Crimes sexuais

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Título VI Dos Crimes Contra Dignidade Sexual LEI 12.015/09 1.0 Dos Crimes Contra Liberdade Sexual. 1.1 Do Estupro. A lei 12.015 de 07 de agosto de 2009 alterou substancialmente o capítulo I e II do Código Penal, dentre as grandes novidades, o crime de Atentado Violento ao Pudor, descrito no antigo 214, do Estatuto Repressivo foi incorporado pelo o art. 213 do Código Penal, terminando com a distinção entre Estupro e Atentado Violento ao Pudor. Embora não seja objeto de nossos estudos a lei ainda alterou o capítulo dos Crimes de Lenocínio ou qualquer outra forma de exploração sexual e os crimes de tráfico de pessoas. O intuito do curso é apresentar as novidades introduzas ao Código Penal a partir da vigência da lei 12015/09. Basicamente aprenderemos e entenderemos as antigas e atuais controvérsias que sugiram ante a publicação da lei. 1.1 Do Crime de Estupro. O art. 213 do Código Penal prevê a seguinte redação: Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção

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Título VI

Dos Crimes Contra Dignidade Sexual

LEI 12.015/09

1.0 Dos Crimes Contra Liberdade Sexual.

1.1 Do Estupro.

A lei 12.015 de 07 de agosto de 2009 alterou

substancialmente o capítulo I e II do Código Penal, dentre as grandes

novidades, o crime de Atentado Violento ao Pudor, descrito no antigo 214,

do Estatuto Repressivo foi incorporado pelo o art. 213 do Código Penal,

terminando com a distinção entre Estupro e Atentado Violento ao Pudor.

Embora não seja objeto de nossos estudos a lei ainda alterou o capítulo

dos Crimes de Lenocínio ou qualquer outra forma de exploração sexual e

os crimes de tráfico de pessoas.

O intuito do curso é apresentar as novidades introduzas

ao Código Penal a partir da vigência da lei 12015/09. Basicamente

aprenderemos e entenderemos as antigas e atuais controvérsias que

sugiram ante a publicação da lei.

1.1 Do Crime de Estupro.

O art. 213 do Código Penal prevê a seguinte redação:

Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção

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carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato

libidinoso.

Infere-se da nova redação que a vítima de estupro

deixa de ser exclusivamente mulher para abranger qualquer pessoa, isto

significa que a rigor o homem poderá ser vítima de estupro.

No sistema anterior não se imaginava que o homem

seria constrangido por uma mulher para ter com ela conjunção, se isto

ocorresse, o que era pouco provável, a mulher responderia pelo crime de

constrangimento ilegal.

Hoje a mulher que constranger o homem a manter com

ela conjunção carnal o crime se adequará perfeitamente ao art. 213 do

Código Penal, pois o tipo penal descreve expressamente que a vítima será

alguém.

Especificamente, o tipo penal exige que alguém

mediante violência ou grave ameaça tenha conjunção ou pratique ou

permita que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção

carnal.

Note que ter conjunção carnal normal não é crime, o

delito estará caracterizado quando alguém mediante o emprego violência

ou grave ameaça obrigue a vítima a ter conjunção carnal ou praticar ou

permita que com ele se pratique ato libidinoso.

Constranger significa compelir, obrigar, forçar ou

subjugar a vítima a praticar o ato libidinoso ou a ter conjunção carnal. Não

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haverá o crime se a conjunção carnal for consentida, salvo quando o

consentimento for viciado em razão da idade, enfermidade, doença

mental ou qualquer forma de reduzir a capacidade de resistência da

vítima (art. 217-A, do CP).

Quanto a violência, o autor deverá utilizar-se de

violência física (vis absoluta), ameaça (vis compulsiva) coagindo

moralmente a vítima. Esta ameaça pode ser própria ou contra terceiro, na

hipótese em que a mãe da criança é coagida a ter conjunção carnal com o

agente enquanto ele ameaça a matar o filho da vítima caso ela não

mantenha conjunção carnal com ele.

A contravenção de vias de fato e o crime de lesão leve

serão absorvidos, ou seja, o crime e a contravenção penal são meios

necessários para que o agente chegue a consumação do delito.

Como anteriormente mencionado, a falta de

consentimento é um elemento essencial para que ocorra o crime de

estupro. Mas o contato físico nem sempre é necessário para sua

caracterização. Embora seja consolidado o entendimento do STJ no

sentido da necessidade de contato físico para que ocorra o delito,

pensamos que o fato deverá ser analisado caso a caso. Imaginemos que o

autor constranja a vítima a masturbar-se enquanto ele permanece

exercendo atividade meramente contemplativa.

Note que não houve contato físico entre a vítima e o

agente, mas o crime foi consumado no instante em que o agente coagiu a

vítima a praticar atos de libidinagem sobre o seu próprio corpo. Assim

podemos concluir que a vítima poderá agir de forma ativa, passiva, ativa e

passiva, isto significa que o crime estará caracterizado quando o agente

obriga a vítima a praticar atos nele ou quando constrange a vítima a

permita que nela se pratique e por fim quando o agente obriga a vítima a

praticar atos de libidinagem sobre o corpo dela. A postura da vítima em

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síntese seria a de permitir que nela ou sobre ela se pratique e por fim

quando o agente a obriga a praticar nele o ato libidinoso.

Quando estudamos o crime de estupro é preciso

tomarmos cuidado com a intervenção desmedida do direito de punir do

Estado, pois dependendo do caso poderíamos aplicar uma pena de 6 anos

para quem desejasse apenas brincar, humilhar ou sujeitar a vítima a um

vexame qualquer. Nesse sentido, o beijo não é necessariamente crime de

estupro, isto significa que nem sempre o ato libidinoso será um crime de

relevância, podendo assim caracterizar uma contravenção penal

(importunação ofensivo ao pudor), um crime de constrangimento ilegal ou

até mesmo uma injúria real.

Com a atual redação o crime de estupro passou a ser

considerado crime comum, pois qualquer pessoa poderá ser vítima do

delito, assim tanto a mulher quanto o homem poderão ser sujeito passivo

do crime descrito no art. 213 do CP.

Novamente, neste ponto necessitamos ter cuidado,

pois ainda prevalece a ainda que o crime de estupro praticado na forma

de ter conjunção carnal obrigatoriamente deve ser cometido na relação

heterossexual.

Explico. Não é possível que uma mulher seja autora de

estupro sendo vítima outra mulher, pois nesta hipótese estaríamos diante

de uma relação homossexual. Como fica então a situação da mulher de

constrange um homem a manter conjunção carnal com outra mulher?

Se considerarmos que o crime de estupro nesta

modalidade é crime de mão própria, não é possível atribuirmos à autoria

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do crime a mulher, pois na modalidade de crime de mão própria a

condição pessoal do autor é indelegável ou intransferível.

Para evitar a impunidade, Raúl Zaffaroni lança mão da

autoria de determinação, preconiza o ilustre doutrinado que a mulher não

é punida como autora do crime de estupro, senão que se lhe aplica a pena

do estupro por haver cometido o delito de determinar o estupro. Tal

raciocínio não se afasta da ideia da coação moral irresistível, nos termos

do art. 22 do CP.

Aproveitando-se do momento de autoria ou concurso

de agentes, é possível autoria, coautoria ou participação no crime de

estupro, desde que estejam presentes os requisitos do concurso de

pessoas (pluralidade de pessoas, relevância causal, liame subjetivo e

identidade de infrações).

Com relação ao momento consumativo, o crime se

perfaz quando o agente introduzir total ou parcialmente o pênis na

cavidade vaginal da mulher ou praticar ou permitir que com ele se

pratique qualquer ato libidinoso.

Neste ponto, é fundamental observarmos que existe

quem defende a impossibilidade da tentativa do crime de estupro, pois se

não houver a conjunção carnal haverá no mínimo a prática de atos

libidinosos.

Realmente, esta discussão havia antes de adotarmos a

teoria finalista da ação. Hoje é impossível concluirmos pela

inadmissibilidade da tentativa de crime de estupro, basta pensarmos no

sujeito que rasga a roupa da vítima com a finalidade de ter conjunção

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carnal com ela, mas no instante que iria introduzir o pênis na cavidade

vaginal da vítima a polícia chega. De fato, antes da conjunção carnal houve

necessariamente um contato físico que caracterizaria ato libidinoso, mas

tais atos foram necessários para que o agente pudesse consumar a

conjunção carnal.

Já a respeito do elemento subjetivo, o tipo penal exige

que o agente atue dolosamente, isto significa que não há modalidade

culposa do crime. Mas atenção, o tipo penal não exige uma finalidade

específica, basta que o agente tenha conjunção carnal com a vítima ou

pratique ato de libidinagem.

1.2 Das Formas Qualificadas.

Antes da alteração promovida pela lei 12.015/09, o

crime de estupro qualificado necessitava da combinação com o art. 223 do

Código Penal. O dispositivo tornava qualificado o crime quando da

violência resultasse lesão grave e quando do fato ocorresse a morte da

vítima.

Agora contrariamente do que ocorria no revogado art.

223, o legislador previu expressamente que o crime será qualificado

quando da conduta do agente resultar lesão corporal grave ou morte da

vítima.

Assim, não importa se o agente atuou com emprego de

violência ou grave ameaça, a fim de levar a efeito o estupro, se, dessa

conduta resultar lesão corporal de natureza grave ou morte, deverá o

agente responder pelo crime qualificado.

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Tomemos como exemplo a sugestão de Rogério Greco:

A título de raciocínio, imagine-se a hipótese em que o agente, querendo

praticar o estupro, ameace gravemente a vítima, mesmo sabendo de sua

condição de pessoa portadora de problemas cardíacos. Ao ouvir a ameaça

e durante a prática do ato sexual, ou seja, após o início do coito vagínico, a

vítima tem um infarto fulminante, vindo, consequentemente, a falecer.

Nesse caso o agente deverá responder pelo estupro qualificado pelo

resultado morte.

Apenas tome cuidado que o crime de estupro

qualificado pela lesão grave ou morte é crime, essencialmente,

preterdoloso, isto significa que o resultado agravador (morte ou lesão

grave) deve ser produzido a título de culpa.

E mais, o resultado agravador deve ser no mínimo

previsível, sob pena de responsabilidade objetiva, nos termos do art. 19

do CP. Para ilustrar, basta da violência ocorrer a lesão corporal grave que

resulta o aborto, sem que o autor do crime nem a vítima soubessem da

eventual gravidez. Embora a conduta do agente tenha produzido uma

lesão corporal gravíssima, ele não responderá pela qualificadora, pois o

resultado agravador não foi no mínimo previsto ou previsível.

Outra questão relevante é saber se o resultado

agravador pode ser obtido a título de dolo ou tão somente a título de

culpa.

Entendemos como a maioria dos doutrinadores, o

crime de estupro qualificado pelo resultado lesão grave ou morte é por

essência um crime preterdoloso, assim caso o agente pretenda produzir o

resultado agravador dolosamente, ele responderá por crime de estupro

simples em concurso material com crime de homicídio ou lesão corporal.

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Assim, conforme salienta Noronha, o resultado que

agrava especialmente a pena for proveniente de caso fortuito ou força

maior, o agente não poderá ser responsabilizado pelas modalidades

qualificadas, conforme preconiza o art. 19 do CP.

Permanecendo no mundo das possibilidades,

imaginemos agora que o agente tenha dado início a execução do crime de

estupro, mas antes de manter conjunção carnal a vítima venha a falecer

por alguma razão. Na sugestão de Rogério Greco, suponhamos que o

agente derrube a vítima violentamente no chão, fazendo que esta bata a

cabeça, por exemplo, em uma pedra, produzindo-lhe a morte antes que

seja praticada a conjunção. Nesse caso, pergunta-se: Teríamos uma

tentativa qualificada de estupro ou o estupro poderia ser considerado

consumado havendo morte da vítima, mesmo sem a ocorrência da

penetração?

Há duas correntes para o caso. Alguns doutrinadores

entendem que o agente responderia por crime de estupro qualificado pelo

resultado morte, não obstante o crime sexual ter permanecido na forma

tentada. Aplicando a questão a mesma interpretação do latrocínio

consumado, ou seja, havendo morte da vítima o crime estará consumado,

mesmo que a subtração permaneça na forma tentada.

Mesmo sendo esta posição a que goza da predileção da

maioria da doutrina, entendemos que o crime de estupro é qualificado

tentado.

Para que o crime seja consumado é necessária a

reunião de todos os elementos que compõem o tipo penal. Assim será

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consumado, nos termos do art. 14, I, do Código Penal, aquele crime que

reúne todos os elementos da definição legal.

Tratando-se de crime complexo, ou seja, aquele que há

fusão de dois ou mais crimes, fazendo desaparecer os crimes autônomos

que dele fazem parte, somente haveria a reunião de todos os elementos

da definição legal quando houvesse além da morte a conjunção carnal,

logo não é possível dizer que o crime de estupro qualificado pelo

resultado morte está consumado quando o delito sexual permanece a

forma tentada. Dessa forma, peço vênia aos que entendem de forma

diversa.

É qualificado ainda o estupro quando a vítima for

menor de 18 anos e maior de quatorze anos, conforme o art. 213, § 1°, do

Código Penal. Nesse ponto, há uma divergência em relação a existência da

qualificadora quando o crime for praticado no dia em que a vítima

completa quatorze anos, assim estaríamos diante de um fato atípico, pois

o estupro de vulnerável tutela a vítima menor de quatorze anos enquanto

a qualificadora exige que a vítima seja maior de quatorze anos quando

não houver emprego de violência ou diante de estupro simples quando

houver violência?

Com a devida vênia, entendemos extremo preciosismo

e de uma literalidade sem precedente considerar que neste caso a vítima

tenha que ter quatorze anos e um dia para qualificar o crime, assim, caso

haja emprego de violência no dia em que vítima completa quatorze anos o

crime será qualificado, agora se não houver o emprego da violência a

conduta será atípica.

1.3 Causa de Aumento de Pena.

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Haverá causa de aumenta de pena de quarta parte

quando o crime for praticado em concurso de 2 ou mais pessoa; de

metade se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão,

cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima

ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela; de metade, se do

crime resultar gravidez e por fim de um sexto até a metade, se o agente

transmite à vítima doença sexualmente transmissível de que sabe ou

deveria saber ser portador.

Na primeira causa de aumento de pena, somos

partidários da necessitada que os agentes estejam presentes, in loco, para

que ocorra a incidência da majorante. O concurso de agentes no estupro

visa dar uma maior facilidade no cometimento do crime, diminuindo ou,

mesmo, anulando a possibilidade de resistência da vítima.

Quanto a segunda causa de aumento de pena, dar uma

maior reprovação ante a qualidade do sujeito ativo, não se imagina que

um pessoa que detenha o poder de proteção atente contra a liberdade

sexual da vítima. Aqui andou bem o legislador impondo uma reprovação

mais severa.

As duas últimas causas de aumento de pena são

novidades, infelizmente a mulher, vítima de estupro pode vir a engravidar

e consequentemente, rejeitar o feto ou criança, pois sempre lhe trará

péssimas lembranças do dia da violência, tanto que o Código Penal

autoriza, neste caso, a prática do aborto, nos termos do art. 128, II, do

Código Penal.

A última se refere à possibilidade da vítima contrair

doença sexualmente transmissível do autor do crime. Nesse caso, o

legislador exigiu a real e efetiva transmissão da doença, sendo

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responsabilidade o agente que sabe ou deveria saber estar acometido da

moléstia grave.

A polêmica nesta questão é identificar se a expressão

deve saber tem natureza de culpa ou dolo eventual. Majoritariamente,

consideramos que a expressão deve saber tem natureza de dolo eventual,

pois quando o legislador deseja fazer menção de responsabilidade a título

de culpa o faz expressamente, nos termos do parágrafo único do art. 18

do Código Penal.

1.4 Do Concurso de Crimes.

Inicialmente farei alusão ao concurso de crimes no

sistema antigo. Antes da vigência da lei 12.015/09 o agente que no

mesmo contexto fático praticasse conjunção carnal e ato libidinoso

poderia responder por dois crimes em concurso material ou dependendo

da situação por dois crimes em continuidade delitiva.

Havia certa controvérsia, tanto da doutrina quando na

jurisprudência ora entendendo que a conjunção carnal e o ato libidinoso

resultariam na prática de dois crimes, pois não existiria continuidade

delitiva, pois tratava-se de crimes de espécies distintas.

Com a publicação da lei 12.015/09 sugiram duas

correntes. A primeira defendendo que a prática da conjunção carnal e do

ato libidinoso no mesmo contexto fático seria crime único, pois tratava-se

de tipo penal alternativo ou crime de ação múltipla ou conteúdo variado,

significa que a prática de um ou de vários verbos constantes no tipo penal

resultaria na prática de crime único.

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Porém havia quem sustentasse que o crime de estupro,

com a atual redação dada pela lei 12.015/09, era tipo penal cumulativo,

ou seja, apesar da descrição plurinuclear a prática dos vários verbos do

tipo penal resultaria em uma pluralidade de crime, dependendo da

situação haveria continuidade delitiva. Embora minoritária esta corrente

era sustentada pela Sexta Turma do STJ.

A doutrina, amplamente dominante, sempre sustentou

que a atual redação do art. 213, do CP, a classificação do tipo penal como

sendo crime alternativo ou crime de ação múltipla ou conteúdo varia.

Hoje esta posição também vem sendo seguida pelo STF

e STJ.

Outra questão diz respeito aos crimes praticados antes

da vigência da lei 12.015/09. Tratando-se de lei que determinou a

incorporação do art. 214 pelo art. 213 não resta dúvida que acabou

beneficiando o réu, assim o juiz deverá ajustar o processo em tramitação

ao conteúdo da nova lei.

Agora se a decisão já foi transitada em julgada, caberá

ao juiz da execução penal fazer os devidos ajustes, nos termos do art. 66,

I, da LEP c/c o verbete da súmula 611 do STF.

É importante frisarmos que tanto o STJ quanto o STF

vem admitindo continuidade delitiva no crime de estupro, mesmo com a

nova redação, basta imaginarmos o agente que teve conjunção carnal com

a vítima em um determinado dia e posteriormente praticou atos de

libidinagem. É claro que a decisão dependerá da análise dos requisitos

subjetivos e objetivos do art. 71, do CP.

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Assim diante das decisões e de uma análise teorizada,

podemos concluir que o crime de estupro é crime de ação plurinuclear, ou

seja, a prática de um ou de vários núcleos do tipo penal resultará na

prática de delito único. Agora, caso seguíssemos a corrente minoritária,

seria possível concluirmos pela pluralidade de crimes, desde que

adotássemos a corrente que entende que o crime é tipo penal cumulativo.

1.5 Das Ações Penais.

Antes da vigência da lei 12.015/09, o crime de estupro,

a rigor, era crime de ação penal privada, sendo pública condicionada

quando a vítima ou seus pais fosse pobre e não pudesse prover às

despesas do processo, sem privar-se de recursos indispensáveis à

manutenção própria ou familiar, por fim era de ação penal pública

incondicionada quando o crime fosse praticado por quem detivesse o

poder familiar, ou na qualidade de padrasto, tutor ou curador.

Havia ainda a possibilidade de a ação ser penal pública

incondicionada quando o crime fosse praticado mediante violência real,

nos termos do verbete da súmula 608/STF.

Agora o art. 225, do CP, prevê que a ação penal será,

em regra, pública condicionada à representação ou quando o crime for

praticado contra vulnerável ou pessoa menor de 18 anos a ação será

pública incondicionada.

A redação do art. 225, do CP, não é a das melhores,

mas é possível concluirmos que atualmente, em regra, a ação nos crimes

descritos no capítulo I, tem natureza de ação penal pública condicionada,

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enquanto os crimes descritos no capítulo II serão promovidos mediante

ação penal pública incondicionada.

Não obstante, o caput do artigo mencionar que os

crimes descritos nos capítulos I e II são de ação penal pública

condicionada à representação, o certo é que todos os delitos do capítulo II

são de ação penal pública incondicionada, pois o espírito da lei foi o de

tornar mais rigorosa a intervenção do Estado nos crimes contra

vulneráveis.

Há ainda a discussão se o teor da súmula 608/STF

encontra-se superado ou não, pois o art. 225, caput, do CP,

expressamente determinou que a ação nos crimes descritos no capítulo I,

dependerá de representação da vítima, isto significa dizer em outros

termos, o crime praticado mediante violência ou grave ameaça contra

maiores de dezoito anos será de ação penal pública condicionada a

representação?

Os mais precipitados poderiam concluir que sim, mas

esta não é a melhor interpretação para o problema. Um, o intuito do

legislador foi dar tratamento mais rigoroso ao crime contra dignidade

sexual. Dois co crime cometido mediante violência é crime complexo e,

portanto, de ação penal pública incondicionado. Três, atualmente, o STJ e

STF ainda vêm decidindo no sentido da aplicação da súmula 608/STF.

Assim, podemos concluir no seguinte sentido, que a

ação penal pública condicionada ficará restrita aos casos de grave ameaça,

já em relação aos crimes cometidos com violência, vulneráveis ou

menores de 18 anos a ação penal será pública incondicionada.

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Bem, percebemos que a natureza da ação penal foi

alterada com a vigência da lei 12.015/09. Agora como ficam os processos

que já estão em andamento e foram promovidos mediante ação penal

privada ou ação penal pública condicionada à representação?

A questão, a priori, nos remete a ideia de que a

alteração da natureza da ação é matéria ou norma de natureza formal,

assim diante do art. 2°, caput, do CPP, haverá aplicação imediata da

norma ao processo que está em trâmite, preservando válidos os atos

praticados na vigência da lei antiga.

Mas o problema não é tão simples como parece, a lei

que altera a natureza da ação penal, envolve invariavelmente o direito de

punir, assim antes de definirmos se a atual lei atingirá o processo, é

imprescindível analisarmos se a lei beneficiará ou não o réu.

Imaginemos o seguinte, o processo iniciou-se com ação

penal privada, mas durante a fase de instrução a lei alterou a natureza da

ação para pública condicionada à representação. Se baixássemos o

processo para que a vítima representasse no sentido de legitimar o

Ministério Público a prosseguir no processo, estaríamos privando o réu

das possibilidades que a natureza da ação penal poderia acarretar, como

por exemplo, extinção da punibilidade por perempção, nos termos do art.

60, do CPP. Dessa maneira, entendemos que a ação penal privada que

apura o crime de estupro deve prosseguir privada, podendo, por exemplo,

o réu ser beneficiado, dependendo do caso, com uma desistência do

querelante, logo haveria extinção da punibilidade ao passo que se a ação

se transmudasse para ação penal pública condicionada à representação o

réu suportaria conseqüências muito mais drásticas, como por exemplo, a

impossibilidade do Ministério Público dispor da ação.

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1.6 Dos Crimes Contra Vulneráveis.

Como disse durante nossas aulas, os crimes de violação

sexual mediante fraude e assédio sexual, são crimes que quase não tem

incidência. Mas para que possamos apenas ter noções gerais, basta

imaginarmos que um irmão gêmeo desejando ter conjunção carnal com a

namorada do outro irmão faz se passar pelo verdadeiro namorado, ou

seja, seu irmão. Neste caso, ele responderia por violação sexual mediante

fraude.

Existe ainda um exemplo interessante, a prostituta

pode ser, sem problema algum, vítima de crimes sexuais, mas imaginamos

que o agente para ter conjunção carnal com a prostituto se propõe a dar

uma quantia substancial em dinheiro para ela ao final do programa. Após

a prestação sexual o agente deixa de pagar o programa, neste caso como

a conjunção carnal foi obtida mediante erro, o agente responderá por

violação sexual mediante fraude.

Voltando ao objetivo principal de nosso estudo, a lei

12.015/09 revogou expressamente o art. 224, do CP que previa a hipótese

estupro ou atentado violento ao pudor presumido.

Agora diante do novo cenário, foi criado um crime

autônomo para tutelar os menores de quatorze anos, pessoas que estão

em enfermidade ou doentes mentais e ainda quando a vítima tiver sua

capacidade de resistência reduzida.

Dessa forma, a lei 12.015/09 criou um novo capítulo

que se trata dos crimes contra os vulneráveis, basicamente o capítulo II

criou os crimes de estupro de vulnerável, corrupção de menores,

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satisfação da lascívia na presença de criança ou adolescente e o crime de

favorecimento da prostituição ou qualquer outra forma de exploração

sexual de vulneráveis.

Inicialmente, o crime de estupro de vulnerável estaria

caracterizado quando o agente mantivesse conjunção carnal com vítima

menor de quatorze anos, que esteja acometida de enfermidade ou doença

mental, bem como tenha sua capacidade de resistência reduzida.

Percebe que o dispositivo penal descrito no art. 217-A

não exige o emprego de violência ou grave ameaça para que exista o

delito, e considerar viciado o consentimento.

Dessa forma, ocorrerá o crime de estupro de vulnerável

mesmo que a vítima consinta que o agente tenha conjunção carnal com

ela o pratique qualquer outro ato de libidinagem.

A polêmica quanto ao estupro de vulnerável concentra-

se em saber se a presunção de violência é absoluta ou relativa, isto

significa, que será possível ou não prova do consentimento por parte da

vítima.

Segundo Rogério Greco, a questão perdeu razão de

existir, pois quando o legislador criou um crime autônomo para tutelar os

crimes contra vulneráveis, mormente os menores de quatorze anos, ele

definiu o intuito de considerar o crime como sendo de presunção

absoluta, ou seja, independe de prova do consentimento da vítima.

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O STF e o STJ entendem que a presunção do crime é

absoluta, portanto independe da prova do consentimento ou não da

vítima, assim o crime existirá mesmo que vítima permita a prática da

conjunção carnal.

Não obstante, de fato a presunção se absoluta, não

podemos desprezar as singularidades que o caso concreto poderá

apresentar, por exemplo, agente que de longa data já namorava a vítima.

Assim, o fato de considerarmos o crime como de presunção absoluta, isto

não impede o intérprete de flexibilizar a norma atendendo as

características especiais do caso concreto.

Nota que a conclusão não permite considerarmos que o

consentimento seja relativizado, pelo contrário, a presunção é absoluta,

apenas haverá flexibilidade ante as peculiaridades do caso concreto. Logo,

com a permissa venia dos que entendem de modo diverso, entendo que

mesmo com a publicação da lei 12.015/09 haverá discussão a respeito da

presunção absoluta ou relativa do consentimento no crime de estupro de

vulnerável.

Note que antes de nos aprofundarmos no estudo de

estupro de vulnerável, mencionamos que o delito não é cometido

mediante violência ou grave, pois basta a conjunção carnal ou o ato de

libidinagem, mesmo com o consentimento da vítima, é suficiente para

existência do crime. Mas e se houver emprego de violência ou grave

ameaça, como ficaria o caso?

Não seria possível admitirmos que neste caso o crime

seria de estupro simples, pois a lei certamente veio tutelar mais

rigorosamente aqueles que cometem crimes contra vulneráveis, por outro

lado, estaríamos promovendo indiretamente que o agente, ao invés de

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praticar o crime sem violência, empregasse como forma de alcançar seu

desejo sexual.

Desse modo, entendemos que aquele que empregar

violência ou grave ameaça contra vulnerável para ter conjunção carnal ou

qualquer outro ato de libidinagem deverá responder pelos crimes de

estupro de vulnerável em concurso material com o crime de

constrangimento ilegal.

Não podemos nos furtar que aquela discussão do crime

de estupro presumido ser ou não hediondo acabou, pois a lei 12.015/09

inseriu expressamente o crime de estupro de vulnerável no art. 1°, da Lei

8.072/90.

Agora a polêmica se concentra na possibilidade de

incidência ou não da causa de aumento de pena descrita no art. 9°, da lei

8.072/90. Alguns doutrinadores, entendiam que a causa de aumento de

pena prevista na lei de crimes hediondos representaria um bis in idem,

pois serviria como elementar do tipo penal e posteriormente como causa

de aumento de pena. Os tribunais, principalmente, o STF entendia no

sentido de não haver a duplicidade, pois elementar do tipo penal e

circunstância de causa de aumento de pena tem natureza jurídica

distintas.

Atualmente, como a nova lei revogou o art. 224, do CP,

não haverá mais necessidade de permanecer a discussão, não havendo

incidência da causa de aumento de pena descrita no art. 9°, da lei

8.072/90.

Page 20: Crimes sexuais

Recentemente, o STF determinou o juízo das Execuções

Penais ajustar a condenação do réu ao novo entendimento que considera

que a causa de aumento de pena da lei de crimes hediondos está

revogada pela lei 12.015/90.

Quanto as discussões das qualificadoras, embora sejam

autônomas, previstas no próprio art. 217-A, remetemos o leitor as

problemáticas das qualificadoras do estupro, do mesmo modo com

relação a tentativa e momento consumativo.

1.7 Da Corrupção de Menores.

O art. 218 teve o conteúdo totalmente alterado pela lei

12.015/09, inicialmente, o crime de corrupção de menores era praticado

quando o agente corrompia ou facilitava a corrupção de pessoa maior de

quatorze anos e menor de dezoito anos, com ela praticando ato de

libidinagem, ou induzindo-o a praticar ou presenciar.

Infere-se da nova redação uma modalidade especial de

lenocínio, quando o agente induz alguém menor de quatorze anos a

satisfazer a lascívia de outrem. O art. 227, do CP prevê o crime de

Mediação Para Servir a Lascívia de Outrem.

O legislador, embora tenha preservado o nomen júris

da corrupção de menores, o crime de fato é de mediação para servir a

lascívia de outrem tendo como vítima uma pessoa menor de quatorze

anos.

Page 21: Crimes sexuais

Assim, houve o que denominamos de abolitio criminis

com a antiga forma da corrupção de menores, pois atualmente o crime

existirá quando alguém convencer um menor de quatorze anos a

satisfazer a lascívia de uma terceira pessoa.

A lascívia descrita pelo legislador consiste em qualquer

forma de atividade ligada ao sexo, ou seja, qualquer comportamento de

natureza sexual, que tenha por finalidade realizar os desejos libidinosos de

alguém.

É importante que o agente convença a vítima a

satisfazer o desejo sexual de pessoa determinada, pois do contrário o

crime deixa de ser corrupção de menores para caracterizar o delito de

favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual.

Não podemos nos distanciarmos da ideia que o delito é

restrita a atividade contemplativa, pois se houver a conjunção carnal ou

qualquer outra forma de ato de libidinagem o crime deixa de ser

corrupção para caracterizar o crime de estupro de vulnerável.

Neste ponto, se o terceiro tiver contato físico com a

menor de quatorze anos o crime será o de estupro de vulnerável ou

estupro, se for previsível em relação ao agente que convenceu a menor,

haverá participação em crime de estupro de vulnerável ou estupro

simples. Não esqueça a possibilidade de participação em crime menos

grave, assim poderá o sujeito que induziu a menor responder pela

corrupção, mesmo com o contato físico, nos termos do art. 29, § 2° do CP.

Page 22: Crimes sexuais

1.8 Satisfação de Lascívia Mediante Presença de Criança ou Adolescente.

O art. 218-A corrigiu uma imperfeição que havia na

redação do art. 218, do CP, ante a previsão que tutelava apenas os

maiores de quatorze anos e menores de 18 anos, dessa forma quando o

agente obrigasse a vítima menor de quatorze apenas a presenciar o ato de

libidinagem o fato era atípico, muito forçosamente poderíamos

caracterizá-lo como crime de constrangimento ilegal.

Agora diante da nova redação, comete o crime quem

praticar na presença de alguém menor de quatorze anos, ou induzir a

presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer

lascívia própria ou de outrem.

Para que ocorra o crime em estudo, é necessário que o

agente esteja praticando a conjunção carnal ou outro ato de libidinoso na

presença de menor de quatorze anos, sendo irrelevante a consciência do

menor.

A finalidade do agente, ao permitir ou a induzir que o

menor assista a prática dos atos sexuais pode ser tanto dirigida à

satisfação da sua própria lascívia, como de terceiros.

O crime se consuma quando o menor efetivamente

presencia a prática da conjunção carnal ou outro ato libidinoso,

satisfazendo a lascívia do agente que pratica os atos sexuais, ou mesmo de

terceiro.

Page 23: Crimes sexuais

1.9 Favorecimento da Prostituição ou Outra Forma de Exploração Sexual

de Vulnerável.

Por fim, chegamos ao estudo especial do crime de

favorecimento da prostituição. O art. 218-B descreve o Favorecimento da

Prostituição de Vulnerável. Quando a vítima não for considerada

vulnerável o crime estará previsto no art. 228, do CP.

Pratica o crime o sujeito que submete, induz ou atrai à

prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de

dezoito anos ou, que por enfermidade ou deficiência mental, não tem o

necessário discernimento para prática do ato, ou ainda, facilita, impede ou

dificulte que abandone.

Infere-se do núcleo do tipo penal que submeter

consiste em sujeitar à vítima à prostituição. Induzir ou atrair acaba sendo

faces de uma mesma moeda, pois convencer ou estimular à prostituição

não deixa de ter sentido único. Ocorre a facilitação quando o agente

proporciona meios eficazes de exercer a prostituição. Também configura o

crime quando o sujeito impede ou dificulte que a vítima abandone a

prostituição, neste caso os exemplos são farto e notoriamente

conhecidos, como por exemplo, a atividade extorsão relativas as eventuais

dívidas de hospedagem.

Quando o tipo penal menciona qualquer outra forma

de exploração sexual, significa que haverá crime quando a vítima

trabalhasse em casa de streap-tease, disque sexo etc.

Page 24: Crimes sexuais

O crime é tipo penal alternativo ou crime de ação

múltipla ou de conteúdo variado, isto significa que a prática de um núcleo

do verbo do tipo ou de vários resultará em crime único.

Note que o dispositivo penal menciona que haverá

crime quando o agente, por exemplo, convença alguém menor de 18 anos

à prostituição, mas existe um limite de idade no tipo penal. Desse forma, o

sujeito somente poderá cometer o crime quando a vítima for menor de 18

anos e maior de 14 anos, do contrária estriamos diante de participação de

estupro de vulnerável ou corrupção de menores dependendo do caso.

Não obstante o crime se consume com a simples

entrega ao comércio carnal, entendemos que deverá ter uma

habitualidade, isto significa que o crime é instantâneo, mas a atividade

carnal deverá ser habitual, pois inexiste prostituição eventual.

Devemos tomar cuidado que majoritariamente, os

doutrinadores entendem que a entrega a um único cliente seria suficiente

para haver o crime.

O art. 218-B inseriu ainda em nosso ordenamento duas

formas equiparadas de praticar o crime, quais sejam, quem pratica

conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 anos e

maior de 14 anos na situação descrita no caput do artigo e quando o

proprietário, o gerente ou o responsável do local permita que se

verifiquem as práticas referidas no caput do art. 218-B.

O legislador visou punir também que não facilita mas

mantém relacionamento com alguém maior de 14 anos e menor de 18

anos, na verdade é uma forma de inibir o incentivo à prostituição. Houve

Page 25: Crimes sexuais

ainda a previsão do inciso II, do § 2°, do art. 218-B para coibir o turismo

sexual.

Por fim, cabe mencionar que o proprietário, gerente ou

responsável do local onde ocorrer à prática das atividades descritas no art.

218-B perderá a licença de localização e de funcionamento do

estabelecimento, consoante o § 3°, do art. 218-B. Apenas tome cuidado

que, embora o efeito seja obrigatório, o julgador deverá fazer menção a

ele em sua sentença, apontando o estabelecimento onde eram levadas a

efeito as condutas previstas pelo caput do art. 218-B. A sua omissão

poderá ser suprida pela via dos embargos de declaração.

1.1.1 Jurisprudência.

Estupro e atentado violento ao pudor: continuidade delitiva - 1 A 1ª Turma concedeu, de ofício, habeas corpus para incumbir ao juízo da execução a tarefa de

enquadrar o caso ao cenário jurídico trazido pela Lei 12.015/2009, devendo, para tanto, proceder à nova

dosimetria da pena fixada e afastar o concurso material entre os ilícitos contra a dignidade sexual,

aplicando a regra da continuidade (CP, art. 71, parágrafo único: “Nos crimes dolosos, contra vítimas

diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a

culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as

circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o

triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código”). Na situação dos

autos, pleiteava-se a exclusão da causa de aumento de pena prevista no art. 9º da Lei 8.072/90 (Lei dos

Crimes Hediondos) a condenado pela prática dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor contra

menores de 14 anos. A impetração argumentava que: a) a aplicação da referida causa especial de aumento

com a presunção de violência decorrente da menoridade das vítimas, sem a ocorrência do resultado lesão

corporal grave ou morte, implicaria bis in idem, porquanto a violência já teria incidido na espécie como

elementar do crime; e b) o art. 9º daquela norma estaria implicitamente revogado após o advento da Lei

12.015/2009.

HC 103404/SP, rel. Min. Dias Toffoli, 14.12.2010. (HC-103404)

Estupro e atentado violento ao pudor: continuidade delitiva - 2 Inicialmente, a Turma, por maioria, vencido o Min. Marco Aurélio, não conheceu do writ, ao

fundamento de que a apreciação da matéria sob o enfoque da nova lei acarretaria indevida supressão de

instância. Salientou-se, no entanto, a existência de precedentes desta Corte segundo os quais não

configuraria bis in idem a aludida aplicação da causa especial de aumento de pena. Ademais, observaram-

se recentes posicionamentos das Turmas no sentido de que, ante a nova redação do art. 213 do CP, teria

desaparecido o óbice que impediria o reconhecimento da regra do crime continuado entre os antigos

delitos de estupro e atentado violento ao pudor. Por fim, determinou-se que o juízo da execução enquadre

a situação dos autos ao atual cenário jurídico, nos termos do Enunciado 611 da Súmula do STF

(“Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das execuções a aplicação de lei

mais benigna”). Alguns precedentes citados: HC 102355/SP (DJe de 28.5.2010); HC 94636/SP (DJe de

24.9.2010).

HC 103404/SP, rel. Min. Dias Toffoli, 14.12.2010. (HC-103404)

Page 26: Crimes sexuais

Estupro e Atentado Violento ao Pudor: Lei 12.015/2009 e Continuidade Delitiva Em observância ao princípio constitucional da retroatividade da lei penal mais benéfica (CF, art. 5º,

XL), deve ser reconhecida a continuidade delitiva aos crimes de estupro e atentado violento ao pudor

praticados anteriormente à vigência da Lei 12.015/2009 e nas mesmas condições de tempo, lugar e

maneira de execução. Com base nesse entendimento, a Turma concedeu habeas corpus de ofício para

determinar ao juiz da execução, nos termos do enunciado da Súmula 611 do STF, que realize nova

dosimetria da pena, de acordo com a regra do art. 71 do CP. Tratava-se, na espécie, de writ no qual

condenado em concurso material pela prática de tais delitos, pleiteava a absorção do atentado violento ao

pudor pelo estupro e, subsidiariamente, o reconhecimento da continuidade delitiva. Preliminarmente, não

se conheceu da impetração. Considerou-se que a tese defensiva implicaria reexame de fatos e provas,

inadmissível na sede eleita. Por outro lado, embora a matéria relativa à continuidade delitiva não tivesse

sido apreciada pelas instâncias inferiores, à luz da nova legislação, ressaltou-se que a citada lei uniu os

dois ilícitos em um único tipo penal, não mais havendo se falar em espécies distintas de crimes. Ademais,

elementos nos autos evidenciariam que os atos imputados ao paciente teriam sido perpetrados nas

mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução.

HC 96818/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 10.8.2010. (HC-96818)

RELATOR: MIN. CEZAR PELUSO

R E L A T Ó R I O

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO - (Relator): Trata-se de habeas corpus impetrado pela PROCURADORIA-GERAL

DO ESTADO DE SÃO PAULO em favor de **, contra decisão proferida no RE nº 718.121 do Superior Tribunal de Justiça.

O paciente foi condenado pelos delitos previstos nos artigos 213 e 214, na forma do art. 69, todos do Código Penal, à pena de 12 (doze) anos de reclusão, em regime integral fechado (fl. 40).

Houve apelação da defesa, e o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo reconheceu a continuidade delitiva, reduzindo a

pena para sete anos de reclusão em regime inicial fechado (fl. 47). Dessa decisão recorreu o Ministério Público, e o STJ deu-lhe provimento ao recurso para repelir a continuidade delitiva entre

os crimes de estupro e atentado violento ao pudor e restabelecer o regime integralmente fechado para o cumprimento da pena, em

decisão monocrática assim ementada:

“RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIMES HEDIONDOS. PROGRESSÃO DE REGIME. IMPOSSIBILIDADE. ART. 2º, § 1º, LEI 8.072/90. INAPLICABILIDADE DA LEI 9.455/97. SÚMULA 698 DO STF. ESTUPRO E ATENTADO

VIOLENTO AO PUDOR. APLICAÇÃO DO ART. 71 DO CP. IMPOSSIBILIDADE. DELITOS DE ESPÉCIES DISTINTAS.

PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO” (fl. 48).

Alega, a defesa, a existência de duplo constrangimento ilegal, diante do não-reconhecimento da continuidade entre os delitos e da vedação à progressão de regime.

Requer seja restabelecida a decisão do Tribunal de Justiça, reconhecendo-se a continuidade delitiva e o cumprimento da pena

em regime inicialmente fechado.

Concedi parcialmente a liminar, para reconhecer o direito à progressão de regime (fls. 55-56).

A Procuradoria-Geral da República opinou pela concessão parcial do writ, apenas para afastar o óbice à progressão de regime (fls. 84-90).

É o relatório.

V O T O

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO - (Relator): 1. O Plenário desta Corte, no julgamento do HC nº 86.238 (Rel.

p/ac. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, j. 18/06/2009) assentou, contra meu voto, que se não admite reconhecimento de crime continuado entre os delitos de estupro e de atentado violento ao pudor, ainda que presentes os requisitos conceptuais que se devem

extrair do art. 71 do Código Penal (cf. ainda HC nº 89.770, Rel. Min. EROS GRAU, DJ 06/11/2006; HC nº 83.453, Rel. Min.

CARLOS VELLOSO, DJ 24/10/2003; HC nº 75.451, Rel. Min. NERI DA SILVEIRA, DJ 02/06/2000; HC nº 74.630, Rel. Min. ILMAR GALVÃO, DJ 07/03/1997; HC nº 70.334, Rel. Min. SYDNEY SANCHES, DJ 27/05/1994; RE nº 111.083, Rel. Min.

ALDIR PASSARINHO, DJ 15/04/1987; RE nº 103.161, Rel. Min. OSCAR CORRÊA, DJ 21/09/1984).

Entendo, contudo, que o debate adquiriu nova relevância com o advento da Lei nº 12.015/2009, que, entre outras alterações

no Título VI do Código Penal, lhe unificou as redações dos antigos arts. 213 e 214 em um tipo único, verbis:

“Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.

Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.”

Conquanto mantenha o nomen juris, a redação do novo tipo penal “descreve e estabelece uma única ação ou conduta do

sujeito ativo, ainda que mediante uma pluralidade de movimentos. Há somente a conduta do agente de constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça”. Ademais, “é de vital importância observar que o constrangimento é dirigido a que a vítima

pratique ou deixe que com ela se pratique atos libidinosos, sejam eles de qualquer espécie, seja através de conjunção carnal, seja

através de coito anal, seja através de felação etc., já que tais modalidades nada mais são do que espécies do gênero ato libidinoso, e, tanto isso é verdade, que o tipo penal em questão é explícito ao mencionar conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a

confirmar, pois, tal afirmação”.

Page 27: Crimes sexuais

Como se vê, a alteração legislativa repercute decisivamente no debate. Ora, se o impedimento para reconhecer a continuidade delitiva entre o estupro e o atentado violento ao pudor residia tão-somente no fato de não serem crimes da mesma espécie,

entendidos, pela ilustrada maioria, como fatos descritos pelo mesmo tipo penal, tal óbice foi removido pela edição da nova lei.

Pode-se extrair, daí, que o novo tipo penal vai além da mera junção dos tipos anteriores, na medida em que integra todas as

espécies de atos libidinosos praticados num mesmo contexto fático, sob mesmas circunstâncias e contra a mesma vítima. Isso significa que a nova lei torna possível o reconhecimento da continuidade delitiva entre os antigos delitos de estupro e atentado

violento ao pudor, quando praticados nas mesmas circunstâncias, sem prejuízo do entendimento da Corte de reduzir conceitualmente

a figura à identidade de espécie dos crimes.

Nesse sentido, entende MATHEUS SILVEIRA PUPO, em recentíssimo artigo:

“[A]glutinando aqueles dois crimes em um único dispositivo, certamente se terá como repercussão prática a mudança no entendimento quase pacífico no âmbito dos Tribunais Superiores, não reconhecendo a existência de crime

continuado entre o antigo estupro e o atentado violento ao pudor, afora as hipóteses de praeludia coiti, sob o argumento de

que não seriam crimes da mesma espécie, ainda que praticados nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução.

Afinal, doravante, o óbice intransponível apontado por esta corrente – tratar-se de crimes antevistos em tipos

diferentes – deixou de existir, pois as duas condutas, antes autônomas, estão agora tratadas na mesma figura penal.

Por ser assim, quando perpetrados nas mesmas condições de locus, tempus e modus operandi, nos termos do artigo

71 do Código Penal, deverá ser reconhecida a existência de crime continuado, quanto às condutas que antes recebiam o

nomen iuris de estupro e de atentado violento ao pudor, hoje contempladas no artigo 213, caput, da Lei Penal.”

2. Está claro, pois, que a Lei nº 12.015/09 constitui lei penal mais benéfica, donde aplicar-se retroativamente, nos termos do art. 5º, XL, da Constituição Federal, e art. 2º, parágrafo único, do Código Penal.

E, como visto, é incontroverso que os fatos imputados ao ora paciente foram cometidos nas mesmas circunstâncias de

tempo, modo e local e contra a mesma vítima, razão por que, aliás, a continuidade já havia sido reconhecida pelo Tribunal local.

Afastada, pois, a base legal da decisão ora impugnada, deve restabelecida a decisão do Tribunal de Justiça.

3. Quanto ao regime de cumprimento de pena também lhe assiste razão ao paciente.

Como já asseverei em sede liminar, o Plenário, no julgamento do HC nº 82.959 (Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJ 01/09/2006), declarou “a inconstitucionalidade do § 1o do artigo 2o da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990”, o que afasta, para

efeito de progressão de regime, o obstáculo representado por essa norma tida por inválida.

E, como os fatos ocorreram antes da entrada em vigor da Lei nº 11.464/07, incide a regra do art. 112 da Lei de Execução

Penal (HC nº 91.631, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, DJ 09.11.2007; HC nº 92.410, Rel. Min. MENEZES DIREITO, DJ

01.02.2008; HC nº 89.699, Rel. Min. CEZAR PELUSO, DJ 09/05/2008), sem prejuízo da apreciação, pelo magistrado competente,

nos termos do art. 66, inc. III, alínea b, da LEP, dos demais requisitos de admissibilidade de progressão de regime prisional.

4. Diante do exposto, concedo a ordem para restabelecer o acórdão proferido pelo Tribunal local, que fixou a pena do

paciente em 7 (sete) anos de reclusão, em regime inicialmente fechado.

Lei 12.015/2009: Estupro e Atentado Violento ao Pudor A Turma deferiu habeas corpus em que condenado pelos delitos previstos nos artigos 213 e 214, na

forma do art. 69, todos do CP, pleiteava o reconhecimento da continuidade delitiva entre os crimes de

estupro e atentado violento ao pudor. Observou-se, inicialmente, que, com o advento da Lei 12.015/2009,

que promovera alterações no Título VI do CP, o debate adquirira nova relevância, na medida em que

ocorrera a unificação dos antigos artigos 213 e 214 em um tipo único [CP, Art. 213: “Constranger

alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com

ele se pratique outro ato libidinoso: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009).”]. Nesse diapasão, por

reputar constituir a Lei 12.015/2009 norma penal mais benéfica, assentou-se que se deveria aplicá-la

retroativamente ao caso, nos termos do art. 5º, XL, da CF, e do art. 2º, parágrafo único, do CP.

HC 86110/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 2.3.2010. (HC-86110)

Quinta Turma

CONTINUIDADE DELITIVA. ESTUPRO. ATENTADO VIOLENTO.

PUDOR.

Trata-se, entre outras questões, de saber se, com o advento da Lei n.

12.015/2009, há continuidade delitiva entre os atos previstos antes

separadamente nos tipos de estupro (art. 213 do CP) e atentado violento ao

pudor (art. 214 do mesmo codex), agora reunidos em uma única figura típica

(arts. 213 e 217-A daquele código). Assim, entendeu o Min. Relator que

primeiramente se deveria distinguir a natureza do novo tipo legal, se ele seria

Page 28: Crimes sexuais

um tipo misto alternativo ou um tipo misto cumulativo. Asseverou que, na

espécie, estaria caracterizado um tipo misto cumulativo quanto aos atos de

penetração, ou seja, dois tipos legais estão contidos em uma única descrição

típica. Logo, constranger alguém à conjunção carnal não será o mesmo que

constranger à prática de outro ato libidinoso de penetração (sexo oral ou anal,

por exemplo). Seria inadmissível reconhecer a fungibilidade (característica dos

tipos mistos alternativos) entre diversas formas de penetração. A fungibilidade

poderá ocorrer entre os demais atos libidinosos que não a penetração, a

depender do caso concreto. Afirmou ainda que, conforme a nova redação do

tipo, o agente poderá praticar a conjunção carnal ou outros atos libidinosos.

Dessa forma, se praticar, por mais de uma vez, cópula vaginal, a depender do

preenchimento dos requisitos do art. 71 ou do art. 71, parágrafo único, do CP,

poderá, eventualmente, configurar-se continuidade. Ou então, se constranger

vítima a mais de uma penetração (por exemplo, sexo anal duas vezes), de igual

modo, poderá ser beneficiado com a pena do crime continuado. Contudo, se

pratica uma penetração vaginal e outra anal, nesse caso, jamais será possível a

caracterização de continuidade, assim como sucedia com o regramento

anterior. É que a execução de uma forma nunca será similar à de outra, são

condutas distintas. Com esse entendimento, a Turma, ao prosseguir o

julgamento, por maioria, afastou a possibilidade de continuidade delitiva entre

o delito de estupro em relação ao atentado violento ao pudor. HC 104.724-MS,

Rel. originário Min. Jorge Mussi, Rel. para acórdão Min. Felix Fischer,

julgado em 22/6/2010.

Informativo nº 0434 Período: 10 a 14 de maio de 2010.

Sexta Turma

ATENTADO. PUDOR. MENORES. CONTINUIDADE DELITIVA.

O paciente atraiu uma adolescente de 13 anos ao interior de seu

estabelecimento comercial, como o objetivo de praticar atentado violento ao

pudor contra ela. Para tanto, utilizou-se do seguinte expediente: seu empregado

beijou a vítima, e o paciente, simulando fúria, disse à vítima que sua loja

possuía circuito interno de televisão e que, caso não fizesse tudo o que lhe

fosse determinado, enviaria o filme, com a cena gravada, a seus pais. Com esse

mesmo ardil, tempos depois, constrangeu uma adolescente de 16 anos à mesma

prática. Então, condenado às penas do crime dos arts. 214, c/c o 224, “a”, e

226, I, do CP (em suas antigas redações) e, de novo, às do art. 214 do CP

(também na redação primeva), buscou, mediante habeas corpus, o

reconhecimento da continuidade delitiva (art. 71 desse mesmo codex), além do

afastamento da pecha de hediondez atribuída aos crimes. Contudo, embora haja

semelhança no modus operandi, os delitos foram praticados contra diferentes

vítimas, em dias diversos, de maneira autônoma e isolada, sem a comprovação

de qualquer liame que vinculasse ambas as empreitadas criminosas. Dessarte,

não há falar em unidade de desígnios e, consequentemente, em crime

continuado, assemelhando-se a hipótese à habitualidade criminosa. Anote-se,

também, que o habeas corpus, tal como acolhido pela jurisprudência do STJ,

não se mostra adequado à verificação da existência de crime continuado, que

requer exame detalhado de provas sobre circunstâncias de tempo, lugar e modo

de execução dos crimes cometidos, além da análise de requisitos subjetivos.

Quanto ao tema da hediondez, a Turma, a partir do julgamento do HC 88.664-

Page 29: Crimes sexuais

GO, passou a afastá-la nos crimes de estupro ou atentado violento ao pudor

cometidos mediante violência presumida. Assim, o precedente não se aplica ao

crime praticado contra a vítima de 16 anos, porque cometido na forma simples.

Entretanto, também não se afasta a hediondez do delito praticado contra a de

13 anos, pois houve violência moral consistente na grave ameaça à vítima.

Com esse entendimento, a Turma, ao prosseguir o julgamento, por maioria,

negou provimento ao recurso. O voto vencido dava parcial provimento ao

recurso para reduzir a pena do crime praticado contra a vítima de 16 anos, ao

classificar os fatos como atentado ao pudor mediante fraude (antiga redação do

art. 216 do CP). Precedentes citados do STF: HC 96.790-SC, DJe 24/4/2009;

do STJ: REsp 799.013-MG, DJ 28/9/2009; HC 94.901-SP, DJe 5/5/2008; HC

44.389-SP, DJ 13/3/2006, e HC 88.664-GO, DJe 8/9/2009. RHC 22.800-SP, Rel.

Min. Og Fernandes, julgado em 11/5/2010 (ver Informativo n. 400).

Informativo nº 0422 Período: 8 a 12 de fevereiro de 2010.

Sexta Turma

ESTUPRO. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. LEI N. 12.015/2009.

Trata-se de habeas corpus no qual se pleiteia, em suma, o reconhecimento de

crime continuado entre as condutas de estupro e atentado violento ao pudor,

com o consequente redimensionamento das penas. Registrou-se, inicialmente,

que, antes das inovações trazidas pela Lei n. 12.015/2009, havia fértil

discussão acerca da possibilidade de reconhecer a existência de crime

continuado entre os delitos de estupro e atentado violento ao pudor, quando o

ato libidinoso constituísse preparação à prática do delito de estupro, por

caracterizar o chamado prelúdio do coito (praeludia coiti), ou de determinar se

tal situação configuraria concurso material sob o fundamento de que seriam

crimes do mesmo gênero, mas não da mesma espécie. A Turma concedeu a

ordem ao fundamento de que, com a inovação do Código Penal introduzida

pela Lei n. 12.015/2009 no título referente aos hoje denominados “crimes

contra a dignidade sexual”, especificamente em relação à redação conferida ao

art. 213 do referido diploma legal, tal discussão perdeu o sentido. Assim,

diante dessa constatação, a Turma assentou que, caso o agente pratique estupro

e atentado violento ao pudor no mesmo contexto e contra a mesma vítima, esse

fato constitui um crime único, em virtude de que a figura do atentado violento

ao pudor não mais constitui um tipo penal autônomo, ao revés, a prática de

outro ato libidinoso diverso da conjunção carnal também constitui estupro.

Observou-se que houve ampliação do sujeito passivo do mencionado crime,

haja vista que a redação anterior do dispositivo legal aludia expressamente a

mulher e, atualmente, com a redação dada pela referida lei, fala-se em alguém.

Ressaltou-se ainda que, não obstante o fato de a Lei n. 12.015/2009 ter

propiciado, em alguns pontos, o recrudescimento de penas e criação de novos

tipos penais, o fato é que, com relação a ponto específico relativo ao art. 213

do CP, está-se diante de norma penal mais benéfica (novatio legis in mellius).

Assim, sua aplicação, em consonância com o princípio constitucional da

retroatividade da lei penal mais favorável, há de alcançar os delitos cometidos

antes da Lei n. 12.015/2009, e, via de consequência, o apenamento referente ao

atentado violento ao pudor não há de subsistir. Todavia, registrou-se também

que a prática de outro ato libidinoso não restará impune, mesmo que praticado

nas mesmas circunstâncias e contra a mesma pessoa, uma vez que caberá ao

Page 30: Crimes sexuais

julgador distinguir, quando da análise das circunstâncias judiciais previstas no

art. 59 do CP para fixação da pena-base, uma situação da outra, punindo mais

severamente aquele que pratique mais de uma ação integrante do tipo, pois

haverá maior reprovabilidade da conduta (juízo da culpabilidade) quando o

agente constranger a vítima à conjugação carnal e, também, ao coito anal ou

qualquer outro ato reputado libidinoso. Por fim, determinou-se que a nova

dosimetria da pena há de ser feita pelo juiz da execução penal, visto que houve

o trânsito em julgado da condenação, a teor do que dispõe o art. 66 da Lei n.

7.210/1984. HC 144.870-DF, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 9/2/2010.

Informativo nº 0400 Período: 22 a 26 de junho de 2009.

Sexta Turma

ESTUPRO. VIOLÊNCIA PRESUMIDA.

O ora paciente foi condenado, em primeiro grau, à pena de 8 anos e 7 meses de

reclusão pela prática de estupro contra menor de 14 anos de idade. O TJ deu

provimento à apelação da defesa, reduzindo a pena a 6 anos e 9 meses de

reclusão a ser cumprida integralmente no regime fechado, considerado o

caráter de hediondez desse delito, ainda que na forma de violência presumida.

No HC, alega-se não existirem elementos de convicção para condenação do

paciente e ainda se sustenta, subsidiariamente, falta de fundamentação à

exasperação da pena acima do mínimo legal; assim, pede-se sua absolvição.

Para o Min. Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP), um aspecto

que merece destaque prende-se a que, para boa interpretação da lei, é

necessário levar em consideração todo o arcabouço normativo, todo o

ordenamento jurídico do País. A interpretação da lei não prescinde do

conhecimento de todos os ramos do Direito. Mas uma visão abrangente desse

arcabouço facilita, e muito, o entendimento, bem como sua interpretação. Em

tal linha de raciocínio, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) precisa

ser analisado para enfrentar essa questão, qual seja, a de se saber se o estupro e

o atentado violento ao pudor por violência presumida se qualificam como

crimes e, mais, como crimes hediondos. Conforme o art. 2º daquele Estatuto, o

menor é considerado adolescente dos 12 aos 18 anos de idade, podendo até

sofrer medidas socioeducativas. Assim, se o menor, a partir de 12 anos, pode

sofrer tais medidas por ser considerado pelo legislador capaz de discernir a

ilicitude de um ato infracional, tido como delituoso, não se concebe, nos dias

atuais, quando os meios de comunicação em massa adentram todos os locais,

em especial os lares, com matérias alusivas ao sexo, que o menor de 12 a 14

anos não tenha capacidade de consentir validamente um ato sexual. Desse

modo, nesse caso, o CP, ao presumir a violência por não dispor a vítima menor

de 14 anos de vontade válida, está equiparando-a a uma pessoa portadora de

alienação mental, o que não é razoável, isso em pleno século XXI.

Efetivamente, não se pode admitir, no ordenamento jurídico, uma contradição

tão manifesta, qual seja, a de punir o adolescente de 12 anos de idade por ato

infracional, e aí válida sua vontade, e considerá-lo incapaz tal como um

alienado mental, quando pratique ato libidinoso ou conjunção carnal. Ademais,

não se entende hediondas essas modalidades de crime em que milita contra o

sujeito ativo presunção de violência. Isso porque a Lei de Crimes Hediondos

não contempla tais modalidades, ali se encontra, como crimes sexuais

hediondos, tão-só o estupro e o atentado violento ao pudor, nas formas

Page 31: Crimes sexuais

qualificadas. A presunção de violência está prevista apenas no art. 224, a, do

CP, e a ela a referida lei não faz a mínima referência. E, sem previsão legal,

obviamente não existe fato típico, proibida a analogia contra o réu. Com esses

argumentos, entre outros, a Turma, ao prosseguir o julgamento, por maioria,

concedeu a ordem para desconstituir a decisão que condenou o paciente como

incurso nas penas do art. 213 do CP, absolvendo-o sob o fundamento de que os

fatos a ele imputados não configuram, na espécie, crime de estupro com

violência presumida. O Min. Og Fernandes, o relator originário, ficou vencido

em parte por entender, de acordo com julgado da Terceira Seção do STJ, o

reconhecimento da violência presumida no caso, presunção essa tida por

absoluta, só concedendo a ordem para efeito de progressão de regime. HC

88.664-GO, Rel. originário Min. Og Fernandes, Rel. para o acórdão Min.

Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP), julgado em

23/6/2009.

Informativo nº 0409 Período: 28 de setembro a 2 de outubro de 2009.

Quinta Turma

ESTUPRO. RETROATIVIDADE. LEI.

Este Superior Tribunal firmou a orientação de que a majorante inserta no art. 9º

da Lei n. 8.072/1990, nos casos de presunção de violência, consistiria em

afronta ao princípio ne bis in idem. Entretanto, tratando-se de hipótese de

violência real ou grave ameaça perpetrada contra criança, seria aplicável a

referida causa de aumento. Com a superveniência da Lei n. 12.015/2009, foi

revogada a majorante prevista no art. 9º da Lei dos Crimes Hediondos, não

sendo mais admissível sua aplicação para fatos posteriores à sua edição. Não

obstante, remanesce a maior reprovabilidade da conduta, pois a matéria passou

a ser regulada no art. 217-A do CP, que trata do estupro de vulnerável, no qual

a reprimenda prevista revela-se mais rigorosa do que a do crime de estupro

(art. 213 do CP). Tratando-se de fato anterior, cometido contra menor de 14

anos e com emprego de violência ou grave ameaça, deve retroagir o novo

comando normativo (art. 217-A) por se mostrar mais benéfico ao acusado, ex

vi do art. 2º, parágrafo único, do CP. REsp 1.102.005-SC, Rel. Min. Felix

Fischer, julgado em 29/9/2009.

Page 32: Crimes sexuais

2.0 Bibliografia.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal Parte Especial, v III. Rio de Janeiro:

Ed. Impetus, 2011.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo: Ed. RT,

2011.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal Parte Especial, v 3. São Paulo: Ed

Saraiva, 2011.

GOMES, LUIZ FLÁVIO; CUNHA, Rogério Sanches. Direito Penal Especial, v.

3. São Paulo: RT, 2010.