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Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 02 – Março de 2013 – ISSN nº 2317-1898. 2
DIRETORIA DA GESTÃO 2013/2014
DIRETORIA EXECUTIVA
Presidente: Mariângela Gama de Magalhães Gomes
1ª Vice-Presidente: Helena Regina Lobo da Costa
2o Vice-Presidente: Cristiano Avila Maronna
1ª Secretária: Heloisa Estellita
2o Secretário: Pedro Luiz Bueno de Andrade
1o Tesoureiro: Fábio Tofic Simantob
2o Tesoureiro: Andre Pires de Andrade Kehdi
Diretora Nacional das Coordenadorias Regionais e Estaduais: Eleonora Rangel Nacif
Assessor da Presidência: Rafael Lira
CONSELHO CONSULTIVO
Ana Lúcia Menezes Vieira
Ana Sofia Schmidt de Oliveira
Diogo Rudge Malan
Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró
Marta Saad
OUVIDOR
Paulo Sérgio de Oliveira
COORDENADORES-CHEFES DOS DEPARTAMENTOS
Biblioteca: Ana Elisa Liberatore S. Bechara
Boletim: Rogério FernandoTaffarello
Comunicação e Marketing: Cristiano Avila Maronna
Cursos: Paula Lima Hyppolito Oliveira
Estudos e Projetos Legislativos: Leandro Sarcedo
Iniciação Científica: Ana Carolina Carlos de Oliveira
Mesas de Estudos e Debates: Andrea Cristina D’Angelo
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 02 – Março de 2013 – ISSN nº 2317-1898. 3
Monografias: Fernanda Regina Vilares
Núcleo de Pesquisas: Bruna Angotti
Relações Internacionais: Marina Pinhão Coelho Araújo
Revista Brasileira de Ciências Criminais: Heloisa Estellita
Revista Liberdades: Alexis Couto de Brito
Tribuna Virtual IBCCRIM: Bruno Salles Pereira Ribeiro
PRESIDENTES DOS GRUPOS DE TRABALHO
Amicus Curiae: Thiago Bottino
Código Penal: Renato de Mello Jorge Silveira
Cooperação Jurídica Internacional: Antenor Madruga
Direito Penal Econômico: Pierpaolo Cruz Bottini
Habeas Corpus: Pedro Luiz Bueno de Andrade
Justiça e Segurança: Alessandra Teixeira
Política Nacional de Drogas: Sérgio Salomão Shecaira
Sistema Prisional: Fernanda Emy Matsuda
PRESIDENTES DAS COMISSÕES
17º Concurso de monografias: Fernanda Regina Vilares
19º Seminário Internacional: Carlos Alberto Pires Mendes
Cursos com a Universidade de Coimbra: Ana Lúcia Menezes Vieira
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 02 – Março de 2013 – ISSN nº 2317-1898. 4
GESTÃO DA TRIBUNA VIRTUAL IBCCRIM
Coordenador-Chefe
Bruno Salles Pereira Ribeiro
Coordenadores Adjuntos
Adriano Scalzaretto
Guilherme Suguimori Santos
Matheus Silveira Pupo
Conselho Editorial
Amélia Emy Rebouças Imasaki, Anderson Bezerra Lopes, André Adriano do Nascimento Silva, Antonio Baptista Gonçalves, Átila Machado, Camila Garcia, Carlos Henrique da Silva Ayres, Christiany Pegorari Conte, Danilo Ticami, Davi Rodney Silva, Diogo Henrique Duarte de Parra, Eduardo Henrique Balbino Pasqua, Érica Akie Hashimoto, Fabiana Zanatta Viana, Fábio Suardi D’ Elia, Francisco Pereira de Queiroz, Gabriela Prioli Della Vedova, Giancarlo Silkunas Vay, Guilherme Suguimori Santos, Humberto Barrionuevo Fabretti, Ilana Martins Luz, Janaina Soares Gallo, José Carlos Abissamra Filho, Luiz Gustavo Fernandes, Marcel Figueiredo Gonçalves, Marcela Veturini Diorio, Marcelo Feller, Matheus Silveira Pupo, Milene Maurício, Rafael Lira, Rafael Serra Oliveira, Ricardo Batista Capelli, Rodrigo Dall’Acqua, Ryanna Pala Veras, Thiago Colombo Bertoncello e Yuri Felix.
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 02 – Março de 2013 – ISSN nº 2317-1898. 5
APRESENTAÇÃO
O IBCCRIM – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, pauta-se, acima de tudo, pela
defesa das liberdades individuais dos cidadãos e pela proteção de seus direitos fundamentais.
Seja para abrir os caminhos entre as veredas das ciências, seja para municiar o campo de
batalha da defesa da liberdade, proporcionar meios de difusão do pensamento sempre esteve entre
as principais atividades do IBCCRM em seus 20 anos de existência. Assim o comprova o Boletim
do IBCCRIM, a Revista Brasileira de Ciências Criminais e a Revista Liberdades.
Poder falar e ouvir são pressupostos fundamentais do exercício da liberdade. É também
falando e escutando que se desenvolve o processo dialético de lapidação de ideias, maneira pela
qual se constrói a verdadeira e legítima ciência.
Na verdade, uma publicação científica é antes de tudo uma tribuna, onde o pensamento
humano se amplifica, onde as ideias se libertam e ganham voz, uma voz que não serve às palavras
do poder, mas sim ao poder de uma palavra: liberdade.
Inspirado por esses ideais surge um novo espaço de intercâmbio de ideias e de fomento do
pensamento científico adequado à modernidade tecnológica globalizada. Assim é concebido este
periódico: uma Tribuna Virtual do IBCCRIM.
Uma plataforma globalmente acessível, que tem como objetivo receber e difundir os
conhecimentos das ciências criminais para além das barreiras territoriais - essa é nossa tribuna.
Após 20 anos de incansável defesa das garantias fundamentais, esperamos que nesta
Tribuna o vigor científico surja do embate de ideias, experiências e pontos de vista plurais e
democráticos, a individualidade ceda lugar ao debate, o autoritarismo e o medo se calem e o
pensamento humano amplifique e dê sentido ao conceito de liberdade sonhado por este instituto.
Seja voz nesta tribuna.
Envie seu artigo.
“Participe por acreditar".
Coordenação da Tribuna Virtual IBCCRIM.
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 02 – Março de 2013 – ISSN nº 2317-1898. 6
SUMÁRIO
• Diretoria da Gestão 2013/2014.................................................. 02
• Gestão da Tribuna Virtual IBCCRIM........................................ 04
• Apresentação............................................................................... 05
• Artigos
o A investigação criminal pelo Ministério Público no direito comparado e o retrocesso do Projeto de Emenda Constitucional (PEC) n. 37
Odone Sanguiné e Paloma de Maman Sanguiné.............................07
o A possibilidade de redução da pena aquém do mínimo legal pelo reconhecimento de circunstâncias atenuantes: uma nova leitura da função dos marcos penais
Bruno Salles Pereira Ribeiro..........................................................32
o Justiça restaurativa: um novo modelo de justiça criminal
Rafaela Alban Cruz......................................................................71
o Embargos infringentes em ação penal originária no STF
Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr..........................................84
o Questionamentos à constitucionalidade das prisões
Laís Freitas Cruz..........................................................................88
• Normas para publicação na Tribuna Virtual IBCCRIM........... 102
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 02 – Março de 2013 – ISSN nº 2317-1898. 7
A investigação criminal pelo Ministério Público no direito comparado e o retrocesso do Projeto de Emenda Constitucional (PEC) n. 37
Odone Sanguiné Professor da UFRGS.
Desembargador Aposentado do TJRS. Advogado.
Paloma de Maman Sanguiné
Promotora de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo. Resumo: O artigo faz uma crítica ao Projeto de Emenda Constitucional n. 37, que preconiza a exclusão dos poderes investigatórios do Ministério Público, outorgando-os, com exclusividade, à instituição policial. Apresenta uma análise comparada de diversos sistemas jurídicos e os principais argumentos criminológicos e de política criminal que justificam a legitimidade da investigação criminal pelo Ministério Público no Estado Democrático de Direito, coincidindo em sua conclusão, aliás, com a recente tendência jurisprudencial favorável do Supremo Tribunal Federal sobre o tema. Palavras-chave: PEC n. 37; Investigação Criminal; Ministério Público. Abstract: This article intends to provide a critical analysis about the proposal of amendment to the constitution n. 37, which calls for the exclusion of investigation power granted to the Department of Public Prosecution, and granting them to the police department exclusively. It also provides a compared analysis of several legal systems and the main criminological arguments and criminal policies which justify the legitimacy of criminal investigation carried out by the Department of Public Prosecution, in the democratic rule of law. Its conclusion actually coincides with the recent favorable jurisprudential trend of the Supreme Court about this topic. Key words: Proposal of amendment to the constitution n. 37; criminal investigation; Department of Public Prosecution. Sumário: 1. Introdução – 2. A instituição policial e suas funções na sociedade globalizada e de risco – 3. Modelos de investigação existentes no direito comparado: 3.1 Alemanha; 3.2 Itália; 3.3 Bélgica; 3.4 França; 3.5 Portugal; 3.6 Inglaterra; 3.7 Estados Unidos da América – 4. Síntese dos diversos sistemas de investigação – 5. A legitimação da investigação pelo Ministério Público no Estado Democrático de Direito: 5.1 Argumentos criminológicos; 5.2 Argumentos de política criminal; 5.3 Argumentos normativos: a tendência jurisprudencial do STF – 6. O recente Projeto de Emenda Constitucional (PEC) n. 37 – 7. Conclusão.
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 02 – Março de 2013 – ISSN nº 2317-1898. 8
1. Introdução
A finalidade destes apontamentos consiste em fornecer uma informação com base no
método comparado1 sobre a atual situação político-legislativa da investigação criminal pelo
Ministério Público nos países mais importantes da Europa e nos Estados Unidos, visando a
atender o objetivo prático de iluminar a política legislativa brasileira, tendo em vista a intensa
discussão que vem ocorrendo a partir do Projeto de Emenda Constitucional 37, que pretende
retirar os poderes de investigação do Ministério Público.
2. A instituição policial e suas funções na sociedade globalizada e de risco
Historicamente, a função policial de manter o controle social vem sendo legitimada pela
necessidade de controlar a criminalidade e prender os suspeitos ou presumidos delinquentes.
Entretanto, nem todo trabalho policial tem vinculação direta com o controle da criminalidade, na
medida em que a polícia também desempenha um papel na manutenção da ordem pública e no
controle da dissidência política.
Nas sociedades pré-industriais, o controle da criminalidade era executado em nível
comunitário, sem uma força policial organizada. Com a industrialização, funcionários específicos
são nomeados para manter a ordem, o que redunda na proliferação de forças especializadas. Como
acontece com qualquer grupo detentor de poder, há o perigo onipresente de corrupção, violência
e racismo. Segundo Charles Wilson, a tendência do policiamento é de gerar culturas reacionárias,
defensivas e centrífugas, resistindo à crítica e à reforma.2
As teorias sobre a polícia estão intimamente ligadas com as ideologias políticas,
deduzindo-se, então, três abordagens: (a) uma visão conservadora concebe a polícia como formada
1 A abertura de novos horizontes, graças ao direito comparado, permite utilizar para a interpretação das normas de direito nacional, além dos critérios tradicionais, o método comparativo, particularmente através da microcomparação. Nesse sentido: CONSTANTINESCO, Leontin-Jean. Tratado de derecho comparado. Madrid: Tecnos, 1981. v. 1, p. 283 e 316; p. 17-23; JESCHECK/WIEGEND. Tratado de derecho penal. Parte geral. 5. ed. Comares, 2002 p. 49; ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Introdução ao direito comparado. Coimbra: Almedina, 1994. p. 22-26.
2 Verbete “polícia”, in VV.AA. Dicionário do pensamento social do século XX. Jorge Zahar, 1996.
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 02 – Março de 2013 – ISSN nº 2317-1898. 9
por combatentes do crime, quando a instituição desempenharia também um papel integrativo na
promoção da harmonia social; (b) a visão marxista radical encara a polícia como uma agência
repressora do Estado (Althusser a incluía entre os aparelhos repressivos do Estado), sempre agindo
na proteção dos interesses da classe dominante e no controle da resistência da classe trabalhadora
contra a exploração; (c) mais recentemente, surgiu uma abordagem orientada para um programa
de ação política: aceita a necessidade do policiamento e examina vários estilos e métodos do
policiamento de modo mais empírico, utilizando critérios como eficiência, eficácia e aceitação
pelo público.3
Na verdade, a instituição policial não deve ser analisada unicamente como uma função ou
uma corporação, nem tão somente como um objeto ou um aparelho de Estado, mas também sob
uma leitura sociojurídica, segundo a qual a polícia desempenha uma função simbólica, que se
expressa como instrumento de luta contra o crime, e uma função real, como aparelho de Estado
consistente em atuar como mecanismo de controle e de regulação social sob a dependência teórica
do Estado, daí que seja permitido o uso e aplicação da força-violência como coação direta e
legítima.4
Não obstante, a soma das funções simbólica e real permanece sendo inidônea para dar
uma explicação satisfatória da existência da polícia em nossa sociedade, porquanto desempenha
mais funções e atividades do que as até aqui descritas. Dessarte, é indispensável um enfoque
sistêmico que revele a essência real da instituição policial, mostrando que ela funciona como
aparelho Estatal (função visível) e, simultaneamente, como sistema polivalente (função oculta), o
que permite um duplo registro de leitura: como instrumento do poder e como ente-poder em si
mesmo. Assim, o enfoque policial resulta incompleto, na era da globalização e da sociedade do
risco, para compreender a temática da segurança pública. Como os riscos, ou melhor, a segurança,
não pode ser totalmente garantida, permite-se a incorporação cada vez mais ativa de uma
pluralidade de atores públicos e privados quando se discutem políticas de segurança. Com isso,
não somente se produz uma quebra do conceito de monopólio estatal da violência legítima, mas
3 Idem, ibidem.
4 BRUNET, Amadeu Recasens I. La seguridad, el sistema de justicia criminal y la policía. In: BERGALLI, Roberto (Coord.). Sistema penal y problemas sociales. Valencia: Tirant lo blanch, 2003. p. 288 e 297.
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 02 – Março de 2013 – ISSN nº 2317-1898. 10
também decai o papel central da polícia em matéria de segurança. Assim, é preciso descentralizar a
polícia, para (re)situá-la como mais um entre os atores que giram ao redor do verdadeiro
problema, que é o da segurança.5
3. Modelos de investigação existentes no direito comparado
A análise comparativa de alguns modelos de investigação em outros países possibilita
coletar dados úteis para demonstrar o equívoco da proposição contida na PEC n. 37 de entregar,
com exclusividade, a tarefa investigativa à instituição policial, alijando a instituição do Ministério
Público dessa fundamental função estatal de controle da criminalidade, especialmente os crimes
praticados por pessoas nas altas esferas do poder político ou econômico.
3.1. Alemanha
Na Alemanha, desde 1975 desapareceu a figura do juiz instrutor. O Ministério Público é
o dono e o senhor da instrução criminal, submetido ao princípio da legalidade e obrigado a
investigar os fatos de forma imparcial. A polícia é, no processo penal, um órgão auxiliar que atua
por ordem, direção e vigilância jurídica do Ministério Público, competindo àquela a tarefa
principal de esclarecimento, vigiada e ordenada pelo Ministério Público. O trabalho prático de
investigação se transfere sempre em maior medida à polícia (§§ 152 e 161 a 163 da StPO).
Somente os casos que exigem, por um lado, conhecimentos jurídicos especiais e, por outro lado,
distintos meios materiais e pessoais são averiguados pelo próprio Ministério Público (v. g., delitos
econômicos, nos quais é possível trabalhar inclusive em seu gabinete). O Ministério Público,
como órgão independente da administração de justiça, situado entre o executivo e o judiciário,
porém rodeado de garantias, pode e deve frenar, em todas as partes, o excesso de zelo do Poder
5 Idem, ibidem, p. 288-289, 297 e 305-310.
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 02 – Março de 2013 – ISSN nº 2317-1898. 11
Executivo.6 Dado que ao Ministério Público está confiada a administração da justiça penal, sua
atividade, tal como a do juiz, não pode estar orientada às exigências da administração, mas
somente a valores jurídicos, isto é, a critérios de verdade e justiça. Por conseguinte, apesar de a
Polícia desempenhar atividades de investigação, o Ministério Público conserva o domínio sobre o
procedimento de investigação preliminar, porquanto lhe incumbe: dirigir, conduzir ou vigiar o
procedimento de investigação; ordenar que se pratiquem as investigações e realizar, pessoalmente
ou mediante outras autoridades públicas, os atos de investigação que considere necessários, ou
delegar as diligências a outras autoridades ou funcionários policiais, podendo, inclusive, ordenar
medidas coercitivas (prisão preventiva, sequestros etc. e realizar outras medidas de investigação,
conforme disposto no § 160 e ss. da StPO). Inclusive, se a polícia investiga, o Ministério Público
é responsável pela realização, ordenada e completa, dessa tarefa.7
3.2. Itália
Um dos aspectos mais representativos do sistema processual italiano, de caráter acusatório,
está constituído pelo desaparecimento da fase e da figura do juiz de instrução, porque nele se
reuniam duas funções incompatíveis: a de juiz e a de investigador. Essa figura foi substituída por
um juiz (denominado “Giudice per le indagini preliminari”) sem funções investigatórias e em
posição imparcial (“Terzietá”) em relação às posições da acusação e da defesa, também na fase de
investigação preliminar, para assegurar uma garantia jurisdicional nas intervenções limitadoras da
liberdade.
Por outro lado, o Ministério Público (“Publico Ministero”) – que integra o corpo da
magistratura – além de dirigir a Polícia Judiciária, que lhe é auxiliar, e a investigação preliminar,
6 BAUMANN, Jürgen. Derecho procesal penal. Conceptos fundamentales y principios procesales. Introducción sobre la base de casos. Trad. Conrado Finzi. Buenos Aires: Depalma, 1986. p. 166-172 e 181-182; VV.AA. Sistemas de proceso penal en Europa. Dirigido por Ramón Maciá Gómez. Barcelona: Cedecs, 1998. p. 26 ss.
7 ROXIN, Claus. Derecho procesal penal. Trad. Julio B. Maier. Buenos Aires, 2000. p. 52-58; BAUMANN, Jürgen. Derecho procesal penal cit., p. 166-172; VV.AA. Procedure penali d’Europa. Padova: Cedam, 1998. p. 166; GOMEZ
COLOMER, Juan-Luis. El proceso penal aleman. Introducción y normas basicas. Barcelona: Bosch, 1985. p. 149; SCHLÜCHTER, Ellen. Derecho procesal penal. 2. ed. Valencia, 1999. p. 95.
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 02 – Março de 2013 – ISSN nº 2317-1898. 12
pode desempenhar pessoal e diretamente todas as atividades investigatórias permitidas à Polícia
Judiciária ou, então, valendo-se desta, com o êxito das investigações, promover a ação penal.
Porém, normalmente delega tais tarefas à polícia para evitar paralisá-la e desresponsabilizá-la. Isso
não impede que a polícia judiciária realize, mesmo depois da intervenção ministerial, toda
atividade necessária para a constatação dos crimes.8
3.3. Bélgica
Em princípio, a tarefa de realizar a investigação cabe exclusivamente ao juiz instrutor.
Todavia, isso sofre temperamentos e exceções, de maneira que o poder instrutório acaba por
pertencer também a vários outros órgãos, como o Ministério Público, o qual colabora a vários
títulos para tal tarefa. Na fase da investigação preliminar (“information”), que precede ao exercício
da ação penal, a jurisprudência reconhece ao Ministério Público o poder de recolher todos os
elementos necessários ao exercício da ação penal, embora sua tarefa principal seja a de exercer a
ação penal pública. Na fase preliminar do processo penal, a “information” é conduzida sob a
direção e a responsabilidade do “procureur du Roi”. A investigação/inquérito (“l’enquête”) é
dirigida pelo Ministério Público com a assistência dos funcionários da polícia judiciária, que agem
a seu pedido, sob sua direção e vigilância. Além da sua qualidade de magistrado, a lei reconhece a
diferentes membros do Ministério Público a qualidade de funcionário de polícia judiciária.9
3.4. França
O Juiz de instrução busca todas as informações que acredita serem úteis para a descoberta
da verdade. Incumbe-lhe reunir tanto os elementos que evidenciem tanto a culpabilidade como a
8 VV.AA. Sistemas de proceso penal en Europa cit., p. 235-244; VV.AA. Procedure penali d’Europa cit., p. 271 e 277 ss.; VV.AA. Processo penal e direitos do homem. Rumo à consciência européia. Org. Mireille Delmas-Marty. Trad. Fernando Franco. Barueri: Manole, 2004. p. 45-46; BUONO, Carlos Eduardo de Athayde; BENTIVOGLIO, Antônio Tomás. A reforma processual penal italiana. Reflexos no Brasil. São Paulo: RT, 1991. p. 32.
9 BOSLY, Henri-D.; VANDERMEERSCH, Damien. Droit de la procedure pénale. La charte, Brugge, 2000. p. 240 e 269-270; VV.AA. Il proceso penale in Belgio. Procedure penali d’Europa. Padova: Cedam, 1998. p. 59.
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 02 – Março de 2013 – ISSN nº 2317-1898. 13
inocência. Pode exercer por si mesmo seus poderes de investigação, porém, na maioria dos casos,
vale-se da polícia judiciária e, se for o caso, de peritos.10 Os membros do Ministério Público são
recrutados como os magistrados e pertencem, portanto, ao corpo da magistratura, podendo, no
curso da carreira, passar de uma a outra função.11
O Ministério Público é o ator principal no processo penal, tendo o poder de usar do
direito de ação pública.12 A Polícia Judiciária, no exercício das suas atribuições judiciárias,
depende do controle do juiz. Um dos motivos que justificam esse controle é de ordem jurídica: a
autoridade judiciária é a guardiã da liberdade individual. O exercício da função policial apresenta
o risco de atentar contra a liberdade individual. A autoridade judiciária previne esse risco,
controlando a polícia judiciária. Em termos gerais, durante a investigação, os funcionários da
polícia judiciária são colocados sob a direção do Procurador da República, que tem todos os
poderes e todas as prerrogativas próprias dos funcionários de polícia judiciária, podendo realizar
todos os atos que sejam necessários à investigação preliminar (“l’enquête préliminaire”). No ano
2000, o legislador francês introduziu novas disposições visando reforçar o controle, pelo juiz, de
liberdades e de detenção, da investigação preliminar, quanto a sua duração e quanto a sua direção
efetiva pelo Procurador da República. Tanto este como o Juiz de Instrução dispõem de todos os
poderes de polícia judiciária, podendo realizar, por si mesmos, os atos investigatórios necessários à
investigação e à persecução de infrações penais (art. 40 e ss. do CPP). O legislador outorgou ao
Procurador da República a faculdade de participar da execução dos atos que ele tiver requisitado.
Considerou-se que a atribuição ao Ministério Público da investigação constitui garantia de
eficácia e rapidez em relação à investigação conduzida por um magistrado isolado e exposto a
riscos diversos.13
3.5. Portugal
10 VV.AA. Sistemas de proceso penal en Europa cit., p. 157.
11 RASSAT, Michèle Laure Rassat. Traité de procédure pénale. Paris: Puf, 2001. p. 228.
12 GUINCHARD, Serge; BUISSON, Jacques. Procédure pénale. 2. ed. Paris: Litec, 2002. p. 570.
13 FOURMENT, François. Procédure penale. Orléans: Paradigme, 2003. p. 59, 61-63 e 96; GUINCHARD, Serge; BUISSON, Jacques. Procédure pénale cit., p. 553-554 e 958; VV.AA. Procedure penali D’Europa cit., p. 105; VV.AA. Processo penal e direitos do homem cit., p. 40.
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 02 – Março de 2013 – ISSN nº 2317-1898. 14
A reforma do Código Penal Português de 1987 confiou plenamente à promotoria o
essencial das funções de investigação. A partir daí, a primeira fase (preparatória) do processo, de
estrutura acusatória, está constituída pelo inquérito, que constitui a fase de investigação
anteriormente realizada pelo juiz de instrução. O inquérito abarca as investigações preliminares e
abrange as investigações policiais sob a responsabilidade do Ministério Público, que deve conduzir
as investigações com independência e imparcialidade. Durante a realização do inquérito, o MP
conta com a colaboração dos órgãos de polícia e de funcionários do Ministério Público, ambos
sob a sua orientação direta e em situação de dependência funcional. A instrução, apesar de estar
atribuída ao juiz de instrução, não tem a natureza de uma fase de investigação propriamente dita,
tendo essencialmente funções de garantia. Daí deriva sua natureza subsidiária ou facultativa: a
instrução somente se produz quando é requerida pelo acusado ou pelo ofendido-assistente,
quando algum destes não se conforma com a decisão do Ministério Público.14
3.6. Inglaterra
A Polícia é responsável, em primeiro lugar, pela investigação dos crimes. Se existem
suficientes indícios, poderá acusar o suspeito. Se for acusado, o suspeito terá direito a receber
detalhes escritos sobre o delito imputado, disponíveis em uma “lista de acusações no juizado de
polícia”. A Polícia entrega então o caso ao Serviço da Promotoria da Coroa (“Crown Prosecution
Service”), o qual notifica e prepara o caso para o julgamento. Portanto, não existe juiz investigador
ou de instrução na Inglaterra e País de Gales. É dever da polícia, com o conselho do serviço da
Promotoria da Coroa, reunir as provas para sustentar uma acusação.
Por sua vez, o Ministério Público da Coroa, criado pelo “Prosecution of Offences Act” de
1985, com a finalidade de conduzir o inquérito e de limitar os poderes da polícia, é um serviço
nacional independente e legal, que se compõe de advogados assalariados que dirigem todas as
acusações em nome da Rainha. O seu papel é o de aconselhar a polícia, revisar a decisão de
14 VV.AA. Sistemas de proceso penal en Europa cit., p. 316 ss.; VV.AA. Processo penal e direitos do homem cit., p. 27-28 e 62-72.
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 02 – Março de 2013 – ISSN nº 2317-1898. 15
acusação e preparar os casos para julgamento e apresentá-los aos Tribunais. Precisamente, a
criação do “Crown Prosecution Service” buscou evitar o perigo de deixar à polícia a tarefa de
conduzir sozinha a investigação, o que levou à escandalosa condenação dos “Seis de Birmingham”
à prisão perpétua, fundada em confissões extorquidas pela polícia e utilizadas como prova. Agora,
o único poder que a legislação confere à polícia é o poder de concluir o inquérito por ela
iniciado.15
Convém salientar que o sistema inglês distingue-se nitidamente do sistema continental, na
medida em que a abertura e desenvolvimento da fase preparatória estão entregues, inteira e
exclusivamente, à polícia: as investigações são efetuadas pela polícia, a qual age em virtude de um
poder que lhe é próprio ou em virtude de uma ordem judicial por parte de um juiz de paz (“justice
of the peace”). Não obstante, após a entrada em vigor do Prosecution of Offences Act de 1985,
reduziram-se consideravelmente os poderes do Chefe de Polícia (“Chief Officer”). Este conserva,
ainda, o poder de arquivamento; porém, se ele opta pela ação penal, a sua decisão é, agora, com o
novo texto legal, submetida ao exame do Promotor da Coroa, que dispõe do poder exclusivo de
arquivar a ação penal iniciada pela polícia (“Crown Prosecutor”). Portanto, tornou-se um
mecanismo complexo no qual intervém sucessivamente o “Chief Officer”, que inicia a ação penal,
e o “Crown Prosecution Service”, que a confirma. A separação das funções no momento de
estabelecer se promove ou não a ação penal contribui sensivelmente na aproximação da Inglaterra
com os demais países.16
Os membros do “Crown Prosecution Service” não podem realizar eles próprios as
investigações, mas o Promotor inglês tem a possibilidade de impulsioná-las, porquanto pode
solicitar à polícia um extrato da investigação. A legislação de 1985 não conferiu ao “Crown
Prosecutor” os meios para obrigar a polícia a desenvolver as investigações complementares
requeridas pelo Ministério Público; por isso, desenvolveu-se uma praxe que consiste em proceder
ao arquivamento quando a polícia se recusa a obedecer. Trata-se de um meio radical de pressão
destinado a vencer as resistências da polícia. O Ministério Público permanece, no entanto, alheio
15 VV.AA. Sistemas de proceso penal en Europa cit., p. 216-219; VV.AA. Processo penal e direitos do homem cit., p. 29 e 92-94.
16 VV.AA. Procedure penali D’Europa cit., p. 406-415.
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 02 – Março de 2013 – ISSN nº 2317-1898. 16
ao desenvolvimento concreto dos atos de investigação e depende do trabalho da polícia, de
maneira que cabe perguntar se ainda é possível falar de controle sobre a decisão de exercitar a ação
penal.17
Cabe mencionar, por último, que a Grã-Bretanha, com o “Humans Rights Act”, de 1998,
incorporou a Convenção Europeia de Direitos Humanos na legislação interna, de maneira que,
pela primeira vez, os direitos que são reconhecidos na Convenção podem ser diretamente
invocados nas Cortes nacionais. As implicações para o sistema de justiça criminal são profundas e
de grande amplitude.18
3.7. Estados Unidos da América
Nos Estados Unidos da América, não existe um juiz investigador ou um juiz de instrução.
A fase da investigação inicial está confiada aos agentes policiais e às agências federais de
investigação, que logo entregam o informe ao Promotor e este então determina se há ou não
elementos para apresentar a prova ante o “Grand Jury”, que é tecnicamente parte do
Departamento de Justiça e que se utiliza também para investigar dados ou obter prova sobre uma
atividade delitiva suspeita. No sistema federal, a investigação é dirigida por agentes federais de
acordo e em coordenação com o Promotor ou um advogado do Departamento de Justiça.
Durante a fase de investigação, há uma colaboração entre o Promotor e os agentes policiais.
Mesmo após a realização da acusação formal, o agente policial auxilia o Promotor.19
Na década de setenta, quando foi realizado o mais completo estudo empírico em relação a
153 Departamentos de Polícia sobre as deficiências na investigação criminal pelos detetives
policiais, os autores desse estudo recomendaram a atribuição de algumas tarefas de investigação ao
17 VV.AA. Procedure penali D’Europa cit., p. 414.
18 VV.AA. Criminal Justice and the Human Rights Act 1998. Jordans, Bristol, 1999. passim.
19 VV.AA. Sistemas de proceso penal en Europa cit., p. 132 ss.
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Ministério Público.20 São escassos os serviços de polícia norte-americanos de investigação criminal
que recolhem os principais elementos de prova capazes de oferecer ao Ministério Público
probabilidades sérias de conseguir uma condenação. Talvez essa insuficiência de provas tenha
contribuído para o incremento de casos arquivados sem acusação e ao enfraquecimento da posição
do promotor em sua negociação (“plea bargaining”) com a defesa.21
4. Síntese dos diversos sistemas de investigação
A primeira conclusão geral é a de que a instituição clássica e napoleônica do Juiz de
Instrução, como dono e senhor da investigação e das medidas cautelares, está em franca
decadência, e já se abandonou ou está praticamente abandonada na maioria dos sistemas penais
europeus (Alemanha, Portugal e Itália). Na própria França, ela foi progressivamente
marginalizada. Inclusive em países (v.g. Espanha) em que ainda persiste o Juiz de Instrução, há
uma tendência acentuada no sentido de confiar ao Promotor atividades essenciais de investigação
e persecução da criminalidade e a criação da figura do “juiz de garantias”.22 A convicção é que esse
modelo clássico já não serve. É necessário que o processo seja o próprio de um Estado
Democrático de Direito, cabendo propor que o Ministério Público não somente seja a autoridade
encarregada da investigação criminal (tal como já ocorre em países do sistema continental
20 GREENWOOD et alii. The Criminal Investigation Process. A Summary Police Analysis, cf. RICO, José Mª; SALAS, Luis. Inseguridad ciudadana y policia. Madrid: Tecnos, 1988. p. 117.
21 RICO, José Mª; SALAS, Luis. Inseguridad ciudadana y policia cit., p. 191-192.
22 SANGUINÉ, Odone. Prisión provisional y derechos fundamentales. Valencia: Tirant lo Blanch, 2003. p. 607 ss.; VV.AA. Sistemas de proceso penal en Europa cit., p. 15 ss., passim; VV.AA. Processo penal e direitos do homem cit., p. 255 ss. Porém, isso não impede a intervenção do Ministério Público no processo ordinário por delitos graves, correspondendo-lhe a inspeção direta da formação do sumário, que levará a cabo por si mesmo ou por meio dos auxiliares ao lado do Juiz, com a faculdade de solicitar a prática de diligências que se estimem necessárias. No âmbito do procedimento abreviado, corresponde ao Ministério Público não somente a inspeção ou controle da investigação, mas, também dar instruções à polícia judiciária, aportar meios de prova etc. (ARMENTA DEU, Teresa. Lecciones de Derecho Procesal Penal. Madrid/Barcelona: Marcial Pons, 2003. p. 99-100). A recente reforma parcial da Ley de Enjuiciamiento Criminal espanhola operada pela Lei 38, de 24 de outubro de 2002, não modificou em nada a situação existente em relação aos papéis do Juiz Instrutor e do Ministério Público concernente à instrução criminal. Entretanto, atribui um maior protagonismo à Polícia Judiciária, atribuindo-lhe praticamente a instrução em bloco de determinadas hipóteses. A opção legislativa abala um pouco os fundamentos do sistema e não deixa de suscitar mais um receio (RAMOS MÉNDEZ, Francisco. Enjuiciamiento Criminal. Séptima Lectura Constitucional. Barcelona: Atelier, 2004. p. 34).
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europeu, como Alemanha, Itália e Portugal), mas o diretor ou dono absoluto desta. Essa
modificação fundamenta-se basicamente em três aspectos de suma importância: 1.º) a instrução
por parte do Juiz é puramente inquisitiva, incompatível no processo penal próprio de um Estado
de Direito que exige o modelo de processo acusatório; 2.º) a necessidade, por colidir com o
princípio de economia processual, de evitar reiteração de atividades processuais, pois as mesmas
que pratica o Promotor as executa também o juiz instrutor, ou ao inverso, conseguindo, com isso,
uma notável celeridade do processo penal; 3.º) o argumento mais importante, a favor da instrução
pelo Ministério Público, consiste em que não pode ser a mesma pessoa a que considere necessário
um ato de instrução e a que valore sua legalidade. O Ministério Público deve, portanto, assumir a
instrução, atribuindo-se-lhe o poder de investigar o crime, enquanto que o Juiz deve ficar como
controlador da legalidade dos atos processuais realizados pelo Promotor, geralmente através de
petições e dos recursos, de maneira que se fortaleça notavelmente a imparcialidade judicial.
A rápida análise comparada de seis sistemas nacionais (Alemanha, Itália, Bélgica, França,
Inglaterra e Portugal) do sistema continental europeu, revela, em síntese, os seguintes aspectos
basilares na relação de equilíbrio de poderes entre o Ministério Público, polícia e magistratura, na
etapa investigatória: as legislações dos países mencionados – exceto a Inglaterra – admitem a
supremacia do Ministério Público como órgão de direção da fase preparatória da ação penal. Ditos
países salvaguardam a função de direção investigativa ao Ministério Público, concebido como o
principal motor da fase preparatória. Essa supremacia exprime-se, por um lado, no fato de que
não existe qualquer ato da investigação que não possa ser realizado pelos membros do Ministério
Público, o que significa, a contrario sensu, que não existe poder exercitado pela polícia que não
pertença também a ele; esses países não atribuem à polícia, a título exclusivo, qualquer dos atos
investigativos da fase preparatória; nenhuma investigação está, nesses países continentais,
reservada unicamente à polícia, a qual intervém, de fato, como órgão executivo por força de uma
diretriz do Ministério Público, e, de regra, controlado por este. Não é demasia recordar que, nos
vários países, o primeiro dos poderes próprios do Ministério Público consiste em dirigir a polícia
no curso das investigações. Dito isso, sublinhamos que, se um grande número de investigações são
indiferentemente desenvolvidas pelo Ministério Público ou pela polícia, nem todos os atos
realizados no quadro da fase preparatória são comuns aos dois órgãos. O Ministério Público
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dispõe, de fato, de poderes próprios, ou seja, de atribuições exclusivas que a polícia não pode
exercitar, v.g., o comparecimento forçado de testemunhas, a escolha de peritos, a prorrogação da
detenção etc., isso sem mencionar os poderes que detém com exclusividade na fase da ação
penal.23
Apesar de, nos mencionados países europeus, ser o Ministério Público quem dirige as
forças policiais durante toda a duração da fase preparatória, na prática, porém, constata-se,
amiúde, que essa dependência funcional é mais teórica que real, e que a polícia goza
frequentemente, de fato, de uma verdadeira autonomia.24 Não obstante, constata-se há longo
tempo, em diversos desses Países, que o Ministério Público, operativamente, intervém muito
pouco. As intervenções são raras, limitando-se a decidir sobre o conteúdo do expediente
confeccionado pela polícia.25
Cabe recordar que a tendência clara de reforma das legislações recentes se orienta no
sentido de reforçar o papel do Ministério Público. Assim, o Código de Processo Penal Italiano
vigente, desde 1988, ao tornar o MP o dominus da investigação preliminar, reduziu
consideravelmente o risco de interferência direta de parte do Poder Executivo.26 No continente
europeu, os textos legais aprovam o poder do Ministério Público de dirigir integralmente a fase
preparatória do expediente, enquanto na Inglaterra o “Prosecutor” exercita um papel somente na
conclusão dessa fase inicial. A tarefa do Ministério Público é, em todo caso, a de garantir a
legalidade processual: e porque a sua vocação consiste em prevenir a arbitrariedade, o Ministério
Público dirige e encerra a investigação no continente, e reexamina as conclusões da polícia na
Inglaterra. Em suma, a criação ou revigoramento do Ministério Público respondeu a exigências de
introduzir ou reforçar a garantia de imparcialidade da fase preparatória e de evitar a
arbitrariedade.27
23 VV.AA. Procedure penali D’Europa cit., p. 396 ss.
24 Idem, p. 415.
25 Idem, p. 413.
26 Idem, p. 416.
27 Idem, p. 417.
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Historicamente, na Alemanha, até o início do Século XIX, a confusão das funções
judiciárias nas mãos do Inquisidor tornou-se intolerável. Não somente a criação do Ministério
Público permite separar as funções de instrução e de julgamento, mas o procurador, na sua
qualidade de “guardião da lei” deve também agir de modo que nenhum culpado escape à pena e
que não seja processado nenhum inocente. Na França, na metade da década de cinquenta do
Século XX, os operadores jurídicos denunciaram os abusos cometidos no exercício da ação pública
por alguns membros da polícia e projetaram purificar a atmosfera, reforçando o controle por parte
dos magistrados da procuradoria. O CPP francês de 1958 acolheu essa proposta. Na Inglaterra, o
legislador de 1985 estimou que as funções de investigação e a decisão de exercitar a ação penal
eram por sua natureza incompatíveis e não podiam pertencer a uma mesma autoridade: a solução
foi a criação do “Crown Prosecution Service”, que deveria dispor da objetividade necessária para
verificar a adequação das provas no momento de pronunciar-se sobre a ação penal. Na Bélgica,
cogita-se também a reforma do “Code d”instruction Criminelle”, preconizando um controle
reforçado por parte do Ministério Público sobre os serviços da polícia, a fim de ampliar as
garantias democráticas. Portanto, o temor de um Ministério Público “subjugado” pela polícia
encontra já ampla resposta na realidade dos países europeus.28
5. A legitimação da investigação pelo Ministério Público no Estado Democrático
de Direito
5.1. Argumentos criminológicos
A criminologia demonstrou ser em absoluto irrealista qualquer expectativa de “total
enforcement”, isto é, a resposta policial contra toda e qualquer criminalidade. Para isso influem,
seguramente, a escassez de meios, as resistências decorrentes das concepções ideológicas e das
representações teóricas dos próprios policiais, bem como das várias formas de corrupção. As
28 VV.AA. Procedure penali D’Europa cit., p. 417-419.
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investigações empíricas revelam as elevadíssimas cifras negras (“dark number”) da criminalidade
não investigada ou não esclarecida pela polícia.29
Aliás, há um consenso na comunidade jurídica de que o vigente modelo de investigação
até pouco tempo confiado à polícia não é eficaz na investigação e elucidação dos crimes.
Esse quadro estatístico concernente à criminalidade global, em que predominam os
denominados crimes de rua (“street crimes”), agrava-se em virtude da escassa apuração e/ou
punição da criminalidade não convencional, ou seja, dos crimes corporativos (“corporate and
white-collar crimes”), do crime organizado (“organized crime”) e do crime organizado transnacional
(“transnational organized crime”), cometidos com especial conhecimento técnico e profissional por
agentes que desfrutam de elevada posição de poder socioeconômico dificultando, assim, a
investigação e punição dessas atividades criminosas.
5.2 Argumentos de política criminal
A opinião pública e a comunidade jurídica internacional, indubitavelmente, legitimam a
investigação criminal e o controle da atividade policial pelo Ministério Público. Os membros da
Associação Internacional de Direito Penal, reunidos no encontro preparatório de Berna, em abril
de 1988, elaboraram uma resolução – aprovada pelo Congresso da Associação Internacional de
Direito Penal (AIDP), de Viena, em outubro de 1989 – recomendando a necessidade de que os
órgãos de investigação atuem sob a direção e o controle de uma autoridade de persecução ou de
julgamento.30 Igualmente, o 8.º Congresso da ONU sobre a Justiça Penal e o Tratamento dos
Delinquentes, realizado em Havana, Cuba, em 1990, em sua recomendação n. 11, atribui ao
Ministério Público a realização de "investigações criminais no caso de delitos cometidos por
agentes de Estado, nomeadamente atos de corrupção, de abuso de poder, de violações graves dos
direitos humanos e outras infrações reconhecidas pelo direito internacional". Também o “Corpus
29 FIGUEIREDO DIAS, Jorge de; COSTA ANDRADE, Manuel da. Criminologia. O homem delinqüente e a sociedade criminógena. Coimbra: Coimbra Ed., 1984. p. 444 ss.
30 VV.AA. Procedure penali D’Europa cit., p. 419.
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Iuris” se refere ao futuro Ministério Público Europeu, que disporia de amplos poderes de
investigação em todo o território comunitário.31 Finalmente, nos crimes de competência do
recém-instalado Tribunal Penal Internacional, o Ministério Público tem o dever de realizar a
investigação e persecução penal, incluindo-se aí – numa tendência moderna de transcender sua
posição de parte acusadora a uma postura de imparcialidade – o dever de investigar e de coletar e
examinar todas as circunstâncias incriminadoras e as excludentes, podendo determinar o
comparecimento e interrogatório dos indivíduos sob investigação, as vítimas e testemunhas (arts.
53 e 54, do Estatuto de Roma do TPI, de 1998).
Na América Latina, há um exemplo bem recente que sinaliza que a tendência legislativa
também se afina com o sistema continental europeu. No Chile, além de previsto expressamente
na Constituição, o recente Código de Processo Penal, em vigor a partir de 2000, estabelece que o
Ministério Público dirigirá em forma exclusiva a investigação dos fatos constitutivos de delito, os
que determinarem a participação punível e os que comprovarem a inocência do imputado (art.
3.º). Os Promotores praticarão todas as diligências que forem conducentes ao êxito da
investigação e dirigirão a atividade da polícia (art. 77). A polícia de investigações é auxiliar do
Ministério Público nas tarefas de investigação (art. 79); seus funcionários executarão suas tarefas
sob a direção e responsabilidade dos Promotores e de acordo com as instruções que estes derem
para os efeitos da investigação, sem prejuízo de sua dependência das autoridades da instituição a
que pertencerem (art. 80).
5.3 Argumentos normativos: a tendência jurisprudencial do STF
Não só os subsídios coligidos nos sistemas comparados, mas também a melhor
hermenêutica constitucional legitima a investigação pelo Ministério Público.
Com efeito, no Brasil, a fisionomia do Ministério Público vem delineada pela
Constituição Federal no Capítulo IV, arrolada entre as “funções essenciais à Justiça”, como
31 BUENO ARÚS, Francisco; MIGUEL ZARAGOZA, Juan de. Manual de derecho penal internacional. Madrid: UPC, 2003. p. 64.
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instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da
ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art.
127, CF). Além disso, a Constituição cuidou de assegurar-lhe uma série de garantias e
prerrogativas, entre as quais sobressai a autonomia funcional e administrativa (§ 2.º, art. 127, CF),
a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de subsídio (art. 128, CF). Por último, mas
não menos relevante, a Carta Magna, no seu art. 129, expressamente atribuiu ao Ministério
Público as funções institucionais de “promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da
lei” (inc. I), “promover o inquérito civil e a ação civil pública” (inc. III), “exercer o controle externo
da atividade policial” (inc. VII), “requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito
policial” (inc. VIII) e “exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis
com sua finalidade” (inc. IX). Ora, todas essas funções restam esvaziadas se a Polícia detém o
monopólio da investigação criminal que desemboca no vetusto e jurássico inquérito policial.
A Constituição Federal concebeu a “segurança pública” como “dever do Estado, direito e
responsabilidade de todos”, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das
pessoas e do patrimônio”, por meio da polícia federal, rodoviária, ferroviária, civil e militar (art.
144 da CF). Entretanto, a Carta Magna somente diz que a exclusividade da Polícia Federal se
refere ao exercício de Funções de Polícia Judiciária da União, mas não para investigações. Por
outro lado, a incumbência à Polícia Civil dos Estados das funções de polícia judiciária e a
apuração de infrações penais foi conferida sem o caráter de exclusividade. Não fosse assim, sequer
estaria recepcionado o art. 4.º do CPP, que permite a apuração de infrações por outras
autoridades administrativas. Ao fazer uma investigação no âmbito de suas atribuições, não exerce
o Ministério Público atividade de polícia judiciária, mas simplesmente atividade de investigação,
diversa do inquérito policial, de maneira semelhante à que o particular também pode fazer.
Invalidar elementos colhidos pela investigação ministerial implicaria o absurdo de desconsiderar
elementos de convicção obtidos inclusive em inquérito civil autorizado pela Carta Magna.32
32 Vid., com detalhes, por todos, BARCELOS DE SOUZA, José. Investigação direta pelo Ministério Público. Revista do IBCCRIM, n. 44, p. 364 ss.
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Ademais, a Constituição Federal conferiu ao Ministério Público o controle externo da polícia e a
indispensável independência funcional para fazer frente às pressões políticas e econômicas,
situando a instituição entre as funções essenciais à Justiça. O princípio constitucional da eficiência
(art. 37 da CF) da administração da justiça, no caso, na persecução criminal, ficaria comprometido
se o Ministério Público ficasse ornamentando a Constituição como figura meramente decorativa,
na medida em que seria um controle externo puramente nominal ou simbólico, sem nenhuma
concretização fática, se permanecesse impassível sem poder investigar, quando a polícia, por
inércia, pressão do poder político ou econômico ou outro interesse espúrio, ficasse impossibilitada
de agir por falta de garantias. No Estado Democrático de Direito tampouco é aceitável que o
Ministério Público figure tão somente como instrumento cego, quase subserviente, da “informatio
delicti” produzida pela polícia. Concepções antigas baseadas no CPP elaborado no auge da
ideologia Fascista, quando predominava o Estado de Polícia, devem ser erradicadas, por
intermédio de uma hermenêutica constitucional evolutiva e sistemática, na medida em que a
Constituição de 1988 acolheu outro modelo ancorado no Estado Democrático de Direito.
A especial posição de “independência funcional” do Ministério Público em relação ao
Executivo e às pressões de toda ordem, ao contrário da falta de garantias da polícia em relação ao
poder político e econômico, aconselha que o MP possa realizar, por si mesmo, ou em conjunto
com a Polícia, investigações circunscritas a esse tipo de criminalidade, mas tão somente em caráter
excepcional, justificado em cada caso, incluindo-se nesse rol os crimes de corrupção de
funcionários, inclusive policiais, bem como os crimes cometidos por autoridades pertencentes ao
Poder Executivo e Político, ao qual a polícia está subordinada diretamente.
Não obstante, seria errôneo atribuir, como regra geral, ao Ministério Público o papel ou as
funções de polícia, pois, indubitavelmente, destruiria a função constitucional do Ministério
Público baseada na imparcialidade e compromisso com os direitos fundamentais. Com efeito, a
lógica da polícia é uma lógica persecutória: ela tem a missão de encontrar os culpados, não os
inocentes.33 Não parece adequado e nem suscetível de execução prática que o Ministério Público
possa e deva substituir a atividade de investigação policial, assumindo as funções cotidianas da
33 BAUMANN, Jürgen. Derecho procesal penal cit., p. 168; VV.AA. Procedure penali D’Europa cit., p. 420.
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polícia ou a direção de inquérito policial, enquanto persista o atual modelo, exercendo aí as
atribuições de Delegado de Polícia, emitindo ordens diretamente aos escrivães e inspetores de
polícia.
No esquema da Constituição Federal, a polícia está inserida como instituição integrante
da segurança pública, enquanto a função primordial do Ministério Público vem desenhada pela
Constituição Federal com instituição essencial à justiça, “incumbindo-lhe a defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. A “independência
funcional” deriva logicamente como princípio institucional (art. 127 da CF), assim como as
garantias da “vitaliciedade”, “inamovibilidade” e “irredutibilidade de subsídio” (art. 128, inc. V,
alíneas “a”, “b” e “c”, da CF).
Por conseguinte, as regras existentes nos sistemas jurídicos examinados são consentâneas
com o nosso modelo constitucional na medida em que: (a) conferem ao Ministério Público o
poder de direção das atividades da polícia (controle externo) e de realizar investigações, geralmente
por meio de funcionários policiais ou, em caráter excepcional, diretamente. A dedução evidente é
que quanto maior a autonomia de que a polícia dispõe na elaboração da investigação, mais o
controle do Ministério Público corre o risco de não ser senão um órgão meramente
“homologatório”34; (b) o próprio Ministério Público deve investigar para obter não só os elementos
acusatórios, mas também os favoráveis à defesa, tal como exigem, v. g., a legislação Alemã e a
Italiana35 e o Estatuto do TPI, o que guarda coerência com a sua posição constitucional de função
essencial à justiça para coibir abusos e evitar a arbitrariedade, principalmente a garantia de
independência funcional em relação ao Executivo; (c) como a Constituição Federal não vedou
expressamente o exercício eventual e excepcional pelo Ministério Público do poder de
investigação criminal, ele resulta implícito de uma interpretação sistemática e teleológica,
avalizada, como vimos, pelo método comparativo, desde que se justifique, motivadamente, em
34 VV.AA. Procedure penali D’Europa cit., p. 420.
35 VV.AA. Procedure penali D’Europa cit., p. 418-419.
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cada caso, com base em circunstâncias fáticas, o exercício anômalo desse poder investigatório nos
casos de omissão ou impossibilidade de investigação policial. Isso decorre fundamentalmente do
plexo das funções e garantias institucionais albergadas nos arts. 127-129 da Constituição Federal.
Nessa hipótese, os membros do Ministério Público que tiverem atuado na investigação estarão,
sempre, impedidos de atuar na fase subsequente da persecução penal para preservar sua
independência funcional e imparcialidade prevista na Constituição Federal.
6. O recente Projeto de Emenda Constitucional (PEC) n. 37
A PEC n. 37/2011, da relatoria do Deputado Federal Lourival Mendes, já aprovada pela
Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, mas ainda pendente de votação
pelo Plenário da casa antes de ser enviada ao Senado Federal, visa acrescentar um § 10 ao art. 144
da Constituição Federal para definir a competência para a investigação criminal pelas polícias
federal e civil dos Estados e do Distrito Federal, estabelecendo “verbis”: “Art. 144. § 10. A
apuração das infrações penais de que tratam os §§ 1.º e 4.º deste artigo, incumbem privativamente às
polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal, respectivamente.”
Na justificação do Projeto, consta que “o inquérito policial é o único instrumento de
investigação criminal que, além de sofrer o ordinário controle pelo juiz e pelo promotor, tem prazo
certo, fator importante para a segurança das relações jurídicas.
A falta de regras claras definindo a atuação dos órgãos de segurança pública neste processo tem
causado grandes problemas ao processo jurídico no Brasil. Nessa linha, temos observado procedimentos
informais de investigação conduzidos em instrumentos sem forma, sem controle e sem prazo, condições
absolutamente contrárias ao Estado de Direito vigente (...omissis...). “Ao Ministério Público nacional
são confiadas atribuições multifárias de destacado relevo, ressaindo, entre tantas, a de fiscal da lei. A
investigação de crimes, entretanto, não está incluída no círculo de suas competências legais.
(...omissis...) Não engrandece nem fortalece o Ministério Público o exercício de atividade investigatória
de crimes, sem respaldo legal, revelador de perigoso arbítrio, a propiciar o sepultamento de direitos e
garantias inalienáveis dos cidadãos.
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O êxito das investigações depende de um cabedal de conhecimentos técnico-científicos de que não dispõe
os integrantes do Ministério Público e seu corpo funcional. As instituições policiais são as únicas que
contam com pessoal capacitado para investigar crimes e, dessarte, cumprir com a missão que lhe outorga
o art. 144 da Constituição Federal (...omissis...)”.
Como se pode observar, os principais fundamentos da PEC n. 37/2011 são a falta de
previsão de regras expressas sobre o procedimento e o poder investigativo conduzido pelo
Ministério Público, bem como sobre suposta falta de condições técnico-científicas para uma eficaz
e adequada condução das investigações.
Tais argumentos, contudo, são facilmente refutáveis.
Com efeito, quanto à falta de regras que prevejam a forma da investigação criminal feita
pelo órgão ministerial, trata-se de circunstância que não justifica a vedação ao poder investigativo
do Ministério Público, mas, quando muito, exige que o Poder Legislativo edite lei específica
regulamentando a matéria, tal como procurou fazê-lo a Resolução n. 13 do Conselho Nacional do
Ministério Público (CNMP) ao buscar delimitar o procedimento investigatório de forma
adequada e suficiente, razão pela qual tal argumento não se sustenta.
Por outro lado, o Ministério Público está sim aparelhado com conhecimentos técnico-
científicos suficientes para bem conduzir uma investigação criminal. Por exemplo, no Estado de
São Paulo, a instituição conta com órgãos como o Centro de Apoio Operacional à Execução
(CAEX), que oferece suporte técnico-operacional e serviços de informação/inteligência às
Promotorias e Procuradorias de Justiça do Estado, visando à melhoria da “performance” do
Ministério Público no cumprimento da sua missão constitucional. Dentre outros procedimentos,
o CAEX realiza pesquisas para localização de pessoas e elabora relatórios sobre crimes de
“lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores, mostrando-se uma eficiente ferramenta para o
controle da criminalidade.
Finalmente, a questão da falta de previsão expressa do poder de investigação pelo
Ministério Público já foi afastada pelo Supremo Tribunal Federal, com base na conhecida “Teoria
dos Poderes Implícitos”.
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7. Conclusão
O Projeto de Emenda Constitucional 37/2011 significa um notável retrocesso, indo na
contramão das modernas legislações da União Europeia e dos Estados Unidos.
Ademais, também colide com a mais recente tendência jurisprudencial do Supremo
Tribunal Federal – não obstante ainda pendente de julgamento a questão por seu órgão Pleno –,
que vem reconhecendo a legitimidade do Poder Investigatório do Ministério Público.
Os argumentos que conferem legitimidade constitucional vão sendo paulatinamente
explicados pelo Supremo Tribunal Federal em diversos arestos, dos quais destacamos duas
ementas elucidativas:
(a) “Possibilidade de investigação do Ministério Público. Excepcionalidade do caso. Não há
controvérsia na doutrina ou jurisprudência no sentido de que o poder de investigação é inerente ao
exercício das funções da polícia judiciária – Civil e Federal –, nos termos do art. 144, § 1.º, IV, e §
4.º, da CF. A celeuma sobre a exclusividade do poder de investigação da polícia judiciária perpassa a
dispensabilidade do inquérito policial para ajuizamento da ação penal e o poder de produzir provas
conferido às partes. Não se confundem, ademais, eventuais diligências realizadas pelo Ministério
Público em procedimento por ele instaurado com o inquérito policial. E esta atividade preparatória,
consentânea com a responsabilidade do poder acusatório, não interfere na relação de equilíbrio entre
acusação e defesa, na medida em que não está imune ao controle judicial – simultâneo ou posterior. O
próprio Código de Processo Penal, em seu art. 4.º, parágrafo único, dispõe que a apuração das infrações
penais e da sua autoria não excluirá a competência de autoridades administrativas, a quem por lei seja
cometida a mesma função. À guisa de exemplo, são comumente citadas, dentre outras, a atuação das
comissões parlamentares de inquérito (CF, art. 58, § 3.º), as investigações realizadas pelo Conselho de
Controle de Atividades Financeiras – COAF (Lei 9.613/98), pela Receita Federal, pelo Bacen, pela
CVM, pelo TCU, pelo INSS e, por que não lembrar, mutatis mutandis, as sindicâncias e os processos
administrativos no âmbito dos poderes do Estado. Convém advertir que o poder de investigar do
Ministério Público não pode ser exercido de forma ampla e irrestrita, sem qualquer controle, sob pena
de agredir, inevitavelmente, direitos fundamentais. A atividade de investigação, seja ela exercida pela
Polícia ou pelo Ministério Público, merece, por sua própria natureza, vigilância e controle. O pleno
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conhecimento dos atos de investigação, como bem afirmado na Súmula Vinculante 14 desta Corte,
exige não apenas que a essas investigações se aplique o princípio do amplo conhecimento de provas e
investigações, como também se formalize o ato investigativo. Não é razoável se dar menos formalismo à
investigação do Ministério Público do que aquele exigido para as investigações policiais. Menos
razoável ainda é que se mitigue o princípio da ampla defesa quando for o caso de investigação
conduzida pelo titular da ação penal. Disso tudo resulta que o tema comporta e reclama disciplina
legal, para que a ação do Estado não resulte prejudicada e não prejudique a defesa dos direitos
fundamentais. É que esse campo tem-se prestado a abusos. Tudo isso é resultado de um contexto de falta
de lei a regulamentar a atuação do Ministério Público. No modelo atual, não entendo possível aceitar
que o Ministério Público substitua a atividade policial incondicionalmente, devendo a atuação dar-se
de forma subsidiária e em hipóteses específicas, a exemplo do que já enfatizado pelo Min. Celso de
Mello quando do julgamento do HC 89.837/DF: “situações de lesão ao patrimônio público, (...)
excessos cometidos pelos próprios agentes e organismos policiais, como tortura, abuso de poder, violências
arbitrárias, concussão ou corrupção, ou, ainda, nos casos em que se verificar uma intencional omissão
da Polícia na apuração de determinados delitos ou se configurar o deliberado intuito da própria
corporação policial de frustrar, em função da qualidade da vítima ou da condição do suspeito, a
adequada apuração de determinadas infrações penal” (STF, HC 84965/MG, 2.ª T., rel. Min.
Gilmar Mendes, j. 13.12.2011, DJe 11.04.2012);
(b) “Legitimidade do órgão ministerial público para promover as medidas necessárias à
efetivação de todos os direitos assegurados pela Constituição, inclusive o controle externo da
atividade policial (incisos II e VII do art. 129 da CF/88). Tanto que a Constituição da República
habilitou o Ministério Público a sair em defesa da Ordem Jurídica. Pelo que é da sua natureza
mesma investigar fatos, documentos e pessoas. Noutros termos: não se tolera, sob a Magna Carta
de 1988, condicionar ao exclusivo impulso da Polícia a propositura das ações penais públicas
incondicionadas; como se o Ministério Público fosse um órgão passivo, inerte, à espera de
provocação de terceiros. 2. A Constituição Federal de 1988, ao regrar as competências do Ministério
Público, o fez sob a técnica do reforço normativo. Isso porque o controle externo da atividade policial
engloba a atuação supridora e complementar do órgão ministerial no campo da investigação criminal.
Controle naquilo que a Polícia tem de mais específico: a investigação, que deve ser de qualidade. Nem
insuficiente, nem inexistente, seja por comodidade, seja por cumplicidade. Cuida-se de controle técnico
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ou operacional, e não administrativo-disciplinar. 3. O Poder Judiciário tem por característica central a
estática ou o não-agir por impulso próprio (ne procedat iudex ex officio). Age por provocação das
partes, do que decorre ser próprio do Direito Positivo este ponto de fragilidade: quem diz o que seja ‘de
Direito’ não o diz senão a partir de impulso externo. Não é isso o que se dá com o Ministério Público.
Este age de ofício e assim confere ao Direito um elemento de dinamismo compensador daquele primeiro
ponto jurisdicional de fragilidade. Daí os antiquíssimos nomes de ‘promotor de justiça’ para designar o
agente que pugna pela realização da justiça, ao lado da ‘procuradoria de justiça’, órgão congregador de
promotores e procuradores de justiça. Promotoria de justiça, promotor de justiça, ambos a pôr em
evidência o caráter comissivo ou a atuação de ofício dos órgãos ministeriais públicos. 4. Duas das
competências constitucionais do Ministério Público são particularmente expressivas dessa índole ativa
que se está a realçar. A primeira reside no inciso II do art. 129 (‘II – zelar pelo efetivo respeito dos
poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição,
promovendo as medidas necessárias à sua garantia’). É dizer: o Ministério Público está autorizado pela
Constituição a promover todas as medidas necessárias à efetivação de todos os direitos assegurados pela
Constituição. A segunda competência está no inciso VII do mesmo art. 129 e traduz-se no ‘controle
externo da atividade policial’. Noutros termos: ambas as funções ditas ‘institucionais’ são as que melhor
tipificam o Ministério Público enquanto instituição que bem pode tomar a dianteira das coisas, se
assim preferir” (STF, HC 97969/RS, 2.ª T., rel. Min. Ayres Britto, j. 1.º.02.2011, DJe
23.05.2011).
Por fim, convém salientar que no HC 84.548 – cujo julgamento pelo órgão Pleno do STF
foi interrompido por pedido de vista do Ministro Ricardo Lewandowski –, dentre os onze
Ministros que compõem a Corte, oito já votaram e desses sete já se manifestaram pela
legitimidade constitucional do poder de investigação do Ministério Público.
Como todo poder deve ser submetido a controles, o STF vem ressalvando, com razão,
que: (a) esse “poder de investigar do Ministério Público não pode ser exercido de forma ampla e
irrestrita, sem qualquer controle, sob pena de agredir, inevitavelmente, direitos fundamentais”; (b) essa
“atividade de investigação, seja ela exercida pela Polícia ou pelo Ministério Público, merece, por sua
própria natureza, vigilância e controle”; (c) há necessidade de uma “disciplina legal, para que a ação
do Estado não resulte prejudicada e não prejudique a defesa dos direitos fundamentais. A atuação deve
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ser subsidiária e em hipóteses específicas” (STF, HC 91613/MG, 2.ª T., rel. Min. Gilmar Mendes, j.
15.05.2012, DJe 17.09.2012).
Portanto, urge que o retrógrado Projeto de Emenda Constitucional (PEC N. 37/2011)
seja rejeitado porque significa um retrocesso do Estado Democrático de Direito ao antigo Estado
de Polícia. A sua aprovação produziria uma perigosa insegurança jurídica aos cidadãos,
especialmente neste momento tão importante vivenciado pelo Brasil em que assistimos a um
eficaz controle à corrupção e à criminalidade dos poderosos, notadamente do colarinho branco
(“white-collar crimes”) e dos crimes cometidos pelos entes coletivos (“corporate crimes”). A tarefa
das investigações criminais não pode ficar reservada, com exclusividade, às agências policiais que
não possuem estrutura sequer para o controle dos crimes de rua (“street crimes”) e tampouco a
necessária independência das altas esferas do poder político e econômico.
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A possibilidade de redução da pena aquém do mínimo legal pelo reconhecimento de circunstâncias atenuantes: uma nova leitura da função dos marcos penais1
Bruno Salles Pereira Ribeiro Mestrando em Direito Penal pela FDUSP.
Coordenador-Chefe da Tribuna Virtual IBCCRIM. Advogado criminalista.
Resumo: Este artigo procurou analisar os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais acerca das modulações dosimétricas da pena advindas do reconhecimento de atenuantes, agravantes, minorantes e majorantes. Nesse sentido, procedeu-se uma minuciosa análise histórica das decisões proferidas pelos Tribunais Superiores nacionais, com vistas a identificar os fundamentos das decisões que conformaram um posicionamento jurisprudencial quase unanime no sentido de que é vedada a diminuição da pena aquém do mínimo legal por conta do reconhecimento de circunstâncias atenuantes. Ao final, entendemos que mencionada diminuição não só é possível atualmente, como pode complementar o sistema de aplicação das penas, na medida em que se faça uma nova leitura da função dos marcos penais. Palavras-chave: Pena; Pena mínima; Aplicação; Dosimetria; Circunstâncias; Atenuantes; Agravantes; Causas de aumento; Causas de diminuição; Métodos de Aplicação; Princípio da legalidade; Princípio da individualização da pena; Princípio da proporcionalidade; Segurança jurídica; Marcos penais. Abstract: This paper tried to analyze the doctrinarian and jurisprudential positions for sentence time calculation based on the recognition of mitigating circumstance, aggravating circumstance, causes for sentence increase and causes for sentence reduction. For this purpose, an accurate historical analysis was carried out on the decisions made by the national supreme courts so as to identify the grounds for decisions which have confirmed an almost unanimous jurisprudential position in the sense that the reduction of sentences below the legal minimum amount established by law due to the recognition of mitigating circumstances is rejected. At the end, we understood that the reduction here mentioned is not only possible currently, but can also complement the system of sentence application, provided that a new reading of legal framework function is done. Key words: sentence; minimal sentence; application; sentence time calculation; circumstances; mitigating circumstance; aggravating circumstance; causes for sentence increase; causes for
1 Este artigo foi elaborado como trabalho de conclusão da disciplina Princípios Constitucionais Penais aplicados, ministradas no curso de pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo pelas professoras Mariângela Gama de Magalhães Gomes e Helena Regina Lobo da Costa, a quem agradeço pelas lições e orientações. Agradecimentos que estendo a todos os que ao meu lado participaram das intensas discussões suscitadas nas aulas.
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sentence reduction; methods of application; principle of legality; principle of sentence individualization; principle of proportionality; legal safety; criminal framework. Sumário: 1. Introdução; 2. Métodos de aplicação da pena. Circunstâncias judiciais, circunstâncias legais e causa de diminuição e de aumento de pena; 3. Impossibilidade de redução: 3.1 Origem; 3.2 Fundamentos atuais: 3.2.1 Respeito ao princípio da legalidade; 3.2.2 Possibilidade de aumento no caso de agravantes; 3.2.3 Segurança jurídica; 4. Possibilidade de redução: 4.1 Origens; 4.2 Fundamentos: 4.2.1 Princípio da individualização da pena; 4.2.2 Outra vez o princípio da legalidade; 5. Tratamento jurisprudencial; 6. Possibilidade da diminuição aquém do mínimo legal, sem o correspondente aumento além do máximo. Análise da função dos marcos penais; 7. Conclusão. 8. Referência bibliográfica.
1. Introdução
Este trabalho se dedicará à analise dos motivos pelos quais a jurisprudência dos Tribunais
Superiores vem considerando inadmissível a fixação de pena privativa de liberdade aquém do
mínimo legal, cominado pelo preceito secundário dos tipos penais, ainda que se reconheça a
existência de circunstância atenuante da pena.
O estudo pretende contribuir para expansão da temática, analisando as ratio decidendis de
julgados do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, tomando-se os
argumentos expendidos nos arestos como base da discussão que se desenvolve em torno do
relevante assunto.
Esclareça-se, contudo, que o trabalho não se cingirá somente às razões adotadas pelos
Tribunais, analisando-se, com vista aos fins projetados, também as posições doutrinárias que se
fixaram sobre o assunto, mormente aquelas estabelecidas após a entrada em vigor da Reforma da
Parte Geral do Código Penal, realizada em 1984.
Com efeito, o antagonismo entre as posições dominantes na jurisprudência e na doutrina
pátria é que dará a tônica da questão sobre a qual se debruçará a dissertação: enquanto se vê
absolutamente pacífico na jurisprudência ser impossível a redução aquém do mínimo legal pelo
reconhecimento de circunstâncias atenuantes, na doutrina especializada observa-se posição
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majoritária no sentido de que tal diminuição não só é possível, como seu não reconhecimento
afronta os cânones constitucionais estabelecidos na Carta Maior de 1988.
Variados são os argumentos utilizados tanto pelos que defendem a diminuição da pena,
como pelos que a execram. Da necessidade de uma nova interpretação constitucional das normas
penais à mera repetição de precedentes imemoriais, sortidos são os fundamentos utilizados para a
defesa da posição tomada quanto à resolução da questão levantada, de modo que, muitas vezes,
observamos grande confusão nos conceitos utilizados e fundamentos antagônicos guiados em uma
mesma direção.
Tendo em vista a complexidade do assunto, o trabalho será dividido de acordo com as
duas grandes correntes de pensamento sobre o tema levantado. Dentro de cada um desses ramos,
destacaremos os principais fundamentos aventados para seus sustentos, analisando, ainda que de
forma não exaustiva, os argumentos levantados por doutrinadores e magistrados.
Ao final do trabalho, por meio de uma releitura das funções dos marcos da quantidade de
pena inseridos no preceito secundário dos tipos penais, procuraremos apresentar as razões pelas
quais se demonstra descabida a proibição da diminuição da pena aquém do mínimo legal,
defronte ao reconhecimento de circunstância que deve atenuar a pena.
2. Métodos de aplicação da pena. Circunstâncias judiciais, circunstâncias legais e causa de
diminuição e de aumento de pena
Antes que possamos adentrar efetivamente ao tema selecionado, devemos recuar alguns
anos no tempo, pois é na disciplina sobre os métodos de aplicação da pena da parte geral do
Código Penal de 1940 onde se encontrará a origem dos problemas que deveremos enfrentar.
Em 1977, Damásio de Jesus ponderava que as circunstâncias agravantes e atenuantes não
poderiam exceder o máximo, tampouco preterir o mínimo da pena em abstrato, cominada no
preceito secundário do tipo penal. Assim, sobre o tema o autor arrematava que “ao contrário do
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que ocorre em relação às circunstâncias agravantes e atenuantes, incidindo uma causa de aumento ou
de diminuição da pena, esta pode ultrapassar o máximo, ou ser fixada aquém do mínimo legal”.2
Ainda sob a égide da legislação penal anterior, Basileu Garcia discorria sobre a cisão
doutrinária entre as fases da aplicação da pena. De um lado, sendo emblemático Roberto Lyra, os
que defendiam o critério bifásico de aplicação da pena, em que primeiro se computavam as
circunstâncias judiciais (intensidade do dolo, personalidade do agente, comportamento da vítima
etc.) e legais (agravantes e atenuantes), extraindo-se assim, a pena-base, à qual, posteriormente,
seriam aplicadas as causas de aumento e diminuição, para então se contemplar a pena definitiva.
De outro lado, encabeçados por Nélson Hungria, os defensores do sistema trifásico,
segundo o qual a pena-base seria extraída do cômputo das circunstâncias judiciais ao preceito
secundário, para posteriormente se aplicarem as circunstâncias legais (agravantes e atenuantes) e
finalmente as causas de aumento.
Malgrado o dissenso doutrinário sobre as fases de aplicação, todos os autores sempre
estiveram unânimes quanto à aceitação de que as circunstâncias judiciais teriam aplicação pretérita
em relação às causas de aumento e diminuição de pena, justamente, por conta da possibilidade
dessa últimas de ultrapassar limites máximo e mínimo previstos no preceito secundário.
Assim, Basileu Garcia, filiando-se à teoria de Roberto Lyra, assentava que “já ficou
elucidado que as causas de aumento ou diminuição só operam depois das agravantes e atenuantes,
judiciais e obrigatórias. É uma conclusão importante. A mudança de ordem no cálculo produziria
alteração no resultado penal”.3
Associando-se a essa convicção, Heleno Cláudio Fragoso destacava a importância da
fixação anterior das circunstâncias legais em relação às causas de aumento, justamente pelo
2 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal. Parte geral. São Paulo: Saraiva, 1977. v. 1. p. 516.
3 GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. 4. ed. São Paulo: Max Limonad, 1975. v. 1, t. II. p. 500.
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condão especial que as últimas possuem de aumentar a pena acima do máximo previsto na norma
sancionadora.4
Independentemente da posição a que se filiasse, a ordenação das causas de aumento e
diminuição como última etapa da fixação da pena ganhava suprema relevância, pois pela
interpretação que se dava à antiga Parte Geral do Código Penal, as variações advindas das duas
primeiras fases (ou fase única) da fixação da pena deveriam estar constritas aos marcos
estabelecidos pelo preceito secundário.
E isso, porquanto a interpretação que se dava ao antigo art. 42 do Código Penal não
distinguia as circunstâncias entre judiciais e legais. Com efeito, o mencionado dispositivo assim
versava: “Compete ao juiz, atendendo aos antecedentes e à personalidade do agente, à intensidade do
dolo ou grau de culpa, aos motivos, às circunstâncias e às consequências do crime: I – determinar a
pena aplicável e consequências do crime; II – fixar, dentro dos limites legais, a quantidade de pena
aplicável”.
Como se pode observar, o dispositivo legal tratava de “circunstâncias” do crime, sem tecer
a distinção entre as circunstâncias judiciais e as circunstâncias legais. Desse modo, de acordo com
a interpretação da época, analisando-as juntas ou separadas, inequívoco era o fato de que suas
fronteiras estariam demarcadas pela pena fixada pelo legislador, por força do inciso II do
dispositivo.
O confronto entre os critérios bifásico e trifásico ganhava relevo no que tange à interação
entre as circunstâncias legais e as circunstâncias judiciais enumeradas no Código Penal, mas não
alcançava as causas de aumento e diminuição, às quais sempre foi reservada disciplina especial.
Efetivamente, sempre se percebeu o tratamento distinto às causas de aumento e
diminuição (também chamadas majorantes e minorantes), embora, poucos autores tenham se
4 Em suas palavras, “quando ocorrem agravantes ou atenuantes genéricas, que incidem sobre a pena-base, a terceira etapa do cálculo é o cômputo das causas de aumento ou de diminuição, previstas na Parte Geral ou na Parte Especial. É grave erro considerar primeiro as causas de aumento e diminuição e depois as agravantes e atenuantes genéricas. As causas de aumento ou diminuição são numerosas (...). Elas podem ser obrigatórias ou facultativas e, diversamente do que ocorre com as agravantes ou atenuantes genéricas, podem conduzir a penal final acima do máximo ou abaixo do mínimo” (FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 1986. p. 361).
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preocupado com a natureza jurídica intrínseca de tal distinção, limitando-se a examinar as
características perceptíveis nos diplomas legais.5
Mergulhando na natureza jurídica das circunstâncias agravantes e atenuantes, com
propriedade, Magalhães Noronha assentava que “[as agravantes e atenuantes] podem juntar-se a
qualquer tipo sem alterá-lo em essência, apenas aumentando ou diminuindo a pena, e sem o fazer
dentro de limites previamente fixados. Traduzem, conseqüentemente, maior ou menor gravidade do
fato. São as denominadas accidentalia delicti, que se opõe às essentialia”6 (interpolação nossa).
Dessa forma, aliando-se ao método bifásico de aplicação da pena e calcando-se na
característica acidental das circunstâncias legais, o autor expunha a fórmula de aplicação da pena
da seguinte maneira: “escolhida que seja a pena, passa, então, a dosá-la, isto é, fixará sua quantidade
dentre os extremos que a lei fornece – o máximo e o mínimo. Para isso, terá em vista, nos termos do
mesmo artigo, os antecedentes e a personalidade do agente, a intensidade do dolo ou grau de culpa, os
motivos, as circunstâncias do delito, aliados a outras accidentalia, como se verá”.7
No mesmo sentido, também não diferenciando as circunstâncias judiciais das
circunstâncias legais (teoria bifásica), tratando-as igualmente na fase de aplicação da pena, José
Frederico Marques salientava sem vacilo que “as circunstâncias judiciais e legais examinadas em
conjunto levam à fixação da pena-base entre o mínimo e o máximo da cominação legal existente no
preceito sancionador”.8
É possível observar que a variação da pena advinda das circunstâncias judiciais e legais se
circunscrevia aos limites legais impostos pela lei. E a explicação seria, como se pôde notar, a de
que as circunstâncias não adentram a esfera elementar do tipo, mas somente o margeia, o orbita,
5Na maioria das doutrinas a definição das causas de aumento e diminuição e das circunstâncias legais são feitas por critérios morfológicos e topográficos. Note-se, portanto, que tal disciplina não decorre de uma natureza jurídica diferida, a qual só vem a ser estudada com aprofundamento por David Teixeira de Azevedo em seu trabalho de doutorado (Dosimetria da pena: causas de aumento e diminuição. São Paulo: Malheiros, 1998).
6 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. Parte geral. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 258.
7 NORONHA, E. Magalhães. Op. cit., p. 251.
8 MARQUES, José Frederico. Curso de direito penal. São Paulo: Saraiva, 1956. p. 260.
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como atributos acidentais os quais, ainda que hipoteticamente retirados da realidade fática,
conduziriam o fato a sua adequação típica.
Outra seria a natureza jurídica das causas de aumento e diminuição de pena. Ainda que
encontrada em doutrina mais recente, a explicação para a característica diferida das causas de
aumento e diminuição estaria na maior ou menor lesão ao objeto de proteção jurídica na norma
incriminadora.
É nesse sentido que Miguel Reale Júnior, citando David Teixeira de Azevedo, destaca
que “a característica das causas de aumento ou de diminuição encontra-se, segundo David Teixeira de
Azevedo, presa à ligação que tem com o bem jurídico, buscando promover a justa reprovação como
forma de prevenção, em vista do maior ou menor ataque ao bem jurídico protegido, mormente tendo
em vista aspectos de ordem objetiva”.9
Seria, portanto, essa a explicação para se afirmar que as causas de aumento e diminuição
de pena poderiam exacerbar os contornos fixados pelo legislador, explicação essa que nos parece
bastante razoável? Cremos que não.
E isso porque, mesmo que fundando sua tese na majoração do dano ao bem jurídico,
David Teixeira de Azevedo compreende que essa situação não é observada em todas as causas de
aumento e diminuição de pena, havendo causas de aumento e de diminuição ligadas também à
reprovabilidade da conduta, bem como ligadas à culpabilidade, o mesmo ocorrendo com as
agravantes e as atenuantes.10
9 REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de direito penal. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 428.
10 Com pioneirismo e propriedade, o autor assim leciona: “A distinção entre causas de aumento e diminuição e suas co-irmãs agravantes e atenuantes não pode residir no critério absolutamente aleatório e assimétrico do legislador, cuja precisão e preocupação técnica em várias passagens da legislação penal não merecem encômios. A busca de uma determinação dogmática do conteúdo e implicação sistemática das causas de aumento e de diminuição para uma classificação dessas circunstâncias tem sido descurada pela doutrina. Essa despreocupação científica vem contribuindo para que o capítulo da determinação da pena, ao menos em nossa praxis, seja dos mais tormentosos e produza as mais graves distorções no terreno da aplicação da pena. Uma primeira distinção poderá ser baseada na conexão das referidas causas com o bem jurídico e com a culpabilidade do agente. Outra distinção poderá dirigir-se às finalidade do direito punitivo. Essas questões serão enfrentadas mais à frente. Desde logo, contudo, é bom esclarecer que o tratamento legal é absolutamente aleatório, assistemático, havendo causas de aumento conectadas a um só tempo à culpabilidade e ao bem jurídico, ou a este ao àquela isoladamente, o mesmo ocorrendo com as circunstâncias agravantes e atenuantes” (AZEVEDO, David Teixeira de. Dosimetria da pena: causas de aumento e diminuição. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 58).
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Entretanto, mesmo quanto às causas de aumento e diminuição, também por sua
tendência acidental há autores, como Cezar Roberto Bitencourt, que defendem a impossibilidade
de transbordamento da cominação estabelecida pelo preceito secundário.11
É digno de destaque que a doutrina especializada, conforme assevera Cezar Roberto
Bitencourt, vem se posicionando no sentido de que as circunstâncias atenuantes possam diminuir
a pena aquém do mínimo preconizado no tipo penal. Entretanto, mesmo por se tratar de uma
interpretação in malam partem, não se observa qualquer posicionamento doutrinário ou
jurisprudencial que permita a extrapolação do máximo normativo, em razão da aplicação de
circunstância agravante.12
No mesmo sentido, entendendo ser possível a diminuição aquém do mínimo legal, e
tecendo incisiva crítica à Súmula 291 do STJ, posiciona-se Rogério Greco,13 o qual, da mesma
forma que a doutrina majoritária, milita pela impossibilidade de aumento advindo de aplicação de
circunstância agravante além do máximo cominado na pena em abstrato.
Além de consectária da própria natureza jurídica da circunstância agravante, a proibição
de seu aumento aquém do limite legal se ampara do princípio da legalidade e na tripartição de
Poderes do Estado. E isso porque o aumento acima do previsto em lei alteraria a própria lei,
11 Nesse sentido, ao diferenciar agravantes e atenuantes de causas de aumento e diminuição o autor assim leciona: “Em relação ao limite de incidência: I) As atenuantes e as agravantes não podem conduzir a pena fora dos limites, mínimo e máximo, previstos do tipo penal infringido. II) As minorantes podem reduzir a pena para aquém do mínimo cominado ao tipo penal violado. III) As majorantes, segundo uma corrente minoritária, podem elevar a pena para além do máximo cominado no tipo penal infringido, enquanto para outra corrente majoritária, que adotamos, as majorantes não podem ultrapassar aquele limite” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Parte geral. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 1, p. 598).
12 Como exemplo, cite-se doutrina de Luiz Regis Prado: “as circunstâncias agravantes ou atenuantes não podem, em tese, conduzir à fixação da pena abaixo ou acima, respectivamente, dos limites mínimo e máximo, abstratamente cominados. Entretanto, se na determinação da quantidade da pena-base aplicável o juiz deve ater-se aos limites traçados no tipo legal de delito (art. 59, II) uma vez fixada aquela, passa-se à consideração das circunstâncias atenuantes e agravantes, em uma segunda fase, conferindo-se ao juiz a possibilidade de aplicar a pena inferior ao limite mínimo, já que o art. 68 não consigna nenhuma restrição” (PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. v. 1. p. 590).
13 GRECO, Rogério. Curso de direito penal. Rio de Janeiro: Impetus, 2009. p. 566-7.
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tornando-se o julgador genuíno legislador. Vale dizer que, além de não se adstringir à lei
(princípio da legalidade), o ente judicante estará, dessa forma, criando nova lei.14
Como se observa, o posicionamento quanto à vedação do aumento da pena além do
máximo cominado no preceito secundário em razão do reconhecimento de circunstância
agravante não encontra vozes dissidentes na doutrina e na jurisprudência.
Também se pôde observar que todos os autores que se debruçam sobre o assunto tratam,
indistintamente, da diminuição aquém do mínimo e do aumento além do máximo. Vale dizer
que a mesma disciplina aplicada à pena mínima é utilizada à pena máxima, como se ambos os
marcos penais exercessem a mesma função no sistema jurídico nacional.
De fato, se pena mínima e pena máxima desempenham funções iguais, não há como fugir
do fato de que a permissão da diminuição aquém do mínimo legal implicará a permissão além do
máximo cominado.
É por isso que devemos estudar os fundamentos, as razões e as funções que exercem os
marcos penais dentro do preceito secundário, para que só então possamos alcançar um
entendimento satisfatório sobre a possibilidade de extravasamento dos limites penais cominados.
Antes, no entanto, analisaremos pontualmente como a disciplina vem sendo tratada na
doutrina e na jurisprudência nacional.
3. Impossibilidade de redução
3.1 Origem
14 Nesse sentido: “Desse modo, à luz do sistema legal vigente, se ao juiz fosse possível determinar a quantidade da pena fora dos parâmetros estabelecidos a priori, estaria, a nosso sentir, atuando fora do âmbito da sua própria competência e invadindo o âmbito delimitado constitucionalmente a outro Poder da República. A questão, portanto, tal como se acha posta, repercute e encontra óbice na Lei Fundamental, tanto que é incogitável elevação da pena provisória [pena base] acima do máximo abstratamente cominado, porque isso implicaria violação frontal ao princípio da legalidade” (BOSCHI, José Antônio Paganella. Das penas e seus critérios de aplicação. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p. 310).
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Como já pudemos pontuar, o rechaço à tese de que as atenuantes possam diminuir a pena
provisória aquém do mínimo legal vai encontrar seu fundamento no antigo art. 42 do Código
Penal brasileiro, o qual não distinguia as circunstâncias judiciais e atenuantes e impunha que sua
aplicação se circunscrevesse aos limites cominados no preceito secundário do tipo penal.
Assim, com fundamento no princípio da legalidade, em respeito ao texto expresso da lei,
doutrina e jurisprudência foram uníssonas no sentido de que apenas as causas de diminuição e
aumento de pena poderiam exceder os limites estabelecidos nos tipos penais.
Além da interpretação dada ao antigo art. 42 do Código Penal, levanta-se um fundamento
linguístico para a vedação de extrapolação das circunstâncias legais, bem como para permissão,
nos casos das causas de aumento e diminuição.
A interpretação semântica dos verbos “aumentar” e “diminuir”, como somar ou subtrair,
além do já cominado seria o fundamento da possibilidade de se avançar ou recuar fora dos marcos
estabelecidos no preceito secundário. Da mesma forma, os verbos “agravar” e “atenuar”
guardariam consigo o sentido de se manter a mesma pena, aplicando-a apenas de maneira
diferida, com mais ou menos intensidade.15
Contudo, como observa David Teixeira de Azevedo, esse tipo de fundamento não parece
se sustentar, pois, uma mera interpretação semântica diferente dos verbos selecionados, permitiria
concluir que as causas de aumento e diminuição devem respeitar os marcos legais, enquanto as
agravantes e atenuantes podem suplantar os limites da pena cominada.16
Talvez, por sua precariedade, o argumento linguístico se vê praticamente abandonado nos
dias atuais, sendo observados outros fundamentos para sustentar a tese da vedação da diminuição
da pena aquém do mínimo legal, como passaremos a expor a seguir.
3.2 Fundamentos atuais
15 AZEVEDO, David Teixeira. Op. cit., p. 57.
16 Idem, ibidem.
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3.2.1 Respeito ao princípio da legalidade
O primeiro obstáculo que se coloca ao recuo da pena aquém do seu limite inferior seria o
de que tal ação infringiria o princípio da legalidade. Agindo dessa maneira, o Magistrado estaria
desobedecendo ao estabelecido em lei e, dessa forma, estaria criando lei nova.
É importante que pontuemos as diferentes situações em que o fundamento do princípio
da legalidade é invocado e quais seriam os dispositivos legais que estariam sendo desrespeitados
pela diminuição da pena aquém do estabelecido em lei.
Conforme exposto, a interpretação do art. 42 da antiga Parte Geral do Código Penal é
quem colocaria a barreira à proibição analisada. Assim, por preceituar que o Juiz deveria aplicar a
pena considerando as circunstâncias do crime, dentro dos limites fixados na lei, o recuo além do
mínimo estaria em desacordo com o indigitado dispositivo.
Com efeito, o que fazia sentido na legislação anterior não prospera na atualidade, pois a
redação do art. 59 do atual Código Penal – dispositivo correlato ao antigo art. 42 – não permite a
mesma interpretação indistinta quanto ao termo “circunstâncias”. De fato, enquanto o art. 59
cuidou especificamente das circunstâncias judiciais e as circunscreveu dentro dos limites previstos
(art. 59, II), as circunstâncias legais foram abordadas em dispositivos diferentes (arts. 61 e 62 –
agravantes; arts. 65 e 66 – atenuantes).
De tal forma, quando se debruça sobre a redação do art. 59, tem-se claro que quando trata
do termo “circunstâncias” do crime, está a se referir das circunstâncias judiciais, as quais não
englobam as causas de aumento e diminuição da pena.
Ainda há vozes que defendem a infração ao art. 59 pela diminuição da pena aquém de seu
limite mínimo em razão da expressão dentro dos limites previstos impressa no inciso II do
mencionado artigo.17 Não parece ser esse, entretanto, o fundamento precípuo da infração ao
princípio da legalidade a que se refere a maioria dos autores atuais.
17 Nesse sentido, FELDENS, Luciano. Circunstâncias atenuantes e pena aquém do mínimo: um problema de fundamentação. Disponível em: <www.ibccrim.org.br>. Acesso em: 17 dez. 2002. “Outrossim, de ver-se que o art. 59 do Código Penal, norte do sistema de reprovação, traz, explicitamente, em seu inciso II, que o juiz estabelecerá, conforme
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Outro dispositivo invocado como fundamento da vedação seria o art. 53 do Código Penal
que preceitua que as penas privativas de liberdade têm seus limites estabelecidos na sanção
correspondente a cada tipo legal do crime. Em tal disposição, estaria contida a vedação implícita de
que a pena deve ser fixada dentro desses limites, não podendo reduzi-las pelo reconhecimento de
circunstâncias atenuantes.18
Há ainda um curioso posicionamento, encontrado na jurisprudência, segundo o qual a
diminuição aquém do mínimo estaria vedada por força do art. 67 do Código Penal, que trata do
concurso das circunstâncias agravantes e atenuantes.19 A expressão “a pena deve aproximar-se do
limite indicado pelas circunstâncias preponderantes” estaria a denotar a intenção do legislador de
não se desbordar os marcos legais.
Embora se demonstre criativa, a tese não parece dever ser acolhida. A um, porque o
dispositivo trata expressamente do concurso de agravantes e atenuantes, exibindo-se como mera
regra de ponderação entre as circunstâncias, ainda que vazia de conteúdo material. A dois, porque
se extrair de tal dispositivo que esse tipo de interpretação seria a aplicação de interpretação
extensiva in malam partem, a qual é vedada em nosso ordenamento jurídico.
seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: ‘II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos’, dispositivo esse que estabelece uma relação de complementaridade com o preceito sancionador de cada tipo legal de delito”.
18 Com esse posicionamento, Luciano Feldens (op. et loc cits.). “No que concerne à reconhecida possibilidade de que se verifique o extravasamento desses limites quantitativos de pena na terceira fase da dosimetria penal, essa hipótese têm lá seus específicos motivos determinantes, os quais, não se fazendo comuns à segunda fase dessa operação – nem à primeira –, não infirmam – e tampouco desafiam – a normatividade exsurgente dos dispositivos sob comento (arts. 59, II e 53 do CP). Tenha-se em conta, a tanto, que ao tratar das causas majorantes e minorantes cuidou o legislador de expressamente estabelecer o quantum de aumento e diminuição requerido, no que reduziu, nesta fase, a margem de atuação jurisdicional. Em situações que tais, além da consideração de que o patamar estabelecido provém da própria lei, cabível é a invocação do princípio da especialidade. É dizer: na terceira fase da aplicação da pena, e tão-somente na terceira fase, há um novo e específico comando legal, que deve ser observado. Eventual antinomia (aparente) entre regras dotadas do mesmo grau de positividade jurídica – do que cuida, com precisão, Norberto Bobbio[1] – conduz-nos a cotejá-las de forma a alcançar-se sua eficácia possível, recorrendo-se, conforme seja, ao princípio da cedência recíproca”.
19 O indigitado posicionamento emerge do voto proferido pelo Min. Hamilton Carvalhido, no julgamento do REsp 178.493/SP do Superior Tribunal de Justiça (j. 23.11.1999). No v. aresto, o MD. Ministro assim defendeu seu argumento: “É no Código o único trecho, espaço, onde se alude a um limite que existiria para essas circunstâncias denominadas legais, que são essas atenuantes e agravantes obrigatórias. Fincado, exatamente, nessa indicação de um limite que a própria lei faz, que conduz à interpretação de que um segundo movimento da individualização não pode ultrapassar o máximo, nem vir aquém do mínimo, é que realmente me firmei e perseverei nesse entendimento de que, afastadas as causas de aumento ou de diminuição, a fixação da pena, quanto às duas fases: a do 59 e a da consideração das circunstâncias legais, não pode ser fixada aquém do mínimo legal, ou ainda além do seu limite máximo”.
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Entretanto, fundamentalmente, quando se invoca o princípio da legalidade para assegurar
a vedação da redução da pena, fixa-se como objeto de agressão a própria norma estabelecida no
preceito secundário do tipo penal.20 A redução aquém do mínimo pelo Juiz engendraria a
aplicação de pena diferente da cominada em lei, o que infringiria o princípio da legalidade.
Não nos parece aceitável a tese. Se tomados os limites do preceito secundário de forma
absoluta para as agravantes e atenuantes – não podendo se avançar além, nem se recuar aquém de
seus limites – não se poderia admitir tampouco essa situação quanto às causas de aumento e
diminuição da pena.
Com efeito, não há qualquer permissão expressa que autorize o desbordamento da pena
em razão das causas de aumento e de diminuição de modo que, apoiados nesse raciocínio, a
aplicação dessas causas de transformação da pena deveriam se resguardar dentro dos limites do
preceito secundário.
O que se alega, para fugir ao raciocínio anteriormente revelado, é que as causas de
aumento e de diminuição, por serem quantificadas, ao contrário das circunstâncias legais,
amparariam o Juiz na aplicação da pena aquém dos limites legais. Assim, o cerne da questão se
desloca do mandamento legal (verbos típicos “agravar”, “atenuar”, “aumentar” e “diminuir”) para
o quantum de transformação da pena. Se esse quantum for determinado (de um terço a dois
terços, p. ex.), o Juiz estará apenas respeitando o preceituado em lei. Se não o for, deverá
resguardar os limites impostos no preceito secundário.
Também não nos parece defensável a tese. Não há qualquer disposição expressa que
permita concluir que esse aumento ou diminuição quantificado se adstrinja ou não aos limites
legais, assim como não há disposição semelhante para as agravantes e atenuantes.21
20 Nesse sentido: FELDENS, Luciano. Op. et loc. cits.; Jesus, Damásio Evangelista de. O juiz pode, em face das circunstâncias atenuantes genéricas, fixar a pena aquém do mínimo legal abstrato? Boletim IBCCRIM, São Paulo, n. 73, p. 3-4, dez. 1998.
21É digno de nota que, ao contrário do Código Penal, o Código Penal Militar guarda disposição expressa quanto ao assunto, determinando, por força do seu art. 73, que as atenuantes e agravantes respeitem os limites legais e permitindo o arrebatamento da pena no caso das causas de aumento e diminuição, por força do art. 76.
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O fato de não ser quantificado o aumento ou a diminuição da pena pelo reconhecimento
das circunstâncias legais apenas demonstra a maior discricionariedade que o Juiz terá na hora da
aplicação da pena. E dessa maior discricionariedade, a qual será limitada pela necessária
fundamentação da pena aplicada, não pode se extrair qualquer limitação ao desbordo dos limites
legais.
3.2.2 Possibilidade de aumento no caso de agravantes
Encontra-se na doutrina preocupação com o fato de que a permissão da diminuição
aquém do mínimo legal possa ensejar a fundamentação para o aumento acima do máximo
previsto na pena. Assim, se o princípio da legalidade não estaria ferido na aplicação para baixo,
também não estaria afrontado na aplicação para cima.
Esse receio foi manifestado por Alberto Silva Franco22 e Damásio Evangelista de Jesus,23
os quais, concordando com a correlação entre a diminuição aquém do mínimo e o aumento além
do máximo, apontam para o perigo que a tese poderia ensejar para o recrudescimento da punição.
Esse compreensível posicionamento se ancora logicamente quando se entende que as
funções dos marcos legais – mínimos e máximos – exercem exatamente a mesma função dentro
do ordenamento jurídico, tese com a qual não podemos concordar.
Os marcos penais do preceito secundário não possuem, exatamente, a mesma natureza
jurídica. Se por um lado se identificam no que tange à medida da culpabilidade em abstrato,
projetada no desvalor da conduta hipotética, se diferenciam completamente quanto à natureza de
garantia que subjaz por trás da limitação máxima de punição, tema ao qual voltaremos com maior
profundidade no tópico 6 deste trabalho.
22 FRANCO, Alberto Silva et al. Código Penal e sua interpretação jurisprudencial. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. p. 202, n. 1.02.
23 JESUS, Damásio Evangelista de. O juiz pode... cit., p. 3-4.
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3.2.3 Segurança jurídica
Outro argumento que se desenha para fundamentar a limitação das circunstâncias legais
aos limites expressos no tipo penal seria a de que a concessão ao Juiz de avançar ou recuar além
das fronteiras legais levaria a um arbítrio judicial24 que poderia ensejar, inclusive, a aplicação da
“pena zero”.25
De fato, conforme afirmamos anteriormente, as causas de aumento e diminuição da pena
delimitam o quantum de variação da pena, ao contrário das circunstâncias legais, as quais, por sua
vez, a princípio, podem ser manipuladas livremente pelo Magistrado aplicador da norma.
Sobre o argumento, em primeiro lugar deve-se consignar que o fato de não serem
quantificadas permitem que o Juiz aplique discricionariamente – e não arbitrariamente – a pena
com a variação que entenda cabível ao caso. Contudo, não se deve ignorar que o Magistrado
ainda é adstrito ao princípio da motivação, devendo fundamentar a pena aplicada, sob pena de ser
considerada nula sua decisão.
Logo, o Magistrado não tem arbítrio para aplicar a pena que bem entender. Tem sim,
maior margem de escolha, em razão do não estabelecimento de marcos predeterminados de
variação da pena, adstrito, contudo, à necessária motivação da decisão.
Quanto à aproximação da “pena zero”, não vemos por que esse fato afrontaria o
ordenamento jurídico ou o princípio da legalidade. Temos exemplo no próprio ordenamento
jurídico circunstâncias que permitem a não aplicação de pena.
O primeiro exemplo que se levanta é o princípio da insignificância. Pela indigitada
construção jurídica não se pode apenar o crime que sequer coloca em perigo o bem jurídico
tutelado pelo tipo penal, ainda que a conduta fática a ele se adapte com perfeição.
24 Como assevera Paulo José da Costa Júnior (Comentários ao Código Penal. Parte geral. São Paulo: Saraiva. 1989. p. 358 ): “A aplicação das circunstâncias legais haverá de respeitar sempre os limites punitivos expressos no tipo. A adoção de posicionamento diverso equivaleria a trocar a certeza do direito pelo arbítrio judicial”.
25 Nesse sentido: JESUS, Damásio Evangelista de. O juiz pode... cit.
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A insignificante ou inexistente lesão ao bem jurídico é circunstância que margeia o crime,
pois os elementos típicos estão presentes na conduta. Ainda sim, os Tribunais vêm reiteradamente
aplicando o princípio para submeter réus em delitos insignificantes às aras do sistema Penal.
Outro exemplo que se levanta é o do § 5.º do art. 121 do Código Penal. Segundo o
dispositivo, “na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as
consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torna
desnecessária”.
Ora, a consequência grave da infração é uma circunstância que permite que o Magistrado
deixe de aplicar a pena no caso concreto. Circunstância que, assim como as atenuantes, não é
elementar do tipo penal, mas apenas o margeia, exibindo-se como elemento acidental do delito.
Logo, se no caso concreto se constatassem circunstâncias atenuantes suficientes a zerar a
pena do condenado, não entendemos qual o problema que isso poderia trazer quanto à segurança
jurídica, mormente por tal fato se amoldar harmoniosamente ao princípio da proporcionalidade e
da individualização da pena.
4. Possibilidade de redução
4.2 Origens
Sem dúvida alguma, a reforma da Parte Geral do Código Penal de 1984 é o marco inicial
da tese sobre a possibilidade de redução da pena em razão do reconhecimento de circunstâncias
atenuantes por um motivo simples e altamente relevante: adotou definitivamente o critério
trifásico de aplicação da pena.26
Dessarte, o atual art. 68 preceitua que “a pena base será fixada atendendo-se ao critério do
art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por
26 Paulo José da Costa Júnior (op. cit., p. 357) assevera que “O legislador de 1884 decidiu-se a tomar posição, adotando o tresdobramento do processo de fixação da pena. Na primeira fase, o magistrado levará em conta as circunstâncias judiciais. Na segunda, considerará as agravantes e atenuantes legais. Na derradeira etapa, atenderá às causas de aumento ou de diminuição de pena”.
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último, as causas de diminuição e aumento”. Tem-se, portanto, delimitadas as três fases de aplicação
da pena.
Diante de tal marco legislativo, fixou-se de uma vez por todas a diferenciação entre as
circunstâncias legais e judiciais, diferenciação essa que era rechaçada por alguns autores partidários
do método bifásico da aplicação da pena.
O regime aplicado às circunstâncias judiciais passa a ser diferente do aplicado às
circunstâncias legais, que serão examinadas em fase posterior no momento da aplicação da pena.
Assim, ao contrário do que fazia o antigo art. 42, diferenciou-se com precisão as circunstâncias
judiciais das circunstâncias legais.
É a partir desse ponto que alguns autores passam a afirmar que a vedação que existia no
regime anterior caiu por terra com a entrada em vigor da nova Parte Geral do Código,
inexistindo, dessa forma, qualquer vedação legal.27
De fato, a partir da entrada em vigor do novo Código fica claro que quando o art. 59
impõe que o juiz fixará a pena atendendo às “circunstâncias e consequências” do crime, “dentro
27 “Já não existe nenhum impedimento legal ou constitucional para que o juiz, diante de uma circunstância atenuante, fixe a pena de prisão aquém do mínimo legal. Todo discurso deôntico, como bem sublinhou Lauro José Ballock (em recente dissertação de Mestrado, sustentada na Unisul-Tubarão-SC), conduz a essa conclusão. Logo, se refutação ainda existe, é puramente ideológica” (GOMES, Luiz Flávio. Circunstâncias atenuantes e pena aquém do mínimo: é possível. Boletim IBCCRIM, São Paulo, v. 10, n. 119, Esp., p. 12-13, out. 2002). “Na realidade, nos deparamos frente a uma interpretação e aplicação da pena com no mínimo 55 (cinqüenta e cinco) anos de atraso, em relação ao novo Código Penal, não nos referindo à atualização ocorrida com o advento da Lei 7.209, de 1984, e sim ao Decreto-Lei 2.848, de 1940, já que desde a prolação do referido Decreto-Lei, o sistema de aplicação da pena passou a ser trifásico, sistema este adotado pelo saudoso Ministro Nélson Hungria. Antes da promulgação do Decreto-Lei 2.848, a aplicação da pena era feita no Brasil pelo sistema bifásico, que consistia na aplicação da pena subdividida em duas fases distintas. A primeira consistia na fixação da pena-base, na qual o Juiz, atentado-se às circunstâncias judiciais (ou legais) e às agravantes e atenuantes, deveria fixá-la, dentre as penas previstas ao crime, razão pela qual a presença de uma atenuante ou agravante não poderia ultrapassar o patamar máximo e mínimo previsto ao crime; já na segunda fase, incidiam as causas gerais ou especiais de aumento e diminuição de pena, que podiam ultrapassar os limites da pena cominada. Repete-se, as circunstâncias atenuantes e agravantes incidiam na 1.ª fase da aplicação da pena, na qual o aplicador da lei está restrito, pela própria lei, aos limites da pena in abstrato, já que constavam os seguintes dizeres ‘as penas aplicáveis dentre as cominadas’". Nesta época sim, existia regramento legal que previa a aplicação das agravantes e atenuantes, com os parâmetros da pena cominada; contudo, com o advento do referido Decreto-Lei, passou a ser adotado em nosso País a aplicação trifásica da pena, na qual se separou a apreciação das circunstâncias legais das circunstâncias agravantes ou atenuantes, que passaram a ser aplicadas em fase distinta (mais precisamente na segunda fase) e como já explicitado acima, foi retirado seu impedimento legal de redução e aumento aquém e além dos patamares estabelecidos abstratamente ao crime” (LEITE, Antonio Candido Reis de Toledo. Agravantes e atenuantes. Boletim IBCCRIM, São Paulo, n. 32, p. 4, ago. 1995).
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dos limites previstos” (inciso II), está se referindo tão somente às circunstâncias judiciais e não às
circunstâncias legais, que serão apreciadas em momento posterior.
Assim, pode-se perceber que a limitação ao máximo e mínimo da pena, a que se refere o
inciso II do art. 59 do Código Penal, remete à primeira fase da aplicação da pena, qual seja, a das
circunstâncias judiciais. As circunstâncias legais não estariam encampadas nesse dispositivo.
É a partir desse fundamento que se desenvolve a tese de que não haveria qualquer ilicitude
na diminuição da pena aquém do mínimo legal e, ao contrário, sua vedação se colocaria contra
princípios fundamentais do ordenamento jurídico nacional.
A seguir, analisaremos os principais argumentos pelos quais se defende que a vedação da
diminuição aquém do mínimo legal é ilegal e afronta os cânones do ordenamento jurídico penal e
constitucional.
4.2 Fundamentos
4.2.1 Princípio da individualização da pena
Sem dúvida, a proibição da diminuição da pena aquém do mínimo legal vai ter maior
reflexo no princípio da individualização da pena. E isso porque, uma vez fixada a pena-base no
mínimo legal, as circunstâncias atenuantes serão simplesmente ignoradas no cômputo da pena, de
acordo com a orientação segundo a qual não se permite a redução abaixo do mínimo. É essa, com
frequência, a situação utilizada como exemplo para se afirmar que a vedação aqui estudada feriria
o princípio da individualização da pena.
O princípio da individualização da pena encontra-se positivado no art. 5.º, inciso XLVI,
da Constituição da República, que determina que “a lei regulará a individualização da pena e
adotará, entre outras, as seguintes: a) a privação da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação
social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos.
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De fato, por força do mandamento constitucional, a pena aplicada deve corresponder à
reprovabilidade da conduta e à culpabilidade do agente, estando, portanto, individualizada ao
caso em concreto. Em síntese, para que se respeite o princípio é imperioso que se estabeleça a
pena proporcionalmente ao injusto que se causou e às circunstâncias do crime.28
É de destacar que o princípio vai alcançar dois momentos distintos da fixação da pena. No
primeiro, ainda se está na determinação dos preceitos secundários da pena. Assim, o princípio da
individualização da pena se dirigirá ao legislador, que deverá determinar os marcos penais de
acordo com a reprovabilidade em abstrato da conduta. No segundo momento, o princípio se
dirigirá ao Juiz que, diante das circunstâncias do caso, deverá determinar a pena proporcional à
reprovabilidade e à culpabilidade em concreto da conduta.
Com efeito, quando se invoca o princípio da individualização da pena para sustentar a
diminuição da pena aquém do mínimo legal, está a se falar da individualização judicial da pena,
atendo-se às circunstâncias do caso concreto.
Longe de qualquer dúvida, se na aplicação da pena, não se observar sua diminuição, ainda
que reconhecida uma circunstância atenuante, deparar-nos-emos com violação ao princípio da
individualização da pena. E isso porque, a atenuante será simplesmente ignorada, o que vale dizer
que uma parte das circunstâncias do crime, benéfica ao agente, não estará sendo levada em conta
no cômputo da pena.29 E, ignorando-se uma circunstância do crime, obviamente, não se estará
aplicando a pena justa, proporcional e individualizada ao caso concreto.
28 Sobre o tema, Luis Regis Prado assenta que deve existir sempre uma medida de justo equilíbrio – abstrata (legislador) e concreta (juiz) – entre a gravidade do fato praticado e a sanção imposta. Em suma, a pena deve estar proporcional ou adequada à magnitude da lesão ao bem jurídico representada pelo delito e a medida de segurança à periculosidade criminal do agente (Curso de direito penal. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2008. v. 1. p. 139).
29 Confira-se sobre o tema o que aduz Luis Flávio Gomes (op. et loc. cits.): A tarefa do juiz, na sentença, é a de individualizar a pena. Mas se a pena mínima não puder ser ultrapassada (em virtude de um posicionamento doutrinário e jurisprudencial equivocado, claramente presunçoso e inconstitucional), colocar-se-á numa vala comum incontáveis condenados que contam com situações diferentes. Isso implica séria violação ao princípio da igualdade (assim como profundo desrespeito ao valor justiça, que é o valor meta do Estado Constitucional e Democrático de Direito).
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É perceptível a injustiça que a proibição acarreta quando nos deparamos com situação em
que dois agentes cometem o crime em concurso e um dos agentes possui uma circunstância
pessoal que atenua sua conduta. No cômputo da pena, uma vez aplicada a pena base no mínimo,
essa circunstância será simplesmente ignorada e, tanto o beneficiado pela atenuante, como o outro
agente, terão penas iguais.
Na jurisprudência, encontramos exemplo de situações em que se permite a diminuição da
pena aquém do mínimo legal, quando à circunstância atenuante sobrevém alguma circunstância
agravante ou alguma causa de aumento. Perceba-se que esse tipo de permissão se cinge apenas à
pena provisória (2.ª fase de aplicação da pena), mas não à pena em definitivo, pois as agravantes e
atenuantes elevarão a pena além do mínimo legal.30
Infelizmente, essa é posição isolada na jurisprudência. Mesmo que sobrevenham
agravantes e majorantes, os Tribunais vêm entendendo que, uma vez fincada a pena-base no
mínimo, a atenuante deve ser simplesmente ignorada.31 Essa posição não encontra guarida sequer
no princípio da legalidade, pois a pena em definitivo acabaria sendo fixada dentro dos limites
impostos pela lei.
4.2.2 Outra vez o princípio da legalidade
Outro argumento que surge com a reforma de 1984 é o de que a proibição da redução
infringiria o princípio da legalidade, na medida em que o art. 65 do Código Penal, quando elenca
as circunstâncias atenuantes, é expresso em exaltá-las como circunstâncias que “sempre” atenuam a
pena.
30 Nesse sentido, colaciona-se o entendimento do Ministro do Superior Tribunal de Justiça – Vicente Leal – no voto proferido no julgamento do REsp 93.104/PE, DJ 23.06.1997. Ali, o Ministro expressou que, embora não pudesse se reduzir a pena aquém do mínimo legal em razão de circunstância atenuante, no confronto com uma causa de aumento, a circunstância deveria ser levada em conta, dessa forma, reformando a decisão a quo, para diminuir a pena aplicada ao réu.
31 Como exemplo, tem-se o julgamento pelo STJ do REsp 418.146/RS, de relatoria do Min. Felix Fischer, que determinou fixação da pena provisória no mínimo legal, para posteriormente se aplicar a causa de aumento. A mesma situação é observada no HC-STJ 9.607, de relatoria do Min. Gilson Dipp.
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A presença do termo “sempre” é o fundamento para se afirmar que o Juiz não pode deixar
de aplicar a circunstância, ainda que a pena-base tenha sido fixada no mínimo.32 A expressa
previsão no texto normativo sustenta a tese da infração ao princípio da legalidade decorrente da
proibição da diminuição da pena.
A tese nos parece simpática. Se por um lado, conforme assentamos, não há qualquer
disposição expressa sobre a vedação da diminuição aquém do cominado no preceito secundário,
por outro, a expressão “sempre” deixa claro que as circunstâncias atenuantes jamais poderão ser
ignoradas, seja durante a segunda fase de aplicação da pena, seja no seu cômputo final.
A lei é impositiva e nenhum de seus termos é aplicado em vão, não podendo ser
meramente ignorados. Se o legislador entendeu que deveria usar a expressão “sempre”, com
absoluta certeza, não intentou que qualquer situação pudesse flexibilizar a regra que imprimiu.
Caso contrário, tal qual se vê no Código Penal Militar, teria adicionado ao texto normativo a
expressão “guardados os limites da pena cominada ao crime”.
Com tais considerações, posicionamo-nos no sentido de que, se há infração ao princípio
da legalidade, ele decorre antes da proibição da diminuição da pena aquém do mínimo legal pelo
reconhecimento de circunstância atenuante, e não de sua permissão.
5. Tratamento jurisprudencial
Sobre o tema aqui versado, doutrina e jurisprudência caminharam no mesmo sentido até a
reforma da Parte Geral do Código Penal, que entrou em vigor em 1984. Dessarte, conforme se
32 Com esse posicionamento, Antonio Candido Reis de Toledo Leite (op. et loc. cits.): “Em um segundo plano, encontram-se no art. 65 do Código Penal as chamadas circunstâncias atenuantes, estipulando-se no caput que quando da ocorrência de uma das circunstâncias abaixo elencadas, a pena deve obrigatoriamente ser atenuada, dizendo que: ‘São circunstâncias que sempre atenuam a pena’ [grifo nosso]. Ora, a lei prevê expressamente que quando da ocorrência de uma das circunstância acima citadas, deve obrigatoriamente ocorrer uma mudança da pena a ser aplicada, por se expressar uma diminuição de culpabilidade, ou mesmo uma maior culpabilidade, não havendo nenhuma vinculação com a fixação da pena base, que é fixada seguindo-se os critérios estabelecidos no art. 59 do CP”. Na mesma toada, Luis Flávio Gomes (op. et loc. cits.): “Aliás, considerando-se o teor literal do art. 65 do CP (são circunstâncias que sempre atenuam a pena...), se uma atenuante (devidamente comprovada) não tiver incidência concreta, o que se faz é uma analogia contra o réu in malam partem (leia-se: usa-se contra o réu na segunda fase da aplicação da pena os mesmos critérios da primeira)”.
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pontuou, a interpretação que se dava ao antigo art. 42 sequer levantava a discussão que se tece no
presente trabalho.
Ocorre que, as mudanças legislativas da nova Parte Geral do Código foram rapidamente
percebidas pela doutrina, que, amparada nos argumentos discorridos no item 4 deste estudo,
passou gradualmente a sustentar a possibilidade da redução da pena mínima aquém do mínimo
legal, posição que se exibe dominante nos dias de hoje.
É certo que, tanto para os que defendem a possibilidade da redução, quanto para aqueles
que a refutam, houve uma mudança de argumentos advinda da entrada em vigor da nova Parte
Geral do Código Penal. Assim, a mesma posição pode ser ainda adotada na vigência do Código
anterior, mas os fundamentos deveriam ser diversos, pois o fundamento primordial da proibição
se desfez com a revogação do art. 42.
A jurisprudência dos Tribunais Superiores se mostra cada vez mais sólida no sentido de
que não se pode permitir a diminuição da pena aquém do mínimo legal em consideração às
circunstâncias atenuantes. Essa convicção parece inabalável e se renova constantemente, sendo
utilizados variados instrumentos de uniformização para calarem as vozes dissidentes sobre o tema.
A primeira iniciativa de uniformização do tema partiu do Superior Tribunal de Justiça
que, em 1999, editou a Súmula. 231 com a seguinte redação: “a incidência da circunstância
atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”.
Recentemente, foi a vez de o Supremo Tribunal Federal dar ultimato na questão, o que
fez no julgamento do Recurso Extraordinário 597.270/RS, de relatoria do Min. Cezar Peluso. Na
oportunidade, foi reconhecida a Repercussão Geral da questão, o que permite que a matéria seja
desafiada por meio do Recurso Extraordinário. Também, por iniciativa da Min. Carmen Lúcia,
foi proposta e aprovada questão de ordem, no sentido de se permitir a aplicação do art. 21, § 1.º,
do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.33
33 “Art. 21. São Atribuições do relator: § 1.º Poderá o(a) Relator(a) negar seguimento a pedido ou recurso manifestamente inadmissível, improcedente ou contrário à jurisprudência dominante ou Súmula do Tribunal, deles não conhecer em caso de incompetência manifesta, encaminhando os autos ao órgão que repute competente, bem como cassar ou reformar, liminarmente, acórdão contrário à orientação firmada nos termos do art.543-B do Código de Processo Civil.”
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Por força da mencionada decisão, qualquer pedido que vise a aplicação da pena aquém do
mínimo legal por reconhecimento de circunstâncias atenuantes poderá ser denegado pelo relator,
em decisão monocrática. Assim, dificilmente o tema voltará à discussão do Plenário do Supremo
Tribunal Federal.
Infelizmente, o fato de uma determinada decisão estar sendo reiteradamente tomada por
um Tribunal, indica, tão somente, que essa questão está pacificada nessa Corte, mas não que o
assunto já tenha sido objeto de discussão em reiteradas oportunidades. E isso porque, julgar da
mesma forma inúmeras vezes, não quer dizer que o assunto tenha sido discutido inúmeras vezes.
Diante da impassível segurança dos Tribunais Superiores, fomos à ratio decidendi das
decisões nas quais se assenta esse sólido posicionamento.
Conforme pudemos demonstrar, a origem da proibição da redução remonta à disciplina
da Parte Geral do Código Penal de 1940, que seria derrogada por força da entrada em vigor da
nova Parte Geral de 1984. Dessa forma, em primeiro lugar, analisamos as decisões anteriores à
entrada em vigor da nova disciplina.
Nessa época, não havia qualquer discussão acerca da possibilidade de redução da pena
aquém do mínimo legal. Em 1983, o Min. Djaci Galvão, do Supremo Tribunal Federal
asseverava não haver qualquer irregularidade na consideração das circunstâncias atenuantes antes
das circunstâncias judiciais, mesmo que os efeitos da primeira fossem dissipados.34
É dessa época que remonta a proibição da diminuição da pena, mesmo no cálculo do
cômputo provisório, pois, de fato, pela interpretação dada ao antigo art. 42, independentemente
da fase de aplicação, o aumento e a diminuição das agravantes deveriam se ater aos limites legais.
No ano de 1982, esse posicionamento foi impresso pelo voto do Min. Moreira Alves, no
34 “O juiz, adotando o critério bifásico, preconizado por Roberto Lyra, considerou a atenuante conjuntamente com as circunstâncias do art. 42. E, na aplicação da causa de aumento do § 2.º do art. 157, por se tratar de roubo duplamente qualificado, agravou a pena dentro dos limites legais facultados” (STF, HC 60.473/RJ, Rel. Min. Djaci Falcão, j. 11.02.1983).
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julgamento do Recurso Extraordinário RE-STF 96.305/PR.35 Posicionamento semelhante viria a
ser fincado pelo Min. Rafael Mayer no julgamento do Recurso Extraordinário RE-STF
97.055/PR.36
Bem assim, até 1984, nenhum dos julgados do Supremo Tribunal Federal que versaram
sobre o matéria divergiu quanto à impossibilidade de diminuição da pena abaixo do mínimo legal
em virtude do reconhecimento de circunstância atenuante.37
De fato, o que nos interessa é como a Suprema Corte passou a tratar do tema após a
entrada em vigor da nova Parte Geral. Nos primeiros julgados que versaram sobre a matéria não
se encontrou qualquer fundamentação para proibição, apenas a considerando proibida.
Em 1986, o Min. Sidney Sanches rechaça a tese de redução aquém do mínimo legal, por
considerá-la em confronto com os precedentes da E. Corte. Bem assim, inicia-se um continuísmo
de um posicionamento fincado em uma legislação que já há muito havia sido derrogada.
Dali em diante, alguns poucos julgados que se preocupavam em fundamentar as decisões
que vetavam a diminuição o faziam, exclusivamente, afirmando que o posicionamento
encontrava-se consolidado na Corte Suprema, citando-se precedentes,38 alguns deles, inclusive,
datados de momento anterior à entrada em vigor da nova disciplina atinente à aplicação da pena.39
35 “Esta corte (...) decidiu que ‘fixada a pena no mínimo legal, descabe a pretensão de vê-la reduzida em virtude de menoridade do agente, quando da época da prática do delito’. E (...) se manifestou no sentido de que ‘o cálculo da majoração pela continuidade delitiva deve incidir sobre a pena total que o juiz fixaria se não houvesse esse aumento, e não sobre a pena base simplesmente. O acórdão recorrido, atendendo ao parecer do Ministério Público local, ficou a pena-base no mínimo legal: dois anos de reclusão. Ora, partindo-se dessa pena base, que, como já se salientou, por ser o mínimo legal, não pode ser diminuída em virtude da menoridade do agente, a ela se acrescentando o aumento de um sexto pela continuidade delitiva, chegando-se ao total de dois anos e quatro meses de reclusão” (STF, RE 96.305/PR, Rel. Min. Moreira Alves, j. 02.03.1982).
36 “Tenho pois que o acórdão recorrido ao aplicar a atenuante da memoriada após o aumento do § 2.º do art. 157 do C. Penal, o que implicou em fixar pena em quantidade inferior ao mínimo legal, desconsiderou, com efeito, as normas legais invocadas. Conheço, pois, do recurso, em parte, e lhe dou provimento, em parte, para ser fixada no mínimo legal a pena corporal aplicada (...)” (STF, RE 97.055/PR, Rel. Rafael Mayer, j. 13.08.1982).
37 Como fundamento, colaciona-se os seguintes julgados: STF, HC 58567/RS, 2.ª T., Rel. Min. Djaci Falcão, j. 07.04.1981; STF, HC 59008/RS, 2.ª T., Rel. Min. Décio Miranda, j. 21.08.1981; STF, RE 95102/SP, 2.ª T., Rel. Min. Cordeiro Guerra, j. 22.09.1981; STF, HC 56723/PR, 2.ª T., Rel. Min. Décio Miranda, j. 06.03.1979; STF, RC 1318, 1.ª T., Rel. Min. Cunha Peixoto, j. 16.02.1979.
38 HC 65505/DF, 1.ª T., Rel. Min. Oscar Correa, j. 12.02.1988; HC 65868/SP, Tribunal Pleno Rel. Min. Francisco Rezek, j. 02.03.1988; HC 68641/DF, 1.ª T., Rel. Min. Celso e Mello, j. 05.11.1991; HC 68474/DF, 2.ª T., Rel.
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Com efeito, o mesmo vício que acometeu o Supremo Tribunal Federal afetou o Superior
Tribunal de Justiça que, desde sua origem, repetiu a aplicação de precedentes construídos sob a
égide da legislação antiga.40 Reiteradamente, a Corte Superior julgou no sentido de que a vedação
seria proibida no ordenamento jurídico brasileiro, calcando-se fundamentalmente em precedentes
de ambos os Tribunais Superiores.
Em 1996, entretanto, o Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, pela primeira vez, inaugura um
dissenso quanto ao tema no Superior Tribunal de Justiça. No julgamento do REsp 68.120/MG,
de sua relatoria, o Ministro declarou sua adesão à tese de que a vedação da redução infringiria o
princípio da individualização da pena. Como fundamento, invocou o princípio da
individualização da pena e a mutabilidade das relações sociais que devem ser percebidas pelo
Direito, cujo primeiro agente a perceber e a reagir a tais mudanças, antes das leis, é o
Magistrado.41
Min. Néri da Silveira, j. 11.06.1991; HC 67822/SP, 2.ª T., Rel. Min. Celio Borja, j. 03.04.1990; HC 69328/SP, 2.ª T., Rel. Min. Marco Aurélio, j. 28.04.1992; HC 68641/DF, 1.ª T., Rel. Min. Celso e Mello, j. 05.11.1991; HC 70047/SP, 1.ª T., Rel. Min. Celso e Mello, j. 21.09.1993; HC 70979/SP, 1.ª T., Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 08.11.1994; HC 72523/SP, 2.ª T., Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 13.06.1995; HC 73867/SP, 2.ª T., Rel. Min. Marco Aurélio, j. 14.05.1996; HC 74084/SP, 2.ª T., Rel. Min. Néri da Silveira, j. 17.12.1996; HC 74301/SP, 2.ª T., Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 29.10.1996; HC 74167/RJ, 2.ª T., Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 27.08.1996; HC 73924/SP, 2.ª T., Rel. Min. Marco Aurélio, j. 06.08.1996; HC 73717/SP, 2.ª T., Rel. Min. Néri da Silveira, j. 06.08.1996; HC 74916/SE, 2.ª T., Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 15.04.1997; HC 75726/SP, 1.ª T., Rel. Min. ILMAR GALVÃO, j. 11.11.1997.
39 STF, HC 70.883/SP, Rel. Min. Celso de Mello, j. 08.03.1994.
40 REsp 7.287/PR, 6.ª T., Rel. Min. William Patterson, j. 16.04.1991, DJ 06.05.1991; REsp 15.695/PR, 5.ª T., Rel. Min. Assis Toledo, j. 18.12.1991, DJ 17.02.1992; REsp 15.691/PR, 6.ª T., Rel. Min. Pedro Acioli, Rel. p/ Acórdão Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, j. 01.12.1992, DJ 03.05.1993; REsp 32.344/PR, 6.ª T., Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, j. 06.04.1993, DJ 17.05.1993; REsp 46.182/DF, 5.ª T., Rel. Min. Jesus Costa Lima, j. 04.05.1994, DJ 16.05.1994; REsp 49.500/SP, 5.ª T., Rel. Min. Assis Toledo, j. 29.06.1994, DJ 15.08.1994; RHC 5.193/SP, 6.ª T., Rel. Min. Vicente Leal, j. 12.02.1996, DJ 25.03.1996; REsp 68.120/MG, 6.ª T., Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, j. 16.09.1996, DJ 09.12.1996; REsp 146.056/RS, 5.ª T., Rel. Min. Felix Fischer, j. 07.10.1997, DJ 10.11.1997; REsp 89.563/PI, 5.ª T., Rel. Min. Felix Fischer, j. 18.02.1997, DJ 17.03.1997; REsp 97.553/MG, 6.ª T., Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, j. 19.12.1996, DJ 31.03.1997.
41 Nesse sentido asseverava: "quanto à possibilidade de aplicar a pena abaixo do mínimo legal, tenho manifestado minha adesão à linha doutrinária que a admite". Mais adiante, citando trecho de artigo por ele subscrito, publicado no Correio Braziliense de 15.05.1995, aduzia que "A individualização da pena é princípio registrado na Constituição da República. Compreende três etapas: cominação, aplicação e execução. (...) O judiciário por seu turno promove a aplicação, definindo ‘as penas aplicáveis dentre as cominadas (CP, art. 59, I) e a ‘quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos’ (CP, art. 59, II). Não se olvide, contudo, esses dispositivos integram o sistema das penas. A pena, ficou registrado, encerra ideologia. Além disso, só faz sentido se necessária. O delito evidencia exigência histórica. A conduta, certo é desvaliosa. O passar do tempo pode repercutir no tipo. (...) O crime de hoje, amanhã pode ser conduta irrelevante (materialmente considerada), não obstante a manutenção do tipo. Substancialmente, pode esvaziar-se. Situação excepcional,
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Embora tenha sido novamente afirmado no julgamento do REsp 151.837/MG,42 o
posicionamento quedou-se isolado43 na jurisprudência daquele Tribunal que, alguns anos depois,
tentaria desbaratar a questão definitivamente.
Foi imbuído desse espírito que, em 22.09.1999, o Superior Tribunal de Justiça editou a
Súmula 231, cujo enunciado prevê que a incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à
redução da pena abaixo do mínimo legal.
O entendimento sumulado teve como paradigma seis julgados daquela Corte Superior: o
REsp 146.056/RS, de relatoria do Min. Felix Fischer; o REsp 15.691/PR, de relatoria do Min.
Pedro Acioli; o REesp 7.287/PR, de relatoria do Min. Willian Petterson; o REsp 32.344/PR, de
relatoria do Min. Vicente Chernicchiaro; o REsp 46.182/DF, de relatoria do Min. Jesus Costa
Lima; e o REsp 49.500/SP, de relatoria do Min Assis Toledo.
Pois bem. Dirigindo-nos à ratio decidendi dos acórdãos paradigmas, encontramos no REsp
49500/SP fundamentação, exclusivamente, em precedentes dos Tribunais Superiores.44 No REsp
46.182/DF, a fundamentação, além de em precedentes jurisprudenciais, se ancorou na doutrina
Julio Fabbrini Mirabete.45 Embora, fazendo referência à doutrina de Damásio de Jesus o REsp
7.287/PR também se viu fundamentado, essencialmente em precedentes jurisprudenciais.46 Sem
contudo, admissível. O mesmo raciocínio é válido quanto ao agente do crime. Porque autor da infração penal, é censurado. A culpabilidade (reprovabilidade) enseja gradação. Mais intensa. Menos instensa. O sistema penal, não obstante o esquema sancionatório, contempla casos de extinção da punibilidade; casos em que, formalmente, a sanção se faz desnecessária (Política Criminal). Coloca-se então a hipótese. Ao Juiz é facultado aplicar a pena, abaixo do mínimo legal? No quadrante atrás delineado, encontra-se a resposta" (STJ. REsp 68.120/MG, 6.ª T., Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, j. 16.07.1996, DJ. 09.12.1996).
42 REsp 151.837/MG, 6.ª T., Rel. Min. Fernando Gonçalves, Rel. p/ Acórdão Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, j. 28.05.1998, DJ 22.06.1998.
43 Vale, ainda, destacar a decisão proferida no REsp 93.104/PE, em que o Min. Vicente Leal admitiu a redução abaixo do mínimo na segunda fase de aplicação da pena, para depois se aplicar a incidência de causa de aumento (REsp 93.104/PE, 6.ª T., Rel. Min. Vicente Leal, j. 12.05.1997).
44REsp 49500/SP, 5.ª T., Rel. Min. Assis Toledo, j. 29.06.1994.
45REsp 46182/DF, 5.ª T., Rel. Min. Jesus Costa Lima, j. 04.05.1994.
46Resp 7.287/PR, 6.ª T., Rel. Min. Willian Petterson, j. 16.04.1991.
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qualquer outro fundamento, que não a precedência jurisprudencial, foi julgado o REsp
32.344/PR.47 Melhor fundamentação também não se encontrou no REsp 15.691/PR.48
Somente no REsp 146.056/RS é que encontramos fundamentação que, mais do que citar
precedentes jurisprudenciais, debruça-se sobre a temática e busca explicações legais para a vedação
da redução.
Segundo o julgado, a limitação legal se daria em razão das expressões "dos limites
previstos", incutida no inciso II do art. 59 do Código Penal, e "do limite indicado", contida no
art. 67 do mesmo diploma. Também, é manifestada a inadmissibilidade de se chegar a "pena
zero". Finalmente, assevera o aresto que "a expressão 'sempre atenuam' não pode ser levada a
extremos, substituindo-se a interpretação teleológica por uma meramente literal. Sempre atenuam,
desde que a pena base não esteja no mínimo, diga-se até aí, reprovação mínima do tipo".49
Como se vê, todos os pontos em que se arrima o único precedente fundamentado que deu
origem à Sumula 231 são frágeis e não se sustentam no ordenamento jurídico, tratando-se de
interpretação equivocada, ranço da legislação anterior, como pudemos delinear nos itens acima.
A singela existência da expressão “limites” em artigo que trata do concurso de
circunstâncias agravantes e atenuantes não pode ser fundamento para se impedir a aplicação da
atenuante, mesmo porque esse limite a que se refere o artigo é o limite indicado pelas circunstâncias
preponderantes e não o limite da pena expresso no preceito secundário do tipo penal.
É ainda importante ressaltar que a indigitada “interpretação teleológica”, a que se refere o
Min. Felix Fischer, exibe-se como interpretação contra legem e in malam partem, não gozando de
acolhida pelo Sistema Penal e Constitucional do ordenamento jurídico nacional.
A edição da Súmula 231, contudo, não impediu que novos e, em número crescente,
pedidos de redução de pena aquém do mínimo legal fossem dirigidos aos Tribunais Superiores.
47REsp 32.344/PR, 6.ª T., Rel. Min. Vicente Chernicchiaro, j. 06.04.1993.
48REsp 15.691/PR, 6.ª T., Rel. Min. Pedro Acioli, j. 1.º.12.1992.
49REsp 146.056/RS, 5.ª T., Rel. Min. Felix Fischer, j. 07.11.1997.
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Por outro lado, alguns Tribunais de Justiça, principalmente o Tribunal de Justiça do Rio Grande
do Sul, passaram a aceitar a tese e aplicar a diminuição da pena.
Nesse contexto, é de se destacar a recente atuação da Defensoria Pública da União que
passou a endereçar contínuos requerimentos ao Supremo Tribunal Federal, com intuito de
reforma de sentenças, para que a pena fosse aplicada abaixo do mínimo legal. O ativismo da
Defensoria Pública e também da advocacia privada, contudo, não foi suficiente para mudar o
posicionamento da Corte Suprema, tampouco, para que o tema fosse debatido com seriedade pelo
Tribunal Supremo. O que se viu foi uma quantidade imensa de pedidos denegados com
fundamento quase exclusivamente em precedentes jurisprudenciais.50
Dessa imensa gama de julgados, impende que se faça referência aos votos da Min. Ellen
Gracie,51 a qual vem fixando entendimento semelhante ao expresso pelo Min. Felix Fischer no
julgamento do REsp 146.056/RS. Também, destaca-se o voto proferido pelo Min. Eros Grau no
HC 93.511/RS em que, embora não entrando na questão interpretativa dos dispositivos,
demonstrou a preocupação com a possibilidade de fixação de “pena irrisória” ao se permitir a
diminuição da atenuante abaixo do mínimo.52
6. Possibilidade da diminuição aquém do mínimo legal, sem o correspondente aumento além
do máximo. Análise da função dos marcos penais
50 HC 82483/SP, 2.ª T., Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 12.11.2002; HC 76845/RS, 1.ª T., Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 24.03.1998; HC 93493/MT, 2.ª T., Rel. Min. EROS GRAU, j. 12.02.2008; HC 92742/RS, 1.ª T., Rel. Min. Menezes Direito, j. 04.03.2008; HC 93071/RS, 1.ª T., Rel. Min. Menezes Direito, j. 18.03.2008; HC 93821/RS, 1.ª T., Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 18.03.2008; HC 93908/RS, 1.ª T., Rel. Min. Eros Grau, j. 01.04.2008; HC 93905/RS, 2.ª T., Rel. Min. Eros Grau, j. 15.04.2008; HC 94243/SP, 2.ª T., Rel. Min. Eros Grau, j. 31.03.2009; HC 94646/RS, 1.ª T., Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 31.03.2009; HC 96730/MS, 2.ª T., Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 06.10.2009; HC 100371/CE, 1.ª T., Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 27.04.2010; HC 101857/AC, 2.ª T., Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 10.08.2010; RHC 105409/MS, 2.ª T., Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 19.10.2010.
51 HC 92926/RS, 2.ª T., Rel. Min. Ellen Gracie, j. 27.05.2008; HC 94540/SP, 2.ª T., Rel. Min. Ellen Gracie, j. 27.05.2008.
52 HC 93511/RS, 2.ª T., Rel. Min. EROS GRAU, j. 26.02.2008.
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O sistema hermenêutico garantista propugna que à norma penal se deverá dar a
interpretação que melhor atenda aos interesses do réu, diminuindo, dessa forma, as hipóteses de
incidência da norma penal no caso concreto. Assim, além dos mecanismos internos de redução de
incidência, chamados por Salo de Carvalho de propostas crítico-minimalistas,53 a hermenêutica de
fundo garantista, evitará o avanço do aparato punitivo em situações cuja resolução se mostra
suficiente por outros ramos do Direito,54 ou cuja dignidade penal se veja abalada ante fatores
externos ao sistema penal (heteropoiesis).
Desde esse ponto de vista, é possível se perceber que, mesmo o princípio da legalidade
poderia ser afastado em razão de elementos exteriores ao sistema-jurídico penal que conclamem o
afastamento da incidência da norma penal.55 Ressalte-se que essa flexibilização ao princípio da
legalidade sempre se operará na direção da extensão dos direitos do cidadão, na busca por um
direito penal libertário, mas, jamais, na direção da ampliação do sistema punitivo.56
Disso poderíamos já extrair o primeiro fundamento para se defender a redução da pena
além do mínimo legal pelo reconhecimento de circunstância atenuante, sem a contrapartida da
possibilidade de aumento além do máximo, ante o reconhecimento de circunstância agravante.
Conforme se expôs, o princípio da legalidade não pode servir de óbice à aplicação de uma
pena justa. Os princípios da individualização da pena e da culpabilidade, no aparente choque com
53 CARVALHO, Salo de. Pena e garantia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 87.
54 Nesse sentido, destaca-se o avanço da utilização do Direito Administrativo sancionador para repressão e modificação de condutas, essencialmente daquelas inseridas no cenário globalizado de pulverização das responsabilidades, como é o caso das condutas empresariais.
Na mesma direção, as propostas que visam a despenalização e não mera diminuição da pena, no caso da reparação do dano ou restituição da coisa, nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça.
Da mesma forma, as condutas que em si não demonstram lesão à bens jurídicos, mas sim meros perigos, projeções de perigo ou lesões por acumulação, cuja derivação e extensão tende ao infinito de punição.
55 Nesse sentido Salo de Carvalho assenta que “existem, desde uma visão garantista, condições de flexibilização da legalidade via interpretação material, conformando o que se poderia denominar dogmática penal garantista” (CARVALHO, Salo de. Pena e garantia cit., p. 89).
56 Salo de Carvalho lembra a dupla diretiva concebida por Amilton Bueno de Carvalho que ao descrever a orientação da interpretação garantista afirma a existência de uma força centrípeta na direção punitiva, restringindo-se ao máximo em direção ao núcleo de punição, e a existência de uma força centrífuga na direção libertária e em favor do réu (CARVALHO, Salo de. Pena e garantia cit., p. 90).
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o princípio da legalidade, devem preponderar, uma vez que, no caso particular, ligam-se com mais
tenacidade ao resguardo da liberdade e da dignidade da pessoa humana valores orientadores do
ordenamento jurídico brasileiro, que fatalmente são atingidos pela imposição da pena privativa de
liberdade.
Ao fundamento, adira-se a concepção defendida por Antonio Luís Chaves de Camargo,
sobre a necessidade de se encarar o sistema jurídico-penal como um sistema aberto, atento,
portanto, às modificações sociais, em estreita ligação com a sociologia e filosofia.57 Novos
parâmetros sociais exigirão, dessa forma, novas respostas do Direito Penal, adequadas às
finalidades da pena e da política-criminal.58
Contudo, neste trabalho, além das consagradas orientações de cunho garantista,
procederemos a uma releitura das funções dos marcos penais existentes no preceito secundário,
pois, é nessa releitura que encontramos o fundamento primordial pelo qual entendemos a
possibilidade da redução da pena além do mínimo.
Sob essa ótica, levanta-se a primordial questão: qual é a função dos marcos penais no
preceito secundário do tipo penal? Intuitivamente, chega-se a resposta de que, acima de tudo,
inicialmente, essa delimitação do interregno de apenamento guarda relação com o respeito ao
princípio da legalidade.59
De fato, vigora em nosso ordenamento jurídico60 o princípio do nullum crimen, nulla
poena sine lege praevia, pelo qual se entende que não poderá se aplicar sanções penais sem que haja
57 CAMARGO, Antônio Luís Chaves. Sistema de penas, dogmática jurídico-penal e política criminal. São Paulo: Cultural Paulista, 2002. p. 27.
58 Pela limitação espacial deste trabalho, não há a oportunidade de se discorrer acerca da correlação entre a adequação da pena à culpabilidade do agente e moderna política-criminal brasileira, pontuando-se sumariamente pontos que levam a essa convicção como a falência do sistema penitenciário e seu fracasso na missão ressocializadora ou reintegradora e, acima de tudo, o fator criminogênico que se tornou o cárcere no Brasil, o que se demonstra ante os altos índices de reincidência no país.
59 Cezar Roberto Bitencourt, sobre o tema arremata que “precisa-se ter presente que o princípio da reserva legal não se limita à tipificação das condutas, estendendo-se às consequências jurídicas, especialmente à pena e à medida de segurança, caso contrário, o cidadão não terá como saber quais são as consequências que poderão atingi-lo” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Parte geral. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 1, p. 17.).
60 Por força do art. 5.º, inciso XXXIX, da Constituição Federal, bem como do art. 1.º do Código Penal.
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lei anterior e certa que preveja a conduta concreta como criminosa. Mas não é só. Deve também
cominar uma pena certa, em nosso ordenamento estipulada hipoteticamente pela qualidade
(detenção, reclusão, multa, prestação de serviços etc.) e pela quantidade (tempo de privação de
liberdade, montante de multa a ser paga, tempo de restrição de direitos).
À luz do princípio da taxatividade, corolário do princípio da legalidade (lex certa), seria de
esperar que a pena fosse a mais certa possível, não se permitindo qualquer margem de variação.
Esse sistema de absoluta determinação da pena foi adotado pelo Código Penal francês de 1791, e
mostrou-se tão insatisfatório quanto o sistema medieval da indeterminação absoluta.61
E isso porque, sem que se flexibilize a taxatividade do preceito secundário do tipo penal,
impossível se torna a aplicação do princípio da individualização da pena aplicada, assim como da
culpabilidade. Em atenção a essa necessidade, surge com o Código Penal francês de 1810 o
sistema de indeterminação relativa das penas, fixadas legislativamente entre marcos penais
máximos e mínimos,62 os quais seriam modulados pela decisão judicial no caso concreto, à luz dos
princípios da culpabilidade e da proporcionalidade, ambos a orientar a individualização da pena.
Assim, precisamente nesse espaço aberto entre pena mínima e máxima, atuaria a sua
individualização.63
Entendemos, contudo, que, para que haja terreno propício à individualização da pena e ao
mesmo tempo para que se respeite o princípio da legalidade, faz-se prescindível a fixação de uma
pena mínima, bastando que se fixe para tanto a pena máxima, de modo que se permita saber até
que ponto o estado pode invadir a esfera individual no condenado. Dessarte, não há qualquer
61 BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit., p. 698.
62 BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. et loc. cits.
63 Apoiando-se na doutrina de Maurício Antonio Ribeiro Lopes, Sérgio Salomão Shecaira e Alceu Corrêa Júnior destacam a desvantagem desse sistema que, aprioristicamente, presume a culpabilidade do agente (SHECAIRA, Sérgio Salomão; CORRÊA JÚNIOR, Alceu. Teoria da pena: finalidades, direito positivo, jurisprudência e outros estudos de ciência criminal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 78)
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infração ao princípio da legalidade o fato de não se indicar o mínimo que o deverá constranger o
agente.64
Ter delimitado com precisão qual o grau de ingerência do estado em direitos
fundamentais tão caros ao ordenamento jurídico, é imprescindível ao estado que se diz
democrático e ao indivíduo que se pretenda livre. Desse modo, exibe-se a delimitação da pena
máxima como uma garantia inexorável ao Estado Democrático de Direito, colocando limites à
intervenção estatal sobre o particular.65
Bem assim, consegue-se perceber que a função do marco penal máximo é a de limitar a
extensão da intervenção penal, evitando-se dessa maneira o arbítrio estatal. Logo,
fundamentalmente, o estabelecimento de uma pena máxima é uma garantia fundamental do
Estado de Direito, intimamente ligada ao princípio da legalidade e da taxatividade.
Por óbvio, não tem a mesma natureza a pena mínima. Conforme asseverado, o marco
penal inferior, ao contrário da pena máxima, não se exibe e jamais se exibiu como uma garantia
do indivíduo oponível ao Estado,66 mas sim como um marco norteador da aplicação da pena,
reflexivo do desvalor em abstrato da conduta hipotética.67
64 A título de exemplo, citem-se os ordenamentos jurídicos Alemão, Francês e Português, que delimitam somente a pena máxima e não a pena mínima. A principal crítica que se opõe à não indicação da pena mínima é a infração ao princípio da isonomia, que permitiria a aplicação de penas notadamente diferentes para casos semelhantes.
65 Mencionada garantia vai encontrar suas origens na pauta iluminista de Beccaria, que militava sobre a necessidade de se delimitarem as penas aplicadas, sob pena de se permitir o mais amplo arbítrio estatal. Sobre o tema, José Cerezo Mir destaca que “la formulación del principio de legalidad se debe a BECCARIA en su famosa obre ‘de los delitos y de las penas’, que acusa la influencia de MONTESQUIEU y ROUSSEAU y a Feuerbach que lo desarrolla en función de su teoría de la pena como coacción psicológica, y al que se remonta su formulación latina” (CEREZO MIR, José. Derecho penal. Parte general. 2. ed. Madrid: Universidad Nacional de Educación a Distancia, 2000. p. 243).
66 E que nem se cogite em falar na pena mínima como uma garantia da sociedade de punição mínima, garantia essa que não encontra qualquer respaldo na Constituição Federal, nem se coaduna com o Estado de Direito. Em que pese ser a segurança pública um direito social constitucionalmente garantido, não é lícito que se correlacione a aplicação de uma pena desproporcional a uma sensação ilusória de segurança. Volta-se ao argumento de que o encarceramento não é eficaz e não guarda qualquer relação com a segurança pública.
67 Nas palavras de Patrícia Ziffer “la función de los marcos penales no es, como podría pensar-se, sólo la de poner límites a la discrecionalidad judicial. No se trata simplesmente de ámbitos dentro dos cuales el juez se pude mover libremente y sin dar cuenta de su decisión, sino que através de ellos el legislador refleja el valor proporcional de la norma dentro del sistema” (ZIFFER, Patricia S. Lineamientos de la determinación de la pena. Buenos Aires: Ad-Hoc, 1996. p. 36-37).
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A pena mínima guarda relação com o princípio da proporcionalidade e da
individualização legislativa da pena. Sua função precípua é, portanto, traduzir o quantum de
reprovabilidade da conduta abstrata em quantidade de pena, de modo que, assim, se oriente a
aplicação da pena no caso concreto68 e diminua ao máximo a discricionariedade do juiz na
aplicação da pena, mas sem que com isso se engesse sua margem de atuação, necessária aos
princípios da culpabilidade e da individualização da pena.
Esse receio da discricionariedade judicial é refletido na obra de Maurício Antonio Ribeiro
Lopes, que condena amplitude exagerada dos marcos penais,69 assim como a inexistência da pena
mínima,70 tal qual ocorre nos ordenamentos jurídicos alemão, francês e português. De qualquer
forma, vê-se que a inexistência da pena mínima recebe críticas, não pela inexistência de uma
garantia de punição, mas, sim, em razão da inexistência de parâmetros de punição, que
permitiriam a flutuação desmedida da vontade do magistrado no momento da decisão sobre a
quantidade de pena aplicada, assim como a aplicação de penas discrepantes para casos
semelhantes.
Diante de tais considerações, é possível perceber que a permissão da diminuição da pena
aquém do mínimo legal, em face do reconhecimento de circunstâncias atenuantes, de maneira
alguma encontraria óbice no princípio da legalidade, uma fez que sua função desenhada é a de
modular e auxiliar a aplicação da pena, por meio da fixação legal de uma quantidade hipotética de
pena, que se presume ser a adequada a determinada conduta.
68 É claro que essa característica também se adere à pena máxima, vale dizer, o marco superior também guiará o desvalor da conduta, com a peculiaridade de que esse também se impõe como garantia estatal, ao contrário do marco inferior.
69 Essa amplitude exagerada ensejaria um arbítrio judicial no momento da aplicação da pena, assim como a incerteza da pena que seria aplicada. Nesse sentido, o autor destaca que “a determinação da pena deverá, portanto, ser sempre um compromisso entre a fixação legal (exigência de segurança jurídica) e a determinação judicial (justiça do caso particular), e este compromisso desaparece quando o juiz através de margens penais dilatadas absorve tarefas próprias do legislador, com significação de arbítrio incontrolável e de ofensas aos princípios da legalidade e da separação dos poderes, que são pressupostos fundamentais do estado de Direito” (LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. Princípio da legalidade penal: projeções contemporâneas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 131).
70 O autor assevera que “repudia-se, igualmente, o sistema do Código Penal alemão, em 1871, que prevê aos delitos apenas um máximo de pena privativa de liberdade que pode ser imposta pelo juiz. Tal sistema, de uma única margem penal, pode permitir a violação de outra garantia constitucional genérica, esta a da isonomia, dando margem a sem-número de reclamações pela pena imposta, comparando-a àquela aplicada a outros condenados” (LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. Op. cit., p. 131-132).
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Sua função não é, portanto, e de maneira nenhuma poderia ser,71 a de uma garantia legal,
ou seja, a de garantia de que uma pena seja aplicada no caso do cometimento de um ilícito.72
Por outro lado, a possibilidade de diminuição harmonizaria as melhores características dos
diversos sistemas de fixação da pena, pois, partindo-se da pena mínima, (i) não se deixaria de
aplicar penas semelhantes a caso semelhantes, ressalvando a isonomia das penas; (ii) ter-se-ia uma
orientação legislativa sobre o desvalor das condutas, que orientaria a aplicação em concreto da
pena, evitando-se a arbitrariedade judicial, mas permitindo-se sua modulação correspondente às
circunstancias concretas; (iii) não se afrontaria de forma patente o princípio da individualização
da pena; e (iv) poder-se-ia corrigir a eventual injustiça oriunda da presunção de culpabilidade do
agente advinda da pena mínima, modulando-se a pena de maneira otimizada à culpabilidade em
concreto do agente.
Em síntese, no nosso entender, não haveria qualquer óbice à diminuição da pena aquém
do mínimo legal, tomando-se a função do marco inferior como a de, tão somente, orientar a
aplicação da pena, não se exibindo precipuamente como um limite. Ao contrário do marco
superior que, além de orientador, exerce a função de limitador da pena, em consonância com o
princípio da reserva legal e a garantia de não se ter aplicada uma pena arbitrária.
Por essa mesma razão, também entendemos que a pena jamais poderia ser extrapolada
além de seu limite, seja pelo reconhecimento de circunstância agravante, seja pelo reconhecimento
de causas de aumento.
7. Conclusão
1. A análise dos julgados proferidos pelos Tribunais Superiores nos permite chegar à
conclusão de que, embora existam novos fundamentos para se impedir a diminuição da pena
71 Cf. nota 65.
72 Que aliás, conforme já se destacou, é a principal crítica do sistema de penas mínimas e máximas, pois, de certa forma, antecipa em forma de presunção a culpabilidade do acusado.
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abaixo do mínimo legal, fundamentalmente, o que impulsiona a posição jurisprudencial é o
continuísmo de raciocínio construído sob a égide da legislação anterior.
2. Curiosamente, a jurisprudência, que deveria ser a fonte de direito mais flexível e
adaptável ao contexto e realidade social, no caso em apreço, é que vem impedindo que uma
solução absolutamente admissível pelos dispositivos do Código Penal e patentemente mais
adequada aos princípios da culpabilidade e da individualização da pena seja adotada pelos
Tribunais Superiores.
Também, o tratamento jurisprudencial despendido para com as circunstâncias atenuantes
serviu para moldar sua própria definição doutrinária. Ainda que a maioria imprima
posicionamento contra a vedação da redução, na descrição das circunstâncias legais, mormente
quando comparadas com as causas de aumento e diminuição, não se observa questionamento de
seus autores quanto ao falso dogma de que sua decorrente variação deve respeitar os marcos
impostos pelo preceito secundário do tipo penal.
3. Podemos observar, dessa forma, que a praxe judiciária moldou e deformou o instituto
das circunstâncias legais, atribuindo-lhes características que não lhes são próprias, mas que tão
somente existiam por conta de interpretação construída na vigência da antiga Parte Geral do
Código Penal.
Não é lícito afirmar, portanto, que é da essência das circunstâncias legais que sua margem
de variação se circunscreva aos limites do preceito secundário. Aliás, não se encontra na doutrina
qualquer definição de quais seriam as características essenciais do instituto, mas somente definição
extraída da observação de como são aplicadas no caso concreto.
4. No caso analisado é possível perceber como pode ser perigoso o alinhamento
jurisprudencial dissociado de uma fundamentação jurídica idônea. A repetição de precedentes e a
consolidação de posicionamento jurisprudencial, se por um lado garante a tão buscada segurança
jurídica, por outro enseja a perpetuação de argumentos superados pela legislação e pela realidade
dos problemas surgidos com a evolução da sociedade.
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A pacificação de determinadas matérias pelos Tribunais vem causando o nefasto efeito de
se deixar de pensar o direito subjacente a elas. Os julgadores, deixando de se debruçar sobre a
matéria, tornam a repetir argumentos e posições antigas, que já de muito deveriam estar
superadas.
5. Se, por um lado, o posicionamento que resolveram adotar os Tribunais Superiores não
possui mais qualquer fundamento nos dispositivos legais do Código Penal, por outro, traz consigo
severa afronta a princípios de Direito Penal consagrados pela Constituição da República de 1988,
essencialmente o da culpabilidade, da individualização das penas e da própria legalidade.
Vale a pena relembrar que, quando se consolidou o posicionamento que ainda se repete
nos Tribunais, não só as disposições do Código Penal eram outras, como sequer ainda vigorava a
atual Carta Magna, à qual as disposições legais devem se adequar.
E isso se diz, pois, ainda que vigorassem as disposições legais antigas, seria de pensar em
sua inconstitucionalidade em face do princípio da individualização da pena. Não se pode
simplesmente ignorar o direito que a Carta Magna garante a uma pena justa e proporcional,
individualizada no caso concreto, na medida da culpabilidade do agente. É esse direito que vem
sendo tratorado pelo posicionamento jurisprudencial fixado.
No contexto atual, em que celeridade processual é confundida com eficientismo do
Judiciário, exemplos como o do caso aqui estudado servem para reforçar a necessidade de manter
continuamente a preocupação com os assuntos já pacificados, pois, a cristalização de um
posicionamento pode acobertar a perpetuação de injustiças.
6. De outro prisma, pudemos observar no decorrer deste trabalho o completo abandono
científico da matéria aqui tratada, que é de suprema relevância para o Direito Penal, na medida
em que opera na aplicação e na individualização da pena restritiva de liberdade a mais severa
sanção ao indivíduo, prevista pelo ordenamento jurídico nacional.
Nesse sentido, observou-se a inexistência de tratamento científico que nos indique a
natureza, as características normativas e o alcance das circunstâncias legais, cuja análise se restringe
a observação de como é aplicada nos casos em concreto. Essa análise científica, que para além da
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indução deve se estabelecer também dedutivamente e com raciocínio crítico, é de suprema
relevância para ordenamento jurídico nacional e sua inexistência é o que ainda permite a grande
discrepância entre as posições jurisprudenciais e doutrinárias estabelecidas sobre o assunto.
7. Ainda em decorrência da inexistência de uma disciplina específica do comportamento
das circunstâncias legais, é que tivemos de buscar os limites de sua atuação na natureza jurídica e
na função dos marcos penais do preceito secundário.
Para esse fim, fomos buscar as razões históricas da criação das penas máxima e mínima, de
onde pudemos concluir que, enquanto a primeira tem sua razão de existir na necessidade de
limitação do poder punitivo estatal – e, portanto, intimamente ligada ao princípio da legalidade –
, a segunda originou-se da necessidade de se estabelecer um critério legal prévio que norteasse a
aplicação da pena, evitando-se com isso a aplicação de penas discrepantes para casos semelhantes.
Disso é possível extrair que ambos os marcos penais exercem um papel de norteador da
aplicação da pena, mas que a convergência de suas funções aí se encerra, pois, além dessa função
norteadora da aplicação da pena, a pena máxima erige-se como um limite intransponível da
sanção privativa de liberdade, avocando assim a função de garantia fundamental do indivíduo em
relação ao Estado.
Amparado nessas conclusões se defende a inexistência de qualquer limitação legal à
redução da pena aquém do mínimo legal em qualquer das fases da aplicação da pena. Fixando-se a
pena mínima como o ponto de partida para a aplicação da pena – e é essa sua única e genuína
função – o magistrado atento às circunstâncias judiciais e legais prescritas em lei poderá variar a
quantidade de pena aplicada, seja para cima, como para baixo.
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Justiça restaurativa: um novo modelo de justiça criminal
Rafaela Alban Cruz Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUC-RS.
Especializanda em Ciências Penais pela PUC-RS.
Resumo: A Justiça Restaurativa consiste em um paradigma não punitivo, baseado em valores, que tem como principal objetivo a reparação dos danos oriundos do delito causados às partes envolvidas – vítima, ofensor e comunidade – e, quando possível, a reconstrução das relações rompidas. Apresenta-se como uma alternativa ao modelo retributivo, tendo em vista a clemência por mudanças mais profundas e concretas diante das ineficiências e deslegitimidade do sistema penal. Sendo a realidade do Brasil, analisa-se as (im)possibilidades de implementação do modelo no sistema jurídico, perante os princípios da indisponibilidade da ação penal, da legalidade e da oportunidade. Palavras-chave: restaurativa; retributivo; modelo; justiça criminal; alternativas. Abstract: Restorative justice consists of a non punishing paradigm based on values that have as its main objective the reparation of damages that have stemmed from crime that was caused to the involved parties, the victim, the offender and the community, and, when possible, the reconstruction of the relationships that have been broken. It is an alternative to the retributive system, aiming at more in-depth and concrete changes in relation to the inefficiencies and de-legitimacy of the legal system. Having Brazil as a background we analyze the (im)possibilities to implement this model to the legal system in the presence of the principles of non-availability of criminal action, legality and opportunity. Key words: restorative justice, retributive justice, criminal justice, alternatives. Sumário: 1. Introdução; 2. (In)eficiência e (des)legitimidade do sistema punitivo; 3. Justiça Restaurativa x Justiça Retributiva; 4. Implementação da Justiça Restaurativa no Brasil; 5. Considerações Finais; 6. Referências Bibliográficas.
1. Introdução
O presente artigo visa a apresentar a Justiça Restaurativa como um novo modelo de Justiça
Criminal, capaz de suprir as falhas e as ineficiências do sistema punitivo.
Em um primeiro momento, aborda-se a crise da (des)legitimidade e da (in)eficiência do sistema de
Justiça Criminal, o qual resiste intocável e irredutível a qualquer movimento de reforma mais profunda,
introduzindo apenas modificações superficiais, que apenas ratificam a falência do sistema penal.
Posteriormente, realiza-se uma oposição entre o atual modelo de Justiça Criminal e o modelo
restaurativo, apontando as principais falhas daquele e as soluções do ideal apresentadas por este.
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Por fim, estudam-se as (im)possibilidades de implementação da Justiça Restaurativa no Brasil,
tendo em vista a adoção dos princípios da indisponibilidade da ação penal e da legitimidade e as brechas da
legislação que possibilitam o encaminhamento do caso ao modelo restaurativo.
2. (In)eficiência e (des)legitimidade do sistema punitivo
A Justiça Criminal tem como principal objetivo manter o convívio pacífico entre os membros da
sociedade. Para tanto, o Estado detém o poder punitivo.
No século XVIII, surge a privação de liberdade como alternativa mais humana aos castigos
corporais e à pena de morte. Contudo, poucos anos depois de sua implementação, as prisões passam a ser
empregadas como principal, senão o único, instrumento utilizado pelo Estado a fim de exercer o ius
puniendi, instrumento este que, na verdade, deveria ser utilizado como ultima ratio.
Essa utilização extrema e irracional da prisão, além de não cumprir com as funções que legitimam
a existência da Justiça Criminal, fere de forma irreparável os direitos e garantias dos seres humanos.
Conforme alerta Lopes Junior: “A idéia de que a repressão total vai sanar o problema é totalmente ideológica e
mistificadora. Sacrificam-se direitos fundamentais em nome da incompetência estatal em resolver os problemas
que realmente geram a violência”.1
Baratta cita que os efeitos marginalizadores do cárcere e a impossibilidade estrutural de a instituição
carcerária cumprir as funções que a ideologia penal lhe atribui demonstram o substancial fracasso do
sistema penal tradicional.2 No mesmo sentido, Carvalho anuncia que as incapacidades do sistema penal o
tornam nu, deslegítimo:
“O desvelamento das (in)capacidades do sistema punitivo, pelas inúmeras vertentes da crítica criminológica
(contraposições dos efeitos reais e funções declaradas), desde a apresentação dos efeitos perversos gerados pela
1 LOPES JUNIOR, Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 16.
2 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. Rio de Janeiro: Revan, 2002. p. 168.
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desigualdade da incidência criminalizadora, deflagrou o desgaste e o esvaziamento em todos os modelos de
justificação, notadamente das doutrinas ressocializadoras”.3
Após o reconhecimento da crise de legitimidade e eficiência do sistema, inúmeras alternativas ao
encarceramento foram propostas e implementadas, a fim de reduzir e/ou conter a punição extrema, como,
por exemplo, as penas e medidas alternativas, inseridas pela Lei 9.099/1995.
Entretanto, as alternativas adotadas somente aumentaram o campo de atuação do direito penal,
revelando uma verdadeira intenção e/ou tentativa de remendar o paradigma punitivo. Nas palavras de
Zehr:
“As populações carcerárias continuam a crescer ao mesmo tempo em que as ‘alternativas’ também crescem,
aumentando o número de pessoas sob o controle e supervisão do Estado. A rede de controle e intervenção se
ampliou, aprofundou e estendeu, mas sem efeito perceptível sobre o crime e sem atender as necessidades essenciais
da vítima e ofensor”.4
Ainda, afirma que:
“A busca de alternativas à privação de liberdade representa uma outra tentativa de remendar o paradigma. Ao
invés de procurar alternativas à pena, o movimento em prol de alternativas oferece penas alternativas. Criando
novas formas de punição menos dispendiosas e mais atraentes que a prisão, seus proponentes conseguem manter o
paradigma em pé. Contudo, pelo fato de constituírem apenas outro epiciclo, não questiona os pressupostos que
repousam no fundamento da punição. E por isso não tem impacto sobre o problema em si – a superlotação
carcerária –, problema para o qual pretendiam ser a solução”.5
Contudo, não há como alterar a situação do sistema penal dentro de um paradigma6 puramente
punitivo-retributivo, no qual, pela própria natureza dos mecanismos existentes (basicamente a pena),
acabará sempre prevalecendo a resposta da força. Sica menciona que:
3 CARVALHO, Salo de. Memória e esquecimento nas práticas punitivas: criminologia e sistemas jurídico-penais contemporâneos. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008. p. 68.
4 ZEHR, Howard. Trocando as lentes: um novo foco sobre o crime e a justiça. São Paulo: Palas Athena, 2008. p. 62.
5 Idem, ibidem, p. 90.
6 Entende-se como paradigma, segundo Zehr (2008), o modo específico de construir a realidade, de compreender os fenômenos e o mundo. Conforme o autor, os paradigmas moldam a forma como definimos problemas e o nosso reconhecimento do que sejam soluções apropriadas.
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“Em que pese os enormes esforços empreendidos nas últimas décadas por grande parte da doutrina e por um
pequeno número de operadores, não há como avançar na direção de uma justiça penal mais humana, mais
legítima e mais democrática enquanto o atual paradigma permanecer intocado nos seus contornos mais
marcantes: o processo penal como manifestação de autoridade, o direito penal como exercício do poder”.7
Mesmo diante da ineficiência do sistema penal, este resiste intocável e irredutível a qualquer
movimento de reforma mais profunda, introduzindo apenas modificações superficiais, as quais apenas
ratificam as inúmeras falências da Justiça Criminal.
É necessário reduzir o exercício do poder punitivo do sistema penal e substituí-lo por alternativas
eficientes à solução dos conflitos, possibilitando a construção de um novo paradigma, capaz de colaborar
com a transição ao Estado Democrático de Direito, promulgado pela Constituição Federal de 1988 e
neutralizado até então pela resistência articulada pelo sistema penal.8 Como sustentado por Zehr: devemos
trocar as lentes pelas quais enxergamos o crime e a justiça.9
3. Justiça restaurativa x justiça retributiva
A partir do reconhecimento das falhas do sistema punitivo, Rolim questiona:
“E se, no final das contas, estivéssemos diante de um fenômeno mais amplo do que o simples mau
funcionamento de um sistema punitivo? Sem aí, ao invés de reformas pragmáticas ou de
aperfeiçoamentos tópicos, estivéssemos diante do desafio de reordenar a própria idéia de ‘Justiça
Criminal’? Seria possível imaginar uma justiça que estivesse apta a enfrentar o fenômeno moderno da
criminalidade e que, ao mesmo tempo, produzisse a integração dos autores à sociedade? Seria possível
imaginar uma justiça que, atuando para além daquilo que se convencionou chamar de ‘prática
restaurativa’, trouxesse mais satisfação às vítimas e às comunidades? Os defensores da Justiça
Restaurativa acreditam que sim”.10
7 SICA, Leonardo. Justiça restaurativa e mediação penal: o novo modelo de justiça criminal e de gestão de crime. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 119.
8 Idem, ibidem, p. 8.
9 ZEHR, Howard. Op. cit., p. 90.
10 ROLIM, Marcos. A síndrome da Rainha Vermelha: policiamento e segurança pública no século XXI. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; Oxford, Inglaterra: University of Oxford, Centre for Brazilian Studies, 2006. p. 90.
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Diante disso, o modelo de Justiça Restaurativa se apresenta como um paradigma contraste à
Justiça Criminal, indicando soluções às principais falhas e ineficiências deste, alterando os focos e as
soluções, conforme será indicado.
Inicialmente, verifica-se que o processo penal é voltado exclusivamente à questão da culpa do
acusado e, uma vez estabelecida, as garantias processuais e os direitos fundamentais são deixados de lado,
resultando em uma menor atenção ao desfecho do processo, conforme destaca Zehr.11
Ainda, ao ser apurada a culpa, focaliza-se o passado, pois se tenta “reconstruir” o fato delituoso em
questão.12 Assim, é possível concluir que o foco não está no dano causado à vítima, ao infrator e à
comunidade, ou na experiência destas na ocorrência do delito, como a Justiça Restaurativa faz, mas sim na
violação à lei e a determinação da culpa.
Em contraposição, o modelo restaurativo foca sua atenção no ato danoso, nos prejuízos causados
aos envolvidos: vítima, ofensor e comunidade e nas possíveis soluções do conflito.
Posteriormente ao estabelecimento da culpa, desloca-se à determinação da punição. Nas palavras
de Zehr: “Culpa e punição são os fulcros gêmeos do sistema judicial. As pessoas devem sofrer por causa do
sofrimento que provocam. Somente pela dor terão sido acertadas as contas. [...] O objetivo básico de nosso
processo penal é a determinação da culpa, e uma vez estabelecida, a administração da dor”.13
Dessa forma, afirma-se que o sistema retributivo busca apenas retribuir o mal feito, sem trazer
qualquer beneficio à comunidade, ou ao infrator e, principalmente, à vítima. Nesse sentido, Zehr assevera
que as instituições e métodos do direito são partes integrantes do ciclo de violência ao invés de soluções
para ela.14
Por sua vez, a Justiça Restaurativa expressa uma forma de justiça centrada na reparação,
representando uma verdadeira ruptura em relação aos princípios de uma justiça retributiva, a qual se baseia
somente nas sanções punitivas.
11 ZEHR, Howard. Op. cit., p. 64.
12 Idem, ibidem, p. 64.
13 Idem, p. 74.
14 Idem, p. 74.
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Além do mais, o processo penal afasta as partes realmente envolvidas no conflito. A manifestação
do acusado resume-se somente ao seu interrogatório quanto aos fatos delituosos, sem haver qualquer
indagação quanto aos motivos que o levaram a cometer o delito, bem como as consequências que este
trouxe em sua vida.
As vítimas são substituídas pela autoridade do Estado, tendo mínima participação no processo
penal, atuando como testemunha ou através de um assistente de acusação, nos delitos processados
mediante ação penal pública incondicionada. Ainda, outorga-se legitimidade às vítimas nos delitos que se
processam mediante ação penal privada e pela ação penal pública condicionada à representação.
Em oposição, a Justiça Restaurativa traz as partes ao centro do processo, oferecendo-lhes
autonomia para expor seus sentimentos e necessidades, bem como a possibilidade de ouvir a outra parte,
num discurso equilibrado. Conforme expõe Pinto, a Justiça Restaurativa promove a democracia
participativa das partes, superando o modelo retributivo:
“A vítima, o infrator e a comunidade se apropriam de significativa parte do processo decisório, na busca
compartilhada de cura e transformação, mediante uma recontextualização construtiva do conflito,
numa vivência restauradora. O processo atravessa a superficialidade e mergulha fundo no conflito,
enfatizando as subjetividades envolvidas”.15
Possivelmente, a maior diferença entre os dois modelos de justiça seja a definição de crime adotada
por cada um deles. Morris refere que o sistema de Justiça Criminal convencional enxerga o crime
principalmente como uma violação de interesses do Estado. Em contraste, a Justiça Restaurativa vai além,
oferecendo decisões sobre como melhor atender àqueles que mais são afetados pelo crime, dando
prioridade aos seus interesses.16
A Justiça Restaurativa propõe reconstruir a noção de crime, especificando que este é mais que uma
transgressão de uma norma jurídica ou uma violação contra o Estado; é, também, um evento causador de
prejuízos e consequências.
15 PINTO, Renato Sócrates Gomes. Justiça restaurativa é possível no Brasil? In: SLAKMON, C.; DE VITTO, R.; PINTO, R. (Orgs.). Justiça restaurativa. Brasília: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento, 2005. p. 19-40. p. 22.
16 MORRIS, Alisson. Criticando os críticos: uma breve resposta aos críticos da justiça restaurativa. In: BASTOS, Márcio Thomaz; LOPES, Carlos; RENAULT, Sérgio Rabello Tamm (Orgs.). Justiça restaurativa: Coletânea de artigos. Brasília: MJ e PNUD, 2005. Disponível em: <http://www.justica21.org.br/interno.php?ativo=biblioteca>. Acesso em: 21 maio 2011.
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Zehr define as lentes da justiça retributiva como: “O crime é uma violação contra o Estado, definida pela
desobediência à lei e pela culpa. A justiça determina a culpa e inflige dor no contexto de uma disputa entre
ofensor e Estado, regida por normas sistemáticas”.17
Por outro lado, Zehr descreve a forma como a Justiça Restaurativa enxerga o delito: “O crime é
uma violação de pessoas e relacionamentos. Ele cria a obrigação de corrigir os erros. A justiça envolve a vítima, o
ofensor e a comunidade na busca de soluções que promovam reparação, reconciliação e segurança”.18
Conforme expõe Achutti, a infração, na Justiça Restaurativa, deixa de ser um mero tipo penal
violado e passa a ser vista como advinda de um contexto bem mais amplo, de origens obscuras e
complexas, e não de uma mera relação de causa e efeito.19
Brancher destaca que a Justiça Restaurativa define uma nova abordagem sobre a questão do crime
e das transgressões, o que possibilita um referencial paradigmático na humanização e pacificação das
relações sociais envolvidas num conflito.20
Diferentemente das alternativas adotadas, a Justiça Restaurativa se baseia em um paradigma não
punitivo, que apresenta soluções às ineficácias do sistema de justiça criminal atual, alterando o foco do
processo penal no estabelecimento da culpa e punição para o ato danoso, suas consequências e suas
possíveis soluções.
4. A implementação da justiça restaurativa no Brasil
Nos países do sistema common law, o sistema jurídico é mais receptivo ao encaminhamento de
casos à Justiça Restaurativa, principalmente pela grande discricionariedade atribuída ao promotor em
processar ou não, segundo o princípio da oportunidade. Ao contrário do nosso sistema, que continua
17 ZEHR, Howard. Op. cit., p. 171.
18 Idem, ibidem, p. 171.
19 ACHUTTI, Daniel. Modelos contemporâneos de justiça criminal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 73.
20 BRANCHER, Leoberto Narciso. Justiça restaurativa. A cultura da paz na prática da Justiça. Disponível em: <http://jij.tj.rs.gov.br/jij_site/docs/just_restaur/vis%C3o+geral+jr_0.htm>. Acesso em: 8 maio 2011.
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sendo mais restritivo, em virtude da adoção do princípio da indisponibilidade da ação penal pública e da
legalidade.21
Segundo Giacomolli, o princípio da legalidade significa que os agentes oficiais, representantes do
Estado nas funções de investigar, acusar e julgar, não podem agir de acordo com o que lhes convém, mas
segundo critérios estabelecidos na legislação22. Dessa forma, o início, desenvolvimento e término do
processo penal não podem se submeter ao juízo da oportunidade ou a atitudes discricionárias.
Quanto ao princípio da indisponibilidade da ação penal, o autor refere que o Ministério Público,
diante do preenchimento dos requisitos legais à acusação, tem a obrigação de fazê-la, sustentá-la e de
promover sua execução, perante o órgão judicial.23
Todavia, com o advento da Constituição Federal de 1988, com a reforma do Estatuto da Criança
e do Adolescente e, principalmente, com a Lei 9.099/1995 e com base no princípio da oportunidade,
possibilitou-se a aplicação do modelo restaurativo no sistema jurídico brasileiro, em determinados casos.
A Constituição Federal, em seu art. 98, inciso I,24 possibilitou a conciliação e transação em casos
de infração penal de menor potencial ofensivo. Conforme argumenta Pinto, com esta inovação, arrisca-se a
afirmar que o princípio da oportunidade passou a coexistir com o princípio da obrigatoriedade da ação
penal, no sistema jurídico brasileiro.25
21 PINTO, Renato Sócrates Gomes. A construção da justiça restaurativa no Brasil: O impacto no sistema de justiça criminal. Disponível em: <http://www.idcb.org.br/documentos/sobre%20justrestau/construcao_dajusticarestaurativanobrasil2.pdf>. Acesso em: 8 maio 2011.
22 GIACOMOLLI, Nereu José. O processo penal contemporâneo em face do consenso criminal: diálogos corrompidos e persistência no monólogo vertical. In: GAUER, Ruth Maria Chittó (Org.). Criminologia e sistemas jurídico-penais contemporâneos. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008. p. 245.
23 Idem, ibidem, p. 246.
24 “Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: I – juizados especiais, providos por
juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de
menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e
sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes
de primeiro grau.”
25 PINTO, Renato Sócrates Gomes. A construção da justiça restaurativa no Brasil: o impacto no sistema de justiça criminal. Disponível em: <http://www.unaerp.br/revistas/index.php/paradigma/article/view/54/65>. Acessado em: 13 jul. 2012.
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Destacam-se, também, todos os crimes processados mediante ação penal privada ou ação penal
pública condicionada à representação da vítima. Segundo Sica, por se tratar de hipóteses em que a
manifestação de vontade da vítima é suficiente para afastar a intervenção penal, abre-se uma oportunidade
direta para conciliação ou discussão quanto à reparação de danos.26
Por outro lado, a Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais regula o procedimento para a
conciliação e julgamentos dos crimes de menor potencial ofensivo, possibilitando a aplicação da justiça
restaurativa, através dos institutos da composição civil (art. 72), transação penal (art. 76) e suspensão
condicional do processo (art. 89).
Primeiramente, o art. 72 da Lei 9.099/1995,27 prevê a possibilidade de composição dos danos
entre as partes, presente representante do Ministério Público, e a aceitação da proposta de aplicação de
pena não privativa de liberdade, em audiência preliminar.
Ainda, o art. 7928 prevê que, em audiência de instrução e julgamento, quando infrutífera a
tentativa de conciliação entre as partes e não havendo proposta pelo Ministério Público, deverá o
magistrado ofertar a composição civil.
Segundo, o art. 76, do mesmo diploma legal,29 disserta quanto à transação penal, referindo que,
havendo representação da vítima ou sendo crime de ação penal pública incondicionada, poderá o
Ministério Público propor pena restritiva de direito ou multas.30
26 SICA, Leonardo. Bases para o modelo brasileiro de Justiça Restaurativa. Revista Jurídica do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, n. 12, p. 411-447, 2009. p. 412.
27 “Art. 72. Na audiência preliminar, presente o representante do Ministério Público, o autor do fato e a vítima e, se
possível, o responsável civil, acompanhados por seus advogados, o Juiz esclarecerá sobre a possibilidade da
composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade.”
28 “Art. 79. No dia e hora designados para a audiência de instrução e julgamento, se na fase preliminar não tiver havido possibilidade de tentativa de conciliação e de oferecimento de proposta pelo Ministério Público, proceder-se-á nos termos dos arts. 72, 73, 74 e 75 desta Lei.”
29 “Art.76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de
arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a
ser especificada na proposta.”
30 “Art.76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de
arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a
ser especificada na proposta.”
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Por fim, abre-se possibilidade para a aplicação da Justiça Restaurativa pela redação do art. 89 da
Lei 9.099/1995.31 Nesse caso, amplia-se o rol de crimes contemplados para serem alcançados os crimes de
médio potencial ofensivo, eis que o instituto de suspensão condicional do processo não se limita aos crimes
de menor potencial ofensivo, como os artigos referidos.
Verifica-se, portanto, que para as situações que admitam a suspensão condicional do processo
pode ser feito, também, o encaminhamento do caso à Justiça Restaurativa, pois a par das condições legais
obrigatórias, previstas no § 1.º do referido artigo,32 o § 2.º33 permite a especificação de outras condições,
indicando outra abertura à aplicação do modelo restaurativo.
Observa-se, ainda, a possibilidade de aplicação da Justiça Restaurativa nos crimes contra idosos,
uma vez que o art. 94 da Lei 10.741/2003,34 determina o emprego do procedimento da Lei 9.099/1995
nos delitos cuja pena privativa de liberdade não exceda quatro anos.
O Estatuto da Criança e do Adolescente também impulsiona à implementação da Justiça
Restaurativa, uma vez que recepciona o instituto da remissão, através do art. 126.35 Nesse caso, o processo
poderá ser excluído, suspenso ou extinto, desde que a composição do conflito seja perfectibilizada entre as
partes, de forma livre e consensual.
31 “Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta
Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão condicional do processo, por dois a
quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime,
presentes os demais requisitos que autorizem a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).”
32 “Art. 89. (...) § 1.º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes condições: I – reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo; II – proibição de frequentar determinados lugares; III – proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz; IV – comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.”
33 “§ 2.º O juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão condicional do processo, desde que adequadas ao fato e a situação pessoal do acusado.”
34 “Art. 94. Aos crimes previstos nesta Lei, cuja pena máxima privativa de liberdade não ultrapasse 4 (quatro) anos, aplica-se o procedimento previsto na Lei 9.099, de 16 de setembro de 1995, e, subsidiariamente, no que couber, as disposições do Código Penal e do Código de Processo Penal.”
35 “Art. 126. Antes de iniciado o procedimento judicial para apuração de ato infracional, o representante do
Ministério Público poderá conceder a remissão, como forma de exclusão do processo, atendendo às circunstâncias
e consequências do fato, ao contexto social, bem como à personalidade do adolescente e sua maior ou menos
participação no ato infracional. Parágrafo único. Iniciado o procedimento, a concessão da remissão pela autoridade
judiciária importará na suspensão ou extinção do processo.”
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Além disso, diante do amplo elastério das medidas socioeducativas, previstas no art. 112 e
seguintes,36 do mesmo diploma legal, verifica-se, da mesma forma, abertura ao modelo restaurativo por
meio da obrigação de reparar o dano.
Seria possível vislumbrar ainda uma ponte para aplicação do modelo restaurativo o instituto do
perdão judicial, previsto nos arts. 107, inciso IX37 e 12038, ambos do Código Penal.
Segundo Pinto, a intervenção dos operadores jurídicos nas práticas restaurativas requer uma
sensibilização e uma capacitação específica para lidar com os conflitos deontológicos e existenciais na sua
atuação, pois estarão, por um lado, jungidos a sua formação jurídico-dogmática e seus estatutos funcionais
e, por outro, convocados a uma nova práxis, que exige mudança de perspectiva.39
O autor esclarece que o procedimento restaurativo jamais poderá contrariar os princípios e regras
constitucionais e infraconstitucionais, violando o princípio da legalidade em sentido amplo. A aplicação da
Justiça Restaurativa deve respeitar as condições para que sua existência, validade, vigência e eficácia sejam
reconhecidas. Caso contrário, o procedimento e seus atos restaram inexistentes, nulos e/ou ineficazes e,
portanto, inaptos para irradiar efeitos jurídicos.40
A implementação da Justiça Restaurativa no Brasil representa a oportunidade de uma Justiça
Criminal mais democrática, que opere real transformação, abrindo caminho para a nova forma de
promoção dos direitos humanos e da cidadania, da inclusão e da paz social com dignidade. Entretanto, as
barreiras e preconceitos jurídicos impedem uma maior aplicação e evolução da Justiça Restaurativa no
Brasil, sendo ainda necessário “mudar aquela velha opinião formada sobre tudo”.
5. Considerações finais
36 “Art. 112. Verificada a prática do ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I – advertência; II – obrigação de reparar o dano; III – prestação de serviço à comunidade; IV – liberdade assistida; V – inserção em regime de semi-liberdade; VI – internação em estabelecimento educacional; VII – qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.”
37 “Art. 107. Extingue-se a punibilidade: (...) IX – pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei.”
38 “Art. 120. A sentença que conceder perdão judicial não será considerada para efeitos de reincidência.”
39 PINTO, Renato Sócrates Gomes. Justiça restaurativa: um novo caminho? Revista IOB de Direito Penal e Processo Penal, Porto Alegre, v. 8, n. 47, p. 190-202, dez. 2007-jan. 2008.
40 Idem, ibidem, p. 190-202.
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Aparentemente, a Justiça Restaurativa se apresenta como um modelo utópico, com soluções
simples e, ao mesmo tempo, brilhantes às falhas do sistema de Justiça Criminal. Toma força essa ideia
principalmente diante da adoção de um paradigma, e pensamento, puramente punitivo-retributivo.
Entretanto, durante anos se tentou a implementação de diversas alternativas superficiais, as quais
somente remendaram o sistema e, ao final, ratificaram a sua ineficiência.
A sociedade acredita que a imposição de castigo e dor compõe o conceito de justiça, e que o
diálogo e compreensão não podem fazer parte deste. Além disso, pensa que crime é apenas uma violação às
leis do Estado.
É preciso “trocar as lentes” pelas quais enxergamos o crime e a justiça, conforme sustenta Zehr. E a
Justiça Restaurativa propõe uma verdadeira troca de lentes, alterando o foco do processo penal ao
estabelecimento de culpa e punição para o ato danoso, suas consequências e suas soluções.
A Justiça Restaurativa se mostra como um modelo mais humano, que aproxima as partes
realmente envolvidas e afetadas pelo delito e devolve a estas a competência de resolução dos conflitos.
A adoção do modelo restaurativo indica uma verdadeira forma de transformação, de uma real
possibilidade de mudanças. É um caminho para a concretização da aceitação dos direitos humanos e do
Estado Democrático de Direito.
6. Referências bibliográficas
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BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. Rio
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corrompidos e persistência no monólogo vertical. In: GAUER, Ruth Maria Chittó (Org.). Criminologia e
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LOPES JUNIOR, Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade constitucional. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
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Márcio Thomaz; LOPES, Carlos; RENAULT, Sérgio Rabello Tamm (Orgs.). Justiça restaurativa: Coletânea
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Janeiro: Lumen Juris, 2007.
ZEHR, Howard. Trocando as lentes: um novo foco sobre o crime e a justiça. São Paulo:
Palas Athena, 2008.
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 02 – Março de 2013 – ISSN nº 2317-1898. 84
Embargos infringentes em ação penal originária no STF
Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr. Especialista em Direito do Estado pela UFRGS.
Advogado.
Resumo: O julgamento da Ação Penal 470 – batizada marcialmente de “mensalão” – inaugurou importante discussão processual sobre o cabimento, ou não, de embargos infringentes em ações penais originárias no egrégio STF. O Regimento Interno do Supremo autoriza o recurso. No entanto, a Lei 8038/90 silenciou. Eis, o mérito e oportunidade do presente artigo. Palavras-chave: Mensalão; Embargos Infringentes; Ação Penal Originária; Supremo Tribunal Federal; Devido processo legal. Abstract: The trial of criminal action 470, popularly known as “mensalão” opened an important procedural discussion about the suitability or not of rehearing en banc for original criminal actions at the distinguished Federal Supreme Court. Internal guidelines from that Court authorize the use of that appeal. However, law 8038/90 has silenced it. The aim of this paper is to address these issues. Key words: Mensalão; [request for] rehearing en banc; original criminal action; Federal Supreme Court; due process of law.
O julgamento da Ação Penal 470 – batizada marcialmente de “mensalão” – tem suscitado um
importante debate sobre instigante tema processual: cabem ou não embargos infringentes de decisão
plenária da Suprema Corte em ação penal originária? Bem, antes de uma reposta categórica, é preciso ir
gradualmente dissecando o problema jurídico, evitando, assim, juízos prematuros ou precipitados. Em
especial, quando se fala de proteção da liberdade, é imperativo ter tato e cuidado na aplicação da norma
penal, pois o calor do ímpeto punitivo não pode incorrer em violação das garantias constitucionais
individuais. Nesse contexto, o poder-dever do Estado de impor sanções às transgressões de condutas, sob
hipótese alguma, pode solapar as regras e princípios inerentes ao devido processo legal.
Pois bem. Inicialmente, deve ser destacado que o art. 333 do Regimento Interno do Supremo
(RISTF) dispõe que “cabem embargos infringentes à decisão não unânime do Plenário ou da Turma” que
“julgar procedente a ação penal” (inciso I); posteriormente, o parágrafo único do mesmo art. 333/RISTF
estabeleceu: “O cabimento dos embargos, em decisão do Plenário, depende na existência, no mínimo, de
quatro votos divergentes, salvo nos casos de julgamento criminal em sessão secreta”. Logo, por pura e
simples subsunção normativa, havendo quatro votos divergentes, estaria autorizada a interposição de
embargos infringentes. É o que diz a norma regimental.
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Ocorre que a Lei 8.038/1990, que regulamentou o trâmite da ação penal originária perante as
Cortes Superiores, incorreu em hermético silêncio quanto ao cabimento de embargos infringentes. Assim
sendo, levantam-se vozes sustentando que a referida lei federal revogou tacitamente o art. 333 do RISTF,
colocando uma pá de cal sobre o referido tipo recursal. Entre as ilustres opiniões manifestadas a favor da
revogação, merece destaque o nobre timbre do Professor Lenio Luiz Streck, que pontuou a matéria
afirmando que “a Lei 8.038 foi elaborada exatamente para regular o processo das ações penais originárias.
Logo, não há como sustentar, hermeneuticamente, a sobrevivência de um dispositivo do RISTF que trata da
matéria de modo diferente”.1
Em que pese a respeitabilidade natural dos pareceres em sentido contrário, entendo que a Lei
8.038/1990 não revogou o art. 333 do RISTF. Ou seja, no caso de prolação de quatro votos divergentes,
será cabível a interposição de recurso de embargos infringentes, nos exatos termos da norma regimental.
Aliás, a Lei 8.038/1990, ao invés de revogar, reforçou o poder normativo do RISTF. Isso porque, no art.
12 da referida, foi expressamente estabelecido que: “finda a instrução, o Tribunal procederá ao julgamento,
na forma determinada pelo regimento interno”.
Frisa-se, por relevante e imperativo: “na forma determinada pelo regimento interno”! Ora, se a
própria lei se reporta ao regimento, é lógico que suas disposições normativas seguem vigentes. Até mesmo
porque é de intuir que, tratando de matéria penal vinculada ao sacrossanto direito à liberdade, o legislador
federal teria tratado de eventual revogação recursal de forma expressa e pontual, sem deixar dúvidas ou
questionamentos. E a única certeza que se tem é que a Lei 8.038/1990 se reportou expressamente às
disposições regimentais.
Dessa forma, salvo melhor juízo, o art. 333 do RISTF permanece absolutamente válido e
normativamente hígido. Conforme já destacado, a apontada Lei 8.038/1990, em nenhum momento, linha
ou entrelinha, disse ou fez menção de que almejava revogar o dispositivo regimental. É certo que o art. 44
da referida Lei dispôs que “revogam-se as disposições em contrário”. Todavia, as disposições que não a
contrariem, que a complementem ou versem sobre tópicos jurídicos autônomos e independentes
permanecem em absoluto vigor. Falando nisso, um detalhe merece ser realçado: a Lei 8.038/1990 não
disse uma vírgula sequer sobre “embargos de declaração” e, até agora, não há notícias de fontes a sustentar
o descabimento de declaratórios na espécie. O vazio da crítica especializada soa, no mínimo, sintomático e
revelador.
1 Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-ago-13/mensalao-nao-cabem-embargos-infringentes-supremo>.
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Aliás, tratando-se de tipo recursal penal e, por assim ser, vinculado à garantia fundamental da
ampla defesa, não parece razoável que a adoção de um critério de revogação tácita seria o melhor
conselheiro hermenêutico para o caso. Isso porque a defesa da liberdade não pode ficar à mercê de juízos
subjetivos sobre palavras não ditas ou plantadas na desconhecida imaginação do artífice da lei. Sobre o
ponto, merece destaque judicioso voto do Ministro Moreira Alves no qual afirma que “a revogação tácita só
ocorre quando há incompatibilidade entre leis que sucedem no tempo” (RE 90993/SP, 2.ª Turma, DJ
03.07.1979). Além disso, no caso em questão, o silêncio da lei deve ecoar em benefício do acusado e
jamais em favor do acusador, sob pena de resgatarmos tristes e vetustos métodos inquisitórios de
processualística penal.
Enaltecendo uma visão orgânica do ordenamento jurídico, bem como as diretrizes inerentes à
ampla defesa em matéria penal, é possível concluir que a Lei 8.038/1990 não é incompatível com o art.
333 do RISTF. Ao contrário, a referida Lei federal se compatibiliza com a referida norma regimental, pois
dispôs – em alto e bom som – que, “finda a instrução, o Tribunal procederá ao julgamento, na forma
determinada pelo regimento interno”. Portanto, enquanto pertencer ao RISTF, o art. 333 legitimará a
interposição de embargos infringentes em ações penais originárias da Suprema Corte. Aos mais apressados,
é bom que se diga que não se está, aqui, a premiar a impunidade ou a morosidade judicial, mas apenas
procurando garantir a inegociável defesa da liberdade, nos exatos termos da lei. E o que a lei quer, a
Constituição aprova, pois, como um dia disse Rui, “fora da lei não há salvação”.
Não há dúvida de que o Brasil precisa de melhores dias. Dias de legalidade, de espírito público e
decência. No entanto, nossa ânsia por dias melhores não pode significar, jamais, o menosprezo às garantias
traçadas na Constituição. Lembro, ainda, que os embargos infringentes não possuem regra geral, efeito
suspensivo, não prejudicando, assim, o imediato cumprimento da pena. É claro que, diante de alguma
anormalidade material ou processual, a defesa poderá buscar fundamentadamente a excepcional concessão
suspensiva. Nesse caso, caberá monocraticamente ao relator, ou ao órgão colegiado, deliberar pelo
deferimento ou não de eventual efeito suspensivo.
Aqui chegando, encerramos dizendo que procuramos fazer uma análise exclusivamente técnica da
possibilidade ou não do manejo de embargos infringentes em ações penais originárias perante a colenda
Suprema Corte. Entendemos que o Supremo, ao julgar o mensalão, cresce aos olhos da nação. Embora o
julgamento não esteja encerrado, já é possível dizer que a impunidade política não irá mais ter vida fácil no
Brasil. E não terá vida fácil porque a Alta Corte, ao contrário do que muitos pensavam, cumpriu o seu
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dever e está aplicando a lei. Só que a mesma lei que serve para punir, também tem que servir para
defender. E o exercício do direito recursal é a única forma que a defesa tem para corrigir eventuais deslizes
decisórios, inerentes à falibilidade humana. Se o duplo grau não é um princípio jurídico absoluto, o direito
de defesa deve ser tratado com absoluto cuidado. Ou será que o mundo da lei autoriza garrotes recursais?
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Questionamentos à constitucionalidade das prisões
Laís Freitas Cruz Universidade Estadual de Santa Cruz.
Resumo: A história das sanções é a história do próprio Direito Penal. Pensar em uma forma de solucionar os entraves sociais causados pela prática de ato que figure como ilícito penal, ou seja, que foge ao convencionado socialmente, ainda é um dos maiores problemas encontrados pela Criminologia. É considerando essa realidade que se apresenta o estudo em tela, questionando a eficácia e constitucionalidade do instituto da pena privativa de liberdade que, hodiernamente, é a sanção aplicável à maior parte dos delitos cometidos nas sociedades civis conhecidas. Palavras-chave: criminologia; prisões; constitucionalidade; prisão provisória; ressocialização.
Abstract: The history of sanctions is the history of criminal Law itself. Finding a way to deal with social barriers that are caused by an act which is featured as a criminal violation, that is, an act which is not socially convenient is still one of the major problems found by criminology. This paper will be considering this reality and challenging the efficacy and the constitutionality of a sentence with deprivation of freedom, which currently, is the sanction applied to most offenses committed in the known civil societies. Key words: criminology; prisons; constitutionality; pre-trial detention; re-socialization.
Sumário: 1. A importância do crime e a função social da pena – 2. Os fundamentos e objetivos da prisão – 3. Críticas aos métodos diversos da prisão para a manutenção da ordem social – 4. Conflitos principiológicos na Constituição e o uso da ponderação – 5. A prisão provisória e sua flagrante inconstitucionalidade – 6. Referências bibliográficas.
Questionar a constitucionalidade das penas restritivas de liberdade é tarefa deveras árdua.
Mister, para atingir tal fito, remontar os fatores históricos que levaram a prisão a se tornar uma
das, senão a mais importante forma de sancionar os atos considerados ofensivos ao bem-estar
social.
Na Europa absolutista do século XVI o rei era detentor soberano de todo o poder.
Questionar suas decisões era conduta inadmissível para qualquer súdito. Com tamanho poder
concentrado em suas mãos, o rei poderia, ao seu critério, determinar quais punições seriam
aplicadas a cada caso. Esse foi um período em que as maiores atrocidades foram cometidas:
torturas, execuções, castigos das mais diversas naturezas, dentre outros. A prisão, até então, nada
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mais era que uma forma de assegurar que a sanção cabível estipulada pelo rei absoluto fosse
aplicada.
Com a ascensão do Iluminismo, todavia, essa ideia de embate físico e humilhante entre o
Estado e o indivíduo delinquente passou a ser desconstruída, sendo propostas alternativas, como o
trabalho forçado, a desonra e o banimento do indivíduo, para melhor promover a punição pelas
ações ofensivas à ordem social. Michel Foucault, em sua obra Vigiar e punir, discorre acerca do
que sucedeu à época:
“O protesto contra os suplícios é encontrado em toda parte na Segunda metade do século XVIII:
entre os filósofos e teóricos do direito; entre juristas, magistrados, parlamentares; nos chaiers de
doléances e entre os legisladores das assembléias. É preciso punir de outro modo: eliminar essa
confrontação física entre soberano e condenado; esse conflito frontal entre a vingança do
príncipe e a cólera contida do povo, por intermédio do supliciado e do carrasco.(...) Pode-se
compreender o caráter de obviedade que a prisão-castigo muito cedo assumiu. Desde os
primeiros anos do século XIX, ter-se-á ainda consciência de sua novidade; e entretanto ela
surgiu tão ligada, e em profundidade, com o próprio funcionamento da sociedade, que relegou
ao esquecimento todas as outras punições que os reformadores do século XVIII haviam
imaginado”.1
Passado esse período, as propostas iluministas, em sua maioria, foram rejeitadas ou
cumpridas de forma insatisfatória, mas deixaram, entretanto, um traço importante para moldar o
pensamento social, qual seja: não se deve pensar apenas no dano, deve-se priorizar o indivíduo.
Dessa valorização do “pensar o indivíduo”, bem como com as alterações trazidas pelo capitalismo,
surge a necessidade de controle social em detrimento da mera reparação do dano, o que, em
suma, corroborou com o desenvolvimento da ideia de prisão-sanção, que até então estava
adormecida.
Admitindo a prisão-sanção como um instituto relativamente recente para o Direito e
levando em consideração ter sido ela, para o contexto em que se instaurou, a melhor alternativa
1 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. 25. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2002. p. 63-195.
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para uma sociedade cansada dos massacres absolutistas e necessitada de uma forma humanista de
controle das massas, é que se pode passar a questionar o seu fundamento, bem como a sua
aplicabilidade nos moldes dos princípios constitucionais brasileiros.
Será a prisão o melhor meio que o Estado tem para preservar o equilíbrio social? Será essa
a alternativa ideal para a redução e prevenção da criminalidade? Ela se coaduna aos fundamentos
constitucionais? E a prisão provisória, deve ser analisada por outro prisma? Esses são apenas alguns
dos questionamentos que se podem fazer a respeito dos aspectos constitucionais da prisão, os
quais serão alvos dos tópicos seguintes.
1. A importância do crime e a função social da pena
O estudo dos fatores que impulsionam o crime, bem como o impacto que o mesmo causa
na sociedade, é determinante para definir políticas de combate e prevenção do mesmo. Entender
o que leva alguém a delinquir e como isso se reflete no contexto de determinado grupo tem sido
objeto de estudo de muitos pensadores desde os períodos mais remotos.
Emile Durkheim, por exemplo, criou a noção de fato social, ou seja, pensou a existência
de determinadas ações e acontecimentos que seriam comuns a uma convivência em sociedade.
Dentro da noção de fato social ele inseriu o crime. Para ele o crime seria um fato social normal,
sem qualquer característica patológica, partindo da verificação de que em toda e qualquer
sociedade haverá o crime, independentemente de fatores econômicos, políticos ou culturais. Sobre
isso ele discorre:
“Não há, portanto, um fenômeno que apresente de maneira tão irrefutável como a
criminalidade todos os sintomas da normalidade, dado que surge como estreitamente ligado às
condições da vida coletiva. Transformar o crime numa doença social seria o mesmo que
admitir que a doença não é uma coisa acidental mas que, pelo contrário, deriva em certos casos
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da constituição fundamental do ser vivo; consistiria em eliminar qualquer distinção entre o
fisiológico e o patológico”.2
O crime existe, segundo Durkheim, pois uma sociedade possui também uma consciência
coletiva, formada pela união de várias consciências individuais, de modo que a ação capaz de ir
contra essa consciência seria considerada criminosa. Impossível assim, na opinião do filósofo, que
o crime desaparecesse de qualquer meio social, já que, ainda que determinados sentimentos
coletivos fossem expurgados do grupo em que se inserem, outros viriam como consequência do
desaparecimento dos anteriores, e novas ações criminosas seriam então concebidas. Essa noção de
pensamento/sentimento coletivo implica, inclusive, o entendimento de que a linha tênue entre o
imoral e o criminoso é consequência deste “senso comum”, em que o primeiro nada mais seria
que um mero prolongamento do segundo. É o que se extrai dos seguintes ensinamentos:
“Para que os assassinos desapareçam é preciso que o horror pelo sangue vertido se acentue nessas
camadas sociais donde provêm os assassinos; mas para que isto aconteça é necessário que a
sociedade global se ressinta do mesmo modo. (...) Assim, o roubo e a simples desonestidade não
chocam senão um único sentimento altruísta, o do respeito pela propriedade alheia. Mas este
sentimento é menos chocado por um destes atos do que pelo outro; e como, por outro lado, não
tem na consciência média a intensidade suficiente para sentir vivamente a mais ligeira destas
duas ofensas, esta é alvo de uma maior tolerância. Eis a razão por que apenas se critica o
desonesto enquanto se pune o ladrão”.3
Diante disso, Durkheim entende que o crime é necessário e útil à sociedade, posto estar
ligado às condições fundamentais para o seu desenvolvimento legal e moral, dada sua
característica de representar as mudanças que vêm ocorrendo no pensamento coletivo. Deixar de
pensar o crime como uma patologia e pensá-lo então como fato social útil e necessário faz surgir
uma nova ideia para a própria pena, já que esta nada mais é senão a consequência daquele:
2 DURKHEIM, Emile. As regras do método sociológico. São Paulo: Martin Claret, 2002. p. 83.
3 Idem, p. 84.
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“Com efeito, se o crime é uma doença, a pena é o remédio para ele e não pode ser concebida de
modo diferente; assim, todas as discussões que levante incidem sobre a questão de saber em que
deve consistir para desempenhar seu papel de remédio. Mas, se o crime não tem nada de
mórbido, a pena não pode ter como objetivo curá-lo e a sua verdadeira função deve ser outra”.4
Conforme já explanado anteriormente, a pena, em seus moldes iniciais, tinha a função de
repressão, um castigo quase bíblico pelo mal causado. Para Kant e para Hegel a sua principal
finalidade era restabelecer o equilíbrio social e a ordem. Com a mudança do pensar o crime e
repensar a punição, passou-se a buscar a função preventiva e protetiva da pena, não mais se
aceitando a função única de castigar e punir. Nesse sentido, preleciona Cesare Beccaria em seu
livro Dos delitos e das penas:
“É melhor prevenir os crimes do que ter de puni-los; e todo legislador sábio deve procurar antes
impedir o mal do que repará-lo, pois uma boa legislação não é senão a arte de proporcionar aos
homens o maior bem estar possível e preservá-los de todos os sofrimentos que se lhes possam
causar, segundo o cálculo dos bens e dos males da vida”.5
Com essa humanização da pena e a substituição das corporais pelas privativas de liberdade
buscou-se a futura reinserção do criminoso no seio social, surgindo, dessa forma, a função
ressocializadora da pena, para que, após o seu efetivo cumprimento, aquele indivíduo não mais
viesse a delinquir. Teria de haver, em harmonia com a privação da liberdade, fatores que
impulsionassem o convívio sadio em comunidade daquele que, anteriormente, causara algum mal
ao sentimento social. A grande questão é saber se pode haver ressocialização em conjunto com a
segregação, conceitos tão distintos entre si.
2. Os fundamentos e objetivos da prisão
4 Idem, p. 88.
5 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 13. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999. p. 125.
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Sabendo que a prisão surge com o fito de ser a sanção ideal para punir aquelas condutas
lesivas à sociedade em substituição às desumanas penas impostas pelo regime absolutista, cabe
traçar os fundamentos com os quais foram instituídas, bem como os objetivos a que se destinam.
A prisão, em sua forma mais primitiva, demonstra conter elementos de origem cristã, pautada
principalmente na penitência, de modo que sua finalidade inicial era a de submeter o criminoso a
condições precárias de vida como pagamento pelo mal que teria causado à sociedade. O
sofrimento, nesse caso, seria a forma de libertação e a moeda de troca pelo perdão divino e,
consecutivamente, social. Apesar dos apelos humanistas do século XVIII, a pena de prisão,
inicialmente, não se constituiu em um instrumento de recuperação do indivíduo nem como
medida exemplar para coibir novas possibilidades de transgressão.
Com a mudança do pensamento político e social após o século XVIII, os objetivos da
prisão também foram reformulados. Passou-se a vislumbrar, além da intimidação ou prevenção, a
recuperação social e moral do condenado. Nesse sentido, deve-se ter em mente que a prisão, em
sentido amplo, está sujeita a diferentes lógicas sociais, dentre as quais podemos destacar duas
delas: a neutralização do indivíduo pelo encarceramento, a fim de que ele não mais conviva em
sociedade, tendo em vista que sua participação em qualquer meio social se mostra danosa; e a
prisão ressocializadora, que é aquela que surge como meio de, além de punir o indivíduo pela sua
conduta desviada, recuperar o delinquente e torná-lo apto a conviver harmoniosamente em
sociedade.
Vale salientar a importância dos próprios fundamentos do poder de punir do Estado, ou
seja, da sanção penal, como principais legitimadores para o cárcere-sanção. Álvaro Pires6 defende
a existência de quatro principais justificativas para a sanção penal, quais sejam: a dissuasão, que
visa à prevenção, o que seria, em outras palavras, a punição como um exemplo para que as
pessoas, ao se depararem com as consequências do crime, desistam, motivadas pelo medo de
sofrerem mal análogo, de cometer delitos; a expiação, esta adotada, inclusive, por Kant, o qual
denominou "retribuição". Consiste na ideia de que a pena deve ser aplicada na proporção do dano
6 PIRES, Álvaro. A racionalidade penal moderna, o público e os direitos humanos. Novos Estudos CEBRAP, n. 68, São Paulo: CEBRAP, 2004.
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causado. Remete ao pensamento da Lei de Talião: “olho por olho, dente por dente”; a eliminação
do crime, ou seja, o impedimento de que aqueles interessados em delinquir assim o façam. Esse
pensamento é importante para fundamentar a pena de morte em alguns países como a única
alternativa para aqueles que são considerados “irrecuperáveis”; por fim, e mais importante para o
tema em tela, é a reinserção, que nada mais é senão o objetivo do Estado de tornar aquele
indivíduo, com manifesta conduta diversa da considerada pela sociedade como correta, apto a
conviver na comunidade em que delinquiu.
Esse último fundamento da sanção é justamente aquele que se coaduna a um dos
principais objetivos da prisão, qual seja, a ressocialização do indivíduo, já que, como nosso Estado
não contempla a punição pela aplicação da prisão perpétua, entende-se que o encarceramento
pressupõe a intenção de um livramento posterior. Para tanto, esse indivíduo que será privado da
sua liberdade e futuramente reinserido em um meio social não deve mais exibir a mesma conduta
causadora da sua condenação. O outro objetivo, conforme já exposto, é a punição retributiva do
mal causado pelo criminoso, de modo que, além de estabelecer um verdadeiro castigo pelo crime,
previna a prática de novos delitos, tanto pelo próprio condenado, quanto pelos demais integrantes
da sociedade, que terão como exemplo a punição aplicada àquele caso.
O maior problema da prisão como meio ressocializador reside justamente na
impossibilidade lógica de tal função para o cárcere. Ora, não se pode adaptar uma pessoa a uma
vida social removendo-a do meio em que se encontrava. A cultura da comunidade carcerária, após
certo período, acaba imbricando-se no preso de tal forma que se torna tarefa hercúlea reaver nele
os traços que o ligavam aos comportamentos da sociedade fora dos presídios. É o que confirma o
entendimento de Della Torre:
“Os grupos isolados muito tempo vão assumindo forma própria, caracterizada pelas suas
condições naturais e, ao mesmo tempo, pela ação do meio que os obriga a determinadas
atividades. (...) depois que o indivíduo está socializado, integrado à sociedade, se sofrer
isolamento durante longo período, poderá ocorrer: diminuição das funções mentais (torna-se
imbecil ou melancólico) ou mesmo loucura (está sujeito a delírios, alucinações e até
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desintegração mental). Há inúmeros casos de prisioneiros que enlouqueceram nas prisões ou que
quando de lá saíram já não eram os mesmos”.7
Dessarte, nesse ínterim, o que se extrai é a certeza de que apenas o objetivo da punição
vem sendo atingido, ainda que de forma desproporcional – já que em muitos dos casos as penas
acabam sendo mais lesivas ao indivíduo que o crime cometido o foi para a vítima –, já que vimos
que a ressocialização do indivíduo pela utilização do cárcere se mostra ineficaz, o que, de certo
modo, nos remete aos fundamentos ainda cristãos do sofrimento como remissão pelos pecados,
fundamento esse ao qual o Estado, em uma visão humanista, há muito se comprometeu a afastar
da aplicação do seu Poder de Punir.
3. Críticas aos métodos diversos da prisão para a manutenção da ordem social
Ao se conceber a prisão como método ineficaz no cumprimento da função social da pena,
qual seja, a ressocialização, há de se pensar em alternativas para sancionar os atos lesivos à ordem
social. Diante disso, o ilustríssimo doutrinador Claus Roxin8, em seu trabalho Tem futuro o
direito penal?, discorre acerca das formas possíveis de combate à criminalidade e sua efetividade.
Em um primeiro ponto se pensa na prevenção como principal forma de combate ao
crime. O que se questiona é se uma vigilância perfeitamente ativa pode levar a criminalidade ao
desaparecimento. A resposta é negativa. Não se pode atingir esse fito, em suma por contrariar as
concepções básicas do Estado de Direito. Implementar uma vigilância capaz de prevenir todos os
tipos de crimes praticáveis em um Estado Democrático seria o mesmo que invadir a esfera privada
do cidadão, cercear direitos e liberdade, o que iria muito além dos interesses precípuos de tal
medida, incorreria em um desequilíbrio demasiado entre direitos individuais e coletivos. É o que
preleciona Roxin na obra em apreço:
7 DELLA TORRE, Maria Benedita Lima. Homem e a sociedade: uma introdução à sociologia. 12. ed. São Paulo: Editora Nacional, 1984. p. 51.
8 ROXIN, Claus. Tem futuro o direito penal? Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 790, ago. 2001.
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“Acima de tudo, a limitação à esfera privada e íntima que um sistema de vigilância traz
consigo não é de modo algum ilimitadamente permitida num Estado de Direito Liberal. Se,
por exemplo, toda a esfera privada dos suspeitos, até seu dormitório, for submetida a uma
vigilância acústica e óptica, retira-se destas pessoas, entre as quais se encontrarão
necessariamente vários inocentes, qualquer espaço em que possam construir sua vida livres da
ingerência estatal, atingindo-se, assim, o núcleo de sua personalidade. Isto seria um preço
demasiado caro, mesmo para um combate eficiente ao crime”.
Isto posto, a conclusão a qual se chega é a de que uma vigilância tão intensiva que seja
capaz de desaparecer com a criminalidade seria inviável em um Estado de Direito, dado seu
caráter invasivo. Esta pode servir, todavia, dentro dos limites do permitido, como efetivo auxiliar
do Direito Penal para reduzir e combater o crime.
Em um segundo momento se pensa no desenvolvimento tecnológico e científico capaz de
propiciar um tratamento psíquico ou social para o infrator. Ocorre, todavia, que conforme já
discorrido em tópico anterior, não se deve pensar no crime como uma patologia, de modo que
apenas alguns delinquentes realmente necessitam de tratamento médico, e dentre estes, apenas
outra quantidade restrita responderia ao mesmo, já que em determinados tratamentos é
estritamente necessária a cooperação do paciente.
Pensa-se ainda na descriminalização e na diversificação, como forma de evitar a sanção
penal. Essa alternativa, em tese, seria a mais aplicável, de modo que se eliminem dos dispositivos
penais aquelas ações cuja sanção legal não seja necessária na manutenção da ordem e da paz social.
Roxin explica:
“Comportamentos que somente infrinjam a moral, a religião ou a political correctedness, ou
que levem a não mais do que uma autopericlitação, não devem ser punidos num Estado Social
de Direito. Pois o impedimento de tais condutas não pertence às tarefas do direito penal, ao
qual somente incumbe impedir danos a terceiros e garantir as condições de coexistência
social””.9
9 Op. cit., p. 465.
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Aqui se vislumbra um futuro promissor para o Direito Penal. Todavia, ainda não se
denota a substituição da pena privativa de liberdade, já que nem todas as condutas podem ser
descriminalizadas, restando aquelas que, por sua gravidade (entre os comportamentos que lesam o
sentimento coletivo), devem continuar sendo sancionadas pelo Estado.
Para esses casos a diversificação tem se mostrado uma alternativa interessante. Dessa
forma, pode-se pensar em evitar a punição/condenação determinada por um Juiz de Direito em
detrimento de serviços prestados à comunidade, bem como a reparação do dano em questão. Nas
palavras do supracitado autor:
“Ficou demonstrado que contra autores não habituais de delitos de menor gravidade, o início
de um processo penal ou as mencionadas medidas impeditivas da pena possuem uma eficácia
preventiva, que torna supérflua a punição. A diversificação é um meio de combate ao crime
mais humano do que a pena, devendo portanto ser preferida a esta. Neste ponto está a parcial
razão do abolicionismo. Mas a diversificação só é possível dentro de certos limites, e ainda
assim sob a vigilância estatal”.10
Para substituição total da pena privativa de liberdade ainda não existe uma solução viável.
Contudo, até que esta solução seja encontrada, pode-se lançar mão da junção dessas opções
supraelencadas para que se reduza a sanção por meio da privação de liberdade a um núcleo
restrito.
4. Conflitos principiológicos na Constituição e o uso da ponderação
Um grande problema enfrentado quando a questão é Direitos Individuais versus Direitos
Coletivos é justamente o conflito entre os princípios constitucionais que se instaura em tais casos.
Quando se trata do Direito Penal, em especial, entram em contraponto o princípio da presunção
de inocência (individual) e o princípio da segurança e ordem pública (coletivo).
10 Op. cit., p. 467.
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A melhor solução para o magistrado, nesses casos, é fazer uso da ponderação e, em cada
caso concreto, aplicar aquele que se sobressaia e que demonstre mais relevância para a situação. É
assim que se posiciona Robert Alexy:
“Deve-se reconhecer aos princípios uma dimensão de peso ou importância. À vista dos elementos
do caso concreto, o intérprete deverá fazer escolhas fundamentadas, quando se defronte com
antagonismos inevitáveis, como os que existem entre a liberdade de expressão e o direito de
privacidade, a livre iniciativa e a intervenção estatal, o direito de propriedade e a sua função
social. A aplicação dos princípios se dá, predominantemente, mediante ponderação”.11
Essa ponderação, em suma, é regida pelo princípio da razoabilidade, no qual o
ordenamento é visto como um todo, para que se entenda como deve se dar a análise
principiológica de determinado caso dentro de um contexto constitucional, com fulcro no que a
Carta Magna, como um todo, sugere, evitando, assim, que qualquer um desses princípios seja
completamente afastado, senão “valorado” como subsidiário em relação ao mais adequado na
situação em apreço. Ainda nos atendo às lições de Alexy temos que:
“[...] Não significa declarar inválido o princípio afastado nem que no princípio afastado tenha
que se introduzir uma cláusula de exceção. O que sucede, mais exatamente, é que, sob certas
circunstâncias, um dos princípios precede o outro. Sob outras circunstâncias, a questão da
precedência pode ser solucionada de maneira inversa. É isto o que se quer dizer quando se
afirma que, nos casos concretos, os princípios têm diferente peso e que prevalece o princípio com
maior peso”.12
O que ocorre, ademais, é a impossibilidade de flexibilização dos Fundamentos da
República, que são os verdadeiros pilares que regem o nosso Estado. Diante disso, ao se analisar a
Constituição como um todo a fim de realizar a ponderação, é bem verdade que estará se
recorrendo a esses fundamentos para verificar qual princípio deverá ser maior valorado em relação
ao outro.
11 ALEXY, Robert. Apud ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios constitucionais. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2003.
12 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997.
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Um desses Fundamentos Republicanos é justamente a aclamada Dignidade da Pessoa
Humana, que deve ser buscada sempre e de toda forma, independentemente da situação, não
podendo haver, como tal, flexibilização da mesma em detrimento de qualquer princípio. É
justamente diante dessa fundamentação que se verifica a total desconformidade do atual sistema
penal brasileiro com um dos pilares constitucionais, já que, manter em cárcere, dando tratamento
animalesco ao ser humano, privando-o da sua liberdade – um dos bens mais preciosos de
qualquer indivíduo – em muito contraria essa busca constante pela Dignidade Humana.
5. A prisão provisória e sua flagrante inconstitucionalidade
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5.º, estabelece que: "ninguém será privado de
liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;", e que: "ninguém será considerado culpado até o
trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Além disso, a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, em seu art. 11.1, versa que:
"Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não se
prova sua culpabilidade, de acordo com a lei e em processo público no qual se assegurem todas
as garantias necessárias para a sua defesa".
A despeito de tudo isso, temos em nosso ordenamento as chamadas prisões provisórias,
como a prisão em flagrante, a prisão preventiva, e a prisão temporária. Essas modalidades de
prisão possuem natureza cautelar, e tem como justificativa resguardar a garantia do resultado útil
do processo. Para tanto, insta salientar seu caráter de medida excepcional e não permanente.
É necessário ressaltar a importância dos artigos narrados inicialmente, para que se entenda
que, de acordo com eles, estabeleceu-se o princípio constitucional da presunção de inocência, o
qual dispõe, basicamente, que todos devem ser considerados inocentes até prova em contrário. O
Estado não pode, em hipótese alguma, restringir direitos ou aplicar sanções ao indivíduo
motivado pela simples suspeita da prática de ato delituoso, de forma a presumir a sua
culpabilidade.
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Essas prisões provisórias restringem a liberdade do indivíduo muitas vezes antes até da
instauração processual, como é o caso da prisão temporária, na qual não há sequer uma ação penal
movida em desfavor do indiciado, servindo a mesma apenas para atender a finalidades
investigatórias prévias.
O que se denota é que esse tipo de prisão remonta as características dos tribunais da
inquisição, em que toda e qualquer forma de coação era válida no intuito de promover a
“voluntária confissão” por parte do réu. Essa medida acaba por tornar ainda mais penoso e
degradante o processo penal, que tanto já agride o ser humano.
Nesse sentido, discorre Gomes Filho:
"À luz da presunção de inocência, não se concebem quaisquer formas de encarceramento
ordenadas como antecipação da punição ou que constituam corolário automático da
imputação, como sucede nas hipóteses de prisão obrigatória, em que a imposição da medida
independe da verificação do periculum libertatis”. 13
A regra para o Direito deve ser a liberdade, a qual necessariamente deve ser protegida de
todas as formas e, ainda que seja indispensável a realização de um processo penal regular, não se
pode proceder uma supervalorização do princípio do in dubio pro societatis em detrimento da
mesma. É preciso que exista igualdade entre os sujeitos do processo, de modo que a relação
processual não fique desequilibrada.
A prisão provisória possui um caráter de arbitrariedade; dada a desnecessidade de
fundamentação por meio de qualquer prova de que o indivíduo que terá sua liberdade cerceada
realmente concorreu para a prática do delito pelo qual está, antecipadamente, sendo sancionado;
que se desvia do ideal de Estado Democrático de Direito, de modo que isso, por si só, implica
uma total inadequação do meio para atingir a finalidade que almeja.
6. Referências bibliográficas
13 GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Presunção de inocência e prisão cautelar. São Paulo: Saraiva, 1991.
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 02 – Março de 2013 – ISSN nº 2317-1898. 101
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentais. Madrid: Centro de Estúdios Constituionales,
1993.
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 13. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999.
DELLA TORRE, Maria Benedita Lima. Homem e a sociedade: uma introdução à sociologia. 12. ed.
São Paulo: Editora Nacional, 1984.
DURKHEIM, Emile. As regras do método sociológico. São Paulo: Martin Claret, 2002.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. 25. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2002.
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Presunção de inocência e prisão cautelar. São Paulo: Saraiva,
1991.
KANT, Immanuel. A metafísica dos costumes. Trad. Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2003.
PIRES, Álvaro. A racionalidade penal moderna, o público e os direitos humanos. Novos Estudos
CEBRAP, n. 68, São Paulo: CEBRAP, 2004.
ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios constitucionais. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2003.
ROXIN, Claus. Tem futuro o direito penal? Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 790, ago. 2001.
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Iniciar com a titulação acadêmica (da última para a primeira); caso exerça o magistério,
inserir os dados pertinentes, logo após a titulação; em seguida completar as informações
adicionais (associações ou outras instituições de que seja integrante) – máximo de três;
finalizar com a função ou profissão exercida (que não seja na área acadêmica).
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Exemplo:
Pós-doutor em Direito Público pela Università Statale di Milano e pela Universidad de
Valencia. Doutor em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Professor em Direito
Processual Civil na Faculdade de Direito da USP. Membro do IBDP. Juiz Federal em
Londrina.
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português e em outra língua estrangeira, preferencialmente em inglês;
5.4. Palavras-chaves (máximo de 10) em português e em outra língua estrangeira,
preferencialmente em inglês: palavras ou expressões que sintetizam as ideias centrais do
texto e que possam facilitar posterior pesquisa ao trabalho.
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e conteúdo, seguindo o sistema do duplo blind peer review e atendendo os critérios
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de eventual rejeição dos trabalhos, a fim de que possam adaptar o trabalho ou
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