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Todd Gitlin Mídias sem limite Como a torrente de imagens e sons domina nossas vidas Tradução de Maria Beatriz de Medina CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA Rio de Janeiro 2003

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Todd Gitlin

Mídias semlimiteComo a torrente de imagens e sonsdomina nossas vidas

Tradução deMaria Beatriz de Medina

CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA

Rio de Janeiro2003

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COPYRIGHT©2001 by Todd Gitlin

TITULO ORIGINALMedia Unlimired: How the Torrenr of Images and Sound Overwhelms Our Lives

CAPAEvelyn Grumach

PROJETO GRAFICOEve/yn Grumach e João de Souza Leite

CIP-BRASn... CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

Mais uma vez, a Laurel e Shoshana,Justin e Fletcher

G442mGitlin, Todd

Mídias sem limite /Todd Gitlin; tradução de Maria Beatrizde Medina - Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003_

Tradução de: Media unlimitedInclui bibliografiaISBN 85-200-0620-5

L Comunicação de massa_ L Titulo.

CDD - 302_23CDU - 316_77

03-1357

Todos os direitos reservados, Proibida a reprodução, arrnazenamento outransmissão de partes deste Livro,através de quaisquer meios, sem préviaautorização por escrito.

Direitos desta tradução adquiridos pelaEDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRAum selo daDISTRIBUIDORA RECORD DE SERVIÇOS DE IMPRENSA SARua Argentina, 171- 20921-380 - Rio de Janeiro, RJ - Tel.: 2585-2000

PEDIDOS PELO REEMBOLSO POSTALCaixa Postal 23_052, Rio de Janeiro, RJ - 20922-970

Impresso no Brasil2003

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Sumário

INTRODUÇÃO 9

CAPíTULO 1

Supersaturação OU a torrente das mídias e o sentimentodescartável 21

CAPíTULO 2

Rapidez e sensibilidade 97

CAPíTULO 3

Estilos de navegação e espetáculos políticos secundários 159

CAPíTULO 4

Sob o signo de Mickey Mouse e Cia. 237

NOTAS 285

AGRADECIMENTOS 323

íNDICE 325

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sarnas boa parte de nossas vidas. McLuhan chegou mais pertoda verdade quando, num momento brincalhão, deu a um de seusúltimos livros o título O meio é a massagem.

A experiência não é uma mensagem, embora aceite mensa-gens. Em presença das mídias, podemos estar atentos ou desaten-tos, estimulados ou amortecidos, mas é numa relação simbióticacom elas, suas figuras, textos e sons, no tempo que passamos comelas, no esforço que fazemos para obtê-Ias, absorvê-Ias, repeli-Iase discuti -Ias, que boa parte do mundo acontece para nós. As mídiassão ocasiões para experiências - experiências que são, em si, osprincipais produtos, as principais transações, os principais "efei-tos" das mídias. Isto é que é importante; o resto é detalhe.

O que me leva à aposta deste livro. Em vez de emendar pe-dacinhos de análises, argumentos, queixas e repreensões sobreas mídias, achei que era hora, pelo menos para mim, de deixarpara trás as questões mais administráveis e voltar-me para a pró-pria e desconcertante totalidade das mídias. Quanto maior aambição, claro, mais arriscado o livro e mais visíveis as limita-ções do autor. Eu procurava a forma certa de pedir a generosi-dade do leitor quando descobri que um dos grandes historiadoresculturais do século XX, o holandês Johan Huizinga, já dissera oque eu queria dizer no prefácio de sua obra-prima, Homo Ludens- o jogo como elemento da cultural:

o leitor dessas páginas não deveria procurar a documentaçãodetalhada de cada palavra. Ao tratar dos problemas gerais dacultura, constantemente somos obrigados a realizar ataquespredatórios a províncias ainda não suficientemente exploradaspelo próprio desbravador. Preencher de antemão todas as lacu-nas de meu conhecimento estava fora de questão para mim.Tinha de escrever agora, ou não escrever. E eu queria escrever.

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CAPíTULO 1 Supersaturação OU a torrentedas mídias e o sentimentodescartável

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Na parede do meu quarto há uma reprodução de O concerto, deVermeer, pintado por volta de 1660. Uma jovem toca espineta. Ou-tra mulher, provavelmente sua criada, segura uma carta. Um cava-leiro está de pé entre elas, de costas para nós. Há uma paisagempintada na tampa levantada da espineta e, na parede, dois quadros,uma paisagem e A alcoviteira, obra de Baburen, outro artista ho-landês, que mostra um homem e duas mulheres num bordeI. Comoem muitos quadros holandeses do século XVII, o espaço domésti-co é decorado com pinturas. Na rica Holanda, muitos lares, e nãosó os burgueses, exibiam essas descrições do mundo exterior. Eramquadros agradáveis, mas não só isso: eram prova de bom gosto eprosperidade, ao mesmo tempo diversão e novidades.

Vermeer congelava instantes, mas instantes que falavam daconstância relativa do mundo em que viviam seus personagens.Se tivesse pintado a mesma sala da mesma casa uma hora, umdia ou um mês depois, a carta na mão da criada seria diferente ea mulher talvez estivesse tocando outra música, mas os quadrosna parede muito provavelmente seriam os mesmos. Poderia ha-ver outras pinturas, desenhos e gravuras em outros locais da casa,mas não teriam mudado muito mês a mês, ano a ano.

No país que era, então, o mais rico do mundo, "todos seesforçam para embelezar sua casa com peças preciosas, em es-

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pecialo cômodo que dá para a rua", como escreveu um visitan-te inglês' de Amsterdã em 1640, notando que observara qua-dros em padarias, açougues e oficinas de ferreiros e sapateiros.É claro que o número de pinturas, desenhos e gravuras nos laresvariava consideravelmente. Um alfaiate possuía cinco pinturas,por exemplo, enquanto no outro extremo o inventário de 1665da casa de um pródigo aristocrata de Amsterdã incluía dois mapase 13 pinturas num salão, 12 pinturas no quarto da viúva e seteno da criada. Ainda assim, comparados às imagens domésticasde hoje, os mais grandiosos inventários holandeses- daquelaépoca próspera eram minúsculos. Mesmo nas casas mais ricasmostradas por Vermeer, o campo visual habitado por seus per-sonagens era relativamente parco e fixo.'

Hoje o equivalente de Vermeer, se estivesse pintando cenasdomésticas ou fazendo fotos para uma reportagem da Vanity Fair,ou dirigindo anúncios ou filmes, também apresentaria seus per-sonagens contra um cenário de imagens; e, se sua obra apare-cesse na tela, há uma boa chance de que também incluísse trilhasonora. A maioria das imagens seria retratos de indivíduos quenunca passaram pela porta - não em carne e osso - e são mes-mo assim reconhecidos e bem-vindos, embora não como pessoasde verdade. Rapidamente dariam lugar a outros - ou porqueforam editados numa montagem de vídeo ou porque estão empáginas previstas para serem folheadas. O Vermeer de hoje des-cobriria que o espaço privado do lar oferece muito mais impres-sões do mundo lá fora do que seria possível em 1660. Na Delftdo século XVII, os pintores não batiam às portas dia e noiteoferecendo novas imagens para venda. Hoje, embora o espaçoresidencial tenha sido separado do espaço profissional, como sóacontecia com os burgueses mais ricos da época de Vermeer, o

mundo externo entrou violentamente no lar - na profusão dasmídias.

O fluxo de imagens e sons pelas casas do mundo rico e naspartes mais ricas do mundo pobre parece insignificante hoje emdia. Só o visitante de um século anterior ou de um país empo-brecido pode espantar-se com o fato de a vida hoje desenrolar-se diante de uma multidão reluzente de imagens e sons, queemanam de televisores, videoteipes, videodiscos, videogames,videocassetes, telas de computador, monitores digitais de todotipo, sempre em fluxo, selecionados por vontade ou capricho,suplementados por palavras, números, símbolos, frases, fragmen-tos, todos passando por telas que num único minuto podemexibir mais quadros que uma casa holandesa próspera do séculoXVII comportaria no decorrer de anos e, numa semana, maispedacinhos do que viemos a chamar de "informação" do quetodos os livros de todas as casas da Delft de Vermeer. E isso semfalar de nosso ambiente sonoro: a música, as vozes e os efeitosde rádios, CDs e toca-discos. E sem falar de jornais, revistas,boletins e livros. A maioria dos rostos que jamais veremos serávista em forma de imagem.

Como chegam com som, em casa, no carro, no elevador, nasala de espera, as imagens de hoje são capazes de atrair nossaatenção durante boa parte do dia. Podemos ignorar a maioriadelas na maior parte do tempo, brigar com elas ou rejeitá-Ias(ou pensar que as rejeitamos), mas temos de nos dar ao trabalhode dissipá-Ias e, ainda assim, sabemos que podemos convocá-Iasà nossa presença sempre que quisermos. A plenitude icônica é acondição contemporânea, e é tida como líquida e certa. Crescernessa cultura é crescer na expectativa de que imagens e sonsestarão à nossa disposição e que as histórias que compõem se-

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rão sucedidas por mais histórias, todas pedindo nossa atenção,todas se esforçando para fazer sentido, todas, em certo sentido,nossas. Raymond Williams4, primeiro analista a dar atenção aofato de que a televisão não são apenas imagens, mas fluxo, e nãoapenas fluxo, mas drama em cima de drama, ressaltou, há maisde um quarto de século, muito antes dos cem canais da TV acabo e do videocassete, que

MEDIDAS DE MAGNITUDE

jamais, como sociedade, atuamos tanto ou assistimos a tantosatuarem. (...) o que é realmente novo (...) é que o drama (...) éembutido nos ritmos da vida cotidiana. Em períodos anterioreso drama era importante numa festa, numa temporada ou comoida consciente a um teatro; desde honrar Dioniso e Cristo aassistir a um espetáculo. O que temos hoje é drama como expe-riência habitual: em muitos casos, em quantidade maior numasemana do que a maioria dos seres humanos de antigamentepoderia ver durante a vida toda.

A estatística começa - ainda que escassamente - a demonstrara magnitude absoluta desse contato, acesso, exposição, plenitu-de, empanturramento, como quer que se prefira pensar.

Em 1999, um televisor ficava ligado, na média dos laresamericanos, mais de sete horas por dia, valor que se mantevebastante firme desde 1983. Segundo as pesquisas da empresaA. C. Nielsen, que constituem o padrão usado por anuncian-tes e pelas próprias emissoras de televisão, o indivíduo mé-dio assistiu a cerca de quatro horas de televisão por dia, semcontar o tempo em que o aparelho ficou ligado mas o indiví-duo em questão não estava assistindo. Quando se pediu aosamericanos que anotassem como passam seu tempo, o perío-do gasto de fato assistindo à TV caiu, ainda espantosamente,para três horas por dia - provavelmente uma subavaliação.Em 19956, dentre os que assistiam à TV, a percentagem dosque assistiam "ao que estiver passando" em vez de algum pro-grama específico era de 43%, contra 290/0 de 1979. Emboraas comparações entre países sejam enganosas por causa dediferenças entre sistemas de medição, os números de outrasnações industrializadas parecem comparáveis - na França",por exemplo, a média era de três horas e meia por pessoa.Uma pesquisa com 43 países" mostrou os Estados Unidos emterceiro lugar em número de horas de televisão assistidas, atrásdo Japão e do México. Nada disso conta o tempo gasto dis-cutindo programas, lendo sobre atrizes e atores ou pensandoa respeito.

Em geral, escreveu um grande pesquisador" em 1990,

Na época em que Vermeer pintou O concerto, Blaise Pascal', quese preocupava com o poder sedutor da distração na realeza fran-cesa, escreveu que "perto da pessoa dos reis jamais deixa de haverum grande número de outros que cuidam para que a diversãosuceda ao trabalho e que vigiam todo o seu tempo livre parafornecer-lhes prazeres e jogos, para que não haja intervalos".Nesse aspecto, nos países ricos, hoje quase todos - mesmo ospobres - parecem reis, atendidos pelos cortesãos da mídia quelhes oferecem o direito divino de escolher.

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assistir à TV é a atividade de lazer predominante dos ameri-canos, a qual consome 40% do tempo livre da média das pes-soas como atividade primária [quando as pessoas dedicam àtelevisão toda a sua atenção]. A televisão ocupa mais da me-tade de nosso tempo livre quando se leva em conta (... ) as-sistir à TV enquanto se faz outra coisa, como comer ou ler(... ) [ou] quando o aparelho está ligado mas não se dá aten-ção a ele.

o lugar das mídias na vida das crianças merece atenção es-pecial - não apenas porque as crianças são inigualavelmenteimpressionáveis mas porque sua experiência dá forma ao futurode todos; se hoje achamos natural um ambiente encharcado demídia, com certeza uma das razões é porque crescemos nele enão podemos mais ver como é extraordinário. Eis aqui algumasdescobertas de uma pesquisa nacionalt- sobre a situação dasmídias entre crianças americanas de dois a 18 anos. A criançaamericana média mora numa casa com 2,9 televisores, 1,8videocassete, 3,1 rádios, 2,6 gravadores, 2,1 aparelhos de CD,1,4 videogame e um computador. Noventa e nove por centodessas crianças moram em lares com um ou mais televisores, 97%com um videocassete, 97% com um rádio, 94% com um grava-dor, 90% com um aparelho de CD, 70% com um videogame e69% com um computador. Oitenta e oito por cento moram emcasas com dois ou mais televisores, 60% em casas com três oumais. Dos 990/0 que têm um televisor, 74% têm TVa cabo oupor satélite. E assim por diante, e por diante, e por diante.

A uniformidade" desse quadro não é menos espantosa.Muita coisa na vida das crianças depende de raça, sexo e classesocial, mas o acesso às principais mídias não. No caso de televi-sores, videocassetes e rádios, a proporção dos que os possuemnão varia significativamente entre crianças brancas, negras ouhispânicas, nem entre meninas e meninos. Quanto a televisorese rádios, a proporção não varia muito com a renda da comuni-dade.

Até que ponto, então, é acessível!' o desfile das mídias emcasa? Das crianças entre oito e 18 anos, 65% têm um televisorno quarto"; 86% um rádio, 81 % um gravador, 75% um apare-lho de CD. Meninos e meninas não diferem muito em relação a

É surpreendente que sexo, raça, renda 10, idade e estado civil nãointerfiram no tempo gasto. Na época em que este livro foi escri-to nem a internet diminuíra o uso total da mídia, mesmo que,não se considere a rede como parte da mídia. Embora os usuá-rios da internet assistam a 28 % menos televisão, passam maistempo que os não usuários jogando videogames e ouvindo rá-dio e música gravada - obviamente, uma turma mais jovem.Usuários mais antigos!' (quatro anos ou mais) dizem que ficamconectados mais de duas horas por dia, e tanto meninos quantomeninas passam a maior parte de seu tempo na internet diver-tindo-se com jogos, passatempos e assemelhados. Em outraspalavras, a internet redistribui o fluxo das mídias ilimitada, masnão o seca. Quando se consideram as horas simultâneas e adicio-nais de exposição a rádio, revistas, jornais, CDs, filmes (dispo-níveis em várias tecnologias e também nos cinemas) e quadrinhos,além dos artigos, livros e conversas secundárias sobre o que está,estava ou estará no ar em todos esses meios de comunicação,fica claro que o fluxo das mídias dentro do lar - sem falar foradele - se espessou até virar uma torrente de imensa força econstância, um complemento da vida que se transformou emvivência fundamental.

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essas estatísticas, embora o uso relativo varie entre um meio decomunicação e outro. Os pesquisadores também perguntaramàs crianças se a televisão ficava "ligada em suas casas mesmo semninguém assistindo 'a maior parte do tempo', 'algum tempo','pouco tempo' ou 'nunca"'. As casas onde a televisão fica ligada"a maior parte do tempo" são chamadas moradias com televi-são constante. Por este padrão, 42% de todos os lares america-nos com crianças são moradias com televisão constante. Negrostêm maior probabilidade que brancos ou hispânicos de vivenciara TV: 560/0 das crianças negras habitam moradias com televisãoconstante (e 69% têm televisor no quarto, comparadas a 48%das crianças brancas). Quanto mais baixo o nível educacionalda família e a renda média da comunidade, maior a possibilida-de de uma moradia ser de televisão constante.

Quanto ao tempo", a criança média passava seis horas e32 minutos por dia exposta a todos os tipos de mídia, dentreos quais o tempo gasto lendo livros e revistas - sem contartrabalhos escolares - era em média de 45 minutos. Entre doise sete anos, a média total das mídias era de quatro horas e 17minutos; entre oito e 13 anos, de oito horas e oito minutos,caindo para sete horas e 35 minutos entre 14 e 18 anos. Aqui,raça e classe social contam. As crianças negras são mais expos-tas, seguidas pelas hispânicas e, por fim, as brancas. Em todosos níveis etários, o total de exposição a todas as mídias variainversamente segundo a classe-", das seis horas e 59 minutospor dia das crianças em moradias cuja renda média, por códi-go de endereçamento postal, era de menos de 25 mil dólaresanuais, às seis horas e dois minutos das crianças cuja rendamédia do CEP era de mais de 40 mil dólares por ano. A discre-pância da exposição à TV é especialmente pronunciada, va-

riando de três horas e seis minutos por dia, nas crianças cujarenda anual por CEP fica abaixo de 25 mil dólares, a duas horase vinte e nove minutos, nas crianças cuja renda anual por CEPestá acima de 40 mil dólares. Ainda assim, essas diferenças nãosão muito grandes. Dado tudo o que separa o rico do pobre, aclasse de profissionais liberais da operária - diferenças de saú-de física e mental, mortalidade infantil, longevidade, seguran-ça, vulnerabilidade ao crime, perspectiva de emprego estável eassim por diante -, as diferenças de classe no acesso às mídiassão surpreendentemente limitadas. São assim também as dife-renças entre crianças americanas e da Europa ocidental", es-tas últimas com uma média total de seis horas por dia, emborana Europa apenas duas horas e 15 minutos destas horas sejamgastas com a TV.

Todas essas estatísticas são aproximadas, é claro. A maioriadelas registra o tempo que as pessoas dizem passar em frente àTV. Não são - ainda bem - confirmadas por uma vigilânciatotal. Além disso, o significado de exposição é difícil de definir,já que o conceito engloba atenção total, vaga percepção, coe-xistência desatenta e todas as nuances possíveis aí no meio. En-quanto as imagens deslizam e as vozes vêm e vão, como podemosavaliar o que se passa na cabeça das pessoas? Ainda assim, osnúmeros dão uma idéia da saturação de mídia com a qual vive-mos - e até aqui só medimos o que pode ser medido em casa.Esses números não levam em conta os outdoors, os televisoresem bares e aviões, a música de restaurantes e lojas, as revistas nasala de espera do médico, os visares digitais em bombas de ga-solina e mictórios, os anúncios, emblemas e logotipos que pas-sam céleres na lateral dos ônibus e táxis, escalam a parede dosprédios, fazem propaganda em bonés, bolsas, camisetas e tênis.

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Para variar nossa vivência, podemos pagar para ver históriassobre indivíduos se revelarem, em tamanho maior que o nor-mal, nas telas de cinema, ou visitar parques temáticos e marcharde imagem em imagem, de monitor em monitor. Sempre quequisermos, a pé ou em veículos, podemos nos converter em elosmóveis de comunicação, graças ao rádio, gravador ou aparelhode CD dos carros e jogos eletrônicos portáteis, telefones celula-res, bipes, walkmen e os mais modernos "sistemas de comunica-ção pessoal" - e, ainda que nos refreemos, vemo-nos arrastados,querendo ou não, para a paisagem sonora que outros transmi-tem à nossa volta.

Fundamentalmente, quem somos corresponde a como vive-mos nosso tempo - ou o gastamos, para usar a palavra que trans-mite sua escassez intrínseca. Aquilo em que acreditamos, oudizemos acreditar, é menos importante. Com o nosso tempo,votamos num modo de vida. E cada vez mais, quando não nosencontramos no trabalho ou adormecidos, estamos na torrentedas mídias. (Às vezes no trabalho também estamos nela, ouvin-do rádio ou conferindo resultados esportivos, mulheres bonitasou manchetes na internet.) Cada vez mais habitantes da parterica do mundo têm meios, incentivo e oportunidade de buscarcompanhia eletrônica particular. Quanto mais dinheiro temospara gastar, mais espaço para si ganha cada membro da família.Com o espaço pessoal vem a solidão, mas esta solidão é instan-taneamente povoada de imagens e trilhas sonoras. Num grau queseria impensável no século XVII, a vivência tornou-se umavivência em presença das mídias.

PLENITUDE VIRTUAL

É plenitude, mas de um tipo restrito. Embora possamos preservá-Ias em videoteipe ou memória digital, em geral as imagens quenos chegam nas telas são vestígios efêmeros. (O mesmo aconte-ce com trilhas sonoras.) Como as imagens que as precedem esucedem no tempo, pertencem a um presente que passa, sem-pre evanescente. Como regra, antes de sumirem só causam im-pressões limitadíssimas sobre os sentidos. Transmitem algo daaparência das coisas, mas não podem ser cheiradas nem prova-das. Não são palpáveis. Mais comumente, surgem em duas di-mensões numa tela translúcida mais ou menos plana. Esta telaemite luz, brilha com disponibilidade, reivindica alguma partede nossa atenção, mas também está afastada de nós. A tela ébrilhante, mais brilhante que a realidade comum (e provavel-mente por isso é que é tão difícil desviar os olhos), mas muitasvezes, por razões técnicas, a figura pode ser um pouco borrada,riscada por marcas estranhas, padrões de interferência ou ou-tros lembretes de que as imagens são criadas e transmitidas deoutro lugar.

A menos que cliquemos no botão de desligar ou quebremosa tela, as imagens passam, deixando vestígios em nossas mentesmas, apesar da mania de interatividade, estranham ente indife-rentes a nós. Cobram nossa atenção mas não agem com recipro-cidade. No tempo real de nossa vida, nós as selecionamos ecompletamos ao notá-Ias, ouvi-Ias, lê-Ias certo ou errado; nemassim elas precisam de nós. Estão conosco ainda que não esteja-mos com elas. No caso das telas de computador, podemos alte-rar as imagens - eis o que é importante - porque são nossascriaturas. Nós as compramos e possuímos. Por outro lado, elas

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exigem uma certa atenção sem reagirem a nós. Não comentamnossa aparência, não franzem o cenho para nossa escolha depalavras ou imagens (a menos que tenhamos modernos progra-mas de revisão ortográfica) - e assim, até certo ponto, são elas

que nos possuem.d "Como gente e carne e osso, com quem passamos tempo

ao vivo", os personagens virtuais da tela têm identidades e des-pertam nossas emoções. Incluem, nas palavras de um de meusalunos, "pessoas que são de certa forma familiares e de certaforma não". Às vezes fazem parte do ruído e fluxo de fundo -parte da decoração, dizemos - e às vezes se elevam como algomais. Às vezes os avaliamos como seres físicos e agentes morais.Muitas vezes achamos que são desejáveis ou invejáveis, ou evo-cam, de alguma forma, os sentimentos, o afeto, a irritação ou otédio que indivíduos de carne e osso despertam. Mas algum tipode aura os cerca. Ocupam lugares rituais como heróis, líderes,bodes expiatórios, figuras mágicas, para serem admirados, in-vejados, amados ou odiados; para terem importância. Esses des-conhecidos familiares existem para nós, ora bolas. Torcemos poreles, gritamos com eles". É comum que fãs enviem cartas a ato-res e os confundam com seus personagens. Uma atriz do seria-do Ali My Children me disse certa vez que recebia cartas de fãsque a tratavam pelo nome, elogiavam sua atuação, só para pas-sar a falar com o personagem - por que você rompeu com seunamorado?

O contato com o fluxo abundante e interminável desses ros-tos e da própria cultura popular, uma torrente além de nós masde algum jeito (acreditamos) sob nosso controle - esta expe-riência está no cerne de um certo modo de vida. O desconhecidofamiliar não é, de forma alguma, inédito na história. Faz muito

tempo que as pessoas imaginam um mundo povoado de perso-nagens que não estão fisicamente à mão mas ainda assim pare-cem presentes de alguma maneira. O que mudou, é claro, foi amagnitude do fluxo, o leque de personagens que penetram emnosso mundo, sua onipresença, o número absurdo de histórias.Inevitavelmente, as histórias de hoje não passam de prólogos oucontinuações de outras histórias, histórias verdadeiras ou nemtanto, histórias que são por si sós intervalos, histórias sem fim.

A maioria dessas histórias nos chega através de imagens queresidem conosco - embora o façam num sentido peculiar que nãodevemos pensar, apressados, que entendemos. Sabemos, na maiorparte do tempo, que não são "reais", embora quando nos agar-ram não queiramos nos separar delas. Reais são minha família,meus amigos, meus colegas de trabalho. Real é o gosto do café,ou a mosca zumbindo na cozinha, ou o bater de meu coraçãodepois de subir a ladeira. Real, em outro sentido, é meu empre-go, ou cozinhar, ou fazer compras, ou organizar minha rotinapara chegar ao trabalho ou arranjar comida. As imagens, poroutro lado, retratam ou re-(a)presentam realidades mas não sãoem si mesmas realidades. Geralmente sabemos a diferença. Seuma imagem mostra um lugar que visitamos ou nos recorda algoque já nos aconteceu ou que podemos imaginar acontecendo,dizemos que é realista. Mas isso ainda não é "real". E menosainda, nas palavras de Umberto Eco, é hiper-real-", mais real queo real, produto de uma "falsificação absoluta", como o castelode San Simeon, de Randolph Hearst, ou um museu de cera. Nemé o simulacro de Jean Baudrillard, uma cópia de algo cujo origi-nal não existe, como a Rua Principal da Disneylândia. Eco estámais perto da verdade quando se refere ao "desejo frenético doquase real" que prospera, sobretudo, nos Estados Unidos.

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Quase real: esperamos uma certa fidelidade das imagens,sejam ficcionais ou "baseadas em fatos reais". Se ficcionais, es-peramos que sejam plausíveis, de certa forma semelhantes à vida,ainda que sejam fantásticas. Reconhecêmo-las como fantasmas,sombras de algo substancial. São auxiliares, virtuais. Não admi-ra que, entre os tecnófilos, a idéia de realidade virtual - desensações digitalmente fornecidas que podemos confundir coma experiência verdadeira de "estar ali" - tenha sido compreen-dida antes que a tecnologia fosse inventada, pois muito de nos-sa experiência já é virtual: o tipo de quase-realidade secundáriamas cativante que a televisão nos fornece há muito tempo masque, até recentemente, estava lacrada atrás da tela. Com a reali-dade virtual, temos a ilusão de passar para dentro da tela, nãosó dando como recebendo atenção das imagens lá dentro.

É claro que a espectadora não é (costumeiramente) ingênua.Ela sabe que os seres ficcionais não sairão da tela para emocioná-Ia, como em A rosa púrpura do Cairo, de Woody Allen, nem osatores a reconhecerão pessoalmente, como em A enfermeiraBetty, de Neil LaBute, nem confundirá a imagem de um mortona TV com um cadáver real. O espectador adulto não é o bebêque, garantem os psicólogos, não sabe a diferença entre imageme realidade - que pensa que a girafa mostrada na tela da TVtem "realmente" alguns centímetros de altura. Mas, criança ouadulto, exigimos algo de nossas imagens, ainda que sejam ape-nas "quase reais". Esperamos que amplifiquem a vida, que a in-tensifiquem e concentrem ao serem melhores que o real, maisvívidas, mais firmes, mais qualquer coisa. Queremos um jorrode sentimento, um arrepio de comi ser ação, um relâmpago deprazer, um instante de reconhecimento - então é assim que équando seu namorado dorme com a sua irmã, quando se perde

um paciente no setor de emergência, quando se é expulso deNo limite. Dependemos dessas imagens para imaginar o grandio-so em outro lugar: presenças "realistas" que apontem, digamos,para as ruínas reais do World Trade Center, ou ficções que de-signem um mundo real onde atendentes empurram pacientes emsuas macas para salas de operação e policiais prendem suspei-tos, ou programas "baseados em fatos reais" que indiquem quealguns seres humanos comerão ratos para ter a chance de ga-nhar um milhão de dólares.

Tudo isso é tão óbvio e fundamental para nosso modo de vidahoje que chamar a atenção para sua estranheza parece banal ousupérfluo. A onipresença das mídias não é simples e clara? Mas,estranhamente, não temos palavras para descrever com precisão abizarrice enervante e completa desse mundo de imagens, persona-gens, histórias, jingles, efeitos sonoros, anúncios, desenhos anima-dos e logotipos que inunda nossa vida. Até palavras como auxiliar,virtual e fantasmagórico são aproximações fracas do fluxo peculiarde imagens e sons que sopra pela vida cotidiana, tão constante quepode ser considerado natural, tão fluido que nos permite acreditarque nunca pisamos duas vezes na mesma torrente.

ORIGEM HISTÓRICA DA TORRENTE

Como as mídias ilimitadas passaram a ser consideradas naturais?Raymond Williams21 formula a questão assim:

Ate que os olhos se cansem, milhões de pessoas assistem às som-bras das sombras e encontram nelas substância; assistem a ce-nas, situações, ações, trocas, crises. A porção de vida, antigo

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projeto da dramaturgia naturalista, é hoje um ritmo voluntá-rio, habitual, interno; o fluxo de ação e atuação, de representa-ção e apresentação, elevou-se a uma nova convenção, a de umanecessidade básica. (... ) O que, temos de perguntar, há em nóse em nossos contemporâneos que nos atrai repetidamente a essascentenas e milhares de ações simuladas?

liga com um comando de voz. Na verdade, o blablablá hojeinescapável sobre um admirável mundo novo e interconectadotem um tom plausível porque uma proporção significativa ecrescente de americanos e outros já estão ligados, com ou semfio, a inúmeros circuitos, redes, loops de conexão com ima-gens e sons, disponíveis a pedido. Diante de nossas máquinasde imagem e som, sentimo-nos como MarceI Proust se sentiadiante do telefone, "instrumento sobrenatural= diante de cujosmilagres costumávamos ficar espantados e que hoje usamos semnem sequer pensar, para convocar nosso alfaiate ou pedir umsorvete". Sentimos - não temos dúvida - que temos o direi-t023 de ser abordados por nossas mídias, direito de desfrutá-Ias, direito de aceitar em nossa sala os rostos que escolhemos ede entrar em inúmeros mundos, de fluir com eles. Podemosnão ter o direito de possuir os belos rostos e corpos que alivemos, as fortunas, a fama ou o poder pendurados à nossa fren-te, clamando por nossa atenção, mas temos o direito de querê-los. Se nos deixam na mão, temos o direito, quase o dever, declicar e mudar tudo a nosso bel-prazer.

É fácil ver como os indivíduos crescem esperando que suasvidas sejam acompanhadas de plenitude, fluxo e escolha de ima-gens. Mas, para a sociedade como um todo, como esta bênçãoveio a acontecer? A saturação das mídias não é um dom dos deu-ses nem o gênio (ou maldade, ou frivolidade) espontâneo demagos tecnológicos. Edison, Marconi, Sarnoff, De Forest e Gatesimaginaram e organizaram os meios de comunicação que MarshallMcLuhan chamou de "extensões do homem'v", mas a humani-dade veio antes, com suas fomes e competências. Nem nossosdesejos são os produtos indesejados de empresas imensas, de-terminadas a entupir o tempo humano com suas mercadorias:

Muita coisa da força da torrente das mídias, sua atração, atémesmo a impossibilidade de escapar dela, continua misteriosa.O respeito por esse mistério não é um mau lugar para começar.Não devemos nos apressar e dizer que a onipresença das mídiasé produto da tecnologia que fugiu ao controle, ou da busca delucros, ou de um impulso para "escapar", ou que a fome de sen-sações está embutida na natureza humana ou, pelo contrário, éestritamente um produto do "capitalismo tardio". Explicaçõesfáceis nos cegam para a enormidade do fluxo das mídias propria-mente ditas.

Para uma criança que cresce mergulhada na cultura das ima-gens, isso parece a coisa mais natural do mundo. Parece, naverdade, ser a natureza. Esperar que imagens e sons surjam apedido (ou mesmo quando não pedidos nem desejados) pare-ce tão normal quanto esperar que o sol nasça. Como é tão fá-cil mudar de canal, procurar estações, surfar na internet, zapear,clicar, ir para outra fonte de imagens e sons, a pessoa supõeque, se não gosta do que vê e ouve, pode encontrar algo me-lhor (ou criar sua própria imagem ou paisagem sonora). Nãoadmira que cada onda de tecnossurpresas pareça tão poucosurpreendente - a tela pendurada acima da cadeira do avião,o carro que recebe e-rnails e toca CDs, o relógio de pulso comacesso à internet, a câmera de cinema digital que se liga e des-

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com produtos que as pessoas teriam tanta vontade de comprar,ou dos quais se tornariam tão dependentes, que concederiamseu tempo em troca de dinheiro para trazer essas mercadoriaspara casa. É isso, mas não só isso. Sabemos que o último CD deEminem e Família Soprano são criações humanas, mas é fácilperder de vista o fato de que o próprio fluxo das mídias não émenos humano em sua origem, produto de milhões de pessoasque, por terem sido moldadas por um modo de vida mecânico,imaginaram um número aparentemente interminável de manei-ras de aliviar as tensões daquele modo de vida por meios mecâ-nicos.

As mídias ilimitadas resultam de uma fusão entre expan-são econômica e desejo individual, preparada durante séculose em lugar algum realizada de forma mais completa que nosEstados Unidos. Os prazeres da aquisição na cidade de Delftdo século XVII levaram aos prazeres do consumo em Nova Yorkno século XXI. Em ambas, os indivíduos têm importância e,em conseqüência, também as representações de indivíduos. Emambas, os indivíduos se vestem com adornos e disfarces. Emambas, os indivíduos exigem direitos - a grande diferençasendo que direitos antes exclusivos foram expandidos, incluin-do o direito de pensar e sentir como quiser e, com o tempo, odireito de amar, casar-se, mudar-se, trabalhar, vender, comprar,votar e, além disso, agir como quiser. Algo que uma quantida-de sempre crescente de gente tem o direito de comprar hojeem dia é o acesso a imagens em todas as horas e num sorti-mento extraordinário, que oferecem, a baixo custo exceto emtermos de tempo, uma combinação provisória de prazer e al-guma sensação de domínio. As pessoas que já estavam interes-sadas em imagens e sons ganharam o tempo de consumi-Ias.

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Surgiu um aparato industrial para produzi-Ias em profusão e apreço baixo. O desejo de ter janelas agradáveis para o mundo- e janelas pelas quais escapar do mundo - não é absoluta-mente novo, mas só na sociedade moderna se tornou possívelpara a maioria cultivar e viver esse desejo, sem disposição deaceitar nada a menos. Hoje, o desejo de brincar, o desejo derotina, o desejo de diversão, o desejo de orientação, o desejode representação, o desejo de sentir, o desejo de fugir do sen-timento - todos esses desejos humanos, em sua complexida-de e contradição, podem ser atendidos no vasto circo máximo,nosso grande festival dos festivais.

Embora a correnteza das mídias seja moderna, bebe de fon-tes antigas. Sentir-se acompanhado por outros que não estãofisicamente presentes não deve ser coisa sem precedentes. Te-mos profunda capacidade de abrigar imagens de outros, reaisou imaginários, que não estão concretamente à mão - de re-cordar ou especular sobre como eram, imaginar o que estãofazendo, imaginar o que podem pensar, prever o que podemfazer, participar com eles de diálogos não falados. A constru-ção de réplicas estende-se por pelo menos 30 mil anos de his-tória humana. Durante este tempo, as pessoas viveram, pormeio de imagens e simulações, "com" deuses, santos, demônios,reis e rainhas, heróis de espada e pés alados, parentes ausen-tes, membros do clã, amigos e inimigos. A pintura de uma renana parede de uma caverna no sul da França ou o retrato de umancestral morto no Egito, uma cruz na parede ou a réplica deum santo no vitral de uma capela, cada um deles abre um por-tal para um mundo imaginado, convidando-nos a cruzar umabismo entre a imagem aqui e o que está, ou estava, ou pode-ria estar, lá.

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Nada disso é novo, nem a produção e a ampla difusão dacultura popular. Poesias e canções migraram pela Europa me-dieval de mão em mão, de boca em boca. Folhetos circula-vam. A partir da segunda metade do século Xv, os tipos móveisde Gutenberg tornaram possíveis as Bíblias impressas emmassa e uma grande onda de literatura, quer instrutiva, querchula. Mesmo quando a alfabetização era rara, os livros cos-tumavam ser lidos em voz alta. (Numa cena numa estalagemdo Dom Quixote de Cervantes-', publicado em 1605, cam-poneses ouvem com atenção a leitura de livros encontradosnum baú.) Na Inglaterra do século XVIII, a edificação e apiedade de A carreira do peregrino (Pilgrim's Progressv» deJohn Bunyan, que teve 160 edições até 1792, foram suple-mentadas pelo surgimento do romance, aquela emocionantehistória de ação individual que os pernósticos da época viamcomo ofensivamente tosca. A partir daí, a leitura se alastrou,especialmente em casa, na solidão e em silêncio - ou seja,em segredo. E o mesmo aconteceu ao se imaginar como se-ria, ou agiria, outra pessoa: Robinson Crusoe, Moll Flanders,Tom J ones. O que o sociólogo David Riesman-? chamou de"correnteza de publicações" nos séculos XVII, XVIII e XIXabriu espaço para a empatia, ajudando a minar a teocracia ea escravidão. Fossem quais fossem os esforços censórios depastores e pais, escreveu Riesman, "quase sempre há um sub-terrâneo de tipo mais picaresco no qual o menino em cresci-mento, ou até sua irmã, pode refugiar-se".

Mas até no posto avançado mais democrático da Europa,a América, o fluxo de material de leitura no lar foi retardadopelo custo dos livros e pelos limites da alfabetização. A imen-sa biblioteca de Thomas J efferson não era partilhada com seus

escravos, nem igualava-se às dos fazendeiros vizinhos. Aindaassim, sentado junto ao fogo na vastidão selvagem do Ken-tucky, nos últimos anos do século XVIII, Daniel Boone leu asViagens de Gulliver - certamente não a imagem popular dorude e duro homem do sertão. Jim Bridger-", batedor analfa-beto das Montanhas Rochosas, podia recitar longos trechosde Shakespeare, que aprendeu contratando alguém para leras peças para ele. "É difícil haver uma cabana de pioneiro-?que não contenha alguns volumes perdidos de Shakespeare",descobriu Alexis de Tocqueville em sua viagem pelos EstadosUnidos em 1821-32. Já houvera explosões extraordinárias devendagem: numa população muito menos alfabetizada que ade hoje, A cabana do pai Tomas», de Harriet Beecher Stowe,vendeu 300 mil exemplares no ano seguinte à sua publicaçãoem 1852, um exemplar por cabeça para cerca de 1,3% dapopulação, o equivalente a 3,6 milhões de exemplares hoje- e chegou a vender dez vezes mais até o começo da GuerraCivil. Pelo menos nos Estados Unidos, um número crescentede pessoas comuns tinham acesso ao "refúgio"3! impresso -e raramente eram livros em defesa da elite dominante. Comoressaltou Riesman, a Bíblia era "o grande armazém da horade leitura" e não era "apenas um livro, mas muitos, com va-riedade inexaurível de mensagens". Os escravos que liam oÊxodo ensaiavam sua própria liberdade. A imprensa haviamuito protegera aqueles que tinham vontade de fugir, pois,como donas de casa contemporâneasê- continuam a descobrirmesmo quando lêem romances de amor, "estar só com umlivro é estar só de um jeito novo".

No decorrer do século XIX, muito antes da televisão, ashistórias e imagens entravam no lar comum em quantidade sem-

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Custo por trabalhadorem relação ao salário diário

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Em outras palavras, o custo de um dia de televisão na década de1960 era 11% do custo de um espetáculo com filmes e varieda-des cinqüenta anos antes e uma pequena fração de 1% do custode uma ida ao teatro colonial. Desde a década de 1960, o custosó do televisor caiu ainda mais em relação aos salários (estagna-dos), mas o serviço de cabo fez subir o preço do pacote completo.

É óbvio que mais cultura popular pode circular porque, emparte, os custos caíram vertiginosamente. Mas acontece que aqueda dos custos é uma questão mais complexa do que sugere alímpida fórmula "o custo cai, portanto o uso aumenta". O cus-to em queda, a crescente demanda e a tecnologia aperfeiçoadase entrelaçaram. O custo caiu em parte porque a tecnologia me-lhorou, mas a tecnologia melhorou, em parte, porque a deman-

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pre crescente. Em 186533, segundo o historiador literárioRichard Ohmanrr", havia provavelmente um exemplar de re-vista mensal para cada dez americanos; em 1905, três exem-plares para cada quatro americanos - um aumento de maisde sete vezes. Quanto ao restante da cultura popular - o fes-tival de teatro, ópera, palestras públicas e outras apresentaçõesao vivo -, sua maior restrição não era o analfabetismo, mas ocusto. O dec1ínio do preço do entretenimento comercial foiimportantíssimo. O sociólogo Richard Butsch calculou que, nosEstados Unidos do fim da década de 1860, se vendiam por anocerca de 36 milhões de entradas de teatro (mais ou menos umaentrada per capita, só que numa população em que 750/0 daspessoas estavam na área rural e na qual, como escreve Butsch,"os cinco maiores mercados, Nova York, Boston, Filadélfia,Chicago e San Francisco, respondiam por mais da metade dototal da receita nacional de bilheteria"). Compare-se isto aos4 bilhões de entradas vendidas por ano no ápice da freqüênciados cinemas no final da década de 1940 (cerca de 27 ingressospor pessoa, mais ou menos uma entrada a cada duas semanas).Compare-se, agora, com a audiência noturna" da TV em qual-quer momento, de 102,5 milhões de pessoas com mais de doisanos de idade, ou quase 40% da população dos EUA no anode 2001.

O corte nos custos explica boa parte dessa transformação.Segundo os cálculos de Butsch>, o custo das entradas mais ba-ratas para os tipos mais populares de espetáculo em várias épo-cas foi o seguinte (atualizado):

1998 (televisão a cabo)

Século XVIII (teatro)Início do século XIX (teatro)Décadas de 1840-50

(variedades musicais)1870 (música, variedades)1880 (melodrama, vaudeville)1910 (filmes e variedades)1920 (cinema)Década de 1960 (televisão)

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Mais de um dia de salário1/3Pouco menos de 1/3

(25 centavos)1/6 (ainda 25 cents)1/13 (10 centavos)1/40 (5 centavos)menos de 1/40 (10 centavos)1/360 (custo de amortização de

um televisor preto-e-brancode 200 dólares)

1/100 (custo de amortizaçãode um televisor em cores de300 dólares mais serviçobásico de cabo)

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DISTRAÇÕES, DROGAS E FETICHES

da cresceu, ou pôde ter seu crescimento previsto, algo que osprodutores levaram em conta quando investiram em novatecnologia e expandiram suas linhas de produção. Em parte ademanda é função do preço, mas o preço é tanto função dodesejo quanto das possibilidades tecnológicas e da quantidadede tempo disponível dos potenciais consumidores. O tempo li-vre de trabalho cresceu. E também o dinheiro para preencher otempo com divertimentos convenientes.

Em conseqüência do circuito custo-demanda-tecnologia, acultura popular não é mais questão da Bíblia e de Shakespeareem casa, de uma peça uma vez por ano ou um filme a cada quin-zena, suplementados por uma revista e um jornal. A escala dedisponibilidade multiplicou-se cem vezes. Uma experiência an-tes reservada para ocasiões especiais se tornou coisa cotidianatão contínua quanto - ou mais contínua - se queira. Só quemais tempo e custo mais baixo não são suficientes para explicarpor que as pessoas hoje passam mais ou menos metade de suashoras de vigília entre essas presenças fabricadas. Uma fome tor-nou-se parte de nós. Assim como gravitamos em torno da comi-da mesmo quando estamos saciados ou a hora da refeição aindaestá distante, somos atraídos para a tela ou o alto-falante não sóquando estão bem ali, na sala, e temos tempo de sobra, masquando estamos com crianças, companheiros, colegas, amigos,amantes e estranhos, ou a tela está em outra sala. A cultura dasmídias ilimitadas ocupa um lugar em nossa imaginação. Sua lin-guagem e seus gestos tornam-se nossos, mesmo quando con-trabandeados entre aspas em nossa própria conversa. Um casobizarro nos recorda a série de mistério da década de 1950, Alémda imaginação, quando então o di-di-di-dá do tema musical nossurge na mente. Escolhemos nossa mobília cultural mas, a me-

nos que estejamos ocultos numa caverna no fundo de algumdesfiladeiro remoto, não escolhemos o que escolher, não maisque um rapaz criado numa cultura de caçadores-coletores esco-lhe caçar, ou uma moça coletar. São esses os costumes de nossaIribo.

A necessidade de entender a totalidade das mídias está conoscohá mais tempo que a maioria das mídias modernas. Durante osséculos em que a cultura popular ainda não se tornara torrencial,muitos críticos já argumentavam, mesmo assim, que as imagensc representações desviavam as pessoas de objetivos mais cons-trutivos. Muitos apontaram dedos acusadores contra as sereiasda "distração", no máximo para convencer as pessoas a tapar osouvidos. Alguns pensavam que a cultura popular era uma dis-tração da devoção que deveria ser dirigida a Deus ou à Igreja.Alguns viam a cultura popular como um circo tranqüilizador queoferecia às massas alguma compensação psíquica por seu sofri-mento sem prejudicar o poder das autoridades. Até os defenso-res da atual barragem das mídias costumam concordar que elachega a ser uma distração do fardo da vida industrializada -embora, diversamente dos críticos, a celebrem exatamente poresta razão, como remédio valioso e até necessário. A distraçãopor si só não pode ser responsável pelo fluxo ilimitado das mídiasde hoje. Mas o conceito merece alguma investigação.

Distração é uma daquelas palavras - como liberdade, res-ponsabilidade e alienação - que exige um objeto para fazersentido. A questão é, distração de quê? Mortalidade? Deus? Dor?

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Submissão? Mudar o mundo? Mais de um ou todos os citadosanteriormente? (O crítico marxista alemão Siegfried Kracauer ",por exemplo, sugeriu em 193 O: ''A fuga pelas imagens é fugir darevolução e da morte,") Sua resposta à pergunta distração de quê?revela o que você valoriza,

Distração da mortalidade e distração de Deus são os pontosde partida históricos dessa linha de pensamento, O Deus doAntigo Testamento condenava as "imagens gravadas". São Pau-lo e Santo Agostinho acrescentaram suas próprias condenaçõessuplementares, Mas Blaise Pascal", matemático francês e devo-to agostiniano, foi o crítico mais pungente da distração no iní-cio da era moderna, Em seu Pensées de 1657-58, Pascal declarouque o jogo, a caça e as mulheres não passavam de esforços fra-cos - e em última instância fúteis - para nos distrair do fatoinescapável da mortalidade humana, ''A única coisa que nos con-sola de nosso sofrimento é a diversão, mas ainda assim este é omaior de nossos sofrimentos," Afinal, a diversão forma hábitos,Na busca da excitação, podemos tolamente imaginar que "a possedos objetos de nossa busca nos tornará realmente felizes", eportanto deixar de ver o único caminho possível para a salva-ção - a devoção cristã,

A linha de desconfiança religiosa existe até hoje, Os pen-tecostais desaprovam a dança e outros fundamentalistas lamen-tam o sexo televisivo. Partidários de vários credos desprezam a"arte degenerada". Mas, no último século e meio, a crítica e aanálise seculares vieram à frente, Na época áurea da teoria social,no período entre 1848 e 1918 em que a indústria, as cidades, aburocracia, o comércio, o nacionalismo e o império floresciam,o fluxo das mídias era, segundo os padrões de hoje, apenas umarroio. Ainda assim, alguns dos grandes pensadores sociais da

Europa e dos Estados Unidos investigaram e tentaram explicara natureza da diversão moderna. Os fundadores da sociologiaelaboraram conceitos que nos ajudam a entender a origem denosso modo de vida e da vasta maquinaria que a sociedade ima-ginou para alimentar nosso apetite igualmente vasto pela satis-fação dos desejos. Karl Marx chamou este modo de vida decapitalismo; Max Weber, de racionalização; Georg Simmel, omenos conhecido mas para nossos objetivos o mais útil, de inte-lectualismo.

Marx morreu em 188339, quatro anos antes da primeirapatente de gramofone e doze anos antes do primeiro filme. Semnunca ter ouvido música gravada nem ido ao cinema, ainda as-sim compreendia que o capitalismo exigia a distração popular.Grande influência do século XIX, Marx, em 1843, virou Pascalde ponta-cabeça. Para este ateu militante, não era da religião quea diversão nos desviava; ela era a própria diversão. Assim comoo camponês boliviano mascava coca para superar a exaustão deuma vida miserável, o trabalhador numa sociedade capitalistase voltava para a religião como "o suspiro da criatura oprimida,o sentimento de um mundo impiedoso, a alma das condiçõesdesalmadas. É o ópio do povo (...) a felicidade ilusória dos ho-mens". A religião era a distração das massas, o resultado de ima-ginar os poderes do próprio homem projetados além de simesmo, em Deus. Mas, segundo Marx, os objetos que os sereshumanos produziam para o mercado também adquiriam umaspecto mágico - na verdade, ilusório e distrativo. Tornavam-se, em certo sentido, artefatos religiosos.

Em 18674°, no Capital, Marx chegara a identificar uma novaforma de irracionalidade popular que chamou de "fetichismodas mercadorias". As mercadorias, escreveu ele, eram "transcen-

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dentes", "místicas", "misteriosas" e "fantásticas" por adquiriremum valor não inerente à sua natureza física. Pelos mistérios domercado, as pessoas atribuíam valor a bens sem os quais podiamviver. Mas Marx não previu que o capitalismo, graças a seu cons-tante sucesso produtivo, forneceria tanta abundância de misté-rios transcendentes com os quais as pessoas poderiam compensarseus sacrifícios. Marx estava fascinado pela produção, não peloconsumo. Para ele, os trabalhadores eram escravos assalariados,dificilmente capazes de sonhar em transformar-se em consumi-dores distraídos. Estavam condenados ao empobrecimento cons-tante, não à redução da jornada de trabalho e à quantidadecrescente de renda disponível. Ele não previu que a magia em-butida nas mercadorias na ponta da produção poderia contami-nar as pessoas na ponta do consumo - a ponto de criar um novoe abrangente modo de vida transbordante de satisfações.

Obcecado pela natureza exploradora da produção, Marxtendia a pensar'! no consumo estritamente como processo au-xiliar que cumpria dois objetivos: fazia circular as mercadoriase restaurava as forças do trabalhador. Não era um ato humanoútil e fundamental. Ele deixou de ver a maneira como as mer-cadorias não só fizeram as pessoas "enfrentarem" poderes"alienígenas" numa oposição externalizada como também pe-netraram nas pessoas, "falaram" com elas, ligaram-nas entresi, cultivaram sua satisfação e, de certo modo, as satisfizeram.Quando uma imagem ou som penetra na mente, a pessoa podesentir-se, pelo menos por um momento, indo ao seu encontro,recebendo-a, até se fundindo a ela - superando, com a grati-ficação, o confronto. Para Marx, tal satisfação era apenas umadistração das "reais condições de vida":". Mas quais são essas"reais condições"?

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Marx estava certo quanto aos mercados trabalharem miste-riosamente, a existir magia na maneira como um CD, digamos,chega a "valer" duas horas de trabalho de um porteiro ou omesmo que seis latas de boa cerveja. Um ato de cultura produzesta equação. Mas ele subestimou a quantidade de magia nomundo. O que acontece quando entro numa loja de discos eseguro um CD na mão? Aproximo-me não só de um objetometálico brilhante numa caixa de plástico cujo custo de fabrica-ção é de alguns centavos, mas de uma aura de prazer e uma tri-lha de ressonância derivada talvez da fama do grupo cuja músicaestá ali contida ou de minha experiência de ter ouvido uma can-ção numa festa, no rádio, ou de a ter baixado no meu computa-dor. O objeto da publicidade é intensificar esta ressonância eligá-Ia a meus próprios sentimentos bons, passados e futuros.Minha poltrona, nesse sentido, "produz" não só a sensação con-tra minhas costas e pernas mas também uma sensação de confortoque posso associar à minha infância. Tênis Nike produzem nãosó uma certa sensação esponjosa contra a sola dos meus pés mas(pelo menos até que eu chegue na quadra) meu sonho de enter-rar a bola como Michael Jordan.

Quando meus amigos e eu jogamos basquete, não estamosapenas nos compensando pelo que a alienação do trabalho noscustou; estamos também formando uma relação social com oobjetivo de jogar. Investimos no jogo alguma de nossas capaci-dades humanas. Por que nosso jogo não é tão real quanto nossotrabalho? Da mesma forma, por que assistir a um jogo na TVnão é tão real e importante quanto o trabalho que realizamosno emprego?

Marx, preso à atitude utilitária que condenava, não era, nesseaspecto, radical o bastante. Não levou a sério o fato de que to-

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dos já fomos crianças e de que todas as crianças brincam. Simu-lam e observam outros simulando. Crianças são fascinadas porespelhos e crescem impressionadas com jogos de conhecimentoe reconhecimento, representações cômicas, atuações com más-caras e disfarces. Os psicólogos desenvolvimentistas ressaltamque o brinquedo tem utilidade ao aumentar as competências,fornecendo lições sobre como ganhar e perder - mas brincartambém é gratuito. As pessoas brincam "por diversão", porqueisso lhes agrada. Os adultos abandonam boa parte de sua capa-cidade de brincar, mas nunca totalmente. Não jogam fora suascoisas infantis. Coisas prometem prazer - e não só coisas com-pradas e guardadas para si. Presentes também são expressões desentimento, de afeição, ou amor, ou dever. As coisas são maisdo que coisas, são recipientes de amor e amor-próprio.

sa, uma sociedade de sentimento e sensação, a cuja promoção asinformações às vezes são úteis.

Marx começa com as pessoas obrigadas a viver de seu traba-lho; a instituição social moderna fundamental é a fábrica. Naseqüência padrão dos fundadores da sociologia, o grande suces-sor de Marx é Max Weber (1864-1920), para quem as pessoassão obrigadas a viver em relações de poder e a gente moderna,em particular, está sob forte pressão para "racionalizar" suasrelações sociais - para dar razões para sua conduta, para pen-sar de forma instrumental, para calcular os meios para chegaraos fins. Elas - nós - devem se render a regras "racionais-le-gais" abstratas, baixadas por burocracias impiedosas. Podemosprotestar buscando líderes marcados pela graça, dotados do queWeber chamou de "carisma", mas o carisma também acaba setornando rotineiro e estamos condenados a nos fechar na "jau-la de ferro" da racionalidade moderna. É bastante fácil imagi-nar por que os modernos desencantados de Weber se voltariampara o entretenimento como consolo, um tipo de reencanta-mento, ainda que Weber não tenha abordado especificamente otema.

Para um entendimento mais profundo das fontes do espetá-culo que tudo engolfa, devemos nos voltar para o judeu-alemãocontemporâneo de Weber, Georg Simrnel (1858-1918), primeirogrande analista moderno do que hoje consideramos experiên-cia cotidiana. Simmel pensava que a força decisiva da vida daspessoas é "o poder" e o ritmo das emoções". O desejo precedea racionalidade, em termos cronológicos na vida do indivíduomas também em termos lógicos, na evolução da conduta e dasinstituições humanas. A condição humana começa com depen-dências que são tanto emocionais (a necessidade de amor e apoio)

CÁLCULO E SENTIMENTO

No uso convencional, as mídias fornecem um fluxo de informa-ções. A palavra informação combina com pensamento, cognição,conhecimento. Soa tão dura (e objetiva, masculina) quanto emo-ção soa suave (e subjetiva, feminina). Muitos comentaristas dehoje pensam na mente como "processadora de informações";empresários gostam de falar de TI, tecnologia da informação.Mas e se rasgarmos a noção de informação? Vemos mais pro-fundamente nossa situação atual caso consideremos a informa-ção como algo que acontece dentro de um cenário, algo que aspessoas abordam, buscam, desenvolvem, empregam, evitam,repassam e ao qual resistem. Vivemos numa "sociedade da in-formação", mas esta também é, embora de forma menos famo-

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quanto físicas (a necessidade de alimentação e calor). "Para ohomem, que está sempre lutando, nunca satisfeito, sempre mu-dando, o amor é a verdadeira condição humana." Desde o mo-mento do nascimento, viver é estar e sentir-se conectado. Nossasfaculdades cognitivas e intelectuais repousam sobre alicerces desentimento. Os vínculos emocionais da infância persistem e de-senvolvem-se de forma que fizesse, afinal, de todas as relaçõessociais relações emocionais, compostas de desejos, satisfações,frustrações, apegos e antagonismos.

Para Simmel, o arcabouço no qual o homem luta pelo amore pela ligação não é tanto, como para Marx, a produção capita-lista, mas sim a economia do dinheiro. "O homem é um animal'de propósitos'?", escreve Simmel. Desenvolve objetivos e exercesua vontade para atingi-los fazendo e usando ferramentas, cadavez mais através do dinheiro, um meio que evolui psicologica-mente para um fim. As pessoas tratam outras pessoas, assim comoas coisas, de maneira utilitária, e o dinheiro é "o exemplo maisextremo de um meio que se torna um fim". As pessoas hoje or-ganizam sua vida para ganhar dinheiro. Pensam de forma calcula-da e categórica. Abstraem o cálculo do sentimento. Desenvolvemas faculdades mentais para "avaliar" pessoas, coisas e situaçõesde forma rápida e confiável. Assim (e talvez Simmel exagere esteponto) "o dinheiro é responsável pelas relações impessoais en-tre as pessoas".

A metrópole, sustenta Simmel, é o local mais concentradoda economia do dinheiro e é ali, acima de tudo, que a vida men-tal se torna "essencialmente intelectualista":". No movimentomilenar da humanidade, da aldeia à grande cidade, as emoçõesficaram de lado. Os moradores de cidades populosas comoBerlim e Estrasburgo, onde vivia Simmel, precisam domar suas

paixões em favor da "exatidão calculada" como estilo de vida.Qual será sua profissão? Para quem vai trabalhar e quem con-tratará? O que comprará, onde venderá e por que preço? Quemvocê vai usar? O cálculo incessante que a tudo consome, por suavez, exigiu defesas contra o ataque violento de uma vida na qualtodos eram julgados de acordo com sua aparente utilidade e emque o povo tratava, natural e rotineiramente, coisas e pessoascom formalidade e "uma dureza incansável".

Além disso, o dinheiro "reduz igualmente os valores maiselevados e os mais baixos" a um único padrão, colocando-os "nomesmo nível". O dinheiro, portanto, é uma escola de cinismo.(Em nossa época, o padrão de valor monetário nos fornece ex-pressões como "Ela não vale um tostão", "Ele é um perdedor","Pagou, levou" e "Ganhei na loto".) Além disso, sitiadas pelavariedade de estranhos e coisas, as pessoas classificam frenetica-mente, cultivando um "caráter intelectualista" (...) uma prote-ção da vida interior contra a dominação da metrópole". Omorador da cidade moderna deve adquirir "uma objetividadeincansável", "uma aparência blasé", um tipo de "reserva comseu matiz de oculta aversão". Os idiomas alemão e francês par-tilham uma palavra que exprime este tipo de indiferença culti-vada: em alemão, egal, em francês, égal. Significam "igual", mascom um arrepio ou uma implicação um tanto deprimida que nãose encontra no inglês: "não importa", "nem ligo", "para mimdá tudo na mesma" (em francês, expressas na frase que servepara tudo, "ça m'est égal").

Para Simmel, "cinismo e uma atitude blasé" são resultadosdiretos "da redução dos valores concretos da vida ao valor me-diador do dinheiro". Dentro da metrópole há especiais "berçá-rios de cinismo (... ) lugares com enorme rotatividade", como as

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bolsas de valores, onde o dinheiro troca de mãos constantemente."Quanto mais o dinheiro se torna o único centro de interesse",escreve Simmel, "mais se descobre que honra e convicção, ta-lento e virtude, beleza e salvação da alma são trocados por di-nheiro e assim, cada vez mais, uma atitude zombeteira e frívolavai se desenvolver em relação a esses valores mais elevados queestão à venda pelo mesmo tipo de valor que secos e molhados eque também exigem um 'preço de mercado'." O cinismo é aexpressão subjetiva de um mercado de valores.

O cinismo pode ser revigorante, oferecendo uma animaçãomomentânea, uma sensação superior de conhecimento, mas seulado obscuro surge em frases desdenhosas como "mostre-mealguma coisa que ainda não vi", "já passei por isso" e "já era".Num ponto extremo, como escreve Simmel, a pessoa blasé'?"perdeu completamente a idéia das diferenças de valor. Vivetodas as coisas como se fossem da mesma tonalidade baça e cin-zenta' como se não valesse a pena excitar-se a respeito". Simmelescreve em 1900, antes da torrente das mídias, mas prevê nossomundo com sua observação espantosa de que o crescimento daatitude blasé produz um resultado paradoxal - uma cultura desensação. O cínico contenta-se com seu estado interior, mas nãoo blasé. Assim, este último anseia "por excitação, por impres-sões extremadas, pela maior rapidez de suas mudanças". Satis-fazer este anseio pode trazer alívio, mas apenas temporário.Quanto mais excitação, pior. "A preferência moderna pela'estimulação' como tal em impressões, relações e informações"segue-se, em outras palavras, sustenta Simmel, à "atitude cadavez mais blasé pela qual a excitação natural desaparece cada vezmais. Essa busca de estímulos origina-se na economia do dinheirocom o esvanecimento de todos os valores específicos num mero

valor mediador. Temos aqui um daqueles casos interessantes emque a doença determina sua própria forma de cura".

Assim se evidencia o indivíduo moderno, um ator que é,também, em meio expediente, um aventureiro e buscador deestímulos que tenta freneticamente encontrar-se abandonando-se. Este indivíduo paradoxal está preparado para as mídias ili-mitadas.

A economia do dinheiro não é a única fonte de relações so-ciais impessoais. Nossos encontros comuns com grande núme-ro de pessoas não familiares também nos leva a calcular autilidade uns dos outros. Os membros de economias primitivasou tradicionais dependiam de um pequeno número de pessoas.O homem moderno, argumenta Simrnel, tem muito mais neces-sidades. "Não só a extensão de nossas necessidades é conside-ravelmente maior":", escreve ele, "como até as necessidadeselementares que temos em comum com todos os outros sereshumanos (comida, vestimenta e abrigo) só podem ser satisfeitascom a ajuda de uma organização muito mais complexa e muitomais mãos. Não só a própria especialização de nossas atividadesexige uma série infinitamente extensa de outros produtores comos quais trocamos produtos:' como muitas de nossas ações exi-gem quantidade crescente "de trabalho preparatório, ajudaadicional e produtos semi-acabados". Antigamente, conhecía-mos de nome e vista as pessoas que encontrávamos no mercado."Em contraste, imagine só de quantos 'entregadores' depen-demos numa economia de dinheiro!" Por serem funcionalmenteindistinguíveis, são também intercambiáveis. "Ficamos indife-rentes a eles em sua particularidade."

Simmel escreve na aurora do século XX. Já então o indiví-duo calculista se dividia em partes correspondentes a papéis

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distintos (trabalhador, pai, freguês) e ele percebe a maioria dasoutras pessoas em papéis igualmente estilizados (colega de tra-balho, lojista, chefe). Sob a influência do individualismo calcu-lista, as pessoas devem mascarar-se em seus papéis - devemaparecer como seus papéis - para serem reconhecidas pelosoutros. Mas o papel nunca é absorvido por todas as ranhurasinternas da pessoa. A máscara nunca se funde" totalmente aorosto. Em vez disso, temos vidas internas elaboradas - pelasquais, ironicamente, ansiamos com intensidade ainda maiordevido às restrições sob as quais funcionamos em nossas vidasexternas. Desempenhamos papéis, mas não somos os papéis.Alguma parte de nós está sempre nos bastidores.

Para Simmel, a pessoa real, pairando por trás da exibição edos atritos do dia-a-dia da vida metropolitana, é aquela que sente.O sentimento é o modo como a pessoa se torna pessoal. Esteprincípio óbvio, acredita ele, foi disfarçado pelos "lugares-co-muns racionalistas que são inteiramente antipsicológicos'v". Oprincipal desses desentendimentos históricos'! é o de Descartes,que, começando sua cadeia de raciocínio com razões, prosse-gue, de razão em razão, até a famosa conclusão de que existeporque pensa.

Eis aqui, então, o grandioso paradoxo ao qual conduz o pen-samento de Simmel: a sociedade do cálculo é habitada por gen-te que precisa sentir para distrair-se exatamente da disciplinaracional na qual baseia sua vida prática. O cálculo e a reservaexigidos pela economia do dinheiro estimulam, por meio dacompensação, necessidades emocionais e o anseio por excita-ção e sensação. Assim, o surto de pensamento de mercado noséculo XVIII conclama seu oposto, o romantismo, que nos instaa dar atenção à voz interna do sentimento. A vida real ocorre

110 sentimento profundo, no sentimento autêntico, sentimentoque deve ser protegido das imposições sociais, sentimento queIIIINCCU livre e deseja ser selvagem. Espalha-se a idéia= de que olndivfduo é, acima de tudo, os seus sentimentos.

Contudo, o sentimento expresso com excessivo vigor cons-titui um problema de gerenciarnento-'. Sentir demais, ou expri-mi-lo com liberdade demais, interferiria no trabalho e no dever.(Você não vai querer abandonar-se à tristeza ou, ao apaixonar-Me, ficar andando pelo ar enquanto trabalha num torno ou faz11111 balanço.) O romantismo deve ser domesticado, forçado acuber nos nichos da vida. As emoções devem ser contidas, reser-vadas para momentos convenientes, quando podem ser expres-lias sem risco para a vida cotidiana. As emoções devem renovar,n50 drenar ou devastar. Devem ser descartáveis e, se não gratui-tas, pelo menos baratas. Estamos aqui a caminho da sociedadeda cultura popular ininterrupta, que induz, a pedido, sentimen-tos de pouco prejuízo - sentimentos que não prendem e sensa-ções que se assemelham aos sentimentos e ocupam seu lugar. Umasociedade consagrada ao interesse pessoal termina dando maisvalor a achar a vida interessante.

O que defendo, seguindo Simmel, não é que os seres huma-nos começaram de repente a sentir, mas que, nos séculos maisrecentes, vieram a sentir e a almejar tipos particulares de senti-mentos - sentimentos descartáveis. Parece que, em boa partedo Ocidente" no século XVII e acelerando-se a partir daí, ossentimentos associaram-se de forma ainda mais íntima à idéiade uma vida interior e subjetiva separada do mundo externo.No fim do século XVIII, a língua inglesa estava repleta de novaspalavras para descrever sentimentos que se sentia acontecereminternamente. Durante os séculos XVII e XVIII, como ressaltou

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o filólogo Owen Barfield"; surgiram palavras como apatia, afli-ção, humilhação, insegurança, timidez, juntamente com a expres-são os sentimentos, enquanto outros termos para estados mentais,como agitação, embaraço, desapontamento, constrangimento eexcitação foram deslocados do mundo externo para o interno.A esses nomes de estados de sentimento foram acrescentadosadjetivos que descrevem fenômenos externos "puramente pe-los efeitos que produzem em seres humanos". Os exemplos deBarfield incluem fingido, divertido, enfadonho, encantador, di-vertido, interessante, cativante, arrebatador, excitante, fascinante,e, em seu sentido moderno, patético. Como explica Barfield:"Quando um romano falava de eventos auspiciosos ou sinistrosou quando se dizia, na Idade Média, que algum objeto naturalera funesto, benigno ou maligno (... ) sentia-se que a atividadeemanava do próprio objeto. Quando falamos de um objeto ouevento como divertido, pelo contrário, sabemos que o processoindicado pela palavra divertir acontece dentro de nós mesmos."

Assim a modernidade, a era do cálculo, produziu uma cul-tura dedicada ao sentimento. Cada vez mais o homem ou amulher que se faz a si mesmo precisava de instruções sobre oque sentir e como expressá-Ia. Os filósofos escreveram sobre"sentimentos morais":", entre eles, principalmente, a empatia.Os romances, dando rédea solta ao gosto pelo sentimento pri-vado, foram escolas de sentimento'? Também o foram os popu-lares manuais britânicos do século XVIII, que recomendavam aarte do controle das impressões. Os sentimentos eram abundan-tes mas tinham de ser disfarçados em público, não fosse (porexemplo) uma gargalhada prejudicar a capacidade de produzirimpressões calculadas ou o excesso de entusiasmo ameaçar acapacidade de uma mulher de se proteger. Indivíduos esforça-

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dos da classe média desejavam cultivar o autocontrole para me-lhorar sua posição social e o potencial de conseguir bom casa-mento. O volume de cartas de lorde Chesterfield" a seu filhosobre a arte do autocontrole, publicado postumamente em 1775,foi um sucesso de vendas não só na Inglaterra como na Américado Norte. Os romances transmitiam não só conselhos sobre comosentir mas também a experiência direta dos sentimentos pro-priamente ditos: empatia, surpresa, reconhecimento, satisfação,piedade, medo e suspense; juntamente com prazeres estéticosdo fraseado, do humor inteligente, da comoção e assim por dian-te. Lê-se, em outras palavras, para sentir.

No século XIX, alguns dos principais contornos da culturapopular de hoje em dia eram evidentes. Entretenimentos comoo romance filtraram-se da classe média para a maioria popular.Foi nos Estados Unidos, onde a economia do dinheiro e a de-mocracia se desenvolveram juntas, que as observações de Simmelsobre cálculo e sentimento se mostraram mais oportunas. Dis-tração usável e cotidiana exigia surtos de sentimento e estímu-los de alta intensidade que fossem em geral acessíveis mas, aomesmo tempo, transitórios. No início da década de 1830, quan-do Alexis de Tocqueville" visitou os Estados Unidos - muitoantes de Times Square ou Hollywood, antes do vaudeville e deAI ]olson, Michael ]ackson ou Arnold Schwarzenegger, USAToday ou internet -, a cultura americana já era sensacionalista,emocional, melodramática e informal. Muito antes do controleremoto, da chamada em espera, do controle eletrônico da velo-cidade, da opção de procurar estações automaticamente no rá-dio do carro ou do mouse Apple, antes da eletricidade, que dirádo humilde botão liga-desliga, os Estados Unidos consagravam-se ao conforto e à conveniência. Assim, Tocqueville escreveu:

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"As nações democráticas cultivam as artes que servem para faci-litar a vida, em vez daquelas cujo objetivo é adorná-Ia." Osartistas das sociedades aristocráticas aperfeiçoavam sua arte en-quanto seguiam as tradições estabelecidas, mas nas democracias"o que geralmente se busca nas produções da mente é o prazerfácil e a informação sem esforço". Seus resultados, acrescenta,são "muitas mercadorias imperfeitas" que "substituem a repre-sentação de sentimento e pensamento por movimento e sensa-ção. (... ) O estilo será freqüentemente fantástico, incorreto,sobrecarregado e solto, quase sempre veemente e ousado. Osautores visarão à rapidez de execução mais que à perfeição dodetalhe. (... ) Haverá mais esperteza que erudição, mais imagina-ção que profundidade. (... ) O objetivo dos autores será espantarem vez de agradar e suscitar paixões mais do que encantar ogosto."

Os divertimentos encorajam as pessoas a sentir de forma in-tensificada, a regozijar-se com sentimentos familiares, mas tam-bém a experimentar alguns novos, para sentir-se, sem riscos, umaoutra pessoa. Produção eficiente de sentimento - há muito tem-po esta tem sido a essência da arte democrática. Os artistas po-pulares têm o dom. Os menores testam as águas e tentam pegara onda do momento. Todos fazem pesquisa de mercado, pres-tando atenção aos risos e gritos, observando sua platéia comose fosse um espelho enquanto elaboram os próximos passos.Groucho Marx" escreveu sobre sua famosa corridinha: "Eu es-tava só brincando certo dia e comecei a andar esquisito. A pla-téia gostou, então eu mantive. Experimentava uma piada emantinha quando fazia rir. Caso contrário, descarrava-a e pu-nha outra. Logo, logo, tinha um personagem." Mais tarde, te-merosos de que fazer filmes isolados em Hollywood Ihes custasse

o talento, os irmãos Marx fizeram uma turnê com uma versãotea traI de Um dia nas corridas. Segundo seu divulgador, o bor-dão clássico de Groucho ("Esta é a proposta mais nauseante quejá recebi") surgiu depois que ele tentou odiosa, revoltante, no-jenta, ofensiva, repulsiva, desagradável e detestável. ''As duasúltimas palavras nunca produziram mais que risinhos", segun-do o divulgador. '~s outras provocaram vários graus de ha-ha-has, Mas nauseante gerou gargalhadas. Perguntei a Groucho porquê. 'Não sei. Nem ligo. Só sei que a platéia nos disse que eraengraçado. ",

O artista tradicional de Tocqueville seria capaz de dizer exata-mente por que fazia o que fazia - era o que seus mestres haviamfeito. Ele pertencia a uma guilda. Sua inspiração vinha do passado,não da multidão à sua frente. O artista democrático de Tocqueville,pelo contrário, transmudava a fome popular de sentimento nummanual vivo de trabalho artístico. As indústrias culturais produzi-riam em massa os resultados e, de uma infinidade de tais produtos,gerariam uma cultura popular que, com dinheiro suficiente e tem-po, viria a inundar completamente a vida cotidiana. Assim, há umsurto contínuo de tiragens sempre maiores de sempre mais roman-ces no século XVIII, passando pelos jornais baratos, circos, espetá-culos musicais e shows de faroeste do século XIX para chegar aosViacoms, Disneys, NBCs e Sonys de hoje.

o SURGIMENTO DA PANÓPLlA

O consumo de imagens e sons era uma extensão do consumoflorescente de mercadorias. Na sociedade moderna, segundoGeorg Simmel, uma pessoa sensível (sente-se que ele descreve a

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si mesmo) "será sobrepujada e sentir-se-á desorientada" peloimenso espetáculo de mercadorias. Mas, na verdade, "precisa-mente esta riqueza e este colorido de impressões tão apressadassão apropriados para a necessidade de estímulo dos nervossuperexcitados e exaustos. É como se o homem moderno dese-jasse compensar a unilateralidade e a uniformidade do que pro-duz dentro da divisão de trabalho pela aglomeração crescentede impressões heterogêneas, pela mudança de emoções cada vezmais apressada e colorida".

Em outras palavras, observa o intérprete contemporâneo deSimmel, o sociólogo David Frisby'", "o tédio do processo de pro-dução é compensado pela diversão e pelo estímulo artificial doconsumo". Deve-se acrescentar, já que Simmel estava preocu-pado com a vida dos homens, que as mulheres em casa tinhamprobabilidade muito menor de se submeterem ao "tédio (... ) daprodução", mas tinham seu próprio tédio para combater.

Embora presente durante o desenvolvimento do cinema,Simmel não escreveu muito sobre imagens como tais, exceto soba forma de moda, que entendeu brilhantemente como uma de-claração tanto de individualidade quanto de distinção de classe,ao mesmo tempo de liberdade e filiação. Escrevendo em 190462,

descreveu a moda como meio "de combinar (... ) a tendência àequalização social [ou seja, pareço-me com outros selecionados]com o desejo de diferenciação e mudança individuais [ou seja,apresento ao mundo meu único eu]". Um século atrás, Simmel jápercebera que a moda conquistara o interesse popular em parteporque "convicções importantes, permanentes, inquestionadasperdem cada vez mais sua força. Deste modo, os elementos flu-tuantes e cambiáveis da vida ganham todo este espaço livre amais. O rompimento com o passado (...) concentra cada vez mais

a consciência no presente. Esta ênfase no presente é claramen-te, ao mesmo tempo, uma ênfase na mudança".

As mariposas das tendências universitárias se deixaram con-vencer pelo filósofo-historiador francês Michel Foucault'" com,sua imaginação brilhantemente paranóica, de que a instituiçãoque definiu o século XIX europeu foi o Panóptico, uma prisãonunca construída projetada por Jeremy Bentham para imporvigilância total a todos os momentos de vigília ou sono da vidade um prisioneiro. Mas Simmel foi mais perspicaz. O coraçãoda modernidade não foi o Panóptico, mas a panóplia de apa-rências que surgiu na vida cotidiana. Ele pode ter desenvolvi-do este conceito para olhar o espetáculo de imagens que jáenchia os espaços públicos+ no final do século XIX e início doséculo XX: os cartazes e painéis publicitários que adornavamde forma chamativa as paredes e lotes vazios das grandes cida-des, os anúncios imaginativos, as vitrines das lojas com seusmanequins, os fabulosos letreiros eletrificados e os mostruáriosdas lojas de departamento, as fontes múltiplas de luz e matizesde cor, os meios-tons e litografias multiplicando-se em jornaise revistas, todos visando a ser rapidamente superados porversões novas, muitas vezes mais vistosas e elaboradas. Semmencionar o barulho das ruas, de cavalos, carruagens, charretes,crianças brincando, músicos e vendedores ambulantes, todosentulhando o alcance auditivo com o anúncio de sua existên-cia, seu objetivo e seu valor.

Este tumulto sensório não era nada novo. Um século antes,em 1805-6, William Wordsworth65 ouviu o "espesso burburinho"de Londres e ficou espantado, e mesmo chocado, com a imageme o som do "prazer girando incessantemente", pelos espetácu-los nas ruas e pela exibição de imagens pela cidade, que, embo-

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ra compostas sem "talento mais sutil", ajudavam a superar a "fra-

queza" humana:

Aqui filas de baladas pendem de paredes mortas;Anúncios de tamanho gigantesco, do altoImpõem-se em todas as cores. (...)""

Esta vívida comoçâof? de iluminação, imagens e sons era,no jargão dos negócios virtuais de hoje, uma "push technology"(recebimento de informações desejadas). As imagens penetra-vam em seu campo de percepção quer você as quisesse ali ounão - as suas próprias pernas, em certo sentido, as impulsio-navam. Os letreiros tradicionais's ofereciam informações úteis(conserte seus sapatos aqui, compre carne de porco aqui), masos anúncios elétricos mais vistosos e colossais aumentaram oimpacto sensorial sem acrescentar informação. Para entrar emcontato com eles, não era preciso ser o ocioso "espectadorapaixonado" de Charles Baudelaire, o homem que passeia pelacidade livre do fardo da rotina, que não é escravo do relógio,abençoado com todo o tempo do mundo para dedicar-se aoespetáculo urbano. Homens e mulheres trabalhadores tambémgostaram de passear pelas ruas cativantes, encontrando surpre-sas transitórias e fragmentadas. Incessantemente, as imagensem cascata convidavam as pessoas a terem sensações que tal-vez não fossem seguras ou convenientes diante de seres huma-nos de carne e osso, os quais podiam exigir relações recíprocas.Diversamente dos seres humanos palpáveis, as imagens ofere-ciam estímulos sem nada exigir. Estranhamente impessoais,exibidas sem distinção a todos que cruzassem seu caminho não,exigiam muito - uma percepção momentânea, um sopro dehumor, um capricho passageiro. Estimulavam sensações masnão exigiam compromisso. Ao encontrar a profusão de letrei-ros, cada um clamando por atenção no meio da infinidade deoutros letreiros, os moradores da cidade grande aprenderam aconsiderar natural a lacuna entre a imagem presente (o cigar-ro com seu anel de fumaça) e a realidade ausente, embora anun-ciada (o prazer de encher os pulmões).

Wordsworth foi talvez o primeiro poeta moderno a reagirvisceralmente à afixação de letreiros em cima de letreiros, à pro-fusão clamorosa de

essas visões que imitamA presença absoluta da realidade. (...)(...) imitações, feitas com afeto em meraConfissão das fraquezas do homem e seus amores.t"

Na época de Simmel, a confusão clamorosa de cartazes tornara-se lugar-comum. Os espetáculos nas ruas estavam em declínio,mas a cidade à noite se tornara por si só um espetáculo, pois asruas já estavam eletrificadas com lâmpadas e letreiros, mostruá-rios brilhantes que prometiam o que Theodore Dreiser'" cha-mou de "fogos artificiais da alegria, a pressa do comércio atrásde lucros e os divertimentos para vender prazer", todos inspi-rando "a alma do labutador" a declarar: "Logo serei livre. (... )O teatro, os salões, as festas, os meios de descanso e os cami-nhos da música - estes são meus à noite."

"No original: Here files of ballads dangle from dead walls; I Advertisements,of gíant-size, from high I Press forward, in all colours ... (N. da T.)**No original: those sights that ape I The absolute presence of reality.r' (... ) Iimitations, fondly made in plainl Confession of man's weakness and his loves.(N. da T.)

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Escritores e artistas ficaram algumas vezes impressionados,outras horrorizados, com as novas concentrações de ofuscamen-to, como o Times Square'" de Nova York ou o centro de Paris,onde as luzes de néon foram usadas pela primeira vez em grandeescala. A iluminação exuberante da vida noturna às vezes irritava?"os intelectuais, que tendiam a sentir o espetáculo panorâmico, pelomenos de vez em quando, como alternativa, barulhenta e quechamava a atenção, a uma serenidade contemplativa e idealizada.Os críticos da sociedade capitalista viam o espetáculo de néon,cartazes e monumentos iluminados como "compensações" trai-çoeiras pelo fardo da exploração - como descreveu SiegfriedKracauer com exagero romântico: "fachadas de luz (... ) para ba-nir o temor da noite (...) um protesto relampejante contra a escu-ridão de nossa existência, um reconhecimento da sede de vida."Esses críticos não obtiveram muita ressonância numa populaçãoofuscada. Os corações do esplendor da cidade eram fantásticosbajuladores de multidões.

Os empresários que erigiram essas exposições emocionan-tes esperavam, certamente, enfeitiçar aquelas multidões comdistrações delirantes. Quando as lâmpadas e luminosos se acen-diam, escreveu um entusiasmado editorialista'" em 1904, aBroadway era "um vaudeville contínuo que vale muitas vezes o'preço da entrada' - especialmente porque não se cobra entra-da". O. J. Gude'? - precoce "corretor de iluminação comer-cial" que foi o primeiro a chamar a Broadway de "Grande ViaLáctea", inventou o cartaz permanente e instalou os primeirosluminosos elétricos gigantescos em Times Square - referia-se asuas produções, em 1912, como uma "fantasmagoria de (...) luzese letreiros elétricos." No mesmo ano, uma revista de publicida-de?' que tirou seu nome, Signs af the Times, com certo humor

irônico, dos fanáticos milenaristas, declarou: "A publicidade elé-trica é um meio pictórico. Além disso, é um meio colorido; maisuma vez, a publicidade elétrica é um meio com movimento, ação,vida, luz, atração compulsória."

Foi realmente na esperança da "atração compulsória" que osempresários do espetáculo público de Nova York erigiram letreirosmonumentais= tais como o picles Heinz elétrico de 13,5 metrosna Madison Square, em 1900, e uma corrida iluminada de bigasromanas com 21 metros de altura e 270 de largura em cima de umhotel da Broadway em 1910. Mas a esperança de que alguma ins-talação se tornasse uma "atração compulsória" foi rotineiramentedesapontada. Num amontoado de letreiros, cada um convidativoà sua própria maneira elétrica, um luminoso em especial pode pro-vocar um arrepio de encantamento, um formigamento de prazerou uma reação irritadiça ou atordoada - um pequeno surto desentimento - seguido por um rastro fugidio de brilho antes de su-mir, deixando, caso o anunciante tenha sorte, uma recordação ins-tável de sentimento afetado pelo resto de uma imagem. Contudo,assim que passar a sensação, o transeunte voltará a passar pela ci-dade em estado de prontidão - ou indiferença.

Às vezes, havia espetáculos coletivos'" propositais também:manifestações, desfiles e, em épocas revolucionárias, protestosviolentos, e os cartazes, folhetos, efígies, tachas, figuras de pa-pel machê que os acompanhavam. Sempre que o tempo permi-tia, homens e mulheres reafirmavam o direito de acalmar seuestado de espírito e sair - para o saloon, ° clube, o salão debaile, ° fliperama, o circo, o parque de diversões, as comédias,os espetáculos de variedades, o vaudeville ou o teatro "legítimo".

E a panóplia pública tinha seus equivalentes privados. Nofinal do século XIX, as fotografias de família repousavam em

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estantes, lareiras e pianos, e não só na casa dos prósperos. Quan-do a família encolheu para a escala nuclear, as fotografias seestenderam em tempo e espaço, trazendo membros ausentes parao mundo íntimo do aqui e agora - mais uma vez, com senti-mento. As casas se transformaram em santuários particulares deícones visuais. A magia tornou-se doméstica; cada um compu-nha seu próprio espetáculo pessoal.

Cada vez mais havia também imagens de fora do círculo fa-miliar, descendentes das pinturas, dos mapas, das estampas egravuras dos burgueses da Holanda de Vermeer, juntamente comcruzes e bandeiras, representações do Messias, santos, heróis eancestrais. Somando-se a estes estavam as imagens e textos en-tregues em casa a intervalos regulares: os jornais, revistas, catá-logos, partituras (e depois música gravada) e livros, seu númerocrescendo durante os séculos XIX e XX. Se a renda permitia,"adotava-se" um periódico, um pacote regular e familiar de ima-gem e texto, apreciado porque se aprovava sua fórmula, confian-do que seus responsáveis forneceriam aproximadamente aaparência exata, os pensamentos e sentimentos certos, aprovandoseu gosto, partilhando seus interesses e curiosidades e, por meiode suas fórmulas, conquistando acesso de baixo risco" a ummundo de abundância. Como durante um passeio por uma ruaconhecida, também podia haver surpresas. Rompendo os impe-rativos do relógio de ponto, apostava-se - uma pequena apos-ta. O que se encontraria neste número do Saturday Evening Post?Que aventura nos acenaria na National Geographic deste mês?A novidade era finita; o material era novo, mas não novo de-mais. A revista seria sempre uma experiência de baixo risco. Senão desse certo este mês, podia-se esperar o próximo númeroou assinar outra publicação com um pacote mais atraente.

Os jornais e a maioria das revistas prometiam informaçõesfirmes, fatos convenientes e, no nível mais exaltado, conheci-mento, um estado de compreensão. Mas a maravilha da comu-nicação era que os portadores de informações não transmitiamsimplesmente fatos ou ideologia. Provocavam uma experiênciahumana - uma sensação de ligação com o mundo. Numa so-ciedade complexa, indivíduos dispersos tinham de ter consciênciado que acontecia fora de seu meio imediato, para coordenar suasatividades. Assim, tinham fome de informações. Mas estas in-formações não eram puras; chegavam certificadas por celebri-dades, misturadas a mexericos e, acima de tudo, acompanhadaspor emoções. Aprender o que acontecia em outro lugar traziaconsigo um certo tipo de excitação mental: o uau! da lascívia, oa-ha! da supremacia, o dique do entendimento, o o quê? do es-panto.

Assim, as mídias factuais não eram apenas informativas; elasdivertiam. Os primeiros jornais de massa, a chamada penny press(imprensa sensacionalista e dos tablóides) da década de 1830,como ressaltou Neal Gabler?", tiveram sua origem numa tradi-ção de entretenimento da classe trabalhadora que já prosperava.

Para o público leitor que era condicionado por folhetos vaga-bundos sobre crimes, romances sanguinolentos e melodramasexagerados, as notícias eram simplesmente o conteúdo maisexcitante, mais recreativo que um jornal podia oferecer, aindamais quando, como ocorria invariavelmente na penny press,tendia a favor dos casos mais sensacionais. Na verdade, pode-se mesmo dizer que os mestres da penny press inventaram oconceito de notícia, porque era a melhor maneira de vender seusjornais num ambiente de entretenimento.

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Ao cultivar a reportagem de interesse humano, os jornais podiamser sensacionais e ainda assim noticiosos, realistas e inspiradoresde emoções, intensamente pessoais mas gerais em sua importân-cia. Eram diversões que não divertiam estritamente. Ou melhor,distraíam os leitores de seu ambiente imediato recusando-se adistraí-los de um certo mundo maior. Cultivavam a curiosidadee a curiosidade ajuntava fatos. Graças a tais meios de forneci-mento, o espírito da informação" viajou longe.

A economia do dinheiro foi acompanhada de um torvelinhoabrangente de modernidade: investimentos, fluxos de capital,migrações, rotatividade de gosto, estilo, moda e opiniões. O queSimmel chamou" de "alma moderna que é tão mais instável"tinha um elevado metabolismo psíquico. Regenerava intermina-velmente o tédio. "Uma leve sensação de tensão e um vago de-sejo", uma "inquietude secreta", uma "urgência desamparada"que se origina "no burburinho e na excitação da vida moderna"_ tudo isso, escreveu Simmel, "impele-nos a buscar a satisfaçãomomentânea em estímulos, sensações e atividades externas sem-pre novos". Até em casa, a alma desalojada precisa de preen-chimento constante, uma importação incessante e fluente deconteúdo para com ele brincar, sobre ele refletir ou com eleaprender. O gosto pelo novo entranhou-se profundamente, as-sim como a vantagem econômica, já que a superficialidade, osubstituível, a coceira para igualar-se aos vizinhos eram bons para

a produção.Os estímulos e analgésicos se multiplicaram. A gente moder-

na, liderada pelos americanos, passou a contar com o confortoe a conveniência do acesso doméstico. A série padronizada demáquinas de sensação cresceu. O que poderia suprir de formamais garantida o espírito volátil, fornecendo-lhe corredeiras e

jorros de emoção, instruções e prazeres? Novas tecnologias decomunicação instigaram apetites ao satisfazê-Io provisoriamen-te, mas, como previra Marx, assim que se satisfaziam velhasnecessidades as novas brotavam. Empresários procuravam con-tinuamente o próximo sistema de fornecimento doméstico paraalimentar apetites implacáveis.

Em nome da brevidade, estou comprimindo uma história en-redada, reduzindo diferenças nacionais e exagerando a unifor-midade de um processo que aconteceu - ainda está acontecendo- aos arrancos. Ainda assim, a direção principal tem sido bas-tante clara. Depois de jornais e revistas veio o rádio comercial.Com a queda dos custos, tecnologias que de início eram priva-tivas dos ricos passaram para a classe média e depois, em anossurpreendentemente poucos, chegaram à maioria. Com a tele-visão e seus auxiliares, o que fora um direito exclusivo do luxopassou a ser o direito geral de conectar-se - e, com a TV a cabo,o direito de conectar-se ao canal predileto, que se dane a maioria.

A sede de imagens, música, reverberações do mundo das ques-tões públicas poderia ser satisfeita tão depressa quanto a entregado correio e o aquecimento dos tubos de imagem. Mas a disponi-bilidade não saciou a sede de imagens e sons. Pelo contrário: quan-to mais tecnologia, quanto mais imagens e sons pode transmitir,maior a sede - e o desejo de agradar seu próprio eu. O enfadoera um crime contra a plenitude. Quem poderia dizer "Parem, jáchega"? A tecnologia veio em socorro do gosto fragmentado. Osconglomerados das mídias produziram múltiplos canais para ni-chos demográficos distintos. Por que não determinar seu próprioestado de espírito, criar seus dez favoritos a partir do cardápiosempre crescente de entretenimento e informações que fluí pelasala? Por que parar na sala? Por que não bombear a abundância

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para o quarto? Mas sempre há a ameaça de tédio e a indiferençapersistente. Um século depois de Georg Simmel ter escrito sobre"berçários de cinismo", nós os encontramos em casa, onde a telaabundante oferece indiscriminadamente acesso a um episódio deangústia doméstica ficcional, a um jogo de tênis, a um utilitárioesportivo percorrendo uma montanha, um jogo de futebol, opreparo de uma salada, um desenho animado com bichinhos, umaantiutopia futurista, uma manchete de assassinato, uma piada, umpolicial de rosto inexpressivo, um nu, uma vítima de furacão tre-mendo de frio, um anúncio de jóias ...

No clássico 1984, de George Orwell, o Grande Irmão era omáximo em transmissão coercitiva, o único controlador da pro-paganda. Mas o Grande Irmão não teria chance contra os ni-chos da mídia e a escolha pessoal. Pelo menos no Ocidente, nãopassou de uma ameaça oca. Na torrente cada vez maior dispo-nível para a humanidade consumidora, você viaja em sua pró-pria corrente. Por que não gozar a busca desta felicidade? Porque temer o afogamento?

NOMADICIDADE

A auto-suficiência, o mais tentador e expansivo dos motivosmodernos, soa como um tipo de libertação - até tornar-se ba-nal e sentirmos necessidade da próxima libertação. As pessoasgravitam rumo à portabilidade e à miniaturização - cada umadelas um tipo de liberdade - na vida cotidiana. A mochila domontanhista evoluiu para a bolsa de estrutura de alumínio doviajante hippie, que por sua vez evoluiu para a contemporâneaversão desestruturada, que por sua vez deu origem à pochete,utilitária mas que atrapalha a linha da cintura, o monstro volu-1110S0 que se projeta horizontalmente, e a esbelta variedade ele-gante que é, na verdade, uma bolsa que deixa as mãos livres. Aalimentação portátil é outro sinal do impulso nômade rumo àauto-suficiência: a barra de chocolate Hershey (1894), a cas-quinha de sorvete (1904), os dropes Life Savers (1913), as bar-ras de cereais (década de 1970), a garrafa d'água portátil (décadade 1990). A tendência tem sido realizar o máximo possível defunções durante os movimentos da pessoa - "multitarefa" - eassim, enquanto nos movemos, novos acessórios tornam-se obri-gatórios. A bandeja com divisões dentro do porta-luvas e o por-ta-copos junto aos assentos da frente se tornaram equipamentopadrão dos carros.

Não só provisões materiais devem estar disponíveis a pedi-do; o mesmo deve ocorrer com o sustento dos sentidos, princi-palmente dos ouvidos. Depois do rádio de pilha portátil, o rádiodo carro e o rádio transistorizado, a lógica do individualismo'"apontou para aquela maquininha exemplar do transporte musi-cal, o walkman da Sony. O tema é bem enunciado num outdoorlondrino de 2001, que nem se incomodou em indicar algumproduto específico: "Give today a soundtrack" ("Dê ao hoje umatrilha sonora'Y",

Cada vez mais, você podia levar consigo, a toda parte, sua cor-rente particular. O centro de entretenimento doméstico era,afinal de contas, um luxo ao qual era preciso se confinar. Asimagens e os sons fabricados chegavam até em casa, mas vocêteria de estar em casa para recebê-los. Então por que não tornarportáteis suas diversões particulares? Por que não, como o mo-narca bem servido - embora digno de pena -, de Pascal, tertudo isso onde e quando quisesse?

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A história do walkrnanê- mostra como a conveniência de umúnico homem poderoso pode gerar um triunfo comercial. An-tes de um vôo transoceânico em 1979, o presidente da Sony,Masaru Ibuka, pediu aos engenheiros da empresas que criassemum aparelho estéreo de reprodução musical para que ele pudes-se ouvir seus clássicos favoritos. As empresas aéreas já forneciamaos passageiros fones de ouvido com música ambiente, mas lbukanão queria que ninguém lhe ditasse seu gosto pessoal e, assim,os engenheiros da Sony conectaram fones a um gravador avan-çado. Ibuka adorou o resultado, e seu sócio Akio Morita perce-beu que este aparelho improvisado poderia ter potencial devenda entre adolescentes, já acostumados a carregar rádios por-táteis. Nascia o walkman. O que começara como um brinquedopara lbuka foi prontamente vendido a consumidores menosacostumados a realizar seus caprichos pessoais.

A oferta passou a provocar a demanda. No final de 1998,sem muita publicidade, a Sony já vendera quase 250 milhões dewalkmen no mundo todo, sem falar nos discmen e nos aparelhosespecializados para corredores, nadadores e esquiadores.

No decorrer do século XX, oferta e demanda se entrelaça-ram numa incessante fita de Mõbius, a tecnologia sempre au-mentando o raio de contato: o telefone público, o rádio do carro,o rádio de pilha, o rádio transistor, a secretária eletrônica, amáquina de fax, o telefone do carro, o computador portátil, owalkman, o telefone em aviões e trens, o aparelho portátil deCD,o pager, o celular, o Palm Pilot, o acesso à internet, PCD,GPD etc., ad siglarum. Quando as máquinas de "interatividade"se tornaram factíveis, a marca registrada de tantas invenções decomunicação foi a nomadicidade, que, segundo o pioneiro dainternet'" que cunhou a palavra, "significa que, sempre e em todo

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lugar aonde formos, o sistema subjacente sempre sabe quemsomos, onde estamos e de que serviços precisamos". Na verda-de, não tanto nós quanto eu, pois, cada vez com mais freqüên-cia, o nômade contemporâneo viaja sozinho, destribalizado -ou melhor, na companhia daquela curiosa tribo moderna em quecada um dos membros tenta viajar sozinho estando tecno-logicamente ligado a outros. Equipado para a acessibilidade,pode invadir o direito dos outros de controlar seu próprio es-paço privado: os enormes rádios-gravadores de pilha que bra-dam música ou narram um jogo (até mesmo aquele que acontecediante dos olhos no próprio estádio); o celular que toca duran-te uma peça ou um concerto; o interlocutor que grita ao telefo-ne no trem, no restaurante, no parque, na rua.

Certa vez Charles Baudelaire lamentou: "Deixaram um di-reito de fora da Declaração dos Direitos do Homem e do Ci-dadão: o direito de ir embora." Agora, várias horas por dia, odireito de ir embora está garantido, embora, sem dúvida, nãoda forma que Baudelaire tinha em mente. Na verdade, o direitode ir embora fundiu-se ao direito de estar em outro lugar. Parauma proporção crescente da população e uma quantidade cadavez maior de horas por dia, pode-se, de certa forma, romper oslimites do espaço, selecionando algo no cardápio particular deatividades, diversões e contatos. Não estamos exatamente sozi-nhos, porque estamos com outros, sua música, seus jogos, suasvozes. Indo para o trabalho ou lavando o chão, você é um nómóvel, nunca totalmente abandonado. Mesmo in extremis -mas quem teria imaginado coisa tão extrema? -, sua voz podechegar a um ente querido vinda do inferno do World TradeCenter a ponto de desabar ou da cabine de um avião seqüestrado.A emergência horrenda de 11 de setembro de 2001 deu usos

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extraordinários ao que se tornara o meio comum de vencer a

distância.Como devemos entender o encanto desses meios comuns?

Pense na experiência monótona de esperar um ônibus, que Jean-Paul Sartre'" adotou como metáfora da alienação moderna.Sartre chamava este estado corriqueiro de serialização , signifi-cando perder a própria individualidade e ser reduzido a umafunção - esperar. O homem imobilizado na fila não pode iratrás de seus próprios objetivos porque perdeu o controle deseu tempo em favor do horário da empresa de ônibus, do acú-

mula de outros viajantes, do tráfego que atrasou o ônibus. É acriatura de uma rotina que exige a auto-supressão. Agora ima-gine este homem na fila equipado com um aparelho estéreopessoal. Seus ouvidos o projetam, pelo menos parcialmente,para outro lugar - ou melhor, outro lugar o penetra, corpóreo,imediato, íntimo. O homem fica na fila mas a deixa para trásem troca de uma comunhão escolhida. Ele bloqueia contatosnão desejados. Agora, paradoxalmente, é um indivíduo por-que tem companhia - música, música familiar, aliás. Sentepequenos surtos de emoção. A música se esfrega nele, penetranele. Ele marca o ritmo com a cabeça. Contra as pressões dotrabalho e do ambiente - até mesmo contra suas própriasobsessões desagradáveis -,ele tem uma compensação: envol-veu-se numa espécie de bolha móvel. Para citar usuários dewalkmen" londrinos entrevistados num estudo, ele "trancoutudo lá fora" e "esmagou os pensamentos". A música, alta obastante para cobrir o barulho ambiente, "toma conta de seussentidos". "É como viver num filme." Servindo-se de uma"máquina de manutenção da vida", ele controla seu estado de

espírito.

Agora, imagine este homem ainda na fila ou preso em outrarealidade serializada - num elevador, no trem, ou preso numengarrafamento - e equipe-o com ferramentas de escape naforma do equipamento móvel que hoje prolifera: telefone celu-lar, Game Boy, sistema de comunicação pessoal com mensagensde texto e acesso à internet, que o alimenta com resultados es-portivos e cotações da bolsa, às vezes desenhos animados, pia-das, jogos de aposta ou de cartas e imagens pornográficas,perguntando-lhe o tempo todo: "Aonde você quer ir?" Contro-le o seu estado de espírito! De posse de um "arsenal de tecnologiamóvel"86, ele chega a sentir que tem direito a isso. Está, até cer-to ponto, protegido do medo urbano.

Alguns admiradores de nosso atual florescimento eletrônicoficam fascinados com as promessas de sublimidade tecnológica'",Um recente entusiasta anuncia a tecnognose". Mas o acesso nô-made elevado ao nível dos deuses e anjos soa sublimemente ridí-culo. Em geral, a própria razão de ser da comunhão eletrônica éa banalidade. Com a ação bem mundana de mandar um e-mailsobre o clima ou enviar um torpedo eletrônico a um "colega" sópara dizer que está preso numa aula chata, ou que 'você existe eafirma a existência do outro ("e aí?" "nada"), ou ligar do céu paraquem você ama para avisar que o avião está atrasado ou da ruapara 'dizer que acabou de sair do metrô, você, em certo sentido,produziu um filamento de si mesmo para dirigir seu negócio, ga-rantir sua rede, cumprimentar o amigo, cumprir uma obrigação,combinar seu prazer. Os intelectuais podem torcer o nariz, mas éesta bênção relativamente trivial que a maioria das pessoas, numacultura consumista, busca na maior parte do tempo.

Mas a liberdade de estar conectado mesmo casualmente nãoestá livre de complicações. É simultânea à condição de estar

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casualmente acessível, o que significa poder ser chamado e inter-rompido em qualquer lugar pelo chefe, a enfermeira, o pacien-te, O pai ansioso, o cliente, o corretor, a babá, assim como oamigo, cuja voz, mesmo eletronicamente, é bem-vinda ainda quevocê tenha acabado de vê-Ia em pessoa. A amizade torna a in-tromissão bem-vinda - talvez seja parte de sua definição -, ea nornadicidade, sem dúvida, é uma bênção para certos tipos deamizade. Num subúrbio onde parece não acontecer nada, algopode acontecer - repetidamente. Você pode enviar piadas, fo-tos, recomendações de compra, citações espertas e burras. Pro-vavelmente foi a "lista de amigos" do America Online paratorpedos internéticos que tornou tão popular este imenso por-tal da internet.

Aparelhos portáteis sem fio com acesso à internet levam oprincípio do amigo instantâneo até o espaço público. Lançadosno Japão com sucesso considerável, estão invadindo a galope osEstados Unidos e a Europa. O aparelho móvel de conexão àinternet da Sony, que sem dúvida será batizado de webman, estápronto para entrar em breve na circulação americana. ''Acredi-tamos que o terminal móvel será um (...) produto muito estraté-gico para a Sony", disse o presidente da empresa, KunitakeAnd089, ao Asian Wall Street Journal. ''Assim como criamos acultura do walkman, teremos um tipo de cultura móvel", disseele, acrescentando que, mais cedo ou mais tarde, a Sony plane-java transmitir música e até filmes on-line por meio de uma novageração de celulares. Estes prognósticos podem ser apenas exa-gero publicitário, mas a tendência da Sony tem sido acertar.

Contudo, enquanto escrevo, o princípio do acesso instantâ-neo funciona com maior firmeza no caso dos celulares amigosdos nômades. No ano 20009°, 53% dos americanos possuíam

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celulares, contra 24% em 1995. O mesmo acontecia com 63%91dos adultos britânicos, mais ou menos o mesmo que no Japão,embora não tantos quanto na Itália, Suécia e Finlândia. Sua taxade difusão é tremenda, comparável à da televisão, maior que ados telefones, rádios e videocassetes e mais visíveis em público,é claro, que todos os outros.

O telefone celular transforma radicalmente a paisagem so-nora. Assim como a campainha dos criados, seu tilintar ou mu-siquinha é um chamado, mas também uma afirmação de que vocêtem o direito de conduzir seus negócios querendo ou não, es-tando onde estiver, seja você um especulador da bolsa de mer-cadorias de Nova York ou um jovem de Hong Kong ba~endopapo num vagão do metrô (a cidade conectou seus túneis). Aspráticas privadas expandem-se para os espaços públicos. Assim,embora o nômade conectado com ou sem fio raramente cheguea gozar de liberdade total, há ainda o prazer de saber-se deseja-do neste instante.

A nova tecnonomadicidade traz este paradoxo: o nômadetotalmente equipado, que busca a liberdade do acesso à vonta-de, torna-se livremente acessível à vontade de outras pessoas.Quem envia também recebe. O potencial de ser invadido esti-mula remendos tecnológicos; com a identificação de chamadas,por exemplo, você pode bloquear ligações de antigos namora-dos, filtrar as chamadas para ver quem quer comunicar-se ounegar o contato deixando a chamada cair na secretária eletrôni-ca. Como numa corrida armamentista militar, a dialética de ata-que e defesa prossegue aos saltos. Há um segundo paradoxo: osque esperam controlar seu próprio estado de espírito quandoestão em público vêem-se invadidos por barulhos alienígenas.Em teatros, concertos, conferências, parques e igrejas, o trina-

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do do celular" não é uma visitaçâo dos anjos. A plebe explodecom sinais privados. Novamente, a defesa também melhora. Osteatros avisam, antes de abrir as cortinas, que as pessoas cujocelular tocar serão retiradas do recinto - com sucesso variável.Aparelhos para bloquear celulares" já estão sendo vendidos adonos de restaurantes e teatros.

Assim, a comunicação tem seu preço - não só o preçomonetário, que cai ano a ano; não só a invasão do isolamento;não, o terceiro preço inevitável da nomadicidade é a vigilância.Este não é só o risco de ouvirem nossa conversa num lugar pú-blico. Afinal de contas, o usuário de celular que queira preser-var sua privacidade em face da proximidade ainda pode fazê-lo,já que os novos aparelhos amplificam a voz humana sussurradacom maravilhosa fidelidade. Mas as conversas ao celular sãopeculiarmente capazes de serem interceptadas, não só por ór-gãos públicos como por particulares interessados, quer por aci-dente quer de forma deliberada.

Ainda assim o novo nômade, determinado a viver um sonhode poder pessoal, parece disposto a pagar o preço. A utopiaonicomunicativa apela para uma paixão, centenária, de contro-lar as próprias circunstâncias sem renunciar aos laços sociais. Estaé a versão de liberdade que impulsiona a civilização que a em-presa e o poder americanos (mas não só americanos) levam aosconfins da Terra. É uma liberdade onívora, liberdade de enxer-gar, de buscar distração, de buscar a distração da distração (naspalavras de T. S. Eliot), de gozar a própria falta de raízes, desaborear o evanescente. Mas, como já escreveu o compositorcanadense Leonard Cohen, "para onde vão todas estas auto-es-tradas agora que estamos livres?"

TRILHA SONORA94

O novo nômade pode não ter feito um bom negócio ao encon-trar-se presa tão freqüente da interrupção. Não só seu celulartoca quando ele pode não estar muito a fim como o mundo emgeral tem, cada vez mais, uma trilha sonora. Seja qual for a retó-rica do individualismo em rede, os indivíduos não são os únicoscomunicadores em público. As instituições usam rotineiramen-te o som para orquestrar um sentimento coletivo, para "aporuma marca" ao espaço, explorando o fato de que podemos op-tar por não ver com muito mais facilidade do que não escutar".Desviar os olhos de uma tela talvez seja psicologicamente difí-cil, mas pode ser feito: você gira a cabeça ou, simplesmente, seafasta. Mas o ouvido discrimina menos que o olho. Faltam pál-pebras nos ouvidos humanos. Sua cabeça não precisa voltar-separa uma fonte sonora para que o som exija sua atenção.

A maior parte da paisagem sonora não é convocada pelavontade de pequenos Nietzsches. Ela é ministrada. Mas o somimposto não é necessariamente nocivo. Quando a comunidadecomo um todo fornece o som ambiente, poucas pessoas na áreade alcance auditivo o percebem como uma imposição. Artistasem feiras, nas esquinas ou em plataformas do metrô, festivaisem parques públicos, bandas em desfile, bailes de rua, até mes-mo caixas de som em praias ou varandas - todos são, em váriosgraus, percebidos como "expressões da comunidade". Quandoeu morava num bairro de Chicago cheio de gente dos Apalaches,em meados da década de 1960, podia acompanhar a mesmacanção country pelo quarteirão conforme ela ia saindo de jane-la em janela, todos os apartamentos sintonizados na mesma es-tação de rádio.

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Mas cada vez mais nosso desejo de diversão é apropriado,empacotado e irradiado de volta para nós por uma organizaçãoque descobriu como encaixar nosso desejo ao seu desejo de lu-crar com o princípio do prazer. O acesso ao ouvido popular écomprado. A capacidade de fazer-se ouvir - em outras pala-vras, a capacidade de interromper - torna-se uma dimensão depoder social. Lojas e restaurantes de shoppings conseguem en-treter a todos na área de alcance auditivo - ou exercer podersonoro sobre eles. Estados de espírito têm valor monetário.Organizá-los é um bom negócio. E assim, nas palavras de MilanKundera'", "a imagem acústica do êxtase tornou-se a decoraçãocotidiana de nossa lassidão". Banhados no "êxtase trivializado"das trilhas sonoras públicas, somos instados a sentir o que amúsica nos ordena que sintamos.

A indústria foi a primeira instituição a receber trilha sono-ra. Em 1937, psicólogos fabris da Grã-Bretanha propuseram(num relatório intitulado "Fadiga e tédio no trabalho repe-titivo", para o British Industrial Health Research Board) que amúsica tinha encantos para acalmar o selvagem trabalhador emseu emprego repetitivo, quando ele poderia estar ausente, vol-tando para casa mais cedo, matando o trabalho ou, pelo con-trário, dando atenção a um tagarela indesejado. Durante aSegunda Guerra Mundial, a BBC aumentou a produtividadenas fábricas de armas com programas de rádio como MusicWhile You Work. Os americanos não ficaram para trás, trans-mitindo música em fábricas de material bélico e estaleiros apartir de 1942. O gerenciamento do estado de espírito testa-do na guerra provou-se igualmente útil na paz. Convencida deque os métodos de satisfação sonora estavam comprovados, aindústria privada começou a aproveitar-se da produção da

Muzak Corporation'", "Em 1946",98 segundo os especialistasem comunicação Simon C. Jones e Thomas G. Schumacher, "amúsica ambiental, ou Musak, foi instalada nos locais de traba-lho das principais empresas americanas, com programas dife-rentes para escritórios e fábricas." Os pesquisadores da músicaambiental foram além de enlatar estilos confortadores: desen-,volveram o princípio da "progressão de estímulo", ao desco-brirem que uma seqüência musical em estágios, aumentandogradualmente o andamento, o ritmo e o tamanho da orquestranuma escala de 1 ("lento e melodioso") a 5 ("brilhante e ani-mado"), estimulava a produtividade. Estímulos psicológicospodiam ser cientificamente programados. Por mais tedioso quefosse o trabalho, a música era suave, pois as gravações origi-nais haviam sido destituídas de quaisquer mudanças de ritmoou melodia. Era música domesticada, temperada com "umapitada de nostalgia" e fantasia mas contida numa estruturaracional, ordeira", em que a "regularidade estilística e simpli-cidade harmônica" sugeria um "mundo doméstico seguro eprivado que significa o conforto e a segurança do lar". Se vocênão podia ser levado a "assobiar enquanto trabalha", o siste-ma de som assobiaria por você.

Se havia música para trabalhar, por que não música paracomprar ou esperar? Na década de 195010°, a Muzak Corpo-ration começou a musicar estabelecimentos varejistas, visandoa induzir um estado de espírito favorável às compras. A músicaambiental encheu os supermercados com ritmos langorosos, como objetivo de relaxar os fregueses e levá-los a passar mais temponos corredores. Outras seqüências aumentavam o ritmo, o vo-lume subindo aos pouquinhos, para produzir tensão psíquica-a ser aliviada pegando alguma coisa na prateleira. Na década de

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1980101, praticamente nenhum espaço público era destituído de.' 102 . ~ .trilha sonora: lojas, shoppings, aeroportos ,aVlOes, navios,

estádios, hospitais, restaurantes, consultórios de médicos e den-tistas, academias de ginástica, bancos, saguões de hotel, parquestemáticos, elevadores, banheiros, salas de espera de todo tipo.Os aviões de carreira agora assinalavam a chegada, o contatocom a torre-mãe, conectando-se à sua trilha sonora. Os aero-portos geraram o subgênero musical de "som ambiente" conhe-cido desdenhosamente como "música de elevador" e meioridicularizada, meio desfrutada à moda pós-moderna contem-porânea pelo cômico Brian Eno numa série de discos chamada"Música para aeroportos".

Enquanto isso, lojas voltadas aos jovens lideraram a mudan-ça para a chamada "música de frente" iforeground music) - sonsque promovem uma atmosfera animada numa era em que amúsica eletrificada é normal, e normalmente alta. A Muzak eoutras empresas hoje enviam sinais por satélite para transmitirmúsica "moldada para lojas" a "ambientes de consumo" especí-ficos para grupos demográficos distintos, com programações atépara horas específicas do dia. Em redes de lojas de roupas e res-taurantes, em shoppings e (é claro) lojas de discos que atendemà clientela mais jovem, o som pulsa em volume mais alto, muitasvezes acompanhado por telas de vídeo que exibem música.Mesmo as redes de notícias têm seus temas musicais, transmi-tindo uma sensação de urgência junto à confiabilidade. Restau-rantes que "soam" mais antigos, como dizem os marqueteiros,apreciam o fácil tilintar pianístico do selo Windham Hill, querepresenta, para as paletas mais rarefeitas da geração rica do pós-guerra, o que eram as cordas enjoativas de Mantovani para seustios e tias mais pobres. Mas o envoltório auditivo não é sempre

apreciado pelos fregueses, que dirá pelos funcionários. Um em-pregado da Pottery Barn de Nova York me conta que sente arre-pios com a barulheira da trilha sonora que toca sem parar emseu departamento. Ainda assim, esta irritaçâo não deve ser au-tomática, já que em muitos restaurantes ou bares metropolita-nos que buscam atrair clientela com menos de quarenta anos aacústica é tratada para amplificar o barulho e reforçar a sensa-ção de que é ali que as coisas acontecem. (Ao mesmo tempo,"zunzunzum" tornou-se um lugar-comum para denominar afama pública.) Enquanto isso, outros restaurantes tentam con-quistar clientes de meia-idade instalando isolamento acústico,reduzindo o som ambiente para tornar a conversa mais com-preensível a ouvidos que perderam a acuidade, processo muitasvezes apressado por anos assistindo-se a concertos em frente degigantescos alto-falantes. Para cada nicho, um som.

Na Europa, como nos Estados Unidos, o som ambiente tor-nou-se acompanhamento normal da vida cotidiana. Let it Be,dos Beatles, ressoa num vôo da Swissair. Num restaurantetailandês em Berlim, a trilha sonora apresenta Ouer the Rainbou/.Evidentemente, muita gente prefere a música programada paracriar um estado de espírito, apesar de nada sutil, a seus própriosimprovisos particulares. Na pior das hipóteses, são indiferen-tes. "Talvez", como escreve J. Botrumt'", "tenha sido Hollywoodque nos ensinou a esperar que a vida tenha música de fundo,um comentário melódico constante no filme de nossas vidas."A Muzak Corporation e suas imitadoras são ponderadas o bas-tante para fornecer variedade, de forma a nunca parecer que oGrande Irmão ou o Mágico do Ruído esteja no comando. As-sim, ao passar pelo mundo os indivíduos modernos ouvem umpastiche produzido por empresas. Nós o ouvimos, nas palavras

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de Bottum, "aos pedacinhos, quando passamos de uma zonaestéreo a outra - o rádio gritando de repente quando se liga ocarro, o som da vitrola automática sumindo de repente quandoa porta do restaurante se fecha. (... ) Estamos todos condenadosàs perpétuas quartas-de-final de Qual é a música".

Ainda assim, o privado resiste ao público também neste ter-reno, combatendo tecnologia com tecnologia. Indivíduos nôma-des e conectados defendem-se do controle auditivo institucional,afogando a trilha sonora pública com seu próprio walkman oudiscman, e embora seja tolice vê-Ias como heróis de uma luta declasses sônica, combatendo a apropriação capitalista da paisa-gem sonora, os fones de ouvido com certeza filtram barulhosindesejados substituindo-os por uma trilha sonora pessoal. Naverdade, protegem não só da Muzak e do hip-hop da aparelha-gem cheia de woofers"'" dos carros que passsam como tambémda miscelânea de motores de máquinas, caminhões, ônibus,aviões e motocicletas, da surdina rachada das buzinas, das serraselétricas e britadeiras - sem falar do baixo contínuo, do ribom-bo, do chiado e do zumbido constantes emitidos por luzes fluo-rescentes, geladeiras, aquecedores, computadores, ventiladores,aparelhos de ar-condicionado, fornos de microondas, telefonese o resto dos aparelhos da eletrificada vida cotidiana. Numa erade disperso estrondo urbano, a pulsação rítmica do hip-hop podeser, para seus partidários, a intrusâo volumosa que apaga osfragores menores. A trilha sonora animada, forte nos tweeters,encharcada de violinos, pode ser o escudo da eletricidade -contra a própria eletricidade.

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PRESTAR ATENÇÃO - E PAGAR POR ELA

Uma adolescente num cinema de Berkeley, conversando amis-tosamente com a amiga durante o filme, grunhe para o especta-dor mais velho que se queixou: "Qual é, cara? É só um filme!"Num multiplex no Greenwich Village, uma mulher ao celular,durante o trailer, insiste: "Quero ver o filme tanto quanto você!"Não importa que os cinemas ponham cartazes dizendo "Por fa-vor, avise caso algo atrapalhe seu prazer durante o filme", juntodas promoções de pipoca e refrigerante antes da sessão. Nos úl-timos anos, ouvi um bebê chorar durante um concerto de músi-ca clássica (e o lanterninha recusou-se a dizer à mãe que cuidassedo filho lá fora). Ouvi celulares tocarem no meio de peças,embora cartazes peçam aos espectadores que desliguem os tele-fones, bipes e outros equipamentos eletrônicos e sejam dadosavisos a respeito. Ouvi telefones trinarem em seminários, salasde conferência, bibliotecas e galerias de museus, fora isso silen-ciosas. A vida pública é um lugar onde transações privadas acon-tecem - é o que se acredita. A vida particular em públicoconverge para a vida pública em particular. Para uma quantida-de cada vez maior de pessoas, o mundo é um multiplex, entu-lhado de eletrônica: um fliperama de diversões.

É fácil lançar um brilho róseo sobre o sacrossanto espaçoprivado, mas até espaços que estão literalmente santificados ra-ramente são lugares de atenção constante. Certa vez assisti a umamissa de Natal em Florença e, de pé lá atrás, fiquei espantadoao ouvir o rumor bastante contínuo de italianos fofocando.Durante boa parte da peça, as platéias conversaram, gritaram eexpressaram-se de todas as formas com o maior vigor possível.Embora as platéias elisabetanas de Shakespeare provavelmente

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fossem atentas - pelo menos a julgar pelo fato de que as quei-xas mais freqüentes sobre barulhos perturbadores durante osespetáculos se refiram ao quebrar de nozesr" -, os americanosde antes da guerra não eram. O pessoal dos balcões costumavadar a conhecer seu desagrado alvejando tanto atores quanto genteelegante lá embaixo com moedinhas, frutas podres, ovos, ma-çãs, nozes e pão de mel. Em 1832, a viajante inglesa FrancesTrollope!" observou, num teatro de Cincinnati, "homens sempaletó com as mangas arregaçadas, cuspindo sem parar, recen-dendo 'a cebola e uísque'". Ela apreciou o Shakespeare masdetestou o barulho "contínuo". As multidões muitas vezes exi-giam um bis instantâneo e se uniam para recitar longos trechosde diálogo que sabiam de cor. Um jornalista de Nova York achouos vivas e as zombarias das platéias de teatro um "coro alegre etumultuado", acrescentando que, "comparados às atuações daplatéia, a afetação, os uivos e o galvanismo espasmódico dosatores no palco são bastante comportados e banais". Um repór-ter francês'?" que assistiu a uma representação de Shakespearena Califórnia em 1851 observou que "quanto mais [os especta-dores] gostam de uma peça, mais alto assoviam, e quando umaplatéia de San Francisco explode em silvos agudos e gritos sel-vagens pode-se ter certeza de que estão num êxtase de alegria".Às vezes, indivíduos da platéia pulavam no palco para examinaradereços do cenário. Em Albany, um barqueiro do canal gritoupara lago: "Seu patife mentiroso danado, vou pegá-lo depois dapeça e torcer seu pescoço maldito!"

Os intelectuais valorizam o ato de atenção, acreditando quea atenção não é algo que acontece, mas algo que se executa.Quando você contempla ou mergulha, sente um tipo de comu-nhão, seja com a natureza ou com uma obra de arte. Você se

entrega ativamente a ela. Neste sentido, até a humilde sala decinema deveria ser um tipo de espaço sacralizadowt para a co-nexão e a concentração, não uma uma vitrola automática ampli-ficada com música animada e trivialidades hollywoodianas paramatar o tempo antes dos trailers.

O historiador da arte Jonathan Crary!" sustenta que o atode atenção adquiriu nova importância e virtude no final do sé-culo XIX. Foi então que o que fora mais ou menos uma culturacomum rachou-se ao meio. Os grandes templos da cultura - aópera, a sinfonia, os grandes museus - insistiram no decoro,para que o ato de elevação espiritual pudesse acontecer sem in-terrupções. Pessoas superiores queriam que se prestasse atenção;na verdade, demonstrava-se superioridade ao prestar atenção.As classes trabalhadoras passaram para o vaudeville, o teatroburlesco, os salões de dança, os salões de bilhar e, mais tarde,para os espetáculos de variedades. Os cinemas de seus bairroseram mais barulhentos que os da classe média. Como as artessuperiores exigiam atenção constante, os psicólogos começaramfi tratar a falta de atenção como um defeito. A atenção foi asso-ciada à força de vontade, à habilidade e ao amor. Sem atenção,"quando se leva a consciênciatw a focalizar em alguma direçãoespecial", avisou um psicólogo britânico em 1886, "devaneiossem sentido tomarão o lugar do pensamento coerente". Umpsicólogo alemão escreveu em 1893 que, sem a capacidade deatenção, "a consciência ficará à mercê de impressões externas(...) pensar tornar-se-á impossível com os ruídos de nosso am-biente". Assim, a distração moderna, tão freqüentemente con-denada, "não era um rompimento dos tipos estáveis ou 'naturais'de percepção continuada" mas "um efeito e, em muitos casos,elemento constitutivo das muitas tentativas" de fazer as pessoas

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prestarem atenção. As pessoas não eram naturalmente atentas,mas se tornaram. Em meio ao zumbido cotidiano do que WilliamJames chamou de "fluxo da consciência", a atenção era um in-terlúdio de concentração tomado de uma vida cotidiana de "per-manente baixo nível de atenção", em si mesma uma reação à"colonização incansável do tempo 'livre' ou de lazer".

Os intelectuais, que amam cultivar a atenção e fazem issopara viver, indignam-se há muito tempo com invasões de suasolidão e de sua comunhão com a natureza. Se não era a loco-motiva'!' perfurando o silêncio do idílio bucólico, era a ameaçade caos urbano: o torvelinho de carruagens puxadas a cavalo, alama, o excremento dos cavalos, sem falar do néon, dos dese-nhos flamejantes e das faixas das manchetes, as fotos invasivas eos cartazes gritantes da imprensa marrom, que em 1890 provo-caram a primeira defesa legal do direito à privacidade'P, O queo amontoado de anúncios fez com a cena urbana, os outdoorsfizeram com o campo em volta. Há mais de um século já estáva-mos a caminho do sentido contemporâneo de supersaturação- o fluxo excessivo que parece jorrar de uma atmosfera api-nhada de signos e sinais, gerando reações mal-humoradas à "so-brecarga de informações".

Mas, mesmo com todo o refinamento de suas reações, os in-telectuais têm estado atentos, embora não necessariamente comopretende a indústria cultural. E atenção é exatamente a mercado-ria que os anunciantes compram. "Espectadores" e "impressões"são o que os proprietários de meios de comunicação vendem -o que todas as estações de televisão e rádio, empresas de outdoore sites na internet oferecem aos anunciantes. Hoje nenhum espa-ço está a salvo. Colocam-se anúncios nas costas das poltronas deavião, à altura dos olhos em mictórios, atrás das portas dos cubí-

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culos dos banheiros femininos. Em 2000, a rede de televisão ABCinsralour» anúncios falantes, sensíveis ao movimento em mil. ,mictórios públicos em Nova York eLos Angeles, para promoverum novo seriado humorístico. Qualquer um que tenha uma telaou uma superfície quer alugá-Ia - a lateral de um ônibus ou deuma bomba de gasolina, o teto e os lados de um táxi, até mesmosuas calotas.

E hoje você não precisa sair pela porta para ser cutucado esondado por empresas de venda corporativa, pois há a tecnologiado telemarketing, agora freqüentemente mecanizado para au-mentar a eficiência dos operadores. (Atenda o telefone por suaprópria conta e risco entre 18 e 19 horas, mas nenhuma hora ésegura.) As estrelas da temporada de outono de 2000 da redeABC telefonaram ao acaso para deixar mensagens sobre os no-vos programas em secretárias eletrônicas. Há os banners e anún-cios pop-up na internet, cada vez mais piscantes e incômodos-embora os usuários tenham aprendido a ignorar até esses, cau-sando problemas para as finanças internéticas. Há anúncios emvídeos alugados, em placares e equipamentos esportivos e, naforma de merchandising de produtos, em filmes e programas deTV. Meu cartão de identificação da Universidade de Nova Yorktraz um anúncio da AT&T. Isso sem falar dos temas e jingles quebuscam grudar-se à consciência cotidiana como vírus em repro-dução.

Na verdade, o desafio irônico de todos os empresários cul-turais, todos os anunciantes, estúdios, distribuidores de filmes emúsica, editoras, jornais, revistas, fábricas de brinquedos, redesde televisão, provedores de internet e outros é "romper a ba-gunça". Mas, claro, a bagunça não é uma força da natureza; éum produto do frenesi da competição. A bagunça nada mais é

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que a soma de todas as tentativas anteriores de romper a bagun-ça. Assim, a bagunça de imagens e sons criados é o motor queleva os anúncios para espaços até então virgens.

Onde a presença comercial não é tida como certa? Oitomilhões de alunos nos Estados Unidos e no Canadá freqüentamescolas cujos administradores aceitam aparelhos de TV gratui-tos do Channel One sob a condição de que os alunos assistam aseus noticiários diários, com todos os seus anúncios voltados parajovens. Uma empresa chamada YouthStream coloca cartazespublicitários em 7.200 vestiários de escolas de nível médio, al-cançando (segundo o material promocional da empresa) cercade 70% dos alunos de escolas de ensino médio americanas. Oblablablá empresarial sobre os méritos dos anúncios públicos paracrianças é extravagante. Considere-se, por exemplo, esta pro-messa arrebatada de Mike Searles!'", ex-presidente da Kids-R.Us, uma cadeia de lojas de roupas infantis: "Se você possui estacriança em tenra idade, pode possuir esta criança durante váriosanos. As empresas dizem: 'Ei, quero possuir a criança cada vezmais jovem.'"

A marca (o branding) - de empresas, não de gado - é o cridu jour no marketing e nas relações públicas, porém é mais queisso. Faz parte de um modo de vida. Muitos garotos querem ser"possuídos", trocando alegremente um conjunto de "donos" poroutro quando crescem. Quando as empresas falam em marca,querem dizer duas coisas: pousar um símbolo à sua frente, repe-tidas vezes e em múltiplas ocasiões, na esperança de chamar aatenção, e construir na imaginação uma escada da atenção àcrença (a seguradora Prudential é sólida como uma rocha; aCoca-Cola, efervescente; a Apple, chique). A mágica da imagi-nação associativa não é nada nova; a prática de contratar cele-

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bridades!" para infundir significado às mercadorias e aumentaro desejo por elas cresceu no decorrer do século Xx. A esses tes-temunhos acrescentaram-se os símbolos e logotipos, a tipogra-fia e os rótulos, os anúncios com tema musical e as campanhasde relações públicas que criam a "identidade empresarial", irra-diando um sentimento sobre o estilo de uma empresa, oferecen-do uma "proposta de vendas sem igual"1l6 que liga uma empresaa um estado de espírito e a um tipo social.

Em letreiros, camisetas, bonés, canecas, chaveiros, sacolasde compras e cartazes, em lojas, museus particulares e públicos,estádios, cinemas, teatros e lugares turísticos, as marcas hoje sãonormais. As empresas investem prodigamente nos melhoresdesigners para conseguir o logotipo certo, pois numa sociedadepróspera as pessoas têm tanto tempo para prestar atenção e tantarenda pessoal para satisfazer seus desejos que a aposição da marcacompensa o investimento. O mais extraordinário, porém, é ograu de voluntarismo, até mesmo entusiasmado, da adesão àmarca, uma declaração de filiação à moda. Os rótulos confir-mam a filiação. Os Estados Unidos chegaram a um grau sem pre-cedentes de saturação de marcas, tantos são os voluntáriosdispostos e ávidos a pagar pelo privilégio de exibir seus logotiposem público. Na década de 1930, os destituídos sentiam-se hu-milhados quando eram obrigados a usar cartazes-sanduíche parafechar o mês, mas as crianças de hoje se transformam com pra-zer em anúncios ambulantes. Antigamente eram as classes ope-rária e agrária que se marcavam usando bonés dos tratoresCaterpillar e John Deere. Mas aí vieram os jacarezinhos Lacoste,seguidos por uma enchente de outras insígnias, a ponto de, nadécada de 1970, tornar-se quase impossível comprar uma cami-sa pólo sem marca. Calvin Klein, Ralph Lauren, Donna Karan,

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Tommy Hilfiger e outros estilistas deram sua marca a jeans, meiase montanhas de vestimentas, cada um marcando um mercadoespecífico de status. Marlboro fez o mesmo, vendendo roupas eacessórios em lojas especializadas na Europa.

Mas a colaboração manifesta, o desejo de marcar-se, não foisimplesmente criado de cima para baixo. Numa era de auto-in-venção sempre renovada, em que religião, região e profissãodeixam de proporcionar identidades profundas, uma marca podeser uma declaração, como um cartão de visitas pré-impresso. Oconsumidor não escolheu escolher, exatamente, mas, dentro dagama de imagens em oferta, consentiu em escolher. E por quenão? Pelo preço do artefato, você compra uma afirmativa: soumeu logotipo. Tenho este glamour, ou poder, ou suavidade, ou(preencha a lacuna) atrás de mim. Embora alguns transviadossigam orgulhosamente sem logotipos, o caminho de menor re-sistência hoje é render-se e abraçá-I os ou usá-los de forma irônica.

Os que combatem as empresas que buscam o lucro promo-vem seus próprios logotipos antiempresariais. O Greenpeace temo seu, assim como as campanhas contra a globalização capitalis-ta. Os críticos podem tentar desviar a torrente das mídias, masnem sequer imaginam secá-Ia. No país dos marcados, até osoponentes se marcam.

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CAPíTULO 2 Rapidez e sensibilidade

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Notas

Introdução

1. "Cogito Interruptus", publicada originalmente em 1967, republicadoem Umberto Eco, Travels in Hyperreality, trad. WillIam Weaver (NovaYork: Harcourt Brace, 1986), esp. pp. 233-35.

2. [oban Huizinga: Homo Ludens: A Study of the Play Element inCulture (Boston: Beacon, 1955 (1944)), p. x).

Capítulo 1. Supersaturação ou a torrente dasmidias e o sentimento descartável

1. Peter Mundy, citado por Geert Mak, Amsterdam, trad. Philipp Blom(Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 2000), p. 109.

2. Simon Schama, The Embarrassment of Riches: An Interpretation afDutch Culture in the Golden Age (Nova York: Knopf, 1987), pp. 313-19. Schama observa que a pesquisa nos arquivos relevantes "aindaestá em seus primeiros dias" (p. 315).

3. Muitas casas burguesas holandesas também tinham uma câmara lú-cida, uma lente de aumento mamada num suporte que focalizavaobjetos na vizinhança. Como a lente era móvel, podia-se simularomovimento - objetos distantes vinham para perto e iam para maislonge. Mas, como o aparelho ficava montado num lugar fixo, a gamade objetos em movimento limitava-se àqueles que pudessem ser vis-tos da janela. (Svetlana Alpers, comunicação pessoal, 8 de outubrode 1999.)

4. "Drama in a Dramatised Society", em Alan O'Connor, org., Raymond

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Wílliams on Television (Toronto: Between the Lines, 1989 [1974]),pp. 3-5. Flow surge em Williams, Television: Technology and Cultu-ral Form (Nova York: Schocken, 1975), pp. 86 e sego

5. Pensées, trad. W. F. Trotter (www.eserver.org/philosophy/pascal-pensees.txt), seção 2, parágrafo 142.

6. Robert D. Putnam, Bowling Alone: The Collapse and Revival ofAmerican Community (Nova York: Simon and Schuster, 2000), p.222, cito John P. Robinson e Geoffrey Godbey, Time for Life: TheSurprising Ways Americans Use Their Time, 2a

• ed. (University Park:Pennsylvania State University Press, 1999), pp. 136-53,340-41,222.

7. Este valor de abril de 2001 para indivíduos com 15 anos ou maisvem de Mediamat (Mediametrie www.mediametria.fr/television/mediamat-rnensueI/2001/avril.html).

8. Putnam, Bowling Alone, p. 480, cito Eurcdata TV (One TelevisionYear in the World: Audience Report, abril de 1999).

9. John P. Robinson, "I Love My TV", American Demographics, setem-bro de 1990, p. 24.

10. Robert Kubey e Mihaly Csikszentmiihalyi, Television and the Qualityof Life: How Viewing Shapes Everyday Experience (Hillsdale, NewJersey: Lawrence Erlbaum Associates, 1990), pp. 71-73.

11. UCLA Center for Communication Policy,The UCLA Internet Reporr:Surveying the Digital Future, novembro de 2000, pp. 10, 17, 18, 14(www.ccp.ucla.edu).

12. Donald F.Roberts, Kids and Media the New Millennium (Menlo Park,Califórnia: Henry J. Kaiser Family Foundation, 1999), p. 9, tabela 1.Havia 3.155 crianças na amostra, com proporção exagerada de crian-ças negras e hispânicas para garantir que o resultado destas populaçõesminoritárias também fosse estatisticamente significativo. Pelo que umleitor pode discernir, este foi um estudo digno de confiança, com mar-gem de erro não maior que mais ou menos cinco pontos percentuais,Como o resultado das crianças menores, entre dois e sete anos, vemdos relatos dos pais, é bem possível que seja conservador, já que os paispodem não estar informados do tempo total despendido pelas criançasem frente à TV ou podem reduzi-Io para não se sentirem envergonha-dos diante dos entrevistadores.

13. Ibid., p. 11, tabelas 3-A, 3-B, 3-C.14. Quão acessível: lbid., pp. 13-15, tabelas 4, 5-A, 5-B, 6.

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15. Em geral, menos crianças européias e israelenses têm TV no quartoem relação às americanas, mas na Grã-Bretanha elas são 70%. ADinamarca, com 64%, vem a seguir, no âmbito europeu. Os últimossão a Holanda, com 31 %, e a Suíça, com 240/0.Leen d'Haenens, "Oldand New Media: Access and Ownership in the Home", em SoniaLivingstone e Moira Bovill, orgs., Children and Their Changing MediaEnvironment: A European Comparatiue Study (Londres: LawrenceErlbaum Associates, 2001), p. 57.

16. Roberts, Kids and Media, pp. 21-23, tabelas 8-C, 8-D.17. A mesma afirmação aplica-se a diferenças do uso das mídias em

todo o mundo próspero. Como escreve o economista Adair Turner:"A penetração européia da internet está atrasada em 18 a 24 mesescom relação aos EUA. Quando os carros e televisores surgiram, oatraso era mais próximo de 15 anos. (... ) A brevidade do atrasotambém sugere que a preocupação social com uma 'divisória digi-tal', quer dentro das nações, quer entre elas, não está corretamen-te colocada. (... ) Os atrasos temporais entre grupos de rendadiferente na penetração dos computadores pessoais, conexões àinternet ou celulares são muito menores, mais uma vez porque to-dos esses produtos são baratos. (... ) No nível global, deve predo-minar o mesmo ceticismo quanto a uma divisória digital. A Áfricapode estar mais ou menos 15 anos atrasada em relação ao nível depenetração de computadores e internet nos EUA, mas está com umatraso de uns cem anos em relação à alfabetização básica e à assis-tência médica." Adair Turner, "Not the e-conomy", Prospect (Lon-dres), abril de 2001 (www.prospect-magazine.co.uk/highlights/essay-turner-aprilO 1).

18. Johannes W. J. Beentjes et aI., "Children's Use of Different Media:For How Long and Why?" em Livingstone e Bovill, orgs., Childrenand Their Changing Media Environment, p. 96.

19. Donald Horton e R. Richard Wohl, "Mass Communication and Para-Social lnteraction: Observations on lntimacy at a Distance", Psy-chiatry 19, n? 3 (1956), pp. 215-29, e Herbert ]. Gans, The UrbanVillagers (Nova York: Free Press, 1962), pp. 187-96.

20. Eco, Travels in Hyperreality, pp. 8, 30; Jean Baudrillard, Simulacraand Simulation, trad. Sheila Faria Glaser (Ann Arbor: University ofMichigan Press, 1994 [1981]).

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21. "Drama in a Dramatised Society", p. 5.22. Marcel Proust, The Captiue, em Remembrance ofThings Past, trad,

C. K. Scott Moncrieff e Terence Kilmartin (Nova York: RandomHouse, 1981), vol. 3, p. 24.

23. Estou parafraseando este resumo da cultura do capitalismo de LeonardMichaels, "The Personal and the Individual", Partisan Review 68, 11"

1 (primeiro trimestre [inverno] de 2001), www.bu.edu/partisanreview/archive/2001/1/michaels.html.

24. Marshall McLuhan, Understanding Media: The Extensions of MaJI(Nova York: McGraw-Hill, 1964).

25. Dom Quixote, parte 1, capo 23. Sobre ler em voz alta na Idade dt·Ouro espanhola, ver Roger Chartier, "Reading Matter and 'POPll-lar' Reading: From the Renaissance to the Seventeenth Century",em Guglielmo Cavallo e Roger Chartier, orgs., A History of Readiugin the West, trad. Lydia G. Cochrane (Amherst: University 01Massachusetts Press, 1999), pp. 269-78.

26. Ian Watt, The Rise of the Novel (Berkeley: University of CaliforniaPress, 1957), p. 50.

27. The Lonely Crowd, ed. resumida (New Haven: YaleUniversity Press,1961 [1950]), p. 96.

28. Lawrence W Levine, Highbrow/Lowbrow (Nova York: OxfordUniversity Press, 1988), p. 18.

29. Alexis de Tocqueville, Democracy in America, org. Phillips Bradley(Nova York: Vintage, 1960), vol. 2, p. 58. Quantos desses volumeseram lidos Tocqueville não conta, embora tenha prosseguido de for-ma encantadora: "Lembro-me de ter lido o drama feudal de HenriqueV pela primeira vez numa cabana de troncos. "

30. Richard Ohmann, Selling Culture: Magazines, Markets, and Class atthe Turn of the Century (Londres e Nova York: Verso, 1996), p. 21.

31. Riesman, The Lonely Crowd, p. 96.32. Janice Radway, Reading the Romance. Reading, Patriarchy, and Popu-

lar Culture (Chapel Hill: University of North Carolina Press, 1984).33. Ohmann, Selling Culture, p. 29.34. The Making of American Audiences. From Stage to Television, 1750-

1990 (Cambridge: Cambridge University Press, 2000), pp. 295,297.35. Brian Lowry, "Turn Off the Set? No! if Media Can Help It", Los

Angeles Times, 18 de abril de 2001.

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36. Calculados com base em Butsch, The Making of American Audiences,pp. 296-301 e, para 1998, tabela 750, seção 14, 2000 Census Report(que congrega os trabalhadores individuais sem instrução além donível médio).

37. Die Angestellten, p. 304, em David Frisby, Fragments afModernity:Tbeories of Modernity in the Work of Simmel, Kracauer and Benja-min (Cambridge, Mass.: NUT Press, 1986), p. 170.

38. Pensées, seção 2, parágrafo 171, parágrafo 141.39. "Contribution to the Critique of Hegel's Philosophy of Right.

Introducrion" (1843), em Robert C. Tucker, org., The Marx-EngelsReader (Nova York: Norton, 1972), p. 12. Grifos meus.

40. Karl Marx, Capital, parte 1, capo 1, seção 4, em Tucker, org., TheMarx-Engels Reader, pp. 216, 217.

41. Ibid., parte 3, capo7, em Tucker, org., The Marx-Engels Reader, pp.237.

42. Karl Marx e Friedrich Engels, "Manifesto of the Communist Party"(1848), em Tucker, org., The Marx-Engels Reader, p. 338.

43. Georg Simmel, The Philasophy ofManey, 2a org. ampliada, ed. DavidFrisby, trad. Tom Bottomore e David Frisby (Londres: Routledge,1990 [1907]), pp. 67, 211.

44. Ibid., pp. 211, 228, 232, 298.45. Georg Simmel, "The Metropolis and Metropolitan Life" (1903),

trad. Edward A. Shils, em Donald N. Levine, org., Georg Simmel.On lndividuality and Social Forms (Chicago: University of Chi-cago Press, 197 1), pp. 325, 327, 326. Neste ensaio, Simmelenfatiza o impacto da vida na cidade. Em The Philosophy af Money(p. 255), ele escreve que "o cinismo e uma atitude blasée" são"quase endêmicos no ponto máximo de uma cultura do dinheiro(... ) o resultado da redução dos valores concretos da vida ao va-lor mediador do dinheiro". Na prática, esta é uma distinção semdiferença; uma cultura do dinheiro é distintamente urbana e vice-versa. Em minha discussão do ser blasé, misturo elementos deambas as análises.

46. Simmel, "Metropolis", pp. 326, 327, 329, 332. "cinismo (... ) 'preçode mercado"': Simmel,Philosophy ofMoney, p. 256.

47. Ibid., pp. 256, 257.48. Ibid., pp. 297-98.

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49. Esta frase é adaptada de uma carta não publicada a mim enviada porChristopher Z. Hobson.

50. Simmel, Pbilosopby of Money, p. 94.51. Contra esta ortodoxia, Rousseau, Goethe e os românticos tiraram

a conclusão oposta: que sentem, logo existem. Na verdade, a neu-rociência mais exata confirma hoje sua opinião de que os sentimen-tos são fundamentais, que, num sentido evolutivo, precedem opensamento - que a razão tem coração. Ver Antonio Damasio, Des-cartes' Errar (Nova York: Putnam, 1994) e The Feeling of WhatHappens. Body and Emotion in the Making of Consciousness (SanDiego: Harcourt BraceJovanovich, 1999), esp. pp. 18,41-42. Naspp. 41-42, o neurologista Damasio escreve: "A emoção provavel-mente ajuda o raciocínio, especialmente quando se trata de assun-tos pessoais e sociais. (... ) Alguns níveis de processamento deemoções provavelmente nos indicam o setor do espaço de tomadade decisão em que nossa razão pode funcionar com mais eficiên-cia. (...) A emoção bem dirigi da e bem mobilizada parece ser umsistema de sustentação sem o qual o edifício da razão não podefuncionar direito. Estes resultados e sua interpretação põem emquestão a idéia de desdenhar a emoção como luxo ou incômodoou mero vestígio evolutivo."

52. Charles Taylor, Sources oi the SeIf: The Making af the Modern ldentity(Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 1989), pp.368-69,374.

53. Sobre as "regras da emoção" no gerenciamento de sentimentos empúblico, ver Arlie R. Hochschild, The Managed Heart (Berkeley:University of California Press, 1983).

54. Numa aldeia alemã do século XVII, por exemplo, a culpa parece tersido sentida - nas palavras do historiador David Sabean - "nãotanto como sentimento, mas como estado". A emoção vinha direta-mente de pressões externas, como a sensação de frio segue-se aoanoitecer. "O estado interno do coração", escreve Sabean, "nasciade uma situação que era externa ao indivíduo." Deus o fez piedoso,e os poderes da terra fizeram-no amedrontado ou respeitoso. DavidWarren Sabean, Power in the Biood. Popular Culture and Villagl'Discourse in Early Modern Germany (Cambridge: Cambridge Uni-versity Press, 1984), pp. 34. 47.

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55. History in English Wards (Londres: Faber and Faber, 1962 [1926]),pp. 169-70.

56. Adam Srnith, The Theory af Moral Sentiments (Oxford: ClarendonPress, 1976 [1759, 1790]), que começa assim: "Por mais egoísta quepossa supor-se o homem, há, evidentemente, alguns princípios emsua natureza que o fazem interessar-se pela sorte de outros e tornamsua felicidade necessária para ele, embora nada consiga dela alémdo prazer de vê-Ia" (p, 9). O Smith que deu tamanha ênfase ao sen-timento pelo próximo não é, obviamente, o duro Smith amado pe-los individualistas mais ferozes.

57. Watt, The Rise af the Nove!.58. C. Dallett Hemphill, "Class, Gender, and the Regulation of Emotional

Expression in Revolutionary-Era Conduct Literature", em Peter N.Steams e Jan Lewis, orgs., An Emotional History of the United States(Nova York: NewYork University Press, 1998), pp. 34-41.

59. Dernocracy in America, vol. 2, pp. 50,52,54,62-63. O "sentimen-to" que se reduz nas artes democráticas é o sentimento profundo,não o sentimentalismo.

60. Citado em Geoffrey O'Brien, "The Triumph of Marxism", New YorkReview of Books, 20 de julho de 2000, pp. 8, 10.

61. "Berliner Gewerbe-Ausstellung (Berlin Trade Exhibition)", Die Zeit(Viena) 8, 25 de julho de 1896, em Frisby, Fragments o] Modernity,p.94.

62. Simmel, "Fashion" (1904), em Levine, Georg Simmel, pp. 296, 303.63. Discipline and Punish (Nova York: Pantheon, 1977), trad. de Alan

Sheridan de Surveiller et punir, que seria traduzido de forma mais apro-priada como "Surveillance and punishment" (Vigilância e punição").

64. Um catálogo soberbo das representações da virada do século espa-lhadas pelos setores comerciais das grandes cidades é William Leach,Land of Desire: Merchants, Potoer, and the Rise of a New AmericanCulture (Nova York: Pantheon, 1993).

65. The Prelude, livro 7, "Residence in London", versos 201-3, 212, 232-33, 238-39 (edição de 1850).

66. Sister Carrie (Nova York: Modern Library, 1997 [1900]), pp. 127,12-13.

67. Mais uma vez, há precedentes históricos. Não se deveria permitirque a novidade dos imensos letreiros elétricos obscurecesse o fato

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de que na Paris medieval os letreiros das lojas "se projetavam par.ilonge nas ruas, obstruíam o tráfego e bloqueavam as longas vist.istão agradáveis à mentalidade barroca e absolutista" (e por causa disso, no século XVII, segundo um relato inglês contemporâneo, LuísXIV ordenou aos lojistas que "tirassem todos os seus letreiros inu

diatamente e não os fizessem avançar mais que um ou dois pés (LI

parede"). Wolfgang Schivelbusch, Disenchanted Night. The lndustrialization o] Ligbt in the Nineteentb Century, trad. Angela Davics(Berkeley: University of California Press, 1988), pp. 84-85.

68. Será por acidente que Ferdinand de Sausurre produziu sua idéia ill

fluente de um signo (em inglês, sign, que também é letreiro] COIII(l

combinação de um "significante" presente e um "significado" nu-sente em meio à proliferação de letreiros reais? (Anotações de alunos sobre suas conferências foram publicadas postumamente, COIl\<)

Cours de linguistique générale, em 1916.)69. Ver Leach, Land af Desire, pp. 47-48, 338-48, e One Hundred Years

of Spectacle, trabalho em andamento de Marshall Berman. Luzes d('neon: Foram patenteadas em 1910. http://dmla.clan.lib.nv.us/doê,':!museums/reno/exneon/neontext.htm.

70. Siegfried Kracauer, em 1928, referiu-se a Paris como "quartel-general da vida noturna", onde "a iluminação é tão gritante que é Pl'l'ciso tapar os ouvidos para ela". Kracauer, "Ansichtspostkartc",Frankfurter Zeitung, 26 de maio de 1930, em Frisby, Fragments fi/Madernity, pp. 141-42.

71. Four-Track News 6 (fevereiro de 1904), p. 121, cito em David Nasaw,Going Out: The Rise and Fali of Public Amusements (Nova York:Basic, 1993), p. 8.

72. "Art and Advertising]oined by Electricity", Signs af the Times. Ajaum,,'for Ali Interested in Better Advertising 3 (agosto de 1912) e 9 (OUUI

bro de 1912), pp. 246-47, cito em Leach, Land af Desire, pp. 47, 4K,73. "Be It So, Electrical Advertising Has Only Begun", Signs of the Ti-

mes (dezembro de 1912), cito em Leach, Land o] Desire, p. 47. Ositálicos são do original.

74. Leach, Land of Desire, p. 47.75. Michael McGerr, The Decline ofPopular Politics (Nova York: Oxford

University Press, 1986), e Michael Schudson, The Good Citizcu(Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 1995).

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76. Sobre a promessa transcendente dos anúncios, ver ]ackson Lears,Fab!es of Abundance: A Cultural History of Advertising in America(Nova York: Basic, 1994).

77. Life the Movie: How Entertainment Conquered Reality (Nova York:Knopf, 1998), pp. 60-61.

78. O prazer de estar informado, em contato com o mundo, é enfatizadopela descrição pioneira de Michael Schudson do surgimento da im-prensa sensacionalista (penny press), em Discovering the News (NovaYork: Basic, 1978), pp. 43-60.

79. Pbilosophy of Maney, p. 484.80. Mas, é claro, a inexorabilidade é mais fácil de notar depois do fato.

O radiotransmissor e receptor de pulso de Dick Tracy apareceu nosquadrinhos de jornal em 1946, mas na época da redação deste livro,apesar do encolhimento dos celulares, a indústria ainda não ernpa-tou em imaginação.

81. Um outdoor posterior propõe, ou comanda: "Satisfaça o desejo" e"Inspire-se", e mostra um celular com o nome da empresa: Siemens.

82. John Nathan, SONY: The Priva te Life (Boston: Houghton Mifflin,1999), pp, 150-52, 155, e Michael Buli, Sounding Out the City:Personal Stereos and the Management afEveryday Life (Oxford: Berg,2000), p. 5.

83. Leonard Kleinrock, "What 15 Nomadicity?", introdução a "Nomadic'96: The Nomadic Computing and Communications Conference"("The First Industry-Wide Conference Devoted to the Exciting NewTechnologies of Nomadic Computing!"), 13-15 de março de 1996,San Jose, Califórnia. O professor K!einrock, da UCLA, segundo seufolheto de apresentação, "liderou os esforços para tornar-se o pri-meiro nodo da Arpanet [predecessora da internet] em 1969" e "estána linha de frente dos esforços para criar a tecnologia e a infra-es-trutura necessárias para permitir a computação e a comunicação nô-mades". "A maioria de nós somos nômades", escreve ele. "Precisamosdo apoio de vários dispositivos, aparelhos e serviços quando nos mo-vemos de lugar em lugar. A perda de produtividade sem este apoio égrande, assim como as vantagens de ser encontrado com adequadoapoio nomádico." Observe-se que, como é comum no ambiente devendas e negócios, Kleinrock começa com o incentivo econômicopara o acesso global às informações. Raymond WiIliams aproxima-

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va-se do mesmo fenômeno com a canhestra expressão mobile priva-tization (privatização móvel). Dado que usou a expressão em 1975(Television: Technology and Cultural Form, p. 26), estava corretís-simo. O que ele não previu foi a multiplicação de meios eletrônicospelos quais a capacidade de conexão cresceria mais que o quartel-general.

84. Critique de la Raison Dialectique (Paris: Gallimard, 1985 [1960]),pp. 361 e sego

85. Buli, Sounding Out, pp. 50, 52, 96, 17.86. Ibid., p. 75.87. Howard P. Segal, Technological Utopianism in American Cultura

(Chicago: University of Chicago Press, 1985).88. Erik Davis, Techgnosis (Nova York: Harmony Books, 1998).89. Reuters, "Sony Plans Web Walkman", lS de maio de 2000, http://

www.pcworld.com/pcwtoday!article!0.lS10.16704.00.html.90. Pesquisa do Pew Research Center, on-line, segundo trimestre de 2000.91. Alan Travis, "Britons Grasp Net and Web Phones", Guardian, 24 de

janeiro de 2001.92. Os letreiros comerciais que se empilhavam à vista um século atr.is

também não eram. Como escreve William Leach (Land of Desire, p.48): "Nem todo mundo gostava dessas intrusões. Grupos reformis-tas de muitas cidades viam os letreiros como perturbações estéticase ameaças ao valor imobiliário. 'Os abusos', admitiu Emily FOg)~Mead, 'são muito evidentes. (...) O viajante fatigado irnpacienta-srcom os 'anúncios' que o fitam dos bondes, com os letreiros imensose, acima de tudo, com a profanação de rochas, encostas e belas paisagens." Um viajante desses foi o sociólogo Edward Ross, que, nUII);lviagem de trem pela costa noroeste dos Estados Unidos, em 1912,viu um letreiro - 'Pó dental da Sra. Scruber' - exibido contra 11111

cenário de pinheiros selvagens. 'Se nós, passageiros, tivéssemos ficado adequadamente ofendidos, evitaríamos aquele pó dental até 'Ifim dos nossos dias', escreveu [em 1901]. Mas, idólatras do 'ernprccndimento' como somos, nunca pensamos em boicotar os que nos j"gam na cara seus negócios em momentos inoportunos. Os negóciosurbanos, continuou, parecem ter carta branca para fazer o que qu•.rem com o espaço público: 'Na cidade, cada espaço acessível oiul ros olhos podem divagar proclama freneticamente os méritos d, ,.,

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picles de alguém ou do uísque Scott.' Mas 'por que', perguntou Ross,'um homem deveria ter permissão de agarrar e torcer violentamenteminha atenção toda vez em que dou um passo para fora da porta, defazer fulgurar suas mercadorias em meu cérebro com um letreiro?'"Ross foi um dos fundadores da sociologia americana. Ele não sabiade nada!

93. Lisa Guernsey, "Taking the Offensive Against Cell Phones", New YorkTimes, seção Circuits, 11 de janeiro de 2001.

94. Devo o feliz termo em inglês, soundtracking, a J. Bottum, "TheSoundtracking of America", Atlantic Monthly, março de 2000.

95. Aristóteles observou este fato. Don Gifford, The Farther Shore: ANatural History of Perception, 1798-1984 (Nova York: AtlanticMonthly Press, 1990), p. 54.

96. Testaments Betrayed, trad. Linda Asher (Nova York: HarperCollins,1995), pp. 235-36.

97. Cito em Simon C. Jones e Thomas G. Schumacher, "Muzak: OnFunctional Music and Power", Critical Studies in Mass Communi-cation 9 (1992), pp, 158-59. Minha discussão sobre Muzak devemuito a este artigo, para o qual Fred Turner chamou minha atenção.

98. Ibid., pp. 159-60, citoJ. Hulting, "Muzak: A Study in Sonic Ideology"(tese de M.A., University of Pennsylvania, 1988).

99. Jones e Schumacher, "Muzak", p. 161.100. "The Politics of Muzak: Big Brother Calls the Tune", Student

Musicologists at Minnesota 4, pp. 80-103.101. Jones e Schumacher, "Muzak", pp. 162-64.102. Os aeroportos também descobriram as virtudes de instalar outra fonte

sonora, ou seja, uma versão aeroportiana dos noticiários de Tv, quemurmura o tempo todo tranqüilizadoramente em seus próprios ho-rários, inabalável em face de atraso dos vôos e de revoltas pessoais.Apesar da diminuição da atenção dedicada aos noticiários da tele-visão, eles continuam a ser uma área comum residual, enquantoqualquer escolha específica de entretenimento poderia soar comoexclusão. A tela sintonizada no noticiário converte o saguão numaárea comum doméstica, como um bar que apresenta eventos espor-tivos. Ver Adam Hochschild, "Taken Hostage at the Airport", NewYork Times página de Opinião e Editoriais, 26 de outubro de 1996.

103. "Soundtracking".

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104. Na verdade, seria mais aconselhável do que normalmente se enten-de obscurecer as monótonas notas graves e acordes menores queentulham a paisagem sonora moderna, quer se pense escutá-Ias ounão. Segundo o psicólogo Stephen W. Porges (comunicação pessoal,3 de julho de 2000), o cérebro humano é programado para inter-pretar as freqüências graves como o som dos predadores, provocan-do a tensão de uma reação automática de luta ou fuga. A infusão davida cotidiana por profundas notas graves pode, assim, produzir umestado de alarme de baixo nível característico. Segundo Toby Lester,do At/antic, enquanto as terças maiores formadas por notas distin-tas que se combinam no ambiente construído produzem felicidade,alguns acordes menores, principalmente a terça menor, podem pro-duzir estados de espírito negativos. Os teóricos musicais cristãos daIdade Média acreditavam que acordes específicos tinham conteúdosimbólico definido, sendo a quarta aumentada, em particular, co-nhecida como diabolus in musica; acontece que estavam com a ciên-cia a seu favor. "Mapping", "This American Life", Public RadioInternational, 4 de setembro de 1998.

105. Alfred Harbage, Shakespeare's Audience (Nova York: ColumbiaUniversity Press, 1941), p. 112. Harbage deduz: "Se sons como estepodem ser o maior incômodo (como tossir e amassar papel hoje),pode-se inferir um padrão de silêncio pouco inferior ao nosso."

106. Levine, HighbrowlLowbrow: The Emergence of Cultural Hierarcbyin America (Nova York: Oxford University Press, 1988), p. 25.Um jornalista de Nova York: George G. Foster, New York in Slices.By an Experienced Carver (Nova York: W. F. Burgess, 1849), p.120, e Foster, New York Naked (New York: s.l., s. d.), p. 144, cir.em Robert W. Snyder, The Voice of the City: Vaudeville and Popu-lar Culiure in New York (New York: Oxford University Presx,1989), p. 7.

107. "seu pescoço do inferno!" Levine, HighbrowlLowbrow, pp. 27, 30.108. Ibid., pp. 104-46 e 219-31; Kathy Peiss, Cheap Amusements. Worki/l.f:

Women and Leisure in Turn-of-the-Century New York (Filadélfia:Temple University Press, 1986); Snyder, Voice of the City; Nasaw,Going Out; Lizabeth Cohen, Making a New Dea/. Industrial Wor/.:l'I.'.in Chicago, 1919-1939 (Cambridge: Cambridge University Prcss,1990), pp. 123 e sego

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109. Suspensions of Perception: Attention, Spectacle, and Modern Cu/ture(Cambridge, Massachusetts: MIT Press, 1999), pp, 1-79. As cito sãodas pp. 49, 17 e 16, respectivamente, a segunda e a terceira extraí-das de jarnes Cappie, "Some Points in the Physiology of AttentionBelie~, and Will", Brain 9 (julho de 1886), p. 201, e Oswald Külpe:Out/mes of Psychology (1893), trad. Edward Bradford Titchener(Londres: Sonnenschein, 1895), p. 215. Grifes do original.

110. Crary, Suspensions of Perception, p. 77.111. Muitos exemplos deste tema podem ser encontrados em Leo Marx

The Machine in the Garden: Technology and the Pastoral Ideal i~America (Nova York: Oxford University Press, 1964).

112. Samuel D. Warren e Louis D. Brandeis, "The Right to Privacy"Haruard Law Review, vol. 4, p. 195 (dezembro de 1890). '

113. Lisa de Moraes, "The Latest Ad Campaign From Tinkletown" Wa-shington Post, 18 de julho de 2000. '

114. Cito em Allan Casey, "Make Your School anAd-free Zone",Adbusters28 (inverno de 2000), p. 67, e http://adbusters.org/ campaigns/commercialfree/tour/ 1.html.

115. Sobre o uso crescente de gente famosa pela publicidade durante oséculo XX, devo muito à pesquisa de Sue Collins.

116. Rosser Reeves, Reality in Advertising (Nova York: Knopf, 1961),passim.

Capítulo 2. Rapidez e sensibilidade

1. Robert V. Bellamy Jr. e James R. Walker, Television and the RemateContrai Grazing on a Vast Wasteland (Nova York: Guilford, 2000),pp. 38-44.

2. Estudo do Pew Research Center, 2000.3. Stephen Kern, The CultureofTimeandSpace, 1880-1918 (Cambridge,

Massachusetts: Harvard University Press, 1984), pp. 271-77.4. The Contra! Revolution: Technological and Economic Origins of the

lnformation Society (Cambridge, Massachusetts: Harvard UniversityPress, 1986), p. vii.

5. The Tempo of Modern Life (Boston: Albert and Charles Bani 1931)pp. 85,90. ' ,

6. Comunicação pessoal.

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