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- 1 - Data: 10/08/18 Professor: Ádino Disciplina: Literatura Turma: Semi / Extensivo MODERNISMO: DAS VANGUARDAS A PRIMEIRA FASE. Diferenças entre abordagem tradicional, linguagem e narrativa, e postura moderna. Observe essa narrativa tradicional. "Havia doze dias que Jorge tinha partido e, apesar do calor e da poeira, Luísa vestia-se para ir á casa de Leopoldina. Se Jorge soubesse, não havia de gostar, não! Mas estava tão farta de estar só, aborrecia-se tanto! De manhã, ainda tinha os arranjos, a costura, a toillete, algum romance... Mas de tarde! A hora em que Jorge costumava voltar do ministério, a solidão parecia alargar-se em torno dela. Fazia-lhe tanta falta o seu toque de campainha, os seus passos no corredor!... Ao crepúsculo, ao ver cair o dia, entristecia-se sem razão, caía numa vaga sentimentalidade: (...) 0 que pensava em tolices então!" ("O Primo Basílio", Eça de Queirós) "Servia havia vinte anos. Como ela dizia, mudava de amos, mas não mudava de sorte. Vinte anos a dormir em cacifros, a levantar-se de madrugada, a comer os restos, a vestir trapos velhos, a sofrer os repelões das crianças e as más palavras das senhoras, a fazer despejos, a ir para o hospital quando vinha a doença, a esfalfar-se quando voltava a saúde!... Era demais! Tinha agora dias em que só de ver o balde das águas sujas e o ferro de engomar lhe embrulhava o estômago. Nunca se acostumara a servir". As antipatias que a cercavam faziam-na assanhada, como um circulo de espingardas enraivece um lobo. Fez-se má; beliscava crianças até lhes enodoar a pele; e se lhe ralhavam, a sua cólera rompia em rajadas. Começou a ser despedida. Num só ano esteve em três casas. Saía com escândalo, aos gritos, atirando as portas, deixando as amas todas pálidas, todas nervosas... (..) A necessidade de se constranger trouxe-lhe o hábito de odiar. odiou sobretudo as patroas, com um ódio irracional e pueril. Na maioria das narrativas tradicionais quem narra, quem nos faculta o acesso ao enredo e aos fatos, é aquela voz neutra do narrador reduzida à sua máxima discrição. É possível perceber que alguns autores modernos no entanto ainda mantem esse tipo de produção, mas criam uma concisão de estilo, na preferência pelas orações e períodos breves, e na parcimônia com que essa voz se serve de adjetivos e advérbios: pouquíssimos, firmes e precisos, para que aos poucos vá-se erguendo à frente do leitor uma ambiência substantiva, como se fatos e coisas pudessem falar por si, independentemente dos adereços interpretativos — a versão facciosa — que o ponto de vista unilateral agrega ao relato. Observe alguns fragmentos de narrativas modernas: Capítulos de Memórias sentimentais de João Miramar de Oswald de Andrade: 43. VENEZA Descuidosas coisas novas pingaram dias felizes na cidade diferente dos doges. Descidos da janela do hotel o estrangulamento de palácios minava sob relógio de vidro negro com horas áureas na direção da praça bizantina. O campanile cercado de pombas era um fuso brônzeo bá-om! Pequenas ruas ostentavam durante o dia um comércio completo de cidade visitada com serenatas noturnas. Cristais jóias couros lavrados marfins caíam com xales italianos de cores vivas nos canais de água suja. Gondolamos graciosamente na Ponte de Rialto e suspiramos na outra. Mas São Marcos era uma luz elétrica noturna de banho turco num disparate de mundiais elegâncias aviadoras rodeando concertos servidos com sorvetes. 44. MONT-CENIS O alpinista de alpenstock desceu nos Alpes Fragmento de conto de Antonio de Alcantara Machado Na orquestra o negro de casaco vermelho afastava o saxofone da beiçorra para gritar: Dizem que Cristo nasceu em Belém... Porque os pais não a haviam acompanhado (abençoado furúnculo inflamou o pescoço do Conselheiro José Bonifácio) ela estava achando um suco aquela vesperal do Paulistano. 0 namorado ainda mais. Os pares dançarinos maxixavam colados. No meio do salão eram um bolo tremelicante. Dentro do círculo palerma de mamãs, moças feias e moços enjoados. A orquestra preta tonitroava. Alegria de vozes e sons. Palmas contentes prolongaram o maxixe. 0 banjo é que ritmava os passos. -Sua mãe me fez ontem uma desfeita na cidade. -Não! -Como não? Sim senhora. Virou a cara quando me viu. ... mas a história se enganou! As meninas de ancas salientes riam porque os rapazes contavam episódios de farra muitos engraçados. 0 professor da Faculdade de Direito citava Rui Barbosa para um sujeitinho de óculos. Sob a vaia do saxofone: turururu-turururum! -Meu pai quer fazer um negócio com o seu. -Ah sim? Cristo nasceu na Bahia, meu bem ... 0 sujeitinho de óculos começou a recitar Gustave Le Bon mas a destra espalmada do catedrático o engasgou. Alegria de vozes e sons.

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MODERNISMO: DAS VANGUARDAS A PRIMEIRA FASE. Diferenças entre abordagem tradicional, linguagem e narrativa, e postura moderna. Observe essa narrativa tradicional. "Havia doze dias que Jorge tinha partido e, apesar do calor e da poeira, Luísa vestia-se para ir á casa de Leopoldina. Se Jorge soubesse, não havia de gostar, não! Mas estava tão farta de estar só, aborrecia-se tanto! De manhã, ainda tinha os arranjos, a costura, a toillete, algum romance... Mas de tarde! A hora em que Jorge costumava voltar do ministério, a solidão parecia alargar-se em torno dela. Fazia-lhe tanta falta o seu toque de campainha, os seus passos no corredor!... Ao crepúsculo, ao ver cair o dia, entristecia-se sem razão, caía numa vaga sentimentalidade: (...) 0 que pensava em tolices então!" ("O Primo Basílio", Eça de Queirós) "Servia havia vinte anos. Como ela dizia, mudava de amos, mas não mudava de sorte. Vinte anos a dormir em cacifros, a levantar-se de madrugada, a comer os restos, a vestir trapos velhos, a sofrer os repelões das crianças e as más palavras das senhoras, a fazer despejos, a ir para o hospital quando vinha a doença, a esfalfar-se quando voltava a saúde!... Era demais! Tinha agora dias em que só de ver o balde das águas sujas e o ferro de engomar lhe embrulhava o estômago. Nunca se acostumara a servir". As antipatias que a cercavam faziam-na assanhada, como um circulo de espingardas enraivece um lobo. Fez-se má; beliscava crianças até lhes enodoar a pele; e se lhe ralhavam, a sua cólera rompia em rajadas. Começou a ser despedida. Num só ano esteve em três casas. Saía com escândalo, aos gritos, atirando as portas, deixando as amas todas pálidas, todas nervosas... (..) A necessidade de se constranger trouxe-lhe o hábito de odiar. odiou sobretudo as patroas, com um ódio irracional e pueril. Na maioria das narrativas tradicionais quem narra, quem nos faculta o acesso ao enredo e aos fatos, é aquela voz neutra do narrador reduzida à sua máxima discrição. É possível perceber que alguns autores modernos no entanto ainda mantem esse tipo de produção, mas criam uma concisão de estilo, na preferência pelas orações e períodos breves, e na parcimônia com que essa voz se serve de adjetivos e advérbios: pouquíssimos, firmes e precisos, para que aos poucos vá-se erguendo à frente do leitor uma ambiência substantiva, como se fatos e coisas pudessem falar por si, independentemente dos adereços interpretativos — a versão facciosa — que o ponto de vista unilateral agrega ao relato. Observe alguns fragmentos de narrativas modernas:

Capítulos de Memórias sentimentais de João Miramar de Oswald de Andrade: 43. VENEZA Descuidosas coisas novas pingaram dias felizes na cidade diferente dos doges. Descidos da janela do hotel o estrangulamento de palácios minava sob relógio de vidro negro com horas áureas na direção da praça bizantina. O campanile cercado de pombas era um fuso brônzeo bá-om! Pequenas ruas ostentavam durante o dia um comércio completo de cidade visitada com serenatas noturnas. Cristais jóias couros lavrados marfins caíam com xales italianos de cores vivas nos canais de água suja. Gondolamos graciosamente na Ponte de Rialto e suspiramos na outra. Mas São Marcos era uma luz elétrica noturna de banho turco num disparate de mundiais elegâncias aviadoras rodeando concertos servidos com sorvetes. 44. MONT-CENIS O alpinista de alpenstock desceu nos Alpes Fragmento de conto de Antonio de Alcantara Machado Na orquestra o negro de casaco vermelho afastava o saxofone da beiçorra para gritar:

Dizem que Cristo nasceu em Belém... Porque os pais não a haviam acompanhado (abençoado

furúnculo inflamou o pescoço do Conselheiro José Bonifácio) ela estava achando um suco aquela vesperal do Paulistano. 0 namorado ainda mais. Os pares dançarinos maxixavam colados. No meio do salão eram um bolo tremelicante. Dentro do círculo palerma de mamãs, moças feias e moços enjoados. A orquestra preta tonitroava. Alegria de vozes e sons. Palmas contentes prolongaram o maxixe. 0 banjo é que ritmava os passos. -Sua mãe me fez ontem uma desfeita na cidade. -Não! -Como não? Sim senhora. Virou a cara quando me viu. ... mas a história se enganou! As meninas de ancas salientes riam porque os rapazes contavam episódios de farra muitos engraçados. 0 professor da Faculdade de Direito citava Rui Barbosa para um sujeitinho de óculos. Sob a vaia do saxofone: turururu-turururum! -Meu pai quer fazer um negócio com o seu. -Ah sim?

Cristo nasceu na Bahia, meu bem ... 0 sujeitinho de óculos começou a recitar Gustave Le Bon mas a destra espalmada do catedrático o engasgou. Alegria de vozes e sons.

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. . . e o baiano criou! A VANGUARDA EUROPÉIA FUTURISMO Temática Mundo urbano/ presente tecnologia / Velocidade Agitação , o stress Novo conceito de belo Dessacralização da arte / Cotidiano Técnica Palavras em liberdade pela destruição da gramática Uso do verso livre Analogia / Subst + subst Enumeração caótica enorme quantidade de frases exclamativas e de insultos CUBISMO Temática qualquer uma Técnica Fragmentação por meio de justaposição Simultaneísmo da visão Técnica cinematográfica (cortes cenas /quadros da realidade) Interpenetração de planos Estilo elíptico Aproveitar o espaço em branco Destruição/decomposição do tempo linear Fusão dos gêneros literários Elementos decompostos e recombinados Filosofia da perspectiva Teatro antiilusionismo DADAÍSMO Temática A idéia de que a arte não é coisa séria /caráter lúdico e gozador negando o bom senso A contradição Relatividade do significado das palavras e das coisas O circo /o palhaço Improvisação e a desordem Técnica Dessacralização da arte mais radical pelo uso das palavras vulgares Ready made lingüístico (linguagem de jornal, propaganda, tabuleta, placa, telefone...) Valorização do significante SURREALISMO Temática Inconsciente/ sonho /fantasia /loucura Maravilhoso/ sobrenatural Técnica Livre associação de ideias Comparações entre realidades totalmente diferentes Ação do sujeito sem sentido no mundo real Escrita automática /automatismo psíquico EXPRESSIONISMO Temática Visão negativa, distorcida do mundo visível/urbano

Registro sem a intenção de mudar o social Palavra com um fim em si mesma/choque Técnica Qualquer uma

NU COM TOALHA Vitor Brecheret Qual elemento justificaria uma escultura como essa dentro dos princípios futuristas? RECEITA DADAÏSTA PARA FAZER UM POEMA No último manifesto do Dadaísmo - "Manifesto sobre o amor fraco e o amor amargo" - lido em Paris, em 12.12.1920, Tristan Tzara propõe: Pegue um jornal. Pegue a tesoura. Escolha no jornal um artigo do tamanho que você deseja dar a seu poema. Recorte o artigo. Recorte em seguida com atenção algumas palavras que for-mam esse artigo e meta-as num saco. Agite suavemente. Tire em seguida cada pedaço um após o outro. Copie silenciosamente na ordem em que elas são tiradas do saco. O poema se parecerá com você. E ei-lo um escritor infinitamente original e de uma sensibilidade graciosa, ainda que incompreendido do público. O que soa como inovador nessa proposta dadaísta? Qual técnica predomina nessa nova postura artística?

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As duas imagens recorreriam a qual expressividade dadaísta?

As duas pinturas de Rene Magritte propõem que visão de mundo? Argumente

madona Por que é possível encontrar os traços principais do Expressionismo nessa pintura de Edward Munch?

A BOBA

Anita Malfatti As duas obras propõem uma ruptura com as academias de arte e com o impressionismo. É uma maneira de recriar o mundo em vez de apenas captá-lo ou moldá-lo conforme as leis da arte tradicional. As características mais significativas são distanciamento da pintura acadêmica, ruptura com a ilusão de tridimensionalidade, resgate das artes primitivas e uso arbitrário de cores fortes. Muitas obras exibem textura áspera por causa da quantidade de tinta nas telas. É comum o retrato de seres humanos solitários e sofredores. Já se afirmou que são expressionistas apenas os pintores cujo principal objetivo é dar expressão chocante aos seus senti-mentos e ideias, através da distorção da realidade visível. Por isso, uma das maiores características do Expressionismo, na pintura e na literatura, é o fato de que há uma atmosfera distinta nestas obras: elas refletem um estado de insatisfação, nostalgia, melancolia e paixão. MÚSICOS QUEBRAM SEUS INSTRUMENTOS CEGOS NO PALCO A SERINGA não existe senão para meu entendimento Eu escrevo porque é natural como eu mijo como eu estou doente

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A ARTE TEM NECESSIDADE DE UMA OPERAÇÃO A arte é uma PRETENSÃO aquecida na TIMIDEZ da bacia urinaria, a histeria nascida no atelier 01 A atitude acima é típica de qual movimento da Vanguarda Europeia? Justifique PRIMEIRO CONTATO DE SERAFIM E A MALÍCIA A-E-I-O-U Ba -Be-Bi-Bo-Bu Ca-Ce-Ci-Co-Cu 20 ANOS DEPOIS - Apresento-lhe a palavra "bonificação" - Muito prazer ... RECORDAÇÃO DO PAIS INFANTIL A estação da estrela-d'alva. Uma lanterna de hotel 0 mar cheiinho de siris Um camisolão. Conchas. A menina mostra o siri. Vamos á praia das Tartarugas! 0 menino foi pegado dando, atrás do monte de areia 0 carro plecpleca nas ruas. 0 trem vai vendo o Brasil. 0 Brasil é uma República Federativa cheia de árvores e de gente (dizendo adeus. Depois todos morrem 02 Os trechos acima pertencem a Serafim Ponte Grande de Oswald de Andrade, autor moderno. Embora pertençam ao Modernismo esses textos trazem um ponto de contato pela estrutura formal com o Cubismo. Se observarmos o primeiro fragmento em relação aos outros perceberemos uma mudança de assunto que poderia nos sugerir a realidade pensada e não aparente. Indique então qual assunto o autor estaria fragmentando nesses textos, ou seja, qual mudança de perspectiva nós podemos detectar 03. Os textos abaixo pertencem ao Modernismo com propostas inovadoras buscadas na Vanguarda europeia. Identifique Rio de Janeiro Uma luz deslumbrante inunda a atmosfera Uma luz tão colorida e tão fluida que os objetos toca Os rochedos cor-de-rosa O farol branco que os domina As cores do semáforo parecem liquefeitas E eis que agora eu sei o nome das montanhas que rodeiam essa (baía maravilhosa O Gigante deitado A gávea, O Bico de papagaio O Corcovado O pão de Açúcar que os companheiros de Jean de Léry chamavam de Pote de Manteiga E as estranhas agulhas da Serra dos órgãos

Bom dia vocês. Metade Pássaro A mulher do fim do mundo Dá de comer ás roseiras, Dá de beber as estátuas, Dá de sonhar aos poetas. A mulher do fim do mundo Chama a luz com um assobio. Faz a virgem virar pedra, cura a tempestade, Desvia o curso dos sonhos. Escreve cartas ao rio Me puxa do sono eterna, Para os seus braços que cantam. A batalha Berr... bum, bumbum, bum... Ssi... bum, papapa , bumm, bumm Zazzau... Dum, bum, bumbumbum Prá, pra, pra... ra, ah-ah, aa... Hahol... POEMA TIRADO DE UMA NOTICIA DEJORNAL João Gostoso era carregador de feira-livre e morava morro da (Babilônia num barracão sem número Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro Bebeu Cantou Dançou Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado A negra de sandália sem meia principiou a Segunda volta do terço. - Ave Maria, cheia de graça, o Senhor .... Carrocinhas derrapavam nos paralelepípedos da Rua Sousa Lima. Passavam cestas para a feira do Largo do Arouche. Garoava na madrugada roxa. -...da nossa morte. Amém. Padre nosso que estais no céu... O soldado espiou da porta. Seu Chiarini começou a bocejar muito forte. Um bocejo. Dois bocejos. Três. Quatro. -...de todo mal. Amém. - A Aída levantou-se e foi espantar as moscas da rosto da anjinho. Cinco. Seis. O violão e a flauta recolhendo de farra emudeceram respeitosamente na calçada. 05. O texto trabalha com descontinuidade cênica que é herança de qual movimento de Vanguarda? CARACTERÍSTICAS DA LITERATURA MODERNISTA LIBERDADE DE EXPRESSÃO A importância maior das vanguardas residiu no triunfo de uma concepção inteiramente libertária da criação artística. O pintor, o escritor ou o músico não precisam se guiar por outras leis que não as de sua própria interioridade e de seu próprio arbítrio.

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Ode triunfal de Fernando Pessoa como Álvaro de Campos À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica Tenho febre e escrevo. Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto, Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.

Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno! Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria! Em fúria fora e dentro de mim, Por todos os meus nervos dissecados fora, Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto! Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos, De vos ouvir demasiadamente de perto, E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso De expressão de todas as minhas sensações, Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!

(...)

Hé-lá as ruas, hé-lá as praças, hé-lá-hô la foule! Tudo o que passa, tudo o que pára às montras! Comerciantes; vários; escrocs exageradamente bem-vestidos; Membros evidentes de clubes aristocráticos; Esquálidas figuras dúbias; chefes de família vagamente felizes E paternais até na corrente de oiro que atravessa o colete De algibeira a algibeira! Tudo o que passa, tudo o que passa e nunca passa! Presença demasiadamente acentuada das cocotes Banalidade interessante (e quem sabe o quê por dentro?) Das burguesinhas, mãe e filha geralmente, Que andam na rua com um fim qualquer; A graça feminil e falsa dos pederastas que passam, lentos; E toda a gente simplesmente elegante que passeia e se mostra E afinal tem alma lá dentro!

(Ah, como eu desejaria ser o souteneur disto tudo!)

A maravilhosa beleza das corrupções políticas, Deliciosos escândalos financeiros e diplomáticos, Agressões políticas nas ruas, E de vez em quando o cometa dum regicídio Que ilumina de Prodígio e Fanfarra os céus Usuais e lúcidos da Civilização quotidiana!

INCORPORAÇÃO DO COTIDIANO Uma das maiores conquistas do modernismo, a valorização da vida cotidiana traz para a arte uma abertura temática sem precedentes, pois, até então, apenas assuntos "sublimes" tinham direito indiscutível ao mundo literário. Agora, o prosaico, o diário, o grosseiro, o vulgar, o resíduo e o lixo tornam-se os motivos centrais da nova estética. Há poesia Na dor Na flor No beija-flor

No elevador oswald de Andrade De Murilo Mendes: Perspectiva da sala da jantar A filha do modesto funcionário público dá um bruto interesse à natureza-morta da sala pobre no subúrbio. O vestido amarelo de organdi distribui cheiros apetitosos de carne morena saindo do banho com sabonete barato. O ambiente parado esperava mesmo aquela vibração: papel ordinário representando florestas com tigres, uma Ceia onde os personagens não comem nada a mesa com a toalha furada a folhinha que a dona da casa segue o conselho e o piano que eles não têm sala de visitas. A menina olha longamente pro corpo dela como se ele hoje estivesse diferente, depois senta-se ao piano comprado a prestações e o cachorro malandro do vizinho toma nota dos sons com atenção. LINGUAGEM COLOQUIAL Este anticonvencionalismo temático, esta dessacralização dos conteúdos encontra correspondência na linguagem. Além das inovações técnicas, a linguagem torna-se coloquial, espontânea, mesclando expressões da língua culta com termos populares, o estilo elevado com o estilo vulgar. Há uma forte aproximação com a fala, isto é, com a oralidade. Assim, liberto da escrita nobre, o artista volta-se para uma forma prosaica de dizer, feita de palavras simples e que, inclusive, admite erros gramaticais, conforme Oswald de Andrade preconiza no Manifesto da Poesia Pau Brasil, de 1924: A língua sem arcaísmos. Sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros. Ele próprio ironiza esta questão em Vício na fala: Para dizerem milho dizem mio Para melhor dizem mió Para pior pió Para telha dizem teia Para telhado dizem teiado E vão fazendo telhados. Ou: O gramático Os negros discutiam Que o cavalo sipantou Mas o que mais sabia Disse que era Sipantarrou. E ainda: Pronominais Dê-me um cigarro Diz a gramática Do professor e do aluno

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E do mulato sabido Mas o bom negro e o bom branco Da Nação Brasileira Dizem todos os dias Deixa disso camarada Me dá um cigarro Todas as palavras são permitidas. Vinicius de Moraes, em dado poema, chama a mulher amada de "grandessíssima filha de uma vaca". Rosário (fragmento) E eu que era um menino puro Não fui perder minha infância No mangue daquela carne! Dizia que era morena Sabendo que era mulata Dizia que era donzela Nem isso não era ela Era uma moça que dava. Deixava... mesmo no mar Onde se fazia em água Onde de um peixe que era Em mil se multiplicava Onde suas mãos de alga Sobre o meu corpo boiavam Trazendo à tona águas-vivas Onde antes não tinha nada. Quanto meus olhos não viram No céu da areia da praia Duas estrelas escuras Brilhando entre aquelas duas Nebulosas desmanchadas E não beberam meus beijos Aqueles olhos noturnos Luzinho de luz parada Na imensa noite da ilha! Era minha namorada Primeiro nome de amada Primeiro chamar de filha Grande filha de uma vaca! (...) INOVAÇÕES TÉCNICAS O rompimento com os padrões culturais do século XIX implicaria no aparecimento de novas técnicas, tanto no domínio da poesia, quanto no da ficção. As principais conquistas foram: a) Verso livre O verso já não está sujeito ao rigor métrico e às formas fixas de versificação, como o soneto, por exemplo. Também a rima se torna desnecessária. Receita de mulher de Vinicius de Moraes (fragmento) As muito feias que me perdoem Mas beleza é fundamental. É preciso Que haja qualquer coisa de dança, qualquer coisa de haute couture Em tudo isso ou então (

Que a mulher se socialize elegantemente em azul, como na República Popular Chinesa). Não há meio-termo possível. É preciso Qu tudo isso seja belo. É preciso que súbito Tenha-se a impressão de ver uma garça apenas pousada e que um rosto Adquira de vez em quando essa cor só encontrável no terceiro minuto da aurora. b) Destruição dos nexos Os chamados nexos sintáticos, preposições, conjunções, etc., são eliminados da poesia moderna, que se torna mais solta, mais descontínua e fragmentária e, fundamentalmente, mais sintética. Veja-se um exemplo radical no poema Coca cola, do concretista Décio Pignatari: beba coca cola babe cola beba coca babe cola caco caco cola cloaca. O capoeira de Oswald de Andrade — Qué apanhá sordado? — O quê? — Qué apanhá? Pernas e cabeças na calçada. No plano da prosa, essas elipses geram o estilo telegráfico: frases curtas e sincopadas, cujo modelo são as narrativas do norte-americano Hemingway. No Brasil Antônio de Alcântara Machado . c) Enumeração caótica Consiste no acúmulo de palavras que designam objetos, seres, sensações, vinculados a uma ideia ou várias ideias básicas, sem ligação evidente entre si. A técnica está presente em Ferreira Gullar e seu Poema sujo (...) Era a vida a explodir por todas as fendas da cidade sob as sombras da guerra: a gestapo a wehrmacht a raf a feb a blitzkrieg catalinas torpedeamentos a quinta-coulna os fascistas os nazistas os comunistas o repórter Esso a discussão na quitanda a querosene o sabão de andiroba o mercado negro o racionamento oblackout as montanhas de metais velhos o italiano assassinado na Praça João Lisboa o cheiro de pólvora os canhões alemães troando nas noites de tempestade por cima da nossa casa. Stalingrado resiste. Por meu pai que contrabandeava cigarros, por meu primo que passava rifa, pelo tio que roubava estanho à Estrada de Ferro, por seu Neco que fazia charutos ordinários, pelo sargento Gonzaga que tomava tiquira com mel de abelha e trepava com a janela aberta, pelo meu carneiro manso por minha cidade azul pelo Brasil salve salve, Stalingrado resiste. A cada nova manhã nas janelas nas esquinas nas manchetes dos jornais d) Fluxo da consciência

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Técnica narrativa estabelecida por Edouard Dujardin e sacramentada por Joyce. Trata-se do monólogo interior levado para o texto de ficção sem qualquer obediência à normalidade gramatical, à lógica ou mesmo à coerência. É a mente do personagem revelada por ele próprio, sem nenhum tipo de barreira racional. O monólogo de Molly Bloom, no Ulisses, tornou-se clássico: (...) que alívio onde quer que seja teu vento despeja quem sabe se aquela costeleta de porco que comi com minha xícara de chá depois estava boa com o calor ou não cheirei nada eu certa que aquele sujeito afrescalhado na charuteria é um grande maroto eu espero que essa lamparina não esteja fumegando pra me encher o nariz de fuligem (...) Monólogo interior: De dois modos pode apresentar-se o monólogo interior: a) Diretamente, isto é, sem a intervenção do escritor, ou de qualquer marca manifestando a sua intervenção, como introduções ou intercalações do tipo: pensava ele, dizia-se etc.; e mesmo as aspas. De maneira que a personagem expõe o conteúdo subterrâneo de sua mente, tendo o presente (do pensamento) como tempo dominante, numa espécie de confidência (direta) ao leitor, sem barreiras de qualquer ordem e sem obediência à normalidade gramatical. Em Perto do Coração Selvagem, de Clarice Lispector: A cama desaparece aos poucos, as paredes do aposento se afastam, tombam vencidas. E eu estou no mundo solta e fina como uma corça na planície. Levanto-me suave como um sopro, ergo minha cabeça de mundo, do tempo, de Deus. Mergulho e depois emerjo, como de nuvens, das terras ainda não possíveis, ah ainda não possíveis. Daquelas que eu ainda não soube imaginar, mas que brotarão. Ando, deslizo, continuo, continuo... Sempre sem parar, distraindo minha sede cansada de pousar num fim [...] — Estou me enganando preciso voltar. Não sinto loucura no desejo de morder estrelas, mas ainda existe a terra... b) Indiretamente, isto é, com a intervenção patente do ficcionista na transcrição do fluxo mental da personagem, que comenta, discute e explica (em 3ª pessoa), como se este detivesse o privilégio de sondar-lhe e captar-lhe o mundo psíquico sem deformá-lo, pelo menos aparentemente. Tudo se passa como se a personagem não conseguisse exprimir sua tumultuada psique. Forma-se então, no monólogo interior indireto, o triângulo escritor/protagonista/leitor, ao passo que no direto o primeiro desaparece completamente. Porém as características do monólogo interior indireto tornam-no mais fácil a transcrição do fluxo mental da personagem e, por isso mesmo, é usado mais frequentemente pelos ficcionistas. Em Perto do Coração Selvagem também encontramos exemplos de monólogo interior indireto: "De manhã. Onde estivera alguma vez, em que terra estranha e milagrosa já pousara para agora sentir-lhe o perfume? Folhas secas sobre a terra úmida. O coração apertou-se-lhe devagar, abriu-se, ela não respirou um momento esperando... Era de manhã, sabia que era de manhã... recuando como pela mão frágil de uma criança, ouviu abafado como em sonho, galinhas arranhando a terra. Uma terra quente, seca... o relógio batendo tin-dlen... tin-dlen... o sol chovendo em pequenas rosas

amarelas e vermelhas sobre as casas. Deus, o que era aquilo senão ela mesma? Mas quando? Não, sempre..." e) Colagem e montagem cinematográfica Ainda no campo da narrativa, valoriza-se a fragmentação do texto, sua montagem em blocos e a colagem - de notícias de jornais, cartazes, telegramas, etc., no corpo dos romances, truque utilizado por John dos Passos na trilogia U.S.A. No Brasil, eventualmente, Jorge Amado vale-se da colagem em seus primeiros romances, como em Jubiabá e Capitães de areia. f) Ampliação das vozes narrativas No século XIX, os romances eram narrados em primeira ou terceira pessoa. A estética modernista, sobremodo depois das experiências do americano William Faulkner ( Enquanto agonizo, O som e a fúria,1929), passa a admitir uma multiplicidade de perspectivas, vários narradores, mescla de primeira, terceira e até de segunda pessoa, possibilitando um complexo conjunto de ângulos sobre os acontecimentos e os protagonistas dos relatos. g) Liberdade no uso dos sinais de pontuação Os sinais tornaram-se facultativos, com o escritor subordinando o uso de pontos, vírgulas, travessões, etc., a uma disposição estilística ou psicológica e não à regras gramaticais. Sua eliminação frequente visa a dar ao texto um aspecto caótico ou febril. h) PARÓDIA Os modernistas realizam, em todas as artes, uma aproximação crítica das obras do passado. No universo literário, a releitura de textos famosos das escolas anteriores torna-se uma forma de rejeição ou de admiração. Com frequência, os modernos terminar por reescrever alguns dos textos consagrados sob uma perspectiva de humor: é a paródia. Um dos livros de crítica literária de Mário de Andrade chama-se A escrava que não é Isaura, numa evidente alusão ao romance de Bernardo Guimarães. Poucos poetas resistiram à chance de parodiar a antológica Canção do exílio, de Gonçalves Dias, conforme podemos verificar num conjunto de excertos, como o de Oswald de Andrade, Canto do regresso à pátria: Minha terra tem palmares Onde gorjeia o mar Os passarinhos aqui Não cantam como os de lá Minha terra tem mais rosas E quase que mais amores Minha terra tem mais ouro Minha terra tem mais terra (...) Não permita Deus que eu morra Sem que eu volte para são Paulo Sem que eu veja a rua 15 E o progresso de São Paulo Em Canção, Mário Quintana parece fazer um protesto ecológico: Minha terra não tem palmeiras... E em vez de um mero sabiá,

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Cantam aves invisíveis Nas palmeiras que não há. Também Murilo Mendes mostra-se irreverente com o célebre poema romântico: Minha terra tem macieiras da Califórnia onde cantam gaturamos de Veneza. (...) Eu morro sufocado em terra estrangeira. Nossas flores são mais bonitas nossas frutas são mais gostosas mas custam cem mil réis a dúzia. Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade e ouvir um sabiá com certidão de idade!

Carlos Drummond: Sentimental. Partindo de um conhecido poema de Fagundes Varela, onde o mesmo expressa, com muita propriedade e encanto, a aspiração do amor romântico à eternidade - traduzido na gravação do nome da amada num arbusto - o poeta mineiro vale-se, ao inverso, de letrinhas de sopa de macarrão para registrar o seu afeto. Com isso, não apenas satiriza as grandes paixões do Romantismo, como revela o caráter efêmero de todas as relações de nosso tempo.

Ponho-me a escrever teu nome com letras de macarrão. No prato, a sopa esfria, cheia de escamas e debruçados na mesa todos contemplam esse romântico trabalho. Desgraçadamente falta uma letra Uma letra somente para acabar teu nome! - Está sonhando? Olhe que a sopa esfria. Eu estava sonhando... E há em todas as consciências este cartaz amarelo: "Neste país é proibido sonhar." Antecedentes da Semana A Semana foi o coroamento de todo um longo processo de renovação que há anos vinha ocorrendo. Suas principais etapas são as que a seguir se enumeram: a chegada de Oswald de Andrade ao Brasil em 1912, trazendo da Europa o conhecimento de novas formas de expressão artística, como as de Paul Fort e as sugeridas pelo Manifesto Futurista de Marinetti; A exposição de Lasar Segall em 1913, na cidade de Campinas, a 1º amostra de pintura não acadêmica apresentada no Brasil; a ação crítica de Oswald de Andrade, a frente do semanário o Pirralho, no qual desde 1915, defendia a necessidade de se dar à pintura brasileira uma motivação nacional; o lançamento, em Portugal (1915), da revista Orfeu, dirigida por Luís de Montalvor e Ronald de Carvalho, cujos nomes tutelares eram Camilo Pessanha, Verlaine, Mallarmé, Walt Whiltman, Marinetti e Picasso; a exposição de Anita Malfatti, em 1917, que Monteiro Lobato atacou violentamente, mas que, congregando jovens intelectuais e artistas, arregimentou-os, neles criando também a consciência do novo e da rebelião; os ensaios de prova futurista de Oswald em periódicos da Paulicéia; a projeção

mundial dos postulados, estéticos de Marinetti; a descoberta da escultura monumental de Vitor Brecheret numa sala do Palácio das Indústrias; as advertências de Oswald de Andrade, em 1920, de que o centenário da independência do Brasil se faria valer notadamente pela atuação de um grupo pequeno de escritores e artistas; a revelação, ainda por Oswald, em artigo do jornal, da poesia insólita de Mário de Andrade, e os ensaios deste, intitulados Mestres do Passado que analisam, sob novo ângulo crítico, a poesia de Francisca Júlia, Raimundo Corrêa, Alberto de Oliveira, Olavo Bilac e Vicente de Carvalho; o regresso de Graça Aranha ao Brasil em 1921, e seu imediato contato com os intelectuais de São Paulo, que deles se valeram para contestar a aventura em planejamento; a constituição da bandeira futurista, que parte da capital paulista buscar adeptos no Rio de Janeiro; e a exposição de Di Cavalcanti em São Paulo, em que se projeta a realização de uma semana de arte moderna, um festival que reunisse um grupo inovador e ecoasse, escandalosamente, para marcar, de forma nítida e definitiva, a divisão das mentalidades, a ruptura do velho e a instauração do novo.

O homem amarelo de Anitta Malfatti

Ideias e objetivos da semana. No evolver do movimento alguns pontos do seu ideário foram fixados. Podem ser assim sintetizados: (1) A repulsa as concepções passadistas do universo artístico; (2) A independência mental Brasileira pelo repúdio às sugestões Europeias, mormente as lusitanas e francesas, estimadas nos meios cultos conservadores; (3) a instauração de uma nova técnica de representação da vida, em vista de que os processos antigos ou conhecidos não possibilitam que se aprendam a adoção de outra expressão verbal para a criação literária, de modo a não ser mais mera transcrição realista ou naturalista, mas antes recriação artística, trabalhada, elaborada, transposição para o plano da arte e uma realidade impregnada de vida, dos seus conflitos, entrechoques, variedade e tumulto. Assim, os modernistas firmam posição contra as visões de mundo propostas pelo Romantismo, o Parnasianismo, o

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Naturalismo e o Realismo; contra a trindade étnica brasileira, pois não mais admitem o português, o índio e o negro como elementos formadores exclusivos do homem nacional; contra a rima, a métrica e todos os moldes e formas antes aceitos, passando a praticar o que um deles denominou de "saborosíssimas sabotagens" às regras gramaticais apegadas à dicção lusa; e contra o regionalismo, que escamoteia a nova realidade das metrópoles tentaculares. Do passado acatam apenas o Simbolismo, que lhes fornece o verso livre e o e desapego ás realidades imediatas, ideal da prosa e da poesia que buscam então. Denominação do movimento artístico e literário que lançou os fundamentos do Modernismo no Brasil. Realizou-se em São Paulo, de 11 a 18 de Fevereiro de 1922, e constou de 3 festivais ocorridos nos dias 13, 15 e 17. Neles se exibiram a prova, o verso, a música e a dança de vanguarda. A noite que celebrizou a semana foi a segunda. Iniciou-se o sarau com um discurso de Menotti del Picchia, que pregava a liberdade de criação, o individualismo estético, a repulsa as escolas, inclusive a futurista, e exaltava a busca de "uma arte genuinamente brasileira, filha do céu e da terra, do homem e do mistério", fruto do temperamento de cada escritor ou artista. "Queremos luz, ar, ventiladores, aeroplanos, reivindicações obreiras, idealismos, motores, chaminés de fábricas, sangue, velocidade, sonho na nossa Arte", proclamava o orador em nome do grupo rebelde. Aludindo às lutas de classe, à libertação da mulher da dependência do lar e do marido e outras limitações impostas pelo grupo social patriarcalista, e as contradições políticas imperantes, acentuava que os modernistas visavam a romper as formas acadêmicas, de modo "a dar elasticidade e amplitude aos processos técnicos" de sua realização. Pretendiam, em suma, integrar o Brasil no "espírito de modernidade universal", de que estava afastado conforme observaria Mário de Andrade. Depois da Semana- Com a realização da Semana de Arte Moderna, estava instaurado o movimento Modernista, que, ao longo dos anos, renovava a mentalidade nacional e impunha a autonomia artística e literária do Brasil. Descortinando para o país o século XX, colocava-o na atualidade do mundo. Logo após os bulhentos espetáculos do Teatro Municipal, o grupo inovador lança a revista Klaxon. Este primeiro periódico é o veículo por onde se divulgam as produções da novel escola. Consequências da semana 1°descentralização intelectual, com valorização consequente da província, permitindo que florescesse grandes escritores e poetas em todos os estados. 2° interesse pelo Homem Brasileiro, com estudos profundos de sua formação, de sua origem, de suas condições de vida, reabilitando o negro e o índio. 3ª Revitalização do regionalismo, do tradicionalismo, do folclore, como resultante de um movimento unânime de introspecção nacional. 4° Tentativa da criação de uma "Língua Brasileira", por Mário de Andrade, libertando os escritores Brasileiros de um imemorial e voluntária subordinação aos grandes clássicos de Portugal, com uma linguagem mais natural, mais solta.

5° Radicação na terra e no povo, a identificação total com os problemas sociais, políticos e econômicos do Brasil, e um resoluto movimento de participação ativa na vida nacional. Manifesto da Poesia Pau-Brasil - Oswald de Andrade Em 1924, Oswald de Andrade, no Manifesto da poesia pau-brasil (Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 18/03/24), defendia uma condição para o poeta: “sem reminiscências livrescas. Sem comparação de apoio. Sem pesquisa etimológica. Sem ontologia. Foi inicialmente publicado no jornal Correio da Manhã, edição de 18 de março de 1924: no ano seguinte, uma forma reduzida e alterada do manifesto abria o livro de poesias Pau-Brasil. No manifesto e no livro Pau-Brasil [ilustrado por Tarsila do Amaral], Oswald propõe uma literatura extremamente vinculada à realidade brasileira, a partir de uma redescoberta do Brasil. Ou, como afirma Paulo Prado ao prefaciar o livro: “Oswaldo de Andrade, numa viagem a Paris, do alto de um atelier da Face Clichê – umbigo do mundo – descobriu, deslumbrado, a sua própria terra. A volta à pátria confirmou, no encantamento das descobertas manuelinas, a revelação surpreendente de que o Brasil existia. Esse fato, de que alguns já desconfiavam, abriu seus olhos à visão radiosa de um mundo novo, inexplorado e misterioso. Estava criada a poesia” pau-brasil Texto. Fragmentos A poesia existe nos fatos. Os casebres de açafrão e de ocre nos verdes da Favela, sob o azul cabralino, são fatos estéticos. O Carnaval no Rio é o acontecimento religioso da raça. Pau-Brasil. Wagner submerge ante os cordões de Botafogo. Bárbaro e nosso. A formação étnica rica. Riqueza vegetal. O minério. A cozinha. O vatapá, o ouro e a dança. Ágil o teatro, filho do saltimbanco. Ágil e ilógico. Ágil o romance, nascido da invenção. Ágil a poesia. A poesia Pau-Brasil, ágil e cândida. Como uma criança. A língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos. Não há luta na terra de vocações acadêmicas. Há só fardas. Os futuristas e os outros. Uma única luta - a luta pelo caminho. Dividamos: poesia de importação. E a Poesia Pau-Brasil, de exportação. Houve um fenômeno de democratização estética nas cinco partes sábias do mundo. Instituíra-se o naturalismo. Copiar. Quadro de carneiros que não fosse lã mesmo, não prestava. A interpretação no dicionário oral das Escolas de Belas Artes queria dizer reproduzir igualzinho...Veio a pirogravura. As meninas de todos os lares ficaram artistas. Apareceu a máquina fotográfica. E com todas as prerrogativas do cabelo grande, da caspa e da misteriosa genialidade de olho virado - o artista fotográfico. Na música, o piano invadiu as saletas nuas, de folhinha na parede. Todas as meninas ficaram pianistas. Surgiu o piano de manivela, o piano de patas. A pleyela. E a ironia eslava compôs para a pleyela. Straviski. A estatuária andou atrás. As procissões saíram novinhas das fábricas.

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Só não se inventou uma máquina de fazer versos - a havia o poeta parnasiano. Ora, a revolução indicou apenas que a arte voltava para as elites. E as elites começaram desmanchando. Duas fases: 1a) a deformação através do impressionismo, a fragmentação, o caos voluntário. De Cézanne e marmé, Rodin e Debussy até agora. 2a) o lirismo, a apresentação no templo, os materiais, a inocência construtiva. A síntese O equilíbrio O acabamento de carrosserie A invenção A surpresa Uma nova perspectiva Uma nova escala Qualquer esforço natural nesse sentido será bom. Poesia Pau-Brasil. O trabalho contra o detalhe naturalista - pela síntese; contra a morbidez romântica - pelo equilíbrio geômetra e pelo acabamento técnico; contra a cópia, pela invenção e pela surpresa. Uma nova perspectiva. A Poesia Pau-Brasil é uma sala de jantar das gaiolas, um sujeito magro compondo uma valsa para flauta e a Maricota lendo o jornal. No jornal anda todo o presente. Nenhuma fórmula para a contemporânea expressão do mundo. Ver com olhos livres.

Relicário No baile da corte

Foi o conde d'Eu quem disse Pra Dona Benvinda

Que farinha de Suruí Pinga de Parati

Fumo de Baependi É comê bebê pitá e caí

Manifesto do Verdeamarelismo Manifesto Nhegaçu Verde Amarelo da Escola da ANTA A descida dos tupis do planalto continental no rumo do Atlântico foi uma fatalidade histórica pré-cabralina, que preparou .o ambiente para as entradas no sertão pelos aventureiros brancos desbravadores do oceano. A expulsão, feita pelo povo tapir, dos tapuias do litoral, significa bem, na história da América, a proclamação de direito das raças e a negação de todos os preconceitos. Embora viessem os guerreiros do Oeste, dizendo “ya so Pindorama koti, itamarana po anhatim, yara rama recé”, na realidade não desceram com a sua Anta a fim de absorver a gente branca e se fixarem objetivamente na terra. Onde estão os rastros dos velhos conquistadores? Os tupis desceram para serem absorvidos. Para se diluírem no sangue da gente nova. Para viver subjetivamente e transformar numa prodigiosa força a bondade do brasileiro e o seu grande sentimento de humanidade. Seu totem não é carnívoro: Anta. É este um animal que abre caminhos, e aí parece estar indicada a predestinação da gente tupi. Os nomes dados a terra descoberta Por se tratar de uma ilha deram-lhe o nome de ilha de Vera-Cruz. Ilha cheia de graça Ilha cheia de pássaros Ilha cheia de luz. Ilha verde onde havia mulheres morenas e nuas anhangás a sonhar com histórias de luas e cantos bárbaros de pajés em poracés batendo os pés. Depois mudaram-lhe o nome pra terra de Santa Cruz. Terra cheia de graça Terra cheia de pássaros Terra cheia de luz. A grande terra girassol onde havia guerreiros de tanga e onças ruivas deitadas à sombra das árvores mosqueadas de sol Mas como houvesse em abundância, certa madeira cor de sangue, cor de brasa

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e como o fogo da manhã selvagem fosse um brasido no carvão noturno da paisagem, e como a Terra fosse de árvores vermelhas e se houvesse mostrado assaz gentil, deram-lhe o nome de Brasil. Brasil cheio de graça Brasil cheio de pássaros Brasil cheio de luz. Manifesto Antropófago - Oswald de Andrade O escritor Oswald de Andrade e a artista plástica Tarsila do Amaral lançam em 1925 o Manifesto da Poesia Pau-Brasil, que enfatiza a necessidade de criar uma arte baseada nas características do povo brasileiro, com absorção crítica da modernidade europeia. Em 1928 levam ao extremo essas ideias com o Manifesto Antropófago, que propõe "devorar" influências estrangeiras para impor o caráter brasileiro à arte e à literatura. O Manifesto antropófago amplia as ideias do Pau-Brasil, através dos seguintes elementos: - A insistência radical no caráter indígena de nossas raízes: "Tupy or not tupy that is the question". - O humor como forma crítica e traço distintivo do caráter brasileiro: "A alegria é a prova dos nove". - A criação de uma utopia brasileira, centrada numa sociedade matriarcal, anárquica e sem repressões: "Contra a realidade social, vestida e opressora, cadastrada por Freud - a realidade sem complexos, sem loucura, sem prostituições e sem penitenciárias do matriarcado de Pindorama." - A postura antropofágica como alternativa entre o nacionalismo conservador, anti-europeu e a pura cópia dos valores ocidentais: "Nunca fomos catequizados.(...) Fizemos Cristo nascer na Bahia. Ou em Belém do Pará." Curiosamente, Oswald de Andrade não produz nenhuma obra ficcional ou poética dentro do espírito antropofágico (a não ser, talvez, a peça Rei da vela). Caberia a Mário de Andrade, com o romance Macunaíma, e a Raul Bopp, com o poema Cobra Norato, a tentativa de levar para o espaço da criação literária as ideias do Manifesto. Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente. Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz. Tupi, or not tupi that is the question. Contra todas as catequeses. E contra a mãe dos Gracos. Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago. Contra as elites vegetais. Em comunicação com o solo. Nunca fomos catequizados. Fizemos foi Carnaval. O índio vestido de senador do Império. Fingindo de Pitt. Ou figurando nas óperas de Alencar cheio de bons sentimentos portugueses. Já tínhamos o comunismo. Já tínhamos a língua surrealista. A idade de ouro. Catiti Catiti Imara Notiá

Notiá Imara Ipeju* A magia e a vida. Tínhamos a relação e a distribuição dos bens físicos, dos bens morais, dos bens dignários. E sabíamos transpor o mistério e a morte com o auxílio de algumas formas gramaticais. Perguntei a um homem o que era o Direito. Ele me respondeu que era a garantia do exercício da possibilidade. Esse homem chamava-se Galli Mathias. Comi-o. Canto de Regresso à Pátria Oswald de Andrade