Grécia Antiga
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GRÉCIA ANTIGACOLEÇÃO HISTÓRIA ILUSTRADA
UMA OBRA DA UNIVERSIDADE DE CAMBRIDGE
grecia.indb 1 17/06/2009 22:20:35
grecia.indb 2 17/06/2009 22:20:39
PAUL CARTLEDGE organizador
Tradução deLaura Alves e
Aurélio Rebello
grecia.indb 3 17/06/2009 22:20:42
© 1998 by Cambridge University Press
Publicado originalmente nos Estados Unidos pela Cambridge University Press, Nova York
Copyright da tradução © 2002 by Ediouro Publicações Ltda.
Todos os direitos reservados, incluindo o direito de reprodução
no total ou em parte, sob qualquer forma.
Diretor: Edaury Cruz
Editora: Tainã Bispo
Coordenadora de produção: Adriane Gozzo
Assistente de produção: Juliana Campoi
Tradução: Laura Alves e Aurélio Rebello
Preparação de textos: Maria José de Sant’Anna
Revisão: Mary Ferrarini
Editora de arte: Ana Dobón
Projeto grá% co e capa: Ana Dobón
Diagramação: Sopa de Letrinhas Design Editorial
Imagens de capa: Partenon © Amabrao, Dreamstime.com
Ulisses e seus companheiros arrancando o olho do ciclope Polifemo,
ilustração em um vaso grego antigo © GettyImages
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
História ilustrada Grécia Antiga / Paul Cartledge , organizador;
tradução de Laura Alves e Aurélio Rebello. -- 2. ed. -- SãoPaulo:
Ediouro, 2009. -- (Coleção História Ilustrada)
Título original: The Cambridge illustrated history of ancient
Greece
Bibliogra3 a
ISBN 978-85-00-33032-2
1. Grécia Antiga - História 2. Grécia - Civilização I. Cartledge,
Paul. II. Série.
09-04260 CDD-938
Índice para catálogo sistemático:1. Grécia Antiga : História 938
Todos os direitos reservados à Ediouro Publicações Ltda.
R. Nova Jerusalém, 345 - Bonsucesso
Rio de Janeiro - RJ - CEP: 21042-235
Tel.: (21) 3882-8200 - Fax: (21) 3882-8212/8313
www.ediouro.com.br
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O organizador quer agradecer calorosamente, em seu nome e no
nome dos seus colaboradores, aos professores Pat Easterling (Univer-
sidade de Cambridge) e Mike Jameson (Universidade de Stanford),
que genero samente leram todo o manuscrito e atuaram como os
mais sábios conselheiros acadêmicos. Igualmente a Callie Kendall,
incansável e arguta pesquisadora de imagens, e sobretudo à editora
da coleção, Pauline Graham, uma verdadeira Penélope moderna.
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Conteúdo
INTRODUÇÃOGrécia: uma história de glória .............................a 10
PARTE 1O mundo da Grécia ......................................................a 26
CAPÍTULO 1História e tradição......................................................28
CAPÍTULO 2O meio ambiente ..............................................................48
CAPÍTULO 3Quem eram os gregos ..................................................74
INTERMEZZOResumo histórico ..........................................................96
PARTE 2A vida na Grécia............................................................a 126
CAPÍTULO 4Ricos e pobres.................................................................128
CAPÍTULO 5as Mulheres, as crianças e os homens............162
CAPÍTULO 6O poder e o estado......................................................214
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CAPÍTULO 7Guerra e paz.....................................................................252
CAPÍTULO 8Trabalho e lazer...........................................................r 280
CAPÍTULO 9Literatura e performance.......................................312
CAPÍTULO 10Arquitetura e outras artes visuais ..................348
CAPÍTULO 11Filosofia e ciência .......................................................a 392
CAPÍTULO 12Religião e mito ..............................................................438
EPÍLOGOO Legado ............................................................................470
GUIA DE REFERÊNCIAAQuem é quem ....................................................................494Glossário ..........................................................................512Cronologia .....................................................................a 518Resumos dos enredoss ................................................520Biografias .........................................................................528Crédito das imagens ..................................................530Índice ..................................................................................532
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IntroduçãoP C
Grécia: uma História
de Glória
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“De fato, tudo o que é moderno em nossas vidas
devemos aos gregos. Tudo o que é anacrônico
deve-se ao medievalismo.” Oscar Wilde
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Suponhamos que pudéssemos reservar uma passagem na má-
quina do tempo que nos transportasse para a Grécia antiga,
no século V a.C. (499-400). Ali, na Ágora (centro cívico)
de Ate nas, poderíamos ter encontrado qualquer uma das seguintes
personalidades: Alcibíades, Anaxágoras, Aristófanes, Aspásia, Cá-
lias, Cleo fon, Cléon, Cratino, Crésilas, Efi altes, Ésquilo, Êupolis,
Eurípides, Fídias, Górgias, Heródoto, Hipódamo, Ictino, Isócrates,
Milcíades, Parrásio, Péricles, Platão, Polignoto, Protágoras, Sócrates,
Sófocles, Tucídides, Xe nofonte, Zêuxis. Nem todos eram atenien-
ses natos, mas todos esti mu laram e também contribuíram de algum
modo para a enorme energia liberada por esse pequeno caldeirão de
cultura e política.
Hoje nem todas essas fi guras são nomes familiares. Mas o que
surpre en de verdadeiramente é que muitas ainda o sejam, apesar das
tentativas cons tantes de se depreciar — e diminuir — o estudo dos
antigos clássicos gregos e romanos como assunto da educação atual.
Esses povos ajudaram a estabelecer os alicerces políticos, artísti-
cos, culturais, educacionais, fi lo só fi cos e científi cos sobre os quais se
baseou des de então boa parte da civilização e da cultura ocidentais
subsequentes. Não admira que o atenien se Pla tão, nascido no fi nal
do século V, intitulasse de “Sede da Sophia” a gloriosa Atenas da sua
ju ventude (sophia signifi ca, ao mesmo tempo, sa be doria teórica e a
prática). Não admira também que os próprios atenienses gostassem
de ouvir elo gios à sua Atenas “coroada de violetas” nas obras dos
poetas líricos, como Píndaro de Tebas, e dos poe tas trágicos, como
Eurípides. Também não ad mira que no século XIX e no início do
século XX, eu ropeus e americanos de educação clássica achas sem na-
tural louvar “a glória que foi a Grécia” — na fa mo sa ex pressão da
Ode a Helena, de Edgar Allan Poe.
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“S T G. . .”
grandeza da Grécia antiga, e também estabelecer fi rmemen te essa
glória indubitável na sua perspectiva histórica própria, no seu con-
texto mais abrangente.
Procuraremos também fazer justiça à história campesina, nada es-
pe ta cular, relativamente imóvel, na qual uma multidão de camponeses
e escravos anônimos labutou para tornar possível a brilhante civiliza-
ção urbana com a qual os antigos gregos são fundamentalmente iden-
tifi cados hoje.
O A G
Por volta do século V a.C., a civilização e a cultura gregas já es-
ta vam havia muito estabelecidas. Hoje se sabe que o silabário prag-
maticamente denominado Linear B codifi cava uma forma primitiva
da língua grega (ver capítulo 3). Por meio desse código, a civilização
e a cultura “gregas” podem ser reconstituídas, pelo me nos desde a
segunda metade do segundo milênio a.C. Foram descobertas tabule-
tas de argila registrando créditos e débitos das eco no mias centralizadas
nos palácios de Pilos, Tirinto e Micenas,
no Pelo po neso; Tebas, na Grécia Central;
e Caneia e Cnossos, em Creta. Outras lo-
calidades produziram vasilhames para óleo
marcados com sím bolos do Linear B.
Graças também aos notáveis esforços de
arqueólogos de muitos paí ses, e também
da própria Grécia moderna, hoje sabemos
Silabário
conjunto de
unidades que
denotam sílabas e
não letras individuais
(exemplo, o Linear B).
Glossário
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14
muito so bre a pri mitiva civilização
grega do fi nal da Idade do Bronze,
ou “era micênica” (aproximadamen-
te, de 1600 a 1100). O sufi ciente,
por exem plo, para afi rmarmos com confi ança que essa civilização
propiciou o am bien te e a inspiração original para as histórias de ar-
rojo heroico preservadas nas mais antigas obras — e obras-primas
— da literatura eu ro peia: a Ilíada e a a Odisseia, de Homero.
Contudo, a arqueologia também nos ensinou que existe um
enor me vazio cultural e cronológico entre o mundo do palácio mi cê-
nico, onde dominavam as fi guras literárias de Agamenon e Aqui les,
e o mundo da histórica polis, ou cidade grega, onde os épicos homé-
ricos foram criados e acolhidos. Por exemplo, a escrita utilizada para
transcrever os poe mas homéricos transmitidos oralmente não foi o
Linear B, uma escrita tão mal adaptada para transcrever o grego que
os símbolos escritos foram complementados por ideogramas expli-
ca tivos, ou símbolos de fi guras. Em vez disso, usou-se um alfabeto
tomado por em prés timo aos semitas fenícios do atual Líbano, bri-
lhan temente adaptado para poder representar completamente todos
os sons gregos, inclusive as vogais. En quan to o Linear B era uma
escrita de copistas, inventada e usada exclusivamente para man ter re-
gistros, o alfabe to era potencialmente aberto ao uso de qua se todos,
Ésquilo
O mais velho dos mestres da tragédia grega morreu mais ou menos aos 70 anos em Geia, na Sicília, em 456 a.C. O seu epitáfi o se concentra em seus feitos como um soldado ateniense que lutou contra os persas na Batalha de Maratona. Mas, para a posteridade, ele é co nhecido por seus dramas trágicos, principalmente pela trilogia Oresteia, de 458 a.C.
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homens e mulhe res, de clas se alta ou baixa, ricos ou pobres, livres
ou escravos. Enquanto os escribas do Li near B eram funcionários
palacia nos, o alfabeto podia ser utilizado para um amplo espectro de
expres sões escri tas, des de obras de literatura, co mo as de Ho mero,
até leis e tratados pú blicos e cor respon dên cia pessoal.
O alfabeto grego se desenvolveu com nume ro sas variantes locais,
prova vel men te em alguma época do século VIII a.C. (799-700).
Foi-nos trans mitido pelos romanos, que por sua vez o receberam
e adaptaram a partir de duas fontes italianas: dos etrus cos da atual
Toscana (que durante certo período do século VI a.C. podem até
mesmo ter controlado a cidade de Roma) e das ci da des gregas da
região que veio a ser conhecida como Magna Gré cia — ou seja,
as cidades situadas em volta da baía de Nápoles e no litoral sul,
em torno do “pé” da Itália. Na verdade, a atual pa la vra “gregos” é
uma versão bastante depreciativa, criada pelos ro ma nos, da palavra
Graeci; até onde se sabe, os
gregos sempre se de no mi na-
ram “helenos”, embora não
haja registro dessa palavra an-
tes dos poemas de Arquíloco
de Paros (e mais tarde, de Ta-
sos), no século VII a.C.
ARISTÓFANES
Nascido em Atenas por volta de 445 a.C., escreveu mais de quarenta
comédias das quais hoje sobrevivem onze. Assim como as tragédias de
Ésquilo, essas comédias foram repre sentadas pela primeira vez nos
dois principais festivais religiosos atenienses em homenagem ao deus
do vinho e do prazer Dioniso.
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16
H
Antes do estabelecimento do moderno estado grego, no início do
sé culo XIX, a Hélade era uma entidade cultural mais do que estri-
tamente política; algo como a “cristandade” na Idade Média, ou o
“mun do árabe” nos dias de hoje. Defi nia-se por uma ancestralidade
comum (ora genuína, ora inventada); por uma língua comum; e por
hábitos comuns — pelo menos rituais religiosos compartilhados.
Por volta de 500 a.C., a Hélade, nesse sentido cultural e não
po lí tico, estendia-se desde as “Colunas de Héracles” (o estreito de
Gi bral tar), a oeste, até Colchis (na atual Geórgia, na extremidade
do mar Negro), a leste. Os gregos, como dizia o Sócrates de Platão,
viviam “como sa pos ou formigas em volta de um lago” — ou seja,
em volta do mar Mediterrâneo e de sua extensão a nordeste, o mar
Negro. Mas só áreas limitadas desse enorme mundo conseguiram
— ou impuseram — algo semelhante a uma unifi cação política, e
apenas por períodos limitados. Entre esses exemplos se inclui boa
parte da área grega do mar Egeu (abran gendo também o litoral oes-
te da atual Turquia) durante a segunda metade do século V, graças
ao im pério contrário aos persas dominado por Atenas; ou a maior
parte da Grécia continental e ilhas adjacen tes, depois de conquis-
tadas, no século IV, por Filipe e seu fi lho Alexan dre, o Grande, da
Macedônia, e seus sucessores helenísticos. Porém, quando o ter-
ritório, por sua vez, foi conquistado pelos romanos, estes seguiram
a estratégia costumeira de “dividir e governar”, e o
dividiram em duas províncias, administradas
separadamente: Aqueia e Macedônia. Os
ro ma nos tam bém absorveram o que restou
do mundo de fala grega, que constituía a
metade leste do importante império mun-
Hélade
nome dado pelos
gregos ao conceito,
mais idealizado do
que real, de todo o
mundo de língua
grega.
Glossário
SAIBA MAIS
Todos os que não fa la vam grego eram rotulados de
“bárbaros” porque suas línguas eram cons tituídas de um “bar-bar”, ou seja, de um
balbuciar de sons ininte li gíveis.
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dial e que eventualmente deu origem ao isolado império bizantino
baseado em Cons tan ti no pla, embora os bizantinos se intitulassem
romanos. A antiga Bizân cio, fundada originalmente a partir do ter-
ritório grego continental de Mégara, no século VII a.C., foi renome-
ada para Constan ti no pla em homenagem ao seu segundo fundador,
Constantino, o Grande (morto em 337). A conquista dos turcos
otomanos, em 1453, provocou outra mudança de nome, mas até a
Istambul turca teima em con servar um traço linguístico grego (-bul,ll
derivado de polis). ss
O L G
Político
Alguns estudiosos modernos da Grécia antiga, especialmente desde
o surgimento de corporações internacionais como a Liga das Nações
e as Nações Unidas, surpreenderam-se com a incapacidade dos gregos
clás sicos de estabelecerem vínculos de união duradoura entre cida-
des, com base numa cultura comum, e destacaram que essa desunião
po lí ti ca facilitou a conquista e a submissão externas. Pode-se argu-
mentar também que foi precisamente a independência e a rivalidade
das cidades que possibilitaram as suas extraordinárias e férteis expe-
riências de autogoverno; mais nota vel mente, é claro,
a invenção da democracia.
Estima-se que havia bem mais de mil comuni-
dades gregas distintas e radicalmente diferencia-
das, espalhadas pelo mundo grego.
À época de Aristóteles, no século IV, a
vasta maioria dessas comunidades desfruta-
va de alguma forma de governo democrá-
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tico ou oligárquico — ou seja, versões de autogestão nas quais o poder
era depositado principalmente nas mãos da maioria pobre (demos) ou s
da minoria rica de ci da dãos adultos do sexo masculino. No entanto,
depois da morte de Aris tó teles, em 322, a democracia virtualmente
desapareceu, ou melhor, foi suprimida em todo o mundo antigo. Só
reapareceu — sob uma apa rên cia muito diferente — no século XVI.
Contudo, quando a ideia de autogestão popular foi mais uma vez con-
siderada um sistema político sério, ainda que a princípio revolucioná-
rio, recebeu o nome de demo cra cia, palavra derivada do grego.
Linguístico
A palavra “democracia” é apenas um exemplo da nossa herança
lin guís tica dos gregos antigos. Estima-se que nada menos do que um
terço do vocabulário da língua inglesa tenha raízes gregas. Segundo a
grega Alexandra Fiada, na sua obra Guia xenófobo para os gregos, cons-
cien temente autodepreciativo, sem os gregos nada e ninguém poderia
ser europeu, misterioso, etére
ótico, fl eumático, trágico, dip
má tico, automático, nostál
gico, magnético, tropical,
aromático, histé ri co, irôni-
co ou mesmo anônimo...
Natural de Estagira, fi lho do médico da corte do pai de Filipe, da
Macedônia, discípulo de Platão, mestre de Alexandre, fundou seu
próprio Liceu por volta de 335 a.C.; conhecem-se cerca de 500 títulos
de sua autoria, dos quais sobrevivem trinta tratados, especialmente nos
campos da biologia, da zoologia e da política.
quem é ARISTÓTELES 384322 a.C.
eo, patri-
plo-
l-
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191919
isso sem mencionar democrático (ou oligárquico, ou tirânico). Não
haveria estratégia, tática, políticos, ética, aristocratas, ninfomaníacos,
anarquistas, tecnocratas, esquizo frê ni cos, heróis, história, escolas, or-
ganizações, símbolos, piratas, climas, papel, garrafa térmica nem die-
tas. As artes não contariam com poetas, dramaturgos, cenas, teatros,
comédia, cinema, acrobatas, melodias, gui tarras, acordes, sinfonias,
orquestras, programas, críticos, foto gra fi as. À ciência e à tecnologia
faltariam ideias, arquitetos, médicos, me tal, discos, hidráulica, eletrici-
dade, lâmpadas, poliuretano e átomos.
E isso omitindo-se deliberadamente toda a gama de palavras
associa das ao cristianismo, tradição religiosa dominante na Europa e
no Oci den te desde o nascimento de Cristo (em grego, “aquele que foi
ungido”). Essas palavras incluem Natal, Bíblia, profetas, anjos, paraíso
(que os gre gos tomaram emprestado dos antigos persas), apóstolos,
márti res, hinos, cemitérios, ídolos, exorcistas, hereges, ateus, blasfe-
mos, de mô nios e dogmas. Contudo, há um legado que não devemos
aos gregos pré-cristãos e que constitui o assunto principal deste livro: a
reli gião por eles praticada.
A E “G A”
O surgimento do cristianismo nos primeiros dois ou três séculos
d.C. serve de corte para a nossa apresentação dos antigos gregos.
Co mo pon to de partida, tomamos o primeiro uso pelos micênicos,
se gu ramente comprovado, de uma língua inquestionavelmente
grega — an ces tral dos dialetos históricos detectados pela primeira
vez no sé culo VIII a.C.
No entanto, com esse amplo espectro de 1.500 anos, é necessá-
rio concentrar o foco, se quisermos fazer justiça às prodigiosas con-
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quistas gregas em muitas esferas. O padrão sobrevivente de evidên-
cias contemporâneas torna quase inevitável que nos concentremos
na era “clássica”, dos séculos V e IV a.C. (cerca de 500-300). Foi o
período dos he róis da cultura do século V, listados no início, e dos
seus sucessores do século IV, como Aristóteles, Eudoxo e Alexan-
dre, o Grande. Foi a lite ra tu ra por eles produzida que os estudiosos
que trabalharam no museu e na biblioteca de Alexandria nos últi-
mos três séculos a.C. decidiram que valia a pena preservar, copiar
e transmitir para gerações futuras, por meio de instrução e de uma
educação elevada. Foi nessa literatura que os retóricos e escritores
de fala grega que viveram no Império Ro ma no no primeiro e no
segundo séculos d.C. basearam o movimento intelectual que passou
a ser conhecido como Segunda Sofística. Até mesmo escritores do
calibre de Plutarco (cerca de 46-120 d.C.) perceberam que fi cavam
à sombra dos seus grandes antecessores, mas o que invejavam sobre-
tudo era a liberdade política e seus efeitos inspiradores e criativos.
D F A
Naturalmente, o epicentro cultural do alto classicismo dos sécu-
los V e IV foi Atenas. Para lá eram atraídos magneticamente os mais
talen to sos gregos nascidos e educados em outros locais do mundo
grego. Heródoto, de Halicarnasso, na Ásia Menor; Aristóteles, de
Estagira, no norte da Gré cia; Diógenes, o Cínico, de Sinope, no mar
Negro; Ze não (possivelmente nascido de uma mistura de ancestrais
gregos e fenícios), da Cício cipriota; e Aspásia, de Mileto, no leste da
Grécia, para citar apenas cinco.
Entretanto, Atenas não constituía de modo algum a Grécia toda,
e nes te livro esperamos estabelecer as realizações atenienses dentro
Segunda Sofística
termo utilizado
para o período de
cerca de 60-230 d.C.,
caracterizado pelas
declamações dos
oradores gregos.
Glossário
grecia.indb 20 17/06/2009 22:21:30
da ma triz grega mais ampla e destacar as peculiaridades e diferenças
dos muitos e heterogêneos alcances do helenismo. Exemplos dessa
hetero ge neidade incluem o modelo democrático, político e cultural
de Atenas; as experiências fi losófi cas e políticas dos aristocratas pi-
tagóricos do sul da Itália; a predileção um tanto não helênica pela
tirania, demonstrada pelos gregos da Sicília; as formas políticas e
culturais de Esparta, extremamente não atenienses, ou até mesmo
contrárias a Ate nas; e a inventiva musical, militar e polí-
tica de Tebas (berço de Píndaro e Epaminondas), signifi -
cativamente diferente tanto de Es par ta quanto de
Atenas. Também existem as peculiaridades artísti-
cas e religiosas de Creta; a brilhante poesia lírica de
Alceu e Safo, de Les bos; e os centros médicos rivais
de Cós e Cnido. Tudo isso também é parte essencial
da Grécia antiga e não pode fi car perdido na vasta
sombra lançada por Atenas.
D A
Sem negligenciar a abordagem tradicional (desde
Homero!) “de ci ma para baixo”, neste livro também
procuraremos apresentar a visão “ras tei ra”, antio-
límpica, de baixo para cima: a visão dos pobres, dos
es tran geiros, das mulheres ou dos escravos libertos
— ou a visão ou vi sões que lhes podem ser atribuí-
das de modo plausível. Ao adotarmos esta aborda-
gem, esperamos dar voz a quem não a tinha ou foi
silenciado, e co locar a democracia, o teatro, a fi -
losofi a, a medicina, a arqui te tura, a escultura
grecia.indb 21 17/06/2009 22:21:30
22
e tudo o mais produzido pelos gregos numa pers pec tiva histórica
nova e mais verdadeira. Atenção particular foi dada ao legado gre-
go: isto é, não tanto àquilo que os gregos potencialmente transmi-
tiram às civilizações posteriores, mas sim ao que essas civilizações
decidiram herdar deles e o que elas — inclusive a nossa — fi zeram
com essa herança.
Com relação à Grécia antiga, é difícil, e não totalmente dese-
jável, fugir totalmente da abordagem “reis-e-batalhas”. Em muitos
casos, as cidades gregas foram forjadas na bigorna da guerra, e o
desenvolvimento da civilização e da cultura gregas foi crucialmen-
te afetado, tan to positiva quanto negativamente, por determinadas
guerras, principalmente as persas (490, 480-79) e as do Peloponeso
(431-404). Con tu do, embora a atividade da guerra — junto com os
desenvolvimentos políticos, como a introdução da democracia em
Atenas em 508/7 — possa propiciar um fi o narrativo para a história,
neste livro, as im plica ções e consequências sociais das guerras gregas,
tanto no mar quanto na terra, recebem ênfase igual à atribuída aos
detalhes puramente técnicos de estratégia e tática. Por exemplo, foi
a guerra que ser viu para delimitar um espaço peculiarmente mascu-
lino de empe nho e conquis ta e para fi xar um elemento essencial nas
noções gregas de gênero e sexualidade.
A guerra também inspirou boa parte da melhor literatura grega,
de Homero a Tucídides e muitos mais. Por outro lado, é o assunto
de boa parte das artes visuais gregas. Por exemplo, o templo de Del-
fos, coberto de obras de arte e monumentos à piedade, era também
até certo pon to um gigantesco memorial de guerra, bastante lúgu-
bre — no nos so modo de pensar —, comemorando não apenas as
vitórias dos gregos sobre os não gregos, mas também os resultados
daquilo que Heródoto, comovido, chamou de “discórdia dentro da
tribo [grega]”.
grecia.indb 22 17/06/2009 22:21:31