Geomorfologia Do Ne Setentrional

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    Revista de Geografia. Recife: UFPE DCG/NAPA, v. especial VIII SINAGEO, n. 1, Set. 2010

    GEOMORFOLOGIA DO NORDESTE:CONCEPES CLSSICAS E ATUAIS ACERCA DAS SUPERFCIES DE

    APLAINAMENTO NORDESTINAS

    Rbson Pinheiro Maia1Francisco Hilrio Rego Bezerra2

    Vanda Claudino-Sales3

    ResumoNa regio Nordeste do Brasil, o relevo documenta importantes episdios de evoluo morfotectnica epaleoclimtica. Organizado em torno de paleosuperfcies, a rea apresenta diversos compartimentosgeomorfolgicos derivados de importantes eventos tectnicos, como o Ciclo Brasiliano e a separaoAmrica do Sul/frica. Estes compartimentos encontram-se no contato com macios cristalinosalinhados segundo diferentes zonas de cisalhamento e lineamentos estruturais que orientam adrenagem e a dissecao, bem como bacias mesozicas afetadas por soerguimento, e compem ocomplexo sistema morfoestrutural nordestino, que comeou a ser interpretado a partir da dcada de1960 como composto por sucessivos nveis de paleosuperfcies escalonadas. Mas, o Nordeste exibe

    um vasto acervo de estruturas deformacionais cenozicas, sobretudo nas reas sedimentares, por vezesorientando a ao externa. O presente artigo discute os modelos de evoluo geomorfolgica doNordeste, analisando caractersticas e limitaes quanto adequao concepes associadas comtectonismo cenozico e geocronologia das unidades geolgicas.Palavras-chave: Relevo do Nordeste, Superfcies de Aplainamento, Evoluo morfoestrutural,paisagens nordestinas

    AbstractIn the northeastern Brazil, the relief documents important events of morphotectonic evolutionand paleoclimate. Organized around paleosurfaces, the northeast Brazil presents severalgeomorphological compartments derived from major tectonic events, such as the Brasiliano

    Cycle and the separation between South America and Africa, in Cretaceous time. Theseevents, printed in the relief on the contact with mountain-type morphology aligned accordingto different shear zones, lineaments and structural dissection, as well as drainage basins, wereaffected by Mesozoic uplift, which produced a complex system of morphostructures in thearea. These features started to be interpreted in the 1960 century as being formed bysuccessive levels of paleosurfaces. Actually, the area displays a vast collection of structuresand processes of Cenozoic age, including deformation, especially in sedimentary areas, whatsometimes guide the work of external agents. In this context, this article discusses the modelsof geomorphological evolution of the area, particularly concerning paleosurfaces, analyzingthe main characteristics and limitations in terms of its relation to Cenozoic tectonics andgeochronology of geological units.

    Key-words: Brazilian northeastern morphology, planation surfaces, morphostructuralevolution of landscape, Brazilian northeastern morphological landscape

    1 Doutorando em Geodinmica e Geofsica pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Email:[email protected] Professor do Departamento de Geologia e do Programa de Ps-graduao em Geodinmica e Geofsica daUniversidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail: [email protected] Professora do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Cear e do Programa de Doutorado em

    Geografia da Universidade Federal de Pernambuco. Pesquisadora nvel 1D do CNPq. E-mail: [email protected]

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    INTRODUO

    Interpretada classicamente como resultado de sucessivos ciclos de aplainamentos resultantes de

    processos epirognicos ps-cretceos, as paisagens da regio Nordeste do Brasil, na poro mais

    oriental de sua fachada atlntica, exibem uma vasta mostra de compartimentos morfoestruturais.

    Elaborado em resqucios morfoestruturais da orognese fini- proterozica denominada de Ciclo

    Brasiliano que originou o megacontinente Panotia, e que foi posteriormente reorganizado no

    Cretceo, durante a diviso do mega-continente Pangea, essas paisagens desenvolvem-se sobre zonas

    de cisalhamento que foram reativadas durante o Cretceo e o Cenozico, originando reas arqueadas

    que, uma vez submetidas a eroso diferencial, formam alinhamento de cristas com direes

    preferenciais NE-SW e E-W. Atualmente, estas reas soerguidas so responsveis pela formao de

    grandes domnios morfoestruturais, como o Macio da Borborema e seus remanecentes, que

    constituem em conjunto, o arqueamento mximo do escudo nordestino (Saadi, 1993).

    Em se tratando da evoluo geomorfolgica do Nordeste brasileiro, possvel destacar que

    ainda so poucos os trabalhos que tratam da origem e evoluo das paisagens sob a tica dos novos

    conhecimentos geomorfolgicos. Nesse contexto, o presente artigo abordar a geomorfologia do

    Nordeste Brasileiro a partir da anlise de seus modelos clssicos de evoluo de superfcies de

    aplainamento, suas principais limitaes e as relaes destas com os dados referentes

    morfotectnica, evidenciados de trabalhos acerca dos efeitos do tectonismo cenozico na evoluo do

    relevo.

    Localizao e caracterizao da rea de estudo: A rea estudada compreende a poro setentrional

    do Nordeste Brasileiro e est inserida no domnio oriental da provncia Borborema. Nesta rea, o

    relevo dispe-se segundo Peulvast e Claudino Sales (2003) na forma de um vasto anfiteatro de eroso

    voltado para o atlntico e marcado por uma depresso central; a depresso do Jaguaribe, com

    morfologia herdada de processos morfoestruturais (Figura 01).

    A poro setentrional do Nordeste brasileiro apresenta diversos compartimentos

    geomorfolgicos derivados de importantes eventos tectnicos, como o Ciclo Brasiliano e a reativao

    cretcea. Estes compartimentos, impressos no relevo na forma de macios residuais alinhados segundodiferentes zonas de cisalhamento, lineamentos estruturais orientando a drenagem e a dissecao e as

    bacias mesozicas afetadas por soerguimento, compem o complexo sistema geodinmico Nordestino.

    Organizado em torno do Planalto da Borborema, a configurao do relevo faz deste um

    importante dispersor da drenagem (Ab Sber, 1969), onde uma densa rede de drenagem responsvel

    pela intensa dissecao. Entre as reas elevadas formam-se zonas aplainadas onde os processos

    denudacionais suplantaram os agradacionais, formando vastas superfcies erosivas a chamada

    depresso sertaneja (AbSaber, 1969).

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    Figura 01. Relevo do Nordeste Setentrional Brasileiro.

    As relaes entre superfcies erosivas e blocos soerguidos foram extensamente analisadas em

    diversos trabalhos no incio da segunda metade do sculo XX. Em sntese, estes trabalhos propuseram

    uma organizao geomorfolgica em nveis escalonados de superfcies de aplainamento. Estes nveis

    seriam resultantes de sucessivos soerguimentos acompanhados por fases de eroso generalizada, em

    condies de climas secos ou de alternncias climticas. Esses temas sero abordados a seguir.

    METODOLOGIA

    Para a realizao desse trabalho, foi realizada profunda pesquisa bibliogrfica histrica, voltada

    para a anlise do relevo do Nordeste do Brasil, com especial enfse para as superfcies de

    aplainamento. Os trabalhos de pesquisa bibliogrfica foram acompanhados por trabalhos de campo em

    vrios estados do Nordeste do Brasil, particularmente nos estados do Cear, Rio Grande do Norte,

    Paraba e Pernambuco. O resultado desas etapas de pesquisas sero apresentadas nos itens seguintes,

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    na forma de discusso acerca dos conceitos clssicos e dos conceitos modernos relativos s paisagens

    geomorfolgicas nordestinas, especialmente os pediplanos.

    RESULTADOS E DISCUSSO

    Aspectos genticos do relevo do Nordeste: Concepes Clssicas

    A partir da anlise da rede hidrogrfica, de variaes climticas, de perfis de intemperismo

    situados em diferentes cotas, Dresch (1957) identificou 03 paleosuperfcies de apalinamento em

    distintas cotas. Demangeot (1960) identificou quatro paleosuperfcies atribuindo um evento erosivo

    sucedendo cada fase epirognica. Ab Sber (1969), baseado no estudo de perfis

    geolgicos/geomorfolgicos sugere a existncia de 05 paleosuperfcies para o Nordeste como

    resultado de uma complexa interao entre mudanas climticas e processos tectnicos, onde fases

    pedogenticas de clima mido alternaram-se com fases morfogenticas em clima seco com chuvas

    violentas e espordicas, onde vigoraram os processos de pediplanao. Nesse processo, ocorre a

    retrao lateral das escarpas das vertentes e por conseqncia, acmulo de material detrtico em sua

    base, formando rampas suaves em direo ao fundo dos vales, denominadas pedimentos. No caso de

    mantidas as mesmas condies climticas, ocorre a coalscncia dos pedimentos e a formao de

    amplas superfcies aplainadas denominadas pediplanos.

    A aplicao referida teoria possibilitou o desenvolvimento de uma Geomorfologia do

    Quaternrio, com cientistas de diferentes reas do conhecimento abordando a temtica, sem, no

    entanto, existir uma definio precisa do tratamento metodolgico.

    O modelo baseado na ocorrncia de epirogenias ps-cretceas, acompanhadas por fases de

    dissecao e pediplanao conduzidas por climas secos foram amplamente difundidos por Ab Sber e

    Bigarella (1961), Bigarella (1994, 2003), Andrade e Lins (1965), Mabessone e Castro (1975), entre

    outros. Estes autores reconheceram a existncia de vrias superfcies escalonadas (Figura 02),

    resultantes de fases de aplainamento decorrentes de processos erosivos, dados a partir do soerguimento

    de um ncleo continental. Dessa forma, as seqncias sedimentares do Mesozico e do Cenozico

    seriam o resultado de eroso decorrente do soerguimento e, conseqentemente, rebaixamento do nvel

    de base regional.As correlaes entre os depsitos continentais e costeiros foram analisadas por Flfaro e Suguio

    (1974). A interpretao e reconstruo da seqncia de eventos quaternrios por fatores climticos so

    abordados em trabalhos de Tricart (1959) e Ab Sber (1969). A evoluo da paisagem atravs da

    cronologia das formas topogrficas foram discutidas por Bigarella e Andrade (1965). Estes trabalhos

    atestam os efeitos de fases semi-ridas alternadas com fases midas. Nas fases secas, relacionadas aos

    perodos glaciais e nveis marinhos baixos, ocorreriam a formao de pedimentos. Tal constatao

    deriva da identificao de depsitos correlatos as fases de aplainamento situados atualmente

    submersos. Nestas fases, os processos de pediplanao ocorreriam associados retrao das floretas e

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    a exposio do solo formado na fase mida anterior. O regime de chuvas espordicas promoveria a

    eroso generalizada e associadas a esta os aplainamentos lateriais.

    Figura 02 Modelo de Pediplanao e Superfcies Escalonadas do Nordeste Brasileiro. Fonte: Maia eBezerra, 2009.

    Quanto atividade tectnica, de acordo com Saadi e Torquato (1994), a evoluo

    morfoestrutural do Nordeste do Brasil baseia-se na ocorrncia de importantes arqueamentos crustais.

    As divergncias esto entre os que propem uma intumescncia na escala do Ncleo Nordestino e

    aqueles que propem a ocorrncia de vrios pontos ou eixos de elevao crustal, espacialmente

    relacionados com as principais direes tectnicas regionais.

    Assim, a partir de um soerguimento de origem polignica, seriam desencadeados os processosde eroso linear seccionando os vales fluviais. Tal processo originaria vertentes que, submetidas

    aridez, recuariam lateralmente mantendo sua altimetria, interpretada como paleosuperfcie. O papel da

    tectnica seria evidenciado no sentido de promover as variaes dos nveis de base, induzindo

    dissecao (Figura 03).

    O modelo baseia-se na interpretao de morfoestruturas como produtos de perodos

    alternantes de soerguimento (acarretando dissecao) e estabilizao (resultando superfcies de

    aplainamento regionais). Nesse contexto, os terraos, as superfcies de aplainamento e os depsitos

    correlativos seriam fonte de dados essenciais para a anlise geomorfolgica. Contudo, como a maioria

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    Peulvast e Claudino Sales (2003) da seo ps-rifte da Bacia Potiguar RN e Bacia do AraripeCE,

    a primeira no passando da cota 180m e a segunda chegando a cota 900m.

    Tambm no incorpora dados de reativao ps rifte e portanto, nem seus efeitos na

    geomorfologia das plancies sendo que no Nordeste Brasileiro diversos pontos com ocorrncia de

    falhas afetando as coberturas cenozicas apresentam importante correlao com os padres de

    lineamentos e anomalias de drenagem.

    Concepes atuais acerca da Geomorfologia do Nordeste Brasileiro

    Com o advento e consolidao da Morfotectnica, uma Geomorfologia Estrutural passou a

    delinear-se e ganhar significado nos trabalhos de Saadi et al. (1993, 1998, 2005), Peulvast e Claudino

    Sales (2000, 2003, 2006) e, em ltima anlise, no universo da tectnica atual e a sua relao com o

    relevo (Bezerra et al, 2000, 2008).

    De acordo com Bezerra et al. (2008), os estudos a cerca de evoluo geomorfolgica do

    Nordeste, com exceo dos trabalhos de Peulvast e Claudino Sales (2000, 2003, 2006), tm se baseado

    no modelo de pediplanao, com a morfologia como resposta ao soerguimento uniforme e

    concomitante desenvolvimento de superfcies de eroso. Tal concepo no confirmada se os

    critrios de anlise, alm de topogrficos forem morfoestratigrficos e morfotectnicos. Evidencia-se

    cada vez mais, a partir de indicadores morfotectnicos, que a evoluo geomorfolgica do Nordeste

    Brasileiro realizou-se de maneira bem mais complexa do que propem o modelo de pediplanao, haja

    vista ser este modelo, bastante limitado em relao s recentes concepes referentes ao tectonismo

    intraplaca. Isto ocorre porque o modelo de Pediplanao no incorpora mecanismos de rifteamento,

    histria das bacias e reativao cenozica, limitao esta derivada da idia de estabilidade do territrio

    Brasileiro. Este tambm no incorpora dados de reativao ps-rifte, resumindo-se a um modelo de

    soerguimento e aplainamento que descreve a margem passiva equatorial leste da Amrica do Sul e

    oeste da frica como sucessivas superfcies escalonadas, desenvolvidas a partir de um soerguimento e

    posterior eroso.

    Peulvast e Claudino Sales (2003, 2005, 2006) questionaram o modelo de sucessivos

    soerguimentos ps-cretceos como os responsveis pelo desenvolvimento, at o Plio-Pleistoceno, desuperfcies de aplainamento sucessivamente embutidas e propuseram um modelo no qual o relevo da

    Provncia Borborema ocorre em torno de uma depresso central, a Depresso do Jaguaribe,

    correspondendo parcialmente zona de rifte Jurssico-cretceo Cariri-Potiguar, com morfologia

    caracterizada por segmentos de escarpa marginal, que equivale extremidade das ombreiras do rifte

    abortado.

    A partir de uma reinterpretao das superfcies de aplainamento previamente descritas

    (Superfcie pr-rifte, albiana, cenomaniana, pr-barreiras terciria, de acumulao barreiras, sertaneja e

    intermediria), combinada com a anlise de depsitos correlatos a estas superfcies, anlise de rede dedrenagem e interpretao do controle estrutural do relevo, Peulvast e Claudino Sales (2003) propem a

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    costeiros; modelagem de formas litorneas tpicas (praias, barreiras, dunas, esturios,

    lagoas, plancies litorneas) e Vales Fluviais.

    4. (Quaternrio)4.1 Variaes climticas e do nvel do mar com a ocorrncia de uma transgresso e

    regresso holocnica que modelaram as formas litorneas e os Vales Fluviais.

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    1. O modelo de evoluo da paisagem nordestina est baseado no fato que rampas de

    pedimentao estiveram submetidas a mudanas climticas no Quaternrio e a morfologia escalonada,

    como resposta a tectnica epirognica. Todos modelos so derivados de padres de evoluo do

    relevo com enfoque tectnico (Davis, 1899) ou climtico (King, 1960). Esses modelos clssicos no

    parecem condizer com a realidade observada no conjunto das paisagens geomorfolgicas nordestinas.

    2. A partir de diversos levantamentos, possvel destacar seguramente que as superfcies de

    aplainamento de dimenses continentais possuem origem polignica (Peulvast e Claudino-Sales,

    2000).

    3. Dada a caracterstica polignica das superfcies de aplainamento nordestinas, coloca-se que a

    justaposio de diversas teorias se mostra como uma boa alternativa para sua melhor compreenso,

    haja vista que todos os fatores dinmicos que atuam em sua modelagem (back-wearing e down-

    wearing: Peulvast e Claudino-Sales, 2000), so bastante variveis na escala temporo-espacial.

    REFERNCIAS

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