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EDGAR ALLAN POE Detalhes, sombras e reflexos afinidades estéticas e subversões iconográficas [Jorge Molder, Francesca Woodman e Janaina Tschäpe] Maria de Fátima Lambert Prof. Coordenadora InED/ Escola Superior de Educação. Politécnico do Porto “By a route obscure and lonely, Haunted by ill angels only, Where an Eidolon, named NIGHT, On a black throne reigns upright, I have reached these lands but newly From an ultimate dim Thule From a wild weird clime that lieth, sublime, Out of SPACE out of TIME.” (Poe, 1884, pp. 87/88) Marginalia poderia ser um subtítulo conveniente para esta comunicação. Segundo se lê nos termos introdutórios a essa publicação: “…são escritos com a distância suficiente, a fim que o espírito do leitor seja descarregado de um pensamento, seja este ligeiro, naïf ou trivial, todavia, um pensamento e não algo que pudesse sê-lo, com o auxílio do tempo e de circunstâncias mais favoráveis.” (Poe, 2007, p.8) Edgar A.Poe assinala a incapacidade de qualquer leitor (no relativo à respectiva “velocidade” do acto de ler), se procedesse a uma leitura em voz alta - quanto diminuição significativa da extensão e quantidade do seu acto; consciencializando, por oposição, a amplitude de recepção do “lido” (espécie de “vécu”), quando “lemos para nós próprios”…Poder-se-ia transpor esta argumentação no relacionável às artes visuais: ou seja, a diferença incontornável entre o que seja olhar as fotografias em acto directo e em acto intermediado (publicadas em uma qualquer edição impressa ou olhadas no ecrã de um computador…e salvaguardas as diferenças entre estes dois últimos actos). Na leitura dos poemas de E.A.P. seleccionei excertos que considerei elucidativos no respeitante aos artistas actuais, cujas iconografias lhes associei quase por intuição (quanto por cúmplice reflexão): Jorge Molder, Francesca Woodman e Janaina Tschäpe. Na leitura de seus textos de ensaio e de recorte filosófico e estético, centrei-me em fragmentos de Marginalia, Eureka e Filosofia da Composição. Igualmente, estes me guiaram na subsistência e caminho cumprido em obras específicas dos artistas acima citados. A viagem E.A.P. incorporou ambas vertentes: poética e ensaística; esta, mais intensamente no início, devendo ser ouvida/lida como uma aproximação à dei continuidade em termos curatoriais considerando as variantes e endereçamentos ricos a que permitem aceder.

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EDGAR ALLAN POE – Detalhes, sombras e reflexos – afinidades estéticas e subversões

iconográficas

[Jorge Molder, Francesca Woodman e Janaina Tschäpe]

Maria de Fátima Lambert Prof. Coordenadora – InED/ Escola Superior de Educação. Politécnico do Porto

“By a route obscure and lonely,

Haunted by ill angels only,

Where an Eidolon, named NIGHT,

On a black throne reigns upright,

I have reached these lands but newly

From an ultimate dim Thule –

From a wild weird clime that lieth, sublime,

Out of SPACE – out of TIME.” (Poe, 1884, pp. 87/88)

Marginalia poderia ser um subtítulo conveniente para esta comunicação. Segundo se

lê nos termos introdutórios a essa publicação: “…são escritos com a distância suficiente, a fim

que o espírito do leitor seja descarregado de um pensamento, seja este ligeiro, naïf ou trivial,

todavia, um pensamento e não algo que pudesse sê-lo, com o auxílio do tempo e de

circunstâncias mais favoráveis.” (Poe, 2007, p.8)

Edgar A.Poe assinala a incapacidade de qualquer leitor (no relativo à respectiva

“velocidade” do acto de ler), se procedesse a uma leitura em voz alta - quanto diminuição

significativa da extensão e quantidade do seu acto; consciencializando, por oposição, a

amplitude de recepção do “lido” (espécie de “vécu”), quando “lemos para nós

próprios”…Poder-se-ia transpor esta argumentação no relacionável às artes visuais: ou seja, a

diferença incontornável entre o que seja olhar as fotografias em acto directo e em acto

intermediado (publicadas em uma qualquer edição impressa ou olhadas no ecrã de um

computador…e salvaguardas as diferenças entre estes dois últimos actos).

Na leitura dos poemas de E.A.P. seleccionei excertos que considerei elucidativos – no

respeitante aos artistas actuais, cujas iconografias lhes associei quase por intuição (quanto por

cúmplice reflexão): Jorge Molder, Francesca Woodman e Janaina Tschäpe.

Na leitura de seus textos de ensaio e de recorte filosófico e estético, centrei-me em

fragmentos de Marginalia, Eureka e Filosofia da Composição. Igualmente, estes me guiaram

na subsistência e caminho cumprido em obras específicas dos artistas acima citados. A

viagem E.A.P. incorporou ambas vertentes: poética e ensaística; esta, mais intensamente no

início, devendo ser ouvida/lida como uma aproximação à dei continuidade – em termos

curatoriais – considerando as variantes e endereçamentos ricos a que permitem aceder.

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Analisando os seus poemas, ao mesmo tempo que me debrucei sobre as iconografias de

Molder, Woodman e Tschäpe, apercebi-me de que as reflexões de E.A. Poe se reflectiam

mutuamente…por assim o afirmar, uma espécie de ressonância em “duplo sentido”.

Seleccionei aquelas imagens fotográficas e videográficas – fixas e em movimento, nas quais

mais se evidenciam os tópicos que entendi como denominadores comuns, aquelas que quase

se exigiam logo após as ter confrontado nos inícios da minha pesquisa. Assim, se instaurou

uma plataforma de reflexão, interpretações e transfigurações possíveis quanto intermináveis

(quase).

No panorama literário português é incontornável a tradução empreendida por

Fernando Pessoa de alguns dos poemas e contos de Poe, quanto no séc. XIX, o fora a acção

de Baudelaire em França. A ênfase das traduções incidia, direccionando fortemente as

premissas efabulatórias que tenderam à maior divulgação e mediaticidade (popularização

equivalendo mesmo a uma desvalorização/banalização) estereotipada da obra de Poe – a

configuração de um imaginário “excêntrico”, sobrecarregado e inusitado (até então). Entenda-

se a sua obra de valência mais directamente “gótica”, agindo como impulso, que muito tem

sido abordado, antecipando criações que se converteram em estereótipos recorrentes: a

idiossincrasia manifesta nos contos intensificou-se pelo recurso que a cinematografia – nos

seus primórdios – lhe procurou.

Em termos de contextualização, assinale-se que a obra de Poe privilegia (é sustentada) a

expansão do imaginário, não somente por recurso a uma escrita imputável à imaginação,

quanto alimentada por metáforas, alegorias e convencionalismos adstritos a um vocabulário

enfaticamente visual, onde se destacam as transfigurações. As transfigurações

consubstanciam-se em morfologias humanas, animais e de vertente paisagística (arquitectural,

urbana e natural). A sua representação por vezes assume proporções de uma certa

convencionalização artístico/literária, detectável através de tópicos de externalidade –

facilitando a recepção estética), tanto quanto propugna os domínios fantasmáticos do self.

Numa cumplicidade que poderia entender-se de paradoxal, o autor americano afirmou a sua

anterioridade científica, filosófica e estética (1848) quanto:

à sistematização da psicanálise freudiana (1898);

à explanação de conteúdos fenomenológicos (iniciados por Husserl e expandidos em

distintas especificidades, destacando-se, Gaston Bachelard e Merleau-Ponty;

à formulação de uma estética simbolista (finais séc. XIX).

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Relembrem-se os antecedentes quer filosóficos, quer psicológicos propugnados pelo

pensamento grego que E.A.Poe recupera e reinventa, em argumentações de foro cosmológico

e quando recorre – em moldes de escrita – à tipologia privilegiada por Platão, travestindo-o no

Diálogo Eiros and Charmion ou no Colloque of Monos and Una …

Atenda-se, também, aos antecedentes estéticos e artísticos na historiografia ocidental no

respeitante à tradição onírica, ao predomínio de um imaginário híbrido – Jeronimus Bosch…

(salvaguardado e/ou enfatizado em alguns autores, assim cumprindo superior missão

cristianizadora).

A proposta de leitura cruzada, entre os 3 artistas contemporâneos por referência a Poe,

centra-se na explanação de excertos de poemas, por referência a imagens seleccionadas na

iconografia de cada um dos três artistas visuais em causa. Ainda, a inserção de excertos de

Marginalia, onde se encontram enunciados princípios, conceitos e ideias articuláveis,

subjacentes, relacionáveis aos mencionados conteúdos iconográficos – devidamente inscritos

nas correspondentes tendências estéticas propugnadas: Jorge Molder, Francesca Woodman e

Janaina Tschäpe.

Um dos denominadores comuns entre os 3 autores é a recorrência, ascendendo à

compulsividade, no tocante ao “auto-retrato”, salvaguardando embora as diferenças estéticas e

artísticas de sua assunção. O auto-retrato é gerido entre a fisicalidade [e transcendência]

(Molder), a evanescência (Woodman) e a corporalidade presentificada [no caso de algumas

das séries, a transfiguração] (Tschäpe]. Todas estas acepções remetem, a meu ver, para os

conteúdos semânticos apreendidos na poética de Poe, quanto nos anteriormente anunciados

excertos de âmbito filosófico e estético em sua prosa. Saliente-se, ainda, a concordância aos

estereótipos (visuais) configurados em protagonistas e nos ambientes que aglutinam os

enredos dos contos mais divulgados…

1. Jorge Molder:

Sob signo de sombras, silhuetas e ocultações, Molder concretizou através do recurso a

diferentes estratégias visuais as motivações identitárias que revelam o questionamento

ontológico mais determinante na caracterização/fundamentação da sua obra de fotografia.

Em Desconhecimento Imediato (2005), à semelhança do que se pode constatar em Pequeno

Mundo impõe-se a “dissolução”, a “desmaterialização” simuladas do corpo, assumindo a

fisicalidade uma justificação para uma suposta anulação, em prol da metaforização, através da

constituição de uma retórica visual, porventura desconcertante. Em termos metonímicos, o

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rosto cumpre essa decisão, numa sequencialidade oscilando entre a pseudorrevelação e

soluções ônticas de seu paradoxo.

Jorge Molder. Desconhecimento Imediato, 2005

Fig.1 - Jorge Molder – Desconhecimento Imediato, 2009

“Há certas qualidades…tais compósitas

Com uma dupla vida, a que assiste

Uma entidade gémea que consiste

Em luz e em matéria, sombra e sólido.

Cindido é o Silêncio: mar e cais,

Corpo e alma. Um vive solitário

Em campo raso, e faz-se temerário

Mercê de humanos ecos, rituais

E indulgências…seu nome é “Nunca mais”. (Poe, 2009, O.C., p.143)

No rosto, o olhar destaca-se, quer pela sua opacidade, pelo ocultamento absoluto ou

parcial, quer pela translucidez de onde parece submergir. O olhar interpela pelo espanto, pela

ameaça latente, pela dilaceração, promovendo emoções, desígnios que cativam o corpo

próprio, organizando numa perspectiva de incidência quase aérea (construtivista, dir-se-ia…)

O olhar residindo no rosto é suportado por um busto “invertido” ou cativado no reflexo sub-

camuflado com esgar…O desdobramento do rosto plasmado na 3ª imagem da sequência,

cativa a densidade de um doppelganger que atravessa a sua estética autoidentitária em estado

puro de ficção.

Fig.2. Jorge Molder - CD, 1998

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Todos os enunciados visuais centrados nesse olhar, que promotor da acuidade do auto-

retrato, correspondem, em toda a sua expansão mítico-simbólica, a tópicos qualificativos

(estereótipos) banalizados na narrativa e na poesia de Poe, como acima se assinalou,

conformada num imaginário romanticista que preanuncia o “ultra-romantismo”, o

“decadentismo”, tanto quanto o “simbolismo” – tanto quanto o designado por “goticismo”.

Em derradeira instância atinge um estádio quase extremo de máscara mortuária como em

Pinocchio (2009). A fotografia regista o molde de gesso do rosto próprio, uma espécie de

doppelganger, como antes se assinalou. Igualmente as mãos são presentificadas em moldes,

também à semelhança de certa tradição de cativação para a eternidade do indivíduo humano e

pessoal…Assim, através deste (auto)retrato-máscara, se consumam as distintas acepções do

rosto nas suas imagens fotográficas. As máscaras significam, quiçá, a “perda do rosto”

(individuado para o holista ou vice-versa?), numa acepção antropológica, para agregação de

um dividendo ontológico (?), quase ascendendo a “teleologização”?

Num outro direcionamento cúmplice, analisando as inúmeras e rigorosas Séries de

Molder, o corpo próprio torna-se objecto de culto, de pregnância: Linha do tempo (2000) e

Curtas metragens (2000). Vê-se a identidade em fuga (de e) no tempo (ocorrem as

argumentações enriquecedoras de Sto. Agostinho nas Confissões e de Bergson em Matière et

Mémoire). Identidade em fuga no tempo é visibilizada, provando que é possível cumprir a

complementaridade da noção que Poe, precisamente, assinalava como incompleta: o tempo

apenas entendido - que “se dá”/”se torna” - enquanto súmula, sucessão de eventos. O tempo é

consignado, por externalização na sucessão de corpo(s) do mesmo, em movimentos que

supostamente definiriam (à semelhança) o espaço – na sua amplitude e configuração de área.

Jorge.Molder.“curtas.metragens.linha.tempo”.2000

Fig. 3 Linha do tempo, 2000

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“Linha do tempo

Um homem procura esboçar uma ombreira de porta. Não é bem um desenho aquilo que vai fazendo, é mais

como se quisesse tornar precisa uma indicação urgente da qual poderia depender a sua sobrevivência, ou

apenas uma memória. Não deixa transparecer qualquer atitude desesperada, mas antes alguma coisa entre a

concentração e o devaneio. Percorre alguns locais certamente ligados ao seu passado.

Outro homem percorre incessantemente uma casa como se procurasse alguma coisa, alguma coisa que está

mais dentro dele do que na casa, que se percebe já não ser habitada.” (Jorge Molder)

O corpo próprio do artista discorre nos corredores de uma casa, alertando-nos para os

valores simbólicos, arquetípicos de que Poe soube povoar as suas criações: casa como

cenário, casa como substância, casa como conceito…; casa onde a sombra, onde a silhueta de

Jorge Molder vagueia.

“…Ser minha fala a música de um sonho.

E enquanto não vier brusco ruído

Quebrar o teu deleite adormecido,

Nossas mentes e almas…Ó, Senhor!...

Em tudo se hão de unir, meu grande amor.” (Poe, 2009, O.C., p.209)

“Cheguei a casa…já não era a minha

Casa, sumiu-se tudo o que continha,

Saí, franqueei o musgoso umbral,

E ainda que o fizesse de mansinho.

Uma voz se elevou do patamar

De alguém que antes cruzara o meu caminho…

Nem no Inferno, oh!, havia de encontrar,

Lá no seu leito fundo tão ardente,

Mais mansa alma…tristeza mais dolente.” (Poe, 2009, O.C., pp. 57-58)

A deambulação , neste caso é mais um deslocamento intencionalizado, que não

necessariamente cumpre todos os requisitos da mais frequente aceção de flânerie. Remete

para a afirmatividade das imagens psíquicas que Poe já soube diferenciar das imagens mentais

reunidas, talvez, sob a entrega das imagens memória…No espaço arquitectónico exerce-se a

quase dissolução do corpo – O Pequeno Mundo (2001). A casa apropria-se do protagonista.

Essa acção é consequência do processo deambulatório que propicia uma pertença quase

indistinta a nível percepcional (e ontológica) entre um (protagonista/corpo) e outra

(casa/arquitectura): paredes, corredores, portas... absorvem o ser pessoal na assunção

celebrada sobre o seu “invólucro”, esse “eu-pele” que Didier Anzieu soube designar.

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2. Francesca Woodman:

Fig. 4 Francesca Woodman Fig. 5 Self-Deceit 5 (Roma).77-78

A arquitetura assume um protagonismo notório na escrita do autor americano,

albergando sentimentos e emoções que o entendimento “estratégico” procura conciliar. As

descrições directas ou intermediais do espaço urbano ou rural direccionam o desenvolvimento

das acções que as personagens são conduzidas a cumprir. Esta nota tipicamente romântica

encontra paralelismo na encenação fotográfica que Francesca Woodman legou.

Prematuramente desaparecida, ficou uma obra singular, eivada de uma assunção identitária

sui generis que assegura a intemporalidade da figura/personalidade do artista enquanto

perseguido pelo paradoxo de si mesmo. Em finais da década de 70, Woodman revela-se,

através de imbricadas construções visuais, de intrínseca valência performática.

“Tua alma solitária se verá

Sombria, meditando num jazigo…

Ninguém, da multidão, perscrutará

Esse instante em que estás a sós contigo.

Guarda silêncio nessa solidão,

Que não é um exílio – pois então

Os espíritos dos mortos, que de frente

Viste quando viviam, novamente

Na morte te rodeiam…seus desejos

Vêm obscurecer-te: oh, sê silente!

A noite, embora clara, há de cerrar-se,

E o olhar dos astros não há de inclinar-se

Dos seus tronos no alto, celestiais…”

(Poe, 2009, O.C., p. 65)

Fig. 6 Untitled. Boulder. Colorado.1972.75

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A artista-persona enreda-se em cenários naturais, trabalhados por recurso a trucagens,

montagens e demais procedimentos técnicos, assimilando-se e enfatizando a sua presença. De

forma equívoca, a sua figura submerge entre arvoredos, ocultada sobre tecidos ou mais,

recorrentemente, dissolve-se em paredes internas à casa. Numa fotografia emblemática o seu

corpo (que é mais um vestígio do que uma afirmação) atravessa uma lápide – atravessando

reinos inconciliáveis…aparentemente. Woodman movimenta-se entre mundos: diurno e

nocturno, consciência e inconsciência, vida e morte…Se atendendo à nomenclatura

cinematográfica de André Gide em Orpheu, Woodman vive na Zone…Esse espaço onde a

memória garante que se vivifica sempre e sempre, onde a realidade é a crença ansiada, onde a

ilusão domina e confunde…espécie de caverna platónica…

Em House #4, a figura feminina atravessa-se entre a parede e o umbral de uma lareira,

evocando um elemento primordial ausente – o fogo. Numa assunção simbólica complexa e

potencializadora de intensa dualidade, o plano inclinado acentua a dramática prisão. O corpo

tende sempre para uma dissolução visual, contrariando a impenetrabilidade dos materiais.

Recorrendo a adereços do imaginário pessoal, quanto do colectivo, para acentuar a pseudo-

ocultação da sua pessoa, extravasa o “gosto” pelo gótico – campas, emparedamento, espelho-

cego…voltando-se para dentro da parede como se de uma estrada de luz se tratara…

Fig. 7 House #4, Providence, Rhode Island, 1976 Fig. 8 From Angel Series, Roma,1977-1978

“…Não há palavras – aí, para meu desgosto! –

Que digam o encanto que é amar,

Nem poderia agora eu traçar

A beleza suprema desse rosto

Cujas linhas, em meu lembrar distante,

São sombras vagas pelo vento errante:

Assim também recordo já ter lido

Dispersas folhas do saber de outrora

Até que, para meu olho abstraído,

Cederam suas letras seu sentido

A fantasias cujo senso ignoro.” (Poe, 2009, O.C., p.53)

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Francesca Woodman transportou no Poem about 14 hands high1, os reinos de fantasia

e de realidade, cujos intermediários são as mãos (também as luvas), a pele da pele numa

escrita de reverso. O corpo é apresentado em distintas acepções ôntico-visuais:

a) corpo envolto em papel – Then at that point I did not need to translate the notes; they went

directly to my hands.(Francesca Woodman – Providence – 1976, texto e fotografia);

b) corpo que olha a sua silhueta carbonizada – Providence/Rhode Island, 1976 (fotografia);

c) corpo enjaulado no aquário e no espelho – Space 2,1975-1978;

d) corpo diluído entre o papel de forrar a parede e a própria parede – almas, carbonizações…;

e) corpo desajustado de focagem com efectividade do espelho que reflecte paredes; moldura

de espelho com dissipação da pessoa (etérea), espécie de alma;

f) elevação do corpo como anjo na moldura, no umbral de uma porta que é transição de

mundos, passagem entre Eros e Thanatos; asas-lençol (sem corpo de anjo) cuja figura as

ladeia…poética da (não)matéria…

Fig. 9 From Angel series. Rome. 1977 Fig. 10 Untitled. Rome. 1977-78

“Um anjo habita o alto firmamento,

“Que tem no peito fibras de alaúde”;

Ninguém canta com tal arrombo e alento (…)” (Poe, 2009, O.C., p.111)

“Creio eu que os Anjos no Além,

Cantando uns com os outros, suspirosos,

Não acham, entre os termos carinhosos,

Palavra mais piedosa do que “Mãe”. (…)” (Poe, 2009, O.C., p.185)

1 Cf. Poem about 14 hands high:

“i am apprehensive. it is like when/ i played the piano. first i learned to/ read music and then at one point i/ no

longer needed to translate the notes:/ they went directly to my hands. After a/ while i stopped playing and when i

started again i found i could not/ play. i could not play by/ instinct and i had forgotten how

to read music.”

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A coincidência trágica, entre os conteúdos iconográficos das suas fotografias e as

circunstâncias biográficas, converteu Woodman numa figura paradigmática, enfatizada em

inúmeros gender studies focados no seu caos particular. Cartografou a identidade pessoal num

(não)lugar onde a vida era morte e seu reverso. O corpo, porventura, um peso excessivo –

uma carga imaginária “patológica”, metáfora pungente – corporaliza-se no desejo de aparição,

circunstância e condição de uma transitoriedade deliberada, demarcando-se do tempo/duração

imposto e propugnando – em derradeira instância – o termo de vida que decidiu:

“Eu não fui, desde a infância

Como outros eram…não olhei

O que outros viam…não busquei

Na mesma fonte as minhas ânsias…

Não foi do mesmo poço que tirei

Minha amargura…meu coração

Não entoou, em coro, hinos de louvor…

E tudo o que eu amei, amei em solidão…” (Poe, 2009, O.C., p. 199)

3. Janaina Tschäpe:

Fig. 11 The Moat and the Moon. Ghost.2003

“…To give form and narrative to the trance of art making, to portray not a dream world, but the sensation of being in one

and to allow the viewer to temporarily embody the mind of the artist when everything is still at play is my main objective

through a indiscriminatingly ample repertoire of multi- media and multi-disciplinary attitudes.”- Janaina Tschäpe, 2004

Arquitetura, lugar e natureza são os tópicos que absorvem a auto-presentificação –

performatizada – de Janaina Tschäpe. Numa irradiação peculiar, onde luz e escuridão se

combinam, a obra da artista alemã, radicada no Brasil, alastra em Séries, cujas intensidade

dramática e poética quanto a axiologia estética, se encontram subsumidas nos reinos do

imaginário. O imaginário adquire proporções diferenciadas consoante os pressupostos

conceptuais que se concretizam em fotografias, vídeos ou pinturas: imaginário da matéria,

organizado em “mundos”, em “ambientes”, em cenografias dominadas por elementos

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matriciais. Os lugares multiplicam-se, desdobram-se em consonância com a

personagem/autora que, prioritariamente, neles transita mais do que reside. Todavia a sua

presença pode determinar-se por uma recorrência de maior duração ou pela fugacidade que

deixa vestígios complexos e polissémicos. Assim, os lugares do seu imaginário(s) confirmam

a sua radicação nas “estruturas antropológicas”, seguindo Gilbert Durand. Todavia, não

somente o conceito de imaginário alimenta a produção da artista, quanto nalguns casos,

assume relevo o caminho do fantasmático; noutros destacam-se efabulações e ainda devaneios

por onde deambulam ou se fixam figuras mutantes e/ou transfiguradas – Blood Sea (2004),

Lacrima Corpus (2004) que se suspeita sejam a própria autora. Tschäpe converte-se em seres

híbridos versus corpo/fantasma – The Moat and the Moon (2003), zoomorfos Acqua Viva

(2003) ou ectoplasmáticos – After the Rain (2003), tanto quanto a sua persona/corpo se

coloca/estabelece, aderindo ao chão em 100 pequenas mortes – 100 Little Deaths.

Fig. 12 100 Little Deaths, Sarraceno, 2000 Fig. 13 100 Little Deaths, Rocha's House, 2000

“Pela noite, a cada instante…

Tais eternas viandantes…

E toldam a luz estelar

Com o sopro dos rostos pálidos.

À meia-noite lunar,

Uma, entre todas nublosa,

(Que, feitos os testes válidos

Se sagrou a mais airosa)

Mergulha…mais e mais fundo…

E o seu centro se emaranha

Na crista duma montanha,

E o seu bojo, tão rotundo,

Se dissolve em véus perlados

Sobre casas…povoados,

Onde quer que possam estar…

Sobre as matas, sobre o mar…

Sobre os espíritos alados…

Sobre os seres estremunhados…

E os soterra totalmente

Num labirinto fulgente…” (Poe, 2009, O.C., p.103)

Nesta série, desenvolvida entre 1998 e 2002, a sua presentificação possui algo de

“sagrado” (quase religioso) ao estender-se no solo – terra, água…- evocando despojamento,

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aceitação e, sobretudo absoluto domínio e conhecimento de si. Na assunção do

antropomórfico, explora o perigo, o horror e o medo – nas suas dimensões fantasmática e real

– do artista perante a falha, a ausência. O corpo jacente é um tema frequente na iconografia

ocidental, conotado com motivações e contextos religiosos e teológicos. Aqui, o corpo

jacente, ventre em terra convoca o mito da fertilidade, realidade simbólica da mulher. A

heterogeneidade de lugares recebe esse corpo jacente, em espaços interiores e exteriores,

percorrendo uma diversidade de geografias, devidamente nominadas. O corpo é uma espécie

de espelho de um Atlas, subjacente o conhecimento do mundo e estimulando a viagem ao

além-mundo.

Fig. 14 100 Little Deaths, Mana.2002 Fig. 15 100 Little Deaths, Antiparos, 1998

“Em visões do breu nocturno e incerto

Sonhei com o prazer de outrora…

Mas um sonho desperto, pela aurora,

Deixou-me o coração deserto.

Que faz senão sonhar sempre acordado

Aquele que olha de soslaio

As coisas em redor, e com um raio

Apontado para o passado?” (Poe, 2009, O.C., p. 73)

“Mas quando a Noite o seu sudário

Deitava em tal lugar, e em tudo à volta,

E o vento misterioso andava à solta…

E o vento em canto murmurava…

Ah…era então que eu despertava

Para o terror do lago solitário. (…)

No veneno da onda havia dolo,

E em seu vórtice um esquife apropriado

A quem buscava o consolo

De um espírito, erguendo transviado,

Em seu imaginário isolado,

Um Éden no sombrio e torvo lago.” (Poe, 2009, O.C., p. 78)

Os excertos de paisagem natural (ou intervencionada pelo humano) acolhem a

celebração de Tschäpe, em estradas sinuosas que se distendem, em plataformas de vegetação,

dirigindo-se quase em espiral para o conhecimento autognósico: orla da praia; águas paradas

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de um rio ou lago; áreas de terra batida e arvoredo; berma de estrada ou ponte; vales

cavados…

A quietude da figura, como que descida ou pousada, não possui peso, nem é gerida

pela gravidade. O seu hieratismo é antes uma suspensão colocada e decidida a sua demora, a

sua delonga. Uma figura única confere-nos a noção de espaço, comprovando-se quanto Poe

tinha razão ao aperceber-se que mais do que o acumulo de objectos e coisas poderiam definir

uma área, torná-la mensurável – em termos perceptivos…

Fig. 16 100 Little Deaths, Frac Champagne-Ardenne, 2001

Em 100 Little Deaths, Tschäpe encena situações, proporciona enredos, estimula o

nosso imaginário particular a enredar-se com os estereótipos do mistério, mais do que do

hermético ou esotérico. Tampouco confere o primado ao mítico e as simbologias que impõe

são bastante conclusivas, contrariamente ao que mais frequente as caracteriza. Ao escolher-se

a si mesma como protagonista que atravessa cartografias, assinala lugares efectivos por onde

passa ou fixa. Como se referiu, os lugares são denominados, ao contrário de outros lugares

presentes em diversas Séries da artista, que se assumem como “terra-de-ninguém” ou não-

lugares quase…

Janaina Tschäpe é a personagem, a protagonista, a figura única de seus “tableaux

presque vivants”. Segura, estabiliza, quase exerce um tempo levitado que transpõe a noção de

sucessão pois radica num tempo sem cronometria objectiva…apenas experiencial – quer da

parte da artista, quer por parte dos receptores (do público). A natureza, na sua dimensão

cosmogónica, acolhe tempo e espaço, transcendendo-os e prometendo-lhes transcendência.

Aí, os territórios do imaginário ganhem um dimensionamento credível, pela força semântica

que exalam quanto o reverso, consequente da projeção ecfrástica dos fragmentos poéticos de

E.A.Poe.

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Fig. 17 100 Little Deaths, (Arco Natural) 1998

“Vales sem fundo, infindas vagas,

Bosques vastos, onde cavas,

Cujas formas se sepultam

Nos orvalhos que as ocultam,

Montes eternos que avultam

Sobre oceanos sem costas;

Mares revoltos num tumulto

Contra os céus em fogo postos;

Lagos largos de águas extensas,

Águas quedas…mortas…densas…

Águas geladas pela neve

Onde ondula o lírio breve.” (Poe, 2009, O.C., p. 149)

Coda:

A diversidade estética da obra de Edgar Allan Poe tornaria infindável o enunciar de

aproximações, referências, afinidades visuais, suscetíveis de serem estabelecidas por relação

e/ou confronto: à poesia, contos e ficções, ensaios, escritos críticos e filosóficos – Marginalia,

Eureka, Power of Words, Colloque of Monos and Una, Dialogue Eirós and Charmion,

Philosophy of Composition, Philosophy of Furniture…

Um dos aspetos a salientar consiste no facto do texto literário ser definido em causa

relacional à força psíquica que exerce sobre o leitor, decorrendo da intensidade ab initio

vivenciada pelo próprio autor. Essa força psíquica confere-lhe, precisamente, uma singular

autonomia no campo da escrita, garantindo-lhe a consistência, a força prospectiva que se

espelha em cada acto de leitura – nomeadamente, pela veemência iconográfica que induz e

estimula em termos de recepção estética e poética.

Poe afirma a densidade do poema em si mesmo, per se…um poema é um poema, pré-

figurando o esteticismo fin-de-siècle que adviria por mão de outros autores. É na alma (campo

psíquico total) que se desencadeia a evidência do valor intrínseco do poético. A alma aspira a

ser invadida totalmente pela linguagem e o poema é-lhe apenas o lugar de potenciação

psíquica. O prazer poético vê-se agregado pela tristeza, pela tensão, pois é constituído de

alegrias estéticas, apenas vislumbradas, entrevistas, através do poema em si. O poema será

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uma estrutura linguística onde a alma irradia, por entre rimas, palavras, frases,

consubstanciando a beleza e predispondo, com frequência, ao sublime. Atenda-se à

argumentação de Poe, quando refere que o “sentido poético” é “elevação”…, não antes

“estimulação da alma”, onde se reencontra. Eis os territórios do psíquico, cujos elementos

conceptuais analisa: alma, espírito, sopro…Alma é entendida como distinta do corpo, dele se

destacando, prestes a elevar-se em direcção à eternidade. Alma e espírito são dois modos que

associados ao sopro (enquanto hálito que, ao nível das vias respiratórias, implica mudanças,

trocas com o ar exterior) propiciam a junção do mental com o físico, do consciente ao

inconsciente. Como assinala Poe, respiramos inconscientemente, mesmo quando dormimos,

estando o sopro nos limites. A alma (através do sopro) toca o mais íntimo do íntimo, velando.

É a fronteira entre o interior e o exterior. Na tradição esotérica, o homem na sua tríplice

condição (corpo, alma, espírito) converge na imagem do carro atrelado + condutor +

carro/veículo…

Nas suas reflexões, à semelhança dos conteúdos poéticos, E.A. Poe aborda os

fenómenos que qualifica, denomina mais incisivamente de “psíquicos” do que de

“intelectuais”, estabelecendo-lhes a distinção (em termos epistemológicos). Menciona o que

se sabe serem as imagens hipnagógicas…as “impressões psíquicas” expondo que, por vezes,

estas se transferem para a memória, ficando assim disponíveis para a consciência…em toda a

sua densidade pulsional (diríamos). Em Marginalia (1849) reafirma o “psíquico” como

oposto a mental e em Princípio Poético, associa-o à alma. O valor do poema centrar-se-ia, na

capacidade e proporção de elevação e estimulação que, por necessidade psíquica, é efémera.

Os textos de E.A. Poe anunciam e corporalizam, já muito aprofundadamente mesmo nalguns

aspectos, uma tarefa de conquista gnosiológica, incidindo em territórios que então se

pressentiam mais do que estruturavam rigorosamente. Através de uma consciência pessoal, os

campos informulados e anónimos adquiriram, progressivamente, uma consistência reflexiva

inquestionável.

Em termos iconográficos a instituição do mundo estético estudado por Poe, reuniu

conhecimentos pluridisciplinares que seriam explorados posteriormente por diferentes

autores, como se sabe. A estética da vertigem, das bipolaridades, das oposicionalidades, as

dualidades…avançando para uma capacitação hermenêutica por parte do espectador/leitor.

No caso dos três artistas aqui propostos enquanto externalizando conceito e reflexões

constitutivas do pensamento e criação de E.A. Poe, mais se poderia estender, particularizando

detalhes essenciais e peculiaridades ínfimas. Concluindo, assinalo:

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Fig. 18 Janaina Tschäpe - Nightmare, 2001, video, 3min52s

Janaina Tschäpe, em Nightmare, rende homenagem, sendo uma simulação de “filme

mudo”, onde as transfigurações do corpo e distorções da voz questionam os limites da vida,

morte, sonho e da ficção poética.

“Olhai! A morte ergueu seu alto trono

Numa estranha cidade ao abandono,

Lá longe, onde o Sol morre com langor,

E os bons e os maus, e os piores e os melhores,

Desfrutam nessa terra, o eterno sono.” (Poe, 2009, O.C., p. 115)

Francesca Woodman fez convergir, centrando em si, a dramática oposicionalidade que

se verifica na leitura do autor americano. A sedução, a volúpia da tragédia que possui a sua

mais intensa morfologia nas dissipações e assunções do eu.

Fig. 19 Francesca Woodman-Untitled New-York, 1979-80

“…Ser minha fala a música de um sonho.

“E enquanto não vier brusco ruído

Quebrar o teu deleite adormecido,

Nossas mentes e almas…” (Poe, 2009, O.C., p. 209)

Jorge Molder, considerando a sabedoria extrema de si, explora a obra visual como

poema metafísico, dominando as ambiguidades e afirmando as interpretações projectadas

pelos seus receptores.

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“O meu trabalho tem a ver com o fingimento.”

“No fundo, talvez seja a questão que também me coloco a mim próprio: o branco será mais assustador que o negro?”

“O que me interessa são as transições e a carga afectiva.” - Jorge Molder

Fig. 20 Jorge Molder – Pinocchio, 2009

“Chamei-lhe Pinocchio porque tem a ver com dois temas: um, a progressão do estado da memória, da matéria e da morte. O

outro é o que significam os sentimentos [...]” - Jorge Molder

Ficam as palavras do autor e as imagens e pensamentos dos 3 artistas, num processo

que apenas agora se inicia.

Lista Bibliográfica

Poe, E. A. (2007). Marginalia, Paris. Éditions Allia

Poe, E. A. (1884). Poems and Essays. Leipzig. Bernhard Taucnhitz

Poe, E. A. (2004). Poética (Textos Filosóficos). Lisboa. Fundação Calouste Gulbenkian

Poe, E. A. (2009). Obra Poética (Completa. Lisboa. Tinta da China

Poe, E. A. (2010). The Complete Works of Edgar Alan Poe. Memphis Tennesse. General

Books

Poe, E. A. (2009). The Works of Edgar Allan Poe; vol. IX – Essays – Philosophy [Ed.Facs].

UK. Milton Keynes

Justin, H. (2009). Avec Poe jusqu’au bout de la prose. Paris. NRF/Gallimard