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R. Bras. Risco e Seg., Rio de Janeiro, v. 14, n. 24, p. 71-82, out. 2018/dez. 2018 71 Desmatamento da Amazônia: Risco de Colapso, Custo Social e Externalidades Sergio Luis Franklin Junior Pesquisador visitante do Massachusetts Institute of Technology (MIT)/ Center for Energy and Environmental Policy Research. Pesquisador colaborador do MIT/International Policy Lab. Doutor em engenharia (D.Sc.) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), mestre (M.Sc.) pelo Institut Européen d’Administración des Affaires (França), e formado em engenharia elétrica pela PUC-Rio. Analista Técnico da SUSEP, onde vem realizando pesquisas nas áreas de economia de seguros e catástrofes, matemática aplicada e ciência de dados. [email protected] Resumo O risco de colapso em larga escala da floresta amazônica aumenta a importância do combate ao desmatamento e conduz a problemas de coordenação que têm sido largamente ignorados pelos países amazônicos. Estudos sobre o custo social do desmatamento da Amazônia precisam levar em consideração a probabilidade e o potencial impacto econômico de uma transição floresta-savana em larga escala. Além disso, o custo social de desmatamento observado por um país amazônico depende das políticas de uso da terra adotadas pelos outros países, e pagamentos por serviços de ecossistema podem ser necessários para garantir a provisão continuada de serviços e benefícios globais, tais como o armazenamento de carbono e a proteção da biodiversidade. Baseado nos resultados de Franklin e Pindyck (2018), “Tropical forests, tipping points, and the social cost of deforestation”, o objetivo deste trabalho é encorajar e contribuir para o projeto e implementação de políticas econômicas e ambientais voltadas para a preservação da floresta amazônica. Palavras-Chave Desmatamento; Transição crítica; Ponto de não retorno; Custo social; Savanização; Pagamentos por serviços de ecossistema; Amazonas. Sumário 1. Introdução. 2. Custo social do desmatamento conforme estudos anteriores. 3. Custo social do desmatamento considerando o risco de savanização. 4. Precificando as externalidades. 5. Conclusões e recomendações de política. 6. Referências bibliográficas. RBRS 24-04-Desmatamento-Sergio.indd 71 07/01/2019 15:56:00

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Desmatamento da Amazônia: Risco de Colapso, Custo Social e ExternalidadesSergio Luis Franklin JuniorPesquisador visitante do Massachusetts Institute of Technology (MIT)/ Center for Energy and Environmental Policy Research. Pesquisador colaborador do MIT/International Policy Lab. Doutor em engenharia (D.Sc.) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), mestre (M.Sc.) pelo Institut Européen d’Administración des Affaires (França), e formado em engenharia elétrica pela PUC-Rio. Analista Técnico da SUSEP, onde vem realizando pesquisas nas áreas de economia de seguros e catástrofes, matemática aplicada e ciência de [email protected]

Resumo

O risco de colapso em larga escala da floresta amazônica aumenta a importância do combate ao desmatamento e conduz a problemas de coordenação que têm sido largamente ignorados pelos países amazônicos. Estudos sobre o custo social do desmatamento da Amazônia precisam levar em consideração a probabilidade e o potencial impacto econômico de uma transição floresta-savana em larga escala. Além disso, o custo social de desmatamento observado por um país amazônico depende das políticas de uso da terra adotadas pelos outros países, e pagamentos por serviços de ecossistema podem ser necessários para garantir a provisão continuada de serviços e benefícios globais, tais como o armazenamento de carbono e a proteção da biodiversidade. Baseado nos resultados de Franklin e Pindyck (2018), “Tropical forests, tipping points, and the social cost of deforestation”, o objetivo deste trabalho é encorajar e contribuir para o projeto e implementação de políticas econômicas e ambientais voltadas para a preservação da floresta amazônica.

Palavras-Chave

Desmatamento; Transição crítica; Ponto de não retorno; Custo social; Savanização; Pagamentos por serviços de ecossistema; Amazonas.

Sumário

1. Introdução. 2. Custo social do desmatamento conforme estudos anteriores. 3. Custo social do desmatamento considerando o risco de savanização. 4. Precificando as externalidades. 5. Conclusões e recomendações de política. 6. Referências bibliográficas.

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Desmatamento da Amazônia: Risco de Colapso, Custo Social e Externalidades

Abstract

Amazon Deforestation: Risk of Dieback, Social Cost and Externalities

Sergio Luis Franklin JuniorVisiting scholar at Massachusetts Institute of Technology (MIT)/Center for Energy and Environmental Policy Research. Research collaborator at MIT/International Policy Lab. Doctorate in engineering (D.Sc.) at Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), master (M.Sc.) at Institut Européen d’Administración des Affaires (France), and graduate in electrical engineering at PUC-Rio. Technical Analyst at SUSEP, where he has conducted research in the areas of economics of insurance and catastrophes, applied mathematics and data [email protected].

Summary

The risk of irreversible change raises the value of maintaining the Amazon forest cover and leads to coordination problems among Amazon countries that have been largely ignored. Deforestation cost studies must take into account the likelihood and possible economic impact of a large-scale forest dieback. Additionally, the social cost of deforestation observed by one Amazon country largely depends on the land-use policy adopted by the others, and payments for ecosystem services may be necessary to ensure the continued provision of global services and benefits, such as carbon storage and biodiversity protection. Based on the results of Franklin and Pindyck (2018), “Tropical forests, tipping points, and the social cost of deforestation”, the objective of this work is to encourage and contribute to the design and implementation of environmental and economic policies to preserve the Amazon rainforest.

Key Words

Deforestation; Critical transition; Tipping point; Social cost; Forest dieback; Payments for ecosystem services; Amazon.

Contents

1. Introduction. 2. Social cost of deforestation as measured by prior studies. 3. Social cost of deforestation taking into account the risk of forest dieback. 4. Pricing externalities. 5. Conclusions and policy recommendations. 6. Bibliographical references.

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Sergio Luis Franklin Junior

Sinopsis

Deforestación de Amazonia: Riesgo de Colapso, Costo Social y Externalidades

Sergio Luis Franklin JuniorInvestigador visitante del Massachusetts Institute of Technology (MIT)/Center for Energy and Environmental Policy Research. Investigador colaborador del MIT/International Policy Lab. Doctor en ingeniería (D.Sc.) por la Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), maestro (M.Sc.) por el Institut Européen d’Administración des Affaires (Francia), y formado en ingeniería eléctrica por PUC-Rio. Analista Técnico de SUSEP, donde está realizando investigaciones en las áreas de economía de seguridad y desastres, matemática aplicada y ciencia de [email protected]

Resumen

El riesgo de colapso a gran escala de la selva amazónica aumenta la importancia del combate a la deforestación y conduce a problemas de coordinación que han sido ampliamente ignorados por los países amazónicos. Los estudios sobre el costo social de la deforestación de la Amazonía deben tener en cuenta la probabilidad y el potencial impacto económico de una transición selva-sabana a gran escala. Además, el costo social de deforestación observado por un país amazónico depende de las políticas de uso de la tierra adoptadas por los otros países, y los pagos por servicios de ecosistema pueden ser necesarios para garantizar la provisión continuada de servicios y beneficios globales, tales como el almacenamiento de carbono y la protección de la biodiversidad. Basado en los resultados de Franklin y Pindyck (2018), “Tropical forests, tipping points, and the social cost of deforestation”, el objetivo de este trabajo es incentivar y contribuir al proyecto e implementación de políticas económicas y ambientales orientadas a la preservación de la selva Amazonas.

Palabras-Clave

Deforestación; Transición crítica; Punto de no regreso; Costo social; Sabanización; Pagos por servicios de ecosistema; Amazonas.

Sumario

1. Introducción. 2. Costo social de la deforestación conforme estudios anteriores. 3. Costo social de la deforestación teniendo en cuenta el riesgo de sabanización. 4. Determinar el valor de las externalidades. 5. Conclusiones y recomendaciones de política. 6. Referencias bibliográficas.

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1. Introdução Estudos recentes sugerem que florestas tropicais e savanas representam estados alternativos de equilíbrio, sujeitos a mudanças drásticas, em “pontos de não retorno” (tipping points), em resposta a alterações nos padrões de chuva e outros fatores (Hirota et al., 2011). Ecossistemas expostos a alterações graduais no clima, nutrientes, fragmentação ou exploração biótica costumam responder a essas alterações de forma gradual e suave. Entretanto, estudos com florestas, lagos, recifes de corais e terras áridas têm mostrado que mudanças suaves podem ser interrompidas por alterações drásticas e repentinas para um estado alternativo (Scheffer et al., 2001). Um “ponto de não retorno” pode ser definido como uma situação em que o ecossistema muda drasticamente para um estado alternativo de equilíbrio, causando alterações significativas em sua biodiversidade e nos serviços associados.

A precipitação atmosférica tem sido o principal direcionador de mudanças na extensão de florestas e savanas (Mayle et al., 2007). Os padrões de chuva na floresta amazônica são mantidos, em grande parte, pela própria floresta, por meio de contribuições de vapor d’água para a atmosfera. De acordo com Fearnside (1997), cerca de metade das chuvas na floresta amazônica deriva da água que esta recicla por meio da evapotranspiração. Nesse contexto, a Cordilheira dos Andes forma uma barreira de seis quilômetros de altura que bloqueia o vapor de água sobre a floresta, e correntes de ar carregam a umidade através da região amazônica e em direção ao sudoeste e sul do continente sul-americano. Assim, a floresta amazônica não apenas mantém o ar úmido para si, mas também exporta vapor de água via rios aéreos que irão produzir chuvas abundantes em regiões distantes (Nobre, 2014). Adicionalmente, uma grande área da floresta amazônica suporta biestabilidade de bioma, ou seja, embora esteja atualmente no estado floresta, uma perturbação suficientemente severa, tal como uma seca prolongada, um incêndio florestal, forte inundação ou desmatamento, pode desencadear uma transição autopropagante para o estado savana (Staver et al., 2011).

Clima e vegetação na Amazônia estão em equilíbrio estável na condição úmida. O desmatamento por corte raso atual beira os 20% da cobertura original na Amazônia brasileira. Variados experimentos e simulações a partir de modelos acoplados de clima-vegetação sugerem que ecossistemas amazônicos podem cruzar um ponto de não retorno se o desmatamento exceder 40% da área original da floresta, a partir do qual uma grande extensão irá experimentar uma transição autopropagante para o estado de savana, a qual pode levar várias décadas ou um século para atingir completamente o novo equilíbrio (Sampaio et al., 2007; Nepstad et al., 2008; Nobre e Borma, 2009; Lawrence e Vandecar, 2015).

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2. Custo Um número de estudos tem procurado avaliar os benefícios econômicos Social do de uma floresta tropical sustentável, estimando os benefícios que seriam Desmatamento perdidos com o desmatamento. O valor econômico total de um recurso Conforme natural, VET, é a soma de seus valores de uso direto, uso indireto, opção Estudos e existência (Pearce, 1993), Anteriores

,

(1)

onde:

• O valor de uso direto de uma floresta tropical advém da colheita sustentável de produtos madeireiros e não madeireiros, tais como nozes, castanhas, frutas, borracha, bem como do ecoturismo.

• O valor de uso indireto depende das funções ecológicas realizadas pela floresta, tais como a regulação do clima, proteção da bacia hidrográfica, controle da erosão, proteção contra incêndio, e armazenamento de carbono.

• O valor de opção se refere a benefícios incertos que podem ser realizados em algum momento no futuro, e reflete o desejo de preservar uma opção para o uso futuro da floresta. Inclui, por exemplo, o valor da biodiversidade e o seu uso potencial para a criação de novos medicamentos.

• O valor de existência não está relacionado com os valores de uso nem com o valor de opção, e surge pelo fato de as pessoas estarem dispostas a pagar uma quantia para garantir a existência de um recurso ambiental, mesmo sem nunca utilizar esse recurso. Inclui, por exemplo, o valor que a sociedade está disposta a pagar para assegurar a sobrevivência e o bem-estar de outras espécies.

O método de valoração é semelhante ao usado para calcular o valor de um ativo financeiro: (i) Estima-se o fluxo de caixa associado a um determinado serviço de ecossistema assumindo que a floresta seja explorada de forma sustentável (i.e., sem destruir nenhuma área de floresta); e (ii) Desconta-se esse fluxo de caixa usando uma taxa de juros apropriada, de longuíssimo prazo (“entre gerações”), muito diferente da taxa de juros ora vigente no mercado.

O valor presente dos benefícios econômicos perdidos com um hectare de desmatamento tem sido comparado com o valor presente dos benefícios futuros que poderiam ser obtidos com usos alternativos da terra (por exemplo, agricultura ou criação de gado), de forma a determinar a política socialmente ótima de uso da terra. Esses estudos mostram que, ao nível de desmatamento corrente, os benefícios econômicos perdidos com o desmatamento florestal são inferiores aos benefícios econômicos futuros (potenciais) com usos alternativos da terra, de modo que o desflorestamento tem sido um bom negócio para os países amazônicos.

No entanto, esses estudos têm ignorado a probabilidade e o potencial impacto econômico de um colapso em larga escala da floresta amazônica (i.e., savanização), subestimando o “verdadeiro” custo social.

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3. Custo A existência de pontos de transição floresta-savana implica que alterações Social do na resiliência florestal afetam o valor econômico marginal da floresta, eDesmatamento precisam ser levados em consideração no cálculo desse valor marginal. Considerando Em Ecologia, resiliência é a capacidade de um sistema restabelecer seu o Risco de equilíbrio após este ter sido rompido por uma perturbação. A resiliência Savanização de uma floresta pode ser definida como a capacidade que esta tem de responder a uma perturbação, resistindo a uma mudança estrutural

e retornando à sua condição original. Essas perturbações ou distúrbios podem incluir eventos estocásticos, tais como incêndio florestal, seca e

inundação, e atividades humanas, como o desmatamento. Há grandes incertezas a respeito do efeito do desmatamento sobre o regime de chuvas na floresta, bem como do efeito do regime de chuvas na resiliência do ecossistema. Entretanto, a maioria dos cientistas concorda que o desmatamento reduz a precipitação na floresta, e quanto maior o desmatamento, menor será a resiliência florestal.

Em um estudo recente, Franklin e Pindyck (2018) analisam os riscos e as implicações de uma transição crítica floresta-savana, propondo um método alternativo para calcular o valor econômico de uma floresta tropical sustentável. Porque a resiliência florestal depende dos padrões de chuva na floresta e os padrões de chuva na floresta amazônica são predominantemente mantidos por ela própria, a resiliência florestal pode ser representada como uma função da proporção de área desflorestada em um dado instante. Os autores mostram que quando pontos de não retorno são levados em consideração, o custo social do desmatamento pode ser muito superior aos valores ora estimados, e pagamentos por serviços de ecossistema podem ser necessários para garantir a provisão continuada dos serviços e benefícios globais de ecossistema, tais como o armazenamento de carbono e a proteção da biodiversidade.

No modelo proposto por Franklin e Pindyck (2018), a incerteza sobre o limite de desflorestamento que desencadeia uma transição crítica floresta-savana, H, é representada por uma distribuição de probabilidade, fH (h), de tal forma que a probabilidade de um hectare adicional de desmatamento levar o ecossistema para o ponto de transição floresta-savana é representada por P (d < H < d + δ ½ H > d), onde d e δ respectivamente denotam a proporção de área desflorestada em um dado instante e a mudança na proporção de área desflorestada que resulta de um hectare adicional de desmatamento.

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Assim, o custo social marginal do desmatamento da Amazônia, CMG, é o valor esperado da alteração no valor econômico total resultante de um hectare adicional de desmatamento,

, (2)

onde A, r e t respectivamente denotam o tamanho original da floresta amazônica, a taxa de desconto de longo prazo e o tempo até atingir completamente o estado de savana, f denota a fração de área de floresta remanescente no novo estado de equilíbrio, denota a mudança na proporção de área desflorestada que resulta de um hectare adicional de desmatamento, representa o valor presente dos benefícios econômicos perdidos com um hectare de desmatamento, e

representa a alteração no valor econômico médio de um hectare representativo de floresta que sofre a transição floresta-savana.1

A Figura 1 mostra, da perspectiva da região amazônica, como o custo marginal de desmatamento varia com a proporção de área desflorestada, ignorando e então levando em consideração a existência de pontos de não retorno. Primeiro, ignorando pontos de não retorno (como fazem os estudos anteriores), os benefícios econômicos perdidos com cada hectare de desmatamento permanecem aproximadamente constantes até a proporção de área desflorestada atingir algum limite crítico que desencadeia uma transição floresta-savana em larga escala, quando os benefícios econômicos perdidos saltam para US$ 5 trilhões. Por outro lado, levando em consideração a existência de pontos de não retorno, pode-se observar um rápido aumento no custo marginal de desmatamento à medida que a área da floresta é reduzida, o que pode funcionar como um sinal de alerta para impedir novos desflorestamentos. A Figura 2 mostra, da perspectiva do Brasil, como o custo marginal de desmatamento varia com a proporção de área desflorestada, quando os outros países amazônicos convertem 20% e 40% de suas áreas de florestas para usos alternativos da terra (agropecuária). A existência de pontos de transição floresta-savana implica que cada país amazônico observa um custo social de desmatamento que depende da política de uso da terra adotada pelos outros países. Isso dá origem a problemas de coordenação que têm sido largamente ignorados pelos países amazônicos.

1 Para manter a notação simples, o índice t é omitido quando não há confusão. De Franklin e Pindyck (2018), = US$ 3.789, = US$ 39.830, A = 620 milhões de hectares, f = 35%, t = 60 anos, e r = 2,5%.

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Figura 1 – Custo social marginal de desmatamento observado na região amazônica. (Adaptado de Franklin e Pindyck (2018), “Tropical forests, tipping points, and the social cost of deforestation”.)

Figura 2 – Custo social marginal de desmatamento observado pelo Brasil. (Adaptado de Franklin e Pindyck (2018), “Tropical forests, tipping points, and the social cost of deforestation”.)

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4. Precificando Os serviços e benefícios de ecossistema providos pela floresta amazônica as Externalidades podem ser classificados em privados, públicos locais e regionais e

públicos globais. Serviços privados são sempre locais e incluem, por exemplo, os lucros obtidos com a extração de produtos madeireiros e não madeireiros. Serviços públicos locais e regionais abarcam reciclagem da água, reciclagem de nutrientes, proteção contra incêndio, controle da erosão e proteção da bacia hidrográfica. Serviços globais abrangem, por exemplo, armazenamento de carbono e proteção da biodiversidade, e constituem externalidades positivas usufruídas pelo resto do mundo que resultam dos esforços dos países amazônicos em preservar a floresta tropical.

Imagine um cenário onde demandas globais por novas terras agrícolas continuam crescendo ao longo do tempo, de forma que os benefícios potenciais com usos alternativos da terra sejam sempre maiores do que os benefícios locais e regionais de uma floresta tropical sustentável. Na ausência de incentivos adequados, deve-se esperar que a área de floresta continue sendo convertida em terra agrícola até o ecossistema cruzar o ponto de transição floresta-savana. Pagamentos por serviços globais de ecossistema podem corrigir essa falha de mercado, provendo o suporte financeiro necessário para um novo paradigma de desenvolvimento sustentável, em que a floresta amazônica seja vista como um bem público global de ativos biológicos e modelos biomiméticos2, conforme em Nobre et al. (2016), para o qual a capacidade de pesquisa local, infraestrutura de computação e capital humano são elementos essenciais.

Franklin e Pindyck (2018) calculam os valores que os países amazônicos e a comunidade internacional estariam dispostos a pagar para garantir a provisão continuada dos serviços e benefícios locais, regionais e globais de ecossistema. Segundo esses autores, os benefícios econômicos potenciais com usos alternativos da terra devem ser comparados com o quanto cada parte espera perder, em média, quando a área de floresta é convertida em terra agrícola. Assim, seja ΔF a área adicional desflorestada que vai levar o ecossistema para o ponto de transição floresta-savana, ou seja, , onde H é o limite de desflorestamento (desconhecido), é a proporção de área desflorestada no instante t0, e A é o tamanho original da floresta amazônica. Assuma uma taxa de desmatamento constante, dr, de forma que o tempo até atingir o ponto sem retorno é a variável aleatória

. O custo social incremental médio do desmatamento (até o ponto de não retorno) é

2 Que imita alguma coisa da natureza ou algum processo natural.

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, (3)

onde .

Para garantir a provisão continuada dos serviços e benefícios globais de ecossistema, a comunidade internacional pode desejar pagar até o valor do custo social incremental médio de desmatamento associado a esses serviços e benefícios. Conforme mostrado na Figura 3, a comunidade internacional pode desejar pagar qualquer valor igual ou menor do que o valor dos serviços e benefícios globais de ecossistema, que seja suficiente para equiparar o valor dos serviços e benefícios locais e regionais ao valor dos benefícios econômicos potenciais com usos alternativos da terra.

Figura 3 – Relações entre os valores dos serviços e benefícios de ecossistema, benefícios econômicos futuros com usos alternativos da terra e pagamentos por serviços de ecossistema. (Adaptado de Franklin e Pindyck (2018), “Tropical forests, tipping points, and the social cost of deforestation”.)

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5. Conclusões Se fosse certo que os piores resultados do desmatamento poderiam e Recomendações ser evitados no futuro, seja por meio da regeneração natural de Política da floresta ou por reflorestamento, de forma que pontos de transição floresta-savana nunca fossem atingidos, então poderíamos confiar

nos estudos anteriores de custo marginal que ignoram a resiliência da floresta. No entanto, se há cenários plausíveis em que o ecossistema floresta sofre uma transição para o estado savana, o valor econômico marginal de uma floresta tropical sustentável pode ser muito superior ao valor presente dos benefícios econômicos perdidos com um hectare de desmatamento. O modelo proposto neste artigo mostra que quando “pontos de não retorno” são levados em consideração, o custo social do desmatamento pode ser muito maior do que os benefícios econômicos perdidos com um hectare de desmatamento, o custo social do desmatamento observado por um país amazônico depende das políticas de uso da terra adotadas pelos outros países, e pagamentos por serviços de ecossistema podem ser necessários para garantir a provisão continuada dos serviços e benefícios de ecossistema globais, tais como o armazenamento de carbono e a proteção da biodiversidade.

Os países amazônicos vêm enfrentando o risco de um colapso em larga escala da floresta tropical (savanização) e a consequente perda dos serviços e benefícios locais e regionais providos pelo ecossistema, como a extração sustentável de produtos madeireiros e não madeireiros, regulação do clima e regime de chuvas e proteção da bacia hidrográfica (esses últimos tendo um impacto muito grande sobre a produção do agronegócio e geração de energia elétrica). O resto do mundo vem enfrentando o risco de uma perda catastrófica dos serviços e benefícios globais providos pelo ecossistema, como a proteção da biodiversidade e o armazenamento (e captura) de carbono. Os países desenvolvidos já desmataram as suas grandes florestas, gerando emprego e renda, que foram usados para construir escolas, universidades, hospitais e infraestrutura de transporte. Os países amazônicos ainda não construíram escolas suficientes para educar grande parte de sua população.

Matematicamente, é como se cada país enxergasse um problema de otimização individual e tomasse suas decisões procurando maximizar o bem-estar social de sua população a partir do estado atual da natureza e de seus recursos limitados/finitos. No entanto, as decisões individuais de cada país alteram tanto a equação que descreve a função objetivo (bem-estar social), quanto as equações e inequações que descrevem os recursos limitados/finitos da natureza. O resultado desse processo de otimização é que, ano após ano, todos os países chegarão ao seu ponto de máximo bem-estar social local, que resultará, em um futuro não muito distante, em um ponto de mínimo global para toda humanidade, possivelmente destruindo o planeta Terra que conhecemos hoje. Sob a ótica da teoria dos jogos, podemos dizer que estamos diante de um “dilema dos prisioneiros”, onde a estratégia dominante de cada país levará todos os países a uma situação muito pior do que a situação atual. A solução ótima para esse jogo é colaborar, fazer acordos críveis de serem cumpridos, e o Acordo de Paris (COP 21) deu um passo importante nessa direção.

Outros passos ainda precisam ser dados. Há atualmente grandes investimentos sendo realizados em pesquisa para descobrir novas formas de extrair carbono da atmosfera, seja por meio de escudos de partículas, telas solares ou experimentos de fotossíntese, alguns bastante arriscados para a biosfera terrestre. Uma solução “sem risco”,

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Desmatamento da Amazônia: Risco de Colapso, Custo Social e Externalidades

testada por milhões de anos pela natureza e que traz significativos benefícios colaterais pode ser simplesmente preservar o meio ambiente e as florestas tropicais. Os serviços e benefícios globais providos pela floresta amazônica podem ser vistos como externalidades positivas usufruídas pelo resto do mundo que resultam dos esforços dos países amazônicos em preservar a integridade da floresta. Pagamentos por serviços globais de ecossistema podem corrigir essa falha de mercado, provendo o suporte financeiro necessário para um novo paradigma de desenvolvimento sustentável, em que a floresta amazônica seja vista como um bem público global de ativos biológicos e modelos biomiméticos, para o qual a capacidade de pesquisa local, infraestrutura de computação e capital humano são elementos essenciais.

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