotildees sobre o exeacutercito macedocircnico

incide sem duacutevida sobre seus dois alicerces taacuteticos a

falange da qual apresentei uma breve anaacutelise e a

ldquoCavalaria dos Companheirosrdquo acerca da qual me ocuparei

mais agrave frente argumentando sobre a transformaccedilatildeo do papel

da cavalaria nas batalhas e de sua persistecircncia durante a

Guerra dos Diaacutedocos

48

22 A ldquoCavalaria dos Companheirosrdquo

Gostaria de iniciar este item com uma pequena mas

fundamental observaccedilatildeo sobre o ldquoEsquadratildeo Real dos

Companheirosrdquo (ἴλῃ βασιλικῆ ou algumas vezes ἄγημα85) Eacute

notaacutevel o acreacutescimo τν ἑταίρων a esta unidade de elite de

modo que a ldquoGuarda de Alexandrerdquo com exceccedilatildeo dos

hipaspistai passou a ser sinocircnimo de sua cavalaria

macedocircnica mesmo quando referida somente como ἄγημα mas

por que a condiccedilatildeo de cavaleiros lhes foi conferida

A resposta mais provaacutevel parece ser porque os reis

macedocircnios (e especialmente Alexandre) quase sempre

combatiam a cavalo como revela a insistecircncia de alguns

autores antigos em tentar posicionar Alexandre no comando

de sua cavalaria na batalha de Isso A ldquoGuarda Pessoalrdquo do

rei se tornou historicamente sinocircnimo de uma cavalaria de

elite a ldquoCavalaria dos Companheirosrdquo Esta forccedila de elite

cresceu bastante apoacutes Alexandre cruzar o Helesponto quando

7 esquadrotildees (ἰλας) foram acrescentados ao primeiro

original distinto dos demais apenas por sua procedecircncia (o

esquadratildeo real par excellence)86 Sabemos que formavam oito

esquadrotildees na batalha de Gaugamela 87 sendo que o

esquadratildeo real estava sob comando de Cleito o Negro e os

demais sob o comando de Filotas filho de Parmecircniordquo88

85 Arr Anab 25 31 38 86 ALG2 p154 87 Arr Anab 311-12 88 Aleacutem dos Companheiros temos outros 4 esquadrotildees de cavalaria

ligeira os ldquoscoutsrdquo (πρόδομοι) ou lanceiros (σαρισοφόροι) Brunt

(ldquoAlexander‟s Macedonian cavalryrdquo JHS 83 27-46 1963 Pp27-8)

recorda o debate entre Berve e Tarn acerca da procedecircncia eacutetnica

(macedocircnia para o primeiro e traacutecia para o segundo) desses quatro

esquadrotildees de lanceiros Brunt parece estar correto ao escolher a

versatildeo de Berve uma vez que no relato de Arriano (Anab 112 141 e

146 29 312 182 201 212) apenas os hipaspistai e os

regimentos de falange natildeo satildeo descritos como ldquomacedocircniosrdquo em oposiccedilatildeo

aos demais ldquocuidadosamente classificados como peocircnios mercenaacuterios ou

agrianos no mesmo contextordquo Entretanto natildeo penso que seja possiacutevel

dizer se apoacutes 329 aC quando os lanceiros desaparecem dos relatos

foram enviados de volta para casa ou incorporados aos Companheiros

49

Sendo a elite da cavalaria macedocircnica a qual era

empregada em pontos decisivos das taacuteticas executadas em

campo de batalha natildeo poderia existir em grande nuacutemero mas

seu papel em contrapartida natildeo deveria ser de

coadjuvantes quando entrassem em accedilatildeo Assim qual era o

nuacutemero dos cavaleiros que integravam os Companheiros de

Alexandre

Uma vez mais Tarn89 recorda que a discussatildeo em torno

do nuacutemero de cavaleiros que Alexandre tomou quando de sua

partida para a Aacutesia foi travada pela historiografia a

partir dos dados obtidos no relato de Diodoro90 e que

algumas das fontes utilizadas pelo historiador siciliano

natildeo permitiram a precisatildeo desejada com relaccedilatildeo agraves tropas

macedocircnicas A equivalecircncia do contingente disponiacutevel a

Alexandre e a Antiacutepatro (que o rei havia deixado como

representante na Europa) ambos com 12000 soldados de

infantaria (3000 hipaspistai e 9000 falangistas) eacute

incorreta senatildeo absurda91 A contagem das tropas montadas

a partir de Arriano se faz portanto necessaacuteria

Outro questionamento importante diz respeito agrave

organizaccedilatildeo da Cavalaria dos Companheiros Originalmente

recorda Brunt92 os Companheiros estavam divididos em ilas

mas a partir de 331 aC em Susa Alexandre formou dois

lochoi com cada ile que consequumlentemente passou a ser

comandada por lochagoi Esta alteraccedilatildeo era ineacutedita

conforme nos relata Arriano93 e representou o inchaccedilo no

nuacutemero dos Companheiros jaacute que as ilas natildeo mais

satisfaziam como divisatildeo das unidades Em contrapartida

apoacutes a execuccedilatildeo de Cleito o Negro (330 aC) surgiram as

89 ALG2 p 153 90 Diod 1717 91 Especialmente devido agrave duplicaccedilatildeo do nuacutemero de hipaspistai 92 Brunt opcit p28 93 Arr Anab 316

50

ipparchias94 e segundo Tarn

95 o proacuteprio Alexandre teria

assumido aquela pertencente a Cleito somando 4 esquadrotildees

sob seu comando e outros 4 sob Hefesto No entanto Tarn

pode ter se equivocado com o fato de que Alexandre teria

assumido o comando de uma ipparchia96

De acordo com Tarn o termo foi empregado apenas a

partir de 326 aC no Indo quando novos contingentes ndash

orientais - passaram a compor o exeacutercito de Alexandre As

menccedilotildees anteriores de Arriano agraves ipparchias seriam entatildeo

confusotildees e anacronismos de seu proacuteprio tempo Brunt por

outro lado chama a atenccedilatildeo para a coincidecircncia de dois

fatores os quais permitiriam uma compreensatildeo modificada

das ipparchias a desconfianccedila de Alexandre com relaccedilatildeo aos

seus principais oficiais e a divisatildeo da ldquoCavalaria dos

Companheirosrdquo nas novas unidades o que amenizaria a

possibilidade de motins (jaacute que estavam divididos e com

poderes reduzidos) concedendo-lhes em contrapartida um

tiacutetulo de bastante prestiacutegio antes pertencente apenas a um

ou dois oficiais Se Brunt97 estiver correto o surgimento

das ipparchias foi possivelmente anterior ao que Tarn

propocircs (de 326 aC para 328 aC) e a inserccedilatildeo de

orientais na Cavalaria dos Companheiros um fator

independente para a organizaccedilatildeo das novas unidades98

Por uacuteltimo cabe indagar sobre a relevacircncia desta

preocupaccedilatildeo com o crescimento do contingente dos

Companheiros (de um esquadratildeo para oito ao cruzar o

Helesponto em nuacutemero de 2000 em Gaugamela e divididos em

94 As ipparchias podem ter sido um novo nome para as ilai modificadas

pelo contexto explicado a seguir ou algo totalmente novo uma vez que

o termo substituiu outro plenamente consolidado na praacutetica militar

grega 95 ALG2 p 164 96 Brunt opcit p29-30 97 Brunt opcit p45 98 Sua inserccedilatildeo na Cavalaria dos Companheiros (provavelmente em 324)

certamente posterior a criaccedilatildeo das ipparchias tem muito a dizer

tambeacutem sobre a poliacutetica que Alexandre adotou com relaccedilatildeo aos assuntos

orientais

51

ipparchias quando da campanha na Iacutendia)99 O que exatamente

pode significar esta ampliaccedilatildeo e quais seus desdobramentos

no mundo heleniacutestico

A resposta reside na transformaccedilatildeo das funccedilotildees da

cavalaria em campo de batalha isto eacute a partir de

Alexandre o Grande (e de seu exeacutercito reformado) as tropas

montadas passaram definitivamente a desferir o ataque

principal legando aos falangistas o papel de forccedila de

apoio necessaacuteria mas sem caraacuteter decisivo ou por

princiacutepio ofensivo Tal caracteriacutestica da cavalaria

macedocircnica pode ser observada por exemplo na batalha de

Gaugamela quando o nuacutemero dos Companheiros foi elevado ao

maacuteximo e a taacutetica remodelada a partir da tradiccedilatildeo grega

ilustra a relevacircncia da decisatildeo pelas manobras das tropas

montadas

A modificaccedilatildeo de sua funccedilatildeo taacutetica veio acompanhada de

duas grandes inovaccedilotildees A primeira delas eacute a ldquoformaccedilatildeo em

setardquo que facilitava o rompimento da formaccedilatildeo inimiga pela

ampliaccedilatildeo da carga desferida se comparada agravequela executada

pela ldquoformaccedilatildeo em quadradordquo Basicamente ao manter os

olhos fixos no liacuteder posicionado agrave frente da formaccedilatildeo

cavaleiros organizados em seta eram capazes de romper com

uma formaccedilatildeo defensiva desferindo assim o golpe

principal100

A segunda delas diz respeito agrave exploraccedilatildeo dos espaccedilos

entre os batalhotildees de falangistas Como salientou Tarn101

apresentar ao inimigo um bloco coeso com diversas pontas de

lanccedila e manter esta formaccedilatildeo sem espaccedilos entre os batalhotildees

eram coisas completamente distintas A partir do momento em

que a cavalaria passou a desferir o golpe principal a

questatildeo dos espaccedilos se tornou de maacutexima importacircncia como

99 Algo em torno de 200 homens 100 Griffith opcit p414 101 William W Tarn Hellenistic Military and Naval Developments

Cambridge Cambridge University Press 1930 P13

52

pode ser visto em Gaugamela e no periacuteodo heleniacutestico em

Paraitakene (Eumenes versus Antiacutegono) Por uacuteltimo ainda

que natildeo seja cotada como uma inovaccedilatildeo das taacuteticas de

cavalaria o envolvimento pelo uso de tropas montadas se

tornou praacutetica comum entre os macedocircnios Numa batalha em

que ambos os comandantes tivessem disposto a cavalaria nas

alas a vitoacuteria dependeria abertamente da capacidade do

exeacutercito em manter seus flancos protegidos do envolvimento

inimigo Ainda que esta fosse uma praacutetica comum entre os

persas foi com os macedocircnios que ocorreu a combinaccedilatildeo do

ataque montado com o avanccedilo da falange frontalmente

impenetraacutevel exceto pelos espaccedilos abertos durante o avanccedilo

ou o ataque

53

CAPIacuteTULO 2 ndash OS DESENVOLVIMENTOS DA GUERRA

HELENIacuteSTICA NO TEMPO DOS DIAacuteDOCOS

1 Guerra como ofiacutecio as condiccedilotildees de serviccedilo e

os tipos de mercenaacuterio

11 Mercenariato profissionalizaccedilatildeo e crise econocircmica

Em 334 aC onze anos antes da morte de Alexandre

havia cerca de 20000 mercenaacuterios a serviccedilo do Grande Rei

Em 329 aC cinco anos mais tarde podemos contar

praticamente 50000 somente no lado macedocircnico102

O periacuteodo

heleniacutestico assistiu na sequumlecircncia ao aumento ligeiro do

nuacutemero de mercenaacuterios recrutados acompanhando os

requisitos das guerras constantes e cada vez menos

decisivas

De acordo com Parke103 autoridades contemporacircneas

(primeira metade do seacutecXX) concluiacuteram que as pressotildees

econocircmicas levaram a tal situaccedilatildeo o colapso da concepccedilatildeo

de dever militar ciacutevico e a emergecircncia do grande nuacutemero de

mercenaacuterios disponiacuteveis teriam sido ambos provocados pela

pobreza iminente das poacuteleis fruto do desastre da guerra

entre gregos no seacutecV aC O argumento do desgaste

econocircmico no mundo grego toma como principal fonte

Isoacutecrates notadamente a partir do momento em que a sua

preocupaccedilatildeo com as razotildees poliacuteticas do mercenariato104 (o

grande nuacutemero de cidadatildeos em exiacutelio essa ldquomassa de

fugitivos e exilados que estavam mais do que dispostos a

oferecer seus serviccedilos como mercenaacuteriosrdquo105

) cede lugar ao

relato dos problemas econocircmicos gregos106

102 Parke p198 103 Parke p228 104 Isoc Pan 64 e 168 105 Chaniotis WHW p80 106 Isoc 24 e 44

54

Entretanto ainda que os conflitos poliacuteticos e a

pressatildeo econocircmica possam ter estimulado grande nuacutemero de

cidadatildeos sem perspectiva a oferecer seus serviccedilos

militares as guerras constantes produziram um dos

principais fatores para o outro lado da moeda isto eacute o

recrutamento de mercenaacuterios a equivalecircncia entre oferta e

procura por soldados temporariamente pagos e que estivessem

dispostos a combater durante todo o tempo que o confronto

levasse natildeo importando as razotildees ciacutevicas (quando existiam)

pelas quais o sangue havia sido derramado

Haacute que se considerar ainda as diversas realidades de

recrutamento das tropas que compuseram os exeacutercitos dos

Diaacutedocos nem sempre vinculadas diretamente ao cenaacuterio de

crise das poacuteleis Este eacute o caso basicamente do

recrutamento das tropas provinciais muito mais conectadas

aos direitos do governante local em formar um exeacutercito a

partir das possibilidades oferecidas por sua satrapia do

que propriamente agrave pobreza ou exiacutelio de cidadatildeos gregos

Por isso a crise econocircmica grega natildeo pode ser vista

como instrumento de anaacutelise universal na explicaccedilatildeo do

mercenariato heleniacutestico uma vez que exclui as

particularidades das condiccedilotildees de recrutamento

especialmente no que respeita agrave tradiccedilatildeo asiaacutetica e

oferece respostas somente em relaccedilatildeo ao aumento da oferta

do serviccedilo mercenaacuterio grego A guerra contudo foi uma

constante no periacuteodo natildeo importando a regiatildeo e consolidou

de modo irreversiacutevel apesar das especificidades do

mercenarismo a relaccedilatildeo oferta-procura107

De fato o mundo

heleniacutestico foi marcado por certa ldquoonipresenccedila da guerrardquo

do modo como chamou Chaniotis considerando-se que tanto a

sua gecircnese (323 aC) quanto o seu fim (31 aC) foram o

resultado de conflitos armados do mesmo modo que

dificilmente se encontra alguma aacuterea que natildeo estivesse

107 Chaniotis WHW p80

55

direta ou indiretamente como em tantos outros momentos na

Antiguidade afetada pela guerra

O cenaacuterio de crise explica ao lado das condiccedilotildees

especiacuteficas de recrutamento e da ampliaccedilatildeo do quadro geral

das guerras o porquecirc da relaccedilatildeo oferta-procura ter se

fixado como sendo de grande relevacircncia no estudo da

misthotikeacute heleniacutestica mas natildeo basta todavia para

explicar o estreitamento dos laccedilos entre o cenaacuterio de

profissionalizaccedilatildeo crescente da guerra e o uso de tropas

mercenaacuterias

Noutras palavras a progressiva profissionalizaccedilatildeo no

interior dos exeacutercitos ciacutevicos gregos deve tambeacutem ser um

fator considerado particularmente ateacute o momento em que a

combinaccedilatildeo da guerra como ofiacutecio a ser aprendido e o

mercenarismo como condiccedilatildeo geral dos exeacutercitos heleniacutesticos

minimizou o impacto do sentimento ciacutevico em grande parte

dos soldados

Tal mapeamento explicaria numa perspectiva histoacuterica

natildeo soacute a funccedilatildeo dos ieroi lochoi e hipaspistai na

profissionalizaccedilatildeo da arte da guerra grega e em seus

desdobramentos heleniacutesticos como tambeacutem forneceria as

razotildees pelas quais os mercenaacuterios tecircm que ser tipificados

na medida do possiacutevel de acordo com o trabalho executado

Basicamente havia aqueles que se colocavam sob o comando

de um monarca tirano general ou cidade num espaccedilo curto

de tempo (durante uma campanha por exemplo) e aqueles que

serviam nos grandes exeacutercitos reais muitas das vezes de

modo permanente108

O primeiro tipo de mercenaacuterio era formado por soldados

que serviram por exemplo na campanha de Eumenes contra

108 Chaniotis WHW p79 Note que segundo Parke (p209) e Griffith

(p42) a divisatildeo das tropas nos exeacutercitos dos Diaacutedocos eacute feita a

partir de trecircs tipos os quais seratildeo analisados detalhadamente em

seguida os macedocircnios os mercenaacuterios (xenoi e misthophoroi) e as

tropas recrutadas nas satrapias (por vezes sintetizadas como

pantodapoi)

56

Antiacutegono De acordo com Diodoro apoacutes ter sido expulso da

Capadoacutecia

Eumenes selecionou os mais capazes [τοὺς εθετωτάτους] entre os seus amigos e dando-lhes grandes recursos os

incumbiu de contratar mercenaacuterios estabelecendo uma

margem alta de pagamento Alguns deles dirigiram-se

para a Pisiacutedia Liacutecia e regiotildees adjacentes []

Outros viajaram atraveacutes da Ciliacutecia Siacuteria e Feniacutecia

aleacutem de cidades em Chipre Uma vez que a notiacutecia do

recrutamento havia se espalhado rapidamente e que o

pagamento oferecido era digno de consideraccedilatildeo muitos

se apresentaram voluntariamente inclusive vindos da

Greacutecia e juntaram-se agrave campanha109

Neste caso ocorrido em 318 aC Eumenes incumbiu

xenologoi classificados por Diodoro como os mais capazes

entre os seus amigos de recrutar mercenaacuterios para apenas

uma campanha aquela a ser realizada contra Antiacutegono Em

pouco tempo levando-se em consideraccedilatildeo somente os

mercenaacuterios Eumenes contava com cerca de 10000 soldados

de infantaria e 2000 cavaleiros sem mencionar os receacutem-

chegados arguraspides sob o comando de Eumenes por ordem

dos reis110

Outro caso interessante de mercenaacuterios recrutados de

diversas regiotildees por um periacuteodo relativamente curto de

tempo teve lugar na campanha africana de Agaacutetocles quando

aproximadamente 3000 samnitas etruscos e celtas

apresentaram-se ao lado dos 3000 mercenaacuterios gregos sob a

lideranccedila de Agaacutetocles111 Diodoro

112 relata a existecircncia de

motins entre os homens por falta do pagamento que lhes era

devido (ἀπῄτουν δὲ καὶ τοὺς μισθοὺς τοὺς ὀφειλομένους) assim como

109 Diod 1861 ldquoπροχειρισάμενος δὲ τν φίλων τοὺς εθετωτάτους καὶ δοὺς χρήματα δαψιλ πρὸς τὴν ξενολογίαν ἐξέπεμψεν ὁρίσας ἀξιολόγους μισθούς εθὺς δ οἱ μὲν εἰς τὴν Πισιδικὴν καὶ Λυκίαν καὶ τὴν πλησιόχωρον παρελθόντες ἐξενολόγουν ἐπιμελς οἱ δὲ τὴν Κιλικίαν ἐπεπορεύοντο ἄλλοι δὲ τὴν Κοίλην Συρίαν καὶ Φοινίκην τινὲς δὲ τὰς ἐν τῆ Κύπρῳ πόλεις διαβοηθείσης δὲ τς ξενολογίας καὶ τς μισθοφορᾶς ἀξιολόγου προκειμένης πολλοὶ καὶ ἐκ τν τς λλάδος πόλεων ἐθελοντὶ κατήντων καὶ πρὸς τὴν στρατείαν ἀπεγράφοντοrdquo 110 Diod 1859 111 Diod 2011 Ver Capiacutetulo 3 112 Diod 2034

57

possiacuteveis deserccedilotildees para o lado dos cartagineses o que

ilustra a dificuldade em manter coeso um grupo mercenaacuterio

em situaccedilatildeo de escassez ou mesmo irregularidade no

pagamento Em se tratando de tropas com as quais natildeo era

partilhado tempo consideraacutevel de vida militar as revoltas

deveriam ser ainda mais frequumlentes como ilustrado no

exemplo africano

O segundo tipo de mercenaacuterio era aquele desdobrado dos

grupos profissionais de elite surgidos no interior dos

exeacutercitos ciacutevicos gregos Antes da explosatildeo do serviccedilo

mercenaacuterio no fim da campanha de Alexandre o primeiro

passo quanto agrave profissionalizaccedilatildeo dos exeacutercitos gregos foi

dado com os espartanos ainda no periacuteodo claacutessico De fato

os hoplitas de Esparta formavam o uacutenico corpo ciacutevico

profissional de todo o mundo poliacuteada Seguindo o modelo

hopliacutetico profissional diversas outras cidades formaram

unidades profissionais de elite os ieroi lochoi que por

vezes desempenhavam funccedilatildeo taacutetica proeminente Um dos

melhores exemplos eacute o corpo de infantaria de elite tebano

cuja importacircncia na vitoacuteria sobre os espartanos em Leuctra

pode ser observada em mais detalhes no primeiro capiacutetulo

O exeacutercito reformado macedocircnico teve seu equivalente

com os hipaspistai tipo de versatildeo macedocircnica dos

ldquobatalhotildees sagradosrdquo poliacuteadas Nos primeiros anos do

periacuteodo heleniacutestico sob o nome de arguraspides estes

veteranos de Alexandre permaneceram vinculados agrave casa real

apesar de receberem propostas por parte de Ptolomeu e

depois Antiacutegono113 Tal recusa os levou ao campo de batalha

contra o general mais poderoso daquele tempo sob o comando

de Eumenes de Caacuterdia strategos pelo qual tinham pouco

apreccedilo talvez devido a sua origem eacutetnica114 Em seguida agrave

derrota de Eumenes Antiacutegono trucidou todos aqueles que

113 Diod 1862 114 Eumenes era o uacutenico general traacutecio do exeacutercito de Alexandre

58

haviam sido hostis a ele queimando vivo Antiacutegenes o

comandante dos arguraspides apoacutes tecirc-lo arremessado numa

fossa115

Apesar da histoacuteria de lealdade dos arguraspides agrave casa

real os mercenaacuterios ligados diretamente a certa dinastia

de modo mais ou menos permanente natildeo eram necessariamente

mais leais que os outros Esta natildeo deve ser sequer a

questatildeo central no estudo da misthotikeacute heleniacutestica Antes

de desdobrar este argumento note-se por exemplo o caso

dos egiacutepcios de Ptolomeu

Com sua primeira apariccedilatildeo no exeacutercito ptolomaico em 312

aC ao menos em expediccedilatildeo fora dos limites territoriais

do Egito os nativos africanos apresentaram-se armados e

aptos para a batalha (τὸ δὲ καθωπλισμένον καὶ πρὸς μάχην χρήσιμον)116

ainda que no primeiro momento natildeo estivessem trajados como

macedocircnios117

Representavam claramente outro tipo de

mercenaacuterio diferente daquele recrutado temporariamente e

sem viacutenculos com o governante da regiatildeo de onde provinham

Estavam ligados ao seu contratante como no caso dos

arguraspides por um viacutenculo mais ou menos permanente e em

breve dinaacutestico Contudo obrigaccedilotildees de ofiacutecio e lealdade

incondicional eram coisas bem distintas apoacutes a vitoacuteria de

Demeacutetrio sobre Ptolomeu em Chipre em 307 aC

praticamente todo o exeacutercito de mercenaacuterios egiacutepcios (cerca

de 16000 soldados de infantaria e 600 cavaleiros) foi

incorporado agraves forccedilas antigocircnidas118 o que vincula os

mercenaacuterios deste tipo assim como os do primeiro tipo

mais agrave consolidaccedilatildeo da concepccedilatildeo de guerra como ofiacutecio a

115 Diod 1944 116 Diod 1980 117 O argumento encontra suporte no fato de que o termo ldquomacedocircniordquo

conforme seraacute explicado no item 31 passou a significar qualquer tipo

de infantaria armada com equipamento macedocircnico aleacutem do fato da

existecircncia do termo οἱ Μακεδόνες na mesma sentenccedila em que figura Αἰγυπτίων δὲ πλθος sugerir outro tipo de armamento e formaccedilatildeo para estes

ldquoegiacutepcios em grande nuacutemerordquo 118 Diod 2053

59

ser aprendido do que propriamente agrave lealdade devida a algum

general rei ou dinastia embora tropas com vida militar

partilhada tendam a incorporar valores como a obediecircncia

acentuada a certa lideranccedila (como no caso dos

arguraspides)

60

12 Mercenariato basileia e doriktetos chora

Conforme mencionado antes o poder monaacuterquico

heleniacutestico desempenhou papel central na promoccedilatildeo desta

nova concepccedilatildeo de guerra levada adiante pelo impulso

imperialista tiacutepico dos reis cujo poder natildeo era herdado

esquematicamente a basileia era algo a ser conquistado

Gruen119

e Chaniotis120 notaram o que podemos chamar de

inversatildeo da loacutegica hereditaacuteria na disposiccedilatildeo da monarquia

heleniacutestica se Alexandre Magno reivindicou seu direito ao

trono como direito de sangue seus generais de Antiacutegono a

Cassandro121

adotaram o tiacutetulo de rei baseados unicamente

em suas conquistas militares isto eacute fundamentados pelo

princiacutepio da doriktetos chora

Haacute dois documentos importantes que tratam deste

fundamento do poder real heleniacutestico O primeiro deles

pertence agrave compilaccedilatildeo bizantina Suda particularmente a

definiccedilatildeo de monarquia Seguindo a traduccedilatildeo feita por

Austin

Ascendecircncia (natureza) e legitimidade (justiccedila) natildeo datildeo

reinos aos homens mas sim a habilidade em comandar um

exeacutercito e em lidar com os problemas de modo

competente Este era o caso de Filipe e dos Sucessores

de Alexandre O filho bioloacutegico de Alexandre natildeo foi de

modo algum ajudado pela consanguumlinidade devido a sua

fraqueza de espiacuterito enquanto aqueles que natildeo tinham

ligaccedilatildeo alguma com Alexandre tornaram-se reis de quase

todo o mundo conhecido122

Do mesmo modo em resposta agrave proclamaccedilatildeo de Demeacutetrio

como basileu por seu pai123

previamente feito rei por seus

amigos (Ἀντίγονον μὲν οὖν εθὺς ἀνέδησαν οἱ φίλοι) os seguidores de

Ptolomeu I o igualaram aos dois primeiros em tiacutetulo na

119 Gruen op cit pp253-271 120 Chaniotis WHW p57 121 Nomeadamente Antiacutegono Demeacutetrio Ptolomeu Seleuco Lisiacutemaco e

Cassadro 122

Austin n 45 123 Plut Dem 18

61

tentativa de dispersar a impressatildeo de que sua derrota havia

abalado tambeacutem o seu poder Plutarco124 acrescenta ainda

que tal praacutetica natildeo significava meramente a mudanccedila de nome

(ὀνόματος) e aparecircncia (σχήματος) mas removia o espiacuterito dos

homens (τὰ φρονήματα τν ἀνδρν ἐκίνησε) e ampliava suas ambiccedilotildees

(τὰς γνώμας ἐπρε)125 cabe acrescentar ambiccedilotildees militares

Tanto a coroaccedilatildeo de Antiacutegono quanto a resposta de Ptolomeu

agrave extensatildeo do poder monaacuterquico a Demeacutetrio foram claramente

baseadas em conquistas militares Assim o convite agrave

conquista militar em maior ou menor escala era um dos

traccedilos da basileia de tipo heleniacutestico assim como a base a

partir da qual toda a sua estrutura fora erigida

Diferentemente da Macedocircnia de Filipe e Alexandre o

exeacutercito natildeo era mais a uacutenica fonte de confirmaccedilatildeo do poder

real do mesmo modo que a monarquia havia atingido

proporccedilotildees diferentes daquelas do tempo da batalha de

Queroneacuteia126

Contudo o exeacutercito continuou a ser o

instrumento pelo qual os monarcas construiacuteam o direito ao

uso do diadema estando as funccedilotildees de comando cada vez mais

ligadas agrave lideranccedila de hordas inteiras de mercenaacuterios

recrutados das mais variadas regiotildees do mundo e

didaticamente enquadrados nos dois tipos apresentados neste

capiacutetulo

O abandono de valores considerados inatos para os

gregos no periacuteodo claacutessico a exemplo da coragem (ἀνδρία) e

da excelecircncia (ἀρετή) ao lado da crescente significaccedilatildeo da

guerra como ofiacutecio (τέχνη) foi inicialmente proposto por

Lendon127 como explicaccedilatildeo para a existecircncia do grande nuacutemero

124 Plut Dem 18 125 Literalmente ldquoaumentava seus pensamentosrdquo 126 Ainda Austin n44 ldquo[] aqueles que natildeo tinham qualquer conexatildeo

com Alexandre se tornaram reis de quase todo o mundo habitadordquo 127 Jon Lendon ldquoWar and societyrdquo In Philip Sabin Hans Wees Michael

Whitby The Cambridge History of Greek and Roman Warfare Cambridge

Cambridge University Press 2007 Pp498-516

62

de mercenaacuterios que serviram nos exeacutercitos dos reis

heleniacutesticos

No periacuteodo claacutessico a condiccedilatildeo poliacutetica do soldado-

cidadatildeo assegurar-lhe-ia de acordo com o pensamento grego

certa superioridade em combate Como observado por

Sidebottom128

o contraste presente em Os Persas de

Eacutesquilo ilustra tal postura a partir da negaccedilatildeo dos

baacuterbaros como soldados que combatiam por sua liberdade

Note-se por exemplo o conhecido diaacutelogo entre a Rainha

Matildee Persa e o Coro de homens velhos

Rainha Eles tecircm um rico suprimento de homens

combativos

Coro Eles tecircm soldados que uma vez golpearam os

exeacutercitos persas com um terriacutevel ataque

Rainha Satildeo eles habilidosos em arqueria

Coro Natildeo de forma alguma eles carregam escudos

corpulentos e lutam ombro a ombro com lanccedilas

Rainha E quem os lidera A qual mestre suas fileiras

obedecem

Coro Mestre Eles natildeo satildeo conhecidos como servos

Rainha E eles podem sem mestre resistir agrave invasatildeo

Coro Sim O vasto e nobre exeacutercito de Dario foi por

eles destruiacutedo129

No periacuteodo heleniacutestico entretanto a exaltaccedilatildeo de

valores inatos ao hoplita poliacuteada masterless e capaz de

vencer os persas por duas vezes consecutivas (apesar da

inabilidade em arqueria) cedeu lugar agraves vantagens

oferecidas pelo treinamento militar profissional mesmo que

as tropas treinadas fossem formadas por homicidas

(ἀνδροφόνοι) mutiladores (παρασχίσται) ladrotildees (λωποδύται) e

arrombadores de casas (τοιχωρύχοι)130 Os exeacutercitos poliacuteadas

natildeo eram capazes de fornecer recursos humanos ilimitados

aleacutem disso a tiacutepica batalha decisiva do periacuteodo claacutessico

cedeu lugar aos conflitos constantes e de larga escala

128 Harry Sidebottom Ancient warfare a very short introduction

Oxford Oxford University Press 2004 P6 129 Traduccedilatildeo tomada de Sidebottom opcit Pp6-7 130 Poliacutebio 136 ldquoοὗτοι δ ἦσαν ἀνδροφόνοι καὶ παρασχίσται λωποδύται τοιχωρύχοιrdquo

63

travados ao longo da disputa pela partilha do impeacuterio A

passagem em Diodoro sobre as vantagens no uso dos

mercenaacuterios ilustra claramente esta mudanccedila principalmente

quando o historiador siciliano se refere ao fato de que ldquoos

empregadores trazem consigo sem grandes custos homens

para lutar em seu nomerdquo e que no caso dos mercenaacuterios

ldquoainda que sejam por muitas vezes derrotados os

empregadores manteacutem suas forccedilas intactas durante o tempo

que durar o dinheirordquo131

Levados adiante pelo impulso imperialista das

monarquias heleniacutesticas assim como pela elevaccedilatildeo da

techneacute os mercenaacuterios preencheram os exeacutercitos dos

Diaacutedocos de uma forma jamais vista dando suporte agrave

ideologia dos generais que passaram a usar o diadema como

um dos siacutembolos de sua realeza militar

131 Diod 296

64

2 Os exeacutercitos dos Diaacutedocos

Como observou Parke132

a permanecircncia dos mercenaacuterios

nos exeacutercitos heleniacutesticos dificultou sua identificaccedilatildeo

pelos historiadores uma vez que a reduccedilatildeo das tropas ao

tipo profissional fez com que os autores antigos

frequumlentemente deixassem de lado a distinccedilatildeo entre

mercenaacuterios e soldados recrutados por direito do

governante Pode-se dizer que as tropas advindas das

satrapias eram de outro tipo se comparadas agravequelas

recrutadas mediante pagamento mas esta suposiccedilatildeo estaacute

baseada apenas na praacutetica dos saacutetrapas persas durante o

periacuteodo claacutessico De fato as condiccedilotildees de oferta e procura

no mundo asiaacutetico natildeo eram nada parecidas com as do mundo

grego propriamente dito dadas as diferenccedilas das tradiccedilotildees

poliacuteticas mas a assimilaccedilatildeo de exeacutercitos inimigos inteiros

por parte de comandantes vitoriosos indica quanto ao

serviccedilo prestado uma distinccedilatildeo apenas no recrutamento

inicial133

Outra inovaccedilatildeo importante ocorrida no periacuteodo

heleniacutestico eacute a utilizaccedilatildeo dos elefantes de combate haacute

muito conhecidos pelos asiaacuteticos e introduzidos na arte da

guerra grega somente apoacutes a morte de Alexandre Apesar de

seu emprego tardio os paquidermes mostraram-se definitivos

ou ao menos desejaacuteveis nos exeacutercitos heleniacutesticos ateacute a

ascensatildeo da legiatildeo romana quando suas implicaccedilotildees

logiacutesticas fizeram-se mais presentes134 Se os generais

heleniacutesticos consideravam os elefantes decisivos num

confronto aberto eles o fizeram por um motivo razoaacutevel de

132 Parke p208 133 Por exemplo a ξενολογία (recrutamento de tropas mercenaacuterias)

executada por Eumenes tal qual relatada em Diod 1861 134 Por exemplo a dificuldade no emprego de elefantes na Siciacutelia

durante a campanha piacuterrica

65

modo que o seu emprego transformou significativamente a

arte da guerra heleniacutestica

66

21 Macedocircnios xenoi misthophoroi e pantodapoi

Durante as Guerras dos Diaacutedocos ao lado dos mercenaacuterios

conhecidos desde a campanha de Alexandre (agrianos

traacutecios tessaacutelios cretenses entre outros) os macedocircnios

desempenharam uma funccedilatildeo de grande importacircncia na

composiccedilatildeo dos exeacutercitos heleniacutesticos A falange

representava a forccedila de apoio tornando-se responsaacutevel em

boa medida pela manutenccedilatildeo do centro da formaccedilatildeo ao passo

que a cavalaria e os elefantes de combate (quando

disponiacuteveis) realizavam a ofensiva nas alas e procuravam

decidir a peleja

Conforme veremos adiante apoacutes desferir um ataque

inesperado ao espaccedilo aberto pela marcha irregular da

infantaria de Eumenes Antiacutegono conseguiu na batalha de

Paraitacene (317 aC) alinhar novamente a sua falange ao

peacute do monte para onde os soldados haviam se retirado

reestruturando boa parte da linha defensiva de seu

exeacutercito Neste caso a reorganizaccedilatildeo da infantaria

macedocircnica em campo de batalha teria assegurado por um

lado a vitoacuteria do comandante aparentemente derrotado e

por outro devido agrave irregularidade da marcha dos infantes

inimigos a derrota daquele que pensava ter vencido o

confronto135

Sendo os macedocircnios de reconhecida importacircncia nos

primeiros 20 anos subsequentes agrave morte de Alexandre o

questionamento sobre a multiplicaccedilatildeo de suas apariccedilotildees no

relato de Diodoro se faz necessaacuterio Por que razatildeo as

referecircncias a eles aumentaram no periacuteodo de divisatildeo das

chamadas ldquotropas nacionaisrdquo entre os generais de Alexandre

o que forccedilosamente teria reduzido o seu nuacutemero em cada um

dos exeacutercitos que lutavam entre si pela supremacia militar

135 Diod 1930

67

Griffith136 e Launey

137 apresentam explicaccedilotildees idecircnticas

para tal evento Em primeiro lugar dada a impossibilidade

dos nuacutemeros apresentados por Diodoro138

para as tropas

macedocircnicas o ponto de partida se torna a valoraccedilatildeo

teacutecnica adquirida por makedon no seacutecIII aC

especialmente no Egito ou seja o termo deixou de ser ldquouma

garantia de proveniecircncia geograacuteficardquo139 e passou a designar

unicamente um ldquocavaleiro ou soldado de infantaria

pesadamente armados segundo as tradiccedilotildees macedocircnicasrdquo140

Notamos entatildeo a fusatildeo da referecircncia eacutetnica com a

valoraccedilatildeo teacutecnica do termo makedon o que por vezes torna

impossiacutevel a delimitaccedilatildeo dos batalhotildees formados unicamente

por veteranos de Alexandre ou novos macedocircnios exceto

quando os primeiros satildeo mencionados como arguraspides em

contraposiccedilatildeo agravequeles provenientes das satrapias e armados

com equipamento macedocircnico

Outras referecircncias relevantes nos exeacutercitos

heleniacutesticos satildeo os mercenaacuterios gregos propriamente ditos

conhecidos como xenoi os misthophoroi e as tropas

asiaacuteticas ou pantodapoi recrutadas nas proviacutencias e

listadas entre os demais soldados servindo ora como

cavaleiros e arqueiros ora como infantaria de pouca

utilidade se comparada agravequela dos mercenaacuterios gregos

Deve-se observar ainda que estas natildeo satildeo categorias

necessariamente excludentes uma vez que encontramos por

exemplo em Diodoro141

ldquopantodapoi armados com equipamento

macedocircnicordquo o que sugere uma possibilidade dupla de

tratamento Apenas os xenoi se diferenciam claramente dos

misthophoroi ambos podem ser traduzidos como mercenaacuterios

136 Griffith p41 137 Marcel Launey Recherches sur les armeacutees helleacutenistiques Paris

Boccard 1949 2 vols Vol1 Pp290-93 138 Diod 1830 139 Launey opcit p290 140 Launey opcit p293 141 Diod 1914 ldquo[hellip] τοὺς δὲ εἰς τὴν Μακεδονικὴν τάξιν καθωπλισμένους παντοδαποὺς []rdquo

68

mas os primeiros satildeo quase sempre dispostos como infantaria

pesada (na linha de frente) enquanto os uacuteltimos fazem

referecircncia agraves tropas levemente armadas e constituiacutedas por

pantodapoi ou tropas asiaacuteticas com origem eacutetnica bem

definida

Vejamos a organizaccedilatildeo do exeacutercito de Antiacutegono em 317

aC de acordo com Diodoro142 num trecho esclarecedor

quanto agrave temaacutetica em questatildeo

Quanto agrave infantaria mais de nove mil mercenaacuterios [οἱ ξένοι] foram dispostos agrave frente proacuteximo a eles [foram dispostos] trecircs mil liacutecios e panfiacutelios e em seguida

mais de oito mil tropas mistas armadas com equipamento

macedocircnico [παντοδαποὶ δ εἰς τὰ Μακεδονικὰ καθωπλισμένοι] [] Agrave frente dos cavaleiros na ala direita adjacente agrave

falange eram 500 mercenaacuterios de origem mista [μισθοφόροι παντοδαποὶ] []

Haacute dois tipos de mercenaacuterios na passagem acima Os

primeiros em nuacutemero de 9000 eram claramente soldados de

infantaria pesadamente armados hoplitas mercenaacuterios Os

uacuteltimos dispostos como cavaleiros eram tambeacutem tropas

mercenaacuterias mas de uma categoria diferente natildeo soacute por

combaterem a cavalo mas por serem asiaacuteticos Noutras

palavras mercenaacuterios asiaacuteticos satildeo tatildeo mercenaacuterios quanto

os que advecircm da Greacutecia poreacutem a distinccedilatildeo estabelecida pelo

uso dos dois termos deve ser notada ainda que natildeo possamos

mensurar qualquer diferenccedila no tratamento dado a ambos por

parte do empregador

Os pantodapoi satildeo comumente citados por Diodoro como

exposto e em diversos momentos analisados ao longo do

capiacutetulo mas a sua participaccedilatildeo em batalha natildeo tem

destaque na narrativa do historiador siciliano da mesma

142 Diod 1929 ldquoτν δὲ πεζν πρτοι μὲν ἐτάχθησαν οἱ ξένοι πλείους ὄντες τν ἐννακισχιλίων μετὰ δὲ τούτους Λύκιοι καὶ Παμφύλιοι τρισχίλιοι παντοδαποὶ δ εἰς τὰ Μακεδονικὰ καθωπλισμένοι πλείους τν ὀκτακισχιλίων ἐπὶ πᾶσι δὲ Μακεδόνες ο πολὺ ἐλάττους τν ὀκτακισχιλίων []τν δ ἱππέων πρτοι μὲν ἦσαν ἐπὶ τοῦ δεξιοῦ κέρατος συνάπτοντες τῆ φάλαγγι μισθοφόροι παντοδαποὶ πεντακόσιοι []rdquo

69

forma que os mercenaacuterios no relato de Arriano sobre a

campanha de Alexandre As tropas de origem eacutetnica exata

por sua vez natildeo constituiacuteram uma exceccedilatildeo a essa regra a

natildeo ser por apariccedilotildees raacutepidas e escassas mas por vezes

determinantes como no caso dos capadoacutecios143

143 Notadamente no embate entre Eumenes e Craacutetero

70

22 Os elefantes de combate

Tomarei como ponto de partida para a investigaccedilatildeo

detalhada acerca dos elefantes de combate e de seu papel na

arte da guerra heleniacutestica o primeiro embate seacuterio entre os

paquidermes e a infantaria macedocircnica ainda que tal

encontro tenha ocorrido momentos antes do iniacutecio oficial da

eacutepoca heleniacutestica em 323 aC

Na batalha do Hidaspes (326 aC)144 Poro dispocircs seus

elefantes (cerca de 200) agrave frente da infantaria na

primeira linha de combate segundo Arriano145 com

intervalos de aproximados 30 metros (διέχοντα ἐλέφαντα ἐλέφαντος ο

μεῖον πλέθρου) impedindo que a cavalaria de Alexandre

aterrorizada pudesse se aproximar146 A infantaria indiana

(30000) seguia para as alas com tropas montadas

encerrando a formaccedilatildeo (2000) em ambos os flancos Por

uacuteltimo carros de guerra (300) estavam posicionados agrave

frente da cavalaria sendo esta a organizaccedilatildeo geral das

tropas de Poro para a batalha Em contrapartida Alexandre

concentrou a cavalaria (5500) na ala direita onde

normalmente os Companheiros combatiam com a intenccedilatildeo de

forccedilar uma alteraccedilatildeo na formaccedilatildeo da cavalaria indiana

assim como atacaacute-la por completo em sua ala esquerda As

duas iparquias sob o comando de Coeno foram enviadas sobre

a direita inimiga no momento em que esta realizou a

inversatildeo pela qual Alexandre esperava147 Aos soldados da

144 Os elefantes jaacute haviam sido utilizados pelos persas em Gaugamela

(Arr Anab 311 ldquoοἱ δὲ ἐλέφαντες ἔστησαν κατὰ τὴν Δαρείου ἴλην τὴν βασιλικὴν []rdquo mas natildeo despenharam papel relevante na batalha 145 Arr Anab 515 146 Arr Anab 515 ldquoὡς πρὸ πάσης τε τς φάλαγγος τν πεζν παραταθναι ατῶ τοὺς ἐλέφαντας ἐπὶ μετώπου καὶ φόβον πάντῃ παρέχειν τοῖς ἀμφ Ἀλέξανδρον ἱππεῦσινrdquo 147 Arr 516 ldquoΚοῖνον δὲ πέμπει ὡς ἐπὶ τὸ δεξιόν []rdquo Afinal ldquopara a direita de Alexandre ou contra a direita inimigardquo A questatildeo colocada por

Brunt tradutor de Arriano na ediccedilatildeo Loeb destaca uma grande confusatildeo

na interpretaccedilatildeo acerca do posicionamento das tropas em Hidaspes As

palavras iniciais (Κοῖνον δὲ πέμπει ὡς ἐπὶ τὸ δεξιόν) tecircm sido interpretadas na melhor discussatildeo sobre o assunto um artigo de Hamilton de trecircs

formas distintas (1) para a direita de Alexandre (2) em direccedilatildeo agrave

direita indiana como uma ldquofintardquo (3) contra a direita indiana em

forma de ataque Aqui adotei a segunda interpretaccedilatildeo devido agrave maneira

71

infantaria (15000)148

Alexandre ordenou que avanccedilassem

somente quando os cavaleiros indianos fossem postos em

confusatildeo contra seu proacuteprio exeacutercito149 Quanto aos

cavaleiros arqueiros estes foram uacuteteis para o ataque de

longa distacircncia causando baixas na ala esquerda inimiga

um pouco mais ao centro do local que Alexandre pretendia

atacar

Assim que a cavalaria indiana investiu contra os

Companheiros e o regimento de Dahae (recrutado na Aacutesia e

utilizado pela primeira vez no exeacutercito de Alexandre)

Coeno realizou o que lhe fora ordenado e atacou as tropas

montadas de Poro pelo flanco destruindo sua formaccedilatildeo numa

manobra compressora150 provavelmente apoacutes ter acompanhado a

inversatildeo das tropas de Poro Parte dos cavaleiros indianos

entatildeo partiu desordenada em direccedilatildeo aos elefantes

exatamente no momento em que a infantaria macedocircnica

iniciou o seu avanccedilo Segundo Arriano ldquoa proacutepria falange

macedocircnicardquo (ἡ φάλαγξ ατὴ τν Μακεδόνων) arremessou diversos

dardos contra os condutores dos elefantes e ldquoformando um

anel em torno dos animais descarregou dardos por todos os

ladosrdquo151

A partir deste ponto os paquidermes avanccedilaram em

direccedilatildeo agrave infantaria e comeccedilaram a devastar (ἐκεράϊζε) toda a

como a batalha se desenrolou isto eacute o caminho mais provaacutevel para uma

compressatildeo da cavalaria indiana por Alexandre e Coeno era a

perseguiccedilatildeo das tropas indianas durante uma inversatildeo da ala direita

para a esquerda Para uma discussatildeo completa a respeito da formaccedilatildeo

indiana consultar J R Hamilton ldquoThe Cavalry Battle at the

Hydaspesrdquo in JHS 76 27-28 1956 148 Richard D Milns Alexander the Great London Robert Hale 1968

P211 149 Arr Anab 516 150 Arr Anab 517 151 Arr Anab 517 ldquoἔς τε τοὺς ἐπιβάτας ατν ἀκοντίζοντες καὶ ατὰ τὰ θηρία περισταδὸν πάντοθεν βάλλοντεςrdquo Ora a falange natildeo possuiacutea mobilidade

suficiente para executar tal ldquoanelrdquo muito menos os falangistas

carregavam dardos Trata-se evidentemente de um equiacutevoco de Arriano

Cuacutercio (1424) refere-se aos agrianos e traacutecios o que soa mais

provaacutevel ainda que a reconstruccedilatildeo da formaccedilatildeo macedocircnica a partir

desta informaccedilatildeo natildeo seja possiacutevel a menos que se admita apenas que

ambas as tropas levemente armadas estavam dispostas desde o iniacutecio do

embate agrave frente da falange

72

falange Os cavaleiros macedocircnios enquanto isso ocorria

formaram um soacute esquadratildeo e empurraram de volta o restante

da cavalaria indiana contra os elefantes o que ocasionou

uma verdadeira carnificina seja pela morte dos condutores

ou pela simples confusatildeo da situaccedilatildeo Boa parte dos

indianos recuou por entre os elefantes enquanto recebiam

os duros golpes de sua proacutepria maacutequina de guerra152

Alexandre entatildeo ordenou o avanccedilo da falange a qual

deveria adotar a formaccedilatildeo mais compacta possiacutevel Os

indianos jaacute natildeo contavam com sua cavalaria e a infantaria

era incapaz de deter o ataque das tropas montadas de

Alexandre que os cercaram por todos os lados

Como observou Milns a vitoacuteria sobre os indianos no

Hidaspes ldquofoi a uacuteltima grande batalha que Alexandre travou

e diriam alguns historiadores a sua melhorrdquo153 De fato

Alexandre reverteu o impacto ndash ou parte dele ndash causado pela

melhor arma do exeacutercito indiano o elefante Contudo

existe outra questatildeo que natildeo tem relaccedilatildeo direta com o

gecircnio militar do rei macedocircnio mas sim com a emergecircncia

desta nova ldquomaacutequina de guerrardquo como integrante (e por vezes

siacutembolo) dos exeacutercitos heleniacutesticos

De um lado a batalha do Hidaspes ilustra como o

ineditismo no combate aos elefantes (por parte dos

ocidentais) provocou um terriacutevel efeito psicoloacutegico nos

macedocircnios especialmente nos anos que se seguiram agrave

batalha De outro mostra que a emergecircncia do elefante na

guerra heleniacutestica foi acompanhada de um paradoxo advindo

do uso de uma arma poderosa mas incapaz de distinguir

aliados de inimigos aleacutem de ser bastante complicada do

ponto de vista logiacutestico

Noutras palavras considerar os fracassos e sucessos

dos elefantes em campos de batalha heleniacutesticos deve partir

152 Arr Anab 517 153 Milns opcit p215

73

de uma premissa baacutesica bem ou mal-sucedidos nos

confrontos os paquidermes constituiacuteram um ldquopesadelo

administrativordquo o que coloca as condiccedilotildees necessaacuterias ao

seu uso de um lado da balanccedila e os resultados obtidos caso

tais condiccedilotildees pudessem ser alcanccediladas do outro

Problemas relativos ao atraso da marcha do exeacutercito devido

agrave lentidatildeo dos elefantes devem ter sido uma constante no

rol dos inconvenientes quanto ao abastecimento das tropas

antigas Diodoro nos fornece um importante relato sobre

essa questatildeo quando menciona o afastamento dos paquidermes

em relaccedilatildeo aos demais homens de Eumenes o que resultou na

sua vulnerabilidade154 e consequumlente enfraquecimento parcial

do exeacutercito Fica evidente que natildeo fosse a manobra

executada pelo comandante dos elefantes que liderou os

paquidermes ldquoem quadradordquo (οἱ τν ἐλεφάντων ἡγεμόνες τάξαντες εἰς

πλινθίον τὰ θηρία προγον) dispondo o suprimento no centro da

formaccedilatildeo e o pequeno nuacutemero de cavaleiros que os

acompanhava na retaguarda155

os retardataacuterios teriam sido

todos facilmente aniquilados pela investida de Antiacutegono

Por uacuteltimo haacute ainda que se destacar as diferenccedilas

entre os elefantes africanos e indianos quanto aos seus

usos militares Durante bastante tempo acreditou-se que os

elefantes africanos eram inferiores aos indianos afirmaccedilatildeo

originada no relato de Cteacutesias em sua obra sobre uma Iacutendia

exoacutetica e de fartura156 O criteacuterio adotado por ele (e

reproduzido por diversos autores antigos) foi unicamente a

produccedilatildeo de alimentos o que insatisfatoriamente resume o

problema a uma uacutenica sentenccedila os africanos eram menores

porque viviam numa regiatildeo onde a comida era escassa isto

eacute o deserto Tal comparaccedilatildeo encontra eco em Poliacutebio157

154 Diod 1939 [] ldquoτοὺς δ ἐλέφαντας μέλλειν ἀναζευγνύειν ἐκ τς χειμασίας καὶ πλησίον εἶναι μεμονωμένους πάσης βοηθείας []rdquo 155 Diod 1939 156 FrGH 688 F9 157 Polib 584 ldquoτὰ δὲ πλεῖστα τν τοῦ Πτολεμαίου θηρίων ἀπεδειλία τὴν μάχην ὅπερ ἔθος ἐστὶ ποιεῖν τοῖς Λιβυκοῖς ἐλέφασι τὴν γὰρ ὀσμὴν καὶ φωνὴν ο μένουσιν ἀλλὰ καὶ

74

[] a maior parte dos elefantes de Ptolomeu evitou o

combate como normalmente ocorre com os elefantes

africanos pois sendo incapazes de suportar o odor e o

grito dos elefantes indianos e aterrorizados penso

eu com a estatura e a forccedila [τὸ μέγεθος καὶ τὴν δύναμιν] dos mesmos eles voltam-lhes as costas imediatamente e

potildeem-se em fuga antes de sua aproximaccedilatildeo

Em 1926 Tarn apresentou uma questatildeo fundamental com

relaccedilatildeo agraves diferenccedilas entre os elefantes africanos e

indianos o que dificultou a repeticcedilatildeo do argumento pouco

fundamentado de Cteacutesias Filologicamente bem amparado Tarn

sustentou que tais autores nada sabiam sobre os elefantes

mas o seu heroacutei Alexandre havia empregado o elefante

indiano158 Natildeo existe nada definitivamente aleacutem da

tradiccedilatildeo literaacuteria originada da observaccedilatildeo pouco criteriosa

de Cteacutesias que possa sustentar a superioridade dos

elefantes indianos diante dos africanos em campo de

batalha

Vindos da Iacutendia ou recrutados na Aacutefrica os elefantes

mostraram-se decisivos nos campos de batalha heleniacutesticos

como veremos no item 33 e no capiacutetulo 4 Encontrados

terreno plano condiccedilotildees excelentes de abastecimento e

clima e um inimigo cuja forccedila primaacuteria fosse composta por

infantaria pesada disposta em formaccedilatildeo cerrada os

elefantes constituiacuteam uma das mais eficientes ndash senatildeo a

mais eficiente ndash arma empregada pelos comandantes

heleniacutesticos notadamente nas raras batalhas decisivas do

periacuteodo

καταπεπληγμένοι τὸ μέγεθος καὶ τὴν δύναμιν ὥς γ ἐμοὶ δοκεῖ φεύγουσιν εθέως ἐξ ἀποστήματος τοὺς Ἰνδικοὺς ἐλέφανταςrdquo Cf Diod 216 e 235 158 William W Tarn ldquoPolybius and a literary commonplacerdquo in CQ 20

98-100 1926 P100

75

3 As Guerras dos Diaacutedocos

31 Eumenes versus Craacutetero

No ano de 321 aC durante a realizaccedilatildeo da campanha de

Perdicas no Egito Eumenes fora enviado ao Helesponto por

Perdicas para evitar o avanccedilo de Craacutetero e Antiacutepatro159 Uma

das primeiras medidas do comandante grego foi o

recrutamento de um grande corpo de tropas montadas de sua

proacutepria satrapia isto eacute a Capadoacutecia Apoiado por Alcetas

submetido ao seu comando por ordem de Perdicas contava jaacute

com certo nuacutemero de macedocircnios insuficientes para a

ocasiatildeo os quais haviam sido incorporados apoacutes a vitoacuteria

sobre o exeacutercito de Neoptolemos160

De acordo com Diodoro161

ao saber do avanccedilo do exeacutercito

inimigo Eumenes coletou suas forccedilas particularmente sua

cavalaria de todos os lados (ἤθροισε πανταχόθεν τὰς δυνάμεις καὶ

μάλιστα τὴν ἱππικήν) Em relaccedilatildeo agrave infantaria sobre a qual natildeo

depositava muita esperanccedila contava com 20000 homens de

todas as raccedilas (παντοδαποὺς τοῖς γένεσιν) perfazendo um total de

25000 homens se somada a cavalaria adquirida Contra o

seu exeacutercito Craacutetero contava com macedocircnios conhecidos por

sua coragem (οἱ Μακεδόνες διαβεβοημένοι ταῖς ἀνδραγαθίαις) e dois mil

cavaleiros como auxiliares

Apoacutes a narraccedilatildeo de um duelo entre os comandantes

Diodoro menciona a derrota da cavalaria de Craacutetero sendo

que ao constatar a morte de ambos os liacutederes macedocircnios

Eumenes ordenou a retirada de seu exeacutercito privando-se do

aniquilamento completo do inimigo em prol da negociaccedilatildeo

cujo objetivo era a incorporaccedilatildeo da infantaria derrotada

Nas palavras do historiador siciliano

159 Diod 1829 160 Diod 1829 Arr FGrH 1569 Justino 138 Plutarco Eumenes 47 161 Diod 1830

76

Erigido o monumento que registrou a derrota do inimigo

[τρόπαιον] e feitos os ritos fuacutenebres [Eumenes] enviou agrave falange que havia se mostrado inferior [πρὸς τὴν τν ἡττημένων φάλαγγα] um convite de incorporaccedilatildeo agraves suas

tropas dando-lhes tambeacutem permissatildeo para recuar aos

lugares que desejassem

Este caso esclarece desde o iniacutecio a distinccedilatildeo entre

as tropas macedocircnias ldquoconhecidas por sua coragemrdquo e os

demais soldados de infantaria ldquohomens de todas as raccedilasrdquo

No entanto apoacutes a vitoacuteria sobre o exeacutercito inimigo

Eumenes abertamente escolhe negociar a incorporaccedilatildeo das

tropas inimigas honrando os mortos em combate ao inveacutes de

completar a manobra de envolvimento e provocar o

aniquilamento completo da falange a qual havia se mostrado

inferior em batalha Note-se que a taacutetica continuou a ser a

mesma empregada nos tempos de Alexandre mas a profusatildeo do

serviccedilo mercenaacuterio fez com que a praacutetica da incorporaccedilatildeo de

tropas profissionais fosse preferiacutevel ao aniquilamento do

inimigo Aleacutem disso natildeo haacute sequer uma menccedilatildeo de tratamento

diferenciado para as tropas macedocircnias por excelecircncia se

as considerarmos legitimamente macedocircnias em relaccedilatildeo agrave

infantaria asiaacutetica de Eumenes Eram mercenaacuterias como as

demais ainda que natildeo fique claro o pagamento ou tempo de

serviccedilo

Em seguida Eumenes voltou-se contra Antiacutegono

77

32 Antiacutegono versus Eumenes

Em seu primeiro confronto com Eumenes Antiacutegono

utilizando-se de um estratagema abriu matildeo inicialmente

de uma decisatildeo travada ao modelo alexandrino e decidiu

subornar certo Apolonides comandante da cavalaria de

Eumenes fazendo com que ele se tornasse um traidor e

desertasse em meio agrave batalha (ἔπεισε προδότην γενέσθαι καὶ κατὰ τὴν

μάχην ατομολσαι)162

Nesta ocasiatildeo entretanto notamos uma situaccedilatildeo

paradoxal quanto ao comportamento do comandante

heleniacutestico Na situaccedilatildeo anterior Eumenes optou por

incorporar as tropas inimigas ainda que sem sucesso ao

inveacutes de prosseguir com a manobra de envolvimento e

aniquilamento de boa parte do exeacutercito de Craacutetero Um ano

depois em 320 aC Antiacutegono apoacutes ter subornado o

comandante de cavalaria de Eumenes tendo a infantaria em

suas matildeos optou por concluir a manobra e aniquilar cerca

de 8000 inimigos Nas palavras de Diodoro

Quando a batalha se tornou violenta e Apolonides

desertou inesperadamente com sua cavalaria Antiacutegono

ganhou o dia e aniquilou cerca de 8000 inimigos Ele

tambeacutem se apoderou de todo o suprimento de modo que os

soldados de Eumenes ficaram abatidos pela derrota e sem

esperanccedila devido agrave perda de seus suprimentos163

Em momento algum Diodoro menciona o interesse de

Antiacutegono em incorporar as tropas de Eumenes durante a

batalha com exceccedilatildeo da cavalaria a qual havia previamente

subornado No entanto logo apoacutes relatar o refuacutegio do

comandante grego num forte armecircnio o que lhe foi garantido

162 Diod 1840 163 Diod 1840 ldquoγενομένης δὲ μάχης ἰσχυρᾶς καὶ τοῦ Ἀπολλωνίδου μετὰ τν περὶ ατὸν ἱππέων ποιήσαντος ἀλόγως ἀπὸ τν ἰδίων διάστασιν ἐνίκησεν ὁ Ἀντίγονος καὶ ἀνεῖλεν τν ἐναντίων εἰς ὀκτακισχιλίους ἐκυρίευσε δὲ καὶ τς ἀποσκευς ἁπάσης ὥστε τοὺς περὶ τὸν Εμεν στρατιώτας διὰ μὲν τὴν ἧτταν καταπλαγναι διὰ δὲ τὴν ἀπώλειαν τς ἀποσκευς ἀθυμσαιrdquo Nesta citaccedilatildeo com exceccedilatildeo de ἰσχυρᾶς traduzido aqui como ldquoviolentordquo seguindo o LSJ (ἰσχυρός) optei por utilizar a traduccedilatildeo de Geer

78

por uma alianccedila com os nativos o historiador siciliano faz

referecircncia agrave contrataccedilatildeo por parte de Antiacutegono dos homens

os quais haviam servido Eumenes Seguindo o exemplo

anterior a compreensatildeo da guerra como ofiacutecio serviu de

paracircmetro para a composiccedilatildeo de grandes exeacutercitos o

trampolim a partir do qual generais aspiravam agraves grandes

coisas exatamente como no caso de Antiacutegono Ao tornar-se

senhor de todas as posses que antes pertenciam a Eumenes

das quais se destacava o grande exeacutercito as ambiccedilotildees

poliacuteticas de Antiacutegono ganharam nova face

No momento em que Antiacutegono tomou para si a forccedila

militar de Eumenes tornou-se senhor das suas satrapias

e das suas propriedades levantou grande soma de

dinheiro e aspirou agraves grandes coisas [μειζόνων πραγμάτων ὠρέγετο] Nenhum comandante em toda a Aacutesia possuiacutea forccedila militar suficiente para lutar pela supremacia

164

O comando de um grande exeacutercito era sem duacutevida o

motor da basileia e um dos maiores estiacutemulos agrave realizaccedilatildeo

de campanhas militares e conquista de territoacuterios

A incorporaccedilatildeo das tropas natildeo era contudo o uacutenico

objetivo dos generais cujo pensamento encontrava-se marcado

pela condiccedilatildeo mercenaacuteria Historiadores tambeacutem entravam no

jogo mesmo que tivessem servido num primeiro momento ao

seu inimigo Note-se por exemplo na esteira do contexto

em destaque que Antiacutegono iraacute contratar os serviccedilos de

Hierocircnimo o historiador logo apoacutes a vitoacuteria sobre Eumenes

na Capadoacutecia tendo em seguida o enviado como mensageiro a

Eumenes exortando o uacuteltimo a esquecer a derradeira batalha

e a se tornar seu amigo e aliado165

Com a mudanccedila na poliacutetica externa adotada por Antiacutegono

levada a cabo a partir da aquisiccedilatildeo dos espoacutelios

164 Diod 1841 ldquoἈντίγονος δὲ παραλαβὼν τὴν μετ Εμενοῦς δύναμιν καὶ τν σατραπειν καὶ τν ἐν ταύταις προσόδων κύριος γενόμενος ἔτι δὲ παραλαβὼν πλθος χρημάτων μειζόνων πραγμάτων ὠρέγετο οκέτι γὰρ οδεὶς τν κατὰ τὴν Ἀσίαν ἡγεμόνων ἀξιόμαχον εἶχε δύναμιν διαγωνίσασθαι πρὸς ατὸν περὶ τν πρωτείωνrdquo 165 Diod 1850

79

provenientes da vitoacuteria sobre Eumenes o general macedocircnico

tratou de ir ao encontro de Alcetas irmatildeo de Perdicas

destruindo-o completamente Segundo Diodoro166

Antiacutegono

liderou 6000 cavaleiros numa carga violenta contra a

falange inimiga no intuito de cortar a linha de retirada de

Alcetas Em seguida os elefantes foram enviados

frontalmente contra a falange ao mesmo tempo em que os

cavaleiros envolveram o inimigo por todos os lados tendo a

infantaria permanecido somente como forccedila de apoio

Diodoro natildeo nos informa sobre a proveniecircncia eacutetnica da

cavalaria de Antiacutegono mas note que haacute pouco ele contava

com 2000 cavaleiros e rapidamente passou para cerca de

6000 um forte indiacutecio de que a renovaccedilatildeo de suas forccedilas

montadas foi liderada por capadoacutecios Em primeiro lugar

talvez esta seja a constataccedilatildeo mais oacutebvia mas ainda assim

digna de ser mencionada Antiacutegono marchou com sua forccedila

militar da Capadoacutecia para a Pisiacutedia (μετὰ [] ἐκ Καππαδοκίας

προγεν ἐπὶ τὴν Πισιδικήν)

Em segundo lugar sua cavalaria triplicou desde o

momento anterior agrave batalha contra Eumenes ocorrida havia

menos de um ano Uma vez na Capadoacutecia dado o curto tempo

para a ampliaccedilatildeo das suas forccedilas montadas e a

disponibilidade de recrutamento de cavaleiros pesadamente

armados na regiatildeo outra explicaccedilatildeo natildeo parece possiacutevel

Logo apoacutes a vitoacuteria sobre Alcetas Antiacutegono obteve a

rendiccedilatildeo de todo o resto do exeacutercito inimigo por negociaccedilatildeo

e o alistou em suas proacuteprias fileiras167 agregando

consideraacutevel forccedila ao seu poderio beacutelico

Ainda que a manobra de envolvimento fosse como neste

caso realizada ateacute o momento em que o inimigo batesse

desesperadamente em retirada a porccedilatildeo do exeacutercito que

166 Diod 1844 167 Diod 1845 ldquoὁ δ Ἀντίγονος τούτους μὲν καθ ὁμολογίαν παραλαβὼν τοὺς λοιποὺς εἰς τὰ ἴδια τάγματα κατέταξε []rdquo

80

pudesse ser submetida com vida e incorporada por negociaccedilatildeo

era sempre bem recebida aleacutem de se mostrar crucial na

estruturaccedilatildeo de trajetoacuterias poliacuteticas pautadas na conquista

militar

Na sequumlecircncia dos acontecimentos168 Eumenes jaacute na Aacutesia

Menor enviou cartas aos saacutetrapas do norte solicitando o

seu apoio em nome dos reis Basicamente as duas partes

deveriam se encontrar em Susa mas Fiacuteton a esta altura

saacutetrapa da Meacutedia obteve tambeacutem o controle das satrapias do

norte ordenando a morte de Filotas e substituindo o mesmo

por Eudamus seu irmatildeo Apoacutes travar batalha com o exeacutercito

dos saacutetrapas do sul Fiacuteton concentrou seu exeacutercito num soacute

lugar aguardando o apoio de Seleuco motivo pelo qual

Eumenes encontrou todas as tropas reunidas quando da sua

chegada a Susianecirc

De acordo com Diodoro169

as tropas que se juntaram a

Eumenes foram (1) 10000 arqueiros e fundibulaacuterios persas

3000 pantodapoi armados como macedocircnios (τοὺς δὲ εἰς τὴν

Μακεδονικὴν τάξιν καθωπλισμένους παντοδαποὺς) 600 cavaleiros gregos

e traacutecios e mais de 400 cavaleiros persas todos vindos

sob comando de Peucestes um dos antigos soldados da elite

de Alexandre (2) 1500 pezoi e 700 cavaleiros liderados

por Tlepolemus o macedocircnio feito saacutetrapa da Carmacircnia (3)

1000 pezoi e 610 cavaleiros trazidos por Sibyrtius

comandante da Arachosia (4) 1200 pezoi e 400 cavaleiros

despachados por Oxyartes (5) 1500 pezoi e 1000

cavaleiros vindos com Stasander e (6) 500 cavaleiros 300

pezoi e 120 elefantes todos trazidos por Eudamo Somados a

estes 18500 soldados de infantaria e 4210 cavaleiros

Geer170

lembra que devemos acrescentar as forccedilas trazidas

por Amfiacutemaco da Mesopotacircmia apresentado na batalha de

168 Diod 1913 169 Diod 1914 170 Russel M Geer tradutor de Diodoro na ediccedilatildeo da LOEB p 269

81

Gabienecirc171 com seus 600 cavaleiros e talvez alguma

infantaria natildeo mencionada

Antiacutegono em contrapartida recebeu tropas de Seleuco e

Fiacuteton nomeando Seleuco saacutetrapa de Susa e ordenando que

este conquistasse a cidade jaacute que Xenofilos o tesoureiro

se recusava a aceitar suas ordens172 Ao cruzar a Meacutedia por

um caminho alternativo agravequele que havia sido bloqueado por

Eumenes Antiacutegono ordenou a Fiacuteton que recrutasse quantos

cavaleiros e cavalos de guerra fosse possiacutevel assim como

animais de carga Ao retornar de sua missatildeo com cerca de

2000 cavaleiros 1000 cavalos 500 talentos do tesouro

real e uma quantia de mulas suficientes para todo o

exeacutercito173

Fiacutethon deu a Antiacutegono a chance de reerguer o

moral das tropas aleacutem de reforccedilar consideravelmente a

cavalaria de seu exeacutercito No total Antiacutegono contava com

28000 pezoi 8000 cavaleiros e 65 elefantes

Apoacutes o desentendimento entre Eumenes apoiado por

Antigenes e os saacutetrapas ansiosos para retornar aos seus

assuntos pessoais174

o general grego optou por atender agraves

vontades dos saacutetrapas temendo perder seu valioso apoio

Apoacutes dias de marcha rumo a Perseacutepolis ambos os exeacutercitos

inimigos acamparam a curta distacircncia e iniciaram os

preparativos para a batalha Antiacutegono entretanto procurou

subornar parte das tropas inimigas como nos relata

Diodoro175

No quinto dia Antiacutegono enviou mensageiros aos saacutetrapas

e aos macedocircnios instigando-os a natildeo obedecer Eumenes

e a confiar apenas no proacuteprio Antiacutegono Disse aos

171 Diod 1927 172 Diod 1918 173 Diod 1920 174 Diod1921 175 Diod 1925 ldquo[]τῆ πέμπτῃ δ Ἀντίγονος πρεσβευτὰς ἐξαπέστειλε πρός τε τοὺς σατράπας καὶ τοὺς Μακεδόνας ἀξιν Εμενεῖ μὲν μὴ προσέχειν ἑαυτῶ δὲ πιστεύειν συγχωρήσειν γὰρ ἔφη τοῖς μὲν σατράπαις ἔχειν τὰς ἰδίας σατραπείας τν δὲ ἄλλων τοῖς μὲν χώραν πολλὴν δώσειν τοὺς δὲ εἰς τὰς πατρίδας ἀποστελεῖν μετὰ τιμς καὶ δωρεν τοὺς δὲ στρατεύεσθαι βουλομένους διανεμεῖν εἰς τὰς ἑκάστῳ καθηκούσας τάξειςrdquo

82

saacutetrapas que permitiria a manutenccedilatildeo de suas proacuteprias

satrapias e aos macedocircnios que daria uma grande

extensatildeo de terra a alguns que enviaria os outros de

volta para casa com honra e presentes e que designaria

postos agravequeles que desejassem servir em seu exeacutercito

[τοὺς δὲ στρατεύεσθαι βουλομένους διανεμεῖν εἰς τὰς ἑκάστῳ καθηκούσας τάξεις]

Tendo fracassado em sua tentativa de incorporaccedilatildeo das

tropas inimigas antes mesmo da batalha Antiacutegono findou por

enfrentar Eumenes numa ocasiatildeo decisiva conhecida como

batalha de Paraitacene (317 aC)

Iniciada a batalha vendo que sua ala direita estava

sendo esmagada pelos cavaleiros arqueiros de Antiacutegono

(graccedilas agraves taacuteticas de ciacuterculo cujo objetivo era o ataque

aos flancos pelo uso dos arcos176) Eumenes ordenou o apoio

de sua ala esquerda comandada por Eudamo Apoacutes o movimento

de flanqueamento executado por soldados ligeiros e pela

parte mais levemente armada de sua cavalaria (τὴν ὅλην τάξιν τοῖς

μὲν ψιλοῖς καὶ τοῖς ἐλαφροτάτοις τν ἱππέων) conseguiu derrotar a ala

direita de Antiacutegono comandada por Fiacutethon

Em seguida apoacutes consideraacutevel tempo de combate entre as

falanges os homens de Eumenes venceram devido agrave

experiecircncia dos arguraspides de modo que muitos dos

oficiais de Antiacutegono apoacutes a derrota de sua ala esquerda e

de toda a sua falange aconselharam a batida em retirada

Antiacutegono no entanto ao ver que a infantaria inimiga havia

avanccedilado vitoriosamente em direccedilatildeo agrave sua no intuito de

persegui-la ateacute proacuteximo aos montes e que a ala de Eudamo

natildeo esperava por um ataque desferiu um violento golpe

contra a ala esquerda de seu inimigo recobrando com isso o

moral e as condiccedilotildees combativas de sua infantaria

aparentemente derrotada Assim nos relata Diodoro177

176 Diod 1930 ldquo[] περιιππεύσαντες δὲ τὸ κέρας καὶ πλαγίοις ἐμβαλόντες πυκνοῖς τοῖς βέλεσι κατετίτρωσκον []rdquo 177 Diod 1930 ldquoταχὺ δὲ διὰ τὸ παράδοξον τρεψάμενος τοὺς ἐναντίους καὶ πολλοὺς ἀνελὼν διαπέστειλε τν ἱππέων τοὺς ἐλαφροτάτους καὶ διὰ τούτων ἀνεκαλέσατο τοὺς φεύγοντας καὶ παρὰ τὴν πωρίαν πάλιν εἰς τάξιν κατέστησενrdquo

83

Uma vez que seu ataque foi inesperado ele [Antiacutegono]

rapidamente derrotou aqueles que o enfrentaram

destruindo muitos deles Entatildeo enviou os mais raacutepidos

de seus cavaleiros e por meio deles reuniu os soldados

que haviam batido em retirada alinhando-os mais uma

vez ao peacute dos montes

Como os soldados encontravam-se todos exaustos a

batalha prosseguiu durante o tempo necessaacuterio para a

certeza de sua indefiniccedilatildeo Embora o resultado natildeo tenha

sido claro Antiacutegono usou de sua legitimidade como

comandante e forccedilou acampamento proacuteximo a batalha

relativamente distante das bagagens O motivo para este ato

era simples para os gregos aquele que detinha o controle

dos ritos fuacutenebres assim que encerrada a peleja possuiacutea o

direito de declarar-se vitorioso178

Em seguida Eumenes dirigiu suas tropas para Gabenecirc

com excelentes condiccedilotildees de abastecimento179

enquanto

Antiacutegono conduziu seu exeacutercito atraveacutes do deserto proacuteximo a

Gadamala180

Alguns dias apoacutes o ataque parcialmente

frustrado aos elefantes de Eumenes atrasados se comparados

ao restante das tropas ambos os exeacutercitos fizeram frente

um ao outro em Gabenecirc

Tendo disposto seus homens da maneira que consideravam

mais eficiente os generais deram iniacutecio ao confronto

sendo que Antiacutegono e Demeacutetrio posicionados na ala direita

desferiram um ataque agrave cavalaria de Eumenes que a esta

altura lhes fazia frente Antes do embate entretanto

Peucestes saacutetrapa da Peacutersia esquivou-se da batalha e

deixou Eumenes somente com parte de sua cavalaria181

Por

consequumlecircncia Eumenes natildeo suportou o choque com a cavalaria

inimiga a qual rodeou o corpo de infantaria e investiu

178 Diod 1931 ldquo[Antiacutegono] ἠμφισβήτει τς νίκης ἀποφαινόμενος προτερεῖν ἐν ταῖς μάχαις τὸ τν πεσόντων κυριεῦσαιrdquo Outros exemplos segundo Geer satildeo

encontrados em Xen Hel 75 e Justino 66 179 Diod 1934 180 Diod 1937 181 Diod1942

84

contra a cavalaria na outra ala completando um semiciacuterculo

pela retaguarda inimiga

Embora as manobras acima detalhadas tenham sido de

grande importacircncia no desenrolar da batalha a participaccedilatildeo

crucial se deu com os tarentinos e medos enviados com a

missatildeo de capturar os suprimentos inimigos aproveitando-se

da pouca visibilidade provocada pela poeira do terreno A

partir deste movimento Eumenes parcialmente derrotado se

viu forccedilado a recuar e contra atacar a investida sorrateira

dos tarentinos e medos enquanto Antiacutegono soube aproveitar

o momento de vulnerabilidade dos arguraspides sem a

proteccedilatildeo dos flancos e ordenou a investida da cavalaria de

Fiacutethon182

Os resultados da batalha natildeo foram nada agradaacuteveis para

os homens de Eumenes que tiveram seus suprimentos filhos

mulheres e muitos outros parentes capturados pelo inimigo

Com isso Antiacutegono exterminou completamente o espiacuterito

combativo dos macedocircnios induzindo um comportamento

tipicamente heleniacutestico no lugar do extermiacutenio dos refeacutens

e inimigos derrotados (mas preservados em suas habilidades

de combate) o general optou por alistaacute-los

[] os macedocircnios secretamente iniciaram negociaccedilotildees

com Antiacutegono capturando e entregando Eumenes

recobrando seus suprimentos e apoacutes receberem promessas

alistaram-se no exeacutercito acampado [καὶ πίστεις λαβόντες κατετάχθησαν εἰς τὸ στρατόπεδον]183

Agora que Antiacutegono havia se tornado o mais poderoso dos

Diaacutedocos os seus rivais passaram a temer a consolidaccedilatildeo de

seu poder supremo abalado apenas por pequenas revoltas

182 Diod 1943 183 Diod 1943 [hellip] οἱ Μακεδόνες λάθρᾳ διαπρεσβευσάμενοι πρὸς Ἀντίγονον τὸν μὲν Εμεν συναρπάσαντες παρέδωκαν τὰς δ ἀποσκευὰς κομισάμενοι καὶ πίστεις λαβόντες κατετάχθησαν εἰς τὸ στρατόπεδον

85

locais como a insurreiccedilatildeo fracassada liderada por Fiacutethon

na Meacutedia184

Encerrada as operaccedilotildees de Cassandro no Peloponeso e

apoacutes a fuga de Seleuco para o Egito185 a resposta imediata

agrave transformaccedilatildeo no cenaacuterio poliacutetico heleniacutestico causada

pela emergecircncia de Antiacutegono como autoridade predominante na

lideranccedila dos exeacutercitos se deu com a alianccedila de Ptolomeu

Seleuco Cassandro e Lisiacutemaco

184 Diod 1946-48 185 Diod 1953 e Diod 1954 respectivamente

86

33 Antiacutegono versus Ptolomeu Seleuco Cassandro e

Lisiacutemaco

Assim que chegou ao Egito Seleuco tratou de convencer

Ptolomeu do risco que era deixar Antiacutegono ampliar suas

forccedilas sua arrogacircncia e suas ambiccedilotildees ao trono

macedocircnico186

Seleuco natildeo somente conseguiu estabelecer uma

alianccedila com o senhor do Egito mas tambeacutem alguns de seus

amigos obtiveram sucesso na cooptaccedilatildeo de Cassandro e

Lisiacutemaco Com isso apoacutes recusar a abordagem diplomaacutetica de

Antiacutegono que enviou mensageiros com o intuito de reforccedilar

sua amizade com os generais macedocircnicos em eacutepoca de crise

Ptolomeu Lisiacutemaco e Cassandro exigiram de Antiacutegono (1) a

entrega da Capadoacutecia e da Liacutecia a Cassandro (2) da Friacutegia

a Lisiacutemaco (3) de toda a Siacuteria a Ptolomeu e (4) da

Babilocircnia a Seleuco sem mencionar a partilha dos tesouros

conquistados com a vitoacuteria sobre Eumenes187

Daiacute por diante uma seacuterie de embates subsequumlentes agrave

formalizaccedilatildeo do desentendimento dos Diaacutedocos dominaraacute a

cena poliacutetica pelos proacuteximos 15 anos e uma narrativa de

todos os pormenores do conflito natildeo seria eficaz na

apresentaccedilatildeo dos argumentos que estou a desenvolver neste

capiacutetulo Portanto tratarei da batalha de Ipso por ser

suficientemente documentada188

(se levarmos em consideraccedilatildeo

que as demais batalhas nos chegaram apenas em pouquiacutessimos

detalhes) e possibilitar interpretaccedilotildees razoavelmente

seguras sobre a arte da guerra heleniacutestica no tempo dos

Diaacutedocos

De acordo com Plutarco189 Demeacutetrio contava com mais de

70000 soldados de infantaria 10000 cavaleiros e 75

elefantes enquanto seus adversaacuterios haviam trazido cerca

186 Diod 1956 187 Diod 19 57 188 A principal fonte eacute Plut Dem 28-30 que provavelmente seguiu

Hierocircnimo de Caacuterdia 189 Plut Dem 28

87

de 65000 soldados de infantaria 10500 cavaleiros 120

carros de guerra e 400 elefantes

Tatildeo logo os exeacutercitos iniciaram a peleja Demeacutetrio

avanccedilou em direccedilatildeo a Antiacuteoco filho de Ptolomeu e ao

derrotaacute-lo facilmente e iniciar uma perseguiccedilatildeo para longe

do campo de batalha levou consigo a melhor e maior porccedilatildeo

da cavalaria (τοὺς πλείστους καὶ κρατίστους τν ἱππέων) do exeacutercito de

Antiacutegono Ao observar que a falange inimiga estava

desprotegida num dos flancos Seleuco ldquoos manteve em medo

de ataquerdquo rodeando os inimigos em ato ameaccedilador fazendo

com que muitos deles viessem a ele por sua proacutepria vontade

e com que os demais batessem em retirada190 Por fim

enquanto Antiacutegono aguardava pelo retorno de seu filho

impossibilitado de voltar ao combate devido ao avanccedilo

frontal dos elefantes inimigos (contra os 75 elefantes de

Antiacutegono e em seguida contra a proacutepria infantaria do

rei) sendo esta uma manobra que lanccedilava os paquidermes no

caminho de Demeacutetrio uma saraivada de projeacuteteis o atingiu

pondo fim a sua vida

Demeacutetrio ainda tentou com seus 5000 soldados de

infantaria e 4000 cavaleiros restantes da batalha

resistir em Atenas onde possuiacutea embarcaccedilotildees e recursos

diversos mas no caminho fora avisado por um mensageiro de

que os cidadatildeos de Atenas decidiram natildeo receber nenhum dos

reis

A batalha de Ipso provavelmente representou uma

tentativa de transformaccedilatildeo das funccedilotildees da cavalaria algo

ineacutedito na guerra heleniacutestica Certamente por influecircncia da

guerra encaminhada na porccedilatildeo mais oriental do impeacuterio

Seleuco tentou fazer com que os elefantes desferissem o

ataque principal enquanto a cavalaria comandada por seu

filho Antiacuteoco forccedilava uma retirada de Demeacutetrio Mas quais

190 Plut Dem 29

88

seriam no confronto que pocircs fim agrave hegemonia de Antiacutegono

as vantagens conferidas a Seleuco pelo uso dos elefantes

A primeira delas estava fixada pelo nuacutemero de elefantes

(400 no total contra apenas 75 de Antiacutegono) Seleuco

sabendo disso os fez avanccedilar frontalmente contra o corpo

principal do exeacutercito antigocircnida provavelmente ordenando

que seu filho Antiacuteoco batesse em retirada e levasse

consigo a maior e melhor parte da cavalaria inimiga sob o

comando de Demeacutetrio Ainda que Plutarco natildeo mencione tal

manobra por parte de Antiacuteoco afirmando pelo contraacuterio

que as tropas montadas antigocircnidas o haviam derrotado natildeo

parece provaacutevel que a cavalaria de Seleuco fugiria do campo

de batalha tatildeo rapidamente ou que Demeacutetrio a perseguiria

ateacute a batalha ser encerrada (a menos que a fuga de Antiacuteoco

fosse parte de um plano)

Tarn191 argumentou sobre esta possibilidade na deacutecada de

1930 salientando que iniciada a perseguiccedilatildeo da cavalaria

de Seleuco se Demeacutetrio desistisse cedo demais a cavalaria

inimiga poderia simplesmente retornar e atacar sua

retaguarda mas por outro lado se a perseguiccedilatildeo levasse

muito tempo a batalha central se tornaria

definitivamente um palco imaginaacuterio Aceita esta hipoacutetese

conclui-se que Seleuco pocircde desferir seu ataque principal

com os elefantes ao centro e com a cavalaria na ala inimiga

desprotegida enquanto Demeacutetrio ficou impossibilitado de

dar qualquer suporte a Antiacutegono devido ao sucesso da

possiacutevel manobra de Antiacuteoco uma vez que o avanccedilo dos

elefantes havia inviabilizado o caminho para as operaccedilotildees

de auxiacutelio

191 Tarn opcit p69

89

CAPIacuteTULO 3 ndash PODER MONAacuteRQUICO E ARTE DA GUERRA NA

MAGNA GREacuteCIA E NA SICIacuteLIA HELENIacuteSTICA

1 Agaacutetocles e a introduccedilatildeo da basileia

heleniacutestica

Diodoro nos relata que Agaacutetocles ldquoao saber que os

referidos priacutencipes tinham assumido o diadema e por natildeo se

considerar inferior a eles em poder territoacuterio e feitos

designou-se reirdquo192 Esta natildeo era uma monarquia siciliana

como as anteriores aleacutem do desejo de se igualar em poder

aos monarcas heleniacutesticos e de assumir caracteriacutesticas de

um ldquonovordquo tipo de realeza como veremos a seguir Agaacutetocles

mantinha com alguns dos Diaacutedocos relaccedilotildees diplomaacuteticas as

quais frequumlentemente ilustravam um posicionamento muito

semelhante agravequeles adotados pelos Sucessores de Alexandre

quanto ao direito de conquista amplamente baseado no

princiacutepio da doriktetos chora De forma similar agrave

distribuiccedilatildeo de territoacuterios liderada pelos generais

macedocircnicos apoacutes a morte de seu rei em 323 aC Agaacutetocles

pretendia negociar de acordo com Diodoro a distribuiccedilatildeo

do espaccedilo africano (ainda natildeo subjugado) e siciliano

(parcialmente hostil) com Ophellas em 309 aC por

ocasiatildeo de sua expediccedilatildeo cartaginesa

192 Diod 2054 ldquo[] γὰρ πυθόμενος τοὺς προειρημένους δυνάστας ἀνῃρημένους

διάδημα καὶ νομίζων μήτε δυνάμεσι μήτε χώρᾳ μήτε τοῖς πραχθεῖσι λείπεσθαι τούτων ἑαυτὸν ἀνηγόρευσε βασιλέαrdquo Sobre a basileia de Agaacutetocles consultar

principalmente Henry Julius Wetenhall Tillyard Agathocles Cambridge

The University Press 1908 Claude Mosseacute La tyrannie dans la Gregravece

Antique Paris Presses Universitaires de France 1969 PP 149-202

Klaus Meister CAH 7 1984 PP 384-411 Ricardo Vattuone Sapienza

d‟occidente Il pensiero storico di Timeo di Tauromenio Bologna

Pagravetron 1991 Pp 63-86 187-204 Lorenzo Braccesi I tiranni di

Sicilia Roma-Bari Laterza 1998 PP 101-113 Consolo Langher Efrem

Zambon ldquoFrom Agathocles to Hieratildeo II the birth and development of

basileia in Hellenistic Sicilyrdquo In Sian Lewis (org) Ancient

Tyranny Edinburgh The University Press 2006 PP 77-94 Sobre a

coroaccedilatildeo dos Diaacutedocos de maneira geral consultar os estudos e as

referecircncias apresentadas no cap2 desta tese

90

Apoacutes esta batalha Agaacutetocles ao examinar todas as

maneiras de subjugar os cartagineses enviou Orthon o

siracusano como mensageiro a Ophellas em Cirene

Ophellas havia sido um dos Companheiros de Alexandre em

sua expediccedilatildeo tendo assumido o controle da cidade de

Cirene e de um poderoso exeacutercito e aspirava a uma

dominaccedilatildeo mais ampla Este era o seu estado de espiacuterito

quando o mensageiro de Agaacutetocles chegou com o pedido de

auxiacutelio para a campanha contra os cartagineses Em

troca desse serviccedilo ele [o mensageiro] prometeu que

Agaacutetocles concederia a Ophellas liberdade total no

controle da Liacutebia Agaacutetocles disse-lhe o mensageiro

estava satisfeito com a Siciacutelia desde que estivesse

livre da ameaccedila cartaginesa e que pudesse governar sem

receio toda a ilha A Itaacutelia estava disponiacutevel e

proacutexima para ampliar o seu impeacuterio caso Agaacutetocles

ambicionasse mais poder193

Ao analisarmos o relato do historiador siciliano

torna-se evidente que o comandante siracusano queria

integrar o cenaacuterio poliacutetico internacional de seu tempo

orientado por criteacuterios de paridade com os Diaacutedocos e que

Ophellas seria sua melhor opccedilatildeo de alianccedila pois o mesmo

aspirava agrave conquista de mais territoacuterios Afinal tal

paridade em forccedila militar territoacuterios conquistados e

realizaccedilotildees seria o motor de sua monarquia autoproclamada

Quando Ophellas e seu exeacutercito se encontraram com

Agaacutetocles o mesmo colocou em praacutetica seu plano de traiccedilatildeo

o macedocircnio foi pego de surpresa e assassinado enquanto

tentava desesperadamente se defender o siracusano entatildeo

aproveitando-se da situaccedilatildeo recrutou o numeroso exeacutercito

193 Diod 2040 ldquoἈπὸ δὲ τς μάχης ταύτης γενόμενος καὶ πάντα τῆ διανοίᾳ σκοπούμενος

πρὸς τὸ λαβεῖν τοὺς Καρχηδονίους ποχειρίους ἐξέπεμψε πρεσβευτὴν Ὄρθωνα τὸν Συρακόσιον πρὸς φέλλαν εἰς Κυρήνην οὗτος δ ἦν μὲν τν φίλων τν συνεστρατευμένων Ἀλεξάνδρῳ κυριεύων δὲ τν περὶ Κυρήνην πόλεων καὶ δυνάμεως ἁδρᾶς περιεβάλετο ταῖς ἐλπίσι μείζονα δυναστείαν τοιαύτην οὖν ατοῦ διάνοιαν ἔχοντος ἧκεν ὁ παρ Ἀγαθοκλέους πρεσβευτής ἀξιν συγκαταπολεμσαι Καρχηδονίους ἀντὶ δὲ ταύτης τς χρείας ἐπηγγέλλετο τὸν Ἀγαθοκλέα συγχωρήσειν ατῶ τν ἐν Λιβύῃ πραγμάτων κυριεύειν εἶναι γὰρ ἱκανὴν ατῶ τὴν Σικελίαν ἵν ἐξῆ τν ἀπὸ τς Καρχηδόνος κινδύνων ἀπαλλαχθέντα μετ ἀδείας κρατεῖν ἁπάσης τς νήσου παρακεῖσθαι δὲ καὶ τὴν Ἰταλίαν ατῶ πρὸς ἐπαύξησιν τς ἀρχς ἐὰν κρίνῃ μειζόνων ὀρέγεσθαιrdquo Para esta passagem Austin (n90) eacute a traduccedilatildeo de referecircncia A

invasatildeo eacute vagamente mencionada por Polib 182 e a alianccedila por

Justino 226 Cf Consolo Langher pp 175-196

91

sem comandante para a guerra que jaacute estava preparado para

travar conseguindo com isso praticamente dobrar o nuacutemero

de seus homens194

Polieno contudo sequer menciona a intenccedilatildeo de

estabelecer qualquer alianccedila por parte de Agaacutetocles

Segundo Polieno195 Ophellas encontrava-se jaacute com numeroso

exeacutercito em postos avanccedilados contra Agaacutetocles ao que tudo

indica no iniacutecio da expediccedilatildeo africana liderada pelo

siracusano quando Agaacutetocles ciente da inclinaccedilatildeo de seu

inimigo por jovens rapazes enviou seu filho Heracleides

ldquoum rapaz de beleza extraordinaacuteriardquo com a missatildeo de

distraiacute-lo enquanto o exeacutercito siciliano revidava em

sigilo Ophellas apaixonado pelo rapaz mostrou-se incapaz

de prever a sua proacutepria morte e Agaacutetocles saiu vitorioso

resgatando seu filho com sucesso

O relato de Polieno eacute obviamente pouco criacutevel

considerando-se que dificilmente um comandante com a

experiecircncia de Ophellas ainda mais no comando de um

numeroso exeacutercito aacutevido pela guerra para a qual estavam

marchando desde Cirene se deixaria distrair tatildeo gravemente

pelo filho de seu inimigo ainda que tivesse as inclinaccedilotildees

sexuais mencionadas Parece igualmente improvaacutevel que

Ophellas natildeo tivesse sido cotado como aliado por Agaacutetocles

a julgar pela referecircncia tatildeo clara em Diodoro e pelo

desenrolar dos eventos na Aacutefrica O mais provaacutevel eacute que

Polieno natildeo tivesse conhecimento da alianccedila ou a tivesse

suprimido pela natureza didaacutetica de sua obra De qualquer

modo as relaccedilotildees diplomaacuteticas tiveram de acontecer mesmo

que unilateralmente em certo ponto e comprovam

preliminarmente a interaccedilatildeo (diplomaacutetica e beacutelica) entre

Agaacutetocles e o mundo heleniacutestico num niacutevel que para ele se

dava em grau de paridade Como nos lembra Braccesi a

194 Diod 2042

195 Polieno 53

92

Siciacutelia mostrou-se um espaccedilo imune agrave invasatildeo de Alexandre

mas natildeo ao seu projeto de conquista neste caso traduzido

pela ascensatildeo de Agaacutetocles agrave iminente realeza196 A

autoproclamaccedilatildeo de Agaacutetocles como rei simbolizava que o

siracusano via-se em condiccedilatildeo de reclamar territoacuterios nos

mesmos termos que os Diaacutedocos e as interaccedilotildees diversas com

alguns deles servem de evidecircncia para a postura de paridade

adotada pelo monarca

Parte da historiografia moderna no entanto tende a

classificar Agaacutetocles da mesma forma que os tiranos tardo-

claacutessicos ou ainda como os tiranos arcaicos de modo que

sua autoproclamaccedilatildeo representaria de fato apenas um traccedilo

de sua ambiccedilatildeo poliacutetica uma estrateacutegia de inserccedilatildeo sem

grandes resultados197 Veja-se por exemplo o que nos diz

Mosseacute para quem Agaacutetocles tirano popular198 teria se

transformado com a expediccedilatildeo africana numa figura

196 Braccesi op cit p101 Cf tambeacutem Lorenzo Braccesi L‟Alessandro

occidentale Il Macedone e Roma Roma ldquoL‟ermardquo di Bretschneider

2006 PP 54-67 Braccesi argumenta que apoacutes a morte de Alexandre o

problema puacutenico se confunde com a hereditariedade do poder monaacuterquico

produzindo uma ldquonascente sensibilidade heleniacutesticardquo a qual seria

direcionada agrave ameaccedila cartaginesa sob a forma de basileia justificada 197 Outra questatildeo recorrente na historiografia moderna eacute a classificaccedilatildeo

de Agaacutetocles como grande estadista ou como o mais cruel dos tiranos

discussatildeo que se arrasta desde a Antiguidade quando por exemplo

Caacutelias (FGrH 564T3) contemporacircneo de Agaacutetocles pinta uma aura de

piedade e humanidade para o siracusano ao passo que Timeu (FGrH

566F124) igualmente seu contemporacircneo diz que nenhum tirano mostrou-

se tatildeo cruel quanto ele Aleacutem da identificaccedilatildeo errocircnea da monarquia de

Agaacutetocles como sendo da mesma natureza que as tiranias tardo-

claacutessicas haacute que se considerar a interpretaccedilatildeo curiosa ndash e pouco

aceita ndash de Helmut Berve (Die Herrschaft des Agathokles Muumlnchen

Verlag 1953 Die Tyrannis bei den Griechen Muumlnchen Verlag 1967)

Segundo Berve Agaacutetocles manteve a sua magistratura em Siracusa tendo

criado ao mesmo tempo uma monarquia pessoal como maneira de combater

em nome da cidade e acumular territoacuterios em seu proacuteprio nome Como

desdobramento disso no final de sua vida Agaacutetocles teria devolvido a

democracia aos siracusanos sem abdicar da realeza o que de fato

carece de evidecircncias suficientes Para o assunto cf Meister CAH 7

pp 409-410 198 O que soa no fim das contas absurdo pois logo apoacutes a sua morte os

siracusanos confiscaram as suas propriedades derrubaram as suas

estaacutetuas e procederam a uma verdadeira damnatio memoriae Sobre a

criacutetica agrave classificaccedilatildeo da tirania de Agaacutetocles como ldquopopularrdquo cf

Meister CAH 7 p 410

93

tiracircnica tiacutepica do periacuteodo heleniacutestico o roy conqueacuterant199

embora seu comportamento indique no fim das contas uma

postura comum entre os tiranos que o precederam

Homem do povo pelo povo de Siracusa eacute que ele tentou

restaurar a supremacie da cidade que ele tentou

igualmente varrer o perigo que pesava sobre toda a

Siciacutelia o perigo cartaginecircs Homem de seu tempo []

imitador dos generais de Alexandre quanto ao tiacutetulo

reacutegio [] Ele natildeo liberou os escravos por princiacutepio

mas por que necessitava de homens para combater Nisso

ele se assemelhava aos tiranos do seacutecIV aC [] Ateacute

onde podemos conhececirc-lo ele continua a ser o tipo do

tirano popular mais proacuteximo no fim dos tiranos da

eacutepoca arcaica que dos condottieri do seacutecIV aC ou dos

ldquorevolucionaacuteriosrdquo da eacutepoca heleniacutestica200

Imitador dos Diaacutedocos Agaacutetocles agregaria em uacuteltima

instacircncia tanto os valores do tirano arcaico (devido ao

caraacuteter demagoacutegico de seu governo) quanto os costumes de

recrutamento do tirano claacutessico orientado pelo alistamento

massivo de exilados e mercenaacuterios Isso o torna peculiar

sem duacutevida mas o contexto eacute imperativo para o assunto e

como tal impotildee agrave monarquia adotada por Agaacutetocles um sentido

especialmente heleniacutestico Natildeo resta duacutevida que o

alistamento massivo de profissionais era uma praacutetica de

origens tardo-claacutessicas na Siciacutelia grega da mesma forma o

traccedilo popular dos governos autocraacuteticos remonta agrave eacutepoca

arcaica201 Poreacutem tais peculiaridades encontravam-se

inseridas no contexto de fragmentaccedilatildeo do impeacuterio de

Alexandre fazendo da Siciacutelia como dito anteriormente

parte do projeto de conquista macedocircnica (o que seria

executado obviamente pelos Diaacutedocos) e de Agaacutetocles o

homem capaz de liderar uma inovaccedilatildeo poliacutetica de

caracteriacutesticas heleniacutesticas

199 Claude Mosseacute op cit p 171 Sobre a identificaccedilatildeo de Agaacutetocles

com tiranos arcaicos e tardo-claacutessicos cf Zambon op cit p 77 200 Mosseacute op cit pp 176-177 Grifo nosso

201 Meister CAH 7 pp 409-410

94

Braccesi quase 30 anos apoacutes a publicaccedilatildeo do livro de

Mosseacute mostra-se um pouco mais otimista quanto agrave concretude

da monarquia de Agaacutetocles O contexto de interaccedilatildeo do

siracusano com os generais macedocircnicos aparece com mais

relevacircncia de modo a gerar uma interpretaccedilatildeo histoacuterica

acerca dos problemas de longevidade da basileia

agatocleana A natureza heleniacutestica da monarquia

introduzida na Siciacutelia por Agaacutetocles eacute inquestionaacutevel mas

trata-se no final das contas de uma monarchia mancata202

Recentemente Zambon203 sustentou que Agaacutetocles iniciou

uma mudanccedila constitucional ao introduzir a monarquia de

tipo heleniacutestico em Siracusa e que seu exemplo foi seguido

por diversos governantes posteriores (tais como Phintias

Pirro e Hieratildeo II) Considerado o niacutevel de sistematizaccedilatildeo

desenvolvido por Zambon podemos dizer que a sua

interpretaccedilatildeo soa demasiado otimista forccedilando

propositalmente (pela preservaccedilatildeo do argumento) uma

continuidade exagerada nas mudanccedilas institucionais

siciliotas apoacutes a morte de Agaacutetocles Naquele momento

contudo tentativas de retomada das formas constitucionais

perdidas com a ascensatildeo do monarca emergiram muitas delas

temporariamente bem-sucedidas Em defesa do otimismo

zamboniano podemos apenas dizer com certa razatildeo que o

cenaacuterio poliacutetico siciliota mostrou-se suficientemente

confuso e marcado como recorda Zambon por ldquoguerras civis

sangrentasrdquo bem como por ldquoconsequumlecircncias [soacutecio-econocircmicas]

de campanhas militares exaustivasrdquo e soluccedilotildees poliacuteticas

extremas adotadas pelas poacuteleis que agregavam poder de

lideranccedila na porccedilatildeo leste da ilha204 Diante de tamanha

complexidade e da evidecircncia para o surgimento da monarquia

de tipo heleniacutestico na ilha como parte do conjunto das

202 Braccesi op cit p 110

203 Zambon op cit pp 77-94 Zambon Hellenistic Sicily

204 Zambon Hellenistic Sicily p 267

95

inovaccedilotildees poliacuteticas siciliotas (momentaneamente fracassadas

e posteriormente retomadas) devemos a esta altura nos

perguntar como se deu a introduccedilatildeo da basileia por

Agaacutetocles e em quais aspectos ela representou uma imitatio

Alexandri O primeiro indiacutecio analisado eacute obviamente a

transformaccedilatildeo de ordem poliacutetica que deve ser compreendida

no decorrer da trajetoacuteria de Agaacutetocles cedendo espaccedilo em

seguida para o estudo dos indiacutecios de uma imitatio em

campo taacutetico a partir das tropas que a organizaccedilatildeo social

siciliana disponibilizou no contexto

Em 337 aC apoacutes a morte de Timoleatildeo frente ao

problema da sucessatildeo de um liacuteder que havia pacificado na

medida do possiacutevel a Siciacutelia grega e promovido em larga

escala um verdadeiro tiraniciacutedio diversas tiranias

reapareceram na porccedilatildeo leste da ilha e a ofensiva

cartaginesa novamente gerava resultados preocupantes para

os gregos A democracia siracusana havia sido a esta altura

substituiacuteda por uma oligarquia a qual era liderada por

Sosiacutestrato e Heracleides Com isso a velha guerra civil

retornou com forccedila total colocando cidadatildeos (democratas e

oligarcas) em lados opostos convivendo num grau de

desentendimento que se traduzia no derramamento contiacutenuo de

sangue

Os primeiros anos da vida poliacutetica de Agaacutetocles se

deram no exiacutelio quando o siracusano parece ter aproveitado

a puniccedilatildeo para angariar apoio noutras regiotildees e recrutar o

nuacutemero de mercenaacuterios que seu dinheiro pudesse pagar Apoacutes

o seu retorno a Siracusa em 319 aC jaacute em cenaacuterio

poliacutetico favoraacutevel Agaacutetocles apresentou-se como defensor

da democracia e segundo Diodoro conquistou o apoio

popular por sua abordagem demagoacutegica (δημαγωγήσας) Em

seguida Agaacutetocles teria sido eleito strategos e ldquoguardiatildeo

96

da pazrdquo (φύλαξ τς εἰρήνης)205 Meister e Zambon recordam que um

termo ligeiramente diferente aparece na Marmor Parium (FGrH

239F12) onde eacute sugerida jaacute no iniacutecio uma strategia

autocraacutetica206 o que altera sensivelmente a natureza da

magistratura de Agaacutetocles e sugere nesse caso o uso de

fontes favoraacuteveis ao tirano por Diodoro A strategia

autocraacutetica era um cargo extraordinaacuterio sendo o magistrado

eleito por tempo indeterminado e com objetivos de caraacuteter

urgente No caso em questatildeo a querela entre democratas e

oligarcas deveria ser mais uma vez solucionada mas com o

strategos agrave frente da poliacutetica externa Tratava-se

portanto de ldquouma excelente oportunidade para o golpe de

Estadordquo recorda o historiador italiano Aleacutem disso

Agaacutetocles natildeo era exatamente o homem mais indicado para

coordenar um equiliacutebrio muacutetuo entre as facccedilotildees como a sua

imediata ascensatildeo ao poder absoluto precedida pelo

extermiacutenio dos seus adversaacuterios poliacuteticos foi capaz de

mostrar207 A nomeaccedilatildeo de Agaacutetocles tenha ela acontecido

nos termos postos por Diodoro ou da forma direta presente

na inscriccedilatildeo sugere uma legalidade no processo o que

dificilmente ocorreu A eleiccedilatildeo era apenas uma ldquopseudo-

legalidade formalrdquo diz Meister208 uma vez que (1) os

adversaacuterios poliacuteticos oligarcas haviam sido assassinados ou

exilados (2) a assembleacuteia era composta basicamente por

entusiastas da nomeaccedilatildeo de Agaacutetocles e (3) um grande nuacutemero

de soldados dava cobertura armada para o golpe Parece

205 Diod 195 Eacute possiacutevel que Diodoro tenha usado neste caso uma

fonte favoraacutevel a Agaacutetocles de modo a alterar as caracteriacutesticas das

primeiras magistraturas que ele assumiu em Siracusa 206 Marmor Parium (FGrH 239F12) ldquoE naquele mesmo ano os siracusanos

escolheram Agaacutetocles como bdquostrategos autocrator‟ das defesas

siciliotasrdquo Meister CAH 7 p 389 Zambon op cit p 78 Marmor

Parium eacute uma famosa inscriccedilatildeo encontrada em Paros datada de 2643

aC e preservada em duas partes podendo ser consultadas

gratuitamente no website do Ashmoelan Museum

(httpwwwashmoleanorg) 207 Meister CAH 7 p 388

208 Meister CAH 7 p 389

97

incorreto portanto falar de uma eleiccedilatildeo livre e legal do

mesmo modo que pressupor uma participaccedilatildeo efetiva da

assembleacuteia nas decisotildees tomadas por Agaacutetocles o que

inviabiliza inclusive a sua interpretaccedilatildeo como ldquotirano

popularrdquo A sua abordagem demagoacutegica posta muitas vezes

numa entonaccedilatildeo positiva por Diodoro funcionava apenas como

princiacutepio ideoloacutegico para a manutenccedilatildeo de um poder

autocraacutetico e opressor em relaccedilatildeo ao funcionamento da

assembleacuteia o qual foi associado como recurso estrateacutegico

de compensaccedilatildeo ao cancelamento de diacutevidas redistribuiccedilatildeo

de terras construccedilatildeo de diversos preacutedios puacuteblicos e

expansatildeo da frota siracusana

De acordo com Zambon209 o primeiro indiacutecio da adoccedilatildeo da

basileia heleniacutestica por Agaacutetocles encontra-se numa accedilatildeo

especiacutefica durante a campanha africana (310-307 aC)

Nesta ocasiatildeo em 309 aC o tirano teria dado indiacutecios de

que pretendia mesmo adotar um novo tipo de realeza em

sintonia com a emergente ideologia advinda do mundo

heleniacutestico Zambon remonta o significante episoacutedio do

motim em Tuacutenis210 quando Agaacutetocles decidiu enfrentar o

problema pessoalmente diante dos soldados Apoacutes vestir uma

toga puacuterpura (τὴν πορφύραν)211 siacutembolo da realeza naquele

tempo Agaacutetocles foi ter com suas tropas rebeldes que

reconheceram seus trajes como roupas reais (τὴν βασιλικὴν

ἐσθτα) adequadas ou pertencentes ao seu comando (τὸν

προσήκοντα κόσμον) Embora seja improvaacutevel que Agaacutetocles

tivesse pensado em se autoproclamar basileu antes mesmo dos

209 Zambon op cit p 80

210 Diod 2034

211 Esta foi a primeira vez em que Agaacutetocles apareceu diante de suas

tropas trajando a toga puacuterpura A toga alaranjada no estilo tarentino

(κροκωτὸν ἐνδὺς) no entanto havia jaacute sido empregada por Agaacutetocles de acordo com informaccedilatildeo registrada em Polieno 53 Na ocasiatildeo Agaacutetocles

convidou quase 500 pessoas (hostis agrave sua autoridade em Siracusa) para

um banquete e momentos apoacutes ter cantado danccedilado e tocado harpa

vestido com sua toga alaranjada no estilo tarentino mandou executar

todos os convidados

98

Diaacutedocos o ponto aqui eacute que Agaacutetocles certamente modificou

a concepccedilatildeo de seu proacuteprio poder durante a campanha

africana e que estava inclinado a atingir uma nova escala

de influecircncia poliacutetica entre seus homens A vitoacuteria sobre

Ophellas vale lembrar um dos antigos Companheiros de

Alexandre certamente influenciou a referida postura

durante a expediccedilatildeo africana

Suporte para a orientaccedilatildeo heleniacutestica de Agaacutetocles pode

ser encontrado tambeacutem numa evidecircncia arqueoloacutegica que tem

se mostrado tatildeo decisiva quanto polecircmica um estater de

ouro de Agaacutetocles com apenas 3 exemplares conhecidos

(fig1)212 A moeda possui no anverso uma cabeccedila com um

escalpo de elefante e o chifre de Amon e no reverso a

imagem de uma Atena ldquomarchanterdquo equipada com elmo escudo

e lanccedila sendo precedida por uma coruja aos seus peacutes ave

frequumlentemente ligada agrave divindade e com a inscriccedilatildeo

AGATHOKLEOS (ldquode Agaacutetoclesrdquo) agraves suas costas Como nos

lembra Stewart o estater de ouro tem sido vinculado agrave

expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles desde o seacutecXIX aleacutem de

parecer inquestionaacutevel que se trata de uma imitaccedilatildeo dos

tetradracmas de Ptolomeu especificamente aqueles dos anos

3143 aC (fig2)213 A primeira questatildeo analiacutetica pode ser

sugerida a partir da figura presente no anverso Noutras

palavras de quem seria a cabeccedila representada no estater

Claramente a Atena representada no reverso refere-se a uma

vitoacuteria militar (Athena Nikeacute) e deve tratar do iniacutecio da

expediccedilatildeo africana214 desdobrando-se portanto em algumas

212 Haacute outras evidecircncias para o impacto da expediccedilatildeo asiaacutetica de

Alexandre no mundo mediterracircnico ocidental tais como um vaso

apuliano cujo tema central eacute a batalha de Isso e um retrato no

templo de Melkart em Caacutedis Sobre a repercussatildeo que a anaacutebasis de

Alexandre teve no mundo ocidental antigo consultar Andrew Stewart

Faces of Power Alexander‟s Image and Hellenistic Politics Berkeley

and Los Angeles University of California Press 1993 pp 150-157

263-289 213 Stewart op cit p 266

214 Uma vez que a expediccedilatildeo terminou em fracasso a cunhagem natildeo pode

ter se dado apoacutes 307 aC Aleacutem disso haacute que se considerar uma

99

interpretaccedilotildees possiacuteveis para a cabeccedila em questatildeo trata-

se dizem alguns da personificaccedilatildeo da Aacutefrica Liacutebia ou

Siciacutelia215 ao passo que outros sustentam uma identificaccedilatildeo

com Alexandre ou com o proacuteprio Agaacutetocles216 A mim parece

evidente que se trata de Agaacutetocles representado como

Alexandre pelos seguintes motivos 1) como notaram alguns

estudiosos a personificaccedilatildeo da Aacutefrica da Liacutebia ou mesmo

da Siciacutelia natildeo eacute seguramente documentada ateacute o periacuteodo

romano devendo ainda ser considerado o chifre de Amon e a

fronte masculina como evidecircncias da impossibilidade de uma

representaccedilatildeo feminina217 2) embora natildeo existissem

elefantes no exeacutercito de Agaacutetocles a sua ausecircncia mesmo

entre os cartagineses do periacuteodo de cunhagem do estater

indica que se tratava de algo puramente simboacutelico sem

referecircncia imediata ao exeacutercito do comandante siracusano

mostrando-se portanto como imitaccedilatildeo dos tetradracmas de

Ptolomeu (314-3 aC) como previamente sugerido e

visando em uacuteltima instacircncia o viacutenculo com o impeacuterio de

Alexandre o Grande (filho de Amon) a partir de um dos

siacutembolos poliacutetico-militares mais poderosos dos Diaacutedocos (o

referecircncia em Diod 2011 sobre a primeira vitoacuteria de Agaacutetocles na

Aacutefrica quando os soldados apoiados por corujas (animal ligado agrave

deusa Atena como dito acima) conseguiram derrotar os cartagineses

ldquoao perceber que os seus soldados estavam aterrorizados com o grande

nuacutemero da cavalaria e da infantaria baacuterbaras [Agaacutetocles] soltou

corujas entre o seu exeacutercito as quais ele tinha preparado como meio

de retirar o medo dos soldados comuns as corujas voando atraveacutes da

falange e pousando nos escudos e elmos encorajaram os soldados e

cada homem entendeu o ocorrido como um pressaacutegio uma vez que o

paacutessaro eacute consagrado a Atenardquo A referecircncia soa absurda do ponto de

vista taacutetico mas deve ter sido inspirada por algum evento relacionado

agraves corujas a julgar pelos dados cruzados tanto no estater quanto no

relato do historiador siciliano 215 Kuschel 1961 15 e Goukowsky 1978 207 sugeriram Aacutefrica e Liacutebia

sendo a Siciacutelia tambeacutem sugerida por Goukowsky 1978 356 216 Alexandre parece o mais provaacutevel para os estudiosos como encontrado

em Walther Giesecke (Sicilia numismaacutetica Leipzig K W Hiersemann

1923 P 91) e Ernest Babelon (ldquoAlexandre ou l‟Afriquerdquo Areacutethuse 1

95-107 1924 P 102) enquanto Agaacutetocles tem sido sugerido por

exemplo por Erick Sjoumlqvist (ldquoA portrait Head from Morgantina AJA 66

319-322 1962 P 320rdquo) Para um balanccedilo geral das diversas

interpretaccedilotildees cf Stewart op cit pp 266-268 217 Cf Stewart op cit p 268

100

elefante de combate) Pode-se dizer que a imagem faz

referecircncia estrita a Alexandre devido ao chifre de Amon

mas considerando-se cuidadosamente a inscriccedilatildeo no reverso e

o contexto de cunhagem chega-se agrave conclusatildeo de que a

cabeccedila sugere Agaacutetocles representado como Alexandre (o que

anularia inclusive a criacutetica feita por alguns estudiosos

de que a cabeccedila de Agaacutetocles havia sido representada

diferentemente noutras moedas)

101

2 O embate pela preservaccedilatildeo da unificaccedilatildeo

poliacutetica da morte de Agaacutetocles a Pirro do Epiro

Entre 310 aC e 290 aC os tradicionais problemas

siciliotas haviam sido parcialmente controlados por meio da

centralizaccedilatildeo liderada por Agaacutetocles Submetidas ao

controle de Siracusa as poacuteleis da Siciacutelia experimentaram

uma reduccedilatildeo dos conflitos internos que quase sempre

resultavam em stasis (uma vez que natildeo possuiacuteam autonomia

para tanto) e o domiacutenio cartaginecircs manteve-se em boa parte

do tempo restrito agrave porccedilatildeo oeste da ilha (dado o caraacuteter

militarmente ofensivo da poliacutetica externa siracusana) Apoacutes

a morte de Agaacutetocles no entanto com a reconquista da

autonomia das cidades vieram todos os tradicionais

problemas siciliotas somando-se ao novo distuacuterbio

migratoacuterio que os gregos da Siciacutelia tiveram que enfrentar

os mercenaacuterios do exeacutercito do monarca218

De modo similar ao que ocorreu com os macedocircnios a

questatildeo mais delicada na Siciacutelia grega teve relaccedilatildeo com a

sucessatildeo do rei (heleniacutestico) Uma diferenccedila todavia deve

ser notada no caso siciliota os paracircmetros sucessoacuterios

nunca foram muito claros ou mesmo respeitados ainda que a

tendecircncia natural fosse a delegaccedilatildeo do poder real aos

filhos do monarca em exerciacutecio Nos uacuteltimos anos de sua

vida Agaacutetocles havia confiado o controle dos exeacutercitos a

Archagathus neto do rei e filho do tambeacutem nomeado

Archagathus ex-combatente morto na Liacutebia219 De acordo com

218 Para os problemas gerados pelos mercenaacuterios de Agaacutetocles apoacutes a sua

morte consultar Gianluca Tagliamonte ldquoRapporti tra societagrave di

immigrazione e mercenari italici nella Sicilia greca del IV secolo

aCrdquo In Confini e frontiera nella Grecitagrave d‟Occidente Atti Del

XXXVII Convegno Internazionale di Studi sulla Magna Grecia Taranto

1999 PP 547-572 219 Diod 2116 Justino 232 Para uma distinccedilatildeo entre ambos ver

Niese ldquoArchagatusrdquo in RE 21 432-433 1895

102

Diodoro220 o plano de Agaacutetocles era que seu filho

Agaacutetocles juacutenior se tornasse o sucessor legiacutetimo tendo

com esse propoacutesito apresentado o jovem em Siracusa e o

enviado a Etna com uma carta de autorizaccedilatildeo para o comando

supremo das tropas Ao saber da deliberaccedilatildeo do rei

Archagathus teria decidido levar adiante um plano de

usurpaccedilatildeo Como primeira medida instigaria Menon um dos

amigos (philoi) de Agaacutetocles a envenenar o rei enquanto o

proacuteprio strategos levaria a cabo o assassinato do priacutencipe

apoacutes embebedaacute-lo durante uma festa organizada com esse

objetivo

Se aceitarmos o relato diodoreano a conclusatildeo imediata

eacute que Agaacutetocles desejava manter unidas strategia e

basileia no intuito de assegurar hereditariamente a

concentraccedilatildeo dos poderes poliacutetico e militar nas matildeos de um

soacute homem221 Ao seguir o formato monaacuterquico heleniacutestico

Agaacutetocles teria concedido plenos poderes poliacuteticos ao

general e ao mesmo tempo autoridade sobre os exeacutercitos ao

rei

Haacute contudo uma explicaccedilatildeo alternativa para a sucessatildeo

em Justino a qual natildeo pode ser negligenciada pelos

historiadores ldquoconforme a sua vida esvaiacutea uma guerra

nasceu entre seu filho e seu neto pelo direito agrave sucessatildeo

do reino como se ele jaacute estivesse morto apoacutes eliminar o

filho o neto tomou posse do poder reacutegiordquo222 De acordo com

Justino tanto Agaacutetocles juacutenior quanto Archagathus ao que

parece ainda no comando de consideraacutevel parte do exeacutercito

natildeo teriam sido escolhidos para suceder o rei Ao narrar

que Agaacutetocles teria enviado sua esposa ao Egito os dois

filhos que tivera com ela juntamente com seu tesouro

220 Diod 2116

221 Zambon Hellenistic Sicily pp19-20

222 Justino 232 Ex qua desperatione bellum inter filium nepotemque

eius regnum iam quasi mortui vindicantibus oritur occiso filio regnum

nepos occupavit

103

servos e mobiacutelia real Justino torna claro que o rei natildeo

havia pensado em nenhum dos rebeldes (filho e neto) como

seu sucessor legiacutetimo e que o conflito ter-se-ia iniciado

devido ao seu estado fraacutegil de sauacutede causado por uma

repentina e fatal doenccedila

Por uacuteltimo somente Diodoro menciona que Agaacutetocles

apoacutes ter sido envenenado por Menon a mando de Archagathus

ldquoconvocou a populaccedilatildeo denunciou Archagathus por sua

impiedade instigou a multidatildeo a se vingar e declarou que

devolveu a democracia ao corpo de cidadatildeosrdquo223 Certamente

o que verificamos logo apoacutes a morte de Agaacutetocles eacute a

retomada do governo proacuteprio de Siracusa que muito em breve

entraria em colapso para dar lugar a mais uma guerra civil

Diodoro224 menciona um evento importante sobre os soldados

pagos de Agaacutetocles chamados mamertinos225 os quais foram

obrigados apoacutes longa negociaccedilatildeo mediada pelos anciatildeos (οἱ

πρεσβῦται) a vender as suas propriedades e deixar a Siciacutelia

(τὰς ἑαυτν κτήσεις ἀποδομένους ἀπελθεῖν ἐκ Σικελίας)

Se aceitarmos o uacutenico fato em comum nos dois relatos

preservados sobre a sucessatildeo de Agaacutetocles isto eacute a luta

entre filho e neto pelo poder reacutegio haacute talvez uma forma de

unificar as divergecircncias nos testemunhos de Diodoro e

Justino Mesmo que Agaacutetocles natildeo tivesse escolhido seu

filho como sucessor podemos supor que o mesmo possuiacutea

direito ao trono uma vez que Archagathus o combateu com o

intuito de eliminaacute-lo da contenda sucessoacuteria226

Archagathus por outro lado possuiacutea o controle de boa

223 Diod 2116 [] ἐκκλησιάσας τὸν λαὸν κατηγόρησε τς ἀσεβείας Ἀρχαγάθου καὶ τὰ

μὲν πλήθη παρώξυνε πρὸς τὴν ατοῦ τιμωρίαν τῶ δὲ δήμῳ τὴν δημοκρατίαν ἔφησεν ἀποδιδόναι 224 Diod 2118

225 Diodoro 2118 nos informa que a cidade chamava-se Mamertina apoacutes

Ares que era conhecido ali pelo nome de Mamertos 226 Consolo Langher pp 320-321 tenta unificar as divergecircncias nos dois

relatos de modo muito similar exceto pelo fato de que toma como

incontestaacutevel a indicaccedilatildeo diodoreana com relaccedilatildeo agrave escolha do sucessor

e posterior revolta paterna diante da morte de seu primogecircnito O

problema aqui eacute a exclusatildeo intencional do que nos informa Justino que

natildeo faz qualquer menccedilatildeo agrave escolha de um sucessor por Agaacutetocles

104

parte dos exeacutercitos como atestado em ambas as fontes o

que lhe dava condiccedilotildees de reclamar o trono Se por um

lado Agaacutetocles natildeo escolheu seu filho como sucessor como

nos faz crer Justino por outro o rei natildeo desejava deixar

a heranccedila ao seu neto como nos indica tanto o despacho dos

seus tesouros ao Egito apoacutes a morte de Agaacutetocles juacutenior em

Justino227 como a devoluccedilatildeo do governo proacuteprio aos

siracusanos instantes antes de sua morte em Diodoro228

Apesar da divergecircncia quanto agrave escolha sucessoacuteria para

a qual proponho a soluccedilatildeo apresentada229 os testemunhos de

Diodoro e Justino preservam algo muito interessante tendo

Agaacutetocles escolhido seu filho como herdeiro o que teria

provocado os planos de usurpaccedilatildeo do neto e a consequumlente

luta pelo trono ou tendo filho e neto lutado pela sucessatildeo

sem o consentimento do rei do que resultou a morte do

filho e a hostilidade de Agaacutetocles para com Archagathus

parece incontornaacutevel o fato de que a manutenccedilatildeo da uniatildeo

entre strategia e basileia tenha sido um dos motores do

conflito As monarquias sicilianas posteriores do mesmo

modo tenderatildeo a manter o formato inaugurado por Agaacutetocles

ora baseando-se no esquema de incorporaccedilatildeo definitiva da

strategia compulsoacuteria agrave esfera do poder monaacuterquico ora

desdobrando a monarquia de tipo heleniacutestico da strategia

autocraacutetica

227 Justino 232

228 Diod 2116

229 Consolo Langher p 321 e Zambon Hellenistic Sicily p 25

propuseram algo no mesmo sentido particularmente quanto agraves

providecircncias do rei para evitar que seu neto tomasse o poder Tal

interpretaccedilatildeo contraria abertamente a proposta de Helmut Berve op

cit que via a devoluccedilatildeo do governo proacuteprio aos siracusanos por

Agaacutetocles como reconhecimento do fracasso institucional da basileia na

Siciacutelia

105

3 Pirro e o problema da monarquia heleniacutestica230

Semelhante a Alexandre ldquoem aparecircncia velocidade e

movimentordquo231 Pirro tomou um caminho diferente daquele

assumido por Agaacutetocles Como o rei do Epiro clamava ser

descendente de Aquiles optou por se apresentar como a

proacutepria reencarnaccedilatildeo de Alexandre ao inveacutes de explorar a

memoacuteria do rei por exemplo por meio de cunhagem poacutestuma

(o que havia sido feito por Agaacuteocles)232 Diferentemente dos

planos de unificaccedilatildeo poliacutetica e cultural concebidos por

Alexandre a atuaccedilatildeo de Pirro findou por ser a de lideranccedila

em questotildees essencialmente praacuteticas na vida dos italiotas e

siciliotas Inicialmente apoacutes fracassar nos embates contra

Lisiacutemaco que havia subornado os macedocircnios de seu exeacutercito

ao questionar a quem deveriam ser leais se aos amigos e

companheiros de Alexandre ou ao estrangeiro que acolheram

como rei233 Pirro tomou o pedido de auxiacutelio dos tarentinos

em 281 aC (passados os quatro anos que Leacutevecircque Pirro

entende terem sido um ldquoperiacuteodo de reflexatildeordquo234) como a sua

melhor chance de realizar a conquista do ocidente com a

qual Alexandre havia provavelmente sonhado algumas deacutecadas

antes e concretizar uma monarquia de tipo heleniacutestico

O diaacutelogo entre Pirro e Cineas diplomata de origem

tessaacutelia a serviccedilo do rei ilustra claramente as intenccedilotildees

do epirota em se tornar um monarca de tipo heleniacutestico

(considerando como veremos a seguir que a monarquia

epirota era de um tipo peculiar permanecendo o rei

submetido agrave fiscalizaccedilatildeo constante dos molossianos) a

230 Leacutevecircque Pirro Zambon Hellenistic Sicily pp 97-175

231 Plut Pirro 81

232 Stewart (op cit p284) lembra que as suas moedas traziam imagens

de Aquiles Teacutetis Dione e Zeus 233 Plut Pirro 126 Leacutevecircque Pirro p 166 Leacutevecircque Pirro calcula

somente 3 anos para o governo da Macedocircnia e 2 anos para o governo da

Tessaacutelia antes de o epirota sofrer a derrota para Lisiacutemaco 234 Leacutevecircque Pirro p 168

106

reencarnaccedilatildeo de Alexandre em proporccedilotildees similares de

conquista

bdquoOs romanos oacute Pirro satildeo conhecidos como bons

combatentes e como governantes de muitos povos

belicosos se entatildeo a divindade nos permitir

prevalecer sobre esses homens como deveriacuteamos usar a

nossa vitoacuteria‟ E Pirro disse bdquoa questatildeo oacute Cineas

realmente natildeo necessita de resposta uma vez

conquistados os romanos natildeo haacute nem baacuterbaros nem gregos

que sejam paacutereo para noacutes mas noacutes devemos dominar de

uma vez toda a Itaacutelia cuja grandeza (μέγεθος) excelecircncia (ἀρετὴν) e forccedila (δύναμιν) nenhum homem conhece melhor que vocecirc‟ Apoacutes uma pequena pausa entatildeo Cineas

disse bdquoapoacutes tomar a Itaacutelia oacute Rei o que noacutes iremos

fazer‟ E Pirro sem perceber ainda a sua intenccedilatildeo

respondeu bdquoa Siciacutelia estaacute ao nosso alcance e estende-

nos as matildeos sendo uma ilha rica e populosa bem como

faacutecil de capturar pois tudo laacute oacute Cineas se resume a

stasis (στάσις γὰρ ὦ Κινέα πάντα νῦν ἐκεῖ[να]) suas cidades estatildeo anaacuterquicas (ἀναρχία πόλεων) e os demagogos agitados com Agaacutetocles morto (καὶ δημαγωγν ὀξύτης Ἀγαθοκλέους ἐκλελοιπότος)‟ bdquoO que vocecirc fala‟ respondeu Cineas bdquoparece oportuno

mas a nossa expediccedilatildeo iraacute se encerrar com a tomada da

Siciacutelia‟ bdquoA divindade‟ disse Pirro bdquonos concederaacute a

vitoacuteria e o sucesso da empreitada essas disputas seratildeo

usadas como preliminares de feitos grandiosos

(πραγμάτων μεγάλων) Ora quem se absteria da Liacutebia ou de Cartago tendo a cidade se tornado acessiacutevel uma

cidade que Agaacutetocles ao fugir de Siracusa secretamente

e cruzar o mar com poucas embarcaccedilotildees por pouco natildeo

conquistou E quando noacutes tivermos ali nos tornado

senhores nenhum dos inimigos que agora nos insultam

ofereceraacute resistecircncia eacute desnecessaacuterio dizer isso‟ 235

O rei do Epiro foi capaz de vencer duas batalhas (as

famosas ldquovitoacuterias piacuterricasrdquo) que analisarei em maiores

detalhes mais agrave frente neste capiacutetulo e entatildeo partiu para

a Siciacutelia como o homem capaz de substituir Agaacutetocles na

luta contra os cartagineses No momento da travessia de

Pirro para a Siciacutelia a porccedilatildeo nordeste da ilha encontrava-

se sob lideranccedila dos mamertinos que apoacutes terem eliminado

os cidadatildeos de Messina assumiram o controle da cidade Com

235 Plut Pirro 142-5 Cf Chaniotis WHW p 57

107

a morte de Agaacutetocles e a ausecircncia de um sucessor imediato

que pudesse manter-se no poder de forma legiacutetima ou mesmo

suprimir os violentos embates civis de Siracusa (Hicetas

foi capaz de derrotar Menon e Phintias de Acragas mas natildeo

de sobreviver aos conflitos internos apoacutes nove anos de

tirania)236 o avanccedilo cartaginecircs tornou-se inevitaacutevel

somando-se ao fato de que as cidades gregas independentes

(tais como Tauromenium e Acragas) mostraram-se mais

preocupadas com a tributaccedilatildeo imposta pelos mamertinos do

que propriamente com a investida comandada por Cartago Tal

preocupaccedilatildeo natildeo era descabida A sua independecircncia estava

novamente ameaccedilada agora por soldados do antigo monarca

os quais haviam estabelecido uma alianccedila com os

cartagineses no intuito de barrar a travessia de Pirro

como nos informa Diodoro

Os mamertinos que massacraram os habitantes de

Messina estabeleceram uma alianccedila com os cartagineses

e decidiram juntos impedir a travessia de Pirro para a

Siciacutelia237

Pirro desfrutava de excelente reputaccedilatildeo entre os

siciliotas particularmente com os siracusanos (a esta

altura sitiados pelos cartagineses) devido agrave sua

experiecircncia militar na Peniacutensula ao longo de mais de dois

anos e havia decidido partir para a Siciacutelia como

libertador dos gregos O fracasso nas negociaccedilotildees de paz

com os romanos e os constantes apelos de Siracusa eram

elementos que precisavam ser ajustados quisesse o rei

partir para a Siciacutelia sem expor a sua retaguarda ao

provaacutevel avanccedilo das legiotildees na Magna Greacutecia e ainda contar

com o apoio logiacutestico das cidades siciliotas

236 Hicetas foi substituiacutedo por Thoenon (Ortiacutegia) e Sosiacutestrato

(Siracusa) ambos entusiastas da vinda de Pirro para a Siciacutelia

segundo Diod 227 237 Diod 227 Ὅτι Μαμερτῖνοι οἱ Μεσσηνίους δολοφονήσαντες συμμαχίαν μετὰ

Καρχηδονίων ποιήσαντες ἔκριναν κοινῆ διακωλύειν Πύρρον τὴν εἰς Σικελίαν διάβασιν

108

Este uacuteltimo cuidado o uacutenico que pocircde ser devidamente

acertado por Pirro dizia respeito agrave certeza do suporte

dado pelas cidades siciliotas e devia-se ao fato de Pirro

contar com exeacutercito reduzido no momento da travessia

Apiano relata que ldquoapoacutes isso Pirro navegou para a Siciacutelia

com seus elefantes e oito mil cavaleirosrdquo (ὁ μὲν δὴ Πύρρος ἐπὶ

τούτοις ἐς Σικελίαν διέπλει μετά τε τν ἐλεφάντων καὶ ὀκτακισχιλίων ἱππέων)238 O

fato de o texto natildeo mencionar tropas de infantaria seria

algo desconcertante natildeo fosse a natureza fragmentada da

obra de Apiano Como nos lembra Leacutevecircque nos dias de hoje

costuma-se aceitar o que foi proposto em 1853 por

Niebuhr239 isto eacute que o fragmento natildeo conservou nem a

referecircncia aos pezoi apoacutes a contagem dos oito mil nem a

numeraccedilatildeo dos cavaleiros antes de ἱππέων240 Assim o trecho

original seria apoacutes isso Pirro navegou para a Siciacutelia com

seus elefantes oito mil soldados de infantaria e [vacat]

cavaleiros (ὁ μὲν δὴ Πύρρος ἐπὶ τούτοις ἐς Σικελίαν διέπλει μετά τε τν ἐλεφάντων

καὶ ὀκτακισχιλίων πεζν καὶ [vacat] ἱππέων) Exeacutercito reduzido como

se vecirc e que necessitava dos contingentes siciliotas para a

expediccedilatildeo contra os cartagineses

Na Siciacutelia o trabalho diplomaacutetico de Cineas mostrou-se

decisivo Plutarco nos informa que Pirro o enviou de

imediato para tratar preliminarmente como de costume com

as poacuteleis (μὲν εθὺς ἐξέπεμψε προδιαλεξόμενον ὥσπερ εἰώθει ταῖς πόλεσιν)

enquanto o rei movia-se com seu exeacutercito para Tarentum

cujos habitantes apesar da insatisfaccedilatildeo com a guarniccedilatildeo de

Pirro nada puderam fazer a respeito241 O fato de Tyndarium

de Tauromenium por exemplo ter assegurado a travessia e

feito os preparativos para receber as tropas de Pirro na

cidade eacute emblemaacutetico

238 Apiano Samn 116 Cf Vincenzo La Bua ldquoLa spedizione di Pirro in

Siciliardquo Miscellanea Greco-romana (MGR) 179-254 1980 239 Barthold G Niebuhr Roumlmische Geschichte Berlin G Reimer 1853

240 Leacutevecircque Pirro pp 455-456 Zambon Hellenistic Sicily p101

241 Plut Pirro 224

109

Levando-se em consideraccedilatildeo as condiccedilotildees para a

expediccedilatildeo siciliana podemos jaacute nos perguntar qual era a

natureza de sua monarquia e do tiacutetulo que lhe foi conferido

na Siciacutelia Tratava-se uma monarquia de tipo heleniacutestico

estendida ao territoacuterio siciliota

Haacute duas passagens nas fontes sobre a natureza da

relaccedilatildeo estabelecida entre Pirro e os gregos da Siciacutelia

uma em Poliacutebio e outra em Justino A primeira delas diz

respeito agrave tentativa de assegurar a legitimidade do governo

de Hierocircnimo em 213 aC por ser o tirano neto do rei

Pirro ldquoo uacutenico que todos os siciliotas aceitaram por

preferecircncia e com benevolecircncia como hegemon e reirdquo242 A

segunda delas faz menccedilatildeo a dois tiacutetulos reacutegios Pirro

ldquoapoacutes sua chegada em Siracusa foi designado rei da Siciacutelia

e rei do Epirordquo243 Como trataacute-las de forma plausiacutevel

Alguns historiadores sugeriram que o tiacutetulo de hegemon

na Siciacutelia era equivalente ao de Filipe II especialmente

no que se refere ao tratamento dado agraves poacuteleis Portanto a

alianccedila dos gregos da Siciacutelia com Pirro teria a mesma

natureza da Liga de Corinto isto eacute ambas teriam surgido

de uma pressatildeo poliacutetica externa capaz de subjugar as

cidades e de fazecirc-las integrar forccedilosamente um acordo com o

monarca estrangeiro244 Haacute somente um problema com esta

interpretaccedilatildeo que a compromete seriamente os siciliotas

natildeo haviam sido subjugados por Pirro quando prepararam a

sua recepccedilatildeo na porccedilatildeo leste da Siciacutelia da mesma forma que

natildeo sofreram qualquer pressatildeo poliacutetica preacutevia como nos

indicam as fontes previamente analisadas Tratava-se de um

projeto poliacutetico livremente aceito pelos gregos

242 Polib 74 μόνον κατὰ προαίρεσιν καὶ κατ εὔνοιαν Σικελιται πάντες εδόκησαν σφν

ατν ἡγεμόν εἶναι καὶ βασιλέα 243 Justino 233 cum Syracusas venisset rex Siciliae sicut Epiri

appellatur 244 Ioannes Vartsos ldquoOsservazioni sulla campagna di Pirro in Siciliardquo

Kokalos 16 89-97 1970

110

De acordo com Leacutevecircque Pirro era em primeiro lugar

hegemon de um koinon que se formou contra o inimigo

cartaginecircs assim como basileu ao estilo ldquohelecircnicordquo

tiacutetulos jaacute haacute muito tradicionais no mundo grego mas desta

vez ao contraacuterio do que aconteceu com Dioniacutesio e

Agaacutetocles os tiacutetulos foram concedidos ldquopela vontade

unacircnime de seus novos suacuteditosrdquo245

Leacutevecircque e Zambon recordam com razatildeo que os siciliotas

formaram sob o comando do rei do Epiro um reino da

Siciacutelia uma unidade poliacutetica criada para combater a ameaccedila

cartaginesa com a morte de Agaacutetocles Leacutevecircque eacute ainda

bastante otimista quanto agraves novas possibilidades

documentais que confirmariam algo nesse sentido apostando

numa possiacutevel descoberta de evidecircncias epigraacuteficas

reveladoras a esse respeito

O problema emerge quando Pirro que pode ser

considerado tanto rei do Epiro quanto rei da Siciacutelia

separadamente planejou unificar ambos os reinos e trataacute-

los ao modo heleniacutestico o que natildeo seria admitido nem entre

os molossianos que mantinham certo controle sobre a figura

do rei (a exemplo da cunhagem das moedas que foi aos

poucos sendo conquistada por Pirro) nem entre os

siciliotas (que no final da expediccedilatildeo enxergaram em seu

liacuteder um tirano) para quem Pirro era basileu com funccedilotildees

restritas de hegemon Pode-se dizer que os siciliotas

concederam a Pirro o poder de um monarca ldquohelecircnicordquo ao

passo que o epirota tentou se comportar como um monarca

ldquoheleniacutesticordquo postura que lhe rendeu da mesma forma que a

Agaacutetocles a classificaccedilatildeo negativa (tiacutepica do periacuteodo) de

ldquotiranordquo

245 Leacutevecircque Pirro p 462

111

4 Agaacutetocles Pirro e a imitatio Alexandri em

campo de batalha

41 A expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles

Poliacutebio relata que Cipiatildeo o Africano responsaacutevel pela

reviravolta na Segunda Guerra Puacutenica ao inverter a

estrateacutegia de Aniacutebal Barca levando assim a guerra da

Itaacutelia para a Aacutefrica julgando que as cidades africanas natildeo

teriam condiccedilotildees logiacutesticas para suportar a investida

respondeu quando lhe perguntaram quais eram os maiores

estadistas em coragem e sabedoria ldquoAgaacutetocles e

Dioniacutesiordquo246 Essa resposta se veriacutedica jaacute bastaria para

argumentar que Agaacutetocles embora natildeo tenha sido bem-

sucedido em sua expediccedilatildeo africana era de fato um grande

estadista simplesmente por ter ascendido ao poder em

Siracusa amparado por sua riqueza (que lhe permitiu

recrutar mercenaacuterios) e eloquumlecircncia bem como adotado uma

estrateacutegia ofensiva contra os cartagineses a qual marcaraacute

profundamente a histoacuteria militar do mundo antigo

particularmente a decisatildeo de Cipiatildeo o Africano Embora

fracassada a uacutenica expediccedilatildeo grega em territoacuterio africano

serviu igualmente para ilustrar que Agaacutetocles mesmo antes

de se proclamar basileu havia possivelmente conduzido uma

imitatio Alexandri em campo de batalha Como argumentarei

em seguida ao retomar uma pista lanccedilada por Griffith em

1935 e que parece ter sido deixada de lado pela

historiografia talvez por seu otimismo excessivo poderei

argumentar a favor do uso de grupamentos taacuteticos em moldes

heleniacutesticos durante a expediccedilatildeo africana momentos antes

da autoproclamaccedilatildeo monaacuterquica do comandante siracusano

Antes disto contudo torna-se necessaacuterio precisar o

contexto de tal expediccedilatildeo

246 Polib 1535

112

Agaacutetocles estava provavelmente sem esperanccedilas de

receber auxiacutelio diante da ofensiva cartaginesa na ilha uma

vez que os poderes orientais natildeo haviam manifestado

interesse imediato nas questotildees do ocidente heleniacutestico

Diante disso bem como da presenccedila do inimigo Agaacutetocles

decidiu inverter a estrateacutegia e assolar o territoacuterio

africano numa estrateacutegia de ousadia sem precedentes para

os siciliotas apostando no apoio que poderia obter dos

liacutebios e no ldquoesfriamentordquo do espiacuterito combativo dos

cartagineses que ao depositarem a responsabilidade da

defesa de sua cidade nas matildeos de mercenaacuterios (estando os

mesmos ocupados em Siracusa) teriam perdido qualquer

possibilidade de aquisiccedilatildeo de experiecircncia militar e ldquoardor

combativordquo Os soldados cartagineses que viviam

luxuosamente numa paz prolongada (τετρυφηκότας ἐν εἰρήνῃ

πολυχρονίῳ) portanto sem qualquer experiecircncia nos perigos

da batalha seriam facilmente derrotados como nos lembra

Diodoro ldquopor aqueles que haviam sido treinados na escola

do perigordquo (πὸ τν ἐνηθληκότων τοῖς δεινοῖς)247 Agaacutetocles entatildeo

reuniu cerca de 13500 mercenaacuterios preparou 60 embarcaccedilotildees

e aguardou um momento de distraccedilatildeo dos cartagineses para

navegar rumo ao norte da Aacutefrica provavelmente sem informar

os seus homens de seu plano Apoacutes uma semana de viagem o

siracusano desembarcou com as tropas num lugar a 110 km de

Cartago e decidiu atear fogo agraves embarcaccedilotildees por que natildeo

queria dividir as suas forccedilas (deixando um destacamento

para vigiar a frota estacionada) ou talvez como reforccedilo

psicoloacutegico para o objetivo final da empreitada deixar a

regiatildeo com os cartagineses subjugados tendo para isso o

apoio das divindades (Demeacuteter e Kore as divindades

patronas da Siciacutelia a quem Agaacutetocles havia oferecido o

ldquosacrifiacutecio dos naviosrdquo) Durante a sua marcha para

Cartago o exeacutercito deparou-se com regiotildees bastante

247 Diod 203 Meister CAH 7 p 394

113

feacuterteis tendo tomado por assalto as cidades de Megaloacutepolis

e Tuacutenis Em seguida os mercenaacuterios montaram acampamento

proacuteximo a Cartago onde aguardaram o embate decisivo com o

exeacutercito cartaginecircs na ocasiatildeo formado por seus proacuteprios

cidadatildeos

Apavorados e sem experiecircncia os cartagineses sofreram

uma derrota terriacutevel como analisarei no proacuteximo item

dando liberdade para o saque de diversas cidades (a exemplo

de Neapolis) pelos mercenaacuterios e para o estabelecimento de

uma alianccedila com Elimas rei dos liacutebios Durante a investida

na costa leste da atual Tuniacutesia os cartagineses tentaram

um contra-ataque apostando no corte das linhas de

abastecimento de Neapolis e na reaproximaccedilatildeo com os liacutebios

o que para azar de Agaacutetocles desdobrou-se na traiccedilatildeo de

Elimas248 O siracusano no entanto apressou-se no retorno

a Tuacutenis e conseguiu lidar com a situaccedilatildeo de forma

satisfatoacuteria para o sucesso inicial da expediccedilatildeo Mais de

2000 cartagineses foram mortos e o traidor o rei Elimas

executado como exemplo Esta foi a primeira fase da

expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles seguida por uma seacuterie de

eventos que colocaratildeo fim agraves esperanccedilas de submissatildeo do

norte da Aacutefrica pelos gregos

De modo geral considera-se o periacuteodo posterior a 309

aC como sendo o de fracasso progressivo da expediccedilatildeo

Agaacutetocles enfrentaraacute motins entre seus homens e resolvecirc-

los-aacute com eficiecircncia249 Em seguida apoacutes uma extensatildeo da

guerra mais ao interior e a incorporaccedilatildeo do exeacutercito de

Ophellas de Cirene250 o siracusano tomou a guerra entre

cartagineses e numiacutedios como momento favoraacutevel para a

intensificaccedilatildeo da ofensiva Mas ele natildeo foi capaz de manter

o seu exeacutercito unido durante o seu retorno forccedilado a

248 P Oxyrhynchus 2399 Meister CAH 7 p 396

249 Diod 2033-34

250 Episoacutedio analisado no iniacutecio deste capiacutetulo

114

Siciacutelia Com Agaacutetocles de volta a Siracusa Arcagathus

deixado no comando das tropas de seu pai fracassou diante

dos cartagineses e perdeu boa parte do exeacutercito de

Agaacutetocles tentando sem sucesso recobraacute-lo em Tuacutenis A

uacuteltima esperanccedila de Agaacutetocles era induzir os cartagineses a

uma batalha decisiva contra os homens que havia trazido da

Siciacutelia mas eles aprenderam a liccedilatildeo um pouco antes

Permaneceram em seus fortes aguardando que o exeacutercito

mercenaacuterio grego se desfizesse em discoacuterdia ou tentasse um

ataque desesperado Apoacutes uma batalha mal sucedida

Agaacutetocles se viu novamente obrigado a deixar os seus planos

na Aacutefrica mas desta vez sem alimentar quaisquer

expectativas de retorno Para selar a desgraccedila final ao

perceber que natildeo dispunha de embarcaccedilotildees suficientes para

todo o exeacutercito o comandante siracusano optou por deixar o

continente africano secretamente251

251 Meister CAH 7 p 400

115

411 O exeacutercito de Agaacutetocles

Em primeiro lugar uma diferenccedila baacutesica deve ser

esclarecida quanto ao uso dos mercenaacuterios por Siracusa e

pelos chamados ldquotiranos siciliotasrdquo Os uacuteltimos natildeo

poderiam eacute claro contar com o suporte de tropas ciacutevicas

(ao menos com a maioria delas) uma vez que seus propoacutesitos

eram quase sempre inconstitucionais252 Da mesma forma a

cidade siciliota natildeo poderia contar unicamente com

soldados-cidadatildeos por trecircs motivos (1) a guerra contra os

cartagineses natildeo ocorria em caraacuteter sazonal jaacute que os

cartagineses empregavam mercenaacuterios em larga escala na

Siciacutelia (2) quando a cidade reagia ao poder militar de um

tirano precisava fazecirc-lo numa loacutegica semelhante agrave

periodicidade do combate contra os cartagineses e (3) o

exeacutercito altamente flexiacutevel dos tiranos constituiacutea uma arma

muito superior aos exeacutercitos ciacutevicos mal treinados Temos

entatildeo um ponto comum entre a poacutelis e os tiranos isto eacute o

uso de mercenaacuterios em larga escala por ambos mas esta

identificaccedilatildeo no estatuto de parte dos soldados recrutados

natildeo leva ao recrutamento de tropas mercenaacuterias com funccedilotildees

taacuteticas idecircnticas De fato ao passo que os democratas

confiavam basicamente nos mercenaacuterios de procedecircncia grega

os tiranos mostravam-se verdadeiros entusiastas do

ldquomercenariato sem fronteiras eacutetnicasrdquo provavelmente por

conta do sentimento de hostilidade agrave cidadania253 O uso

constante de tais tropas combinado agrave lideranccedila de um

general experiente (o que Cartago natildeo foi capaz de

fornecer como veremos no proacuteximo capiacutetulo) resultou na

porccedilatildeo grega da Siciacutelia no desenvolvimento de uma tradiccedilatildeo

militar peculiar atualizada do ponto de vista taacutetico e

252 Vendo o roacutetulo da tirania no seacutecIII aC como pertencente aos

politicos que desdobraram seu poder de uma situaccedilatildeo inconstitucional

(strategia autocraacutetica compulsoacuteria na maior parte das vezes) 253 Argumento desenvolvido por Duncan Head Armies of the Macedonian

and Punic Wars organization tactics dress and weapons Sussex

Wargames Research Group Publication 1982 P10

116

favoraacutevel sob a autoridade de um poliacutetico em sintonia com

o mundo heleniacutestico agraves inovaccedilotildees de natureza

institucional

Em 310 aC Agaacutetocles contava com 13500 mercenaacuterios

para a sua expediccedilatildeo africana dos quais contamos 1000

hoplitas 3000 gregos (distintos dos primeiros por que natildeo

integravam a guarda pessoal do siracusano) 3500

siracusanos 2500 soldados de infantaria de origem incerta

(talvez aliados sicilianos natildeo-gregos) 3000 mercenaacuterios

samnitas etruscos e celtas 500 arqueiros e fundeiros254

A

ausecircncia das referecircncias agrave cavalaria provavelmente indica a

esperanccedila de Agaacutetocles em recrutar cavaleiros localmente

assim que chegasse ao norte da Aacutefrica Passados os dois

primeiros anos da expediccedilatildeo Agaacutetocles pocircde dobrar as suas

forccedilas tendo incorporado o exeacutercito de Ophellas Amparados

por essa informaccedilatildeo em Diodoro podemos seguramente dizer

que a forccedila militar de Agaacutetocles passou a contar tambeacutem com

10000 soldados de infantaria 600 cavaleiros 100 carros

de guerra e 300 homens para lutar ao lado de tais carros255

As funccedilotildees ou origens eacutetnicas dos homens de Ophellas satildeo

incertas mas Agaacutetocles natildeo deve ter sido capaz de mantecirc-

los sob seu comando a julgar pelos nuacutemeros que Diodoro nos

apresenta para o ano de 307 aC apoacutes o siracusano ter

recebido reforccedilos da Siciacutelia Entre os ldquosobreviventesrdquo

Agaacutetocles contava com somente 6000 gregos 6000 samnitas

etruscos e celtas e 1500 cavaleiros256 Por uacuteltimo ainda

que Agaacutetocles tenha adquirido reforccedilos liacutebios os mesmos

natildeo se mantiveram leais ao tirano transferindo-se no final

das contas para o domiacutenio cartaginecircs

254 Diod 2011 Obviamente Diodoro aqui confunde unidades eacutetnicas com

unidades taacuteticas Cf Griffith pp 198-202 255 Diod 2041 256 Diod 2064

117

412 Agaacutetocles general como Alexandre

Em 1935 Griffith havia jaacute se posicionado a favor de

uma imitatio Alexandri por Agaacutetocles em campo de batalha257

Para ele as taacuteticas e formaccedilotildees usadas pelo siracusano

eram ocasionalmente reminiscentes daquelas empregadas por

Alexandre Em primeiro lugar apesar de lamentar a ausecircncia

de um relato preciso das campanhas de Agaacutetocles Griffith

pontua a existecircncia ao menos na Aacutefrica de um ldquobatalhatildeo de

infantaria especialmente forterdquo em nuacutemero de 1000 o

qual de acordo com o historiador corresponderia grosso

modo aos hipaspistai de Alexandre Em segundo lugar as

taacuteticas adotadas por Agaacutetocles na mesma batalha contra os

carros de guerra cartagineses corresponderiam exatamente ao

que Alexandre havia feito em Gaugamela contra Dario A

interpretaccedilatildeo das manobras siracusanas como adaptaccedilatildeo das

taacuteticas macedocircnicas poderia ser combatida pela carecircncia de

evidecircncias mais concretas mas a sua coincidecircncia com o

emprego de uma guarda pessoal a qual estava provavelmente

baseada no sistema de funcionamento taacutetico dos hipaspistai

de Alexandre fortalece o argumento A chave para a segunda

parte encontra-se portanto na defesa dos 1000 homens que

compunham a τς θεραπείας258 como uma versatildeo siciliota (ao

menos na expediccedilatildeo africana) dos hipaspistai de Alexandre

Diodoro faz referecircncia agrave existecircncia de um exeacutercito

(aparentemente regular) em Siracusa o qual teria sido

entregue a Hicetas eleito o novo strategos pelos

siracusanos com os problemas sucessoacuterios advindos da morte

de Agaacutetocles259 Tal evidecircncia como recorda Zambon indica

que Agaacutetocles natildeo havia deixado o poder sem um exeacutercito que

lhe fosse fiel e que o mesmo fora usado por Hicetas contra

257 Griffith pp 200-201

258 Literalmente ldquoguarda pessoalrdquo de Agaacutetocles como aparece em Diod

2011 259 Diod 2118

118

Menon260 Mas que exeacutercito era esse Qual era a sua

composiccedilatildeo Infelizmente natildeo temos nenhuma informaccedilatildeo

extra sobre os soldados leais a Agaacutetocles (agrave exceccedilatildeo dos

mamertinos) mas a julgar pela organizaccedilatildeo de uma guarda

pessoal durante a expediccedilatildeo africana a qual certamente natildeo

era desfeita com facilidade261 podemos dizer que a mesma

possivelmente compunha o exeacutercito regular herdado por

Hicetas em Siracusa cerca de vinte anos depois262

De acordo com Diodoro os cartagineses natildeo puderam

aguardar os reforccedilos vindos das regiotildees aliadas devido agrave

situaccedilatildeo alarmante provocada pela ofensiva grega e

decidiram dispor os seus soldados-cidadatildeos em campo de

batalha os quais segundo o historiador siciliano estavam

em nuacutemero aproximado de 40000 e eram acompanhados por

1000 cavaleiros provavelmente numiacutedios (embora a fonte

natildeo mencione a origem eacutetnica) e 2000 carros de guerra263

A ala esquerda era formada por soldados organizados em

260 Zambon Hellenistic Sicily p 30 Sebastiana Consolo Langher La

Sicilia dalla scomparsa di Timoleonte alla morte di Agatocle In

Emilio Gabba La Sicilia Antica 2 1 La Sicilia greca dal IV secolo

alle guerre puniche Napoli Societagrave editrice storia di Napoli e della

Sicilia 1980 pp 289-342 261 Note-se por exemplo o caso dos arguraspides macedocircnicos

262 Diz-se que os arguraspides de Alexandre possuiacuteam mais de 60 anos

quando apoiaram Eumenes sendo ainda temidos por sua disciplina e

experiecircncia Na cronologia apresentada para a guarda pessoal de

Agaacutetocles os soldados teriam idade bem menor que a guarda Real de

Alexandre tornando o argumento plausiacutevel para a eacutepoca 263 Aqui o nuacutemero eacute claramente absurdo Talvez Diodoro (2010) quisesse

se referir a 200 carros de guerra o que seria aceitaacutevel com bastante

otimismo apoacutes reduzir as centenas e comparar os possiacuteveis nuacutemeros

desta batalha com aqueles apresentados por exemplo entre os persas

em Gaugamela (100 carros citas na ala esquerda ao lado da cavalaria

de mesma procedecircncia e de 1000 cavaleiros bactrianos em oposiccedilatildeo a

Alexandre como indica Arr 311) Justino (226) conta 30000 homens

no total (obvius ei fuit cum XXX milibus paganorum Hanatildeo sed proelio

commisso duo de Siculis tria milia de Poenis cum ipso duce cecidere)

da mesma forma que Paulo Oroacutesio Historiae Adversum Paganos 4625

(Hanatildeonem quendam cum triginta milibus Poenorum obuiam habuit) Entre

os historiadores modernos Consolo Langher (pp 139-143) aponta para

10000 cavaleiros certamente presumindo que Diodoro se equivocou ao

lanccedilar apenas 1000 cavaleiros (ἱππεῖς δὲ χιλίους) ao lado de 2000 carros de guerra (ἅρματα δὲ δισχίλια) Consideramos contudo que o erro tenha se dado precisamente na apresentaccedilatildeo dos carros de guerra pelos motivos

enumerados

119

grande profundidade (por induccedilatildeo do terreno) sob o comando

de Bomilcar na ala direita que estava sob o comando de

Hanatildeo encontrava-se o Batalhatildeo Sagrado Agrave frente de toda a

infantaria os cartagineses dispuseram os carros de guerra e

a cavalaria264 Agaacutetocles apoacutes tomar conhecimento da

formaccedilatildeo inimiga confiou a ala direita ao seu filho

Archagathus no comando de 25000 soldados Ao lado de

Archagathus seguiam-se 3500 siracusanos 3000

mercenaacuterios gregos e um grupamento misto de samnitas

etruscos e celtas tambeacutem em nuacutemero de 3000 Agaacutetocles

encontrava-se de frente para o ieros lochos cartaginecircs no

comando de sua guarda pessoal um total de 1000 soldados

pesadamente armados (ao menos equipados para o choque

frontal) Nas alas ele dispocircs os 500 arqueiros e

fundeiros265

Deve ser observado que Agaacutetocles liderou sua guarda

pessoal contra o Batalhatildeo Sagrado ou seu equivalente

cartaginecircs e que a mesma compunha um grupamento de 1000

soldados de infantaria pesadamente armada Sabemos que a

guarda pessoal em questatildeo natildeo se tratava de um ieros

lochos pois a sua lealdade como o termo grego indica

estava primeiramente ligada a Agaacutetocles depois

possivelmente agrave cidade de Siracusa Aleacutem disso os nuacutemeros

natildeo batem com o que nos eacute dado pelas fontes para os ieroi

lochoi De acordo com Plutarco o ieros lochos foi

inicialmente formado como eacute dito por Gorgias a partir de

300 homens selecionados (ἐξ ἀνδρν ἐπιλέκτων τριακοσίων) para os

quais a cidade fornecia treinamento e manutenccedilatildeo []rdquo266

Dadas as proporccedilotildees dos exeacutercitos gregos no tempo de

Peloacutepidas poderiacuteamos argumentar que a guarda pessoal de

Agaacutetocles representaria um inchaccedilo de um Batalhatildeo Sagrado

264 Diod 2010

265 Diod 2011

266 Plut Pelop 18

120

siracusano se houvesse referecircncia agrave existecircncia de tal

destacamento em Siracusa se o termo empregado pelas fontes

fosse ieros lochos ao inveacutes de therapeiacutea e se a expediccedilatildeo

africana tivesse demorado tempo suficiente para aumentar a

lealdade das tropas a Agaacutetocles em detrimento da cidade que

os teria formado e mantido no caso de possiacutevel a

argumentaccedilatildeo de um ieros lochos natildeo mencionado com os

termos apropriados267 Como dito acima natildeo haacute indiacutecios para

nenhum dos trecircs casos aleacutem de ter a lealdade da tropa sido

vinculada em sua uacutenica apariccedilatildeo em Diodoro estritamente

ao comandante siracusano Eacute provaacutevel que esta guarda

pessoal portanto tenha reconhecido a toga puacuterpura de

Agaacutetocles como adequada ao seu poder o que anula a

hipoacutetese de ter sido essa somente uma guarda pessoal de um

tirano como encontramos nos periacuteodos anteriores Aleacutem

disso o contexto de imitatio Alexandri no campo poliacutetico

bem documentado durante a expediccedilatildeo africana assim como a

interaccedilatildeo que Agaacutetocles mantinha com o mundo heleniacutestico

contribuem para uma provaacutevel resignificaccedilatildeo da guarda

pessoal em questatildeo Em uacuteltima instacircncia tratava-se da

guarda de algueacutem que jaacute se via com direitos a uma sucessatildeo

forjada ao trono macedocircnico sendo a identificaccedilatildeo com os

hipaspistai algo bastante plausiacutevel

Tratemos agora do posicionamento dos arqueiros e

fundeiros contra os carros de guerra e cavaleiros do

exeacutercito cartaginecircs Recordo que em Gaugamela Alexandre

havia disposto na ala direita agrianianos arqueiros e

soldados (levemente) armados provavelmente peltastas e na

ala esquerda juntamente com dois corpos de cavalaria

267 Diodoro 1680 em contrapartida emprega o termo ieros lochos para

um grupamento de cartagineses em nuacutemero de 2500 que haviam

combatido em Himera (480 aC) A designaccedilatildeo eacute obviamente

equivocada especialmente pelo nuacutemero excessivo de soldados e por sua

inexperiecircncia em campo de batalha Aleacutem disso essa parece ter sido

uma maneira grega de enquadrar parte das tropas citadinas cartaginesas

pesadamente armadas que raramente combatiam por sua cidade

121

arqueiros cretenses dardeiros traacutecios entre outros Em

331 aC agrianianos e dardeiros das ilhas Baleares

bloquearam o ataque dos carros de guerra citas enquanto os

falangistas ao centro (hipaspistai) natildeo se opuseram

frontalmente a eles deixando-os passar por meio de

manobras de evasatildeo sem causar portanto baixas na

infantaria macedocircnica268 Em 310 aC num campo aberto natildeo

muito distante de Cartago os soldados pesadamente armados

de Agaacutetocles realizaram idecircnticas manobras evasivas

permitindo-os passar (ἃ δ εἴασαν διεκπεσεῖν) abatendo

inicialmente alguns e em seguida forccedilando o retorno da

maior parte dos carros de guerra contra as suas proacuteprias

tropas269 Como Diodoro natildeo menciona forccedilas de cavalaria do

lado grego o que nos soa estranho a uacutenica reconstruccedilatildeo

possiacutevel para a vitoacuteria sobre os carros de guerra e

cavaleiros se daacute por meio do emprego dos arqueiros e

fundeiros (a exemplo do que ocorreu em Gaugamela) os quais

causaram de acordo com Diodoro muitas baixas nas tropas

acima referidas (mais um indiacutecio de que se tratava de

cavaleiros numiacutedios os quais natildeo eram paacutereo para dardos de

arremesso e projeacuteteis de modo geral desde que disparados

por infantaria levemente armada) Com o fracasso da

investida montada o campo de batalha transformou-se num

cenaacuterio praticamente claacutessico com dois corpos de

infantaria pesadamente armada em confronto direto Hanatildeo

foi incapaz de suportar o choque com os soldados liderados

pessoalmente por Agaacutetocles e Bomilcar no comando da ala

em profundidade ordenou um recuo taacutetico de seus homens

que em princiacutepio seria parte de um plano (inclusive

poliacutetico jaacute que ambicionava de acordo com Diodoro a

morte de seu rival Hanatildeo para entatildeo dar sequumlecircncia ao

268 Ver cap1

269 Diod 2012 προεμβαλόντων γὰρ εἰς ατοὺς τν ἁρμάτων ἃ μὲν κατηκόντισαν ἃ δ

εἴασαν διεκπεσεῖν τὰ δὲ πλεῖστα συνηνάγκασαν στρέψαι πρὸς τὴν τν πεζν τάξιν

122

golpe de Estado)270 A aparente inexperiecircncia dos soldados

nas realizaccedilotildees das manobras assim como a ordem prematura

de seu liacuteder fizeram com que a retirada se transformasse

num verdadeiro massacre obrigando boa parte dos soldados a

se refugiar nas muralhas de Cartago

270 Diod 2012 Meister CAH 7 p 395 Voltarei a tratar desse assunto

no cap4

123

42 A expediccedilatildeo de Pirro do Epiro

Pirro natildeo iria para a Peniacutensula Itaacutelica sem tropas

como queriam os tarentinos embora seu exeacutercito fosse

sensivelmente menor que o de Alexandre o Grande quando do

iniacutecio de sua expediccedilatildeo asiaacutetica271 Plutarco nos informa

que Pirro contava com 20 elefantes 3000 cavaleiros

20000 soldados de infantaria 2000 arqueiros e 500

fundeiros272 Precedido pelo diplomata Cineas como de

costume Pirro se fez acompanhar por dois de seus filhos

nomeadamente Alexandre e Heleno ao passo que seu outro

filho Ptolomeu foi deixado como regente no Epiro Apoacutes

cumprir a rota mariacutetima para a Peniacutensula o que se deu com

inuacutemeros problemas como Plutarco narra com alto niacutevel

dramaacutetico273 o epirota deu iniacutecio ao entendimento pessoal

com seus aliados e agraves primeiras emissotildees monetaacuterias de sua

expediccedilatildeo a partir das quais ele pocircde reforccedilar os viacutenculos

com Alexandre e sua semelhanccedila com os Diaacutedocos assim como

celebrar a alianccedila274 Em seguida tendo alistado tarentinos

em seu exeacutercito o liacuteder da coalizatildeo contra os romanos

parecia estar pronto para a accedilatildeo a qual se transformaraacute ao

final num verdadeiro fiasco tal qual a expediccedilatildeo africana

de Agaacutetocles275 Ambas contudo servem para ilustrar como

as taacuteticas e as figuraccedilotildees do poder heleniacutestico se

apresentaram ao ocidente particularmente na Magna Greacutecia

Siciacutelia e norte da Aacutefrica no iniacutecio com contexto bastante

favoraacutevel aos monarcas

271 Griffith p 61 Leacutevecircque Pirro p297

272 Plut Pirro 152 Pausacircnias 112 sugere que Pirro obteve seus

elefantes apoacutes vencer uma batalha contra Demeacutetrio 273 Plut Pirro 153-8 Zonaras 82 Justino 181 Leacutevecircque Pirro p

297-298 274 Leacutevecircque Pirro p 299 Sobre a cunhagem na Magna Greacutecia e Siciacutelia

durante a expediccedilatildeo de Pirro cf Vincenzo La Bua ldquoLa spedizione di

Pirro in Siciliardquo MGR 7 179-254 1980 Zambon Hellenistic Sicily

pp121-129 275 Aceita-se comumente que a coalizatildeo era formada por samnitas

lucanianos brutianos messapianos e com incerteza apulianos

Leacutevecircque Pirro p 304

124

Do lado romano os preparativos tiveram de ser

iniciados em contexto bastante desfavoraacutevel considerando-

se os problemas com os etruscos e sua simultaneidade com a

formaccedilatildeo da alianccedila italiota conduzida por Pirro Seguindo

os costumes Roma dividiu o exeacutercito entre os cocircnsules

ficando Valeacuterio Levinus no comando das legiotildees contra Pirro

e Coruncanius no comando das legiotildees contra os etruscos

Os romanos haviam tirado jaacute grande proveito das guerras

precedentes como nos informa Poliacutebio [os romanos] se

tornaram verdadeiros mestres na arte da guerra por meio de

sua luta com os samnitas e os celtas (ἀθληταὶ γεγονότες ἀληθινοὶ

τν κατὰ τὸν πόλεμον ἔργων ἐκ τν πρὸς τοὺς Σαυνίτας καὶ Κελτοὺς ἀγώνων)276

Assim deve-se ter em conta que natildeo somente Pirro era um

comandante experiente e com tropas de alto niacutevel como

vimos acima mas tambeacutem os romanos possuiacuteam um niacutevel de

experiecircncia militar e ldquopotencial soldadescordquo adequados ao

seu inimigo Esse eacute um fator importante na medida em que

estabelece entre outros fatores os resultados da campanha

italiana Por potencial soldadesco entendo basicamente a

composiccedilatildeo de ambos os exeacutercitos e o que disso poderia ser

desdobrado em termos taacuteticos excetuando as legiotildees de Roma

e a falange macedocircnica sob Pirro (fundamental em

Heracleia) o restante das tropas (particularmente em

Aacutesculo) possuiacutea as mesmas origens eacutetnicas e portanto

armamento e estilo de combate similares Aleacutem disso a

flexibilidade das legiotildees da forma como explicado no cap4

desta tese contribuiu para o quadro desfavoraacutevel ao rei do

Epiro jaacute que puderam enfrentar a falange (em Heracleia)

com recursos taacuteticos superiores auxiliando no quadro

geral da campanha para o deslocamento do foco poliacutetico

mais a sudoeste precisamente na Siciacutelia grega

276 Polib 16

125

421 O exeacutercito de Pirro

Em 280 aC o exeacutercito que Pirro liderou em sua

expediccedilatildeo italiana estava claramente organizado em estilo

macedocircnico mas nada indica que essa organizaccedilatildeo era

conhecida pelos epirotas anteriormente Historiadores

tendem a apostar numa reforma iniciada cerca de 340 aC

por Alexandre do Epiro amigo e aliado de Filipe II tanto

por sua relaccedilatildeo com os macedocircnios quanto pela logiacutestica

necessaacuteria a uma expediccedilatildeo italiana (realizada em 334

aC) a qual somente seria viaacutevel com um exeacutercito

ldquonacionalmente unificadordquo277 mas natildeo haacute evidecircncias

suficientes para algo mais conclusivo aleacutem de tais

argumentos Talvez Alexandre do Epiro tenha de fato

reformado o exeacutercito epirota nos moldes do projeto de

Filipe da Macedocircnia mas o certo eacute que Pirro cerca de meio

seacuteculo mais tarde dispunha de tais condiccedilotildees

Como dito anteriormente Plutarco nos informa que o

exeacutercito de Pirro era composto por 20 elefantes 3000

cavaleiros 20000 soldados de infantaria (ou 23000 se

considerarmos os 3000 homens enviados juntamente com

Cineas) 2000 arqueiros e 500 fundeiros Curiosamente natildeo

haacute indiacutecios de algo similar aos hipaspistai no exeacutercito

epirota sendo o termo empregado para indicar oficiais

capazes de governar cidades (na Siciacutelia) e natildeo para fazer

referecircncia agraves tropas que compunham uma unidade de

combate278 Obviamente os 20000 soldados de infantaria natildeo

eram puramente epirotas Beloch foi capaz de mostrar a

esse respeito que os aproximados 300000 habitantes do

Epiro dos quais 100000 estariam possivelmente em idade

militar natildeo poderiam fornecer sequer os 20000 soldados de

infantaria do exeacutercito de Pirro levando em consideraccedilatildeo o

277 O argumento pode ser mapeado em Head op cit p 19 e Braccesi

op cit pp43-53 278 Head op cit p 19

126

estado economicamente atrasado da regiatildeo279

Daiacute resulta que

boa parte dos soldados de Pirro em sua expediccedilatildeo italiana

fosse formada por mercenaacuterios de acordo com os dados

obtidos acerca das tropas empregadas em Aacutesculo Aleacutem dos

tarentinos e demais aliados o rei epirota contava com uma

falange macedocircnica e alguns cavaleiros tessaacutelios cedidos

por Ptolomeu Keraunos rei da Macedocircnia uma infantaria

mercenaacuteria da Etoacutelia Acarnacircnia e Atamacircnia e um corpo de

cavaleiros mercenaacuterios gregos arcanianos etoacutelios e

atamanianos280 Sem duacutevida a reputaccedilatildeo de Pirro reforccedilou a

sua capacidade de recrutar novos soldados dispostos a

combater na condiccedilatildeo de profissionais

279 Julius Beloch apud Griffith p61 Poliacutebio (3015 fragmentos

preservados em Estrabatildeo Geografia 77 e Tito Liacutevio 4534) menciona

15000 epirotas escravizados por Emiacutelio Paulo em 168 aC Cf tambeacutem

Griffith p 61 280 Griffith p 62

127

422 O exeacutercito republicano romano

O exeacutercito romano em seus primoacuterdios parece natildeo ter

sido muito diferente daquele encontrado no restante das

cidades do Laacutecio sendo influenciado por seus vizinhos mais

poderosos os etruscos A confederaccedilatildeo etrusca estendeu sua

influecircncia a ponto de nomear a organizaccedilatildeo inicial das

forccedilas romanas ao estilo etrusco compondo trecircs tribos com

a responsabilidade de fornecer 1000 homens em idade

militar cada ficando os soldados sob o comando de um

tribunus As subdivisotildees de cada tribo forneciam uma

centuacuteria (nessa eacutepoca possivelmente contada como 100

homens) o que resultava numa forccedila modesta de 3000

homens a chamada legio A cavalaria (equites) era formada

por nobres e seus filhos totalizando 300 homens montados

(capazes de pagar a manutenccedilatildeo de um cavalo e equipamentos)

divididos entre as tribos De modo geral a historiografia

aceita que essa organizaccedilatildeo inicial somente seraacute modificada

com Seacutervio Tuacutelio aproximadamente entre 580-530 aC281 Ao

lado da criaccedilatildeo de muitas das instituiccedilotildees de Roma Seacutervio

Tuacutelio parece ter realizado o primeiro censo do povo romano

dividindo a populaccedilatildeo em classes obedecendo ao padratildeo de

riqueza Com objetivos claramente poliacuteticos e militares as

centuacuterias (como a populaccedilatildeo era dividida) teriam impacto na

organizaccedilatildeo das assembleacuteias e das tropas Em primeiro

lugar vinha a ordem equumlestre num total de 18 centuacuterias

em seguida a populaccedilatildeo restante aparecia dividida em 5

classes separadas a partir de sua riqueza e contadas da

seguinte maneira em casos de alistamento militar (a) a

primeira classe armada com lanccedila e espada e equipada com

281 Lawrence Keppie The making of the Roman army from republic to

empire London BT Batsford 1984 pp 16-17 Daly pp 48-52

Giovanni Brizzi Le guerrier de lantiquiteacute classique de lhoplite au

leacutegionnaire Monaco Rocher 2004 pp 43-51 John Rich ldquoWarfare and

the Army in Early Romerdquo In Paul Erdikamp A companion to the Roman

army Malden MA Oxford Blackwell 2007 pp 7-23 Para uma visatildeo

detalhada das fontes a respeito ver Michael M Sage The Republican

Army a Sourcebook New York London Routledge 2008 pp 4-41

128

couraccedila de bronze elmo escudo e grevas (b) a segunda

classe armada de forma idecircntica e equipada de maneira

similar excluindo a couraccedila (c) a terceira classe

idecircntica agrave segunda classe exceto pelas grevas (d) a

quarta classe armada com lanccedila e equipada somente com

escudo (e) a quinta e uacuteltima classe armada com fundas e

pedras Os seniores (oposto de iuniores isto eacute em idade

militar) eram empregados somente em caso de cerco

portanto para a defesa da cidade Abaixo da quinta classe

contava-se apenas o grupo de homens (em nuacutemero modesto) sem

propriedade alguma (capite censi ou registrados por

contagem de cabeccedila) os quais eram desqualificados para o

serviccedilo militar282

Terminado o periacuteodo das monarquias a primeira

modificaccedilatildeo no exeacutercito romano (entatildeo republicano) surgiu

em meio aos conflitos contra as comunidades adjacentes no

momento de enfraquecimento dos etruscos mediante a fixaccedilatildeo

dos celtas na regiatildeo dos Alpes e do fortalecimento da

posiccedilatildeo das colocircnias gregas no sul da Peniacutensula Itaacutelica

Nesse contexto precisamente em 406 aC os romanos

partiram para o uacuteltimo embate com a cidade etrusca de

Veios conflito que se encerrou 10 anos depois com a

captura da cidade pelos romanos Durante a guerra contra

Veios o exeacutercito cresceu (de cerca de 4000 para 6000

homens) e o escudo circular foi substituiacutedo pelo escudo

longo italiano o scutum Da mesma forma como parece

oacutebvio o nuacutemero de cavaleiros subiu totalizando as 18

centuacuterias previstas na ldquoreforma servianardquo Eacute nesse momento

(6 anos apoacutes a captura de Veios pelos romanos portanto em

390 aC) que Roma eacute tomada pelos celtas exceto por uma

pequena porccedilatildeo da cidade Capazes de expulsar os celtas de

282 Keppie (op cit p 17) recorda que nessa eacutepoca ldquoa defesa da cidade

era um dever uma responsabilidade e um privileacutegiordquo

129

sua cidade os romanos estavam a caminho do estabelecimento

de sua posiccedilatildeo na Peniacutensula

Alguns autores tecircm sugerido uma identificaccedilatildeo da legiatildeo

romana com os hoplitas gregos283 mas a forma cerrada de

luta dos romanos nos primeiros anos deve indicar mais uma

adaptaccedilatildeo etrusca (que natildeo era uma incorporaccedilatildeo de taacuteticas

gregas como alguns acham razoaacutevel deduzir) do que

propriamente uma forma similar de combate ombro-a-ombro De

qualquer forma logo as unidades manipulares (manipuli)

foram adotadas como resposta agraves exigecircncias de maior

flexibilidade taacutetica Cada maniacutepulo com aproximados 100-

120 homens exceto pelos triarii contava com dois

centuriotildees homens experientes dispostos no comando das

unidades taacuteticas Vale destacar o centuriatildeo secircnior da

legiatildeo disposto no comando no maniacutepulo da extrema direita

dos triarii que era depois incluiacutedo (ex officio) no

conselho geral do cocircnsul juntamente com os tribunos Jaacute no

final do seacutecIV aC basicamente no mesmo periacuteodo da

expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles (310-307 aC) ou talvez um

ano antes o exeacutercito romano encontrava-se dividido em 4

legiotildees comandadas por dois cocircnsules e abaixo deles 6

tribunos militares

Durante a sua expansatildeo em direccedilatildeo ao sul do Laacutecio os

romanos foram capazes de subjugar os samnitas em quase 50

anos de conflito Devido agrave natureza montanhosa da regiatildeo

tem sido sugerido que os maniacutepulos seriam na verdade uma

modificaccedilatildeo ocorrida nesse momento o que se justificaria

com a necessidade de maior flexibilidade taacutetica do

terreno284 De acordo com Tito Liacutevio os maniacutepulos eram

parte de inovaccedilotildees tiacutepicas do periacuteodo da Primeira Guerra

283 Um excelente exemplo (mas natildeo o uacutenico) eacute Keppie op cit p 19 284 Keppie op cit pp18-19 Daly pp 56-63 Brizzi op cit p 47

Louis Rawlings ldquoArmy and Battle During the Conquest of Italyrdquo In

Erdkamp op cit pp 55-58 Sage op cit pp 63-66

130

Samnita285 Apoacutes a linha de tropas levemente armadas

(leves) vinham os maniacutepulos de hastati (os que portavam a

hasta ou lanccedila curta) seguidos pelos maniacutepulos de

principes e por uma terceira linha os maniacutepulos de triarii

(homens mais velhos ndash e experientes - que entravam em cena

no caso de desorganizaccedilatildeo das duas primeiras linhas) Por

fim Tito Liacutevio menciona rorarii (lit tropas levemente

armadas) e accensi (lit tropas reservas) grupos de

soldados levemente armados dispostos como uacuteltima forccedila de

reserva O relato de Tito Liacutevio contudo embora seja de

grande valor natildeo eacute normalmente visto com precisatildeo

histoacuterica desejaacutevel preferindo-se a narrativa do

historiador cuja autoridade nos assuntos militares eacute

inquestionaacutevel Poliacutebio286

De acordo com Poliacutebio em sua detalhada descriccedilatildeo da

organizaccedilatildeo do exeacutercito romano a legiatildeo romana (jaacute no

periacuteodo da Segunda Guerra Puacutenica isto eacute entre 218 e 201

aC) contava com 4200 homens podendo atingir o nuacutemero de

5000 em situaccedilotildees de emergecircncia O processo seletivo

(dilectus ou simplesmente ldquoseleccedilatildeordquo) incorporava homens

entre 17 e 46 anos com propriedade avaliada acima dos 400

denaacuterios apoacutes a avaliaccedilatildeo das habilidades necessaacuterias ao

serviccedilo Ao soldado de infantaria era pago um stipendium

criado para cobrir os prejuiacutezos que supunham o afastmento

de casa perfazendo no tempo de Poliacutebio um total de 120

denaacuterios por ano Os cavaleiros por sua vez recebiam

mais cerca de 365 denaacuterios por ano o que considerava

tanto a sua origem social quanto os custos com o cavalo

Feita a seleccedilatildeo a legiatildeo era dividida da seguinte maneira

(a) os velites formados pelos mais jovens e pobres (b) os

hastati formados pelos mais jovens e pobres depois dos

velites (c) os principes formados pelos ldquopreeminentesrdquo

285 Tito Liacutevio 88-10 286 A referecircncia eacute Polib 619-42

131

(d) os triarii os mais maduros e experientes dos soldados

Os hastati e os principes compunham 2400 homens no total

(10 maniacutepulos de 120 homens cada) acompanhados por 600

triarii (10 maniacutepulos de 60 homens cada) e por deduccedilatildeo

1200 velites Os velites prossegue Poliacutebio eram armados

com espadas lanccedilas de arremesso e um pequeno escudo

circular (parma) Os hastati e os principes encontravam-se

normalmente equipados com duas lanccedilas (pila) cada uma

espada curta (gladius) que era a principal arma do

legionaacuterio e equipados com escudo oval peitoral de

bronze elmo e grevas Os triarii eram equipados da mesma

forma exceto pelo armamento ao inveacutes do pilum o triarius

portava a hasta lanccedila perfurante que natildeo poderia ser usada

para arremesso e era portanto usada no combate corpo-a-

corpo

A cavalaria totalizava 300 homens divididos em 10

turmae de 30 homens cada uma sob o comando de 3 decuriotildees

e equipadas com longos escudos circulares lanccedilas longas e

couraccedila de tecido De modo geral a legiatildeo era disposta em

formato de ldquotabuleiro de xadrezrdquo com os velites agrave frente

de todos os legionaacuterios para a accedilatildeo de escaramuccedila tendo os

hastati principes e triarii organizados em trecircs linhas

subsequumlentes de maneira a permitir a substituiccedilatildeo dos

homens da frente pelos de traacutes devido aos pequenos espaccedilos

propiciados pela formaccedilatildeo A cavalaria como no caso grego

era colocada nas alas como proteccedilatildeo dos flancos

132

423 A batalha de Heracleia (280 aC)

Leacutevecircque sustentou que a postura ofensiva romana ao

reunir as tropas sob Valeacuterio Levinus e marchar

imediatamente contra Pirro tinha trecircs objetivos claros

(1) desferir um golpe decisivo antes que o epirota pudesse

coletar todo o apoio esperado (2) conter uma possiacutevel

revolta das cidades gregas de Regium Locres e Croton ldquoa

quem a chegada do rei podia fazer pesar sua adesatildeo agrave causa

romanardquo e (3) lanccedilar a guerra para longe das terras

submetidas pelos romanos o que natildeo comprometeria a

lealdade desses povos a Roma287 Plutarco nos diz algo

interessante a respeito da reaccedilatildeo de Pirro agrave investida

romana algo que evidencia ainda mais as suas intenccedilotildees

monaacuterquicas heleniacutesticas as quais podem ser encontradas

desde o iniacutecio da sua expediccedilatildeo mesmo antes de se decidir

pela Siciacutelia

Ao ser informado que Levinus o cocircnsul romano se

aproximava com numeroso exeacutercito tendo saqueado a

Lucacircnia no trajeto Pirro natildeo havia ainda se juntado

aos seus aliados mas por julgar ser algo intoleraacutevel

ter de aguardar enquanto seus inimigos avanccedilavam

partiu da cidade com suas tropas []288

A postura de Pirro indica ao menos nessa ocasiatildeo que

o ldquodeverrdquo de lideranccedila de um monarca heleniacutestico (mesmo que

ele somente ambicionasse a monarquia de tipo oriental) era

mais relevante que a uniatildeo completa das tropas pela qual

ele aguardava ou ainda que ele julgava ser possiacutevel vencer

os ldquobaacuterbarosrdquo sem ter reunido todas as suas forccedilas jaacute que

povos militarmente desorganizados por mais belicosos que

fossem natildeo eram paacutereo para os gregos como Alexandre havia

287 Leacutevecircque Pirro p 318

288 Plut Pirro 164 πεὶ δὲ Λαιβῖνος ὁ τν Ῥωμαίων ὕπατος ἠγγέλλετο πολλῆ στρατιᾷ

χωρεῖν ἐπ ατόν ἅμα τὴν Λευκανίαν διαπορθν οδέπω μὲν οἱ σύμμαχοι παρσαν ατῶ δεινὸν δὲ ποιούμενος ἀνασχέσθαι καὶ περιιδεῖν τοὺς πολεμίους ἐγγυτέρω προϊόντας ἐξλθε μετὰ τς δυνάμεως []

133

mostrado em sua expediccedilatildeo asiaacutetica Que essa ideacuteia tenha

ocorrido a Pirro parece plausiacutevel principalmente ao

analisarmos um evento imediatamente posterior de sua marcha

contra os romanos quando o rei observou admirado (ἐθαύμασε)

ldquoa disciplina as sentinelas a sua ordem e o arranjo de

seu acampamentordquo (τάξιν τε καὶ φυλακὰς καὶ κόσμον ατν καὶ τὸ σχμα τς

στρατοπεδείας) dizendo ao seu amigo mais proacuteximo em

conclusatildeo que ldquoa disciplina desses baacuterbaros natildeo eacute

baacuterbarardquo289

Acampamentos montados ambos os lados estavam prontos

para o combate Pirro contava de acordo com Justino com

exeacutercito inferior em nuacutemero ainda que natildeo saibamos os

efetivos concretos dos romanos290 Para o desenrolar da

batalha embora Justino forneccedila o referido indiacutecio sobre a

inferioridade numeacuterica de Pirro as principais fontes satildeo

Plutarco e Dioniacutesio de Halicarnasso291 ambos com acesso ao

que parece aos relatos de duas tradiccedilotildees bastante

distintas Tornou-se consenso haacute muito tempo entre os

historiadores que Plutarco para a batalha em questatildeo

empregou basicamente o relato de Hierocircnimo292 intercalando

o mesmo com anedotas originadas na tradiccedilatildeo analiacutestica as

quais Dioniacutesio utiliza com frequumlecircncia293 Isso explicaria

tanto a versatildeo inteligiacutevel da batalha (o que natildeo eacute um traccedilo

comum nas biografias de Plutarco) quanto a presenccedila de

algumas imagens bastante favoraacuteveis aos romanos e pouco

289 Plut Pirro 167

290 Justino 181 Nec rex tametsi numero militum inferior esset []

Gaetano De Sanctis Storia dei Romani Milan Fratelli Boca 1907 P

392 supotildee que tenham sido somente duas presumindo que ateacute 4 legiotildees

eram normalmente divididas entre os cocircnsules Leacutevecircque Pirro 1957

P322 em contrapartida eacute mais otimista quanto agrave extensatildeo das tropas

de Levinus acreditando que podem ter sido 8 em Heracleia Essas satildeo

contudo suposiccedilotildees baseadas num possiacutevel nuacutemero de legiotildees sob um

uacutenico cocircnsul durante a fase intermediaacuteria da Repuacuteblica uma vez que as

fontes silenciam sobre esse caso em particular 291 Plut Pirro 16-17 e Dioniacutesio 1911-12

292 Plut Pirro 174 Cf Rudolf Schubert Geschichte des Pyrrhus

Koumlnigsberg Wilh Koch 1894 P 176 293 Leacutevecircque Pirro p323

134

criacuteveis do ponto de vista histoacuterico Notemos por exemplo

o retrato pitoresco do episoacutedio de espionagem epirota o

qual precedeu a batalha propriamente dita da forma como

registrado em Dioniacutesio

Levinus o cocircnsul romano tendo capturado um espiatildeo de

Pirro armou e dispocircs todo o exeacutercito em formaccedilatildeo de

batalha (εἰς τάξιν καταστήσας) e apoacutes mostraacute-lo ao espiatildeo ordenou que ele contasse toda a verdade sobre o que

tinha visto [] informando que Lavinus o cocircnsul

romano solicitava que ele [Pirro] natildeo enviasse mais

homens secretamente como espiotildees mas que viesse em

pessoa abertamente (φανερς) para ver o poder dos

romanos (ἰδεῖν τε καὶ μαθεῖν τὴν Ῥωμαίων δύναμιν)294

Pirro decidiu aguardar os reforccedilos de seus aliados numa

das margens do Siris onde estacionou um destacamento grego

para assegurar que os romanos natildeo atravessassem o rio

Estes no entanto mandaram parte de sua infantaria

(provavelmente aliada) cruzar o Siris por um vau enquanto

a cavalaria avanccedilava por diversos outros pontos rasos

expondo os gregos ao risco do envolvimento completo o que

de acordo com Plutarco os fez recuar295 Ao ver que seus

homens bateram em retirada Pirro ordenou aos oficiais que

pusessem a falange em linha enquanto ele proacuteprio como

Alexandre no comando de seus 3000 cavaleiros investiu

contra os romanos na expectativa de que eles se

desordenassem com a ofensiva montada Nem os cavaleiros

puderam romper a ordem das legiotildees com sua ldquoteatralizaccedilatildeo

ofensivardquo (uma vez que natildeo entraram de fato em choque com

o centro da formaccedilatildeo romana) nem o subsequumlente choque com

a falange pocircs os legionaacuterios a correr diferentemente do

que Alexandre havia feito aos persas Relata-nos Plutarco

que foram sete as reviravoltas no desenrolar do confronto

entre as duas infantarias informaccedilatildeo que ele provavelmente

294 Dionisio 1911 Cf tambeacutem Zonaras 836 e Frontino 477

295 Plut Pirro 165

135

obteve de Hierocircnimo296 e que nos permite deduzir a

ocorrecircncia de quatro ataques de Pirro e de trecircs contra-

ataques de Levinus (presumindo que a primeira reviravolta

soacute pode ter sido favoraacutevel aos epirotas jaacute que ao final

eles saiacuteram vitoriosos) Numa das alas provavelmente a

direita o rei sofreu o ataque da cavalaria inimiga mas

venceu apoacutes penoso embate com as tropas montadas de

Oblacus297 Na outra ala Pirro fez avanccedilar os elefantes

que aterrorizaram natildeo somente a cavalaria romana mas

tambeacutem os legionaacuterios mais ao centro Com o moral abalado

e contando ainda com o descontrole dos cavalos inimigos

(que natildeo estavam acostumados aos elefantes) a cavalaria

tessaacutelia foi enviada para encerrar a resistecircncia nessa ala

provocando a exposiccedilatildeo dos dois flancos romanos e julgo

que no mesmo momento a fuga completa da infantaria ao

centro Parece bem provaacutevel por uacuteltimo que os legionaacuterios

tenham corrido exatamente no momento do avanccedilo dos

elefantes do contraacuterio com ambas as alas derrotadas o

exeacutercito ao centro teria sido facilmente esmagado ou

forccedilado a se entregar como vimos em diversos casos nas

batalhas dos Diaacutedocos

A tradiccedilatildeo analiacutestica inventou um termo ldquohistoacutericordquo

para a vitoacuteria de Pirro obtida com muito esforccedilo e sem

consequumlecircncias desastrosas para o derrotado tratava-se de

uma ldquovitoacuteria piacuterricardquo ou como nos diz Diodoro cadmeacuteia298

De acordo com Caacutessio Dio Zonaras e Justino299 a fama

surgiu apoacutes Heracleia segundo Plutarco300 apoacutes a batalha

de Aacutesculo (o que representa um erro por parte do bioacutegrafo

296 Plut Pirro 171

297 Plutarco (Pirro 168) e Dioniacutesio (1912) mencionam um ataque de

caraacuteter pessoal liderado por Oblacus que estava decidido a abater o

rei em primeiro lugar Segundo a tradiccedilatildeo Leonnatus um dos

companheiros de Pirro percebeu a intenccedilatildeo de Oblacus e salvou seu rei

da morte em batalha 298 Diod 226

299 Dion Cassio 940 Zonaras 83 Justino 181

300 Plut Pirro 219

136

jaacute que o balanccedilo geral dos nuacutemeros que caracterizam uma

vitoacuteria piacuterrica eacute apresentado por ele apoacutes Heracleia)

Apesar das diferenccedilas na dataccedilatildeo precisa do termo atribuiacutedo

agrave vitoacuteria de Pirro todas as nossas fontes parecem

concordar com uma vitoacuteria relativa sobre os romanos Ora

como vimos na breve anaacutelise da batalha de Heracleia os

resultados foram bastante francos e decisivos de maneira

que somente uma explicaccedilatildeo soa-nos plausiacutevel para a

propagaccedilatildeo da ldquovitoacuteria piacuterricardquo entre os antigos todas as

fontes posteriores mencionadas empregaram a tradiccedilatildeo

analiacutestica para a mediccedilatildeo dos resultados da batalha sendo

que os autores romanos tinham por objetivo encobrir tamanha

desgraccedila para a sua memoacuteria Note-se por exemplo que

segundo Plutarco Dioniacutesio faz referecircncia a uma perda de

15000 homens para os romanos contra 13000 para Pirro ao

passo que Hierocircnimo autor de maior validade para o estudo

da batalha como vimos considerando-se a probabilidade de

ter acessado as Memoacuterias do rei indica uma perda de 7000

homens para Levinus contra 4000 para o epirota301 Aceitos

os nuacutemeros de Hierocircnimo pelos motivos mencionados natildeo haacute

razatildeo para crer que a vitoacuteria em Heracleia tenha sido de

fato uma ldquovitoacuteria piacuterricardquo devendo-se essa expressatildeo agraves

intenccedilotildees de minimizar a vergonha romana por parte da

tradiccedilatildeo analiacutestica

301 Plut Pirro 174 Leacutevecircque Pirro p 328

137

424 A batalha de Aacutesculo (279 aC)

Eventos de ordem militar e diplomaacutetica seguiram-se agrave

batalha de Heracleia Motivado por uma tentativa de

submissatildeo dos romanos por vias diplomaacuteticas Pirro enviou

Cineas a Roma com autorizaccedilatildeo para estabelecer um acordo

possivelmente antes de sua marcha para os arredores da

cidade (aceitando-se um padratildeo de envio preacutevio do

diplomata como ocorreraacute na Siciacutelia dois anos depois) o

que pode ter ocorrido dependendo da tradiccedilatildeo adotada

antes ou depois do envio de sua embaixada302 Presentes

foram oferecidos e segundo Plutarco todos recusados

termos bastante razoaacuteveis foram propostos pautados

basicamente na ldquoamizade poliacuteticardquo e desistecircncia da

conquista de Tarento pelos romanos sendo todos eles mais

uma vez postos de lado303 Alguns senadores estavam

inclinados a aceitar a paz julgando que um exeacutercito ainda

mais numeroso (reforccedilado com os aliados receacutem-chegados de

Pirro) recairia sobre Roma e mesmo tendo momentaneamente

recusado o que lhes propunha Cineas comeccedilavam a considerar

os termos do acordo epirota quando decidiram finalmente

motivados pelo discurso de Aacutepio Claacuteudio pela continuaccedilatildeo

do embate e da negociaccedilatildeo de resgate dos prisioneiros

certamente por que julgavam ser capazes de vencer Pirro com

as forccedilas restantes (o que natildeo ocorreria se as legiotildees

302 Plutarco (Pirro 18-19) menciona os eventos na seguinte ordem

Heracleia ndash marcha para Roma ndash embaixada ndash libertaccedilatildeo dos prisioneiros

ndash Aacutesculo Apiano (Samn 10-11) apresenta uma versatildeo distinta

Heracleia ndash embaixada ndash marcha para Roma ndash libertaccedilatildeo dos prisioneiros

ndash Aacutesculo Justino (181 182) somente menciona Heracleia a

libertaccedilatildeo dos (200) prisioneiros e Aacutesculo exatamente nessa ordem

Note que a omissatildeo da marcha para Roma pode ter se dado devido ao uso

uacutenico da tradiccedilatildeo analiacutestica 303 Plut Pirro 182 Variaccedilotildees do que propocircs Cineas aos romanos satildeo

encontradas na tradiccedilatildeo liviana segundo a qual Pirro teria oferecido

a libertaccedilatildeo dos prisioneiros e exigido amizade e alianccedila dos romanos

bem como autonomia dos aliados gregos e baacuterbaros em Apiano Samn

101 para quem os termos do acordo resumiam-se ao seguinte

libertaccedilatildeo dos prisioneiros paz com o povo romano incluindo Tarento

no armistiacutecio autonomia das cidades italiotas e restituiccedilatildeo completa

dos territoacuterios aos lucanianos brutianos samnitas e daunianos (na

regiatildeo da Apulia) Ver o quadro geral em Leacutevecircque Pirro p 348

138

tivessem sido enviadas como normalmente faziam os

cartagineses com seu exeacutercito ateacute 307 aC de uma uacutenica

vez sem a formaccedilatildeo de forccedilas de reserva)

Com a decisatildeo inesperada dos romanos Pirro teria que

proceder agrave conquista sistemaacutetica de toda a Peniacutensula para

entatildeo forccedilar Roma aos seus termos que certamente natildeo

seriam tatildeo brandos quanto os primeiros O rei partiu para a

cidade de Aacutesculo situada numa regiatildeo (Apuacutelia) que

diferentemente daquela de Heracleia natildeo facilitaria o uso

das tropas montadas e obviamente dos elefantes Em

Aacutesculo Pirro contava jaacute com a infantaria e a cavalaria

samnita brutiana lucaniana e tarentina304 Aqui surgem

duas possibilidades para o desenvolvimento da batalha a

primeira delas seguindo o relato de Hierocircnimo (novamente

citado por Plutarco) menciona duas batalhas em Aacutesculo a

segunda de acordo com Dioniacutesio (igualmente citado pelo

bioacutegrafo) faz referecircncia a somente uma longa batalha305

Como anteriormente tambeacutem para a batalha de Aacutesculo parece-

nos mais apropriado o relato de Hierocircnimo dada a

quantidade de detalhes apresentados e a reputaccedilatildeo do

historiador em questatildeo Aleacutem disso a adequaccedilatildeo dos nuacutemeros

continua sendo tal como em Heracleia mais plausiacutevel na

tradiccedilatildeo grega Plutarco nos informa que apoacutes encerrado um

conflito inicial entre as duas infantarias (o que se deduz

pela inadequaccedilatildeo do terreno ao uso de cavaleiros) ambos os

exeacutercitos se retiraram do combate por um dia (ou cerca de

12 horas uma vez que abriram matildeo do combate segundo

Plutarco ao anoitecer) No dia seguinte contudo

intencionado a trazer a luta agrave parte nivelada do terreno

onde poderia empregar seus elefantes e cavaleiros Pirro

ocupou as porccedilotildees mais desniveladas com suas tropas

ligeiras (dardeiros e arqueiros) fazendo-as atirar

304 Leacutevecircque Pirro p 391

305 Plut Pirro 215-8

139

projeacuteteis na maior intensidade possiacutevel forccedilando com essa

manobra o deslocamento do combate para o local que lhe era

mais favoraacutevel Com o passar do tempo de combate frontal a

falange macedocircnica comeccedilou a empurrar as legiotildees ao menos

num dos pontos que Plutarco nos faz crer ser o local onde

estava situado o rei306 O momento decisivo da batalha

contudo se deu novamente durante a investida dos

elefantes que os romanos ainda natildeo haviam aprendido a

combater Apoacutes o avanccedilo dos paquidermes provavelmente em

ambas as alas os romanos natildeo puderam se manter em

formaccedilatildeo o que resultou uma vez mais na vitoacuteria do rei

do Epiro sobre Roma Hierocircnimo menciona de acordo com

Plutarco uma perda de 6000 homens para os romanos contra

3505 homens do lado epirota segundo os proacuteprios

comentaacuterios das Memoacuterias de Pirro (que o historiador de

Caacuterdia pocircde certamente consultar)307 Dioniacutesio em

contrapartida sequer admitiu uma derrota romana

mencionando natildeo somente que os suprimentos de Pirro havia

sido saqueada mas tambeacutem que as perdas foram equivalentes

perfazendo um total de 15000 mortos para cada lado

A partir desta batalha se seguirmos os eventos do modo

como apresentado pela tradiccedilatildeo grega podemos concluir sem

exagero que os convites recebidos tanto da Siciacutelia308 quanto

da Macedocircnia309 foram plenamente baseados em sua receacutem-

adquirida reputaccedilatildeo poliacutetica e militar Da mesma forma a

decisatildeo de partir para a Siciacutelia como o liacuteder pelo qual os

306 Uma reconstruccedilatildeo moderna sobre o possiacutevel ordenamento da batalha

encontra-se em Oswald Andreas Hamburger Untersuchungen uumlber den

pyrrhischen Krieg Wuumlrzburg Wolff 1927 P 31 307 Plut Pirro 218

308 Como detalhado acima no item ldquoPirro e o problema da monarquia

heleniacutesticardquo 309 Alguns povos celtas encontravam-se novamente em processo migratoacuterio

a julgar pelos nuacutemeros apresentados por Diodoro (229) tendo

derrotado Ptolomeu Ceraunus filho de Ptolomeu I durante a invasatildeo da

Macedocircnia ldquoBreno o rei dos gauleses acompanhado por 150000

soldados de infantaria armados com escudo longo (θυρεοφόρων) e 10000 cavaleiros juntos com uma horda de seguidores mercadores e duas mil

carroccedilas invadiram a Macedocircnia []rdquo

140

siciliotas aguardavam desde a morte de Agaacutetocles configurou

o contexto peninsular de uma forma completamente diferente

do que seria se o epirota prosseguisse com as campanhas

contra os romanos Se no teacutermino das lutas Roma teria sido

subjugada nunca saberemos (isso nos seria possiacutevel somente

como exerciacutecio retoacuterico) mas parece niacutetido que as decisotildees

posteriores de Pirro tenham sido baseadas na sua reputaccedilatildeo

em suas vitoacuterias sobre os romanos e no que ele poderia

realizar em termos de feitos grandiosos (tais como a

helenizaccedilatildeo completa da Siciacutelia e a conquista de Cartago)

como monarca de aspiraccedilotildees heleniacutesticas e natildeo numa espeacutecie

de ato desesperado para salvar a expediccedilatildeo apoacutes duas

ldquovitoacuterias piacuterricasrdquo durante as quais o espiacuterito militar

romano permaneceu inabalaacutevel como nos faz crer a tradiccedilatildeo

analiacutestica

141

CAPIacuteTULO 4 ndash AS DUAS FASES DAS INOVACcedilOtildeES MILITARES

EM CARTAGO

1 ldquoNenhum tirano destruiraacute nossa cidaderdquo

controle oligaacuterquico e fracasso da tirania em

Cartago 310-255 aC

A decisatildeo de transferir a guerra da Siciacutelia para a

Aacutefrica ainda que a porccedilatildeo grega da ilha estivesse em

condiccedilotildees bastante desfavoraacuteveis estava ancorada como

mostrei no capiacutetulo anterior no conhecimento de Agaacutetocles

sobre o despreparo do exeacutercito ciacutevico cartaginecircs o qual

teria forccedilosamente que entrar em combate com os experientes

mercenaacuterios do siracusano caso fossem pegos de surpresa em

sua proacutepria cidade ou nos arredores mas tambeacutem no

reconhecimento das tensotildees existentes entre a oligarquia

cartaginesa e seus generais As centenas de quilocircmetros que

separavam Cartago da porccedilatildeo oeste da Siciacutelia por vezes

tornavam os ldquorelatoacuteriosrdquo das accedilotildees cartaginesas na ilha

esporaacutedicos e imprecisos310

resultando na coexistecircncia de

dois fatores aparentemente excludentes

Em primeiro lugar destaca-se a autonomia dos generais

de exeacutercitos mercenaacuterios na Siciacutelia com liberdade para

realizar tratados de paz e formar alianccedilas ainda que elas

tivessem que ser confirmadas posteriormente pelo Conselho

de Anciatildeos311

Em segundo lugar encontra-se o controle de

seu poder poliacutetico e militar pela oligarquia o que

frequumlentemente findava em puniccedilotildees financeiras deposiccedilatildeo

do cargo ou ateacute mesmo privaccedilatildeo de direitos ciacutevicos no caso

de derrota assim como deposiccedilatildeo e crucificaccedilatildeo dos

comandantes se confirmada aspiraccedilatildeo tiracircnica mesmo que em

310 Miles pp 146-148 311 Dexter Hoyos ldquoBarcid bdquoproconsuls‟ and Punic politics 237-218 BCrdquo

Rheinisches Museum fuumlr Philologie 137 246-274 1994 Miles p 146

142

potencial A existecircncia dessa tensatildeo aparece por exemplo

em Diodoro ao mencionar o tratamento hostil dado aos

generais cartagineses pelos seus compatriotas

A causa baacutesica desse problema era a severidade dos

cartagineses ao infligir puniccedilotildees Em suas guerras eles

dispotildeem seus homens mais nobres (τοὺς [] ἐπιφανεστάτους τν ἀνδρν) no comando julgando que esses deveriam ser os primeiros a enfrentar o perigo em nome de toda a

cidade mas quando eles conquistam a paz [os

oligarcas] condenam os mesmos homens em julgamento

trazendo injustamente acusaccedilotildees contra eles por inveja

e os depotildeem com penalidades Portanto alguns desses

homens dispostos em posiccedilotildees de comando desertam

temendo os julgamentos nas cortes ao passo que outros

se lanccedilam agrave tirania (τινὲς δἐπιτίθενται τυραννίσιν)312

Isoacutecrates alguns seacuteculos antes de Diodoro afirmou que

entre os cartagineses ldquoas cidades [eram] governadas por uma

oligarquia mas os assuntos militares por um reirdquo (οἴκοι μὲν

ὀλιγαρχουμένους περὶ δὲ τὸν πόλεμον βασιλευομένους)313 Com isso o

312 Diod 20102-4 αἰτία δὲ μάλιστα τούτων ἡ πρὸς τὰς τιμωρίας πικρία τν Καρχηδονίων τοὺς γὰρ ἐπιφανεστάτους τν ἀνδρν ἐν μὲν τοῖς πολέμοις προάγουσιν ἐπὶ τὰς ἡγεμονίας νομίζοντες δεῖν ατοὺς τν ὅλων προκινδυνεύειν ὅταν δὲ τύχωσι τς εἰρήνης τοὺς ατοὺς τούτους συκοφαντοῦσι καὶ κρίσεις ἀδίκους ἐπιφέροντες διὰ τὸν φθόνον τιμωρίαις περιβάλλουσι διὸ καὶ τν ἐπὶ τὰς ἡγεμονίας ταττομένων τινὲς μὲν φοβούμενοι τὰς ἐν τῶ δικαστηρίῳ κρίσεις ἀποστάται γίνονται [τς ἡγεμονίας] τινὲς δ ἐπιτίθενται τυραννίσιν Nigel Bagnall The Punic Wars New York St Martin 2005 pp 9-11 Miles

op cit p 147 Cabe mencionar aqui o caso relatado em Diod 2310

quando Aniacutebal (natildeo o Barca) apoacutes a derrota na batalha naval de Mylae

durante a Primeira Guerra Puacutenica temendo a puniccedilatildeo oligaacuterquica

decidiu enviar um mensageiro a Cartago para perguntar aos oligarcas se

ele no comando de 200 embarcaccedilotildees deveria entrar em confronto com os

romanos que contavam apenas com 120 embarcaccedilotildees com a resposta

positiva dos entusiasmados compatriotas o mensageiro entatildeo contou que

foi exatamente essa a decisatildeo de Aniacutebal tendo ele no entanto

perdido a batalha para os romanos Diante disso concluiu o

mensageiro o general natildeo deveria ser punido uma vez que agiu como

todos julgavam ser correto O caso serve para ilustrar o receio dos

comandantes cartagineses quanto agraves puniccedilotildees do Senado mais do que

propriamente a severidade dos castigos Sobre a puniccedilatildeo senatorial

podemos destacar a crucifixatildeo como no caso do comandante cartaginecircs

crucificado pelos compatriotas apoacutes desistir de Messina com a chegada

de Aacutepio Claacuteudio cocircnsul romano enviado para dar suporte militar aos

mamertinos (Polib 111) De acordo com Poliacutebio os cartagineses

puniram seu general por sua falta de bom juiacutezo sobre as coisas

(νομίσαντες ατὸν ἀβούλως) e por abandonar a cidadela covardemente

(ἀνάνδρως προέσθαι τὴν ἀκρόπολιν) 313 Isocrates Nicocles 24 Dexter Hoyos (Unplanned Wars The Origins

of the First and Second Punic Wars Berlin New York Walter de

143

orador aacutetico pretendia evidenciar a tensatildeo referida entre

oligarquia e generais algo existente mesmo antes do iniacutecio

do periacuteodo heleniacutestico Se no seacutecIV aC os generais eram

escolhidos entre os membros da elite poliacutetica314 a partir

do seacutecIII aC os mesmos passaram a ser eleitos pela

assembleacuteia popular315 o que certamente contribuiu para a

degradaccedilatildeo das relaccedilotildees entre oligarquia e comandantes

nomeados Contudo a despeito da progressiva hostilidade

entre os dois lados os oligarcas foram ainda capazes de

punir seus generais com severidade ao longo dos cem

primeiros anos do periacuteodo heleniacutestico O poder que a

oligarquia mantinha sobre os comandantes eacute evidente em

diversas ocasiotildees como a deposiccedilatildeo do general Hanatildeo o

Velho apoacutes sua derrota em Acragas em 263 aC316 Poliacutebio

natildeo menciona o que ocorreu com Hanatildeo dando atenccedilatildeo ao

impacto que a vitoacuteria romana teve no Senado em Roma mas

Diodoro nos relata que ldquoos cartagineses puniram Hanatildeo em

6000 moedas de ouro privando-o de seus direitos ciacutevicosrdquo

(Ἄννωνα δὲ οἱ Καρχηδόνιοι ἐζημίωσαν χρυσοῖς ἑξακισχιλίοις ἀτιμάσαντες)317

A principal razatildeo para o controle efetivo por parte dos

oligarcas reside no excelente funcionamento das

instituiccedilotildees poliacuteticas tradicionais cujo vigor permaneceu

ateacute o iniacutecio da Segunda Guerra Puacutenica devido agraves matildeos

severas da oligarquia (nas ldquofiguras senatoriaisrdquo e dos

Gruyter 1998 P150) destaca que com a ascensatildeo Baacutercida (periacuteodo que

natildeo seraacute tratado nesta tese) a repuacuteblica cartaginesa havia se

tornado de fato uma monarquia militar uma vez que o poder dos

Baacutercidas natildeo se reduzia agrave nova colocircnia hispacircnica estendendo-se aos

assuntos poliacuteticos em Cartago Ainda que essa interpretaccedilatildeo natildeo seja

universal (haacute evidecircncias da oposiccedilatildeo dos cartagineses agrave expediccedilatildeo de

Amiacutelcar em Apiano Guerra Anibaacutelica 24 e Zonaras 817) os autores

modernos tendem a aceitar a influecircncia Baacutercida em Cartago ou o seu

governo independente na Hispacircnia 314 Robert Drews ldquoPhoenicians Carthage and the Spartan Eunomiardquo AJA

100 1979 P 55 315 Bagnall op cit p 9 316 Polib 118-19 Diod239 Zonaras 810 A batalha seraacute analisada

neste capiacutetulo precisamente no uacuteltimo item 317 Diod 239 Aqui decidi seguir estritamente a traduccedilatildeo de

Goldfather tradutor da Loeb que sugeriu ἀτιμάω como privaccedilatildeo dos

direitos ciacutevicos

144

sufetas)318

O preccedilo a se pagar como veremos neste

capiacutetulo seraacute o impedimento da formaccedilatildeo de uma ldquoescola

militar atualizadardquo na primeira metade do seacutecIII aC o

que atrasaraacute em termos taacuteticos o pensamento militar

cartaginecircs sendo o problema solucionado somente diante de

outra ameaccedila nos arredores de Cartago a expediccedilatildeo romana

liderada por Reacutegulo durante a Primeira Guerra Puacutenica

Poliacutebio menciona que as razotildees para a decadecircncia da

constituiccedilatildeo cartaginesa notada somente a partir da

Segunda Guerra Puacutenica319

resumem-se ao progressivo

desequiliacutebrio das suas instituiccedilotildees diminuindo

sensivelmente a autoridade da oligarquia frente agraves

assembleacuteias populares tendo ldquoa multidatildeo jaacute adquirido a

palavra final nas deliberaccedilotildees ao passo que em Roma o

Senado ainda a detinhardquo (τὴν πλείστην δύναμιν ἐν τοῖς διαβουλίοις παρὰ μὲν

Καρχηδονίοις ὁ δμος ἤδη μετειλήφει παρὰ δὲ Ῥωμαίοις ἀκμὴν εἶχεν ἡ σύγκλητος)320

Ao que tudo indica o periacuteodo localizado entre os primeiros

anos do seacutecIII aC quando a assembleacuteia popular passou a

escolher os generais cartagineses e o iniacutecio da Segunda

Guerra Puacutenica em 218 aC apresentou os uacuteltimos esforccedilos

de controle efetivo dos oligarcas que progressivamente

perdiam espaccedilo para a participaccedilatildeo democraacutetica ainda que

tivessem poder sobre a deposiccedilatildeo dos generais e jaacute nas

duas uacuteltimas deacutecadas do seacutecIII aC para uma poliacutetica da

irracionalidade321

Haacute basicamente duas referecircncias antigas sobre a

constituiccedilatildeo dos cartagineses a respeito da qual pouco se

318 Bagnall op cit p 12 eacute ainda mais incisivo ao dizer que ldquoo

aspecto mais marcante da constituiccedilatildeo cartaginesa era a sua

estabilidaderdquo 319 Polib 651 ldquoMas no momento em que eles embarcaram na Guerra

Anibaacutelica a constituiccedilatildeo dos cartagineses se degenerou ao passo que

a dos romanos progrediurdquo (κατά γε μὴν τοὺς καιροὺς τούτους καθ οὓς εἰς τὸν Ἀννιβιακὸν ἐνέβαινε πόλεμον χεῖρον ἦν τὸ Καρχηδονίων ἄμεινον δὲ τὸ Ῥωμαίων) 320 Polib 651 321 Ver Craige Brian Champion Cultural Politics in Polybius‟

Histories Berkeley University of California Press 2004 pp 117-

121 Miles pp 353-354

145

sabe A primeira e mais esclarecedora delas encontra-se em

Aristoacuteteles (Pol 1272b) portanto temporalmente distante

dos eventos pelos quais demonstramos interesse322

Ainda

assim o entendimento aristoteacutelico do sistema poliacutetico

cartaginecircs no seacutecIV aC deve ser o principal documento

considerado dado o bom julgamento de Aristoacuteteles para o

assunto e as condiccedilotildees miacutenimas de acesso aos relatos

antigos sobre as instituiccedilotildees poliacuteticas cartaginesas A

segunda delas pode ser encontrada como jaacute indicado acima

em Poliacutebio ligeiramente mais proacuteximo dos referidos eventos

que Aristoacuteteles considerando as suas funccedilotildees no ciacuterculo

dos Cipiotildees323 O relato de Poliacutebio contudo carece de

informaccedilotildees baacutesicas resumindo-se agrave demonstraccedilatildeo de como o

desequiliacutebrio no funcionamento das instituiccedilotildees permite a

ascensatildeo de outro poder estrangeiro (Roma) o que daria

ferramentas aos poliacuteticos gregos vindouros para a

compreensatildeo das instituiccedilotildees romanas Afinal sua ldquohistoacuteria

pragmaacuteticardquo se dirigia a uma audiecircncia grega (mas natildeo

somente) forccedilada a conviver sob o domiacutenio romano324

De acordo com Aristoacuteteles os cartagineses viviam sob

uma constituiccedilatildeo boa (Πολιτεύεσθαι δὲ δοκοῦσι καὶ Καρχηδόνιοι καλς) e

superior em muitos aspectos a todas as outras (καὶ πολλὰ

περιττς πρὸς τοὺς ἄλλους) assemelhando-se agraves constituiccedilotildees de

Creta e Esparta (as quais detinham peculiaridade notaacutevel

aos olhos do grego)325 O valor de uma boa constituiccedilatildeo diz

Aristoacuteteles pode ser encontrado quando ldquoos cidadatildeos

permanecem leais ao sistema poliacutetico e nenhum conflito

civil emerge em qualquer escala que valha a pena mencionar

nem qualquer um obteacutem sucesso em se pronunciar tiranordquo (τὸ

τὸν δμον διαμένειν ἐν τῆ τάξει τς πολιτείας καὶ μήτε στάσιν ὅ τι καὶ ἄξιον εἰπεῖν

322 Arist Pol 1272b 323 Polib 644 324 Polib 11 Frank William Walbank Polybius Berkeley and Los

Angeles University of California Press 1972 Daly P 81 325 Arist Pol 1272b Poliacutebio (651) ressalta a semelhanccedila com as

constituiccedilotildees de Roma e Esparta Ver Bagnall op cit p 13 Consolo

Langher pp 127-129

146

γεγενσθαι μήτε τύραννον) Da mesma forma que os espartanos os

cartagineses conheciam as refeiccedilotildees coletivas possuindo um

conselho similar ao dos eacuteforos326 mas composto por 104

homens tendo a vantagem de escolhecirc-los por meacuterito pessoal

(τὴν ἀρχὴν ἀριστίνδην) ao passo que em Esparta a eleiccedilatildeo se

dava entre os cidadatildeos ordinaacuterios Quanto aos dois sufetas

(ou magistrados vistos como reis)327 ambos vinham da mesma

famiacutelia e deviam assumir o cargo por eleiccedilatildeo e natildeo por

senilidade Aparentemente as decisotildees eram sempre tomadas

pelo Senado e pelos sufetas e os assuntos que deveriam ir

agrave assembleacuteia popular eram por eles escolhidos Uma vez que

a votaccedilatildeo fosse encaminhada ao povo (δμος) o Senado abria

matildeo de sua primazia momentaneamente sendo a assembleacuteia

popular investida de poder natildeo somente para escutar as

resoluccedilotildees do governo mas tambeacutem para pronunciar

julgamento sobre elas ldquoum direito que natildeo existia noutras

constituiccedilotildeesrdquo ([] ὅπερ ἐν ταῖς ἑτέραις πολιτείαις οκ ἔστιν) A

poliacutetica cartaginesa seria entatildeo parcialmente

democraacutetica mas com fortes elementos oligaacuterquicos os

quais eram mantidos pela forma de controle institucional

aristocraacutetica As pentarquias por exemplo encarregadas da

326 Poliacutebio menciona a existecircncia de dois reis um conselho de anciatildeos

como forccedila aristocraacutetica e um povo supremo nos assuntos que lhes

cabia 327 Para alguns historiadores os sufetas cartagineses desempenhavam

precisamente as funccedilotildees de um ldquoreirdquo (basileu para os gregos rex para

os latinos) ao passo que para outros a apariccedilatildeo do termo ldquobasileurdquo

quando as fontes mencionam sufetas cartagineses indica unicamente uma

aproximaccedilatildeo ao se traduzir o puacutenico sufeta Como nos lembra Yann Le

Bohec Histoire militaire des guerres puniques Monaco Editions du

Rocher 1996 pp29-31 ldquose a monarquia existiu em Cartago esse

regime desapareceu antes do iniacutecio do seacutecIII aCrdquo Entre os autores

que consideram os sufetas com funccedilotildees idecircnticas agravequelas desempenhadas

pelos reis destaca-se Gilbert Charles-Picard ldquoLes Sufegravetes de Carthage

dans Tite-Live et Cornelius Neposrdquo Revue des Eacutetudes Lat 41 269-280

1963 O principal autor a se posicionar a favor de uma mera

aproximaccedilatildeo semacircntica eacute Maurice Sznycer ldquoLe Problegraveme de la royauteacute

dans le monde puniquerdquo Bulletin du Com des Trav Hist 17 291-296

1981 Outros autores preferem se posicionar entre as duas

interpretaccedilotildees como no caso de Dexter Hoyos op cit p6 que

defende a plausibilidade de ambas embora opte por traduzir sufetas

como juiacutezes ldquoo reirdquo diz Hoyos ldquoalgumas vezes mencionado nos relatos

gregos pode ter sido uma magistratura separada ou talvez um sufeta

sob outro nomerdquo

147

eleiccedilatildeo dos membros do ldquoconselho dos 104 homensrdquo (senadores

responsaacuteveis por vigiar e reprimir quaisquer abusos por

parte do proacuteprio Senado) eram magistraturas natildeo

remuneradas sendo tanto a riqueza (τὸν πλοῦτον) quanto o

meacuterito (τς ἀρετς) elementos considerados na escolha dos

magistrados o que limitava o exerciacutecio poliacutetico das

pentarquias aos bem-nascidos jaacute que era impossiacutevel ao

homem pobre desfrutar do tempo necessaacuterio para o desempenho

adequado de seus deveres poliacuteticos Assim a eleiccedilatildeo por

riqueza seria oligaacuterquica e a eleiccedilatildeo por meacuterito

aristocraacutetica o que mantinha (durante bastante tempo) o

equiliacutebrio institucional tatildeo valorizado por Poliacutebio para

quem a populaccedilatildeo de Atenas iacutecone do governo puramente

democraacutetico se assemelhava a ldquoum navio sem comandanterdquo

(τοῖς ἀδεσπότοις σκάφεσι)

O uacutenico caso heleniacutestico (entre 323-237 aC)

registrado nas fontes de aspiraccedilatildeo frustrada ao poder

tiracircnico em Cartago se daacute em 310 aC com Bomiacutelcar um dos

strategoi nomeados pelo conselho cartaginecircs frente ao

reconhecimento da inesperada expediccedilatildeo africana de

Agaacutetocles328

Ao eleger Bomiacutelcar juntamente com Hanatildeo o

outro strategos tendo ciecircncia de que ambos advinham de

famiacutelias rivais o conselho cartaginecircs pretendia de acordo

com Diodoro manter a seguranccedila da cidade (τς πόλεως

ἀσφάλειαν) isto eacute o perfeito funcionamento de suas

instituiccedilotildees tradicionais crendo que a desconfianccedila

pessoal e a inimizade muacutetua (τὴν ἰδίαν τούτοις ἀπιστίαν καὶ διαφορὰν

κοινὴν) dos generais inibiriam qualquer tentativa de

ascensatildeo ao poder tiracircnico pelo monopoacutelio dos exeacutercitos329

O conselho prossegue o historiador siciliano se equivocou

em sua decisatildeo uma vez que Bomiacutelcar aproveitou a

oportunidade de sua nomeaccedilatildeo ao cargo de strategos para

328 Diod 2010 Meister CAH 7 p395 Consolo Langher pp 139-141

Justino 226 menciona Hanatildeo como o uacutenico comandante dos cartagineses 329 Diod 2010

148

levar adiante um plano de instauraccedilatildeo da tirania o qual

havia sido como encontramos na fonte previamente

concebido Antes da chegada de Agaacutetocles na Aacutefrica faltava

ao cartaginecircs tanto autoridade (ἐξουσίαν) quanto ocasiatildeo

adequada (καιρὸν οἰκεῖον) uma vez nomeado um dos generais

responsaacuteveis pelo combate contra os gregos na Aacutefrica ambos

os preacute-requisitos lhe foram proporcionados Em primeiro

lugar de posse de parte do exeacutercito cartaginecircs bastava

eliminar seu colega e rival o que considerando o estado

das relaccedilotildees entre os dois seria feito sem grandes

impedimentos Em segundo lugar a presenccedila grega na Aacutefrica

serviria de justificativa para quaisquer acusaccedilotildees de mau

funcionamento das instituiccedilotildees tradicionais o que em

diversas ocasiotildees foi tomado como pontapeacute inicial para a

emergecircncia dos poderes tiracircnicos no mundo grego Em campo

de batalha apoacutes ouvir que seu rival havia sido derrotado

pelos siracusanos Bomiacutelcar tentou forccedilar um recuo

prematuro de sua ala o que induziria a retirada de todo o

exeacutercito acreditando que com isso teria natildeo somente o

controle das tropas mas tambeacutem o desentendimento e

consequumlente submissatildeo do conselho Essa loacutegica encontra

evidecircncia em Diodoro

Se o exeacutercito de Agaacutetocles fosse destruiacutedo ele natildeo

seria capaz de realizar o seu plano rumo agrave supremacia

uma vez que os cidadatildeos permaneceriam fortes mas se o

primeiro vencesse e destruiacutesse o orgulho dos

cartagineses os derrotados seriam faacuteceis de manipular

e ele [Bomiacutelcar] poderia derrotar Agaacutetocles prontamente

quando desejasse fazecirc-lo330

330 Diod 2012 [] εἰ μὲν ἡ μετὰ Ἀγαθοκλέους διαφθαρείη δύναμις μὴ δυνήσεσθαι τὴν ἐπίθεσιν ποιήσασθαι τῆ δυναστείᾳ τν πολιτν ἰσχυόντων εἰ δὲ ἐκεῖνος νικήσας τὰ φρονήματα παρέλοιτο τν Καρχηδονίων εχειρώτους μὲν ἑαυτῶ τοὺς προηττημένους ἔσεσθαι τὸν δ Ἀγαθοκλέα ῥᾳδίως καταπολεμήσειν ὅταν ατῶ δόξῃ

149

O recuo taacutetico de Bomiacutelcar se transformou no entanto

em massacre e destruiccedilatildeo numerosa de seu exeacutercito331 jaacute que

as manobras heleniacutesticas de Agaacutetocles findaram no

envolvimento aparentemente parcial dos cartagineses em

fuga Diodoro um pouco mais agrave frente menciona em detalhes

como os cartagineses conseguiram suprimir a tentativa

desesperada de ascensatildeo tiracircnica por parte de Bomiacutelcar

que apoacutes a derrota para Agaacutetocles selecionou alguns de

seus homens e tentou tomar a proacutepria cidade de Cartago

inesperadamente

[] quando Bomiacutelcar havia revisado o seu exeacutercito no

que era chamada Nova Cidade a qual estava localizada a

uma curta distacircncia da Velha Cartago ele dispensou o

restante mas manteve aqueles com os quais podia contar

em sua revolta cerca de 500 cidadatildeos e 1000

mercenaacuterios e declarou-se tirano (ἀνέδειξεν ἑαυτὸν τύραννον)332

Ao dividir seus homens em cinco unidades Bomiacutelcar

invadiu a cidade (que ainda natildeo tinha conhecimento de seus

planos) e exterminou aqueles que se opuseram aos seus

propoacutesitos Diante da calamidade os cartagineses pegaram

em armas e se apressaram em suprimir a traiccedilatildeo ciacutevica que

haviam sofrido em momento tatildeo delicado para a sua poliacutetica

externa Bomiacutelcar se dirigiu ao centro mercantil (τὴν ἀγορὰν)

e assassinou ainda muitos cidadatildeos desarmados sendo essa

accedilatildeo desesperada seguida pela ocupaccedilatildeo de construccedilotildees

proacuteximas ao mercado por parte dos defensores os quais

foram capazes devido ao posicionamento mais alto e

portanto favoraacutevel agrave defesa interna da cidade contra os

331 Diod 2013 menciona 1000 homens mortos do lado cartaginecircs embora

reconheccedila que outros autores mencionem ateacute 6000 ao passo que Justino

226 nos indica 3000 mortos do lado cartaginecircs Oroacutesio 46 sugere que

2000 cartagineses pereceram em batalha 332 Diod 2044 δ οὖν Βορμίλκας ἐξετασμὸν τν στρατιωτν ποιησάμενος ἐν τῆ καλουμένῃ Νέᾳ πόλει μικρὸν ἔξω τς ἀρχαίας Καρχηδόνος οὔσῃ τοὺς μὲν ἄλλους διαφκε τοὺς δὲ συνειδότας περὶ τς ἐπιθέσεως ὄντας πολίτας μὲν πεντακοσίους μισθοφόρους δὲ περὶ χιλίους ἀνέδειξεν ἑαυτὸν τύραννον

150

homens de Bomiacutelcar de por fim ao que poderia representar a

falecircncia (mesmo que momentacircnea) de suas instituiccedilotildees

poliacuteticas tradicionais Apoacutes a rendiccedilatildeo dos traidores os

cartagineses enviaram os seus cidadatildeos mais velhos (πρέσβεις)

para o estabelecimento de um acordo e decidiram perdoar os

traidores que tiveram que ldquopagarrdquo o perdatildeo com serviccedilo

militar contra Agaacutetocles mas torturaram e mataram o seu

liacuteder Bomiacutelcar preservando assim ldquoa constituiccedilatildeo de seus

paisrdquo (τὴν πατρῴαν πολιτείαν)

Parece seguro dizer que o uacutenico caso registrado de

tentativa de instauraccedilatildeo da tirania em Cartago durante o

primeiro seacuteculo do periacuteodo heleniacutestico tinha propoacutesitos

puramente claacutessicos primeiramente por que a sua

classificaccedilatildeo como ldquoheleniacutesticardquo cairia diante da acusaccedilatildeo

de anacronismo de fato natildeo vejo maneira de um cartaginecircs

ter concebido seu poder em imitaccedilatildeo agrave monarquia de

Alexandre antes mesmo da autoproclamaccedilatildeo dos Diaacutedocos como

reis333

Aleacutem disso a experiecircncia cartaginesa aponta para o

modelo tiracircnico siciliano tardo-claacutessico sem qualquer

vivecircncia direta (ao menos nas esferas oligaacuterquica e

popular) com os valores monaacuterquicos heleniacutesticos Ainda que

Agaacutetocles tenha desenvolvido os princiacutepios de sua basileia

durante a expediccedilatildeo cartaginesa a configuraccedilatildeo de seu

poder natildeo se dirigia nem aos cartagineses nem aos cidadatildeos

em Siracusa como sustentamos no capiacutetulo anterior mas sim

agraves suas tropas mercenaacuterias que reconheceram seu poder no

episoacutedio da toga puacuterpura e que tinham condiccedilotildees a julgar

pelo tracircnsito mediterracircnico inerente agrave sua profissatildeo de

saber do que se tratava o poder reacutegio assumido por

Agaacutetocles alguns anos apoacutes a batalha de Tuacutenis em 310 aC

Embora tivessem empregado mercenaacuterios em larga escala a

esfera de atuaccedilatildeo poliacutetica dos cartagineses incluindo seus

generais permaneceu estritamente ligada aos modelos

333 Esse eacute o mesmo argumento que utilizei no cap3

151

claacutessicos tendo o uacutenico caso fracassado de ascensatildeo

tiracircnica no periacuteodo heleniacutestico ocorrido em 310 aC antes

mesmo do surgimento das monarquias heleniacutesticas

Apoacutes o episoacutedio de Bomiacutelcar a oligarquia cartaginesa

manteve-se como de costume precavida quanto agraves possiacuteveis

chances da emergecircncia de tiranias em Cartago As fontes natildeo

mencionam outro caso declarado de aspiraccedilatildeo tiracircnica mas

penso que podemos tomar ao considerar uma sistematizaccedilatildeo

das evidecircncias disponiacuteveis a reaccedilatildeo dos cartagineses ao

sucesso militar de Xantipo (o qual seraacute analisado em

detalhes mais agrave frente) como indiacutecio de precauccedilatildeo quanto a

uma ldquotirania em potencialrdquo o que serve em igual medida

para o meu argumento

As fontes fornecem histoacuterias bastante distintas sobre o

desaparecimento do general mercenaacuterio apoacutes serviccedilo prestado

aos cartagineses Comecemos com Poliacutebio

Xantipo a quem essa revoluccedilatildeo e esse notaacutevel avanccedilo

nos eventos relacionados a Cartago foram devidos apoacutes

pouco tempo navegou mais uma vez a Esparta sendo esta

uma decisatildeo muito prudente e bem pensada de sua parte

uma vez que suas realizaccedilotildees brilhantes e excepcionais

cultivariam a inveja mais profunda [] Estrangeiros

quando expostos a tais situaccedilotildees rapidamente sucumbem

e potildeem-se em perigo Haacute outro relato sobre a partida de

Xantipo o qual procurarei apresentar numa ocasiatildeo mais

apropriada que a atual334

Mas qual seria esse segundo relato mencionado por

Poliacutebio Parece possiacutevel dizer a partir do que narram

outras fontes que Poliacutebio estivesse se referindo agrave versatildeo

que encontramos com mais clareza nos fragmentos do livro

23 de Diodoro

334 Polib 136 Ξάνθιππος δὲ τηλικαύτην ἐπίδοσιν καὶ ῥοπὴν ποιήσας τοῖς Καρχηδονίων πράγμασιν μετ ο πολὺν χρόνον ἀπέπλευσεν πάλιν φρονίμως καὶ συνετς βουλευσάμενος αἱ γὰρ ἐπιφανεῖς καὶ παράδοξοι πράξεις βαρεῖς μὲν τοὺς φθόνους ὀξείας δὲ τὰς διαβολὰς γεννσιν [hellip] οἱ δὲ ξένοι ταχέως ἐφ ἑκατέρων τούτων ἡττνται καὶ κινδυνεύουσι λέγεται δὲ καὶ ἕτερος πὲρ τς ἀπαλλαγς τς Ξανθίππου λόγος ὃν πειρασόμεθα διασαφεῖν οἰκειότερον λαβόντες τοῦ παρόντος καιρόν

152

Xantipo o Espartano tambeacutem pereceu nas matildeos dos

siciliotas335 Proacuteximo a Lilibeu uma cidade dos

siciliotas [cartagineses] houve uma guerra entre

romanos e siciliotas guerra essa que continuou por 24

anos Os siciliotas tendo sofrido derrota em batalha

por diversas vezes ofereceram a submissatildeo de sua

cidade aos romanos Xantipo o Espartano que havia

chegado de Esparta com 100 soldados (ou sozinho ou com

50 soldados de acordo com vaacuterios autores) se

aproximou dos siciliotas enquanto eles ainda estavam

indecisos e apoacutes conversar com eles por meio de um

inteacuterprete finalmente os encorajou a fazer frente aos

inimigos Ele entrou em batalha com os romanos e com a

ajuda dos siciliotas massacrou todo o exeacutercito inimigo

Por seu bom serviccedilo prestado [Xantipo] recebeu uma

recompensa merecida e apropriada agravequele povo perverso

uma vez que os moralmente abominaacuteveis o enviaram numa

embarcaccedilatildeo defeituosa e a naufragaram nas aacuteguas do

Adriaacutetico como expressatildeo de seu ressentimento para com

o heroacutei e sua nobreza336

Os relatos posteriores apresentam mais ou menos uma das

duas versotildees Apiano relata o retorno de Xantipo a Esparta

ainda que a viagem tenha sido propositalmente organizada

pelos cartagineses para o extermiacutenio do general durante o

percurso de volta o que se deu com o arremesso de Xantipo

e seus compatriotas da embarcaccedilatildeo em mar aberto337

Os

fragmentos do livro 11 de Caacutessio Dio os quais foram

parcialmente preservados em Zonaras informam duas versotildees

possiacuteveis que sua embarcaccedilatildeo foi atacada pelos proacuteprios

cartagineses e que a embarcaccedilatildeo cedida a ele pelos

335 Apoacutes analisar todo o fragmento fica evidente que Diodoro trocou

(talvez por confusatildeo) em toda a passagem cartagineses por

siciliotas 336 Diod 2316 τοῖς Σικελοῖς καὶ Ξάνθιππος ὁ Σπαρτιάτης θνήσκει περὶ γὰρ τὸ Λιλύβαιον τν Σικελν τὴν πόλιν Ῥωμαίοις τε καὶ Σικελοῖς πόλεμος ἐκροτεῖτο πρὸς εἴκοσι καὶ τέσσαρας τοὺς χρόνους ἐξαρκέσας οἱ Σικελοὶ ταῖς μάχαις δὲ πολλάκις ἡττημένοι Ῥωμαίοις ἐνεχείριζον τὴν πόλιν εἰς δουλείαν τν δὲ Ῥωμαίων μηδαμς μηδ οὕτω πειθομένων ἀλλὰ γυμνοὺς τοὺς Σικελοὺς λεγόντων ἐξιέναι ὁ Σπαρτιάτης Ξάνθιππος ἐλθὼν ἀπὸ τς Σπάρτης σὺν στρατιώταις ἑκατόν ἢ μόνος καθ ἑτέρους κατ ἄλλους δὲ πεντήκοντα τοὺς στρατιώτας ἔχων καὶ προσβαλὼν τοῖς Σικελοῖς οὖσιν ἐγκεκλεισμένοις δι ἑρμηνέως τε ατοῖς πολλὰ συνομιλήσας τέλος θαρρύνει κατ ἐχθρν καὶ συναράξας μάχῃ ἅπαν Ῥωμαίων στράτευμα σὺν τούτοις κατακόπτει τοῖς εηργετημένοις δὲ τὴν ἀμοιβὴν λαμβάνει ἀξίαν καὶ κατάλληλον τς τούτων δυστροπίας πλοίῳ

σαθρῶ τὸν ἄνδρα γὰρ οἱ μιαροὶ βαλόντες πὸ στροφαῖς βυθίζουσι πελάγει τοῦ Ἀδρίου βασκήναντες τὸν ἥρωα καὶ τούτου τὸ γενναῖον 337 Apiano 81

153

cartagineses era velha e por esse motivo naufragaria

inevitavelmente natildeo fosse a percepccedilatildeo de Xantipo acerca do

que estava a ocorrer e a subsequumlente troca da embarcaccedilatildeo

por uma nova338

A despeito de alguns elementos divergentes parece

possiacutevel unificar os relatos de um modo bastante aceitaacutevel

Se tomarmos a informaccedilatildeo encontrada em Poliacutebio Diodoro

Apiano e Caacutessio Dio concluiacutemos que Xantipo apoacutes liderar

vitoriosamente os cartagineses decidiu regressar para

Esparta (ainda que algumas fontes natildeo mencionem abertamente

Esparta mas somente a embarcaccedilatildeo e as honrarias preparadas

pelos cartagineses como forma de agradecer os bons serviccedilos

prestados o que sugere o fim do ldquocontratordquo e portanto o

retorno do mercenaacuterio ao mundo grego) Se os cartagineses

afundaram abertamente a embarcaccedilatildeo ou apenas assassinaram

Xantipo tendo preservado o navio se o mesmo naufragou

devido ao seu estado propositalmente defeituoso ou ainda

se Xantipo foi capaz de chegar satildeo e salvo em Esparta

apesar das armadilhas preparadas torna-se a essa altura

informaccedilatildeo irrelevante dado que em todos os cenaacuterios

possiacuteveis os cartagineses natildeo teriam demonstrado a menor

intenccedilatildeo de tornar a viagem de volta de Xantipo bem-

sucedida

Por que Xantipo decidiu navegar de volta para a Greacutecia

apoacutes tamanho sucesso contra os romanos Xantipo

provavelmente sabia que a ascensatildeo do poder pessoal em

Cartago era um processo muito complicado e por essa razatildeo

natildeo demonstrou qualquer intenccedilatildeo de expandir sua autoridade

entre os cartagineses Todavia os motivos que levaram

Cartago a assegurar que a viagem de Xantipo fosse

desastrosa parecem claros como nos casos anteriores os

cartagineses se esforccedilaram em impedir qualquer ascensatildeo de

poder pessoal dos strategoi possivelmente por conta do que

338 Zonaras 1113

154

estavam habituados a ver na Siciacutelia grega Apoacutes ter

concluiacutedo a segunda reforma do exeacutercito cartaginecircs como

veremos mais agrave frente neste capiacutetulo Xantipo eacute tirado de

cena pelos cartagineses direta ou indiretamente de

maneira a fortalecer o argumento sobre a preocupaccedilatildeo

cartaginesa no que respeita agrave possiacutevel ascensatildeo de tiranos

em Cartago o que representaria um desequiliacutebrio fatal das

instituiccedilotildees poliacuteticas tradicionais

155

2 O exeacutercito cartaginecircs

Ao fornecer uma explicaccedilatildeo para a superioridade do

exeacutercito romano frente ao cartaginecircs Poliacutebio argumenta

que

Os cartagineses satildeo naturalmente superiores no mar

tanto em eficiecircncia quanto em equipamento por que a

navegaccedilatildeo eacute desde os primoacuterdios o seu ofiacutecio nacional

([] Καρχηδόνιοι διὰ τὸ καὶ πάτριον ατοῖς [] τὴν ἐμπειρίαν ταύτην) e eles se ocuparam com o mar mais do que

qualquer outro povo mas com relaccedilatildeo ao serviccedilo militar

em terra firme os romanos satildeo muito mais eficientes

De fato eles direcionaram toda sua energia ao assunto

ao passo que os cartagineses negligenciaram

inteiramente sua infantaria (Καρχηδόνιοι δὲ τν μὲν πεζικν εἰς τέλος ὀλιγωροῦσι) ainda que tenham se dedicado

ligeiramente agrave sua cavalaria A razatildeo para isto eacute que

as tropas por eles empregadas satildeo estrangeiras e

mercenaacuterias (ξενικαῖς καὶ μισθοφόροις) ao passo que as dos

romanos satildeo nativas e ciacutevicas (ἐγχωρίοις καὶ πολιτικαῖς)339

Da passagem de Poliacutebio podemos destacar natildeo somente

alguns dos traccedilos centrais para o estudo das evidecircncias

sobre o exeacutercito cartaginecircs (nomeadamente seu caraacuteter

mercenaacuterio e portanto agrave parte do desenvolvimento de uma

cultura militar ciacutevica) mas tambeacutem a ausecircncia de qualquer

tentativa de padronizaccedilatildeo das tropas em unidades taacuteticas

(excetuando o pequeno corpo ciacutevico chamado pelos gregos de

ieros lochos) que pudessem ser reconhecidas e treinadas

pelos generais em situaccedilotildees previamente ldquoensaiadasrdquo De

forma similar ao que ocorria com os persas as tropas que

combatiam pelos cartagineses seguiam os padrotildees

(equipamentos e taacuteticas) de suas regiotildees de origem a

exemplo dos fundeiros das ilhas Baleares ou dos cavaleiros

339 Polib 652

156

numiacutedios Parece mais profiacutecuo portanto realizar uma

anaacutelise do exeacutercito a partir de suas origens eacutetnicas340

Da Numiacutedia os cartagineses contavam com a sua melhor

cavalaria tropas montadas sem sela armadas com lanccedila de

arremesso e capazes de combater tanto em regiotildees

acidentadas quanto planas surpreendendo o inimigo por sua

precisatildeo e movimentaccedilatildeo raacutepida recursos que por vezes

foram empregados como elemento surpresa pelos generais

cartagineses mais capazes a exemplo de Aniacutebal Barca341

As

taacuteticas empregadas pelos numiacutedios uma vez que eram

cavalaria levemente armada com lanccedilas de arremesso

repousavam naturalmente numa loacutegica distinta daquela

encontrada entre os cavaleiros macedocircnios pesadamente

armados apostando no ldquoarremesso perioacutedicordquo de suas lanccedilas

e em recuos taacuteticos que evitavam a todo custo o choque

frontal com o inimigo Talvez por esse motivo os numiacutedios

tenham sido classificados pelos romanos como covardes

traiccediloeiros e com ldquoapetites mais violentos que quaisquer

outros baacuterbarosrdquo342

Os cartagineses contavam aleacutem dos numiacutedios com os

fundeiros das ilhas Baleares De maneira geral esses

homens eram organizados em corpos de 2000 soldados armados

com dois tipos de funda uma empregada para desferir

ataques contra um inimigo compacto marchando em meacutedia

distacircncia e outra para alvos individuais obviamente mais

proacuteximos que os primeiros343

Embora sua arma caracteriacutestica

seja a funda durante o primeiro contato com os

cartagineses344 alguns dos soldados baleaacutericos estavam

340 Griffith pp 207-233 Peter Connolly Greece and Rome at War

London Macdonald 1981 pp 148-152 Bagnall op cit pp8-11 Daly

pp 84-112 341 Bagnall op cit p 8 Daly pp 92-93 342 Tito Liacutevio 2541 2844 2923 3012 Daly p92 343 Estrabatildeo 35 Bagnall op cit pp 8-9 Daly p 107 344 Diod 1380 faz referecircncia a soldados baleaacutericos no exeacutercito

cartaginecircs para os finais do seacutecV aC Cf Steacutephane Gsell Histoire

ancienne de lAfrique du Nord (vol2) Paris Hachette 1914-1930 P

374 Daly p 107

157

armados com lanccedila de arremesso como nos informa Estrabatildeo

sendo normalmente pagos de acordo com Diodoro em mulheres

e vinho345

O pagamento mencionado em Diodoro claramente

induz agrave sua caracterizaccedilatildeo como tropas mercenaacuterias aleacutem do

historiador siciliano Poliacutebio faz referecircncia ao pagamento

dos soldados baleaacutericos durante a Revolta Mercenaacuteria (241-

237 aC) e posteriormente na batalha de Zama (202

aC)346

Os iberos tambeacutem desempenhavam papel importante na

composiccedilatildeo do exeacutercito cartaginecircs desde tempos anteriores agrave

consolidaccedilatildeo dos Baacutercidas Antes da investida Baacutercida na

Ibeacuteria ou Hispacircnia a presenccedila cartaginesa na regiatildeo

resumia-se a acordos comerciais e alianccedilas sendo alguns

iberos recrutados portanto como mercenaacuterios a serviccedilo de

Cartago347 Durante a Segunda Guerra Puacutenica ou mesmo um

pouco antes os soldados iberos passaram a servir como

contingente aliado ainda que alguns possam ter sido

recrutados unicamente como mercenaacuterios348 De onde

precisamente eles afluiacuteam eacute algo difiacutecil de mapear uma vez

que mesmo Estrabatildeo encontrou dificuldade em delimitar

geograficamente a Ibeacuteria ou Hispacircnia349 de seu tempo Jaacute na

eacutepoca da invasatildeo anibaacutelica Poliacutebio350 indica seguramente

que as tropas ibeacutericas enviadas agrave Aacutefrica advinham das

seguintes regiotildees Tersitae Mastiani Oretes ibeacuterica e

Olcades Talvez tais regiotildees tenham sido previamente

conhecidas pelos cartagineses e seu contato aumentado com

a ascensatildeo Baacutercida subsequumlente agrave Primeira Guerra Puacutenica

mas essas satildeo apenas suposiccedilotildees sem evidecircncias diretas nas

fontes

345 Diod 517 346 Polib 167 1511 Daly p 107 347 Heroacutedoto faz referecircncia aos iberos no livro 7165 Trata-se aqui

dos iberos da Hispacircnia natildeo os da regiatildeo do Caacuteucaso 348 Griffith pp 225-226 Daly p 95 349 Estrabatildeo 34 350 Polib 333

158

A grande contribuiccedilatildeo dos iberos para a arte da guerra

mediterracircnica residia em sua espada peculiar a todos os

povos conhecidos da regiatildeo peninsular a espada falcata Os

iberos empregavam basicamente dois tipos de espada mas

Poliacutebio descreve a que provocou impacto nos usos do

armamento romano particularmente na adoccedilatildeo do gladius

hispaniensis (o qual se tornou a principal arma de combate

corpo-a-corpo dos legionaacuterios possuindo cerca de 60 cm de

comprimento com dois lados cortantes e uma ponta)351

Os escudos dos iberos e celtas eram muito similares

mas suas espadas eram completamente diferentes (τὰ δὲ ξίφη τὴν ἐναντίαν εἶχε διάθεσιν) sendo aquelas dos iberos

perfurantes com a mesma fatalidade de quando usadas no

corte ([] τὸ κέντημα τς καταφορᾶς ἴσχυε πρὸς τὸ βλάπτειν)352

O maior nuacutemero de mercenaacuterios usados pelos cartagineses

era contudo de liacutebios provenientes da regiatildeo da atual

Tuniacutesia Griffith recorda que no seacutecVI aC353

os

cartagineses passaram gradualmente a confiar a defesa de

sua cidade em tropas aliadas e mercenaacuterias em sua maioria

formada por liacutebios354 A historiografia mais recente tem

observado que os liacutebios referidos por Heroacutedoto em Himera

(480 aC)355 deveriam ter estatuto de tropas pagas

considerando-se que a subjugaccedilatildeo de territoacuterios africanos

vizinhos pelos cartagineses eacute posterior agrave batalha de

Himera356 Aleacutem disso que os liacutebios tenham sido recrutados

como forma de tributaccedilatildeo com o decorrer da expansatildeo

territorial cartaginesa parece improvaacutevel a julgar pela

identificaccedilatildeo polibiana dos liacutebios com as demais tropas

351 Connoly op cit p150 Daly p 97 352 Polib 3114 353 Precisar a data eacute impossiacutevel 354 Griffith pp 207-208 355 Hdt 7165 356 Brian H Warmington Carthage New York Praeger 1960 P 40

Serge Lancel Carthage a history Oxford Cambridge MA Blackwell

1995 P 257 Daly p 84

159

seguramente mercenaacuterias357 Por fim o seu armamento era

basicamente a lanccedila e o escudo (o formato eacute assunto

controverso) sendo ambos empregados por infantaria

disposta em boa ordem o que por vezes levou historiadores

a acreditarem numa similaridade com o modelo hopliacutetico

grego358

No entanto quando Poliacutebio e outros autores

antigos mencionam organizaccedilatildeo em falange para tropas natildeo-

gregas o termo frequumlentemente indica apenas infantaria

pesadamente armada ou ldquoem massardquo sem precisar um corpo de

soldados dispostos na mesma loacutegica que regia a falange

hopliacutetica Os liacutebios lutavam por vezes como infantaria

coesa a exemplo do que Plutarco narra em Crimiso (340

aC) ocasiatildeo em que 10000 homens (entre liacutebios e

cartagineses) surpreenderam pela marcha compassada e em boa

ordem (τῆ βραδυττι καὶ τάξει τς πορείας)359 mas dificilmente

combatiam como hoplitas

Quanto aos elefantes os mesmos foram introduzidos na

arte da guerra do ocidente heleniacutestico por Pirro do Epiro

Alguns anos depois os paquidermes passaram a ser usados

pelos cartagineses que os adquiriam basicamente nos

arredores de Cartago e na costa do atual Marrocos embora

Aniacutebal Barca tenha ldquoimportadordquo alguns do Egito

ptolomaico360

Como explicado ao longo do cap2 os

elefantes tinham efeito desproporcional se considerado o

seu pequeno nuacutemero mas dependiam largamente de condiccedilotildees

favoraacuteveis ao seu uso Sendo um traccedilo da arte da guerra

heleniacutestica seraacute possiacutevel observar uma modificaccedilatildeo taacutetica

crucial no emprego dos elefantes pelos cartagineses apoacutes

Xantipo uma vez que os generais de Cartago tendiam a

empregaacute-los como forccedila de apoio agrave cavalaria ou como

357 Um exemplo claro encontra-se em Polib 167 358 Um bom exemplo eacute Le Bohec op cit pp 39-40 que questiona ateacute se

os cartagineses uma vez que combatiam em falange (argumento de Le

Bohec) teriam adotado a lanccedila macedocircnica (sarissa) 359 Plut Tim 27 360 Bagnall op cit p 9

160

ldquoguardiotildees da bagagemrdquo sem ter considerado o seu uso ao

centro (contra uma infantaria massificada) de modo

integrado com a investida montada nas alas

161

3 As primeiras inovaccedilotildees militares na Cartago

heleniacutestica ou a transformaccedilatildeo logiacutestica frente agrave

ameaccedila grega 310-307 aC

A incorporaccedilatildeo dos homens de Ophellas ao exeacutercito de

Agaacutetocles foi acompanhada como visto anteriormente pela

tentativa desesperada de ascensatildeo do poder tiracircnico em

Cartago a qual havia sido liderada por Bomiacutelcar Ambos os

eventos contudo natildeo possuiacuteam conexatildeo direta mas

provocaram sem duacutevida abalo consideraacutevel no moral do

exeacutercito cartaginecircs o que pode justificar como enfatizou

Meister o grande sucesso de Agaacutetocles ao tomar portos e a

cidade de Uacutetica a mais importante depois de Cartago apoacutes

longa resistecircncia de seus cidadatildeos361 Isso permitiria a

Agaacutetocles o estabelecimento de uma linha de comunicaccedilatildeo

permanente com a Siciacutelia o que se traduziria em peacutessimas

notiacutecias para os cartagineses Diante de situaccedilatildeo tatildeo

favoraacutevel contudo o siracusano teve que retornar agrave

Siciacutelia urgentemente levando consigo 2000 homens e

nomeando Arcagatos para o comando das tropas na Aacutefrica362

Sua partida se transformaraacute no iniacutecio de uma reviravolta na

expediccedilatildeo africana Ainda que seus oficiais (nomeadamente

Eumachos) tenham conseguido capturar algumas cidades

(incluindo Hippo Acra e Acris) subjugando parcialmente

povos nocircmades uma uniatildeo desses povos em prol de sua

liberdade e as adversidades das regiotildees africanas

provocaram o recuo dos gregos363

De fato Eumachos havia

conquistado excelente reputaccedilatildeo entre os homens de

Agaacutetocles ao retornar vitorioso de sua primeira campanha

mas a resistecircncia combinada dos nocircmades provocou a baixa de

muitos homens bem como o recuo imediato dos demais sendo

361 Diod 2043 Meister CAH 7 p 398 362 Diod 2055 Justino 228 363 Consolo Langher pp 219-226

162

impossiacutevel avanccedilar sobre os territoacuterios devido a sua

inospicidade natural364 Essa primeira mudanccedila na

perspectiva geral da expediccedilatildeo africana seraacute acompanhada do

que sustento ter sido uma reforma logiacutestica no exeacutercito

cartaginecircs

De acordo com Diodoro seguindo a traduccedilatildeo da Loeb o

Senado em Cartago recebeu bom conselho sobre a guerra (τς

γερουσίας ἐν Καρχηδόνι βουλευσαμένης περὶ τοῦ πολέμου καλς) e os senadores

decidiram formar trecircs exeacutercitos e enviaacute-los da cidade cada

um com destino proacuteprio sendo o primeiro contra as cidades

costeiras o segundo contra as regiotildees intermediaacuterias e o

terceiro contra as cidades no interior365

A partir disso a

guerra tomou outros rumos privando os gregos da vantagem

ateacute entatildeo assegurada a qual foi devida principalmente agrave

inexperiecircncia dos cartagineses frente aos homens ldquoeducados

na escola do perigordquo Seria possiacutevel presumir que algum

general mercenaacuterio em particular concretizado como

personagem histoacuterica da mesma forma que Xantipo alguns

anos mais tarde teria aconselhado o Senado cartaginecircs sem

ter com isso assumido qualquer posiccedilatildeo de comando o que

seria plausiacutevel se tiveacutessemos evidecircncias mais concretas

(tais como nomes) Essa situaccedilatildeo hipoteacutetica asseguraria

inclusive a traduccedilatildeo acima mencionada Mas o verbo

βουλευσαμένης tal qual aparece na citaccedilatildeo natildeo eacute a forma

passiva de βουλεύω (normalmente ldquoreceber ou tomar conselho

sobre algordquo)366 Noutras palavras nesse caso especiacutefico o

mais correto seria traduzir βουλευσαμένης περὶ τοῦ πολέμου como

ldquodeliberou [o proacuteprio Senado] sobre a guerrardquo o que pode

gerar a ilusatildeo se considerada somente a sintaxe do texto

364 Diodoro (2058) menciona uma montanha cheia de gatos selvagens

(πλήρους δ ὄντος αἰλούρων) e mais adiante uma ldquoterra dos siacutemiosrdquo

(Πιθηκοῦσαι νσοι) sendo a primeira ldquoinoacutespita inclusive aos paacutessarosrdquo e a segunda com costumes muito diferentes dos gregos 365 Diod 2059 366 A forma passiva seria βουλευθείσης Sobre esse esclarecimento sou

grato a Nicolas Bertrand membro da Faculdade de Liacutenguas e culturas

antigas da Universidade Lille 3

163

de que o Senado teria deliberado a partir de uma discussatildeo

entre os senadores apenas homens idosos sem qualquer

experiecircncia militar ignorando portanto aconselhamentos

de a uma pessoa ou grupo aleacutem dos proacuteprios senadores As

informaccedilotildees contidas em Diodoro todavia apontam

claramente para orientaccedilotildees de algueacutem militarmente

experiente capaz de dar uma reviravolta estrateacutegica na

guerra ao dividir o exeacutercito cartaginecircs em trecircs unidades

De acordo com Diodoro os cartagineses pensaram em

primeiro lugar que o envio de 30000 soldados aliviaria a

cidade da obrigaccedilatildeo de tantas provisotildees as quais eram jaacute

escassas a essa altura do conflito e eliminaria o risco do

cerco uma vez que o inimigo estaria ocupado com os

exeacutercitos avanccedilados Em segundo lugar eles concluiacuteram que

a lealdade de seus aliados seria assegurada se os mesmos

pudessem contar com o apoio de tropas cartaginesas as

quais desencorajariam qualquer traiccedilatildeo aos gregos algo

historicamente usual quando cidades aliadas militarmente

fracas punham-se diante da presenccedila superior das tropas

inimigas e do descaso de seus aliados Por uacuteltimo a

terceira e a principal razatildeo para a nova organizaccedilatildeo

logiacutestica de seu exeacutercito ldquoacima de tudo eles esperavam

que os inimigos se vissem forccedilados a dividir as suas forccedilas

e a recuar para longe de Cartagordquo (τὸ δὲ μέγιστον ἤλπιζον καὶ τοὺς

πολεμίους ἀναγκασθήσεσθαι μερίζειν τὰς δυνάμεις καὶ μακρὰν ἀποσπᾶσθαι τς

Καρχηδόνος)367

Como podemos notar essas satildeo razotildees de ordem militar

(especialmente a uacuteltima e mais importante delas) as quais

natildeo poderiam ter sido concebidas por senadores sem

experiecircncia militar adequada ou mesmo por generais

igualmente inexperientes (uma constante em Cartago ao

menos ateacute a ascensatildeo Baacutercida) o que explica o envio uacutenico

e prematuro de todo o exeacutercito pelos generais cartagineses

367 Diod 2059 Consolo Langher pp 226-227

164

antes da referida reforma Portanto ainda que nenhuma

personagem histoacuterica possa ser precisada ou nomeada

diferentemente do que ocorreraacute mais tarde com Xantipo

parece seguro dizer que oficiais mercenaacuterios (os quais eram

encontrados em abundacircncia entre os cartagineses mas sempre

desempenhando funccedilotildees de oficiais de autoridade menor)

cuja experiecircncia militar eacute fator inegaacutevel teriam

aconselhado o Senado nessa ocasiatildeo O recrutamento

posterior de Xantipo ilustra que esse aconselhamento era

algo considerado pelos oligarcas em casos de perigo

extremo natildeo sendo absurda a ascensatildeo momentacircnea de

generais mercenaacuterios (gregos por deduccedilatildeo) ao comando do

exeacutercito mesmo que eles estivessem restritos ao niacutevel do

aconselhamento dos cartagineses por meio de inteacuterpretes368

O Senado enviou entatildeo cerca de 30000 homens em unidades

aproximadas de 10000 soldados deixando em Cartago apenas

os homens suficientes para a defesa da cidade Com isso os

defensores poderiam desfrutar das provisotildees necessaacuterias e

os grupamentos enviados assegurariam o apoio dos aliados ou

povos nocircmades neutros no conflito369

Ao ver que as regiotildees

que antes natildeo contavam com a presenccedila militar cartaginesa

agora tinham tropas enviadas por Cartago Arcagatos se viu

forccedilado a dividir tambeacutem as suas forccedilas pois soacute assim

poderia enfrentar a investida inimiga um primeiro

destacamento foi enviado para a regiatildeo costeira seguido

pelo envio de tropas sob o comando de Aeschrion

responsaacutevel pelo combate dos cartagineses localizados nas

regiotildees intermediaacuterias e da terceira parte (sob o comando

do proacuteprio Arcagatos) do exeacutercito para as cidades do

interior

Os resultados natildeo foram nada favoraacuteveis aos gregos

Aeschrion pereceu em batalha apoacutes uma emboscada preparada

368 Inteacuterpretes satildeo mencionados por Diod 2316 no caso de Xantipo 369 Diod 2059 Consolo Langher p 231

165

por Hanatildeo general cartaginecircs sobre o qual nada sabemos

aleacutem do plano para a morte do comandante grego Segundo

Diodoro os cartagineses avanccedilaram sobre eles de forma

inesperada contrariando todas as expectativas e abateram

mais de 4000 soldados de infantaria 200 cavaleiros e o

proacuteprio general ([] καὶ παραδόξως ἐπιθέμενος ἀνεῖλε πεζοὺς μὲν πλείους

τν τετρακισχιλίων ἱππεῖς δὲ περὶ διακοσίους ἐν οἷς ἦν καὶ ατὸς ὁ στρατηγός)

Diante disso sem ter como revidar as tropas sobreviventes

retiraram-se para o acamamento de Arcagathus distante

cerca de 90 quilocircmetros (500 estaacutedios gregos ἀπέχοντα σταδίους

πεντακοσίους)370 Himilco general cartaginecircs responsaacutevel pelas

tropas dirigidas ao interior aguardava em posiccedilatildeo

defensiva favoraacutevel numa cidade aparentemente bem

fortificada Os soldados de Eumachos retornavam de sua

campanha a marcha lenta por causa dos espoacutelios obtidos das

cidades capturadas quando se depararam com os cartagineses

de Himilco Desafiados para uma batalha decisiva os

cartagineses aceitaram o combate mas natildeo da forma como os

gregos esperavam Parte das tropas foi deixada escondida na

cidade e a outra parte se apresentou em campo aberto

simulando uma retirada apoacutes iniciada a batalha o que teria

provocado o avanccedilo precipitado e desordenado dos homens de

Eumachos provavelmente confiantes demais com o resultado

da campanha no interior Os gregos findaram por pressionar

em confusatildeo aqueles que estavam em recuo ([] καὶ

τεθορυβημένως τν ποχωρούντων ἐξήπτοντο) momento em que as ordens

de Himilco foram executadas pelas tropas que haviam sido

deixadas na cidade como forccedila de reserva

Himilco deixou parte de seu exeacutercito em armas na

cidade ordenando que no momento em que ele se

370 Diod 2060

166

retirasse em fuga simulada o exeacutercito castigasse os

seus perseguidores371

Envolvidos dessa maneira os gregos entraram em pacircnico

e bateram em retirada sendo impedidos de retornar ao seu

acampamento pelos cartagineses o que gerou a

impossibilidade da aquisiccedilatildeo de aacutegua e facilitou por

consequumlecircncia a finalizaccedilatildeo por parte dos cartagineses

Diodoro menciona que de um total de 8000 soldados

infantaria e 800 cavaleiros apenas 70 sobreviveram a essa

batalha Arcagato entatildeo reuniu os soldados sobreviventes

desses infortuacutenios e enviou um relatoacuterio a Agaacutetocles

solicitando a sua ajuda o mais raacutepido possiacutevel Os

cartagineses sendo vitoriosos conseguiram o apoio de

muitos desertores do exeacutercito grego que cercado por terra

e mar aguardava desesperadamente reforccedilo vindo da Siciacutelia

A chegada de Agaacutetocles natildeo modificou sensivelmente a

situaccedilatildeo desfavoraacutevel aos gregos Justino menciona uma

soluccedilatildeo momentacircnea para o motim dos mercenaacuterios os quais

natildeo deveriam pedir o pagamento de seu comandante ldquomas

tomaacute-lo do inimigordquo (sed ab hoste quaerenda) Ainda de

acordo com a forma que Justino via o discurso de Agaacutetocles

aos seus homens eles deveriam ldquoobter uma vitoacuteria e um

espoacutelio comunsrdquo (communem victoriam communem praedam

futuram)372

Mas o pagamento natildeo veio pois os inimigos natildeo

puderam ser derrotados Sabendo de sua condiccedilatildeo favoraacutevel

particularmente quanto ao terreno linhas de abastecimento

e moral das tropas os cartagineses aguardaram em seu

acampamento tendo assim forccedilado Agaacutetocles diante da

inquietaccedilatildeo de seus mercenaacuterios373 a arriscar uma batalha

371 Diod 2060 [] Ἰμίλκων μέρος μὲν τς στρατιᾶς κατέλιπε διεσκευασμένον ἐν τῆ πόλει διακελευσάμενος ὅταν ατὸς ἀναχωρῆ προσποιούμενος φεύγειν ἐπεξελθεῖν τοῖς ἐπιδιώκουσιν 372 Justino 228 373 Diod 2064 menciona desistecircncia por parte dos mercenaacuterios no curto

tempo que Agaacutetocles decidiu esperar por condiccedilotildees estrateacutegicas mais

favoraacuteveis

167

sem as vantagens baacutesicas exigidas para tanto Pressionado

por todos os lados seus homens natildeo puderam resistir e a

batalha logo estava completamente perdida

Ainda que natildeo tenhamos informaccedilotildees detalhadas sobre

essa uacuteltima derrota grega na Aacutefrica parece certo deduzir

que as taacuteticas cartaginesas natildeo eram a essa altura

ldquoheleniacutesticasrdquo apesar do contato direto com Agaacutetocles Se

tiveacutessemos maiores detalhes sobre as taacuteticas em campo

aberto as mesmas provavelmente confirmariam o

ldquodiagnoacutesticordquo de Xantipo cerca de 50 anos mais tarde

durante a Primeira Guerra Puacutenica que os cartagineses foram

derrotados naquele tempo pelos romanos devido agrave

inexperiecircncia de seus generais De modo geral as taacuteticas

heleniacutesticas representavam o que havia de mais atualizado e

eficiente na arte da guerra mediterracircnica pois

consideravam os diversos aspectos do confronto armado Os

generais cartagineses natildeo estavam capacitados para tais

modificaccedilotildees executando no fim do seacutecIV aC manobras

tiacutepicas do periacuteodo claacutessico nem tinham proximidade com a

figura de Alexandre ou conhecimento suficiente de sua

expediccedilatildeo asiaacutetica para a realizaccedilatildeo da referida tarefa

antes de Xantipo Mas algo mudou durante a expediccedilatildeo

africana de Agaacutetocles o envio das tropas a territoacuterio

africano obedeceu diante da ameaccedila estrangeira em seu

territoacuterio a criteacuterios logiacutesticos mais apurados o que

parece ter sido produto de aconselhamento por parte dos

mercenaacuterios

168

4 As uacuteltimas inovaccedilotildees militares em Cartago no

periacuteodo preacute-Baacutercida ou a transformaccedilatildeo taacutetica

frente agrave ameaccedila romana 255 aC

41 A Primeira Guerra Puacutenica 264-241 aC

411 A particularidade da primeira guerra cartaginesa

contra os romanos

As Guerras Puacutenicas sempre atraiacuteram a atenccedilatildeo dos

historiadores particularmente aqueles interessados em

entender o momento em que os romanos iniciaram sua expansatildeo

para aleacutem da Peniacutensula Itaacutelica374

O primeiro desses

conflitos a chamada Primeira Guerra Puacutenica (264-241 aC)

foi a guerra contiacutenua mais longa da histoacuteria romana e

levando-se em consideraccedilatildeo o seu impacto sobre a formaccedilatildeo

das colocircnias romanas no Mediterracircneo a mais importante

delas Parece oacutebvio chegar a essa conclusatildeo quando se tem

em mente que durante o primeiro confronto entre Cartago e

Roma os soldados romanos lutaram na Siciacutelia Coacutersega

Sardenha e norte da Aacutefrica tendo nascido nesse momento a

justificativa romana para a intervenccedilatildeo nos assuntos

sicilianos e posteriormente cartagineses levando agrave

destruiccedilatildeo da cidade na Terceira Guerra Puacutenica (149-146

374 As referecircncias sobre as Guerras Puacutenicas satildeo quase incontaacuteveis Como

breve listagem das melhores obras sobre o tema sugiro Arnold J

Toynbee Hannibal‟s legacy the Hannibalic War‟s effects on Roman

life London New York Oxford University Press 1965 Brian Caven

The Punic Wars London Weidenfeld and Nicolson 1980 Bagnall op

cit Basil Henry Liddell Hart Scipio Africanus greater than

Napoleon New York Da Capo Press 1994 Le Bohec op cit John

Francis Lazenby First Punic War e John F Lazenby Hannibal‟s war a

military history of the Second Punic War Norman University of

Oklahoma Press 1998 Dexter Hoyos Unplanned Wars The Origins of the

First and Second Punic Wars Berlin New York Walter de Gruyter

1998 Goldsworthy Punic Wars Daly Dexter Hoyos Hannibal‟s war

books twenty-one to thirty Livy translated by JC Yardley with an

introduction and notes by Dexter Hoyos Oxford New York Oxford

University Press 2006 Miles

169

aC)375

Aleacutem disso na condiccedilatildeo de guerra primariamente

naval eacute normalmente dito por historiadores que a Primeira

Guerra Puacutenica agregou o maior nuacutemero de homens envolvidos

em batalhas no mar ao longo de toda a histoacuteria greco-

romana376

De modo geral a Primeira Guerra Puacutenica aparece apenas

como um capiacutetulo menor das Guerras Puacutenicas precisamente um

preluacutedio necessaacuterio ao estudo da bem documentada Guerra

Anibaacutelica377

Lazenby recorda que no livro de Caven sobre as

Guerras Puacutenicas por exemplo muitos detalhes (pormenores

relevantes ao estudo especializado) satildeo deixados de lado e

nenhuma referecircncia agraves evidecircncias antigas eacute feita378 O livro

de Bagnall The Punic Wars tambeacutem carece de detalhes

importantes ainda que apresente boas hipoacuteteses sobre

estrateacutegia379

Ateacute o estudo sistemaacutetico de Lazenby

portanto natildeo havia publicaccedilotildees detalhadas sobre o

conflito submetendo frequumlentemente a anaacutelise ao modo

criativo e inovador que caracterizou os caminhos pelos

quais os romanos venceram os ldquotraiccediloeiros cartaginesesrdquo

que tiveram por fim somente uma repentina e fugaz

reviravolta em sua fortuna sob o comando de Aniacutebal Barca

Tendo Lazenby como ponto de partida outras obras surgiram

mas a maioria delas preocupadas mais com a Segunda Guerra

Puacutenica ou com a caracterizaccedilatildeo da Primeira Guerra Puacutenica

375 Ver Goldsworthy Punic Wars pp331-356 376 Lazenby First Punic War p1 Polib 163 caracteriza a guerra

como a mais longa mais intensa e maior (πολυχρονιώτατος καὶ συνεχέστατος καὶ μέγιστος) de todas as guerras 377 Haacute algumas obras dedicadas apenas agrave Primeira Guerra Puacutenica mas de

modo geral essas satildeo escassas se comparadas ao grande nuacutemero de

estudos sobre Aniacutebal Barca e sua guerra contra os romanos Sobre obras

dedicadas agrave Primeira Guerra Puacutenica em particular ver por exemplo

Lazenby First Punic War e Yann Le Bohec (org) Le Premiegravere Guerre

Punique Collection du Centre d‟Eacutetudes Romaines et Gallo-Romaines 23

Lyon Paris De Boccard 2001 378 Lazenby First Punic War prefaacutecio A obra mencionada eacute a de Caven

(op cit) Caven eacute tambeacutem autor de Dionysius I war-lord of Sicily

New Haven Yale University Press 1990 379 Lazenby First Punic War prefaacutecio Bagnall op cit

170

como preluacutedio das demais380

Isso induz agraves anaacutelises gerais

que reduzem para o que mais interessa a esse respeito

nesta tese o impacto das inovaccedilotildees lideradas por

Xantipo381

O que teria entatildeo em primeiro lugar dado iniacutecio agrave

Primeira Guerra Puacutenica Antes de tratar do recrutamento de

Xantipo (e possivelmente outros mercenaacuterios gregos) como

indiacutecio da preocupaccedilatildeo cartaginesa com a invasatildeo de Reacutegulo

na Aacutefrica torna-se fundamental o entendimento da

construccedilatildeo gradual do direito de intervenccedilatildeo romana na

Siciacutelia e do modo como as relaccedilotildees entre Cartago e Roma

chegaram ao ponto da hostilidade poliacutetico-militar

De acordo com Poliacutebio trecircs foram os tratados entre

Cartago e Roma no periacuteodo anterior agrave deflagraccedilatildeo da

guerra382 O primeiro deles teria ocorrido 28 anos antes da

invasatildeo de Xerxes isto eacute entre 509-507 aC ocupando-se

com a restriccedilatildeo dos acordos comerciais de Roma com a Aacutefrica

e a Sardenha o que asseguraria tambeacutem a sua autoridade no

Laacutecio Traduzido por Poliacutebio do latim ldquoda forma mais exata

possiacutevelrdquo o tratado (versatildeo parcial) seria como se segue

bdquoHaveraacute amizade (φιλίαν) entre os romanos e seus

aliados e entre os cartagineses e seus aliados nos

seguintes termos

Nem os romanos nem seus aliados navegaratildeo aleacutem de sua

Peniacutensula por direito (τοῦ Καλοῦ ἀκρωτηρίου) a menos que levados por tempestade (χειμνος) ou por pressatildeo do

inimigo (πολεμίων)383 Se qualquer um desses for levado para terra firme o mesmo natildeo compraraacute ou tomaraacute

qualquer coisa que seja para si salvo o que for

necessaacuterio para o reparo de sua embarcaccedilatildeo (πρὸς πλοίου ἐπισκευὴν) e para honrar os deuses (πρὸς ἱερά) devendo

380 Uma exceccedilatildeo eacute obviamente Le Bohec sobre a Primeira Guerra Puacutenica

(op cit) 381 Goldsworthy Punic Wars p10 admite que Lazenby First Punic War

eacute a referecircncia ldquomais acadecircmicardquo para o assunto 382 Polib 322 383 Polemiacuteon indica ldquorelativo agrave guerrardquo mas aqui deve ser traduzido

como ldquopor medo ou pressatildeo do inimigordquo jaacute que indica uma forccedila

externa no caso militar como fator para ultrapassar os limites

geograacuteficos estabelecidos

171

partir em cinco dias [] Aqueles que desembarcarem

para o comeacutercio natildeo devem fazecirc-lo salvo na presenccedila de

um oficial (κήρυκι) ou secretaacuterio (γραμματεῖ) O que quer que seja vendido na presenccedila desses deveraacute ter o preccedilo

assegurado com base no creacutedito do Estado contanto que

ocorra na Liacutebia ou na Sardenha Se um romano vier agrave

Siciacutelia aquela pertencente ao territoacuterio dos

cartagineses (ἧς Καρχηδόνιοι ἐπάρχουσιν) o mesmo desfrutaraacute de todos os direitos comuns aos demais Os cartagineses

natildeo causaratildeo danos ao povo de Ardea Antium

Laurentium Circeii Terracina nem a qualquer um dos

Latinos desde que esses estejam submetidos [a Roma]

(μηδ ἄλλον μηδένα Λατίνων ὅσοι ἂν πήκοοι) [] Eles [os

cartagineses] natildeo construiratildeo forte no Laacutecio se

entrarem em armas no territoacuterio ali natildeo permaneceratildeo

nem mesmo para passar a noite (ἐν τῆ χώρᾳ μὴ ἐννυκτερευέτωσαν)‟384

Como pode ser observado trata-se de um acordo

comercial com fins igualmente poliacuteticos dirigido agrave criaccedilatildeo

ou manutenccedilatildeo das boas relaccedilotildees entre Cartago e Roma Tem

sido sugerido que nessa passagem encontrariacuteamos a indicaccedilatildeo

de uma renovaccedilatildeo de um tratado jaacute existente entre Cartago e

os reis etruscos de Roma uma vez que haacute outras evidecircncias

para a existecircncia de termos amigaacuteveis entre os cartagineses

e os etruscos no seacutecVI aC Aleacutem disso a eacutepoca referida

por Poliacutebio condiz com o periacuteodo etrusco em Roma385

O segundo tratado ocorreu provavelmente em 348 aC se

for aceita a identificaccedilatildeo do tratado mencionado por Tito

384 Polib 322 ldquoἐπὶ τοῖσδε φιλίαν εἶναι Ῥωμαίοις καὶ τοῖς Ῥωμαίων συμμάχοις καὶ Καρχηδονίοις καὶ τοῖς Καρχηδονίων συμμάχοις μὴ πλεῖν Ῥωμαίους μηδὲ τοὺς Ῥωμαίων συμμάχους ἐπέκεινα τοῦ Καλοῦ ἀκρωτηρίου ἐὰν μὴ πὸ χειμνος ἢ πολεμίων ἀναγκασθσιν ἐὰν δέ τις βίᾳ κατενεχθῆ μὴ ἐξέστω ατῶ μηδὲν ἀγοράζειν μηδὲ λαμβάνειν πλὴν ὅσα πρὸς πλοίου ἐπισκευὴν ἢ πρὸς ἱερά (ἐν πέντε δ ἡμέραις ἀποτρεχέτω) τοῖς δὲ κατ ἐμπορίαν παραγινομένοις μηδὲν ἔστω τέλος πλὴν ἐπὶ κήρυκι ἢ γραμματεῖ ὅσα δ ἂν τούτων παρόντων πραθῆ δημοσίᾳ πίστει ὀφειλέσθω τῶ ἀποδομένῳ ὅσα ἂν ἢ ἐν Λιβύῃ ἢ ἐν Σαρδόνι πραθῆ ἐὰν Ῥωμαίων τις εἰς Σικελίαν παραγίνηται ἧς Καρχηδόνιοι ἐπάρχουσιν ἴσα ἔστω τὰ Ῥωμαίων πάντα Καρχηδόνιοι δὲ μὴ ἀδικείτωσαν δμον Ἀρδεατν Ἀντιατν Λαρεντίνων Κιρκαιιτν Ταρρακινιτν μηδ ἄλλον μηδένα Λατίνων ὅσοι ἂν πήκοοι ἐὰν δέ τινες μὴ ὦσιν πήκοοι τν πόλεων ἀπεχέσθωσαν ἂν δὲ λάβωσι Ῥωμαίοις ἀποδιδότωσαν ἀκέραιον φρούριον μὴ ἐνοικοδομείτωσαν ἐν τῆ Λατίνῃ ἐὰν ὡς πολέμιοι εἰς τὴν χώραν εἰσέλθωσιν ἐν τῆ χώρᾳ μὴ ἐννυκτερευέτωσανrdquo 385 Lazenby First Punic War p31 A evidecircncia citada eacute Hdt 1166 E

eles atacaram e pilharam todas as cidades vizinhas razatildeo pela qual os

etruscos e cartagineses (Τυρσηνοὶ καὶ Καρχηδόνιοι) se aliaram contra eles []

172

Liacutevio386

e Diodoro387

com aquele descrito por Poliacutebio388 como

o segundo dos acordos embora Tito Liacutevio e Diodoro anunciem

esse tratado como o primeiro a inaugurar as relaccedilotildees

diplomaacuteticas entre os dois Estados Basicamente o segundo

tratado asseguraria a posiccedilatildeo dos romanos no Laacutecio e a dos

cartagineses na Liacutebia e Sardenha exatamente como no

primeiro tratado referido por Poliacutebio mas acrescentava

Uacutetica ao domiacutenio cartaginecircs indicando o sul da Hispacircnia

como aacuterea proibida ao comeacutercio por parte de Roma Tito

Liacutevio e Diodoro nos informam apenas que um tratado havia

sido estabelecido entre Roma e os cartagineses389 ao passo

que Poliacutebio nos concede as maiores informaccedilotildees a respeito

apresentando uma traduccedilatildeo do tratado da seguinte maneira

bdquoHaveraacute amizade entre os romanos e seus aliados e

entre os cartagineses os habitantes de Tiro e o povo

de Uacutetica (Τυρίων καὶ Ἰτυκαίων δήμῳ) nos seguintes termos Os romanos natildeo saquearatildeo (λῄζεσθαι) traficaratildeo

(ἐμπορεύεσθαι) ou fundaratildeo uma cidade (πόλιν κτίζειν) aleacutem de sua Peniacutensula por direito (τοῦ Καλοῦ ἀκρωτηρίου) Mastia e Tarsenium Se os cartagineses tomarem qualquer cidade

no Laacutecio que natildeo esteja submetida a Roma eles poderatildeo

fazer prisioneiros e confiscar bens (τὰ χρήματα καὶ τοὺς ἄνδρας ἐχέτωσαν) mas desistiratildeo da cidade (τὴν δὲ πόλιν ἀποδιδότωσαν) [] Na Sardenha e na Liacutebia nenhum romano traficaraacute ou fundaraacute cidade ele natildeo faraacute mais do que

pegar provisotildees ou reabastecer sua embarcaccedilatildeo (εἰ μὴ ἕως τοῦ ἐφόδια λαβεῖν ἢ πλοῖον ἐπισκευάσαι) Se uma tempestade levaacute-lo a esses locais o mesmo partiraacute em cinco dias []‟

390

386 Tito Liacutevio 727 387 Diod 1669 388 Polib 324 ver Lazenby First Punic War pp 31-32 389 Tito Liacutevio 727 Et cum Carthaginiensibus legatis Romae foedus

ictum cum amicitiam ac societatem petentes uenissent Diod 1669 ἐπὶ δὲ τού των Ῥωμαίοις μὲν πρὸς Καρχηδονίους πρτον συνθκαι ἐγένοντο 390 Polib 324 A versatildeo completa do tratado aparece como se segue ldquoἐπὶ τοῖσδε φιλίαν εἶναι Ῥωμαίοις καὶ τοῖς Ῥωμαίων συμμάχοις καὶ Καρχηδονίων καὶ Τυρίων καὶ Ἰτυκαίων δήμῳ καὶ τοῖς τούτων συμμάχοις τοῦ Καλοῦ ἀκρωτηρίου Μαστίας Ταρσηίου μὴ λῄζεσθαι ἐπέκεινα Ῥωμαίους μηδ ἐμπορεύεσθαι μηδὲ πόλιν κτίζειν ἐὰν δὲ Καρχηδόνιοι λάβωσιν ἐν τῆ Λατίνῃ πόλιν τινὰ μὴ οὖσαν πήκοον Ῥωμαίοις τὰ χρήματα καὶ τοὺς ἄνδρας ἐχέτωσαν τὴν δὲ πόλιν ἀποδιδότωσαν ἐὰν δέ τινες Καρχηδονίων λάβωσί τινας πρὸς οὓς εἰρήνη μέν ἐστιν ἔγγραπτος Ῥωμαίοις μὴ ποτάττονται δέ τι ατοῖς μὴ καταγέτωσαν εἰς τοὺς Ῥωμαίων λιμένας ἐὰν δὲ καταχθέντος ἐπιλάβηται ὁ Ῥωμαῖος ἀφιέσθω ὡσαύτως δὲ μηδ οἱ Ῥωμαῖοι ποιείτωσαν ἂν ἔκ τινος χώρας ἧς Καρχηδόνιοι ἐπάρχουσιν ὕδωρ ἢ ἐφόδια λάβῃ ὁ Ῥωμαῖος μετὰ τούτων τν ἐφοδίων μὴ ἀδικείτω μηδένα πρὸς οὓς εἰρήνη καὶ φιλία ἐστὶ (Καρχηδονίοις ὡσαύ τως δὲ μηδ ὁ)

173

O terceiro tratado entre Cartago e Roma teve lugar

entre 279 e 278 aC isto eacute durante a expediccedilatildeo italiana

de Pirro do Epiro em socorro de Tarento391 Apoacutes as suas

duas vitoacuterias contra os romanos as chamadas ldquovitoacuterias

piacuterricasrdquo (em Heraclea e Aacutesculo) Pirro resolveu atender ao

pedido das cidades siciliotas e partiu rumo agrave ilha para

comandar a guerra dos gregos contra os cartagineses

Cartago por outro lado natildeo via a chegada de Pirro como

algo positivo em momento tatildeo crucial da guerra e

estabeleceu novo acordo com os romanos desta vez em termos

bastante favoraacuteveis aos uacuteltimos com o objetivo de

assegurar que o epirota permanecesse na peniacutensula

De acordo com Poliacutebio o terceiro tratado continha os

mesmos termos dos dois anteriores exceto pelos seguintes

elementos inseridos por conta da presenccedila de Pirro na

Peniacutensula e em seguida na Siciacutelia

bdquoSe um ou outro necessitar de auxiacutelio (ὁπότεροι δ ἂν χρείαν ἔχωσι τς βοηθείας) os cartagineses forneceratildeo as

embarcaccedilotildees seja para transporte ou com fins

militares mas cada povo arcaraacute com o pagamento de seus

proacuteprios homens (τὰ δὲ ὀψώνια τοῖς ατν ἑκάτεροι) Os

cartagineses tambeacutem daratildeo suporte mariacutetimo (κατὰ θάλατταν) se os romanos precisarem mas nenhum dos dois

Καρχηδόνιος ποιείτω εἰ δέ μὴ ἰδίᾳ μεταπορευέσθω ἐὰν δέ τις τοῦτο ποιήσῃ δημόσιον γινέσθω τὸ ἀδίκημα ἐν Σαρδόνι καὶ Λιβύῃ μηδεὶς Ῥωμαίων μήτ ἐμπορευέσθω μήτε πόλιν κτιζέτω [] εἰ μὴ ἕως τοῦ ἐφόδια λαβεῖν ἢ πλοῖον ἐπισκευάσαι ἐὰν δὲ χειμὼν κατενέγκῃ ἐν πένθ ἡμέραις ἀποτρεχέτω ἐν Σικελίᾳ ἧς Καρχηδόνιοι ἐπάρχουσι καὶ ἐν Καρχηδόνι πάντα καὶ ποιείτω καὶ πωλείτω ὅσα καὶ τῶ πολίτῃ ἔξεστιν ὡσαύτως δὲ καὶ ὁ Καρχηδόνιος ποιείτω ἐν Ῥώμῃrdquo 391 A anaacutelise mais recente sobre o terceiro tratado pode ser encontrada

em Zambon Hellenistic Sicily pp 86-95 Zambon Hellenistic Sicily

divide as fontes para o terceiro tratado em (a) fontes sobre as

relaccedilotildees diplomaacuteticas (b) fontes sobre a assinatura do tratado e (c)

fontes para os eventos histoacutericos apoacutes a conclusatildeo da nova alianccedila

Como aqui pretendo apenas mostrar a degradaccedilatildeo das relaccedilotildees

diplomaacuteticas entre Cartago e Roma para entatildeo salientar razotildees mais

profundas para a deflagraccedilatildeo da guerra que a questatildeo dos mamertinos

temas mais especiacuteficos (como os que foram enumerados por Zambon

Hellenistic Sicily e trabalhados por um nuacutemero abundante de autores)

seratildeo propositalmente suprimidos Sobre o tratado aleacutem de Zambon

pode-se consultar Barbara Scardigli I Trattati romano-cartaginesi

Pisa Scuola Normale Superiore 1991 Hoyos op cit pp 7-11

174

obrigaraacute os tripulantes a desembarcar contra a sua

vontade‟ (versatildeo parcial)392

O tratado como podemos observar estabelece claramente

auxiacutelio militar muacutetuo393 estando Cartago disposta a se

ldquocomprometerrdquo com o auxiacutelio logiacutestico mais do que os

romanos (inclusive pela condiccedilatildeo de sua frota em comparaccedilatildeo

com aquela virtualmente inexistente dos romanos) o que

ilustra a insatisfaccedilatildeo com a possibilidade de ter que lidar

com Pirro na Siciacutelia Os resultados do tratado contudo

natildeo tiveram grande impacto de ordem praacutetica Ainda que seja

tentador identificar a referecircncia agraves 120 embarcaccedilotildees sob o

comando do cartaginecircs Mago em Justino no momento da

expediccedilatildeo italiana de Pirro como fruto do terceiro tratado

a referecircncia (na mesma passagem)394 a uma visita em segredo

de Mago ao epirota durante a qual certo tipo de alianccedila ou

amizade foi oferecido indica que Cartago natildeo estava

decidida quanto agrave hostilidade em direccedilatildeo a Pirro e

portanto parece mais correto dizer que o envio de Mago se

deu antes do tratado Lazenby ceacutetico diante da evidecircncia

acerca de outro evento como consequumlecircncia do terceiro acordo

entre Cartago e Roma agrave eacutepoca da expediccedilatildeo piacuterrica aponta

uma operaccedilatildeo ocorrida em Reggio separada da Siciacutelia apenas

pelo estreito de Messina como o uacutenico evento possivelmente

resultante do tratado em questatildeo395 Apoiado num fragmento

de Diodoro Lazenby sugere que os 500 homens enviados a

Reggio (ainda sob o domiacutenio romano) por Cartago

392 Polib 325 [] ὁπότεροι δ ἂν χρείαν ἔχωσι τς βοηθείας τὰ πλοῖα παρεχέτωσαν Καρχηδόνιοι καὶ εἰς τὴν ὁδὸν καὶ εἰς τὴν ἄφοδον τὰ δὲ ὀψώνια τοῖς ατν ἑκάτεροι Καρχηδόνιοι δὲ καὶ κατὰ θάλατταν Ῥωμαίοις βοηθείτωσαν ἂν χρεία ᾖ τὰ δὲ πληρώματα μηδεὶς ἀναγκαζέτω ἐκβαίνειν ἀκουσίωςrdquo 393 Lazenby First Punic War p 32 394 Justino 182 [] quasi pacificator Karthaginiensium Pyrrum

adiit speculaturus consilia eius de Sicilia [] Embora Justino

indique que as reais intenccedilotildees dos cartagineses eram especular o que

Pirro pensava sobre a Siciacutelia temos ainda uma duacutevida que parece mais

caracteriacutestica de um periacuteodo anterior mesmo que bastante proacuteximo da

data do terceiro tratado com Roma 395 Lazenby First Punic War p 33

175

corresponderiam ao contingente de apoio contra o invasor

epirota Aleacutem desse evento nenhum outro pode ser cotado

como relacionado ao tratado ldquonem mesmo quando somente

Lilibeu permaneceu sob domiacutenio de Cartago de todas as suas

posses na Siciacuteliardquo396 Terminada a expediccedilatildeo de Pirro

outros possiacuteveis eventos podem ser vistos ainda como parte

do acordo mas como resposta aos homens deixados pelo

rei397

Apoacutes a breve anaacutelise dos trecircs tratados entre Cartago e

Roma podemos notar portanto ao lado da construccedilatildeo de uma

relaccedilatildeo amistosa entre os dois poderes a consolidaccedilatildeo da

posiccedilatildeo cartaginesa na Siciacutelia por cerca de 300 anos

(apesar de algumas reviravoltas tais como a guerra contra

Agaacutetocles e em seguida Pirro) e a expansatildeo romana em

direccedilatildeo ao sul da Peniacutensula regiatildeo que teraacute durante a

expediccedilatildeo de Pirro e um pouco depois presenccedila constante de

legionaacuterios romanos a exemplo da cidade de Reggio (vale

ressaltar mais uma vez separada da Siciacutelia apenas pelo

estreito de Messina) Tendo Pirro saiacutedo de cena o choque

entre dois Estados com impulsos imperialistas seria com o

passar dos anos algo inevitaacutevel O problema com os

mamertinos daria entatildeo o motivo concreto para a

deflagraccedilatildeo do conflito

Como visto anteriormente os soldados campacircnios

inicialmente a serviccedilo de Agaacutetocles haviam subjugado a

regiatildeo nordeste da Siciacutelia alguns anos apoacutes a morte do

siracusano tirando proveito da situaccedilatildeo poliacutetica delicada

pela qual a ilha passava Com a ascensatildeo de Hiero de

Siracusa e a soluccedilatildeo dos conflitos em Reggio (que teve seus

campacircnios revoltosos exterminados pelos romanos) a

situaccedilatildeo dos mamertinos se modificaraacute principalmente

396 Lazenby First Punic War p 34 397 Uma frota cartaginesa enviada a Tarentum para dar suporte ao cerco

liderado pelos romanos contra Milo deixado na cidade por Pirro

aparece por exemplo em Zonaras 88 e Oroacutesio 43

176

devido ao combate sistemaacutetico por parte dos siracusanos

contra a seacuterie de pilhagens promovidas pelos mercenaacuterios

Os mamertinos sem ter muito o que fazer solicitaram apoio

dos cartagineses e em seguida dos romanos Poliacutebio eacute

esclarecedor a esse respeito

Alguns deles apelaram aos cartagineses propondo a

submissatildeo deles proacuteprios e da cidade ao passo que

outros enviaram uma embaixada a Roma oferecendo a

submissatildeo da cidade e implorando por assistecircncia como

povo de mesma origem (ατοῖς ὁμοφύλοις πάρχουσιν)398

O principal elemento considerado pelos romanos em sua

avaliaccedilatildeo do pedido de auxiacutelio mamertino natildeo parece ter

sido contudo a identificaccedilatildeo eacutetnica De acordo com

Poliacutebio os romanos estavam cientes da grande expansatildeo do

territoacuterio cartaginecircs que jaacute incluiacutea a Liacutebia parte da

Hispacircnia a Sardenha e o Mar Tirreno restando somente a

conquista de parte da Siciacutelia para se tornarem ldquoos vizinhos

mais problemaacuteticos e perigosos (βαρεῖς καὶ φοβεροὶ γείτονες)rdquo

cercando Roma por todos os cantos da Peniacutensula No final

das contas possivelmente por pressatildeo popular (οἱ πολλοὶ) o

Senado decidiu nomear o cocircnsul Aacutepio Claacuteudio como general no

comando das tropas que atravessariam o mar em direccedilatildeo a

Siciacutelia sendo o cocircnsul vitorioso na primeira batalha

contra Hieratildeo (recentemente aliado de Cartago e vitorioso

num primeiro confronto contra os mamertinos) e os

cartagineses399 Derrotado pelos romanos Hieratildeo findou por

estabelecer alianccedila com os primeiros em 263 aC

mostrando-se leal a eles ateacute o fim de seu governo em 215

aC Os cartagineses em contrapartida frente agrave deserccedilatildeo

de Hieratildeo montaram seu novo quartel general na cidade de

Acragas devido a sua localizaccedilatildeo favoraacutevel como ponto de

398 Polib 110 [] οἱ μὲν ἐπὶ Καρχηδονίους κατέφευγον καὶ τούτοις ἐνεχείριζον σφᾶς ατοὺς καὶ τὴν ἄκραν οἱ δὲ πρὸς Ῥωμαίους ἐπρέσβευον παραδιδόντες τὴν πόλιν καὶ δεόμενοι βοηθήσειν σφίσιν ατοῖς ὁμοφύλοις πάρχουσιν 399 Polib 111

177

apoio logiacutestico bem como ao faacutecil acesso que ela oferecia

agrave porccedilatildeo leste da Siciacutelia a qual estava sob domiacutenio do

inimigo400

Com seus primeiros movimentos na Siciacutelia a maior parte

da Primeira Guerra Puacutenica todavia foi travada no mar

ainda que uma anaacutelise das evidecircncias acerca da atuaccedilatildeo dos

exeacutercitos (particularmente na Aacutefrica) ilustre inovaccedilotildees

militares importantes em terra firme Os cartagineses eram

conhecidos por sua excelecircncia mariacutetima tendo a navegaccedilatildeo

se tornado como nos informa Poliacutebio o seu ofiacutecio

nacional401

Eacute de salientar o respeito dos antigos quanto agrave

frota cartaginesa em diversas ocasiotildees de tensatildeo militar

das quais destaco como exemplo algumas cidades sicilianas

(aliadas aos romanos) que ldquoaterrorizadas diante da frota

cartaginesardquo (καταπεπληγμέναι τὸν τν Καρχηδονίων στόλον)

desertaram antes mesmo de lutar402 Os aparatos tecnoloacutegicos

usados na guerra naval eram quase sempre inventados ou

aprimorados pelos cartagineses a exemplo da substituiccedilatildeo

das trirremes (dominantes na guerra naval por cerca de 200

anos) pelas quadrirremes e de sua consequumlente adaptaccedilatildeo

para as quinquerremes403

Por outro lado como nos faz crer

Poliacutebio os romanos natildeo haviam se dedicado agrave guerra naval

como os cartagineses sendo seus construtores navais

completamente inexperientes na montagem de quinquerremes

400 Polib 117 Miles op cit p 179 401 Polib 652 Καρχηδόνιοι διὰ τὸ καὶ πάτριον ατοῖς [] τὴν ἐμπειρίαν ταύτην Ver item sobre o exeacutercito cartaginecircs 402 Polib 120 403

Note-se que a quinquerreme (do latim quinque o nuacutemero de homens necessaacuterios para mover cada seccedilatildeo da embarcaccedilatildeo) foi criado por

Dioniacutesio de Siracusa mas o seu uso foi melhorado pelos cartagineses

John S Morrison e John F Coates (The Athenian trireme the history

and reconstruction of an ancient Greek warship Cambridge University

Press 1986 pp259-260 Miles pp 177-178) mostraram a partir de

evidecircncias iconograacuteficas que a quinquereme cartaginesa era

ligeiramente diferente do modelo grego com um formato tipicamente

feniacutecio para os espaccedilos onde eram dispostos os cinco remadores de cada

seccedilatildeo o que garantia no caso cartaginecircs uma proteccedilatildeo extra para os

remadores e para o casco do navio Este seria por consequumlecircncia o

modelo das quinquerremes romanas Para a marinha de guerra cartaginesa

em geral cf Le Bohec op cit pp 49-55

178

(τν δὲ ναυπηγν εἰς τέλος ἀπείρων ὄντων τς περὶ τὰς πεντήρεις ναυπηγίας)

quando da deflagraccedilatildeo da Primeira Guerra Puacutenica404 A frota

de 100 quinquerremes e 20 trirremes construiacuteda em 261

aC teria sido a primeira formada pelos proacuteprios romanos

o que acentuaria na visatildeo de Poliacutebio quatildeo espirituosos

(μεγαλόψυχον) e extraordinaacuterios (παράβολον) eram os romanos ao

fazer algo405

Com a apreensatildeo de uma embarcaccedilatildeo cartaginesa (uma

quinquerreme) tomada como modelo Roma teria finalizado a

construccedilatildeo de sua frota (as 120 embarcaccedilotildees descritas por

Poliacutebio) em apenas 60 dias406 provavelmente por que a

disposiccedilatildeo das peccedilas das embarcaccedilotildees seguiu o meacutetodo de

organizaccedilatildeo por letras empregado por Cartago407 Frota

pronta natildeo significava contudo frota taticamente apta

Logo cerca de 17 embarcaccedilotildees romanas acabaram por ser

capturadas pelos cartagineses nas Ilhas Eoacutelias a noroeste

de Messina enquanto tentavam submeter a cidade de Lipara

tendo sua tripulaccedilatildeo e seu comandante Gneu Corneacutelio

Cipiatildeo sido capturados sem grande dificuldade408

404 Uma boa siacutentese das condiccedilotildees gerais da guerra naval no seacutecIII

aC pode ser encontrada em Goldsworthy Punic Wars pp 96-103 405 Polib 120 ἐξ ὧν καὶ μάλιστα συνίδοι τις ἂν τὸ μεγαλόψυχον καὶ παράβολον τς Ῥωμαίων αἱρέσεως Poliacutebio entende que a vitoacuteria romana em Acragas (261 aC) teria modificado sensivelmente os objetivos dos romanos com a

guerra ao inveacutes de simplesmente proteger os mamertinos agora Roma

havia se decidido pela expulsatildeo dos cartagineses da Siciacutelia Ver

Goldsworthy Punic Wars p 97 406 Polib 120 Bagnall op cit p 60 Le Bohec op cit pp75-77

Hoyos op cit p89 407 O meacutetodo ficou conhecido entre os estudiosos de Cartago apoacutes

escavaccedilatildeo dirigida por Honor Frost na deacutecada de 70 Restos de uma

embarcaccedilatildeo antiga haviam sido encontrados em 1969 por um capitatildeo de

navio mercante Diego Boninni durante uma viagem de trabalho Estudos

da escrita deixada pelos construtores da embarcaccedilatildeo mostraram que o

casco havia sido preconcebido ao passo que a existecircncia de letras

similares em direccedilotildees variadas indicava a presenccedila de muacuteltiplos

construtores Os resultados da escavaccedilatildeo foram publicados

primeiramente no The International Journal of Nautical Archaeology (a

partir de 1972) e assim que o trabalho de campo se deu por encerrado

um relato amplo foi publicado pela Accademia Nazionale dei Lincei

(Roma) como suplemento da Notizie degli Scavi di Antichitagrave 30 (1976) 408 Polib 121 Miles op cit p 181 observa que a carreira de

Cipiatildeo natildeo parece ter sido abalada em ambiente senatorial jaacute que o

mesmo foi eleito cocircnsul pela segunda vez em 254 aC mas entre a

populaccedilatildeo sua reputaccedilatildeo natildeo era mais cotada entre as mais intactas a

179

Taticamente inferiores no mar o que havia se tornado

evidente apoacutes a primeira derrota de sua frota para os

cartagineses em 260 aC os romanos desenvolveram uma arma

engenhosa com o objetivo de superar a falta de habilidade

(se comparada agrave dos cartagineses) ao manobrar as

embarcaccedilotildees o corvus409 Prancha de 11 m de comprimento e

120 m de largura o corvo possuiacutea um espeto na

extremidade o qual era usado para perfurar a embarcaccedilatildeo

inimiga durante a sua trajetoacuteria de cima para baixo

permitindo assim que as duas embarcaccedilotildees envolvidas se

mantivessem forccedilosamente conectadas o tempo necessaacuterio para

a travessia completa dos soldados romanos Esses por sua

vez atravessavam a prancha em numa coluna disposta em

pares de maneira que os dois primeiros protegiam a frente

com seus escudos erguidos enquanto os seguintes dividiam a

proteccedilatildeo dos flancos410

O melhor exemplo para a explicaccedilatildeo acerca do

funcionamento do corvo eacute a batalha de Mylae Segundo

Poliacutebio ansiosos para por agrave prova o novo equipamento

disposto na proa dos navios os romanos decidiram sob o

comando de Caio Duilio (que havia deixado as legiotildees sob

responsabilidade dos tribunos militares) atacar os

cartagineses que assolavam o territoacuterio de Mylae

Ao se aproximarem e verem os corvos (τοὺς κόρακας) subindo ao ponto mais alto da proa de cada navio os

cartagineses em princiacutepio ficaram confusos surpresos

com a construccedilatildeo das maacutequinas Contudo como eles davam

o inimigo inteiramente por derrotado as embarcaccedilotildees da

linha de frente atacaram bravamente Mas conforme as

julgar pelo apelido que lhe foi dado asina ou mula Ver Pliacutenio

8169 Lazenby First Punic War op cit pp 66-67 Ao lado de Cipiatildeo

estava o seu colega de magistratura Caio Duilio comandante das

tropas na Siciacutelia 409 Ainda que Poliacutebio use o termo korakes os estudiosos modernos

adotaram a forma latina corvus (corvi no plural) pois esse eacute de

acordo com Lazenby First Punic War (p 68) o termo latino

correspondente 410 Polib 122

180

embarcaccedilotildees que entravam em colisatildeo eram rapidamente

capturadas pelas maacutequinas e os tripulantes romanos

embarcavam por meio do corvo (τοῦ κόρακος) e atacavam os inimigos um a um na plataforma alguns dos cartagineses

eram eliminados e outros rendidos por desacircnimo diante

do que estava ocorrendo tendo a batalha se tornado

praticamente um combate em terra firme Os primeiros

trinta navios que entraram em combate foram capturados

por todos os tripulantes incluindo a embarcaccedilatildeo do

comandante sendo Aniacutebal capaz de escapar por um

milagre num bote salva-vidas O restante da forccedila

cartaginesa [] desistiu e bateu em retirada (τέλος ἐγκλίναντες ἔφυγον οἱ Καρχηδόνιοι) aterrorizada (καταπλαγέντες) por esta nova experiecircncia tendo perdido 50 navios

411

Embora Poliacutebio natildeo mencione nenhuma puniccedilatildeo fatal do

comandante cartaginecircs por sua derrota outras fontes narram

crucificaccedilatildeo ou apedrejamento de Aniacutebal (natildeo o Baacutercida) por

seus homens os quais estavam insatisfeitos com o resultado

da batalha412

A vitoacuteria romana em Mylae ainda que natildeo

tenha sido decisiva assegurou aos romanos a atuaccedilatildeo na

regiatildeo da Sardenha e Coacutersega territoacuterios antes sob domiacutenio

cartaginecircs Ao inveacutes de concentrar campanhas na Siciacutelia ou

na Sardenha e Coacutersega os romanos conduziram as duas

ofensivas ao mesmo tempo o envio dos dois cocircnsules o

primeiro (Corneacutelio Cipiatildeo) para Sardenha e Coacutersega e o

segundo (Corneacutelio Aquiacutelio) para a Siciacutelia comprovam o

pensamento estrateacutegico adotado por Roma413 Uma seacuterie de

batalhas navais tiveram lugar em seguida das quais se

destaca pela quantidade de homens envolvidos a batalha de

Ecnomus (256 aC) Segundo Poliacutebio do lado romano

contavam-se 100000 tripulantes (δέκα μυριάδας) caacutelculo

retirado dos 300 remadores e 120 soldados embarcados em

cada navio Do lado cartaginecircs o total dos soldados era

algo proacuteximo dos 150000 (πεντεκαίδεκα μυριάδας) a julgar pela

411 Polib 123 Cf Lazenby First Punic War pp67-73 Le Bohec op

cit pp 77-88 Bagnall op cit pp 62-63 Goldsworthy Punic Wars

pp105-109 Miles pp 182-184 412 Zonaras 812 Oroacutesio 44 413 Bagnall op cit p64

181

contagem de suas embarcaccedilotildees (κατὰ τὸν τν νεν λόγον)414 Apoacutes

violento embate proacuteximo ao sudoeste da Siciacutelia o qual foi

mais uma vez decidido pelo uso dos corvos (a despeito das

ateacute entatildeo eficientes taacuteticas cartaginesas) os romanos

comeccedilaram os preparativos para a invasatildeo da Aacutefrica415

414 Polib 126 415 Os pormenores da batalha de Ecnomus foram suprimidos

propositalmente uma vez que o principal interesse da tese natildeo recai

sobre a marinha de guerra cartaginesa Para a batalha de Ecnomus ver

Polib 126-28 Quanto aos estudos modernos a anaacutelise mais

esclarecedora eacute Goldsworthy Punic Wars pp 109-114

182

412 ldquoComo Aacutegatocles noacutes romanos devemos invadir a

Aacutefricardquo o princiacutepio estrateacutegico da expediccedilatildeo africana de

Reacutegulo 256-255 aC

Poliacutebio nos informa que os cartagineses que haviam

escapado do confronto em Ecnomus navegaram diretamente para

Cartago e ldquoconvencidos de que os inimigos excitados por

seu sucesso fariam o ataque direto agrave proacutepria cidade de

Cartagordquo (πεπεισμένοι τοὺς πεναντίους ἐκ τοῦ γεγονότος προτερήματος

ἐπαρθέντας εθέως ποιήσεσθαι τὸν ἐπίπλουν ἐπ ατὴν τὴν Καρχηδόνα)

mantiveram-se atentos a todos os possiacuteveis pontos de

desembarque na aacuterea416 Os romanos contudo desembarcaram a

uma distacircncia segura (Cabo Bon no nordeste da atual

Tuniacutesia) certamente por terem conhecimento da dificuldade

que seria tomar Cartago sem uma linha de abastecimento

assegurada entre a Siciacutelia e a Aacutefrica e iniciaram uma

seacuterie de cercos a cidades menores sendo Aspis a primeira

delas417

O que os romanos pretendiam com isso Em princiacutepio

poder-se-ia dizer que a decisatildeo era unicamente de seguranccedila

para o desembarque mas alguns indiacutecios em Poliacutebio apontam

para uma ocupaccedilatildeo definitiva (ainda que por ser modelada)

a qual deve ter sido planejada logo apoacutes a vitoacuteria em

Ecnomus Em primeiro lugar antes de navegar em direccedilatildeo agrave

Liacutebia eles organizaram as suas provisotildees e repararam as

embarcaccedilotildees capturadas (προσεπισιτισάμενοι καὶ τὰς αἰχμαλώτους ναῦς

καταρτίσαντες) em seguida assim que a Aspis foi tomada

guarniccedilotildees (τὰς δυνάμεις) foram ali deixadas para assegurar a

cidade (τς πόλεως) e o territoacuterio (τς χώρας) por uacuteltimo

mensageiros foram enviados a Roma para informar o ocorrido

e obter instruccedilotildees sobre o que deveria ser feito no futuro

(περὶ τν μελλόντων τί δεῖ ποιεῖν) e como eles deveriam lidar com

416 Polib 129 417 Sobre o desembarque bem como para os eventos posteriores ver Le

Bohec opcit pp 87-89 Lazenby First Punic War pp 97-103

Goldsworthy Punic Wars pp 84-87 Bagnall op cit pp 70-75

Miles pp 185-187

183

toda a situaccedilatildeo (πς χρσθαι τοῖς πράγμασιν) Se Poliacutebio estiver

correto na ordenaccedilatildeo desses eventos (e natildeo vejo motivos

para natildeo estar) os romanos tinham em mente mesmo antes de

relatar os eventos ao Senado assegurar uma posiccedilatildeo forte

em territoacuterio inimigo restando apenas a autorizaccedilatildeo de

Roma para dar prosseguimento agrave expediccedilatildeo africana A forma

que essa expediccedilatildeo assumiria contudo estava nas matildeos do

Senado418 A resposta natildeo poderia ser diferente um dos

cocircnsules deveria permanecer na Aacutefrica com forccedila adequada

(δυνάμεις τὰς ἀρκούσας) enquanto o outro deveria retornar para

Roma com a frota419

Se a essa altura os romanos tinham em mente a

reproduccedilatildeo do que havia feito Agaacutetocles cerca de 50 anos

antes natildeo sabemos por evidecircncias diretas (como seria uma

afirmaccedilatildeo de Poliacutebio ou referecircncia a Agaacutetocles em alguma

reuniatildeo senatorial antes da deliberaccedilatildeo sobre o que deveria

ser feito pelas tropas na Aacutefrica) mas isso pode ser

proposto com certo grau de plausibilidade por evidecircncias

indiretas Como mostrei antes os elementos necessaacuterios

para a realizaccedilatildeo de uma expediccedilatildeo haviam sido pensados

apoacutes Ecnomus e uma vez na Aacutefrica com posiccedilatildeo militarmente

assegurada a pilhagem que se seguiu (em Aspis ou ldquoescudordquo

e nos arredores) tem aparecircncia exata ao que foi previamente

feito pelo siracusano

Aleacutem disso eacute bem verdade que Poliacutebio nos diz como

mencionado no cap3 desta tese que Cipiatildeo o Africano

aproximadamente 50 anos apoacutes a primeira invasatildeo romana da

Aacutefrica teria respondido quando questionado acerca dos

maiores estadistas em coragem e sabedoria ldquoAgaacutetocles e

Dioniacutesiordquo420 Eacute bem provaacutevel portanto que a expediccedilatildeo de

418 Aleacutem disso uma vez estabelecidos da maneira descrita em territoacuterio

inimigo uma possiacutevel decisatildeo de abandono seria improvaacutevel senatildeo

absurda 419

Mais agrave frente Poliacutebio nos daacute nuacutemeros 15000 soldados de infantaria e 500 cavaleiros 420 Polib 1535 Ver cap3 item 41

184

Agaacutetocles fosse jaacute conhecida pelos romanos no tempo da

Primeira Guerra Puacutenica

Outra evidecircncia pode ser encontrada do lado cartaginecircs

Os comandantes cartagineses natildeo queriam esperar o avanccedilo

impune dos romanos talvez por que tivessem em mente a

reproduccedilatildeo do que haviam enfrentado meio seacuteculo antes com

os gregos Essa reaccedilatildeo por parte de Cartago elucida ainda

algo fundamental quanto agrave preservaccedilatildeo das primeiras

inovaccedilotildees em seu pensamento militar heleniacutestico Cartago

natildeo estava disposta a esperar que seu territoacuterio fosse

ldquocorrompidordquo pelo inimigo o que ocasionaria problemas de

ordem logiacutestica (principalmente com a manutenccedilatildeo de seus

aliados) de maneira que os generais decidiram partir de

imediato para o embate com os invasores Na primeira fase

das inovaccedilotildees militares em Cartago um dos aspectos

estrateacutegicos que motivaram as inovaccedilotildees de ordem logiacutestica

entre os cartagineses foi a preservaccedilatildeo da lealdade das

cidades africanas uma vez que elas estavam debandando uma

a uma para o lado grego Aquela liccedilatildeo agora aplicada ao

caso romano havia sido definitivamente aprendida pelos

generais cartagineses Asdruacutebal e Bostar foram eleitos

generais Amiacutelcar foi trazido agraves pressas da Siciacutelia como

terceiro general juntamente com 500 cavaleiros e 5000

soldados de infantaria421

Como dito anteriormente os trecircs generais cartagineses

optaram pelo combate direto com o inimigo apoacutes terem assim

deliberado (ἐβουλεύετο) e encontraram Reacutegulo e seus soldados

proacuteximos agrave cidade de Adys na ocasiatildeo sitiada pelos

romanos Os cartagineses ocuparam um monte nos arredores e

ali montaram acampamento num local que Poliacutebio considerou

ser inapropriado ao seu exeacutercito (ἀφυ δὲ ταῖς ἑαυτν δυνάμεσιν)422

421 Polib 130 Sobre Amiacutelcar Barca particularmente a construccedilatildeo de

uma escola taacutetica em Cartago ateacute Aniacutebal Barca cf Brizzi op cit

aleacutem dos autores citados acima para a expediccedilatildeo de Reacutegulo 422 Polib 130

185

Os experientes generais romanos (οἱ τν Ῥωμαίων ἡγεμόνες ἐμπείρως)

teriam visto que o momento era adequado para o ataque

inesperado uma vez que o posicionamento do exeacutercito

cartaginecircs num terreno que tornava os elefantes e a

cavalaria inuacuteteis (ἠχρείωται) lhes era propiacutecio Ao atacar

por ambos os lados do monte os romanos tiveram a primeira

legiatildeo (τὸ πρτον στρατόπεδον) derrotada pela coragem (γενναίως)

e vigor (προθύμως) dos mercenaacuterios (μισθοφόροι) mas tendo

avanccedilado em busca dos legionaacuterios em fuga expuseram sua

retaguarda aos outros que atacavam no lado oposto Os

mercenaacuterios recuaram satildeos e salvos por fim graccedilas ao

ldquoescudordquo oferecido pelos elefantes e cavaleiros que

atingiram o niacutevel plano423

Apoacutes a vitoacuteria de Reacutegulo Tuacutenis caiu sob o domiacutenio

romano tendo a cidade sido transformada na nova base de

operaccedilotildees na Aacutefrica Poliacutebio menciona ainda uma revolta

por parte dos numiacutedios (certamente encorajados com a

presenccedila romana) e a fome dos refugiados em Cartago424 o

que levou Reacutegulo a tentar a submissatildeo completa dos

cartagineses Poliacutebio diz que os embaixadores estavam tatildeo

inclinados a aceitar o que Reacutegulo lhes propunha que eles

sequer conseguiam prestar atenccedilatildeo agrave severidade de suas

exigecircncias (τὸ βάρος τν ἐπιταγμάτων) Fragmentos de Diodoro

contudo mencionam que o Senado cartaginecircs enviou os homens

mais nobres (ἄνδρας τν ἐπιφανεστάτων) como embaixadores

(πρεσβευτὰς) a Atiacutelio (leia-se Reacutegulo) para discutir os

termos de paz (περὶ εἰρήνης) mas a paz proposta por ele natildeo

seria melhor que a escravidatildeo tamanha a dureza de seus

termos425 Na mesma linha de Diodoro outras fontes

apresentam a iniciativa por parte de Cartago recusando

portanto que Reacutegulo os tivesse intimado para propor os

423 Para a reconstruccedilatildeo da batalha cf principalmente Lazenby First

Punic War pp 100-101 Goldsworthy Punic Wars p86 Bagnall op

cit pp72-73 424 Polib 131 425 Diod 2312

186

termos de paz426

No fim das contas a despeito da natureza

oposta dos relatos sobre quem teria tomado a iniciativa

para a conclusatildeo da paz (se Cartago ou Roma) e da situaccedilatildeo

draacutestica em que Cartago se encontrava uma vez mais o

Senado cartaginecircs manteve a opccedilatildeo pela defesa armada como

no caso dos gregos a qual seria assegurada em princiacutepio

pelas muralhas de Cartago e em seguida pelo recrutamento

do nuacutemero de soldados mercenaacuterios que os seus recursos

permitissem pagar427

426 Eutroacutepio (221) Oroacutesio (49) e Zonaras (813) Cf Lazenby First

Punic War p101 427 Essa seria de acordo com Diod 296 a grande vantagem em se

recrutar mercenaacuterios ldquouma abundacircncia de forccedilas militares estrangeiras

(τς ξενικς δυνάμεως) eacute muito vantajosa para o lado que a emprega e

terriacutevel para o inimigo considerando que os empregadores trazem

consigo sem grandes custos homens para lutar em seu nome ao passo

que forccedilas citadinas (τν πολιτικν δυνάμεων) mesmo quando vitoriosas satildeo prontamente enfrentadas por um corpo de oponentes intactos No

caso dos exeacutercitos poliacuteadas uma simples derrota significa um desastre

completo ao passo que no caso dos mercenaacuterios ainda que sejam por

muitas vezes derrotados os empregadores manteacutem suas forccedilas intactas

durante o tempo que durar seus recursosrdquo

187

413 Xantipo e a adoccedilatildeo do princiacutepio taacutetico heleniacutestico

255 aC

Vegeacutecio autor de um manual militar no seacutecIV dC

menciona natildeo somente que Xantipo teria liderado os

cartagineses na guerra contra os romanos ateacute o fim (o que eacute

claramente um equiacutevoco como nos mostram todas as outras

fontes) mas tambeacutem que Aniacutebal Barca durante a Segunda

Guerra Puacutenica havia recrutado um general mercenaacuterio

espartano para a sua campanha contra os romanos

() Na verdade o quanto a ciecircncia militar foi uacutetil

aos Lacedemoacutenios nos seus combates e para omitir

outros eacute confirmado pelo exemplo de Xantipo que com

exeacutercitos jaacute anteriormente derrotados capturou e

venceu Atiacutelio Reacutegulo e o exeacutercito romano muitas vezes

vencedor ao levar auxiacutelio aos Cartagineses natildeo soacute

pela coragem mas tambeacutem pela periacutecia triunfou num

uacutenico encontro e terminou toda a guerra E tambeacutem

Aniacutebal com a intenccedilatildeo de se dirigir para Itaacutelia

procurou um mestre de armas lacedemoacutenio com os

conselhos do qual destruiu tantos cocircnsules e legiotildees

sendo inferior em nuacutemero e em forccedilas428

A segunda informaccedilatildeo na passagem acima destacada (de

que haveria um conselheiro militar espartano a serviccedilo de

Aniacutebal Barca) pode ser com muito otimismo relacionada a

uma evidecircncia sobre um professor de grego (Soacutesilo) de

Aniacutebal em Corneacutelio Nepos429 Nenhuma outra fonte faz

referecircncia a mercenaacuterios espartanos em Cartago nessas

condiccedilotildees de serviccedilo (excetuando Xantipo) mas elas servem

para ilustrar ao lado das evidecircncias sobre o recrutamento

de homens de Esparta (ou simplesmente de ldquoeducaccedilatildeo

espartanardquo) como soldados ou oficiais de patente menor

(submetidos aos generais cartagineses) que essa era uma

praacutetica longe de absurda em cenaacuterio cartaginecircs mesmo que o

428 Vegeacutecio Compecircndio da Arte Militar Pref 3 Traduccedilatildeo inalterada de

Joatildeo Gouveia Monteiro e Joseacute Eduardo Braga (ediccedilatildeo em portuguecircs de

Portugal) 429 Corneacutelio Nepos Aniacutebal 133 [] atque hoc Sosylo Hannibal

litterarum Graecarum usus est doctore

188

caso mencionado por Vegeacutecio e Corneacutelio Nepote tenha sido

inventado ou unicamente produto de confusatildeo430

De volta agrave Primeira Guerra Puacutenica no momento seguinte

agrave derrota para Reacutegulo e ao fracasso das negociaccedilotildees de paz

(tenham elas sido lideradas por iniciativa dos cartagineses

ou pelo general romano) um dos oficiais de recrutamento

(ξενολόγος) que Cartago tinha previamente enviado agrave Greacutecia

retornava com um nuacutemero consideraacutevel de soldados entre

eles Xantipo de Esparta ldquoum homem que havia participado do

sistema de treinamento espartanordquo (ἄνδρα τς Λακωνικς ἀγωγς

μετεσχηκότα)431 Lazenby recorda que embora Diodoro se refira

a Xantipo como ldquoesparciatardquo (ὁ Σπαρτιάτης) a indicaccedilatildeo de

Poliacutebio (quase sempre mais preciso que Diodoro) sugere algo

mais proacuteximo dos μόθακες homens de famiacutelias pobres que eram

patrocinados por algueacutem mais rico e criado com seus

filhos432

Diante do que havia recentemente ocorrido aos

cartagineses Xantipo conclui ldquoapoacutes ter uma visatildeo ampla

dos recursos restantes dos cartagineses e de sua forccedila em

cavalaria e elefantesrdquo (συνθεωρήσας τάς τε λοιπὰς παρασκευὰς τν

Καρχηδονίων καὶ τὸ πλθος τν ἱππέων καὶ τν ἐλεφάντων παραυτίκα) que a

derrota para os romanos na Aacutefrica natildeo se devia aos romanos

mas aos proacuteprios cartagineses ldquopor meio da inexperiecircncia

de seus generaisrdquo (διὰ τὴν ἀπειρίαν τν ἡγουμένων) A conclusatildeo do

general mercenaacuterio teria sido em princiacutepio difundida

entre os seus amigos (τοὺς φίλους) mas logo chegado aos

430 Para o debate sobre a identificaccedilatildeo das referecircncias em Vegeacutecio e

Corneacutelio Nepote cf principalmente E L Wheeler The hoplomachoi

and Vegetius Spartan drillmasters Chiron 13 1-20 1983 P 16

John F Lazenby First Punic War The Spartan Army Warminster Aris amp

Phillips 1985 P 170 Daly p 88 431 Polib 132 De acordo com Diod 2316 Xantipo teria vindo da

Greacutecia com 50 ou 100 soldados ou mesmo sozinho dependendo da fonte

utilizada 432 Lazenby First Punic War pp 102-103 Numa versatildeo mais improvaacutevel

Oroacutesio 49 sugere que Xantipo seria ldquorei dos espartanosrdquo

(Lacedaemoniorum rex) Cf tambeacutem Giovanni Brizzi ldquoAmilcar e

Santippo storie di generalirdquo In Yann Le Bohec (org) La Premiegravere

Guerre Punique Lyon De Boccard 2001 pp 29-38

189

ouvidos dos liacutederes cartagineses que decidiram chamaacute-lo e

examinar a sua linha de raciociacutenio Apoacutes explicar como

Cartago poderia derrotar os romanos (ao inveacutes de assegurar

simplesmente a sua posiccedilatildeo) os generais cartagineses

ldquopersuadidosrdquo (πεισθέντες) ldquoconfiaram-lhe imediatamente as

suas forccedilasrdquo (ατῶ παραχρμα τὰς δυνάμεις ἐνεχείρισαν) Embora a

decisatildeo dos generais tenha gerado alguma reaccedilatildeo violenta

por parte da populaccedilatildeo quando Xantipo liderou o exeacutercito

para fora da cidade em ordem (ἐξαγαγὼν πρὸ τς πόλεως τὴν δύναμιν ἐν

κόσμῳ) e ali comeccedilou a ldquomanobrar algumas partes dele

corretamenterdquo (κινεῖν τν μερν ἐν τάξει) ldquodando comandos de

acordo com os costumesrdquo (παραγγέλλειν κατὰ νόμους)433 o que

havia sido feito pelos generais anteriores (cartagineses)

contrastou de tal maneira que os soldados tiveram seus

acircnimos revigorados sob o comando do general estrangeiro

Nessa situaccedilatildeo a empolgaccedilatildeo de Poliacutebio ao falar da

competecircncia de um general grego eacute evidente434 mas haacute algo

mais relevante a ser observado Se Xantipo realizou as

manobras que Poliacutebio indica uma possibilidade eacute que tenha

existido um periacuteodo de treinamento (possivelmente de alguns

meses) sob o espartano A outra possibilidade eacute que o

exeacutercito jaacute tivesse conhecimento dos termos militares

usuais na arte da guerra grega possivelmente devido ao seu

passado de lutas na Siciacutelia mas que os generais fossem

incapazes de executaacute-los da forma correta de onde

sobressairia o que Poliacutebio acreditou ser a sua (dos

cartagineses) incompetecircncia ou imperiacutecia (ἀπειρία) nos

assuntos militares Se o exeacutercito cartaginecircs que lutou na

Aacutefrica contra Reacutegulo fosse composto somente por mercenaacuterios

gregos a segunda explicaccedilatildeo seria a mais plausiacutevel das

duas jaacute que natildeo temos referecircncias diretas nas fontes ao

433 Isto eacute em termos militares ortodoxos Ver questatildeo na Introduccedilatildeo 434 Goldsworthy Punic Wars p 88 Segundo o autor as accedilotildees de

Xantipo refletiriam em Poliacutebio a profunda admiraccedilatildeo helecircnica pelo

sistema militar espartano

190

treinamento das tropas por Xantipo Mas esse natildeo parece ter

sido o caso do exeacutercito em questatildeo Poliacutebio natildeo menciona

origens eacutetnicas das tropas que lutaram em Adys no primeiro

encontro com Reacutegulo (e que eram ao menos parcialmente as

mesmas sob Xantipo) tampouco o faz para a batalha de

Tuacutenis Em todo caso a ldquofalange dos cartaginesesrdquo (τὴν

φάλαγγα τν Καρχηδονίων) mencionada por Poliacutebio em Tuacutenis em

contraste com os seus mercenaacuterios (τν μισθοφόρων) deve ter

sido cartaginesa ou de aliados liacutebios submetidos ao que os

gregos chamavam de symmachia Aleacutem disso um exeacutercito

cartaginecircs na Aacutefrica devia contar como na maioria dos

casos com grande nuacutemero de soldados liacutebios os quais

desconheciam como regra geral para comeccedilar a liacutengua

grega Para dar os comandos ainda que isso natildeo seja

mencionado no provaacutevel treinamento das tropas Xantipo

teria lanccedilado matildeo como jaacute havia feito em ocasiotildees

anteriores de um ou mais inteacuterpretes (ἑρμηνεύς)435

Passado certo tempo entatildeo os cartagineses comeccedilaram a

marchar em territoacuterios nivelados (τν ὁμαλν τόπων) e a

montar acampamento em locais planos (ἐν τοῖς ἐπιπέδοις τν χωρίων)

ateacute conseguirem avistar o inimigo436

Acampados proacuteximos aos

romanos (a uma distacircncia aproximada de 1800 metros ou 10

estaacutedios gregos) os cartagineses aguardaram a deliberaccedilatildeo

do Senado Aqui emerge uma questatildeo central para a

compreensatildeo do papel que Xantipo teria desempenhado na

batalha encerrado o treinamento das tropas Segundo

Poliacutebio o clamor das tropas por Xantipo aliado aos

pedidos do proacuteprio general espartano fizeram com que os

cartagineses revestissem Xantipo de autoridade (τὴν ἐξουσίαν)

para a conduccedilatildeo da batalha Daiacute se conclui que antes da

batalha de Tuacutenis Xantipo natildeo estava no comando do exeacutercito

sendo responsaacutevel apenas pelo treinamento das tropas (como

435 Diod 2316 436 Polib 133

191

sugeri antes) Na batalha contudo se Xantipo natildeo liderou

o exeacutercito como uacutenico general (como sugere toda a histoacuteria

preacutevia da arte da guerra cartaginesa) ele o fez como

ldquogeneral de suporterdquo dos comandantes cartagineses (que

Poliacutebio natildeo menciona) conduzindo um total de 12000

soldados de infantaria 4000 cavaleiros e praticamente 100

elefantes437

Apoacutes treinar a infantaria cartaginesa Xantipo teve a

oportunidade de liderar o exeacutercito cartaginecircs em campo de

batalha Em Tuacutenis as taacuteticas que puseram fim agraves legiotildees de

Reacutegulo apresentavam uma semelhanccedila incontornaacutevel com

aquelas empregadas pelos generais heleniacutesticos apoacutes

Alexandre Esse eacute um indiacutecio que natildeo pode ser ignorado ao

lado do treinamento da infantaria cartaginesa Xantipo

parece ter transformado o exeacutercito cartaginecircs numa

autecircntica arma heleniacutestica o que seraacute de acordo com

Brizzi incorporado por Amiacutelcar Barca438

Em Tuacutenis Xantipo dispocircs a falange de cartagineses ao

centro com um corpo de mercenaacuterios agrave sua direita (o lado

mais desprotegido do corpo de infantaria devido agrave ausecircncia

do escudo ao lado direito do uacuteltimo homem) Tendo dividido

a cavalaria nas alas (ligeiramente mais adiantada que a

infantaria ao centro) o restante dos mercenaacuterios

(provavelmente dardeiros ou fundeiros) foi lotado ali para

desempenhar claro papel de forccedila de apoio agraves tropas

montadas Os elefantes por sua vez encontravam-se

dispostos agrave frente da linha principal ao centro em

ldquodistacircncia segurardquo da infantaria Do lado romano apesar da

437 Sobre a condiccedilatildeo de Xantipo na batalha de Tuacutenis cf principalmente

Lazenby First Punic War pp 103-106 Goldsworthy Punic Wars pp

89-90 Daly p 88 Para uma discussatildeo sobre a data da batalha cf

Walbank op cit p91 Sobre a possiacutevel reduccedilatildeo dos nuacutemeros do

exeacutercito cartaginecircs (dados por Polib 133) o que se justificaria no

uso da tradiccedilatildeo proacute-cartaginesa (especialmente Philinus) por Poliacutebio

para narrar a batalha cf Caven op cit p38 438 Brizzi op cit A sistematizaccedilatildeo das evidecircncias natildeo eacute feita da

mesma forma pelo uacuteltimo

192

expressatildeo vaga usada por Poliacutebio para definir o modo no

qual as legiotildees foram organizadas por Reacutegulo439 o

posicionamento dos velites agrave frente da infantaria

(apostando no efeito que os dardos teriam nos paquidermes)

e a profundidade das unidades manipulares (algo incomum a

menos que fosse necessaacuterio dar maior coesatildeo e portanto

confianccedila aos homens nas linhas de frente) indicam que o

general romano estava preocupado com o impacto -

principalmente psicoloacutegico - que os elefantes teriam em

seus soldados440

Em primeiro lugar Xantipo ordenou que os elefantes

avanccedilassem contra os romanos ao centro e que a cavalaria em

ambas as alas fizesse um movimento em torno da infantaria

para atacaacute-la pelos flancos e retaguarda (apoacutes vencer a

cavalaria inimiga eacute claro) Os romanos em contrapartida

seguindo seus costumes comeccedilaram a bater as armas contra

seus escudos emitindo seu grito de guerra enquanto

avanccedilavam A cavalaria romana muito inferior em nuacutemero

logo bateu em retirada sem oferecer muita resistecircncia agrave

ofensiva inimiga A ala esquerda dos romanos normalmente

composta por aliados avanccedilou com sucesso contra os

mercenaacuterios dispostos agrave direita do exeacutercito cartaginecircs e

pondo-os em fuga perseguiram os vencidos ateacute o

acampamento A porccedilatildeo central da legiatildeo a qual estava de

frente para os elefantes inicialmente resistiu mas logo

cedeu ao avanccedilo dos paquidermes e toda a formaccedilatildeo foi

rompida no momento em que os cavaleiros cercaram os romanos

pelos lados e pela retaguarda Os que foram capazes de

passar pelos elefantes sem serem pisoteados por eles

acabaram por se deparar com a ldquofalange cartaginesardquo (ateacute

439 Polib 133 ldquo[] muitos maniacutepulos em profundidade []rdquo (πολλὰς ἐπἀλλήλαις [] σημείας) 440 Lazenby First Punic War pp 104-105 sugere uma organizaccedilatildeo em

seis linhas ao inveacutes das trecircs linhas tradicionais (hastati

principes triarii) Goldsworthy Punic Wars p 89 sugere as trecircs

linhas tradicionais com um nuacutemero maior de linhas

193

entatildeo intacta) disposta atraacutes dos animais em boa ordem

(συντεταγμένην [] τὴν τν Καρχηδονίων φάλαγγα)441 Quanto agraves

baixas Poliacutebio registrou somente 800 homens entre os

mercenaacuterios cartagineses (particularmente aqueles que

haviam enfrentado a ala esquerda romana) sem mencionar o

restante do exeacutercito Do lado romano excetuando os 2000

soldados que perseguiram os mercenaacuterios cartagineses em

fuga e alguns homens que escaparam com Reacutegulo todos

pereceram em batalha

Sob Xantipo os paquidermes passaram a ser empregados

como entre os generais heleniacutesticos Poliacutebio relata que

Xantipo antes de analisar os recursos logiacutesticos de

Cartago e portanto de ser nomeado general dos

cartagineses por tempo limitado tomou conhecimento do que

havia recentemente ocorrido e da maneira como havia

ocorrido442

Certamente o historiador estava se referindo agrave

derrota para Reacutegulo e ao fracasso em Acragas na Siciacutelia

evento que teria segundo Poliacutebio transformado a

estrateacutegia romana na guerra De Acragas para Tuacutenis

passando pelo fracasso no uso dos cavaleiros e elefantes em

Adys quando os trecircs generais cartagineses decidiram

enfrentar os romanos antes que esses prosseguissem com a

pilhagem de seu territoacuterio notamos uma mudanccedila notaacutevel no

emprego das tropas de Cartago tanto em seu treinamento (no

caso da infantaria) quanto em sua aplicaccedilatildeo (no caso dos

cavaleiros e elefantes) em campo de batalha

441 Polib 134 Narraccedilatildeo coincidente embora menos detalhada pode ser

encontrada tambeacutem em Zonaras 1113 Diod 2314 apresenta um relato

fantasioso acerca da batalha com Xantipo tendo que empurrar os

desistentes contra os romanos numa demonstraccedilatildeo de coragem e vigor 442 Polib 132 ldquo[] ao ouvir da reviravolta recente e da maneira

pela qual havia ocorrido []rdquo (ὃς διακούσας τὸ γεγονὸς ἐλάττωμα καὶ πς καὶ τίνι τρόπῳ γέγονεν)

194

CONCLUSAtildeO

Nesta tese atenccedilatildeo especial foi dirigida agrave histoacuteria da

Siciacutelia e de Cartago nos primoacuterdios do periacuteodo heleniacutestico

na expectativa de contribuir assim para o abandono da

ideia de um mundo mediterracircnico ocidental formado agrave sombra

da expansatildeo romana Interessou-me primeiramente o impacto

poliacutetico-militar da imitatio Alexandri no ocidente

heleniacutestico sob Agaacutetocles e Pirro da mesma forma que a

reaccedilatildeo dos cartagineses frente agraves duas invasotildees africanas

ocorridas respectivamente entre 310-307 aC e 256-255

aC mais do que propriamente como os romanos subjugaram

Cartago num processo iniciado com a questatildeo dos mamertinos

na porccedilatildeo nordeste da Siciacutelia A partir da anaacutelise

detalhada das liccedilotildees militares aprendidas pelos

cartagineses no periacuteodo heleniacutestico preacute-Baacutercida tornou-se

possiacutevel a compreensatildeo da atuaccedilatildeo social dos mercenaacuterios

cujo fluxo natildeo se encerrou ao menos ateacute a destruiccedilatildeo de

Cartago pelos romanos

Durante a fase inicial da Primeira Guerra Puacutenica

precisamente no ano de 255 aC o exeacutercito cartaginecircs

sofreu modificaccedilotildees sensiacuteveis no campo taacutetico e em seu

treinamento de maneira a transformar as forccedilas de Cartago

em verdadeiras armas heleniacutesticas Mas essa transformaccedilatildeo

natildeo se iniciou contrariando o que sugere Brizzi com

Xantipo443 Taticamente o exeacutercito cartaginecircs se modificou

em 255 aC mas a composiccedilatildeo de uma tradiccedilatildeo no uso de

comandantes mercenaacuterios parece ter sido anterior

443 Natildeo se trata aqui de desmerecer as hipoacuteteses de Giovanni Brizzi

(op cit) pelo contraacuterio a partir do que foi por ele proposto para

o periacuteodo Baacutercida eacute que pude montar uma explicaccedilatildeo original acerca das

inovaccedilotildees militares anteriores a Amiacutelcar a Aniacutebal Barca e que

acredito ser mais coerente tendo recuado propositalmente no tempo da

anaacutelise de maneira a ilustrar igualmente a relevacircncia das inovaccedilotildees

militares ocorridas durante a expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles

195

remontando a outras inovaccedilotildees militares importantes durante

a expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles

De fato o siracusano pensou a invasatildeo africana como

inversatildeo da estrateacutegia vigente no conflito contra os

cartagineses levando a guerra para o territoacuterio inimigo

quando o mesmo encontrava-se em grande vantagem na Siciacutelia

nesse caso ao assediar os portos de Siracusa Confiante no

apoio que obteria dos liacutebios e na falta de espiacuterito

combativo dos cartagineses (se comparada agrave experiecircncia de

seus mercenaacuterios) Agaacutetocles provocou uma situaccedilatildeo

calamitosa nos arredores de Cartago e na proacutepria cidade

que apoacutes seacuterias derrotas para o siracusano e perda

consideraacutevel dos territoacuterios aliados ou previamente

submetidos decidiu tomar atitudes draacutesticas Quando um

plano completamente inovador (para os padrotildees cartagineses)

havia sido estabelecido o Senado se decidiu pelo

direcionamento da guerra de uma maneira pouco condizente

com o estatuto e a experiecircncia militar (quando havia) dos

homens que compunham o conselho A divisatildeo logisticamente

correta do exeacutercito em trecircs forccedilas de 10000 homens

organizadas com funccedilotildees especiacuteficas de correccedilatildeo dos erros

que ateacute entatildeo os comandantes cartagineses haviam cometido

sugere um aconselhamento externo possivelmente de um

(grupo) de mercenaacuterios natildeo mencionados pelas fontes

A invasatildeo africana por Agaacutetocles ainda que tenha

fracassado natildeo foi algo impensado ou sem motivaccedilotildees

poliacuteticas mais profundas Quando Agaacutetocles se declarou rei

ldquoem imitaccedilatildeo aos Diaacutedocosrdquo considerando-se equivalente a

eles em ldquopoder territoacuterios e feitosrdquo ele fecirc-lo com um

tiacutetulo propositalmente vago A ausecircncia de um viacutenculo a um

povo ou uma cidade transforma-se portanto num convite agrave

conquista444

donde a expediccedilatildeo africana foi pensada como

concretizaccedilatildeo desse projeto Que a monarquia de Agaacutetocles

444 Gruen op cit

196

possuiacutea uma natureza ldquoheleniacutesticardquo parece claro a partir da

sistematizaccedilatildeo das evidecircncias disponiacuteveis445 mas a quem ela

se dirigia mostrou-se uma questatildeo a ser respondida

Levando-se em conta uma das principais razotildees pelas quais

Agaacutetocles decidiu conduzir uma guerra na Aacutefrica (o

esfriamento do ardor combativo dos cartagineses contra a

experiecircncia militar dos homens ldquotreinados na escola do

perigordquo) mesmo diante da presenccedila inimiga agraves portas de

Siracusa tornou-se plausiacutevel sugerir ao combinar esse

fator com a formalidade de seu poder em Siracusa e os

eventos subsequumlentes agrave sua expediccedilatildeo em territoacuterio

cartaginecircs que a sua monarquia autoproclamada dirigia-se

aos seus homens Daiacute desdobra-se ainda o fato de a sua

imitatio Alexandri natildeo ter se restringido ao campo

poliacutetico com grandes chances de ter se estendido tambeacutem agrave

esfera militar nesse caso mediante a organizaccedilatildeo de um

corpo de elite em imitaccedilatildeo aos hipaspistas de Alexandre

Apoacutes Agaacutetocles com os mamertinos instalados na porccedilatildeo

nordeste da Siciacutelia e com Siracusa carente de um liacuteder que

comandasse os esforccedilos militares contra a ofensiva

cartaginesa espaccedilo foi aberto para Pirro do Epiro receacutem-

chegado na Peniacutensula Itaacutelica a pedido dos tarentinos A

reputaccedilatildeo de Pirro encontrava-se inabalada apoacutes as suas

duas vitoacuterias contra os romanos de maneira que os

siracusanos se decidiram pela sua convocaccedilatildeo como hegemon

dos gregos (contra os ldquobaacuterbarosrdquo) Tendo concordado

prontamente Pirro se mostrou capaz de fazer recuar os

cartagineses mas a tentativa de instauraccedilatildeo de uma

monarquia de tipo heleniacutestico entre os gregos da Siciacutelia

instigou um sentimento de hostilidade quanto agrave sua

presenccedila No final de sua expediccedilatildeo italiana tendo ainda

445 Ver Zambon Hellenistic Sicily e Cap3

197

travado mais uma batalha na Peniacutensula446

Pirro terminaria

por dar uma grande contribuiccedilatildeo agrave arte da guerra no

ocidente heleniacutestico deixando a ilha com o problema

mamertino pendente

Passados 10 anos da expediccedilatildeo epirota na Itaacutelia um

confronto entre os dois grandes poderes em expansatildeo do

mundo mediterracircnico ocidental ocorreraacute tendo como motor a

presenccedila mamertina na Siciacutelia A Primeira Guerra Puacutenica

como ficou conhecida pela historiografia acabou por ser um

conflito longo e basicamente travado no mar mas com um

periacuteodo crucial na Aacutefrica durante o qual os romanos

decidiram em possiacutevel imitaccedilatildeo ao que havia feito

Agaacutetocles cerca de 50 anos antes transportar a guerra para

o territoacuterio inimigo Ao analisar as evidecircncias disponiacuteveis

(particularmente Polib 129) conclui-se que os romanos

natildeo estavam planejando unicamente um desembarque seguro

apoacutes importante vitoacuteria naval mas que eles esperavam

permanecer na Aacutefrica ao menos ateacute obterem a submissatildeo de

Cartago Os cartagineses por outro lado embora tenham

sido infelizes em seus primeiros esforccedilos (a reproduccedilatildeo de

uma das medidas tomadas contra Agaacutetocles isto eacute ir de

encontro ao inimigo para impedir a desistecircncia dos aliados

por pressatildeo militar adversaacuteria direta) aceitaram os

conselhos propostos por um dos mercenaacuterios que os seus

recrutadores haviam trazido do Peloponeso Os conselhos de

Xantipo podem ter sido algo inesperado sem duacutevida mas o

interesse por parte dos cartagineses em ouvir o que esse

general submetido ao treinamento espartano e com grande

experiecircncia militar tinha a dizer era algo com precedentes

indiretos provaacuteveis

446 Beneventum em 275 aC Dessa vez os resultados parecem ter sido

realmente inconclusivos o que se deveu em boa medida agrave desistecircncia

por parte dos italiotas que a essa altura haviam debandado para o

lado romano

198

A reforma liderada por Xantipo por fim teve

repercussotildees interessantes Em primeiro lugar uma reforma

quanto ao treinamento das tropas parece ter ocorrido Se as

tropas cartaginesas agrave eacutepoca da expediccedilatildeo africana de Reacutegulo

fossem compostas unicamente por gregos poder-se-ia

argumentar a favor de uma incompetecircncia dos generais

cartagineses ao manobrar as seccedilotildees do exeacutercito O que se

observa contudo aleacutem dessa ἀπειρία eacute a sua incontornaacutevel

composiccedilatildeo africana (cartaginesa ou liacutebia) indiacutecio para a

ocorrecircncia do treinamento da infantaria sob Xantipo antes

da reforma taacutetica em Tuacutenis447

Com a infantaria treinada Cartago decidiu pelo

confronto decisivo com os romanos tendo revestido Xantipo

de autoridade (τὴν ἐξουσίαν) temporaacuteria talvez como ldquogeneral

de suporterdquo aos comandantes cartagineses Na batalha de

Tuacutenis as manobras de cavalaria e o uso dos elefantes

propiciaram como argumentei ao longo do Cap4 a

observaccedilatildeo do momento decisivo na transformaccedilatildeo do exeacutercito

cartaginecircs numa verdadeira arma heleniacutestica algo sem

equivalecircncia nas batalhas anteriores mesmo naquelas que

sucederam a presenccedila de Pirro na Magna Greacutecia e na Siciacutelia

O exeacutercito cartaginecircs havia sido modificado por fim a

partir de inovaccedilotildees militares em momentos de invasatildeo do

territoacuterio africano por inimigos estrangeiros tanto em

niacutevel estrateacutegico quanto em niacutevel taacutetico (treinamento e

aplicaccedilatildeo em campo de batalha)

447 O exeacutercito cartaginecircs apoacutes o treinamento dado por Xantipo teria

comeccedilado a marchar em territoacuterios nivelados e a acampar em locais

planos como pode ser encontrado em Polib 133 Ver Cap 4

199

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212

ANEXOS

ANEXO 1 ndash UMA CRONOLOGIA DO MUNDO HELENIacuteSTICO

323-241 AC

323 ndash Morte de Alexandre o Grande Perdicas distribui as

satrapias Nascimento de Alexandre IV filho de Roxana

Guerra Lamiana (revolta dos gregos)

322 ndash Submissatildeo de Atenas morte de Aristoacuteteles Invasatildeo da

Capadoacutecia por Perdicas Ptolomeu se estabelece no Egito

Ophellas em Cirene

321 - Campanha de Antiacutepatro e Cratero contra os etoacutelios

Perdicas invade a Pisiacutedia

320 ndash Antiacutepatro feito regente Filipe Arrideu Roxana e

Alexandre IV em custoacutedia Invasatildeo da Aacutesia por Antiacutepatro e

Crateros Eumenes derrota Crateros Seleuco adentra a

Babilocircnia Derrota de Perdicas no Egito

319 ndash Morte de Antiacutepatro Polipercon feito regente

Ptolomeu conquista a Palestina Agaacutetocles ascende ao poder

em Siracusa

318 ndash Polipercon declara a liberdade dos gregos Eumenes

sai da Capadoacutecia para a Ciliacutecia Eudamos extermina Poro e

marcha para o oeste

317 ndash Campanhas de Polipercon na Greacutecia Invasatildeo da Siacuteria

por Eumenes Invasatildeo da Paacutertia por Eudamos e outros

saacutetrapas Invasatildeo da Siacuteria por Antiacutegono fuga de Eumenes

para a Babilocircnia

316 ndash Derrota de Polipercon para Cassandro Eumenes se

junta a Eudamos Batalha de Paraitacene

315 ndash Lisiacutemaco combate Antiacutegono Antiacutegono derrota Eumenes

em Gabene Morte de Eumenes Eudamos e Peiton Antiacutegono daacute

nova ordem agraves satrapias orientais Alianccedila formada contra

Antiacutegono Agaacutetocles eleito strategos autocrator ()

213

314 ndash Antiacutegono se recusa a se entregar

313 ndash Antiacutegono conquista Tiro

312 - Ptolomeu suprime revolta em Cirene e derrota Demeacutetrio

em Gaza

311 ndash Derrota de Agaacutetocles na Siciacutelia bloqueio do porto de

Siracusa Antiacutegono expulsa Seleuco da Feniacutecia Paz entre

Antiacutegono Cassandro Ptolomeu e Lisiacutemaco

310 ndash Iniacutecio da expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles Campanha

de Ptolomeu na Ciliacutecia contra Antiacutegono Anexaccedilatildeo de Cipro

309 ndash Alianccedila de Agaacutetocles com Ophellas Demeacutetrio abandona

a Babilocircnia

308 ndash Morte de Ophellas exeacutercito de Ophellas incorporado

por Agaacutetocles Antiacutegono expulso da Babilocircnia por Seleuco

307 ndash Agaacutetocles retorna a Siracusa Atenas tomada por

Demeacutetrio

306 ndash Antiacutegono e Demeacutetrio assumem o diadema Demeacutetrio

conquista Cipro Seleuco invade a Baacutectria

305 ndash Iniacutecio do cerco de Rodes Seleuco conquista a Baacutectria

304 ndash Seleuco Ptolomeu Lisiacutemaco e Cassandro assumem o

diadema Agaacutetocles se declara rei Seleuco fracassa em sua

campanha contra Chandragupta na Iacutendia

303 ndash Demeacutetrio conquista Corinto e boa parte do Pelponeso

campanhas de Agaacutetocles na Itaacutelia acordo entre Seleuco e

Chandragupta

302 ndash Cassandro e Lisiacutemaco contra Antiacutegono Seleuco e

Ptolomeu se juntam agrave alianccedila contra Antiacutegono

301 ndash Batalha de Ipso morte de Antiacutegono fuga de Demeacutetrio

300 ndash Demeacutetrio contra Lisiacutemaco Alianccedila entre Ptolomeu e

Lisiacutemaco

299 ndash Pirro enviado a Ptolomeu como refeacutem

298 ndash Demeacutetrio conquista a Ciliacutecia

297 ndash Morte de Cassandro Ptolomeu lanccedila Pirro como rei do

Epiro Lisiacutemaco toma posses de Demeacutetrio na Aacutesia Menor

296 ndash Lisiacutemaco Seleuco e Ptolomeu contra Demeacutetrio

214

295 ndash Seleuco toma Ciliacutecia Ptolomeu toma posses de

Demeacutetrio no Cipro Demeacutetrio recupera Atenas

294 ndash Demeacutetrio feito rei na Macedocircnia

293 ndash Demeacutetrio na Tessaacutelia

292 ndash Revolta de Tebas Antiacuteoco inicia governo na Baacutectria

291 ndash Demeacutetrio sufoca revolta em Tebas e ataca Pirro

289 ndash Morte de Agaacutetocles

288 ndash Guerra naval de Ptolomeu contra Demeacutetrio Lisiacutemaco e

Pirro provocam fuga de Demeacutetrio para o Peloponeso

287 ndash Revolta de Atenas Ptolomeu conquista Tiro

286 ndash Demeacutetrio perde Iocircnia e Liacutedia para Lisiacutemaco

285 ndash Demeacutetrio invade a Siacuteria submissatildeo de Demeacutetrio a

Seleuco

284 ndash Pirro derrotado por Lisiacutemaco na Macedocircnia

283 ndash Morte de Demeacutetrio e Ptolomeu Ascensatildeo de Ptolomeu II

282 ndash Tarentinos pedem ajuda a Pirro

281 ndash Ptolomeu Cerauno feito rei da Macedocircnia Seleuco

invade a Anatoacutelia elimina Lisiacutemaco e eacute morto por Ptolomeu

Cerauno na Traacutecia

280 ndash Iniacutecio da expediccedilatildeo italiana de Pirro vitoacuteria em

Heraclea derrota de Antiacutegono Gonatas (filho de Demeacutetrio)

para Ptolomeu Cerauno invasatildeo da Macedocircnia pelos celtas

fundaccedilatildeo da Liga Aqueacuteia

279 ndash Derrota dos romanos em Aacutesculo pedido de auxiacutelio de

Siracusa morte de Cerauno em batalha contra os celtas

Tratado entre romanos e cartagineses contra Pirro

278 ndash Iniacutecio da expediccedilatildeo siciliana de Pirro

277 ndash Pirro derrota os cartagineses na Siciacutelia Antiacutegono

Gonatas derrota os celtas celtas ocupam a Galaacutecia

276 ndash Pirro parte para Tarento Antiacutegono Gonatas

reconquista a Tessaacutelia

275 - Batalha inconclusiva de Benevento

264 ndash Iniacutecio da Primeira Guerra Puacutenica

260 ndash Batalha de Mylae

215

256 ndash Iniacutecio da expediccedilatildeo africana de Reacutegulo

255 ndash Recrutamento de Xantipo Batalha de Tuacutenis derrota de

Reacutegulo

247 ndash Amiacutelcar Barca nomeado general na Siciacutelia nascimento

de Aniacutebal Barca

241 ndash Fim da Primeira Guerra Puacutenica Cartago perde a

Siciacutelia para os romanos

216

ANEXO 2 FIGURAS

FIGURA 1

217

FIGURA 2

(a)

(b)

218

FIGURA 3

219

FIGURA 4

Livros Graacutetis( httpwwwlivrosgratiscombr )

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