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Geologia Augusta. Selecção de textos O Terramoto # 1 Excertos retirados de: Nozes, J. & Sousa, M.L. (1990) – “O Terramoto de 1755 – Testemunhos britânicos. Colectânea de relatos do séc. XVIII, The British Society of Portugal. LISÓPTIMA Edições, 277 p. Prefácio O Terramoto de 1755 foi o assunto português de mais imediata e generalizada repercussão na Europa. As dimensões catastróficas do fenómeno provocaram as emoções habituais perante grandes calamidades, mas também uma movimentação a nível científico, religioso e filosófico de influência duradoura (...). Era possível ouvir e ler, poucos dias depois do acontecimento, descrições feitas pelos sobreviventes. Tudo isto e o facto da terra continuar a tremer durante alguns meses suscitou o interesse dos cientistas que procuraram estabelecer causas, relações e efeitos, no sentido de melhor compreenderem fenómenos de um domínio mal conhecido (...). A compressão do ar em cavernas subterrâneas, a influência da Lua ou do Sol e, sobretudo, a existência de um fogo central foram algumas das teorias debatidas para tentar explicar os terramotos. (...) Empenhado na reconstrução da cidade e da economia, Pombal encomendou sermões e panfletos que defendessem a teoria das causas naturais dos terramotos contra a visão obscurantista de alguns membros do clero. (...) A catástrofe deu o primeiro grande golpe no Optimismo que dominara o pensamento europeu durante a primeira metade do século XVIII. Problemas relacionados com a aceitação da existência de um Deus que permite tais perturbações no Universo e a verdadeira posição do Homem face a um mundo que não controla, foram tratados por pensadores como Kant, mas o grande impulsionador do movimento anti‐optimismo foi Voltaire (...) no romance que publicou em 1759, Cândido ou o Optimismo (...). Com ele se inverteu definitivamente a tendência do pensamento filosófico europeu. ‐‐‐//‐‐‐ ‐‐‐//‐‐‐

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GeologiaAugusta.Selecçãodetextos

OTerramoto#1

Excertosretiradosde:

Nozes, J.&Sousa,M.L. (1990)– “OTerramotode1755–Testemunhosbritânicos.Colectânea de relatos do séc. XVIII, The British Society of Portugal. LISÓPTIMAEdições,277p.

Prefácio

O Terramoto de 1755 foi o assunto português de mais imediata egeneralizada repercussão na Europa. As dimensões catastróficas do fenómenoprovocaramasemoçõeshabituaisperantegrandescalamidades,mastambémumamovimentaçãoanívelcientífico,religiosoefilosóficodeinfluênciaduradoura(...).

Era possível ouvir e ler, poucos dias depois do acontecimento, descriçõesfeitaspelossobreviventes.Tudoistoeofactodaterracontinuaratremerdurantealgunsmesessuscitouointeressedoscientistasqueprocuraramestabelecercausas,relaçõeseefeitos,nosentidodemelhorcompreenderemfenómenosdeumdomíniomalconhecido(...).Acompressãodoaremcavernassubterrâneas,a influênciadaLua ou do Sol e, sobretudo, a existência de um fogo central foram algumas dasteoriasdebatidasparatentarexplicarosterramotos.

(...) Empenhado na reconstrução da cidade e da economia, Pombalencomendousermõesepanfletosquedefendessema teoriadascausasnaturaisdosterramotoscontraavisãoobscurantistadealgunsmembrosdoclero.

(...)AcatástrofedeuoprimeirograndegolpenoOptimismoquedominaraopensamento europeu durante a primeira metade do século XVIII. Problemasrelacionados com a aceitação da existência de um Deus que permite taisperturbaçõesnoUniversoeaverdadeiraposiçãodoHomemfaceaummundoquenão controla, foram tratados por pensadores como Kant, mas o grandeimpulsionador do movimento anti‐optimismo foi Voltaire (...) no romance quepublicouem1759,CândidoouoOptimismo(...).Comeleseinverteudefinitivamenteatendênciadopensamentofilosóficoeuropeu.

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(...)acidadedeLisboa,situadanamargemnortedorioTejo(...)sobreterrenomuitoirregular (...). Um vale entre duas colinas densamente coberto de edifícios seria adescriçãogeraldolocal.

(...) várias têmsidoasopiniõesdaspessoasacercado tempodeduraçãodosdoisabalos violentos do terramoto e do intervalo que os separou, o qual eu emuitosoutrosavaliámosnumquartodehora.

(...) Eu vivia numa casa próxima do centro da cidade, numa pequena elevação nosopédacolinaparaoseu ladooriental.Acasa tinhaquatropisos, contantocomopiso térreo, dos quais os dois mais altos, serviam para a acomodação da nossafamília, estando os inferiores destinados ao negocio, estábulos, etc. (...) Estavasentado no primeiro dia do corrente mês [Setembro], por volta das 10 horas damanhã(faziaumtemposerenoeocéunãotinhaumanuvem),quandosentiacasaatremer com suavidade, aumentando gradualmente com um barulho precipitado,como o som de carruagens conduzidas com violência a alguma distancia (...) porcausadotremer,julgueiqueoquartocomeçasseaondular,oquemefezcorrerparaoutro interiormaisparaocentrodacasa;mas,nessaaltura,omovimentoera tãoviolentoqueeumemantinhaempécomdificuldade.Todaacasarachavaàminhavolta(...)asparedesdespedaçavam‐seportodososlados(...)eouviaterrorizadoaquedadascasaseosgritosechorosdaspessoasvindosdetodososlados.

(...)Finalmente, começando tudoa retomaraacalmia, (...) resolvimudarde roupa(...)quandosenticomeçarosegundoabalo(...),descidoislançosemeiodeescadas,maspareiderepenteaoouvircairtelhasegrandespedrasdocimodanossacasaedeoutraparaumpequenopátioporondeeudeveriapassar(...).

(...)fui,porsobremontesderuínas,paraagrandepraçaemfrenteaopalácioejuntoao rio (...).Nãomuito depois daminha chegada instaurou‐se o pânico geral entreumamultidão de pessoas que fugia da margem do rio, todas a gritar que o marestavaaavançarecertamenteiriasubmergiracidade.Estenovoalarmecrioutaishorroresnamente agitadadapopulaça que grandenúmerodeles correudenovopara a cidade arruinada, onde, tendo‐se seguido de imediato um novo abalo doterramoto,muitosficaramsepultadosnostroçosdascasasaruir(...)aáguadorioelevou‐serapidamenteamaisdevintepésdealturavoltandoabaixaraoseunívelnaturalemmenosdeumminuto.Eupertenciaaonúmerodosquepermaneceramondeestavam,masohorroreosustodamultidãoaumentaramtanto,devidoaestefenómeno assombroso (...). Creio que o avanço da água se deu por volta das 11horas.

(...) Ao sairmosda cidade, nos apercebemos, pelas nuvens de fumo, de que ela setinha incendiado(...)emseisousete locaisdiferentes(...)osdoisprimeiros foramemigrejaseconventosemvirtudedograndenúmerodevelasacesasnessedia[DiadeTodos‐os‐Santos]. Lavrandocomgrande fúria e ardendopor cincoou seisdiasseguidos,reduziramacinzastodaacapitaldePortugal(...).

(...) Aqueles que puderam observar os movimentos da Terra durante os abalosdizemqueasondulaçõeseramdelesteparaoeste(...)ocaisprincipaldacidade,queeranovoeconstruídoemmármorebrutodeummodosólido(...)afundou‐setodoemconjunto(...).Aterraabriu‐seembastanteslocaisdoreino,comoemAlcântara(...) em Sacavém (...) em São Martinho (...) em Azeitão (...) e em Setúbal (...) dealgumasdestasfendasbrotouágua,deoutrasveioumvaporsulfurosoedeoutrasproveioapenasvento.

OTerramoto#2

Excertosretiradosde:

Voltaire(1759)–“CândidoouoOptimismo”.EdiçãoLivrosdeBolsoEuropa­América,nº63,145p.

Prefácio

AcontradiçãoaparenteentreaexistênciadeumDeusinfinitamentebom,dequemlogicamenteeradeesperaracriaçãodeummundobomefelizeachocanteverificaçãoquotidianadomalfísico,comoseucortejodesofrimentosecatástrofes,éumadasquestõesparaaqualafilosofiaprocurouumaexplicaçãoracional.

Entre os filósofos que dela expressamente se ocuparam, LEIBNIZ (1646 –1716)desembocanumavisãooptimistaondeDeus,noactodecriaroUniverso,teráseleccionado omelhor dosmundos possíveis. SegundoWOLFF (1679 – 1754) (...)tudocaminhapelomelhordosmundospossíveis.

Contra este optimismo se insurge VOLTAIRE revelando a crua realidade dosfactos. No curto romance Cândido, o herói, educado segundo omodelo optimista,tropeçadedesgraçaemdesgraça,nodecursodeumaperegrinaçãopelomundoqueo faz passar por Lisboa, onde é surpreendido pelo terramoto de 1755. EstacatástrofeemocionoueindignouprofundamenteVoltairequesobreelaescreveuo“PoèmesurledésastredeLisbonne”edelafezumadaspeçascapitaisdoseudossierdeacusaçãoàProvidência.

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“(...)Océuescureceu,osventoscomeçaramasoprar(...)eobarcofoiassaltadopelamaishorrorosadastempestadesàvistadoportodeLisboa(...)asvelasrasgavam‐se, os mastros partiam‐se (...) o navio parte‐se ao meio e todos perecem, comexcepçãodePanglosseCândido(...)”osquaisatingemamargemagarradosaumatábua.

“(...)Quandorecobraramumpoucoasforças,dirigiram‐seapéparaLisboa(...).Malpuseram pé na cidade (...) sentem a terra a tremer‐lhes debaixo dos pés; o marergue‐seemcachãonoportoedesfazosnaviosqueestavamancorados;turbilhõesde chamas ede cinzas cobremas ruas e aspraçaspúblicas; as casasdesabam, ostelhadoscaemeosalicercesdispersam‐se.Trintamilhabitantes,detodosossexose

idades,ficamesmagadossobasruínas(...).AlgunsestilhaçosdepedratinhamferidoCândidoqueficouestendidonaruaecobertodedestroços.DiziaaPangloss:

‐ Ai!Ideversemearranjaisumpoucodevinhoedeazeite;estouamorrer.‐ Estetremordeterranãoécoisanova–respondeu‐lhePangloss.–Acidade

de Lima, na América, sofreu o mesmo estremecimento no ano passado. Ecomoasmesmascausastêmosmesmosefeitos,hácertamenteumacamadadeenxofredebaixodaterra,desdeLimaaLisboa.

‐ Nadamaisprovável–replicouCândido(...)‐ Provável ? – respondeuo filosofo. – Sustentoqueé coisademonstrada (...).

Poistudoistofoioquedemelhorpodiaacontecerporque,seháumvulcãoemLisboa, nãopodeexistirnoutro lado, visto ser impossível que as coisasnãoestejambemondeestão.Tudoestácerto.

(...)DepoisdotremordeterraquedestruiutrêsquartaspartesdeLisboa,osSábiosdoPaísnãoencontrarammeiomaiseficazdeimpediraruínatotaldacidadedoquedar ao povo um auto‐de‐fé. Fora decidido pela Universidade de Coimbra que oespectáculodealgumaspessoasqueimadasafogolento,emgrandecerimonial,eraummeioinfalíveldeimpediraterradetremer.

(...) Cândido foi acoitado em cadência, enquanto se cantava (...) e Pangloss,contrariamenteaouso, foi enforcado.Nomesmodia, a terra tremeudenovocomum ruído espantoso. Cândido, aterrado, interdito, desvairado, todo coberto desangue e a tremer, dizia para consigo: se isto é o melhor dos mundos possíveis,comoserãoosoutros?

OTerramoto#3

Rómulo de Carvalho. Comunicação apresentada à Classe de Ciências, nasessãode29deOutubrode1987.BibliotecaNacional.Consultadoemhttp://purl.pt/12157/1/estudos/terramoto.html a6Agosto2009

Em1deNovembrode1755,pelasnovehorasetrêsquartosdamanhã,começaramasentir os habitantes de Lisboa, com espanto e angústia, que o chão lhes tremia pordebaixo dos pés (1). O tremor fora antecedido de um ruído tumultuoso que vinha dointeriordaterraeque,porsisó,nãoseriaassustador,deacordocomadescriçãodeumcontemporâneoqueo comparou ao «demuitos coches correndo». E acrescenta: «demodoqueosqueestávamosnaIgrejadaSenhoradasNecessidades,ondeosSoberanoscostumãoiraossabbados,julgámosquechegavaSuaMagestade»(2).

Embreves instantes o tremor, que se iniciara por uma sacudidela lenta, cresceu comgrande intensidade.Asparedesdosedifícios começaramadarde si, aestalar,aabrirfendas e em breve se desmoronaram abatendo‐se sobre as pessoas quealucinadamente fugiam de suas casas, correndo pelas ruas. Era um sábado, e diasantificado, dia de Todos‐os‐Santos. Por ser dia de especial devoção, e por ser demanhã,estavamasigrejasatransbordardefiéisqueassistiamàsmissas,oquefoicausadegrandemortandade.Aspedrasdasabóbadasdostemplos,ascolunasdosaltares,asparedes em redor, abateram‐se abruptamente sobre as pessoas desvairadas eindefesas,erguendonuvensdepoeiraquesufocavamospoucosqueaindaconseguiamfugiratempo.

Oabalodurou cercade seteminutos (3) e transformou,em tão curto tempopara tãodesoladoramudança,umacidadecheiadeanimaçãoedemovimento,nummontãoderuínas. Quantas pessoas teriam perecido?Muitosmilharesmas não se sabe ao certoquantos(4).

Aoprimeiroabalo,odasnovee trêsquartos, sucederam‐semaisdoisnomesmodia,igualmenteviolentos,umàsonzehorasdamanhãeoutroàstrêsdatarde,provocandonovos desmoronamentos, e novas angústias (5), após o que abrandou a convulsão daterraemboraospequenostremoresfossemprosseguindonosdiasenosmesesquelhessucederam(6).

A multidão desvairada entendeu que estaria mais segura correndo para locaisdescobertos,semcasasnemarruamentos,paraocamposepossível,etambémparaamargemdorio,paraalarguezadoterreirodopaçorealouparaaRibeira.Tudoinútil.Aínãoeramaspedrasdascasasqueesmagavamosfugitivosmasasondasembravecidas

doTejoqueavançavamsobreacidadeedepoisrecuavamlevandotudoatrásdesi.«[...]meia hora ou pouco mais de cada num dos tremores succedeo a intumescência domar».«EmpartesfugiomuitooTejo,eomardescobriopraias,quenuncavirãooSol.Emoutraspartesentrarãoasagoasmuitodentrodaterra»(7).«Omovimentodasagoas,foihumdoseffeitosestupendosdoTerremoto».«MaisdeoitodiasdepoisdoprimeirodeNovembronãotiverãoasmarésoseucursoregular»(8).

Atamanhadesgraçacolectivaaindaseacrescentouadosincêndios.Asvelasacesasnosaltaresdasigrejasenosoratóriosparticulares,asbrasasdosfogareirosdascozinhasnahabitaçãodecadaum, facilmentepegaramfogoapanos,a roupas,apapéis sobreosquaistombavam.Logoaoprimeiroabaloseseguiuimediatamente«taõvorazincêndioqueacabouporarruinaramelhorpartedaCidade,oqualprincipiounamesmahora»‐dizumadastestemunhasdoacontecimento(9).Acidadeardeu«durantequatrodias»‐informaoutrocomentador(10).

Amovimentaçãodo solo no decurso damemorável tragédia daquele primeiro dia deNovembro, deu‐se segundo diferentes direcções, o que teria sidomotivo para que oterramoto fosse mais devastador. Além de se agitar verticalmente também a terra«davahunsbalançoscomqueamododeembarcação»,denascenteparapoenteedenorte para sul (11). São concordantes os diversos testemunhos, embora alguns dêemmaisprivilégioàdirecçãonorte‐sul.«Adirecçãodosseusmovimentos»‐dizumdessestestemunhos ‐«suppõemtodosdeNorteaSul.Nãohádúvida,queosmayores,edemais largaduração forãonestadirecção; eosqueeupudeobservar foraõdamesmasorte; mas pessoas veridicas, e de caracter destincto, me affirmáraõ, que houvemudançanestesmovimentos,queaterratambémtremeradoOrienteparaoPoente»(12). TeodorodeAlmeida, observador atento, é dessa opinião: «Omovimento foi combalançodifferenteemdiversossitiosdeLisboa,edeseuscontornos.Emmuitaspartesfoi obalançodeNortea Sul, en'outrosdePoenteaNascente».Omestreoratorianoapresenta exemplos concretos, que apreciou cuidadosamente, de pormenores deedifíciosqueruíramounão,ouquesofreramdeslocamentos,eatéocasoderotaçãosobresimesmasdecertasestátuasqueornamentavamojardimdacasadecampodomarquêsdePontedeLima,emMafra(13).

Não foi apenasnacidadedeLisboae seusarredoresqueo terramotode1755 se fezsentir.Elefoi,segundoopiniãoabalizada,«omaisextensoqueascienciaassignala»(14).Ochamado,indevidamente,«terramotodeLisboa»,sentiu‐se,podedizer‐se,emtodooPortugalContinental,naEspanha,noNortedeÁfrica,nascostasdoMediterrâneo,naEuropaCentral,naInglaterra,naIrlanda,naSuécia,naNoruega,eatédooutroladodoAtlântico. Os efeitosmais desastrosos deram‐se porém no continente português, emEspanhaeemMarrocos(15).

Interessaram‐se os estudiosos da época por determinar o local de ondepresumivelmenteteriapartidooabalodeterra,noquesópoderiamfazerconjecturasmais ou menos perspicazes. Moreira de Mendonça, a quem a grandeza do desastreanimouaestudarassuascausaseosseusefeitoseaescreverumaHistóriaUniversal

dosTerremotosquetemhavidonoMundo,dequehánotíciadesdeasuacriaçãoatéaoséculo presente, editado em Lisboa, em 1758, diz, nessa obra, com consciência dasdificuldades do tema, que «Assignar o lugar certo do principio deste Terremoto hecousa impossível». As conjecturas que o assunto lhe suscitou, devidamentefundamentadas, levaram‐no a uma primeira conclusão, a de ser «bastantementeprovável»queosismo«teveseusprincípiosnasCostasdeÁfrica»[...].Aafirmaçãonãolhepareceucontudomuitoseguraporque,maisadiante,acrescenta,«outrosprincipiesmefazemconjecturar,queaprimeiraexplosãofoinoterrenodoOcceanoimmediatoaLisboa» (16). Teodoro de Almeida suspeita apenas que o centro do abalo tivesse sido«quasidebaixodeLisboa»(17).

Emborafaltassemaambososcitadosobservadoreselementosdeinformaçãoquelhesassegurassemdevidamenteoquesupunham,ahipótesedequeoepicentrodoabalonão estaria situado exactamente em Lisboa, como parecia, veio a coincidir com ahipóteseapresentadaséculoemeiomaistardepelogeólogoalemãoWöhrle,em1900,que entendeu ter sido a zona epicentral no Oceano Atlântico, a sudoeste de Lisboa,hipótesecorroboradapelogeólogosuíço,Choffat,queviveuamaiorpartedasuavidaemPortugal(18).

Poucosdiasapósoterramotode1deNovembrode1755decidiuoministrodeD.José,Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro marquês de Pombal, enviar a todos ospárocosdoreinoumquestionáriodetrezeperguntasrelativasaosismopedindo,combrevidade, as respectivas respostas por escrito. Pretendia‐se saber o que se tinhapassado em cada paróquia do país naquele dia fatídico, condição necessária para seavaliaraextensãoeosefeitosdocataclismo.Perguntava‐seaquehorassetinhadadooabalo, que tempo durara, em que direcção se manifestara, quantas casas se tinhamarruinado, quantas pessoas tinhammorrido, que se notara nomar, nas fontes e nosrios,seaterrasetinhafendido,queprovidênciastinhamsidodadas,querepetiçõesdeabalosseteriamverificado,etc.,etc.,uminquéritocompletoquepoderiaviratornar‐se, nas mãos dos estudiosos, um elemento do mais alto valor. Do imenso acervodocumental que teria sido o conjunto das respostas recolhidas, vindas de todas asparóquiasdopaís,poucochegouaténós,eessepoucosó foiestudado,pelaprimeiravez,jánonossoséculo,pelogeólogoFranciscoLuísPereiradeSousaqueapresentouasconclusõesaquechegara,numtrabalhopublicadoem1914, intitulado Ideiageraldoseffeitosdomegasismode1755emPortugal(19).

Pereira de Sousa obteve uma ideia global dos efeitos domegasismo de 1755 não sórecolhendoeanalisandoosdadosdisponíveis referentesaPortugalContinental comotambémaEspanhaeaMarrocos,lugaresondeoterramotoapresentoumaiorviolência,chegando à fixaçãomais provável da zona epicentral que considerou ter sido «poucomaisoumenosnomeiodadistânciaentreocabodeS.Vicente[noAlgarve],eRabat[nonorte deÁfrica]». Para Pereira de Sousa «o terremoto de 1755 foi ainda o despertard'esses movimentos verticaes que originaram o afundimento lusitano‐hispano‐‐marroquinoe,talvez,osúltimosarrancosd'umapartedaAtlantida,jáentãosepultada

nasentranhasdomar».Oautorconsideraesteafundimento«comoestendendo‐seaoS.atéoarchipelagodasCanáriaseaO.atéoarchipelagodaMadeira».Ashipótesesdeoepicentrodomegasismode1755 se ter situadoa sudoesteouaoestede Lisboa, epróximodela,comosesupusera,ficaramassimpostasdeparte(20).

O terramoto de 1755 deu origem a grande número de escritos que imediatamentevieram a público e em que os seus autores procuraram interpretar as causas doacontecimento. É interessante notar‐se que tendo a cidade de Lisboa ficadopraticamente destruída, logo as tipografias surgiram do caos para se entregarem àcomposiçãoeàimpressãodostextosquelheseramapresentadosparaoefeito.Nãoéumasómasdiversasoficinas tipográficas lisboetasquerecomeçamde imediatooseulabor tão tragicamente interrompido, o que se explica pelo hábil aproveitamento deuma oportunidade excepcional de comerciar colocando nas mãos do público,fortemente sensibilizado, notícias do terramoto. Poderíamos citar cerca de quatrodezenasde trabalhosescritossobreosismo,publicadosem1756.O interessepúblicoportaistrabalhosprolongou‐seatéaofimdadécadadosanossessenta.

Algunsdosautoresdosreferidosescritoseramhomensdementalidadecientíficaque,embora limitados nas suas apreciações por conceitos falsos de que não conseguiamlibertar‐se,eramcontudo capazesde raciocinarem lucidamente comosdadosdequedispunham. Poremos em evidência o caso do médico José Alvares da Silva que, aoapresentar a sua opinião sobre as causas do terramoto de 1 de Novembro, invoca onomedeFranciscoBacon,ediz:«E seguindoomethododonovoorgaõdas scienciasnaturaesqueinventouomesmoBacon,nãomevalereidealgumahypotheseprecária,sustentando o discurso nos constantes experimentos que me occorrem» (21). É umaatitude«moderna»quemereceaplauso.RibeiroSanches,quetambémlogoem1756seapresentacomumescritosobreomesmoassunto,tomaanálogaposiçãometodológica:«Naõ se pretende demonstrar evidentemente a causa dos terremotos; tudo o quedissermosdeleseráporanalogia»(22).TeodorodeAlmeida,comasuahabitualcautela,escreve,comomesmopropósito:«NaõhacoisamaisprópriadosFilósofosdoquepeloseffeitosindagarascausas,quesegundoasLeisdanaturezaospodemproduzir»(23).

Estamosperanteumconjuntodepersonalidades,ascitadaseoutras,quesedispõemaencarar o problema com a máxima seriedade, na posição de homens de ciência,escrupulosos, que não misturam aquilo que lhes parece possível com o que lhespareceria fantástico, embora se pudessem enumerar, a par destes, muitos outrosautoresdeescritossobreomesmotemaparaquemestaspalavrasnãosejustificariam.

«Entre os Phenomenos, que a Natureza offerece á contemplação da Physica, omaisdificildeseexplicarheoTerremoto»(24).Mas,quesedeveentenderpor«terremoto»?«OTerremotohehumapulsação,tremor,inclinação,ousubversãodaterraemalgumapartedoGloboTerraqueo»(25).Equalseráacausadessefenómeno?

Nestes meados do século XVIII a visão que qualquer homem culto possuía dacomposiçãodoUniversonasuaglobalidadebaseava‐senavelhaconcepçãodosquatro

elementos de Empédocles, a terra, a água, o ar e o fogo, com que se esgotam asaparênciasfísicasquesenosdeparam,osólido,olíquidoeogasoso,e,aparte,ofogoqueédistintode tudoomais,nemsólido,nem líquido,nemgasoso,matériaardentegeradorade luzecalor.Tudoquantoexisteéconstituídoporessesquatroelementos,ou só por si, ou reunidos em proporções diversas, formandomistos. BentoMorgantiassim se exprime em Carta de hum amigo para outro [...]: «O globo que habitamossendovizívelmenteformadodeterra,edeagoanãodeixacomtudodenutriremsuasentranhashum fogoeffectivo,material,eardente,queoetherexcitapor suavirtudeactiva,emovel,ecomooarse introduzemtudo,enaõpodendoaomesmotempoofogo subsistir sem este elemento, disto resulta, que estes quatro elementos, ouprincípiosseachaõmisturadoshunscomosoutros,desortequetodos juntosformãoeste globo, e tudo quanto nelle se produz participa destas quatro substancias» (26).Repare‐seemqueMorganti,alémdesereferiraos«quatroelementos»tambémaludea um «éter» que é o excitante desses elementos. Encontramos num outro autor, adefiniçãodeste«éter»,semoqualoselementosseriaminertes:«OEther,fluidoomaissutil, e movel que tem a natureza, he aquelle corpo, em que o Supremo Author doUniverso infundiu humperpetuomoto. Comeste agita o fogo, temummovimento aagoa, não deixa aquietar o ar, e corre por todos os mixtos da terra» (27). É oindispensávelconceitodeenergiaparacompletaroquadrodaNatureza.

A origem dos terramotos tem de ser adaptada a esta visão. Como intervêm oselementosparaqueofenómenoseprocesse,equais,senãoforemtodos?

A interpretação exposta pelos pensadores do século XVIII, em pouco difere,substancialmente, da que fora dada, há muitos séculos atrás, pelos filósofos daAntiguidade Clássica. Eles próprios, os observadores setecentistas, citavam nos seusescritososnomedosantigosfilósofoscomquemestavamdeacordoouemdesacordo,comParménides que atribuía a causa dos terramotos à terra, comAnaxágoras que aatribuíaaofogo,comArqueláuqueaatribuíaaoar,etc.,eaplaudiam‐nosoucriticavam‐nos conforme a sua visão pessoal. A consideração pelas opiniões dos Antigos pesavafortementenassuasmentalidadeseassuas interpretaçõesdascausasdosterramotosquase se resumiam a decidirem qual dos Antigos é que tinha razão.De semelhanteatitudenemsequerselibertavamosespíritosmais«modernos»deentão,comoRibeiroSanches. Para este ilustre médico setecentista quem dissera a verdade sobre osterramotos fora Plínio. Sanches o diz: «Pareceome supérfluo copear aqui a bella ejudiciosadescripçaõquePlíniofasdosterremotos».EenviaoleitorparaoLivroII,cap.79e80daHistoriaNaturaldaquelagrandefiguradaAntiguidadeClássica(28).

A teoriageneralizadada causados terramotosassentavanoprincípiodequeexistemenormes e profundas cavernas no interior do planeta onde se acumulam materiaisdiversos. Umas contêm «mistos» como sejam o enxofre, o salitre, os betumes, osmetais, onde o «elemento» terra se encontra reunido a outros elementos, emproporções diferenciadas cuja diferença justifica as qualidades que distinguem essesmistosentresi.Oenxofre,porexemplo,éummistodeterra,dearedefogoemcertas

proporções.Outrascavernas(oureceptáculos)contêmar.Sãoos«aerofilácios».Outrascontêm água e outras fogo. São os «hidrofilácios» e os «pirofilácios» (29). Doshidrofilácios conhecem‐se dois géneros: «huns, que na profundidade dos montesperpetuaõasfontes,eosrios,comonosAlpesohydrofilaciodondenasceorioPó,[...]outros, quenomais profundoda terra se conservaõperpetuamente cheyos de agoa,porcujacausasechamamabysmosnaSagradaEscritura,quandodiz,queseabrirãoasfontesdoabysmo,paraque juntando‐secomaschuvasdoCeo inundassemomundotodo,[...]»(30).

Édestateoriadascavernas,dosgrandes«filácios»nointeriordoplaneta,quevaisurgirainterpretaçãodosfenómenossísmicos.ParaopadreTeodorodeAlmeidanãorestaamínimadúvidadequetudoprovémdascavernasondeseacumulaoelementoterranassuasdiversasvariedades.«Deixadasasopiniõesdemuitosantigos,quenãomerecemsernemseguidas,nemimpugnadas, tenhoporcertoqueosTerremotosprocedemdefermentaçãodosmineraes,particularmenteenxofre».Omestreoratorianotinhaaseufavor, e nela se apoiava, uma célebre experiência efectuada pelo químico francêsNicolas Lemery (1645‐1715), correntemente citada por todos os autores queescreveramsobreoassunto,experiênciaquesurpreendeuomundocientíficodaépocaem que foi realizada e ficou conhecida na História por «experiência do vulcão deLemery». Lemery preparou um aglomerado de limalha de ferro muito dividida, e deenxofre,amassouoconjuntocomumpoucodeáguaeintroduziu‐onosolo,emterra,aum palmo de profundidade. Passadas algumas horas a terra que cobria a misturacomeçouaestremecer,anotarem‐senelapequenasfendasdeondeemanavamfumosacabando por ser atirada ao ar energicamente, abrindo‐se uma boca de onde saíamchamas.Não seriapossível termelhor imagemdodesenvolvimentodeum tremordeterraedaformaçãodeumvulcão.

Osefeitosdapólvorainflamada,misturadesalitre,enxofreecarvão,conhecidadesdehámuitosséculos,eratambémprovaconvincentedequea«fermentação»dosmistosnas cavernas subterrâneas era causa de terramotos. «Humamina de pólvora na suaexplosão forma hum tremor de terra», diz Joaquim Moreira de Mendonça na suaHistória Universal dos Terremotos, recordando dois acontecimentos assinaláveis. UmdelesfoioquesepassounapraçafortedeAzof,entãoempoderdosTurcos,cercadapeloexércitorusso,ondeestevepresente,nasuaqualidadedemédico,RibeiroSanchesquerelataoqueentãosepassou.Umabombacaídanoarmazémdapólvoradofortesitiado, onde se guardavam quinhentos barris daquele explosivo, pegou‐lhes fogoprovocando um estrondo pavoroso e um violentíssimo abalo que desmoronou quasetodasascasasdasproximidadesatégrandedistância.OoutroacontecimentocitadoporMendonça foi o que sucedeu em Lisboa no dia 13 de Fevereiro de 1745, em quetambémseincendiaramalgunsbarrisdepólvoraarrumadosnumacasademadeira,naRibeira.Oestrondoeotremorcausadossentiram‐sequaseemtodaacidadeeficaramarruinadosmuitosedifíciospróximosdolocaldaexplosão(31).

ComsemelhantesexemplostinhaTeodorodeAlmeidarazãoparaestarconvencidode

queostremoresdeterraprovinhamdascavernassubterrâneasondefermentavamosmistos acumulados. «No célebre terremoto de 55» ‐ escreve o mestre oratoriano ‐«rebentouemvariaspartesaTerra, lançandogrande copiadehumamatérianegraebetuminosa,quemostravatergrandeporçãodeenxofre,tantonachammaquelançavade si, accendendo‐a, como no cheiro: eu tive hum pedaço nas minhas mãos, e mecertifiqueidisso»(32).

AorigemdosterramotosnãodeixadúvidasparaTeodorodeAlmeidaquepodeassimresumiroprocessodeformaçãodeumabalodeterra:«Todaavezquealgumacausaaccidental fezajuntarosmineraes inimigos,hãodefermentar;assimcomov.g. [vereigratia = por exemplo] fermentão a cal com a agua fria: e fermentando‐se amatériacapaz disso nas cavernas da Terra, varias cousas necessariamente devem acontecer.Primeira:seacapacidadedascavernasnãopuderconteramatéria,quesedilatou,devetremer,emquantonãodesaffogaporalgumaparte,ouseapagaamatéria.Segunda:humavezaccezaamatérian'umacaverna,pegará fogopelas cavernasvizinhas,ondequerqueacharmatériacapazdese inflammar,oudilatar;epara issobastaqualquerfendaou rachae temos jáquesedevecommunicaro terremotoamuitas léguas,emhummesmo tempo sensivel; como succede na inflamação da pólvora, que por bemténues rastilhos arde ao mesmo tempo sensivel em lugares mui distantes. Terceira:segue‐sequenãosóhadetremerolugarsuperioráscavernasqueardem,mastodososcircumvizinhosemredondo»(33).

Enquantoparaalguns investigadoreséaoelementoterraquesedeveatribuiracausados terramotos, para outros dever‐se‐á atribuir ao ar contido nos aerofilácios aresponsabilidadedessas terríveis convulsões.DuarteRebelodeSaldanhaapresentaassuasrazõesafavordaintervençãodoarnaeclosãodossismos,nasuaobraIllustraçaõMedica:«sendooarumcorpofluido,queconstadepartículasmuitoténues,ramozasnafigura,ouamododeflexíveisspiras,elásticas,ecompequenonexoentresi,sevêaintimasimilhansa,ouanalogia(pornãodizeridentidade)quetemcomonitro:[nitratodepotássio]ejáhouvequemdissequenãoeraonitrooutracoisamaisdoqueumarcondensado, assim como o ar um nitro rarefeito. Sendo o ar dotado deste caracter,precizamente ha de soffrer uma insigne compressão: ninguém hoje lha duvida; e oincomparávelBoyleamostracominnumeraveisexperimentos»[...].Assim,«seelle [oar] comprimidonas cavidadesda terra chegaradilatar‐seporalgumprincipio,nestestermos concutindo os penhascos, e corpos obsistentes, os commoverá de sorte, quesuccedaõ todosos impulsos competentes a formarum tremorna terra. Succedeestefenómenocommuitomaior forsa,» [...]«quandosedilataporcauzadocalor,porquelheaumentaasuaelasticidadeparaosimpulsos,explozões,ecommoções;»[...](34).

Entreosdiferentesautoresquepuseramemdestaquea intervençãodoarnaeclosãodos terramotos, dando‐lhe importância de relevo ou atémesmo atribuindo‐lhe papelexclusivonoacontecimento,nãoqueremosdeixardeapontarRibeiroSanchesquetãogranderenomeobteveinternacionalmentecomomédiconoseuséculo.ExpressamenteescreveSanches:«Hecertoqueno interiorda terraexisteArnascavernasdequehe

composta, e que ficará taõ comprimido como for a profundidade do lugar em queestiver». Sanches apoia‐se em experiências efectuadas pelo físico francês Amontons(1663‐1705)queconcluiuseradensidadedoarnointeriordaTerra,àprofundidadededezoito léguas, do mesmo valor da densidade do mercúrio: «Do referido se vê» —continuaSanches—«quebastaparacausarterremotosqueoArnointeriordaterraserarefique»(35).

Tanto Sanches como Rebelo de Saldanha atrás citado, e outros diversos autores quepoderíamosacrescentar,consideramoarcomobastandoporsi só,paradarorigematerramotos,mas acreditamque o processo se desencadeia commais eficiência se aoelemento ar se juntar o elemento fogo. Este último será, realmente, dos quatroelementosquecompõemoUniverso,aqueleaquemcaberáopapeldeagentedemaiorrelevo em todo o processo. A terra e o ar, embora só por si fossem suficientes paraprovocarem os abalos (aquela, devido às «fermentações» a que está sujeita; este,devido à sua elasticidade) só actuam vigorosamente se o fogo os activar. O outroelementoqueresta,aágua,podeconcorrereficazmenteparaoabaloterrenomasnãodispensaoestímulodo fogo.Aágua,oelementomaisesquecidonaexposiçãodestasteorias, foi lembrado, por exemplo, por Francisco Corte‐Real, na Nova InstrucçamFilosófica,nosseguintestermos:«Porvirtudedofogosubterrâneomuitasvezesadquirea agoa huma tal effervecencia que naõ cab~edo nas estreitas clausuras da terra comtodaaforçasolicitadepoisderarefeitaoccuparextençaõmaisdilatada:masheassim,que naõ pôde muitas vezes conseguir aquella dilatação que intenta sem demoverconvulsões,etremoresdeterra,atéqueestalhefaciliteasahida»(36).

Analisando as opiniões dos diversos autores setecentistas sobre a génese dosterramotos,recolhe‐seaimpressãodequetodoselesdizemamesmacoisaembora,naaparência,semostrememdiscordânciaentresi,desfavorecendocertospormenoreseenaltecendo outros. Na verdade reconhece‐se que é o fogo que em todas as teoriasexpostasseapresentacomooelementoindispensávelàeclosãodoabalodeterra,ouactuandodirectamenteouinflamandoasterrascombustíveisouvaporizandoaáguaoudilatando o ar. Acreditava‐se na existência de um fogo, contido nas tais cavernasdenominadas pirofilácios, que poderia comunicar, através de uma rede de canaissubterrâneos, com as cavernas onde se continham os outros elementos, e nelasprovocar os seus efeitos. Mas, que poderia ser esse fogo? Não seria ele o próprioInferno de que fala a Sagrada Escritura? Veríssimo deMendonça, irmão do autor daHistória Universal dos Terremotos, não tem hesitações a esse respeito: «He semduvida,»‐escreve‐«quenocentrodaterraháofogodoInferno,quetantasvezesnoslembraaEscripturaSagrada.Eaindaqueestefogosejadestinadoparaotormentodasalmas dos condemnados, e eterna satisfação das Divinas offensas, sempre heverdadeiro fogo, e da mesma natureza, que o elementar; bem que pela matériasulphurea,ebetuminozasejamaisdenso,eabrazador»(37).

Noutraperspectiva,ojácitadoDuarteRebelodeSaldanha,médicodeprofissão,sentiubem a dificuldade de estabelecer um conceito satisfatório de fogo: «Conceptuar o

intrínseco,eessencialconstitutivodofogo»—escreveaqueleautor—,«sendotaõclaroá vista, he bem escuro para o entendimento». Prefere, de tudo quanto tem lido ououvido a esse respeito, o sistema defendido por Pierre Gassendi (1592‐1652) queconsiderao fogoconstituídopela«uniãodemuitosátomos redondos, subtilíssimos,emovidospor seupróprio ímpeto comexacta celeridade». «Estes átomos libertados, ejuntosemgrandenumeroconstituemaspartes,eotodo,queheigneo,edeveconstardas sulfúreas em mais quantidade, e de partes nitrozas em menos;» [...]. «Estaspartículas sulfureo‐nitrozas unidas, e postas em acto saõ o que vulgarmente chamaõElementodofogo»[...](38).«Estefogoquesenutrenasentranhasdaterraheumfogoeffectivo, e não imaginário;» [...] (39). É este elemento—escreve outro comentador—«quecommunicandoseporoccultosconductosealgumascavernascheyasdeenxofre,salitre, carvaõ, salarmoniaco, &c. as inflamma de tal sorte, que accendendo‐sepromptamentehumfogo impetuoso,converteestequasi instantaneamenteemventoaquellasmatériassalnitrosas;»[...].«Impélle,ecommóvecomfúriaosfundamentosdosmontes;eabrindobrechapelaparte,quemenoslheresiste,rompecomtudooqueselhe oppôem, até alcançar sua liberdade natural, de que se origina o tremor, eestremecimentodaterra,queemsemelhantescasoscomtantohorrorsepercebe»(40).

Osdiversosautoresatéaquimencionados,quetornarampúblicaassuasopiniõessobreaorigemdosterramotos,eramobservadoresestudiosos,maisoumenoscredenciados,masnãofalavamdecátedra.Nasescolas,porém,asteoriasqueseexpunhamsobreoassuntoemcausa,viamaquestãodemodoanálogo.Osmestreseram,desdehámuito,os padres da Companhia de Jesus, e os textos dos manuais que serviam de estudorespeitavamatradiçãoescolásticasegundoaqualseatribuíaacausadosterramotosao«hálito ou espirito igneo, que nas entranhas da terra clausurado, com toda a força,conato, e impulso, pretende desprender‐se do claustro em que se acha recluzo,intentando espaçomais amplo, e dilatado; e encontrando a resistência do obstáculo,que lhe fazem os lados, ou superfície do corpo terrestre, no repetido acesso, eretrocessoquefaz,dimoveaterracomtantoímpeto,quantosetemexperimentadonahonrosaimpressãodesteprotentosometheoro»(41).«SoaresLusitano,eoeruditíssimoP.[Padre]Cordeiro»—ambosmestresjesuítas—«temporindubitável,quenocentrodaterrahamultiplicidadedereceptaculos,quesechamaõPyrofilacios,porquenellesseconservaofogocommunicado,ediffundidoportodasaspartesdoGloboterráqueo;»[...]. A favor da sua teoria apresentavam os jesuítas «vários experimentosartificiosamente complicados por engenho, e industria dos Romanos; principalmentedaquellasalampadas,queseconservarãoperpetuamenteaccezasdentrodosmármoresdos sepulchros, em que se depositavaõ os seus antepassados». Assim, concluemaquelesmestres,se«por industria,eartehumanasepôdeconservardebaixodaterraperpetuamenteaceezaa luzdofogo: logotambémomesmofogo,seconservarácommaisrazãoperpetuadonocentrodaterraporbeneficio,e industriadanatureza»[...].«O alimento perpetuo deste elemento he o grande cumulo de partículas de betume,enxofre,edenitro,quenasoccultasrecameras,dequesecompõemoGloboterrestrelheestácontinuamentesubministrandoamesmanaturezaporpabulo:»[...](42).

QuandoasexalaçõesdessascombustõessubterrâneasatingemasuperfíciedaTerraedelaseescapamatravésdefendasqueencontrem,sobemnaatmosfera,ascendematégrandealturaevão‐seincorporarnasnuvenscarregando‐asdepartículasbetuminosas,sulfúreasenitrosas.Asnuvenspassamacomportar‐secomoascavernasdointeriordaTerra dando então origem aos relâmpagos, aos trovões e aos raios. Ribeiro SanchesamplialargamenteestavisãoenãotemdúvidasatalrespeitoquandoafirmanassuasConsideraçoinssobreosTerremotos:«AsmesmascausasdosterremotosedosVolcanossaõ as mesmas das auroras boreais, das estrelas cadentes, dos globos de fogo, dosrelâmpagos,dostrovoins,edosrayos.Todosestesmeteorosprovemdoenxofre,edasmatérias oleosas que se exhalaô das plantas aromáticas, dos animais viventes, oumortos, dos bitumes, das fontes sulfúreas, que chamamos caldas, dos volcanos,nevoeyros,dadeflagraçãode tantosmetais,eminerais; todasestasexhalaçoinsvemapararnaatmosfera;ecomonellaexistaô infinidadedevapores,dequeseformãoasnuvens,nestasficaôencerradasasexhalaçoinssulfúreas,comonascavernasnointeriordaterra:»[...](43).

No terramoto de 1 de Novembro de 1755 as águas do Tejo invadiram com grandeímpetotodaazonacosteiradacidade.Omovimentodaságuaseostremoresnãoforamsimultâneos:primeirotremeuaterra;depoissubiramaságuas.Ofenómenorepetiu‐seanalogamenteemcadaumdostrêsgrandesabalosquesesentiramnaqueleterríveldia.

TeodorodeAlmeida,nodiálogoquemantémcomosseusinterlocutoresnaRecreaçãoFilosófica, explica aquele movimento das águas com seus habituais cuidados,apresentandoaexplicaçãocomo«puraconjectura».Umavezdesencadeadaa«grandeinflammação nas cavernas subterrâneas, ou grande fermentação dos mineraes,» [...]«todo o terreno superior se levanta para cima». A terra fica «como inchada,intumescida,e foufa;mas serenandoa inflammação,vaioutravezassentandonoseuantigo lugar» [...]. «Se o terreno no tempo do tremor se levantar 20 palmos, o marfugirá tanto, quanto he preciso para descer vinte palmos;» [...] «porém descendo oterrenoparaoseuassento, tornarãoasaguasabuscaroseuantigo lugar;» [...].Mas,«comoasaguasemconcebendohummovimento,vaõmuitoalemdoquedevemirporconta do equilíbrio», ficarão a balancear com amplitudes cada vez menores até seaquietaremdetodo.

ParasefazercompreendermelhorTeodorodeAlmeidaassemelhaocasoconsideradoaodeumalgudarcomáguaquesefizesseinclinarlevantando‐oumpoucocomasmãosapenasporumapequenazonadoseubordo.Assim«aaguaganharábalanço,efugirádabordaqueselevantou;masemseassentandooalguidar,nosegundobalançoaaguanaõsóchegaráaolugarantigo,maspassarámuitoavante,etrasbordaráporfora.Assimconsidero eu o Mar, como hum tanque immenso de agua; que muito he logo que,levantando‐seo terreno sobreas cavernasqueardem,e tornandoao seuassento,asaguasganhembalanço,orafugindo,orainundando,atéseaccomodarem?»(44).

OfactodeacidadedeLisboaseencontrarsituadanamargemdeumgranderioenasvizinhanças do mar só por si justificaria que o terramoto se desenrolasse com tão

grandeviolência,poisexistenessazona«grandecopiadehydrophilacios,eaqueductosde agoa salina, que com perpetua circulação lhe vay distribuindo, e repartindo pelasgrandescavidades,dequeabundaosmayorescúmulosdematériasalitrosa,queheamaisproporcionada,emaisbemdispostaparaamayorintensaõdoterramoto»[...].Oque bastantemente se comprova das muitas fontes cálidas, multiplicadas fontesmineraesdasAlcassarias,dascaldasdaRainha,edeoutrasmaisagoassalitrosas,quecontêmacircumvisinhançadodestrictodeLisboa;asquaesnosofferecemhumaprovacabal,emanifestadamultiplicidadedemineraesdesalitre,deenxofre,deoutrosmaisinflamáveis,ecombustiveisdo fogo,queencerraõdentrodesiasconcavidadesdesteterreno.Inflãmando‐sepoisosaglomeradoscúmulosdosmesmoscombustiveis»[...]«eauxiliadosdoimpulsodovetosaõosqoccasionaraõamayorintensaõdoterramoto,»[...](45).

Discutiu‐se também, entre os autores que apreciaram o acontecimento daquele diaprimeirodeNovembro,seteriahavidoounãoquaisquersinaispréviosdaNaturezaquepermitissemprognosticaroterramoto.Aopiniãoquasegeraléafirmativa,quesim,queatéforamváriosebemdefinidosossintomasdoqueestavaparaacontecer.FranciscoCorte Real fala‐nos da «futuriçaõ» dos terramotos em geral: repentina turvação daságuas das fontes e dos poços, efervescência das águas das fontes, intumescência daságuas dos mares, grandes ruídos subterrâneos, pavor insólito dos animais que saematerrorizados das grutas em que habitam, secagem repentina de algumas fontes eaparecimento de outras, mudança de suas águas de cálidas em frias e de frias emcálidas, intempestiva serenidade do ar, extraordinário frio no tempo de estio,aparecimentodeumanuvememformadecolunadefogoedeoutraemlinhacompridadepoisdoocasodoSolouaindacomdiaestendidanocéu,círculoemredordoSoloudaLua,vapordensodetomamarelonaatmosferae,finalmente,ventosimpetuososecontinuados.Paratodosestescasosdá,oautor,justificaçõeseexemplificações,semseocupar,emparticular,docasodoterramotode1755(46).Quemdeleseocupacomigualintenção, é Joaquim Moreira de Mendonça, na História Universal dos Terremotos,fazendo notar que o inverno de 1751 foi de copiosas chuvas, em Portugal,principalmentenaregiãodeLoures;queosanosde1753e1754foramextremamentesecos e com excessivos frios que gelaram as águas, não só as estagnadas como ascorrentes; que houve, nesses mesmos anos, grande tormenta de ventos; que noprincípiodooutonode55novamentecaíramgrandeschuvas;quenosúltimosdiasdomês de Outubro desse ano, já nas vésperas do terramoto, «se observou humaextraordinária intumescênciadasagoasdomar». Lamentaoautorquenão se tivessedadoadevidaimportânciaataisprognósticos,eescreveu:«Osprincípiosdestagrandeobradanatureza»[oterramoto]«nãoforãooccultosaoshomens,postoqueafaltadereflexão deixou inúteis os signais delia». Considera que se processava já, nomês deOutubro,nointeriordaTerramaispróximodasuperfície,«humagrandeevaporaçãodepartículas ígneas, aquosas, e de outras espécies, as quaes formavão na Athmospheranuvens, cujadensidade, figura,ecorextraordináriaerãoobjectodopasmodemuitosPovos». Na véspera do terramoto viu‐se no espaço um globo de luz, conforme«referirãoalgumaspessoasdocampo,quevinhãoparaaCidade.Notou‐setambémem

algumas partes huma grande inquietação, e espanto nos animaes domésticos, e domonte» [...]. «No fim do ditomêz» [de Outubro] «começarão a apparecer em variaspartes as agoas turbas com mudança de sabor. Assim o observei muitos dias comdisplicênciadomáogosto,queachavanaagoadopoçodoSenhordeMurça,dequeusavaporboa».Note‐sequenãosetrataagorade informaçõesadquiridasatravésdaleituradelivrosarespeitodossinaisqueteriamantecedidooterramotode55,masdefactos que o autor apresenta como concretos e dos quais diz ter sido testemunhopessoaldealguns. Eprossegue:«Emdiversas terras foi vistohumvapor, como fumo,quesahiadaterra,ecausavahumgrandedefeitoáluzdoSol,edaLua.NavésperadodiadoTerremotopelas cincohorasda tardevieucomgrandeadmiraçãodoadrodaIgrejadeN.SenhoradaGraçaestaCidadecubertadehumaespéciedefumoamareloescuro,quemecausoualgumespantopeladensidade,ecor.Namesmanoiteseouviuomar summamente embravecido, posto que o tempo estava muito sereno.Experimentou‐se o ar quente com hum calor, que a estação não permittia.Multiplicárãose em breves horas os signais da grande fermentação, que se estavafazendonointeriordaterra»(47).

Não se pode negar convicção ao autor destas palavras. Contudo, para outros, os«prognósticos» apontados seriam acontecimentos sem qualquer relevância. QuandoEugênio, um dos interlocutores de Teodoro de Almeida, lhe pergunta, na RecreaçãoFilosófica, «E poderemos ter alguns indícios antes dos Terremotos, ou no ar, ou nasnuvens,pelosquaesnosacautelemos?», responde‐lheomestreoratoriano:«Nenhumacho,quemereçasériaattenção;»[...](48).

O tipo de sinais da Natureza que permitiria prognosticar a proximidade de umterramoto,segundoosautoresconsultados,énecessáriaconsequênciadasteoriasporeles defendidas. Em todas essas teorias se imagina a produção de exalaçõesprovenientesdasconcavidadesdaTerra,exalaçõesquealcançariamasuperfíciedosolodissipando‐se no exterior através de fendas abertas no terreno ou já existentes, ouatravés da boca dos vulcões. A presença dessas exalações na atmosfera provocarianuvens estranhas na forma e na cor, globos de luz, vapores que ensombravam ofirmamento,halosluminososnoSolenaLua,aquecimentodoar,etc.(49).

Tambémsediscutiu,entreosautores,sehaverialugaresmaissujeitosaterramotosdoqueoutros,sehaveriaestaçõesdoanomaispropíciasàsuaeclosão,ehorasdodiaoudanoitepreferenciais.Tinha‐seemvistacompreenderporqueteriasucedidoaquiloemLisboa,emNovembro,edemanhã.

Para tudo isto tiveram os observadores respostas fáceis, aliás fundamentadas emafirmaçõesdosfilósofos«antigos».EmLisboa,porquê?BentoMorgantirespondecomclareza,emborasemsereferirconcretamenteaLisboa:[...]«aspartesmaispróximasaomarsaõsempreasmaissojeitasasentiremoseffeitosdestefogosubterrâneo,porqueomarlheofferecehumamatériamaisabundanteparaasuasubsistência,queasoutraspartesdaterra,eporissoordinariamentenomarhequerebentaofogo,quecausaosterremotosnaspartescircumvesinhas,eadjacentes,»[...](50).

E em Novembro, porquê? Já Aristóteles dizia que o Estio e o Inverno são poucopropícios a terramotos. [...] «naõ succedem tanto no Estio, porque com o calordemasiado,eexcessivodetalsorteseabremosporosdaterra,queporellesseexhalaõcomfacilidade,esemaminimaresistênciaaquellesespíritos,ouexhalaçoensdefogo,quesaõaorigemdoterremoto:»[...].OInvernotambémnãolhesépropício«porquepelo excesso, ou demasia do frio estão obturados os poros, e osmeatos, que em sicontêmasuperfíciedogloboterráqueo»[oquepareceriaserfavorávelaosterramotos];«e pela mesma causa e motivo naõ se accendem taõ facilmente, antes estão comosopitoscomofrioaquelleshálitos,ouespíritosígneos,quepodiaõconcorrerparaestemetheoro».NaPrimaveraenoOutono,«principalmentequandooVerãoantecedentefoy muito seco» é que os terramotos se dão com maior frequência. O autor queestamos agora seguindo justifica a afirmação: «porque tanto no Outono, como notempo da Primaveramais se profundaõ as agoas da chuva; e como levaõ comsigo amistura de varias partículas sulfúreas, e nitrosas, que por occultos canaes vaõdistribuindo,ecommunicandopelasentranhasdaterra,nestasseinflãmaõ,erarefazemdetal forma,quenapertençaõde lugarmaisdilatadochegaõaformartodasaquellasimpressões,queseexperimentarãoemhum,eoutroterremoto»(51).

Quantoàshorasdodiaoudanoiteemqueumterramototenhamaisprobabilidadesdeocorrer,opinaoautorqueestamosseguindo,semprecomoapoiodeAristóteles,queémaisprováveldar‐seduranteanoite,demadrugada,oudemanhã«pelacrescençadodia»,comoSolnãodescoberto,porque«aausênciadoSol,eafrialdadenocturnanaõdeixamsahirparaforaasexhalaçoens,queestãoreclusasnasconcavidadesdaterra:»[...](52).

Éinteressanteacrescentarquealgunsautoresportuguesesdaépocapuseramtambémahipótesedeexistirperiodicidadeparaosgrandesterramotosnumadeterminadaáreadoglobo.AnotandoasdatassucessivasdosterramotosdemaioresdimensõesquetêmsidosentidosemLisboanosséculosanteriores,concluíramqueentreelesdecorriaumintervalodetempoaproximadamentededoisséculos.Houve,defacto,emLisboa,umterramoto muito violento no século XIV, e outro igualmente violento no século XVI.ConsiderandoagoraaquelequetinhamsofridonoséculoXVIII,puderamadmitirqueopróximo,demaioresdimensões,sedarianoséculoXX.MiguelTibérioPedegache,umdosautoresqueescreveramsobreoassunto,diz,concretamente:«Persuado‐‐mequeentreosannos1977até1985haveráalgumterremotograndeemPortugal»(53).

Embora os autores portugueses setecentistas que escreveram sobre o terramoto de1755 tivessem procurado interpretá‐lo como um fenómeno natural, nenhum delesdeixou de o encarar também como um castigo de Deus. Souberam esses autoresdistinguirasduasposições,acientíficaeareligiosa,demodoqueumanãoinvalidasseaoutra. As exalações sulfúreas e nitrosas, o fogo subterrâneo, as cavernas dematériascombustíveis, etc., tudo isso eram causas naturais, mas simplesmente «causassegundas»,conformelheschamavam.Paraalémdelashaviauma«causaprimeira»,queera Deus, de cuja vontade dependeria desencadear as causas segundas. Teodoro de

Almeidadefiniuassuasduasposiçõespessoaiscomtodaanitidezescrevendoumaobraquedividiuemduaspartes,aprimeiraemversoeasegundaemprosa.Aprimeiraéumpoemaemseiscantos,emestânciasdeoitoversosdefracaqualidade,intituladaLisboadestruída,emqueoautordescreveotrágicoacontecimentocomoumcastigodeDeus:

Eis que Deos descarrega de repenteSobre nós hum tal golpe, taõ pezado,Que bemvimosserbraçoomnipotente,Eporjustosmotivosirritado.Todaaterraentãotreme,ejustamenteNa presença de Deos, qu estava irado:Estremecem do monte osfundamentos,Eperturbaõ‐seosmesmosElementos(54).

Na segunda parte, em prosa, intituladaDissertação sobre a causa natural do famosoterremotodeLisboano[ano]de1755,expõeoautorateoriafísicaquedefendecomointerpretação do acontecimento. Nesta segunda parte, ao iniciar o texto, justifica‐seperante o leitor esclarecendo‐o de que «no Poema antecedente foi a nossa emprezamostrar as terríveis operações da Justiça e Omni potência Divina no funestoTerremoto»; agora,na segundaparte,«mostraremosos fenómenos,ouoperaçõesdanatureza, instrumento,quecontinuamenteserveáexecuçãodasantíssima,eadorávelvontadedoSerSupremonasobrasdasuajustíssimaProvidencia».Destemodo«ficaráinstruído,econtenteoFilosofo,eoChristaõ»(55).

TeodorodeAlmeida inclui‐senogrupodosautores,quesãoamaioria,queentendemqueoprocessodoterramotoseiniciacomadeterminaçãodivinadeodesencadear.Ascausasnaturaissão,paraele,causassegundas,quesóactuamquandoacausaprimeira,que é Deus, resolve fazê‐lo. Outros autores, porém, esses em menor número,concordamqueDeusintervenhanaeclosãodosterramotos,masnãonecessariamenteem todos. Aceitam a teoria das exalações sulfúreas, nitrosas, betuminosas, etc.,admitindoquetodosessesmateriais,potencialmentepreparadosparaadeflagraçãodoprocesso, a possampromover apenas como consequência da sua situação física, sempôrdeparte apossibilidadede,numounoutro caso,o terramoto serprovocadoporexpressavontadedeDeus.OmédicoDuarteRebelodeSaldanha,jácitado,intitulaumdos capítulos da sua obra Illustraçaõ Medica, deste modo «Muitos terremotos saõcauzados por pozitiva determinação Divina». Sublinhamos o «muitos» para pôr emevidênciaaposiçãodoautor,naqual insiste,esclarecendo‐a,no textoencimadopeloreferidotítulo:«Suppostoqueestastremendascalamidades»[osterramotos]«tenhaõcauzas taõ naturalissimas» [repare‐se no superlativo], «e sejaõ em si uns productosnaturaes;dellescomtudoseserveDeusmuitasvezes»[sublinhadonosso]«paraofimdemoderaromarémagnumdasperversasinclinaçõesdoshomens»(56).

A referência às «perversas inclinações dos homens» revelam omotivo por que Deusteria decidido arrasar a cidade de Lisboa, sem complacência. Aí, na cidade, maisviolentamente,mastambémnas«diversaspartesdoReino,porquetodasbrotavaõcomexcessoasinfamesraízesdosvícios,dequeodemóniofaziahumahorrorosacolheita;»[...] (57).Aosquatroelementos,aterra,oar,aáguaeofogo,quedestruíramacidade,equivaliam outros tantos vícios que dominavam os seus habitantes: a vaidade, asoberba,airaealuxúria.«NossoSenhor»[quisassim]«mostrarasuaindignaçãoaeste

povo,quesemembargodeserseumuitoamado,eescolhidoporelleparaafundaçãodo novo Império», foi sujeito ao tremendo castigo «pelos occultos arcanos da suaprovidência,ouporqueosseusmaisescolhidossaõporimperceptíveisJuízosdomesmoSenhor,osmaismortificados»(58).

Nempara todosos autores, porém, as razõesda iradeDeus teriam sido asmesmas.Uma vez entre todas destoava e essa vinha de longe, da Inglaterra, de uma daspersonalidadesmaisdestacadasdaculturaportuguesadoséculoXVIII:FranciscoXavierdeOliveira,oCavaleirodeOliveiracomoécomummentecitado.AsrazõesporqueDeuscastigara os portugueses com o terramoto eram, para Oliveira, bem diversas; nadatinhamavercomosquatroelementosdovício,avaidade,asoberba,airaoualuxúria.Eram razões de ordem exclusivamente religiosa, relativas ao com portamento dosportugueses perante Deus, perante os Evangelhos e perante os outros homens decredos diferentes. Francisco Xavier de Oliveira apresenta‐se como sabedor daspreferências íntimas de Deus, e acusa os crentes portugueses de se lhe dirigirem, aDeus,precisamentedomodoqueDeusmaisdetesta(59).OsPortugueses,supersticiosose idólatras, violam permanentemente a Santa Lei. À força de devoções absurdas, desacrifícioshorríveisedeoraçõesinúteiseindignasdeseremescutadas,mergulharamnasuperstiçãomaisvergonhosaenaidolatriamaisgrosseira(60).OcultoqueemPortugalse presta às imagens dos santos, em nada se distingue do culto que os pagãosconsagramaosseusídolos(61).

Foramduas,segundoOliveira,asprincipaisrazõesquedecidiramDeusadescarregarasua ira sobre os Portugueses. Uma dessas razões foi não se permitir, ao povo, emPortugal, a leitura da Bíblia, proibindo a sua publicação na sua própria língua, eprocurandoassimesconderosdesviosdosverdadeiroscaminhossagradosqueaIgreja,emseuentender,nãorespeita.AsegundarazãoeraaperseguiçãocruelexercidasobregrandepartedosPortugueses,pelaInquisição,particularmentesobreosjudeus(62).

A Francisco Xavier de Oliveira não interessaram as causas físicas do terramoto, nemsequerselhesrefere.Oseuobjectivoeraapenasodecombaterareligiãocatólicaemdefesadoprotestantismoqueabraçara,eoterramotoserviu‐lhedemotivoparaisso.

RibeiroSanches,nas suasConsideraçoins sobreosTerremotos, tambémfalaemDeus,massente‐se,pordetrásdassuaspalavras,certoconstrangimentoquenãoodeixapôraquestãoemtermosabertamenteclaros.«Ninguémserátaôousadosemimpiedade»‐diz Sanches ‐ «que affirme, que os Terremotos naô foram já instrumentos de que seserviu a Omnipotência para castigar os homens; mas taôbem ninguém seria taõtemerárioqueaffirmasse,quetodosellessuccederaõaestefim».Operíodoescritotemduaspartes,masasegundanãoestánaexactacontinuaçãodaprimeira.Sanchesnãoquis opor‐se impiamente à letra das Sagradas Escrituras onde não escasseiam osterramotoscomocastigodeDeus,masadmite,semsepreocuparcomaimpiedadequelhe está implícita, que nem todos se justifiquem por aquele motivo. Parece que avontade de Sanches estaria em afirmar que nenhum terramoto é devido à cólera deDeus,easpalavrasquesesegueminspiramestesentimento.«Hoje»—dizSanches,na

continuação imediatadoperíodotranscrito—«humeclipsedaLuaoudoSolnaõnosatemoriza, por que sabemos a cauza;» [...]. «Se soubéssemos taôbem a cauza dosTerremotos,comoasabemosdosventos,dastrovoadas,edostrovoins,naôteríamos,pode ser,estesnotáveismovimentosdaNaturezapor castigodo ceo,nem tirariamosdellesprognósticosparaanossatotal ruina» (63).AposiçãodeSanchestorna‐seassimclara e lúcida. Os terramotos são, todos eles, provocados por causas naturais, e ésomente por ignorância de quais possam ser essas verdadeiras causas, que osinterpretamoscomosinaisdacóleradivina.

NamesmaalturaemqueSanchesredigiaestasConsideraçoins,umaltorepresentantedaculturaportuguesasetecentista,FranciscodePinaeMelo, faziaecoarasuavoznacapeladoHospitaldeMontemor‐o‐Velho,pronunciandoumsermãoqueocelebrizoueem que dizia: [...] «grande delírio he este dos que chamaõ sábios em dar ás cauzasnaturaesosabalosdaTerra,sesóquemafezcomhumaceno,apôdemovercomhumapalavra»(64).

Referências:

1 ‐ Não há rigorosa coincidência entre as afirmações das testemunhas do trágicoacontecimento que sobre ele escreveram, relativamente à hora em que o abalocomeçou.OpadreTeodorodeAlmeida,daCongregaçãodoOratório,queerahomemdadoàCiênciaeatentoinvestigador,dizqueoabaloseiniciouàs9he3/4,eéessaaopiniãoquepreferimosseguir.(TeodorodeAlmeida,DissertaçãosobreacausanaturaldofamosoterremotodeLisboano[ano]de1755,anexoaopoemaLisboadestruídadomesmoautor,Lisboa,1803,p.236).JosédeOliveiraTrovãoeSousa,emCartaemquehumamigodánotíciaaoutrodolamentávelsucessodeLisboa,semlocalnemdatadeediçãomasdadacomoescritaem20deDezembrode1755,diz (p.2)qiueoabalosedeu pelas 9 horas e meia. Bento Morganti, que assina com o pseudónimo de JoséAcursiodeTavares,afirma,emVerdadevindicadaouRespostaahumaCartaescritadeCoimbra,emquesedánoticiadolamentávelsucessodeLisboanodialdeNovembrode1755, Lisboa, 1756, p. 6, que o abalo começou às 9 e 35 minutos. Frei António doSacramento, em Exhortaçaõ consulatoria de Jesus Christo crucificado na cruz, Lisboa,1757, diz (p. 5) que o abalo se iniciou às 10 horas da manhã. António Pereira deFigueiredo,emComentário latinoeportuguezsobreoterremotoe incêndiodeLisboa,Lisboa,1756,(p.1),dizquefoiquaseàs10horas»damanhã.2‐TeodorodeAlmeida,CartasFysico‐Mathematicas,3vols.,Lisboa,1784‐1799,vol.III,p.287.3‐BentoMorganti, jácitado,masagoraemoutrofolheto, informaqueoabalo inicialidoterramotoseprocessou«nobreveespaçodealgunsminutos,quehunsdizemforaõseis,outrosoito»[...].(CartadehumamigoparaoutroemquesedásuccintanoticiadoseffeitosdoterremotosuccedidoemoPrimeirodeNovembrode1755,Lisboa,1756,p.3).NaVerdadevindicadadizomesmoautorqueoabalodurou6a7minutos.PereiradeFigueiredo,ob.cit.,p.8,indicacercade7minutos.

4‐PereiradeFigueiredo,ob.cit.,p.9,dizquenãoerrarámuitosupondoqueonúmerodemortosseelevouaquinzemil.FreiAntóniodoSacramento,ob.cit.,p.9,calculaemmais de dezoitomil.Morganti, emCarta de humamigo para outro,p. 4, diz que «Onumero de pessoas mortas é quasi indizível» e que «assentão muitos comprobabilidade,emquedivididoopovodeLisboaemtrêspartesfaltasemduvidanumaentremortos,eauzentes,»[...].5‐TeodorodeAlmeida,Dissertação,p.236.6 ‐ Pereirade Figueiredoaoescrever sobreo temanoano seguinte aodo terramotoafirma que nos seis meses subsequentes se verificaram, em Lisboa, duzentos ecinquentaabalosdeterra(ob.cit.,p.9).7‐TeodorodeAlmeida,Dissertação,p.236.8 ‐ Joaquim José Moreira de Mendonça, Historia Universal dos Terre motos, Lisboa,1758,pp.242‐243.9 ‐ BentoMorganti,Cartadehumamigo,p. 4.Na continuação imediatadaspalavrastranscritas diz o autor que «ainda hoje, que se contão 19 de Dezembro em muitaspartesseconservafogo».Teremosqueadmitir,paradarverosimilhançaàinformação,tratar‐sedealgumfogojáextintoquesetivessereacendido.10‐PereiradeFigueiredo,ob.cit.,p.20.11‐Ibid.,p.2.12‐MoreiradeMendonça,ob.cit,,pp.240‐241.13‐TeodorodeAlmeida,CartasFysico‐Mathetnaticas,III,pp.287e291‐292.14‐FranciscoLuísPereiradeSousa,Ideiageraldoseffeitosdomegasismode1755emPortugal,Lisboa,1914,p.10.15‐PereiradeSousa,Oterramotodo1°deNovembrode1755emPortugaleumestudodemográfico,4vols.,Lisboa,1919‐1932,vai. I,pp.84‐85. JánoseutempoMoreiradeMendonça, em 1758, escrevera: «Os mayores estragos deste Terremoto forão emalgumas partes da Costa de África, em Lisboa, e lugares imymediatos, na Costa doAlgarve,enaAndaluzia»(ob.cit.,p.238).TeodorodeAlmeidadizqueoterramotofoisentidonasAntilhas,naAméricaSetentrional(Dissertação,p.236).16‐MoreiradeMendonça,ob.cit.,pp.238‐239.17‐TeodorodeAlmeida,CartasFysico‐Mathematicas,III,p.296.18‐PereiradeSousa,Ideiageral[...],p.10.19 ‐ Incluem‐se nesse trabalho a notícia e a reprodução do questionário mandadodistribuir paio ministro de D. José (pp. 6‐8). Pereira de Sousa iniciou um estudodocumental de grande fôlego, que deixou incompleto, sobre o assunto em questão,intitulado O terremoto do 1º de Novembro de 1755 em Portugal e um estudodemográfico, já atrás citado, de que foram publicados quatro volumes de grandeformato,comestampas(Lisboa,1919‐1932).Oestudofoiefectuadonãosóapartirdasrespostasaoquestionárioaquenosreferimoscomotambémdasqueforamdadasaumoutro questionário posterior do padre Luís Cardoso, mas ainda do século XVIII, quetocavanomesmotema.20‐PereiradeSousa,Ideiageral[...],pp.16,26e32.21‐J.A.daS.[sic],InvestigaçãodascausaspróximasdoterremotosuccedidoemLisboanoanode1755,Lisboa,1756,p.2.

22 ‐RibeiroSanches,Consideraçoins sobreos terramotos,anexoaoTratadoda saúdedospovos,Paris,1756,p.273.23 ‐ TeodorodeAlmeida,Dissertação [...], p. 239.OgeólogoPereirade Sousa (1870‐1931)queestudouaspublicaçõessetecentistassobreoterramoto,foimuitoseveronomodocomoasavaliou:«Perdiumtempoimmensoalel‐as;consistemn'umamontoadode theorias e superstições, d'ondedifficilmente a sciencia pôde tirar algum factoquelhes[sic]sirva»(Ideiageraldoseffeitosdomegasismode1755emPortugal,p.8).24 ‐ Veríssimo António Moreira de Mendonça, Dissertação Philosophica sobre oTerremotodePortugaldoPrimeirodeNovembrode1755,Lisboa,1756,p.5.Oautoréirmãodeoutrojácitadocomosmesmosapelidos.25‐JoaquimJoséMoreiradeMendonça,ob.cit.,p.171.26‐Morganti,ob.cit.,pp.9‐10.27‐J.J.MoreiradeMendonça,ob.cit.,p.216.28‐RibeiroSanches,ob.cit.,p.273.29‐Ovocábulo«aerofillácio»éusadoporFranciscodeVasconcelosSandeCorteRealemNova instrucçam filosófica [...], Lisboa, 1761, p. 15; os vocábulos «hidrofilácio» e«pirofilácio»sãousadosporJoãoAntóniodaCostaeAndrade,emConversaçãoerudita,Lisboa, 1756, p. 15. «Pirofilácio» significa «lago de fogo», e analogamente para osoutrosvocábulosreferidos.30‐FranciscodeV.S.CorteReal,ob.cit.,p.19.31‐J.J.MoreiradeMendonça,ob.cit.,pp.230‐231.32‐TeodorodeAlmeida,RecreaçãoFilosófica,VI,p.431.33‐Ibid.,VI,pp.432‐433.34‐DuarteRebelodeSaldanha, IllustraçaõMedica[...],2vols.,Lisboa,1761‐62,vol.I,pp.22,25e26.35‐RibeiroSanches,ob.cit.,p.277.36‐FranciscodeV.S.CorteReal,ob.cit.,p.21.37‐VeríssimoA.M.deMendonça,ob.cit.,p.7.38‐Saldanha,ob.czt,pp.15‐17.39‐Marganti,ob.cit.,p.10.40‐JoãoAntóniodaCostaeAndrade,Conversaçãoerudita[...],Lisboa,1756,p.14.41‐FranciscodeV.S.CorteReal,ob.cit.,p.6.42‐Ibid.,pp.7e8.43‐RibeiroSanehes,ob.cit.,p.282.Nestamesmaépoca,eapropósitodoterramotode1deNovembrode1755,opadreespanholBenitoFeijooimaginouumanovahipóteseinterpretativa das causas dos terramotos inspirada na descarga eléctrica obtida nagarrafa de Leida, experiência então recente que muito impressionou os cientistascontemporâneos. Feijoo «supõe ser a causa dos grandes Terremotos huma vastacollecçãodematériaseléctricasempartesprofundíssimasdaterra,»[...],conformedizMoreira deMendonça na suaHistoria Universal dos Terremotos, p. 184. A hipótese,segundonosparece,nãoteveseguidoresentrenós.44‐TeodorodeAlmeida,RecreaçãoFilosófica,VI,pp.443‐444.45‐FranciscodeV.S.CorteReal,ob.cit.,2.ºparte,p.2.46‐Ibid.,2.aparte,pp.16‐20.

47‐J.J.MoreiradeMendonça,ob.cit.,pp.234‐237.48 ‐ Teodoro de Almeida, Recreação Filosófica, VI, p. 445. Note‐se que Teodoro deAlmeida só se refere, na resposta, aos indícios que porventura antecedem osterramotos,noarounasnuvens,deacordocomaperguntafeita.49 ‐ O geólogo Pereira de Sousa, a quem já anteriormente fizemos referência, tomacomo certas as afirmações dos observadores setecentistas ao darem notícia doaparecimento de efeitos luminosos na atmosfera a propósito dos abalos de terra, econsidera que depois de formulada a teoria tectónica dos terramotos, «algunssismólogos quizeram fazer tábua raza de todas as antigas teorias, duvidando dosfenómenosemqueseapoiavam,nemaelesfazendoreferência».Falandodesipróprioacrescenta: «Eu confesso que ao princípio também duvidei, mas que, mais tarde,estudando vários terremotos, publiquei naAcademia das Sciências de Paris em1916,umanota,emquelançavaahipótesedaexplicaçãodosefeitosluminososnostremoresdeterrapelaradioactividadedosolo»(PereiradeSousa,Algunsprognósticospossíveisdoterremotode1755,emBoletimdaAcademiadasSciênciasdeLisboa,NovaSérie,vol.I,1929,p.98).50‐BentoMorganti,ob.cit.,pp.14‐15.51 ‐ Francisco de V. S. Corte Real, ob. cit., pp. 9‐10 da 2.ª parte. Nas palavras finaistranscritas, «emhum, e outro terremoto», refere‐se o autor aos terramotos de 1755(emNovembro)eaumoutro,tambémsentidoemLisboa,violentomasmuitomenosdoqueoanterior,emMarçode1761.52‐Ibid.,p.11da2.ªparte.53 ‐M. T. Pedegache,Nova, e fiel relação do terremoto, que experimentou Lisboa, etodooPortugalno1.°deNovembrode1755,p.23.54 ‐ Teodoro de Almeida, Lisboa destruída, Lisboa, 1803, Canto II, Estância XI. NoPrólogodaobradizoautorqueescreveuopoema logoapóso terramotomasqueomanteveguardado,semopublicar,durantemaisdequarentaanos.55‐Ibid.,p.229.56‐DuarteRebelodeSaldanha,ob.cit.,p.31.57‐BentoMorganti,ob.cit.,p.3.58‐DestruiçãodeLisboa,efamosadesgraça,quepadeceonodiaprimeirodeNovembrode1755,semautor,Lisboa,1756,pp.6‐7.59 ‐ Le Chevalier d'Oliveyra, Discours Pathétique au sujet des calamités présentes,arrivéesenPortugal,Coimbra,1922.A1.aediçãodaobraédeLondres,ondeOliveiraentãovivia,datadade1756.[...]«lamanièredontons'adresseàDieuenPortugal,estprécisémentcellequ'ildétesteleplus»(p.13).60‐[...]«àforcededévotionsabsurdes,desacrificeshorribles,&depriéresvaines,&indignes d'être exaucées, ils se sont plongés dans sa superstition la plus honteuse,&dansl’Idolatrielaplusgrossière»(p.14).61 ‐ «Le culteque l'on rendenPortugal aux Images cies Saints, nedifféreen riendeceluiquelesPaïensoffraientàleursIdôles»(p.20).62 ‐ Il n'est donc guères possible de douter que le double crime d’avoir supprimé laParole de Dieu, & d'avoir exerce une si longue, & si horrible Persécution centre tantd'Innocens,nesoitunedespincipalescausesdescalamitésquiviennentdefoudresur

les coupables habitans de Lisbonne» (pp. 75‐76). O Cavaleiro de Oliveira, emconsequênciadapublicaçãodoDiscoursPathètique, foiprocessadoe condenadopelaInquisiçãoportuguesamas,naimpossibilidadedeoprenderemporseencontrarnaGrã‐Bretanha,foiqueimadoemestátua,emLisboa.63‐RibeiroSanches,ob.cit.,pp.262‐263.64 ‐FranciscodePinaedeMelo, Juízosobreo terremoto,Lisboa,1756,p.2.Sobreomesmo assunto escreveu, o autor, um poema intitulado Parenesis ao terremoto doPrimeirodeNovembrode1755,Lisboa,1756.

OTerramoto#4Traduçãodetextoextraídodaobra:Putnam,W.(1964).Geology,OxfordUniversityPress,pp.208‐210.

Um dos terramoto históricos mais famosos foi o estupendo desastre queatingiua antiga cidadedeLisboanodiadeTodos‐os‐Santos, a1deNovembrode1755. Ocorreram três choques maiores às 9:40, 10:00 e ao meio‐dia. A grandemaioriadaspessoasqueseencontravamnaMissapereceramdevidoaocolapsodamultitudedeigrejasmedievaiscujosPináculosponteagudosconferiamtãopeculiarsilhuetaaLisboa.

Comedifíciosconstruídosporalvenariasolta,amontoadosaolongoderuasestreitaseirregulares,agrandemaioriacolapsouestrondosamente(...).

Umespectacular fenómenoparaos infelizessobreviventesdeLisboa,assimcomo para os observadores em outros pontos do litoral português, foi o súbitoaparecimentodeumaenormeonda,maremotooutsunami.Estaonda,comaalturadecercade6metros,postaemmovimentoporumsismosubmarinonaregiãodoBanco de Goringe (a SW do Cabo de S. Vicente), varreu estuário acima. Navios ebarcos foram esmagados uns contra os outros e afundaram‐se. Amaior parte daenergiadomaremotoconcentrou‐senorecentementeconstruídoCaisdeMármore[marblepier],oqualestavaapinhadodegentequefugiaàcidadeemchamas.Oseuafogamentodeuorigemà lendadequeo cais e apopulaçãonele refugiada foramengolidosporumagrandefendaqueseabriuefechousobreelesparanuncamaisseremvistos.

Umadas característicasmais notáveis deste sismo foi a distância a que foisentido por toda a Europa. Foi bastante forte por toda a Península Ibérica, bemsentidoemFrança,tendocausadoestragosseverosemMarrocos.

Umfenómenosurpreendentefoiaperturbaçãocriadaemcorposdeáguataiscomofossosdecastelos,estuários,canaiselagos.Emmuitasdessasmassasdeágua,em lugares tãodistantes comooSudoestedaFinlândia, o SuldaEscandinávia, nagrandeparteda Inglaterra,Alemanha,SuíçaeNortede Itália,ondasestacionárias,ouseiches,emergiramemboraosismoemsimesmonãotenhasidosentido.Seichessão, por exemplo, ondas que tipicamente apresentam movimento rítmico de umextremoparaooutrodeum lago,acompanhadodeuma flutuaçãosignificativadoplanodeágua.

AsseichespostasemmovimentopeloterramotodeLisboasuscitaramgrandeinteresse no sul de Inglaterra onde foram amplamente observados. Deverá terconstituídoumavisãosurpreendenteveraáguanumfossodecastelosubitamenteagitar‐se de um lado para outro, num dia totalmente calmo, sem vento e semmovimento perceptível do solo.. Numa bacia fechada como a doca seca de

Portsmouth,umaseicheatirouoH.M.S.Gosport,de40canhões,paraafrenteeparatrás,maisdeummetro,empinando‐oapesardeestarbempresoàamuradadocais.

OterramotodeLisboacriouumaclivagemintelectualnaEuropapensantedaaltura. Ele levou Rousseau a esclarecer na sua filosofia tout est bien que osterramotos eram todos para o melhor; eram os males da civilização que eramperversos. Se não estivéssemos empilhados em cidades, os terramotos não nosmatariam. Voltaire desferiu um golpe de ridículo devastador nesse optimismoexacerbado,atravésdoconjuntodeperipéciassofridasporCândidoeoseumestreDr.Pangloss(vertextoTerramoto#2).

Espiritualmente, o terramoto de Lisboa foi um desafio para o pensamentoteológicodaaltura.Porquerazãoumadascidadesmaisdevotasdomundosofreutaldestino às mãos de um Deus bondoso, de tal modo que os inocentes deveriamperecer em tão elevado número conjuntamente com os culpados ? Segundoconvicções da altura “Deus destruiu Lisboa, uma dasmais conhecidas cidades daEuropapeloseumercantilismomarítimo,parachocartodaaCristandadelevando‐aa um estado de obediência penitente e tambémporque Portugal, sendo um reinosoboespecialeprincipalcuidadodosCéus,deacordocomasregrasdadisciplinadivina,osportuguesesparaoseuprópriobem,eemobediênciaàprioridadedivinaa que estavam sujeitos, foram honrados como os primeiros a serem punidos e asofreremcommaiorseveridade”.

Politicamente o terramoto de Lisboa foi um evento profético porqueprovidenciou o cenário para o desenrolar de uma situação de ditaduraprotagonizada pelo Marquês de Pombal. Embora ele tenha reduzido o rei àineficácia , tenha expulsado os Jesuítas, executado os seus oponentes, durante odesastreoMarquesmanteveaordemondeocaospoderiaterprevalecidoenuncadiminuiua suadeterminaçãoemreconstruirumaLisboamelhor.Amodernizaçãoda cidade, o traçado das avenidas e o restaurar das suas antigas glórias foiessencialmenteobradePombal.Natradiçãodamaioriadosditadoresacontribuiçãode outros era apagada da história oficial, e a Pombal eram atribuídas virtudes eempreendimentosquasesobre‐humanos.

OterramotodeLisboaestabeleceu,igualmente,ummarcocientífico.Pombalrequereu de todos os párocos de paróquia o preenchimento de um questionáriocomparável, em muitos aspectos, aos que ainda hoje são utilizados, como porexemplo, o enviadopelos ServiçosGeodésicos e CosteirosdosEstadosUnidos – aagencia governamental norte‐americana responsável pelo estudo dos terramotos.Este questionário incluía perguntas como: hora do choque, a sua direcção, aextensão da destruição, o número de vítimas, etc. Estes registos, preservados nosarquivosportugueses e a cuidadosadocumentaçãohistóricadoevento forneceuamaiscoerente imagemdaverdadeiranaturezadoterramotoquealgumaveztinhasidodada.Estefacto,associadoàobservaçãodeseicheseoutroseventosportodaaEuropa,estabeleceuaconvicçãoqueosterramotoseramfenómenosnaturaisenãosobrenaturais e, portanto, sujeitos à observação e à explicação por uma teoriaracional.

OTerramoto#5

Traduçãodetextoextraídodaobra:Lyell,C.(1830).PrinciplesofGeology.Consultadoemhttp://www.esp.org/books/lyell/principles/facsimile/a10Agosto2009

Lisboa,1755–EmnenhumaoutrapartedaregiãovulcânicadaEuropameridionalocorreunostemposmodernosumterramototãotremendocomooqueseiniciouno1 deNovembro, 1755, emLisboa.O somde trovão foi ouvidodebaixode terra, eimediatamentedepoisumviolentoabalodeitouabaixoamaiorpartedacidade.Nodecursode seisminutos, seismilpessoaspereceram.Omarprimeiro retirou‐seedeixouacostaseca;entãolevantou‐sea50pésoumaisacimadoseunívelnormal.AsmontanhasdaArrábida,Estrela,MarvãoeSintra,sendoalgumasdasmaioresdePortugal,foramabanadasimpetuosamentepelaraiz;eamaioriaabriramfendasnoseu cume (...) lançando grandes massas de material para os vales subjacentes.Chamas foram descritas emanando destasmontanhas, as quais se supõem seremeléctricas;foramtambémditasterememitidofumos,masgrandesnuvensdepoeirapodem ter dado este aspecto. O mais extraordinário incidente que ocorreu emLisboaduranteacatástrofefoiasubsidênciadonovocais,inteiramenteconstruídoem mármore, com custos muito elevados. Um elevado número de pessoasrefugiaram‐se nele procurando protecção para a ruína das construções; mas,subitamente, o cais afundou‐se com todas as pessoas que nele se encontravam, enemumúnicodoscorposdosdefuntosflutuouàsuperfície.Umelevadonúmerodebarcos e pequenas embarcações ancorados perto dele, todos repletos de pessoas,foramengolidos comonum turbilhão.Nenhumdestroçodeles flutuouà superfície(...).

Neste caso, podemos supor que umdeterminado leito afundou‐se numa cavidadesubterrânea o qual iria causar uma “falha” nos estratos até uma profundidade deseiscentospés,oupodemosinferir,comoalgunsfizeram,dototaldesaparecimentodosmateriaisengolidos,queumaenorme fendaabriue fechoudeseguida.Assim,adoptandoestaúltimahipótese,temosdesuporqueapartesuperiordafenda,atéàprofundidadedecemfathoms,permaneceuaberta.

AenormeáreaaolongodaqualoterramotodeLisboafoisentidoémuitonotável.Omovimento foimuito violento em Espanha, Portugal e na África do Norte;mas aquase totalidade da Europa, e até nas ÍndiasOcidentais, sentiramo choque nessemesmo dia. Uma região portuária, denominada Setúbal [St. Eubals], cerca de 20milhasasuldeLisboa,foiengolida.NaArgéliaeFez,emÁfrica,aagitaçãodaterrafoi igualmenteviolenta,aàdistanciadeoito léguasdeMarrocos,umacidade,comumnúmerodehabitantesdeoitoadezmilpessoas,conjuntamentecomtodooseu

gado,foramengolidos.Rapidamenteaterrasefechousobreeles.Umagrandeondavarreuao longoda costadeEspanhaeéditoque teria sessentapésdealturaemCádis. Em Tânger, em África, subiu e desceu dezoito vezes ao longo da costa. NoFunchal,naMadeira,subiuquinzepésperpendicularmenteàmarcademarécheia,emboraamaréquesobeedescesetepés,estavaameiodabaixa‐mar.Paraalémdeterentradopelacidade,provocandograndepânico,inundououtrosportosdailha.

(...)

Em Antiqua e Barbados, assim como na Noruega, Suécia, Alemanha, Holanda,Córsega,Suíça,eItália,tremoresepequenasoscilaçõesdeterraforamsentidas.

Aagitaçãodelagos,rios,nascentes,naGrã‐Bretanha,foinotável.NolagoLomondnaEscócia,porexemplo,aágua,semamenorrazão,subiuaolongodassuasmargens,edepois desceu abaixo do seu nível normal. A maior altura perpendicular destaagitaçãofoidedoispésequatropolegadas.

Foiditoqueomovimentodesteterramotofoiondulatório,equeteráviajadoaumavelocidadede20milhasporminuto,calculadapelosintervalosdetempoentrequeo primeiro choque foi sentido em Lisboa e o tempo de ocorrência noutros locaisdistantes.

OPapeldoMarquêsdePombaleaimportânciadoSismode1755

Breveresenha

SEBASTIÃOJOSÉDECARVALHOEMELO(1699‐1782)oriundodefamílianobremaspobre,pareceterestudadonaUniversidadedeCoimbra.MercêdaprotecçãodocardealD.JoãodaMota,tornou‐se,em1739,representantedePortugalemLondreseapartirde1743enviadoextraordinárioemVienadeonderegressouaLisboaem1749.Em1750fazpartedonovogrupodegovernantesescolhidospeloreiD.Josétornando‐seochefedafacçãodominante,partidáriadoreforçodoabsolutismo.

Assegurou o seu poder pela energia prática de que deu provas aquando doterramotode1755,tendo‐seelevadoadirigenteúnico.Em1759énomeadoCondede Oeiras e expulsa os Jesuítas levando ao consequente encerramento daUniversidade de Évora, dos Institutos universitários de Coimbra e Lisboa e 19colégiosdeensinomédio.Nasequência,lançaasbasesdoensinosecundáriooficial,do ensino profissional, da Casa Pia (através de Pina Manique, o Intendente daPolicia),da criaçãodoensinoprimárioeda reformadaUniversidadedeCoimbra.Em1769foi‐lheconcedidootítulodeMarquêsdePombal.

NovastécnicasdeReconstrução

No decurso da reconstrução de Lisboa era preciso tornar as ruas largas elinearizadas para permitir fácil evacuação de emergência. Os prédios deveriampossuirestruturasparaevitarapropagaçãodeeventuaisincêndioseosedifíciosdetrêsouquatroandaresdeveriamserresistentesaabalossísmicos.

No primeiro caso, por ideia deMANUEL DA MAIA, foram levantadas paredesacimadalinhadostelhados,separandocadaprédioporum“guarda‐fogo”.

Nosegundocasoastécnicasdaépocanãotinhamsoluçõesdadooproblemasecolocaraosurbanistas,pelaprimeiravez.Umasoluçãoempíricamasplenamentefuncional foi encontrada, a “gaiola”. Tradicionalmente atribuída a CARLOS MARDEL,estesistemaeraconstituídoporumagaiolademadeira(decarvalhooudezinho)que, pela sua elasticidade se adaptava aosmovimentos do solo sacudido por umsismo,desprendendo‐sedasalvenariasquepoderiam(ounão)cair,masresistindodepé e impedindoqueoprédio inteiro sedesmoronasse (França, 1989).Quandoterminada a gaiola do edifício, chamavam‐se os pedreiros para levantar, entreprumos,osmurosdepedramiúdaoutijolo.Estaestruturatemalgumasemelhançacomaque,cercadeumséculomaistarde,foiutilizadaemChicago(EUA),apartirde1833, denominada “ballon frame”. Neste sentido, agaiola pode ser considerada aprimeiraestruturaanti‐sísmicaaserconcebidaeconstruídanomundoocidental.

Comomedidaderesistiranovosabalos,osalicercesdapartecentralebaixadanovacidadepassaramaassentarnasaluviõesatravésdeumsistemadeestacasde madeira (pinho verde) que os sais da água impregnavam, conservando‐as eimpedindo‐asdearder.

Haviaigualmentequeconceberumnovosistemadeprodução,emsérie,quesatisfizesse as necessidades de construção rápida e económica. Era precisoaproveitar ao máximo a mão‐de‐obra que rareava e os próprios materiais. Osoperários deveriam produzir peças individuais, parcelares e tipificadas cujoconjunto ordenado dava origem aos motivos arquitectónicos utilizados nasfachadas. Neste sentido, a produção em massa, estandardizada, de elevadaeficiência,acarretouumadecadênciadoartesanatodeazulejoetalhadepedra.

OTerramoto

Oalarmeeopavorprovocadospelosterramotossempreestiveramligadosàgrande curiosidade e respeito pelas suas causas. Na década de 1750 (1750 édeclaradoo“AnodoTerramoto”)aRoyalSocietydeLondresdesenvolveuumestudodistemático destas questões devido ao elevado número de sismos sentidos naEuropa Ocidental e no SUL de Inglaterra, particularmente em Londres, queculminaram com a destruição de Lisboa, em1755, evento este reconhecido comoumdosmaisimportantesocorridoduranteoIluminismo.

Segundo hipótese de Pereira de Sousa, apresentada em 1909, o sismo de1755 teve lugar,nãoao largodeLisboamasmaisa sul (BancodeGoringe)oqueexplica tersidosentidoemMarrocos(AgadireRabat)comigualviolênciaqueemPortugal.OsseusefeitosforamigualmentesentidosnoNortedaEuropa(Finlândia,Hamburgo,Escócia, Irlanda,Bélgica,Holanda),noNortedaItália,naCatalunha,noSUL de França, na Suíça, nos Açores e naMadeira, nas cosats do Brasil e até nasAntilhas. Segundo este mesmo autor “foi o mais extenso que a ciência jamaisregistou”.EmLisboa,foiatribuídoaesteterramotograu9demagnitude(medidadaenergialibertada)egrausdeintensidadeVIIIaX(escaladeMercalli,de1909,graumáximoXII)consoanteaszonasdacidade.

Foi igualmente em 1750 que W. Stukely apresentou uma inovadoraexplicação para os terramotos, baseada na força da electricidade. Por seu lado, oReverendoJohnMichellpublica,em1761,assuas“conjecturassobreacausa(...)esobre os fenómenosdos terramotos”, com referência especial ao de Lisboa.Nestetrabalho ele adopta uma tese antiga de que estes se originavam na sequência dalibertaçãoexplosivadegasesaprisionadoseaquecidosentreleitosrochosos.

Em relação a Portugal existem documentos escritos do Padre GASPARFRUTUOSO, datados de 1565 e 1589, que atestam o seu elevado espírito deobservação , rigor e actualidade das suas interpretações sobre sismos e vulcõesbaseadonasuavivêncianosAçores(Reis&Lizardo,1995).Contudo,poucoounada

sesabesobrea(s)fonte(s)científica(s)que,doisséculosmaistarde,influenciaramoMarques de Pombal, nomeadamente no que se refere à sua iniciativa, inédita, emrealizarum inquéritonacional (debases científicas) sobreosestragosproduzidospelosismode1755.

Segundo José Augusto França (1983) o Marques parece ter tido,secretamente, a seu serviço, um capuchinho francês que lhe terá explicado acatástrofeporcausasnaturais.

Otemadascausasdosismode1755continuacomplenaactualidade,destafeita sobrea suaorigem.Tradicionalmente temsidoconsideradocomo tendo tidoepicentro na região doBanco deGoringe – Planície Abissal da Ferradura e, destemodo, é associado ao regime de forças que resultam do choque entre as placastectónicas africana (Núbia) e euroasiática (Ibérica), num esforço compressivo doqualiráresultarodesaparecimentodoMarMediterrâneoeoalargamentodaregiãoorogénicaalpina.

Ultimamente outras fontes possíveis para este sismo têm sido defendidas.Alguns autores sugerem que este sismo foi gerado na região do Golfo de Cádiz(Gutscher et al., 2002), no prisma de acreção desenvolvido pela migração paraocidenteeconsequentesesforçoscompressivosdamicroplacadoMardeAlboran,dandoorigemaosrelevosbéticos(noSWIbérico)erifenhos(noNdeMarrocos)eaum conjunto de sedimentos empilhados e deformados, nos quais se terão geradosismosbemcomooutrasmanifestaçõescomovulcõesdelamaefontesdemetano.

Outrapossibilidade,avançadaindependentementeporBaptistaetal.(1998)eZitellinietal.(1999),temestadoaserestudada.Nesta,aorigeméatribuídaaumagrandefalhaactivarecém‐descobertaaolargodoSWAlentejano,100kmaOestedoCabodeS.Vicente,denominadaFalhaMarquesdePombal (Terrinhaetal., 2003).Esta estrutura poderá representar evidências de um novo cenário geodinâmico,desta feita associado à transiçãodobordoocidental da Ibéria demargempassivaparamargemactiva,ouseja,aoiníciodofechodoOceanoAtlântico(Ribeiroetal.,1996).

Em1997,aquandodavisitadeumcolega investigadorpaleoceanográficoaLisboa, Sherwood Wise, igualmente professor na Universidade da Florida, fuisurpreendido por um invulgar pedido deste. De todos os locais e monumentoshistóricosdeLisboaWoodyWisepediu‐mepara ir tiraruns slidesaoMarblePier.Ainda levei algum tempoatéperceberque seestavaa referir aoCaisdasColunasjunto ao Terreiro do Paço. Mais estupefacto fiquei quando me disse que essematerial seria para apresentar na primeira aula de Geologia Geral, aos alunos docursodeGeologia.IstoporqueoscolegasgeólogosamericanosensinamqueoSismode1755earegiãodaBaixaPombalinamarcamonascimentodaGeologiaenquantociência(videtextoTerramoto#4).

Paramim, este pedidomarcou o despertar para a importância histórica epatrimonial da Baixa Pombalina em termos de futuras acções de divulgaçãocientífica.AssimnasceuaideiadaGeologiaAugusta.

MárioCachãoLisboa(FCUL)10deAgostode2009

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